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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-graduação em Letras
A REFERENCIAÇÃO NO TEXTO LEGAL
Maria Beatriz Chagas Lucca
Belo Horizonte
2007
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Maria Beatriz Chagas Lucca
A REFERENCIAÇÃO NO TEXTO LEGAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
parte dos requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Língua Portuguesa
Orientadora: Profa. Dra. Maria de Lourdes
Meirelles Matencio
Belo Horizonte
2007
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Lucca, Maria Beatriz Chagas
L934r A referenciação no texto legal / Maria Beatriz Chagas Lucca. Belo
Horizonte, 2007.
107f.
Orientadora: Maria de Lourdes Meirelles Matencio
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras
Bibliografia.
1. Referência (Lingüística). 2. Redação de leis. 3. Redação forense
4. Semântica (Direito). 5. Linguagem. 6. Trabalho I. Matencio, Maria de
Lourdes Meirelles. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras III. Título.
CDU:
801.54
Dissertação defendida publicamente no Programa de Pós-graduação em Letras da
PUC Minas e aprovada pela seguinte Comissão Examinadora:
__________________________________________________
Profa. Dra. Anna Rachel Machado
(PUC São Paulo)
__________________________________________________
Profa. Dra. Jane Quintiliano Guimarães Silva
(PUC Minas)
__________________________________________________
Profa. Dra. Maria de Lourdes Meirelles Matencio - Orientadora
(PUC Minas)
Belo Horizonte, 29 de março de 2007.
_________________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari
Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras
PUC Minas
Àqueles que me contradizem,
por fazerem valer o diálogo.
AGRADECIMENTOS
Aos Professores:
Malu Matencio, pela disponibilidade impressionante, a generosidade em ouvir e as
intervenções precisas e positivas
Marco Antônio de Oliveira, por nos exigir formalismo
Milton do Nascimento, por me fazer pensar e ler
Rosa Neves, pela ajuda na definição do pré-projeto
Aos colegas de trabalho:
Antônio Geraldo Pinto e Natália de Miranda Freire, pelo exemplo e dedicação
Eduardo Moreira, Cláudia Sampaio, Maurício Machado, Eduardo Costa Cruz
Marques e José Arnaldo Raposo, pela paciência com as ausências
Diana Ceres de Oliveira Freire e Edelves Medeiros Correa da Cunha, pela atenciosa
leitura
Marcílio França Castro, pela “boa provocação”
César Plotz Frois, Maria Isabel Gomes de Matos e Raissa Rosanna Mendes, pelos
valiosos comentários
Aos colegas da PUC:
Equipe da Secretaria, pelo profissionalismo
Glória Dias Soares Vitorino, Helena Magalhães e Maria Regina de Carvalho Caseiro
Oliveira, pela atenção e apoio
À família:
Marido, pais, sogra, avós (in memoriam), tios, irmão e irmãs, cunhados, sobrinhos,
pela torcida
A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho
MUITO OBRIGADA!
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.”
Thiago de Mello
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo estudar o processo de referenciação no
texto legal, a fim de identificar suas regularidades. Adotando a perspectiva do
interacionismo sociodiscursivo e a metodologia de pesquisas que, nos termos de
uma Semântica do Agir, relacionam linguagem e trabalho, o estudo busca, ainda,
compreender como se configura discursivamente o trabalho do legislador/redator de
leis, investigando o foco de seu agir em textos produzidos nessa e sobre essa
situação de trabalho. Para tanto, foi feita a análise global do texto legal, no que se
refere à sua estrutura, ao tipo de linguagem utilizado e às práticas sociais e
históricas envolvidas em sua elaboração. Em seguida, procedeu-se à análise local
do corpus, com a identificação das vozes que permeiam o discurso dos sujeitos que
participam da elaboração legislativa e com a releitura, nos termos de uma
Semântica do Agir, dos textos analisados em seus aspectos gerais. As conclusões
da pesquisa revelam a natureza polifônica do texto legal e o assujeitamento histórico
do cidadão brasileiro pelo Estado, além de destacar a complexidade dos processos
interpretativos envolvidos não apenas na aplicação da lei, mas em sua elaboração.
Embora esses resultados possam interessar a todos que se ocupam desse gênero
textual, o formuladas algumas sugestões quanto ao agir do redator/revisor
parlamentar da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, em cujas ações
se concentrou esta pesquisa. Espera-se, dessa forma, que o estudo contribua para
as reflexões sobre linguagem e trabalho, bem como para o aperfeiçoamento da
atividade legislativa.
Linha de pesquisa nº 4: Estrutura formal e conceitual da linguagem.
Palavras-chave: linguagem e trabalho elaboração legislativa – Semântica do Agir –
redator/revisor parlamentar.
ABSTRACT
This paper has as its objective to study the referenciation process in legal text,
in order to identify its regularities. Adopting a sociodiscursive-interactionist approach
and the methodology of researches which, according to a Semantics of Human
Action
1
, relate work and language, this study also tries to understand how the work
of legislators/draftsmen is discoursively structured, investigating the focus of their
action
2
in texts produced in and about that situation of work. In order to accomplish
that, the study presents a global analysis of legal text, regarding its structure, the type
of language used, and sociohistorical praxis involved in its elaboration. It also shows
a local analysis of the corpus, with the identification of the voices that permeate the
discourse of those subjects who take part in legislative drafting and by re-reading,
with categories from Semantics of Human Action, the texts analysed in their
general aspects. Research’s conclusions reveal the polyphonic nature of legal text
and the historical submission of brazilian citizenry to the State, besides highlighting
the complexity of interpretative processes involved not just in law’s aplication, but in
its elaboration as well. Although these results may be of interest to all those who deal
with this textual genre, the paper presents some suggestions for implementing results
related to the actions of Minas Gerais State Legislature’s parliamentarian
drafter/proofreader, since their action has been focused by the present research.
Thus, it is expected that this study may be useful to those who analyse relations
between language and work, as well as to the improvement of the legislative activity.
Line of research n. 4: Formal and conceptual language structure.
Key-words: work and language legislative drafting Semantics of Human Action
parlamentarian drafter/proofreader.
1
Tradução livre de “Semântica do Agir”.
2
Tradução livre de “o agir”.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 Plano global do texto em termos do agir.....................................37
QUADRO 2 Papéis atribuídos aos sujeitos.....................................................37
QUADRO 3 Trecho da LCE 78 com a identificação das partes que compõem
seu preâmbulo............................................................................................................40
QUADRO 4 Estatuto sintático-semântico dos protagonistas centrais dos arts.
8º ao 11 da LCE 78....................................................................................................71
QUADRO 5 Estatuto sintático-semântico dos protagonistas centrais da Lei
Estadual nº 16.058.....................................................................................................80
QUADRO 6 Estatuto sintático-semântico dos protagonistas centrais da Lei
Estadual nº 15.812.....................................................................................................83
LISTA DE ABREVIATURAS
AD Análise de Discurso
ISD Interacionismo sociodiscursivo
LAF
Grupo de pesquisa Langage, Action, Formation
LCE 78
Lei Complementar Estadual nº 78, de 2004
LCF 95
Lei Complementar Federal nº 95, de 1998
LISTA DE SIGLAS
ALMG Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...................................................................................................12
1 Introdução............................................................................................................12
2 Objetivos..............................................................................................................16
3 Perspectiva teórica..............................................................................................17
4 Metodologia..........................................................................................................21
5 Organização do trabalho.....................................................................................22
CAPÍTULO 1 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA....................................23
1.1 Da relação entre as palavras e o mundo.........................................................23
1.2 Da noção de sujeito...........................................................................................29
1.3 O sujeito no acontecimento..............................................................................31
1.4 Da noção de cena enunciativa..........................................................................34
1.5 Linguagem e trabalho........................................................................................36
CAPÍTULO 2 CARACTERÍSTICAS DO TEXTO LEGAL..........................................39
2.1 A configuração do texto legal...........................................................................39
2.2 A repetição: uma estratégia coesiva no texto legal........................................47
2.3 Processos referenciais no tratamento discursivo das relações entre o
cidadão e a lei...........................................................................................................50
2.3.1 A designação de próprios públicos no texto da Lei Estadual 15.812, de
2005............................................................................................................................54
2.3.2 A polifonia no texto da Lei Estadual nº 16.058, de 2006..............................60
CAPÍTULO 3 ANÁLISE DO CORPUS.......................................................................63
3.1 O plano global do texto da Lei Complementar Estadual nº 78, de 2004.......63
3.2 Releitura da análise global conforme a semântica do agir............................68
3.2.1 Releitura da análise global da Lei Estadual nº 16.058, de 2006..................77
3.2.2 Releitura da análise global da Lei Estadual nº 15.812, de 2005..................82
CAPÍTULO 4 CONCLUSÕES....................................................................................85
4.1 Resultado da análise global do texto legal......................................................85
4.2 Resultado da análise local dos textos do corpus...........................................87
4.3 Aplicação dos resultados da pesquisa............................................................89
4.4 Considerações finais.........................................................................................92
REFERÊNCIAS..........................................................................................................93
ANEXO A...................................................................................................................99
ANEXO B.................................................................................................................109
APRESENTAÇÃO
1 Introdução
A cnica legislativa tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores da
área jurídica, entre os quais destaco Pinheiro (1962), Carvalho (2003) e Freire
(2002). Do ponto de vista lingüístico, no entanto, a análise ainda está restrita aos
profissionais legislativos, que em sua maioria seguem, nos estudos de técnica
legislativa e de redação oficial, um modelo prescritivo, focalizando um conjunto de
regras predeterminadas e fixas (DICKERSON, 1965; MENDES, 1991). Em oposição
a esse modelo, proponho, em relação ao texto legal, uma abordagem que trate dos
fatores condicionantes do processamento discursivo do texto legal, concebido como
gênero, com o objetivo de identificar suas regularidades.
O interesse pelo tema nasceu da observação diária do trabalho de revisão de
textos
3
realizado na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG),
onde atuo desde 1990. Em 1996, participei de um Seminário de Redação Legislativa
com os seguintes objetivos:
1) promover a discussão e a reflexão sobre o processo de elaboração
legislativa e a construção do texto legal, com base, sobretudo, em teorias
conjugadas sobre a produção do texto (conhecimento lingüístico) e a
interpretação e aplicação de leis (conhecimento jurídico-filosófico);
2) desenvolver a habilidade de redatores para a elaboração de projetos de
lei;
3) elaborar textos de referência teórica na área de técnica legislativa.
(MINAS GERAIS, 1996).
Aos temas abordados durante o referido seminário, somou-se artigo de
Castro (1998), em que o autor revela seu interesse pelos fatores que condicionam a
construção do texto legal, analisados do ponto de vista lingüístico.
Além disso, ao final de Curso de Especialização realizado na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte (Fafi-BH)
4
, apresentei monografia
3
A elaboração legislativa compõe-se de três fases subseqüentes, que abrangem: a) na fase
introdutória, a apresentação do projeto de lei; b) na fase constitutiva, sua apreciação pelo Poder
Legislativo e a sanção ou veto do Governador; c) na fase complementar ou de aquisição de eficácia,
a promulgação (assinatura pelo Governador, numeração da lei) e a publicação (MINAS GERAIS,
2005). Em cada uma dessas fases, a publicação dos textos apreciados no Legislativo é precedida de
revisão.
4
Atual Centro Universitário de Belo Horizonte – Uni-BH.
sobre o tempo verbal e a imperatividade da lei (LUCCA, 1997). O estudo pretendia
testar a hipótese de que a escolha do tempo verbal torna a lei mais imperativa ou
menos imperativa. A abordagem metodológica consistiu em verificar se as
alterações propostas pela equipe revisora da ALMG num determinado projeto de lei
seriam aceitas por um grupo de leitores. Considerei que os magistrados constituíam
o grupo ideal de leitores, pois, se alguma dúvida fosse suscitada sobre o texto da lei,
a palavra final seria a de um juiz. Dessa forma, apresentei a um grupo de juízes
duas versões de um projeto de lei: uma, na forma proposta pelo legislador; e outra,
revisada. A escolha unânime do texto revisado indicou que as recomendações dos
revisores eram pertinentes.
Após a realização da pesquisa, verifiquei que outros aspectos deveriam ser
considerados para que o estudo se tornasse mais abrangente e demonstrasse, de
maneira detalhada, o que está envolvido no processamento desse gênero de texto e
quais os problemas e as dificuldades recorrentes verificados na sua redação.
Considerava, por exemplo, que não se pode ignorar que, se mudarmos o tempo
verbal de um enunciado, teremos a reformulação desse enunciado; este, por sua
vez, reconfigura todo o texto, num tempo e lugar discursivos. Noutros termos,
considerava, nesse momento, que a escolha de uma forma verbal não pode ser
avaliada separadamente do todo.
Além do artigo de Castro (1998), duas outras publicações motivaram o
presente estudo. A primeira delas é a dissertação de mestrado, transformada em
livro, na qual Freire (2002) apresenta uma síntese sobre o papel da lei nas diversas
civilizações; realiza um estudo de direito comparado acerca da técnica legislativa em
outros países; sistematiza e analisa a legislação e a bibliografia que tratam da
redação legislativa. Enfim, atualiza a discussão sobre técnica legislativa.
A segunda publicação, da qual tive a honra de participar, foi o Manual de
Redação Parlamentar da ALMG (MINAS GERAIS, 2005), que estabelece regras
destinadas à padronização do texto parlamentar e apresenta diretrizes para sua
redação
5
. Nesta pesquisa, utilizei a parte do Manual destinada à elaboração de
proposições normativas
6
do processo legislativo.
5
Para facilitar a remissão, sempre que eu fizer referência a essa publicação, usarei apenas a
expressão “Manual”, mesmo nas citações.
6
O Manual (p. 25) adota o conceito regimental de proposição como a matéria destinada à apreciação
dos parlamentares, em Plenário ou em Comissão, apresentada por meio de um instrumento formal,
quase sempre escrito, que constitui o objeto do processo legislativo. dois grupos de proposições:
Em Minas Gerais, a lei que disciplina a redação legislativa contou, na sua
elaboração, com a participação significativa de cnicos, redatores e consultores,
cujas sugestões foram em sua maioria acatadas pelos parlamentares
7
. Assim, a Lei
Complementar Estadual 78 (LCE 78) reflete procedimentos específicos adotados
em nosso Estado
8
. O que o Manual apresenta como recomendação, detalhada com
exemplos e sugestões de redação, corresponde a comandos sucintos da lei,
apresentados na forma de diretrizes, como se pode observar nos exemplos 1 e 2, a
seguir.
Exemplo 1
Assim, é recomendável:
a) para obter concisão:
. usar frases e períodos sucintos, evitando adjetivos e advérbios
dispensáveis, bem como construções explicativas, justificativas ou
exemplificativas;
Exemplos: [...]
Forma inadequada
Art. 2º - Fica terminantemente vedada a cobrança de taxas pela emissão de
documentos escolares, tais como declarações, certificados, guias de
transferência ou diplomas.
Forma adequada
Art. 2º - É vedada a cobrança de taxas pela emissão de documentos
escolares. (MANUAL, p. 38-39)
Exemplo 2
Seção IV
Da Redação
Art. 8° - A redação do texto legal buscará a clarez a e a precisão.
Art. - São atributos do texto legal a concisão, a simplicidade, a
uniformidade e a imperatividade, devendo-se observar, para sua obtenção,
as seguintes diretrizes (grifo nosso):
I - no que se refere à concisão: [...];
II - no que se refere à simplicidade: [...];
III - no que se refere à uniformidade: [...];
IV - no que se refere à imperatividade: [...] (LCE 78)
a) as normativas, que se apresentam na forma de texto normativo projetos de lei e de resolução,
propostas de emenda à Constituição e emendas; b) as não normativas, que têm uma função
adjacente no processo legislativo e não se apresentam na forma de texto normativo requerimento,
parecer, recurso e relatório de comissão parlamentar de inquérito e de comissão especial.
7
Durante a elaboração desta dissertação, tive um primeiro contato com uma área de conhecimento
relativamente nova, ligada ao Direito, a Legística, que trata da elaboração legislativa e de
instrumentos de avaliação dessa prática. O técnico dessa área é chamado de legista, acepção que
não adotarei por ser uma expressão ainda pouco conhecida e para evitar confusão com o familiar
médico legista. Ver, sobre o assunto, Soares (2004).
8
Ver texto completo no Anexo A. Para facilitar a remissão, sempre que eu me referir a esta lei
estadual, usarei a abreviatura LCE 78.
Na parte do Manual destinada à elaboração de proposições normativas, é
possível perceber a gênese dos comandos da referida lei e parece haver uma
gradação progressiva entre recomendação e diretriz, como se a primeira fosse
apenas uma sugestão, e a segunda, uma meta estabelecida. Em ambos os casos, o
redator recebe orientações a serem observadas a seu critério e de acordo com cada
situação, ao contrário do que ocorria no modelo anterior, que chamamos de
prescritivo, em que o redator devia seguir regras e fórmulas predeterminadas e
rígidas. O mais interessante na relação entre o Manual e a LCE 78 é o fato de o
texto normativo resultar de práticas adotadas na realização de um trabalho, no caso,
a escrita da lei.
Em nível federal, a matéria é regulada pela Lei Complementar Federal 95,
de 1998 (LCF 95)
9
, a qual revela uma concepção tradicional de linguagem e uma
visão prescritiva da técnica legislativa, em que as características desejáveis do texto,
expressas no caput do seu art. 11 (Ex. 3), serão obtidas se forem seguidas as
normas especificadas nos incisos I a III do mesmo artigo
10
.
Exemplo 3
Seção II
Da Articulação e da Redação das Leis
Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e
ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas (grifo
nosso):
I - para a obtenção de clareza:[...];
II - para a obtenção de precisão:[...];
III - para a obtenção de ordem lógica:[...] (LCF 95)
O texto dos exemplos 1 e 2, por sua vez, mostram uma perspectiva
processual de linguagem e de técnica legislativa, ao estabelecer, em lugar de
normas, diretrizes de redação para se obter clareza e precisão. Os três exemplos
ilustram pontos de vista distintos em relação à linguagem. Os procedimentos
recomendados nesses dispositivos são semelhantes (usar as palavras e as
expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto
técnico; usar frases curtas e concisas; construir as orações na ordem direta,
evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis; buscar a
uniformidade do tempo verbal), mas é bem diferente concebê-los como normas ou
diretrizes. A norma determina, de maneira taxativa, quais procedimentos devem ser
9
Para facilitar a remissão, sempre que eu me referir a esta lei federal, usarei a abreviatura LCF 95.
adotados para que se obtenham clareza, precisão e ordem lógica, entendidas como
inerentes ao texto ou mesmo à atividade de escrita (Ex. 3: As disposições
normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica).
Na verdade, não se escreve com clareza, precisão e ordem lógica, mas pode-
se ter esses elementos em vista quando se redige um texto. O redator da lei deve ter
por objetivo que o texto seja compreendido pelo maior número possível de pessoas,
que não haja dúvidas em sua interpretação. Para tanto, ele adotará procedimentos
que lhe permitam alcançar esse objetivo. Porém, a clareza e a precisão o
caracterizam o ato de redigir, mas o atributos que o redator deseja que seus
leitores percebam no texto. Pensar em leitores que considerem o texto claro e
preciso desloca o foco para a interpretação, para a interação mediada pelo texto,
traz para a discussão dois interactantes construindo suas representações numa
ação situada no tempo e no espaço.
Por outro lado, quando se fala em escrever com clareza e precisão,
evidencia-se uma concepção de linguagem baseada num modelo que prevê um
emissor/remetente comunicando algo para um receptor/destinatário, a quem cabe
decifrar a mensagem que já vem pronta. Nesse caso, entender o texto claro e
preciso (pronto) do redator é a tarefa do leitor, enquanto que, na hipótese à qual
aderimos, o leitor decidirá se o texto está claro e preciso para ele.
Por isso, parece-me mais adequada a prescrição que estabelece uma diretriz,
uma meta a ser alcançada por meio de procedimentos a serem escolhidos pelo
redator na busca das características desejáveis para o texto, definidas no caput do
art. da LCE 78 como atributos (Ex. 2). A segunda opção abre espaço para a ação
do redator, na medida em que cabe a ele interpretar os dados disponíveis e
apresentar, em cada caso, a redação que lhe pareça mais adequada. Nessa
perspectiva, examinei, nos capítulos destinados à análise, alguns procedimentos
relativos à redação de leis.
2 Objetivos
Acredito que a análise de textos como os dos exemplos 1 e 2, cotejada com a
legislação federal que trata do assunto e, eventualmente, com textos de outras leis,
pode ser útil aos estudos que relacionam linguagem e trabalho, em especial os
10
Ver definição de artigo, inciso e caput no Capítulo 2, item 2.1 (p. 39).
desenvolvidos por Bronckart e Machado (2004). É minha intenção que o exame
dessa “rede de discursos proferidos” nos leve a uma compreensão maior do trabalho
do legislador/redator de leis, tanto em relação ao seu agir concreto, quanto a alguns
aspectos das representações que socialmente se constroem sobre ele nessas
produções textuais. Com esta análise pretendi, ainda, entender a natureza e as
razões das ações verbais e não verbais desenvolvidas na atividade legislativa e o
papel que a linguagem desempenha. Abreu-Tardelli (2004, p.178) cita Bronckart
para justificar a importância da preocupação com “o agir do ângulo do trabalho, uma
vez que é no trabalho que o agir se manifesta de forma mais determinante no tipo de
sociedade em que vivemos.”. Assim, compreender como se configura
discursivamente o trabalho do legislador/redator de leis pode contribuir para o
aperfeiçoamento da atividade de elaboração legislativa e para a disseminação desse
gênero de texto.
Além disso, nas conclusões de seu estudo, Bronckart e Machado (2004,
p.157) apontam para a necessidade de comparação entre suas análises e as que
envolvam corpora oriundos de outras situações de trabalho, no caso, o trabalho de
elaboração legislativa. Uma vez que a citada lei estadual estabelece como deve ser
a configuração dos demais textos normativos, o estudo de seu texto nessa
perspectiva possibilitará, de um lado, indicar as propriedades formais globais dos
textos de prefiguração em geral (gênero de texto, tipos de discurso utilizados,
decisões enunciativas, etc.); e, de outro, analisar os procedimentos lingüísticos pelos
quais determinados aspectos do agir legislativo são apresentados como atividades
ou como ações que envolvem atores dotados de motivos, intenções e recursos.
3 Perspectiva teórica
Adotando a perspectiva do interacionismo sociodiscursivo (ISD) proposta por
Bronckart (2003), procurei, ao analisar a condição textual e discursiva da lei,
examinar como se constroem os processos de referenciação no texto legal, a fim de
identificar suas regularidades. Assumo uma posição que privilegia os processos
envolvidos na enunciação (MARCUSCHI, 2003; KOCH, 2005), com ênfase nos
participantes da interação, considerando texto e contexto noções distintas, mas
interdependentes, “vasos comunicantes” em relação dialógica (KERBRAT-
ORECCHIONI, 1996)
11
.
Após uma primeira análise global do corpus, fiz a releitura do conteúdo
temático do texto nos termos de uma semântica do agir, conforme proposta de
Bronckart e Machado (2004), a fim de verificar qual é o foco desse agir. Dependendo
da maneira como o núcleo do conteúdo temático é abordado, o agir pode ser um
agir-prescritivo, se envolver o ato oficial realizado pelo signatário da mensagem; um
agir-fonte, se o núcleo for o próprio trabalho de produção do documento; ou um agir-
decorrente, caso se refira à utilização posterior do documento, indicando, de forma
genérica, diversos atos a serem realizados
12
. Adoto, portanto, nesta pesquisa, uma
concepção ampliada de situação de trabalho, a qual se “configura a partir de toda
uma rede de discursos proferidos.” (ROCHA apud BRONCKART; MACHADO, 2004,
p.135).
Assumo a noção de trabalho prescrito como um “conjunto de normas e
regras, textos, programas e procedimentos que regulam as ações” e a de trabalho
realizado como “o conjunto de ações efetivamente realizadas.” (MACHADO, 2002, p.
40, 41). Mediante a análise comparativa do texto produzido a partir de uma
prescrição, pretendi demonstrar como as interpretações aparecem em ambos,
revelando-nos, por meio da linguagem, as representações sociais que o trabalhador
envolvido na situação de trabalho analisada constrói a respeito de si mesmo e de
seu agir concreto e como esse trabalhador e seu agir são vistos por quem prescreve
e avalia suas intervenções.
É necessário esclarecer, ainda, que utilizo o termo agir de forma geral,
classificando-o como atividade quando considero o nível coletivo desse agir,
regulado pela forma social e pelo que o antecede, e como ação, quando levo em
conta sua dimensão individual, representada pela maneira como aquela construção
externa dos motivos e intenções coletivos é assimilada como construção interna
pelos interactantes. Essa classificação resulta da abordagem teórico-metodológica
adotada, o ISD, cujos fundamentos se inserem num conjunto de teorias
desenvolvidas em vários domínios das Ciências Humanas para estudar como se
11
No Capítulo 1 retomarei as noções de texto e contexto.
12
Categorias explicitadas no Quadro 1 do capítulo teórico-metodológico (p. 37).
constitui e se desenvolve o pensamento humano e, em especial, a linguagem
humana.
Pinto (2004), baseado principalmente em Bronckart (2003), apresenta uma
síntese do percurso histórico do ISD, relacionando, inicialmente, quatro paradigmas
do século XX à Teoria das Ações, bem como suas contribuições para o ISD: o
behaviorismo, o interacionismo lógico, o interacionismo social e o cognitivismo. É
preciso ressaltar que o ISD não concorda integralmente com todos esses
paradigmas, mas deles aproveita alguns pressupostos. Dentre os objetos de estudo
do behaviorismo, por exemplo, interessam ao ISD o positivismo e o comportamento
observável, embora o ISD seja contrário ao behaviorismo. É dessa maneira que
Pinto (2004) destaca as influências de cada paradigma e registra que a principal
contribuição do interacionismo lógico para o ISD vem dos estudos realizados por
Piaget sobre a interação com o meio físico, e, do interacionismo social, vem da
pesquisa de Vygotsky sobre a interação pela linguagem e com grupos sociais. Dos
estudos cognitivistas, por sua vez, o ISD considera algumas reflexões empreendidas
pela Gramática Gerativa sobre processos cognitivos e o cérebro.
Ainda segundo Pinto (2004), o ISD utiliza, da Filosofia Analítica e de sua
reflexão sobre as ões humanas, os conceitos formulados por vários estudiosos,
em especial Habermas em sua Teoria do agir comunicacional, que postula a
existência de três mundos (objetivo, social e subjetivo), aos quais correspondem três
aspectos do agir humano, na medida em que o agente entra em contato com o meio
conforme o meio é representado. Ricoeur reconfigura as ações pela ação pensada e
pela hermenêutica; Leontiev distingue as noções de: a) atividade organização
funcional das condutas de acordo com as formações sociais, em que as condutas,
não conscientes, modificam o ambiente social, podendo ser classificadas como:
coletivas, para sobrevivência e tarefas (exemplo: cooperação entre abelhas,
formigas e cupins); b) ação como parte da atividade/tarefa, sendo a ação humana
consciente, uma vez que possui intenção e finalidade; c) operação ação
automatizada, não consciente, semelhante ao conceito de Piaget.
Somam-se a esses conceitos, registrados por Pinto (2004) como
contribuições da Filosofia Analítica para o ISD, a proposta de Durkheim e seu
determinismo social, segundo o qual as representações coletivas restringem as
representações individuais; a noção apresentada por Wittgenstein de jogos de
linguagem, em que o sentido é determinado pelo uso, no jogo, das formas da
linguagem necessárias para compreender o conhecimento; e a Semiologia do Agir,
de Anscombe, que distingue entre eventos da natureza e ações humanas. No
segundo caso, as ações humanas, identificam-se os componentes da semiologia do
agir: intervenção, premeditação, motivo para agir, capacidade de agir e
responsabilidade do agente. Hume, por sua vez, também contribui para o ISD ao
desenvolver o modelo proposto por Anscombe, vinculando a relação de causalidade
entre um agente A (da natureza ou humano) e um objeto B a interpretações que
correspondem à verificação da veracidade da relação entre A e B, e considerando a
intervenção humana como resultado de motivação intencional.
Na seqüência de sua síntese do percurso histórico do ISD, Pinto (2004)
lembra, ainda, a contribuição de Austin e a Teoria dos Atos de Fala, com a fusão
corpo/linguagem e linguagem/ação, e a de Popper, que propõe sua Teoria de
Mundo, segundo a qual, de maneira semelhante a Habermas, o agir se baseia em
conhecimentos válidos sobre três dimensões: a) do agir propriamente dito
dimensão praxeológica ou teleológica (mundo objetivo); b) do agir social dimensão
regulada por normas (mundo social); c) do agir de exibição junto aos outros
dimensão dramatúrgica (mundo subjetivo).
Concluindo sua apresentação das raízes do ISD, Pinto (2004) menciona duas
correntes filosóficas que se alinham em campos opostos, ao analisar a atividade
linguageira do ser humano. De um lado, o representacionismo inspirado na filosofia
grega de Aristóteles, com Descartes e seu eu pensante, e Kant. De outro lado, a
filiação a Espinosa e Hegel e a adoção da noção de ação de linguagem como
atividade significante, baseada na dialética entre atividade racional e propriedades
dos objetos. Nesse último grupo, destacam-se a teoria dos fatos sociais de
Durkheim; Marx, postulando que a existência social determina a consciência; e
Engels que, partindo do princípio do movimento dialético de Hegel, aplicado ao
processo de evolução das sociedades humanas, defende que os instrumentos, a
linguagem e o trabalho, entendidos como cooperação social, são fatores de
construção da consciência.
No quadro apresentado, devo ressaltar que o ISD assume, com Vygotsky,
que a linguagem é a atividade humana fundamental e que “é decisivo o papel da
interiorização dos signos sociais na constituição e no desenvolvimento do
pensamento consciente.” (BRONCKART, 2006, p. 17). Assim, Bronckart reafirma o
que defendia anteriormente como proposta do ISD, que é “considerar as ações
humanas em suas dimensões sociais e discursivas constitutivas.” (BRONCKART,
2004, p. 31). Na obra de 2006, o autor, embora confirme a filiação à teoria de
Vygotsky, enfatiza sua discordância da hipótese vygotskyana segundo a qual, nos
primeiros quinze meses da vida da criança, coexistiriam duas raízes disjuntas de
desenvolvimento, o “estágio pré-verbal da inteligência” e o “estágio pré-intelectual da
linguagem”. Essas duas raízes se fundiriam aos quinze/dezoito meses, propiciando a
transformação de imagens não verbais, correspondentes a uma protolinguagem, em
representações verbais, socializadas, que constituiriam, então, uma verdadeira
linguagem, a qual evoluiria a partir dessa fusão em duas direções funcionais, uma
social, com as capacidades de comunicação verbal, e outra, individual, com a
interiorização dos signos e a constituição do pensamento consciente.
Considerando, como Bronckart (2006), que, desde o nascimento,
mergulhamos em um mundo de preconstruídos sociais que influenciam na
construção de imagens mentais, vou ainda além, pois sofremos tal influência
sociodiscursiva mesmo antes do nascimento, quando nossos pais escolhem o nome
da futura criança. Abordo essa questão de maneira mais específica ao tratar da
noção de sujeito, no Capítulo 1, itens 1.2 e 1.3.
4 Metodologia
O ponto de partida para a constituição do corpus foi a LCE 78, que, como se
disse, disciplina a redação legislativa em Minas Gerais. Fiz uma primeira análise
global desse texto, concentrando-me na parte que trata especificamente da
elaboração das leis
13
, e tendo como parâmetro o Manual. A lei federal que trata do
mesmo assunto e textos de outras leis foram utilizados como exemplos.
Na seqüência, adotando os dois procedimentos de análise descritos por
Bronckart e Machado (2004, p. 152) e apresentados a seguir, fiz a reinterpretação
pontual e detalhada dessa primeira análise, na perspectiva teórica do ISD, como foi
dito anteriormente no item 3. Num primeiro momento da análise, identifiquei e
classifiquei sintaticamente os tipos de orações, dividindo-as em principais e
subordinadas, e orações com verbo na voz ativa (ou neutra), na passiva, flexionado
ou no infinitivo. O segundo passo compreendeu a classificação dessas orações com
base nas categorias do Quadro 2, apresentado no Capítulo 1 desta dissertação (p.
37), além da identificação dos sujeitos e dos complementos verbais e de seu papel
sintático-semântico. Meu objetivo foi, seguindo o que propõem os autores, examinar
o foco do agir expresso nos textos produzidos sobre essa e nessa situação de
trabalho.
Baseando-me na metodologia adotada por Machado (2002), analisei três tipos
de dados:
a) o texto prescritivo – a LCE 78;
b) o texto planificador – o Manual;
c) o texto do trabalho realizado leis elaboradas após a publicação dos
textos relacionados nos itens a e b. Na pesquisa, foram analisadas as Leis nºs
13.735, de 2000; 15.812, de 2005; e 16.058, de 2006, todas do Estado de Minas
Gerais, para demonstrar como o trabalho prescrito e planificado se apresenta nos
textos produzidos na situação analisada.
5 Organização do trabalho
Os resultados da pesquisa apresentados nesta dissertação foram divididos
em cinco partes, sendo uma primeira parte introdutória, seguida de quatro capítulos.
A primeira parte do trabalho foi subdividida em cinco itens: (1) introdução, na qual
descrevo como surgiu meu interesse pelo tema; (2) principais objetivos da pesquisa;
(3) perspectiva teórica adotada; (4) metodologia aplicada na execução do trabalho; e
(5) como o trabalho foi organizado. O Capítulo 1 apresenta as reflexões teórico-
metodológicas que fundamentaram a análise do corpus. No Capítulo 2, consta a
análise global do texto legal, no que se refere à sua estrutura, ao tipo de linguagem
utilizado e às práticas sociais e históricas envolvidas em sua elaboração. O Capítulo
3 traz uma análise do corpus, a fim de identificar as vozes que permeiam o discurso
dos sujeitos que participam da elaboração legislativa. Nesse capítulo apresento,
inicialmente, o plano global dos textos analisados no capítulo anterior e, em seguida,
a releitura desses textos nos termos de uma semântica do agir. Por fim, no Capítulo
4, formulo as conclusões da pesquisa e algumas sugestões para aplicação de seus
resultados.
13
Ver exemplo 19 no item 3.2 do Capítulo 3 (p. 69).
CAPÍTULO 1 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA
Neste capítulo, apresento as reflexões teórico-metodológicas que
fundamentaram a análise do corpus. No item 1.1, trato da noção de referência
adotada, seguida, nos itens 1.2, 1.3 e 1.4, respectivamente, das noções de sujeito,
de acontecimento e de cena enunciativa. Concluo o capítulo com a descrição, no
item 1.5, dos procedimentos de análise utilizados na pesquisa.
1.1 Da relação entre as palavras e o mundo
Interessa à Lingüística e, em especial, à Semântica Lingüística o aspecto
simbólico da relação da linguagem com as coisas. Na verdade, como afirma
Guimarães (2005, p. 9), importa a muitos estudiosos da linguagem saber “como ao
dizer algo fala-se das coisas.”. Segundo o mesmo autor, a Filosofia e a Lógica, por
outro lado, concentram-se no aspecto ontológico dessa relação entre a expressão
lingüística, o que ela significa e a que se refere. Matencio (1996, p. 9), em
comentário sobre a Análise de Discurso (AD) de linha francesa, complementa a
afirmação de Guimarães ao dizer que, além do “que se quer dizer com o que foi
dito”, importa saber “que lugar se ocupa ao se dizer o que foi dito e como foi dito.”.
Avaliando o que denomina como busca incessante do consenso ou
impossibilidade de se neutralizar o dissenso, Mari menciona a hermenêutica textual
de Ricoeur, concebida como a ciência das regras da exegese, e lembra que:
Reflexos dessa dificuldade com o sentido permeiam todo o processo de
construção e interpretação de leis numa sociedade: se uma legislação é
idealizada a partir de pretensões à universalização de um sentido sobre os
objetos que ela disciplina, sabemos que o seu uso subseqüente, a sua
aplicação a circunstâncias particulares costumam ser reveladores de uma
dimensão dissensual. (MARI, 2000, p.142).
Nossa cultura é orientada por dualismos que precisam ser relativizados: bem
e mal, céu e inferno, santo e profano, certo e errado, corpo e alma, matéria e
espírito. Mari (2000) afirma que consenso e dissenso recobrem as práticas
discursivas de forma natural e devem ser admitidos como efeitos do processo
dialógico
14
, no esforço de construções teóricas na Lingüística, fundamentando-se o
14
Substituí o termo dialogal, do texto original, por dialógico, conforme o emprega Bakhtin (2003).
processo de construção histórica do sentido em “um movimento dúbio que se auto-
organiza: ele induz ao consenso onde o dissenso grassa, mas impele ao dissenso
onde o consenso prevalece.”. Ninguém é bom o tempo todo, só erra quem se arrisca
a tentar acertar. Não há como separar uma coisa da outra, mesmo que se respeite a
autonomia de cada parte.
O físico brasileiro Gleiser (1997) questiona de maneira muito interessante a
separação entre ciência e religião, em seu livro sobre os mitos de criação. Os limites
entre os dois campos não são tão claros quanto se concebia até pouco tempo atrás
e as hipóteses de ambos sobre a origem da vida contêm elementos especulativos. O
mesmo raciocínio se aplica ao estudo da linguagem. Morin propõe a tríade
espírito/cérebro/cultura, numa relação de interdependência, sem predomínio de um
elemento sobre o outro: “O espírito não é locatário nem proprietário do corpo. O
corpo não é o hardware nem o servidor do espírito. Ambos constituem um ser
individual dotado da qualidade de sujeito.” (MORIN, 1999, p. 94-95).
Considerando, pois, que essas partes autônomas, além de interdependentes,
são constitutivas do sujeito, assumo com Guimarães (2005) uma posição
materialista ao abordar a relação entre as palavras e o mundo. Assim, a linguagem
não é tomada como transparente e sua relação com o real é concebida como
histórica. Guimarães (2005) afirma, ainda, que a enunciação é “um acontecimento
no qual se a relação do sujeito com a língua.”. Tal posicionamento, segundo o
autor, recoloca os estudos da enunciação no campo das Ciências Humanas, em
diálogo com a Filosofia da Linguagem (a Teoria dos Atos de Fala, a Pragmática, a
Semântica Argumentativa) e, em especial, com uma certa Análise de Discurso
praticada no Brasil, que possui pontos em comum com a AD de linha francesa.
Afinal, ao considerar que a relação integrativa ultrapassa o limite do
enunciado, que “há uma passagem do enunciado para o texto, para o
acontecimento, que não é segmental. E esta é a relação de sentido.”, Guimarães
(2005, p. 7) menciona e atualiza o conceito benvenistiano de movimento integrativo
de uma unidade lingüística, segundo o qual o sentido de um elemento lingüístico
depende da relação deste elemento com a unidade maior ou mais ampla que ele
integra.
Guimarães (2005, p. 9, 91) distingue entre nomear, referir e designar:
a) nomeação processo semântico pelo qual algo ou alguém recebe um
nome;
b) referência – particularização de algo na e pela enunciação;
c) designação – significação de um nome como relação simbólica e histórica,
em que o nome não é uma palavra que classifica objetos, incluindo-os em conjuntos.
Com essa distinção, Guimarães se posiciona contrariamente à visão de Frege
e Russell, os quais, segundo o autor, discutem se os nomes têm ou não têm sentido
e se a expressão referencial apenas denota um objeto na frase. Ele, por sua vez,
reafirma que as coisas existentes são referidas porque são significadas e não pelo
simples fato de existirem. Na visão de Guimarães, nomeamos as coisas ao atribuir-
lhes um valor, ao associarmos a elas algo que nos permita particularizá-las,
identificá-las e, assim, nos referirmos a elas. Dessa forma, nomear e referir integram
o processo de designação, numa relação interdependente.
Searle (1995) aproxima-se da distinção feita por Guimarães (2005) ao propor
o que ele mesmo considera como desenvolvimento da teoria de Frege e afirmar que
referência se houver algum conteúdo descritivista intencional na mente do
falante que emprega a expressão. A ressalva de Searle e, acredito, também de
Guimarães (2005) à teoria fregeana reside no fato de Frege considerar que “o
conteúdo semântico estava sempre em palavras, sobretudo descrições, e que a
descrição parecia uma definição ou um sentido do nome.” (SEARLE, 1995, p. 339).
Fauconnier e Turner (2002, p. 274) utilizam uma terminologia diferente, mas
buscam descrever o mesmo fenômeno ao distinguir entre nomear e conceituar.
Assim como Guimarães e Searle, eles entendem como essencial à referência a
atribuição, pelos participantes, de valor ao nome para que este possibilite a
construção, pelos interactantes, de um conceito, na medida em que as expressões
lingüísticas não representam significados, mas dão o “prompt”, disparam o gatilho
para a construção de significados na enunciação. Como exemplo, os autores citam o
conceito de número, que não incluía os números fracionados e negativos até que os
matemáticos os “descobrissem”, comprovando que os conceitos mudam conforme o
que associamos aos nomes para que eles nos permitam identificar e, assim, referir e
designar. Em outro exemplo, Fauconnier e Turner ilustram o “jogo de imagens” da
interação, em que os participantes projetam mutuamente as representações de si e
do outro, orientando as escolhas por seus conhecimentos e crenças. Trata-se da
armadura de Aquiles, a qual, diante do impedimento desse guerreiro em participar
de uma determinada batalha, foi usada por outra pessoa a fim de impressionar o
exército inimigo, que acreditava lutar contra alguém famoso por sua invencibilidade.
Segundo os autores, assim como a força e o poder de Aquiles não estão em sua
armadura, o sentido não está nas palavras, mas no valor atribuído a elas, tanto por
quem enuncia quanto por quem interpreta o texto.
Concordo que o sentido não está nas palavras, mas é construído por sujeitos
que atribuem um valor ao nome para que este lhes permita identificar e, portanto,
referir e designar. Os objetos não estão etiquetados e organizados, aguardando que
alguém os identifique, como se Adão e Eva, chegando ao mundo, começassem a
discretizá-lo. O mais provável é que os dois, na condição de seres humanos que
agem/interagem no mundo e com ele, tenham negociado entre si como se referir às
coisas e a si mesmos.
Ao assumir, com Bronckart (2006, p. 17), que a linguagem é a atividade
humana fundamental e que “é decisivo o papel da interiorização dos signos sociais
na constituição e no desenvolvimento do pensamento consciente”, adoto igualmente
os demais pressupostos do ISD, filiando-me à corrente mencionada no capítulo
introdutório deste trabalho e considerando a ação de linguagem como atividade
significante. As escolhas que fazemos ao realizar nossa atividade linguageira
significam, pois constituem e materializam nossa identidade, aspecto que analisarei
no item 2.3.2 do segundo capítulo, ao tratar da noção de polifonia, e que retomarei
no capítulo seguinte, destinado à análise local do corpus, onde focalizarei as ações
de linguagem de um determinado grupo na situação de trabalho da elaboração
legislativa.
Resulta dessa adesão ao ISD minha recusa à visão representacionista de
linguagem. Concebo, portanto, língua como atividade sociointerativa, em que as
categorias são construídas pelos interactantes e a referenciação é tida como a
criação de objetos de discurso, abordagem defendida por Marcuschi (2003) e
Mondada e Dubois (2003). Assim, se peço a alguém para pegar um livro, é no
momento da interação que esse alguém sabe a qual livro me refiro. Noutros termos,
embora a noção de livro não seja construída no momento da interação, é aí que
esse referente se determina discursivamente.
Ressalte-se como essencial à noção de referência com que se trabalha aqui
lembrar algumas condições básicas da textualidade, entendidas como princípios de
acesso e não de boa formação textual
15
(BEAUGRANDE apud KOCH, 2005, p. 67).
15
Entre tais princípios, Koch (2005) menciona intertextualidade, informatividade, situacionalidade,
topicidade, relevância e coerência.
Tais condições resultam de algum tipo de integração conceitual e temática, realizada
na proposta de organização do produtor e na proposta de construção do sentido
feita pelo leitor (FOLTZ, 1996; VAN DIJK, 1994, 1997 apud KOCH, 2005, p. 71).
O que me leva a aproximar Guimarães, Searle, Fauconnier e Turner, neste
momento da reflexão aqui empreendida, é o fato de que, mesmo partindo de
abordagens distintas, todos incluem em seus modelos os sujeitos envolvidos na
interação e reconhecem a cena comunicativa como condição fundadora dos
processos interpretativos. Os autores somam-se, dessa forma, à reflexão
empreendida desde Bakhtin, em 1929, e Benveniste, nos anos 50, com quem
concordam ao reconhecer sujeitos interactantes que constroem suas representações
na e pela enunciação, sujeitos interagindo, planejando o que dizem, tendo em vista
com quem e onde interagem, a partir de seus conhecimentos e de sua experiência.
As escolhas feitas por esses sujeitos, o valor por eles atribuído às palavras que
escolhem ao enunciar, repetindo ou modificando, mas sempre atualizando um
discurso, constituem objeto de estudo deste trabalho, que considera tais elementos,
como já foi dito, segundo a perspectiva do ISD.
Partindo, pois, de uma concepção de linguagem como lugar de inter-ação
entre sujeitos sociais, isto é, de sujeitos ativos, empenhados em uma atividade
sociocomunicativa” (KOCH, 2005, p. 19), lembro, com Bronckart, que a ação
significante de um agente se insere no fluxo da atividade social, não sendo possível
o controle total de seus efeitos por parte desse agente:
a ação humana é “dada a ver” no ambiente social; ela constitui desde então
uma obra aberta (no sentido de Umberto Eco), um fenômeno cuja
significação continua em suspenso e que se torna, então, necessariamente,
objeto de interpretações. Interpretação social, de um lado: “os outros”
avaliam a ação de um agente, imputando-lhe motivos, intenções e
responsabilidades. Interpretação individual, de outro lado: o agente se
atribui responsabilidades, intenções e razões. (BRONCKART, 2006, p. 70).
Se considerarmos, ainda, que as relações de significações estabelecidas em
uma língua “têm seu fundamento apenas no sistema de interações sociais”
(BRONCKART, 2006, p. 134), entenderemos o sistema da ngua como dependente
do sistema social, concordando com o autor ao aderir à proposição saussureana
segundo a qual, no fenômeno semiológico, “a coletividade social e suas leis são um
dos elementos internos e não externos.” (SAUSSURE apud BRONCKART, 2006, p.
134).
Parece-me correto, portanto, associar aos conceitos descritos anteriormente a
noção de enquadre e esquema, com sujeitos interagindo dialogicamente e operando
com a “noção de estrutura de expectativa” (TANNEN apud ASSIS, 2002). Na
abordagem adotada, o enquadre de interpretação ou “frame” é visto como a
percepção, pelos participantes da interação, de qual atividade está sendo encenada,
enquanto o esquema seria a estrutura de conhecimento, abrangendo as
expectativas dos participantes com relação às pessoas, coisas, fatos e cenários no
mundo (BATESON, 1972; GOFFMAN, 2002; TANNEN e WALLAT, 2002).
As noções aqui explicitadas foram aplicadas na reflexão desenvolvida por
Guimarães (2005) sobre as nomeações, na qual o autor apresenta, primeiramente,
um estudo dos nomes próprios, concluindo que a maneira pela qual um nome é
dado a alguém interfere no que o nome designa e refere. Importa saber que a
relação não é um nome/uma pessoa, mas, sim, um pai/um nome/uma pessoa.
Nesse caso, um pai significa nomear a partir do lugar social da paternidade, no
espaço enunciativo regulado pela língua portuguesa como idioma nacional. Ao ser
nomeada, a pessoa é identificada socialmente perante a família e o Estado, e é
inserida num espaço de enunciação específico. Por exemplo, um filho que recebe de
um pai famoso nome e sobrenome terá, na sociedade, um reconhecimento diferente
do que teo filho de pai desconhecido, ou o filho bastardo. Receber o nome da
família X pode equivaler à armadura de Aquiles, citada anteriormente (p. 25).
Na seqüência de seu estudo, Guimarães (2005) verifica semelhanças entre o
processo ora descrito e o de atribuição de nomes de ruas e de nomes comuns, na
medida em que todos integram o processo de identificação e de localização dos
lugares do cidadão na cidade, num espaço enunciativo circunscrito pela língua oficial
do Estado. A designação divide e redivide o real pelo simbólico no acontecimento,
num processo de identificação do real pela linguagem, a qual se torna capaz de
referir objetos particulares. Ao identificar, o nome particulariza um ser único e se
resignifica permanentemente ao referir em enunciações diversas e ao ser
reescriturado por outras referências, o que me parece comprovar a hipótese do autor
(GUIMARÃES, 2005, p. 7) de que a relação integrativa da expressão ultrapassa o
limite do enunciado, devendo ser remetida à textualidade. Retomo essa discussão
no Capítulo 2, ao analisar a configuração global do texto da lei, particularmente no
item 2.3.1, quando trato da nomeação no texto da Lei Estadual nº 15.812, de 2005.
1.2 Da noção de sujeito
Ao descrever a oposição em que a civilização ocidental vive, entre os dois
mundos vistos por Descartes o mundo dos objetos, relevante ao conhecimento
objetivo, científico, e o mundo dos sujeitos, relativo a um conhecimento intuitivo,
reflexivo –, Morin (1996) lembra que, na ciência clássica, considera-se que o
elemento subjetivo prejudica a exatidão dos dados a serem observados e descritos,
configurando-se como fonte de erros, o ruído a ser eliminado. O autor propõe uma
noção complexa de sujeito, ao mesmo tempo biológica e cognitiva, segundo a qual o
sujeito é produto e produtor de si mesmo, de maneira dialética. Segundo essa visão,
também presente nos estudos histórico-culturais desenvolvidos por Vygotsky e
retomados por Bronckart no ISD
16
, não separação entre sujeito e objeto, mas
existe um processo de objetivação subjetiva.
Morin (1996) reinterpreta Descartes e afirma que este, ao dizer cogito ergo
sum” (penso, logo sou), na verdade queria dizer eu penso que eu penso. Noutros
termos, o eu egocêntrico se objetiva no eu mesmo da linguagem e, então, eu me
penso a mim mesmo pensando constitui um tratamento objetivo do eu, com
finalidade subjetiva, onde me/mim mesmo é diferente de eu. Assim, a linguagem
configura-se em instrumento de objetivação do indivíduo-sujeito, cuja identidade
emerge segundo o que o autor denomina princípio de identidade complexo. Silva e
Matencio (2005, p. 249), assumindo também esse ponto de vista, concluem que “a
identidade do sujeito seria resultado tanto de sua diferença quanto de sua similitude
em relação ao outro.”.
Na verdade, quando o indivíduo-sujeito se objetiva por meio da linguagem,
esta deixa de ser concebida como mero instrumento e revela sua natureza de
atividade constitutiva do sujeito, o qual se apresenta como referente, assim como os
demais objetos de discurso. A partir das contribuições da psicanálise lacaniana, o
sujeito é visto como uma “representação – como ele se representa a partir do
discurso do pai, da família, etc. –, sendo, portanto, da ordem da linguagem.”
(MUSSALIM, 2004, p. 106, 107).
Tal concepção de linguagem comporta esse sujeito lacaniano, com suas duas
faltas constitutivas, que são os dois esquecimentos descritos por Pêcheux
(PÊCHEUX apud MATENCIO, 1996, p. 14-15; MUSSALIM, 2004). Quando o sujeito
esquece que é assujeitado pela formação discursiva
17
, ocorre o primeiro
esquecimento, que corresponde à interpelação do sujeito pela ideologia. Segundo
Pêcheux, esse esquecimento estaria no nível do inconsciente, inacessível às
análises portanto, uma vez que não há teoria lingüística que inclua esse nível.
O segundo esquecimento é considerado pelo autor como consciente ou pré-
consciente, pertencendo ao nível dos processos de enunciação, sendo, portanto,
passível de análise. Refere-se à ilusão do sujeito de crer que tem plena consciência
do que diz e que por isso pode controlar os sentidos de seu discurso (MUSSALIM,
2004, p. 135). Como o sujeito se define em relação ao Outro/outro que ele
desconhece e do qual não tem consciência, mas que passa a fazer parte de sua
identidade, temos um sujeito heterogeneamente constituído pelo Outro que o
domina (pai e mãe como lugares ocupados na estrutura
18
: o discurso da família) e
pelo outro, o locutor. Numa determinada formação discursiva, a instância enunciativa
constitui o sujeito em sujeito de seu discurso ao mesmo tempo em que o assujeita
(MAINGUENEAU, 1993).
Se a estrutura inclui o sujeito, simultaneidade, e não anterioridade, “nas
relações entre o individual e o coletivo, entre a estrutura e o acontecimento”
(MATENCIO, 1996, p. 15). Agindo no mundo e interagindo com ele, o sujeito se
constitui ao mesmo tempo em que atualiza as relações estruturais.
Chega-se, dessa forma, a uma noção de sujeito que não é origem nem
homogêneo, um sujeito cujas decisões se restringem a escolhas possíveis,
determinadas pela comunidade a que pertence, mas que realiza um trabalho,
introduzindo na cena enunciativa
19
elementos novos a cada interação. Não basta,
então, saber “qual é a posição que pode e deve ocupar cada indivíduo para dela ser
o sujeito.” (FOUCAULT apud MAINGUENEAU, 1993, p. 33). É preciso considerar
que esse sujeito age no mundo, interage com ele e, ao fazê-lo, o modifica. E sua
interação no mundo e com o mundo é movida por um sujeito com intenções e
expectativas, um sujeito que enuncia.
16
Ver, a esse respeito, o primeiro capítulo de Bronckart (2006).
17
A noção de formação discursiva é concebida como conjunto de textos produzidos no quadro de
instituições que restringem a enunciação, nos quais se cristalizam conflitos históricos e sociais que
delimitam seu espaço no interdiscurso. A formação discursiva define o que pode e deve ser dito a
partir de uma posição dada numa conjuntura determinada. (MAINGUENEAU, 1993)
18
A estrutura, entendida como conjunto virtual de elementos simbólicos que se relacionam e se
atualizam, produz efeitos. Assim, não são as partes de uma estrutura que se atualizam, mas as
relações, o simbólico. (MATENCIO, 1996, p. 2)
19
Trato da noção de cena enunciativa no item 1.4 (p. 34).
1.3 O sujeito no acontecimento
Embora parta da noção de enunciação proposta por Benveniste (1989a,
1989b) e Ducrot (1987), Guimarães (2005, p. 11-31) procura não remetê-la a um
locutor, à centralidade do sujeito, e refuta a hipótese benvenistiana segundo a qual a
temporalidade do acontecimento coincide com o tempo do ego que diz eu, aqui
chamado de locutor. Aquele que enuncia somente é sujeito por falar de uma região
do interdiscurso, entendido como memória de sentidos ou memória discursiva.
Quem enuncia insere-se nessa memória, onde se articulam o interdiscurso e o
acontecimento. Dessa forma, o acontecimento de linguagem projeta uma latência de
futuro e, ainda, temporaliza o passado, ao rememorar as enunciações que recorta,
representando os fragmentos desse passado como seu. Entre o passado memorável
e o futuro interpretável, configura-se o acontecimento como novo espaço de
temporalização. O sujeito não é a origem do tempo, ele é tomado na temporalidade
do acontecimento. Estar na memória é diferente de estar no tempo em sua
dimensão empírica.
Retomando o que Ducrot (1987) chamou de polifonia da enunciação,
Guimarães (2005, p. 23) distingue os termos locutor e enunciador num quadro onde
procura caracterizar “não a multiplicação das figuras da enunciação, mas sua
divisão”. Na cena enunciativa, os interlocutores não são pessoas donas de seu
dizer, mas lugares constituídos pelos dizeres. Assumir a palavra é assumir o lugar
que enuncia, o lugar do Locutor, o lugar que se representa no próprio dizer como
fonte desse dizer, mas que somente se apresenta como Locutor se for predicado por
um lugar social distribuído por uma deontologia do dizer de uma certa língua, a qual
determina de que lugares sociais é possível dizer o que se diz e de que modo.
Além desse lugar social de dizer, o locutor-x que atribui papéis enunciativos
ao Locutor, há na cena enunciativa os lugares de dizer, os enunciadores (individual,
genérico ou universal) que representam a inexistência ou o apagamento dos lugares
sociais de locutor. O enunciador-individual é um lugar que representa o Locutor
como uma individualidade a partir da qual se pode falar, independentemente da
história, como em eu prometo que vou. Tem-se o enunciador-genérico quando
ocorre o apagamento do lugar social do Locutor, que fala como e com outros
indivíduos, também independentemente da história, como em quem semeia vento
colhe tempestade. o enunciador-universal ocorre quando o Locutor é
representado como não social, fora ou acima da história e submetido ao regime do
verdadeiro e do falso, como em todos morrem.
Por exemplo, no enunciado “O Presidente da República, no uso de suas
atribuições, decreta”, analisado por Guimarães (2005), observa-se que o Locutor é o
locutor-presidente, que fala como enunciador universal, a partir da posição de sujeito
jurídico-liberal. A temporalidade desse acontecimento enunciativo é constituída:
a) pelo presente do acontecimento;
b) pela memória, o passado de dizeres que autoriza o Presidente a decretar e
a decretar-x;
c) pelo futuro de sentidos e obrigações aí projetados.
Ducrot (1987) contesta a unicidade do sujeito falante e demonstra como é
possível detectar mais de uma voz no mesmo enunciado. Assim, ele distingue o
locutor/ficção discursiva/ser do discurso e o sujeito falante/elemento da
experiência/ser empírico. A figura do locutor subdivide-se em:
a) locutor L, responsável pela enunciação, que corresponde a um ethos (um
dos segredos da persuasão, imagem favorável criada pelo orador para seduzir
ouvinte);
b) locutor
λ,ser do mundo, o que o orador diz de si, objeto da enunciação.
O autor define os enunciadores como seres que se expressam na enunciação
sem palavras, “vozes que não são as de um locutor” presente na atualidade da
enunciação (DUCROT, 1987, p. 192). Na busca de uma definição mais precisa, ele
recorre a comparações com outros domínios:
1) teatro o locutor dá existência aos enunciadores como o autor aos
personagens. Na conversação ou no discurso político, enunciador está para locutor
assim como, na cena, personagem para autor;
2) romance quem fala de fato (romancista/sujeito falante) é diferente
daquele de que se diz que fala (narrador/locutor). Existência empírica, necessária ao
autor, pode ser recusada ao narrador/locutor. Enunciador é concebido como sujeito
de consciência, centro de perspectiva, pessoa de cujo ponto de vista o
apresentados os acontecimentos (quem vê é diferente de quem narra).
Mantida a distinção entre sujeito empírico e locutor, a proposta de Guimarães
(2005) avança, em relação à de Ducrot (1987), quando subdivide a figura do locutor
e a do enunciador de acordo com os lugares constituídos pelos dizeres:
a) o lugar social de dizer o locutor-x que distribui papéis enunciativos ao
Locutor, que somente se configura como tal se for legitimado nesse e por esse
discurso;
b) os lugares de dizer enunciadores (individual, genérico, universal) que
representam a inexistência ou o apagamento dos lugares sociais de locutor.
Representa um outro avanço a noção de interdiscursividade, da qual depende
a legitimação da subdivisão proposta. Falar em lugar social de dizer remete a uma
concepção de linguagem necessariamente vinculada a aspectos sociohistóricos, na
medida em que, como foi dito, o locutor somente se apresenta como tal se for
predicado por um lugar social distribuído por uma deontologia do dizer de uma certa
língua, deontologia que determina de que lugares sociais é possível dizer o que se
diz e de que modo. Além disso, e como resultado desse posicionamento, Guimarães
(2005, p. 22) defende que, no “embate entre línguas e falantes, próprio dos espaços
de enunciação, os falantes o tomados por agenciamentos enunciativos,
configurados politicamente.”. Conceber a enunciação como uma prática política
implica reconhecer que assumir a palavra não é uma questão individual ou subjetiva,
nem é coletiva ou consensual, mas é uma ação afetada politicamente por se dar
segundo os espaços de enunciação onde se insere.
Outra contribuição à proposta de Ducrot (1987), que vincula o ethos ao locutor
L como fonte da enunciação, é feita por Maingueneau (1993), quando identifica dois
deslocamentos realizados pela AD na noção de ethos retórico, que, inseparável do
anti-ethos, é concebido, de maneira semelhante à de Ducrot, como a imagem que os
oradores projetam de si, o que revelam pelo modo de se expressarem. O primeiro
deslocamento refere-se aos efeitos impostos pela formação discursiva àquele que
ocupa um lugar de enunciação. O segundo deslocamento consiste em afirmar que “a
oralidade não é o falado” (MESCHONNIC apud MAINGUENEAU, 1993, p. 46), pois,
assim como o tom, a voz da enunciação é uma das dimensões da formação
discursiva. Dessa forma, o ethos é associado à cenografia do discurso, entendida
como a representação que o discurso constrói de sua própria situação de
enunciação, por meio do código de linguagem que esse discurso mobiliza para
validar sua autoridade. Tratarei da noção de cenografia em seguida, no item 1.4.
1.4 Da noção de cena enunciativa
Além de concordar com a impossibilidade de se definir qualquer exterioridade
entre os sujeitos e seus discursos, Maingueneau (1993, p. 33, 36) reconhece ser
necessário: articular o como dizer ao ritual enunciativo; associar a cada gênero um
ritual, momentos e lugares de enunciação específicos; e observar o princípio
foucaultiano de autor, segundo o qual somente se confere legitimidade a um
discurso quando a autoridade relacionada a uma enunciação é reconhecida como
tal. Maingueneau (1993, p. 50) lembra, ainda, que “a enunciação é um dispositivo
constitutivo da construção do sentido e dos sujeitos que aí se reconhecem.”. Assim
como a formação discursiva, a noção de cena é efeito de linguagem. Discurso e
realidade não são exteriores um ao outro, o exterioridade entre os sujeitos e
seus discursos. Os participantes da interação trazem para a cena enunciativa ou
cena comunicativa seus conhecimentos e expectativas, sua experiência, sua
história.
No espaço de enunciação de falantes de língua portuguesa como idioma
oficial do Brasil, falar português é elemento de identificação de sujeitos como
cidadãos do Estado, mas é importante lembrar que outros idiomas falados no
País, como línguas indígenas, européias e orientais. E mesmo para quem fala a
língua nacional, variações na maneira de avaliarmos como se fala, configurando
uma “hierarquia de identidades” (GUIMARÃES, 2005, p. 21) que distingue, por
exemplo, falantes urbanos e interioranos, entre os que pronunciam,
respectivamente, [mar] ou [ma
ř]. Assim, a cena enunciativa se configura como uma
delimitação, com características próprias, uma especificação local de um espaço de
enunciação mais amplo. No espaço de enunciação dos falantes de língua
portuguesa, a cena enunciativa confere papéis específicos a cada um de seus
integrantes. É comum privilegiarmos o falar urbano, assim como encaramos com
naturalidade o fato de o idioma inglês fornecer modelos ao português, como se pode
ver nas denominações de estabelecimentos comerciais (shopping centers, malls),
em palavras que usamos diariamente (self-service, fast food, internet, mouse) e
inúmeros exemplos que comprovam a facilidade de assimilação, pela cultura
brasileira, de elementos da cultura norte-americana. Ressalte-se que outros idiomas,
à exceção de alguns europeus, não possuem o mesmo prestígio e nível de
propagação, ficando, não raro, restritos às comunidades de imigrantes que aqui se
estabeleceram. Retomarei esse tema ao analisar, no Capítulo 2, item 2.3.2, o texto
da Lei Estadual nº 16.058, de 2006, que instituiu o Dia do Yôga em Minas Gerais.
Considerando, como se esclareceu no parágrafo anterior, a cena enunciativa
como uma especificação local no espaço de enunciação, que é particularizado por
uma deontologia de distribuição dos lugares de dizer, os sujeitos que interagem
não são pessoas donas de seu dizer, mas lugares constituídos pelos dizeres. É
importante lembrar que “os papéis social e comunicativo dos participantes” (ASSIS,
2002) não são definidos a priori, mas, sim, constituídos na interação, e são esses
papéis que, na cena enunciativa, possibilitam aos responsáveis, no sentido físico,
pela recepção e/ou produção de textos, que se reconheçam mutuamente, desde que
e apenas se investidos de seus respectivos papéis.
No texto legal, temos, de um lado, o autor e signatário da lei: o Presidente, o
Governador ou o Prefeito, investido da autoridade de Chefe do Poder Executivo,
agindo em nome do Estado. Não é a pessoa “x” quem assina a lei ou qualquer outra
norma, mas a autoridade com poderes a ela conferidos pela lei maior das
sociedades democráticas, a Constituição. Na outra ponta, encontra-se o cidadão
comum, que tem sua vida regulada por leis aprovadas pelos representantes eleitos
por esse cidadão. Nesse sentido, Governo e cidadão estão em extremos opostos e
as relações entre ambos são mediadas pelo texto da lei.
Esta pesquisa é dedicada à observação do processo de feitura da lei, com
ênfase no trabalho dos que se dedicam à elaboração legislativa, que abrange: o
cidadão que votou e elegeu seu representante; o legislador que busca atender as
expectativas de seu eleitor, convencendo os demais legisladores a aprovar suas
proposições; e o Governador, que detém o poder de vetar ou sancionar a lei. Outro
agente dessa cena enunciativa o os cnicos que prestam apoio às atividades
político-parlamentares. Acredito que os técnicos desempenham papel determinante
no processo, conforme busquei demonstrar, nos Capítulos 2 e 3, na análise do
trabalho de linguagem realizado pelo redator parlamentar. As escolhas feitas pelo
técnico, a partir do que lhe é prescrito, permitem caracterizar as ações de linguagem
do grupo que ele integra e, em última instância, configuram o gênero textual,
revelando as práticas discursivas a ele associadas.
Quanto a esse último aspecto, creio ser importante a menção que
Maingueneau (1993, p. 58, 59) faz a Kuhn, Michel de Certeau e Debray,
relacionando, respectivamente: uma determinada produção discursiva e grupos que
a tornam possível; o fato de que o nós/autor não é um indivíduo/autor nem um
sujeito global/tempo/sociedade, mas um lugar no qual o discurso se articula sem
reduzir-se a ele; e a concepção de ideologia não como visão do mundo, mas modo
de organização, legível sobre as duas vertentes, social e textual, da prática
discursiva.
Como afirma Guimarães (2005, p. 22), se a língua funciona no e pelo
acontecimento, e não pela assunção de um indivíduo, a enunciação se dá por um
agenciamento político, o que equivale a dizer que, no “embate entre línguas e
falantes, próprio dos espaços de enunciação, os falantes são tomados por
agenciamentos enunciativos, configurados politicamente”. O redator parlamentar
que, além de redigir minutas de projetos de lei, encarrega-se da revisão desses
textos, não os assina, embora sua intervenção neles, sua voz, possa ser percebida.
Normalmente, as correções consideradas positivas são pouco notadas, ao contrário
daquelas que geram questionamentos, cuja repercussão pode gerar erratas,
emendas propondo a modificação do texto ou, em alguns casos, novos textos
normativos. A escolha de uma expressão lingüística é política, na medida em que é
feita num espaço de enunciação específico, numa cena enunciativa que possibilita e
ao mesmo tempo restringe essa escolha. Analisar, pois, tais decisões enunciativas é
o que se propõe neste estudo, partindo das pesquisas realizadas sobre as
relações entre linguagem e trabalho, tema do item 1.5 a seguir.
1.5 Linguagem e trabalho
Bronckart e Machado (2004) descrevem os procedimentos e os resultados de
análise de texto prescritivo envolvendo a atividade educacional e relatam que sua
pesquisa deve ser estendida a outras situações de trabalho, de modo que o estudo
comparativo de corpora oriundos de ambientes distintos permita avaliar se os
mesmos procedimentos e categorias de análise são aplicáveis a esses casos. O
próprio Bronckart (2006, p. 194) menciona como uma pesquisa pode demandar
outra que a complemente ou que valide seus pressupostos, como o grupo de
pesquisa Langage, Action, Formation (LAF), que resultou de outros estudos
desenvolvidos pelo autor nas três últimas décadas. Como salientam os autores, o
LAF realizou pesquisas em duas vertentes: uma que analisou as ações e os
discursos em três situações de trabalho, coletando dados de uma empresa de
fabricação de material farmacêutico, de um hospital e de uma instituição de
formação de professores primários; e outra que explorou essa análise nos processos
de formação. Nas duas linhas de pesquisa, o grupo buscou definir a dimensão do
agir geral, seja como atividade ou ação, e como ela é percebida por seus
protagonistas em situações reais de trabalho. Mais ainda, buscou-se definir as
“competências produzidas por esses atores” e avaliar como eles concebem e
aplicam suas capacidades ao realizarem determinada atividade (BRONCKART,
2006, p. 194), aspecto que muito interessa a este estudo, que considera o processo
competencial uma propriedade constitutiva e indissociável da ação.
Como foi dito na introdução do presente estudo, considero as noções de
“trabalho prescrito” e “trabalho realizado” descritas por Machado (2002, p. 40-41) e
aplico os procedimentos de análise utilizados por Bronckart e Machado (2004), a fim
de verificar, no corpus selecionado, qual é o foco do agir dos atores envolvidos na
elaboração legislativa, que pode ser um agir-prescritivo, um agir-fonte ou um agir-
decorrente, categorias explicitadas no Quadro 1 a seguir apresentado.
Essa abordagem também foi adotada por Abreu-Tardelli (2004, p.179)
20
, que
sintetizou as categorias mais pertinentes nos dois quadros que transcrevo a seguir,
com uma pequena adaptação no primeiro, indicada em nota de rodapé.
Agir-prescritivo
O núcleo do conteúdo temático abordado é o ato oficial realizado pelo
signatário da mensagem
Agir-fonte
O núcleo do conteúdo temático abordado é o próprio trabalho de produção
do documento
Agir-decorrente
O núcleo do conteúdo temático abordado se refere à utilização posterior do
documento, elencando, de forma genérica, diversos atos a serem
realizados
21
Quadro 1: Plano global do texto em termos do agir
Fonte: Abreu-Tardelli (2004, p. 179)
Agentivo
Ser animado responsável por um processo dinâmico
Instrumental
Força ou objeto inanimado que é a causa imediata de um evento ou que
contribui para a realização de um processo dinâmico, que está, assim,
envolvido na ação ou estado identificados pelo verbo
Atributivo
Entidade a quem é atribuída uma determinada sensação ou determinado
estado. O papel do sujeito, nessas orações, é o de um portador de estado,
de um suporte de um estado/condição expresso pelo verbo
Objetivo
Entidade que sofre um processo dinâmico
Beneficiário
Destinatário animado de um processo dinâmico
Factivo
Estado ou resultado final de uma ação expressa pelo verbo
Quadro 2: Papéis atribuídos aos sujeitos
Fonte: Abreu-Tardelli (2004, p. 179)
20
Durante a elaboração desta dissertação, Abreu-Tardelli (2006) defendeu sua tese de doutorado
sobre esse mesmo assunto.
21
Suprimi deste item a expressão “no sistema educacional”.
As categorias descritas nos Quadros 1 e 2 aqui apresentados foram utilizadas
na análise dos textos do corpus, desenvolvida no Capítulo 3 desta dissertação, em
que é feita a releitura, nos termos de uma semântica do agir, dos textos analisados
no próximo capítulo, em que são discutidas as características globais do texto legal.
CAPÍTULO 2 CARACTERÍSTICAS DO TEXTO LEGAL
Neste capítulo, apresento a análise global do texto legal, com as
regularidades identificadas. Para essa finalidade, descrevo aspectos da estrutura da
legislação brasileira e da linguagem utilizada, bem como algumas práticas sociais e
históricas envolvidas em sua elaboração.
2.1 A configuração do texto legal
As leis são estruturadas em três partes: preâmbulo ou cabeçalho, texto
normativo e fecho (MINAS GERAIS, 2005, p. 30-38)
22
. De modo geral, a primeira
parte compreende a epígrafe, a ementa e a fórmula de promulgação; o texto
normativo é organizado em artigos que contêm os comandos dessa lei e as
disposições relativas à vigência e revogação; e o fecho abrange o local e a data em
que a lei foi expedida, além da assinatura da autoridade competente.
O artigo é a unidade básica de estruturação do texto, podendo desdobrar-se
em:
a) parágrafos usados como ressalva, restrição, extensão ou
complemento do caput do artigo. O caput é o dispositivo inicial que contém o
comando geral do artigo desdobrado;
b) incisos – vinculam-se ao caput do artigo ou a um parágrafo;
c) alíneas – vinculam-se a um inciso;
d) itens – vinculam-se a uma alínea.
Quando o texto da lei é extenso ou seu conteúdo complexo, outras
subdivisões possíveis, feitas a partir do capítulo, que é a unidade mínima de
agrupamento dos artigos. O capítulo pode ser dividido em seções, e estas, em
subseções. Blocos de capítulos podem agrupar-se em títulos, os quais podem
compor livros, formando um código. Usam-se anexos para organizar dados ou
informações sob a forma de quadros, tabelas, etc. O anexo deve ser instituído por
um artigo da lei. Os tipos mais comuns de agrupamento de artigos são os seguintes:
22
Como já foi indicado no item 1 do capítulo introdutório deste trabalho (p. 13), refiro-me ao “Manual”,
que contém mais detalhes e exemplos.
a) disposições preliminares tratam da localização da lei no tempo e no
espaço, contêm princípios, objetivos e diretrizes e estabelecem normas de aplicação
da lei;
b) disposições gerais podem vir no início da lei (caso em que cumprem
a mesma função das disposições preliminares), no início ou no final de algum de
seus capítulos ou divisões ou, ainda, no final da lei. Agrupam preceitos comuns a
mais de um capítulo, preceitos autônomos ou normas intertemporais (quando o
comando indica direito aplicável a situação em que há mudança no regime legal);
c) disposições finais agrupam preceitos comuns a mais de um capítulo,
preceitos autônomos ou normas intertemporais. Podem conter as normas de
vigência e os dispositivos revogatórios;
d) disposições transitórias tratam das situações que exigem disciplina
especial, ao passarem do regime jurídico antigo para o novo, e das situações
temporárias.
No Exemplo 4, a seguir, apresento o Quadro 3, com a identificação das partes
que compõem o preâmbulo da LCE 78.
Exemplo 4
1ª PARTE DA LEI: PREÂMBULO
Epígrafe
LEI COMPLEMENTAR Nº 78, de 9 de julho de 2004.
Ementa
Dispõe sobre a elaboração, a alteração e a
consolidação das leis do Estado, conforme o previsto no
parágrafo único do art. 63 da Constituição do Estado.
Fórmula de
Promulgação
O Governador do Estado de Minas Gerais
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e
eu, em seu nome, sanciono a seguinte Lei:
Quadro 3: Trecho da LCE 78 com a identificação das partes que compõem seu preâmbulo
Fonte: site www.almg.gov.br, link legislação mineira (acesso em 14 set. 2005)
Na leitura da epígrafe (Ex. 4), constata-se que o texto em exame é uma lei e a
próxima identificação feita é a do tipo da lei, complementar, seguida de sua
numeração e do registro cronológico de sua promulgação, com a indicação do dia,
mês e ano em que a lei entrou em vigor. Ao se processar tais informações, pode-se
pressupor que: existem outros tipos de lei que não são complementares; 77 leis
complementares anteriores a esta; a data indicada é o marco zero da vigência da lei,
que passa ou passou a existir no mundo jurídico a partir desse momento.
A relação entre tempo discursivo e tempo cronológico é totalmente disrupta,
não-linear, e nela dois aspectos a ressaltar. Em primeiro lugar, tem-se um texto
produzido em 2004, quando a lei foi publicada, e, nesse texto, relações
espaciotemporais estabelecidas por seu autor. Esse texto se insere num conjunto
em que o precedem outros 77 textos de lei complementar, contados desde 1947,
ano de instalação da ALMG após o período do Estado Novo
23
.
Em segundo lugar, é preciso considerar um elemento comum à maioria dos
textos legais, que entram em vigor na data de sua publicação, mas na verdade
produzem efeitos a partir do dia seguinte (MANUAL, p. 31). As outras leis editadas
no Estado de Minas Gerais antes da LCE 78
24
estão dispensadas de cumprir as
exigências do novo comando, que, na prática, adquire eficácia no prazo de 60 dias,
contados a partir do dia 11 de julho, dia seguinte ao de sua publicação (Ex. 5).
Exemplo 5
Art. 23 - Esta Lei Complementar entra em vigor sessenta dias após a data
de sua publicação. (LCE 78)
casos específicos de prazo para entrada em vigor de leis, como a
legislação tributária que, em geral, observa o prazo de 90 dias, ou, ainda, leis que
instituem ou majoram tributos, as quais, por determinação da Constituição Federal
25
,
somente podem vigorar no ano seguinte ao de sua edição. Uma outra regra geral é
aplicada quando a lei silencia sobre sua entrada em vigor, caso em que se contam
45 dias a partir de sua publicação. Como a discussão sobre regras de vigência da lei
foge ao objetivo desta pesquisa, encerro meu comentário desse tema, destacando
que, na contagem de prazos, exclui-se o dia da publicação e inicia-se a contagem no
dia seguinte. Retomo a seguir a descrição do preâmbulo da LCE 78 (Ex. 4).
23
LCE 78: “Art. - As leis, ordinárias, complementares ou delegadas, terão numeração seqüencial,
correspondente à respectiva série iniciada no ano de 1947.” Ver, no site www.almg.gov.br, link: A
Assembléia/ História (acesso em 14 set. 2005).
24
Ver, no item 1 do capítulo introdutório deste trabalho, notas sobre remissão ao Manual de Redação
Parlamentar da ALMG, à LCE 78 e à LCF 95 (p. 13-15).
25
Constituição Federal: “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: [...] b) no
mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou [...]”.
A ementa da lei (Ex. 4) pode ser subdividida em duas partes: a primeira
introduz o assunto da lei, que, no caso do Exemplo 4, trata da elaboração, alteração
e consolidação de leis mineiras. A segunda parte da ementa do exemplo referido faz
uma remissão externa ao texto, ao anunciar que essa lei cumpre um comando de
natureza hierarquicamente superior, previsto na Constituição do Estado de Minas
Gerais.
Ainda na parte introdutória do texto legal, mas lida seqüencial e
separadamente em relação à epígrafe e à ementa, a fórmula de promulgação (Ex. 4)
pode ser subdividida em três partes distintas. A primeira mostra o autor da lei: o
Governador do Estado, investido da autoridade de Chefe do Poder Executivo, que
age em nome do Estado. Não é a pessoa “x” quem assina a lei ou qualquer outra
norma, mas aquela investida da autoridade para praticar tal ato, com poderes a ela
conferidos pela lei maior das sociedades democráticas, a Constituição. Assim
falamos neste signatário que, na segunda subdivisão da fórmula de promulgação,
cumpre um mandamento (o Povo [...] decretou) e que, na terceira, enuncia o ato que
pratica (sanciono).
No Estado Democrático de Direito, detém autoridade para assinar a lei o
Chefe do Poder Executivo. Trata-se do Presidente da República, do Governador
estadual ou do Prefeito municipal, nos respectivos níveis de governo. Se pensamos
em dêixis fundadora, entendida como a situação de enunciação anterior que a dêixis
atual utiliza (MAINGUENEAU, 1993, p. 42), temos a cena fundadora da realeza, em
que o arauto anuncia as decisões reais para os súditos. Substituindo-se alguns
atores da cena real para a legal, temos no lugar do arauto os instrumentos
eletrônicos de publicação, os diários oficiais
26
e a transmissão televisiva ao vivo das
reuniões.
27
Os legisladores ocupam a posição de quem toma as decisões, enquanto
os cidadãos, a exemplo dos ditos, cumprem o que lhes é determinado. De um
lado, a autoridade, do outro, o cidadão.
A grande diferença entre as duas cenas reside no fato de que todo detentor
de cargo eletivo foi escolhido para sua função por meio de voto popular. Sempre que
26
Em Minas Gerais, trata-se do jornal “Minas Gerais”, composto pelo “Diário do Executivo”, do
Judiciário” e “do Legislativo” e por “Publicações de Terceiros”.
27
O último instrumento, em especial, promoveu a espetacularização do trabalho legislativo, como se
pôde ver na transmissão das reuniões da CPI dos Correios e da CPI do Mensalão, que funcionaram
no Congresso Nacional no primeiro semestre de 2006 e geraram muito interesse, quando muitos
oradores se inscreviam apenas para se pronunciar diante das câmeras, sem formular perguntas
diretas.
há mobilização da sociedade civil e esta se organiza formalmente, os políticos
ouvem a opinião pública e tentam respeitá-la ou manipulá-la em seu favor. As
decisões parlamentares regulam a vida dos cidadãos por meio de leis escritas, que
constituem a materialização de várias vontades e registram desde o que é exigido
pelos próprios cidadãos até o que os governantes consideram possível realizar.
Castro registra esse jogo de forças:
O texto legal se constrói em um domínio de delicada interlocução entre
injunções de ordem jurídica, política e administrativa, que a habilidade
técnica e a inspiração lingüística tentam administrar. Tais injunções são
exatamente os fatores que vão condicionar a redação da lei, imprimindo
marcas visíveis em seu texto: na sintaxe, na semântica, no vocabulário, na
estrutura.
(CASTRO, 1998, p. 135).
Por vezes, o Poder Legislativo aprova leis que o Executivo não regulamenta
e, portanto, não aplica. O motivo pode ser de natureza técnica, política, ou, ainda,
financeira. Um exemplo é a legislação que trata da preservação da água em Minas
Gerais, mencionada em pronunciamento parlamentar
28
:
Esta Casa tem prestado contribuição expressiva ao meio ambiente. Como
várias leis de minha autoria sancionadas pelo Governo acerca do
assunto, tenho vontade de fazer com que se tornem realidade e evitar que
outras se transformem em letras mortas. (PIAU, 2004)
Quando o Chefe do Poder Executivo sanciona a lei, torna-se, a partir deste
instante, seu signatário, assumindo a autoria. Num momento posterior, no exercício
de suas funções de Chefe de Estado, decidirá se vai regulamentar aquele texto,
determinando como será aplicado, ou se vai deixá-lo “no limbo”, expressão utilizada
informalmente quando a matéria não é regulamentada. O ato praticado na
enunciação é a sanção da lei (Ex. 6 e 7). Como signatário, o titular do Executivo se
institui como o enunciador
29
que, do tempo-zero do presente da enunciação
(sanciono), estabelece o eixo temporal básico do texto, o eu-aqui-agora a partir de
onde se referenciam os demais tempos (MAINGUENEAU, 1993, p. 41).
28
Trecho de discurso do Deputado Paulo Piau, proferido em 1º abr. 2004, disponível no site
www.almg.gov.br, link atividade parlamentar/pronunciamentos. Basta digitar-se regulamento no
campo assunto, que aparecem vários discursos sobre o tema.
29
Enunciador e destinatário são concebidos como posições de sujeito da enunciação, na perspectiva
enunciativa historicamente considerada, conforme propõe Guimarães (2005), avançando em relação
à proposta de Ducrot, o que já foi apontado no item 1.3 do Capítulo 1 deste trabalho (p. 32).
Exemplo 6
O Governador do Estado de Minas Gerais
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e
eu, em seu nome, sanciono (grifo nosso) a seguinte Lei: (LCE 78)
Exemplo 7
O Presidente da República
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono (grifo nosso)
a seguinte Lei Complementar: (LCF 95)
O que dizer desse eu (Ex. 6 e 7) que se faz anunciar na linha imediatamente
anterior àquela em que se manifesta? No início do texto, o signatário é expresso por
meio da desinência verbal de pessoa do singular do presente do indicativo
(Faço/sanciono) e, ao final, no campo destinado à assinatura, constam seu nome e
o cargo que ocupa. Assim, parece-me desnecessária essa identificação prévia do
signatário (Ex. 6: O Governador do Estado de Minas Gerais/ Ex. 7: O Presidente da
República). Pode-se indagar se esses sujeitos estariam buscando reafirmar sua
autoridade por meio da repetição. Ao fazê-lo, retomariam a cena fundadora, como se
o arauto anunciasse a fala do rei. Talvez estejamos diante de um resquício histórico.
Caso o Chefe do Poder Executivo não se manifeste sobre o texto a ele
encaminhado para veto ou sanção, ocorre a sanção tácita, quando, diante do
silêncio do Presidente da República ou do Governador, cabe ao Presidente do
Legislativo promulgar a lei. Os Exemplos 8 e 9 apresentam, respectivamente, trecho
da Constituição Federal e da Estadual sobre sanção tácita
30
.
Exemplo 8
Art. 66 – [...]
§ Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da
República importará sanção (grifo nosso). [...]
§ Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo
Presidente da República, nos casos dos §§ e 5º, o Presidente do Senado
a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-
Presidente do Senado fazê-lo. (BRASIL, 1988)
30
Os textos foram consultados no site www.almg.gov.br, link legislação (em 10 jan. 2006).
Exemplo 9
Art. 70 - [...]
§ 1º - O silêncio do Governador do Estado, decorrido o prazo, importa
sanção (grifo nosso). [...]
§ - Se, nos casos dos §§ e 6º, a lei não for, dentro de quarenta e oito
horas, promulgada pelo Governador do Estado, o Presidente da Assembléia
Legislativa a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao
Vice-Presidente fazê-lo. (MINAS GERAIS, 1989)
Em Minas Gerais, quando sanção tácita, não se observa a identificação
prévia do signatário indicada nos Exemplos 6 e 7. O Exemplo 10 reproduz trecho de
lei estadual promulgada pelo Presidente da ALMG, em decorrência de sanção tácita.
Exemplo 10
Lei nº 15.890, de 5 de dezembro de 2005
O povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, aprovou, e eu,
em seu nome, nos termos do § do art. 70 (grifo nosso) da Constituição
do Estado de Minas Gerais, promulgo a seguinte lei: (MINAS GERAIS,
2005)
Como se pode ver, o referido texto apenas menciona o dispositivo
constitucional que confere ao Presidente do Legislativo poderes para agir em nome
do Estado (Ex. 10: § 8º do art. 70), sem identificar previamente esse signatário.
Pode-se cogitar se tal redação indica que houve uma intervenção técnica, onde se
optou pela remissão formal à Constituição. Na supressão de um elemento
dispensável, perceber-se-ia a voz do cnico, permeando o discurso do político que
assina a lei. Note-se que tal interpretação revela certo juízo de valor ao atribuir
correção ao técnico. Ressalte-se, ainda, que a assinatura expressa no texto é a do
titular do Poder Legislativo, que conta com apoio técnico para desempenhar suas
funções, o que também ocorre no Poder Executivo. Dessa forma, permanece sem
resposta a indagação sobre o que tem ocasionado a identificação prévia do
signatário nas leis sancionadas pelo titular do Poder Executivo.
Na hipótese de descumprimento da lei federal que trata da redação
legislativa, a própria LCF 95, em seu art. 18 (Ex. 11), prevê que erro de redação não
invalida o comando expresso pela norma na qual se observa o engano. Se
entendermos, mais uma vez, que parece falar o técnico, admitindo que este pode se
enganar, ou antevendo que o aspecto político pode comprometer o texto final,
teremos, de um lado, técnicos que não erram, opondo-se a políticos que erram.
Exemplo 11
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 18. Eventual inexatidão formal de norma elaborada mediante processo
legislativo regular não constitui escusa válida para o seu descumprimento.
(LCF 95)
Contrariando esse ponto de vista, cito exemplo de engano técnico ocorrido
quando o Deputado Estadual Márcio Kangussu apresentou, em 2000, projeto de lei
que instituía, em Minas Gerais, o Dia Estadual de Manifestações contra o Trabalho e
a Exploração Infantis. Aprovado, o projeto transformou-se na Lei Estadual nº 13.735,
de 2000
31
. Apenas nesse instante o autor percebeu que o texto havia sido alterado
pelo parecer
32
da Comissão de Constituição e Justiça, que, ao acrescentar que
aquela data seria comemorada, não atentou para a inadequação desse termo para
referir-se a um protesto. As Comissões do Trabalho e de Redação também o
perceberam o engano, o que levou o parlamentar a propor a alteração do texto legal,
por meio da Lei Estadual nº 13.957, de 2001
33
. Pode-se cogitar que a origem do
equívoco esteja na interpretação do dispositivo regimental adotado para a tramitação
desse tipo de matéria, cuja redação é a seguinte:
Exemplo 12
Art. 190. O projeto de lei que verse sobre data comemorativa (grifo nosso) e
homenagem cívica tramita em turno único. (MINAS GERAIS, 1997)
34
Embora a data seja de protesto, ela integrará o calendário estadual, portanto,
a tramitação está correta, sendo usado por analogia ou extensão o dispositivo que
trata de data comemorativa e prevê uma tramitação mais simplificada para esses
projetos. Observe-se que o engano ocorreu no nível técnico e não no político, o que
31
Ver texto completo no Anexo A (texto original p. 105 e texto atualizado p. 106).
32
“Parecer é o pronunciamento fundamentado, de caráter opinativo, de autoria de comissão ou de
relator designado em Plenário, sobre matéria sujeita a seu exame. [...]. A competência para aprovar
ou rejeitar a matéria é do Plenário, que não é obrigado a seguir a orientação dos pareceres.”
(MANUAL, p. 61-62).
33
Ver texto completo no Anexo A (p. 107).
34
O texto foi consultado no site www.almg.gov.br, link legislação (em 10 jan. 2006).
ilustra a complexidade da ação desse sujeito que assina um texto resultante de
componentes variáveis, um sujeito cujo discurso é atravessado por outros discursos.
Constata-se que o texto legal exige objetividade, mas é possível perceber nele
marcas de subjetividade
35
.
A partir do momento em que o texto foi aprovado em Plenário e sancionado
pelo Governador, seria correto afirmar que a voz do político incorpora a do técnico?
Considerando, como foi dito no primeiro capítulo deste trabalho, que adoto a
noção de polifonia de Ducrot (1987), com as modificações acrescidas por Guimarães
(2005) e Maingueneau (1993), parece-me que o Locutor, aquele que enuncia, é o
locutor-Governador, que fala como enunciador universal, a partir da posição de
sujeito jurídico-liberal. A esse lugar social de dizer do Locutor, que a Constituição
Federal determina que seja ocupado pelo titular do Poder Executivo nas diferentes
esferas de Governo municipal, estadual ou federal –, podemos associar outros
lugares de dizer, outras vozes, mesmo que elas não estejam expressas na superfície
do texto, como no caso do Locutor, indicado por marcas de pessoa (pronome
pessoal eu, desinência verbal de sanciono na fórmula de promulgação) e pela
assinatura. A intervenção técnica no texto da Lei Estadual nº 13.735, de 2000, citada
anteriormente, ilustra uma situação em que aparece na cena enunciativa um outro
enunciador, não apenas distinto do Locutor, mas se opondo a ele, impondo sua fala
de tal forma que leva o sujeito empírico, o autor do projeto original, a reformular, num
momento posterior, todo o texto. Trato especificamente da polifonia ainda neste
capítulo, no item 2.3.2, e retomo essa discussão no capítulo destinado à análise
local do texto legal.
2.2 A repetição: uma estratégia coesiva no texto legal
O Manual (p.19) relaciona a redação de documentos parlamentares aos
princípios que orientam a administração pública, em especial o princípio da
publicidade, que, do ponto de vista do legislador/redator de leis, exige que os textos
sejam redigidos de modo a evitar dúvidas na sua interpretação, podendo ser lidos e
35
A expressão subjetividade, conforme a emprega Possenti (2001), corresponde ao trabalho
realizado pelos interlocutores no processo de enunciação. Assim, um texto que ressalte as relações
entre os interlocutores será considerado mais subjetivo, enquanto seu oposto será considerado mais
objetivo.
compreendidos pelo maior número possível de pessoas
36
. A legislação que
disciplina a redação legislativa busca uniformizar procedimentos, tendo por objetivo
final um texto que seja claro e preciso
37
. Freire (2002) cita vários autores e deles
adota como desejáveis para o texto da lei algumas características: correção, clareza,
concisão, ordem lógica, estilo jurídico formal e uniforme, linguagem precisa e direta,
ausência de neologismos. Ora, quem pode dizer ao certo se um texto é claro? O que
o é para uns, pode ser indecifrável para outros. O grande volume de
questionamentos judiciais parece-me indicar que todo esforço deve ser empreendido
para se entender como funciona o discurso legal e, conseqüentemente, o texto legal,
que opera com esse discurso.
Precisão e clareza não devem ser consideradas qualidades inerentes ao
texto, pois dependem de um conjunto de fatores que, embora exteriores a ele,
também o constituem, tais como as circunstâncias políticas e administrativas, a
natureza e a finalidade da matéria. Assim como a coerência textual e outras
condições básicas da textualidade, entendidas como princípios de acesso e não de
boa formação textual, mencionadas neste trabalho
38
, precisão e clareza resultam
de algum tipo de integração conceitual e temática, realizada na proposta de
organização do produtor e na proposta de construção do sentido feita pelo leitor
(KOCH, 2005, p. 71).
Assis (2002) cita Marcuschi ao mencionar a repetição como uma das
estratégias de formulação textual mais presentes na oralidade, com várias funções:
“contribui para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual;
favorece a coesão e a geração de seqüências mais compreensíveis; dá continuidade
à organização tópica e auxilia nas atividades interativas.“ (MARCUSCHI apud
ASSIS, 2002).
No texto legal, a repetição exerce as mesmas funções a ela atribuídas por
Marcuschi para os textos orais. Além delas, exerce, ainda, uma outra função, que é
a de fazer a retomada explícita do antecedente, a partir da própria superfície textual,
36
Constituição Federal: “Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Caput com redação
dada pelo art. 3º da Emenda Constitucional nº 19, de 4/6/1998.) [...]”
37
Como foi dito no item 1 do capítulo introdutório, trata-se da LCF 95, em nível federal, à qual
corresponde, em Minas Gerais, a LCE 78 (p. 14-15). Os textos podem ser consultados,
respectivamente, nos sites www.senado.gov.br, link legislação federal, e www.almg.gov.br, link
legislação (em 10 jan. 2006).
38
Ver item 1.1 do Capítulo 1 (p. 26).
tendo como efeito evitar-se a inferência na identificação do objeto de discurso, no
caso, o assunto sobre o qual se legisla. Observe-se a repetição de expressões na
ementa e no art. da Lei Estadual 15.812, de 2005 (Ex. 15: denominação,
Escola Estadual, Conquista, localizada, Município), e nos mesmos dispositivos dos
textos de lei do Anexo A.
Marcuschi (2003) considera que, em geral, a característica mais saliente dos
textos jurídicos é o fato de quase não haver neles repetição, pronominalização ou
algum tipo de estratégia em que referentes não introduzidos previamente sejam
sugeridos para indução (construção) referencial. Discordo do autor apenas quanto à
repetição, pois, como se pode observar no texto do Exemplo 15, apresentado a
seguir no item 2.3 deste capítulo (p. 55), as expressões Escola Estadual e Conquista
são repetidas sistematicamente, com a finalidade específica de se evitar a indução
referencial, o que não parece ser exclusividade do texto escrito nem do gênero em
questão. Endossando esse entendimento, o Manual (p. 39, 44, 46), entre outras
recomendações, sugere o uso da repetição e que se evite a sinonímia no texto legal
para garantir-lhe uniformidade, coesão e, em última instância, coerência:
A coerência, como diz respeito à lógica normativa, tem uma dimensão
dinâmica e conceitual que vai muito além das conexões lineares entre os
dispositivos. Entretanto, os mecanismos do texto que fazem a ligação formal
entre os dispositivos estruturas sintáticas, vocábulos e conectivos
também colaboram para garantir a coerência do texto legal como um todo.
Esses mecanismos operam no plano da chamada coesão textual e podem
ser considerados como marcas da coerência na superfície do texto.
(MANUAL, p.45)
No trecho citado, percebe-se que a repetição é uma estratégia a ser
observada pelo redator da lei, que pode usá-la, ainda, em lugar da remissão. Como
lembra o Manual (p. 48), alguns trechos de textos normativos são repetidos em
textos de outras leis com a função discursiva de, na busca da precisão, garantir a
coesão desses textos, dando unidade e autonomia aos enunciados da lei. A
supressão dos dispositivos repetidos poderia dificultar a compreensão do texto em
que se inserem, o que nos leva a concordar com o Manual, quando considera que a
repetição, entre outros elementos, constitui mecanismo de coesão textual e, assim,
marca da coerência na superfície do texto legal.
2.3 Processos referenciais no tratamento discursivo das relações entre o
cidadão e a lei
O estudo discursivo da relação entre o cidadão e a lei, apresentado a seguir,
revela que a exclusão do cidadão desses textos é um processo histórico
reiteradamente confirmado pelo próprio cidadão. Guimarães (1996) demonstra a
instabilidade da categoria cidadão, cuja configuração se de maneira distinta nas
Constituições brasileiras de 1824 e 1891, que correspondem, respectivamente, ao
período do Império e ao início da República no Brasil. Reproduzo a seguir alguns
trechos analisados pelo autor, sendo o Exemplo 13 relativo à Constituição imperial
de 1824
39
e o Exemplo 14 relativo à Constituição republicana de 1891
40
.
Exemplo 13
Fazemos saber a todos os nossos súditos que [...]
Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos
Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte
com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á
sua Independencia. (BRASIL, 1824, apud GUIMARÃES, 1996)
No Exemplo 13, a performatividade do texto se na relação entre Imperador
e súditos, em que a categoria de cidadão fica submetida à de súdito, apesar de o art.
da Constituição prever que os cidadãos formam uma nação livre. Guimarães
(1996) lembra que D. Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte de 1823 após
mandar o Exército invadir o Plenário, prendendo e exilando diversos Deputados.
Uma vez feito isso, reuniu dez cidadãos de sua inteira confiança para redigirem a
Primeira Constituição do Brasil.
Exemplo 14
Nós, os Representantes do Povo Brazileiro, reunidos em Congresso
Constituinte, para organizar um regimen livre e democratico,
estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte Constituição
da República dos Estados Unidos do Brazil (BRASIL, 1891)
39
O texto foi citado por Guimarães (1996, p. 41)
40
O texto foi consultado no site www.planalto.gov.br (em 25 jul. 2006).
Embora aparente estabelecer relações jurídicas na relação entre cidadãos, o
texto do Exemplo 14, no conjunto de outros textos normativos da mesma época
analisados por Guimarães (1996), estabelece relações enunciativas que constituem
um lugar externo à cidadania, ao povo, que é o das forças armadas. Quando as
forças armadas convocam a primeira Constituinte da República, elas convocam o
povo, mantendo-se como externas à formulação do texto, mas capazes de arbitrá-lo.
Portanto, as forças armadas se fazem presentes, ainda, como internas à lei,
formulando e instabilizando a cidadania.
Esse texto de 1891 (Ex. 14) inspirou-se inicialmente na Constituição norte-
americana, mas pressões de oligarquias latifundiárias induziram à supressão de
princípios liberais democráticos. Na prática, o poder na República e no Império
brasileiros não mudou de mãos, como se pode observar nos dados históricos citados
por Guimarães (1993, 1996, 2005), também disponíveis na internet
41
.
Em outro estudo, Guimarães (1993) analisa o enunciado “Independência ou
morte!” e conclui que os dois nomes comuns funcionam de maneira universal no
imaginário da História do Brasil, quando na verdade correspondem à exclusão de
brasileiros comuns da afirmação do Imperador, que celebrava a sobrevivência, em
relação a Portugal, da classe social integrada por proprietários brasileiros e
portugueses radicados no Brasil. Ao utilizarmos esse enunciado para comemorar a
independência de nosso País em relação a Portugal, somos aquele cidadão que
confirma sua própria exclusão do texto que enuncia.
O impacto desse enunciado no imaginário brasileiro é reforçado em nossas
escolas, onde aprendemos que Dom Pedro I libertou o País do domínio de Portugal,
instalando a República e concedendo-nos a Independência. O que o estudo de
Guimarães (1993, 1996) demonstra é que os textos constitucionais de 1824 e 1891
garantem privilégios a grandes proprietários de terras e a portugueses influentes que
aqui se fixaram e foram beneficiados de acordo com o grau de amizade com a
realeza. O brasileiro comum, o povo, passa a submeter-se a uma nova ordem que o
subjuga, mantendo uma prática excludente que prevê para o cidadão a tarefa de
ratificar decisões tomadas à sua revelia. No texto de 1891, os súditos de 1824 (Ex.
13) permanecem, então, nessa condição, descritos como cidadãos representados
num regime que se diz livre e democrático (Ex. 14). Quando esse cidadão
41
Ver, por exemplo, os sites http://pt.wikipedia.org/wiki/Constituição_de_1891 e www.planalto.gov.br
(em 26/10/2006).
comemora, no dia sete de setembro, o Dia da Independência, ele personifica o
sujeito da AD
42
que esquece seu assujeitamento e aceita com naturalidade como
sua uma data que para ele nada deveria ter de comemorativa.
Ainda hoje, a exclusão do cidadão comum pode ser percebida em textos
legislativos. Na fórmula de promulgação da LCE 78 (Ex. 4 e 6), a expressão povo,
por seus representantes refere-se ao cidadão que votou e elegeu seus
representantes. Configura-se, assim, o “cidadão” como aquele que votou e, ao
mesmo tempo, aquele que expede o comando (decretou). Mas essa configuração é
externa ao texto, ela não está escrita, embora possa ser inferida a partir do que está
escrito. Num texto destinado aos próprios legisladores, que deverão observar
determinadas recomendações ao redigir leis, nota-se, portanto, que o cidadão
comum, o “Povo”, está na verdade excluído, da mesma forma apontada por
Guimarães (1996, p. 46), que afirma haver “sempre um fora do ‘cidadão’ que pode
não só falar dele, mas configurá-lo; que pode, portanto, excluí-lo.”.
Na mesma linha de raciocínio, Ferraz nior (1998) afirma que as
Constituições Federais brasileiras anteriores à de 1988 registram movimento
histórico de apagamento do cidadão comum, exercendo sobre este uma “função de
bloqueio” pela qual determina ao intérprete que somente articule sentidos e objetivos
“que já estejam reconhecidos desde então, ex tunc, na própria estrutura de poder.”
43
.
O texto constitucional de 1988, segundo esse autor, registra um movimento
distinto em relação aos que o precederam, na medida em que rompe com a
estrutura, condicional e retrospectiva, de Estado protetor da sociedade, e inaugura
uma situação em que a sociedade parece rebelar-se contra a tutela estatal,
atribuindo ao texto constitucional “uma função de legitimação”. Nesse caso, se
autoriza que o intérprete articule e qualifique “o interesse público, o interesse público
coletivo, o interesse individual posto como um objetivo pelo preceito constitucional”.
Assim, desde 1988, temos vivenciado uma tensão entre os três Poderes, na busca
da garantia do Estado Social perante o Estado de Direito, de forma a evitar-se a
tiranização de um grupo por outro.
42
Ver, no Capítulo 1, o item 1.2 Da noção de sujeito (p. 29-30).
43
A expressão ex tunc é latina, significando “de então ou desde então; com efeito retroativo”
(HOUAISS, 2004).
Essa mudança corresponde, no Brasil de hoje, a uma transformação do
Estado constitucional enquanto Estado de Direito formal, que, no Império e
na Primeira República, ostensivamente, e nas demais, até 1988, de forma
ideologicamente encoberta, pressupunha uma distinção entre Estado e
Sociedade como entidades autônomas. Na Constituição de 1988, as tarefas
que são postas ao Estado, o que o leva à multiplicação das normas,
mas também à sua modificação estrutural, põem a descoberto as suas
limitações. Exige-se do Estado a responsabilidade pela transformação social
adequada da sociedade, ou seja, colocam-se para ele outras funções que
não se casam plenamente com a função de bloqueio dos velhos modelos
constitucionais. Mas o resultado é, no momento, um sentimento de
impotência do Estado que, na verdade, põe em cheque a distinção entre
Estado e Sociedade e a arraigada concepção do Estado como protetor da
sociedade civil. (FERRAZ JÚNIOR, 1998)
Pinheiro (1995), por sua vez, identifica vários traços do regime autoritário, os
quais impõem limitações à consolidação da democracia no Brasil de hoje. Para o
autor, um desses traços é o chamado “coronelismo eletrônico”, expressão tomada
do Jornal do Brasil para descrever o controle da mídia eletrônica por um pequeno
grupo dominante, havendo, em alguns Estados, “uma quase coincidência entre o
monopólio privado e o monopólio político.”. Os dados apresentados por Pinheiro
(1995) parecem demonstrar o apagamento do cidadão em sua relação com o
Estado, como no exemplo do processo de impeachment do ex-Presidente Collor,
quando as sessões do Congresso foram transmitidas ao vivo em todo o Brasil,
exceto em Alagoas, onde a família Collor controlava o acesso à informação.
O exemplo de Pinheiro (1995) e a tensão mencionada por Ferraz Júnior
(1998) ilustram a posição de Guimarães (2005, p.17), que propõe uma concepção
do político e de como se opera com essa noção no acontecimento. O político é o
conflito, instalado no centro do dizer, entre uma divisão normativa e desigual do real
e uma redivisão pela qual os desiguais afirmam seu pertencimento. Além disso, o
acontecimento de linguagem é político, pois obedece a uma deontologia global do
dizer em uma certa língua, aspecto já mencionado neste trabalho
44
.
Resta-nos identificar no texto da lei esse movimento histórico de, nas palavras
de Ferraz nior (1998), “conformação política dos fatos ao modelo”, em que a
sociedade exige a realização do Estado proposto na Constituição Federal de 1988.
Para identificar como se manifesta no texto legal a referência pessoal, buscarei
descrever quem fala para quem no texto da lei e, a fim de demonstrar como o fazem,
focalizarei a seguir, no subitem 2.3.1, o processo de nomeação na Lei Estadual
15.812, de 2005 (Ex. 15). No subitem 2.3.2, avaliarei se é possível distinguir a voz
do político e a do técnico, analisando a polifonia no texto da Lei Estadual 16.058,
de 2006
45
.
2.3.1 A designação de próprios públicos
46
no texto da Lei Estadual 15.812,
de 2005
A Lei Estadual 15.812, de 2005 (Ex. 15 a seguir), originada do Projeto de
Lei 2.394/2005, foi elaborada para renomear uma escola estadual que havia sido
municipalizada e, posteriormente, retornou à gestão estadual. Na justificação desse
projeto
47
, o autor afirma entender como justa a homenagem a personalidades “que
fizeram parte, de algum modo, da história de uma determinada comunidade”. A lei
em exame a uma escola o nome de um senhor que ocupou o cargo de Juiz de
Direito naquela cidade por sete anos, de 1954 a 1961, período em que se dedicou a
contribuir com melhorias para o Município, entre as quais se inclui a criação da
escola que recebeu seu nome. Quando a escola foi transferida para a administração
municipal, levou o nome de origem. No entanto, para que pudesse retornar ao
Estado, precisou ser extinta e depois recriada, processo em que não houve previsão
de sua denominação.
Nesse caso, uma modificação no mundo objetivo (a municipalização da
escola) causou a perda da eficácia de uma norma, e nova modificação gerou,
portanto, nova norma, embora o objeto do mundo físico sobre o qual o texto
normativo incide, o prédio da escola, fosse o mesmo todo o tempo e a escola não
tenha deixado de funcionar em momento algum.
Na discussão semântica e filosófica sobre a existência do mundo real
(DUCROT, 1984), como fica esse referente? De fato, o referente é indizível em
relação a determinado contexto e ideologia: simbolizamos o real como construção,
enquanto interagimos uns com os outros, com o mundo e no mundo. O prédio da
escola é um ; a escola estadual foi municipalizada, deixando de existir
juridicamente no âmbito estadual. Ao ser recriada no Estado, ela é uma entidade
44
Ver, no Capítulo 1, o item 1.3 O sujeito no acontecimento (p. 33).
45
Ver texto completo no Anexo A.
46
Em verbete, próprios são tidos como “propriedades, bens imobiliários de uma entidade de direito
público interno. Ex.: <os p. municipais> <os p. da União> <esta área faz parte dos p. da Igreja”
(HOUAISS, 2004); “Próprio - como substantivo, é empregado na acepção ou em equivalência à
propriedade [...]: é um próprio de fulano, é um próprio do Estado.” (SILVA, 1990)
47
Texto consultado em 9 jun. 2006 no site www.almg.gov.br/Diário do Legislativo de 16/6/2005.
nova e, mesmo que sua denominação tenha sido mantida ao longo do tempo, a
cada nova situação, tal procedimento deve ser renovado. Assim, ao passar para o
Município, recebeu o mesmo nome de origem; ao voltar para o Estado, nova lei deve
atribuir-lhe denominação, ainda que seja o mesmo nome que sempre teve. Como se
pode notar, as modificações acontecem discursivamente, são mediadas pelo
discurso. O prédio continua onde está, com a escola funcionando ininterruptamente,
o que me parece uma evidência de que os referentes são objetos de discurso, como
postulam Mondada e Dubois (2003).
Não me deterei na análise das conseqüências práticas das mudanças aqui
mencionadas, mas devo registrar que a municipalização de escolas estaduais foi um
processo traumático para algumas comunidades. No corpus da pesquisa de Ziviani
(2006)
48
, várias professoras, funcionárias estaduais, relatam dificuldades para se
reposicionar na nova situação.
Passarei ao estudo comparativo dos dois textos normativos citados
49
, a lei
que à escola a denominação atual (Ex. 15) e a anterior (Ex. 16). A comparação
tem por objetivo evidenciar como o cidadão comum reitera seu apagamento desses
textos, reforçando o movimento histórico de exclusão citado neste capítulo, no item
2.3, na discussão dos Exemplos 13 e 14 (p. 50).
Exemplo 15
Lei nº 15.812, de 7 de novembro de 2005.
Dá denominação à Escola Estadual de
Conquista, localizada no Município de Conquista.
O VICE-GOVERNADOR, no exercício do cargo de GOVERNADOR DO
ESTADO DE MINAS GERAIS
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou, e
eu, em seu nome, promulgo a seguinte Lei:
Art. Fica denominada Escola Estadual Dr. Lindolfo Bernardes a Escola
Estadual de Conquista, localizada no Município de Conquista.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Fica revogada a Lei nº 7.734, de 9 de junho de 1980.
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 7 de novembro de 2005; 217º
da Inconfidência Mineira e 184º da Independência do Brasil.
CLÉSIO SOARES DE ANDRADE - VICE-GOVERNADOR (MINAS GERAIS,
2005)
48
Ver excerto no Anexo B (p. 109).
49
Os textos foram consultados no site www.almg.gov.br, link legislação (em 9/5/2006).
O texto do Exemplo 15 traz a Lei Estadual nº 15.812, de 2005, que dá
denominação à Escola Estadual do Município de Conquista. Essa lei foi sancionada
pelo Vice-Governador, que exercia o cargo de Governador em 2005; entrou em vigor
na data de sua publicação e, em seu art. 3º, revogou a Lei Estadual 7.734, de
1980, que tratava do mesmo assunto, como se vê no Exemplo 16, a seguir.
Exemplo 16
Lei nº 7.734, de 9 de junho de 1980.
Dá denominação à Escola Estadual de Conquista.
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu,
em seu nome, sanciono a seguinte Lei:
Art. - Passa a denominar-se Escola Estadual Dr. Lindolfo Bernardes a
Escola Estadual de Conquista.
Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário.
Mando, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução desta Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir, tão
inteiramente como nela se contém.
Dada no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 9 de junho de 1980.
FRANCELINO PEREIRA DOS SANTOS - Governador do Estado. (MINAS
GERAIS, 1980)
A Lei Estadual 7.734, que foi sancionada pelo Governador à época, trata
do mesmo objeto da norma citada no Exemplo 15 e possui o mesmo mero de
artigos. As pequenas diferenças entre os dois textos podem ser atribuídas ao
contexto em que se inserem. O primeiro texto tem sua redação regulada pela LCE
78 e pela Lei Estadual 13.408, de 1999, enquanto o segundo, pelo Decreto
12.602, de 1970, e pela Lei Estadual 5.378, de 1969
50
. A lei complementar e o
decreto citados disciplinam a redação legislativa; as leis ordinárias dispõem sobre a
denominação de próprios públicos.
Uma diferença que me parece significativa nas duas leis em exame está no
fecho, redigido de acordo com o que determina a legislação em cada caso para a
referência de data. O texto do Exemplo 15: “Palácio da Liberdade, em Belo
Horizonte, aos 7 de novembro de 2005; 217º da Inconfidência Mineira e 184º da
Independência do Brasil.” mostra a preocupação do legislador com homenagens a
fatos históricos. O que é considerado memorável nesse caso também não registra o
cidadão comum, tal como se observa nas nomeações em geral. No texto do
50
Os textos foram consultados no site www.almg.gov.br, link legislação (em 5 jun. 2006).
Exemplo 16, fica ainda mais evidente o apagamento do cidadão: “Mando, portanto, a
todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução desta Lei pertencer, que
a cumpram e façam cumprir, tão inteiramente como nela se contém. Dada no
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 9 de junho de 1980.”.
Os dois textos (Ex. 15 e 16) apresentam muitas semelhanças quanto à forma
e ao conteúdo. A análise baseada apenas no enunciado não seria suficiente para
explicar por que foi necessária a edição de uma segunda lei revogando a primeira,
uma vez que ambas possuem a mesma estrutura, idêntico número de artigos e dão
denominação ao prédio da escola estadual localizada no Município de Conquista,
em Minas Gerais. A interpretação adequada dos textos depende de sua inserção no
mundo jurídico, a fim de que o Locutor possa falar como locutor-x e não diga algo
inconstitucional ou que tenha sido revogado por outra enunciação. O que determinou
a perda de eficácia jurídica da Lei Estadual 7.734, de 1980, foi a municipalização
da escola estadual, feita por uma resolução da Secretaria de Estado de Educação,
instrumento de natureza distinta da lei. Para que a escola voltasse à gestão
estadual, foram expedidos dois decretos, um determinando o encerramento de suas
atividades, e outro a recriando. A lei de 1980 não se refere àquela escola, que foi
extinta, nem a qualquer outra, uma vez que a única escola estadual do Município de
Conquista é a que, recriada, recebe nome pela Lei Estadual 15.812, de 2005.
Esta, por sua vez, precisou revogar a lei anterior, que, embora inaplicável, ainda
existia formalmente.
Assim como o locutor-Presidente que Decreta x, o Locutor que diz eu
promulgo (Ex. 15) ou eu sanciono (Ex. 16) é o locutor-Governador, que fala como
enunciador universal, a partir da posição de sujeito jurídico-liberal. Observe-se que
cada acontecimento é recortado por memórias distintas. Em 2006, a lei editada em
1980 (Ex. 16), embora correta formalmente, não tem eficácia jurídica, em virtude da
municipalização da escola e de sua posterior extinção e recriação administrativa no
âmbito estadual. Por sua vez, a lei de 2005 (Ex. 15) repete os mesmos comandos da
lei anterior, acrescidos da revogação do texto que os contém (Art. 3º - Fica revogada
a Lei 7.734, de 9 de junho de 1980.), configurando, com a revogação, a
temporalidade desse acontecimento que projeta para o futuro um comando
retroativo, a partir da vigência da nova lei, ficando a lei anterior revogada em caráter
definitivo.
Outro aspecto semelhante nos Exemplos 15 e 16 é o posicionamento do
cidadão comum em relação ao Estado. Embora presente no enunciado, por meio da
expressão Povo, por seus representantes
51
, o cidadão mineiro configura-se como o
brasileiro pacífico que cumpre o que lhe é determinado, sem se dar conta de seu
direito de avaliar o desempenho dos representantes que elegeu e de questionar as
relações historicamente estabelecidas.
Como foi mencionado no primeiro capítulo deste trabalho, na cena
enunciativa do texto da lei, autoridade e cidadão encontram-se em extremos
opostos. A relação entre a autoridade que age em nome do Estado e o cidadão
comum é mediada pelo texto das leis aprovadas pelos representantes eleitos por
esse cidadão. No caso em exame, mesmo que a comunidade tenha reivindicado a
denominação, e que seu Deputado esteja atendendo essa demanda, o que se
observa é o costume de tornar memoráveis fatos ou pessoas de prestígio social
naquele grupo ou localidade. Não é comum a homenagem a pessoas de classes
sociais menos prestigiadas.
O prédio da escola recebe o nome do Sr. Lindolfo Bernardes, o qual, além de
criar a escola, destacou-se em suas atividades como Juiz de Direito. Essa
nomeação não se modifica quando a escola é transferida do Estado para o
Município, nem quando retorna para o Estado. Considerando-se que apenas
aqueles que possuem influência política conseguem criar escolas, preenchendo um
vazio deixado pela omissão do Estado, a homenagem a uma autoridade que
desempenhou bem suas funções parece revelar traços do imaginário de uma
comunidade que venera e reverencia o Poder, cidadãos que consideram esse bom
desempenho um fato digno de nota e cuja voz desaparece na formalidade da
homenagem prestada na lei.
Em sua análise do texto da Lei Estadual 14.046, de 2001
52
, Mendes (2005)
lembra, a propósito do que foi mencionado no parágrafo anterior, o “homem cordial”
de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (HOLANDA, 1992):
51
A expressão Povo foi analisada anteriormente neste trabalho; ver item 2.3 (p. 52).
52
Essa lei a denominação, a um trecho de rodovia, de Itália Cautiero Franco, mãe de Itamar
Franco, que era Governador à época da edição da lei.
transparece o “jogo de compadres”, herança da nossa política colonial, fruto
do imbricamento entre o público e o privado, que, de alguma forma,
sobrevive nos nossos dias. Nesse aspecto, cabe observar que a Sra. Itália,
apesar de ser a mãe de um homem preeminente na vida pública do Estado
e do País, pertence ao âmbito do familiar, do particular, do doméstico, e, por
meio dessa lei (e de alguma outra semelhante), acaba se inserindo na
dimensão do público. Seu nome não é mais apenas o nome de um familiar,
seja pai, filho, mãe, avô, irmão, enfim, um membro daquele clã, mas uma
figura que se inscreve na história da sociedade mineira. O que tem como
origem a pia batismal ou o registro cartorial passa para o domínio do
público, do estatal, do social. (MENDES, 2005).
Além da formalidade do texto, a homenagem prestada por meio da Lei
Estadual 15.812 registra esse “jogo de compadres” identificado por Mendes
(2005), reforçando um posicionamento histórico de exclusão do cidadão comum em
sua relação com o Estado, mediada pelas leis. Assim, observa-se no processo de
nomeação da Lei Estadual 15.812 o apagamento do cidadão, pois o
homenageado, como de costume, pertence a uma classe social elevada e
prestigiada naquela comunidade. O mesmo ocorre, ainda, na nomeação citada por
Guimarães (2005, p. 55, 65) para a Rua dos Trabalhadores e para a avenida que
recebe o nome de proprietários da usina local. O fato de não haver rua com nome de
sindicalistas integra, por exclusão, a história das enunciações de nomes de rua e do
mapa daquela cidade. Nos Exemplos 15 e 16, o homenageado não é apenas
Lindolfo, dos Bernardes, mas o Juiz de Direito, Dr. Lindolfo Bernardes. O título de
“Doutor” é usado no Brasil sempre que se deseja conferir tratamento distintivo à
pessoa, mesmo que esta não possua a respectiva titulação acadêmica. Na
justiticação do projeto, não menção à escolaridade do homenageado, o que nos
leva a considerar que o uso dessa expressão reforça um procedimento excludente e
marca a distância entre trabalho braçal e intelectual, bem como entre elite e
operariado. O Município de Conquista identifica um de seus espaços e, ao fazê-lo,
também se identifica, pois mantém uma prática de nomear lugares, a qual abrange
nomear pessoas.
Nomear próprios públicos é, portanto, repetir o que se faz ao nomear
pessoas, ruas e cidades, entendendo-se como interdependente a relação entre
identificação, designação e nomeação. A nomeação integra a designação que
permite identificar e, conseqüentemente, referir, num processo dinâmico de
reescritura e resignificação que, por outro lado, perpetua a relação quase imperial
entre Estado e sociedade no Brasil.
2.3.2 A polifonia no texto da Lei Estadual nº 16.058, de 2006
Retomando uma questão apontada no item 2.1 deste capítulo, na discussão
dos Exemplos 6 e 7 (p. 44), bem como da Lei Estadual nº 13.735, de 2000 (p. 46),
tratarei da distinção entre a voz do técnico e a voz do político no texto legal.
Durante a tramitação da Lei Estadual 16.058, de 2006, que institui o Dia do
Yôga, o autor do projeto solicitou, por meio de sua assessoria, que fossem feitas
várias erratas, todas com o objetivo de manter a redação original do termo yôga, o
qual sofreu alterações em momentos diferentes, contrariando a intenção do
segmento da sociedade que reivindicou a edição da referida lei
53
. O projeto foi
recebido em Plenário no dia 16/12/2003 e publicado no “Diário do Legislativo” em
18/12/2003. No dia 19, foi publicada errata, alterando o texto da ementa:
Exemplo 17
PROJETO DE LEI Nº 1.313/2003
na publicação da matéria em epígrafe, verificada na edição de 18/12/2003,
pág. 57, col. 3, onde se lê: “da ioga”, leia-se: “do yôga”. e, onde se lê: “a
ioga”, leia-se: “o yôga”. (MINAS GERAIS, 2003)
Entre o recebimento e a publicação da matéria, o yôga virou a ioga pelas
mãos da equipe revisora da Assembléia Legislativa. O que dizer desse técnico que
fez a correção gramatical da expressão, redigindo-a de acordo com a grafia oficial?
A mudança certamente desagradou ao autor, que no mesmo dia pediu a sua
assessoria que providenciasse a correção do engano, gerando a errata publicada no
dia seguinte. No parecer da Comissão de Constituição e Justiça, permanece o
gênero masculino, mas cai o acento circunflexo do yoga. A comissão encarregada
de avaliar o mérito da proposição foi a de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia,
que opinou pela aprovação do projeto, reproduzindo e justificando o yôga original.
Desavisada, a Comissão de Redação apresentou parecer de redação final,
publicado em 30/3/2006, retornando com o termo o ioga. Aprovado e sancionado, o
projeto deu origem à Lei Estadual 16.058, de 2006, publicada inicialmente como
aquela que instituiu o Dia do Ioga.
O autor do projeto, segundo nos informou sua assessoria, foi procurado pelos
53
Informações obtidas verbalmente pela pesquisadora na Diretoria Legislativa da ALMG, onde atua
profissionalmente como Assessora de Plenário desde 1997, tendo iniciado suas atividades no mesmo
setor como redatora e revisora em 1994.
interessados em comemorar o Dia do ga e, verificado o engano da Comissão de
Redação, constatou-se que houve erro formal, passível de correção por meio de
errata. Assim, no dia 4/5/2006, mais de trinta dias após a publicação da redação final
aprovada em Plenário, foi publicada a errata do parecer, o mesmo ocorrendo com a
lei, publicada no “Diário do Executivo” em 25/4/2006, e republicada em 6/5/2006. O
mesmo procedimento não pôde ser adotado para a Lei Estadual nº 13.735, de 2000,
citada anteriormente no item 2.1 (p. 46), pois entendeu-se que a adoção de um
termo inadequado (comemoração para lembrar dia de protesto) configurava erro
material, de conteúdo portanto, e somente poderia ser corrigido com a edição de
nova lei.
Temos, então, de um lado, o autor representando legitimamente um
segmento da sociedade e, de outro, o técnico que induziu o político ao “erro”, mas
que agiu como sempre faz ao revisar textos de acordo com a gramática normativa
54
e atento à legislação que disciplina a redação legislativa. Do ponto de vista técnico,
o texto estava correto, mas não atendia ao interesse político que o gerou e
conseguiu transformá-lo em lei. O legislador, ao aprovar a redação final do projeto, e
o Governador, ao sancionar a lei, assumem como sua a intervenção técnica. Há pelo
menos dois discursos imbricados, fundidos em um texto que pretende legitimar as
ações de um ou mais segmentos da sociedade. Observa-se, com tal imbricação, a
predominância da interdiscursividade em relação à polifonia.
A análise indica não ser possível separar, no texto legal, a voz do técnico e a
do político, a não ser quando o texto revela algum conflito nessa relação e uma se
sobrepõe à outra ou ambas se contradizem, como ocorreu nos exemplos citados
neste capítulo, no item 2.1 (Lei Estadual nº 13.735, de 2000, que institui uma data de
protesto) e neste item 2.3.2 (Lei Estadual 16.058, de 2006, que institui o Dia do
Yôga). Esse dado nos leva, a partir do estudo da polifonia no texto legal, a
considerar como viável avaliar a intervenção cnica que interferiu negativamente na
atuação política, a fim de se estudar como formar o profissional para que ele possa
prever e evitar esse tipo de situação. Configura-se a cena enunciativa em que o
texto prescritivo pode não ser suficiente para a perfeita realização da tarefa, hipótese
que desenvolverei no Capítulo 3. Meu olhar se volta cada vez mais para a
54
Sugiro a leitura complementar de Souza e Mariani (1996), que analisam o histórico das discussões
sobre ortografia da língua portuguesa, abordando questões de natureza político-jurídica.
elaboração legislativa e para os sujeitos envolvidos nesse processo, que trazem
para essa cena suas visões de mundo, experiências e expectativas, lembrando
sempre, como foi descrito no capítulo teórico-metodológico (p. 31), que não se
considera na análise o sujeito-autor, mas uma função-autor que se configura e
reafirma historicamente. Nesse caso, será possível, a partir de uma prescrição,
assegurar uma intervenção sempre positiva? Será esse o caminho?
CAPÍTULO 3 ANÁLISE DO CORPUS
Este capítulo traz uma análise local do corpus, a fim de identificar as vozes
que permeiam o discurso dos sujeitos que participam da elaboração legislativa. Aqui
apresento o plano global dos textos analisados no capítulo anterior e a releitura
desses textos nos termos de uma semântica do agir.
3.1 O plano global do texto da Lei Complementar Estadual nº 78, de 2004
A LCE 78 organiza-se em três categorias de normas, descritas no Manual (p.
56): “a de diretrizes de redação, a de regras de padronização e a de procedimentos
de consolidação de leis”
55
.
Os capítulos da LCE 78 são os seguintes:
Capítulo I – Disposições preliminares
Capítulo II – Da elaboração das leis
Seção I – Disposições gerais
Seção II – Da estruturação
Seção III – Da articulação
Seção IV – Da redação
Seção V – Da padronização
Capítulo III – Da alteração das leis
Capítulo IV – Da consolidação das leis
Capítulo V – Disposições finais (LCE 78).
Correspondem às três categorias os seguintes dispositivos:
a) diretrizes de redação – Capítulo I e Seções I a IV do Capítulo II;
b) regras de padronização – Seção V do Capítulo II;
c) procedimentos de consolidação de leis – Capítulos III e IV.
Para atender ao objetivo desta pesquisa de compreender como se configura
discursivamente o trabalho do legislador/redator de leis, identificando o foco de seu
agir em textos produzidos nessa e sobre essa situação de trabalho, destaco em
itálico e negrito, nos trechos da LCE 78 reproduzidos no Exemplo 18, os
destinatários dos comandos relativos a procedimentos, em especial aqueles relativos
à redação. Em seguida, comento cada item assinalado
56
.
55
Ver nota sobre remissão à LCE 78, à LCF 95 e ao Manual de Redação Parlamentar da ALMG no
item 1 do capítulo introdutório (p. 13-15).
56
Ver definição de artigo, inciso e caput no Capítulo 2, item 2.1 (p. 39).
Exemplo 18
Art. 1° - A elaboração, a alteração e a consolidaçã o das leis do
Estado obedecerão ao disposto nesta lei complementar.
Parágrafo único - As disposições desta lei complementar aplicam-se
ainda, no que couber, às resoluções da Assembléia Legislativa, bem como
aos decretos e aos demais atos normativos expedidos por órgão de
qualquer dos Poderes do Estado.
[...]
Art. 17 - Os Poderes Executivo e Legislativo promoverão, mediante
cooperação mútua, a consolidação das leis estaduais, com o objetivo de
facilitar a sua consulta, leitura e interpretação.
[...]
Art. 18 - Para os fins da atualização a que se refere o inciso I do
parágrafo único do art. 17, a Assembléia Legislativa e o Poder Executivo
manterão, mediante convênio, banco informatizado das leis estaduais,
acessível à população por meio da internet.
Art. 19 - As ações destinadas à sistematização das leis, a que se
refere o inciso II do parágrafo único do art. 17, ficarão a cargo de Grupo
Coordenador a ser constituído conjuntamente pelos Poderes
Legislativo e Executivo e integrado por um representante de cada um
desses Poderes, e igual número de suplentes, ao qual caberá:
I - selecionar matérias a serem objeto de sistematização;
II - constituir, em função das matérias selecionadas, grupos de
trabalho para proceder a estudo técnico preliminar e, se for o caso,
elaborar anteprojeto de lei de sistematização ou de codificação.
§ - Quando a matéria a ser consolidada for da competência do
Poder Judiciário, do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, os
respectivos titulares indicarão representantes para participar dos grupos
de trabalho previstos no inciso II do “caput” deste artigo, assegurada a
paridade na representação.
Art. 20 - Para facilitar a aplicação desta lei, os Poderes Legislativo e
Executivo promoverão a aproximação, o intercâmbio e a cooperação
técnica entre servidores dos dois Poderes. (LCE 78).
O art. 1º estabelece o objeto da lei, num comando genérico destinado aos que
se encarregam da elaboração, da alteração e da consolidação das leis do Estado,
conforme determina o art. 65 da Constituição Estadual
57
. Desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988, os cidadãos podem apresentar proposições
legislativas. O Estado de Minas Gerais promulgou sua Constituição em 1989,
adaptando-a à norma federal e adotando, entre outras inovações, a iniciativa popular
no processo legislativo. As formalidades para o exercício dessa iniciativa eram
muitas antes da criação, em 2003, da Comissão de Participação Popular da ALMG,
que democratizou bastante esse procedimento no Estado mineiro. Não vou me ater
ao assunto, mas devo mencionar que, na data consultada, encontrei apenas uma lei
57
Constituição Estadual de Minas Gerais: “Art. 65 - A iniciativa de lei complementar e ordinária cabe a
qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal da
Justiça, ao Tribunal de Contas, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos
definidos nesta Constituição.”
de iniciativa popular em Minas Gerais, a Lei Estadual nº 11.830, de 1995, que institui
o Fundo de moradia popular, e um outro projeto apresentado em 1998, Projeto de
Lei 1.789/98, que o chegou a se tornar lei e foi arquivado. Por outro lado, a
referida comissão formalizou dez projetos de lei resultantes de sugestão popular, os
quais estão em tramitação
58
, além de várias propostas de ação legislativa (das 653
apresentadas, 649 já foram apreciadas). Esses números parecem sinalizar uma
facilitação do acesso do cidadão comum ao Legislativo, mas para uma conclusão
fundamentada seria necessária uma análise qualitativa, que não é o foco desta
pesquisa
59
.
No parágrafo único do art. 1º, observa-se um endereçamento mais específico
à Assembléia Legislativa e a órgão de qualquer dos Poderes do Estado que seja
encarregado de expedir decretos e demais atos normativos.
Os arts. 17 a 19 referem-se à consolidação das leis, e neles aparece pela
primeira vez a menção aos técnicos, que serão indicados pelos respectivos titulares
dos Poderes para integrar grupos de trabalho.
O art. 20 determina que os Poderes Legislativo e Executivo estimularão a
cooperação técnica entre os servidores dos dois Poderes, a fim de facilitar a
aplicação da lei. Esse comando revela a importância dada pelos legisladores aos
técnicos que os assessoram.
Observa-se, mais uma vez, o apagamento do cidadão comum, pois o
destinatário dessa lei não é ele, mas os seus representantes nos Poderes
Legislativo e Executivo, que deverão adotar as normas ali previstas quando forem
redigir suas proposições normativas. A lei estende essa mesma obrigatoriedade aos
titulares do Poder Judiciário, do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, na
elaboração das matérias de sua competência. Pode-se argumentar que, em última
instância, o cidadão se beneficiará de normas bem redigidas e, por essa razão, ele
seria o destinatário principal, mas sua exclusão histórica desses textos parece
apontar para outra direção, como foi discutido no item 2.3 do segundo capítulo deste
trabalho (p. 50-54).
58
Pesquisa feita no site www.almg.gov.br em 23 jun. 2006.
59
Ver, a respeito da participação popular, as reflexões de Soares (2004). Apesar de conceber a
linguagem como um sistema fechado, de acordo com o modelo de processo comunicativo que supõe
um emissor transmitindo uma mensagem para um receptor que a decodificará, a autora apresenta um
estudo muito interessante sobre a previsão constitucional da iniciativa popular no processo legislativo
como forma de quebrar a monologia do discurso do legislador, revertendo a exclusão histórica do
cidadão no texto legal.
Numa comparação entre as duas leis que tratam da redação legislativa nos
níveis estadual e federal, respectivamente a LCE 78 e a LCF 95 (Ex. 2 e 3, p. 14-15),
observa-se que a fórmula de promulgação de ambas possui as mesmas três
subdivisões. No entanto, a opção pelo tempo verbal presente foi mais marcante no
texto federal (faço saber, decreta e sanciono). A oposição presente/passado (o Povo
[...] decretou e eu sanciono) adotada na lei estadual parece-me a mais indicada, por
duas razões. Considerando-se que a elaboração legislativa compõe-se de três fases
subseqüentes, que, como foi dito na introdução deste trabalho, abrangem: a) na
fase introdutória, a apresentação do projeto de lei; b) na fase constitutiva, sua
apreciação pelo Poder Legislativo e a sanção ou veto do Governador; c) na fase
complementar ou de aquisição de eficácia, a promulgação (assinatura pelo
Governador, numeração da lei) e a publicação, a opção do texto estadual traduz
melhor a seqüência dos fatos, pois o Chefe do Executivo somente sanciona ou veta
o que o Legislativo aprovou num momento anterior.
Em segundo lugar, a opção da LCE 78 pelo tempo verbal distinto marca os
diferentes sujeitos envolvidos nessa ação (Povo/representantes e eu/Governador do
Estado), enquanto o texto federal, ao alinhar no presente os sujeitos (Congresso
Nacional e eu/Presidente da República) e suas ações (decreta, sanciono), parece
traçar entre ambos uma linha paralela que lhes confere poderes iguais naquele
momento.
Na fórmula de promulgação da LCE 78 (Ex. 2, p. 14 e 4, p. 40), o termo Povo
é grafado com inicial maiúscula para realçar que não está sendo utilizado em seu
sentido comum, mas no contexto do Estado Democrático de Direito, em que os
cidadãos elegem representantes para tomar decisões em seu nome. Observe-se
que o texto do Exemplo 10
60
, que contém trecho de lei estadual resultante de sanção
tácita, traz a mesma expressão com inicial minúscula, conforme recomenda a citada
LCE 78, em seu art. 4º, inciso III. O primeiro texto mostra uma lei sancionada pelo
Governador do Estado, enquanto o segundo, uma lei resultante de sanção tácita,
promulgada pelo Presidente do Poder Legislativo.
A escolha entre as duas opções é subjetiva, pois, se a inicial maiúscula
confere um tratamento distintivo à expressão, a inicial minúscula atende ao que a lei
determina. No entanto, a escolha torna objetivo um aspecto subjetivo, materializando
no texto uma postura que pode ser considerada mais política ou mais cnica. Por
exemplo, poderíamos avaliar como técnica a postura que atende à determinação da
LCE 78, partindo do pressuposto de que as decisões técnicas são isentas, o que
nem sempre é verdade, como se demonstra neste estudo, em especial no subitem
3.2.1 deste capítulo (p. 77-82), em que se faz a releitura, nos termos de uma
semântica do agir, da análise global do texto da Lei 16.058, de 2006,
desenvolvida no item 2.3.2 do Capítulo 2 (p. 60-62). Desse ponto de vista, a opção
mais política e, portanto, menos técnica e formal, é a que se baseia num critério
segundo o qual o uso da inicial maiúscula na grafia da expressão Povo lhe conferiria
o mesmo tratamento dispensado pela gramática normativa aos nomes próprios. Ora,
não seria essa, então, uma opção tão formal quanto a outra?
Assim, volto a indagar se é possível determinar quando uma escolha é mais
política ou mais técnica. A resposta a essa pergunta permitiria delinear o perfil de
quem escolhe? Parece-me que o agente principal é o legislador que apresenta o
texto inicial, o autor do projeto, por ser quem deflagra formalmente o processo.
Assim como não enunciação sem alguém que enuncie, não há lei sem seu
proponente. O legislador, representando quem o elegeu, oferece ao conjunto de
legisladores um projeto que, se aprovado por esse grupo e sancionado pelo
Governador, torna-se lei. A elaboração legislativa é um processo complexo, que
envolve muitos interlocutores, cujas vozes integrarão o texto legal, mesmo que nem
sempre estejam perceptíveis na superfície desse texto. Como o Governador é quem
se manifesta por último no processo legislativo, ao sancionar ou vetar a lei, a partir
desse momento ele assume a posição de agente-enunciador.
61
Em última instância, é a voz do político que se manifesta, mesmo quando
incorpora em seu dizer sugestões apresentadas por cnicos, aos quais se atribui
um papel secundário de executores de ações específicas, um papel, portanto, de
destinatários (ver, no Exemplo 18 do item 3.1 deste capítulo, p. 64, as expressões
destacadas em itálico e negrito, aqui apenas em negrito: grupos de trabalho para
proceder a estudo técnico preliminar; a aproximação, o intercâmbio e a cooperação
técnica entre servidores dos dois Poderes). Desenvolvo essa discussão no item 3.2
a seguir.
60
Ver exemplo 10 no Capítulo 2, item 2.1 (p. 45).
61
Como já foi dito anteriormente (p. 31, 42, 62), não se considera na análise o sujeito-autor, mas uma
função-autor numa perspectiva histórica.
3.2 Releitura da análise global conforme a semântica do agir
Neste item, apresento a releitura da análise feita no Capítulo 2 e no item 3.1
deste capítulo sobre o plano global do texto e sobre a parte introdutória da LCE 78
(Ex. 2, p. 14 e 4, p. 40), nos termos de uma Semântica do Agir, considerando,
conforme o descrito no item 1.5 do Capítulo 1, as categorias adotadas por Abreu-
Tardelli (2004) a partir da proposta de Bronckart e Machado (2004).
62
Acredito que a releitura do texto da LCE 78 nesses termos possibilitará o
exame do foco do agir expresso nos textos produzidos sobre essa e nessa situação
de trabalho, objetivo mencionado no item 4 Metodologia, na apresentação
introdutória deste trabalho. Espero que a análise desenvolvida possa contribuir com
os estudos que relacionam linguagem e trabalho, razão pela qual adoto os mesmos
procedimentos utilizados pelos autores citados no parágrafo anterior, em especial as
categorias de análise de Abreu-Tardelli (2004) e a forma por ela escolhida para
apresentar em quadros os dados observados. A autora, com objetivo semelhante ao
que ora estabeleço, realizou estudo sobre a legislação relativa à educação a
distância, analisando corpus do mesmo domínio do que se examina nesta
dissertação, fato que reforça minha opção de seguir os passos de tais
predecessores.
A releitura dos aspectos gerais da LCE 78, nos termos de uma Semântica do
Agir, permite identificar nesse texto um tipo de agir, o agir-prescritivo, relativo a todo
o texto normativo, em especial a prescrição cujo núcleo é o ato do próprio
documento em si (epígrafe e ementa Ex. 4 do item 2.1 do Capítulo 2, p. 40), e o
ato do Governador que sanciona o que o Povo decretou (fórmula de promulgação
Ex. 4). O agir-fonte, do qual decorre a prescrição, remete ao trabalho de elaboração
da lei e constitui, no texto da LCE 78, todo o seu Capítulo II
63
. O agir-decorrente, que
também pode ser interpretado como toda a prescrição contida na LCE 78, aparece
especificamente nos trechos citados no Exemplo 18 do item 3.1 do Capítulo 3 (p.
64), que tratam da utilização posterior do documento, com as diversas tarefas a
serem realizadas.
Considerando que, no decorrer da pesquisa, o foco do trabalho foi
direcionado para uma investigação do agir do redator/revisor parlamentar, a análise
62
Ver Quadros 1 e 2 no item 1.5 do Capítulo 1 deste trabalho (p. 37).
63
Ver o texto completo no Anexo A (p. 100).
concentrou-se na parte da LCE 78 relativa à redação, em especial os arts. ao 11,
apresentados a seguir no Exemplo 19. Para analisar esses enunciados, utilizei os
dois procedimentos descritos por Bronckart e Machado (2004, p. 152), os quais
especifico logo após o texto em exame (Ex. 19), a fim de verificar se realmente são
aplicáveis a esses casos. Feitas as considerações sobre as características gerais do
texto, no Capítulo 2 e no item 3.1 deste Capítulo, passo a uma releitura dessa
análise global.
Exemplo 19
Da Redação
Art. 8° - A redação do texto legal buscará a clarez a e a precisão.
Art. - São atributos do texto legal a concisão, a simplicidade, a
uniformidade e a imperatividade, devendo-se observar, para sua obtenção,
as seguintes diretrizes:
I - no que se refere à concisão:
a) usar frases e períodos sucintos, evitando construções explicativas,
justificativas ou exemplificativas;
b) evitar o emprego de adjetivos e advérbios dispensáveis;
II - no que se refere à simplicidade:
a) dar preferência às orações na ordem direta;
b) dar preferência às orações e expressões na forma positiva;
c) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando
for necessário o emprego de nomenclatura técnica própria da área em que
se esteja legislando;
III - no que se refere à uniformidade:
a) expressar a mesma idéia, quando repetida no texto, por meio das
mesmas palavras, evitando o emprego de sinônimos;
b) empregar palavras e expressões que tenham o mesmo sentido na maior
parte do território estadual, evitando o uso de termos locais ou regionais;
c) buscar a uniformidade do tempo e do modo verbais;
d) buscar o paralelismo entre as disposições dos incisos, das alíneas e dos
itens constantes da mesma enumeração;
e) evitar o emprego de palavra, expressão ou construção que confira
ambigüidade ao texto;
IV - no que se refere à imperatividade:
a) dar preferência ao futuro do presente do indicativo e ao presente do
indicativo;
b) evitar o uso meramente enfático de expressão que denote
obrigatoriedade.
Art. 10 - A reprodução de dispositivo da Constituição da República ou da
Constituição do Estado em lei estadual somente se fará para garantir a
coesão do texto legal e a sua integração ao ordenamento.
Art. 11 - A remissão, na lei, a dispositivo de outro ato normativo incluirá,
sempre que possível, a explicitação do conteúdo do preceito referido. (LCE
78).
O primeiro procedimento de análise consistiu em identificar e classificar
sintaticamente os tipos de orações, dividindo-as em principais e subordinadas, e
orações com verbo na voz ativa (ou neutra), na passiva, flexionado ou no infinitivo. O
segundo passo compreendeu a aplicação das categorias do Quadro 2, integrante do
Capítulo 1 desta dissertação, com a identificação dos sujeitos e de seu papel
sintático-semântico.
A ntese apresentada no Quadro 4, a seguir, registra os dados considerados
na releitura, de acordo com as categorias adotadas. Para que se tenha uma idéia de
como os dados foram lançados, cito como exemplo o art. 8º, registrado na segunda
linha do quadro: A redação do texto legal buscará a clareza e a precisão. A primeira
coluna do quadro indica o dispositivo a que se referem os dados. A análise da
oração é expressa no quadro em cinco colunas, contendo a identificação: na coluna
2, do protagonista do agir (A redação do texto legal); nas colunas 3 e 4, das funções
sintática e semântica desse elemento identificado na oração; na coluna 5, do tipo de
oração com a indicação de uso de voz ativa (Principal ativa); e, na coluna 6, do
verbo (Buscará), seguido, na coluna 7, do total de verbos no dispositivo analisado
(1). O Quadro 4 foi dividido em duas páginas para facilitar a visualização.
Dispositivo
Protagonistas Função
sintática
Função
semântica
Tipo de
oração
Verbo
Total
de
verbos
Da Redação
Redação Título Objetivo
Art. 8° A redação do
texto legal
Sujeito Objetivo Principal Ativa
Buscará 1
Caput do
art. 9º
A concisão, [...]
imperatividade
As seguintes
diretrizes
Sujeito
Sujeito
paciente/
Agente
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Factivo
Objetivo
Instrumental
Principal Ativa
Principal
Passiva
Subordinada
Ativa Infinitivo
São
Devendo-se
observar
3
Inciso I do
art. 9º
(concisão)
Que
Sujeito
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Atributivo
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Subordinada
Ativa
Principal Ativa
Infinitivo
Principal Ativa
Principal Ativa
Infinitivo
Se refere
Usar
Evitando
Evitar
4
Inciso II do
art. 9º
(simpli-
cidade)
Que
O emprego de
[...]
Sujeito
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Sujeito
Sujeito
indeterminado
Atributivo
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Objetivo
Subordinada
Ativa
Principal Ativa
Infinitivo
Principal Ativa
Infinitivo
Principal Ativa
Infinitivo
Subordinada
Ativa
Subordinada
Ativa
Se refere
Dar
(preferência)
Dar
(preferência)
Usar
For
Esteja
legislando
6
Quadro 4: Estatuto sintático-semântico dos protagonistas centrais dos arts. 8º ao 11 da LCE 78
(Parte 1/2: continua na próxima página)
Fonte: site www.almg.gov.br, link legislação mineira (acesso em 14 set. 2005)
Dispositivo
Protagonistas Função
sintática
Função
semântica
Tipo de
oração
Verbo
Total de
verbos
Inciso III
do art. 9º
(uniformi-
dade)
Que (relativo a
redação)
A mesma idéia
Que
Que
Sujeito
Sujeito
indeterminado
Sujeito
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Sujeito
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Sujeito
Atributivo
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Subordinada
Ativa
Principal Ativa
Infinitivo
Subordinada
Ativa
Principal Ativa
Principal Ativa
Infinitivo
Subordinada
Ativa
Principal Ativa
Infinitivo
Principal Ativa
Infinitivo
Principal Ativa
Infinitivo
Subordinada
Ativa
Se refere
Expressar
Repetida
Evitando
Empregar
Tenham
Buscar
Buscar
Evitar
Confira
10
Inciso IV do
art. 9º
(imperativi-
dade)
Que (relativo a
redação)
Que
Sujeito
Sujeito
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Sujeito
Atributivo
Instrumental
Instrumental
Instrumental
Subordinada
Ativa
Principal Ativa
Infinitivo
Principal Ativa
Infinitivo
Subordinada
Ativa
Se refere
Dar
(preferência)
Evitar
Denote
4
Art. 10 A reprodução
de [...]
Sujeito
paciente/
Agente
indeterminado
Sujeito
indeterminado
Objetivo
Instrumental
Principal
Passiva
Subordinada
Passiva
Se fará
(Para)
garantir
2
Art. 11
A remissão
Sujeito
Objetivo
Principal Ativa
Incluirá
1
Quadro 4: Estatuto sintático-semântico dos protagonistas centrais dos arts. 8º ao 11 da LCE 78
(Parte 2/2: começa na página anterior)
Fonte: site www.almg.gov.br, link legislação mineira (acesso em 14 set. 2005)
No texto dos arts. 8º ao 11 da LCE 78 (Ex. 19), observa-se que dezesseis
orações com sujeito indeterminado, duas com sujeito paciente e agente da passiva
indeterminado e doze onde é possível identificar o sujeito. Adotando, como foi
dito, o mesmo procedimento de Abreu-Tardelli (2004)
64
. para indicar em quadros a
análise desenvolvida, apontei os tipos de orações identificadas no trecho em exame
(Ex. 19), classificando-as em principais e subordinadas, mesmo quando são apenas
orações absolutas, como no exemplo citado (Art. 8º: A redação do texto legal
buscará a clareza e a precisão.)
O total indicado na coluna 7 apresenta o número de verbos identificados na
lei, totalizados no quadro por artigo (arts. 8º, 10 e 11 e caput do art. 9º) ou de acordo
com a organização temática (incisos I a IV do art. 9º).
No texto dos incisos I a IV do art. 9º, considerou-se “no que se refere à
concisão” como adjunto adverbial, equivalendo a quanto à concisão ou relativamente
à concisão. A oração analisada foi a subordinada “que se refere à concisão”, onde
“que” exerce a função de sujeito e sua ação é fazer referência (se refere) ao objeto
indireto presente em cada inciso: concisão, simplicidade, uniformidade,
imperatividade.
Na identificação dos sujeitos do trecho analisado, considerou-se o corpo do
texto normativo
65
como autônomo em relação ao preâmbulo da lei. Assim, embora a
fórmula de promulgação subordine todo o texto por meio do uso dos dois pontos (...e
eu sanciono a seguinte lei:), o que poderia levar à classificação dos sujeitos como
sujeito oculto, uma vez que toda prescrição é elaborada por alguém para que
alguém a cumpra, optou-se por fazer a análise sintática do enunciado de cada
dispositivo. Dessa forma, chegou-se à classificação de sujeito indeterminado e
agente da passiva, conforme registro no Quadro 4.
Quando a oração subordinada é principal em relação a uma outra, ela
aparece no quadro como subordinada, como ocorre no exemplo a seguir, entre
parênteses, extraído da alínea “c” do inciso II do art. . Nesse caso, a segunda
oração é subordinada em relação à primeira e principal em relação à que a segue e
complementa (usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo
64
Abreu-Tardelli (2004) utilizou, nos quadros-síntese de sua análise, a categoria Tipo de frase, que
substituí por Tipo de oração, em razão da classificação em principais e subordinadas, aplicável a
orações.
65
Ver esclarecimento sobre as partes da lei, em especial a LCE 78, no item 2.1 do Capítulo 2 (p. 39).
quando for necessário o emprego de nomenclatura técnica própria da área em que
se esteja legislando).
O legislador/redator de leis não é mencionado nesse texto prescritivo que
trata especificamente das ações/tarefas de redação (Ex. 19). Em seu lugar, temos
como protagonistas elementos relativos à redação, expressos em comandos
genéricos: no título, apenas a expressão Da Redação; nos incisos I a IV do art. 9º,
com o uso de verbo pronominal (no que se refere
à); nas alíneas desses incisos,
com o uso de infinitivo para marcar a impessoalidade e garantir a uniformidade do
texto, além de reforçar a função imperativa dos comandos (usar, evitar, dar
preferência). No caput dos arts. 8º, 10 e 11, o sujeito ocupa posição de destaque, no
início da oração, e também é feita referência à redação de maneira enfática, sem se
indicar um ser animado como responsável por aquela ação (a redação buscará, a
reprodução se fará, a remissão incluirá). Nas duas vezes em que o termo expressão
figura como complemento da oração principal, ele atua ao mesmo tempo como
sujeito da oração subordinada, por meio do pronome relativo que (evitar [...] que
confira/que denote).
O texto, assim, reforça o fazer legislativo como seu tópico principal, nada
dizendo sobre os atores/agentes envolvidos nesse processo, indicados de maneira
específica apenas no início e no final da LCE 78, como se pode perceber nas
expressões destacadas em itálico e negrito no Exemplo 18 do item 3.1 deste
capítulo (p. 64), as quais registram, ainda, os destinatários desse texto. Sabemos
que a lei é feita por alguém para que seja cumprida por alguém, inclusive por quem a
propôs, mas o fato de esses sujeitos não serem tratados textualmente como
protagonistas parece indicar que o mais importante no texto legal é o assunto
legislado, o qual, por sua vez, depende desses mesmos sujeitos a quem se atribui
papel secundário no texto. Como se pode perceber, a releitura do texto conforme a
Semântica do Agir não pode se restringir à análise do enunciado, embora parta dele.
Toda interpretação deve considerar o contexto em que se produz e recebe o texto,
que é relido naquela situação de acordo com os rituais sociohistóricos por ela
impostos aos participantes dessa interação.
Ao identificar os tempos verbais utilizados no trecho ora em análise,
comparando-os com o restante do texto, pude notar que o presente do indicativo é
usado de maneira assertiva (são atributos, o que se refere), quase irrefutável, de
aspecto estático, descritivo. O protagonista exerce a função sintática de sujeito,
expresso no texto, e a função semântica tem papel factivo (uma ocorrência), objetivo
(quatro ocorrências) ou atributivo (quatro ocorrências). Quando se usa o futuro do
presente ou o infinitivo com idéia de futuro (buscará, incluirá; usar, dar preferência),
reforça-se o aspecto dinâmico da tarefa, com o protagonista exercendo
principalmente o papel instrumental (vinte e uma ocorrências).
Essa oposição entre presente estático e futuro dinâmico demonstra que o
texto prevê um procedimento a ser implementado num momento posterior ao de sua
escritura quando trata de diretrizes (art. 9º) e princípios (art. : serão observados
princípios enumerados nos incisos I a VI), mas estabelece de imediato as
características que considera essenciais (art. 4º - são partes; art. 6º - O art. é; art. 6º,
incisos I e II - como se desdobra o artigo: constitui, constituem, vinculam; art. 9º -
São atributos).
Em todos os casos, o responsável pela ação não aparece no texto e o
protagonista é algum procedimento relativo à redação, caracterizada principalmente
como atividade. No trecho da LCE 78 reproduzido no Exemplo 19 (arts. 8º ao 11),
dezesseis ocorrências de protagonistas na função sintática de sujeito indeterminado,
o que representa um número significativo para ilustrar a ausência de seres animados
como protagonistas da ação. Resulta dessa ausência o fato de não haver registro do
papel agentivo ou beneficiário, os quais dependem de seres animados para
protagonizá-los. Esse fato lingüístico reforça a impessoalidade do texto legal, na
medida em que os comandos são impostos por agentes a destinatários, sendo que
nenhum deles está expressamente identificado no texto.
Numa leitura rápida dos dispositivos que tratam da atualização e consolidação
de leis, observa-se o predomínio de formas nominais para descrever os
procedimentos (art. 13 - procedimentos de atualização: atribuição, acréscimo,
revogação; art. 17 - procedimentos de consolidação: atualização e sistematização),
ao contrário da parte da lei referente à redação, que também utiliza uma forma
nominal, que é o infinitivo, mas dá preferência às formas verbais. Na parte relativa às
regras de padronização, todos os comandos trazem dispositivos com função de
sujeito e papel instrumental (art. 12 - Serão adotados no texto legal; I - a epígrafe da
lei será grafada). Novamente os agentes não são explicitados no texto, o que parece
ser uma constante quando o comando da lei é genérico, sem ser endereçado a um
destinatário específico.
No texto do Exemplo 18 do item 3.1 deste capítulo (p. 64), assinalei em itálico
e negrito os destinatários da LCE 78. É possível perceber nesse trecho as quatro
únicas ocorrências em que o protagonista não corresponde a algum procedimento
de redação, padronização ou consolidação, mas é indicado pelo nome da instituição
que terá como titular um ser animado, protagonista que exerce a função de sujeito e
o papel agentivo, aqui destacados em itálico (Ex. 12: Art. 17 - Os Poderes Executivo
e Legislativo promoverão; Art. 18 - [...] a Assembléia Legislativa e o Poder Executivo
manterão; Art. 19, § - Quando a matéria a ser co nsolidada for da competência do
Poder Judiciário, do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, os respectivos
titulares indicarão representantes para [...]; Art. 20 - [...] os Poderes Legislativo e
Executivo promoverão).
A releitura desses dispositivos, de acordo com a Semântica do Agir, confirma
o aspecto identificado no plano global do texto, relativo a um endereçamento mais
específico à Assembléia Legislativa e a órgão de qualquer dos Poderes do Estado
que seja encarregado de expedir decretos e demais atos normativos. A comparação
das duas leituras permite, ainda, que se perceba o distanciamento entre a lei e o
cidadão, excluído também desse ponto de vista. O texto legislativo carece da
identidade constitucional de que fala Rosenfeld (2004, p. 29), caracterizada como
uma espécie de “laço emocional entre o que o sentimento popular possa ser e o
governo, de fato, é: muito técnico e reservado a advogados e legisladores.”.
O papel do técnico é tido como secundário, uma vez que pouco aparece na
prescrição, a não ser numa função auxiliar, que, como uma função de bastidor, pode
interferir na cena enunciativa. Quando, em detrimento de outras prescrições, esse
técnico adota isoladamente na revisão do texto um critério como o da correção
gramatical, que não está expresso na LCF 95 nem na LCE 78, mas representa um
pressuposto desse discurso, ele adere a uma posição que ajuda a confirmar a
exclusão do cidadão comum, na medida em que a gramática normativa impõe como
padrão a norma culta, que corresponde à linguagem usada por classes sociais com
acesso à escrita. A gramática normativa deve servir à padronização, que é benéfica,
mas não deve ser o ponto central na redação e revisão do texto legal. É preciso
buscar a clareza e a inteligibilidade da norma, sem desconsiderar que esse texto traz
marcas das “injunções de ordem jurídica, política e administrativa” de que fala Castro
(1998, p. 135), citado anteriormente no item 2.1 do Capítulo 2 (p. 43). Como lembra
Fleury (2004, p. 148), se há escolhas a serem feitas, que não usemos o texto como
“pretexto para a dominação”, mas tenhamos em mente que reconhecer a
diversidade de discursos no campo jurídico, desvendando a máscara de
neutralidade da ideologia “imposta pela constelação dominante, constitui um primeiro
passo na direção do desvendamento das relações de poder que ali estão
subjacentes”.
Tendo esses elementos em vista, como analisar, de acordo com a Semântica
do Agir, a ação do técnico que insistiu na redação de ioga, em vez de yôga, durante
a elaboração da Lei Estadual nº 16.058, de 2006, mencionada anteriormente?
66
Tentarei responder a essa indagação no subitem 3.2.1 a seguir.
3.2.1 Releitura da análise global da Lei Estadual nº 16.058, de 2006
O texto prescritivo nada diz sobre procedimentos de revisão de textos a
serem publicados. O texto planificador prevê que os documentos parlamentares
devem atender aos padrões de correção da norma culta, mas alerta que, na
condição de “mediador lingüístico das condições e das pessoas (e seus diferentes
discursos) que atuam na elaboração do documento” (Manual, p. 20), o redator deve
avaliar e apresentar a redação que considere mais adequada em cada caso.
Para avaliar o trabalho realizado na revisão da Lei Estadual 16.058, de
2006, foi necessário mensurar os elementos indicados a seguir nos itens a e b,
adotando-se, num primeiro momento, o ponto de vista da gramática normativa na
análise:
a) da redação correta, que contraria o interesse de quem gerou o texto;
b) da redação incorreta, que preserva o interesse de quem gerou o texto.
Se a escolha recaísse sobre a hipótese a, observar-se-ia o predomínio da
forma sobre o conteúdo, com a correção gramatical impondo-se à vontade do
legislador e do grupo que ele representa. Prevaleceu a segunda hipótese, que
contraria os padrões de correção da norma culta, mas respeita a intenção do autor.
Na maioria dos casos, a primeira opção é a mais indicada, não sendo comum o que
ocorreu com o yôga, expressão que denomina particularmente um segmento dentre
os praticantes de ioga. Trocar yôga por ioga resultou numa deturpação do que se
pretendia na origem do texto, daí interpretar-se o fato como erro ou engano.
Desconsiderando-se esse aspecto em detrimento do critério da correção gramatical,
estaria o revisor exercendo seu papel corretamente. No entanto, o revisor ou redator
parlamentar não pode se ater apenas ao aspecto formal. Como determina o texto
planificador, é preciso considerar todas as variáveis da elaboração legislativa. Assim,
avaliou-se, como o comprova a reformulação do texto por meio de erratas (p. 60-62),
que o técnico errou ao ignorar as correções feitas nas fases anteriores da tramitação
do projeto. É importante ressaltar que a falha no trabalho realizado não advém do
texto prescritivo ou planificador, que assinalam ao redator, ao lhe atribuir poder de
decisão para optar pela melhor solução em cada caso, que ele deve sempre ter em
mente que forma é conteúdo, esses não se separam.
Quanto aos legisladores, registra-se a crítica por votarem o parecer de
redação final sem sua leitura, especialmente numa matéria que havia sofrido
errata no recebimento em Plenário. Mesmo que a comissão encarregada de avaliar
o mérito da proposição tenha registrado a forma considerada correta pelo autor do
projeto, seria recomendável ao autor o cuidado de checar se a redação final não
apresentava problemas. Considera-se, assim, que, no texto da Lei Estadual nº
16.058, de 2006, há pelo menos dois discursos imbricados, em que se fundem a voz
do técnico e a do político, com a segunda incorporando e apagando a primeira. O
técnico não vota a proposição normativa nem assina a lei. O legislador, ao aprovar a
lei, e o Governador, ao sancioná-la, assumem como sua a intervenção técnica.
Lembrando com Bronckart (2006, p. 212) que “o que se chama de atividade ou de
ação é sempre o resultado de um processo interpretativo”, avalio que houve falha do
agente político no trabalho realizado, ao presumir que a correção feita no início da
tramitação prevaleceria no texto final.
Surge, então, a dúvida: se a falha detectada não resultou do texto prescritivo
nem do texto planificador, mas de uma atitude (ou melhor, da falta de atitude) das
pessoas envolvidas no processo, como avaliar o trabalho realizado, tendo tais textos
como parâmetros?
O trabalho de revisão não é especificado no texto prescritivo nem no
planificador, mas integra a atividade do redator parlamentar. No jogo entre o que
pode ficar implícito e o que deve ser explicitado no texto, pressupõe-se a adoção de
critérios de correção segundo a gramática normativa, procedimento comum na
elaboração da lei.
66
Ver subitem 2.3.2 do Capítulo 2 (p. 60-62).
Na parte introdutória de seu trabalho, Freire (2002) registra como seu objetivo
específico “contribuir para o aprimoramento das normas atinentes à Técnica
Legislativa e, por conseguinte, para a observância dos aspectos jurídico e gramatical
da elaboração da lei [...]”. Nesse trecho, eu trocaria gramatical por lingüístico, pois a
primeira expressão, aliada a outros comentários da autora, revela sua posição um
tanto conservadora em relação à linguagem. Por exemplo, ao concordar com o teor
do Sermão da Sexagésima, do Padre Vieira, pregado em Lisboa, em 1655, Freire
(2002, p. 179) recomenda ao legislador que adote o “estilo do pregador”, o qual deve
ser “muito distinto, e muito claro, e muito alto”. No referido texto, o sermão é
comparado “a estrelas que todos vêem, e muito poucos as medem”.
Embora a analogia feita nesse trecho traga exemplos práticos da
representação que fazem da estrela um lavrador, um marinheiro e um matemático,
não me parece que o estilo do pregador esteja próximo do povo nem acessível para
ele. O que se recomenda como estilo distinto, claro e alto traz implícita uma visão de
linguagem associada a uma classe social de prestígio, que fala e escreve
“corretamente” de acordo com a gramática normativa. Em outros termos, o fato de o
procedimento de revisão estar implícito nos textos prescritivo e planificador da
atividade dificulta, mas não impede que se avalie a intervenção feita pelo revisor.
Reproduzo no Exemplo 20 o corpo do texto da Lei 16.058, de 2006, que
gerou tanta discussão sobre o critério da correção gramatical. Observe-se que a lei
possui apenas dois artigos, o que institui a data comemorativa e o que trata da
vigência. O texto estrutura-se como as demais leis, com preâmbulo, texto normativo
e fecho
67
.
Exemplo 20
Art. 1º Fica instituído o Dia do Yôga, a ser comemorado, anualmente, no dia
18 de fevereiro.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (MINAS GERAIS,
2006)
A releitura desse texto (Ex. 20) nos termos da Semântica do Agir pouco revela
sobre o redator/legislador ou os destinatários (ver Quadro 5 a seguir). O art. 1º
mostra o agir-prescritivo, com a criação da data comemorativa na oração principal. O
67
Ver esclarecimento sobre a estrutura do texto legal no Capítulo 2, item 2.1 (p. 39-40).
agir-decorrente está na segunda oração do art. 1º, que estabelece que aquela data
será comemorada dali em diante, e no art. 2º, que prevê a entrada em vigor da lei ao
ser publicada. Não há agentes nem destinatários para as ações previstas, as quais
são expressas com dois verbos na voz ativa e um na passiva. Os protagonistas da
ação manifestam-se como sujeito (três ocorrências), havendo uma ocorrência de
sujeito paciente com agente da passiva indeterminado e papel instrumental e duas
ocorrências de sujeito com papel objetivo. Nenhum protagonista é um ser animado
(o dia do yôga/esta lei), demonstrando o apagamento do cidadão comum também
nesse texto, a exemplo do que foi observado e descrito no item 2.3 do Capítulo 2 (p.
50-54) como um processo histórico.
Dispositivo
Protagonistas Função
sintática
Função
semântica
Tipo de
oração
Verbo
Total de
verbos
Art. 1º O Dia do Yôga
O Dia do Yôga
Sujeito
paciente/
Agente
indeterminado
Sujeito
Instrumental
Objetivo
Principal
Passiva
Subordinada
Ativa
Fica instituído
(A) ser
comemorado
2
Art. 2º
Esta lei
Sujeito
Objetivo
Principal Ativa
Entra (em
vigor)
1
Quadro 5: Estatuto sintático-semântico dos protagonistas centrais da Lei Estadual nº 16.058
Fonte: site www.almg.gov.br, link legislação mineira (acesso em 9 jun. 2006)
A ausência de sujeitos animados no texto legal, além de atender ao princípio
da impessoalidade
68
, cumpre também o papel de exclusão do cidadão comum,
quando estabelece para todos no Estado de Minas Gerais uma data comemorativa
que interessa a um grupo restrito. É sabido que a prática da ioga no Brasil o é tão
difundida quanto, por exemplo, a do futebol. O argumento desse grupo para
defender o gênero masculino, bem como a grafia da expressão com Y e com acento
circunflexo no ô baseia-se na etimologia da palavra, que vem de yoga, do sânscrito,
língua em que não ocorre o som aberto ó e cujas palavras terminadas em a
geralmente pertencem ao gênero masculino
69
. Nesse argumento, percebo uma
contradição, pois, se o que se defende é a manutenção do termo original, com a
grafia que garante o Y, não faz sentido usar o mesmo raciocínio para se grafar ô,
marcando como correta a pronúncia original, no contexto de um País de língua
68
Ver nota sobre os princípios da administração pública no item 2.2 do Capítulo 2 (p. 47).
portuguesa com tendência à pronúncia aberta das vogais. A adaptação feita com a
inserção do acento circunflexo poderia servir de argumento para se adaptar toda a
expressão, que entraria no português como o ioga, respeitando a origem masculina
da palavra e sua pronúncia fechada, sem necessidade do acento circunflexo. Aliás,
essa foi a forma registrada na redação final da lei ora em exame, alterada
posteriormente, como foi dito. Assim, o argumento usado para se manter o Y não
vale para a inserção do ô. Caso se observasse o argumento da expressão original
do sânscrito, o correto seria o yoga.
As informações encontradas sobre o uso do acento circunflexo são
controversas. Houaiss (2004) apresenta três acepções de ioga, sendo duas como
substantivo feminino e uma derivada, por extensão de sentido, como adjetivo de dois
gêneros e substantivo feminino, como em “Ex.: <um professor de i.> <exercício i.>”.
Nenhuma dessas acepções é grafada com acento no referido dicionário. No site
<www.kplus.com.br>, aceita-se a grafia sem acento:
Em português a palavra é feminina e escrita com i. Sua pronúncia pode ser
aberta /ióga/, pela nossa tendência a pronunciar o ó aberto, ou fechada
/iôga/, como sabe todo bom praticante iogue, por causa da sua origem no
sânscrito, língua em que não ocorre o som aberto ó. Também é a etimologia
que explica a grafia com y e o uso de o yoga, pois as palavras nscritas
terminadas em a geralmente pertencem ao gênero masculino.
Resumindo: em português brasileiro se diz a ioga; em "português-
sânscrito", o yoga (sem necessidade de se colocar o acento circunflexo
informativo da pronúncia). (grifo nosso)
Por outro lado, no site <www.uni-yoga.org.br> o acento é exigido, embora se
admita que ele deixou de ser usado durante muitos anos por motivos políticos:
O acento está claramente indicado, uma vez que a letra ô no sânscrito é
sempre longa e fechada. As transliterações ocidentais convencionaram que
as letras longas devem ser assinaladas com o acento. Este pode variar de
uma convenção para outra, mas o que se observa é que o circunflexo foi
adotado por um renomado autor indiano que escreveu Os aforismos do
Yôga de Pátañjali, em inglês (Sri Purohit Swami), e também pelo célebre
autor (Kastberger), que escreveu o Léxico de filosofia hindu, em castelhano.
Ora, nenhuma das duas línguas possui o circunflexo e, apesar disso, ambos
reconheceram a necessidade da sua presença na palavra Yôga.
Durante muitos anos não se aplicou o acento uma vez que ninguém ousou
questionar isso. Primeiro, quem colonizou a Índia foram os britânicos que
não tinham acentos em suas tipografias, mas possuíam uma poderosa
Armada, intelectualmente muito persuasiva [...] Segundo, no Ocidente
69
Informações obtidas em Houaiss (2004) e nos sites <www.kplus.com.br> e <www.uni-yoga.org.br>
(acesso em 23 set. 2006).
conhecia-se bem pouco o sânscrito (na Índia eles não ligam a mínima se a
transliteração para alfabetos ocidentais está correta ou não). Terceiro,
muito patrulhamento ideológico em determinados grupos de Yôga, e
ninguém queria se expor a críticas, ainda que chegasse a estas mesmas
conclusões. (grifo nosso)
Curiosamente, a exigência do acento circunflexo aparece como um
posicionamento de retorno à origem da expressão em sânscrito, quando na verdade
se reconhece a inserção do termo no contexto da língua portuguesa como idioma
nacional. Nesse contexto, aceitar o acento equivale a um retrocesso do ponto de
vista formal, na medida em que não mais usamos o acento diferencial, como em
governo/govêrno. Por outro lado, marcar a diferença é importante para esse grupo,
aspecto que não pode ser ignorado.
O redator se vê, então, dividido entre prescrições variadas e informações
controversas:
1) o parlamentar, que representa o grupo que defende o yôga;
2) a LCF 95 e a LCE 78, que, de acordo com a tradição, assumem a
correção gramatical como pressuposto do discurso jurídico;
3) a correção gramatical que lhe impõe o gênero feminino e a grafia da
expressão a ioga;
4) o Manual, que lhe recomenda articular as variáveis da situação de
produção do texto legal e aponta alguns problemas recorrentes nesse processo.
É preciso pensar em mecanismos que assegurem uma postura crítica dos
redatores e revisores parlamentares em relação ao seu trabalho, de forma que o
Manual e as demais prescrições lhe sirvam de instrumento facilitador. A partir do
momento em que se assume a concepção de linguagem como interação e troca
entre pessoas/sujeitos, enfatiza-se o processo interpretativo desde a fase da
elaboração legislativa até a inserção do texto no mundo jurídico, com a aplicação da
lei. Não tenho a pretensão de elaborar, neste trabalho, os procedimentos que
poderiam ser adotados, mas espero poder contribuir para o aperfeiçoamento da
atividade legislativa, em especial no que concerne à avaliação do papel do redator
parlamentar como mediador das variáveis que interferem na produção e recepção do
texto legal, concebido como trabalho social.
3.2.2 Releitura da análise global da Lei Estadual nº 15.812, de 2005
70
Outro texto analisado neste trabalho, a Lei Estadual 15.812, de 2005 (Ex.
21), possui apenas três artigos e sua análise conforme a Semântica do Agir
assemelha-se à do texto do Exemplo 20 (p. 79), com a diferença do acréscimo de
um dispositivo revogando a lei anterior que tratava do mesmo assunto.
Exemplo 21
Art. Fica denominada Escola Estadual Dr. Lindolfo Bernardes a Escola
Estadual de Conquista, localizada no Município de Conquista.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Fica revogada a Lei nº 7.734, de 9 de junho de 1980. (MINAS
GERAIS, 2005)
No Quadro 6 a seguir apresentado, pode-se observar que não agentes
nem destinatários para as ações previstas, as quais o expressas com dois verbos
na voz passiva e dois na ativa. Os protagonistas da ação manifestam-se como
sujeito paciente com agente da passiva indeterminado e papel instrumental (duas
ocorrências), havendo uma ocorrência de sujeito com papel atributivo e uma com
papel objetivo. Assim como no Quadro 5, não registro de ser animado como
protagonista (a escola/esta lei/a Lei nº [...]), nem papel agentivo ou beneficiário.
Dispositivo
Protagonistas Função
sintática
Função
semântica
Tipo de
oração
Verbo
Total de
verbos
Art. 1º A escola
(a escola)
Sujeito
paciente/
Agente
indeterminado
Sujeito
Instrumental
Atributivo
Principal
Passiva
Subordinada
Ativa
Fica
denominada
Localizada
2
Art. 2º Esta lei
Sujeito Objetivo Principal Ativa
Entra (em
vigor)
1
Art. 3º A Lei nº 7.734 Sujeito
paciente/
Agente
indeterminado
Instrumental
Principal
Passiva
Fica
revogada
1
Quadro 6: Estatuto sintático-semântico dos protagonistas centrais da Lei Estadual nº 15.812
Fonte: site www.almg.gov.br, link legislação mineira (acesso em 14 set. 2005)
70
Ver análise global desse texto no subitem 2.3.1 do Capítulo 2 (p. 54-59).
A exemplo do que ocorre nos outros textos analisados, observa-se que o foco
dessa lei não está nos agentes, mas na ação que a lei especifica e prescreve. No
caso, trata-se de nomear a escola, revogando a lei que “caducou”, que perdeu
eficácia jurídica. A pergunta que permanece, feitas as análises global e local, refere-
se à autoria dessa nomeação: quem fala para quem nesse texto?
Parece-me impossível recuperar, apenas pelo enunciado, o autor. Quem
assina é o titular do Poder Executivo e, desse ponto de vista, ele é o Locutor que
enuncia. Sua voz, no entanto, é apagada pelo coro de vozes da comunidade que
reclama a seu representante eleito a feitura da lei, a qual presta uma homenagem
excludente dessa comunidade que a reivindica. O interdiscurso mostra-se essencial
para a construção do sentido dessa designação constituída pelo nome que permite
àquela comunidade identificar a escola e, portanto, referir-se a ela. Esse aspecto foi
discutido no item 2.3 do Capítulo 2 deste trabalho, na análise de trecho da
Constituição de 1824 (Ex. 13, p. 50), em que menciono estudo de Guimarães (1996)
que constatou que a categoria do cidadão fica submetida à de súdito, apesar de o
art. da Constituição prever que os cidadãos formam uma nação livre. No mesmo
capítulo demonstrei, no subitem 2.3.1 (p. 54-59), como o cidadão comum, ao
reivindicar, por meio dos representantes que elege, uma homenagem pública
àqueles que contribuem para sua exclusão, reitera seu apagamento dos textos da lei
que à escola a denominação atual (Ex. 15, p. 55) e a anterior (Ex. 16, p. 56).
Esse processo, por sua vez, ratifica uma prática discursiva recorrente no Brasil de
hoje, demonstrando como aceitamos naturalmente nosso próprio assujeitamento.
No próximo e último capítulo, desenvolvo, a título de conclusão, algumas
reflexões sobre o estudo realizado e tento esboçar um planejamento de ações
futuras que permitam a redatores e revisores parlamentares se assumirem como
protagonistas de seu agir.
CAPÍTULO 4 CONCLUSÕES
Neste capítulo apresento as conclusões da pesquisa, com o resultado das
análises nos itens 4.1 e 4.2. No item 4.3, formulo sugestões para aplicação desses
resultados. Por fim, no item 4.4, teço algumas considerações gerais.
4.1 Resultado da análise global do texto legal
A análise global dos textos do corpus demonstrou que a padronização da
estrutura da lei facilita sua interpretação, na medida em que permite ao leitor
identificar o gênero a que pertence. Quanto ao conteúdo do texto legal, verificou-se
um tratamento excludente do cidadão pelo Estado, seja pelo excesso de formalismo
que restringe a produção e a recepção desse texto a técnicos e especialistas, seja
pela maneira como nele se inscrevem as relações de poder que o precedem e
constituem.
Soares (2004) afirma que a idéia de maioria traz em si a discordância, indica
a falta de consenso que interfere no grau de adesão da sociedade à norma. Para
essa autora, a exclusão do cidadão caracteriza o modelo de democracia
representativa adotado no Brasil, o que o presente estudo parece confirmar.
Considerando-se esse ponto de vista, a participação popular, em especial a previsão
constitucional da iniciativa popular no processo legislativo, representa, ainda
segundo Soares (2004), uma forma de democracia direta que atua como instrumento
de aproximação entre a lei e o cidadão. No entanto, conforme se pode verificar na
análise desenvolvida no item 2.3 do Capítulo 2 deste trabalho (p. 52), a Constituição
Federal de 1988 apenas inaugura um novo posicionamento do Estado em relação
ao cidadão, positivando direitos na forma de princípios genéricos que nem sempre
se concretizam. Por exemplo, quanto à iniciativa popular, observa-se que ela está
prevista no texto normativo, mas não é exercida plenamente
71
.
Rosenfeld (2004) cita vários exemplos nos quais se evidenciam as diferenças
entre variadas formas de implementação da democracia constitucional, conceitos
que ele distingue e opõe. Segundo o autor, se a democracia é a regra da maioria, a
qual se garante por meio do processo legislativo e dos respectivos governos, cabe à
Constituição proteger os direitos que contrariam essa maioria. Dessa forma, a regra
constitucional pertence à minoria, destina-se a assegurar seus direitos em relação à
maioria. Esse fato corrobora a observação de Soares (2004) sobre a idéia de
dissenso que perpassa o pressuposto consenso da maioria, trazendo para esse
conceito a noção de “interpretação dialética” apresentada por Rosenfeld (2004),
ilustrando bem a natureza conflituosa e polifônica do texto normativo:
O Irã é um caso fascinante, porque tem, de fato, alguns elementos de
democracia, não é uma ditadura. Parlamentos, discussões,
elementos democráticos, mas a resposta última é a resposta que é dada
pelos clérigos. Eles não têm que ser indulgentes, não no sentido de que não
tenham que fazê-lo por se sentirem possuidores da verdade absoluta, mas
no sentido de que não têm que ser indulgentes para conseguir conviver com
outras pessoas. O paradoxo é que, para legitimar o contexto social em que
operamos, nós devemos, pelo menos em parte, abandonar nossas próprias
idéias, e isso é o que de fato torna as interpretações dialéticas (grifo
nosso) únicas em suas contradições. (ROSENFELD, 2004, p. 48)
O equilíbrio entre um direito considerado essencial por uma determinada
comunidade e o que não o é pode definir a democracia constitucional ali implantada,
afirma Rosenfeld (2004), ao lembrar que, nos Estados Unidos, o direito ao aborto é
assegurado pela Constituição Federal, mas em muitos Estados tem-se legislado
contra o aborto, ocasionando questionamentos judiciais por meio dos quais se
invoca a garantia constitucional. Para esses Estados, a regra federal é
antidemocrática. Um outro exemplo usado pelo autor para demonstrar a
complexidade das interpretações e a maneira como elas variam é o comportamento
dos norte-americanos quanto à política do Governo Bush de combate ao terrorismo,
na qual direitos humanos são desrespeitados diariamente. Se a reação inicial foi de
aprovação logo após o ataque de 11 de setembro
72
, hoje é possível perceber que as
opiniões se dividem, embora ainda haja certa tolerância a tais violações.
A noção de “interpretação dialética” proposta por Rosenfeld (2004) coaduna-
se, ainda, com a definição de político formulada por Guimarães (2005), para quem,
conforme já foi dito no item 2.3 do Capítulo 2 (p. 53), o político é o conflito, instalado
71
Ver, a esse respeito, o item 3.1 do Capítulo 3 (p. 64).
72
No dia 11/9/2001, membros do grupo islâmico al-Qaeda seqüestraram quatro aeronaves, fazendo
duas delas colidirem contra as torres do World Trade Center em Manhattan, Nova Iorque, e uma
terceira contra o quartel general do departamento de defesa dos Estados Unidos, o Pentágono, no
Condado de Arlington, Virgínia, próximo à capital dos Estados Unidos, Washington, D.C. O quarto
avião seqüestrado foi intencionalmente derrubado em um campo próximo a Shanksville, Pensilvânia,
após os passageiros enfrentarem os terroristas. (Informações do site
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ataques_de_11_de_Setembro_de_2001>, acesso em 13 nov. 2006)
72
Ver item 1.1 do Capítulo 1 deste trabalho, especialmente a menção feita (p. 26-27) a Koch (2005) e
Bronckart (2006).
no centro do dizer, entre uma divisão normativa e desigual do real, feita pela maioria,
e uma redivisão pela qual os desiguais, agora qualificados como minoria, afirmam
seu pertencimento. O mais curioso é que, numericamente, as minorias são
superiores à maioria, fato que pode ser comprovado com uma simples indagação:
quantos metalúrgicos chegaram à Presidência do Brasil? E no mundo?
No que interessa a esta pesquisa, destaco o processo interpretativo da lei,
valorizando, de acordo com a perspectiva teórica adotada, o texto como lugar de
interação entre sujeitos sociais
73
. Ao adotar esse posicionamento, assumo, como
conseqüência, uma concepção de técnica legislativa como atividade de produção
textual em que o papel do redator técnico é o importante quanto o do político
legislador, guardadas as limitações próprias de cada agente no processo legislativo.
Embora o técnico não participe das votações nem assine as leis, ele intervém no
texto que está sendo apreciado e, assim, marca sua presença nessa cena
enunciativa, que inclui o leitor, o intérprete da lei como co-construtor do sentido do
texto legal.
4.2 Resultado da análise local dos textos do corpus
Após a análise global dos textos do corpus, foi feita uma análise local
baseada na Semântica do Agir, em que se consideraram as categorias adotadas por
Abreu-Tardelli (2004) a partir da proposta de Bronckart e Machado (2004) , conforme
o descrito no item 1.5 do Capítulo 1.
O aspecto que mais me chamou a atenção na análise local, desenvolvida no
Capítulo 3, foi o fato de não haver, nos textos do corpus, protagonistas exercendo
função sintática de sujeito e função semântica com papel agentivo ou beneficiário,
os quais dependem de seres animados. Esse dado comprova o apagamento do
cidadão comum no texto legal como um processo histórico, conforme a análise
desenvolvida no item 2.3 do Capítulo 2 (p. 50-54). Além dessa ausência, outros
dados lingüísticos reforçam a impessoalidade do texto legal:
a) a predominância do agente indeterminado e do sujeito paciente na
utilização da voz passiva;
b) o uso do infinitivo com valor imperativo e sujeito indeterminado;
73
Ver item 1.1 do Capítulo 1 deste trabalho, especialmente a menção feita (p. 26-27) a Koch (2005) e
Bronckart (2006).
c) o excesso de formalismo na linguagem usada.
A impessoalidade é um mandamento constitucional, como foi dito no item
2.2 do Capítulo 2
74
, mas o Manual (p. 19) deixa bem claro que esse princípio, ao
lado dos outros que a Constituição Federal elenca, não deve se sobrepor ao papel
democrático do Parlamento nem à sua natureza de se abrir a diferentes tipos de
discursos e perspectivas. Dessa forma, o técnico deve estar atento às mudanças
que o cercam e interferem na linguagem parlamentar.
No exame do texto da Lei Estadual nº 16.058, de 2006, apresentado nos itens
2.3.2 do Capítulo 2 e 3.2.1 do Capítulo 3 desta dissertação, observou-se uma
intervenção técnica do revisor parlamentar, durante a elaboração do referido texto.
Tal intervenção ocasionou uma mobilização de natureza política, a fim de assegurar
a redação pretendida inicialmente, tanto pelo segmento da sociedade civil que
reivindicou a lei, quanto pelo parlamentar que a apresentou e viabilizou na ALMG. A
redação da expressão Yôga contraria os critérios de correção da gramática
normativa, mas serve à Democracia. Como enfatiza o Manual, a finalidade maior dos
procedimentos de redação legislativa é garantir a interlocução entre Poder
Legislativo e sociedade. Portanto, a impessoalidade não deve ser confundida com
“rigidez e deselegância”, mas corresponder a “objetividade e racionalidade”, assim
como a formalidade e a padronização, que devem “tornar mais fácil para qualquer
pessoa o acesso, a consulta e a leitura dos textos.” (MANUAL, p. 19).
O que determinou a desaprovação à intervenção técnica no caso citado no
parágrafo anterior foi o fato de o revisor desconsiderar alterações ocorridas durante
a elaboração do texto, todas com o objetivo de manter a redação da expressão Yôga
como foi proposta originalmente pelo autor do projeto de lei. Esse revisor, embora
buscando a redação considerada “correta” no mundo jurídico, pecou ao não
perceber que se pretendia marcar a diferença pelo texto. Ao ignorar esse
movimento, o técnico reforçou, no texto, a exclusão daquele grupo em sua relação
com o Estado.
Quanto à natureza polifônica do texto da lei, permanece sem resposta exata a
pergunta sobre quem fala para quem nesse texto. Pode ser o autor original que
apresentou o projeto, pode ser quem assina, ou a própria lei, todos são autorizados
perante o Estado
75
. Na LCE 78
76
, por exemplo, o legislador estabelece para si e para
74
Ver, no item citado, nota contendo o art. 37 da Constituição Federal de 1988 (p. 47).
75
Ver nota sobre iniciativa de lei no item 3.1 do Capítulo 3 (p. 64).
os demais Poderes como as leis devem ser redigidas. Então, quem fala para quem
nesse texto? O Estado fala consigo mesmo ou com o conjunto dos cidadãos,
representados democraticamente? O proponente da lei abre mão de sua autoria
quando submete seu texto à apreciação do Legislativo e este, por sua vez, também
o faz ao encaminhar a matéria aprovada à sanção governamental. A assinatura do
titular do Poder Executivo é a autoria que aparece no texto da lei, mas, como foi
demonstrado, além dos legisladores, eleitos pelo Povo, há, na cena enunciativa, a
participação dos técnicos, cuja intervenção somente pode ser recuperada no
processo de elaboração da lei. Como foi apontado anteriormente, trata-se mais de
uma questão de interdiscursividade que de polifonia (p. 33, 61).
A perspectiva teórica adotada possibilitou que os dados lingüísticos fossem
usados na análise sintático-semântica de maneira semelhante ao uso que a
matemática faz dos números em análises estatísticas, em que os dados são
considerados de forma a incluir o contexto sociohistórico em que são gerados e do
qual são elementos constitutivos. Como ocorre nas classificações em geral, o
risco do aspecto redutor das categorias adotadas nessa análise, mas creio que o
resultado foi produtivo do ponto de vista discursivo, permitindo a visualização
pretendida das vozes que permeiam o texto legal.
No decorrer da análise, embora se tenha mantido a intenção inicial de avaliar
o foco do agir do legislador/redator de leis expresso nos textos produzidos sobre
essa e nessa situação de trabalho, observou-se interesse crescente no exame da
intervenção técnica do redator e revisor parlamentar no processo legislativo.
Examinou-se, assim, o plano global dos textos do corpus, e a releitura dessa
primeira análise, nos termos da Semântica do Agir, concentrou-se no agir do
redator/revisor da ALMG, a quem se dirigem as recomendações apresentadas a
seguir no item 4.3.
4.3 Aplicação dos resultados da pesquisa
Na análise dos textos do corpus, em especial a desenvolvida no item 3.2.1 do
Capítulo 3 (p. 77-82), verifiquei que pode haver comprometimento do trabalho
realizado pelo redator-revisor parlamentar na elaboração legislativa, mesmo que a
76
Ver nota sobre remissão à LCE 78, à LCF 95 e ao Manual de Redação Parlamentar da ALMG no
item 1 do capítulo introdutório (p. 13-15).
tarefa seja prescrita e planificada claramente, uma vez que as categorias envolvidas
dependem do trabalho interpretativo dos sujeitos envolvidos no processo de
produção e recepção desse texto. Uma abordagem do texto legal centrada na
interpretação, considerada desde o início do processo legislativo, traz para a
discussão desse tema a complexidade das escolhas lingüísticas realizadas durante
a elaboração da lei e não apenas avalia essas escolhas no texto pronto.
Tal como se seguem pegadas em uma pista de difícil identificação, sigamos
a trilha deixada por Wittgenstein, no seu Tratactus Lógico-Filosoficus (1968):
se (1) .o mundo é tudo o que ocorre.; se (2) .o que ocorre, o fato, é o
subsistir dos estados de coisas.; se (3) .o pensamento é a figuração lógica
dos fatos. e (4) .o pensamento é a proposição significativa., podemos
destacar que (5) .os limites da minha linguagem denotam os limites do meu
mundo. E podemos também concluir que (7) o que não se pode falar, deve-
se calar. Propositalmente, excluo o aforisma (6) . Se a linguagem é um
labirinto, quando se chega a uma bifurcação é preciso escolher. (FLEURY,
2004, p. 153)
Ao excluir o aforisma 6, Fleury (2004) evita discutir as escolhas complexas
que a interpretação envolve. Investigar as escolhas feitas pelos sujeitos numa dada
interação parece-me o importante quanto o que propõem os outros itens
assinalados (1 a 5 e 7). Minha proposta é partir justamente da contradição, da
“bifurcação” que obriga o redator a escolher entre prescrições mutuamente
conflitantes.
Em palestra proferida na ALMG, Castro (2006), a exemplo do que se faz
neste trabalho, cita o Manual como tentativa de colocar em prática uma nova
maneira de tratar o texto da lei, concebido como lugar de interação em que produtor
e leitor constroem conjuntamente o sentido. De acordo com o citado expositor, esse
novo posicionamento se opõe a uma abordagem usual no discurso jurídico,
abordagem considerada tradicional por entender que o texto se basta, dispensando
seu leitor como co-construtor do sentido.
É nessa perspectiva que espero poder contribuir para a melhoria da qualidade
legislativa e para a disseminação desse gênero textual, buscando estabelecer
parâmetros de avaliação do papel do redator-revisor nesse processo. Ao concluir
esta pesquisa, creio que o trabalho em prol de um novo modo de agir desse
profissional seja uma necessidade que se impõe aos órgãos diretivos da ALMG. A
mudança foi sinalizada nos avanços da LCE 78 em relação à LCF 95, bem como
no Manual, mas sua implementação enfrenta uma cultura de se associar o bom
redator e revisor àqueles que possuem domínio dos padrões de correção da
gramática normativa. Uma outra manifestação institucional dessa mudança,
assinalada por Castro (2006) em sua exposição, foi o edital do concurso realizado
pela ALMG em 2001 para selecionar novos redatores-revisores
77
, cujo programa
incluía conteúdo de Lingüística relacionado à produção e recepção de textos e à
variação lingüística, além das matérias comuns a concursos anteriores para o
mesmo cargo, que exigiam apenas ou principalmente conhecimentos de gramática
normativa e noções de Direito Público.
O presente estudo poderia ser ampliado, num momento posterior, a fim de
acrescentar aos dados coletados um exame do perfil desses profissionais e da
avaliação que eles fazem de seu trabalho, para que, então, sejam pensadas as
intervenções para assegurar a ação deles esperada pela Instituição. A longo prazo,
tais reflexões podem ser úteis a todos que se interessam pelo estudo do tema.
77
Ver Edital 7/2000 no site www.almg.gov.br, link: A Assembléia/Administração/Concurso público
(acesso em 16 nov. 2006).
4.4 Considerações finais
No processo legislativo brasileiro, a participação da sociedade tem sido
gradativamente incentivada, o que se pode comprovar, por exemplo, com a previsão
constitucional da iniciativa popular no processo legislativo (SOARES, 2004). Em
palestra proferida durante workshop realizado na ALMG, Costa (2006) ressaltou a
realização, por essa instituição, de seminários legislativos, audiências públicas,
ciclos de debates e fóruns técnicos, além da criação do Centro de Atendimento ao
Cidadão, da Ouvidoria, da Comissão de Ética, da Comissão de Participação Popular
e da proposta de ação legislativa (sugestão que pode ser apresentada ao Legislativo
por entidades da sociedade civil organizada), todos considerados instrumentos
utilizados de maneira sistemática para ampliar e consolidar a participação popular no
processo legislativo mineiro. Na opinião de vários expositores que participaram do
mesmo evento, pensar a lei no momento de sua elaboração legislativa ainda é uma
prática nova, pois as faculdades de Direito se dedicam prioritariamente ao ensino da
aplicação das leis.
Nesse contexto de mudanças sociais que acarretam alterações nas relações
entre a sociedade e o Estado, tema abordado no item 2.3 do Capítulo 2 deste
trabalho
78
, não apenas o Poder Legislativo, mas todo o Estado deve atualizar seu
quadro funcional, ajustando-o às novas demandas. Entender o texto da lei como
lugar de interação é um avanço em relação a uma concepção tradicional de
linguagem e um imperativo para os que se ocupam de sua elaboração.
78
Ver, em especial, a menção, na p. 53, a Guimarães (1993, 1996, 2005), Ferraz Júnior (1998) e
Pinheiro (1995).
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http://www.uni-yoga.org.br
ANEXO ATEXTOS DE LEIS
Lei Complementar nº 78, de 9 de julho de 2004.
Dispõe sobre a elaboração, a alteração e
a consolidação das leis do Estado, conforme o previsto
no parágrafo único do art. 63 da Constituição do Estado.
O Governador do Estado de Minas Gerais
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu,
em seu nome, sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. - A elaboração, a alteração e a consolidaçã o das leis do Estado
obedecerão ao disposto nesta lei complementar.
Parágrafo único - As disposições desta lei complementar aplicam-se ainda, no
que couber, às resoluções da Assembléia Legislativa, bem como aos decretos e aos
demais atos normativos expedidos por órgão de qualquer dos Poderes do Estado.
Art. 2° - As leis, ordinárias, complementares ou de legadas, terão numeração
seqüencial, correspondente à respectiva série iniciada no ano de 1947.
CAPÍTULO II
DA ELABORAÇÃO DAS LEIS
Seção I
Disposições Gerais
Art. 3° - Na elaboração da lei, serão observados os seguintes princípios:
I - cada lei tratará de um único objeto, não sendo admitida matéria a ele não
vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
II - a lei tratará de seu objeto de forma completa, de modo a evitar lacunas que
dificultem a sua aplicação, ressalvada a disciplina própria de decreto;
III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica
quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva;
IV - o mesmo objeto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto
quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica,
vinculando-se a ela por remissão expressa;
V - o início da vigência da lei será indicado de forma expressa, garantindo-se,
quando se fizer necessário, prazo para que dela se tenha amplo conhecimento;
VI - a cláusula de revogação só será usada para indicar revogação expressa de
lei ou dispositivo determinado.
Seção II
Da Estruturação
Art. - São partes constitutivas da lei o cabeçal ho, o texto normativo e o
fecho.
§ 1° - O cabeçalho, destinado à identificação da le i, conterá:
I - a epígrafe, que indicará a espécie normativa, o respectivo mero e a data
de promulgação da lei;
II - a ementa, que descreverá sucintamente o objeto da lei;
III - o preâmbulo, que enunciará a promulgação da lei pela autoridade
competente e, quando necessário, o fundamento legal do ato, adotando-se como
fórmula básica a seguinte: “O povo do Estado de Minas Gerais, por seus
representantes, decretou, e eu, em seu nome, promulgo a seguinte lei:”.
§ 2° - O texto normativo conterá os artigos da lei, os quais serão ordenados
com a observância dos seguintes preceitos:
I - os artigos iniciais fixarão o objeto e o âmbito de aplicação da lei e, quando
for o caso, os princípios e as diretrizes reguladores da matéria;
II - na seqüência dos artigos iniciais, serão estabelecidas as disposições
permanentes correspondentes ao objeto da lei;
III - os artigos finais conterão as normas relativas à implementação das
disposições permanentes, as de caráter transitório e as de vigência e revogação,
quando houver.
§ - O fecho conterá o local e a data da lei, bem como a indicação do número
de anos decorridos desde a Inconfidência Mineira e desde a Independência do
Brasil, contados a partir de 1789 e de 1822, respectivamente, seguida da assinatura
da autoridade competente.
(Parágrafo com redação dada pelo art. da Lei Complementar nº 82, de
30/12/2004.)
Seção III
Da Articulação
Art. - A articulação e a divisão do texto normat ivo se farão de acordo com a
natureza, a extensão e a complexidade da matéria, observadas a unidade do critério
adotado e a compatibilidade entre os preceitos instituídos.
Art. 6º - O artigo é a unidade básica de estruturação do texto legal.
Parágrafo único - Cada artigo tratará de um único assunto, podendo desdobrar-
se em parágrafos, incisos, alíneas e itens, observado o seguinte:
I - o parágrafo constitui dispositivo próprio para ressalva, extensão ou
complemento de preceito enunciado no “caput” do artigo;
II - os incisos, as alíneas e os itens constituem dispositivos de enumeração,
articulados da seguinte forma:
a) os incisos se vinculam ao “caput” do artigo ou a parágrafo;
b) as alíneas se vinculam a inciso;
c) os itens se vinculam a alínea.
Art. - A articulação do texto normativo se fará com a observância do
seguinte:
I - o agrupamento de artigos constituirá o capítulo, o capítulo poderá dividir-se
em seções, e estas, em subseções;
II - o agrupamento de capítulos constituirá o título, o de títulos, o livro, e o de
livros, a parte.
Parágrafo único - Os agrupamentos previstos nos incisos deste artigo poderão
constituir Disposições Preliminares, Gerais, Transitórias ou Finais, conforme
necessário.
Seção IV
Da Redação
Art. 8° - A redação do texto legal buscará a clareza e a precisão.
Art. - São atributos do texto legal a concisão, a simplicidade, a uniformidade
e a imperatividade, devendo-se observar, para sua obtenção, as seguintes diretrizes:
I - no que se refere à concisão:
a) usar frases e períodos sucintos, evitando construções explicativas,
justificativas ou exemplificativas;
b) evitar o emprego de adjetivos e advérbios dispensáveis;
II - no que se refere à simplicidade:
a) dar preferência às orações na ordem direta;
b) dar preferência às orações e expressões na forma positiva;
c) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando for
necessário o emprego de nomenclatura técnica própria da área em que se esteja
legislando;
III - no que se refere à uniformidade:
a) expressar a mesma idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas
palavras, evitando o emprego de sinônimos;
b) empregar palavras e expressões que tenham o mesmo sentido na maior
parte do território estadual, evitando o uso de termos locais ou regionais;
c) buscar a uniformidade do tempo e do modo verbais;
d) buscar o paralelismo entre as disposições dos incisos, das alíneas e dos
itens constantes da mesma enumeração;
e) evitar o emprego de palavra, expressão ou construção que confira
ambigüidade ao texto;
IV - no que se refere à imperatividade:
a) dar preferência ao futuro do presente do indicativo e ao presente do
indicativo;
b) evitar o uso meramente enfático de expressão que denote obrigatoriedade.
Art. 10 - A reprodução de dispositivo da Constituição da República ou da
Constituição do Estado em lei estadual somente se fapara garantir a coesão do
texto legal e a sua integração ao ordenamento.
Art. 11 - A remissão, na lei, a dispositivo de outro ato normativo incluirá,
sempre que possível, a explicitação do conteúdo do preceito referido.
Seção V
Da Padronização
Art. 12 - Serão adotados no texto legal os seguintes padrões gráficos:
I - a epígrafe da lei será grafada em caracteres maiúsculos;
II - a ementa será alinhada à direita;
III - os artigos serão indicados pela abreviatura “Art.”, seguida de numeração
ordinal até o nono e cardinal a partir deste;
IV - os parágrafos serão indicados pelo sinal “§”, seguido de numeração ordinal
até o nono e cardinal a partir deste, utilizando-se, no caso de haver apenas um
parágrafo, a expressão “Parágrafo único”;
V - os incisos serão representados por algarismos romanos, as alíneas, por
letras minúsculas, e os itens, por algarismos arábicos;
VI - os capítulos, os títulos, os livros e as partes serão epigrafados em
caracteres maiúsculos e identificados por algarismos romanos, sendo que as partes
serão expressas em numeral ordinal, por extenso;
VII - as subseções e as seções serão epigrafadas em caracteres minúsculos,
com iniciais maiúsculas e recurso de realce, e identificadas por algarismos romanos;
VIII - os numerais serão grafados por extenso, sendo que as unidades de
medida e as monetárias serão grafadas na forma numérica, seguida da forma por
extenso entre parênteses;
IX - a primeira referência a sigla será antecedida do nome que ela designa.
CAPÍTULO III
DA ALTERAÇÃO DAS LEIS
Art. 13 - A alteração de lei poderá ser feita mediante:
I - atribuição de nova redação a dispositivos;
II - acréscimo de dispositivos;
III - revogação de dispositivos.
Parágrafo único - Na publicação de texto atualizado de lei alterada, os
dispositivos que tenham sido objeto de alteração serão seguidos da identificação da
lei que os alterou e do tipo de alteração realizada, conforme os incisos do “caput”
deste artigo.
Art. 14 - Quando a complexidade da alteração o exigir, será dada nova redação
a todo o texto, revogando-se integralmente a lei original.
Art. 15 - É vedado modificar a numeração de artigos de lei a ser alterada, bem
como a de suas seções, subseções, capítulos, títulos, livros e partes.
§ - No caso de acréscimo entre dois artigos, ser á utilizado o número do
artigo anterior, seguido de letra maiúscula, observada a ordem alfabética dos
acréscimos em seqüência ao mesmo artigo.
§ - Quando o acréscimo for feito antes do artigo inicial da lei, será utilizado o
número desse artigo, seguido da letra, na ordem prevista no parágrafo anterior.
Art. 16 - É vedado o aproveitamento de número ou de letra de dispositivo
revogado, vetado, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo
Tribunal de Justiça do Estado ou cuja execução tenha sido suspensa pela
Assembléia Legislativa, nos termos do inciso XXIX do art. 62 da Constituição do
Estado.
Parágrafo único - Nas publicações das leis, o número de dispositivo que se
encontre em uma das situações previstas no “caput” seseguido de expressão que
designe o caso correspondente.
CAPÍTULO IV
DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS
Art. 17 - Os Poderes Executivo e Legislativo promoverão, mediante cooperação
mútua, a consolidação das leis estaduais, com o objetivo de facilitar a sua consulta,
leitura e interpretação.
Parágrafo único - A consolidação será feita por meio dos seguintes
procedimentos:
I - atualização de leis, mediante a manutenção de banco atualizado da
legislação estadual;
II - sistematização de leis, que consistirá na unificação de leis esparsas
versando sobre a mesma matéria, podendo resultar em codificação.
Art. 18 - Para os fins da atualização a que se refere o inciso I do parágrafo
único do art. 17, a Assembléia Legislativa e o Poder Executivo manterão, mediante
convênio, banco informatizado das leis estaduais, acessível à população por meio
da internet.
§ 1° - O banco conterá, nos termos definidos em reg ulamento próprio:
I - o texto atualizado da Constituição do Estado e das leis estaduais;
II - o texto original das leis alteradas;
III - as notas, remissões e informações úteis ao entendimento da legislação,
observado o disposto no parágrafo único do art. 13;
IV - a organização temática da legislação estadual.
§ 2° - A atualização dos textos das leis estaduais no banco de que trata este
artigo se fará mediante a incorporação de alterações expressas determinadas por lei
nova ou em função de decisão definitiva do Tribunal de Justiça ou do Supremo
Tribunal Federal relativa a ação direta de inconstitucionalidade.
Art. 19 - As ações destinadas à sistematização das leis, a que se refere o inciso
II do parágrafo único do art. 17, ficarão a cargo de Grupo Coordenador a ser
constituído conjuntamente pelos Poderes Legislativo e Executivo e integrado por um
representante de cada um desses Poderes, e igual mero de suplentes, ao qual
caberá:
I - selecionar matérias a serem objeto de sistematização;
II - constituir, em função das matérias selecionadas, grupos de trabalho para
proceder a estudo técnico preliminar e, se for o caso, elaborar anteprojeto de lei de
sistematização ou de codificação.
§ 1° - Quando a matéria a ser consolidada for da co mpetência do Poder
Judiciário, do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, os respectivos titulares
indicarão representantes para participar dos grupos de trabalho previstos no inciso II
do “caput” deste artigo, assegurada a paridade na representação.
§ - O anteprojeto de lei de sistematização ou de codificação a que se refere
o inciso II do “caput” deste artigo será encaminhado, por intermédio do Grupo
Coordenador, ao Chefe do Poder que detenha a prerrogativa de iniciativa da
matéria, ou, atendida a mesma condição, ao Procurador-Geral de Justiça ou ao
Presidente do Tribunal de Contas.
Capítulo V
Disposições Finais
(Capítulo com denominação dada pelo art. da Lei Complementar 82, de
30/12/2004.)
Art. 20 - Para facilitar a aplicação desta lei, os Poderes Legislativo e Executivo
promoverão a aproximação, o intercâmbio e a cooperação técnica entre servidores
dos dois Poderes.
Art. 21 - (Vetado).
Art. 22 - (Vetado).
Art. 23 - Esta Lei Complementar entra em vigor sessenta dias após a data de
sua publicação.
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 9 de julho de 2004.
Aécio Neves, Governador do Estado.
Lei nº 13.735, de 7 de novembro de 2000
(texto original)
Institui o Dia de Manifestação contra a Exploração Infantil.
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu,
em seu nome, sanciono a seguinte Lei:
Art. - Fica instituído o Dia de Manifestação contra a Exploração Infantil, a
ser comemorado anualmente no dia quatro de outubro. Parágrafo unico - Quando a
data a que se refere o “caput” deste artigo incidir no bado ou no domingo, os
eventos alusivos ao tema serão realizados na primeira sexta-feira do mês.
Art. - O Conselho Estadual de Educação estabelecerá a programação das
atividades a serem desenvolvidas em comemoração da data instituída por esta lei.
Parágrafo único - A Secretaria de Estado da Educação promoverá o envolvimento
dos alunos da rede pública estadual nas atividades de conscientização voltadas para
o repúdio pela exploração infantil.
Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 07 de novembro de 2000.
Itamar Franco - Governador do Estado
Lei nº 13.735, de 7 de novembro de 2000
(texto atualizado)
Institui o Dia de Manifestação contra a Exploração Infantil.
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu,
em seu nome, sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - Fica instituído o Dia de Manifestação contra a Exploração Infantil, que
recairá, anualmente, no dia 4 de outubro.
(Caput com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 13957, de 26/7/2001.)
Parágrafo único - Quando a data a que se refere o “caput” deste artigo incidir
no sábado ou no domingo, os eventos alusivos ao tema serão realizados na primeira
sexta-feira do mês.
Art. - O Conselho Estadual de Educação estabelecerá a programação das
atividades alusivas à data instituída por esta lei.
(Caput com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 13957, de 26/7/2001.)
Parágrafo único - A Secretaria de Estado da Educação promoverá o
envolvimento dos alunos da rede pública estadual nas atividades de conscientização
voltadas para o repúdio pela exploração infantil.
Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 07 de novembro de 2000.
Itamar Franco - Governador do Estado
Lei nº 13.957, de 26 de julho de 2001
Altera os artigos. 1º e 2º da Lei nº 13.735,
de 7 de novembro de 2000, que institui o Dia
de Manifestação contra a Exploração Infantil.
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu,
em seu nome, sanciono a seguinte Lei:
Art. - O “caput” do artigo e o do artigo d a Lei nº 13.735, de 7 de
novembro de 2000, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. - Fica instituído o Dia de Manifestação contra a Exploração Infantil,
que recairá, anualmente, no dia 4 de outubro.
..........................................................................
Art. - O Conselho Estadual de Educação estabelecerá a programação das
atividades alusivas à data instituída por esta lei.”
Art. 2° - Esta Lei entra em vigor na data de sua pu blicação.
Art. 3° - Revogam-se as disposições em contrário.
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 26 de julho de 2001.
Itamar Franco - Governador do Estado
Lei nº 16.058, de 24 de abril de 2006
Institui o Dia do Yôga.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou, e eu,
em seu nome, promulgo a seguinte Lei:
Art. Fica instituído o Dia do Yôga, a ser comemorado, anualmente, no dia
18 de fevereiro.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, aos 24 de abril de 2006; 218º da
Inconfidência Mineira e 185º da Independência do Brasil.
AÉCIO NEVES - GOVERNADOR DO ESTADO
ANEXO B – Excertos do corpus de Ziviani (2006)
"Na parte da manhã estou trabalhando em uma Escola Estadual Paulo Neto Alkmim
(sou uma das excedentes que o estado deixou no ensino público, depois da
municipalização. Sou recuperadora de alunos e ajudo na biblioteca que é um dos
prazeres da minha vida, pois adoro mexer com os livros). No período da tarde,
trabalho em uma Escola Municipal Padre Vicente Assunção, lecionando para
crianças da série onde me realizo e é prazeroso. É dali que posso tirar exemplos
de vida, crescimento profissional, amor ao meu trabalho, pois restou muito pouco
para nós, no Ensino Fundamental hoje (o estado acabou com o sonho que tínhamos
que era fazer com prazer nossas atividades, dando aulas no Ensino Fundamental no
Estado."
Bibliografia: Professora: Cláudia Simonia Ribeiro Souza
Curso Normal Superior
Memorial solicitado pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, p.6
"Após ter sido efetivada, trabalhava somente na E.E. Francisco Borges da Fonseca.
Tudo estava indo muito bem quando de repente aconteceu a municipalização e junto
com este fato “terrível”, veio também a certeza de que deveria voltar a estudar,
sonho este que fora adormecido e impedido por diversos motivos: saúde,
casamento, filhos, faculdade do meu esposo e a minha vez foi passando. Com a
municipalização retornei ao Helena Guerra".
Professora: Cássia Regina, p.2
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