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vive do trabalho? Segundo Dejours (2000), a aceitação dessas regras ou a
banalização da injustiça social, como ele define, é tecida no interior de um
discurso que falsifica a realidade e apresenta a racionalidade neoliberal como a
única possível. Desse modo, apesar da maioria da população francesa ter o medo
em relação ao futuro em seu horizonte não há indícios de protestos ou mesmo de
comoção social frente a crescente consolidação de relações de trabalho adversas
e/ou pela revogação de direitos trabalhistas e sociais por parte de diferentes
governos, inclusive os de esquerda
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Dois eventos ocorridos na França nos últimos anos e protagonizados por jovens podem ser lidos
como indicativos de revolta, mesmo que esvaziados de uma orientação política mais ampla: os
motins nos subúrbios pobres no outono de 2005 e as manifestações dos estudantes em prol da
revogação da Lei do Primeiro Emprego (CPE) em 2006. No primeiro caso uma série de motins
ocorridos nos banlieues franceses ganhou destaque na mídia e chamou a atenção mundial para a
existência de jovens franceses marginalizados tanto por sua origem étnica quanto por sua condição
socioeconômica. Para o sociólogo francês Gerard Maugner os motins ocorridos na França foram
protopolíticos, isto é, não ocorreram em função de um projeto político determinado, ou mesmo sob
a coordenação de um líder ou de lideranças, mas em virtude da marginalização social destes jovens
e da explicitação desta pelo então ministro do interior e depois presidente (2007- ), Nicolas
Sarkozy. Ao denominar de escória aqueles que se insurgiram contra a morte de dois jovens que se
escondiam da polícia, Sarkozy enfatizou a visão que a sociedade francesa tem destes jovens:
perdedores, que não conseguem se enquadrar na dinâmica social. Os motins explicitaram o
fracasso das políticas econômica, social e urbana levadas a cabo nos últimos vinte e cinco anos.
Restritos a guetos (políticas urbanas) e sem perspectivas de mobilidade social (políticas sociais e
econômicas), os moradores dos banlieus mais do que se estruturarem em torno de sua condição
social, parecem solidificar seus laços de identidade a partir da forma como a sociedade francesa os
vê: árabes, negros, muçulmanos, pobres etc., ou seja, como não franceses. Nesse sentido apesar de
ser protopolítica, a revolta destes grupos sociais encontra-se em construção, pois “o motim tem
suas raízes em uma condição social compartilhada e que é suscetível de fundar uma causa. À
causa genérica das classes dominadas (econômica, cultural e simbolicamente) se sobrepõe a
revolta específica de uma população vítima de discriminações, segregações e estigmatizações de
caráter racista” (MAUGNER, p. A30). O segundo evento ocorreu em 2006, quando parte da
sociedade francesa, principalmente as organizações estudantis, se mobilizou contra a aprovação da
Lei do Primeiro Emprego (CPE), apresentada e defendida pelo primeiro-ministro francês,
Dominique de Villepin. De acordo com Ignacio Ramonet a justificativa de De Villepin para a
urgência na aprovação da lei era de que esta responderia a uma demanda da sociedade francesa,
expressa durante os motins de outono de 2005. A flexibilização permitida pelo CPE – dispensa
sem justa causa e sem direito a indenização nos dois primeiros anos de emprego, para jovens com
até 26 anos – seria o instrumento necessário para oxigenar o mercado de trabalho francês.
Contudo, tal justificativa não encontrou eco entre universitários e secundaristas que se
organizaram para protestar contra a aprovação da lei, arregimentando o apoio dos sindicatos. A
mobilização popular contra o CPE se deu poucos meses após a entrada em vigor do contrato para
novos empregados – CNE (novembro de 2005) que também prevê a dispensa sem justa causa e a
ausência de indenização trabalhista nos dois primeiros anos do contrato do trabalho. O CNE é
destinado a estabelecimentos que remuneram seus empregados com menos de 20 salários, o que
representa dois terços do mercado de trabalho francês. Mas se a flexibilização do contrato de
trabalho não se consubstancia em uma novidade para os franceses, como explicar a mobilização
popular contra o CPE? Para Ramonet os cidadãos franceses se conscientizaram de que o CPE
viria a consolidar o movimento de ruptura com o contrato de trabalho já iniciado com a sanção da
lei dos aposentados em julho de 2003 e do CNE, sua aprovação significaria “sacrificar (...) [o
código do trabalho] no altar da flexibilização e favorecer à precarização definitiva do emprego”.
“sacrifier (...) sur l’autel de la flexibilité et favoriser la précarisation définitive de l’emploi”
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