constitucional pertence à minoria, destina-se a assegurar seus direitos em relação à
maioria. Esse fato corrobora a observação de Soares (2004) sobre a idéia de
dissenso que perpassa o pressuposto consenso da maioria, trazendo para esse
conceito a noção de “interpretação dialética” apresentada por Rosenfeld (2004),
ilustrando bem a natureza conflituosa e polifônica do texto normativo:
O Irã é um caso fascinante, porque tem, de fato, alguns elementos de
democracia, não é uma ditadura. Há Parlamentos, há discussões, há
elementos democráticos, mas a resposta última é a resposta que é dada
pelos clérigos. Eles não têm que ser indulgentes, não no sentido de que não
tenham que fazê-lo por se sentirem possuidores da verdade absoluta, mas
no sentido de que não têm que ser indulgentes para conseguir conviver com
outras pessoas. O paradoxo é que, para legitimar o contexto social em que
operamos, nós devemos, pelo menos em parte, abandonar nossas próprias
idéias, e isso é o que de fato torna as interpretações dialéticas (grifo
nosso) únicas em suas contradições. (ROSENFELD, 2004, p. 48)
O equilíbrio entre um direito considerado essencial por uma determinada
comunidade e o que não o é pode definir a democracia constitucional ali implantada,
afirma Rosenfeld (2004), ao lembrar que, nos Estados Unidos, o direito ao aborto é
assegurado pela Constituição Federal, mas em muitos Estados tem-se legislado
contra o aborto, ocasionando questionamentos judiciais por meio dos quais se
invoca a garantia constitucional. Para esses Estados, a regra federal é
antidemocrática. Um outro exemplo usado pelo autor para demonstrar a
complexidade das interpretações e a maneira como elas variam é o comportamento
dos norte-americanos quanto à política do Governo Bush de combate ao terrorismo,
na qual direitos humanos são desrespeitados diariamente. Se a reação inicial foi de
aprovação logo após o ataque de 11 de setembro
72
, hoje é possível perceber que as
opiniões se dividem, embora ainda haja certa tolerância a tais violações.
A noção de “interpretação dialética” proposta por Rosenfeld (2004) coaduna-
se, ainda, com a definição de político formulada por Guimarães (2005), para quem,
conforme já foi dito no item 2.3 do Capítulo 2 (p. 53), o político é o conflito, instalado
71
Ver, a esse respeito, o item 3.1 do Capítulo 3 (p. 64).
72
No dia 11/9/2001, membros do grupo islâmico al-Qaeda seqüestraram quatro aeronaves, fazendo
duas delas colidirem contra as torres do World Trade Center em Manhattan, Nova Iorque, e uma
terceira contra o quartel general do departamento de defesa dos Estados Unidos, o Pentágono, no
Condado de Arlington, Virgínia, próximo à capital dos Estados Unidos, Washington, D.C. O quarto
avião seqüestrado foi intencionalmente derrubado em um campo próximo a Shanksville, Pensilvânia,
após os passageiros enfrentarem os terroristas. (Informações do site
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ataques_de_11_de_Setembro_de_2001>, acesso em 13 nov. 2006)
72
Ver item 1.1 do Capítulo 1 deste trabalho, especialmente a menção feita (p. 26-27) a Koch (2005) e
Bronckart (2006).