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Maria da Conceição Calmon Arruda
A Reforma do Ensino Médio Técnico:
democratização ou cerceamento?
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação Brasileira da
PUC-Rio como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em
Educação Brasileira.
Orientador: Leandro Augusto
Marques Coelho Konder.
Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410354/CA
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MARIA DA CONCEIÇÃO CALMON ARRUDA
A Reforma do Ensino Médio Técnico:
democratização ou cerceamento?
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação do Departamento de
Educação do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Profº. Leandro Augusto Marques Coelho Konder
Orientador
PUC-Rio
Profº. Ralph Ings Bannell
Presidente
PUC-Rio
Profª. Alicia Maria Catalano de Bonamino
PUC-Rio
Prof. Gaudêncio Frigotto
UERJ
Profª. Marise Nogueira Ramos
UERJ
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 11 dezembro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410354/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização do autor, do orientador e da
universidade.
Maria da Conceição Calmon Arruda
Graduou-se em Biblioteconomia na UNI-RIO
(Universidade do Rio de Janeiro) em 1988. Mestre
em Ciência da Informação pela UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) em 1999.
Ficha Catalográfica
CDD: 370
CDD: 370
Arruda, Maria da Conceição Calmon
A reforma do ensino médio técnico :
democratização ou cerceamento? / Maria da
Conceição Calmon Arruda ; orientador: Leandro
Augusto Konder. – 2007.
185 f. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia
1. Educação Teses. 2. Reforma do ensino
médio técnico. 3. Ensino médio técnico. 4.
Trabalho-educação. I. Konder, Leandro Augusto.
II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.
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A José e Hilda que sempre trabalharam e me inspiraram.
A Júlio e Maurício, que mesmo sem saber, estão buscando seu lugar no mundo.
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Agradecimentos
Ao professor Leandro Konder, pela generosidade e pela atenção que me dispensou
durante o processo de orientação.
À PUC-Rio, pela concessão da bolsa de isenção que viabilizou este estudo.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação, com quem tive a
oportunidade de conviver ao longo do curso, especialmente aos professores Ralph
Ings Bannell, Zaia Brandão, Alicia Bonamino e Rosália Duarte.
Aos amigos e professores Lucília Lino de Paula e Donaldo Bello, pelo carinho e
pela colaboração, sem os quais a caminhada teria sido mais árida.
Aos amigos do café do Leandro, em especial Rita Ribes, Wagner Braga e Clóvis.
Ao professor Giovani Gláucio, pelo apoio e dicas durante a tabulação dos
questionários.
À minha irmã Cláudia Calmon, pela interlocução e disposição para a leitura.
Ao professor Paulo Oliveira, amigo de infância, que revisou este texto.
Aos amigos, pelo apoio e pelo afeto, especialmente Ana Maria, Emiliana, Jorge,
Reinaldo e Sandra.
Aos colegas de curso, Diana e Glauco, pelas sugestões.
Às escolas, que permitiram a realização da pesquisa e aos alunos que se
dispuseram a participar desse estudo.
Aos funcionários do Departamento de Educação e da Biblioteca Central, pela
gentileza e atenção.
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Resumo
Arruda, Maria da Conceição Calmon; Konder, Leandro Augusto Marques. A
Reforma do ensino médio técnico: democratização ou cerceamento? Rio
de Janeiro, 2007. 185p. Tese de doutorado Departamento de Educação,
Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A presente investigação sobre a reforma do ensino médio técnico dos anos
90 teve como pano de fundo as mudanças por que passa o mundo do trabalho e a
relação hodierna entre trabalho e educação. O senso comum associa a educação
como um elemento propulsor da competitividade dos países e dos indivíduos em
um contexto de acirramento da competitividade intercapitalista e da adoção de
uma série de políticas desfavoráveis a quem vive do trabalho. É neste contexto
que a reforma do ensino médio técnico foi apresentada à sociedade brasileira,
como uma medida que não só propiciaria a universalização do ensino médio,
como a democratização do acesso dos alunos das camadas populares à rede
federal de ensino técnico. A partir do questionamento da capacidade da
arquitetura da reforma em contribuir para a democratização do acesso, realizamos
uma pesquisa de cunho quantitativo com 302 alunos de três escolas técnicas da
região metropolitana do Rio de Janeiro. Nossa interrogação inicial se desdobrou
em três questões que permearam a pesquisa: (1) a reforma, longe de ter
democratizado o acesso dos alunos das camadas populares ao ensino técnico
federal, o teria colocado mais distante da realidade desses atores sociais, em
função das dificuldades postas para cursar o ensino técnico; (2) a existência de
escolas técnicas privadas destinadas às camadas médias seria um indicativo do
interesse desse estrato social pelo ensino médio técnico e (3) o restabelecimento
do sistema de ensino dual no secundário estaria associado não a um projeto de
democratização do ensino, mas a uma concepção de educação que vê na formação
para o trabalho a trajetória escolar mais adequada aos alunos das camadas
populares. A tulo de conclusão destacamos que a concepção de educação
norteadora da reforma, longe de ter um compromisso efetivo com a
democratização do acesso das camadas populares ao sistema de ensino, buscou
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consolidar a educação profissional como o caminho natural desse estrato social; e
afirmamos que as escolas técnicas federais não são escolas de elite porque têm
como proposta uma formação para o trabalho, o que, independente das aspirações
de seus alunos, vai estabelecer uma socialização diversa da proposta pelas escolas
de elites.
Palavras-chaves:
Reforma do ensino médio técnico; ensino médio técnico; trabalho-educação.
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Abstract
Arruda, Maria da Conceição Calmon; Konder, Leandro Augusto Marques. A
Reforma do ensino médio técnico: democratização ou cerceamento? Rio
de Janeiro, 2007. 185p. Tese de doutorado Departamento de Educação,
Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The current investigation on the 90’s secondary technical education reform
emphasizes the changes occurred in the labor field as well as the present
relationship between education and labor. The common sense associates education
to a propelling element of competition of countries and individuals in an
aggressive intercapitalist competitivity linked to the adoption of a series of
unfavorable policies towards those who live on their work capacity. The
secondary technical education reform was introduced to Brazilian society in this
context, that is, it was a measure that not only would help universalizing
secondary education, but also would democratize the access of students from
lower classes to the federal network of technical schools. We argued, firstly, the
architectural capacity of the reform in contributing to democratize the access by
implementing a quantitative survey with 302 students who belonged to 3 technical
schools of the metropolitan area of Rio de Janeiro. Our first concern was
subdivided into three other ones: (1) the reform, instead of democratizing the
access of lower class students to the federal schools, ended up by creating
distances, due to the obstacles these students had regarding the difficulties they
faced in attending the technical schools; (2) the existence of private technical
schools that aimed at the middle class students would indicate the interest of this
middle class in secondary technical education, and (3) the re-establishment of the
dual system of education in the secondary levels would be associated not to a
project of democracy in educational system but to a conception of education that
understands the technical education as the most adequate issue to students from
lower classes. As a conclusion we will affirm that is the conception of education
that the reform embodies which, far from democratizing the access of the general
public to the educational system, ended up, instead, by consolidating the
professional education as a natural way to students from lower classes; and that
the public technical schools aren’t elite institutions as they focus on trainning their
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students to the jobmarket, what provides them with completely different
experiences from those provided by the elite schools.
Keywords:
Reform of the secondary technical education; secondary technical
education; labor-education.
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Sumário
1 Introdução ........................................................................................14
2 A Relação trabalho educação no cenário contemporâneo...............20
2.1 Introdução......................................................................................20
2.2 A Solução neoliberal......................................................................23
2.3 Liberdade x Igualdade na tradição liberal ......................................30
2.4 A Emergência de um novo tipo humano?......................................34
2.5 Algumas considerações.................................................................47
3 A Posição do Brasil no sistema capitalista.......................................51
3.1 Introdução......................................................................................51
3.2 O Brasil e as três revoluções industriais........................................51
3.3 O Trabalho na terceira revolução industrial ...................................69
3.4 Emprego e desemprego no Brasil nos anos 90: ação e reação ....72
3.5 Educação para a competitividade..................................................79
3.6 Algumas considerações.................................................................86
4 A Reforma do ensino médio técnico: ruptura ou adaptabilidade?....88
4.1 Introdução......................................................................................88
4.2 O Debate .......................................................................................88
4.3 Ensino médio .................................................................................96
4.4 O Ensino médio à luz da LDB de 1996........................................105
4.5 Os Pressupostos que nortearam a reforma.................................107
4.6 Decreto 2.208 de 17/04/1997: marco ou resultante?...................119
4.7 A Reforma nas escolas técnicas federais....................................125
4.8 O Decreto 5.154 de 2004 e o consenso possível ........................128
4.9 Algumas considerações...............................................................130
5 A Reforma do ensino médio técnico: democratização ou
cerceamento?.....................................................................................132
5.1 Introdução....................................................................................132
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5.2 As Escolas ...................................................................................137
5.3 Alguns argumentos dos reformadores.........................................138
5.4 O Perfil dos alunos.......................................................................150
5.5 A Representação dos alunos de educação e de trabalho............158
5.6 Algumas considerações...............................................................168
6 Considerações finais......................................................................170
7 Referências bibliográficas ..............................................................175
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Lista de Tabelas
Tabela 1: Dados PNAD e matrículas no ensino médio em 2005............77
Tabela 2: O Ensino Médio no censo escolar 2004-2006........................78
Tabela 3: Relação escolas/alunos........................................................135
Tabela 4: Algumas ocupações típicas dos estratos socioocupacionais136
Tabela 5: Estratificação socioocupacional dos pais por escola............141
Tabela 6: Estratificação socioocupacional das mães por escola..........142
Tabela 7: Renda familiar ......................................................................142
Tabela 8: Escolaridade dos pais por escola.........................................145
Tabela 9: Escolaridade das mães por escola.......................................145
Tabela 10: Ensino Fundamental.............................................................151
Tabela 11: Distribuição dos alunos por local de residência....................152
Tabela 12: Avaliação da concomitância por escola................................155
Tabela 13: Cursos técnicos oferecidos pelas escolas............................156
Tabela 14: Áreas profissionais ...............................................................157
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Lista de Siglas e Abreviaturas
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento.
C&T - Ciência e Tecnologia.
CBO - Classificação Brasileira de Ocupações.
CEB- Câmara de Educação Básica
CEDERJ - Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro.
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica.
CNE - Conselho Nacional de Educação.
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio.
FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador.
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FUNDEB - Fundo da Educação Básica.
GOTs - Ginásios Orientados para o Trabalho.
IFET - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.
JK - Juscelino Kubitschek
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
P&D - Pesquisa e Desenvolvimento
PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação.
PIB - Produto Interno Bruto
PLANFOR - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador.
PNAD
- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio.
PNE - Plano Nacional de Educação.
PNQ - Plano Nacional de Qualificação.
PREAL - Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e
Caribe.
PROEP - Programa de Expansão da Educação Profissional.
ProUni - Programa Universidade para Todos.
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
SM – Salário mínimo nacional.
TICs - Novas Tecnologias de Informação e Comunicação.
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1
Introdução
O senso comum em torno da importância da educação básica para o
trabalhador tem como pano de fundo as transformações por que passa o sistema
capitalista contemporâneo e a necessidade de se contar com uma força de trabalho
mais integrada ao sistema produtivo. A educação é vista como um componente
importante para o desempenho econômico das empresas e dos países e para a
inserção dos agentes sociais no mercado de trabalho, apesar dos estudos
mostrarem que muitas vezes a qualificação de empregados e desempregados se
eqüivalem e que há uma tendência ao uso decrescente da força de trabalho.
No entanto, a realidade não inibe o discurso que vincula o sucesso na
obtenção de uma posição no mercado de trabalho ao investimento individual em
educação e os indivíduos se vêem premidos a procurarem algum tipo de educação
que afaste o fantasma do desemprego ou que lhes possibilitem o desenvolvimento
de alguma atividade legal geradora de renda.
Entretanto, tal como está posto, o sistema público de ensino não atende as
necessidades da maioria da população. A ampliação do acesso ao sistema não
conseguiu garantir a qualidade do ensino ofertado, muito menos uma dotação
orçamentária adequada. A descentralização promovida pela reforma da educação
básica concentrou nas mãos do Governo Federal as principais decisões sobre o
formato do sistema e a avaliação dos alunos e transferiu para os Estados e
Municípios a responsabilidade por sua implementação, sem, contudo, prever uma
transferência de recursos condizentes com as novas responsabilidades.
É importante salientar que a inadequação dos recursos financeiros
destinados ao sistema de ensino não é específica do momento atual, mas um fator
recorrente das políticas públicas voltadas para o setor. A resposta dos diferentes
governos às pressões populares por ampliação do sistema sempre teve como
contrapartida uma política de educação subordinada à racionalidade econômica e
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às expectativas de desempenho econômico do país. Os problemas do sistema de
ensino seriam resolvidos na medida que os resultados econômicos previstos
fossem alcançados.
Com a reforma de ensino dos anos 90 não foi diferente. O sistema público
de ensino finalmente se tornou um sistema de massa sem que os recursos
materiais e humanos necessários para a oferta de um ensino de qualidade fossem
previstos. Mais uma vez a qualidade do sistema foi transferida para o futuro,
que sob novas condições sociais, políticas e econômicas. O país se democratizou e
foram os governos eleitos pelo voto popular que ajustaram o sistema público de
ensino ao prisma da racionalidade neoliberal.
Um dos slogans do governo militar dirigido a crianças e jovens era: vocês
são o futuro do Brasil. E o futuro era descrito como brilhante: o país vinha
mantendo um ritmo de crescimento impressionante, se industrializava, ampliava o
acesso das camadas populares à educação etc. Enfim, o país se modernizava (ou
era “modernizado”) de cima para baixo. Era a tentativa de realizar o mito do
Brasil Grande.
A mensagem subliminar deste slogan, numa incorporação da teoria do
capital humano, era de que aqueles que se dedicassem aos estudos e acreditassem
no país (não democrático) teriam a sua frente um futuro luminoso (apesar do
fordismo mostrar sinais de esgotamento nos países centrais). Podemos dizer
que toda uma geração cresceu embalada pelo mito revisitado do Brasil Grande:
grandes obras cortavam o país, impulsionadas pelo endividamento externo e por
um contexto político que o abria espaço para o debate público sobre o destino
do país. O rodízio de poder entre os militares, as tentativas de controle das
eleições legislativas, a censura, o Brasil ame-o ou deixe-o, a anistia, as greves do
ABC paulista etc. são alguns dos fatos que se consubstanciaram como pano de
fundo da geração que nasceu após o golpe de 1964, independente do
posicionamento político dos atores individualmente, que são contemporâneos a
esta geração.
Essa mesma geração viveu a redemocratização do país, o retorno de
lideranças que o conheceu e o arrefecimento das expectativas de um futuro
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luminoso (o bolo em vez de crescer parecia encolher cada vez mais). O caminho
apontado para retomar este futuro era criar condições que viabilizassem o
crescimento econômico. Assim, pari passu com a redemocratizaçao do país
buscou-se, por tentativa e erro, uma série de planos econômicos que recolocassem
o país nos trilhos do crescimento econômico.
O país, que sempre fora pobre e desigual, apesar de suas exaltadas riquezas
naturais, passa a conviver com o desemprego de massa nos centros urbanos e com
um índice de desenvolvimento humano comparável ao observado em países
africanos, apesar de estar entre as vinte principais economias do mundo. Esta
contradição faz com que o Brasil mantenha a maioria da população alijada do
processo socioeconômico e da conquista de uma cidadania efetiva. Muitos
indivíduos não têm registro de nascimento ou qualquer documento que comprove
sua existência, outros sobrevivem graças aos programas governamentais de renda
mínima. Para a maioria dos brasileiros a cidadania e a própria contemporaneidade
é um vir a ser. Entretanto, este quadro parece não abalar aqueles que vêem na
melhoria do patamar educacional dos trabalhadores brasileiros um caminho para
que os problemas socioeconômicos do país sejam senão sanados, pelo menos
atenuados.
Todavia, ao discurso de valorização da educação se contrapõe o da
otimização dos recursos do fundo público. A utilização racional de recursos
públicos (principalmente os vinculados às políticas sociais) se articula com a
concepção neoliberal de público e se faz presente nas ações que o governo
brasileiro vem empreendendo, desde a década de noventa, visando a adequar o
Estado ao pensamento neoliberal, o qual atribui a crise do sistema capitalista à
inoperância do Estado e às políticas sociais do Estado Providência.
No campo das políticas públicas, a adequação do Estado brasileiro se
traduziu e se traduz no redimensionamento do papel do Estado, que diminui do
ponto de vista das políticas sociais, mas se mantém grande na atenção aos
interesses do capital. Em uma perspectiva operacional podemos dizer que este
redimensionamento se materializa nas ações governamentais voltadas para as
privatizações de ativos públicos (ontem as privatizações de bancos, estatais etc.;
hoje as parcerias público-privadas), para a criação de agências reguladoras, para a
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diminuição da estrutura administrativa estatal (privatizações, terceirização de
serviços, reforma administrativa etc.) e para o desmantelamento das políticas
sociais vinculadas ao Estado Providência (reformas trabalhista, previdenciária, da
educação etc.). Vale destacar que os ajustes nas políticas sociais estão sendo
efetuados de maneira gradual e parcial e que isto dificulta uma visão de conjunto
por parte da população acerca das reformas que vêm sendo realizadas.
Mas, mesmo que não tenha uma compreensão total dos meandros das
reformas que estão sendo implementadas, a população sabe que o mercado de
trabalho está elevando seus critérios de seleção para o emprego e que uma
certificação escolar é um requisito importante na disputa por uma posição neste
mercado.
A reforma do ensino médio técnico pode ser lida como uma tentativa do
governo de a um tempo racionalizar os recursos do fundo público e atender a
demanda da população por ampliação do acesso ao sistema de ensino.
O argumento central dos reformadores para desvincular o ensino médio do
ensino cnico foi o de que não havia interesse dos alunos das camadas dias
pelo ensino técnico. Efetuada a cisão, estes alunos tenderiam a se concentrar no
ensino médio, deixando as vagas do ensino técnico federal disponíveis para os
alunos das camadas populares. Desse modo, a reforma não democratizaria o
acesso desses últimos a um ensino médio técnico de qualidade na rede federal de
ensino, como otimizaria os recursos do fundo público, que estes alunos, por
conta de sua condição socioeconômica, tenderiam a se direcionar para o mercado
de trabalho e não para o ensino superior, ao contrário dos alunos das camadas
médias.
Assim, mais uma vez, o caso singular das escolas técnicas federais serve de
base para uma reforma de ensino. Todo o sistema de ensino médio técnico é
reconfigurado e os cursos médio e médio técnico dotados de autonomia curricular.
O Decreto 2.208/97 é o marco legal da reforma e lança as bases para que novas
formas de articulação entre educação básica e educação profissional se instalem.
Ao nosso ver a existência de escolas técnicas privadas seria um indicativo
não do interesse das camadas médias pelo ensino técnico, como da fragilidade
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do argumento utilizado pelos reformadores. A arquitetura da reforma, que dotou
os cursos com matrículas e cargas horárias distintas, é que representaria o
verdadeiro obstáculo aos alunos interessados em cursar o ensino técnico, pois
estes teriam que despender mais tempo e esforço para concluir o ensino técnico
em concomitância com o ensino médio. Mas, mesmo sob estas condições, será
que a reforma teria propiciado a democratização do acesso das camadas populares
ao ensino técnico da rede federal? Essa indagação se desdobrou em três questões
que permearam nossa pesquisa: a primeira é que a reforma, longe de ter
democratizado o acesso dos alunos das camadas populares ao ensino técnico
federal, o teria colocado mais distante da realidade desses atores sociais, em
função das dificuldades postas para cursar o ensino técnico; a segunda é que a
existência de escolas técnicas privadas destinadas às camadas médias seria um
indicativo do interesse desse estrato social pelo ensino médio técnico; a terceira é
que o restabelecimento do sistema de ensino dual estaria associado não a um
projeto de democratização do ensino, mas a uma concepção de educação que
na formação para o trabalho a trajetória escolar mais adequada aos alunos das
camadas populares.
Elegemos como campo de análise de nossa investigação os principais
afetados pela reforma: os alunos. Durante o mês de setembro de 2006 realizamos
uma pesquisa quantitativa com alunos do terceiro ano do ensino médio de três
escolas técnicas da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma privada e duas
integrantes da rede federal. A opção por alunos do terceiro ano se deu porque eles
haviam ingressado nestas escolas nas condições postas pelo Decreto 2.208/97.
Para dar conta de nossas questões de pesquisa dividimos este trabalho em
seis partes, destacando que a análise histórica sobre o ensino médio e o ensino
técnico foi realizada a partir dos estudos consolidados de Acácia Kuenzer,
Clarice Nunes, Luiz Antônio Cunha e Otaíza Romanelli. Após a presente, de
caráter introdutório, discutimos a reconfiguração do trabalho e da educação no
capitalismo contemporâneo, tendo por base a interpretação de István Mészáros
(2002) de que houve uma inversão na ideologia de meritocracia que respalda a
divisão social do trabalho; não é mais a disposição para o trabalho que prefigura o
mérito social, mas sim a disposição para a educação continuada. O indivíduo
deve se dispor a acompanhar e a se adaptar às mudanças de seu tempo, mesmo
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que elas lhe sejam desfavoráveis. Ao sistema de ensino cabe a tarefa de formar o
tipo humano adequado a esta sociabilidade.
No terceiro capítulo traçamos um painel do ensino técnico no Brasil e
discorremos sobre a posição de nosso país no sistema capitalista e as dificuldades
postas ao domínio da base técnica que possibilita a Revolução Informacional,
destacando que mais uma vez o sistema de ensino nacional foi repensado em
função da lógica produtiva.
No quarto capítulo procuramos entender que sentidos a educação assume na
atualidade a partir da análise de pesquisadores críticos do campo da educação
acerca das políticas públicas de educação, especialmente da reforma do ensino
médio técnico. Expomos, ainda, os pressupostos que respaldaram a desvinculação
do ensino técnico do ensino médio, as reações contrárias que essa ruptura suscitou
e o debate que permeou a posterior revogação do Decreto 2.208/97 e sua
substituição pelo Decreto 5.154/2004, o qual manteve a legislação infralegal que
deu suporte teórico à reforma.
No quinto capítulo apresentamos os resultados da pesquisa, os quais
mostram que o grupo de alunos pesquisado apresenta um perfil que os aproxima
das camadas médias e que, longe de rechaçar o ensino médio técnico, parece ver
na profissionalização precoce um fator de diferenciação dos alunos que cursam
exclusivamente o ensino médio. A maioria dos alunos manteve as duas matrículas
– uma para o ensino médio e outra para o ensino médio técnico – e avalia
positivamente a experiência da concomitância interna.
A título de conclusão afirmamos que as escolas técnicas federais o o e
nunca foram escolas de elite porque têm como proposta uma formação para o
trabalho, o que, independente das aspirações de seus alunos, vai estabelecer uma
socialização diversa da proposta pelas escolas de elites; e destacamos que a
concepção de educação norteadora da reforma, longe de ter um compromisso
efetivo com a democratização do acesso das camadas populares ao sistema de
ensino, buscou consolidar a educação profissional como o caminho natural desse
estrato social.
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2
A Relação trabalho educação no cenário contemporâneo
2.1
Introdução
A crise do sistema capitalista dos anos 70 e seus desdobramentos
recolocaram problemas sociais que pareciam terem sido superados e de certa
forma desvendaram a fragilidade da relação salarial e das garantias associadas a
ela, mostrando que os trabalhadores continuavam a ser o elo mais frágil no embate
entre capital e trabalho, pois muitas das soluções encaminhadas para a superação
da crise tiveram como alvo direitos por eles conquistados. Além disso, a adoção,
pelas empresas, de inovações organizacionais e técnicas possibilitaram uma
mudança no padrão de utilização da força de trabalho. A migração da rigidez
produtiva que caracterizou o fordismo para uma organização flexível da produção
e do trabalho, que denominaremos aqui acumulação flexível
1
, permite o uso
decrescente (em termos numéricos) da força de trabalho sem que a produtividade
1
A partir da Escola da Regulação, David Harvey (1996) desenvolve o conceito de acumulação
flexível para definir as mudanças políticas, socioeconômicas e culturais que transpassam as
sociedades capitalistas contemporâneas. Sua análise é que estaríamos, se não diante de um novo
regime de acumulação, mas frente a transição para um regime diverso do fordismo. E do mesmo
modo como o fordismo o se apresentou como forma dominante em todos os lugares, a
acumulação flexível se apresenta mais intensamente em alguns locais do que em outros, contudo
suas tendências e características se manifestam de modo acentuado e contribuem para plasmar um
conjunto de práticas políticas, econômicas e sócio-culturais que em muitos pontos se contrapõe à
sociabilidade proposta pelo fordismo. Um exemplo disto é que o pleno emprego e o Estado
Providência desaparecem da agenda social dos governos, para serem substituídos pelo incentivo à
atuação individual (empreendedorismo) e pelo Estado gestor. Salienta que o fordismo não foi
implementado da noite para o dia, sua assimilação como regime de acumulação se deu de forma
gradual e se potencializou sob as condições específicas do pós-Segunda Guerra Mundial. A crise
do sistema capitalista nos anos 70 põe a termo o tripé que sustentava a regulamentação fordista
(capital, Estado e trabalhadores). O Estado já não tem como financiar os bens coletivos associados
ao Estado Providência e as organizações buscam superar a crise financeira e o acirramento da
competitividade intercapitalista através de um processo de reestruturação produtiva que tem como
um de seus subprodutos o desemprego. Em seu exame sobre as mudanças que vem ocorrendo nas
sociedades capitalistas contemporâneas, Kumar (1997) destaca que “os diferentes modos de
‘controle’ e acumulação o se substituíram uns aos outros, mas coincidiram em parte. O
fordismo tradicional coexiste com o fordismo pós- ou neo- e a produção em massa,
concomitantemente com a produção flexível” (KUMAR, 1997, p. 176).
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21
seja afetada. Isto tem como conseqüência, entre outros fatores, a intensificação do
trabalho, a redução da remuneração dia do trabalhador, o desemprego
estrutural e a formação de um contingente de trabalhadores que não consegue ser
absorvido pelo mercado de trabalho. Estes trabalhadores tornam-se supérfluos
para a dinâmica produtiva.
De acordo com Robert Castel (1998, p. 33), estes atores sociais configuram
o que no passado se denominou de inúteis para o trabalho, que agora são
“pessoas e grupos que se tornaram supranumerários diante da atualização das
competências econômicas e sociais”. O perverso é que estes supranumerários
“nem sequer o explorados, pois, para isso, é preciso possuir competências
conversíveis em valores sociais”.
A análise de István Mészáros (2002) se alinha com a de Castel, mas destaca
que o desemprego estrutural é uma das quatro
2
grandes contradições do
capitalismo global e de difícil resolução, posto que é na subordinação do trabalho
ao capital que se assenta a lógica do sistema capitalista. A seu ver o capital teria
chegado ao seu limite de saturação, dado que a crise não mais se apresenta de
forma intermitente e permeada por um período de crescimento, e se antes era
possível contemplar uma parcela da população, hoje uma das características do
sistema é a desigualdade e a miséria que esta perpetua mesmo no seio dos países
centrais, onde a questão desemprego não consegue ser sanada, que para manter
2
As outras contradições o a questão ambiental e a fome, a liberação feminina e o “antagonismo
estrutural inconciliável entre o capital global (...) e os Estados Nacionais” (MÉSZÁROS, 2002, p.
222). Para Mészáros a liberação feminina é o-integrável ao capitalismo porque ela traz em seu
cerne a questão da igualdade, incompatível com a estrutura vertical, concentrada e centralizadora
do capitalismo, estrutura esta que se estende até seus microcosmos como, por exemplo, a
organização familiar e a identificação dos indivíduos entre si. Se pensarmos as outras três
contradições a partir da ótica da igualdade dificilmente encontraremos uma solução para elas no
sistema do capital, que a única possibilidade de igualdade vislumbrada pelo capital é a
contratual (jurídica). E mesmo a participação igualitária no processo eleitoral volta a ser
questionada. Lee Kuan Yew, velho estadista de Cingapura, está em campanha para alterar o
princípio de uma pessoa, um voto, e dar aos pais de família maior peso nas eleições. De acordo
com o plano do ex-primeiro–ministro, pessoas casadas e com filhos entre 35 e 60 anos teriam um
voto adicional. Segundo ele, a proposta visa dar mais peso nas eleições àqueles com
responsabilidades maiores. ... Na sua opinião, esta mudança radical seria necessária dentro de 15
ou 20 anos, porque a população de Cingapura está envelhecendo e um enorme exército de idosos
poderia ser tentado a pressionar por seguro social. Em 2030, um quarto da população deverá ter
mais de 60 anos de idade, comparado com uma proporção de 10% hoje em dia. Agora, oito
trabalhadores sustentam um idoso, e naquela época esta relação terá chegado a 2,2:1”(Ibid., p. 275,
nota 62).
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22
sua taxa de lucro o capital cria as condições para o uso decrescente da força de
trabalho e reduz os salários. Desse modo, por conta do desemprego, uma parcela
significativa dos trabalhadores é transformada em força de trabalho supérflua
3
. A
contradição é que o capital depende do consumo dos trabalhadores para sua
reprodução ampliada.
Assim, ao alvorecer do século XXI, as sociedades se vêem a volta com
questões sociais que marcaram a conjuntura do início do século XX e que
pareciam equacionadas. O ideário de progresso o caro a modernidade parece
chegar a sua plenitude técnico-científica sem que a totalidade das sociedades
tenha sido por ele beneficiada. A fome e a desnutrição ainda fazem parte da
realidade de muitos países e mesmo algumas nações ricas convivem com “sopões”
para os necessitados, já que aqueles que não contam com redes próprias de apoio e
proteção são lançados ao desamparo de sua condição social quando enfrentam o
desemprego de longa duração ou a vinculação a um emprego precário. O pleno
emprego, que foi considerado por muitos um movimento em direção à integração
dos trabalhadores ao capital, é visto hoje mais como um parêntese na história do
desenvolvimento do capitalismo do que uma realidade possível de ser retomada
4
.
3
O exército de reserva de outrora se transforma em força de trabalho supérflua em virtude de sua
utilização decrescente. No entanto, ao mesmo tempo que esta força de trabalho supérflua serve
aos interesses do sistema enquanto reprodutora do capital, ela traz em si uma contradição
explosiva, que é o desemprego crônico. A esta contradição Mészáros relaciona o interesse do
capital pelo controle do crescimento populacional e com a taxa de natalidade. Ao seu ver este
controle ajuda a conter o percentual numérico de desempregados em um nível que o
comprometa a estabilidade social, que o desemprego não causa perturbações somente para o
indivíduo isolado; seus efeitos se espraiam para todo o conjunto da sociedade, na forma de
violência e criminalidade, e de mobilização social contrária aos interesses políticos e econômicos
dominantes. O controle de natalidade é a única forma do capital conter a “multiplicação da ‘força
de trabalho supérflua’ da sociedade”, dado que qualquer alternativa metabólica viável à ordem
estabelecida exige a harmonização das necessidades humanas com recursos materiais e humanos
conscientemente geridos. Isto implica a adoção de medidas adequadas também no plano do
crescimento da população, possibilitadas por transformações radicais da estrutura geral e das
microestruturas da reprodução sociometabólica. Sem essas mudanças estruturais fundamentais,
qualquer conversa sobre chegar-se ao ‘equilíbrio global em que população e capital serão
essencialmente estáveis’ será apenas um sonho” (MÉSZÁROS, 2002, p. 318).
4
Para Mészáros (2002) o pleno emprego, tanto no ocidente, quanto na União Soviética, existiu
durante um curto período de tempo: na reconstrução do pós-guerra, dado a dissociação dinâmica
da estrutura do sistema capitalista. Mas nem neste momento conseguiu-se empregar a todos.
Sustenta, ainda, que não como retomar o keynesianismo, porque esta teoria serviu a um estágio
especifico de expansão do capital (o do pós-guerra) que se esgotou. Como o keynesianismo
“(...) opera no âmbito dos parâmetros institucionais do capital, o pode evitar de ser conjuntural,
independente de as circunstâncias vigentes favorecerem uma conjuntura de curto ou de longo
prazo. O keynesianismo, mesmo na sua variedadekeynesiana de esquerda’, está necessariamente
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23
A especificidade do cenário atual parece residir na falta de alternativas à
ideologia neoliberal. A derrota do socialismo real afetou o equilíbrio mundial,
posto que sem uma alternativa socioeconômica, o capitalismo se afirma, sem
mediação, em sociedades que ainda não alcançaram um ponto de equilíbrio
interno entre o social e o econômico.
De acordo com Hobsbawm (1993) as conquistas alcançadas pelos
trabalhadores nas democracias ocidentais foram fruto do medo da alternativa
posta pelo socialismo real e não do reconhecimento pelo sistema capitalista da
necessidade de contemplar carências humanas. Sob esta ótica, mesmo com seus
problemas o socialismo real representava a possibilidade concreta de outro
modelo societário. Sem esta mediação não barreiras, a o ser aquelas
construídas pela mediação política, para a plena expansão do capitalismo
5
. Um
exemplo disso é a rapidez com que direitos sociais e trabalhistas estão sendo
revistos pela lógica neoliberal.
2.2
A Solução neoliberal
O neoliberalismo debita a crise do capital à incapacidade do Estado em gerir
com eficiência o fundo público e aos gastos excessivos que este despendia com a
manutenção de políticas sociais. O equilíbrio financeiro do Estado poderia ser
alcançado pela redução de sua presença na economia e pela diminuição dos
contido na lógica de parada e avanço do capital, e dela sofre restrições. Mesmo em seu apogeu, o
keynesianismo representa apenas a fase de avanço de um ciclo de expansão que, mais cedo ou
mais tarde, sempre pode ser interrompida por uma fase de parada” (MÉSZÁROS, 2002, p. 25-26).
5
Expansão esta que ameaça a própria sobrevivência do planeta, aprofunda o abismo entre ricos e
pobres, assim como o individualismo, o que pode levar a um grau de erosão nas relações sociais
próximo ao da desumanização. A vitalidade de pensar uma sociedade socialista se centra na
possibilidade de se pensar em uma alternativa para um modelo social que degrada tanto o meio
ambiente, quanto o próprio homem. “O Banco Mundial calculou que de 1980 a 1987, no mundo
inteiro, ocorreram pouco mais de 400 privatizações e que metade delas se realizou em cinco
países: Brasil, a Grã-Bretanha de Thatcher, Chile, Itália e Espanha. Se somarmos todas as
privatizações nas três maiores economias, os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha, somam o
grande total de 14 casos. Em suma, as economias capitalistas que emergiram da Segunda Guerra
Mundial e que experimentaram o maior surto de crescimento econômico da história o eram
economias de mercado puro, mas economias de mercado mistas com substancial setor público e
considerável planejamento público. Isto não as transformou em economias socialistas, mas tornou
mais difícil dizer exatamente o que eram economias socialistas e como diferiam estruturalmente
das economias não-socialistas” (HOBSBAWM, 1993, p. 263).
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24
recursos destinados às políticas de cunho distributivo. Nesse sentido a solução da
crise passa, entre outros fatores, pelo ajuste fiscal do Estado, pela redução de sua
presença na economia (privatizações) e pela diminuição das políticas distributivas.
A eleição de governos conservadores, como foi o caso de Margaret Thatcher
(1979-1990) na Inglaterra e de Ronald Reagan (1981-1989) nos Estados Unidos,
abriu espaço, no plano político, para que o pensamento neoliberal se configurasse
em ação e desse início a um conjunto de medidas que visava à reconfiguração do
Estado e a aumentar a autonomia do mercado. No caso brasileiro o discurso
ideológico que permeia a adoção deste tipo de política é o do pensamento único,
isto é, a única forma do Estado brasileiro se inserir no processo de globalização
seria a partir da adequação de sua economia à dinâmica do mercado global. Os
críticos desta análise salientam que ao entender a crise como fiscal e o
estrutural, aprofunda-se a crise e não se resolve o problema.
A redução da participação do Estado na assistência e na previdência social e
as alterações introduzidas na legislação trabalhista não tiveram como
contrapartida a melhoria da condição de vida da maioria da população, pelo
contrário, parece que estamos vivenciando um retrocesso em termos sociais, o
qual tem como tônica a acentuação da concentração e da polarização. Um espelho
desse retrocesso é o declínio da participação de parte das camadas médias na
repartição da riqueza socialmente produzida
6
, por conta do desemprego e do
desmonte progressivo dos mecanismos de proteção e seguridade social.
6
Jeremy Rifkin (1995) usa a expressão classe média decadente para retratar os efeitos do
desemprego e das perdas salariais nas camadas médias americanas; e destaca que o os
profissionais com nível universitário que estão enfrentando maiores dificuldades para se colocarem
no mercado de trabalho, que as posições que tradicionalmente ocupavam chefia e dia
gerência foram extintas pela reengenharia. Sua análise é que em comparação com o padrão
fordista, muitos dos trabalhadores da Era do Conhecimento estão trabalhando mais e ganhando
menos. Estudos oficiais dos anos 90 indicam que “a porcentagem de americanos trabalhando em
período integral, mas ganhando menos do que um salário de nível de pobreza para uma família de
quatro pessoa aproximadamente US$ 13 mil por ano – aumentou 50% entre 1979 e 1992”
(RIFKIN, 1995, p. 185). E as mulheres ganham menos que os homens, que a maioria das
ocupações de tempo parcial o ocupadas por elas. De acordo com Ricardo Antunes (2002) a
divisão social do trabalho reproduz a hierarquização e a verticalização do sistema capitalista, desse
modo “quando o o as mulheres o os negros, e quando não o os negros são imigrantes, e
quando não o os imigrantes o as crianças, ou todos eles juntos!” (ANTUNES, 2002, p. 202).
Mas, isto não inibe a participação feminina no mundo do trabalho. Na Inglaterra o percentual de
mulheres no mercado de trabalho já superou o dos homens e em outros países europeus este
percentual oscila entre 40 e 50% da força de trabalho.
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25
É importante destacar que o desemprego o é a única conseqüência da
reestruturação produtiva para quem vive do trabalho. A ampliação da participação
feminina no mercado de trabalho e a adoção de inovações organizacionais e
técnicas abrem espaço para que se inaugurem novas formas de emprego
(empregos part-time, empregos terceirizados, trabalho por tempo determinado
etc.) e de intensificação do trabalho. Esta nova tipologia do emprego por si não
remete à precarização das condições de trabalho
7
, contudo ela contribui para a
liberação de mão-de-obra e para que a noção de pleno emprego, que esteve por
muito tempo associada ao fordismo, seja revista, pois viabiliza que, em uma
mesma empresa, convivam trabalhadores com contratos de trabalho diferenciados
(os quais remetem a realidades diversas de proteção social).
O perfil do assalariamento também se modifica; uma expansão do
número de trabalhadores assalariados, que vinculados a postos de trabalho com
baixa remuneração e com estabilidade precária, formando o que Antunes (2002)
denomina de novo proletariado
8
. Além disso, o número de trabalhadores
efetivamente ligados à produção diminui, mas isto não altera a produtividade das
empresas, pelo contrário, ela aumenta. Produz-se mais, com menos trabalhadores
9
.
Vale ressaltar que a reorganização do trabalho não se instala de modo
abrupto ou imediato, mas de maneira gradual e subordinada à racionalidade
7
No caso do Brasil a precarização se expressa com mais evidência no trabalho informal.
8
De acordo com Ricardo Antunes (2002) o crescimento do assalariamento está relacionado ao
aumento “em escala explosiva (...) [do] número de trabalhadores, homens e mulheres, em regime
de tempo parcial, em trabalhos assalariados temporários. Essa é a forte manifestação desse novo
segmento que compõe a classe trabalhadora hoje, ou a expressão desse novo proletariado
(ANTUNES, 2002, p. 202). Este novo proletariado engloba, também, os trabalhadores do setor de
serviços, que vivenciam as mesmas condições de contenção salarial e intensificação do trabalho
dos demais trabalhadores. A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho não representou
ganhos significativos para elas. Os estudos apontam uma reconfiguração da divisão sexual do
trabalho, onde caberia às mulheres os postos de trabalho vinculados a tarefas manuais e repetitivas.
Para Helena Hirata (1998, p. 5) o novo padrão produtivo privilegia aptidões essencialmente
masculinas o que limita o campo de inserção das mulheres no mercado de trabalho e cria “formas
atípicas de empregos para as mulheres” [formes d’emplois atypiques pour les femmes].
9
“O ABC paulista tinha cerca de 240 mil operários metalúrgicos em 80, hoje tem pouco mais de
110, 120 mil. No mesmo período, Campinas tinha 70 mil metalúrgicos, hoje tem 37 mil operários
estáveis. (...) No passado uma fábrica, como a Volkswagen, dizia que era importante porque tinha
mais de 40 mil operários. Hoje tem menos de 20 mil, produzindo, entretanto, muito mais. Isso
quer dizer que hoje é sinônimo de ‘proeza e vitalidade’ do capital citar uma fábrica que produz
muito com cada vez menos operários” (ANTUNES, 2002, p. 201).
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26
econômica. Muitas vezes os países periféricos são utilizados como laboratório na
implementação de inovações na organização do trabalho e da produção.
10
.
Para Mészáros a própria racionalidade econômica, mais cedo ou mais tarde,
levará para os países centrais o mesmo padrão salarial adotado pelas organizações
transnacionais nos países periféricos. Ele não acredita na possibilidade de que se
estabeleçam mecanismos de proteção regional da força de trabalho em virtude da
própria conjuntura de crise do capital. Ao seu ver uma tendência à
equalização da taxa diferencial de exploração, isto é, o próprio capital se
encarregará de diminuir, se não acabar, com a disparidade salarial que separa os
trabalhadores do centro dos da periferia do capital, pois “(...) sugerir que essas
contradições, com todas as ramificações ‘metropolitanas’ e globais, possam ser
resolvidas ou aliviadas por alguma forma de ‘protecionismo regional’ desafia a
racionalidade” (MÉSZÁROS, 2002, p. 340).
Esta análise é de certa forma corroborada pelo o ex-primeiro ministro de
Cingapura, Lee Kuan Yew (2005, p. 22), que afirma que não há mais como
manter para os trabalhadores alemães os padrões do Estado Providência. Os
trabalhadores devem compreender que tal como as empresas, eles também estão
competindo mundialmente e que um acirramento na competitividade no
mercado de trabalho global com a entrada de mais de dois bilhões de
trabalhadores: “um bilhão de pessoas na China, um bilhão na Índia, e
aproximadamente meio bilhão no leste da Europa (...)”
11
. Para o estadista é
inevitável que as condições de trabalho asiáticas – baixos salários, longas horas de
trabalho e poucos dias de férias se estendam para o ocidente apesar da
resistência dos trabalhadores. Um exemplo disto o as sucessivas tentativas do
governo alemão de flexibilizar a legislação trabalhista.
10
“Assim, se poderia dizer que o modelo de emprego que se desenvolve hoje na Europa tem uma
inspiração ou um terreno de experimentação’ nos países do Sul, particularmente o modelo de
trabalho que prefigura, hoje, a força de trabalho feminina (...)” (HIRATA, 1998, p. 2); Ainsi, on
pourrait dire que le modèle d’emploi qui se développe aujourd’hui en Europe a eu une inspiration
ou un ‘terain d’expérimentation’ dans les pays du Sud, notamment le modèle de travail qui
préfigure aujourd’hui le salariat féminin dans la crise” (HIRATA, 1998, p. 2).
11
“One billion people in China, one billon in India, and over half a billion in eastern Europe”
(YEW, 2005, p. 22).
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27
Mas se um padrão salarial de Terceiro Mundo ainda não faz parte da agenda
dos trabalhadores dos países centrais, o espectro do desemprego faz
12
. E ao se
perceberem protagonistas de uma história de desemprego antes atribuída aos
trabalhadores de países subdesenvolvidos ou a indivíduos não qualificados, “as
pessoas são submetidas à experiência absolutamente desorientadora da inversão
da ordem do fluxo histórico, como se tivessem de viver a realidade como um
filme que fosse projetado do fim para o começo” (MÉSZÁROS, 2002, p. 341). O
prognóstico de Marx (1984) se atualiza ao revelar que a intensificação do trabalho
e o desemprego são próprios da dinâmica de acumulação capitalista. O
desemprego serve como um lembrete aos trabalhadores do seu destino caso não
concordem com as condições de trabalho a que estejam submetidos. Sendo assim,
A condenação de uma parcela da classe trabalhadora à ociosidade forçada em
virtude do sobretrabalho da outra parte e vice-versa torna-se um meio de
enriquecimento do capitalista individual e acelera, simultaneamente, a produção do
exército industrial de reserva numa escala adequada ao progresso da acumulação
social (MARX, 1984, p. 203).
Sob a lógica atual, o desemprego assume, ainda, uma segunda função: a de
instrumento de negociação entre as organizações transnacionais e os Estados.
Estas organizações se utilizam do fantasma do desemprego para negociar
benefícios fiscais com os governos onde estão instaladas; do contrário, ameaçam
12
Se em um primeiro momento a globalização trouxe vantagens para os trabalhadores alemães em
função da posição de destaque e competitividade das empresas alemães no mercado internacional e
no interior da União Européia, este quadro começa a se reverter quando países como a China
começam a disputar o mercado de alta tecnologia. Buscando diminuir seus custos, as empresas
alemães se organizam de forma a operar no leste europeu, que conta com uma população educada
e disposta a receber 20% ou menos do valor pago aos trabalhadores alemães. “Enquanto um
trabalhador qualificado custa em média 27 euros por hora na Alemanha Ocidental, a média na
Polônia, na República Tcheca, e Hungria é entre 3 e 6 euros, 2 euros na Romênia, e somente 1
euro na Ucrânia” (BÖHRINGER, 2005, p. 46). Mas não é só a transferência de postos de
trabalhos para países do leste europeu que assombra os trabalhadores alemães. Internamente os
imigrantes, especialmente poloneses, estão ocupando vagas antes preenchidas por alemães. o
posições que o exigem qualificação e que o ocupadas por uma remuneração inferior àquela
pleiteada pelos trabalhadores alemães. A desculpa é que ao despenderem menos com mão-de-
obra, os empregadores podem proporcionar serviços e produtos a preços mais acessíveis a seus
consumidores. Este cenário pressiona os trabalhadores alemães a concordarem a receber menos e
a trabalharem mais, sem que isto signifique maior estabilidade. “Nas fábricas de telefones
celulares da Siemens localizadas [na Alemanha Ocidental] (...), por exemplo, a administração
pressionou para a reintrodução de 40 horas de trabalho semanais sem pagamento adicional. Mas
isto o evitou que a Siemens transferisse a sua divisão de telefones celulares para BenQ, em
Taiwan, poucos meses após o acordo. No início (...) [de 2006], DaimlerChrysler oferecerá aos
novos empregados salários 8% mais baixos. A VW [Volkswagen] de Hanover prometeu cortar
30% do custo com pessoal nos próximos 5 anos” (BÖHRINGER, 2005, p. 47).
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28
se transferir para outro local que lhes ofereça maior vantagem comparativa
13
.
Contudo, diversamente destas organizações, a maioria dos indivíduos não tem a
mobilidade física como recurso para a superação do desemprego ou de uma
condição de vida adversa. Como a reorganização do trabalho se em escala
mundial, os países centrais revêem sua legislação de forma a dificultar a
imigração e a “proteger” a força de trabalho nativa
14
.
O desemprego estrutural altera a própria percepção social do desemprego.
Se antes o desemprego era visto como um estigma, como uma recusa do indivíduo
a se enquadrar socialmente, hoje ele deixou de ser exceção e assume contornos de
regra, pois muitos indivíduos alternam situações de desemprego prolongado com
emprego precário. O sistema absorveu o desemprego em sua dinâmica não como
uma situação a ser superada, mas como uma das faces do capitalismo hodierno.
Mas como se deu esta absorção? Como se a aceitação social do desemprego
estrutural? Pela apresentação do desemprego como conseqüência da qualificação
13
No início de março [1994] a Nissan pediu ao governo espanhol e à autoridade regional de
Madri e de Castilla y Leon subsídios de 4,6 bilhões de pesetas para ajudar a manter abertas duas de
cinco fábricas na Espanha. (...) A Suzuki exige 38 bilhões de pesetas do governo espanhol para
manter aberta a fábrica de Santana em Linares, Andaluzia. Mesmo se receber o dinheiro, a Suzuki
vai demitir mais da metade dos 2.400 empregados da Santana. [As empresas japonesas alegam
que] (...) os custos trabalhistas na República Tcheca são inferiores à metade [dos custos] dos
espanhóis” (The Economist, 26/03/1994 apud SZÁROS, 2002, p. 328).
14
Assim, pari passu com a crise, os atores sociais vêem se agigantar as dificuldades para realização
de suas expectativas de participação na riqueza gerada dado o desemprego estrutural, a
precarização do emprego e as barreiras postas pelos países centrais à imigração. Estes países
sofisticam seus formulários de imigração de forma a selecionar candidatos com formação
educacional e profissional sólidas, em áreas de seu interesse. Este tipo de candidato recebe um
tratamento diferenciado daqueles que não possuem capital intelectual. O fluxo de indivíduos com
capital intelectual dos países periféricos para os países centrais tem sido denominado de fuga de
cérebros pela imprensa e o montante de profissionais qualificados que imigram para os países
centrais chega a quase 400 mil. Mas as restrições e barreiras erguidas contra a imigração
indesejada não arrefece a disposição daqueles que vêem na imigração um meio de mobilidade
social ascendente. O estudo Em busca de um acordo justo para os trabalhadores migrantes na
economia global da Organização Internacional do Trabalho (OIT), calcado em dados de 2000,
mostra que a migração tem aumentado consideravelmente no mundo e que hoje os migrantes
somam 175 milhões, dos quais entre 10% e 15% em situação ilegal. Se este contigente fosse
reunido “sob uma única bandeira, formariam o quinto país mais populoso do planeta”
(MIGRANTES, 2004, p. A20). A maioria dos imigrantes consegue empregos não qualificados,
muitas vezes associados a condições de trabalho precárias, onde se notam abusos e exploração.
Contraditoriamente, esta mão-de-obra, mesmo ilegal, é funcional ao capital, que os imigrantes,
muitas vezes, ocupam postos de trabalho que não atraem os trabalhadores nativos e/ou aceitam
receber uma remuneração inferior. Os fluxos migratórios também se intensificam entre os países
semi-periféricos. Em busca de melhores condições de vida, muitos imigrantes acabam
reproduzindo nestes países as mesmas agruras pelas quais passam trabalhadores migrantes nos
países ricos.
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inadequada dos trabalhadores. O problema central dos trabalhadores não seria o
desemprego, mas o fato de suas qualificações profissionais não serem mais
funcionais à dinâmica produtiva.
Na visão de Mészáros, ao deslocar o problema do desemprego para a
questão da qualificação profissional o sistema não transfere para o indivíduo a
responsabilidade por seu desemprego, como também promove uma inversão na
ideologia de meritocracia da sociedade capitalista: a meritocracia pelo trabalho
cede lugar à meritocracia pela educação. Sua tese é de que a imposição da divisão
social do trabalho não acontece de forma isolada, a ela está associada uma
ideologia que a justifica e cristaliza para o conjunto da sociedade: a ideologia da
meritocracia do trabalho. Igualdade e liberdade são conceitos utilizados
livremente nesta ideologia, já que durante muito tempo a sociedade capitalista
associou a disposição do indivíduo para o trabalho com sua propensão para a
superação de sua desigualdade material
15
. Cabia ao indivíduo articular sua
liberdade para encontrar um trabalho e superar a desigualdade, se por ventura
houvesse, de sua condição material. Contudo, como o atual estágio do capitalismo
não tem como absorver a totalidade dos trabalhadores, a educação passa a ser o
caminho a ser trilhado para que se possa ter expectativa de integração e de
mobilidade social ascendente.
Reside, aí, a inversão ideológica, pois se antes o vínculo do indivíduo a um
trabalho era tido como expressão de seu mérito, hoje o valor do indivíduo é
medido por sua disposição em se educar. que diversamente do trabalho, a
educação não tem como assegurar os benefícios associados a uma ocupação
remunerada. A educação é um “investimento” incerto e de longo prazo, que por si
não garante uma posição no mercado de trabalho. Para dar conta desta
contradição, mais uma vez o conceito de liberdade individual é resignificado: a
15
“É também forçoso que ela [divisão social hierárquica do trabalho] seja apresentada como
justificativa ideológica absolutamente inquestionável e pilar de reforço da ordem estabelecida.
Para esta finalidade, as duas categorias claramente diferentes da ‘divisão do trabalho’ devem ser
fundidas, de modo que possam caracterizar a condição, historicamente contingente e imposta pela
força, de hierarquia e subordinação como inalterável ditame da própria natureza’, pelo qual a
desigualdade estruturalmente reforçada seja conciliada com a mitologia de ‘igualdade e liberdade’-
‘livre opção econômica’ e livre escolha política’ segundo a terminologia de The Economist”.
(MÉSZÁROS, 2002, p. 99).
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30
possibilidade de inserção do indivíduo vai depender de sua capacidade de realizar
as escolhas certas para seu aprimoramento individual e/ou de sua família. Logo,
não basta priorizar a educação, é necessário que o indivíduo articule sua liberdade
de escolha com a demanda do mercado de trabalho; assim sua expectativa de
inserção ou mesmo de manutenção de seu status quo tem chances de se realizar.
Para compreender que sentidos a liberdade de escolha assume no cenário
contemporâneo é necessário entender os pressupostos da crítica neoliberal ao
Estado Providência, assim como os significados que os conceitos liberdade e
igualdade assumem na tradição liberal.
2.3
Liberdade x Igualdade na tradição liberal
O Estado Providência pode ser apontado como um momento de equilíbrio
entre liberalismo e democracia. Entretanto, o tipo de regulação que pressupõe
confronta com a concepção liberal de Estado e tem em Friedrich Hayek um de
seus críticos mais contundentes. Para o ganhador do Prêmio Nobel de Economia
(1974) a associação do liberalismo com a democracia gerou uma distorção do
liberalismo, o democratismo, o qual, ao exigir poder ilimitado para a maioria,
tornou-se essencialmente antiliberal” (HAYEK, 1999, p. 48).
A tensão entre liberalismo e democracia ocorre em função dos diferentes
tipos humanos que representam, enquanto a democracia tem seu foco no coletivo,
no alcance de objetivos comuns, o liberalismo tem o seu na defesa dos interesses
individuais e na liberdade de persegui-los. Em função dessa diferença, a
associação entre liberalismo e democracia não se deu de forma pacífica mas
permeada de lutas socais, em que diversos grupos sociais (mulheres, negros,
pobres, analfabetos etc.) buscaram ampliar sua participação no processo
democrático e de alguma forma socializar a economia.
Uma sociedade livre (liberal) o tem um propósito coletivo a perseguir,
nela cada indivíduo é livre para a partir da análise racional, considerando a relação
custo x benefício, escolher a melhor forma para auferir êxito em seus objetivos,
não estando sujeito a regras impostas pelo Estado, a não ser que suas ações
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31
conflitem com o ordenamento jurídico vigente. O papel do Estado é garantir as
condições ideais para que os indivíduos persigam seus interesses. Esta garantia é
dada pelo estado de direito
16
, que ao assegurar o cumprimento das leis, assevera a
igualdade legal dos indivíduos, atesta a validade dos contratos e protege a
propriedade privada.
Ao buscar seus interesses uma pessoa não pode prever, a priori, qual será o
resultado de sua empreitada, logo não haveria “um responsável pelo fato de que
certas pessoas consigam certas coisas” (HAYEK, 1999, p. 56) e outras não. De
mais a mais, pensar em justiça social pressupõe: (a) que existam objetivos
comuns, o que não é o caso da sociedade livre e (b) que os indivíduos sejam
iguais, o que o é verdade. Como tratar como iguais indivíduos que são
diferentes e têm interesses distintos? Impossível.
Em vez de ceder a pressões de cunho igualitário, o Estado deve criar
condições para que qualquer pessoa consiga “sua participação na renda total”
(HAYEK, 1999, p. 59). Para que isto ocorra o indivíduo deve estar disposto a
competir no mercado, cortando custos de produção ou serviços, ampliando sua
vantagem comparativa, estudando etc. Contudo, se mesmo assim não obtiver
êxito, não pode culpar a ninguém ou presumir que o Estado deva garantir sua
sobrevivência no padrão socioeconômico a que estava acostumado.
Hayek compara o mercado a um jogo de azar e afirma que “todos, ricos ou
pobres, devem sua renda ao resultado de um jogo misto de habilidade e sorte, cujo
resultado agregado e cujas parcelas são altas justamente porque concordamos em
jogar esse jogo” (HAYEK, 1999, p. 60), sendo assim, em caso de perda deve-se
aceitar o ocorrido sem tentar mudar as regras do jogo.
Mas o que leva os atores sociais a aceitarem as regras do jogo neoliberal em
um momento em que elas se mostram extremamente desfavoráveis para quem
16
Segundo Bobbio (1989) o Estado de Direito pode assumir 3 expressões: (1) o Estado de direito
profundo é aquele em que a constituição é respeitada e existem elementos que dificultam o uso
arbitrário do poder, como um parlamento autônomo e atuante; controle constitucional das normas
legais; autonomia dos governos locais em relação ao poder central e um poder judiciário
independente; (2) o Estado de direito débil, o qual não é despótico porque é gerido por leis e o
por homens e (3) o Estado de direito debilíssimo, aquele onde a tese de Kelsen impera. Esta tese
entende que todo Estado resultante de um ordenamento jurídico é um Estado de direito.
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32
vive do trabalho? Segundo Dejours (2000), a aceitação dessas regras ou a
banalização da injustiça social, como ele define, é tecida no interior de um
discurso que falsifica a realidade e apresenta a racionalidade neoliberal como a
única possível. Desse modo, apesar da maioria da população francesa ter o medo
em relação ao futuro em seu horizonte não indícios de protestos ou mesmo de
comoção social frente a crescente consolidação de relações de trabalho adversas
e/ou pela revogação de direitos trabalhistas e sociais por parte de diferentes
governos, inclusive os de esquerda
17
.
17
Dois eventos ocorridos na França nos últimos anos e protagonizados por jovens podem ser lidos
como indicativos de revolta, mesmo que esvaziados de uma orientação política mais ampla: os
motins nos subúrbios pobres no outono de 2005 e as manifestações dos estudantes em prol da
revogação da Lei do Primeiro Emprego (CPE) em 2006. No primeiro caso uma série de motins
ocorridos nos banlieues franceses ganhou destaque na mídia e chamou a atenção mundial para a
existência de jovens franceses marginalizados tanto por sua origem étnica quanto por sua condição
socioeconômica. Para o sociólogo francês Gerard Maugner os motins ocorridos na França foram
protopolíticos, isto é, não ocorreram em função de um projeto político determinado, ou mesmo sob
a coordenação de um líder ou de lideranças, mas em virtude da marginalização social destes jovens
e da explicitação desta pelo então ministro do interior e depois presidente (2007- ), Nicolas
Sarkozy. Ao denominar de escória aqueles que se insurgiram contra a morte de dois jovens que se
escondiam da polícia, Sarkozy enfatizou a visão que a sociedade francesa tem destes jovens:
perdedores, que não conseguem se enquadrar na dinâmica social. Os motins explicitaram o
fracasso das políticas econômica, social e urbana levadas a cabo nos últimos vinte e cinco anos.
Restritos a guetos (políticas urbanas) e sem perspectivas de mobilidade social (políticas sociais e
econômicas), os moradores dos banlieus mais do que se estruturarem em torno de sua condição
social, parecem solidificar seus laços de identidade a partir da forma como a sociedade francesa os
vê: árabes, negros, muçulmanos, pobres etc., ou seja, como não franceses. Nesse sentido apesar de
ser protopolítica, a revolta destes grupos sociais encontra-se em construção, pois “o motim tem
suas raízes em uma condição social compartilhada e que é suscetível de fundar uma causa. À
causa genérica das classes dominadas (econômica, cultural e simbolicamente) se sobrepõe a
revolta específica de uma população vítima de discriminações, segregações e estigmatizações de
caráter racista” (MAUGNER, p. A30). O segundo evento ocorreu em 2006, quando parte da
sociedade francesa, principalmente as organizações estudantis, se mobilizou contra a aprovação da
Lei do Primeiro Emprego (CPE), apresentada e defendida pelo primeiro-ministro francês,
Dominique de Villepin. De acordo com Ignacio Ramonet a justificativa de De Villepin para a
urgência na aprovação da lei era de que esta responderia a uma demanda da sociedade francesa,
expressa durante os motins de outono de 2005. A flexibilização permitida pelo CPE dispensa
sem justa causa e sem direito a indenização nos dois primeiros anos de emprego, para jovens com
até 26 anos – seria o instrumento necessário para oxigenar o mercado de trabalho francês.
Contudo, tal justificativa não encontrou eco entre universitários e secundaristas que se
organizaram para protestar contra a aprovação da lei, arregimentando o apoio dos sindicatos. A
mobilização popular contra o CPE se deu poucos meses após a entrada em vigor do contrato para
novos empregados CNE (novembro de 2005) que também prevê a dispensa sem justa causa e a
ausência de indenização trabalhista nos dois primeiros anos do contrato do trabalho. O CNE é
destinado a estabelecimentos que remuneram seus empregados com menos de 20 salários, o que
representa dois terços do mercado de trabalho francês. Mas se a flexibilização do contrato de
trabalho o se consubstancia em uma novidade para os franceses, como explicar a mobilização
popular contra o CPE? Para Ramonet os cidadãos franceses se conscientizaram de que o CPE
viria a consolidar o movimento de ruptura com o contrato de trabalho iniciado com a sanção da
lei dos aposentados em julho de 2003 e do CNE, sua aprovação significaria “sacrificar (...) [o
código do trabalho] no altar da flexibilização e favorecer à precarização definitiva do emprego”.
“sacrifier (...) sur l’autel de la flexibilité et favoriser la précarisation définitive de l’emploi”
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Dejours (2000) entende as relações de trabalho como relações sociais que
aprofundam experiências e sedimentam comportamentos. Sob esta ótica, as
relações de trabalho contemporâneas funcionam como laboratórios onde a
desigualdade, a injustiça e o individualismo são vivenciados cotidianamente e
incorporados à dinâmica social como naturais. A perspectiva de manutenção do
emprego, reinserção no mercado de trabalho ou mesmo de conseguir um trabalho
melhor faz com que os atores sociais se voltem para suas trajetórias individuais
dando as costas à articulação coletiva e renunciando a qualquer mobilização
contra a desigualdade social e as diferenciações que a nova divisão social do
trabalho parece promover. Silenciosamente referendam um modelo econômico e
uma divisão social do trabalho que parecem levar ao extremo a concepção de
liberdade de escolha, igualdade civil e individualismo do liberalismo.
Não há um questionamento das relações de desigualdade que se constroem e
são construídas nas relações de trabalho, muito menos dos opostos que são
produzidas por elas. O interessante é que, se antes tínhamos como principais
contrários o par empregado x desempregado, hoje este núcleo se expande para
novas relações de inclusão e exclusão, que não são fixas, mas variam de acordo
com a dinâmica produtiva. Assim, aquele que hoje ocupa um posto de trabalho
formal pode ser amanhã um desempregado, um trabalhador em tempo parcial, um
autônomo, prestador de serviço etc. O mesmo pode ocorrer com o desempregado,
que pode vir a ocupar uma posição de empregado, precarizado, prestador de
serviços etc.
Isto ocorre em um contexto em que os alicerces das políticas de proteção
social e do trabalho estão sob questionamento e aqueles que integram o elo mais
frágil da estrutura social (pois dependem da venda de sua força de trabalho para
sobreviver), antes de usufruírem dos benefícios de uma sociedade livre e
individualista, se vêem presos a uma estrutura social que não os integra, na qual
seu individualismo e sua liberdade os aproxima da precariedade e não da
autonomia.
(RAMONET, 2006, p. 1). Entretanto, esta postura de resistência tem um custo, a França é vista
hoje, pela direita, como “o homem doente da Europa” que se recusa a seguir a prescrição dos
especialistas: a desregulamentação do mercado de trabalho.
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34
É no cenário traçado supra que o quadro de referências se altera, os
melhores (os mais educados) são entronizados, enquanto aos demais (excluídos
não por sua condição sócio-econômica, mas também por sua incapacidade de
efetuar as escolhas educacionais adequadas) cabe a expectativa futura de inserção,
pois o presente lhes apresenta o emprego precário, o desemprego, o investimento
contínuo em educação, o risco de incorporação à força de trabalho supérflua etc.
Gostaríamos de destacar três questões que se articulam com a valorização da
educação no cenário atual e que paradoxalmente a contradizem: (1) o desemprego
estrutural e a força de trabalho supérflua, (2) a expansão do assalariamento e a
precarização do emprego e (3) a identificação da educação como mercadoria (ou a
individualização/objetivação do processo educacional).
No caso específico deste trabalho propomos pensar os desdobramentos das
questões 1 e 3 como um contraponto para entender que modelo educacional está
sendo proposto e com que tipo humano ele se articula. Partimos do pressuposto
de que a acumulação flexível não propõe uma nova divisão internacional do
trabalho como reconfigura as concepções de trabalho e de educação que foram
construídas ao longo da maior parte do século XX. E tal como ocorreu com o
fordismo, é necessário criar um tipo humano adequado a essa socialização,
disposto a amoldar não só seu tempo de trabalho, como também sua subjetividade,
ao tempo da produção.
2.4
A Emergência de um novo tipo humano?
Segundo Antonio Gramsci (1991) o fordismo criou, nos Estados Unidos,
uma racionalização que se expandiu para a própria organização da sociedade e
que teve como uma de suas resultantes a concepção e a implementação de um tipo
humano que se enquadrasse a ela. Elaborou-se toda uma série de restrições
morais, sociais e sexuais de forma a plasmar o indivíduo ao tipo humano
requerido pelo setor produtivo. Incentivava-se a monogamia e as relações afetivas
duradouras para que o indivíduo não tivesse sua atenção desviada do mundo da
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35
produção. Do mesmo modo, condenava-se o alcoolismo e práticas sexuais
consideradas anormais como pederastia, incesto etc
18
.
Para Gramsci (1991, p. 396) a racionalização fordista e o proibicionismo
associado a ela representam “o maior esforço coletivo realizado (...) para criar,
com rapidez incrível e com uma consciência do fim jamais vista na História, um
tipo novo de trabalhador e de homem”. Ele salienta, contudo, que este movimento
de adequação do trabalhador ao modo de produção o é uma novidade
introduzida pelo fordismo, mas uma prática que teve início com o industrialismo,
encontrando-se naquele momento em sua fase mais aguda, mas “que também
[seria] (...) superada com a criação de um novo nexo psicofísico de um tipo
diferente dos precedentes e, indubitavelmente, superior (GRAMSCI, 1991, p.
397).
Sob esta ótica, a racionalização fordista invadiu a vida privada dos
trabalhadores ao tentar estabelecer para eles um padrão de comportamento social e
sexual, ao qual eles vão se submeter, em um primeiro momento, pelos altos
salários pagos, e depois, de forma inconsciente, quando da assimilação, pela
sociedade, deste padrão de comportamento como regra moral
19
. Entretanto, este
padrão de comportamento (proibicionismo) não foi assimilado de modo uniforme
e teve efeitos diversos nas diferentes camadas sociais. Os mais abonados tinham
como contorná-lo em virtude de uma situação econômica privilegiada, enquanto
os trabalhadores a ele tiveram que se submeter em função de sua condição
material: para burlar a lei seca americana era necessário dinheiro para o
contrabando, para o pleno exercício da sexualidade e da busca do prazer era
necessário tempo livre, e o operário não possuía dinheiro sobrando, muito menos
tempo livre.
18
Não queremos aqui defender estas práticas sexuais, mas situá-las no contexto do proibicionismo.
19
As tentativas de Ford de intervir, com um corpo de inspetores, na vida privada dos seus
dependentes e de controlar a maneira como gastavam seus salários e o seu modo de viver, são um
indício destas tendências ainda ‘privadas’ ou latentes, que podem se tornar, num determinado
ponto, ideologia estatal, amparando-se no puritanismo tradicional, apresentando-se como um
renascimento da moral dos pioneiros, do verdadeiro’ americanismo, etc.” (GRAMSCI, 1991, p.
398).
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36
A sociedade se complexificou, padrões morais que perduraram durante boa
parte do século XX entraram em crise, ou melhor, suas contradições internas,
antes restritas ou pouco discutidas, eclodiram para o conjunto da sociedade
(família/divórcio, sexualidade/homossexualidade, drogas lícitas/drogas ilícitas
etc.) e já não mais como tentar impor o mesmo padrão moral que norteou o
fordismo.
No entanto, se as tentativas de uniformização social são abandonadas, quer
dizer, não encontram respaldo na maioria das sociedades democráticas, isto não
impede que o setor produtivo defina o tipo humano e o comportamento
profissional que considera adequados ao atual estágio produtivo. Nesta tarefa ele
tem como aliada a nova base técnica, microeletrônica, que contribui para uma
organização do trabalho que se aproxima da individualização. Como
conseqüência, as melhores vagas de emprego não mais remetem somente à
qualificação profissional, mas a um perfil quase que individualizado. Busca-se
um comportamento individual afinado com a dinâmica produtiva:
responsabilidade, comprometimento com as metas da organização, disposição
para a educação continuada etc.
um deslocamento do coletivo para o individual, tanto no que diz respeito
a atitudes comportamentais, quanto no que diz respeito a regulação do trabalho. A
adoção do modelo de competência permite às empresas um critério quase que
personalizado, tanto para contratação e a avaliação de seus empregados quanto
para a determinação de sua remuneração e ascensão funcional. A seleção para o
emprego se amplia de forma a abarcar a experiência subjetiva dos indivíduos e sua
disposição de investir em sua educação continuada e no aprimoramento de seu
processo de trabalho. O indivíduo deve comprovar na prática sua qualificação
formal e se dispor a obter certificações que atestem seu aprendizado contínuo.
Entretanto, o sentido de desenvolvimento de uma carreira é retirado, no momento,
da perspectiva de vida dos indivíduos e em seu lugar tenta-se enraizar uma visão
de mundo que aceita o cenário de desemprego, de emprego precário e de
instabilidade quanto ao futuro como natural. Cabe a cada indivíduo a
responsabilidade por seu sucesso ou insucesso, qualquer tentativa de
questionamento desta ordem é tida como não aceitação das regras do jogo, ou
pior, é tentar transferir para outrem uma responsabilidade que é individual.
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37
Mas qual o papel do sistema de ensino na formação do tipo humano
adequado à acumulação flexível? Que sentidos a educação assume neste tipo de
sociabilidade? Para o ex- diretor da Oficina Internacional de Educação da
UNESCO, Juan Carlos Tedesco
20
(1998), estaríamos vivendo um momento
singular, em que pela primeira vez na história haveria uma convergência entre as
capacidades requeridas pela produção e aquelas requeridas para o exercíco da
cidadania e para o convívio social (solidariedade, participação, pensamento
crítico, criatividade), o que faz com que o sistema de ensino assuma um papel
central na formação de trabalhadores e cidadãos afinados com a demanda do setor
produtivo.
O desafio que se apresenta para o campo da educação é como introduzir
modificações no sistema de ensino de forma que ele cumpra o duplo papel de
formar para o trabalho e para a cidadania, mas sob bases diversas daquelas que
nortearam o projeto moderno de educação. Não se trata mais de privilegiar uma
educação de cunho conteudista, mas sim uma formação generalista que habilite o
indivíduo a moldar seu conhecimento à dinâmica produtiva e desenvolver o
pensamento sistêmico.
Tedesco (1998) defende, a partir da análise de Robert Reich (1994) sobre os
efeitos da globalização da economia no trabalho, que todos os indivíduos sejam
educados para atuarem como analistas simbólicos, mesmo reconhecendo a
incapacidade do capitalismo tardio em absorver a totalidade dos trabalhadores.
Antes de discorremos sobre a proposta de Tedesco, apresentaremos a reflexão de
Reich sobre o trabalho na globalização.
Para Reich, ex-ministro do trabalho do Governo Clinton (1993-2001), o
acirramento da competitividade fez com que as organizações multinacionais não
buscassem reduzir seus custos de produção, como também deslocassem seu
foco da produção em massa para a oferta de produtos e serviços de alto valor
agregado e de difícil reprodução. Este deslocamento promove mudanças na
divisão internacional do trabalho, pois transfere a produção em larga escala para
20
Juan Carlos Tedesco assumiu, em dezembro de 2007, o Ministério da Educação da Argentina
(Governo Cristina Kirchner, dez. 2007 - ).
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38
os países periféricos e concentra nos países centrais as atividades celebrais
21
, as
quais são responsáveis pela gestão, pesquisa e desenvolvimento, marketing etc.
As inovações organizacionais e técnicas possibilitam às organizações os
recursos necessários para controlar seus ativos e monitorar a concorrência global,
contudo para que esta estrutura organizacional se realize precisam contar com
recursos humanos altamente qualificados, identificados com seu projeto
corporativo e motivados por seus objetivos. São os analistas simbólicos, os quais
devem estar preparados para responder prontamente às demandas internas (mais
flexibilidade) e externas (inovação dos concorrentes, redução de preços, prazos de
entrega etc.) da organização.
É neste contexto que Reich afirma que a antiga classificação das categorias
funcionais não conta da realidade do mercado de trabalho global, muito
menos da divisão social do trabalho hodierna. Sua proposta é que se pense as
categorias funcionais contemporâneas a partir de três grandes grupos: os serviços
rotineiros de produção, os serviços pessoais e os serviços simbólicos analíticos.
Dessas categorias os trabalhadores que desenvolvem serviços simbólicos
analíticos se articulam com o núcleo central das organizações e alcançam destaque
na economia globalizada.
Os analistas simbólicos o, em geral, profissionais graduados, com pós-
graduação, que não pautam sua atuação profissional pelo padrão fordista, mas pela
contribuição que possam dar à empresa a que estão vinculados. Ao contrário do
trabalhador fordista, a formação inicial do analista simbólico não determina sua
atuação profissional, pois mais do que desempenhar uma profissão específica ele
atua em um campo de conhecimento, contribuindo com seu acervo cognitivo para
que a organização se mantenha competitiva. Com estes profissionais as
organizações têm interesse em estabelecer uma relação de longo prazo, a qual tem
como limite sua capacidade de inovar e cumprir as metas estabelecidas. Isto torna
21
Ao estudar o deslocamento da produção industrial para a periferia, Arrighi & Drangel (1987)
destacam que no que tange a divisão do trabalho, “a zona do núcleo orgânico tende a se tornar o
locus das atividades ‘celebrais’ do capital corporativo, e a zona periférica tende a se tornar o locus
das atividades de sculo e nervos’, enquanto que a zona semiperiférica tende a se caracterizar
por uma combinação mais ou menos igual de atividades ‘celebrais’ e de ‘músculos e nervos’”
(ARRIGHI & DRANGEL, 1987, p. 187).
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a trajetória profissional dos analistas simbólicos errática, pois sua manutenção no
mercado de trabalho depende, entre outros fatores, de sua constante adaptação às
metas organizacionais. São estes profissionais que vão competir pelas posições
bem remuneradas do mercado de trabalho global, as demais categorias
profissionais simplesmente vão gravitar ao seu redor.
Os trabalhadores vinculados às categorias funcionais de serviços rotineiros
de produção e de serviços pessoais apesar de estarem inseridos em uma economia
globalizada, estão presos a tarefas repetitivas e ao trabalho supervisionado tal qual
o operário fordista. Estes trabalhadores não necessitam de uma educação de novo
tipo, mas sim do desenvolvimento de atitudes comportamentais adequadas ao
desempenho de suas funções. Aparentemente o que os distingue do trabalhador
fordista é sua remuneração, que é paga em função das tarefas realizadas e do
tempo despendido para executá-las. Eles integram a força de trabalho supérflua
pronta a entrar em ação quando e por quanto tempo for necessário.
Os trabalhadores que integram a categoria de serviços rotineiros de
produção são os peões da economia informatizada”, eles têm a seu cargo o
processamento rotineiro e repetitivo de uma série de dados que não requerem uma
qualificação superior, mas sim a operação de terminais de computador. Seu
trabalho, tal qual o do trabalhador fordista, é prescrito e desenvolvido sob estreita
supervisão. A categoria de serviços pessoais se diferencia da categoria anterior
porque lida tête-à-tête com seus clientes. Seus integrantes trabalham, sozinhos ou
em equipes reduzidas, na prestação de serviços individualizados mediante o
pagamento por tarefa realizada. Estão vinculados a esta categoria tanto
profissionais de nível superior, quanto profissionais sem qualificação específica.
São empregados domésticos, vendedores, garçons, acompanhantes de idosos,
“motoristas de táxi, secretárias, cabeleireiras, mecânicos de automóveis,
corretores de imóveis, comissários de companhias aéreas, fisioterapeutas e entre
os que mais rapidamente crescem em número guardas de segurança” (REICH,
1994, p.164).
Reich defende a reformulação do sistema de ensino americano a fim de
ampliar o número de analistas simbólicos, o que ao seu ver contribui, a um
tempo, para aumentar a competitividade do país e para a formação de
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trabalhadores aptos a competir globalmente. Critica o sistema de ensino
americano por não conseguir acompanhar o padrão de excelência das
universidades, pois muitos jovens, apesar de terem freqüentado a escola, são
considerados analfabetos funcionais.
A proposta educacional de Tedesco se alinha com a de Robert Reich na
defesa de um sistema de ensino afinado com a dinâmica produtiva. Sustenta que é
preciso repensar o sistema de ensino, assim como sua estrutura curricular, já que o
desenvolvimento das capacidades requeridas pelo mercado de trabalho pressupõe
estratégias pedagógicas que privilegiem a amplidão de conhecimentos (currículo
generalista) e não seu estudo em profundidade. A especialização profissional
precoce que caracterizou o fordismo perde espaço nos novos arranjos
organizacionais, é necessário, neste momento, criar condições para que os alunos
dominem disciplinas básicas que lhes permitam desenvolver o pensamento crítico,
a comunicação oral e escrita e acompanhar o progresso técnico-científico.
A opção por uma pedagogia generalista e a recusa a especialização precoce
não opera no vácuo, mas se articula com o desmonte do padrão remuneratório que
norteou o fordismo, baseado na qualificação profissional. A lógica da
competência pressupõe que cada indivíduo forje, a partir de sua trajetória escolar e
profissional, uma identidade particular e a partir dela negocie sua inserção no
mercado de trabalho. É como se as condições de inserção no mercado de trabalho
ficassem subordinadas às biografias dos atores sociais e não ao contrato coletivo
de trabalho, pois para se manterem ativos no mercado de trabalho os indivíduos
devem se mostrar dispostos a adequar sua biografia, seja pela via da educação
continuada, seja por mudanças comportamentais, ao processo de trabalho
22
. A
ausência de normas que regulem as negociações coletivas fragiliza os
trabalhadores e privilegia as organizações na determinação de gratificações e
condições salariais.
22
Em sua análise sobre a pedagogia das competências Ramos (2002b) destaca que a organização
de trabalho contemporânea retira da perspectiva dos trabalhadores uma trajetória profissional
ascendente em uma mesma empresa. O que se pode construir são trajetórias profissionais
transversais ou horizontais, as quais o implicam em promoção vertical na hierarquia da empresa
e sim em ascensão profissional individual. Esta última espelha a capacidade do indivíduo em
articular suas competências de forma que sua empregabilidade seja reconhecida pela empresa a
que está vinculado ou pelo mercado de trabalho.
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41
Diversamente de Reich, Tedesco não associa a elevação da escolaridade dos
trabalhadores à melhoria do padrão salarial, mas propõe a redução da jornada de
trabalho como forma de socializar os poucos postos de trabalho disponíveis. Tal
proposição não leva em conta o fato de que a flexibilidade produtiva permite às
organizações romperem as barreiras territoriais e deslocarem seus postos de
trabalho para locais que lhes ofereçam mão-de-obra educada a baixo custo. Um
executivo da Adidas, ao justificar a concentração da manufatura da empresa na
Ásia, afirma que o padrão salarial e a jornada de trabalho de 35 horas semanais
alemãs tornaram a produção proibitiva no país; para alterar este quadro seria
necessário que os alemães se propusessem a trabalhar mais, por uma remuneração
menor e com uma redução das férias anuais (BÖHRINGER, 2005). Há, ainda,
quem associe, como o presidente francês Nicolas Sarkozy (2007 - ), a jornada de
35 horas com uma restrição ao direito dos indivíduos interessados em trabalhar
mais para elevar sua remuneração.
As possibilidades abertas à acumulação flexível fazem com que nem mesmo
as profissões de nível superior escapem do movimento de proletarização dos
educados. Tomemos como exemplo os call-centers localizados na Índia que
oferecem seus serviços para países de língua inglesa a baixo custo. O que nos
países centrais seria considerado um emprego temporário é visto pelos indianos
como uma boa oportunidade de trabalho, atraindo trabalhadores graduados
dispostos a atuar nos diversos serviços de call-center que funcionam 24 horas,
sete dias por semana, atendendo australianos, americanos, ingleses, neozelandeses
etc. sem que os consumidores percebam a origem dos atendentes. O destaque dos
indianos no campo de tecnologia da informação do mesmo modo tem se traduzido
em postos de trabalho com salários abaixo do que os pagos pelas organizações
multinacionais em seu país de origem. Empresas alemãs como a Siemens e SAP
têm planos de transferir para o país postos de trabalho vinculados a análise de
sistemas. A justificativa apresentada pelas organizações é a de que, ao
despenderem menos com mão-de-obra, podem proporcionar serviços e produtos a
preços mais acessíveis a seus consumidores
23
.
23
Vale salientar que a redução dos custos com mão-de-obra também representa uma contradição,
já que o empobrecimento da população representa um limite para o consumo de produtos e
serviços de alto valor. O CEO da Porsche, Wendelin Wiedeking, afirma que o realinhamento dos
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42
O pacto educativo sugerido por Tedesco de certa forma reafirma a ideologia
que associa o desemprego à qualificação inadequada dos trabalhadores, eximindo-
se de uma crítica ao sistema capitalista e à diferenciação que se instala no interior
da divisão social do trabalho. Além disso, sua concepção de educação parece
privilegiar mais a estabilidade social do que um processo formativo, não pelo
esvaziamento de conteúdo que propõe, mas pelo fato de que a democratização do
acesso à educação básica tem como pressuposto a convicção de que o “acesso
universal à compreensão de fenômenos complexos constitui a condição necessária
para evitar a ruptura da coesão social e os cenários catastrofistas que estão
potencialmente presentes nas tendências sociais atuais” (TEDESCO, 1998, p.
101).
É sob esta ótica que elege a escola para assumir o papel integrador antes a
cargo de instituições como o Estado-Nação, a família e a igreja. Estas instituições
não dariam conta de comunicar uma visão capaz de unir, senão a todos, pelo
menos a maioria da população em torno de objetivos e/ou valores comuns. Cabe à
escola comunicar uma noção de cidadania que contemple uma identidade calcada
na pluralidade, o respeito às diferenças individuais, a liberdade com
responsabilidade e o exercício democrático.
A noção de cidadania proposta por Tedesco parte do princípio de que o
conceito de cidadania moderno, que tem como parâmetro o Estado Nação, está
superado. A seu ver estaríamos vivenciando a emergência de uma nova
configuração social, a qual tem como vetores a sofisticação das novas tecnologias
de informação e comunicação (TICs) e o uso intensivo do conhecimento na
produção. Sociedade da Informação, Sociedade Pós-Capitalista, Sociedade Pós-
Industrial, Sociedade do Conhecimento etc. são algumas das denominações que
tem recebido o novo momento histórico na tentativa de traduzir as mudanças que
estão em curso e que provocam alterações profundas nas formas de pensar,
produzir, comunicar, atuar politicamente etc. dos atores sociais
24
.
salários alemães ao padrão asiático impossibilitará aos trabalhadores alemães o consumo de
produtos de luxo, como os carros produzidos pela Porsche (BÖHRINGER, 2005).
24
Não unamidade teórica sobre a emergência de uma nova reconfiguração social e política. Os
críticos desta análise destacam que embora as novas tecnologias de comunicação e informação
(TICs) tenham contribuído para o estabelecimento de uma cultura informacional e para mudanças
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43
Mas se no plano político a formação de blocos políticos supranacionais
contribui para distanciar o cidadão do debate político
25
, no âmbito da ajuda
humanitária e da defesa dos direitos humanos a atuação de organizações
supranacionais favorece a ampliação da participação cidadão dos indivíduos, que
não ficam mais restritos a seu país de origem, mas se engajam na defesa do gênero
humano em qualquer lugar do planeta.
As novas tecnologias de comunicação e informação possibilitam a
integração dos locais e a comunicação instantânea do planeta, facilitando a
atuação de organismos supranacionais na defesa dos direitos humanos. Contudo,
a mesma base técnica que viabiliza o processo de globalização e a compressão do
tempo e do espaço, revela locais com tradições culturais arraigadas que na
tentativa de preservar seus valores desenvolvem “versões regressivas, defensivas e
tradicionais [de identidades culturais], cuja expressão atual são as diferentes
formas de neocomunitarismo fanático que se expandem em diversas regiões”
(TEDESCO, 1998, p. 80). E mesmo os centros dinâmicos do sistema do capital
não estão imunes a associações identitárias regressivas. A exclusão da maioria
dos que vivem do trabalho da dinâmica produtiva pode levar a associação dos
excluídos em guetos, com sérios riscos para a coesão social.
Tedesco critica as tentativas de formação de grupos fechados em defesa de
uma identidade cultural calcada no gênero, na etnia, em crenças religiosas etc. A
seu ver muitos desses grupos partem do princípio de que “um negro pensa como
negro e só pode ser representado por outro negro, uma mulher pensa como mulher
nas relações interpessoais e sociais face à incorporação de novos modelos de comunicação e
informação, elas não engendraram valores sociais que indiquem um novo modelo societário, mas
sim a intensificaçao do capitalismo. O acesso ao conhecimento especializado continua restrito a
uns poucos atores sociais e a concentração e a centralização características do capitalismo não se
alteram, pelo contrário, têm seu potencial ampliado. Kumar (1997) identifica, ainda, uma
tendência de ampliação do uso do taylorismo para além das organizações. A sociedade é
submetida a uma organização científica que visa a aferir de seu padrão de consumo à sua
preferência política, sexual etc. Tudo é mensurado e pesquisado de forma a aprofundar o
conhecimento das organizações sobre os consumidores cidadãos.
25
Em sua reflexão sobre os desafios postos para pensar a cidadania hoje, José Murilo de Carvalho
afirma que os direitos políticos também vêem seu conteúdo esvaziado pela criação de órgãos
multinacionais, como o Parlamento Europeu, que afastam cada vez mais o eleitor de seu
representante. O cidadão do interior de Portugal tem seu destino decidido em Bruxelas, o que sem
dúvida reduz o sentimento e a realidade de sua eficácia política” (CARVALHO, 2000, p. 115).
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e pode ser representada por outra mulher, e assim sucessivamente”
(TEDESCO, 1998, p. 78).
Sua análise é que a consolidação deste tipo de identidade pode desencadear
um processo de estranhamento do outro. A fim de superar este problema propõe
que se construa, a partir da realidade local, uma noção de cidadania que privilegie
uma visão global, o respeito à identidade cultural dos indivíduos e que tenha como
parâmetro o ser humano.
Nesta construção a escola emerge como um espaço de interseção, onde
professores e alunos construiriam uma identidade cultural
26
que contemplasse,
entre outros fatores, o reconhecimento das diferenças individuais, o respeito ao
outro e a tolerância. É na escola que indivíduos com trajetórias e personalidades
diferentes serão socializados e ensinados a respeitar e a tolerar as diferenças
individuais, a construir uma identidade calcada na responsabilidade e na ética e a
desenvolver um “sentido plural de pertinência”
27
.
A construção de uma identidade cultural comum é o eixo central da noção
de cidadania de Tedesco. A seu ver a queda do muro de Berlim teria provocado
uma crise no sistema de representação político-partidária, que já não se definiria
em torno de ideologias políticas antagônicas, mas sim por identidades nacionais e
culturais.
Este deslocamento faz com que haja uma retomada do comunitarismo local,
no interior do qual a participação dos cidadãos na vida pública está mais ligada a
26
A construção da identidade cultural é um processo individualizado, que pressupõe o
reconhecimento do que não é identitário, do diferente, do outro. O diferente não deve ser visto
como um inimigo, mas como um indivíduo portador de uma identidade própria, que deve ser
tolerada e compreendida. Nesse sentido o processo de construção de identidade cultural no
interior do sistema de ensino pressupõe a aceitação e o reconhecimento do direito do outro em
exercer sua individualidade dentro dos padrões culturais com os quais se identifica. “O ideal de
tolerância e compreensão supõe não tanto o desaparecimento das fronteiras mas o desaparecimento
da concepção do ‘diferente’ como um inimigo” (TEDESCO, 1998, p. 80).
27
“Em termos educacionais, o desenvolvimento desse sentido plural de pertinência, que combine a
adesão e a solidariedade local com a abertura às diferenças, implica introduzir maciçamente nas
instituições escolares a possibilidade de realizar experiências que fortaleçam esse tipo de
formação. Relativamente a isso, todos os diagnósticos indicam a existência de um significativo
déficit de experiências democráticas e pluralistas na sociedade. A escola é um âmbito privilegiado
para o desenvolvimento de experiências desse tipo, que possam ser organizadas com propósitos
educativos” (TEDESCO, 2002, p. 26).
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45
identidades culturais do que a ideologias políticas. Isto faz com que não o
sistema político, como as representações associadas a ele, passem a ser
questionados.
Mas apesar de identificar uma crise das identidades políticas e da
representação política, Tedesco não aprofunda que desenhos institucionais esta
crise assume, muito menos que parâmetros passariam a nortear a representação
política
28
. O que ele salienta é que em um contexto de afirmação do
individualismo e de ampliação do horizonte de escolhas do sujeito a idéia de
valores totais e de interesses gerais perde força. Isto coloca a questão de que
mediações vão pautar os interesses individuais e os interesses coletivos?
Sua resposta para este impasse é uma formação ética calcada na
responsabilidade
29
. Os indivíduos, as organizações, as instituições públicas etc.
todos devem assumir sua cota de responsabilidade sobre sua atuação individual e
os efeitos de suas escolhas na sociedade. Não é por acaso que em um momento de
28
Alan Touraine (1994, p. 349) também identifica uma crise no sistema de representação política,
mas afirma que a democracia o pode existir sem ser representativa”. Por isso propõe uma
reorientação do sistema de representação que em vez de dar prioridade a questões partidárias e/ou
político ideológicas, priorizaria a defesa de “questões sociais formuladas pelos próprios atores, e
não apenas pelos partidos e pela classe política”. Com base neste pressuposto defende uma
cidadania desvinculada “de todo culto da coletividade política, nação, povo ou república. Ser
cidadão é sentir-se responsável pelo bom funcionamento das instituições que respeitam os direitos
do homem e permitem uma representação das idéias e dos interesses” (TOURAINE, 1994, p. 349).
Partindo de base teórica diversa, Losurdo (2004) desenvolve uma análise interessante sobre a
dissociação entre os interesses dos cidadãos e o sistema de representação política. Sua tese é que a
maioria das democracias dos países centrais estabeleceu regimes democráticos que possibilitam
uma representação mínima da vontade dos eleitores. A estrutura do sistema político está montada
de tal forma que as manifestações de descontentamento não são registradas como válidas. Um
exemplo disto é que a opção por candidatos de partidos políticos de fora do establishment não tem
como se consubstanciar na eleição destes candidatos, mesmo que estes obtenham uma votação
expressiva. As regras do processo eleitoral estão direcionadas para a eleição dos candidatos
sancionados pelos partidos políticos integrantes do sistema. De mais a mais, a forte influência dos
meios de comunicação no processo eleitoral dificulta que candidatos e partidos de fora do sistema
comuniquem aos eleitores suas propostas eleitorais. Estes partidos e candidatos o muitas vezes
excluídos da cobertura da mídia por não serem considerados relevantes para o processo eleitoral.
Isto é grave, pois o alto custo das campanhas eleitorais pode transformar seu financiamento no
equivalente hodierno do voto censitário e da taxa de registro.
29
Além da responsabilidade, a formação ética deverá ser norteada pela tolerância, pela justiça e
pela solidariedade. Como estes valores são centrais para a formação do cidadão, Tedesco vê como
uma oportunidade o fato de que incapazes de efetuarem a socialização primária de seus filhos as
famílias estejam transferindo à escola este papel. A seu ver esta transferência pode abrir espaço
para a superação de preconceitos e para a consolidação de uma socialização calcada no respeito ao
outro, na tolerância e na responsabilidade.
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46
enfraquecimento de valores totais se fortaleça o arcabouço legal de modo a
assegurar os limites da sociabilidade.
Uma das tarefas da escola é ensinar seus alunos a escolher com
responsabilidade. É o aprender a escolher que vai colaborar para que os cidadãos
se tornem protagonistas responsáveis por suas decisões, contribuindo, assim, para
o aprofundamento do processo democrático. Para Tedesco “a democracia como
exercício da capacidade de escolher superou amplamente o mero âmbito da
escolha de opções políticas” (TEDESCO, 1998, p. 83).
É importante salientar que a noção de cidadania de Tedesco dialoga com
conceitos caros à tradição liberal, como individualismo, liberdade negativa e
responsabilidade. Por isso, ao nosso ver, ele não opera uma ruptura com o
conceito de cidadania moderno, mas sim sua atualização aos marcos operatórios
do capitalismo tardio. O papel socializador da escola é ampliado, ela deve
incorporar a socialização primária, antes a cargo da família, de forma a
“construir” uma sociabilidade que a um só tempo favoreça a adequação dos
indivíduos ao processo de globalização da economia e o respeito a sua identidade
cultural.
No pacto educativo em tela a formação para o trabalho e a formação para a
cidadania se amalgamam não pela ênfase no desenvolvimento de uma
socialização afinada com as capacidades exigidas pela acumulação flexível, mas
pela reorganização da própria escola nos moldes da organização flexível.
Para que a escola forme cidadãos aptos a trabalhar em equipe, a se
comunicar, a ouvir o outro etc. é preciso que ela incorpore a sua prática
pedagógica o trabalho dos professores em equipe, o trabalho por tarefa (projetos),
a integração com o outro (escola em rede) etc., de forma a estabelecer
“intercâmbios reais, tanto em nível local como nacional e internacional”
(TEDESCO, 2002, p. 27).
Esta reorientação viabiliza que a escola forme “condutas nas quais a equipe,
e não o individuo isolado, seja o fator de êxito e o triunfo não signifique a
eliminação dos outros, sem os quais não existe a possibilidade de continuar
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47
competindo” (TEDESCO, 1998, p. 99). Dentro dessa dinâmica a escola assume
uma terceira finalidade: a de elemento propulsor da competitividade.
O pressuposto central desta concepção de cidadania parece ser o
estabelecimento de uma sociabilidade local que atue de forma preventiva contra
os riscos de ruptura social a partir da naturalização das desigualdades do sistema e
da introjeção dos mecanismos de diferenciação. O papel da escola é construir
coletivamente uma identidade cultural que contemple tal sociabilidade de modo a
formar cidadãos e trabalhadores afinados com o capitalismo tardio.
O interessante é que se o sistema de ensino é pensado como superado e
portanto passível de ser modificado, o mesmo não ocorre com uma sociabilidade
que desemprega e subemprega “cerca de 1 bilhão de trabalhadores, o que
corresponde a aproximadamente um terço da força humana mundial que trabalha”
(ANTUNES, 2002, p. 191).
A valorização da educação básica no pensamento de Tedesco tem como
limite a formação de um tipo humano adequado à organização flexível e a defesa
de uma noção de cidadania esvaziada da ação política. A opção por uma
formação generalista não abre espaço para pensar a relação capital x trabalho
como uma construção histórica e portanto passível de ser superada, muito menos
se este tipo de formação pode contribuir para a apropriação da base técnica,
microeletrônica, que viabiliza a Revolução Informacional
30
.
2.5
Algumas considerações
A socialização da economia foi o reconhecimento pelo capital de
necessidades outras que não as suas. Este reconhecimento, longe de ser
espontâneo foi fruto do embate dos trabalhadores e dos sindicatos por melhores
30
Utilizamos o termo Revolução Informacional a partir da conceituação de Kumar (1997), para
quem o termo exprime a mudança da base técnica e a utilização intensiva de artefatos tecno-
informacionais na sociedade contemporânea e inter-relações na aquisição de bens e produtos
(teleshopping, telemarketing, home-shopping etc.), nas transações comerciais e bancárias
(telebaking, comércio eletrônico), nas comunicações (telefonia celular, correio eletrônico,
videoconferência etc.), na saúde (hospital virtual, projeto genoma), educação (teleducação) etc.
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condições de trabalho e de bem estar. A disputa por maior ou menor socialização
da economia leva a uma politização do Estado, já que este emerge como regulador
desta tensão. Esta regulamentação tem sua expressão maior nos países centrais,
no Estado Providência e nos países periféricos no Estado desenvolvimentista.
Podemos dizer que o movimento em prol da socialização da economia se
relaciona com o movimento de aprofundamento do processo democrático.
O atual estágio de acumulação do capital associado a políticas neoliberais
promoveu uma reoganização do trabalho em nível mundial, com perdas
significativas para quem vive do trabalho. Embora esta reorganização tenha se
dado com mais intensidade nos países em que a proteção ao trabalho se
encontrava mais fragilizada, podemos dizer que ela ocorreu em todo o sistema
capitalista e que mesmo governos de esquerda promoveram ajustes regressivos
nos direitos sociais que caracterizaram o Estado Providência.
Os ganhos coletivos alcançados pelos trabalhadores são revistos e estes,
incapazes da mesma mobilidade das empresas, se vêem reféns da uma
racionalidade que tem como norte a manutenção de sua taxa de lucro e o o bem
comum. Essa lógica não promove um retrocesso nas políticas sociais, como
desloca o debate do coletivo para o individual. Cabe a cada ator social,
individualmente, traçar as diretrizes que vão nortear o sua trajetória
educacional, como o seu futuro. Cada indivíduo deve articular suas competências
de forma a conseguir ter sua empregabilidade reconhecida pelo mercado.
É neste contexto que o sistema a educação emerge como fator de distinção
entre os trabalhadores. É dito que aqueles que optarem por uma trajetória
educacional afinada com a dinâmica produtiva terão, tendencialmente, melhores
chances de se inserirem no mercado de trabalho.
A qualificação profissional calcada no modelo fordista é considerada
inadequada, assim como o sistema de ensino. A proposta é que se repense a
educação em todos os níveis de forma a possibilitar uma formação consistente
com o novo cenário, uma formação generalista que privilegie atitudes
comportamentais, que crie nos indivíduos a disposição para o aprender a aprender,
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49
que lhes possibilite acompanhar o progresso técnico-científico contemporâneo etc.
e que lhes transmita uma noção de cidadania dissociada da política.
Não cabe à escola ensinar profissões, mas capacitar o alunado ao
aprendizado contínuo e despertar nele “valores” de pertença, comunidade e
responsabilidade. A escola pode até habilitar para o trabalho, mas sua principal
tarefa parece ser preparar para a vida. Uma vida que tem como horizonte as
vicissitudes do mercado e a insegurança quanto ao futuro, já que se retira do
horizonte dos atores sociais a perspectiva de uma trajetória profissional linear e
mesmo de seguridade social.
O indivíduo deve ser preparado, desde a educação básica, para desenvolver
as capacidades requeridas pela produção. Seu tempo na escola passa a ser
subordinado ao aprendizado de uma sociabilidade que não contribui para a
naturalização do sistema capitalista, como para o exercício de uma cidadania
esvaziada do político.
Não queremos com isto negar a importância do reconhecimento das
diferenças individuais e das identidades culturais, mas destacar que este
reconhecimento não exclui a ação política e o embate por uma sociedade mais
igualitária. Igualdade aqui o é sinônimo de homogeneização, mas de abertura à
construção de uma sociabilidade que contemple o reconhecimento do outro como
portador de direitos sociais, como membro de uma coletividade, e não como
indivíduo isolado.
Pelo exposto ao longo deste capítulo, consideramos que o questionamento a
que tem sido submetido o sistema de ensino pode ser pensado a partir de três
eixos: um que se articula com a ruptura com o padrão de remuneração fordista e
com a forma salário, outro que considera que uma população adequadamente
educada não só contribui para a competitividade do país, como minimiza os riscos
de anomia social, e por último, o que associa a mudança no sistema de ensino
como uma oportunidade de desenvolver o conhecimento necessário para a
apropriação da base técnica que viabiliza a Revolução Informacional.
Dada a complexidade com que se apresenta o desenvolvimento técnico
hodierno e a simbiose entre ciência e produção, duvidamos que uma formação
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50
generalista, quando associada a um currículo esvaziado de conteúdo, crie as
condições necessárias para esta apropriação. Corre-se o risco de se criar uma
polarização de novo tipo, entre aqueles que receberam uma educação consistente e
os que não receberam.
Como veremos no próximo capítulo este tipo de polarização educacional
permeia a nossa história, assim como a demanda pela democratização do acesso
ao sistema público de ensino. A singularidade atual parece residir na insistência
do empresariado para que o Estado crie as condições necessárias para elevar a
escolaridade da população de forma a assegurar a competitividade do país. Nossa
proposta é aprofundar estas questões no próximo capítulo a partir da reflexão
sobre a posição do Brasil no sistema capitalista e a demanda da sociedade
brasileira por uma educação pública de qualidade.
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3
A Posição do Brasil no sistema capitalista
3.1
Introdução
Vimos no capítulo anterior que a acumulação flexível estabelece novos
padrões de utilização da força de trabalho, além de requerer da mesma um padrão
comportamental e educacional diverso do que imperou durante o fordismo. No
caso específico do Brasil a reforma do ensino promovida nos anos 90 pode ser
lida como uma tentativa do governo de criar as condições para implementar uma
educação básica em sintonia com os requisitos do setor produtivo. O que não é,
como mostraremos ao longo desse texto, uma novidade. A industrialização tardia
também requereu mudanças no sistema de ensino. A especificidade neste
momento parece ser o consenso em torno da necessidade de que a elevação da
escolaridade da população se associada com qualidade, de forma a garantir a
competitividade do país.
3.2
O Brasil e as três revoluções industriais
Ao capitanear a Primeira Revolução Industrial no final do século XVIII, a
Inglaterra passou a dominar o mercado mundial com seus produtos manufaturados
porque os demais países ainda não detinham as condições necessárias para se
industrializar. Este quadro vai se alterar quase um século depois quando Estados
Unidos, França, Japão e Alemanha conseguem, ao se apropriarem da base técnica
que viabilizou a Primeira Revolução Industrial, reverter sua posição na divisão
internacional do trabalho e competir com a Inglaterra pelo mercado mundial de
produtos manufaturados. Estes 5 países, que detinham “apenas 13% da população
mundial, foram responsáveis por 74% da produção total de manufatura do mundo
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52
durante o começo do século XX” (POCHMANN, 2000, p. 7). A preponderância
destes países vai se refletir o na divisão internacional do trabalho, como
também no perfil ocupacional de sua força de trabalho. Um exemplo disto é que,
no início do século XX, somente 9% da força de trabalho inglesa estava vinculada
à agricultura; no Brasil este percentual era de 73%.
A Primeira Revolução Industrial não requereu uma qualificação de novo
tipo, muito menos um aparato científico diverso do conhecido, mas sim adaptação
psicofísica do trabalhador. O sistema de educação inglês era pífio se comparado
ao escocês e a educação das massas era vista com desconfiança pelas elites
dirigentes. A qualificação profissional requerida pelo sistema técnico de então era
compatível com o aprendizado proporcionado pelas corporações de ofícios, que
a tecnologia utilizada não exigia um domínio intelectual superior
1
. Na realidade,
as condições técnicas essenciais e humanas existiam e estavam presentes na
sociedade inglesa. De mais a mais a expansão industrial inglesa foi subsidiada
por sua expansão colonial e pela transformação de suas colônias em mercados
consumidores. Esse movimento levou à desindustrialização da Índia, que de
exportadora de tecidos finos passou a importadora de tecidos de algodão
(HOBSBAWM, 1982).
De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, a preponderância do trabalho
escravo e a autarquia dos engenhos não abriram espaço para que as atividades de
ofícios se desenvolvessem no Brasil nos mesmos moldes como na Europa. Nem o
fato da organização dos ofícios aqui ter sido realizada a partir de regras mais
1
Adam Smith critica o tempo de aprendizagem previsto no Estatuto de Aprendizagem inglês (5º
Édito de Elizabeth), que ele considera não só excessivo, como um empecilho à livre contratação de
trabalhadores. A seu ver a base técnica e a divisão do trabalho adotados na manufatura
favoreceriam mais a habilidade manual dos trabalhadores do que um período de aprendizado
prolongado como o defendido pelas Corporações de Ofícios. “A mais completa aprendizagem do
modo como devem ser utilizados os instrumentos e como deve ser construída a máquina não pode
requerer mais do que algumas semanas; talvez até sejam suficientes alguns dias. Nos comércios
mecânicos vulgares, bastará decerto perder apenas alguns dias de estudo. É verdade que a destreza
da mão, mesmo nos negócios vulgares, não pode ser adquirida senão depois de muita prática e
experiência; mas o jovem praticará com muito maior diligência e atenção se desde o princípio for
pago como artífice (...)” (SMITH, 1974, p. 107-108). A simplificação do processo de produção foi
de tal ordem que possibilitou a incorporação de mulheres e crianças à dinâmica produtiva. Vale
destacar que os trabalhadores infanto-juvenis não eram poupados das longas jornadas de trabalho,
muito menos do trabalho noturno. Muitos eram praticamente analfabetos, pois o tempo dedicado
ao trabalho lhes tirava o tempo necessário para instruir-se (MARX, 1983, p. 207, nota 98).
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53
brandas
2
do que as que caracterizavam os ofícios europeus favoreceram sua
proliferação; quando surgia uma oportunidade, aqueles que podiam mudavam de
atividade para poderem desfrutar das regalias ordinariamente negadas a
mecânicos” (HOLANDA, 1991, p. 27). Outro fator inibidor era a possibilidade de
aluguel de negros de ganho”, que permitia àqueles com algum capital o usufruto
do trabalho de outrem (os escravos), sem ter que se dedicar a qualquer atividade
laboriosa.
A realidade é que o sucesso material alcançado devido ao trabalho escravo
foi diretamente proporcional à desvalorização social do negro e do trabalho
manual em nossa sociedade. Os indivíduos que, mesmo não sendo negros, mas
que estivessem vinculados a atividades que não tinham reconhecimento social,
eram vítimas de preconceitos e muitas vezes alijados socialmente. Um exemplo
disto é a exclusão de indivíduos ligados a atividades mecânicas ou servis de
indicações a cargos públicos, embora não houvesse previsão legal para tal.
Operava-se uma discriminação que não tinha respaldo legal, mas nos costumes.
Ao discorrer sobre a gênese do ensino industrial-manufatureiro no Brasil,
Luiz Antônio Cunha (2000a) ressalta a resistência popular ao trabalho de ofícios e
afirma que durante o Império (1822-1889) havia uma preocupação em “reservar”
algumas atividades manuais aos homens brancos. Nesse sentido, podemos dizer
que alguns ofícios eram mais valorizados socialmente do que outros, em virtude
da preocupação em dificultar o acesso de negros e de outros grupos sociais
discriminados socialmente.
A repulsa ao trabalho braçal e seu baixo status social impregnou de tal
forma a sociedade brasileira que profissões e atividades tradicionalmente ligadas à
formação da classe média, como artesões e comerciantes, não germinaram no
Brasil até o final do século XIX. um relato sobre um “simples oficial de
carpintaria que se vestia à maneira de um fidalgo, com tricórnio e sapatos de
2
São freqüentes, em velhos documentos municipais, as queixas contra mecânicos que, ou
transgridem impunemente regimentos de seu ofício, ou se esquivam aos exames prescritos,
contando para isso com a proteção de juízes benévolos. Uma simples licença com fiador era, em
casos tais, o bastante para o exercício de qualquer profissão, e desse modo se abriam malhas
numerosas na disciplina só aparentemente rígida das posturas” (HOLANDA, 1991, p. 27).
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fivela, e se recusava a usar das próprias mãos para carregar as ferramentas de seu
ofício, preferindo entregá-las a um preto” (HOLANDA, 1991, p. 56).
Quem era alguém tinha a quem explorar para receber proventos do trabalho
alheio. Como conseqüência, aqui não ocorreu uma formação de mão-de-obra por
meio do trabalho como nos ofícios europeus, muito menos se estabeleceu uma
tradição familiar em que de pai para filho se aperfeiçoasse o trabalho e se
formasse uma nova geração de trabalhadores. O que se aperfeiçoou foi a
formação de senhores. Uma formação que menosprezava o trabalho servil,
valorizava o intelectual e buscava preservar o seu status quo.
Pelo quadro exposto podemos deduzir que o Brasil não contava com uma
mão-de-obra qualificada que lhe permitisse sequer sonhar com a apropriação do
sistema técnico que viabilizou a Primeira Revolução Industrial. Além disso, aa
chegada da família real em 1808 era vedada a instalação de fábricas em solo
nacional. A permissão para o funcionamento deste tipo de atividade gerou a
necessidade de formação de mão-de-obra e a criação de locais para aprendizagem
de ofícios, que os aprendizes precisaram ser “importados” de Portugal, dada a
resistência dos homens livres a este tipo de aprendizagem.
O ensino de ofícios e o aprendizado para o trabalho nas indústrias eram
desqualificados socialmente e associados aos substratos menos importantes da
sociedade brasileira: índios, negros, órfãos, mendigos, cegos e surdos. Não era
um ensino que desse status social, era sim um aprendizado que reforçava a
posição social subalterna de seus alunos na sociedade. Aqueles que ocupavam
uma posição melhor na hierarquia social tinham uma outra formação, direcionada
para o trabalho abstrato.
Até o início do século XIX o Brasil era um país predominantemente rural.
A falta de dinamismo das cidades e sua dependência econômica do campo não
propiciaram que nelas se desenvolvesse, de forma autônoma, uma classe dia.
Até meados do século XIX as cidades brasileiras eram habitadas,
majoritariamente, pelos não proprietários, pelos que careciam de poder político e
econômico. Os proprietários rurais se deslocavam para os centros urbanos por
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ocasião das datas festivas; eles recebiam e festejavam em suas propriedades
rurais, onde teciam suas articulações comerciais e políticas.
Segundo Holanda o desenvolvimento das cidades brasileiras se deu sob a
égide da concepção de mundo dos senhores rurais, que são seus filhos que vão
ocupar os postos de trabalhos considerados importantes na dinâmica urbana. É o
olhar enviesado, forjado nos domínios dos engenhos de cana-de-açúcar, que vai
contribuir na formação dos centros urbanos. Um olhar que associava o trabalho
braçal ao trabalho servil e por isso indigno de seus representantes.
Por isso não causa espécie que na virada do século XIX para o século XX o
recrutamento forçado para as escolas de aprendizes de ofícios fosse uma prática
comum do Estado brasileiro. O alvo deste recrutamento eram homens e crianças
representantes dos estratos mais baixos da sociedade, indivíduos sem voz ou
representação social que tinham que se submeter ao que lhes era imposto. Assim,
estabeleceu-se a aprendizagem e o trabalho compulsórios a fim de arregimentar
mão-de-obra para funções consideradas vis, já que associadas ao trabalho escravo.
De acordo com Cunha (2000a) a aprendizagem de ofícios não estava
relacionada a uma estratégia de formação de mão-de-obra para a indústria, mas
sim de conformação social, que tinha como objetivo ocupar pobres e desvalidos,
lhes transmitindo a ideologia e a moral do trabalho de forma a adequá-los a uma
dinâmica social que os excluía e a evitar que o espírito questionador dos
trabalhadores estrangeiros contaminasse a força de trabalho nativa. A própria
formação ofertada pelas escolas de aprendizes de ofícios corrobora esta tese. Seus
cursos eram voltados, principalmente, para a formação de aprendizes de
marcenaria, sapataria e alfaiataria e não para atividades diretamente vinculadas à
industrialização. É nos anos 40 do século XX que o Estado brasileiro vai
delinear uma política pública voltada para o ensino industrial.
O próprio processo de industrialização
3
será alvo de planejamento estatal
nos anos 40. É deste período a criação da Coordenação de Mobilização
3
Adotamos aqui a palavra “processo” no mesmo sentido que lhe é conferido por Boris Fausto
(2007, p. 391), que afirma “não ter ocorrido uma brusca passagem de um Brasil essencialmente
agrícola para um Brasil industrial”.
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56
Econômica (1942), cujo objetivo era pensar o processo de industrialização de
forma global e propor um planejamento para o setor
4
. É mais a conjuntura
internacional da primeira metade do século XX do que o planejamento estatal que
vai impulsionar o processo de substituição de importações brasileiro. As duas
Guerras Mundiais e a crise de 1929 provocaram uma restrição no fluxo de
importações, o que gerou a necessidade de produzir internamente produtos antes
importados
5
. A economia nacional, até então predominantemente agro-
exportadora, se volta para o atendimento da demanda interna de produtos
manufaturados.
Durante a Segunda Guerra Mundial o processo de industrialização se
acentua
6
e a manufatura nacional chega a aparecer em segundo lugar nos itens
exportados para outros países periféricos
7
. Contudo, terminada a guerra e
restauradas as condições de dependência, o dinamismo das exportações de
manufaturas não se mantêm.
4
De acordo com Fausto (2007) o processo de industrialização brasileiro se inicia em meados do
século XIX com fábricas xteis voltadas para a fabricação de tecidos de algodão para pobres e
escravos. Contudo, é na década de 1920 que o instaladas as primeiras indústrias de base: a
Siderúrgica Belgo-Mineira (1924) e a Companhia de Cimento Portland (1926). No mesmo
período a acumulação decorrente da Primeira Guerra Mundial contribuiu para que “pequenas
oficinas de consertos (...) [fossem] se transformando em indústrias de quinas e equipamentos”.
No entanto, não houve uma participação ativa do Estado no incentivo à industrialização e se ele
“não foi um adversário da indústria, esteve longe de promover uma política deliberada de
desenvolvimento industrial” (FAUSTO, 2007, p. 289).
5
É importante salientar que a Segunda Guerra Mundial trouxe tanto benefícios quanto empecilhos
para a economia nacional. Do ponto de vista das exportações de produtos primários houve uma
crise, que como um percentual significativo das exportações brasileiras estava centrado em
países do eixo, estas são impedidas de se realizar em função dos bloqueios dos países aliados. Já
no que diz respeito às importações, a restrição de seu fluxo contribuiu para intensificar o processo
de substituição de importações (PRADO JUNIOR, 1983).
6
“Repetia-se o que ocorrera por ocasião da I Guerra Mundial (1914-18). E desta vez em escala
muito maior, de um lado porque a redução dos fornecimentos exteriores é muito mais drástica, e
doutro porque as necessidades do mercado nacional se tinham tornado maiores. Além disso,
partia-se agora, o que não acontecera em 1914, de um nível industrial já mais elevado, tornando-se
por isso mais fácil o aparelhamento da indústria no sentido de atender a tais necessidades
acrescidas e insatisfeitas pelo habitual recurso à importação” (PRADO JUNIOR, 1983, p. 303).
7
“A prosperidade da indústria brasileira será então de tal ordem que nos tornamos até
exportadores de algumas manufaturas, como em especial de tecidos que se venderão aos países da
América Latina e África do Sul, privados, tanto quanto nós, de seus fornecedores habituais. As
manufaturas chegarão a figurar no segundo lugar de nossas exportações, logo em seguida ao café”
(PRADO JUNIOR, 1972, p. 74).
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57
No entanto, é inegável que havíamos alcançado um patamar superior no
processo de substituição de importações e que havia um mercado interno em
expansão. O debate que marcará as décadas seguintes, como veremos mais
adiante, é sob que condições se dará a industrialização do país: se de forma
autônoma ou em associação com o capital estrangeiro. No momento, gostaríamos
de destacar que com o incremento do processo de industrialização e a
implementação de uma organização cientifica do trabalho nas empresas, buscou-
se pensar uma educação profissional direcionada aos interesses da indústria.
Não se tratava mais de cooptar pobres e desvalidos para o trabalho
industrial, mas de selecionar trabalhadores aptos a atuarem nas fábricas,
trabalhadores que passariam por exames de seleção que visavam a afastar
agitadores e despreparados. Elevava-se, assim, o perfil dos trabalhadores fabris,
ao se procurar empregados com perfis pré-definidos pela organização científica do
trabalho. O sistema educacional é criticado por o formar uma força de trabalho
alinhada com este pensamento, nem um trabalhador capaz de se adequar às
exigências do trabalho repetitivo.
Assim, a premência dos empresários em conseguirem mão-de-obra
qualificada para o trabalho na indústria leva o Estado brasileiro, nos anos
quarenta, a introduzir mudanças no sistema de ensino e a ampliar a possibilidade
de escolarização da população menos favorecida. São criados cursos noturnos
para o aperfeiçoamento de trabalhadores e o curso primário, que até então era
restrito aos analfabetos, é estendido a todos que por ele se interessem. Eleva-se
também o nível dos professores, que passam a ser nomeados a partir da aprovação
em provas e da apresentação de títulos.
Até 1942, além das escolas federais de aprendizes artífices criadas em
1909
8
, não nenhuma regulamentação federal para o ensino profissional. Os
cursos técnicos existentes até então não eram reconhecidos pelas autoridades
educacionais. O ensino neste período é descentralizado, cabendo ao governo
8
O Presidente Nilo Peçanha (1909-1910) criou 19 Escolas de Aprendizes Artífices (Decreto 7.566
de 23/09/1909), uma em cada estado da federação, exceto nos estados do Rio Grande do Sul e do
Distrito Federal que contavam com escolas deste tipo. Estas escolas tiveram desenvolvimento
heterogêneo, apesar de terem recebido uma regulamentação singular que as distinguia das demais
instituições do gênero (CUNHA, 2000b).
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federal a gestão sobre o ensino superior e secundário e aos estados a
responsabilidade sobre o ensino primário e o ensino profissionalizante.
Contudo, a formação de uma força de trabalho afinada com o processo de
industrialização não se deu sem percalços, já que a população associava o trabalho
fabril ao trabalho servil. Para vencer essa resistência a burguesia industrial
procurou associar seu projeto de industrialização ao processo de modernização do
país. Era necessário, naquele momento, apresentar o projeto burguês como um
projeto do país. Para a burguesia industrial todos os esforços, inclusive a
educação, deveriam se voltar para a superação do modelo agrário exportador e
ajudar a consolidação do país como uma nação industrializada
9
.
A demanda do setor produtivo por um novo perfil de trabalhador se reflete
nas políticas públicas. O governo Getúlio Vargas (1937-1945) promulga, em
1942, a Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto-Lei 4.073 de 30/01/1942), que
cria as escolas industriais
10
, estabelece a educação primária como educação geral
e desloca a educação profissional para o ensino secundário (escolas industriais)
11
.
A aprendizagem profissional se complexifica, o acesso ao ensino industrial
pressupõe agora formação geral (primária) e um exame de seleção.
Mas se a legislação assegurava um grau mínimo de escolaridade para
aqueles que quisessem se profissionalizar, paralelamente ela promoveu a
dualidade no ensino secundário. Os alunos com melhor desempenho eram
estimulados a prestarem exames para o primeiro ciclo secundário; os demais,
devido a seu desempenho ou condição socioeconômica, poderiam realizar exames
para as escolas industriais. No entanto, a legislação não reconhecia a equivalência
entre os diplomas emitidos pelas escolas técnicas e os emitidos pelo ensino
9
Ver Rodrigues (1998).
10
As antigas escolas federais de aprendizes artífices são transformadas em escolas industriais.
Para maiores detalhes ver Cunha (2000b).
11
A organização do ensino industrial previa uma formação em dois ciclos: o primeiro, com duração
de 3 a 4 anos, tinha por objetivo proporcionar uma formação básica; o segundo, com duração
similar ao do primeiro, visava à formação profissional. Nos anos seguintes foram promulgados
mais dois atos legais: a Lei Orgânica do Ensino Comercial (Decreto Lei 6.141 de 28/12/1943) e a
Lei Orgânica do Ensino Agrícola (Decreto Lei 9.613 de 20/08/1946). Estas Leis Orgânicas
organizaram o ensino profissional de acordo com os três campos da economia: indústria, comércio
e agricultura (ROMANELLI, 2000).
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secundário
12
; isto dificultava aos egressos das escolas cnicas o acesso ao nível
superior
13
.
A análise de Cunha (2000a) é que o deslocamento do ensino industrial para
o secundário não tinha a formação humana como sua preocupação principal, mas
sim garantir o acesso ao ensino industrial de indivíduos mais preparados. Dentro
dessa lógica o ensino primário funcionava como um espaço de triagem, onde
trajetórias profissionais/educacionais eram traçadas em função do desempenho
dos alunos e/ou de sua condição sócio-econômica. Nesse sentido, a racionalidade
que permeou o debate e a concepção da Lei Orgânica do Ensino Industrial não
tinham como parâmetro a inclusão de novos atores sociais ao sistema de ensino,
mas a formação de mão-de-obra para a indústria. Sob esta ótica,
o deslocamento do ensino profissional para o grau médio teve a função principal de
permitir que a própria escola primária selecionasse os alunos portadores de ethos
pedagógico mais compatível com o prosseguimento dos estudos. As escolas de
aprendizes artífices recrutavam os alunos provavelmente menos preparados e
dispostos a prosseguir a escolarização, devido à sua origem social/cultural. Depois
dessa medida, mesmo que o ensino industrial recrutasse os piores dentre os
concluintes do ensino pririo urbano, seu potencial de aprendizagem seria, muito
provavelmente, superior ao dos desvalidos’ da situação anterior. Isso foi
possível, no entanto, após o crescimento da rede de escolas primárias mantidas,
principalmente, pelos estados e municípios (CUNHA, 2000a, p. 100).
No que diz respeito às escolas de aprendizes artífices, a Lei Orgânica do
Ensino Industrial previa que estas deveriam possibilitar a aprendizagem dos
trabalhadores no trabalho e que seus egressos poderiam concluir sua formação nas
12
É importante destacar que enquanto o ensino técnico profissional era regido pelas Leis
Orgânicas do Ensino Industrial; o ensino secundário, de caráter propedêutico, tinha
regulamentação própria: a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-Lei 4.244 de 9/4/1942). O
ensino secundário propedêutico era dividido em dois ciclos: o primeiro (ginásio) durava 4 anos e o
segundo (clássico ou científico) 3 anos (ROMANELLI, 2000).
13
O ensino industrial foi concebido com tal rigidez que praticamente era vetado aos alunos migrar
de um ramo do ensino profissional para outro. Isto porque um aluno matriculado no ensino
agrícola que quisesse mudar para o ensino comercial o teria como aproveitar as disciplinas
cursadas, ele teria que abandonar o ensino agrícola e iniciar o ensino comercial. Do mesmo modo
era vetada aos alunos matriculados no ensino profissional secundário a transferência para o ensino
secundário propedêutico. “Outro aspecto lamentável dessa falta de flexibilidade manifestava-se
nas oportunidades de ingresso nos cursos superiores. Continuando uma tradição, acentuada com a
reforma Francisco Campos, as Leis Orgânicas [do Ensino Industrial] permitiam o acesso ao
ensino superior no ramo profissional correspondente” (ROMANELLI, 2000, p. 156).
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60
escolas industriais; contudo isto nunca foi levado a termo, que a Portaria que
previa esta articulação foi revogada.
A tese de Cunha é de que a possibilidade dos aprendizes complementarem
sua escolarização nas escolas industriais estava ligada a uma disputa entre o
Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho, apoiado por Getúlio Vargas.
Enquanto o Ministério da Educação pretendia incorporar a educação profissional
ao sistema de ensino, o Ministério do Trabalho concebia a educação profissional
como responsabilidade do empresariado
14
. É deste período o ato legal que criou o
SENAI
15
.
No início dos anos 50 o Brasil ainda é um país eminentemente agrícola,
contudo a participação da indústria na economia nacional começa a se destacar. O
fim do Estado Novo e o restabelecimento do processo eleitoral faz com que se
acirre a disputa entre três projetos diversos para o desenvolvimento do país: o
liberalismo econômico, que tem suas raízes na República Velha; o nacional-
desenvolvimentismo que tem como figura emblemática Getúlio Vargas, mas que
será retomado, sob uma nova ótica, no governo Juscelino Kubitschek
16
(1956-
1961) e durante a ditadura militar (especialmente no governo do General Ernesto
14
Podemos dizer que até hoje a Educação Profissional é alvo de políticas diferenciadas por parte
do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e Renda. Tanto o governo Fernando
Henrique Cardoso, quanto o governo Lula implementaram programas de qualificação profissional
no âmbito do Ministério do Trabalho. O primeiro criou o PLANFOR (Plano Nacional de
Qualificação do Trabalhador, 1995-2002) e segundo o PNQ (Plano Nacional de Qualificação,
2004 ). Por seu turno o Ministério da Educação mantém uma política oficial de educação
profissional, que se no governo FHC foi capitaneada pelo PROEP (Programa de Expansão da
Educação Profissional), no segundo governo Lula parece repousar na expansão dos CEFETs.
Sobre esta expansão ver Pires (2007).
15
Para um aprofundamento sobre a criação do SENAI e seus objetivos ver Cunha (2000a, 2000b).
16
Segundo Ianni (1977) a industrialização estava associada à idéia de desenvolvimento econômico
tanto por Getúlio Vargas, quanto por Juscelino Kubitschek. Mas enquanto Vargas vinculava o
desenvolvimento econômico à autonomia do Brasil no sistema capitalista, JK incorporou a idéia de
desenvolvimento econômico dependente, apesar de empunhar a bandeira do nacionalismo. O
Plano de Metas do governo JK lançou não as bases para o aprofundamento da capitalismo
dependente, como reconfigurou o papel do Estado, que passa a intervir e planejar mais a
economia. O planejamento do governo JK privilegiou o capital privado, nacional e estrangeiro.
Em seu governo “cresceu bastante a importância absoluta e relativa das empresas ligadas a
empresas, grupos e conglomerados multinacionais. Por essa razão, os partidos políticos, os jornais
e a pequena burguesia industrial debateram amplamente o problema da desnacionalização’ da
economia brasileira. Esse debate, aliás, desenvolveu-se também entre os representas da grande
burguesia industrial interessada na política governamental que mantinha condições monopolísticas
para as empresas mais poderosas já instaladas”(IANNI, 1977, p. 175).
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Geisel – 1974-1979) e o projeto de desenvolvimento nacional e popular que nunca
se consubstanciou em programa de governo, mas que esteve na pauta dos
movimentos que lutaram pelo aprofundamento do processo democrático
(FIORI,2002).
A crise provocada pela Segunda Guerra Mundial, quando produtos
primários brasileiros não encontravam espaço no exterior, ocasionando o declínio
de nossas exportações, motivou o debate sobre a necessidade de se pensar um
modelo de intervenção estatal que assegurasse o desenvolvimento autônomo do
país e o protegesse das oscilações do mercado externo. Ao final do conflito o
planejamento da economia é visto de forma positiva por representantes do
governo Vargas, empresários, técnicos e economistas e com desconfiança pelos
liberais, não só por sua posição em defesa do livre mercado
17
, como por sua
resistência (e também dos conservadores) a um projeto que abrisse espaço para o
aprofundamento da democracia
18
.
O liberalismo econômico que norteou os primeiros anos do governo Dutra
(1946-1951) pode ser lido como a vitória dos liberais no embate político travado
com o grupo que apoiava Getúlio Vargas e sua proposta de democratização do
país e de construção de um capitalismo nacional
19
. Em oposição à proposta de
17
“Não queremos dizer que estava no programa da Aliança Liberal (que derrubou Washington
Luís) acabar com os enclaves ou formas similares de exportação maciça de excedentes
econômicos. O que queremos dizer é que a configuração histórica em que ocorreram a Revolução
de 1930 e a reorganização do Estado brasileiro abriu possibilidades de redefinição das relações
com o capitalismo mundial. Ou seja, os problemas sociais, econômicos, políticos, culturais e
militares surgidos nas décadas dos vinte e trinta permitiram a revisão das relações de dependência;
e, em conseqüência, a reorientação do sistema econômico nacional. As próprias atividades
artísticas e intelectuais adquiriram horizontes e perspectivas diferentes, nos anos 1930-37”
(IANNI, 1977, p. 60).
18
É dentro dessa dinâmica que é gestado o golpe contra o Estado Novo e que se organizam e
movimentam as forças políticas adversas ao nacionalismo econômico, ao dirigismo estatal e à
participação das massas no processo político. O sucesso do Golpe de Estado de 29 de outubro de
1945 corresponde à vitória dessas oposições” (IANNI, 1977, p. 80).
19
A análise de Caio Prado Junior é que a concepção de liberalismo que norteou as opções políticas
e econômicas na década de 50 não tem origem em uma elaboração teórica interna, mas em “um
pensamento econômico sem nenhuma justificação no Brasil (...) [, essa concepção de liberalismo
é] amparada pelos interesses tanto nacionais como estrangeiros direta ou indiretamente ligados à
tradicional ordem econômica dominante no país, e que julga preferível confiar na livre iniciativa
privada, deixando a seu cargo, na base do livre jogo do mercado e da oscilação de preços daí
derivada, a seleção das importações e a utilização das divisas disponíveis” (PRADO JUNIOR,
1983, p. 312).
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62
capitalismo nacional, os liberais advogavam a associação com o capital
estrangeiro.
A noção de capitalismo associado era vista como frutífera, pois criaria as
condições necessárias para o desenvolvimento econômico do país.
Paulatinamente os sócios nacionais iriam se apropriar da expertise das empresas
estrangeiras, possibilitando-lhes o domínio da base técnica que viabilizou a
Segunda Revolução Industrial; a qual vai apresentar uma complexidade maior que
a Primeira em termos de utilização de novas fontes de energia e de materiais e da
produção de novos produtos, agora fabricados em larga escala e requerendo maior
aporte de recursos.
A disputa entre aqueles que defendiam a implantação de um capitalismo
nacional e os que viam no capitalismo associado ao capital estrangeiro a melhor
opção para o país, foi vencida pelos últimos e norteou o processo de
industrialização do país nas décadas seguintes
20
. Logo, é sob as condições postas
pelo desenvolvimento econômico dependente que o Brasil vai se consolidar, nos
anos 60, como um país industrial e urbano.
A industrialização do país entra em uma nova etapa e se faz premente criar
as condições para tornar o Brasil um país desenvolvido. O Estado passa a ter um
papel importante na regulamentação do mercado, assim como os bancos no
financiamento dos investidores. Contudo, os projetos governamentais que
nortearam o processo de industrialização não estiveram comprometidos com a
superação da desigualdade social e com o aprofundamento do processo
democrático, mas sim com o desenvolvimento econômico do país
21
.
20
A vitória da concepção de capitalismo associado se traduziu em medidas legais que liberaram
para os estrangeiros, entre outros fatores, as transferências dos lucros das empresas estrangeiras
para seus países de origem e a possibilidade de importação de máquinas e equipamentos livres de
taxas alfandegárias. Por seu turno o empresariado nacional continuava submetido ao pagamento
de impostos de importação para a aquisição dos mesmos equipamentos (Instrução SUMOC nº 113
de 17/01/1955). Os empresários reclamaram formalmente contra este instrumento legal, e muitos
deles acabaram se associando ao capital estrangeiro para desfrutar dos benefícios legais
concedidos a eles (PRADO JUNIOR, 1983).
21
A política econômica praticada durante a ditadura civil militar vai privilegiar o setor privado da
economia, principalmente o associado ao capital estrangeiro. a política industrial favorece a
produção de bens de consumo duráveis direcionados às camadas médias e altas da sociedade. o
um compromisso com a ampliação da capacidade de consumo das camadas populares, o que
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63
É importante salientar que neste período a industrialização deixa de ser uma
atividade central dentro do núcleo orgânico do capital. Os benefícios alcançados
pelos trabalhadores nos países centrais tornam os custos de produção nestes locais
elevados se comparados aos dos países periféricos. Uma das soluções
encontradas é a transferência de unidades produtivas para a periferia do capital.
Mas se para as organizações transnacionais a industrialização da periferia
está relacionada à redução de custos e à manutenção de sua taxa de lucro, no
Brasil o processo de industrialização é visto como uma oportunidade para que o
país passe a integrar o seleto grupo dos países desenvolvidos. Sendo assim, é
preciso criar as condições ideais para que o projeto nacional desenvolvimentista se
concretize. Uma dessas condições é a formação de uma mão-de-obra adequada à
organização fordista.
O sistema de ensino mais uma vez é alvo das críticas dos representantes do
empresariado e mais uma vez o Estado brasileiro vai introduzir modificações no
sistema de forma a responder à demanda do setor produtivo. A reforma
educacional promovida pela ditadura civil-militar (Lei 5.692/71) é singular porque
pela primeira vez na nossa história foram realizados ajustes em todos os níveis de
ensino, tal a premência de responder a um tempo à pressão do empresariado
pela formação de uma força de trabalho em consonância com o projeto nacional
desenvolvimentista e à demanda da sociedade por ampliação do acesso ao sistema
público de ensino. A profissionalização compulsória no secundário, como
veremos no próximo capítulo, se articula com este duplo propósito
22
.
praticamente as alija dos ganhos alcançados pelo processo de industrialização. Ademais, o modelo
econômico deste período se assenta, entre outros fatores, no endividamento externo, no controle da
inflação e dos salários e no atendimento das demandas populares urbanas através de políticas
sociais estreitas. “Em síntese, a política salarial dos anos 1964-70 (como elemento básico da
política operária governamental) recompôs as relações econômicas entre vendedores e
compradores de força de trabalho. Essa recomposição, entretanto, foi realizada segundo os
interesses dos compradores de força de trabalho, isto é, da empresa privada. Esse foi o contexto
em que se realizou a ‘contenção do populismo’, bem como o encerramento da experiência com a
‘democracia liberal’ ”(IANNI, 1977, p. 282).
22
A Lei 5.692/1971 amplia a obrigatoriedade do ensino para 8 anos e a meta do governo é que em
1979 praticamente erradicar o analfabetismo (97% da população alfabetizada). O próprio governo
reconhece, em 1974, que esta meta é irreal e começa a traçar estratégias para alcançá-la, é dentro
dessa dinâmica que passa a valorizar formas de ensino não regular, como o MOBRAL (criado pela
lei 5370 de 15/12/1967) e o projeto Minerva (1970), projetos que visam a potencializar o
cumprimento da meta de alfabetização. No ato de sua criação o objetivo do MOBRAL é
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64
O estudo de Giovanni Arrighi (1997) sobre a industrialização da periferia e
da semiperiferia nos mostra que o processo de industrialização não não alterou
o status destes países no sistema capitalista, como em muitos casos manteve
inalterada a estrutura social interna. Isto ocorreu porque na maioria destes países
a industrialização se deu sob regimes ditatoriais, os quais promoveram mudanças
econômicas sem alterar privilégios, ou mesmo distribuí-los
23
.
Além disso, o processo de industrialização da periferia não esteve associado
a um esforço endógeno em Ciência e Tecnologia (C&T), mas à transferência
controlada de tecnologia das organizações multinacionais para suas unidades
produtivas na periferia e na semiperiferia. Como conseqüência a industrialização
destes locais não se traduziu em enriquecimento intelectual do ponto de vista do
domínio de C&T, mas em uma apropriação subordinada aos interesses das
matrizes estrangeiras
24
. Entretanto, isto não impediu que alguns países, por conta
da industrialização tardia, passassem a integrar a semiperiferia do capital.
A semiperiferia funciona quase como um vir a ser. Embora não integre o
núcleo orgânico do sistema do capital, em seu interior encontramos grupos
restritos que desenvolvem atividades, modos de vida e de consumo similares aos
alfabetizar a população urbana analfabeta na faixa de 15-35 anos, esta faixa etária é ampliada em
1974 e passa a incluir jovens de 9 a 14 anos. O projeto Minerva tinha como objetivo a oferta de
ensino supletivo para uma população de 17-39 anos através do rádio. Os programas eram
transmitidos pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC (CUNHA, 1975).
23
A contradição, é que, ao promoverem a industrialização, estes regimes criaram,
simultaneamente, uma massa proletarizada, com maior poder de compra e mais exigente que a
população rural de outrora. A rápida urbanização eleva o contingente de habitantes alfabetizados e
informados nas cidades, que almejam participar da divisão da riqueza do país. Uma insatisfação
que nem mesmo o poder coercitivo consegue controlar. Na visão de Arrighi (1997) é dentro dessa
contradição que se dá a abertura para o processo de democratização nesses países.
24
De acordo com Arrighi dois elementos contribuem para a manutenção de um país no andar de
cima do sistema capitalista: a riqueza e a capacidade de se apropriar dos benefícios da divisão
internacional do trabalho. É a combinação destes elementos e a desigualdade que geram no
sistema que possibilitam a uns poucos seu controle. Para manter sua riqueza e auferir dos
benefícios da divisão internacional do trabalho, o núcleo orgânico do capital precisa expropriar
muitos. E como a manutenção do sistema do capital não se dá por inclusão, mas sim por exclusão,
os investimentos em pesquisa e inovação o possíveis se realizados mediante a certeza de que
se trata de um jogo que uns poucos podem jogar, que o traço mais essencial da economia
capitalista mundial é a recompensa desigual por esforços humanos iguais e oportunidades
desiguais de uso de recursos escassos” (ARRIGHI, 1997, p. 218).
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65
presentes nos países centrais
25
. O Brasil é um exemplo dessa dualidade, setores
dinâmicos da sociedade convivem com índices de pobreza que nos aproximam de
países africanos
26
.
Mas se a industrialização tardia assegurou ao Brasil uma posição na
semiperiferia do sistema capitalista, ela não criou as condições necessárias para
que pudéssemos nos apropriar da complexidade envolvida no desenvolvimento e
renovação das novas tecnologias de informação e comunicação que compõem a
base técnica da Terceira Revolução Industrial. Este sistema técnico, que também
é denominado de Revolução Informacional, está simplesmente fora do alcance dos
países semi-periféricos e periféricos, posto que não caixa-preta a desvendar,
mas chips que comportam alta tecnologia em constante renovação e
obsolescência.
Assim, à semiperiferia, sem domínio de ciência e tecnologia de ponta, resta
copiar e adaptar, mas sempre na retaguarda e sempre dependente do acesso a
patentes, uma vez que
a superação da descartabilidade/efemeridade imporia um esforço descomunal de
pesquisa científico-tecnológico, aumentando-se o coeficiente de P&D [Pesquisa e
Desenvolvimento] ou C&T sobre o PIB [Produto Interno Bruto] em algumas vezes,
para saltar à frente da produção científico-tecnológica (OLIVEIRA, 2003, p. 140).
Francisco de Oliveira (2003) defende a tese de que se até a Segunda
Revolução Industrial havia a possibilidade do Brasil alcançar o nível de
25
O medo de cair para a periferia do sistema faz com que estes países utilizem todos os recursos a
seu dispor para manterem suas posições e façam concessões que em conjunto o os levam a uma
posição melhor dentro do sistema. Pelo contrário, cada vez mais enfraquece sua posição como
grupo, que “quanto mais os Estados semiperiféricos competiam entre si no fornecimento de
espaços produtivos seguros e rentáveis e de suprimentos de mão-de-obra barata e disciplinada,
piores eram os termos que cada um deles obtinha pelo desempenho dessas funções subordinadas
na acumulação global do capital” (ARRIGHI, 1997, p. 236).
26
A análise de Celso Furtado (1974) sobre o processo de modernização nos ajuda a entender essa
disparidade. A seu ver como a industrialização brasileira se deu ancorada na baixa remuneração
da mão-de-obra e na manutenção de desigualdades sociais e regionais, ela não só impossibilitou
que o conjunto da população se beneficiasse dos ganhos obtidos com a industrialização, como
favoreceu a formação de verdadeiras ilhas de prosperidade. São nestes grupos que se verifica a
assimilação de estilos de vida e de hábitos de consumo análogos aos observados nos países
desenvolvidos. Assim, marcado por assimetrias, o processo de industrialização não se traduziu em
desenvolvimento efetivo do país, posto que não elevou as condições de vida do conjunto da
população, nem viabilizou, no plano da estrutura produtiva, um domínio cnico-científico que
rivalizasse com os padrões encontrados nos países centrais.
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66
desenvolvimento dos países centrais; a Revolução Informacional parece sepultar
esta pretensão, dado o nível de complexidade técnico-científica que requer. Sua
análise é que a opção da burguesia brasileira por uma inserção subordinada ao
capitalismo mundial inviabilizou o desenvolvimento endógeno, posto que este
tipo de desenvolvimento teria requerido que ela se aliasse às classes subordinadas
e enfrentasse o desafio do aprofundamento do processo democrático e da
superação da desigualdade social. Ao invés disso, a burguesia brasileira buscou
parceiros externos e o isolamento das massas do processo decisório do país. Este
caminho lhe possibilitou manter seu status quo e a estrutura social do país
praticamente inalterados, mas inviabilizou o reposicionamento do país na divisão
internacional do trabalho. Outro fator que contribuiu para o subdesenvolvimento
27
do país foi a baixa remuneração da força de trabalho nacional. Uma força de
trabalho mal remunerada não tem como manter um alto padrão de consumo.
O paradoxal é que mesmo incapazes de uma produção autônoma,
vivenciamos a Revolução Informacional pois esta tem capacidade de customizar
sua produção de tal modo que mesmo os estratos mais baixos da sociedade são
contemplados com produtos e serviços. “As florestas de antenas, inclusive
parabólicas, sobre os barracos das favelas é sua melhor ilustração” (OLIVEIRA,
2003, p. 144).
Assim, à falta de interesse da burguesia brasileira por um modelo
econômico que gerasse ganhos para o conjunto da população aliou-se o
desinteresse das matrizes estrangeiras em transferir tecnologia de ponta a suas
filiais. E do mesmo modo como as elites nacionais não abriram espaço para que
todos os benefícios auferidos pela industrialização alcançassem o conjunto da
27
Segundo Celso Furtado (1992) o subdesenvolvimento está relacionado ao fato de que a
industrialização o altera a posição do país na divisão internacional do trabalho, nem produz
ganhos significativos para o conjunto da população. “O subdesenvolvimento é fruto de um
desequilíbrio na assimilação das novas tecnologias produzidas pelo capitalismo industrial, o qual
favorece as inovações que incidem diretamente sobre o estilo de vida. Essa proclividade à
absorção de inovações nos padrões de consumo tem como contrapartida o atraso na absorção de
técnicas produtivas mais eficazes. É que os dois métodos de penetração de modernas técnicas se
apóiam no mesmo vetor, que é a acumulação. Nas economias desenvolvidas existe um
paralelismo entre a acumulação nas forças produtivas e diretamente nos objetos de consumo. O
crescimento de uma requer o avanço da outra. É a desarticulação entre esses dois processos que
configura o subdesenvolvimento” (FURTADO, 1992, p. 41-42).
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67
população, os países centrais não socializaram os avanços alcançados por eles em
P&D.
A opção brasileira pela inserção subordinada e pelo endividamento externo
cobra seu preço. O país não tem domínio intelectual da base técnica que viabiliza
a Revolução Informacional, no entanto não deixa de sofrer suas conseqüências. A
acumulação flexível permite redimensionar o trabalho de tal forma que o
desemprego se instala e mesmo São Paulo, a cidade mais rica do país,
(...) exibe o teatro de uma sociedade derrotada, um bazar multiforme onde a cópia
pobre do bem de consumo de alto nível é horrivelmente kitsch, milhares de
vendedores de coca-cola, guaraná, cerveja, água mineral, nas portas dos estádios
duas vezes por semana. Pasmemos teoricamente trata-se de trabalho abstrato
virtual (OLIVEIRA, 2003, p. 142-143).
A década de 90 é o marco inicial da implementação de um novo modelo
econômico no Brasil, de orientação neoliberal, que o rompe com o projeto
nacional de industrialização acalentado de 1930 até 1970, como não consegue
manter o ritmo de incorporação da força de trabalho apresentado até então. Os
dados de ocupação e desemprego de 2000 indicam que mais de 40% da força de
trabalho ocupada encontrava-se vinculada a postos de trabalho precários e que a
taxa de desemprego aberto “mais do que quintuplicou nas duas últimas décadas,
pois passou de 2,8%, em 1980, para 15% em 2000” (POCHMANN, 2006, p. 113).
O fim da ditadura civil militar e o reestabelecimento de uma situação
democrática
28
o significaram a democratização do acesso à educação, à renda e
à riqueza socialmente produzida. A Constituição Federal de 1988 vai garantir
direitos políticos e sociais, contudo a adoção, pelos governos eleitos pelo voto
popular, de políticas neoliberais, não favoreceu a superação do quadro histórico de
desigualdades sociais e econômicas, mas sim seu aprofundamento.
28
A expressão “situação democrática” é de Boris Fausto, que ressalta que uma das desvantagens
da transição pactuada foi “não colocar em questão problemas que iam muito além da garantia de
direitos políticos à população”, problemas estes que não foram criados durante a ditadura militar,
mas que fazem parte de uma história de desigualdades sociais e econômicas. Certamente, estes
males não seriam curados da noite para o dia, mas poderiam começar a ser enfrentados no
momento da transição. O fato de que tenha havido um aparente acordo geral pela democracia por
parte de quase todos os atores políticos facilitou a continuidade de práticas contrárias a uma
verdadeira democracia. Desse modo, o fim do autoritarismo levou o país mais a uma ‘situação
democrática’ do que a um regime democrático consolidado” (FAUSTO, p. 527).
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68
O argumento que norteou a implementação destas políticas no Brasil é o de
que elas viabilizariam a modernização do país e sua inserção na economia global.
No entanto isto não ocorreu, estas políticas não contribuíram para elevar as
condições socioeconômicas da população, muito menos para melhorar a posição
do país na divisão internacional do trabalho. Um exemplo disto é que a
participação brasileira no comércio internacional o ultrapassa 1,2%. Segundo
Pochmann (2006) a opção pelo controle da inflação e pela estabilidade monetária
fez com que muitos produtos produzidos internamente perdessem competitividade
frente a produtos importados, como conseqüência houve um decréscimo da
atividade produtiva e o país passou a se destacar, no mercado exterior, pela oferta
de produtos de baixo valor agregado
29
. Isto ocorreu porque as políticas
governamentais que visavam a inserção do país na economia global se deram
dissociadas “de políticas industrial ativa, comercial defensiva e social
compensatória” (POCHMANN, 2006, p. 118).
E se do ponto de vista econômico as políticas neoliberais favoreceram a
abertura do país ao capital financeiro e sua transformação em plataforma de
valorização financeira internacional, bem em linha com o espírito rentista e
financista dos dias que correm” (PAULANI, 2006, p. 88); do ponto de vista social
houve um aprofundamento da desigualdade social. A participação dos
trabalhadores na renda nacional declinou de 50% em 1980, para 39,1% em 2005;
e as políticas compensatórias foram praticamente anuladas por uma política
macroeconômica que além de não estimular o emprego, se apóia na baixa
remuneração da força de trabalho
30
.
José Luís Fiori (2002) pontos de tangência entre o projeto neoliberal
implementado a partir dos anos 90 e o acalentado pelos liberais da República
29
De acordo com Paulani (2006, p. 85) o Brasil vem experimentando, desde o início dos anos
1980, um claro retrocesso no perfil de suas atividades e na forma de sua inserção na produção
mundial. Não se trata apenas, de no setor industrial, o país estar produzindo cada vez mais bens
que são considerados quase commodities (alta escala de produção, baixo preço unitário,
simplificação tecnológica e rotinização das tarefas). Trata-se de uma redução acentuada da
importância do setor industrial brasileiro, como indica o fato de o emprego industrial nacional ter
chegado a representar 4,2% do emprego industrial mundial, nos anos 1980, e de essa participação
ter chegado hoje à casa dos 3,1%”.
30
Conforme Pochmann (2006, 2007).
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69
Velha, mesmo reconhecendo que eles são devedores de condições históricas
diversas
31
. Seu exame é que os dois projetos têm em comum a ortodoxia liberal e
sua crença no livre mercado, no rigor fiscal e monetário. E tal qual o projeto
liberal do início do século XX, o projeto neoliberal não abre espaço para a
construção de um projeto de desenvolvimento nacional e para o aprofundamento
do processo democrático, uma vez que favorece à concentração e à exclusão. Por
isto defende um redirecionamento da política econômica, de forma a atender
objetivos outros que não os do capital financeiro e de seus poucos beneficiários.
Pochmann (2006), do mesmo modo, advoga um novo modelo econômico
que privilegie o aprofundamento do processo democrático e altere o padrão
distributivo desigual. A seu ver a manutenção da estabilidade econômica é feita
às custas da geração da pobreza. Ou melhor, os cortes efetuados no orçamento
social para viabilizar o superávit fiscal, o rebaixamento das condições de vida da
população, a baixa remuneração da força de trabalho, o desemprego etc. são
fatores que contribuem para manter inalterado o quadro histórico de desigualdade
social.
3.3
O Trabalho na terceira revolução industrial
As inovações organizacionais e técnicas permitem ao capital eliminar o
tempo ocioso pago aos trabalhadores; todo o tempo de trabalho é hoje trabalho
produtivo. Desse modo, o salário do trabalhador deixa de ser um adiantamento do
trabalho a ser realizado e passa a ser fruto de sua produtividade. Transfere-se para
o trabalhador a responsabilidade pelo pagamento de seu próprio salário e busca-se
eliminar gradualmente a jornada de trabalho, que o trabalho abstrato não é
mensurado pelo tempo de execução, mas sim pela produtividade alcançada:
31
“Nada disto implica em desconhecer o óbvio: que o mundo de [Joaquim] Murtinho não é mesmo
mundo do [Pedro] Malan, apesar de que suas convicções econômicas sejam as mesmas. Mas neste
ponto não há com o que se espantar: a fé cega dos economistas ortodoxos e dos Tesouros
Nacionais, no rigor fiscal e monetário, foi sempre a mesma, desde o século XVII, igual que suas
teses e políticas imobilistas. A verdade é que se a economia mundial tivesse sido governada pelos
economistas, não teria havido capitalismo, e o Brasil jamais teria deixado um engenho de açúcar”
(FIORI, 2002, p. 2).
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70
os rendimentos dos trabalhadores agora (...) [dependem] da realização do valor das
mercadorias, o que não ocorria antes; nos setores ainda dominados pela forma-
salário, isso continua a valer, tanto assim que a reação dos capitalistas é
desempregar força de trabalho (OLIVEIRA, 2003, p. 136).
Ao eliminar o trabalho ocioso, privilegiar o trabalho abstrato, aumentar a
produtividade por trabalhador, flexibilizar a produção de forma a utilizar o
número exato de trabalhadores o capital inaugura uma nova relação capital x
trabalho, em que a força de trabalho é chamada a comparecer quando e por quanto
tempo o capital a requerer. Isto permite que uma nova tipologia de contrato de
trabalho seja pensada: são os contratos de tempo parcial, contratos por tempo
determinado, contratos por prestação de serviços, contratos de trabalho específicos
para pequenas empresas etc.
A nova tipologia de contrato de trabalho não é a priori nociva ao
trabalhador, mas sim a racionalidade com a qual se articula, que recruta e dispensa
os trabalhadores de acordo com a demanda da produção e/ou do serviço a ser
realizado. À medida que se torna possível adequar o tempo de trabalho necessário
ao tempo da produção, a jornada de trabalho passa a ser um empecilho para o
capital, assim como todos os benefícios associados a ela: “já não existe medida de
tempo de trabalho sobre o qual se ergueram os direitos do [Estado Providência ]
(...)” (OLIVEIRA, 2003, p. 137).
Esta recomposição ocorre em um contexto em que o espaço de pressão dos
trabalhadores se reduzido e estes, com exceção de algumas categorias, não
têm a força social de outrora para negociar seus interesses e/ou lutar por uma
mudança na estrutura política e social. A própria identidade de classe dos
trabalhadores se comprometida, pois não se trata mais de construir trajetórias
profissionais estáveis ou mesmo de ter o trabalho formal como princípio
orientador da vida social, mas de cada indivíduo buscar construir uma trajetória
particular que lhe permita sobreviver.
Nos parece que ao individualizarem suas trajetórias profissionais os
trabalhadores tendem a perder o que Hobsbawm (1982) chama de autodefesa
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71
contra a ordem liberal, já que não mais constroem uma identidade comum a partir
da resistência coletiva a uma racionalidade que os exclui
32
.
É nos marcos postos pela resistência operária que se aprofundou o processo
democrático e se estendeu o direito ao voto ao conjunto da população. Ao
deslocar o mérito individual do trabalho para a disposição do indivíduo em se
educar e eleger a escola como o espaço por excelência da cidadania, o capitalismo
tardio não busca atenuar a relação do trabalho com a cidadania, como também
afirmar a cidadania quase como uma disciplina acadêmica – onde respeito e
tolerância são ministrados e não como uma construção histórico-social, em que
grupos excluídos lutam para ampliar seu espaço na esfera pública.
O fato é que se busca globalizar uma visão de mundo que naturaliza a
subordinação do trabalho ao capital. É óbvio que esta subordinação sempre
existiu, que agora a competição por trabalho extrapola as fronteiras nacionais e
se estabelece em todo o globo, em um movimento que parece hegemonizar
relações de trabalho desfavoráveis para a maioria dos trabalhadores. Na nova
divisão social do trabalho a forma salário e os benefícios associados a ela parecem
estar sendo substituídos pelo pagamento por tarefa ou meta alcançada. Este tipo
de remuneração não é em si prejudicial aos trabalhadores. O problema é que
uma minoria reúne as condições necessárias para auferir benefícios, mesmo que
por tempo limitado, desse padrão de retribuição.
O perverso é que, ao se reconfigurar o papel do trabalho na produção, se
reconfigura do mesmo modo o papel social do trabalho e do próprio trabalhador.
O uso decrescente da força de trabalho retira daqueles que nasceram sem capital a
perspectiva de inserção pelo trabalho, lançando-os a sua condição de sujeitos
livres e iguais, responsáveis por sua própria sobrevivência.
Para Francisco de Oliveira (2003) a tendência é que a configuração do que
hoje denominamos setor informal se espraie para os trabalhadores vinculados ao
32
“O movimento trabalhista foi uma organização de autodefesa, de protesto e de revolução. Mas
para os trabalhadores pobres era mais do que um instrumento de luta: era também um modo de
vida. A burguesia liberal nada lhes oferecia; a história arrancou-os da vida tradicional que os
conservadores, em vão, se ofereciam para manter ou restaurar. Nada podiam esperar do tipo de
vida para o qual eles eram crescentemente arrastados” (HOBSBAWM, 1982, p. 235-236).
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72
setor formal. Entretanto, para que esta tendência se concretize é necessário ajustar
a norma jurídica brasileira às possibilidades abertas pela flexibilização produtiva.
Se na legislação brasileira o trabalho informal remete ao trabalhador que não tem
registro oficial de trabalho, na perspectiva neoliberal o trabalho informal está
relacionado às mudanças que estão ocorrendo na estrutura do mercado de
trabalho. A disputa que se prenuncia na sociedade brasileira e especificamente no
campo do direito do trabalho gira em torno do quanto flexibilizar a legislação
trabalhista em uma sociedade que ainda convive com denúncias de trabalho
escravo. E se até meados dos anos 80 havia a perspectiva de incorporação dos
trabalhadores informais ao mercado de trabalho formal, podemos dizer que a
partir dos anos 90 a realidade reverte esta expectativa, já que os dados do período
mostram aumento do trabalho informal e do desemprego no Brasil.
3.4
Emprego e desemprego no Brasil nos anos 90: ação e reação
Os trabalhadores brasileiros, que nos anos 70 alcançaram seu maior grau de
organização, tendo, inclusive, fundado um partido político, o Partido dos
Trabalhadores (PT), não atravessaram incólumes o processo de reestruturação
produtiva e as mudanças advindas da adoção da nova base técnica.
A década de 90 vai registrar, no Brasil, o crescimento do desemprego em
todas as camadas sociais, com predomínio daquelas com maior nível social e
renda. Isto provocou um enfraquecimento da classe média que vive do trabalho,
que viu sua renda diminuir em conseqüência do desemprego e do achatamento
salarial. Some-se a isto o fato de o setor privado ter reduzido as contratações de
profissionais de nível superior e o setor público ter se tornado o principal
empregador de profissionais com este nível de escolaridade. Estes profissionais
encontram mais dificuldade em se colocar no mercado de trabalho do que
trabalhadores com baixa escolaridade. As pesquisas indicam que
em várias capitais de Estados, [há] mais desempregados com o curso superior
completo do que analfabetos. Em síntese, um tido esvaziamento, relativo e
absoluto, da classe média no país. E tudo isso tem sido acompanhado da ampliação
dos lados opostos da pirâmide social (POCHMANN, 2004, p. A9).
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73
Mas como se esta ampliação? Márcio Pochmann (2004) sustenta que a
política de responsabilidade fiscal adotada pelo governo federal viabilizou a
implementação de dois programas de garantia de renda mínima: um direcionado
aos ricos, na forma de sustentação e garantia de suas transações financeiras, e
outro destinado aos pobres, na forma de complementação de renda mínima
33
. Ao
nosso ver os programas destinados às populações pobres se articulam com o que
Robert Castel denomina de políticas de inserção e sucedem as antigas políticas de
integração. As políticas de inserção parecem ser a solução encontrada pelo poder
público para lidar com a questão da força de trabalho supérflua e com a
incapacidade do sistema em integrar a totalidade da população pela via do
emprego. As antigas políticas de integração perdem espaço e a integração pelo
trabalho passa a ser um privilégio de poucos.
Não deixa de ser um paradoxo que o trabalho perca espaço como fator de
integração social em um contexto de expansão do assalariamento e de
intensificação do trabalho. Isto ocorre porque o que se expande são os postos de
trabalho temporários, precarizados e de baixa remuneração, os quais não estão
associados a redes de proteção social ou a garantia de estabilidade. Os
trabalhadores vagam de emprego precário em emprego precário, buscando de
alguma forma se integrar ao movimento da sociedade, oscilando entre uma
situação de emprego e de desemprego, sem vislumbrar no horizonte estabilidade
ou segurança.
Segundo Castel (1998, p. 594) estes trabalhadores se equilibram na
vulnerabilidade de sua condição social em uma sociedade que “é ainda
maciçamente uma sociedade salarial”, mas que não tem mais como compromisso
a integração social do conjunto da população. Para este autor as políticas
públicas, ao deslocarem seu foco da integração para a inserção, realizam um
33
Pochmann (2007, p. 18) assevera que “as taxas de juros básicas estabelecem o vel mínimo de
garantia de renda para cerca de 20 mil famílias que vivem da aplicação de suas riquezas no circuito
da financeirização. Desde o final da década de 1990, o Brasil vem transferindo anualmente de 5 a
8% de todo o Produto Interno Bruto na forma de sustentação da renda nima para os ricos. De
outro lado, ganhou maior dimensão, desde 2001, a difusão de programas de complementação de
renda mínima para os segmentos miseráveis da população. A cada ano, menos de 0,5% do PIB
nacional tem sido transferido para mais de 10 milhões de famílias que vivem em condições de
extrema pobreza”.
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74
redirecionamento do trabalhador (sujeito coletivo), para o indivíduo isolado, o
qual, para ser beneficiário das políticas de inserção, deve provar ser delas
merecedor. O mérito aqui está relacionado ao seu enquadramento às normas e aos
requisitos que regem este tipo de política. Neste contexto, “os fragmentos de uma
biografia esfacelada constituem a única moeda de troca para o acesso a um
direito” (Ibid., p. 609). No caso brasileiro podemos identificar o Programa Bolsa
Família como um exemplo deste tipo de política. Este Programa tem como
objetivo a complementação de renda de famílias que estão abaixo da linha de
pobreza e viabilizar a permanência de seus filhos no sistema de ensino
34
.
Castel alerta para o risco deste tipo de política engendrar um
neopaternalismo e/ou ressuscitar o modelo assistencialista tradicional que a
regulação dos direitos trabalhistas buscou sepultar. que sem regulação coletiva
retorna-se a um processo de individualização de direitos que havia sido
superado e corre-se o risco de que juízos morais venham a ser utilizados na
definição dos cidadãos merecedores do auxílio governamental.
34
Em 2006, o Bolsa Família atingiu 11,1 milhões de famílias que estão abaixo da linha de pobreza
a um custo estimado de R$ 8,5 bilhões. O Bolsa Família é considerado o Programa mais efetivo
no que diz respeito a distribuição de renda e atende a 21,4% dos domicílios brasileiros. O
Programa entende por família pessoas que vivam sob o mesmo teto, ligadas por laços de
parentesco ou afinidade, e que sobrevivem mediante a contribuição de todos. As famílias,
dependendo de sua classificação, podem receber até R$ 95,00 por mês. O benefício é pago
diretamente às famílias, através de cartão magnético da Caixa Econômica Federal e sua gestão está
a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social. A contrapartida das famílias é a matrícula e a
freqüência escolar de seus filhos, o acompanhamento de sua saúde e educação nutricional e o
cumprimento, pelas gestantes e pelas mães, da agenda pré e pós-natal. Uma reportagem publicada
no jornal O Globo em dezembro de 2006 mostra que por conta do recebimento deste benefício
muitos trabalhadores com histórico de trabalho precário e mal remunerado estão recusando
empregos que consideram precários, seja por medo de perder o direito ao benefício, seja por não se
sujeitarem mais ao trabalho mal remunerado. Uma das entrevistadas relata “que não lava mais
roupas porque ‘vivia para morrer’ com dores e por estar cansada do trabalho que vinha executando
17 anos” (DALVI, 2006, p. 8). Atividades como a cafeicultura, que oferecem sazonalmente
trabalho, estão com dificuldades de conseguir que beneficiados do Bolsa Família voltem a integrar
seu quadro de funcionários por conta do medo que estes têm de perder um benefício que é certo,
por um trabalho incerto. Fernando Canzian (2006) mostra que os programas sociais que
transferem diretamente os benefícios aos beneficiários reconfiguraram não a vida destes, como
também a própria economia do lugar. “Hoje, o país [Brasil] paga mensalmente cerca de 30
milhões de contracheques para pessoas incluídas em programas totalmente subsidiados, como o
Bolsa-Família, ou fortemente subsidiados e indexados ao mínimo, como os de renda mensal
vitalícia, aposentadorias rurais e os que fazem parte da Lei Orgânica da Assistência Social. (...)
Os 30 milhões de pagamentos já correspondem a R$ 80 bilhões por ano, ou 4,1% do PIB”
(CANZIAN, 2006, p. B1). Uma das críticas feitas aos programas sociais do governo é que eles
desviam recursos do investimento direto. “Esses benefícios correspondem hoje a mais de 21,4%
do gasto não-financeiro da União. duas décadas, somavam 3,1%. Na contramão, os
investimentos diretos no período caíram de 16% para menos de 3%” (CANZIAN, 2006, p. B9).
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75
A adoção de políticas que buscam atenuar a pobreza em um contexto
neoliberal traz em si uma contradição, posto que uma das faces do neoliberalismo
é a promoção do aprofundamento da exclusão e da pobreza. Sob esta ótica, as
críticas ao Programa Bolsa Família por sua aparente incapacidade de levar seus
beneficiários a um patamar de autonomia não procedem, pois a própria política
governamental cria estruturalmente a pobreza. Isto forma um círculo vicioso de
difícil transposição, que a lógica atual não tem como horizonte a superação da
pobreza, mas sim sua amenização.
Outra resposta do Estado ao desemprego crescente é a implementação de
uma série de programas que tem como objetivo a qualificação e a requalificação
da força de trabalho supérflua. Estes programas são classificados por Oliveira
(2003) como um trabalho de Sísifo, pois têm como pressupostos uma concepção
fordista do mercado de trabalho, que não mais norteia a produção capitalista, e a
noção de que o desemprego é fruto da qualificação inadequada da força de
trabalho e não da utilização crescente do trabalho informal.
A singularidade do desemprego contemporâneo é que além de se irradiar
para todos os setores da economia (alinhando em suas bases trabalhadores não-
qualificados e trabalhadores qualificados) atinge mais profundamente duas faixas
etárias: os adultos que estão com 40 anos ou mais e os jovens. Os adultos
compõem uma parcela da população economicamente ativa que, uma vez fora do
mercado de trabalho, dificilmente consegue a ele retornar. Muitos não têm
recursos para se requalificar; outros, mesmo qualificados, continuam
desempregados. São vítimas de um envelhecimento precoce que os retira do
mundo do trabalho em pleno vigor físico e mental, mas que lhes nega o abrigo da
aposentadoria, pois não têm idade suficiente para requerê-la (CASTEL, 1998).
os jovens se vêem impotentes frente a um sistema que não os integra.
A incapacidade do sistema em empregar os jovens inaugura uma nova
categoria de análise, o desemprego de inserção. Este tipo de desemprego se
apresenta na maioria das economias capitalistas. Contudo, em alguns países é
mais intenso (na Espanha chega a atingir a metade dos jovens), em outros se
apresenta de forma mais amena, como é o caso da Alemanha, que conta com 10%
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76
de jovens desempregados. No caso brasileiro, os dados da cada de 90 indicam
que os índices de desemprego entre os jovens se aproximam dos da Espanha
35
.
Os índices de desemprego não fazem decrescer a demanda nacional por
uma população mais educada, muito menos que ela se disponha a manter seus
saberes atualizados (educação continuada). Parece haver um consenso, ou
melhor, um senso comum na sociedade brasileira em torno do fato de que um
investimento adequado em educação pode render aos indivíduos e ao país
benefícios futuros.
36
Em seu balanço sobre a reforma do sistema de ensino brasileiro (1995-
2000), o ex-Ministro da Educação, Paulo Renato Souza
37
(2001) afirma que o
norte da reforma foi preparar o Brasil para se inserir na economia globalizada e
formar trabalhadores afinados com a dinâmica produtiva. Seu exame é que se o
modelo de ensino anterior, que excluía muitos, era funcional ao capital, os anos 90
vão inaugurar um novo quadro de análise onde a globalização da economia e a
acumulação flexível demandam uma população com mais anos de escolaridade,
dotada de uma cognição de novo tipo e capaz de se articular em uma sociedade
complexa. É neste contexto que o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-
35
“Para a Grande São Paulo, por exemplo, ele atinge fortemente os jovens. Entre 1990 e 1996, as
taxas de desemprego mais que duplicaram para pessoas de 15 a 17 anos e de 18 a 24 anos. No mês
de dezembro de 1997, 42,3% dos jovens entre 15 e 17 anos estavam desempregados, enquanto
[que] entre as pessoas com mais de 40 anos a taxa de desemprego era de 10,4%, segundo dados do
Dieese/Seade” (POCHMANN, 1998, p. 2).
36
A mobilidade social pode ser estrutural ou circular. A primeira ocorre principalmente em países
periféricos e está relacionado com a mudança de posição social dos indivíduos em virtude da
oferta ou não de postos de trabalho; a mobilidade circular ou de troca prevalece nos países
centrais porque nestes países os níveis de emprego são mais estáveis; logo, a mobilidade social
pela via do emprego se torna mais difícil, pois o indivíduo depende de que uma posição vague no
mercado de trabalho para que nele possa ingressar. Neste tipo de mobilidade social o outros
fatores, que não o emprego, que vão influenciar a mobilidade dos indivíduos, como idade e
educação. O desemprego estrutural, o estreitamento do mercado de trabalho, a elevação dos
requisitos educacionais na seleção para o emprego e o prolongamento compulsório da vida útil de
trabalho dos indivíduos (reforma previdenciária) são alguns dos fatores que contribuirão para que,
para uma parcela da população brasileira, a mobilidade social se apresente na forma de mobilidade
circular. Neste contexto, a educação se apresenta como importante fator de distinção e
diferenciação social, que pode contribuir para o aprofundamento da exclusão e da desigualdade
social dado a incapacidade histórica do governo brasileiro em universalizar um ensino público de
qualidade (SCALON, 1999).
37
Paulo Renato de Souza esteve à frente do Ministério da Educação nos dois mandatos
presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
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77
2002) identifica a educação como prioridade e estabelece como desafio associar
qualidade à expansão do sistema de ensino.
Os dados mostram que a reforma de ensino empreendida pelo governo
FHC o conseguiu responder a este desafio. A ampliação da oferta de ensino
não garantiu a permanência dos alunos na escola, muito menos a adequação idade
série. A incapacidade dos alunos em terminarem o ensino fundamental no tempo e
na idade adequados reflete no ensino médio. O resultado do Censo Escolar de
2005 cotejado com os dados da PNAD
38
do mesmo ano mostra que 44,03 %
dos alunos entre 15 e 17 anos estavam matriculados no ensino médio, o que torna
difícil a universalização do ensino médio até 2011, conforme o previsto no Plano
Nacional de Educação – PNE (Lei 10.172 de 9 de janeiro de 2001).
Tabela 1: Dados PNAD e matrículas no ensino médio em 2005
Faixa Etária PNAD 2005
População Residente
Matrículas no Ensino
Médio por Faixa Etária
Matrícula / Faixa etária
%
De 0 a 14 anos 14.648.210
81.887
0,56
De 15 a 17 anos 10.646.814
4.687.574
44,03
De 18 a 19 anos 7.087.111
2.159.570
30,47
De 20 a 24 anos 17.318.407
1.431.557
8,27
De 25 a 29 anos 15.464.436
316.125
2,04
Mais de 29 anos 119.223.642
354.589
0,30
TOTAL
184.388.620
9.031.302
Fonte: IBGE, 2005; INEP, 2006.
Outro fator que parece dificultar o cumprimento da meta governamental é
que o número de alunos matriculados no ensino médio vem decrescendo nos
últimos anos
39
, conforme podemos verificar na Tabela 2.
38
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
39
O decréscimo de matrículas no ensino médio não ocorre em todos os estados da federação. Os
dados do Censo Escolar de 2006 indicam que se nos estados de Rio de Janeiro (-3,8%) e São Paulo
(-5,2%) a queda foi mais acentuada, em outros estados o houve alteração significativa. Ver
http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/censo/escolar/news07_02.htm. Arquivo acessado em
17/3/2006.
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78
Tabela 2: O Ensino Médio no censo escolar 2004-2006
Censo Escolar Matrículas Ensino Médio
%
Censo Escolar 2004 9.169.357
___
Censo Escolar 2005 9.031.302
-1,51
Censo Escolar 2006 8.906.820
-1,38
Fonte: INEP (2004, 2005, 2006).
As dificuldades postas à universalização do ensino médio já haviam sido
apontadas por Fúlvia Rosemberg em 1989. Sua pesquisa mostra que o setor
público é o principal responsável pelas matrículas neste nível de ensino e que não
os pobres, como também representantes das camadas médias se matriculam no
sistema público de ensino
40
. A principal clivagem se situaria na trajetória escolar
dos alunos: aqueles que conseguem concluir o ensino fundamental na idade/série
adequada têm mais chances de cursar e concluir o ensino médio antes que
pressões familiares, sociais e/ou materiais façam com que tenham que abandonar
os estudos para trabalhar e/ou conciliar estudo e trabalho.
A expansão do ensino médio veio acrescentar mais um elemento à
problemática equação do ensino médio público: a falta de vagas nos horários
diurno e vespertino. Isto ocorre porque não foram realizados os investimentos
necessários para dotar o ensino médio com uma infra-estrutura física própria. Em
muitos casos o ensino médio funciona à noite, em instalações inadequadas e/ou
em escolas destinadas ao ensino fundamental. Desse modo, alunos que poderiam
estudar durante o dia são alocados no ensino médio noturno, o qual, pelo que as
pesquisas sinalizam, parece se configurar quase como uma “modalidade” do
ensino médio, tal sua singularidade
41
.
40
Whitaker & Fiamengue (2001) chegam a mesma conclusão e afirmam que a escola pública, antes
relegada àqueles que não tinham como arcar com os custos de uma educação privada, começa a
receber alunos das camadas médias empobrecidas em virtude do arrocho salarial a que este
segmento tem sido submetido desde a implementação do Plano Real (1994).
41
O ensino médio noturno e sua aparente incapacidade de responder à demanda dos alunos têm
suscitado a atenção de diversos pesquisadores, entre os quais destacamos Cury (2005), Gomes
(2000), Gomes & Carnielli (2003), Krawczyk (2004), Leal (1998) e Oliveira (2004).
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79
Um dos problemas apontados pelos estudiosos do tema é que, como a
minoria dos alunos consegue cumprir sua trajetória escolar na idade considerada
adequada, a maioria acaba ingressando no ensino secundário noturno como
trabalhador-aluno e/ou como alunos detentores de uma trajetória escolar
fragmentada. Para estes alunos a realidade parece inverter o sentido da escola,
pois esta deixa de ser um espaço de socialização e aprofundamento de
conhecimento sistematizado para se tornar um espaço que vai lhes fornecer a
certificação necessária para que possam se habilitar ao trabalho, continuar
trabalhando e/ou mesmo prosseguir em seus estudos.
As pesquisas de Krawczyk (2004) e de Abramovay & Castro (2003)
mostram que muitos dos alunos do ensino médio têm consciência da elevação dos
critérios de seleção para o emprego e do estrangulamento do mercado de trabalho.
Eles acreditam que o acesso ao ensino superior potencializaria suas chances de
conseguir um trabalho melhor. O perverso é que, mesmo tendo alcançado o
ensino médio, a maioria dos alunos não conta com uma escolaridade que espelhe
este nível de ensino, conforme nos mostram as avaliações nacionais. Já que o
governo o conseguiu associar qualidade à expansão do sistema de ensino. É
neste contexto que as promessas não cumpridas da reforma da educação básica
têm suscitado protestos de diversos setores da sociedade, inclusive do
empresariado.
3.5
Educação para a competitividade
Nos últimos anos o empresário Antônio Ermínio de Moraes tem dedicado
espaço em sua coluna semanal para reivindicar melhorias no sistema público de
ensino e destacar a necessidade de elevar a escolaridade do trabalhador
42
. Em
42
Embora não tenhamos realizado um acompanhamento sistemático sobre o espaço que a
educação brasileira ocupou na coluna que o empresário Antônio Ermínio de Moraes publica
semanalmente no jornal Folha de São Paulo, podemos dizer que desde 2004 ele dedicou pelo
menos um artigo anual ao campo da educação. Estes artigos destacam a importância da educação
para a competitividade do país (2004), a premência em se qualificar os professores (2004), os
resultados pífios das avaliações nacionais (2005), o desvio dos recursos destinados à educação
(2005), a defesa do ensino integral associado ao estabelecimento de parcerias público-privadas
(2006), a necessidade de incluir os docentes nos sistemas de avaliação (2007a). Moraes afirma
que a oferta de uma educação esvaziada de qualidade interfere no próprio processo democrático
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80
seus textos o empresário identifica a educação como prioridade nacional,
argumenta em prol da elevação da escolaridade da população, discorre sobre os
resultados das avaliações nacionais e encaminha sugestões para a melhoria da
qualidade do ensino público.
Em um artigo intitulado “Educação: prioridade 1 da nação”, de 2004, o
empresário afirma que “só educando venceremos” e que mais que ampliar o
número de crianças matriculadas na escola o governo precisa concentrar esforços
na elevação da escolaridade da população, na universalização do ensino médio e
na oferta de uma educação de qualidade por professores bem formados. Segundo
ele a escolaridade média dos trabalhadores brasileiros (4,5 anos) é baixa se
comparada com a média dos países centrais (11 anos) e com a média dos países de
desenvolvimento médio (8 anos). Salienta, contudo, que a superação dos
problemas educacionais brasileiros não depende unicamente de recursos
financeiros, mas de medidas que agilizem a burocracia estatal, que façam com que
os recursos financeiros liberados cheguem integralmente aos destinatários finais e
que elevem a qualidade dos professores e suas condições de trabalho.
A questão da incapacidade do governo em fazer chegar às escolas os
recursos que lhes foram destinados é retomada em outro artigo, reforçando a idéia
de que o sistema de ensino não necessita de maior aporte de recursos, mas sim de
melhoria de gestão. Não é o montante de recursos aplicados que perfaz uma
educação de qualidade, mas sim o uso adequado das verbas disponíveis aliado à
competência dos professores e à realidade socioeconômica dos alunos. Calcado
em uma pesquisa do Banco Mundial dos anos 90, afirma que de cada cem reais
destinados a educação brasileira, quarenta reais chegam ao seu destino final;
logo, é preciso otimizar a administração dos recursos públicos de forma que o
governo possa cumprir suas metas e melhorar a qualidade da educação nacional.
No que tange a qualidade do ensino comenta os índices desanimadores da
educação brasileira e destaca que apesar de o ensino fundamental atender a 97%
de sua população, mais de 30% dos alunos não conseguem chegar à oitava série.
o ensino médio está longe de se universalizar, pois atende a pouco mais de 40%
(2007b) e saúda o sistema de responsabilidade estabelecido pelo Plano de Desenvolvimento da
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81
de seu público alvo. As avaliações nacionais também não são animadoras e
atestam deficiência na qualidade do ensino ofertado.
As mazelas do ensino brasileiro e a necessidade de formar “bons cidadãos”
fazem com que o empresário contemple a proposta de adoção, pelo Estado, de
ensino em tempo integral, desde que realizado a partir de parcerias público-
privadas. O empresário elogia a iniciativa do então governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin (2001-2006), em implementar, em algumas escolas estaduais
paulistas, o ensino em tempo integral (das 7 às 16h). Os custos envolvidos na
implementação e manutenção deste tipo de escola se justificam porque os jovens
educados nesse sistema darão melhores profissionais e serão bons cidadãos”
(MORAES, 2006, p. A2).
Sua sugestão é que esta iniciativa se estenda o mais rápido possível para
toda a rede pública estadual, pois tem certeza de que tal projeto despertará o
interesse da comunidade e sua disposição em colaborar com a
ampliação/adequação das escolas para que estas possam se converter em escolas
de tempo integral
43
. Cita, como exemplo, o envolvimento, nos anos 60 e 70, das
comunidades sul coreanas na construção e manutenção de prédios escolares,
ficando o governo responsável pelo pagamento dos professores.
Destaca a importância de contar com professores qualificados e sugere que
os currículos dos cursos de formação de professores sejam revistos de forma a
atender a demanda dos alunos e do mercado de trabalho. A seu ver o desinteresse
pela carreira docente está associado à estrutura curricular dos cursos de formação
de professores e não à representação social da carreira docente na sociedade
brasileira. Assevera que os professores também devem ser avaliados e sugere que
Educação – PED (2007a) .
43
Em sua análise sobre a reforma do ensino médio cearense, Zibas (2005) salienta que esta foi
realizada basicamente com empréstimos externos e que quando estes se esgotaram a reforma ficou
no meio do caminho, aguardando a tomada de um novo empréstimo, que o poder público não
previu os recursos necessários para sua sustentação e a implementação de parcerias público-
privadas não se viabilizou. Aparentemente o houve interesse do setor privado em promover
uma aliança de longo prazo com nenhuma das escolas, nem houve motivação do corpo docente em
buscar este tipo de parceria. É importante salientar uma redefinição do papel do professor, que
seu campo de atuação estendido para além da sala de aula, pois na gica da reforma o corpo
docente é o responsável pela captação de recursos que viabilizarão não a implementação da
reforma, como também a manutenção da própria escola.
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82
a partir dos resultados desta avaliação seja construído um sistema de remuneração
docente. Entende que “sistemas de avaliação do aluno e dos professores são
fundamentais, o que implica flexibilização das gratificações para premiar os bons
e punir os maus – coisas que saíram da agenda dos governantes depois do domínio
dos sindicatos e das corporações de ofício” (MORAES, 2007a, p. A2).
É importante salientar que alguns dos temas defendidos por Antônio
Ermínio de Moraes estão presentes na literatura do campo da educação e parecem
ser um ponto de consenso entre os educadores, como educação de qualidade,
universalização do ensino médio e melhoria da formação docente. Contudo,
qualidade é um termo polissêmico que remete a realidades diversas. Um exame
mais acurado dos artigos do empresário nos faz perceber que sua concepção de
educação se articula com a de pesquisadores que defendem um sistema público de
ensino afinado com a demanda do mercado de trabalho.
A singularidade do pensamento de Moraes é que ele abre espaço para
pensar a escola em tempo integral como uma alternativa não só para a melhoria do
ensino, como também para conformação dos alunos ao tipo humano requerido
pela acumulação flexível, capaz de aprender a aprender e de identificar
oportunidades de sobrevivência independentes do mercado de trabalho
(empreendedorismo), atuando como um “bom cidadão”.
De acordo com Tiramonti (2005), a idéia da oferta de uma escola em
tempo integral para os pobres aparece dentro de uma perspectiva de “controle de
risco social”, em que os jovens pobres ficariam condicionados de forma a se
afastarem de situações que ponham em risco a ordem social. O discurso que
embasa essa idéia pressupõe oferecer aos jovens pobres uma escola nos mesmos
moldes da que é ofertada aos jovens ricos, no sentido de uma socialização restrita.
O problema é a idéia não levar em consideração que as escolas em tempo integral
destinadas às elites têm como objetivo principal realizar sua socialização em um
ambiente exclusivo, de forma que seus integrantes possam incorporar os hábitos e
a visão de mundo de sua classe social. Nesse sentido, as escolas em tempo
integral pensadas para os pobres, tendencialmente também podem funcionar como
espaços reprodutores de hábitos e costumes, mas não necessariamente aqueles
esperados por seus idealizadores.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410354/CA
83
A questão central é a tendência de se tentar transferir para a escola
problemas de que ela não tem como dar conta; espera-se que pela educação se
consiga superar uma situação de conflito latente que é fruto das condições
objetivas da sociedade brasileira e o de uma aprendizagem deficiente. Todavia,
se a proposta de implementação de escolas em tempo integral estiver
comprometida com a aprendizagem dos alunos e não circunscrita a uma política
de redução de danos, ela não deve ser descartada. O problema é a opção pelo
atalho, que parece caracterizar as políticas públicas de educação. Tomemos como
exemplo a análise de Cláudio Moura e Castro (1995) sobre o sucesso de Cuba no
campo da educação. Apesar de reconhecer a importância das escolas em horário
integral para a excelência cubana, Castro descarta a possibilidade de transplantar
para a realidade brasileira este modelo de escola, optando por um aumento da
carga horária escolar. Do mesmo modo a manutenção de professores em regime
de tempo integral e com salários socialmente valorizados é descartada. No
entanto, destaca que a precariedade das instalações escolares cubanas não impede
que os professores sejam cobrados pelo desempenho de seus alunos e que tenham
sua remuneração atrelada ao bom desempenho dos discentes, os quais são
avaliados através de testes únicos aplicados em toda a escola.
É um sistema de avaliação e remuneração deste tipo que Castro sugere que
seja incorporado ao sistema de ensino público brasileiro, de forma a desenvolver
mecanismos que viabilizem aferir o desempenho dos professores em sala de aula.
Propõe, ainda, a contratação de professores melhores qualificados e a qualificação
dos professores em exercício. Instrução individualizada e valorização social da
educação também são ações passíveis de serem implementadas.
Guardadas as diferenças, podemos dizer que tanto Castro, quanto Moraes
centram na qualificação e responsabilização dos professores a saída para a
melhoria da educação nacional. Mais do que centrar no professor todas as fichas
para a superação dos problemas educacionais, esta postura não leva em conta a
realidade social da qual a escola é um reflexo.
A responsabilização dos professores do mesmo modo está presente no
relatório elaborado, em 2006, pelo Conselho Consultivo do Programa de
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84
Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (PREAL) para
elevação da qualidade do ensino na América Latina.
A proposta do PREAL é que seja instituído um sistema geral de
responsabilidade no qual todos os atores envolvidos no processo ensino-
aprendizagem (agentes públicos, diretores de escola, professores, alunos e pais)
sejam comunicados das metas e objetivos do sistema de ensino nacional e
responsabilizados pelo desempenho deste através do estabelecimento de um
sistema de avaliação de desempenho para os professores e um sistema de
avaliação para os alunos de forma a mensurar as metas alcançadas e tornar o
resultado transparente para a comunidade escolar.
O relatório critica o fato de o se ter mecanismos que mensurem o
desempenho dos professores e o fato do salário dos professores não estar atrelado
ao seu desempenho em sala de aula. “Demitir um professor por mau desempenho
é quase impossível” (PREAL, 2006, p. 18).
O PREAL afirma que muitos governos latino-americanos, ao centrarem
seus esforços na expansão do sistema de ensino, deslocaram seu foco da
aprendizagem para a quantidade de alunos matriculados no sistema. Para corrigir
este desvio o relatório recomenda que os governos definam o que querem que as
crianças aprendam e estabeleçam mecanismos de mensuração destes saberes de
forma a garantir que a aprendizagem proposta seja alcançada. O relatório
incentiva a parceria com a iniciativa privada para alcance dos objetivos propostos.
Se tomarmos como referência o quadro traçado supra, podemos entender
porque o Plano de Desenvolvimento da Educação
44
(PDE) recebe aplausos
entusiasmados de Moraes (2007a) ao estabelecer um sistema de responsabilidade
em que prefeituras, diretores de escola e professores são cobrados e de certa forma
penalizados pelo desempenho de seus alunos.
44
Não vamos entrar aqui nos meandros institucionais do PDE, mas destacar que no que diz
respeito à educação profissional, o Programa prevê que a 2010 sejam autorizadas 214 novas
unidades federais de educação profissional e tecnológica, calcadas em um novo modelo
institucional: os institutos federais de educação, ciência e tecnologia - IFET (BRASIL, 2007).
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85
Não queremos aqui invalidar a necessidade de se estabelecer um sistema de
responsabilidade, muito menos desenvolver uma crítica ao PDE, mas sublinhar
que, quando se correlaciona educação à competitividade, é importante pensar de
que educação se fala.
A educação de qualidade defendida por Moraes tem como limite a oferta de
um ensino médio que consiga levar seus alunos a um desempenho satisfatório nas
avaliações nacionais e conseqüentemente formar trabalhadores e cidadãos
afinados com o tipo humano requerido pela acumulação flexível. Não críticas
ou incentivos para que o governo desenvolva um sistema público de ensino básico
articulado com Pesquisa e Desenvolvimento, de forma a preparar futuros
pesquisadores e buscar um reposicionamento do país na divisão internacional do
trabalho. Esta perspectiva também não esteve presente nas articulações que
consubstanciaram a reforma do ensino médio técnico.
O ex-Ministro Paulo Renato de Souza assevera que a desvinculação do
ensino médio do ensino médio técnico foi o primeiro passo da reforma do ensino
médio. A justificativa para promover a desvinculação foi que a cisão viabilizaria a
meta governamental de universalização do ensino médio e restringiria o acesso ao
ensino médio técnico aos alunos realmente interessados em cursá-lo. A reforma
teria contribuído para a flexibilização e diversificação dos cursos técnicos, de
forma a adequá-los à dinâmica do mercado de trabalho. O ex-ministro afirma que
o deslocamento do ensino dio técnico para o pós-médio possibilitaria maior
flexibilidade aos alunos, aos lhes permitir estabelecer/desenvolver diferentes
habilitações profissionais ao longo da vida: “con esta reestructuración, la
educación técnico-profesional será capaz de habilitar de hecho al alumno para
desempeñarse en diversas ocupaciones” (SOUZA, 2001, p. 75).
Mas a implementação da reforma do ensino médio técnico, como veremos
com mais vagar no próximo capítulo, não se deu sem percalços, pois a forma
como foi concebida e implementada, por decreto, foi considerada autoritária por
parte da comunidade acadêmica, além de ser vista como um retrocesso ao
restabelecer o sistema de ensino dual, uma herança da Era Vargas.
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86
A reflexão sobre a reforma do ensino médio técnico nos permite não só
dialogar com os pressupostos teóricos que a nortearam, como também ponderar
sobre o papel da educação profissional de nível técnico no sistema de ensino
brasileiro.
3.6
Algumas considerações
A acumulação flexível derruba as fronteiras para a exploração do trabalho
em nível mundial; estabelece uma nova divisão internacional do trabalho e
reconfigura a concepção de trabalho e de educação que imperaram durante o
fordismo. O trabalho formal e as garantias associadas a ele estão sendo revistos,
em um movimento que parece consolidar como modelo o trabalhador asiático, o
qual tem como características baixa remuneração, intensificação do trabalho,
pagamento por produtividade, ausência de proteção social e do trabalho.
Mas, mesmo em um cenário desfavorável para o trabalho, não basta querer
trabalhar, é necessário o domínio prévio de habilidades que podem ser
adquiridas com a escolarização. A educação assume, desse modo, uma nova
dimensão para aqueles que vivem do trabalho. A equação não é mais a de estudar
e ter um futuro melhor, mas a de reconhecer que sem educação continuada não se
consegue trabalhar. Assim, se antes era possível estabelecer trajetórias
profissionais independente da escola, hoje isto não é mais exeqüível.
Trabalho e escola se imbricam, mas de uma forma singular; não como
garantir um futuro melhor para aqueles que estudam mais; contudo, o padrão
produtivo hodierno necessita de trabalhadores que mantenham seus saberes
atualizados. É como se fosse necessário aplicar aos indivíduos a mesma
atualização que é exigida da produção.
No caso brasileiro, os anos 90 vão marcar a redefinição do sistema de ensino
de forma a adequá-lo aos imperativos postos pela globalização econômica. É
necessário dotar o país de uma força de trabalho mais escolarizada e afinada com
a demanda da acumulação flexível. As avaliações nacionais mostram que a
expansão do sistema de ensino se deu esvaziada de qualidade, o que leva setores
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87
da sociedade a pressionarem o governo pela introdução de medidas que viabilizem
a oferta de uma educação básica de qualidade.
No entanto, mais uma vez a demanda por uma população mais escolarizada
não está associada a um esforço endógeno para alterar a posição do país no
sistema capitalista, muito menos ofertar uma educação mais consistente do ponto
de vista da apropriação de conteúdos vinculados à ciência e tecnologia. A
educação básica de qualidade requerida pelo empresariado parece ser aquela que
garanta um desempenho razoável nas avaliações nacionais e uma formação
estreita para o trabalho. A reforma do ensino médio técnico é, como veremos no
próximo capítulo, uma das resultantes desta concepção restrita de educação.
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4
A Reforma do ensino médio técnico: ruptura ou
adaptabilidade?
4.1
Introdução
Vimos no capítulo anterior que a reforma do sistema de ensino brasileiro foi
norteada pela necessidade de dotar o país com uma força de trabalho afinada com
a demanda do setor produtivo e que a reforma do ensino médio técnico se insere
na mesma lógica. O objetivo deste capítulo é aprofundar o debate teórico sobre a
reforma do ensino médio técnico e a cisão que esta promoveu ao desvincular o
ensino médio do ensino médio técnico. Contudo, antes queremos destacar que
tanto a tramitação do projeto de lei que deu origem à Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional LDB (Lei 9.394/1996), quanto a que definiu o Plano
Nacional de Educação (Lei 10.172/2001) foram marcadas pelo embate entre
diferentes concepções de educação, as quais remetem a projetos distintos para a
educação nacional.
4.2
O Debate
Na visão da UNESCO, expressa no Relatório Delors
1
, a educação é o meio
pelo qual os indivíduos podem se preparar para se articular com as transformações
advindas da internacionalização do capital, das mudanças tecnológicas, da
1
O relatório recebeu o nome do coordenador da Comissão Internacional sobre Educação para o
Século XXI (1993-1996), o francês Jacques Delors: “o Relatório [Delors] faz recomendações de
conciliação, consenso, cooperação, solidariedade para enfrentar as tensões da mundialização, a
perda das referências e de raízes, as demandas de conhecimento científico-tecnológico,
principalmente das tecnologias de informação. A educação seria o instrumento fundamental para
desenvolver nos indivíduos a capacidade de responder a esses desafios, particularmente a educação
média. Sugere ainda a educação continuada e a certificação dos conhecimentos adquiridos”
(FRIGOTTO & FRANCO, 2003, p.99).
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89
globalização etc. Dentro dessa concepção, a educação básica
2
tem papel de
destaque, pois ela é vista como um elemento redutor da pobreza, na medida que
possibilita às populações menos favorecidas o instrumental básico para que estas
consigam melhorar sua condição de saúde e higiene, diminuir sua fertilidade e se
capacitar para o mercado de trabalho. O relatório retoma, assim, a teoria do
capital humano, ao associar educação à melhoria sócio-econômica dos indivíduos
(FRIGOTTO & FRANCO, 2003).
A análise de Cêa (1999, p. 6) é que a educação básica é tida como quesito
fundamental para uma inserção positiva no mundo do trabalho porque é “através
de uma educação deste tipo, de cunho mais geral, [que] os menos capacitados
(pobres e minorias) poderiam reunir maiores oportunidades de desempenho no
mercado competitivo; por conseguinte, o próprio país”. Entretanto, a educação
básica proposta pelo governo parece não atender a estes requisitos mínimos, e
longe de representar um ganho substantivo para o indivíduo, no que diz respeito à
ampliação de seu horizonte cognitivo, o modelo proposto prevê uma educação
básica de conteúdo mínimo: o domínio dos conteúdos correspondentes às séries
iniciais do ensino fundamental.
Contudo, nem a oferta de conteúdos mínimos parece garantir o aprendizado
dos alunos, pois se antes o sistema público de ensino não abria vagas suficientes
para todos ou reprovava quem não conseguia acompanhar o processo escolar, hoje
o aluno é submetido a uma exclusão branda: o sistema recebe mais alunos, não os
reprova, mas também não se compromete com seu aprendizado.
A responsabilidade pelo aprendizado é transferida para o discente, enquanto
o sistema educacional opera visando a diminuição de seus custos, em um processo
em que “a exclusão é internalizada (no sentido de que o aluno permanece na
instituição escolar mesmo sem aprendizagem, ao contrário de quando era
puramente eliminado da escola)” (FREITAS, 2002, p. 306). Ao aluno que o
consegue alcançar o nível de aprendizado necessário o oferecidos “Programas
2
O artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) diz que a educação básica
tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para
o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
A LDB divide a educação básica em ensino fundamental (oito anos) e ensino médio (que tem
duração mínima de três anos e é a etapa final da educação básica).
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90
de Correção de Fluxo, Classes de Aceleração, Classes de Reforço etc.” (Ibid., p.
306), um conjunto de remédios que buscam sanar o mal da deficiência na
aprendizagem e evitar que o tempo de permanência do discente na escola se
estenda, pois este tempo deixa de ser uma questão unicamente pedagógica e passa
a ser visto como um custo para o poder público e como tal passível de ser
reduzido. Assim, a educação tem não que atender a relação custo/benefício,
como também formar mão-de-obra em consonância com a ótica do mercado de
trabalho. Neste contexto a ênfase dada por uma educação de qualidade não
consegue se materializar no plano da realidade: trata-se de uma educação que
tem como epílogo a formação do cidadão-mínimo” (FRIGOTTO, 2002, p. 64).
De acordo com Leher (1999), a valorização da educação pelo Banco
Mundial está ligada ao binômio segurança e governabilidade face a
impossibilidade dos países periféricos alcançarem, para o conjunto de sua
população, um patamar mínimo de superação da pobreza. A educação operaria
como um fator de conformação dos indivíduos a esta realidade e de minimização
de sua revolta. Assim, a conexão que é feita entre educação e trabalho, “a
despeito das aparências, é menos a crença de que a educação produz um
diferencial de renda e mais de que a educação pode contribuir para a estabilidade
política necessária à realização dos negócios” (Ibid., p. 2). O perfil do sistema
educacional dos países seria traçado em função de seu potencial econômico e de
sua capacidade instalada e não por causa de algum ideal onírico de educação.
Porém, mais do que prescrever uma orientação, o Banco Mundial condicionaria a
liberação de recursos à adequação dos sistemas de ensino dos países às suas
diretrizes
3
.
3
Um exemplo disto é o fato do Banco Mundial não liberar empréstimo para financiamento de
educação superior a países em que considera que este nível de educação não condiz com sua
realidade econômica. É o caso da África Sub-Saariana, que desde os anos 80 não recebe
financiamento para este nível de ensino. No caso brasileiro, o entendimento do Banco é que existe
uma estrutura econômica que justifica o ensino superior, no entanto, salienta que os recursos
destinados ao sistema de ensino devem ser alvo de um exame cuidadoso que potencialize os
investimentos efetuados e redimensione custos desnecessários. É importante ressaltar que a
concepção do tipo de educação adequado aos países periféricos se modificou ao longo dos anos.
Na década de 70 o Banco Mundial incentivou o governo brasileiro a promover a formação de
técnicos de nível médio especializado. É só nos anos 90 que esta agência financiadora elege o
ensino básico como prioritário (LEHER, 1999).
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91
As diversas análises nos permitem vislumbrar o campo da educação como
um palco de disputas, cujo árbitro, o governo, nem sempre se posicionou a favor
das propostas encaminhadas pela sociedade. A tramitação do projeto de lei que
deu origem à LDB, sancionada como Lei 9.394 em 20 de dezembro de 1996 pelo
então presidente Fernando Henrique Cardoso, é apontada, por diversos autores,
como um exemplo de como iniciativas e aspirações populares podem ser
abortadas democraticamente” (FRIGOTTO, 1996; FRIGOTTO & FRANCO,
2003; SAVIANI, 2000). Estes autores salientam que, mesmo havendo um projeto
de LDB formulado a partir da participação de diversos segmentos da sociedade
civil organizada, este foi preterido e em seu lugar colocado em votação e
aprovado o projeto do então senador Darcy Ribeiro, que seria sancionado com
vetos pelo presidente. A LDB que emerge da longa discussão entre os
parlamentares, o executivo e a sociedade organizada é fruto da disputa entre uma
ótica operacional da educação e o modelo encaminhado pela sociedade civil
organizada e expressa a tenuidade das aspirações da sociedade frente à lógica
governamental. Poderíamos dizer, sem exagero, que a nova LDB é uma espécie
de ex-post cujo formato, método de construção e conteúdo se constituem em
facilitador para medidas previamente decididas e que seriam, de qualquer forma,
impostas” (FRIGOTTO & FRANCO, 2003, p. 110).
Entretanto, a tramitação do Projeto de Lei que deu origem à LDB não é um
caso isolado. De acordo com Valente & Romano (2002), o Plano Nacional de
Educação (PNE), do mesmo modo, mobilizou representantes de diversos setores
da sociedade no encaminhamento de uma proposta popular de projeto de lei e esta
iniciativa também foi distorcida durante sua tramitação no Congresso Nacional.
O projeto original defendia a gestão do fundo público a partir da ampliação dos
gastos com educação, a universalização da educação básica e a organização da
gestão educacional em torno do Sistema Nacional de Educação, e do mesmo
modo foi preterido pelo substitutivo apresentado pelo deputado federal Nelson
Marchezan, que foi aprovado pelo Congresso Nacional e posteriormente vetado
parcialmente pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A lei aprovada (Lei
10.172 de 9 de janeiro de 2001) o logrou responder às expectativas da
sociedade, muito menos garantir a alocação de recursos para a política
educacional, para a democratização da gestão e do ensino público, para a
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92
universalização da educação básica etc. Com uma redação genérica no que tange
às expectativas da sociedade, com a supressão de pontos de consenso do projeto
original e submetida aos vetos do presidente, a lei do PNE é um espelho de como
a sociedade brasileira organizada pode ter seus anseios e projetos abortados
quando estes não se coadunam com o projeto político dominante. Valente &
Romano (2002) afirmam que os vetos presidenciais seguiram as diretrizes
impostas pelo Banco Mundial aos países periféricos e que os mesmos foram
dirigidos para os artigos que contemplavam a vinculação de recursos financeiros e
de metas a serem atingidas no campo da educação.
As mudanças no ensino médio, em um contexto de desemprego, aparecem
como centrais para Silva Júnior (2002) para a discussão das reformas que foram
implementadas e o caráter restrito de seu debate com a sociedade, que o ensino
médio foi organizado em consonância com a racionalidade do mercado de
trabalho e das agências internacionais. O panorama traçado pelo autor mostra o
desenho de um modelo educacional a ser aplicado em nível mundial. Sob esta
ótica, não é o capital e a produção que se internacionalizam, mas uma lógica
educacional para quem vive do trabalho que, sem mediação, tenta adequar a força
de trabalho supérflua à feição do capitalismo tardio. Para Frigotto & Franco
(2003), no caso do Brasil a dinâmica desta lógica se traduz, entre outros fatores,
na descentralização dos recursos federais para a educação; na desvalorização dos
professores, tanto do ponto de vista salarial quanto do ponto de vista político,
dado a não incorporação das sugestões encaminhadas por estes, através de seus
órgãos representativos e de iniciativas populares; nas reformas promovidas na
educação brasileira; na predominância da avaliação quantitativa sobre a
qualitativa etc.
Enfim, as próprias ações governamentais limitam a perspectiva de elevação
efetiva da escolaridade das classes populares, na medida em que as mudanças
introduzidas no sistema educacional possibilitaram a ampliação do acesso à
educação no ensino básico, mas o o oferecimento de uma educação pública de
qualidade. O perverso é que, se confirmado o esvaziamento de conteúdo do
ensino básico, mais que um sistema dual, estaremos reforçando o movimento em
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prol da certificação
4
. De mais a mais, além da qualidade ter sido colocada como
um patamar a ser alcançado no futuro, esta foi circunscrita a uma visão de
qualidade, que tem por base a “medição de habilidades desgarradas da qualidade
de vida, presa na lógica do custo/benefício” (FREITAS, 2002, p. 301). Esta
concepção de qualidade em educação se mostra uma armadilha, pois como a
“escola não opera no vácuo (...) a real qualidade da escola fica limitada pela
qualidade de vida” (Ibid., p. 302), ou melhor, pelo projeto de sociedade que se
quer construir. Nesse sentido o campo da educação aparece como um palco de
disputas onde mais do que concepções diferentes de educação estão em disputa
projetos e concepções diversos de sociedade.
Ao longo do século XX as respostas dos diferentes governos às pressões
sociais para aprofundamento do processo democrático pela via da educação
sempre foram parciais e incompletas. Se a reforma da educação pós-revolução de
1930 respondeu parcialmente aos anseios dos educadores reformistas, o golpe de
1964 encapsulou as aspirações democráticas e mais uma vez promoveu uma
reforma educacional pelo alto. Podemos dizer que, dentro de seus limites e por
suas próprias contradições, essas reformas ampliaram o acesso ao sistema de
4
A certificação parece ser o instrumento encontrado pelo empresariado para, a um tempo,
mensurar o conhecimento do trabalhador e a prática do trabalho, e efetuar uma inter-relação
dinâmica entre normalização – avaliação – capacitação – certificação dos conhecimentos dos
indivíduos. De acordo com Brígido (2001) não um consenso quanto aos benefícios da
certificação para os trabalhadores. Enquanto uma corrente a certificação como uma
oportunidade de integração ao mundo do trabalho dos trabalhadores sem qualificação formal; outra
percebe a certificação como uma imposição do empresariado que, preocupado com o
reconhecimento da qualidade de seus produtos e serviços e com a adequação destes aos padrões
internacionais de qualidade, busca pautar a força de trabalho pelas mesmas bases que
dimensionam o mundo das mercadorias. É nítida a vinculação do processo de certificação ao
interesse do mercado de trabalho, dado que para os trabalhadores terem seu saber certificado é
preciso que haja, a priori, uma estrutura que reconheça e certifique suas competências, como por
exemplo: normas técnicas, sistema de avaliação, órgão certificador etc. A Organização
Internacional do Trabalho (OIT) recomenda uma estrutura tripartite (empresários, governo e
representantes dos trabalhadores) como fórum de discussão e debate das habilidades passíveis de
certificação e de interesse do mercado de trabalho. A certificação também pode ser pensada como
um mecanismo de “estímulo” à educação continuada através do qual o trabalhador obteria o aval
do mundo do trabalho a seus esforços de aperfeiçoamento contínuo. Estudos e projetos visando o
fornecimento de certificados encontram em andamento tanto em países centrais (Estados Unidos,
Inglaterra, França), quanto em países periféricos (México, Jamaica, Brasil), contudo dificilmente
se pode dizer que exista homogeneidade nestes projetos. Na Espanha, por exemplo, a certificação
visa o reconhecimento e homologação, pela comunidade européia, dos diplomas espanhóis. no
caso francês operou-se uma diferenciação entre diploma e certificação: enquanto o primeiro é
outorgado pelo sistema de ensino e atesta o conhecimento do indivíduo, o segundo tem sua
emissão a cargo do setor produtivo e comprova os conhecimentos com a experiência, os
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94
ensino. Sob esta ótica elas podem ser lidas como um avanço, e efetivamente o
foram para alguns grupos sociais, mas se pensadas no quadro mais amplo da
sociedade brasileira veremos que a maioria da população o foi por elas
contemplada.
Em sua análise sobre a Revolução de 30, Antonio Candido (1987) chama a
atenção para o caráter restrito das reformas. Como elas não têm compromisso
efetivo com mudanças ou com transformações sociais, seu alcance é limitado,
posto que seu objetivo precípuo é reformar, melhorar o que está posto, e não
superar seu ponto de partida. Nesse sentido, a reforma promovida pelo governo
provisório, mesmo incorporando propostas de intelectuais progressistas e
estabelecendo um sistema nacional de ensino, não tinha em seu cerne elementos
que propiciassem mudanças efetivas na estrutura social, mas contribuições que
ajudaram a pensar o Brasil sob novas perspectivas, principalmente no campo da
cultura.
Nós sabemos que (ao contrário do que pensavam aqueles liberais) as reformas na
educação não geram mudanças essenciais na sociedade, porque não modificam a
sua estrutura e o saber continua mais ou menos como privilégio. São as revoluções
verdadeiras que possibilitam as reformas do ensino em profundidade, de maneira a
torná-lo acessível a todos, promovendo a igualitarização em oportunidades
(CANDIDO, 1987, p. 184).
A compreensão hodierna do caráter parcial deste tipo de reforma talvez
explique o interesse que as mudanças introduzidas no ensino dio e no ensino
médio técnico a partir de 1996 têm suscitado entre os estudiosos do campo da
educação e o debate que se trava entre os pesquisadores que defendem o atual
modelo e aqueles que propõem pensar tanto o ensino médio técnico, quanto o
sistema de ensino sobre novas bases.
A LDB de 1996 abriu espaço para que a educação profissional fosse
dissociada do sistema de ensino regular e que o ensino médio técnico se
autonomizasse do ensino médio. Entretanto foi o Decreto 2.208/97
5
que
comportamentos, etc., ou seja, a competência dentro do sistema empresarial” (BRÍGIDO, 2001, p.
11).
5
Revogado pelo Decreto 5.154/2004.
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95
corporificou a reforma, ao regulamentar os artigos da LDB que versam sobre
educação profissional.
A partir da publicação do Decreto 2.208/97 o ensino médio técnico passou a
ter uma carga horária própria, assim como diretrizes curriculares específicas. Aos
alunos interessados em cursar o ensino médio técnico foi dada a opção de fazê-lo
em concomitância com o ensino médio ou subseqüente à conclusão deste nível de
ensino. Posteriormente foi contemplada a possibilidade de oferta do ensino médio
integrado ao ensino técnico.
É importante ressaltar que, tanto a reforma do ensino médio quanto a do
ensino médio técnico vinham sendo pensadas e mesmo experienciadas (no caso
do ensino médio) em alguns estados da federação antes da sanção da LDB e sua
regulamentação posterior
6
. Portanto, é preciso pensar as duas reformas como
fruto do pensamento de uma parcela de educadores, intelectuais e políticos que se
organizaram de forma a viabilizar sua implementação e não como algo exógeno a
nossa sociedade.
Apesar de partirem de perspectivas teóricas diversas, Luiz Antônio Cunha
(2002) e Cláudio Moura e Castro (2005) mostram que as reformas não foram uma
imposição pura e simples das agências de fomento internacionais, mas sim a
materialização de uma concepção de educação que se articula com as diretrizes
traçadas por essas agências.
Antes de entrarmos no debate específico sobre a reforma do ensino médio
técnico e os pressupostos que a nortearam, propomos um pequeno desvio para
traçar um panorama sobre a educação secundária brasileira nas últimas décadas
até a reforma atual, pois entendemos que este desvio pode nos ajudar a
dimensionar o significado da ruptura entre ensino médio e ensino médio técnico
no contexto dos embates travados para a democratização do ensino, já que a cisão
promovida pela reforma reafirmou um modelo dual de educação secundária que já
se pensava superado.
6
Conforme Ferretti (2000).
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96
4.3
Ensino médio
Clarice Nunes (2000) traça um histórico do ensino secundário do Brasil
Colônia à reforma promovida pela Lei 5.692 de 1971, mostrando que em sua
concepção o ensino secundário foi pensado como um estágio preparatório das
elites. E que ao contrário do que se deu no continente europeu, os colégios
brasileiros o derivaram de universidades, mas de congregações religiosas. Os
primeiros colégios foram fundados por jesuítas, que instituíram dois modelos
educacionais, os colégios direcionados à formação das elites e a catequese voltada
para os gentios (os índios). Nesse sentido podemos dizer que não houve uma
intenção de estender a educação às classes populares e/ou de desenvolver uma
concepção de educação autônoma, mas sim em reproduzir aqui o modelo de
educação europeu. Os índios foram incorporados ao processo como almas a
serem salvas e não indivíduos a serem educados.
A elitização da educação secundária perdurou até o Império (1822-1889), só
que agora com uma linha divisória nítida: a educação primária tinha como
objetivo socializar e civilizar, enquanto o secundário era voltado para a formação
de quadros de elite. O surgimento de colégios públicos e laicos não alterou a
noção de educação da sociedade brasileira; na realidade estes colégios foram
frutos de uma concepção que entendia que quanto mais ilustrada a elite, mais
civilizada as massas.
Clarice Nunes ressalta que, enquanto a Europa do século XVIII já começava
a incorporar em seu sistema de ensino o padrão produtivo introduzido pela
Revolução Industrial, o Brasil passa a amalgamar esse sistema técnico à
educação na segunda metade do século XIX. Contudo o registro de que o
debate sobre que modelo de escola politécnica adotar (se voltada para um
aprofundamento teórico matemático ou direcionada para a experimentação
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97
matemática) tenha extrapolado os muros das escolas de nível superior e alcançado
os cursos secundários
7
.
O cerne da questão é que até aquele momento não havia se desenvolvido
uma concepção autônoma de educação no país; o referencial teórico era
predominantemente francês e não havia um movimento para adaptá-lo à realidade
nacional ou mesmo pensá-la a partir deste referencial teórico. Um movimento
deste tipo só começa a tomar corpo nos anos 20 do século XX e tem sua expressão
na publicação, em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova redigido
por Fernando de Azevedo e subscrito por 26 educadores vinculados ao movimento
de renovação educacional.
Antonio Candido (1987) afirma que os intelectuais ligados ao movimento da
Escola Nova propunham, ancorados na tradição liberal, pensar a educação sob um
prisma distinto da formação educacional religiosa que imperava até então. Um de
seus objetivos era viabilizar a formação de uma massa mais educada e capaz de
bem escolher seus governantes. Nesse sentido sua proposta de educação laica
“pretendia formar mais o ‘cidadão’ do que o fiel’, com base num aprendizado
pela experiência e a observação que descartava o dogmatismo” (CANDIDO,
1987, p. 183). Essa proposta recebeu forte oposição da Igreja Católica, que via
nela uma ruptura com valores cristãos e o enlace com “o individualismo
racionalista ou uma concepção materialista e iconoclasta” (Ibid., p. 183).
Além de uma escola laica, os escolanovistas propugnavam que o Estado
assumisse a responsabilidade pela oferta e expansão do ensino público e gratuito.
Essa ampliação do acesso ao ensino público se articula com reivindicações das
camadas médias e populares de então. Mas enquanto o interesse das camadas
7
“O modelo politécnico, ao ser exportado para outros países e para outros níveis de ensino, como
o Liceu, carregou o embate entre as duas concepções epistemológicas presentes na sua criação: a
formação apoiada nas concepções teórico-matemáticas e outra de base experimental, que buscava
matematizar os fenômenos observados na experiência. No Brasil esse modelo foi seguido pela
Escola Politécnica do Rio de Janeiro e pela Escola de Minas de Ouro Preto (...). Se essas escolas
de nível superior brasileiras sofreram influência direta dessas discussões quer pela formação dos
professores, quer pelos livros (Traités e Cours), hoje obras raras que ainda podem ser localizadas
na Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da UFRJ, antiga Escola Politécnica do Rio
de Janeiro, e na Biblioteca Nacional, as escolas de curso secundário o acompanharam esse
debate, pelo menos dessa forma.” (NUNES, 2000, p. 43).
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98
médias recaia na expansão do ensino secundário, às camadas populares
interessava o acesso à educação primária (ROMANELLI, 2000).
Nos anos 30 vamos deparar com uma mudança de posição por parte de
intelectuais e artistas, um percentual significativo passa a tomar um
posicionamento político e a declará-lo, muitos amalgamam sua ideologia política
à sua obra, conscientes disso ou não. São liberais, católicos, marxistas etc. São
expressão de um mundo que incorpora mais de uma possibilidade de organização
político social e de um país que parece romper com o arcaísmo e se abrir para a
modernidade, tanto no plano da cultura, quanto no plano político. No campo das
ciências sociais atores antes relegados a segundo plano passam a ser tema de
pesquisas e estudos: o negro, o índio, o trabalhador etc. No plano político estes
atores sociais passam a elevar suas vozes e se organizar de forma a lutar por maior
visibilidade. Na literatura as críticas dos modernistas ao estilo rebuscado da
Velha República são absorvidas e um novo padrão literário começa a ser aceito.
Essa ruptura será absorvida anos mais tarde no próprio ensino, que passa a se
pautar por textos afinados com a linguagem contemporânea e não por uma noção
idealizada do que seria cultura. As críticas e as inovações trazidas pelos
modernistas foram sendo incorporadas não só na vida cultural da nação, como em
seu cotidiano ao longo dos anos 30. Assim se por um lado temos Casa Grande e
Senzala, por outro temos a Frente Negra Brasileira, fundada em São Paulo, em
1931, e que tinha por objetivo encaminhar politicamente a questão do negro, mas
esta Frente, assim como outros movimentos e partidos políticos sucumbiram à
ditadura Vargas (1937-1945).
E apesar das esperanças suscitadas pela reforma educacional, os dados
estatísticos da década de 40 mostraram que seu alcance foi parcial. O percentual
mais elevado de escolarização primária foi de 42% alcançado pelo estado de Santa
Catarina. Em São Paulo o índice não ultrapassou 40%. Mas se não conseguiu
melhorar significativamente a vida das camadas populares com a universalização
da educação primária, a reforma educacional possibilitou maior mobilidade social
às camadas médias em virtude da ampliação do número de ginásios e de ginásios
técnicos. as elites foram agraciadas com o grande incremento de
oportunidades para ampliar e aprofundar a experiência cultural” (CANDIDO,
1987, p. 195).
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99
Não queremos pelo exposto supra elidir os ganhos da reforma do ensino dos
anos 30, mas sim revelar a distância entre o que almejaram os intelectuais
modernistas, o que foi realizado pelos legisladores e o que foi efetivamente posto
em prática.
Comparada com a de antes, a situação nova representou grande progresso, embora
tenha sido pouco face do que se esperaria de uma verdadeira revolução. Se
pensarmos no ‘povo pobre’ (como diria Joaquim Manuel de Macedo), ou seja, a
maioria absoluta da Nação, foi quase nada (CANDIDO, 1987, p. 194).
8
A Constituição promulgada pelo Estado Novo (1937) vai matizar algumas
das conquistas do campo da educação expressas na Constituição de 1934, como a
responsabilidade do Estado na oferta de oportunidades educacionais, e associar o
ensino profissional às camadas populares (art. 129). As alterações introduzidas no
ensino secundário pela Lei Orgânica do Ensino Industrial (1942) podem ser lidas
como expressão do caráter restrito dessa reforma. Pois se o aumento do número
de estabelecimentos de ensino respondeu à demanda das camadas médias urbanas,
essa ampliação não conseguiu superar o dualismo presente na Constituição e na
própria sociedade brasileira.
As escolas industriais representavam uma alternativa para aqueles que,
concluída a educação primária, não conseguiam prosseguir os estudos no ginásio,
seja por não serem aprovados no exame de admissão, seja por não terem como
custear sua preparação para o mesmo. Sob esta ótica as escolas industriais
emergem como uma oportunidade de prolongamento do tempo de estudo para
uma parcela da população. Contudo aos egressos dos cursos técnicos era vetado o
8
É no campo da cultura que Antônio Candido situa a mais importante conquista da Revolução de
30, que enquanto a educação permaneceu restrita a uns poucos atores sociais, a cultura se
ampliou e de certa forma integrou o país, que pelos olhos dos artistas passa a entrar em contato
com a realidade e as contradições da vida social. É importante ressaltar que muitas das obras
publicadas naquele período estavam tão impregnadas do compromisso ideológico de seus autores e
da própria crítica modernista ao formalismo que muito deixavam a desejar no plano formal e
estético (tanto artistas de esquerda, quanto de direita), no entanto o movimento abriu espaço para a
afirmação de artistas que pelas normas vigentes na República Velha dificilmente teriam alcançado
a repercussão que tiveram em seu tempo. Sendo assim, “o novo modo de ver, mesmo
discretamente manifestado, pressupunha uma ‘desaristocratização’ (com perdão da palavra) e
tinha aspectos radicais que não cessariam de se reforçar até nossos dias, desvendando cada vez
mais as contradições entre as formulações idealistas da cultura e a terrível realidade da sua fruição
ultra-restrita. Por extensão, houve maior consciência a respeito das contradições da própria
sociedade, podendo-se dizer que sob este aspecto os anos 30 abrem a fase moderna nas concepções
de cultura no Brasil” (CANDIDO, 1987, p. 195).
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100
acesso ao nível superior. Desse modo, embora o ensino secundário houvesse sido
ampliado, a barreira ao ensino superior fora mantida, que somente um percurso
educacional era considerado válido para seu acesso, a conclusão do curso
secundário de cunho propedêutico.
O processo de reconhecimento da equivalência dos diplomas das escolas
industriais com o diploma do curso secundário se deu de forma lenta e gradual e
se prolongou por mais de dez anos. Ele teve inicio em 1950, com a Lei 1.076/50,
que reconhecia o direito dos alunos que tivessem terminado o primeiro ciclo dos
cursos comercial, industrial e agrícola se transferissem para o segundo ciclo do
curso secundário (clássico ou científico), desde que o aluno prestasse um exame
que versava sobre as disciplinas gerais, comprovando sua aptidão para
acompanhar o curso. Três anos depois, a Lei 1.821/53 estende para os alunos dos
cursos normal, formação militar e sacerdotal o direito de transferência para o
clássico ou científico, também mediante a prestação de exames. É com a
sanção da LDB de 1961 (Lei 4.024/61) que a equivalência se completa através do
reconhecimento do direito de todos os egressos do curso secundário prestarem
concurso, caso queiram, para o ensino superior.
Essa lei [4.024/1961] constituiu-se na maior de todas as leis de equivalência
surgidas desde meados dos anos cinqüenta, pois permitiu a articulação, pelo menos
téorica, entre todos os cursos de grau médio nos dois ciclos, o que valia para a
transferência entre os cursos e para o ingresso no ensino superior. (...) Por admitir
grande variedade de cursos, flexibilidade de currículos e facilidades de articulação,
essa lei propiciava fundamentos amplos para inovações no ensino secundário
(NUNES, 2000, p. 56).
Assim, se em um primeiro momento houve pressão da sociedade para que se
expandisse a rede ginasial, a segunda etapa desse movimento foi buscar o
reconhecimento social dos diplomas dos cursos técnicos. Nesse sentido, as leis de
equivalência foram um reflexo da demanda popular, que a continuação dos
estudos era vista e na realidade representava uma oportunidade de mobilidade
social naquele período.
É interessante pensar o intervalo político que marca a consolidação do
processo de equivalência e a sanção da Lei 4.024/61; é o período pós Estado
Novo, durante o qual as forças sociais voltam a se organizar e a clamar pelo
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101
aprofundamento do processo democrático. Essas forças sociais seriam mais uma
vez reprimidas, desta vez sob a forma de uma ditadura civil-militar, com o golpe
de março de 1964. E mais uma vez as forças repressoras impuseram ao conjunto
da sociedade um projeto político-econômico que não passou pelo consenso, mas
pela conjunção de interesses particulares dos grupos que apoiaram o golpe e a
repressão política imposta por ele
9
.
A ditadura civil-militar (1964-1985) buscou a modernização do Brasil de
forma a atender a dinâmica requerida pela reprodução do capital naquele
momento. O país estava em plena era do milagre econômico e acreditava-se
necessário contar com mão-de-obra especializada abundante. É neste contexto
que é concebida a Lei 5.692/71 que promove uma reformulação do sistema de
ensino brasileiro ao ampliar a escolaridade obrigatória para 8 anos (primeiro
grau), introduzir a figura da profissionalização compulsória no segundo grau,
aumentar o número de vagas nas universidades e organizar a pós-graduação.
De acordo com Cunha (1975) a ampliação (liberação) do número de vagas
nas universidades foi regulada por uma política de contenção que buscava criar o
exército de reserva necessário ao nacional desenvolvimentismo, sem, no entanto,
formar um número excessivo de profissionais de vel superior (os quais
dificilmente encontrariam empregos compatíveis com sua escolaridade).
Paralelamente, organiza-se a pós-graduação de modo a institucionalizar um novo
mecanismo de diferenciação social. A base da pirâmide social também foi
contemplada com ões que tinham por objetivo erradicar o analfabetismo
(MOBRAL), elevar o nível de escolaridade da população (Projeto Minerva e os
cursos supletivos) e ampliar a escolaridade mínima da população (o curso
primário com duração de oito anos).
9
De acordo com Carlos Nelson Coutinho (2002), para dar conta da pressão popular por ampliação
do processo democrático a burguesia toma dois caminhos: o primeiro, abertamente
antidemocrático, se na sob a forma de ditaduras capitalistas em que as aspirações democráticas
das massas são contidas por meio da violência e da repressão política; a segunda saída é o
bonapartismo, onde a burguesia mantém o poder político e a participação popular se a
intervalos regulares, pela via do voto, mas a escolha recai sobre agentes políticos com laços
estreitos com a burguesia e na maioria das vezes carismáticos. São eles que, emanados pelo voto
popular, vão guiar o conjunto da sociedade na concretização do projeto político e econômico da
burguesia.
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102
Buscava-se criar condições que potencializassem o desenvolvimento
econômico do país através da formação de uma mão-de-obra e de consumidores
afinados com o modelo econômico e com o projeto de desenvolvimento que ele
propunha, além de formar cidadãos conformados com o sistema político vigente.
Do ponto de vista ideológico a educação é identificada como um fator que a um só
tempo impulsiona o desenvolvimento econômico do país e oferece melhores
condições de vida para quem dela se serve. Um dos objetivos dos reformadores
era que cada escola orientasse sua oferta de curso secundário profissionalizante
em função da demanda do mercado de trabalho. O que em tese se mostrava
razoável, verificou-se inviável na prática, pois
como a administração educacional poderia prever a quantidade de técnicos e
auxiliares técnicos a formar no curto, médio e longo prazos. Em resumo, os
levantamentos que se pretendia dessem as condições de racionalidade da nova
política educacional seriam inúteis ou induziriam ao erro (CUNHA, 1998, p. 14).
A tese defendida por Cunha (1998) é a de que a profissionalização
compulsória no segundo grau estava relacionada a uma política de contenção que
tinha como objetivo diminuir a pressão das camadas dias por vagas no ensino
superior. É sob esta perspectiva que o ensino de segundo grau é redesenhado e se
torna obrigatoriamente técnico. Esta reformulação não visava a atender uma
parcela da população que reivindicava uma formação direcionada para o setor
produtivo, mas conter as pretensões daqueles que almejavam uma formação de
nível superior.
No entanto houve resistências da sociedade à profissionalização
compulsória, principalmente das camadas médias e altas que não tinham interesse
na profissionalização precoce de seus filhos. As escolas privadas reclamavam dos
custos envolvido na implementação do ensino técnico; os empresários relutavam
em incorporar estagiários à dinâmica produtiva e ainda havia o receio das escolas
com tradição no ensino técnico de que a proliferação de escolas técnicas causasse
uma “enxurrada de diplomas homônimos, mas de conteúdo completamente
diferente” (CUNHA, 1998, p. 14) e que isso causasse uma desvalorização do
curso de nível técnico. Isto de fato ocorreu, que após a implementação da
reforma “os certificados [de escolas técnicas tradicionais] valiam (...) o mesmo
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103
que os conferidos pelos cursos improvisados das outras [escolas cnicas]”
(CUNHA, 1998, p. 14).
A resistência da sociedade fez com que 4 anos depois, em 1975, a política
de profissionalização compulsória fosse repensada a partir de uma reinterpretação
da Lei 5.692/71 e dos pareceres do Conselho Federal de Educação,
circunscrevendo “a formação de técnicos e auxiliares técnicos (...) a apenas
algumas escolas” (CUNHA, 1998, p. 14). No entanto, é na década seguinte,
em 1982, que o governo federal, com base em estudos realizados pelo MEC e
universidades, vai efetivamente alterar a Lei 5.692/71, com a Lei 7.044/82 que
substitui a qualificação para o trabalho pela “preparação para o trabalho, um termo
impreciso que mantinha, na letra a imagem do ensino profissionalizante, mas que
permitia qualquer coisa em termos de organização curricular” (CUNHA, 1998, p.
15).
No entanto o estrago estava feito: a rede estadual de escolas de segundo
grau havia sido desorganizada, à medida que teve que promover um
deslocamento da oferta de um ensino de caráter geral para o ensino
profissionalizante. Quem conseguiu manter a qualidade foram as escolas que
serviram de modelo para a reforma: as escolas técnicas federais. Não por acaso a
procura por estas escolas cresceu; elas representavam um baluarte em meio à
desorganização que imperava no sistema público de ensino do segundo grau.
A reforma educacional, dentro de seus limites, respondeu à parte das
pressões das camadas médias por maior acesso ao ensino superior e incorporou
parte das classes populares ao expandir a escolaridade obrigatória, mesmo que o
governo não tenha sido capaz de associar qualidade à racionalidade administrativa
e econômica que direcionou a reforma. Um exemplo disto são as dificuldades
encontradas pelos Estados em universalizar o primeiro grau em oito anos, que
como não foram previstos recursos financeiros suficientes para a expansão deste
nível de ensino, muitos Estados “escolhiam” quais municípios seriam
contemplados com recursos financeiros para que pudessem implementar o
primeiro grau conforme o previsto pela legislação.
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A revogação da profissionalização compulsória é contemporânea ao
processo de redemocratização do país. Entretanto a ditadura só terminaria em
1985, protegida pela Lei da Anistia (1979). Uma nova Constituição Federal foi
promulgada em 1988, mas oito anos se passaram até a sanção de uma nova LDB
(Lei 9.394 de 20/12/1996). É esta lei que lança as bases para a reforma do ensino
secundário, agora denominado ensino médio, e para a reconfiguração do ensino
médio técnico.
É importante salientar que o modelo educacional que imperou até a LDB de
1996 se articulava com uma concepção de trabalho fordista que pressupunha a
separação entre pensar (gerenciamento) e agir. Ora, como na pirâmide
ocupacional uns poucos postos de trabalho estavam destinados às ocupações
gerenciais não havia necessidade, dentro dessa lógica, de educar o conjunto da
população para postos de trabalho que não poderiam vir a ocupar. Naquele
momento era importante privilegiar uma pedagogia destinada a preparar as
camadas populares para um comportamento adequado à rigidez da organização
fordista do trabalho.
A acumulação flexível vai requer um tipo humano diverso do trabalhador
fordista, não pelas alterações que promove na organização do trabalho, como
no padrão de consumo e na perspectiva de futuro. É necessário apresentar a
incerteza e a insegurança como naturais. Para dar conta desta (re)configuração é
preciso contar com uma pedagogia que responda a este movimento da sociedade.
O governo vai responder à demanda por uma população mais escolarizada
universalizando o ensino fundamental, criando condições materiais para que os
pais mantenham seus filhos na escola (Bolsa Família), incentivando os
Municípios a ofertarem este nível de ensino (FUNDEB), responsabilizando os
pais pela permanência de seus filhos na Escola (Conselho Tutelar).
A corrente teórica que permeia a reformulação do sistema de ensino advoga
qualidade total a custo nimo. Uma das vertentes desta concepção busca
estabelecer uma série de avaliações externas a fim de assegurar que os resultados
previstos sejam alcançados e espera-se que a escola se organize internamente para
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105
atingir as metas estabelecidas, seja adaptando o currículo à realidade do alunado,
seja buscando parcerias privadas de forma a viabilizar seu funcionamento.
A pedagogia proposta defende um currículo aplicado, articulado com a
dinâmica produtiva, que faça sentido para o aluno e o estimule a aprender. A
formação do professor também é reorganizada, a licenciatura ganha autonomia em
relação ao bacharelado, e passa a privilegiar a articulação entre teoria e prática.
No entanto, estas medidas não conseguiram viabilizar a expansão do sistema
de ensino com qualidade. A distorção idade / série ainda persiste, assim como a
baixa qualidade do ensino ofertado.
4.4
O Ensino médio à luz da LDB de 1996
A LDB de 1996 entende o ensino médio como etapa final da educação
básica e afirma, em consonância com a Constituição Federal, que é dever do
Estado garantir a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade deste nível
de ensino. Entre as quatro finalidades do ensino médio destacamos a preparação
para o trabalho e para a cidadania, tendo como norte uma formação flexível que
permita ao educando adequar seus conhecimentos à dinâmica produtiva
10
.
A nova LDB estipula que o ensino médio deve ter uma carga horária anual
mínima de 800 horas, distribuídas ao longo de no mínimo 200 dias, e determina
sua desvinculação do ensino médio técnico ao destacar que os alunos interessados
em uma habilitação profissional de nível técnico deverão cumprir ou terem
cumprido a carga horária estipulada para o ensino dio de forma independente
ao seu curso técnico.
10
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração nima de três anos, te
como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,
possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação
ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
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106
Art. 36, § 2º O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá
prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.
Este artigo da LDB, como os demais que versam sobre educação
profissional, foi, em um primeiro momento, regulamentado pelo Decreto 2.208 de
17/4//97. Com sua revogação, passaram a ser regidos pelo Decreto 5.154 de
23/07/2004.
O Decreto 5.154/2004 divide a educação profissional em três níveis:
educação profissional básica, educação profissional técnica de nível dio e
educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. Neste trabalho
vamos nos ater exclusivamente à regulamentação técnica de nível médio e sua
articulação com o ensino médio.
O Decreto 5.154/2004 prevê, em seu art. 4º, §1º, que a educação profissional
técnica de nível médio possa ser ofertada de forma integrada com o ensino médio,
de forma concomitante (interna ou externa) ou como pós-médio (subseqüente),
desde que respeitada a carga horária definida tanto para o ensino médio, quanto
para o ensino técnico.
A inclusão da possibilidade das escolas técnicas ofertarem o ensino
profissional técnico de forma integrada ao ensino médio foi uma conquista dos
educadores progressistas que desde a publicação do Decreto 2.208/97 vinham se
articulando por sua revogação e por um debate mais democrático sobre o ensino
médio técnico e sua articulação com o ensino médio.
Mas se estes atores sociais conseguiram que o Decreto 2.208/97 fosse
revogado e que o ensino médio técnico integrado fosse colocado como uma opção
a ser adotada, por outro não conseguiram desarticular a espinha dorsal da reforma
do ensino médio e do ensino médio técnico que são suas respectivas diretrizes
curriculares nacionais
11
. Desse modo a revogação do Decreto 2.208/97 pelo
Decreto 5.154/2004 não significou a reversão da dualidade, mas sim a
possibilidade de as instituições que quisessem retornar aos marcos anteriores ao
Decreto 2.208/97 pudessem fazê-lo, desde que respeitada a carga horária mínima
11
Para um aprofundamento sobre as mediações que envolveram a revogação do Decreto 2.208/97,
ver Frigotto et al. (2005a) e Frigotto et al. (2005b).
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107
de 800 horas estabelecida pela LDB para o ensino médio e a carga horária mínima
definida para as diferentes áreas profissionais pelas Diretrizes Curriculares para a
Educação Profissional de Nível Técnico (Resolução CNE/CEB nº 04/99).
Mas quais os pressupostos que guiaram a reforma do ensino médio técnico?
O que levou o governo Fernando Henrique Cardoso a promover a separação entre
formação propedêutica e formação para o trabalho no ensino secundário? Qual a
visão de pesquisadores e estudiosos do campo da educação sobre a reforma? Para
dar conta dessas questões nos debruçamos sobre a literatura do campo da
educação, principalmente artigos de periódicos, no intervalo de tempo entre 1996
e 2006.
4.5
Os Pressupostos que nortearam a reforma
Em artigo publicado em 1997, Cláudio de Moura Castro, especialista em
educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e assessor do
Ministério da Educação na gestão de Paulo Renato de Souza faz um balanço da
escola secundária brasileira e defende repensar a estrutura do sistema de ensino de
forma a permitir trajetórias acadêmicas diferenciadas, de acordo com o perfil do
aluno. Em vez de ter um único ponto de chegada, o ensino superior, o sistema de
ensino proposto permitiria mais de uma saída ao aluno. Aqueles interessados em
obter uma habilitação profissional seriam direcionados à educação profissional; os
que desejassem uma formação flexível (generalista) teriam a sua disposição o
ensino dio; e aqueles que desejassem continuar os estudos poderiam se
preparar para o ensino superior.
Sua análise é que a escola média tal como está posta não tem como dar
conta das diversas finalidades que lhe foram atribuídas pelos legisladores, muito
menos contemplar, a contento, um corpo discente cada vez mais heterogêneo.
Como assumir um caráter propedêutico e ao mesmo tempo preparar para o
trabalho? São os alunos que ficam a mercê desta impossibilidade, pois
independente de seu interesse (preparação para o trabalho ou para o vestibular),
todos devem se submeter a um sistema híbrido que, buscando atender a
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108
heterogeneidade, não contempla os interesses específicos daqueles que compõem
seu público alvo.
A implementação do modelo proposto por Castro requereria mudanças não
na estrutura do sistema de ensino, como também (1) repensar o currículo da
educação secundária excessivamente conteudista de forma a aproximá-lo da
realidade do aluno (currículo aplicado); (2) reorganizar o ensino médio técnico de
forma a ampliar o número de vagas nas escolas cnicas federais, resgatando sua
função precípua que é a formação de mão-de-obra para o setor produtivo; (3)
desvincular o ensino técnico do ensino médio nas escolas técnicas federais de
forma a reorientar sua clientela, afastando os alunos das camadas médias e
permitindo aos alunos das camadas populares acesso ao ensino técnico de nível
médio.
Castro (1997) classifica a experiência da profissionalização compulsória
como desastrosa, pois não conseguiu cumprir a contento seus objetivos, além de
ter contribuído para perpetuar o modelo anacrônico das escolas técnicas federais,
as quais teriam sido tomadas de assalto por alunos das camadas médias, mais
interessados em se preparar para o vestibular do que em aprender uma profissão.
Esta situação tornou o custo dessas escolas astronômico, já que, mantidas e
subsidiadas com recursos do fundo público, acabavam sendo utilizadas como
ponte de acesso ao vestibular e não para o mercado de trabalho.
Faz pouco sentido ensinar máquinas e motores a custos elevadíssimos a
quem nada mais quer do que passar no vestibular de direito. Mesmo para os que
vão para engenharia, não parece ser um bom uso dos dinheiros públicos que
ocupem uma vaga que poderia ser melhor aproveitada por alguém que vai
diretamente para uma ocupação técnica. Afinal, não temos vagas senão para menos
de 3% dos alunos de segundo grau. Se entre dois terços e três quartos vão para o
ensino superior, apenas preparamos 1% para as carreiras técnicas. Uma vergonha
para um país que quer consolidar suas indústrias e competir no exterior
(CASTRO, 1997, p. 23).
Salienta que em países como Estados Unidos, França e Alemanha o sistema
de ensino tem um design que permite trajetórias diferenciadas, as quais, na
maioria das vezes não tem o ensino superior como alvo. Afirma, ainda, que são
teóricos e educadores que têm como ponto de partida uma concepção de educação
e sociedade que privilegia a igualdade que oferecem forte oposição a uma
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109
estrutura de ensino que contemple saídas diferenciadas e que o tenha como
ponto de chegada o acesso ao ensino superior. Estes intelectuais não conseguiriam
perceber que tal como está posto o sistema de ensino não responde às reais
necessidades do alunado. De mais a mais, pensar que todos os egressos do ensino
médio têm aptidão acadêmica e pessoal para o ensino superior é olvidar que os
discentes têm desempenho e interesses acadêmicos diversos, os quais nem sempre
se coadunam com uma formação de nível superior.
Por outro lado, uma corrente de educadores e pesquisadores que afirmam
que não permitir diferentes saídas ao longo da trajetória educacional dos alunos é
negar aos menos dotados para as grandes abstrações [a oportunidade de
caminharem] (...) mais cedo para a preparação ocupacional e para currículos mais
aplicados e menos voltados para o vestibular” (CASTRO, 1997, p. 3). É dentro
dessa lógica que propõe um ensino secundário flexível tanto na forma, quanto no
conteúdo; um secundário com disciplinas que se articulem com a realidade
material dos alunos e não com uma concepção abstrata de conhecimento, um
modelo que ficaria no meio do caminho entre um ensino propedêutico e um
ensino profissionalizante, pois seu objetivo principal seria aproximar os conteúdos
acadêmicos de sua aplicabilidade prática. As disciplinas seriam agrupadas em
áreas, permitindo aos alunos o domínio por campo do conhecimento e não mais
por disciplina específica. “Assim, aprende-se matemática aplicada aos negócios,
aprende-se física estudando quinas, ferramentas, ou aprende-se a ler e escrever
redigindo relatórios e lendo manuais de computador” (CASTRO, 1997, p. 16).
A contextualização das disciplinas é uma proposta fecunda e interessante,
pois potencialmente abre o leque da escola ao extrapolar o espaço da sala de aula,
contudo contém em si um risco, pois ao circunscrever o currículo ao que é
considerado real e imediato, como manuais de computador e aparelhos celulares,
corre-se o risco de se esvaziar de tal forma o aprendizado do alunado que ele não
tenha condições de transferir o que aprendeu para outras situações ou mesmo de
desenvolver um aprendizado autônomo
12
.
12
Ainda que não seja o foco de nosso estudo, é importante salientar que o ideário que orientou a
reforma da educação técnica/secundária, vai ser incorporado, posteriormente, do ponto de vista
curricular, com a adoção do modelo de competências. Ramos (2003) critica a pedagogia das
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110
Um dos pontos de destaque da proposição de Castro é que a habilitação
profissional passe a ser ofertada em cursos técnicos desvinculados do ensino
médio. A associação da formação geral com a formação para o trabalho (ensino
médio técnico integrado) é vista como um risco, já que pode despertar o interesse
dos alunos em prosseguir os estudos no ensino superior. Para prevenir este risco
sugere a cisão entre o ensino cnico e o ensino secundário, pois as “escolas
industriais requerem ambientes distintos daqueles onde prospera o estudo das
declinações, da ortografia e dos verbos irregulares” (CASTRO, 1997, p. 3). Ao
seu ver
O ethos da escola acadêmica mata a profissionalização, sobretudo nas ocupações
industriais cheias de graxa e serragem. A escola não leva a sério certas
profissões. Os professores não têm respeito por elas. Seu status é baixo, sendo
massacrada pelos valores da escola acadêmica. Os alunos, em sua maioria de classe
média, tampouco têm interesse pelas ocupações manuais ensinadas (CASTRO,
1997, p. 15).
Ao afirmar que a escola desvaloriza o ensino técnico, Castro (1997)
transfere para a escola uma desvalorização do trabalho manual que é intrínseca à
sociedade brasileira. Não é a escola, muito menos os professores, responsáveis
pela formação geral, que desvalorizam o trabalho manual, mas a própria sociedade
brasileira que não recompensa dignamente este tipo de trabalho, haja vista o valor
do salário mínimo nacional e a distância entre a remuneração de um trabalhador
manual e de um trabalhador vinculado a atividades não manuais.
competências por entender que seus pressupostos teóricos (neopragmatismo e o construtivismo de
Ernst von Glasersfeld) não privilegiam o aprofundamento epistemológico necessário a uma
compreensão mais ampla do conhecimento socialmente construído. Enquanto o neopragmatismo
promove uma ruptura com a concepção epistemológica moderna e propõe a construção de uma
epistemologia do contingente, onde não espaço para verdades prévias, mas para conhecimentos
que podem ser construídos a partir da experiência dos indivíduos; o construtivismo radical de
Ernst von Glasersfeld afirma que “não existiria qualquer critério de objetividade, de totalidade ou
de universalidade para se julgar se um conhecimento, ou um modelo representacional, é válido,
viável ou útil.” (RAMOS, 2003, p. 101). São estas correntes teóricas que vão embasar a pedagogia
das competências e afirmar que o conhecimento é contingente e se constrói a partir da experiência
dos indivíduos, num processo de interação dialógica. A transposição dessa lógica para o currículo
pressupõe a valorização da experiência vivida, o que pode contribuir para o esvaziamento da
finalidade da escola, pois esta deixa de ser um espaço de transmissão do conhecimento
sistematizado, para se tornar um espaço de construção de caminhos e trajetórias de como aprender.
Este deslocamento transfere para os alunos a responsabilidade de superarem ou não sua
experiência vivida de modo a se apropriarem do conhecimento socialmente produzido.
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111
A solução apresentada por Castro (1997) para o suposto desvirtuamento das
escolas técnicas federais é que nessas escolas o ensino secundário fosse
desvinculado do ensino técnico de forma a coibir que alunos interessados na
formação acadêmica ocupassem as vagas destinadas à formação profissional. Aos
alunos seria dada a opção de se matricularem no curso que melhor lhes
aprouvesse. Se quisessem se matricular no ensino secundário e no ensino técnico
não haveria problema, que estariam cientes de se tratar de cursos distintos,
ministrados, preferencialmente, em horários diferentes; com matrícula e
certificação final independentes. Do ponto de vista econômico esta proposta
propicia uma potencialização do uso da capacidade instalada das escolas técnicas
federais, pois estas ao se abrirem para estudantes de outras escolas ou para os que
concluíram o ensino médio, poderiam ser utilizadas nos três turnos, sem
necessidade de alteração da capacidade instalada. Desse modo as escolas técnicas
poderiam atender a alunos que estivessem cursando o ensino dio em outras
escolas ou mesmo a alunos que já houvessem concluído o ensino secundário,
afastando de seus quadros alunos interessados somente na preparação para o
vestibular. A separação do ensino técnico do ensino dio abriria caminho para
que aqueles interessados exclusivamente em formação profissional pudessem
concorrer por uma vaga nessas escolas.
É importante salientar que a oposição de Castro (2005) às escolas técnicas
federais é anterior a sua implementação. Ele afirma que quando em 1971 um
representante do Banco Mundial informou-lhe do interesse da instituição em
financiar, no Brasil, escolas nos moldes da comprehensive school americana ele
logo rejeitou a idéia, pois a associou a outro projeto de formação profissional
fracassado, os Ginásios Orientados para o Trabalho (GOTs), cuja maioria dos
egressos (98%) se direcionou para o ensino superior e o para o mercado de
trabalho. Nos anos 90 um documento do Banco Mundial vai corroborar seu
prognóstico ao concluir que as escolas técnicas federais não haviam alcançado o
resultado esperado.
O fracasso das escolas técnicas no Brasil estaria relacionado ao fato das
mesmas oferecerem educação secundária gratuita de qualidade. Isto teria
despertado o interesse das camadas dias, que passaram a competir por vagas
nessas escolas, afastando assim seu público alvo: os filhos das camadas populares.
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112
Como conseqüência desta procura e do alto nível de ensino ofertado, “essas
instituições se tornaram escolas da elite de facto, preparando alunos para os
vestibulares mais concorridos do ensino superior” (CASTRO, 2005, p. 155).
E a cada melhoria e a cada investimento realizado pelo poder público nestas
escolas, mais e mais distantes elas ficavam de seu objetivo, que despertavam o
interesse dos alunos das camadas médias, os quais não buscavam uma formação
para o trabalho, mas sim um ensino de qualidade que lhe permitissem ingressar
em universidades públicas. Para a maioria desses alunos o trabalho como técnico
era visto mais como um interlúdio enquanto cursavam o ensino superior, do que
como uma profissão. Criou-se, assim, um paradoxo, pois o Brasil seria o único
país da América do Sul que possuía escolas técnicas freqüentadas pelas camadas
médias e não pelos estratos mais baixos da sociedade.
Nossa pesquisa mostrou que a desvinculação do ensino técnico do ensino
médio não impediu que os alunos das camadas médias se propusessem a cursá-los
em concomitância interna. Aprofundaremos este ponto no próximo capítulo.
Nesse momento gostaríamos de enfatizar que a “solução” apresentada por Castro
para as milionárias” escolas técnicas federais lança as bases para a ruptura do
ensino médio com o ensino técnico em todo o sistema de ensino e para a
emergência de novas formas de articulação entre o ensino técnico e o ensino
médio
13
. A expressão legal dessa ruptura é a publicação em abril de 1997 do
Decreto 2.208.
13
Vale salientar que foi aventada a possibilidade de eliminação completa da parte acadêmica nas
escolas técnicas, porque isto viabilizaria um aumento do espaço físico destinado ao ensino técnico.
Esta eliminação só não foi levada adiante porque foi constatado que alguns CEFETs vinham
articulando suas disciplinas de formação geral com a parte técnica, de forma a contextualizar o
conteúdo ministrado aos alunos. Este tipo de contextualização vai de encontro ao que Castro
(1997) considera um currículo ideal para o ensino médio, um currículo que articula o conteúdo das
disciplinas com sua aplicabilidade prática. A postura adotada foi encorajar, mas não obrigar, as
escolas a deixar de ofertar o ensino médio: duas variantes dentro da solução aqui proposta.
Uma delas, mencionada, é continuar oferecendo a parte acadêmica na mesma escola, embora se
passe a dar ao aluno a opção de fazer esta parte, a profissional ou ambas. Uma solução mais
radical seria a eliminação pura e simples da parte acadêmica. Esta solução (...) é bastante mais
atraente para certos tipos de cursos (CASTRO, 1997, p. 25). Vale destacar a existência de uma
corrente teórica que advoga a articulação das disciplinas de formação geral com as disciplinas de
formação técnica a partir de uma perspectiva teórica diversa da de Castro. Estes estudiosos
defendem o ensino médio integrado como um modelo educacional que tem o trabalho como
princípio educativo. Este modelo não tem como horizonte somente a profissionalização, mas a
compreensão, pelos alunos, que o conhecimento técnico-científico e sua pronta incorporação ao
processo produtivo são criações humanas e portanto passíveis de serem questionados. Frigotto et al
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113
O irônico é que mais uma vez a excelência das escolas técnicas federais se
transforma no estopim que vai direcionar a reformulação do sistema de ensino
secundário. Se nos anos 70 sua representação de sucesso fez com que a educação
secundária fosse (re)configurada a sua imagem e semelhança, sem que o governo
federal assegurasse os recursos materiais e humanos necessários para que os entes
federados pudessem adequar a rede pública ao novo marco legal, nos anos 90 essa
mesma excelência é vista como um dreno de recursos públicos, pois não como
assegurar que os egressos das escolas técnicas federais se dirijam para o mercado
de trabalho e não o ensino superior. Mas mesmo se houvesse como assegurar esse
direcionamento não haveria como garantir ocupação no mercado de trabalho para
boa parte dos egressos, pois diversamente do fordismo, a acumulação flexível não
demanda a utilização intensiva de mão-de-obra.
Não queremos aqui afirmar que essa transferência foi possível no passado,
mas destacar que hoje sua complexidade se acentua. Além disso, como cercear
desejos, ou impedir que os alunos das classes populares sejam infectados pelo
“vírus” do prolongamento dos estudos? Um cínico poderia apontar como saída a
oferta de um ensino esvaziado de conteúdo, desse modo se satisfaria a um só
tempo a pressão popular por massificação da educação básica, a pressão
internacional para elevação da certificação da população e se limitaria as
pretensões ao ensino superior, que os próprios alunos teriam construído ao
longo de sua trajetória no sistema público de ensino uma representação negativa
de educação.
Contudo, não foi o consenso da sociedade em torno do modelo de ensino
médio e de ensino médio técnico propugnado por Castro que motivou o Ministro
da Educação Paulo Renato de Souza a enfrentar a oposição política e apresentar o
Decreto 2.208/97 para sanção presidencial, mas o fato de que a adoção desse
(2005a, p. 44) reconhecem que o ensino médio técnico integrado não é a politecnia, “porque a
conjuntura do real assim não o permite”, mas acreditam que sua consolidação possa ser um
caminho para a construção desta modalidade de ensino, assim como para a democratização do
acesso à educação. “Assim, voltamos a afirmar que a integração do ensino médio com o ensino
técnico é uma necessidade conjuntural social e histórica para que a educação tecnológica se
efetive para os filhos dos trabalhadores. A possibilidade de integrar formação geral e formação
técnica no ensino médio, visando a uma formação integral do ser humano é, por essas
determinações concretas, condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio
politécnico e à superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de classes”
(FRIGOTTO et al., 2005a, p. 45).
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114
modelo viabilizaria a tomada de um empréstimo junto ao Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID).
Logo, foi a oportunidade do governo FHC em realizar um empréstimo junto
ao BID, com contrapartida do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), para a
renovação dos equipamentos e instalações das escolas técnicas federais que
viabilizou a reforma. Como o BID estava relutante em investir mais dinheiro em
um modelo de escola cnica que ao seu ver não havia conseguido alcançar os
objetivos esperados, “foi desencavada a idéia de dividir os segmentos acadêmicos
e técnicos de um curso técnico” (CASTRO, 2005, p. 160), os cursos seriam
independentes um do outro e os alunos teriam a opção de escolher cursar o ensino
médio, o ensino técnico ou ambos os cursos. Esta solução afastaria do ensino
técnico os alunos interessados em cursar o ensino superior, deixando o caminho
aberto para a formação técnica para aqueles que realmente tivessem interesse.
O BID concordou com a solução da desvinculação, que impôs como
condicionalidade que as vagas do ensino médio nas escolas técnicas federais
fossem reduzidas de forma a “evitar distorções ainda maiores de seu papel
original de formar técnicos” (CASTRO, 2005, p. 161). Esta condicionalidade
quase que fez com que as negociações fracassassem, contudo o montante do
empréstimo, 250 milhões de dólares, foi o fator decisivo para que o governo
brasileiro a aceitasse.
Castro destaca que dois tipos de condicionalidade: a condicionalidade
positiva e a condicionalidade negativa. A condicionalidade assume a forma
positiva quando serve de álibi ou mesmo de salvo-conduto para que o governo
implemente ações consideradas impopulares e/ou que encontrem resistência
política. No caso específico da reforma do ensino técnico podemos dizer que
ocorreu uma convergência de vontades, já que a condicionalidade imposta
possibilitou ao ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, o argumento
necessário para superar resistências políticas. Dentro dessa dinâmica
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115
o Proep
14
foi um caso bastante benigno de condicionalidades sendo usadas para
agilizar uma reforma. Antes de virar ministro da Educação, Paulo Renato de Souza
foi diretor de operações do BID, estando familiarizado com todos os rituais dos
bancos de desenvolvimento (CASTRO, 2005, p. 162).
Castro (2005, p. 162) afirma que os países têm liberdade de aceitar ou não
as condições impostas para se tomar um empréstimo e que a imposição de
condicionalidade é um fato comum nos empréstimos multilaterais, cabendo ao
Banco que efetuou o empréstimo cobrar ou não do país o cumprimento das
condições previamente acordadas. Muitas vezes “as conseqüências de se cancelar
um empréstimo por falta de atendimento a uma condicionalidade (...) [é] tão
drástica que os bancos fingem não ver que ela não foi cumprida”.
Salienta, ainda, que o houve no bojo do processo de reforma do ensino
técnico um debate sobre a carga horária dos cursos de ensino técnico, posto que a
carga horária havia sido definida pela LDB no ano anterior, não sendo portanto
pertinentes as críticas feitas ao ministro Paulo Renato de impor uma dupla jornada
aos interessados em cursar o ensino técnico na forma concomitante. “Se não
tivesse sido aprovada a LDB, a carga do ensino técnico somada à carga do ensino
acadêmico teria sido exatamente a mesma de antes” (CASTRO, 2005, p. 163).
Ao discorrer sobre a mobilização do meio acadêmico contra a reforma,
Castro destaca que em reunião com o ministro, vários diretores das escolas
técnicas federais não apresentaram resistência à reforma, pelo contrário, as
reações foram predominantemente positivas”: “a única reclamação que
expressaram foi a perda de contextualização de matérias no segmento acadêmico”
(CASTRO, 2005, p. 163). Todavia, conforme mais professores tomavam
conhecimento da reforma a resistência aumentou, assim como o questionamento
do caráter autoritário da reforma, dado que ela foi implementada por decreto, o
qual incorporou em seu texto as proposições do Projeto de Lei 1.603/96 que havia
sido enviado ao Congresso e posteriormente arquivado. Para os críticos da
14
O Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) é uma parceria entre os ministérios
da Educação e do Trabalho que tem entre seus objetivos a expansão dos centros de educação
profissional e a inserção de 70% de seus egressos no mercado de trabalho. O Programa prevê,
também, que estes centros desenvolvam autonomia financeira em relação ao Estado, que a oferta
de cursos seja regulada pela demanda do mercado e que os centros estabeleçam parcerias públicos-
privadas.
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reforma a opção por realizá-la por decreto foi um sinal de que o governo abrira
mão de um debate mais amplo com a sociedade, para circunscrever a reforma a
uma discussão de gabinete.
A explicação de Castro (2005) para justificar o caminho tomado pelos
reformadores é que o debate com os diferentes segmentos da sociedade
organizada poderia levar a um impasse, dada a resistência de setores da esquerda.
E são pesquisadores e professores historicamente vinculados à esquerda que vão
compor o principal grupo de oposição à reforma. Seu exame é que o
questionamento deste grupo se centrava em dois pontos: o abandono da
experiência da politecnia com a desvinculação do ensino médio do ensino técnico
e fato de uma condicionalidade de uma agência financiadora internacional
determinar o modelo de escola técnica a ser implementado no Brasil.
No que diz respeito a questão da politecnia, Castro a classifica como uma
utopia, pois não se tem notícias de que tenha sido plenamente implementada em
nenhuma escola técnica federal; o que se teria conseguido realizar foi uma
articulação curricular entre disciplinas acadêmicas e técnicas
15
.
Essa análise é de certa forma corroborada por Luiz Antônio Cunha (2002,
132), que apesar de considerar a reforma um retrocesso, pois recriou um sistema
dual nos moldes do que se verificava nos anos 40 do século passado, salienta que
não devemos “idealizar o antigo ensino técnico integrado” esquecendo suas
limitações, nem pensar a reforma do ensino médio como algo desvinculado da
sociedade brasileira, mas sim pensar formas de se superar esse retrocesso e de
construir um ensino médio técnico que de fato atenda as expectativas da
sociedade.
[O ensino médio integrado] não era a antecipação da politecnia. O destino de seus
alunos, dominantemente o ensino superior, não encontra mesmo justificativa num
país com grande carência de recursos, como o Brasil. Nem seu alto custo se
justificado apenas pela rejeição da dualidade que tomou seu lugar. A formação de
15
“A busca pela integração intelectual das matérias acadêmicas com as técnicas é verdadeira e
importante. Entretanto, ela o foi automaticamente obtida pelo sistema brasileiro anterior nem é
impedida pela reforma que dividiu as duas. Na verdade, em algumas escolas técnicas, onde os
alunos cursam os segmentos acadêmico e técnico ao mesmo tempo, os administradores alegam ter
atingido um ótimo grau de integração” (CASTRO, 2005, p. 66).
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técnicos de nível médio segue uma questão crítica na educação brasileira
(CUNHA, 2002, p. 132-133).
A reflexão de Demerval Saviani (2003) sobre o conceito de educação
politécnica nos ajuda a pensar a politecnia sob uma perspectiva diversa da
apresentada por esses dois autores. Saviani não nega os limites da politecnia em
sociedades capitalistas e reconhece as barreiras postas à socialização do
conhecimento técnico-científico em uma organização social que tem a
propriedade privada como princípio orientador. No entanto, assevera a
fecundidade de uma proposta de educação politécnica porque esta sinaliza uma
alternativa à concepção burguesa de educação, mesmo que não possa ser
implementada em sua totalidade.
A proposição de uma educação politécnica se articula com a possibilidade
de pensar a educação além dos limites estreitos da produção. Ela nos convida a
refletir sobre as potencialidades de um modelo de educação que tem como norte o
ser humano e não a lógica do capital
16
.
No que tange às críticas de subordinação do governo às diretrizes das
agências internacionais, Cunha (2002) lembra que brasileiros trabalhando em
projetos ou mesmo nessas agências internacionais afinados com sua concepção de
mundo e de educação. Muitos destes profissionais estudaram no exterior e
partilham de um pensamento que vê a educação como um fator econômico e como
tal deve ser dimensionada nas políticas públicas, desonerando o Estado e
alcançando o máximo possível de eficiência, isto é, incluindo o maior número de
alunos a um custo razoável. Qualquer modelo que exceda a este custo deve ser
ajustado à relação custo x benefício. Acrescenta, ainda, que a posição do Brasil
no sistema capitalista lhe permitiria negociar as recomendações das agências
internacionais, e se não o fez é por outras questões que não a subserviência pura e
simples.
16
“Temos de, a partir das condições disponíveis, encontrar os caminhos para a superação dos
limites do existente. Isso vale para a organização de uma determinada instituição (...), e também
para a questão legal, a redefinição da política educacional e a reorganização do sistema de ensino
em todo o país. Considero importante formular propostas e implantar, desde agora, medidas que
apontem para uma nova situação, porque é à luz destas propostas e da experiência que se podem
incorporar, à legislação geral do ensino no país, medidas mais consistentes e mais avançadas”
(SAVIANI, 2003, p. 132).
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(...) Quero assinalar que desconheço uma imposição de fato das agências
financeiras internacionais em matéria de educação. Que elas financiam projetos
que estão de acordo com seu ideário, não tenho qualquer dúvida que banqueiro
faria diferente? Imposição é outra coisa. Desconheço um projeto do governo
brasileiro, na área educacional, implementado ou abandonado por exigência do
Bird ou do FMI. Conheço vários projetos abandonados, outros implementados,
com aplausos e os dólares dessas agências. Em todos eles, havia grupos brasileiros
que gostaram do abandono ou da implementação (CUNHA, 2002, p. 106).
O próprio Cláudio de Moura Castro vai confirmar a análise de Cunha ao
asseverar que “a reforma foi projetada por brasileiros, dentro e fora do BID, e se
originava de tentativas anteriores de seguir linhas equivalentes” (CASTRO, 2005,
p. 165).
Na realidade esta proposta estava em gestação mais de 30 anos e tem
como modelo os cursos ofertados pelo SENAI, os quais privilegiam a
profissionalização pura e simples, sem se preocupar em aprofundar o
conhecimento dos alunos. Vale lembrar que o SENAI é uma instituição mantida
com recursos do fundo público, mas com gestão privada. Uma gestão que não
privilegia os interesses da sociedade, mas os do grupo social que o controla.
Mas se no plano teórico a proposição é antiga, no plano político, de acordo
com a literatura pesquisada, ela foi apresentada pela primeira vez no governo
Fernando Collor de Mello (1990-1992), e rejeitada porque tal ruptura não
permitiria aos alunos se apropriarem de um conhecimento capaz de lhes permitir
interagir com os avanços tecnológicos e desenvolver uma participação social
efetiva, tanto na vida social, quanto no trabalho. Naquele momento a preocupação
do governo era evitar segmentações e proporcionar ao alunado, “através do
currículo, uma cultura tecnológica, tanto no ensino chamado acadêmico, como no
ensino técnico” (CUNHA, 2002, p. 124).
Contudo, como veremos na próxima seção, no governo FHC essa concepção
de educação profissional é retomada e apresentada à sociedade, primeiro sob a
forma de Projeto de Lei (PL 1.603/96) e depois pela publicação do Decreto 2.208
de 17/04/1997.
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119
4.6
Decreto 2.208 de 17/04/1997: marco ou resultante?
Conforme mostramos na seção anterior, os críticos das escolas técnicas
federais muito tempo buscavam soluções para desarticulá-las, tanto que Castro
(2005) utiliza a expressão “desencavar” ao se referir à proposta de dissociação do
ensino médio com o ensino técnico, que viabilizou a concessão do empréstimo do
BID. Assim, em março de 1996 é enviado à Câmara dos Deputados um projeto
de lei de autoria do Poder Executivo (PL 1.603/96) que personifica a cisão.
De acordo com Cunha (2002), a exposição de motivos do PL 1.603/96
explicita a intenção do governo em transformar o ensino médio técnico em uma
opção ao ensino superior. Nesse sentido esta modalidade de ensino integraria o
rol do que se convencionou denominar de cursos pós-médio.
A aprovação do PL 1.603/96 viabilizaria a desvinculação do ensino
profissional do ensino médio e sua consecução em módulos
17
, abrindo espaço para
que trabalhadores oriundos de camadas populares direcionassem sua formação
para o trabalho, ou melhor, para cursos cnicos ou cursos de nível superior de
curta duração aparentemente mais próximos de uma oportunidade de trabalho e de
sua realidade social do que uma escolaridade prolongada.
De acordo com Kuenzer (1997), o PL 1.603/96 representava uma síntese
entre duas propostas distintas: a concepção do Ministério do Trabalho sobre
qualificação profissional e a orientação do Ministério da Educação (MEC) de
reduzir custos. Todavia o modelo que emerge dessa síntese tinha como
pressuposto uma concepção de educação profissional que se julgava superada.
Tal concepção na educação profissional desvinculada do sistema de educação
formal o único caminho para as camadas populares, que sua permanência na
escola significaria a majoração dos custos tanto para o sistema de ensino, quanto
para os próprios alunos, que mesmo precisando trabalhar têm de permanecer na
17
Castro (2005) não é um entusiasta da modularização dos currículos para os cursos técnicos. Em
sua opinião a modularização nesta modalidade de ensino pode induzir nos alunos pretensões de
cursar o ensino superior. No entanto crê que a modularização pode funcionar para cursos voltados
para a área administrativa.
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120
escola para obter uma habilitação profissional. É sob essa perspectiva de
educação que o MEC vai capitanear a proposta de desvinculação da educação
profissional do sistema de ensino regular.
Durante o ano em que tramitou na mara dos Deputados, o PL 1.603/96
recebeu diversas emendas até ser arquivado, a pedido da Casa Civil da Presidência
da República, em fevereiro de 1997
18
. O governo solicitou o arquivamento do PL
1.603/96 por entender que com a sanção da LDB em dezembro de 1996 seu
objetivo principal havia sido alcançado, na medida em que este ato legal havia
excluído a educação profissional da educação escolar (art. 21); definido que no
ensino médio a habilitação profissional poderia ser de responsabilidade do
estabelecimento de ensino dio; ou realizada em “cooperação com instituições
especializadas em educação profissional” (art. 36, § 4º), chancelado a
possibilidade de certificação formal dos saberes do trabalhador (art. 41) e alterado
o perfil das escolas técnicas ao determinar que estas ofertassem “cursos especiais,
abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e
não necessariamente ao nível de escolaridade” (art. 42).
A reforma do ensino médio técnico é efetuada então por decreto e sua
desvinculação da educação sica formalizada. O Decreto 2.208/97 incorpora em
seu texto o que havia sido propugnado no PL 1.603/97, contudo sem ter que
passar pelo escrutínio da sociedade. Acreditamos que, se a sanção da LDB e a
aprovação do Decreto 2.208/97 podem ser lidos como os primeiros passos da
reforma do ensino médio técnico, a estes atos legais se seguiram portarias,
resoluções e pareceres do MEC, do CNE
19
, da CEB
20
etc. que vão não só traçar as
diretrizes e normas para a educação profissional, como também respaldar
teoricamente a reforma, mas sem aprofundar seu debate com a sociedade civil
organizada.
18
Ver tramitação do PL 1.603/96 no endereço eletrônico www.camara.gov.br/sileg. Acesso em:
29 jul. 2007.
19
Conselho Nacional de Educação.
20
Câmara de Educação Básica
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121
Vale destacar que antes da publicação dos atos legais que corporificaram a
reforma do ensino cnico o Estado do Para implementara sua reforma do
ensino dio através de financiamento do BID, com um formato que anunciava a
reforma e que, desde 1996, órgãos do poder executivo do Estado de Minas Gerais
realizavam estudos para traçar um diagnóstico do ensino médio técnico de forma a
ajustar os cursos oferecidos pelas escolas técnicas à demanda econômica local.
Documentos do governo mineiro deste período apresentam um diagnóstico dos
cursos técnicos oferecidos no Estado, sua localização e sua correlação com a
atividade econômica da região onde estavam localizados (FERRETTI, 2000).
O Decreto 2.208/97 determina que a educação profissional técnica tenha
organização curricular independente do ensino médio, podendo ser ofertada de
forma concomitante ou seqüencial à educação secundária (art. 5º). Entretanto, a
certificação no ensino técnico fica subordinada à conclusão do ensino médio.
os alunos que apresentarem o certificado de conclusão do ensino médio estarão
aptos a receber o diploma de técnico de nível médio (art.8 § 4º).
O decreto não define a organização curricular do ensino médio técnico,
relegando essa função ao MEC (art. 6º), contudo delimita as linhas gerais das
diretrizes curriculares ao afirmar, em seu artigo 7º, que “deverão ser realizados
estudos de identificação do perfil de competências necessárias à atividade
requerida” e prever a possibilidade de modularização do currículo (art. 8º).
Assim, a fim de desarticular a rede federal de escolas cnicas, o governo
FHC estendeu para o conjunto da população uma concepção de ensino dio
técnico que penaliza, ao elevar a carga horária, os interessados em cursar o ensino
médio técnico.
A desvinculação entre ensino médio e educação profissional levou
instituições com tradição na oferta de educação técnica de nível médio a buscarem
estratégia de forma a manter seus cursos de nível médio e a oferta de cursos de
educação profissional. Uma dessas estratégias foi a concomitância interna, em
que o aluno cursava, na mesma instituição, o ensino médio e o curso técnico de
educação profissional. O problema é que agora a legislação passa a delimitar uma
carga horária mínima para os cursos de educação profissional, cujo conteúdo
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122
deveria ser desvinculado do ensino médio (este também com carga horária
específica, da qual 25% poderia ser dedicada a disciplinas não específicas da
formação geral).
O ponto positivo da concomitância interna é permitir ao aluno cursar, em
uma única instituição, o ensino médio e o ensino técnico ao mesmo tempo e ao
término dos mesmos receber os dois certificados. O ponto negativo é o aumento
da carga horária do aluno, que têm de despender dois turnos para dar conta dos
dois cursos, além do aumento do número de disciplinas. A dupla jornada
representa, também, um aumento do dispêndio dos alunos com alimentação e
material didático, por exemplo.
Contudo, a outra modalidade de concomitância, a concomitância externa,
não possibilita um conforto maior aos alunos, pois pressupõe que eles cursem o
ensino médio e o ensino médio técnico em escolas diferentes. Isto leva os alunos
a se deslocarem entre duas instituições diferentes, com concepções pedagógicas
diversas, o que muitas vezes pode levar ao abandono do curso técnico, posto que
como a legislação vincula ao término do ensino médio a certificação no ensino
técnico, o primeiro passa a ser a prioridade do alunado. De mais a mais, a
concomitância externa gera um custo extra para os alunos, que têm que arcar com
os custos de deslocamento e alimentação, além da fadiga de se dividir entre duas
instituições diferentes. Outro problema apontado é que muitas vezes um ensino
médio deficiente acabava dificultando o aproveitamento dos discentes no ensino
técnico (FRIGOTTO, Gaudêncio et al., 2005a).
A outra opção aberta pela legislação para se cursar o ensino médio técnico é
cursá-lo após a conclusão do ensino médio. Castro (2005) afirma que a formação
profissional no pós-médio é uma tendência mundial, além de ser uma resposta à
incapacidade de oferecer uma formação sólida no ensino médio. Esta concepção
de educação encontra seu modelo ideal nos community colleges americanos.
A opção pela formação profissional no pós-médio evitaria que os alunos
direcionados para escolas de formação profissional tenham sua trajetória
educacional estigmatizada, já que em muitos países europeus e mesmo nos EUA a
educação profissional é destinada a alunos com rendimento acadêmico
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123
considerado insatisfatório, o que de certa forma os estigmatiza como inaptos para
uma formação acadêmica mais consistente.
O ensino médio técnico como pós-médio é visto por um percentual
significativo de educadores como um dos efeitos mais deletérios da reforma, pois
penaliza os alunos das camadas populares que almejam uma habilitação
profissional. Tomemos como exemplo alunos que por conta da necessidade de
trabalhar têm que cursar o ensino médio noturno. Se antes da reforma, a este
aluno era facultado obter uma habilitação profissional ao longo do curso
secundário (no mínimo três anos), nas condições postas pelos reformadores ele
deverá terminar o ensino médio e depois se dedicar ao ensino técnico. Isto não
prolonga seu tempo na escola, como retarda sua profissionalização.
João Batista Araújo e Oliveira (2000), consultor do campo da educação,
elabora uma crítica interessante à reforma do ensino médio técnico que
destacaremos a seguir. Todavia é importante ressaltar que as críticas de Oliveira
têm como pressuposto: a desnecessidade de expansão do ensino médio, visto que
os postos de trabalho que se expandem são os que demandam baixa escolaridade;
a universalização do ensino médio deveria ser subordinada à melhoria da
qualidade do ensino fundamental público; a necessidade de se criar no sistema de
ensino ramificações que permitam a profissionalização ao longo da educação
básica, principalmente ao longo do ensino fundamental.
Segundo Oliveira, para resolver um problema específico, a suposta
inoperância das escolas técnicas federais, o governo FHC impôs ao conjunto da
sociedade a reforma do ensino médio técnico. E assevera que apesar das óbvias
ineficiências e desajustes do velho’ ensino profissional, não existem evidências
robustas de que ele não funcionou, não funciona e muito menos de que não pode
ser aprimorado” (OLIVEIRA, 2000, p. 483).
Ao seu ver o aumento compulsório do tempo dos alunos das camadas
populares na escola funcionaria como uma barreira para que eles completem os
estudos, além de retardar seu ingresso no mercado de trabalho. O perverso é que
além do modelo de ensino médio não prever saídas para a profissionalização, ele
ainda subordina a possibilidade de profissionalização (ensino médio técnico) à sua
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124
conclusão. Os dados mostram as dificuldades que esses alunos têm para concluir
o ensino médio e a precariedade que enfrentam no ensino fundamental.
Neste contexto, uma escolarização prolongada longe de ser uma
oportunidade para os alunos das camadas populares, se aproximaria mais de uma
sentença, que os condena a passar mais tempo em um espaço escolar que não tem
condições de reverter a precariedade educacional que receberam no ensino
fundamental, muito menos prepará-los para o mercado de trabalho, que os
custos envolvidos para implementação do modelo de educação geral proposto pela
reforma são superiores aos disponíveis pelos Estados e a formação profissional foi
desvinculada do ensino formal.
(...) O governo brasileiro, com apoio de organismos internacionais como a
UNESCO, BID e Banco Mundial, está propondo políticas para o ensino médio que
muito provavelmente contribuirão para aumentar ainda mais a distância e as
chances de uma adequada integração dos jovens no mercado de trabalho, sobretudo
os jovens provenientes das camadas sociais de mais baixa renda e nível de
escolaridade (OLIVEIRA, 2000, p. 489).
Ao rebater os que afirmam que a oferta de ensino dio técnico como pós-
médio segue uma tendência mundial, Oliveira assevera que a tendência mundial é
integrar ensino acadêmico e formação profissional, e não promover sua cisão. De
mais a mais se o novo ensino médio fosse implementado nas bases preconizadas
pelo governo, seu custo com certeza emparelharia com os das tão criticadas
escolas técnicas federais.
Pelo exposto supra podemos perceber que se a reforma do ensino médio
técnico é vista pelos educadores críticos como um retrocesso ao reafirmar a
dualidade do sistema de ensino, para outra corrente de educadores ela é vista
como um excesso, pois pressupõe uma elevação de escolaridade disfuncional,
tanto ao sistema de ensino que tem que despender mais recursos para viabilizá-la,
quanto para os alunos das camadas populares, que teriam que cursar o ensino
médio para ter acesso a uma habilitação profissional. Na próxima seção vamos
nos debruçar sobre pesquisas e artigos que tratam de como a reforma do ensino
médio técnico foi recebida nas escolas técnicas federais e pelos professores.
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125
4.7
A Reforma nas escolas técnicas federais
Apesar da reforma do ensino médio técnico ter sido estendida para o
conjunto da população ela foi pensada como uma forma de reconfigurar as escolas
técnicas federais, dando-lhes não novos objetivos, como também um novo
perfil de aluno, prioritariamente voltado para a educação profissional. Vale
destacar que o Decreto 2.208/97 prevê que as escolas federais e as escolas
públicas ou privadas que recebam ajuda financeira da União sejam obrigadas a
oferecer cursos básicos de educação profissional (art. 4º § 1º).
Nesse sentido, a separação do ensino médio do ensino técnico traz novos
desafios para as escolas que m que se organizar de forma a receber um público
heterogêneo, diverso daquele que freqüentava o ensino médio integrado. As
escolas passaram a conviver com dois, três, quatro, cinco perfis de alunos
concomitância interna, externa, técnico, alunos recém formados e outros
formados no fundamental anos, etc.” (FRIGOTTO & FRANCO, 2006b,
p.353). Some-se o fato que a Portaria MEC n.º 646/97 (em cumprimento a uma
das condições do BID) determinava que as escolas técnicas federais reduzissem
em 50% a oferta de vagas para o ensino médio e passassem a oferecer cursos
especiais. É importante destacar o desconhecimento dos pais e dos alunos dos
meandros da reforma. Eles foram tomados de surpresa ao descobrirem que a
escola em que seus filhos estavam efetivamente estudando não era aquela cuja
tradição eles haviam aprendido a reconhecer.
Ramos (2006) mostra que a reforma afetou a dinâmica das escolas técnicas
federais não do ponto de vista pedagógico, como também pela emergência de
embates concorrenciais entre professores vinculados a disciplinas de formação
geral e entre professores de disciplinas técnicas, enquanto estes últimos anteviam
maior visibilidade para seu campo de atuação, os primeiros temiam perder espaço
no novo perfil institucional que privilegiava o ensino técnico
21
.
21
“O fato de o segundo grau profissionalizante dar ênfase às disciplinas da formação específica em
detrimento da formação geral fez com que professores das disciplinas do antigo “núcleo comum”
vissem nessa regulamentação um sinal de fortalecimento de seus saberes e da aquisição de tempos
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126
E se por um lado disputa interna, por outro adesão à reforma, que o
incentivo para que as Escolas Técnicas se adequassem ao modelo imposto pelo
governo previa que estas se transformassem em CEFETs e obtivessem recursos
financeiros através do PROEP
22
. Para se candidatar ao PROEP, as escolas
deveriam se comprometer formalmente ao que estava estabelecido no Decreto
2.208/97.
As entrevistas realizadas por Frigotto & Franco (2006b) com professores de
escolas técnicas mostram que, se a princípio a maior parte dos docentes era
contrária a reforma, a possibilidade de alterar seu status profissional de professor
de ensino médio para professor de nível superior funcionou como um incentivo
para que se acomodassem à reforma, buscando melhorar sua titulação de modo a
cumprir um dos requisitos exigidos para a integração de sua escola à rede de
CEFETs. De acordo com Costa (apud FRIGOTTO & FRANCO, 2006b, p.350)
“se não fosse a cefetização seria outra coisa, mas o que estava em pauta, naquele
momento, era a cefetização. E muitas escolas queriam ser cefetizadas”.
É importante salientar que as Escolas Técnicas e os CEFETs não
responderam de forma uniforme à reforma. O CEFET de Pelotas, por exemplo,
conseguiu encaminhar uma justificativa convincente para não reduzir a oferta de
vagas no ensino médio: passou a trabalhar uma nova metodologia para dar conta
dos alunos que estudavam à noite, criou o ensino médio adulto voltado para uma
faixa etária acima de 25 anos, buscando, desse modo, responder satisfatoriamente
à diversidade que passou a marcar seu quadro discente. Se antes da reforma seu
público era formado predominantemente de adolescentes, a partir da reforma a
faixa etária do alunado se desloca para jovens e adultos na faixa de 19 a 25 anos.
“Hoje surge outra dificuldade, o noturno começa a ser freqüentado por jovens de
12, 13 anos que não trabalham e estudam à noite e começam a atrapalhar os
adultos” (FRIGOTTO & FRANCO, 2006b, p. 361).
e espaços para suas disciplinas. Nas escolas da rede federal, paradoxalmente, esse sentimento
confundia-se com a insegurança gerada pela ameaça de extinção do Ensino Médio” (RAMOS,
2006, p. 300).
22
Ver Portaria Interministerial MEC/MTb n. 1.018/97.
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127
A oferta de vagas à noite também reconfigurou o perfil discente do CEFET-
RJ, que passa a ser freqüentado por alunos interessados nos cursos seqüenciais
(também chamados pós-médio). A análise de Ramos (2005) é que no movimento
de adequação aos meandros da reforma, as escolas técnicas federais foram
perdendo sua identidade original de formadoras de técnico para assumir outra,
ainda indefinida, mas claramente diversa da identidade anterior. A rede de
escolas técnicas não é una e antes da reforma já havia um questionamento do
papel formativo dessas escolas no que diz respeito ao perfil de saída dos alunos.
O Projeto de Lei 1.603/96 e os debates que suscitou levaram professores e
dirigentes das Escolas Técnicas e CEFETs a pensar que um espaço democrático
de discussão estava se abrindo e que haveria possibilidade de se construir um
projeto de mudança de forma negociada e democrática, após a aprovação da LDB.
O Decreto 2.208/97 veio abortar estas esperanças à medida que incorporou
praticamente o texto do PL 1.603/96, sem que houvesse sido dado espaço para
discussão e negociação.
Muitos dos que defenderam a revogação do Decreto 2.208/97 o fizeram
mais no plano político, por se tratar de um ato autoritário, do que por discordar
dos caminhos tomados pela reforma. O abandono de um ideal de oferta de uma
educação politécnica parece não ter integrado a pauta do debate, que se norteou
mais pelo caráter ideológico do que teórico. Contudo, “a reforma, como indicam
os entrevistados, tem forte impacto sobre a estrutura organizacional e a concepção
curricular e pedagógica, com conseqüência para o perfil e a vida dos alunos e para
os docentes” (FRIGOTTO & FRANCO, 2006b, p.352).
A Análise de Frigotto & Franco (2006b) é que não havia necessidade de se
desestruturar a rede federal de ensino dio técnico para que a reforma se
consubstanciasse. Por que não expandir o sistema de forma a viabilizar a oferta
de cursos noturnos e a efetivação de parcerias com a sociedade civil? Por que a
opção de expandir reduzindo a oferta de vagas do ensino médio?
4.8
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128
O Decreto 5.154 de 23/07/2004 e o consenso possível
A eleição do Presidente Lula, no final de 2002, criou expectativas quanto a
possibilidade de revogação do Decreto 2.208/97 e ao estabelecimento de uma
discussão mais democrática sobre os rumos do ensino médio técnico com a
sociedade. Entretanto, a revogação do decreto ocorreu mais de um ano depois da
posse de Lula e de certa forma frustrou expectativas, já que o Decreto 5.154/2004
se assenta praticamente sobre a mesma legislação infralegal que respaldava o
decreto anterior. Seu diferencial reside em permitir que as escolas técnicas
passem a ofertar o ensino médio técnico de forma integrada com o ensino médio.
Contudo o Parecer CNE/CEB 39/04 deixa claro “que a forma integrada não
pode ser vista, de modo algum, como uma volta saudosista e simplista à da
revogada Lei 5.692/71. Para a nova forma introduzida pelo Decreto
5.154/2004, é exigida uma nova e atual concepção (...)”. Esta nova concepção
pressupõe o respeito à carga horária prevista para o ensino médio e para o ensino
médio técnico, assim como a adequação dos cursos às respectivas diretrizes
curriculares
23
.
Ao abrir espaço para a adoção ou não do ensino médio técnico integrado o
governo Lula optou por não tomar uma posição, deixando cada instituição
implementar o ensino médio técnico da forma que melhor lhe conviesse. O
Decreto prevê a possibilidade de se ofertar o ensino médio técnico de 3 maneiras
diferentes: integrado, concomitante ou subseqüente, sendo que a oferta do curso
em concomitância poderá se materializar como concomitância interna (os dois
cursos são realizados na mesma instituição), como concomitância externa (os
cursos são realizados em instituições diferentes) e como concomitância em
instituições distintas, mas vinculadas por convênio (neste tipo de concomitância
apesar das instituições serem diferentes há projeto pedagógico unificado)
24
.
23
A avaliação de Frigotto et al. (2005b) é que ao referendar as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino dio e para a Educação Profissional elaboradas durante o governo FHC, o CNE
legitimou uma concepção curricular “marcada pela ênfase no individualismo e na formação por
competências voltadas para a empregabilidade. Reforça-se, ainda, o viés adequacionista da
educação aos princípios neoliberais” (FRIGOTTO et al., 2005b, p. 1095).
24
1. Integrada (inciso I do § do Artigo 4º): oferecida somente a quem tenha concluído o
Ensino Fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação
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129
De acordo com Frigotto et al (2005a) o Decreto 5.154/2004 foi a vitória
possível das forças progressistas frente a grupos que defendiam a permanência da
situação anterior. Ele relata que dos embates que levaram a revogação do Decreto
2.208/97, emergiram três posicionamentos frente à reforma do ensino dio
técnico:
uma corrente que apoiava o decreto e não via necessidade de alterá-
lo;
uma corrente que defendia sua revogação por uma lei e o por
decreto, pois entendia que a revogação por decreto perpetuaria a
manutenção de um mesmo círculo;
uma corrente que viu na revogação do decreto, mesmo que por outro
decreto, a abertura de um espaço de mudanças para o debate e
construção de um documento legal mais adequado ao objetivo
almejado.
A corrente vencedora desse embate foi a que lutava pela revogação do
Decreto 2.208/97 como um primeiro passo em direção à construção de um ato
legal nas marcas do aprofundamento do processo democrático. Esta corrente
justifica seu posicionamento no entendimento de que dificilmente a aprovação de
profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única
para cada aluno”. A instituição de ensino, porém, deverá, “ampliar a carga horária total do curso, a
fim de assegurar, simultaneamente, o cumprimento das finalidades estabelecidas para a formação
geral e as condições de preparação para o exercício de profissões técnicas” (§ 2º do art. 4º).
2. Concomitante (inciso II do § 1º do Artigo 4º): “oferecida somente a quem tenha concluído o
Ensino Fundamental ou esteja cursando o Ensino Médio” e com “matrículas distintas para cada
curso”. Esta forma poderá ocorrer em três situações distintas, as quais já eram possíveis na
vigência do Decreto nº 2.208/97:
2.1. na mesma instituição de ensino (alínea “a” do inciso II do § do Artigo 4º): neste caso,
embora com matrículas distintas em cada curso, a articulação será desenvolvida nos termos da
proposta político-pedagógica do estabelecimento de ensino;
2.2. em instituições de ensino distintas (alínea “b” do inciso II do § 1º do Artigo 4º): neste caso, é
o aluno que faz a complementaridade entre o Ensino Médio e a Educação Profissional de nível
médio, aproveitando-se das oportunidades educacionais disponíveis;
2.3. em instituições de ensino distintas, porém, com convênio de intercomplementaridade
(alínea “c” do inciso II do § do Artigo 4º): neste caso, as matrículas são distintas, mas os dois
cursos são desenvolvidos articuladamente, como um único curso, em decorrência do planejamento
e desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados entre as escolas conveniadas.
3. Subseqüente (inciso III do § do Artigo 4º): “oferecida somente a quem tenha concluído o
Ensino Médio”. Esta alternativa estava prevista no Decreto nº 2.208/97 como “seqüencial” e teve a
sua denominação alterada pelo Decreto 5.154/2004, acertadamente, para evitar confusões com
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130
um projeto de lei afinado com seus interesses teria êxito durante sua tramitação no
Congresso Nacional dada a correlação de forças pender para as correntes
conservadoras. A relação de forças também se mostrava desfavorável no
Conselho Nacional de Educação.
Essa corrente via a publicação do Decreto 5.154/2004 como um primeiro
passo em direção a um debate com a sociedade civil sobre a politecnia e a própria
necessidade de revisão da LDB. No entanto isto o ocorreu. Não houve
mobilização social e sim acomodação ao que vinha sendo praticado. Além
disso, a revogação do Decreto 2.208/97 não alterou a estrutura e as normas
complementares que referendavam a reforma.
O texto do Decreto 5.154/04 é visto como um texto híbrido, espelho das
contradições de um debate que, até chegar à redação final, teve sete versões, quase
uma por mês, se levarmos em conta que a primeira versão foi apresentada em
setembro de 2003 e a última em abril de 2004. Dentro desse contexto o Decreto
5.154/2004 pode ser pensado como a resultante do consenso possível entre as
diferentes correntes que atuaram ao longo do processo de sua discussão e
elaboração. Sua sanção abre espaço para a retomada do ensino médio técnico
integrado, mas não para a revogação da legislação infralegal que respaldou a
reforma.
4.9
Algumas considerações
Vimos ao longo desse capítulo que a lógica que norteou a reforma do ensino
médio técnico buscou restringir o acesso de alunos das camadas médias às escolas
técnicas federais e CEFETs. Estes alunos são vistos como usurpadores do dinheiro
público, pois se apossariam das vagas dessas escolas para terem uma preparação
de qualidade para o vestibular e não uma preparação para o trabalho. A solução
encontrada pelos reformadores para este problema foi estender a todo o sistema de
os “cursos seqüenciais por campo do saber, de diferentes níveis de abrangência”, previstos no
inciso I do Artigo 44 da LDB, no capítulo da Educação Superior.” (Parecer CNE/CEB 39/04).
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131
educação profissional o remédio aplicado nas intuições federais: desvincular o
ensino médio do ensino médio técnico.
O problema posto no argumento dos reformadores é que ele contradiz a
lógica de competitividade capitalista, no limite nega às camadas médias a própria
cidadania burguesa, ao afirmar que os impostos que pagam não podem se traduzir
em escola de qualidade para seus filhos, mas sim em auxílio para os mais
necessitados. Estaríamos testemunhando uma política social do tipo Robin Hood,
que sustentada pelos setores intermediários da sociedade? Por outro lado, não
deixa de ser uma ironia da história que o ensino industrial, detentor de uma
representação social negativa no início do século XX, passe a ser objeto de
disputa entre as camadas dias e as populares e faça com que o poder público
intervenha de forma a assegurar o acesso dessas últimas às instituições federais de
ensino médio técnico.
As esperanças suscitadas pela eleição de um presidente vinculado à
esquerda o se concretizaram; a revogação do decreto que norteou a reforma do
ensino médio técnico não possibilitou a superação de seus pressupostos, pelo
contrário, parece que os reforçou, uma vez que o ensino dio integrado que
emerge do Parecer do CNE se apresenta mais como uma camisa de força para o
aluno. Ele continua obrigado a cumprir duas cargas horárias distintas, mas sem a
opção de abandonar um dos cursos, caso queira.
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5
A Reforma do ensino médio técnico: democratização ou
cerceamento?
5.1
Introdução
A reforma educacional em pauta traz em si uma cisão entre formação geral e
formação para o trabalho que transcende sua ruptura formal (ensino técnico
descolado do ensino médio), pois contamina o que se denomina hoje educação
básica. Ao se buscar uma aproximação com o cotidiano e a realidade do aluno,
empreende-se tal esvaziamento dos conteúdos, que o ensino tende a se deslocar da
formação geral que em tese deveria ser ministrada para uma formação para a
prática. Essa cisão abala os alicerces necessários para a construção de uma
cidadania reflexiva, já que o indivíduo prescinde dos pressupostos para efetuar sua
própria síntese.
Independente do fato da reforma do ensino médio técnico ter sido
viabilizada politicamente pela concessão de um empréstimo externo, ela foi vista
como uma oportunidade para promover o desmonte das escolas técnicas federais,
consideradas ineficientes e dispendiosas. Ineficientes por supostamente não
conseguirem alcançar seu público alvo alunos das camadas populares; e
dispendiosas por conta de sua clientela real: os alunos das camadas médias que
não se dirigiriam ao mercado de trabalho mas sim para o ensino superior num
claro desperdício do dinheiro público.
A reforma foi baseada na firme convicção dos reformadores da
disfuncionalidade econômica do modelo escolar que estas instituições
propugnavam por conta da trajetória de seus egressos, apesar da emergência de
uma nova base técnica, que não só intensificou o trabalho em todos os segmentos,
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133
como o complexificou de modo a requerer uma força de trabalho com um patamar
de escolaridade superior.
E é no contexto das transformações por que passa o mundo do trabalho e do
aparente consenso em torno da necessidade de elevar a qualidade da educação
ofertada à população brasileira que a reforma educacional em tela nos suscitou
diversas questões e norteou nossa pesquisa.
Os argumentos pró-reforma destacavam, entre outros fatores, que ela
viabilizaria a democratização do acesso das camadas populares às escolas técnicas
federais e contribuiria para a flexibilização e diversificação dos cursos de ensino
médio técnico de modo a adequá-los à demanda do mercado de trabalho
contemporâneo (SOUZA, 2001). Podemos dizer que sob esta ótica a reforma
contemplaria, a um só tempo, uma parcela da população historicamente alijada do
acesso ao ensino técnico federal e a demanda do setor produtivo por uma
formação profissional afinada com o mundo da produção. Mas será que a
arquitetura da reforma propiciou a democratização do acesso? Essa indagação se
desdobrou em três questões que permearam nossa pesquisa.
A primeira é que a reforma, longe de ter democratizado o acesso dos alunos
das camadas populares ao ensino técnico federal, o teria colocado mais distante da
realidade desses atores sociais, posto que para cursar o ensino técnico em
concomitância com o ensino médio estes alunos teriam que estudar em dois
turnos, o que implicaria não na elevação de seus custos, como na
impossibilidade de exercer uma atividade laborativa. cursá-lo após o ensino
médio significaria prolongar o tempo desses alunos na escola na busca por uma
habilitação profissional.
Em segundo lugar, a existência de escolas técnicas privadas destinadas às
camadas médias seria um indicativo do interesse desse estrato social pelo ensino
médio técnico. Além disso, a adoção de políticas de cunho neoliberais, longe de
terem favorecidos as camadas médias, parecem ter contribuído para seu
empobrecimento
1
.
1
Ver Mèszáros (2002), Pochmann (2004, 2006, 2007).
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134
Por fim, o restabelecimento do sistema de ensino dual estaria associado não
a um projeto de democratização do ensino, mas a uma concepção de educação que
na formação para o trabalho a trajetória escolar mais adequada aos alunos das
camadas populares.
Como campo de análise para a comprovação ou não de nossas questões de
pesquisa optamos pelo estudo de um grupo de alunos matriculado no terceiro ano
do ensino médio de três escolas técnicas localizadas na região metropolitana do
Rio de Janeiro.
A opção por alunos matriculados no terceiro ano se deu por eles haverem
ingressado nas escolas durante a vigência do Decreto 2.208/97. a escolha das
escolas teve como norte sua representação de qualidade junto à sociedade, seu
desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)
2
em 2005 e o fato de
serem escolas que escolhem seus alunos através de um exame de seleção.
Para coleta de dados utilizamos o questionário discente do projeto de
pesquisa Educação Profissional e Qualidade de Ensino: investigando a interação
família-escola
3
. Em face das especificidades de nossa pesquisa fizemos algumas
modificações no questionário-base do projeto, entre as quais destacamos:
direcionamos o questionário aos alunos matriculados no terceiro ano; incluímos
perguntas que nos permitiriam traçar o perfil sócio-econômico dos alunos;
identificar sua visão de educação e de trabalho; e sua avaliação da concomitância.
Apesar da abrangência do questionário, privilegiamos em nossa análise
categorias que pudessem contribuir para a verificação de nossa questão inicial e
para traçar um perfil dos alunos.
2
O Enem é um exame voluntário que tem como objetivo principal avaliar o desempenho do aluno
ao término do ensino médio para verificar se este conseguiu desenvolver competências e
habilidades consideradas adequadas ao exercício pleno da cidadania. O exame funciona, também,
como um elemento alternativo ou complementar aos exames de acesso ao ensino superior e cursos
pós-médio.
3
Este Projeto é desenvolvido pela Profª Dra. Lucília Augusta Lino de Paula da UFRRJ e tem
como proposta um survey composto de três questionários direcionados: (a) aos alunos
matriculados no primeiro ano do ensino dio técnico de instituições ligadas à rede federal de
ensino dos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, (b) aos responsáveis pelos alunos e (c) aos
professores.
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135
Os questionários foram aplicados durante o mês de setembro de 2006, em
todos os alunos que estavam presentes nas salas de aulas. No total 306 alunos
responderam aos questionários, mas só 302 questionários foram considerados
válidos. Dos quatro questionários considerados inválidos, dois foram
desconsiderados por estarem incompletos e os outros dois por apresentarem
respostas inconsistentes.
Tabela 3: Relação escolas/alunos.
Escola Alunos %
1 25
8,3
2 167
55,3
3 110
36,4
Total 302
100
Fonte: Arruda (2007).
A fim de mapear a trajetória dos alunos após a conclusão do ensino médio e
verificar sua disposição em concluir ou não o ensino técnico propusemos, durante
a aplicação dos questionários, que os discentes interessados em receber os dados
parciais da pesquisa e em participar de sua segunda etapa informassem, em uma
folha de papel que circulou pela sala, seu correio eletrônico. Para cada turma
criamos um grupo virtual com os endereços eletrônicos dos alunos, de forma que
os contatos eletrônicos fossem realizados por turma. Dos 240 correios eletrônicos
informados, 60 se encontravam desabilitados quando efetivamos nosso primeiro
contato, o que reduziu nosso universo para 180 alunos, dos quais 39
responderam as perguntas que lhe foram propostas
4
.
4
O primeiro contato por correio eletrônico com os alunos foi feito no final de março de 2007,
quando lhes enviamos os resultados parciais da pesquisa por escola e pedimos que informassem
sua data de nascimento, o curso técnico (se tinham concluído ou abandonado), se haviam passado
no vestibular e o que os havia motivado a fazer o curso técnico. As informações sobre a data de
nascimento e o curso foram solicitadas para que pudéssemos correlacionar o respondente do e-mail
com seu questionário. Nesse primeiro contato recebemos 14 respostas e percebemos que os alunos
lançaram mão de estratégias variadas para passar no vestibular, como aulas particulares, aulas de
resolução de exercícios, pontuação no Enem etc. No mês seguinte voltamos a entrar em contato
com os discentes por e-mail, reforçando que tal qual nos questionários sua participação seria
mantida em sigilo e destacando as informações que as respostas recebidas a aquele momento
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136
Para a tabulação dos dados ocupacionais dos pais e das mães
5
dos alunos
desenvolvemos uma tabela com base na Classificação Brasileira de Ocupações
(CBO) e na tabela Ocupação Principal do Imposto de Renda de 2000.
Posteriormente utilizamos, com adaptações, a estratificação socioocupacional
proposta por Paulo Jannuzzi (2003). Esta opção possibilitou um quadro mais
claro do perfil socioocupacional dos responsáveis pelos alunos. A Tabela 4
apresenta algumas das características atribuídas aos cinco estratos
socioocupacionais.
Tabela 4: Algumas ocupações típicas dos estratos socioocupacionais
Estrato
Socioocupacional
Características Ocupações Típicas
Alto Mais de 16 anos de escolaridade.
Baixo risco de desemprego.
Remuneração acima da média.
Médico, engenheiro, professor universitário,
empresários, gerentes e postos superiores
na administração pública (juízes,
promotores,delegados, oficiais das forças
armadas, etc.).
Médio-alto Em torno de 15 anos de
escolaridade.
Baixo risco de desemprego.
A remuneração equivale a
aproximadamente metade da do
estrato socioocupacional alto.
Chefes, supervisores, empregados
qualificados e técnicos especializados,
mestres e contramestres na indústria,
professores de ensino fundamental e médio,
corretores de imóveis, inspetores de polícia,
carteiros, comerciantes (proprietários) e
agricultores.
Médio Cerca de 11 anos de
escolaridade.
Exige qualificação.
Maior risco de desemprego.
Jornada de trabalho superior a
48 hs semanais.
Torneiro mecânico, montadores de
equipamentos elétricos, vendedores,
operadores de caixa, comerciantes conta-
própria, professores de ensino pré-escolar,
motoristas, inspetores de alunos, auxiliares
de enfermaria, auxiliares administrativos e
de escritório, policiais e praças das forças
armadas.
Médio-baixo Menos de 8 anos de
escolaridade.
Baixa qualificação
Alto risco de desemprego.
Jornada de trabalho estendida.
Precarização.
Ocupações da indústria de alimentos,
ocupações da indústria xtil, pedreiros,
pintores, garçons, vigias, porteiros,
estivadores, vendedores ambulantes.
Baixo Baixa escolaridade.
Alta precarização.
Trabalhadores rurais na condição de
empregados ou autônomos (produtores
meeiros ou parceiros), além das ocupações
urbanas de baixo status como de Serventes
de Pedreiro, Lavadeiras, Empregados
Domésticos e Lixeiros.
Fonte: Jannuzzi (2003).
indicavam. Mais 12 alunos responderam a nosso contato. O terceiro e último contato eletrônico
foi efetuado no mês de junho. Treze alunos responderam a este contato.
5
Utilizamos os termos pais e mães para nos referirmos a quaisquer responsáveis pelos alunos.
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137
Antes de nos debruçarmos sobre a análise dos dados dos alunos propomos
um desvio para uma rápida apresentação das escolas em que foram aplicados os
questionários.
5.2
As Escolas
A Escola 1
6
é uma escola privada, localizada na Zona Sul da Cidade do Rio
de Janeiro, que desde 1945, quando sua primeira sede foi inaugurada, se dedica à
educação profissional. O perfil atual desta escola data do início dos anos 80,
quando o criados cursos médios técnicos em sintonia com a nova base técnica e
cursos de curta duração nas áreas de programação e de análise de sistemas. A
Escola está instalada em um prédio especialmente projetado para seu
funcionamento, dispondo de laboratórios, auditório, quadra poliesportiva e
biblioteca. Seu objetivo é proporcionar a seus alunos uma formação que alie
sólida formação geral ao domínio do conhecimento científico e tecnológico
contemporâneo. Um percentual significativo de seu corpo docente é composto
por ex-alunos. A Escola 1 responde por 8,3% dos alunos da população alvo e sua
inclusão na pesquisa foi motivada por ser privada e atender a alunos vinculados às
camadas médias da população.
Vale salientar que o perfil dos alunos da Escola 1 não se sobressai na
pesquisa; o que se destaca é o perfil educacional e socioocupacional de seus
responsáveis. O percentual de pais e mães com nível superior completo é de 84%.
A Escola 2 funciona como uma unidade descentralizada
7
da rede federal de
educação tecnológica, se localiza na Baixada Fluminense e é nela que estuda a
maioria dos alunos pesquisados (55,3%). A Escola foi inaugurada em 2003 e
desde de 2004 oferece cursos de ensino médio, ensino médio técnico e de
graduação. Suas instalações foram especialmente projetadas para abrigá-la e
6
A numeração das escolas está relacionada à ordem de aplicação dos questionários.
7
As unidades descentralizadas da rede federal de educação tecnológica são escolas que possuem
sede própria, mas que mantêm dependência administrativa, pedagógica e financeira em relação à
escola à qual está vinculada.
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138
oferecem a seus alunos laboratórios, oficinas, auditório, anfiteatro, biblioteca,
quadras poliesportivas e um campo de futebol. Esta escola é a única instituição
em que não uma etnia predominante e onde o percentual de brancos (41,9%)
mais se aproxima do de pardos (39,5%). A maioria dos pais (68,3%) e das mães
(74,3%) da Escola 2 tem ensino médio completo
8
.
A Escola 3 pertence à mesma rede da Escola 2, mas difere desta em status
administrativo, pois funciona como uma autarquia federal. Ela se localiza na
região de Tijuca/Vila Isabel
9
da Cidade do Rio de Janeiro e está instalada em um
prédio adaptado que oferece a seus alunos laboratórios, biblioteca e quadra
poliesportiva. Seus alunos representam 36,4% da população alvo e formam o
grupo que apresentou maior homogeneidade em suas respostas se comparado com
os alunos das demais escolas. A maioria dos discentes desta escola se autodeclara
branco e pertencente à religião católica. Nas demais escolas não uma religião
predominante, o que os alunos têm em comum é o fato de professarem a mesma
religião de seus pais (74,8%).
Praticamente a metade dos pais (49,9%) da Escola 3 tem nível superior
completo. O percentual de mães da Escola 3 com nível superior é de 50,9%.
5.3
Alguns argumentos dos reformadores
A pesquisa de Suzana Burnier (2003) sobre a trajetória profissional de duas
gerações de técnicos de nível médio mostrou que a maioria dos egressos do ensino
técnico deu prosseguimento a seus estudos após alguns anos de sua inserção no
mercado de trabalho e que o movimento em direção ao ensino superior foi
motivado pela insatisfação com a remuneração recebida como técnico. Nesse
sentido, podemos dizer que para este grupo de técnicos o aumento de sua
8
Foram somados os percentuais do ensino médio e do ensino superior.
9
Esta classificação tem como base o Plano Estratégico II da Cidade do Rio de Janeiro proposto
pelo Poder Executivo Municipal que divide a Cidade em 12 regiões e que delineia 12 planos
estratégicos regionais de acordo com o diagnóstico efetuado em cada área. O Plano Estratégico II
pode ser consultado no sitio www.rio.rj.gov/planoestrategico (arquivo consultado em 09/12/2006).
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139
escolaridade foi tributário das condições objetivas do mercado de trabalho, que
remunera melhor os profissionais de nível superior.
Outro argumento que norteou a reforma, e que suscitou nosso
questionamento, é que não haveria interesse dos alunos das camadas médias pelo
ensino técnico ofertado pelas escolas técnicas federais. Efetuada a cisão, estes
alunos tenderiam a se dirigir para o ensino médio, deixando as vagas do ensino
técnico livres para serem ocupadas por alunos das camadas populares. Os dados
mostram que isto não ocorreu e que a maioria dos alunos optou por realizar o
curso técnico em concomitância interna com o ensino médio (84%). Mesmo os
alunos vinculados à escola técnica privada tiveram este posicionamento (100%), o
que espelha o interesse das camadas médias pelo ensino médio técnico.
Mas quem são esses alunos que optaram pelo ensino técnico? Qual seu
perfil sócio-econômico e cultural? As camadas populares foram beneficiadas pela
reforma do ensino médio técnico? Antes de tentarmos responder a estas questões é
importante elucidar mais alguns conceitos presentes no discurso pró-reforma
como o fato dos alunos das camadas dias pertencerem a uma elite que
inviabilizaria o acesso dos alunos das camadas populares às escolas técnicas
federais.
Ao nosso ver a associação das camadas médias com as elites é usada como
recurso de retórica para justificar o restabelecimento do sistema dual e apresentá-
lo como socialmente mais justo. Em um país marcado pela desigualdade social,
como questionar uma reforma de ensino que tem como pressuposto a ampliação
do acesso das camadas populares a um ensino médio técnico de qualidade que
potencialize suas chances no mercado de trabalho?
Ao associar as camadas médias às elites, Castro (2005) o promove a
homogeneização dos estratos médios, como estabelece uma dissociação entre este
estrato social e o trabalho manual, este último mais adequado às camadas
populares. À primeira vista essa concepção de trabalho não é desprovida de
sentido, pois espelha a própria desvalorização do trabalho na sociedade brasileira,
no entanto um olhar atento sobre as camadas médias revela que elas são
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140
heterogêneas e que há uma estratificação no seu interior que remete a posições
diferenciadas na estrutura social.
Gostaríamos de destacar que as camadas médias não atravessaram
incólumes os ajustes promovidos pelas políticas neoliberais e pela reestruturação
produtiva. A insegurança quanto ao futuro passa a fazer parte de seu cotidiano,
que o desemprego prolongado, antes associado a pessoas sem qualificação
profissional, começa a afetar indivíduos qualificados
10
. E isto ocorre em um
cenário em que as garantias associadas ao trabalho estão sendo questionadas e que
a expansão do nível de emprego tem privilegiado postos de trabalhos de baixa
remuneração
11
.
Como nossa pesquisa não teve o objetivo de identificar a estratificação no
interior das camadas médias, não podemos afirmar que percentual de alunos
pertence às camadas médias alta, médias ou médias baixa. Todavia, o perfil
ocupacional dos pais e das mães dos alunos nos leva a concluir que eles integram
o que Antunes (2002) define como classe trabalhadora ampliada, que a maioria
dos pais (76,5%) e das mães (64,9%) trabalham.
A classificação dos pais e das mães por estrato socioocupacional nos
permite traçar um perfil mais acurado de sua posição no mercado de trabalho. No
caso dos pais, um terço deles está vinculado ao estrato socioocupacional médio,
18,5% ao médio-alto e 17,5% ao alto. Somando o percentual de pais vinculados
aos estratos socioocupacionais médios e médio-alto, podemos dizer que a maioria
ocupa posições nos estratos socioocupacionais médios. O percentual de pais
aposentados é de 9,3%.
10
Ver Antunes (2002), Mèszáros (2002), Pochmann (2004, 2006, 2007).
11
Em sua análise sobre a política econômica dos anos 90, Pochmann (2006) destaca que os
trabalhadores brasileiros foram afetados não pelo desemprego, mas também pelo
dessalariamento. Os postos de trabalho criados neste período se caracterizavam pela precariedade
e pelos baixos salários. A partir de 1999 uma retomada do nível de crescimento do emprego
formal, mas sem que isto se reflita no padrão salarial. “Desde 1999, com a mudança do regime
cambial, a recuperação econômica foi acompanhada do crescimento do nível de emprego formal, o
que indica o quanto a expansão da economia pode gerar postos adicionais de trabalho com carteira
assinada. Deve-se considerar, no entanto, que 90% dos novos empregos criados têm sido com
remuneração de até dois salários mínimos mensais” (POCHMANN, 2006, p. 129).
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141
A taxa de desemprego entre os pais é de 4,3%. Um índice baixo se
levarmos em consideração que em 2006 a taxa de desocupação masculina, na
Região Sudeste, foi de 9,6% (IBGE, 2007).
Tabela 5: Estratificação socioocupacional dos pais por escola
Estrato
Socioocupacional Pais
Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Alto 60,0% 5,4%
26,4% 17,5%
Médio-alto 12,0% 18,0%
20,9% 18,5%
Médio 8,0% 42,5%
24,5% 33,1%
Médio-baixo 0% 4,8%
0,9% 3,0%
Baixo
0% 0% 5,5% 2,0%
Aposentado
16,0% 8,4%
9,1% 9,3%
Desempregado
0% 6,6%
1,8% 4,3%
Falecido
4,0% 1,2%
0,9% 1,3%
Não Trabalha
0% 6,6%
4,5% 5,3%
Não preencheu
0% 6,6%
5,5% 5,6%
Total
100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Arruda (2007).
A análise por escola nos permite perceber que o perfil socioocupacional dos
pais não é homogêneo. Enquanto 60% dos pais da Escola 1 estão vinculados a
ocupações típicas do estrato socioocupacional alto, na Escola 2 5,4% dos pais
estão neste patamar. O que se sobressai na Escola 2 é o estrato socioocupacional
médio (42,5 %). Já na Escola 3 não há um estrato sociocupacional que se
destaque: 26,4% dos pais estão no estrato sociocupacional alto, 20,9% no médio-
alto e 24,5% no médio.
Não obstante terem escolaridade similar a dos pais, a estratificação
socioocupacional das mães não espelha essa semelhança: 10,9% estão no estrato
socioocupacional alto, 22,2% no médio-alto, 21,9% no médio e 4,6% estão
aposentadas. O percentual de desemprego entre as mães é de 5,0%. Essa taxa é
inferior à taxa de desocupação feminina na Região Sudeste, apurada pela PNAD
2006, que é de 7,2% (IBGE, 2007).
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142
Tabela 6: Estratificação socioocupacional das mães por escola
Estrato
Socioocupacional Mães
Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Alto
48,0% 3,6% 13,6% 10,9%
Médio-alto
20,0% 21,6% 24,5% 22,2%
Médio
8,0% 26,9% 17,3% 21,9%
Médio-baixo
0% 1,8% 0% 1,0%
Baixo
0% 8,4% 4,5% 6,3%
Aposentado
4,0% 3,6% 6,4% 4,6%
Desempregado
4,0% 6,0% 3,6% 5,0%
Falecido
4,0% 0% 0% 0,3%
Não Trabalha
12,0% 25,7% 24,5% 24,2%
Não preencheu
0% 3,0% 5,5% 3,6%
Total
100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Arruda (2007).
O exame por escola nos permite verificar que a Escola 1 apresenta o maior
percentual de mães que trabalham (76%) e que nas demais escolas o percentual de
mães empregadas gira em torno de 60%.
No que diz respeito à renda familiar a Tabela 7 pode ser lida como um
espelho da representação que os alunos têm da renda de seus pais, posto que
durante a aplicação dos questionários pudemos constatar que alguns discentes não
tinham uma idéia exata da renda mensal de sua família, muito menos do valor do
salário mínimo nacional
12
.
Com base nos dados computados, podemos afirmar que não há uma faixa de
renda predominante e que enquanto um terço dos alunos declara renda familiar de
5 a 10 salários mínimos (SM), um quarto informa renda familiar entre 3 e 5 SM.
A partir da faixa de renda de 15 SM os percentuais tendem a decrescer. Os alunos
com renda familiar de até 3 SM perfazem 12,3% da população alvo.
Tabela 7: Renda familiar
Renda mensal da família %
Mais de 20 salários mínimos 4,6
15 a 20 salários mínimos 6,3
10 a 15 salários mínimos 15,9
12
Em setembro de 2006 o salário mínimo nacional estava afixado em R$ 350,00.
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143
5 a 10 salários mínimos 33,1
3 a 5 salários mínimos 25,8
Até 3 salários mínimos 12,3
Não preencheu 2,0
Total
100
Fonte: Arruda (2007).
Mas independente da faixa de renda e do perfil socioocupacional de pais e
mães, a pesquisa constatou que a maioria dos alunos está vinculada a famílias que
dependem da venda de sua força de trabalho para sobreviver, o que seguramente
os distancia da definição clássica de elite
13
. Não queremos com isso negar que se
comparados aos integrantes das camadas populares estes alunos não só detêm uma
posição econômica superior, como um capital cultural que favorece um
desempenho escolar satisfatório. Contudo isto não elide a inadequação do uso do
termo elite para designá-los.
As escolas técnicas federais não são e nunca foram escolas de elite, não por
serem públicas, mas por terem como proposta uma formação para o trabalho, o
que, independente das aspirações de seus alunos, vai estabelecer uma socialização
diversa da proposta pelas escolas de elites. O uso deste termo parece estar mais
relacionado à tentativa de afirmar a rede de escolas técnicas federais como uma
instituição escolar que não transmite uma formação inadequada, como também
é freqüentada por alunos inapropriados.
13
Bottomore (1965) assevera que as elites não formam um todo homogêneo. Elas são compostas
por diferentes grupos sociais. O que parece caracterizá-las é sua suposta supremacia sobre os
outros estratos sociais. Em sua gênese as teorias de elites tiveram como norte o questionamento
dos anseios democráticos que surgiram no final do século XIX, os quais eram vistos como uma
passagem para o socialismo. Nesse sentido, o conceito de elite também está relacionado com a
afirmação das diferenças individuais como um contraponto às reivindicações de igualdade e com a
afirmação da superioridade de alguns ou mesmo de um grupo social sobre o outro, de forma a
delimitar os limites da possibilidade de realização das reivindicações populares. A sociedade
estaria dividida entre aqueles que compõem a elite e aqueles que o a integram: as massas. Mas
como conciliar uma concepção que prevê, ou melhor, aceita o predomínio de uma minoria sobre o
restante da população com a democracia? Pelo esvaziamento do conceito de democracia e pela
incorporação do lema liberal de igualdade de oportunidades e de mérito individual. É o mérito que
vai respaldar o lugar a ser ocupado pelo indivíduo na estrutura social. As teorias de elite
referendam a desigualdade ao defender que a existência de elites é natural e se apresenta em todas
as sociedades; assim naturalizam a existência de dominados e dominadores, que estes últimos
estariam mais bem preparados para conduzir a sociedade. Aos dominados caberia a possibilidade
aberta pela democracia representativa de se manifestarem periodicamente nas eleições. É neste
contexto que a teoria das elites se harmoniza com esta forma limitada de democracia.
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144
As elites, no sentido clássico do termo, constroem todo um aparato
sociocultural que visa a reproduzir seu modo de vida e a consolidar sua visão de
mundo entre seus pares. O ingresso em escolas exclusivas tem como objetivo
proporcionar aos herdeiros a socialização entre iguais e o desenvolvimento e o
fortalecimento do padrão de gosto de sua classe social, do habitus sociocultural
que os distinguem das demais classes sociais. Os próprios professores e diretores
dessas escolas têm laços estreitos com esse grupo social, muitos estudaram em
escolas desse tipo e orbitam o universo restrito das elites
14
.
O pecado original das escolas técnicas federais parece ter sido a associação,
bem sucedida, que realizaram entre formação geral e formação para o trabalho,
uma formação que permite a seus alunos autonomia na articulação dos
conhecimentos recebidos. Como não estão restritos, pela educação que receberam,
exclusivamente à prática do trabalho, eles possuem autonomia intelectual para ir
além, caso desejem. E a maioria deseja: 48,7% dos alunos da população alvo
pretendem cursar a universidade; já 44% têm planos de trabalhar e cursar a
universidade.
É importante salientar que este desejo não opera no vácuo, mas é fruto da
interação familiar. Mais de 75% dos alunos têm alguém da família acompanhando
de perto sua vida escolar; 65,9% afirmam que os pais ou responsáveis sempre
conversam sobre a continuidade de seus estudos e 87,8% reportam que sua futura
profissão é um tema constante no diálogo familiar.
A escolaridade dos pais e das mães, acima da média da dos trabalhadores
brasileiros, talvez explique sua interação com o desempenho escolar de seus
filhos. Os dados mostram que 80,1% das mães e 76,1 % dos pais concluíram o
ensino médio. Nestes índices incluímos as mães (40%) e os pais (37,7%) com
ensino superior completo. As Tabelas 8 e 9 apresentam a escolaridade de pais e
mães por escola.
Na Tabela 8 podemos verificar que o ensino superior completo predomina
entre os pais da Escola 1 e que quase metade dos pais da Escola 3 concluiu este
14
Ver Almeida & Nogueira (2002).
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145
nível de ensino. Na Escola 2 a escolaridade que se destaca entre os pais é o
ensino médio (45,5%).
Tabela 8: Escolaridade dos pais por escola
Escolaridade Pais Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Não estudou
0%
1,8%
0%
1,0%
Ensino Fundamental
incompleto 0%
12%
4,5%
8,3%
Ensino Fundamental
4%
15,6%
10%
12,5%
Ensino Médio
12%
45,5%
33,6%
38,4%
Ensino Superior
84%
22,8%
49,9%
37,7%
Não preencheu
0%
1,8%
1,8%
1,7%
Não sabe
0%
0,6%
0%
0,3%
Total 100%
100%
100%
100%
Fonte: Arruda (2007).
Podemos observar na Tabela 9 que a escolaridade das mães mostra
similaridade com o padrão de escolaridade dos pais. Enquanto na Escola 1 84%
das mães têm nível superior, na Escola 3 este percentual é de 50,9%. Na Escola 2
o nível de escolaridade que se sobressai entre as mães é o secundário (47,9%). Se
pensarmos na localização geográfica dessas escolas, veremos que a escola
privada, localizada na Zona Sul, tem um percentual expressivo de mães com nível
superior e que pouco mais de um quarto das mães da escola da Baixada
Fluminense completou este nível de ensino.
Tabela 9: Escolaridade das mães por escola
Escolaridade Mães Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Não estudou 0%
0%
0,9%
0,7%
Ensino Fundamental
incompleto
0%
10,8%
7,2%
8,7%
Ensino Fundamental 4%
13,2%
5,4%
9,6%
Ensino Médio 12%
47,9%
34,6%
40,1%
Ensino Superior 84%
26,4%
50,9%
40,0%
Não preencheu 0%
1,2%
0,9%
1,0%
Total
100%
100%
100%
100%
Fonte: Arruda (2007).
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146
O terceiro argumento dos reformadores que queremos questionar é o que
associa o (re)estabelecimento de um sistema de ensino dual ao respeito e ao
reconhecimento das diferenças individuais e à democratização do acesso das
camadas populares à rede federal de ensino técnico. Nos parece que o
reconhecimento das diferenças individuais longe de estar relacionado a uma
concepção do ser humano como plural e portanto portador de diferentes
possibilidades, se associa à condição sócio-econômica do aluno, uma vez que tem
como limite a formação para o trabalho. Se a questão é pensar estratégias que
possibilitem alternativas àqueles que não m interesse por uma trajetória
educacional mais consistente ou que têm uma trajetória educacional fragmentada,
por que não pensar opções outras que não uma formação estrita para a produção?
Por que não formar também para a arte e para a cultura?
Os defensores do sistema dual afirmam que este se alicerça no
reconhecimento das diferenças individuais e dos problemas enfrentados pelos
jovens em desvantagem social em seu percurso escolar. Um sistema de ensino
que permitisse diferentes percursos formativos e que se articulasse com a
educação profissional seria a solução ideal tanto para aqueles que não dispõem de
condições econômicas para continuar na escola, quanto para os que apresentam
um desempenho escolar insatisfatório.
Essa concepção de educação reconhece a desigualdade social, mas não
opera para sua superação, pelo contrário, ela a referenda ao pressupor que como
nasceram pobres, os alunos devem ser preparados, desde jovens, para ocupar seu
lugar na estrutura social. Há, na verdade, uma clara inversão, pois o se trata de
democratizar o sistema de ensino, melhorando a qualidade do ensino público e
possibilitando a todos, caso queiram, competir pelas vagas de uma escola técnica
federal, mas naturalizar a ineficiência do ensino fundamental público e tentar
determinar a trajetória educacional de seus egressos.
O debate sobre o que seria uma educação adequada aos pobres, ou melhor,
do quantum de educação é preciso desprender para os pobres não é recente, muito
menos exclusivo do Brasil. No caso brasileiro ele parece se apresentar sob
diferentes formas nas diversas reformas educacionais realizadas no último século,
sem realmente incorporar os pobres à estrutura do sistema público de ensino. Ele
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147
se revela na forma parcial e limitada como propostas progressistas do campo da
educação são incorporadas, transformando-as quase sempre em um arremedo de
Frankenstein, tal a hibridização a que os conceitos são submetidos.
E mesmo quando as barreiras físicas são desmontadas (expansão de
matrículas), outras são erguidas. Hoje nos deparamos com barreiras
socioculturais (exclusão branda) que procuram formas de ofertar um ensino
adequado aos despossuídos, de modo a lhes permitir aprender o suficiente para
que se tornem bons cidadãos, cientes de suas obrigações e deveres, e capazes de
garantirem sua sobrevivência através de alguma atividade lícita geradora de renda.
Tomemos por exemplo o discurso do Presidente Lula no lançamento do
Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE), no qual assevera que o
Programa é fruto da reflexão política de que melhorando a educação poder-se-ia
resolver todos os problemas do Brasil. O presidente enfatiza que a melhoria da
qualidade do ensino não está atrelada exclusivamente à liberação de verbas, mas
também à mobilização da sociedade “em prol de um ensino público transformador
e de qualidade” (SILVA, 2007, p. 3). Sua fala embute a promessa de que as
condições objetivas do país podem ser alteradas através da educação,
proporcionando aos jovens um futuro consistente:
Eu o anuncio [o PDE] como o Plano mais abrangente já concebido neste País para
melhorar a qualidade do sistema público e para promover a abertura de
oportunidades iguais em educação. Eu vejo nele o início do novo século da
educação no Brasil. Um século capaz de assegurar a primazia do talento sobre a
origem social e a prevalência do mérito sobre a riqueza familiar. O século de uma
elite da competência e do saber, e não apenas de uma elite do berço ou do
sobrenome (SILVA, 2007, p. 1).
Vale lembrar quena década de 30 Sérgio Buarque de Holanda (1991) nos
alertava sobre os pedagogos da prosperidade, os quais viam na alfabetização do
povo o caminho para a modernização do país. Segundo ele a adoção do
liberalismo e da democracia não significou, entre nós, o desenvolvimento de
valores liberais e democráticos, mas sim a vestimenta de uma capa de
modernidade que afastava, pelo menos no nível do discurso, nossas elites de suas
raízes patrimoniais, semifeudais e rurais e do mesmo modo a distanciava do povo,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410354/CA
148
analfabeto e mestiço
15
, espelho de uma realidade social que não se queria
transformar, apesar de incômoda. É neste contexto que a alfabetização do povo foi
vista como um caminho para a garantia de um futuro melhor para as classes
populares e para o país.
Mais de setenta anos depois a educação continua a ser apontada como um
caminho para um futuro melhor. Só que agora vinculada a um cenário de
insegurança e instabilidade que se quer afirmar como natural. Não queremos com
isto negar os ganhos que a ampliação do acesso à educação trouxe para a
população, mas salientar que esta ampliação, por si só, não tem como equacionar
problemas que na realidade são estruturais.
Os avanços das camadas populares e das camadas médias no campo da
educação se deram nas brechas abertas pelas contradições do movimento de
expansão (de matrículas) e de restrição (de recursos) e não em conseqüência de
um projeto de educação direcionado à inserção das camadas subordinadas ao
sistema público de ensino. Um exemplo disso é que o sistema de ensino se
torna um sistema de massa nos anos 90 por imposição do capital. E mesmo assim
desprovido de uma infra-estrutura que lhe possibilite transmitir um ensino de
qualidade .
15
José Murilo de Carvalho (2002) salienta que o deslumbramento frente à exuberância dos recursos
naturais do Brasil não se transferiu para a visão que as elites nacionais desenvolveram sobre o
povo brasileiro. A ciência racista da segunda metade do século XIX não como promissor o
desenvolvimento de um povo miscigenado. Na realidade houve até quem aventasse a possibilidade
de que a miscigenação levaria ao desaparecimento da população. É neste contexto que a imigração
européia surge como resposta, ou melhor, como salvação, para um povo condenado. Era a
oportunidade de colocar a maior distância possível entre o Brasil Estado-Nação, vértebra de
Portugal, e o Brasil selvagem, que primeiro foi habitado por grupos indígenas, alguns deles
canibais, e mais tarde povoado por negros escravos trazidos da África. Este Brasil selvagem seria
habitado por uma população de segunda classe, abaixo das potencialidades naturais do país. O
cientificismo racista só será posto na berlinda pelas atrocidades cometidas em nome da supremacia
racial durante a Segunda Grande Guerra. Neste contexto a miscigenação brasileira deixa de ser
um problema e passa a ser um modelo a ser apresentado e divulgado ao mundo. “Ainda assim, a
eliminação das imagens negativas vinculadas a fatores raciais não significou o desaparecimento da
auto-imagem negativa ou, pelo menos, de uma imagem que contrasta intensamente com a auto-
imagem americana” (CARVALHO, 2002, p. 65). É importante destacar que aqui, diversamente
dos Estados Unidos da América, não foi necessário tomar nenhuma medida legal que impedisse a
inserção política e econômica dos negros após a abolição da escravidão, posto que antes deste ato
os negros foros haviam demonstrado ter incorporado pelos anos de escravidão seu lugar na
estrutura social. Esta aceitação e o comportamento social que gerava tranqüilizava as elites. “Os
escravos recém-libertados ingressaram numa estrutura social multirracial e paternalista que há
muito ensinara aos homens de cor livres os hábitos da submissão no relacionamento com
empregadores e superiores sociais em geral” (SKIDMORE, 1994, p. 106-107).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410354/CA
149
A recusa em se analisar as causas concretas do problema educacional
brasileiro a desigualdade social e o descomprometimento com sua superação
parece aprofundá-lo, principalmente em um cenário de uso decrescente da força
de trabalho. Entretanto, este quadro não inibe as pressões do empresariado
brasileiro e de sua intelligentsia em prol de uma pedagogia de resultados
16
que
eleve a escolaridade do trabalhador brasileiro e lance as bases de uma cidadania
esvaziada da ação política.
Governo e empresários parecem se unir em torno de uma noção
instrumental de educação, fortemente influenciada pela teoria do capital humano,
em que o crescimento econômico do país é vinculado à melhoria dos índices
educacionais. A contradição é que a implementação desse modelo de ensino não
restringe somente as expectativas futuras dos indivíduos, mas as do próprio país, à
medida que não se erguem os alicerces necessários para ampliar o percentual de
indivíduos aptos a desenvolverem um conhecimento endógeno. Como o sistema
público de ensino responde por mais de 80% das matrículas do ensino dio,
podemos depreender os efeitos deletérios se tal concepção de educação não for
revista.
Ao deslocar para o saneamento dos problemas educacionais a resolução das
tensões e problemas da realidade atual, o Governo Lula não só procura criar uma
fé quase que metafísica no futuro e na educação, como abdica do encaminhamento
de alternativas efetivas para a superação da desigualdade social. Essa opção
política não nadifica a realidade, como esvazia a discussão e o enfrentamento
de problemas concretos que não pertencem somente ao campo da educação.
O que os reformadores se recusaram a enfrentar, e o governo Lula parece
acompanhá-los, é que a crise não é exclusiva do campo da educação, muito menos
do ensino médio técnico, mas dos fundamentos da própria sociedade brasileira.
Como um país campeão em desigualdade social pode supor que seu sistema de
ensino não espelhe essa fratura social?
16
Este termo é de Savianni (2007).
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150
A recusa em (re)pensar o sistema de ensino público brasileiro para além dos
limites estreitos da produção não se deve a nenhuma estratégia perversa de negar
às classes populares uma educação consistente, mas a uma visão de mundo que
não contempla outras alternativas para os pobres que não a formação estrita para o
trabalho. Nesse sentido, quando figuras expressivas do empresariado nacional
vão à mídia e se integram a projetos em defesa de uma educação pública de
qualidade, elas na realidade estão defendendo o sua visão de mundo, como
também sua solução para a pobreza do país: educação a panacéia dos problemas
socioeconômicos brasileiros.
A democracia pressupõe que todos os grupos sociais expressem sua visão de
mundo e defendam seus interesses. Sob esta ótica a defesa do empresariado
nacional e de sua intelligentsia por um sistema público de ensino afinado com
seus interesses faz parte do jogo democrático. O problema ocorre quando se
estabelece uma correlação de forças desiguais, em que um grupo consegue impor
a toda a sociedade, sem debate e passando por cima do consenso, sua noção do
que seria um sistema de educação profissional adequado e o governo não só
encampa essa idéia na forma de política pública, como também a vinculação que é
feita entre educação e desigualdade social. Frente a este quadro, mais do que um
novo programa de educação, é necessário que a sociedade defina que tipo humano
deseja formar. Sem esta reflexão qualquer projeto de ensino se esvazia de sentido,
dada a contradição que se instala entre uma concepção de educação que, se na
aparência busca contemplar o ser humano, em sua essência quer responder à lei
férrea da competitividade.
5.4
O Perfil dos alunos
O perfil dos alunos de nossa pesquisa difere do padrão das escolas públicas
brasileiras, não porque a maioria dos discentes está completando o ensino
médio na faixa etária considerada ideal, 17-18 anos (87,4%), como porque
desconhece a experiência da reprovação no ensino fundamental (87,7%). Dos
alunos pesquisados 68,9% cursaram o ensino fundamental em escolas privadas,
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151
14,6% em escola pública e os demais alunos, em algum momento de sua trajetória
escolar, freqüentaram a escola pública, como podemos constatar na Tabela 10.
Tabela 10: Ensino Fundamental
Ensino Fundamental Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Todo em escola pública 0% 16,2%
15,5% 14,6%
Todo em escola privada 100% 62,9%
70,9% 68,9%
A maior parte em escola
pública
0% 8,4%
3,6% 6,0%
A maior parte em escola
privada
0% 8,4%
4,5% 6,3%
Metade em escola
pública e metade em
escola privada
0% 4,2%
5,5% 4,3%
Total 100% 100%
100% 100%
Fonte: Arruda (2007).
O exame por escola nos permite observar que nenhum dos alunos da Escola
1 estudou em escola pública. A análise bivariável revela que a opção dos pais em
matricularem seus filhos em uma escola privada no ensino fundamental se em
todas as faixas de renda, sendo que percentualmente esta escolha é mais acentuada
nas faixas de renda mais elevadas.
A maioria dos alunos é do sexo feminino (54,3%), se auto-declara branco
(a) (54%), reside na cidade do Rio de Janeiro (56%), participou do Enem no ano
em que a pesquisa foi realizada (83,8%) e está cursando o ensino médio em
concomitância interna com o ensino técnico (84,4%). Os dados mostram que não
uma religião predominante entre os discentes, os católicos perfazem 39,4%,
seguidos dos evangélicos (24,8%), espíritas (8,9%) e dos sem religião (8,6%). A
análise bivariável mostra que o sexo feminino predomina em todas as escolas.
Os alunos residem predominantemente na cidade do Rio de Janeiro (56%),
mas não uma região que se destaque. Os que moram na Baixada Fluminense
representam 39,1% da população alvo e os que residem em Niterói/São Gonçalo
4,6%.
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152
Tabela 11: Distribuição dos alunos por local de residência
17
Onde você reside Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Centro
0% 0% 3,6% 1,3%
Zona Sul
72,0% 0% 9,1% 9,3%
Tijuca / Vila Isabel
8,0% 1,8% 16,4% 7,6%
Grande Méier
4,0% 0% 22,7% 8,6%
Leopoldina
4,0% 3,6% 7,3% 5,0%
Ilha do Governador
0% 0,0% 5,5% 2,0%
Irajá
0% 6,0% 4,5% 5,0%
Zona Norte
0% 10,2% 3,6% 7,0%
Barra da Tijuca
0% 0,0% 3,6% 1,3%
Jacarepaguá
12,0% 4,8% 5,5% 5,6%
Campo Grande
0% 1,2% 0,9% 1,0%
Bangu
0% 3,0% 2,7% 2,6%
Baixada Fluminense
0% 68,9% 2,7% 39,1%
Niterói / São Gonçalo
0% 0,6% 11,8% 4,6%
Total
100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Arruda (2007).
Podemos observar na Tabela 11 que os alunos da Escola 1 residem
predominantemente na Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro e os da Escola 2 na
Baixada Fluminense. Os alunos da Escola 3 afluem de todas as regiões da cidade.
Metade dos alunos (50%) vive em residências com 2 quartos e 43,7% vivem
em casa com 3 ou mais quartos. Na casa da maioria dos alunos (58,3%) não
trabalha nenhuma empregada doméstica, 17,5% das famílias conta com uma
empregada todos os dias, 12,6% com uma diarista uma ou duas vezes por semana
e 9,3% com uma faxineira uma ou duas vezes por mês. Somente 1,3% das
famílias empregam mais de uma empregada doméstica.
Os alunos o são leitores expressivos, 53,9%
18
leram mais de três livros
durante o ano em que a pesquisa foi realizada e as obras literárias de ficção são as
preferidas (54,3%). No que tange a disponibilidade de livros nas residências, não
um padrão predominante, mas de um modo geral verifica-se a existência de
livros. É interessante notar que se o número de livros em casa aumenta conforme
17
Para a Cidade do Rio de Janeiro adotamos a divisão por regiões proposta pelo Plano Estratégico
II da Cidade do Rio de Janeiro. Este Plano está disponível em
<www.rio.rj.gov.br/planoestrategico>. Acesso em 09 dez. 2006.
18
Este percentual corresponde à soma dos alunos que leram entre 3 e 5 livros (31,1%) e os que
leram mais de 5 livros (22,8%).
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153
a elevação da renda familiar, a quantidade de livros lidos pelos alunos não segue a
mesma lógica. Não uma faixa de renda que se destaque na leitura. Na análise
por gênero as alunas se sobressaem.
A televisão aparece como o principal canal de informação dos alunos
(42,1%), seguida da Internet (31,5%) e dos jornais (10,9%). No que diz respeito a
atividades de lazer, os dados revelam que algumas atividades são comuns à
maioria dos jovens como shopping centers (83,8%), festas/casas de amigos
(72,8%), cinema e/ou teatro (64,9%), bares e restaurantes (57,3%),
praias/parques/praças/clubes esportivos (52%).
Outras atividades como eventos esportivos, museus e centros culturais,
shows e danceterias mostram maior dispersão e atividades, como o baile funk,
que são praticadas por uma minoria. Só 20,2% dos alunos já esteve em um evento
deste tipo. A freqüência a templos religiosos ocupou 48,7% dos alunos mais de 4
vezes durante os doze meses que antecederam a pesquisa.
No universo digital o orkut emerge na preferência dos alunos (85,1%). O
exame bivariável por faixa de renda mostra que os alunos de todas as faixas de
renda participam do orkut. A análise bivariável por gênero do mesmo modo
revelou participação expressivas de alunas (82,3%) e alunos (88,4%).
No que diz respeito ao clima escolar, para a maioria dos alunos sua escola é
um local onde fazem amigos facilmente (91,7%), onde ficam à vontade (90,4%) e
no qual se sentem integrados (91,1%). Vale registrar que 22,8% dos alunos
reportam ficar entediados/chateados na escola e que 18,9% não gostam de estudar
em sua escola. É claro que estes dados não elidem o fato de que a maioria dos
alunos tem uma representação positiva de sua escola. Aparentemente o ambiente
escolar e as relações sociais que este propicia predominam sobre a relação dos
alunos com os estudos, mas sem afetá-la.
Não um consenso quanto ao balanço que os alunos fazem da escola:
39,1% consideram que valeu a pena o esforço que fizeram para entrar aqui,
14,6% recomendam a escola a amigos, 12,3% afirmam que a escola os habilitou
para o mercado de trabalho e 8,3% acreditam que a escola os preparou para o
vestibular. De modo geral os discentes destacam aspectos positivos de sua escola.
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154
No que tange aos alunos que têm uma avaliação negativa da escola, 5%
assinalaram que se pudessem voltar atrás escolheriam outra escola e 11,9% que
sua escola não é tão boa quanto eles esperavam.
As respostas à pergunta Qual a principal razão que os levou a fazer o curso
técnico? não nos permitem identificar uma posição predominante. As três
respostas que se destacam são: para ter uma outra opção se não conseguir passar
no vestibular (43,2%); quero ser técnico (26,1%) e por influência da família
(19,5%). Ao que parece, a preocupação em passar no vestibular e o conseqüente
acesso ao nível superior foi um espectro que se apresentou muito cedo na vida de
parte destes jovens, fazendo-os tentar garantir uma profissionalização precoce
frente à incerteza do futuro.
Ao correlacionarmos as razões que levaram o aluno a optar pelo curso
técnico com a renda familiar, verificamos que a opção pelo curso técnico como
alternativa ao insucesso no vestibular é majoritária entre os alunos com renda
familiar até 5 salários mínimos. Nas demais faixas de renda essa preocupação
permanece, mas diminui percentualmente. Na análise bivariável o ensino técnico
aparece como razão para escolha da escola em todas as faixas de renda, com
percentuais superiores a 80%. O mesmo ocorre no exame por gênero: 87,7% dos
alunos e 87,2% das alunas levaram o ensino técnico em consideração quando da
escolha de sua escola.
Apesar de 43,2% dos alunos terem reportado que a opção pelo curso técnico
foi decorrente do receio de não serem aprovados no vestibular, a aprovação no
vestibular não aparece como o principal motivo que norteou a escolha da escola e
sim sua representação de prestígio na sociedade (96%). Entre os fatores que
nortearam sua decisão, destacamos, ainda, a oferta de ensino técnico (87,4%), o
ensino gratuito (85,8%), o ensino dio (84,4%), o método de ensino (80,8%), a
boa formação cultural (79,8%) e a boa aprovação no vestibular (69,5%). A
recomendação de amigos, a localização da escola e as relações sociais não foram
levadas em consideração pela maioria dos alunos.
A oferta de ensino gratuito é apontada por grande parte dos alunos, em todas
as faixas de renda, como um fator importante na escolha de sua escola. A análise
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410354/CA
155
bivariável por faixa de renda mostra que se na faixa de até 3SM todos os alunos
assinalaram a gratuidade (100%), nas demais faixas este percentual vai
diminuindo conforme a renda familiar aumenta, nesse sentido a gratuidade foi
importante para 89,7% dos alunos com renda mensal entre 5 e 10 SM, 83,3% dos
alunos com renda mensal entre 10 e 15 SM, 63,2% dos alunos com renda mensal
entre 15 e 20SM e 57% dos alunos com renda familiar acima de 20SM. A
correlação por gênero revela que o ensino gratuito pesou mais sobre a decisão dos
alunos (89,1%) do que das alunas (82,9%).
De um modo geral os alunos têm um balanço positivo do ensino técnico e
da experiência da concomitância interna, mesmo os que não pretendem seguir a
profissão (21,5%). Este posicionamento o se altera quando analisado por faixa
de renda e gênero. É importante salientar que somente 7,9% dos alunos
destacaram a carga horária como um fator negativo da concomitância interna e
que 18,5% afirmaram que o ensino médio deixou a desejar.
O exame da Tabela 12 mostra que os alunos das Escolas 1 e 3 têm uma
avaliação mais positiva da concomitância do que os alunos da Escola 2 e que
quase um terço dos alunos dessa escola afirma que o ensino médio deixou a
desejar. Percentualmente são os alunos da Escola 3 que mais se ressentem da
carga horária da concomitância.
Tabela 12: Avaliação da concomitância por escola
A concomitância valeu a pena? Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Sim, o ensino técnico me deu
outra perspectiva...
52,0% 34,7% 50,0% 41,7%
Sim, mesmo não pretendendo
seguir esta profissão
40,0% 19,8% 20,0% 21,5%
Não, se tivesse feito só o ensino
médio teria aprofundado
4,0% 4,8% 1,8% 3,6%
Não, o ensino médio deixou a
desejar.
4,0% 32,3% 0,9% 18,5%
Não, a carga horária é pesada e
deixei de fazer cursos e
atividades (...)
0,0% 1,8% 19,1% 7,9%
Só faz o ensino médio 0,0% 6,0% 7,3% 6,0%
Não preencheu 0,0% 0,6% 0,9% 0,7%
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Arruda (2007).
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156
Dos 68 alunos que desistiram do curso técnico, 44,1% asseveram que o
fizeram por não gostar do curso e 10,3% pela falta de tempo para estudar.
Percentual igual abandonou o curso para se dedicar a outras atividades e 8,8%
desistiram em virtude da falta de qualidade e de estrutura da escola (laboratórios).
Somente um aluno indicou o custo com passagem e alimentação como motivo de
sua desistência.
No que diz respeito a distribuição dos alunos pelos cursos técnicos,
podemos afirmar que não um curso que se sobressaia isoladamente em número
de alunos. Os cursos que se destacam percentualmente são os de Enfermagem
(18,2%), Informática (15,9%), Eletromecânica (13,6%), Química Industrial
(11,2%) e Biotecnologia (10,5%).
Tabela 13: Cursos técnicos oferecidos pelas escolas
Cursos técnicos Escola 1
Escola 2
Escola 3
Total
Alimentos
---------
---------
14,8%
5,0%
Bioquímica
---------
---------
1,1%
0,4%
Biotecnologia
32,0%
---------
21,6%
10,5%
Comunicação
Social
28,0%
---------
---------
2,7%
Eletrônica
20,0%
---------
---------
1,9%
Eletromecânica
---------
24,1%
---------
13,6%
Eletrotécnica
19
---------
0,7%
---------
0,4%
Enfermagem
---------
32,4%
---------
18,2%
Farmácia, Técnico
---------
---------
18,2%
6,2%
Informática
---------
28,3%
---------
15,9%
Meio Ambiente
---------
---------
11,4%
3,9%
Programação
20,0%
---------
---------
1,9%
Química Industrial
---------
---------
33,0%
11,2%
Telecomunicações
---------
14,5%
---------
8,1%
Total
100,00%
100,00%
100,00%
100,00%
Fonte: Arruda (2007).
19
Este aluno cursa o ensino técnico em outra escola. Na Escola 2 ele está matriculado no
ensino médio.
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157
Ao agruparmos os cursos por área profissional, como o estabelecido pelas
diretrizes curriculares nacionais para educação profissional de nível cnico,
verificamos que a área de Química se destaca com 33,3% dos alunos. A seguir
temos a área de Indústria com 23,6%, a de Saúde com 18,2% e a de Informática
com 17,8 %. A preponderância da área de Química é explicada pela concentração
de cursos que a Escola 3 tem nessa área.
Tabela 14: Áreas profissionais
Áreas %
Comunicação 2,7
Indústria 23,6
Informática 17,8
Meio Ambiente 3,9
Química 33,3
Saúde 18,2
Total 100
Fonte: Arruda (2007).
Não obstante o destaque da área de Química, é possível verificar que áreas
profissionais tradicionalmente vinculadas ao setor de serviços começam a se
destacar nas escolas técnicas. As áreas de saúde e de informática são um exemplo
dessa mudança, somadas elas representam 36% dos alunos.
De modo geral, a grade de cursos oferecida pelas escolas engloba pelo
menos duas áreas profissionais. A Escola 3 é a que oferece maior variedade de
cursos, seis, contudo a maioria se concentra em uma única área profissional. Os
quatro cursos da grade da Escola 1 remetem a áreas profissionais diferentes, a
Escola 2 oferece cinco cursos em quatro áreas profissionais distintas e é a única
que oferece curso na área de saúde.
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158
5.5
A Representação dos alunos de educação e de trabalho
Quase todos os alunos concordam com as frases a educação é importante
para ter sucesso na vida (99%)
20
e a educação amplia os horizontes e as opções
de vida de uma pessoa (98,7%)
21
. Eles associam, ainda, uma escolaridade
prolongada a uma remuneração melhor (83,4%)
22
e a oportunidades de sucesso.
Ao correlacionarmos as respostas sobre educação com a renda familiar dos
alunos, constatamos que a associação entre educação e sucesso se apresenta em
todas as faixas de renda, contudo ela é menor entre os alunos que reportam renda
familiar superior a 20 SM. A análise por gênero mostrou que entre as alunas essa
associação é mais forte do que entre os alunos. O percentual de alunas que
concorda totalmente com a afirmação de que a educação é importante para ter
sucesso na vida é de 88, 4%, contra 81,2% dos alunos.
A opção de manter a concomitância interna pode estar relacionada com a
representação meritocrática que os alunos têm de educação. O grau de valorização
que os alunos atribuem à educação pode ser dimensionado por sua rejeição tanto à
afirmação que atribuiu o sucesso mais a sorte do que a escolaridade (73,5%),
quanto a que assevera ser mais importante conhecer alguém influente (bem
relacionado) do que estudar muito (79,1%)
23
. Mas, se associam a educação a um
futuro melhor, o ato de estudar é visto mais como um meio para conseguir fazer o
que realmente querem no futuro (48,3%) do que como algo prazeroso (28,5%).
20
Enquanto 85,1% dos alunos concordam totalmente com esta afirmação, 13,9% apenas
concordam.
21
Dos alunos pesquisados 78,8% concordam totalmente com a afirmação educação é importante
para ter sucesso na vida, 19,9% concordam com a mesma afirmação.
22
Enquanto 42,4% dos alunos concordam totalmente com a afirmação de que quem tem maior
escolaridade (...) ganha mais” , 41,1% concordam com a mesma afirmação.
23
O exame por faixa de renda também mostra que a maioria dos alunos discorda da afirmação é
mais importante conhecer alguém influente (bem relacionado) do que estudar muito; contudo
nota-se que a discordância é maior nas faixas de renda mais baixa, tendendo a se atenuar conforme
a elevação da renda. Enquanto 91,9% dos alunos com renda familiar até 3 SM discordam dessa
assertiva, na faixa de renda de 15 a 20 SM o percentual é de 73,7% e na de mais de 20SM o
ultrapassa 66,6% dos alunos.
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159
Entretanto, esta representação do ato de estudar não impede que a maioria
dos alunos dedique algumas horas semanais aos estudos, e que algumas vezes
estudem nos finais de semana (53,3%). Os alunos têm por bito estudar em casa
(79,8%), onde possuem, em seu quarto, computador (61,9%), acesso à Internet
(60,3%) e mesa de estudos (61,3%). Ao proporcionarem um ambiente propício
para que seus filhos estudem, as famílias se tornam parceiras e incentivadoras de
seu aprendizado.
A maioria dos alunos não trabalha (86,1%) e não tem uma concepção una do
que seja trabalho. Enquanto para um grupo trabalho é um meio de comprar as
coisas que gosto e fazer o que quero (40,4%), para outro é uma forma de auto-
realização, de fazer o que eu gosto (42,1%). Mas independente de sua noção de
trabalho, eles acreditam que uma escolarização mais prolongada lhes garantirá
melhores ganhos salariais, o que talvez explique a representação positiva que m
de trabalho. Para 40,4% dos alunos é através do trabalho que construímos um
futuro melhor; para 30,5% é através do trabalho que colocamos em prática aquilo
que aprendemos e para 18,2% dos discentes o trabalho enobrece o ser humano.
A associação que os alunos fazem entre maior escolaridade e salários mais
elevados e entre escolaridade e melhores oportunidades não é fortuita, mas fruto
da própria realidade brasileira que recompensa desigualmente o trabalho. Sua
representação meritocrática de educação dialoga com a ideologia que vincula
educação à inserção no mercado de trabalho. Os alunos, de certa forma, são
expressões desse discurso e não se dispuseram a concorrer por uma vaga para
ingressar em sua escola, como optaram por cursar dois cursos de forma a garantir
uma profissionalização precoce. Se essa profissionalização vai se traduzir em
alguma atividade geradora de renda, só o tempo dirá. O que sabemos é que estes
alunos não reagiram como os reformadores previram e, em tempo de incerteza,
preferiram cursar o ensino técnico em concomitância com o ensino médio. O que
demonstra que o ensino técnico tem sentido para eles, que o o propugnado
pelos reformadores.
Os 39 alunos com quem dialogamos por correio eletrônico não apresentam
uma trajetória uniforme. Podemos dizer que eles se dividem em 4 grupos: o
primeiro é formado por alunos que concluíram ou estão concluindo o ensino
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160
técnico e passaram para o vestibular em profissões correlatas ao campo de ciência
e tecnologia; o segundo grupo é formado por discentes que abandonaram o curso
técnico e prestaram vestibular para carreiras na área de humanas; o terceiro,
composto por alunos que estão concluindo o ensino técnico e se preparando para
prestar vestibular; e o quarto grupo corresponde aos alunos que terminaram o
ensino médio e que, ou estão se preparando para o vestibular, ou ainda não
decidiram o que fazer no futuro.
As informações fornecidas pelos alunos nos levam a inferir que não uma
passagem automática das escolas para o vestibular. Os 27 alunos que estão
cursando o ensino superior utilizaram diferentes estratégias para conseguir sua
aprovação: pré-vestibular, aulas particulares, aulas de correção de provas,
estudaram sozinhos, lançaram mão da política de cotas etc. É interessante notar
que, se para alguns alunos a experiência do ensino técnico serviu para sedimentar
vocações, para outros suscitou interesses por outros campos do conhecimento,
como nos relata o aluno Q199
24
da Escola 3, que atualmente está cursando
Ciência da Computação na UFRJ
25
:
Quando eu terminei a série, eu era muito novo, não tinha idéia do que eu queria
ser, mas eu gostava muito de Biologia, a idéia de Meio Ambiente me agradou. Mas
(...) o curso de Meio Ambiente tinha muito mais química do que qualquer outra
coisa. Daí com o tempo eu fui mudando de idéia e graças às aulas de Informática
do curso técnico (veja que ironia), eu resolvi fazer informática, e larguei o curso.
Foi só uma mudança radical de gosto (Q199).
Este tipo de deslocamento não é um caso isolado. Outro aluno informa que
começou a cursar o curso técnico de Informática na Escola 2 e que durante o curso
descobriu que se interessava por química. Por conta dessa descoberta trancou o
curso técnico e prestou concurso para outra escola da rede federal para um curso
técnico na área de química. Atualmente está no segundo período do ensino
técnico, passou para Engenharia Química na UFRRJ e está estagiando (Q395):
24
Esta numeração remete ao número que o questionário do respondente recebeu na pesquisa.
25
Por conta das características da comunicação eletrônica, foram realizadas correções de grafia nas
falas dos alunos quando em caso de erro de acentuação e omissão de letras.
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161
O (...) estágio está relacionado com o curso técnico que eu faço à noite (...) [curso
técnico] de operação de processos químicos e industriais, não com o curso técnico
de informática [que abandonou] (Q395).
Assim, por ironia da história, podemos constatar que este aluno está
cursando o ensino técnico em concomitância com o ensino superior. No que é
acompanhado por mais 12 alunos que informam estar em situação similar. Alguns
ainda estão cumprindo disciplinas, outros estagiando.
Um aluno da Escola 2 relata que está no quarto ano do curso técnico de
Informática, que está estagiando e que optou por cursar Tecnologia em Sistemas
de Computação à distância pelo CEDERJ em vez de se matricular no curso
presencial de Física da UERJ (Q62). Uma estudante do curso de Biotecnologia da
Escola 3 relata que está estagiando, que passou para os cursos de Filosofia e de
Biologia em universidades públicas e que está cursando os dois cursos em
concomitância (Q 282).
Não como prever se estes alunos vão conseguir dar conta das tarefas a
que se propõem, o que queremos destacar é que a concomitância parece ter
forjado neles um tipo de sociabilidade que os coloca abertos a multiqualificação
26
.
Um fato que nos chamou a atenção é que, se na Escola 1 os alunos
concluem o ensino técnico e o ensino médio simultaneamente, nas demais escolas
isto é mais difícil. A narrativa da aluna Q202 (Escola 3) nos ajuda a ilustrar as
dificuldades postas para que os alunos da rede federal obtenham o certificado do
ensino técnico. Ela relata que cursava o ensino médio de manhã, à tarde atuava
como monitora em um dos laboratórios da escola e à noite cursava o ensino
técnico.
Cursei o técnico de Meio Ambiente (...) e concluí com louvor, pois estagiei e
agora estou trabalhando como técnica.
26
Adotamos aqui a diferenciação feita por Salermo (1996) entre trabalhador multiqualificado e
trabalhador multifuncional ou polivalente. Enquanto o trabalhador multiqualificado adquire e
desenvolve habilidades e qualificações profissionais variadas, o trabalhador multifuncional ou
polivalente tem seu trabalho intensificado, sem que para isto tenha que desenvolver ou agregar
uma formação profissional de novo tipo. Nos parece que o trabalhador multiqualificado se
aproxima da definição de analista simbólico de Robert Reich (1994).
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162
Iniciarei o curso de graduação em ciências biológicas na UNIRIO em agosto. Não
fiz pré-vestibular ano passado porque cursava o terceiro ano do ensino médio de
manhã (...), a tarde era monitora de um laboratório mesmo e a noite fazia o
último período do técnico no mesmo colégio. O único vestibular que eu fiz foi para
a UNIRIO pois não estava muito segura do que queria e resolvi fazer apenas para
uma faculdade como experiência em concurso, porém, estagiei na UFRJ no
laboratório de hidrobiologia e adorei. Resolvi, então, fazer UNIRIO já que eu tinha
passado.
Vou estudar e trabalhar para ajudar minha mãe nas despesas da casa. (Q202).
Se na Escola 2, para concluir o curso técnico, o aluno tem de cursar o quarto
ano, na Escola 3, alguns alunos parecem conseguir concluir os dois cursos ao
mesmo tempo, mas mesmo estes têm pendente a conclusão do estágio obrigatório.
Esta dependência acaba criando situações como a do aluno da Escola 3 que está
cursando Engenharia Química na UERJ e realizando estágio para concluir o curso
técnico de Química Industrial (Q203). Um aluno do curso de Farmácia está em
situação semelhante, estagiando e cursando Engenharia Química na UFRJ (Q272).
Este aluno informa que fez o curso técnico por influência do pai, que havia
estudado na escola e que ao longo do curso descobriu que seu perfil se alinhava
mais com a engenharia. Ele tem intenção de trabalhar como técnico enquanto
cursar a faculdade.
Para alguns alunos o curso técnico serviu para consolidar vocações e afirmar
a opção pelas áreas de ciência e de tecnológica, como podemos depreender pelo
relato da aluna Q202:
Escolhi o curso técnico de Meio Ambiente pois desde pequena desejava despoluir a
Baía de Guanabara então, sem saber direito, entrei (...) pensando em realizar meus
pensamentos.
Hoje eu não estou despoluindo a Baía de Guanabara, mas estou trabalhando em um
projeto de despoluição da mesma. (Q202).
para outros discentes a experiência do ensino técnico fez com que se
voltassem para a área de humanas. É nesta categoria que se enquadra a aluna
Q293:
Comecei a fazer curso técnico de biotecnologia, mas abandonei no final do terceiro
período, no final do ano de 2005. Percebi que o técnico estava tomando boa parte
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163
do meu tempo e não queria mais me dedicar tanto para algo que não queria para o
meu futuro.
Tinha planos de fazer um curso preparatório para o vestibular no ano seguinte
(concomitante com o ano do ensino médio). Para isso era necessário abrir mão
do técnico, o que não foi nenhum sacrifício. Assim o fiz no final de 2005.
Em 2006, como previsto, estava matriculada em um curso pré-vestibular que gostei
muito (por sinal, foi quando percebi como o ensino médio (...) [de minha escola]
era fraco e não preparava nem um pouco para o vestibular).
Prestei o vestibular para a área de humanas, visto que não tinha gostado da área
tecnológica. Para as faculdades públicas, me inscrevi para o curso de direito
(UERJ, UFRJ, UFF e UNIRIO).
Passei para a UFRJ [entre os dez primeiros colocados] (...) e para a UFF. Consegui
pontos para passar para a UNIRIO, mas não me inscrevi no edital de vagas.
Resolvi cursar relações internacionais na PUC por ser o curso que sempre quis
fazer. O que me desestimulava era o fato de ter em faculdade particulares aqui
no Rio, mas como consegui bolsa de 100% por causa do Enem, escolhi a PUC
(Q293).
É importante registrar que os alunos cursando o ensino superior em
universidades particulares informam a percepção de algum tipo de bolsa de
estudos, seja por via do Enem, do Programa Universidade para Todos (ProUni)
27
ou por desconto dado pela instituição de ensino superior. Todos os alunos que
estão em cursos vinculados à área de ciência e tecnologia estão matriculados em
universidades públicas.
Mas o que levou estes alunos a cursarem o ensino técnico? Os relatos
destacam a oportunidade de obter uma profissionalização precoce e a influência
dos pais. Uma aluna do curso de Farmácia reporta que
estava até matriculada em uma escola aqui em Niterói quando saiu a
classificação, mas cancelei a matrícula. O curso técnico era o que mais me
interessava por se tratar de um diferencial. Afinal, o mundo em que vive-se (sic)
hoje, cada dia mais exige mão-de-obra qualificada. Atualmente, quanto mais cursos
27
O ProUni foi criado pela Lei 11.096, de 13/01/2005 e tem como finalidade a concessão de
bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e
seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo, em
contrapartida, isenção fiscal às instituições participantes do Programa
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164
se faz e maior a quantidade de títulos que se tem, maiores são as chances de se
inserir no mercado de trabalho. Em suma, a oportunidade de se ter um ensino
gratuito e de qualidade, além da alta exigência do mercado de trabalho foram que
me fizeram optar pelo curso técnico (Q267).
Assim, incorporando o discurso ideológico que transfere para o indivíduo a
responsabilidade por sua inserção ao mercado de trabalho, os alunos buscam
ampliar ao máximo seu diferencial no mercado de trabalho, “acumulandotítulos
educacionais, em um movimento em que absorvem, ainda adolescentes,
características típicas do homem burguês, como a competitividade e a autonomia.
Uma aluna que concluiu o curso técnico de Comunicação Social na Escola 1
reporta que sua opção pelo ensino técnico se deu porque
Buscava por algum diferencial para quando terminasse o ensino médio, então por
influência de minha mãe e amigos e interesse meu também resolvi fazer o curso
técnico (Q8).
Não temos como saber se esta corrida cognitiva vai despertar nestes alunos
uma reflexão mais profunda sobre os sentidos da educação no cenário atual,
contudo entendemos que não há um perfil predominante e sim tendências.
Integrante do grupo que cursou o ensino técnico por influência dos pais, o
aluno Q224 desabafa:
Meus pais me ‘empurrarampara isso [curso de Técnico de Alimentos], pois eles
também fizeram curso técnico ... levei o curso até onde eu gostei ... depois ficou
muito detalhado e específico, e como eu não tinha gosto pelo curso, acabei
abandonando... mas pelo menos estou na minha área agora, estudando o que eu
realmente gosto [no ensino superior - Design Gráfico] (Q224).
O aluno Q180, que também foi incentivado pelos pais a cursar o ensino
técnico, relata sua decepção com a formação que lhe foi ministrada. Sua análise é
que como sua escola carece de instalações e laboratórios adequados isto acaba
frustrando o aluno e comprometendo seu aprendizado.
Fiz [o ensino técnico] pela razão que motiva a maioria dos adolescentes a fazer um
curso técnico, a questão da maior oportunidade de emprego quando formados pelo
acréscimo de uma (...) especialização no currículo, se bem que (...) [em minha
escola] houve em 2003 uma propaganda muito estimulante visando o setor de
petróleo e s pro curso de eletromecânica que até hoje não engrenou, mas isso na
época chamou bastante gente pro curso, e disso até hj nada vimos, e quase nada
engrenou nos cursos, é uma situação semi-precária no geral (Q180).
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165
O depoimento do aluno Q180 revela os riscos da expansão desordenada de
escolas técnicas sem que os investimentos adequados sejam realizados. Este
aluno, que ingressou no ensino técnico por conta de uma série de promessas não
cumpridas, como uma profissionalização de qualidade e vinculação estreita com o
mercado de trabalho, teve que lidar com uma realidade que contradiz o discurso
oficial e a própria representação que a sociedade tem das escolas técnicas federais.
Como conseguiu passar para uma universidade pública (Licenciatura em Biologia
– UNI-RIO), considera que no balanço geral a escola lhe foi favorável.
(...) Muitos pais mandam o filho estudar pra passar pra lá e se não o obrigam fazem
a cabeça (...) dele de algum jeito. Chega no técnico e o cara quer pra área
humanas, se bem com humanas ou com qlqr outra coisa, acaba trancando,
isso depois de várias recuperações e quedas de auto-estima é claro. (...) isso é
quase lei, pois sem laboratório fica mais fácil pro aluno não compreender o que é
que ele aprende, o que ele vai fazer quando arrumar um emprego/estágio, chega um
ponto que ele nem pensa mais no estágio, pra ele longe da realidade atual usar o
conhecimento dele, que é considerado precário por ele mesmo e às vezes até pelo
engenheiro que tá dando aula pra ele, pra ganhar algum dinheiro. Tirando tudo isso
(...) é muito bom, o ensino médio é ótimo, apenas com ele eu consegui passar pra
faculdade, então não tenho tantas queixas (Q180).
A questão da reprovação como um fator de desestímulo no ensino técnico
também é trazida à baila por outra aluna do curso de Eletromecânica, que afirma
que sua permanência no curso se deu mais em função de não ter sido reprovada ao
longo do mesmo do que a um desejo efetivo de concluí-lo, que seu objetivo
principal era o ensino médio.
Bem, na verdade eu caí no curso técnico de pára-quedas pois não me interessava
nem um pouquinho fazê-lo, eu queria mesmo fazer o médio no CEFET. No
início, no ano, eu estava doida para trancar o técnico e boiava nas aulas e assim
pensava que tiraria péssimas notas, porém não foi bem isso q aconteceu. Nas
primeiras provas, apesar d boiar nas aulas, eu consegui tirar a média (no caso 6,0) e
até um pouco mais. no decorrer do ano eu comecei a ter outras matérias do
técnico e comecei a me interessar um pouco. As provas vieram, eu fiz, passei e
estou no técnico até hoje [concluindo o quarto ano], mas sempre dizendo que se
por acaso ficasse reprovada largaria o técnico, isso não aconteceu, então estou
estudando at hoje, apesar d ter passado por muitas dificuldades como notas baixas
(baixas mesmo, tipo 3,0). Mas essas notas qd ocorriam era porque a turma em geral
tinha ido mal tb, ou seja, não era só eu q estava assim (Q168).
Os relatos acima nos mostram que para estes dois alunos o curso técnico de
Eletromecânica exigiu esforço redobrado. Enquanto o aluno Q180 abandonou o
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166
curso, a aluna Q168 manteve o vínculo, mas condicionando sua permanência no
curso à sua aprovação.
É importante ressaltar que não uma correlação direta entre educação e
mercado de trabalho, mas sim mediações e estas devem ser comunicadas aos
discentes. O que a escola pode e deve fazer é se incumbir da transmissão
sistematizada do conhecimento, reconhecendo que a tensão entre preparo
operacional e preparo intelectual não é semântica, mas está relacionada ao próprio
modelo de educação e de sociedade que se quer erigir.
No caso específico do ensino dio técnico podemos dizer que, se o
governo FHC impôs o formato atual a todo o sistema de educação profissional, o
governo Lula parece promover uma reconfiguração da rede federal de escolas
técnicas e dar as costas ao sistema, pois além de não propor um debate amplo
sobre os efeitos da reforma em pauta parece eleger o ensino técnico integrado
como o modelo preferencial a ser adotado na rede federal, sem avaliar os ganhos e
limites da concomitância e a posição das demais escolas que ofertam este nível de
ensino.
Apesar da carga horária, a concomitância interna parece ter proporcionado a
alguns alunos flexibilidade para continuar ou não com o curso técnico. Retirar
esta flexibilidade para substituí-la por um ensino integrado, que o é na
nomenclatura, porque mantém cargas horárias e diretrizes distintas para os dois
cursos nos parece complicado. Um ponto negativo da concomitância é a falta de
sincronia entre o término do ensino médio e do ensino técnico, o que pode
contribuir para que um percentual significativo de alunos não venha a concluir o
curso técnico, embora tenha cursado boa parte do curso.
Diversas ações governamentais vêm incentivando e viabilizando o acesso ao
nível superior desde a Era FHC e alguns alunos reportam terem utilizado uma ou
outra para assegurar seu acesso ao ensino superior, como o desempenho no Enem,
as bolsas do ProUni, a política de cotas etc. ainda a vinculação a cursos
superiores de curta duração como os de Tecnólogo e a opção pelo Ensino à
Distância.
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167
Ao se furtar em aprofundar o debate com a sociedade, o governo abre
espaço para que a cada alternância na pasta da Educação uma nova concepção de
ensino médio técnico se instale. Em um movimento de incorporação de conceitos
e tendências defendidos por diferentes grupos sociais ao sabor da influência
política, e não do consenso.
A dissociação do ensino técnico do ensino médio, longe de estar relacionada
ao processo de democratização do acesso das camadas populares às escolas
técnicas federais, se alinha com o movimento de flexibilização da formação do
trabalhador. A reforma do ensino técnico parece ser a fórmula encontrada pelo
governo FHC para que o trabalhador ajustando sua qualificação ao sabor da
demanda do mercado. Neste contexto sua polivalência se traduziria na disposição
em reconverter sua formação profissional ao sabor da demanda produtiva e das
inovações tecnológicas.
Uma educação profissional restrita o prepara somente para o trabalho, ela
cria uma socialização que tem na instrumentalização o seu foco. A defesa em prol
de uma escola que integre formação geral e formação profissional se associa na
defesa de uma socialização que ultrapasse o instrumental, que possibilite ao aluno
ampliar não seu horizonte cognitivo, como também sócio-cultural,
proporcionando-lhe o contato com outras potencialidades humanas. Cabe ao
aluno, a partir de sua síntese, construir a trajetória escolar e/ou profissional que
melhor lhe aprouver. É a isto que denominamos de autonomia e não o
estabelecimento, a priori, do itinerário educacional que seria mais adequado a este
ou aquele grupo social. Infelizmente a maioria dos integrantes das camadas
populares está alijada do exercício desta autonomia por conta do padrão de
educação que lhe vem sendo ofertado: precária, deficiente, esvaziada de conteúdo
etc.
a partir de uma reflexão coletiva sobre a reforma é possível identificar
seus erros e acertos, de modo a incorporar aspectos positivos e superar os
negativos, sem este balanço a abertura para o novo fica comprometida, já que o
velho, mais uma vez, se apresenta travestido de novo e de solução absoluta, o que
dificulta não sua superação, como também que se abra caminho para o
consenso.
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168
5.6
Algumas considerações
O grupo de alunos pesquisado apresenta trajetória escolar, práticas culturais
e características socioeconômicas que o vincula às camadas médias. Contudo, os
discentes não formam um todo homogêneo.
O exame por escola mostra que se na Escola 1 todos os alunos sempre
estudaram em escolas privadas, nas demais escolas não essa unanimidade.
Cerca de um terço dos alunos da rede federal, em algum momento de sua
trajetória escolar, freqüentou a escola pública.
A análise do perfil educacional e socioocupacional dos pais e das mães
revela uma clara diferenciação entre as escolas. Enquanto o ensino superior e a
ocupação de posições no estrato socioocupacional alto predominam entre os pais e
as mães da Escola 1; na Escola 2, localizada na Baixada Fluminense, o ensino
médio se destaca e como conseqüência a ocupação de postos de trabalho que
requerem este nível de escolaridade. A Escola 3 se situa em uma posição
intermediária.
Vale ressaltar que nenhum dos pais e das mães da Escola 1 se enquadra nos
estratos socioocupacionais médio-baixo e baixo. nas Escolas 2 e 3 verificamos
a existência de responsáveis que ocupam posições nestes estratos
socioocupacionais, mas sem se destacarem percentualmente. Isto nos leva a
inferir que não há uma presença significativa de alunos das camadas populares nas
escolas da rede federal de ensino técnico.
Ao contrário do que previram os reformadores, os alunos das camadas
médias optaram em cursar o ensino médio em concomitância interna com o ensino
técnico. Todos os alunos da Escola 1 informam que a oferta de ensino técnico foi
o que norteou sua escolha de escola. A maioria dos alunos das escolas da rede
federal inclui o ensino técnico entre o rol de razões que embasaram sua escolha.
Mas se na Escola 1 os alunos conseguem concluir o ensino médio e o ensino
técnico simultaneamente, o mesmo não ocorre nas Escolas 2 e 3. O contato por
correio eletrônico revelou alunos que concluíram o ensino médio mas que mantêm
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169
alguma dependência em relação ao ensino técnico: estágio, cumprimento de
disciplinas ou ambos. Esta dependência contribui para que alguns alunos
estabeleçam um novo tipo de concomitância: a conclusão do ensino técnico em
paralelo com o início dos estudos superiores.
Os alunos parecem ver a educação como um passaporte para o futuro, o que
talvez explique sua disposição para cursar, ao mesmo tempo, dois cursos, com
matrículas e carga horária distintas, o que além de exigir que despendam mais
tempo estudando, restringe seu tempo livre, tornando-os quase que estudantes em
tempo integral. Se a conclusão do ensino técnico não fosse considerada
importante por estes alunos, seguramente a maioria o teria abandonado ao longo
do ensino médio.
As trajetórias dos alunos mostram que não como tentar impor, através de
políticas públicas, trajetórias que são na verdade escolhas individuais. O que
essas políticas parecem fazer, e por sinal com eficiência, é cercear o acesso da
maioria da população a uma escolarização que possibilite este tipo de autonomia.
A geração que hoje inicia sua trajetória profissional o faz em um momento
em que as conquistas dos trabalhadores estão sendo revistas para a sobrevida do
capital. Do mesmo modo a perspectiva de desenvolvimento linear de uma carreira
não mais integra suas expectativas de futuro.
A insegurança quanto ao futuro não é específica de nosso tempo, mas
própria da dinâmica capitalista. Não podemos deixar de lembrar que a incerteza
estava entre as bandeiras brandidas pela burguesia ao propor uma nova
configuração social em contraposição à ordem feudal. O futuro não estava mais
pré-traçado pelo nascimento, mas a ser escrito por cada individuo. O problema é
que ontem, como hoje, aqueles que não dispõem dos meios materiais para exercer
sua autonomia se tornam testemunhas das barreiras que os impedem de escrever
seu futuro.
É neste contexto que a educação parece assumir, na sociedade brasileira,
uma forma quase mítica. Ela é apontada como panacéia para a desigualdade
social, para o aperfeiçoamento do processo democrático, para que se encaminham
mudanças na estrutura social, para o fim da violência urbana etc. O que o se
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170
esclarece é que a educação, assim como outros direitos sociais, o é uma
concessão, mas uma conquista e que por si só não tem como dar conta dos
abismos sociais que caracterizam a sociedade brasileira. A história nos mostra
que os avanços e limites no campo da educação se articulam com a demanda
popular e com o processo democrático e nesse sentido o que se chama “fracasso”
do sistema público de ensino não está vinculado exclusivamente à crise da escola,
mas ao quadro mais amplo em que ela se insere e às dificuldades postas ao
aprofundamento do processo democrático.
O desafio que se impõe é pensar a educação sob uma lógica diversa do
autoritarismo conservador que parece se reinventar a cada projeto/reforma
educacional. Isto é possível a partir de novos pressupostos. A questão não é
alterar a LDB, ou revogar as normas que regem o ensino médio técnico, mas
mudar as bases de sustentação dessa lógica, como discutir com a sociedade o tipo
humano que se quer formar e tornar claro os pressupostos que norteiam os
diferentes projetos educacionais.
A possibilidade de ampliação da escolaridade é uma conquista para a
sociedade brasileira, só que tal como está configurado, o sistema público de
ensino não contribui para a elevação efetiva da escolaridade dos alunos em termos
de capacitá-los ao domínio do saber historicamente acumulado, pois não lhes
permite a compreensão do atual estágio de desenvolvimento técnico-cientifico. A
educação pública ofertada praticamente determina a seus egressos o lugar que
devem ocupar não na Divisão Social do Trabalho, como na própria estrutura
social.
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6
Considerações finais
A reforma do ensino médio técnico foi apresentada à sociedade como uma
medida que o propiciaria a universalização do ensino médio, como também
viabilizaria o acesso dos alunos das camadas populares à rede federal de ensino
técnico. Isto ocorreria porque, uma vez desvinculado o ensino médio do ensino
técnico, os alunos das camadas médias tenderiam a se concentrar no ensino
médio, deixando as vagas do ensino técnico disponíveis para os alunos das
camadas populares.
No entanto, no grupo de alunos pesquisado, isto não ocorreu. Os alunos das
camadas médias permaneceram no ensino médio técnico e, de um modo geral,
têm uma avaliação positiva da experiência da concomitância interna. Os alunos
que abandonaram o curso cnico o fizeram por motivos outros que o a
concomitância. O que nos leva a inferir que o obstáculo pensado pelos
reformadores não afetou estes alunos, muito menos os afastou das escolas técnicas
federais. Todos os alunos da escola privada asseveram que foi a possibilidade de
cursar o ensino técnico que influenciou a opção por sua escola.
É importante salientar que as camadas médias não são unas, que uma
estratificação em seu interior que remete a realidades diversas e que o atual
modelo econômico, que privilegia a concentração, longe de ter beneficiado este
estrato social, o aproximou das camadas populares. Tal aproximação se dá não só
por conta do desemprego e do rebaixamento dos salários, mas também pela
adoção, pelo Estado, de políticas sociais regressivas. A incerteza e a insegurança
quanto ao futuro, que sempre assombraram as camadas populares, passam a
integrar o cotidiano das camadas médias que vivem do trabalho.
Os alunos que integram nossa pesquisa são frutos de um tempo histórico em
que as garantias associadas ao trabalho estão sendo questionadas, o desemprego
de inserção se instala e o investimento em educação é visto como um elemento
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potencializador da empregabilidade dos atores sociais. Frente a este cenário, não
nos causa espécie que os discentes abracem a oportunidade de cursar o ensino
técnico.
Então os alunos das camadas médias continuariam a usurpar o lugar que por
direito pertence às camadas populares? Retomamos essa dicotomia porque ela
parece permear o discurso pró-reforma e no limite lhe proporcionar uma
justificativa moral. Pois como se posicionar contrário a uma reforma que tem
como norte democratizar o acesso das camadas populares ao ensino médio técnico
federal em um país marcado pela desigualdade social?
Um exame mais acurado da reforma revela que o espírito democrático
passou longe dos reformadores, tanto que eles optaram por não submeter o texto
legal que a referendou ao escrutínio do Congresso Nacional e o sancionaram por
decreto. Na realidade, afora a premissa de que não haveria interesse das camadas
médias pelo ensino técnico, a reforma não criou condições objetivas para a
incorporação das camadas populares às escolas técnicas federais. O que ela fez
foi restabelecer o sistema de ensino dual no secundário e eleger a
profissionalização precoce como a trajetória escolar mais adequada aos pobres.
A formação profissional no pós-médio permitiria que não os indivíduos,
como as próprias escolas, dessem uma resposta mais ágil às transformações do
mundo da produção. Neste contexto, o ensino técnico assume um sentido quase
que de adaptação constante do indivíduo ao mercado de trabalho. Em tese ele
poderia cursar, ao longo da vida, tantos cursos técnicos quantos considerasse
necessário para manter sua empregabilidade. Um movimento que subordina a
aprendizagem do indivíduo a fatores externos e que reduz seu âmbito de escolha
ao que o mercado reconhece como pertinente.
A dependência por um trabalhador mais educado revela uma das
contradições do capitalismo tardio, pois de par em par com o uso decrescente da
força de trabalho requer-se dos indivíduos disposição para a educação continuada.
Esta contradição é mascarada por um discurso que assevera que os merecedores
de sucesso serão aqueles que conseguirem aliar disponibilidade e disposição para
o trabalho à igual vontade de aprender a aprender. A mensagem subliminar deste
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discurso é que a escolha de uma trajetória escolar desconectada da dinâmica
produtiva implica assumir o ônus futuro do desemprego ou da ocupação de postos
de trabalhos precarizados.
Ao nosso ver a lógica da reforma está mais associada ao cerceamento do
que à democratização do acesso. Não porque sua arquitetura foi pensada de
modo a restringir o acesso das camadas médias às escolas técnicas federais, mas
porque privilegiou o estabelecimento de trajetórias educacionais diferenciadas e
circunscreveu o ensino técnico a uma formação estrita para o trabalho.
Uma prova disso é que o modelo de ensino médio integrado propugnado
pelas escolas técnicas federais que, aparentemente, conseguia aliar a transmissão
de conhecimento técnico-científico a uma sólida formação geral, não foi levado
em consideração pelos reformadores, muito menos serviu de ponto de partida para
a construção de um novo modelo de ensino médio integrado. Eles preferiram
voltar às costas a esta experiência e consolidar a dissociação da educação
profissional da educação básica.
Entendemos que mais importante do que a trajetória individual dos alunos,
seria criar condições objetivas para a elevação do percentual de discentes capazes
de colaborar, no futuro, para a produção de um conhecimento endógeno. E é
que reside outra lacuna da reforma. Pois mesmo tendo sido concebida e
implementada nos marcos postos pelo capitalismo tardio, ela não se preocupou em
formar uma massa crítica que contribuísse para o reposicionamento do país na
divisão internacional do trabalho, mas sim assegurar a formação de mão-de-obra
em sintonia com o setor produtivo.
É óbvio que o sistema de ensino não pode ser pensado desvinculado do setor
produtivo, contudo subordinar a formação humana a ele pressupõe a valorização
de características e necessidades que não são humanas, mas econômicas. É essa
concepção de educação que consideramos elitista e não as escolas técnicas
federais pois ela pressupõe, a priori, que tipo de educação determinado estrato
social deve receber.
Reiteramos que as escolas técnicas federais não podem ser classificadas
como escolas de elite, não por serem públicas, mas porque têm como objetivo
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uma formação para o trabalho, o que propicia a seus alunos uma socialização
distinta da proposta pelas instituições escolares de elites. As escolas de elite
proporcionam uma socialização restrita, entre iguais, que busca reforçar nos
alunos comportamentos e hábitos culturais de sua classe social.
Ao privilegiarem um ensino técnico voltado para o mercado de trabalho, os
reformadores optaram por um modelo que prescinde do aprofundamento teórico
das disciplinas. Tal modelo não abre espaço para que os alunos desenvolvam uma
compreensão teórico-prática da realidade e a partir desta compreensão
aprofundem seu conhecimento sobre o mundo e elaborem sua própria síntese.
Uma educação politécnica se opõe a este modelo de ensino porque
transcende os marcos restritos de uma formação para o trabalho. A politecnia
propõe a formação de sujeitos reflexivos, dotados de autonomia não só para
decidirem seu futuro profissional e/ou acadêmico como também para se
envolverem nos debates sobre as condições socioeconômicas, culturais e políticas
do país e atuarem para transformá-las.
A capacidade para desenvolver esta autonomia e um olhar crítico sobre a
realidade pode e deve ser aprendida na escola, que nas condições atuais, em
que o sistema se polariza entre uma escola de qualidade para alguns e uma escola
medíocre para a maioria, isto o ocorre. E como são os pobres que compõem a
maioria da população, é a eles que são negadas as condições objetivas para que
possam desenvolver sua autonomia.
Contudo a construção de um ensino médio técnico integrado que contemple
a todos os alunos com uma formação geral que lhes possibilite o desenvolvimento
do pensamento reflexivo e da autonomia é dependente de um consenso da
sociedade brasileira sobre que sistema de ensino realmente deseja.
A tramitação do projeto que deu origem à LDB é uma amostra de como a
correlação de forças desiguais pode abortar iniciativas populares; a sanção da
reforma do ensino médio técnico por decreto revela como um grupo consegue
impor sua concepção de educação a toda a sociedade sem passar pelo escrutínio
do Congresso Nacional.
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Nesse sentido, a reforma do ensino médio técnico pode ser vista como um
espelho das contradições da sociedade brasileira, uma sociedade que se no plano
do discurso valoriza a educação, na prática o encaminha as ações necessárias
para que a democratização do acesso a um ensino público de qualidade se efetive.
Acreditamos que o debate público pode tornar transparentes as diferentes
concepções de educação, revelando posições contraditórias e as dificuldades
postas para a democratização do acesso à educação em uma sociedade marcada
por desigualdades socioeconômicas e culturais.
As contradições e limites da reforma do ensino técnico são devedores destas
desigualdades e da necessidade de se aprofundar o processo democrático.
Por isso, mesmo sem ter a pretensão de esgotar o debate, gostaríamos de
salientar a importância de se abrir espaço para que todos os grupos sociais se
expressem e sejam ouvidos para que as nuances e diferenças de seus discursos
sejam identificadas e suas propostas encaminhadas devidamente matizadas e
validadas por aqueles que os representam. De maneira que possamos alcançar um
consenso político sobre que sistema de ensino queremos construir e que
concepção de educação deve respaldá-lo. Sem esse movimento corremos o risco
de que novas reformas se instalem, sem que sejam criadas condições efetivas para
a democratização do acesso a um ensino público de qualidade.
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