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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA
A REESTRUTURAÇÃO DA ETICIDADE:
A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO HEGELIANO DE ETICIDADE NA TEORIA DO
RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH
Filipe Augusto Barreto Campello de Melo
Orientador: Dr. Eduardo Luft
Porto Alegre
2008
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1
FILIPE AUGUSTO BARRETO CAMPELLO DE MELO
A REESTRUTURAÇÃO DA ETICIDADE:
A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO HEGELIANO DE ETICIDADE NA TEORIA DO
RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH
Dissertação de mestrado apresentada à banca
examinadora do Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, como exigência parcial para a
obtenção do título de mestre em Filosofia, sob
orientação do Prof. Dr. Eduardo Luft.
Porto Alegre
2008
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2
FILIPE AUGUSTO BARRETO CAMPELLO DE MELO
A REESTRUTURAÇÃO DA ETICIDADE:
A ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO HEGELIANO DE ETICIDADE NA TEORIA DO
RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH
Dissertação de mestrado apresentada à banca
examinadora do Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, como exigência parcial para a
obtenção do título de mestre em Filosofia, sob
orientação do Prof. Dr. Eduardo Luft.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Luft (orientador)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
___________________________________________
Prof. Dr. Nythamar de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
___________________________________________
Prof. Dr. José Pinheiro Pertille
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
3
A minha avó Carminha (in memoriam).
4
AGRADECIMENTOS
Dentre tantas pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para tornar possível este
trabalho, gostaria de lembrar alguns nomes. Durante meus estudos do bacharelado no Recife,
recebi importantes estímulos do prof. Dr. Jesus Vázquez, que me mostrou a beleza e o rigor
do pensamento filosófico, e do prof. Dr. Alfredo Moraes, com quem tive as primeiras lições
sobre Hegel. Sou imensamente grato ao meu tio Marcus André, que me acompanhou a cada
passo desta minha iniciante trajetória acadêmica e que, incentivando-me a cada escolha e
fazendo-me ver tantas outras, me despertou para a seriedade e o comprometimento exigidos
pelos estudos acadêmicos. Durante o percurso do mestrado, sou muito grato ao meu
orientador prof. Dr. Eduardo Luft, pelo atencioso acompanhamento que me proporcionou
chegar ao resultado deste trabalho. Agradeço ainda ao prof. Dr. Draiton Gonzaga pelo
afetuoso acompanhamento acadêmico e pelo apoio durante minha estada em Porto Alegre.
Agradeço aos membros da banca, o prof. Dr. Nythamar de Oliveira e o prof. Dr. José Pinheiro
Pertille, pela leitura do texto e pelos importantes diálogos ao longo da escrita da dissertação.
Aos colegas e professores do Sophia Institute for Cultural Studies, pelo rico convívio e
aprendizado que me acompanhou durante quatro vees na Alemanha, decisivos para a minha
formação. Por fim, um agradecimento especial à minha família, que tanto me incentivou e me
acompanhou, com apoio incondicional, em cada etapa da vida: ao meu pai, Carlos Alberto,
minha mãe, Verônica Maria, e meus queridos irmãos Rodrigo José e Clarice.
A concretização deste trabalho contou com o apoio financeiro do CNPq (Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e o apoio institucional da PUC-RS (Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
5
RESUMO
O trabalho tem como objetivo encontrar na teoria de Axel Honneth uma proposta de
atualização do conceito hegeliano de eticidade (Sittlichkeit), reestruturado a partir de um
modelo assentado em esferas comunicativas de reconhecimento. Situado no quadro teórico
que se configura entre Hegel e Honneth, tem-se em vista precisar a caracterização que o
conceito hegeliano de eticidade adquire no tratamento contemporâneo. O desenvolvimento da
argumentação será desdobrado em três partes. Inicialmente, apresentam-se as linhas gerais
que permeiam a idéia original de Hegel do nculo entre reconhecimento e eticidade. Em
seguida, expõe-se a literatura crítica acerca de problemas da abordagem hegeliana, visando
expor a plausibilidade da atualização da eticidade a partir da revisão do conceito hegeliano de
espírito e do tratamento especulativo do reconhecimento. A terceira parte discute a
reatualização de Hegel na teoria de Honneth, na qual é apresentada, num primeiro momento, a
exposição do modelo de eticidade proposto por Honneth em Luta por Reconhecimento.
Procura-se sustentar que a teoria de Honneth, ao propor uma “gramática moral dos conflitos
sociais”, propicia uma consistente articulação entre a intuição original de Hegel de eticidade e
o estabelecimento de uma base mais lida proporcionada pela inflexão empírica, no marco
de um projeto de atualização que busca adaptar a proposta de Hegel às exigências do
pensamento pós-metasico. Num segundo momento, é apresentada a proposta honnethiana de
atualização da Filosofia do Direito de Hegel, cuja perspectiva é orientada para a remodelação
do conteúdo normativo das esferas da eticidade. A partir da discussão da teoria de Honneth,
esta análise tem em vista indicar novas possibilidades de retorno a Hegel, relido a partir de
novos padrões conceituais.
6
ABSTRACT
This dissertation addresses Axel Honneth´s effort to reconceptualize Hegel‟s concept of
ethical life (Sittlichkeit) drawing on the notion of communicative spheres of recognition. It
focuses on the theoretical underpinnings of Hegel and Honneth‟s contributions with a view to
characterize current conceptualizations of ethical life. The argument is developed in three
parts. Initially the discussion focuses on the building blocs of Hegel‟s original idea regarding
the link between ethical life and recognition. The second part of the dissertation presents a
critical review of current critiques of the problems in Hegel‟s approach with the purpose of
examining the plausibility of exploring the concept of ethical life on the basis of the Hegelian
concept of spirit and the speculative treatment of recognition. The third part of the dissertation
examines Honneth‟s reconstruction of Hegel. Firstly, the discuss model‟s concept of ethical
life as explicated in The struggle for Recognition (Kampf um Anerkennung). The dissertation
claims that by proposing a Moral grammar of social conflicts, Honneth‟s theory provides a
consistent connection between Hegel‟s original conceptualization and a more sound basis
provided by empirical inflections within the context of the adaptation of Hegel to the
exigencies of post-metaphysical thought. The analysis goes on to present the consolidation of
Honneth‟s drawing on Hegel‟s Philosophy of Right, with a view to recast conceptually the
notion of spheres of ethical life. By engaging in a discussion of Honneth, this analysis aims at
revisiting Hegel and pointing to possible new avenues for a richer understanding of his
fundamental ideas.
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 8
2. A LÓGICA DO RECONHECIMENTO: DELINEAMENTO DA ABORDAGEM
HEGELIANA..................................................................................................... 13
2.1 O vínculo entre reconhecimento e teoria da eticidade em Hegel................... 14
2.2 Reconstrução especulativa do conceito de reconhecimento na
Lógica........................................................................................................ 36
3. A LIMITAÇÃO DO RECONHECIMENTO: APRECIAÇÃO CRÍTICA SOBRE
A ABORDAGEM HEGELIANA........................................................................44
3.1 O problema do estatuto lógico do reconhecimento.......................................44
3.2 Crítica ao modelo monológico de espírito: a leitura de Habermas................61
3.3 A substancialização da eticidade: problemas do tratamento hegeliano do
reconhecimento para uma teoria da eticidade............................................... 87
4. A REATUALIZAÇÃO DE HEGEL NA TEORIA DO RECONHECIMENTO DE
AXEL HONNETH............................................................................................. 98
4.1 A atualização do conceito hegeliano de reconhecimento e a proposta de um
modelo pós-tradicional de eticidade........................................................... 99
4.2 A ampliação normativa da eticidade: atualização da Filosofia do Direito de
Hegel............................................................................................................. 112
4.3 Novos parâmetros para uma teoria da eticidade........................................ 129
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 140
6. REFERÊNCIAS....................................................................................................... 146
8
1. INTRODUÇÃO
A discussão contemporânea assiste à retomada do pensamento hegeliano a partir de
novos padrões conceituais. Marcada pelo delineamento pós-metafísico, grande parte da atual
recepção da filosofia de Hegel extrai dela respostas a problemas debatidos atualmente, ao
tempo em que discute criticamente a fundamentação lógico-ontológica que subjaz ao seu
sistema. O solo desta discussão refere-se aos padrões com os quais o pensamento hegeliano é
reatualizado. Esta proposta situa-se no âmbito de uma crítica interna ao sistema de Hegel,
perspectiva seguida por esse trabalho
1
. Trata-se de tomar em consideração a estrutura lógica
do reconhecimento, que conduz à discussão sobre a fundamentação verificada na lógica para a
caracterização do espírito objetivo. A reconstrução especulativa do reconhecimento está
ancorada na tese de que o pensamento especulativo pode apreender os desdobramentos do
absoluto no plano da filosofia do real, seja na natureza, seja na filosofia do espírito, e, nela, a
fundamentação especulativa do espírito objetivo. Esta tese metafísica permite Hegel
desenvolver a sua Lógica como movimento do pensar que pensa a si mesmo e com ela
estruturar sua filosofia do real. A fim de analisar o conceito de reconhecimento em Hegel, esta
estrutura terá que ser tomada como ponto de partida, e seus percalços e a análise desta tese
especulativa terá de ser posta de lado, já que a sua apreciação crítica ultrapassaria o contexto
deste trabalho. Trata-se de verificar internamente o referencial teórico a partir do qual Hegel
desenvolve o conceito de reconhecimento, na tentativa de encontrar nele o déficit para uma
teoria da eticidade. A partir da análise deste marco teórico, será apresentada a abordagem
contemporânea da teoria do reconhecimento como significativamente distinta devido ao seu
1
Sobre a proposta de crítica interna ao sistema hegeliano, cf. Hösle (2007), Cirne-Lima (1993) e Luft (1995,
2001).
9
novo referencial teórico, marcado, por um lado, pela retomada do conceito hegeliano de
reconhecimento e, por outro, pela recepção crítica do pensamento metafísico.
Destacando-se nesse debate, Axel Honneth encontra em Hegel bases para estruturar a
sua caracterização de uma teoria do reconhecimento. Com sua estratégia argumentativa, ele
assume uma posão crítica diante do referencial especulativo com o qual se delineia a
filosofia hegeliana, diagnosticando a insuficiência desse projeto. Honneth considera que os
conceitos hegelianos de espírito objetivo e eticidade (Sittlichkeit) revelam um procuo
significado, levando a cabo esse aspecto com o intuito de revisar a proposta hegeliana sem
recorrer a um fundamento metasico, como aquele desenvolvido na Lógica. O autor persegue
a elaboração de uma revisão do modelo de eticidade ancorada em sua proposta de teoria do
reconhecimento, cujos elementos basilares serão encontrados na intuição original de Hegel,
concedendo-lhe uma inflexão empírica segundo as exigências de um “padrão pós-metafísico
de racionalidade”. Ao deslocar o eixo da fundamentação metasica para o delineamento pós-
metafísico, o processo desencadeado pelas reivindicações de reconhecimento é sugerido como
novo referencial de tematização do que Hegel denominara eticidade. Na abordagem
honnethiana, é a própria troca intersubjetiva a delinear o modelo a partir do qual será moldado
o âmbito do espírito objetivo, e esse será continuamente revisado a partir dessas trocas. Desse
modo, Honneth propõe um embasamento teórico que não esteja ancorado em uma
fundamentação última, mas que, à semelhança do projeto hegeliano, possa fornecer uma
leitura lógica da realidade, proporcionando elementos que permitam entender o espaço de
possibilidades no qual a sociedade se configura: uma gramática moral dos conflitos sociais.
É sobre a reconstrução da argumentação de Honneth em torno da atualização do
conceito hegeliano de eticidade que recai o nosso objeto de estudo, na tentativa de explicitar a
revisão do referencial teórico a partir do qual se orienta o tratamento contemporâneo do
reconhecimento. Considerando a necessidade de melhor delinear os avanços da teoria de
10
Honneth, este trabalho propõe-se a articular os elementos centrais da recepção honnethiana da
filosofia de Hegel, precisando os aspectos que emergem a partir do que Honneth denomina de
“modelo pós-tradicional de eticidade”. Com isso, pretende-se mostrar os ganhos que esta
abordagem proporciona para a reconstrução de um modelo de eticidade a partir da teoria do
reconhecimento. No marco desta teoria, a revio do conceito de eticidade desprende-se da
concepção monológica de espírito que Honneth, seguindo a leitura de Habermas, considera
que Hegel desenvolvera em seus últimos anos em Jena, quando Hegel dispõe do modelo
autoreflexivo de espírito, a partir do qual será exposta sua teoria da eticidade. A partir desta
crítica, Honneth (2003) dirige sua releitura de Hegel no sentido de encontrar nos escritos de
Jena os vestígios de uma teoria da intersubjetividade, com o propósito de reatualizar a teoria
hegeliana da eticidade. Este objetivo é levado adiante a partir da reatualização da Filosofia do
Direito de Hegel. Nela, Honneth propõe um esboço passo a passo de como a intenção
fundamental e a estrutura do texto no seu todo devem ser compreendidas” (2007, p. 51),
mencionando que, a fim de conceder maior plausibilidade ao seu propósito, renuncia às
“instruções metódicas da Lógica e à concepção basilar do Estado (2007, p. 51). Desse
modo, antes de avançar diante da leitura proposta por Honneth, iremos analisar os problemas
relativos a estes dois aspectos, a lógica do reconhecimento e a fundamentação da eticidade,
na tentativa de elucidar quais as vantagens que a opção de Honneth pode propiciar para uma
reestruturação do conceito hegeliano de eticidade.
Para tratar do objeto acima exposto, o desenvolvimento de nossa argumentação divide-
se em três capítulos. As este capítulo introdutório (1), é apresentada a iia original de
Hegel do vínculo entre reconhecimento e teoria da eticidade (2), demarcada a partir da
exposição das linhas gerais do Sistema de Eticidade (System der Sittlichkeit), e, no contexto
dos escritos maduros de Hegel, da sua Filosofia do Direito (2.1). Seguindo a estratégia
argumentativa de uma crítica interna, apresentaremos ainda a estrutura especulativa que o
11
reconhecimento adquire na exposição da Lógica (2.2). Com esta exposição sintética, temos
em vista um objetivo mais preciso: apresentar os problemas do referencial teórico hegeliano
para um modelo de eticidade assentado em esferas de reconhecimento (3). Para uma
abordagem crítica da literatura sobre o status do reconhecimento na proposta de Hegel,
enfocamos as leituras de Ludwig Siep, Vittorio Hösle, Jürgen Habermas e Ernst Tugendhat. O
caráter imanente da crítica de Siep e sle permite-nos apreender as dificuldades encontradas
pelo status da intersubjetividade no interior da própria estrutura lógica do sistema hegeliano
(3.1). A crítica de Habermas e Tugendhat apresenta um escopo significativamente distinto,
mas compartilha com Hösle a detecção dos limites que a intersubjetividade encontra na
proposta hegeliana. Será dedicado um espaço mais amplo à crítica de Habermas ao conceito
hegeliano de espírito, cuja argumentação será explicitada a partir de um maior número de
citações diretas, com vistas a clarificar a interpretação de Habermas (3.2). Esta estratégia
permite-nos compreender o delineamento da leitura de Hegel que será seguida por Honneth,
cuja guinada teórica diante de Habermas será tomada rumo à reestruturação de uma teoria do
reconhecimento, que se posiciona como crítica a alguns elementos kantianos de Habermas e
uma revalorização da proposta original de Hegel. É a partir desta exposição crítica que são
discutidos os dois problemas centrais que permeiam a abordagem hegeliana: o modelo de
espírito autoreflexivo e o problema do conceito substancialista de Estado, sobre os quais uma
reestruturação contemporânea do conceito hegeliano de eticidade deve tomar em consideração
(3.3). Desse modo, o percurso da argumentação de nosso trabalho conduz ao tratamento que o
conceito hegeliano de eticidade ireceber a partir da revisão pós-metafísica da teoria de
Honneth (4). Num primeiro momento, apresenta-se o seu modelo de eticidade proposto em
Luta por Reconhecimento (4.1), onde serão expostas as diretrizes para a elaboração de um
modelos-tradicional de eticidade. Em seguida, discute-se como esse projeto é desenvolvido
a partir da releitura da Filosofia do Direito de Hegel (4.2). A nossa argumentação tem em
12
vista fornecer novos parâmetros para o desenvolvimento do potencial crítico-normativo da
teoria de Honneth, no intuito de fornecer o delineamento das propostas de esferas de
reconhecimento discutidas no projeto inicial de Honneth (4.3). Será indicada, por fim, a
possibilidade de retornar a Hegel a partir dos contributos da teoria de Honneth, com vistas a
uma possível ampliação da discussão aqui apresentada (5).
2. A LÓGICA DO RECONHECIMENTO: DELINEAMENTO DA ABORDAGEM
HEGELIANA
Na tentativa de reconstruir as bases do conceito de reconhecimento na filosofia de Hegel,
algumas considerações serão esboçadas neste capítulo. A caracterização do reconhecimento
13
no conjunto dos escritos do jovem Hegel foi amplamente discutida pela literatura
2
. No que
se segue, o objetivo é bem mais modesto do que apresentar uma genealogia do conceito
hegeliano de reconhecimento, que remonta aos escritos de Berna e Frankfurt
3
. A estratégia
argumentativa consiste em expor as bases que nos permitem perseguir o horizonte visado
inicialmente: a explicitação do referencial teórico a partir do qual Hegel desenvolve sua teoria
da eticidade. Neste pico, o objetivo volta-se para a explicitação desta estrutura, visando
fornecer uma chave de leitura para os desdobramentos na filosofia do espírito objetivo, mais
propriamente no modelo de eticidade. Nesse sentido, a exposão seguinte o satisfaz uma
proposta de discussão sobre o conceito de reconhecimento, mas permite-nos fornecer
parâmetros para o propósito central da primeira parte deste trabalho. Trata-se de tecer
algumas considerações sobre o tratamento que o reconhecimento adquire para uma teoria da
eticidade. Nesse sentido, será esboçado, no que se segue, um fio condutor para a compreensão
do referencial relacional que subjaz ao conceito hegeliano de reconhecimento. Juntamente
com uma breve passagem pela argumentação da Fenomenologia, delimitamo-nos à exposição
das linhas gerais do vínculo entre reconhecimento e eticidade no Sistema de Eticidade e da
Filosofia do Direito (2.1). Para atender ao nosso objetivo de discutir as raízes do conceito de
reconhecimento, somente uma crítica interna poderá permitir a realização de tal propósito.
Nesse sentido, temos em vista a estrutura especulativa do conceito de reconhecimento
apresentada na Lógica. A partir da exposição desta estrutura, tenta-se mostrar a caracterização
que o conceito de reconhecimento adquire ao interno do sistema hegeliano. Nesse sentido,
será apresentado, num segundo momento, o delineamento especulativo do reconhecimento na
Lógica (2.2), no intuito de fornecer outros elementos para a crítica ao referencial teórico
hegeliano, apresentados posteriormente.
2
Cf. SIEP (1979), WILDT (1982), HONNETH (2003), WILLIAMS (1992, 1997).
3
Destacam-se os escritos Religião e Amor e O Espírito do Cristianismo e seu destino.
14
2.1 O vínculo entre reconhecimento e teoria da eticidade em Hegel
A reflexão sobre a subjetividade e a objetividade, seja em torno de sua distinção como
de sua reconciliação, marca o discurso filofico da modernidade.
4
No caso de Hegel, o
empenho de seu projeto filosófico volta-se para a superação da cisão que marcara o debate
desde Descartes, chegando até o idealismo transcendental de Kant e o idealismo subjetivo de
Fichte. Para o seu empreendimento filofico da Vereinigungsphilosophie, Hegel utiliza
conceitos como espírito (herdado de Herder e dos românticos), Idéia, usado em acepções
diferentes por Kant e Schelling, e desenvolve, na esteira da identidade entre ser e pensar, uma
lógica enquanto metafísica, que proporciona a compreensão daquilo que Hegel entende por
filosofia do real. O Fragmento de sistema, datado de 1800, exemplifica o esforço empenhado
por Hegel em superar a cisão da modernidade, visando a unidade na multiplicidade, em que o
individual não é negado, mas afirmado enquanto relação com o todo. neste escrito, Hegel
descreve com precisão a compreensão relacional de individualidade que perpassará sua obra:
O conceito de individualidade compreende em si tanto a oposição
contra uma multiplicidade infinita, como a união com a mesma. Um
homem é uma vida individual enquanto é algo distinto de todos os
elementos e da infinidade das vidas individuais que existe fora dele; é
uma vida individual na medida em que é um com todos os
elementos e com toda a infinitude das vidas individuais fora dele, e é
só na medida em que a totalidade da vida está dividida, sendo ele uma
parte e todo o resto a outra parte; é só na medida em que não é uma
parte, em que não existe nada que está separado dele. (1984a, p. 399-
400)
Esta proposta de unificação de fundo espinosista move os jovens idealistas à retomada
do ideal da harmonia grega, que se o solo sobre o qual será erguida a concepção de
eticidade, apresentada, no âmbito dos escritos de Jena, em Sistema de eticidade (System der
4
Cf. HABERMAS (2000). Para Habermas, Hegel foi o primeiro a tematizar a modernidade propriamente como
um problema filosófico, cujo conceito basilar é a subjetividade.
15
Sittlichkeit), escrito entre 1802 e 1803. Publicado postumamente, este manuscrito apresenta a
estrutura da eticidade atrelada ao referencial lógico que perpassa as caracterizações descritas
por Hegel. Se, por um lado, este atrelamento torna hermética a linguagem empregada por
Hegel, a compreensão da estrutura lógica ali verificada possibilita uma compreensão mais
sólida da proposta de uma teoria da eticidade, objetivo que, já nesse período, Hegel persegue.
Ao ter em mente um projeto de eticidade de acordo com uma estrutura logicamente
configurada, este escrito representa o intuito hegeliano, no âmbito dos escritos pré-
Fenomenologia, em articular uma conexão entre lógica e um modelo de eticidade, com a qual
Hegel pretende superar a dicotomia e a representação formal, propondo a Idéia como essa
superação. Evidenciando a dependência da filosofia de Schelling, Hegel emprega termos
como intuição e conceito, propondo a superação da dicotomia entre ambos mediante a Idéia,
posição que será decisiva no decorrer de sua obra. Antecipa-se, aqui, a estrutura desenvolvida
posteriormente na Ciência da Lógica, onde a exposição do movimento do conceito e o
engendramento lógico da Idéia serão basilares para a compreensão da estrutura especulativa
da filosofia do real. Ao considerar-se o conjunto da obra hegeliana, constata-se que já nos
escritos anteriores à Fenomenologia são esboçadas tanto as bases de seu modelo de eticidade
desenvolvido nos escritos maduros, quanto os traços lógicos que receberão o tratamento mais
acabado na elaboração da Ciência da Lógica. Desse modo, o quadro de relacionalidade
composto pela diferença entre as partes e o todo, entre indivíduo e substância ética, tem seu
contorno antecipado nos escritos de Jena.
A Idéia representa a identidade entre intuição e conceito. Desse modo, “para conhecer
a Idéia de vida ética absoluta, deve a intuição estabelecer-se de um modo inteiramente
adequado ao conceito(SdS, p. 13).
5
Mais adiante, Hegel definirá: “a intuição da Idéia é um
5
De acordo com a usual abreviação utilizada para os textos hegelianos, doravante serão utilizadas as seguintes
abreviações: Sistema de Eticidade (SdS), Fenomenologia do Espírito (PhG), Ciência da Lógica (WdL),
Enciclopédia (Enz) e Filosofia do Direito (RP). As abreviões serão seguidas do parágrafo correspondente à
respectiva citação, no intuito de facilitar a localização dentre a diversidade de edições dos textos mencionados.
16
povo absoluto; o seu conceito é o ser-um absoluto das individualidades” (SdS, p. 13). A
distinção essencial empregada por Hegel pode ser assim resumida: por um lado, a intuição,
que compreende a noção de unidade, povo; por outro, o conceito, referente à multiplicidade,
ao indivíduo. Esta distinção torna mais clara a lógica empregada por Hegel no que tece à
relação entre indivíduo e eticidade: “Na subsunção da intuição ao conceito, [...] a intuição da
eticidade, que é um povo, torna-se em seguida uma realidade múltipla ou uma singularidade,
um homem singular [...]” (SdS, p. 14). Enquanto somente intuição (uno, identidade
indiferenciada) não se distinguem os indivíduos que a compõem. O mesmo ocorre com a
prevalência do conceito, impossibilitando a noção da estrutura relacional que os liga.
Apesar do aparato conceitual distinguir-se no decorrer do desenvolvimento do
pensamento hegeliano, é marcante, já no Sistema de Eticidade, o uso dos termos particular,
singular e universal, característicos da teoria dos juízos, desenvolvida nos demais escritos de
Hegel. Todo o Sistema de Eticidade será perpassado pelo emprego destes termos, utilizados
para explicar a estrutura da eticidade: a constituição do Estado, as formas de governo, o
crime, a justiça, etc. Em parte, Hegel herda a nomenclatura kantiana-schellingiana, ligando-os
às noções dialéticas de universal e particular. O desprendimento daquela terminologia levará
Hegel, mais tarde, a empregar um novo aparato conceitual, em que os momentos do
particular, universal e singular não terão mais como foco a distinção entre intuição e conceito.
No Sistema de Eticidade, Hegel concede à concepção de reconhecimento,
desenvolvido em escritos anteriores a partir da interlocução com Fichte, um papel
indispensável, articulando a relação entre universal e particular que, na terminologia
peculiar a este manuscrito, remete à relação entre intuição e conceito. É o reconhecimento que
está na base do tratamento relacional que o indivíduo adquire na eticidade. Articulando a
No caso do Sistema de Eticidade e Ciência da Lógica, devido ao texto não ser dividido em parágrafos, a página
será citada segundo a edição apresentada nas referências. Para a tradução das citações em alemão tem-se como
base as edições em português e espanhol. Para os textos em língua estrangeira referentes à literatura secundária,
as traduções são de nossa responsabilidade.
17
relação entre indivíduo e eticidade, Hegel entende que o indivíduo não pode ser concebido
isoladamente, mas relacionalmente, cujo papel de mediação cabe ao reconhecimento
intersubjetivo.
6
Hegel encontra expressão para a estrutura do reconhecimento no conceito de vida
7
,
associado à estrutura da eticidade: “A eticidade é determinada de modo que o indivíduo
vivente, enquanto vida, seja igual ao conceito absoluto, que a sua consciência empírica seja
toda um com a absoluta” (SdS, p. 54) O conceito de vida apresenta-se como mediador para
associar as categorias lógicas e os momentos do reconhecimento.
8
Esta ligação refere-se
fundamentalmente aos momentos de diferenciação e identificação das categorias lógicas.
Escreve Hegel: “Neste reconhecimento da vida, ou no pensamento do outro como conceito
absoluto, este existe como ser livre, como possibilidade de ser o contrário de si mesmo em
relação a uma determinidade” (HEGEL, SdS, p. 35). E mais adiante: “Neste reconhecer, o
indivíduo vivo encontra-se perante o indivíduo vivo” (SdS, p. 35). Mas esta relação e-se,
inicialmente, como assimétrica, “com desigual poder da vida” (SdS, p. 35). “Um é, pois, o
poder ou a potência para o outro” (SdS, p. 35) conduzindo a um reconhecer formal,
desprovido de relação simétrica. Desenha-se, assim, a imagem da relação de dominação e da
servidão: “A relação de que o indivíduo indiferente e livre é o indivíduo poderoso, perante o
diferente, é a relação da dominação e da servidão (SdS, p. 35), “relação imediata e
absolutamente posta com a desigualdade do poder da vida” (SdS, p. 35): “uma se encontra na
forma da indiferença” (SdS, p. 36), o senhor, “e a outra na forma da diferença” (SdS, p. 36), o
servo, pois a servidão é a obediência perante o singular e o particular”, enquanto “o senhor é
a indiferença das determinidades” (SdS, p. 36). Antecipando a parábola empregada na
Fenomenologia, a luta entre o senhor e o escravo engendra o reconhecimento mútuo. No
6
Sobre a assimilação da teoria fichteana da intersubjetividade para a constituição do modelo hegeliano da
eticidade, cf. Lima (2006).
7
SIEP (2007), p. 163.
8
Cf. SIEP (2007), p. 163, ss.
18
contexto do Sistema de Eticidade, este primeiro momento se conservado e elevado,
conduzindo a uma relação simétrica, que encontra expressão, primeiramente, na família, onde
ocorre “a indiferença da relação de dominação e de servidão” (SdS, p. 37).
9
“Nela se unifica a
totalidade da natureza e tudo o que precede, toda a particularidade anterior se transpõe nela
para o universal.” (SdS, p. 37).
A negação da relação ética, o rompimento com a totalidade, é o que Hegel entende por
crime
10
. O dano a uma parte é o dano à totalidade. Uma parte lesionada implica igualmente a
lesão do todo. O crime é o rompimento com a eticidade, a desestruturação da organicidade
harmônica que perpassa as relações éticas. É ao estabelecimento e preservação da
organicidade da eticidade que se dirige o cumprimento da lei. A punição visa o
restabelecimento da organicidade ética que, devido ao crime, havia sido rompida. Aqui, o
sentimento de culpa e o castigo estão relacionados, mais do que ao âmbito da moral, à cisão
da totalidade ética. O crime designa o próprio fato de o sujeito opor-se à eticidade, enquanto
posição individualista de negação da relação, representando ainda a ausência de
reconhecimento das outras partes. Comentando esta questão, Siep explica que, enquanto eu
reconheço [...] a capacidade de posse do outro” (2007, p. 83), “a violência, o roubo opõem-se
a semelhante reconhecimento. São constringentes, visam o todo; suprimem a liberdade e a
legalidade do ser-universal, do ser-reconhecido (SIEP, 2007, p. 83). Ancorado numa
concepção relacional do reconhecimento, depreende-se que o desrespeito individual gera
conflitos coletivos. O reconhecimento é, antes de tudo, o reconhecimento das relações
intersubjetivas que constituem a eticidade, e, desse modo, as relações de reconhecimento são
estabelecidas como base da eticidade.
9
“Esta indiferença da relação de dominação e de servidão, na qual, pois, a personalidade e a abstração da vida
são absolutamente uma e mesma coisa, e na qual esta relação é apenas o exterior, o que aparece, é a família.”
(HEGEL, 1991, p. 37).
10
Também nas posteriores lições da Realphilosophie Hegel apresentará esta concepção: “A lesão a qualquer de
suas singularidades é, portanto, infinita, [é] um dano (Beleidigung) absoluto, um dano dele como um todo, um
dano de sua honra. E o embate (Kollision) por cada singular é uma luta (Kampf) pelo todo”. (1987, p. 217).
19
Na última seção do Sistema de Eticidade, intitulado propriamente Eticidade, Hegel
mostra que “o que de mais elevado é a liberdade quanto à relação” (SIEP, 2007, p. 53),
consolidando o caráter relacional perseguido nas seções anteriores. Siep explica que “na
medida em que os indivíduos se reconhecem reciprocamente como viventes, eles intuem no
outro a indepenncia de todas as determinações” (2007, p. 163). Neste movimento, escreve
Hegel, ocorre a possibilidade de ser o contrário de si mesmo em relação a uma
determinidade (SdS, p. 35). Siep comenta que “nesta possibilidade eles se sabem como não
distintos um do outro, como não separados de alguma determinação” (2007, p. 163). A
semelhança entre os indivíduos consiste na capacidade comum de reconhecimento das
diferenças. Nesse sentido, acrescenta Siep: “a vida é, portanto, uma relação em que os
momentos em relação conhecem tanto a sua identidade quanto a sua diferença” (2007, p.
164). Nos escritos de juventude, Hegel havia encontrado no amor o sentido mais pleno das
relações intersubjetivas. O reconhecimento desdobra-se, como mostra Siep, da unidade entre
amor e luta. Hegel deixa entender que a relação é conflituosa, ressaltando o caráter da
contradição e da negação presente na relação. Ao articular o delineamento de uma estrutura
intersubjetiva da eticidade, o Sistema de Eticidade revela diretrizes para uma teoria da
eticidade, cuja estrutura é perpassada pelo reconhecimento.
Com a Fenomenologia, Hegel exe, de forma mais precisa, o sentido da experiência
da consciência no movimento da dialética do reconhecimento, descritos na passagem da
consciência para a consciência-de-si (Selbstbewusstsein).
11
O movimento da dialética do
reconhecimento apresenta, na perspectiva da descrição do movimento da consciência
apresentado no conjunto da Fenomenologia, o momento em que a consciência, até então posta
11
Para Siep (1991), as estruturas de reconhecimento na Fenomenologia ocupam um papel central não na
dialética do reconhecimento, mas nas passagens entre a razão prática e o espírito e nos três momentos do
espírito, indicando os momentos de reconhecimento mútuo entre singular e universal. (p. 163)
20
em relação com o objeto, depara-se com outra consciência
12
: a consciência-de-si é em si e
para si quando e porque é em si e para si para uma outra; quer dizer, só é como algo
reconhecido(PhG, §178). Hegel descreve notavelmente o momento do encontro entre duas
consciências:
É uma consciência-de-si para uma consciência-de-si. E somente assim ela é,
de fato: pois só assim vem-a-ser para ela a unidade de si mesma em seu ser-
outro. O Eu, que é objeto de seu conceito, não é de fato objeto. Porém o objeto
do desejo é independente por ser a substância universal indestrutível, a
fluida essência igual-a-si-mesma. Quando a consciência-de-si é o objeto, é
tanto Eu quanto objeto. Para nós, portanto, está presente o conceito do
espírito. Para a consciência, o que vem-a-ser mais adiante, é a experiência do
que é o espírito: essa substância absoluta que na perfeita liberdade e
independência de sua oposição a saber, das diversas consciências-de-si para
si essentes é a unidade das mesmas: Eu, que é Nós, Nós que é Eu. (PhG,
§177, p. 142).
Para que a consciência-de-si, num primeiro momento, possa conservar e elevar o
outro, esse outro deve ser, mesmo que seja, aqui, ainda circunscrito a uma perspectiva
objetificante. Neste primeiro momento, a consciência-de-si reconhece a outra como outra de
si, como um objeto ou o que está simplesmente diante, numa posição ainda imersa na
imediatez da vida. O outro não é uma outra consciência-de-si independente, mas é desejo. “A
consciência-de-si alcança sua satisfação em uma outra consciência-de-si(PhG, §175). A
deficiência dessa relação acarreta a limitação no processo de constituição da subjetividade.
Hegel mostra que é a partir da deficiência verificada no conflito que é engendrada a luta por
reconhecimento.
Na apresentação sucinta da dialética do reconhecimento na Enciclopédia, podemos
constatar as linhas fundamentais que, análogas à estrutura lógica, perpassam a relação de
reconhecimento. Ao confrontarem-se duas consciências-de-si, é desencadeado o processo de
12
Aqui a consciência faz verdadeiramente sua experiência como consciência-de-si porque o objeto que é
mediador para seu reconhecer-se a si mesma não é o objeto indiferente do mundo, mas é ela mesma em seu ser-
outro: é outra consciência-de-si”. (LIMA VAZ, 2002, p. 102)
21
luta, “pois eu o posso me saber no Outro como a mim mesmo” (HEGEL, Enz., p. 201).
Cada consciência quer se firmar em sua identidade, atingida somente a partir do
reconhecimento da diferença constitutiva do outro.
Para superar essa contradição, é necessário que os dois Si, que se contrapõem
reciprocamente, se ponham e se reconheçam em seu ser-aí, em seu ser-para-
outro, tais como o em si ou segundo o seu conceito a saber: não como
seres simplesmente naturais, mas como seres livres. Somente assim se realiza
a verdadeira liberdade: pois que ela consiste na identidade de mim como o
outro, então eu só sou verdadeiramente livre quando o outro também é livre, e
é reconhecido por mim como livre. (Enz., §431, adendo, p. 201-202).
13
A consciência infeliz, apresentada na Fenomenologia, é o resultado da unilateralidade
posta pela relação entre o senhor e o escravo, na qual a consciência-de-si não reconhece
plenamente a outra consciência-de-si:
Ela mesma é o intuir de uma consciência-de-si numa outra; e ela mesma é
ambas, e a unidade de ambas é também para ela a essência. Contudo para si,
ainda não é a essência mesma, ainda não é a unidade das duas (HEGEL, PhG,
§207, p. 159).
No percurso da Fenomenologia, a razão ainda não indica a dimensão mais profunda da
vida ética, mas é na concepção de espírito onde Hegel encontra o acabamento desta estrutura
relacional. Hegel escreve que a razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se
eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como
de si mesma” (PhG, §438, p. 304,). E mais adiante: “O espírito é a vida ética de um povo,
enquanto é a verdade imediata: o indivíduo que é um mundo (PhG, §440, p. 306). No
registro da Fenomenologia, a eticidade, enquanto primeiro momento do movimento do
espírito, indica o donio em que a consciência depara-se com um quadro relacional mais
consolidado, representado, aqui, pelo modelo da relação entre a lei divina (da família) e do
13
Há um erro de grafia no trecho supracitado da edição a que se refere a citação. Ao invés de “identidade de
mim como o outro“, leia-se “a minha identidade com o outro” (grifo nosso), que corresponde à tradução da
passagem: “Nur so kommt die wahre Freiheit zustande; denn da diese in der Identität meiner mit dem anderen
besteht, so bin ich wahrhaft frei nur dann, wenn auch der andere frei ist und von mir als frei anerkannt wird”.
22
Estado, traço característico da polis grega. Na Fenomenologia, com efeito, a moralidade,
apresentada na última seção do espírito (O espírito certo de si mesmo. A moralidade), indica o
momento da consciência-de-si que sabe que é livre
14
e posta em relação com o conjunto da
eticidade. É na última seção da moralidade, a boa consciência a bela alma, o mal e o seu
perdão, em que Hegel volta a desenvolver enfaticamente a relevância do reconhecimento: “a
totalidade ou efetividade, que se apresenta como a verdade do mundo ético, é o Si da pessoa.
Seu ser-aí é o ser-reconhecido” (PhG, §633, p. 431). A descrição de Hegel será marcada pelo
movimento de singularização da consciência, em que a estrutura relacional é perpassada pela
perspectiva do reconhecimento do indivíduo como singular, caracterizado na eticidade. Hegel
escreve que o agir “é o trasladar de seu conteúdo singular para o elemento objetivo, onde o
conteúdo é universal e reconhecido: e isso justamente o fato de ser reconhecido faz que a
ação seja efetividade”. (PhG, §640, p. 436). E mais adiante, Hegel mostra que a boa
consciência é ligada ao sentido da “consciência-de-si, em si universal, ou o ser-reconhecido e,
por conseguinte, a efetividade. O que-é-feito com a convicção do dever é assim
imediatamente algo que tem consistência e ser-aí”. (PhG, §640, p. 436) A estrutura do
reconhecimento delineia-se, aqui, com um acabamento notável, constituindo-se como noção
basilar do modelo relacional que Hegel persegue.
No contexto dos escritos de Jena, Hegel posicionara-se diante das teorias então em
discussão, apresentando sua crítica no Ensaio sobre o direito natural, escrito em 1802 e
publicado em 1803. Nesta obra, Hegel critica as concepções atomísticas de direito natural,
sejam elas empíricas ou formais, afirmando que ambas se fundamentam numa concepção do
indivíduo que deixa em segundo plano a sociedade, caracterizando-se, assim, como
desprovidas de uma fundamentação ética plausível. Hegel retoma sua crítica na Enciclopédia,
objetando contra a idéia de um direito natural, enquanto “o direito e todas as suas
14
Na moralidade, Hegel mostra que a consciência-de-si “é absolutamente livre porque sabe sua liberdade, e
precisamente esse saber de sua liberdade é sua substância e fim e conteúdo único. (PhG, §598)
23
determinações se fundam unicamente na personalidade livre, em uma autodeterminação que
é antes o contrário da determinação-de-natureza (Enz, §502, obs.). Nesse sentido, “a
sociedade é antes o estado em que somente o direito tem sua efetividade: o que se tem de
sacrificar é justamente o arbítrio e a força-bruta do estado de natureza” (Enz, §502, obs.).
Desse modo, Hegel propõe a substituição do modelo de sujeitos isolados pela concepção de
um estado que tem como base as formas de convívio intersubjetivas.
15
Hegel posiciona-se no
empreendimento de propor uma alternativa que tornasse conciliável o embate entre as teorias
atomistas próprias do direito natural moderno e a teoria potica aristotélica.
Com a Filosofia do Direito, Hegel consolida o seu próprio projeto. A tentativa de
superar a dicotomia entre a garantia da liberdade individual e a salvaguarda da
substancialidade ética leva Hegel a articular uma teoria das instituições sociais que
estabelecem, mediam e preservam a liberdade individual. Na articulação de sua proposta de
eticidade, é decisiva a superação do atomismo de caráter hobbesiano. O pensamento de Hegel
se posiciona como uma resposta a um problema fundamentalmente presente na filosofia
moderna, qual seja, o de como realizar a possibilidade de uma liberdade autolegislada, na qual
o indivíduo dar a si suas próprias determinações. Desse modo, Hegel quer levar a cabo a
concepção presente em Kant de liberdade como autodeterminação, ao mesmo tempo em que
introduz a noção de sujeito concebido como relação, tanto com o mundo como com os outros
sujeitos. A preocupação de Hegel, em última análise, não difere radicalmente do esforço
empenhado por Kant e pelo debate da modernidade em pensar a autonomia e a liberdade,
principalmente seguindo um modelo de liberdade como autodeterminação racional. É o que
mostra Baynes (2002), acrescentando que o conceito hegeliano de liberdade, como havia
mostrado já as leituras de Taylor (1975) e Patten (1999), também não deve ser entendido
propriamente como “um republicanismo cívico ou uma visão comunitarista” (BAYNES,
15
Sobre essa discussão, cf. Crime e eticidade: Hegel e o enfoque novo da teoria da intersubjetividade. In:
Honneth (2003, p. 37 ss).
24
2002, p. 03), enquanto o julga, na discussão dos modernos, como suficiente retornar ao
modelo da “identificação da genuína liberdade com a virtude pública” (p. 03). O diferencial
do projeto hegeliano consiste em conceber o modelo de autonomia e liberdade como resultado
das relações mútuas de reconhecimento, concedendo a estas uma importância muito maior do
que a concedida por seus antecessores
16
. Para Hegel, como sintetiza Pippin, “ser um agente
livre consiste em ser reconhecido como tal(2000, p. 163). Neste modelo de superação das
dicotomias, Hegel ainda distingue entre moralidade e eticidade, mas não como contrapostas.
Entendido enquanto descrição das condições para a eticidade, torna-se compreensível
entender a moralidade como um requisito para as relações intersubjetivas. Nesse caso, trata-se
de uma coerência com o movimento descritivo da formação da consciência na Fenomenologia
e as etapas do desenvolvimento categorial da Ciência da Lógica, enquanto estão postos o
momento da singularização mediante o movimento de Aufhebung entre particular e universal.
No entanto, não uma sucessão temporal. Com efeito, a eticidade está dada, e nela estão
compreendidas as esferas de relações intersubjetivas (família, sociedade civil e estado) nas
quais os indivíduos estão inseridos e mediante as quais eles se constituem enquanto
singulares.
Seguindo a leitura de Pippin (2000), os escritos de Jena e os s-Jena distinguem-se
enquanto teorias da intersubjetividade, mas compõem, com ênfases distintas, um mesmo
quadro. Para o autor, os escritos de Jena são caracterizados, em primeiro lugar, por uma
preocupação hegeliana em torno das condições da nese e estrutura da liberdade, e, em
16
Dentre os textos que discutem o papel do reconhecimento na Filosofia do direito, cf. Lawrence (2007),
Redding (1997) e Williams (1996), além do estudo de Honneth (2007), que será analisado mais adiante.
Lawrence (2007) mostra que, apesar do termo “reconhecimento” aparecer somente seis vezes ao longo de mais
de 500 páginas do texto, este conceito cumpre um papel central na estrutura desta obra. Por diversas vezes, o
termo “reconhecimento” aparece implicitamente. No exemplo colocado por Lawrenz, quando Hegel afirma que
“o preceito jurídico é: uma pessoa e respeita os demais como pessoas” (RP §36), o termo respeitar
(respektieren), aqui, indica uma relação de reconhecimento intersubjetivo. Redding (1997) ressalta que “o papel
do reconhecimento em suas várias formas na constituição de sujeitos de conhecimento e ação [é] desenvolvido
mais plenamente na Filosofia do Direito. No seu tratamento das instituições sociais da vida moderna (família,
sociedade civil e Estado), Hegel esboça os tipos de competências epistêmicas e éticas que são encontradas nestes
âmbitos. (1997, p. 17)
25
segundo, pela exposição do desejo de reconhecimento mútuo. Nos escritos pós-jenenses, por
sua vez, a preocupação de Hegel, após expor a necessidade do reconhecimento, volta-se para
a formatação racional das condições que permitem o reconhecimento, satisfazendo as
condições de efetivação da liberdade individual. Desse modo, os escritos de maturidade de
Hegel teria como proposta responder à pergunta articulada no período de Jena. Nesta mesma
leitura, a teoria hegeliana da eticidade configura-se como o desenvolvimento da concepção de
reconhecimento, embasando-o numa construção racional. Com o modelo de eticidade, Hegel
quer mostrar o domínio no qual estão inscritas as condições que possibilitam a autonomia e
liberdade, entendendo-as como indissociáveis das relações intersubjetivas. O reconhecimento
adquire o caráter de mediação com a qual a vontade livre é assegurada em termos não mais
individuais, mas intersubjetivos. Este caráter relacional encontra sentido análogo aquele
articulado no plano lógico, quando Hegel define:: a liberdade é justamente isto: estar junto
de si mesmo no seu Outro”
17
(Enz., §24, adendo).
A estrutura do reconhecimento, apresentado, na Fenomenologia, enquanto caráter da
formação da consciência, cumprirá, na esfera do espírito objetivo, um papel central no
delineamento da concepção de eticidade. Com esse intuito, Hegel apresenta o conceito da
vontade livre, desdobrado na introdução da Filosofia do direito, mais especificamente nos
§§5-7. Inicialmente, a vontade mostra-se em dois momentos: o negativo e o positivo, sendo o
momento negativo apresentado no §5 e o positivo no §6. Assim, os §§5-7 da Filosofia do
Direito, referem-se a uma relação entre três momentos internos, a saber: a vontade negativa
como momento da universalidade, a vontade positiva como particularidade, e ambas
conservadas e elevadas na vontade livre como singularidade. Uma primeira concepção de
vontade livre, a negativa, refere-se à indeterminação, na qual a diferenciação não é
evidenciada. É o momento da universalidade que não contém a particularidade; uma pura
17
“Freiheit ist eben dies, in seinem Anderen bei sich selbst zu sein
26
identidade abstrata sem diferenciação. O conceito de vontade livre positiva, por sua vez,
compreende a passagem da indeterminação para a determinidade. O eu agora não é mais uma
indeterminidade indiferenciada, mas diferencia-se, compreendendo “o momento absoluto da
finitude ou da particularização do eu” (RP, §6). O eu, que antes apenas queria (algo de
universal, abstrato), passa agora a querer algo. Assim, a vontade livre negativa refere-se à
supressão das diferenças, considerando somente o todo, enquanto a positiva volta-se para a
diferenciação. A unidade entre esses dois momentos, particular e universal, constitui a
vontade livre, representada pela singularidade, apresentado no adendo ao §7. A vontade
plenamente livre é aquela que é racionalmente autodeterminada. Expõe-se o terceiro
momento, que conserva e eleva os anteriores, no qual o eu, na sua restrão, nesse outro, está
junto de si mesmo (RP, §7, adendo). Este momento compreende “o conceito concreto de
liberdade, ao passo que os dois momentos precedentes foram havidos como abstratos e
unilaterais. [...] A liberdade não reside, portanto, nem na indeterminidade, nem na
determinidade, senão que ela é ambas” (RP, §7, adendo). Hegel continua:
temos esta liberdade na forma do sentimento, por exemplo, na amizade e no
amor. Neles o se está mais unilateralmente dentro de si, mas cada um [dos
relatos] se restringe, de bom grado, em relação a um outro e sabe-se como si
mesmo nessa restrição. Na determinidade o homem não deve sentir-se
determinado, mas ao considerar o outro enquanto outro, ele somente nisso tem
o sentimento próprio de si. (RP, §7, adendo)
Mesmo que a vontade livre seja a base para a concepção de liberdade, ela não é
tomada isoladamente, mas “a vontade é, como para outro, para a vontade de outra pessoa.
Esta relação de vontade a vontade é o âmbito peculiar e verdadeiro em que a liberdade tem
existência”. (RP, §71). Hegel emprega esta análise relacional da vontade no contexto da
passagem da propriedade para o contrato. O contrato não configura apenas a posse de algo
por meio de uma vontade subjetiva, mas constitui a vontade comum, resultado da mediação
entre duas vontades livres.
27
Hegel quer indicar a concepção de liberdade atrelada à noção de autoconsciência, ao
mesmo tempo em que esta não pode ser concebida isoladamente, mas a sua constituição é
perpassada pela mediação do reconhecimento recíproco. Pippin (1999) vê a impossibilidade
de encontrar em Hegel uma relação causal da liberdade, como se essa dependesse de uma
vontade autônoma por parte do indivíduo. A liberdade deve ser compreendida enquanto
concernente não a uma instância individual, mas também a uma auto-reflexão socialmente
mediada
18
: “A existência é essencialmente ser para outro” (HEGEL, RP, §71).
Deve-se perguntar por que Hegel considera que o sujeito não pode ser livre
isoladamente, mas somente enquanto é reconhecido, ou, ainda, por qual razão somos livres
quando estamos em tal estado de relação como o inscrito nos padrões do ser-consigo-mesmo-
no-outro. Num outro texto, Pippin (2000) sugere outras pistas para responder a essa questão.
Segundo o autor, parece que, de fato, não podemos encontrar prima facie uma resposta
convincente para o problema posto. A plausibilidade desta constatação refere-se à relação que
Hegel opera, nos padrões de sua filosofia do espírito, entre liberdade e razão. No quadro
conceitual hegeliano, a razão perpassa a história e as próprias relações intersubjetivas. A tese
especulativa aqui é a de que o indivíduo mostra-se como livre enquanto compreendido num
quadro relacional. Em conformidade com esse projeto, o sujeito isoladamente não se
estabelece como livre, sendo a própria concepção de indivíduo inserida numa estrutura
relacional. Em sua proposta de unificação, que compreende a unidade entre razão teórica e
razão prática, Hegel escreve: “A verdadeira liberdade, enquanto eticidade, é não ter a vontade
como seu fim, [um] conteúdo subjetivo, isto é, egoísta, e sim [um] conteúdo universal” (Enz.
p. 293, §469). E ainda: “A substância ética, como aquilo que contém a autoconsciência
18
“Esse estado de autoconsciência e de auto-reflexão mediada socialmente, definido em um modo sistemático
extremamente elaborado como uma relação „racional‟ consigo e com o outro, considerado como ser livre”
(PIPPIN, 1999, p. 2).
28
existente para si unida ao seu conceito, é o espírito real de uma família e de um povo” (RP,
§156)
Nesse sentido, a crítica de Hegel dirige-se ao atomismo que pressupõe sujeitos
isolados como base para a socialização humana. Nessa leitura, o processo de socialização não
seria orgânico, mas estranho, exterior. Hegel tem em vista um modelo no qual a preocupação
com a autonomia e liberdade individual são mantidas, ao mesmo tempo em que são
conjugadas ao ideal de eticidade cujas raízes Hegel encontra na concepção grega da polis. A
noção kantiana de liberdade auto-determinada recebe em Hegel o tratamento intersubjetivo a
partir do qual Hegel desenvolve o conceito de eticidade, propondo as condições com as quais
a liberdade não permaneça no formalismo vazio criticado por Hegel, mas se desdobre
concretamente. Com isso, a normatividade do direito será entendida como uma aquisição de
forma da liberdade. Influenciado por Kant, Hegel desenvolve a concepção de liberdade como
autodeterminação. No entanto, não se restringe à noção de dar a si mesmo as leis, mas
compreende a esfera ética segundo uma perspectiva relacional, deslocando a moral de um
âmbito subjetivo para um estágio que tem como norte a auto-realização do sujeito enquanto
ser-consigo-mesmo-no-outro. Lima mostra que
as vantagens da teoria hegeliana do reconhecimento frente a outras teorias
pós-hegelianas da socialização estaria em mostrar geneticamente a co-
originalidade e a mútua implicação da autoconsciência individual e da
intersubjetividade social (p. 228). A confirmação da liberdade da
autoconsciência é, ao mesmo tempo, um descentramento da consciência-de-si
inicialmente pontual e a constituão da universalidade intersubjetivamente
compartilhada (2006, p. 231).
Este modelo prevê a descrição das condições intersubjetivas da autonomia e da
liberdade. À diferea de Kant, para Hegel, a vontade livre não pode se estruturar nos moldes
da autonomia, mas se efetiva na estrutura intersubjetiva da eticidade. Com este projeto, Hegel
quer mostrar que a autonomia e a liberdade se constituem efetivamente mediante o
29
reconhecimento intersubjetivo.
19
Em consonância com o seu projeto de
Vereinigungsphilosophie, Hegel procura superar o modelo no qual as relações intersubjetivas
na estrutura ética apresenta-se com caráter limitativo. Em seu estudo Hegel’s ethics of
recognition (1997), Williams mostra que o conceito hegeliano de reconhecimento contém as
bases que permitem a Hegel fundamentar as concepções modernas de liberdade individual, ao
mesmo tempo em que apropria e reformula a concepção ética das teorias clássicas do direito
natural. Inspirado por um ideal de unificação, Hegel busca também superar a dicotomia entre
os indivíduos e as instituições, que passam a ser entendidas como garantidoras da liberdade
individual.
O estado ético é compreendido como o que conduz as forças individualistas e
desintegrantes da sociedade civil de volta para a vida universal como um fim
em si mesmo ou como substância ética. [...] Isto envolve uma transformação
do reconhecimento mútuo, que passa da reciprocidade formal e externa do
contrato, que deixam os indivíduos intocados, para uma união mutuamente
realçada, na qual o eu torna-se nós. (WILLIAMS, 1997, p. 04).
Desse modo, a comunidade ética representa, na teoria da eticidade hegeliana, o espaço
de afirmação da identidade individual, constituída a partir do processo de reconhecimento. O
reconhecimento não só pretende ser uma resposta ao possível impasse entre vontade livre e
intersubjetividade, mas indica outro aspecto: a auto-realização individual não pode ser obtida
independente dos demais indivíduos. Dito de outro modo, a vontade livre não indica uma
instância que necessita ser conjugada à relação intersubjetiva, mas somente a partir dessas
relações é que ela se constitui enquanto tal. O reconhecimento, assim, é compreendido não
19
Robert Sinnerbrink (2004) enfatiza esse aspecto com a expressão recognitive freedom”, sugerindo ainda que
o conceito de liberdade racional (rational freedom), fornece a chave para a relação entre o sentido ontológico e o
normativo do reconhecimento. Robert Williams sugere como este modelo se posiciona diante da distinção entre
liberalismo e comunitarismo: A mediação da liberdade através do reconhecimento implica que a liberdade, na
ótica hegeliana, o é adequadamente concebida nem como individualismo liberal nem como comunitarismo.
Enquanto ele sustenta a autonomia contra uma visão coletivista que não reconhece a liberdade subjetiva
individual, Hegel ataca o individualismo como abstração desprovida de espírito, sintoma de desintegração
social” (2001, p. 01)
30
como um momento posterior à constituição da liberdade, como se representasse uma categoria
que respondesse a necessidade de conjugar instância autônoma com liberdade dos demais
indivíduos. Antes, o reconhecimento é o que promove a constituição autônoma do indivíduo,
bem como a sua liberdade, respondendo ao propósito de constituição da subjetividade nos
padrões hegelianos do ser-consigo-mesmo-no-outro.
Baynes (2002) propõe que a originalidade de Hegel consiste não tanto em propor uma
nova concepção de liberdade, mas em desdobrar o conceito de autonomia em diversos
elementos, notadamente com a articulação de uma importante distinção entre auto-realização,
associada à liberdade pessoal, e autodeterminação, que, por sua vez, compreende mais
propriamente a autonomia moral. Esses elementos, continua Baynes, “requerem distintas
formas de reconhecimento representado nas práticas e instituições sociais” (p. 02). A proposta
aqui apresentada encontra respaldo na seguinte afirmação de Baynes:
ser-consigo-mesmo-no-outro não é somente a privilegiada caracterização
hegeliana da liberdade; ela é também, não acidentalmente, a estrutura e o
movimento do pensamento e do conceito (der Begriff) e do self [...]. (2002, p.
2, nota)
20
Encontra-se aqui a conciliação entre a dimensão subjetiva e a objetiva da liberdade,
cujo articulação na eticidade expressa o sentido que Hegel concede à expressão racional. No
§258 da Filosofia do Direito, Hegel chama atenção para este aspecto: “Considerada
abstratamente, a racionalidade consiste, em geral, na unidade entre a universalidade e
singularidade” (RP, §258), que encontra sua expressão concreta, seu conteúdo,na unidade da
liberdade objetiva, isto é, da vontade substancial universal, e da liberdade subjetiva” (RP,
§258). A liberdade subjetiva, ao mesmo tempo em que indica “a liberdade do saber individual
20
Comentando a semelhança entre as propostas de Hegel e Kant, Baynes mostra ainda que “a contribuição
significativa de Hegel ao projeto kantiano foi sustentar que o conceito kantiano de razão (e, portanto, liberdade)
não precisa recorrer a uma metafísica dualista, mas poderia ser vista como enraizada nas concretas formas
sociais e históricas de reconhecimento (2002, p. 13).
31
e da vontade que busca os seus fins particulares”, enquanto expressão da unidade entre razão
teórica e razão prática, indica ainda, com esta busca pelos fins particulares, um “agir que se
determina segundo leis e princípios pensados, isto é, universais (RP, §258). A eticidade
encontra sua formatação no aspecto institucional ao qual o direito se refere, e nele o indivíduo
encontra-se compreendido segundo o padrão relacional da liberdade. Hegel supera um
processo imediato de autodeterminação da consciência, compreendendo-o como mediado pelo
reconhecimento, superando, de acordo com o norte do seu projeto filofico, a dicotomia
entre subjetividade e objetividade.
A literatura sobre a Aufhebung da moralidade na eticidade ainda discute se a eticidade
seria um conjunto de condições para realização da moralidade ou se dela se passa para algo
diferente. Parece que o texto hegeliano deixa mais evidente uma conjugação das duas leituras,
levando em conta a complexificação das relações nela apresentadas, mas que, ao mesmo
tempo, permite a efetivão (Wirklichung) da moralidade. Baynes pergunta: Se
determinações concretas da vontade livre dependem de formas existentes de reconhecimento e
de práticas que o representam, como ela pode ser constituída como uma forma de
autodeterminação racional?” (2002, p. 07) Uma resposta para essa questão pode ser
encontrada no recurso metasico de Hegel à racionalidade supra-individual do espírito
(2002, p. 07). Baynes acrescenta: “O espírito possui ele próprio razões e a racionalidade das
instituições assenta no serviço delas como seu veículo” (2002, p. 07). Esta primeira resposta
pode ser encontrada na leitura de Charles Taylor, que indica a dependência de um espírito ao
qual se refere, em última análise, o sentido da liberdade humana e sua plena efetivação na
eticidade (1975, p. 373-375). Uma segunda resposta, acrescenta Baynes, “coloca a
racionalidade dentro das próprias estruturas de reconhecimento e da relação dinâmica entre o
32
„direito da subjetividade‟ e o „direito da objetividade‟
21
(2002, p. 08). Não um agir
racional “sem práticas e instituições sociais e as formas de reconhecimento que elas
representam(2002, p. 08). Ao mesmo tempo, também as instituições não são racionais se
o são objetivamente, isto é, intersubjetivamente legitimadas. “Isto indica como o direito da
subjetividade é preservado por Hegel dentro das instituições da eticidade(2002, p. 08).
22
Em
todo caso, o caráter objetivo da subjetividade, ao qual se refere Baynes, ganha uma atenção
maior no texto de Hegel, não podendo ser facilmente esclarecido o papel concedido ao
aspecto da aprovação subjetiva, ou seja, da legitimação intersubjetivamente compartilhada. Se
isto é o caso, deve-se a uma falsa, ou, ao menos, insuficiente, correlação entre “objetividade”
e “intersubjetividade”, motivada pelo ligação da objetividade a algo exterior à relação
intersubjetiva.
23
Com a eticidade, a intersubjetividade inscrita nas relações institucionais e das relações
contratuais adquire o caráter de formador da identidade subjetiva, o que antes se restringia às
relações de amor e amizade. Pode-se perguntar se efetivamente essas relações de amor e
amizade foram deixadas de lado no decorrer do projeto sistemático hegeliano, ou se tais
relações, que expressam o sentido pleno da intersubjetividade, foram ampliadas aos demais
âmbitos constituintes da eticidade. Com efeito, na Filosofia do Direito, quando Hegel refere-
se ao conceito concreto de liberdade, exprime que “já temos essa liberdade na forma do
21
Nesse sentido seguem as interpretações de Pippin ((1989, 1999, 2008), Brandom (1999, 2002) e Honneth
(2007)
22
A discussão sobre a relação entre a garantia da liberdade individual e a consolidação da eticidade, pano de
fundo do debate entre o comunitarismo e o liberalismo, encontra em Hegel o núcleo de uma teoria da eticidade
que tematiza os dois aspectos. Williams sustenta que em Hegel não há essa cisão, mas a imporncia de ambos os
aspectos, pois “ainda que Hegel acredite que a liberdade é intersubjetivamente mediada através do
reconhecimento e, portanto, requer e pressupõe a comunidade, isto o significa que a liberdade subjetiva
individual é anulada ou subordinada à comunidade. Pelo contrário, o conceito hegeliano de comunidade não é só
ontológico como também ético. Isto significa que a idéia hegeliana de comunidade é aquela que reconhece e
protege as liberdades e direitos individuais” (2001, p. 01). Westphal (1999) defende a posição de um liberalismo
em Hegel, mas observa que a autonomia individual só pode ser alcançada no contexto social.
23
O caráter de objetividade, como será mostrado no caso de Habermas e Honneth, é ressaltado enquanto
referente a práticas intersubjetivas. Nesse caso, releva-se a referência da objetividade à subjetividade absoluta,
ou, em outras palavras, o plano de validação do caráter racional do espírito objetivo não está mais apoiado no
princípio condutor do sistema.
33
sentimento, por ex., na amizade e no amor” (2005, p. 54, §7, adendo)
24
, conforme citado
anteriormente. A instituição é vista como o espaço onde se encontram o direito da
individualidade e o direito da universalidade, fornecendo o âmbito onde as vontades
individuais são compatíveis.
Os indivíduos [...] alcançam nessas esferas em parte o primeiro, o direito da
individualidade, e o outro, o direito da universalidade, em parte por ter sua
autoconsciência essencial nas instituições, enquanto o universal existente em
si de seus interesses particulares, e em parte porque elas, as instituições, lhe
proporcionam na corporação uma profissão e uma atividade dirigidas a uma
finalidade universal (HEGEL, RP, §264)
Tendo como elemento norteador a racionalidade, Hegel sustenta que o comportamento
da esfera social não é indiferente a uma configuração racional. Desse modo, as regras
racionais são tomadas como igualmente regras sociais. Uma desestruturação desse modelo é,
assim, corrigida mediante a referência a um modelo concebido racionalmente. Como
demonstra autores como Brandom (1999, 2002) e Pippin (1989, 1999, 2008), sobre uma
descrição do movimento lógico da autoconsciência alicerça-se, em Hegel, uma teoria da
normatividade.
25
Como observa Tugendhat (1979), Hegel se distinguiu das teorias
tradicionais da autoconsciência pelo fato de ter levado em consideração a autoconsciência
epistêmica e, ao mesmo tempo, a autoconsciência enquanto relacionamento prático consigo
mesma, entendendo tal relacionamento como se constituindo num âmbito social
intersubjetivo. Em torno da discussão sobre a teoria idealista da intersubjetividade (Testa,
2001, 2003), a questão que se levanta é se o conceito de liberdade, e a partir dele um modelo
de eticidade referente a uma esfera intersubjetiva, pode ser deficitário quando se busca
fundamentá-lo segundo os padrões encontrados no sentido de razão objetiva, ponderando a
24
A família é vista segundo seu aspecto institucional, sendo inserida na eticidade, divergindo do sentido grego
de atrelamento da família à moralidade, em distinção do Estado Esta mudança de enfoque diferencia-se da
oposição grega entre a lei moral da família e a lei ética do Estado, como representado no clássico conflito de
Antígona. Na Fenomenologia, Hegel discute este conflito no primeiro aspecto da Eticidade, intitulado O mundo
ético. A lei humana e a lei divina, o homem e a mulher.
25
Na direção de fundamentar uma ordem social racional na qual são articuladas condições sociais para a
liberdade individual, promove-se o que Neuhouser (2002) denomina “liberdade social”.
34
acusação de que Hegel teria negligenciado o status da intersubjetividade na filosofia do
direito (Theunissen, 1982). Baynes, assim como Brandom (1999) afirma que “não um
padrão independente de racionalidade além do que é encontrado nas próprias práticas e na
interpretação dessas práticas” (2002, p. 08). Na continuação, Baynes afirma que “é a razão
inerente às práticas sociais a razão na história, se você quiser que fornece um critério ou
recurso para a contínua crítica e transformação social” (2002, p. 08).
26
Nas leituras de Pynkard (1994) e Brandom (1999), a autofundamentação do
pensamento vincula-se ao processo de legitimação das normas enquanto socialmente e
institucionalmente mediadas, não sendo necessariamente apeladas para um dado. Essas
leituras parecem antes mostrar o que Hegel tem a dizer no debate contemporâneo, mostrando
a proficuidade de intuões de Hegel no âmbito do espírito objetivo. Revela-se a tentativa de
recuperar a legitimação dos costumes e instituições enquanto refletem objetivamente o teor
subjetivo do indivíduo. A recepção recente de Hegel resgata intuições importantes de Hegel
para o debate atual. Mas esta atualização é possível quando se abdica de manter a mesma
estrutura que restringiria a fecundidade dessas intuições. A recepção é marcada pela rejeição
do dado”, com nuances tanto epistemológicas quanto referentes ao problema, aqui discutido,
das leis e costumes. Voltaremos a discutir este aspecto mais adiante.
Também Hegel associa uma teoria dos deveres morais, no entanto, o caráter de
racionalidade ligada a essas teorias não está associada somente a uma teoria normativa ou
descritiva, enquanto essa distinção o mais encontra lugar no sistema hegeliano. A liberdade
também consiste, como em Kant, em agir conforme leis racionais. Mas a racionalidade
apresenta um caráter objetivo, não sendo necessário recorrer a uma regra de universalização,
como o imperativo categórico, que Hegel critica veementemente
27
. Nesse sentido, os deveres
26
A questão da razão na história, citada por Baynes en passant, aponta para o que Hegel entende por caráter
objetivo da razão. Devido à sua extensão, este ponto não será desenvolvido neste trabalho.
27
Dentre vários momentos em que Hegel desenvolve sua crítica ao formalismo kantiano, podem ser destacados o
escrito Sobre as maneiras científicas de tratar o Direito natural (2007b), em especial o capítulo II (O
35
morais estão inscritos na eticidade, e, ao cumpri-los, os indivíduos, ao invés de se sentirem
coagidos ou limitados, sentem-se efetivamente livres. Esta proposta de Hegel está ligada à
tese de superação entre a distinção entre ser e dever-ser, querendo encontrar as normas e
deveres morais no próprio movimento da eticidade.
No adendo ao §432 da Enciclopédia, encontramos uma importante precisão do caráter
normativo do reconhecimento concernente às esferas da sociedade civil e do Estado. Hegel
esclarece que, se levada ao extremo, a descrição da luta por reconhecimento, empregada no
contexto da Fenomenologia, “só pode ter lugar no estado de natureza em que os homens só
existem como singulares(Enz., §432, adendo, p. 203). Hegel continua: “ao contrário, está
longe da sociedade civil e do Estado, porque aqui mesmo o que constitui o resultado daquela
luta, a saber, o ser-reconhecido, já está presente” (Enz., §432, adendo, p. 203). Na estrutura da
eticidade, o sujeito já encontra como dadas as condições para o reconhecimento. O Estado
está marcadamente presente em trazer à existência “algo legítimo em si e para si: as leis, a
constituição (Enz., §432, adendo, p. 203). Desse modo, Hegel entende o papel do
reconhecimento no Estado da seguinte maneira:
O que domina no Estado são o espírito do povo, os costumes, a lei. Ali o
homem é reconhecido e tratado como ser racional, como livre, como pessoa; e
de seu lado, o Singular faz-se digno desse reconhecimento porque, com a
superação da naturalidade de sua consciência-de-si, ele obedece a um
universal, à vontade essente em si e para si, à lei; portanto, comporta-se para
com os outros de maneira universalmente válida, reconhece-os como ele
mesmo quer valer: como livre, como pessoa. (Enz., §432, adendo, p. 203)
A Filosofia do Direito de Hegel revela, por um lado, a continuidade dos ideais de
juventude, caracterizados, agora, por uma ampliação para as demais esferas que compõem o
âmbito da eticidade, podendo também nelas se constatar, por exemplo, aquela harmonia
intersubjetiva existente nas relações de amor e amizade. Talvez o projeto sistemático
formalismo científico e o direito natural); a seção sobre a moralidade na Fenomenologia do Espírito (O espírito
certo de si mesmo. A moralidade); e os §§133-135 da Filosofia do Direito.
36
hegeliano tenha se encaminhado para a ampliação do que se verificava inicialmente no
registro da teoria da intersubjetividade dos escritos de juventude, estendido agora ao
fortalecimento do quadro em que as relações da eticidade pudessem ser regidas por uma
dimensão intersubjetiva adaptada às condições desse âmbito, configurando-se num quadro de
relações no qual o indivíduo encontra-se em harmonia com o tecido social.
2.2 Reconstrução especulativa do conceito de reconhecimento na Lógica
Uma vez esboçada, na seção anterior, algumas linhas gerais do conceito hegeliano de
eticidade e seu vínculo com a concepção de reconhecimento, é necessário explicitar a
estrutura que perpassa este conceito. Em conformidade com o projeto sistemático da filosofia
hegeliana, a Lógica fornece o delineamento da exposição especulativa do conceito de
reconhecimento. Em seu desdobramento especulativo, o reconhecimento constitui a mediação
que conduz à gênese lógica da liberdade, que será consolidada a partir das relações de
reconhecimento. A exposão deste engendramento lógico tem lugar na passagem da lógica da
essência, constituinte da segunda parte da lógica objetiva, para a lógica do conceito, que
compreende a lógica subjetiva. Nesta passagem, as relações entre opostos tendem a se
consolidar, constituindo a afirmação da identidade mediante o aspecto relacional. É a este
movimento, integrante da assim chamada dialética das modalidades, que se referem às
discussões sobre o lugar da tematização da intersubjetividade na Lógica. No que se segue,
detenhamo-nos na reconstrução dessa passagem, na tentativa de fornecer o delineamento da
estrutura especulativa do reconhecimento.
Enquanto a lógica do ser refere-se ao momento de indiferença entre os termos da
relação, a lógica da essência constitui o momento ainda fraco da relação entre esses termos,
que, ao tomarem-se como totalizantes, tornam-se elementos dominadores do outro termo da
37
relação. A lógica do conceito, por fim, constitui o momento no qual os elementos, na sua
diferença, compõem uma relação recíproca simétrica. O capítulo que marca essa transição,
intitulado “a relação absoluta” (das absolute Verhältnis), subdivide-se em relação de
substancialidade, relação de causalidade e ação recíproca. As relações lógicas tendem a se
tornarem mais complexas, seguindo um processo de crescente consolidação. Este movimento
conduz à retirada de um estado inicial de indeterminação para a determinação possibilitada
pelas mediações. As relações lógicas de reconhecimento expressam a mediação com a qual as
partes da relação adquirem maior determinação, constituindo um movimento direcionado à
consolidação da identidade mediante a relação.
28
Enquanto os momentos iniciais indicam uma
cadeia fraca de relações, a ação recíproca compreende uma cadeia mais forte, expressando um
alto grau de relacionalidade. Numa relação diretamente proporcional, a identidade consolida-
se conforme a intensificação do teor de relacionalidade. À diferença dos momentos anteriores,
a consolidação da identidade é marcada, aqui, pela relação com a diferença, sendo constituída
o isoladamente, mas relacionalmente.
Enquanto necessidade absoluta, a diferença revelava-se como pura aparência,
consolidando a diferenciação de sua identidade à medida que se fortalecem as relações de
reconhecimento. Os estágios desse desenvolvimento caracterizam-se pelo vel de
complexidade da estrutura constitda relacionalmente, na qual cada categoria relaciona-se
com outra categoria. A relão, que na lógica da essência se articula de maneira assimétrica,
passa, na lógica do conceito, a ser simétrica. A transição da causalidade para a ação recíproca
expressa a primazia da relação simétrica sobre relações assimétricas. No movimento
verificado no âmbito da dialética das modalidades, a relação assimétrica entre os termos
transforma-se em relação simétrica, caracterizada, num primeiro momento, ainda por um
28
Pippin defende que para Hegel, “em sua Ciência da gica, [...] a liberdade é compreendida por Hegel
envolvendo um certo tipo de auto-relação a um certo tipo de relação com os outros; é constituído por estar em
um certo auto-respeito e um certo tipo de estado de „reconhecimento mútuo‟” (1999, p. 01).
38
caráter uniforme. Por fim, os termos compreendem, na ação-recíproca, uma relação simétrica
diferenciada, onde ocorre o surgimento da subjetividade enquanto relação recíproca. O ser-
posto, enquanto idêntico consigo mesmo, constitui uma totalidade. Uma segunda totalidade é
representada pelo singular, enquanto também é determinação idêntica consigo mesmo, porém
de modo negativo. A terceira totalidade é representada pela “identidade simples” entre esses
dois momentos, singularidade e universalidade: a particularidade, “que contém em uma
unidade imediata o momento da determinação do singular e o momento da reflexão-sobre-si
do universal” (WdL, p. 233-234). Assim, Hegel conclui a lógica objetiva, descrevendo o
surgir da subjetividade no movimento da ação recíproca:
Essas três totalidades o, portanto, uma e a mesma reflexão, que, enquanto
relação negativa a si, se diferencia naquelas duas [universalidade e
singularidade], mas como numa diferença perfeitamente transparente, a saber,
na simplicidade determinada simples que é a identidade única e a mesma
delas. Isso é o conceito, o reino da subjetividade ou da liberdade. (1984, p.
244)
Aquilo que no âmbito da essência se apresentava como necessidade absoluta,
característico da passagem para “a relação absoluta”, passa a desdobrar-se, mediante os
movimentos de substancialidade, causalidade e ação recíproca, até chegar ao conceito de
liberdade. Desse modo, a liberdade emerge a partir do momento de diferenciação
possibilitado pela ação recíproca, que marca a passagem da doutrina da essência para a
doutrina do conceito. Mctaggart, no conhecido comentário sobre a Lógica, exprime bem o
significado da ação recíproca,:
A demonstração de Hegel indica que duas coisas em relação causal imediata
uma à outra podem, por elas mesmas, formam uma unidade de ação recíproca.
Ao mesmo tempo, seu tratamento desta categoria, e sua transição pelo
significado da idéia de necessidade completa, claramente indica que a
totalidade da existência deve ser tomada enquanto formando uma unidade
singular de atividade recíproca (1964, p. 183)
39
A relação simétrica que surge na lógica do conceito compreende o lugar de
consolidação das relações de reconhecimento constituintes da estrutura relacional da
liberdade. Uma detalhada reconstrução dessa passagem, na tentativa de fundamentar a
hipótese de manutenção da intersubjetividade na Lógica, é sustentada por Marcos Müller
(1993), apresentado no seu artigo A Gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, que
segue uma linha argumentativa semelhante às propostas por Theunissen (1978) e H. Fink-
Eitel (1978). Müller (1993) exprime sua proposta como se segue:
Se a Lógica do Ser é uma lógica da indiferença entre os termos relacionados,
que no seu ser previamente dado se pretendem em si e independentes da
relação, e, por isso, no movimento dialético, passam imediatamente no seu
outro, e se a Lógica da Essência é uma lógica da dominação de um dos pólos
da relação sobre o outro, porque um deles inclui a sua relação ao outro em si, a
Lógica do Conceito apresenta um modo de relacionamento entre totalidades,
que na sua diferença se compenetram e na sua determinação própria se em
como a reflexão sobre si do conceito em sua totalidade. Como tal ela pode
figurar relações lógicas de reconhecimento (p. 90, grifo nosso)
Segundo a proposta de ller, pode-se detectar a intenção de reconstruir a gênese do
conceito de liberdade como o processo das estruturas lógicas da relação de reconhecimento,
que o conceito vai explicitar” (1991, p. 98). Esta análise é particularmente interessante para
nossa discussão. O reconhecimento conduz a uma estrutura mais solidamente mediada. A
mediação possibilita a saída de um estado de indeterminação para a consolidação da
determinação, não como determinação externa, mas enquanto motivo para uma
autodeterminação. Desse modo, seria plausível compreender a lógica do conceito como
a superação das teorias transcendentais da constituição do objeto a partir de
condições de uma subjetividade transcendental, para pensar a liberdade nas
suas estruturas lógicas de reconhecimento como uma relação de sujeito a
sujeito (enquanto singulares), a partir das quais o pensamento é obrigado a ir
além de si mesmo e da relação unilateral de constituição, para aceitar essa
relação prévia que o sustenta enquanto pensamento das estruturas lógicas do
reconhecimento. (MÜLLER, 1993, pp. 88-89).
A passagem para a lógica do conceito é marcada pela superação da unilateralidade de
40
uma parte e o reconhecimento da outra, construindo uma teia na qual o individual é
estabelecido enquanto relação. Esta tese deixa-se corroborar na seguinte ponderação de
Müller (1993):
A estrutura especulativa do conceito enquanto tríplice relação triádica entre
momentos totais, que são modo de relacionamento entre os respectivos outros,
pode ser interpretada, nessa perspectiva de sua gênese imediata, como a lógica
profunda das relações de reconhecimento e de amor que o condições de
liberdade. (p. 88)
Ocorre aqui a “autodeterminação a partir de si e face ao outro das substâncias, agora
sujeitos, tornada possível pela universalidade intrínseca do seu reconhecer e ser reconhecido,
que os entrega à sua livre autoconstituição” (MÜLLER, 1993, p. 140). Desdobra-se, assim, o
caráter lógico do ser-consigo-mesmo-no-outro. Uma efetividade subsistente por si está ligada
a uma outra efetividade, apontado para a noção na qual o indivíduo encontrará seu sentido
no outro:
29
é o “reunir-se consigo mesmo no outro” (HEGEL, Enz., §159). Müller
complementa: “Esse é o sentido lógico mais amplo da liberdade como “o juntar-se consigo
mesmo no outro”.
30
Hegel estrutura esta relação nos seguintes termos: “Enquanto existente
para si, essa libertação se chama Eu; enquanto desenvolvida na sua totalidade, espírito livre;
enquanto sentimento, amor; enquanto gozo, felicidade (Enz., §159). Esta noção também é
explicitada numa passagem da Ciência da Lógica:
O universal é o livre poder; é ele mesmo e invade seu outro; porém não como
algo violento, senão que antes se encontra tranqüilo naquele e em si mesmo.
Como se denominou livre poder, o universal poderia também ser denominado
de livre amor e a irrestrita beatitude, pois ele é um relacionar de si ao
diferenciado somente como a si mesmo; no diferenciado ele retornou a si
mesmo.
31
(HEGEL, 1986, p. 281)
29
Sobre a relação entre possibilidade e efetividade, cf. Müller (1993), p. 93 ss.
30
Na edição em português, Paulo Meneses traduz por “reunir-se de si consigo mesmo no Outro” (HEGEL, Enz.,
§159, p. 289). Em alemão, lê-se: “es ist das Zusammengehen Seiner im Anderen mit Sich selbst”.
31
Em alemão, a expressão utilizada é “die freie und schrankenlose Seligkeit”, mas propriamente traduzido por
“livre e ilimitada beatitude“ [ou felicidade]: “Das Allgemeine ist daher die freie Macht; es ist es selbst und greift
über sein Anderes über; aber nicht als ein Gewaltsames, sondern das vielmehr in demselben ruhig und bei sich
selbst ist. Wie es die freie Macht genannt worden, so könnte es auch die freie und schrankenlose Seligkeit
41
A singularidade constitui-se como momento no qual o eu exprime a sua subjetividade
enquanto mediação, estágio decorrente do movimento da transição da objetividade para a
subjetividade
32
. É ao mesmo tempo uma determinação e um “permanecer junto a si”, em sua
identidade consigo e em sua universalidade”. A concepção do ser-consigo-mesmo-no-outro
indica, assim, dois sentidos: que o indivíduo se constitui enquanto relacionado com outros
e, ao mesmo tempo, a identidade individual é pressuposta para a relação intersubjetiva.
Este conceito, quer dizer, a totalidade que resulta da ação recíproca, é a
unidade de ambas as substâncias da ação recíproca, porém de maneira que
elas, desde então, pertencem à liberdade, posto que não têm sua identidade
como algo cego, quer dizer, interior, mas que têm essencialmente a
determinação de estar como aparência ou como momentos da refleo; assim
que cada uma se reuniu, igualmente de imediato, com seu outro ou com seu
ser-posto, e cada uma contem em si mesma seu ser-posto, e por isso se tinha
posto em seu outro só como idêntica consigo. (1968, p. 255).
No conceito, ocorre a circularidade e simetria radical. Uma teia relacional, que tende a
se expandir, não se auto-referir e se perder na infinitude, passou a ser uma rede reflexiva
circular. Encontra-se, aqui, expressa a liberdade em sua expressão melhor delineada,
resultante dos dois momentos anteriores (ser e essência) que constituem momentos internos
da estrutura especulativa da liberdade (universalidade e particularidade). A liberdade adquire
sentido enquanto relações de efetividades subsistentes por si. Na Enciclopédia, Hegel mostra
que “a substância do espírito é a liberdade, isto é, o não-ser-dependente de um Outro, e
referir-se a si mesmo” (Enz., (§382, adendo), mas acrescenta que “a liberdade do espírito,
porém, não é simplesmente a independência do Outro, conquistada fora do Outro, mas no
Outro. (§382, adendo). Somente no conceito, onde as mediações são conservadas e elevadas,
chega-se à liberdade. Na terminologia hegeliana, "o puro conceito”, primeiramente em sua
genannt werden, denn es ist ein Verhalten seiner zu dem Unterschiedenen nur als zu sich selbst; in demselben ist
es zu sich selbst zurückgekehrt”.
32
Uma retificação do próprio Hegel exprime esse caráter: na Filosofia do direito, onde se lia singularidade, ele
acrescenta à mão: “melhor, subjetividade”.
42
universalidade, é o absolutamente infinito, incondicional e livre." (HEGEL, WdL, p. 278).
A partir da passagem entre a lógica da essência e a lógica do conceito, a estrutura
lógica do reconhecimento também é tematizada na introdução da lógica do conceito, enquanto
“no conceito se abriu o reino da liberdade
33
(HEGEL, WdL, p. 255), com a diferença de que,
aqui, reconstitui-se o movimento concernente à passagem da relação de substancialidade para
a ação recíproca tendo em vista o seu resultado já exposto. No conjunto da Lógica, a estrutura
relacional indica tanto uma relação entre as partes, como também uma auto-relação,
constituindo igualmente uma “meta-relação” (MÜLLER, 1993, p. 140). Na conclusão de seu
estudo, Müller mostra que estas relações
explicitam-se como estruturas gicas do reconhecimento, enquanto contêm,
por sua vez, o fundamento da liberdade e da intersubjetividade do
reconhecimento entre os seus relatos, que passam a se constituir segundo a
estrutura do conceito. (1993, p. 140)
Conforme a análise especulativa voltada para o sistema como um todo, as condições
relacionais da constituição individual traduzem aquilo que no âmbito lógico-ontológico
constitui a relação entre as partes e o todo. Na dialética de Hegel, o singular é a referência
lógica daquilo que será expresso, no âmbito do espírito objetivo, como a constituição da
individualidade, entendida como mediada pelas relações mútuas de reconhecimento,
expressão do ser-consigo-mesmo-no-outro. Seguindo este modelo relacional de liberdade, o
singular indica a indissociabilidade entre indivíduo e o tecido social no qual ele está inserido.
Fica patente o referencial lógico da ontologia relacional que estabelece o modelo relacional de
liberdade, cuja mediação encontra-se no reconhecimento. O reconhecimento, portanto, é a
categoria que traduz a perspectiva da ontologia relacional na esfera das relações
intersubjetivas. Na própria Lógica, Hegel, ao discorrer sobre a contradição, ilustra com
clareza a perspectiva relacional proposta: “o pai é o outro do filho e o filho é outro do pai, e
33
“Im Begriffe hat sich daher das Reich der Freiheit eröffnet”
43
cada um é enquanto o outro do outro; e ao mesmo tempo, a determinação de um é em
relação ao outro” (1968, p. 74).
Não se trata simplesmente como na lógica, e especificamente na Relação do
ser da negação da independência mediante a relação do outro, e, portanto, de
uma dependência do mesmo, mas de uma superação da singularidade
suscitada pela atividade mesma do indivíduo. (SIEP, 2007, p. 165)
O referencial desta abordagem localiza-se no caráter de relação que fundamenta o
sistema hegeliano. Conforme a estrutura relacional do sistema, Hegel dispõe de um modelo
de subjetividade escrita nos termos de uma teoria do reconhecimento, fornecendo uma
estrutura intersubjetiva assentada na base de uma ontologia relacional.
3. A LIMITAÇÃO DO RECONHECIMENTO: APRECIAÇÃO CRÍTICA SOBRE
A ABORDAGEM HEGELIANA
Para uma crítica interna ao sistema, a argumentação que seguimos até aqui conduz à
questão em torno do referencial teórico hegeliano a partir do qual se desenvolve o conceito de
reconhecimento, com vistas à explicitação da abordagem com a qual se torna plausível o
44
tratamento contemporâneo da teoria do reconhecimento proposta por Hegel. Nesta seção,
iremos expor os problemas da abordagem hegeliana do reconhecimento, desdobrado em três
partes a partir da exposição das críticas encontradas na literatura. Inicialmente, iremos expor
quais os problemas do estatuto lógico do reconhecimento (3.1), sobre o qual apresentaremos a
leitura de Siep sobre os problemas do modelo do reconhecimento no tratamento hegeliano
anterior à Fenomenologia, e, em seguida, a crítica à intersubjetividade na Lógica segundo a
leitura de Vittorio Hösle. Dedicaremos a segunda parte à leitura habermasiana de Hegel (3.2),
com o objetivo de fornecer as bases para uma melhor compreensão da reatualização de Hegel
por Axel Honneth, que será apresentada no próximo capítulo. Finalmente, a última seção,
apoiada na leitura de Tugendhat, refere-se aos problemas que esse referencial teórico
apresenta para uma teoria da eticidade, objeto central de nossa apreciação (3.3).
3.1 O problema do estatuto lógico do reconhecimento
No capítulo anterior foram apresentados alguns aspectos da leitura de Siep (2007)
sobre a estrutura especulativa do reconhecimento no contexto dos escritos de Jena.
Procuraremos explicitar agora alguns problemas que esta leitura levanta em torno do
referencial trico hegeliano. Apesar de não entrar em detalhes sobre o estatuto lógico que
subjaz ao Sistema de Eticidade, Siep discute amplamente a possibilidade de se encontrar uma
estrutura especulativa para o conceito de reconhecimento no escrito Lógica e Metafísica,
escrito por Hegel entre 1804 e 1805. Em Jena, Hegel ainda distinguia entre lógica e
metafísica, cuja divisão apresenta uma parte dedica à metafísica da subjetividade e outra à
metafísica da objetividade. A distinção entre lógica e metafísica será posteriormente unificada
45
numa lógica especulativa, na qual as determinações opostas do pensamento são concebidas
como momentos de uma totalidade.
34
A crítica de Siep (2007) está embasada na distinção entre a estrutura de
reconhecimento de primeiro vel e a de segundo nível. Perpassando ambos os veis, o
silogismo é interpretado como uma forma que perpassa a estrutura geral do reconhecimento
no seu significado especulativo. Com efeito, Hegel refere-se aos termos do silogismo quando
explica as formas de autoconsciência e do espírito, bem como as suas relações: “esta
equiparação é possível porque cada um dos extremos se relaciona consigo mesmo através
da relação com o outro, e somente assim ganha a própria identidade” (SIEP, 2007, p. 170).
Cada vel do reconhecimento consiste no fato de que o sujeito que reconhece
intui em si mesmo e no outro a sua distância e a sua unidade com o outro e
essa relação de dois sujeitos que se intuem enquanto tal constitui, no estágio
sucessivo, o seu “ser”, quer dizer, a sua identidade, a sua auto-relação. (SIEP,
2007, p. 170-171)
O particular, na metafísica da objetividade, referia-se a uma identidade com o outro,
mas não sabe sua singularidade como unida ao gênero na qual ela é um particular. Com o
conceito de vida, Hegel articula a tematização do gênero próprio do processo de
singularização. Mas no âmbito da objetividade, não há uma unidade plena entre o singular e o
gênero, que se mostra como somente “em si”. Somente na metafísica da subjetividade, a
unidade de singularidade e nero enquanto resultado da auto-reflexão da consciência será
tomada em consideração” (p. 167). Conforme esta estrutura especulativa, o primeiro nível do
reconhecimento remete ao tipo de relação, explicitada fundamentalmente na Fenomenologia,
em que se apresenta uma duplicação da autoconsciência. Mas é nesse sentido que ocorre a
34
Siep (2007) mostra que é difícil precisar o momento em que filosofia e metafísica são unificadas numa lógica
metafísica (pp. 162 ss.). na Realphilosophie Hegel fala de “filosofia especulativa” como primeira parte do
sistema, sem empregar uma distinção forte entre lógica e metafísica. Cf. ainda K. Düsing (1976). As lições de
lógica apresentam uma distinção entre as de 1801-02 e as de 1804-05. Enquanto a primeira refere-se a uma
introdução à metafísica, esta última trata fundamentalmente de uma lógica especulativa, que contém em si a
metafísica. cf. SING, 1976 apud HÖSLE, 2007, p. 251 ss. Como mostra Hösle (2007), nessa lógica, a
metafísica culmina com uma metafísica da subjetividade, não adequando propriamente a intenção de Hegel de
apresentar uma síntese de subjetividade e objetividade, expressão da unidade entre pensar e ser.
46
relação entre autoconsciências: “Só desse modo Hegel pode levar ao conceito a sua teoria do
reconhecimento nos termos de uma relação entre indivíduos autoconscientes” (SIEP, 2007, p.
168).
Duas autoconsciências se relacionam uma à outra não como coisas em uma
relação causal, nem como forças em ação recíproca; a relação recíproca entre
autoconsciências é algo que vai além: para cada indivíduo, o outro é um
momento da sua mesma auto-relação. (SIEP, 2007, p. 168)
Este primeiro momento, enquanto procura esclarecer o propósito de Hegel, deixa
revelar a defasagem intersubjetiva da relação de reconhecimento, enquanto para cada
indivíduo, o outro é um momento da sua mesma auto-relação”. Enquanto um elemento da
relação muda juntamente com a mudança do outro, Siep mostra que este caráter relacional não
é simplesmente uma ação recíproca posta simetricamente, mas tem um duplo sentido, pois
uma dependência forte do outro, “não da relação de um ao outro, mas também da auto-
relação, da autocompreensão do outro” (2007, p. 168-169), ou seja,
o reconhecimento como atividade em duplo sentido de duas auto-consciências
é uma relação na qual os seus elementos se relacionam consigo mesmo através
da relação com o outro, e se relacionam ao outro através da relação consigo. E
esta relação consigo mesmo, bem como com o outro, é possível mediante o
correspondente modo de relacionar-se do outro. (SIEP, 2007, p. 169).
No entanto, novamente ocorre um reducionismo da intersubjetividade quando se
constata que “cada um dos momentos em relação contenha em si a inteira relação, que ele se
refira a ele mesmo como ao próprio outro (SIEP, 2007, p. 169). O movimento do
reconhecimento é posto, num primeiro momento, como intuir-se no outro, mas ocorre, em
seguida, a superação da diferença do outro.
Mas se a individualidade tem a sua diferença em si mesma, se a sua
autoreferência é, por conseqüência, relação a um ser-outro, então o seu
relacionamento ao outro é, inversamente, uma relação a algo de idêntico, isto
é, a si mesmo. (SIEP, 2007, p. 166)
47
O segundo nível da estrutura do reconhecimento, por sua vez, compreende a relação
entre indivíduos e universalidade. Hegel encontrará este sentido de universalidade no conceito
de vida, em que deveocorrer a unidade entre os singulares: uma “relação do singular com a
universalidade da vida, isto é, ao gênero mesmo, como relação entre autoconsciências” (SIEP,
2007, p. 171). Aqui, reside uma nova dificuldade, enquanto nesta concepção de “relação entre
autoconsciências”, uma delas é entendida como universal. A relação posta é entre singulares e
universal, momentos que, na distinção própria da filosofia de Hegel, pertencem ao
desdobramento do espírito. Levando em consideração os importantes argumentos
apresentados por Siep, podemos propor a seguinte hitese: na relação de primeiro nível,
Hegel mostra mais propriamente uma estrutura relacional intersubjetiva, mas, já neste nível, o
problema consiste no predomínio da identidade, resultando a diminuição do status da
diferença. O problema se alarga na tematização da estrutura de segundo nível, em que se
estabelece a relação entre sujeitos e universal, quando o tipo de relação que Hegel tem em
vista novamente enfatiza a identidade concernente à noção de subjetividade absoluta. A
simetria entre os planos não é adequadamente desenvolvida, sendo verificada a elaboração
insatisfatória do caráter do reconhecimento como estruturador da autodeterminação
35
e seu
vínculo forte com a intersubjetividade. Se na estrutura de primeirovel evidencia-se a
redução da diferença por uma estrutura identitária, que, em última análise, remete à
autoconsciência, esta estrutura subordina-se, no segundo vel, a uma estrutura universal,
impedindo que Hegel desdobre suficientemente o potencial de sua teoria do reconhecimento,
o estruturando, de maneira satisfatória, o nculo entre os dois planos do reconhecimento.
Voltando à leitura de Siep, encontramos outra referência a este problema, agora no sentido de
fornecer uma via de resolução:
35
A propósito dos problemas em torno da relação entre reconhecimento e autodeterminação, cf. Burke (2005).
48
Se Hegel tivesse representado mais uma vez o processo do gênero como
relação entre os sujeitos, ao invés de apresentar a subjetividade como forma
superior do processo do gênero, então teria sido possível dizer aqui se estava
tomando em consideração as estruturas dos veis superiores de
reconhecimento. (p. 171)
Siep mostra que, na metasica e na filosofia do espírito, Hegel apresenta uma
singularidade que se elevou ao absoluto e que, “nessa elevação, supera a sua oposição à
universalidade” (p. 172). “Mas isto, na metasica, não se verifica nos termos de uma sucessão
de níveis de formação do Si singular, mas enquanto um „desenvolvimento de significadodo
conceito de singularidade nas concepções metasicas do absoluto(p. 172). Na metafísica da
subjetividade, a singularidade, inicialmente, enquanto reflexão auto-determinante, sabe-se
como universal. Em seguida, “a singularidade absoluta enquanto auto-igualdade simples é
conduzida à unidade com o próprio oposto, com a determinação que se nega na
universalidade”, sendo constatado o predomínio do universal identitário.
O fortalecimento do caráter especulativo da relação estabelece-se com a Lógica do
Hegel maduro. Enquanto a Lógica e Metafísica de 1804-05 apresenta as formas do juízos e
silogismos fundamentalmente num sentido crítico
36
, uma lógica especulativa do conceito é
delineada mais propriamente somente na grande Lógica escrita posteriormente. Siep observa
que “o verdadeiro médio, o médio que contém em si a singularidade, a particularidade e a
universalidade não se encontra nesta doutrina do silogismo” (p. 172-173). Em referência à
interpretação de K. Düsing (1976), Siep acrescenta que esta unidade é empreendida somente
na metafísica da subjetividade. A unidade entre singularidade e universalidade é expressa com
a concepção de espírito absoluto. Aqui, singularidade absoluta indica ser igual a si mesmo;
universalidade: absoluta indiferença. “Enquanto o negativo (outro) que se relaciona a si
negativamente é idêntico a si mesmo”, a singularidade e universalidade são um” (SIEP,
2007, p. 173). Posicionando-se diante de Fichte e Schelling, Hegel concebe a auto-referência
36
Cf. SIEP, 2007, p. 172 ss.
49
como o contrário de si mesmo, como um objetivar-se, um determina-se” (SIEP, 2007, p. 173-
174). “E no conceber também cada determinação como absolutamente diferente, como, do
mesmo modo, o contrário de si mesma, que torna si mesma no ir além de si no seu contrário
(SIEP, 2007, p. 174). Ser-consigo-mesmo indica dar a si mesmo suas próprias determinações,
ao mesmo tempo em que o indivíduo se coloca além delas. Siep conclui que “a singularidade
do espírito não pode mais ser identificada com o si singular”, nem a universalidade”
somente com o espírito do povo” (2007, p. 174).
O si singular, apropriando-se dos costumes e das leis universais também ao
custo da própria vida -, se reencontra mais do que se perde. E vice-versa: a
universalidade do querer e do pensar de um povo, fundada na autoconsciência
do singular, não perde a si mesma quando encontra o ser-concentrada-em-si-
mesmo do singular, a sua “consciensiosidade”, amesmo quando faz passar
(vergibt) o agir divergente, na medida em que isto, porém, não eleva a
pretensão de valer como “lei”. (SIEP, 2007, p. 174)
O problema da doutrina hegeliana do reconhecimento permanece, porém, no seguinte
aspecto: a singularidade do espírito do povo é aquela do próprio ser-concentrado-em-si-
mesmo”. Não indica a singularidade “vivente” (SIEP, 2007, p. 175), mas “o „vértice‟ certo de
si do Estado, o governo e o monarca, e o saber-se do espírito do povo no espírito absoluto
(SIEP, 2007, p. 175). Em sua análise dessa questão, o autor destaca dois pontos críticos do
referencial trico hegeliano. O primeiro refere-se ao substancialismo ético, de influência
platônico-espinosista, o que provoca o primado do reconhecimento das instituições
„substanciais‟” (2007, p. 48). Apesar dos indivíduos encontrarem nelas pré-condições
necessárias para a auto-realização, “tanto os direitos individuais como o reconhecimento da
sua individualidade insubstituível são subordinados à subsistência e ao direito das instituições,
sobretudo do Estado” (2007, p. 48). O segundo aspecto crítico refere-se ao conceito forte de
teleologia. Para Siep, esta abordagem conduz ao problema da Abgeschlossenheit (isolamento,
reclusão), “tanto em relação a uma teoria do agir como em relação a uma filosofia social”
50
(2007, p. 48). Com isso, “o agir torna-se uma mera realização de objetivos que já são
prescritos pela razão objetiva da história e das instituições” (2007, p. 48).
Esse ser-concentrado-em-si-mesmo, esta autonomia do Estado perante os
indivíduos e aos grupos é próprio “aquilo em direção a que” se dirige o
transcender-se do indivíduo. Mas se assim, através dos indivíduos o espírito
do povo retorna a si mesmo, esses porém não o liberados como um ser-
outro-independente em sentido próprio. O dar-liberdade à independência dos
momentos de um inteiro não pode nunca ser entendido no mesmo sentido de
dar-liberdade à independência do inteiro livre ao menos no seu vértice de
todas as particularidades dos seus momentos (SIEP, 2007, p. 175)
37
Da exposição de Siep (2007), podemos extrair a seguinte iia básica: a insuficiência
do reconhecimento deve-se ao seu papel de momento dependente do conceito de
subjetividade absoluta. Esta dependência refere-se à estrutura vinculada a um télos que se põe
além dos condicionamentos internos ao movimento. Ao subordinar esta estrutura à
subjetividade absoluta, ela passa a referir-se não a ela própria, mas a um télos incondicionado.
Siep quer entender que o reconhecimento teria sua estrutura mais bem constituída enquanto
refere-se àquilo que ele entende por estrutura de primeiro nível. “Este nível certamente não
teria sido um simples grau preliminar sobre o caminho da realização do télos do
reconhecimento, mas o fim mesmo da relação de reconhecimento entre indivíduo e espírito do
povo” (2007, p. 175). Siep demonstra que Hegel, em parte, tentou efetuar esse avanço no
plano da Realphilosophie dos anos posteriores de sua estada em Jena, propondo o
consentimento da liberdade a esferas singulares, como a família e a sociedade jurídica. No
entanto, a manutenção da idéia da subjetividade absoluta impediu o desenvolvimento dessa
proposta: “o que torna racional a vontade particular dessas esferas é, na verdade, não a
vontade de um reconhecimento recíproco, mas o reconhecimento inconsciente da
37
Posicionando-se diante da discussão contemporânea, Siep esclarece que a sua proposta tem como objetivo
mostrar que “para a solução dos problemas da filosofia prática contemporânea, o princípio do reconhecimento
não podia ser assumido como um princípio a priori como, ao invés, acontecia na pragmática transcendental e
na teoria ética do discurso. A idéia de um princípio, num sentido hegeliano, deveria ser interpretada como uma
estrutura que se realiza e se desenvolve nas formas concretas do prático e das instituições.” (2007, p. 47). Sobre a
sua proposta, cf. ainda Siep (2004a). Voltaremos a discutir essa questão mais adiante.
51
universalidade que age nele.” (SIEP, 2007, p. 175). A crítica de Siep leva-nos a considerar a
revisão da concepção de subjetividade absoluta e da estrutura teleologicamente
incondicionada imanente à estrutura do reconhecimento.
É de autoria de sle uma das principais críticas ao status da intersubjetividade na
Lógica.
38
sle (2007) fundamenta sua tese através de uma argumentação particularmente
bem articulada, cuja estratégia é aquela utilizada aqui: uma crítica interna ao sistema
hegeliano, que o autor denomina crítica imanente (p. 17). À semelhança da abordagem da
estrutura especulativa do reconhecimento apresentada no capítulo anterior, Hösle não defende
a ausência da constituição da intersubjetividade na passagem da doutrina da essência para a
doutrina do conceito. No entanto, ele aponta uma espécie de retrocesso quando Hegel o
desenvolve essa passagem como porta de entrada para a tematização da intersubjetividade
como uma parte efetivamente constituinte da Lógica, tendo restringido-a à divisão bipartida
composta pela lógica objetiva e pela lógica subjetiva. Nesse caso, sle e em questão o
suporte lógico que Hegel deveria pretender dar, em conformidade com seu sistema, às
abordagens sobre a intersubjetividade nos seus escritos. Desse modo, A proposta de Hösle
vincula-se à crítica à insuficiência do caráter intersubjetivo na estrutura lógica de Hegel,
38
A interpretação de Hösle alia-se a comentadores como G. Günther, que defende uma semelhante necessidade
de complementação da Lógica (1959 apud HÖSLE, 2007, pp. 305 ss.). Ao propor que Hegel ainda espreso a
uma estrutura binária de reflexão, nther sugere uma lógica triádica não aristotélica, com o objetivo de melhor
tematizar a relação intersubjetiva. Numa rica reconstrução desse debate, sle refere-se ainda a dois pensadores
que já no séc. XIX apontaram a insuficiência do idealismo alemão no tratamento da intersubjetividade. Trata-se
do sueco E. G. Geijer (1783-1847) e o hegeliano norte-americano J. Royce. Sobre o primeiro, sle explica que
“foi o primeiro a apontar, com grande rigor intelectual, como principal fraqueza do idealismo alemão que suas
categorias fundamentais são Eu e Não-Eu, sujeito e objeto, enquanto os conceitos fundamentais de uma
verdadeira filosofia teriam de ser Eu e Tu” (301, nota). Neste autor, continua Hösle, “encontra-se a tese de que a
mais alta unidade, assim com a mais alta oposição, não se daria entre natureza e inteligência, ou entre
subjetividade e objetividade, mas entre subjetividade e subjetividade, inteligência e inteligência; tratar-se-ia,
aqui, não de uma unidade, mas de uma concórdia, uma identidade o real quando ideal na dualidade” (p. 301,
nota). “Não há personalidade senão em e através de outra. Sem tu, não há eu. Por isso, a antítese suprema não
é entre eu e não-eu, mas entre eu e um outro eu entre eu e tu”. (GEIJER, 1856, p 210 apud HÖSLE, 2007, p.
301, nota). Em todo caso, não é explicitado como seria possível a subjetivação do primeiro Eu. Quanto ao
segundo pensador, J. Royce, o destaque volta-se para a proposta de incluir elementos peircianos na abordagem
idealista. Numa abordagem que se manteve marcadamente especulativa, Royce propõe substituir a categoria da
subjetividade pela de comunidade. Vale observar que a abordagem de J. Royce foi transmitida ao seu discípulo
G. H. Mead, que por sua vez, incluenciou decisivamente Habermas e Honneth.
52
apresentada aqui no capítulo anterior. Hösle entende que o único meio de superar a proposta
do idealismo alemão é acrescentar à reflexividade uma estrutura intersubjetiva.
39
sle
encontra nas páginas da Fenomenologia este entrelaçamento entre a formação da consciência
e o papel desempenhado pelo reconhecimento. Aqui se encontraria um anúncio da relação
entre reflexão e intersubjetividade, mas que não teria sido consolidada na Lógica. Na citação
abaixo, Hösle, ao discutir a Lógica enciclopédica, resume sua interpretação sobre o
descompasso do tratamento hegeliano da intersubjetividade entre a Fenomenologia e a
Enciclopédia:
O problema central da filosofia pós-hegeliana a intersubjetividade nunca
encontrou em qualquer outra parte da obra de Hegel tanta consideração quanto
na Fenomenologia, que podemos, portanto, considerar, neste sentido, de fato o
escrito mais importante de Hegel. [...] De um modo fortemente simplificado,
podemos dizer que a Fenomenologia difere da Enciclopédia em termos de
conteúdo e, inversamente, esta se distingue daquela em termos formais; e, de
modo não menos simplificado, poderíamos acrescentar que uma apresentação
enciclopédico-sistemática da intersubjetividade enquanto tema diretivo da
Fenomenologia, tema mais pressentido que compreendido pelo próprio Hegel
uma síntese portanto entre Fenomenologia e Enciclopédia -, é a realização
filosófica de que sentimos falta em Hegel
40
(2007, p. 425-426).
Nesse sentido, Hösle entende que a intersubjetividade ainda apresenta sua importância
na Fenomenologia, querendo atrelar essa perda mais propriamente ao desenvolvimento da
Lógica. No entanto, também sle quer mostrar que a intersubjetividade, já nos escritos
anteriores à Fenomenologia, é apenas um momento, não o princípio gerador do sistema.
41
39
sle argumenta: “Em primeiro lugar, é um fato antropológico dificilmente contestável que a
intersubjetividade humana (diferentemente da sociabilidade animal) é mediada pela reflexão e, em segundo
lugar, é impossível resolver o problema da fundamentação dos princípios últimos a não ser reflexivamente”
(2007, p. 297) Para sle, nem a via dialógica, como em Martin Buber e vinas, enquanto crítica o da
filosofia da subjetividade, como também da reflexão, nem as filosofias como as de Heidegger e Sartre, enquanto
“é sempre possível, e, no fundo, mesmo necessário conside-las integráveis em um idealismo da subjetividade”
(2007, p. 297), conseguem propor uma abordagem mais plausível para a questão da intersubjetividade.
40
sle remete à afirmação de ggeler de que “Hegel não conduziu a filosofia que trabalha fundamentalmente
com o conceito de reconhecimento para além da Fenomenologia (PÖGGELER, 1982, p. 35, apud SLE,
2007, p. 426, nota).
41
“A despeito da indubitavelmente grande imporncia do problema do reconhecimento no Hegel de Jena, tem-
se no entanto de deixar registrado que aqui também a intersubjetividade o constitui o princípio gerador do
sistema; ela permanece limitada a uma parte da filosofia da realidade, que não é nem a fundamental nem a
conclusiva” (HÖSLE, 2007, p. 421, nota).
53
Hösle (2007) entende que Hegel, ao manter uma distinção entre espírito absoluto e espírito
objetivo, manteve-se numa filosofia da subjetividade, o superando seus antecessores. Hösle
é contundente em sua crítica: “A intersubjetividade o é a última categoria do sistema de
Hegel” (p. 517). Semelhante ao problema apresentado pela leitura de Siep, também Hösle
denuncia que “a intersubjetividade mostra-se dentro do sistema, inequivocamente, apenas
como um estágio necessário; ela não é autotélica” (2007, p. 420).
Por apresentarem leituras diversas, mas com argumentações rigorosas, a interlocução
teórica entre Hösle e Michael Theunissen é particularmente interessante. Theunissen (1978)
interpreta a liberdade própria à gica do conceito como constituinte da perspectiva
intersubjetiva, compreendendo a Lógica de Hegel como uma teoria geral da liberdade
comunicativa. Distinguindo entre o sujeito lógico universal e o sujeito universal
intersubjetivamente mediado, Theunissen enfatiza a dimensão relacional da estrutura do real
encontrado na Lógica: Na sua lógica, Hegel discerne estruturas que cumprem o papel da
realidade, e não meramente relações interpessoais, sob a exigência da reciprocidade absoluta”
(cf. THEUNISSEN, 1978, pp. 46-47).
que o Conceito mesmo é amor, então a liberdade que com ele se manifesta
tem de ser uma liberdade determinada: a comunicativa. Liberdade
comunicativa significa que um experimenta o outro não como limite, mas
como condição de possibilidade de sua própria auto-realização (1978, p.
303).
42
Desse modo, a Lógica de Hegel, no seu todo, seria “estruturada como teoria universal
da comunicação(THEUNISSEN, 1978, p. 303). No entanto, estas teses de Theunissen, em
sua originalidade, são criticadas por sle, seguindo uma linha de interpretação semelhante a
de Fulda e Horstmann (1980). A hitese desta interpretação sustenta que a teoria dos juízos
o constitui propriamente uma abordagem comunicativa. O teor desta teoria, continuam os
autores, também não implicaria a pluralidade de sujeitos, o que seria indispensável para uma
42
A tradução utilizada foi extraída da edição em língua portuguesa de Hösle, 2007, p. 303.
54
teoria da liberdade comunicativa (FULDA; HORSTMANN, 1980, p. 45 ss.; HÖSLE, 2007, p.
304). Aqui se confundem as características da relação sujeito-objeto e da relação sujeito-
sujeito. Os autores sugerem que a esfera comunicativa poderia se encontrar na ligação que
Hegel propõe entre a idéia de vida e a idéia de conhecimento, mas as diferenciações no texto
hegeliano não são claras. Em todo caso, o caráter relacional concernente à relação sujeito-
sujeito permanece fraco. Segundo Hösle, Theunissen (1980), em sua tréplica, recua, em certa
medida, diante de sua proposta: “Dou à teoria da comunicação e, com ela, à teoria da
intersubjetividade, tranqüilamente o fundamento que Hegel encara como o fundamento puro e
simplesmente: a teoria da subjetividade absoluta” (p. 101). Discutindo a posição de
Theunissen, Hösle mostra que ele se volta para a ênfase na distinção entre lógica e filosofia do
real, retrocedendo à distinção entre conceito lógico e liberdade comunicativa. sle quer
encontrar a vantagem de encontrar na Lógica as teses de uma liberdade comunicativa,
enquanto destacam o nexo entre lógica e filosofia do real.
Em sua resposta, Theunissen lamentavelmente retirou o que havia de
interessante em sua tese. Nela, ele não se reporta mais senão à filosofia do
espírito, na qual estariam contidos momentos significativos do ponto de vista
da teoria da comunicação.
43
(HÖSLE, 2007, p. 304)
Também sobre a interpretação de que “o conceito mesmo é amor”, sugerida por
Theunissen, sle comenta: “quando Hegel fala de conceito como amor é apenas metafórico
e com certeza não é suficiente para fundamentar uma teoria da intersubjetividade” (p. 304).
Ao sugerir uma possível objeção a sua proposta de interpretação, Hösle responde que nos
Projetos sobre religião e amor, escrito em Frankfurt entre 1797 e 1798, Hegel mesmo teria
definido o absoluto como amor, porém logo depois teria abandonado esse conceito em favor
do conceito de espírito”. Hösle explica que o conceito hegeliano de espírito
43
Cf. THEUNISSEN (1980).
55
não significa, de maneira nenhuma, uma clara decisão pela subjetividade;
antes, esse conceito oscila entre subjetividade e intersubjetividade: de um
lado, ele é determinado em larga escala pela intersubjetividade; de outro, esta
não é refletida como tal de um modo tão expresso quanto se desejaria. (p. 306)
Hösle explica que nem no jovem Hegel o amor é um terceiro elemento além dos
conceitos de subjetividade e objetividade. Ele é concebido como a superação do dualismo
kantiano-fichteano de sujeito e objeto, natureza e liberdade. Hegel escreve: “onde sujeito e
objeto ou liberdade e natureza são pensados de um modo tão unido que a natureza é liberdade,
que sujeito e objeto não podem ser separados, aí está algo divino. [...] Somente no amor
alguém é um com o objeto, ele não domina e não é dominado(HEGEL, 1969-1971, p. 1242
apud HÖSLE, 2007, p. 306). Hösle defende que Hegel não desenvolve, sob o título de amor,
uma relação sujeito-sujeito: Nem nos projetos da fase inicial Hegel alcançou o resultado
afirmativo de uma relação „sujeito-sujeito‟” (p. 307).
Dentro dessa oposição entre reflexão subjetiva e imediatez intersubjetiva,
Hegel, à medida que almejou cada vez mais uma fundamentação
transcendental das concepções da própria juventude, teve de optar por aquela;
a concepção de uma intersubjetividade reflexiva, de uma racionalidade
dialógica, permaneceu-lhe estranha ao longo da vida (2007, p. 308)
A estrutura do pensamento revela a ausência de uma seção dedicada à
intersubjetividade. Esta dificuldade está associada a um recuo à tematização da relão
sujeito-objeto em detrimento do avanço sobre a tematização sujeito-sujeito. A tematização de
caráter epistemológico do tipo S-O deveria conduzir, advoga sle, ao conceito de
intersubjetividade. Hösle insiste em sua tese: “Se algo está claro, então é isto: a Lógica de
Hegel não tematiza nenhuma relação entre sujeito e sujeito(p. 304, grifo do autor). Hösle
o está preocupado somente em verificar se a Lógica de Hegel contém efetivamente uma
teoria da intersubjetividade, que, como foi visto, a argumentação de sle mostra que não.
Ele quer analisar se ela pode fundamentar tudo, e, aqui, conforme seu projeto de revisão do
56
idealismo objetivo, Hösle propõe que sim.
44
No que concerne ao problema da
intersubjetividade na relação entre lógica e filosofia do real, sle afirma que, “tomando por
base uma lógica que apenas chega até a lógica do conceito, o espírito objetivo e o espírito
absoluto não estão exatamente amparados em termo lógicos” (2007, p. 305). O problema se
estende ao próprio nexo entre lógica e filosofia do real, que, por questão de delimitação
temática, não será analisado aqui. Em todo caso, o problema consiste em verificar, se a lógica,
enquanto concebida como fundamento da filosofia do real, fornece os parâmetros necessários
para a tematização da intersubjetividade.
O duro julgamento que tanto Hösle, quanto Fulda e Horstmann dirigem a Theunissen
propõe que a análise de Theunissen deveria passar “da crítica dentro do sistema de Hegel para
a crítica ao sistema de Hegel” (SLE, 2007, p. 305). A crítica de Fulda e Horstmann leva
Theunissen a reavaliar sua posição. Em 1982, dois anos após a discussão sobre a proposta de
interpretação da Lógica como abarcante de uma teoria da intersubjetividade, Theunissen
publica o conhecido artigo sobre a supressão da intersubjetividade na Filosofia do Direito
45
.
Neste estudo, Theunissen (1991) mostra, inicialmente, que “o objeto da Filosofia do Direito
o é nem indivíduos isolados nem o todo que os contém, mas a sua ênfase volta-se para a
relação através das quais os indivíduos tornam-se eles mesmos(p. 03). Entretanto, o autor
confronta a estrutura da Filosofia do Direito com sua fundamentação lógica, defendendo que
uma perda da intersubjetividade quando Hegel conecta relações intersubjetivas com a
substância. Explicando essa conexão, Theunissen resume sua tese da “intersubjetividade
suprimida (die verdrängte Intersubjektivität):
A conexão procede em dois estágios: inicialmente, Hegel transfere toda
relação das pessoas entre si a uma relação da substância com essas pessoas;
ele, então, interpreta a alegada relação primitiva como uma relação da
44
Apesar da relevância desta explicação para melhor compreensão da leitura de sle, a exposição das
características de sua proposta de idealismo objetivo extrapolaria a delimitação teórica do presente trabalho.
45
Citado aqui pela versão em língua inglesa (1991).
57
substância com ela mesma. Desse modo, a independência das pessoas
desaparece. (1991, p. 12)
Hösle opta por desenvolver uma proposta de leitura pautada na revisão do idealismo
objetivo, apoiando-se na constatação da necessidade de desenvolver o âmbito da
intersubjetividade. Desse modo, Hösle propõe que uma terceira parte da lógica deveria
apresentar “a estrutura de uma intersubjetividade lógica que unisse a reflexividade da
subjetividade com as categorias objeto-lógicas da alteridade e diferença- portanto, uma
reflexividade mediada” (2007, p. 258). Desse modo, o que em Hegel mostra-se circunscrito à
filosofia prática, Hösle pretende ampliar também para a filosofia teórica, recolocando o status
da intersubjetividade também na fundamentação lógica. Desse modo, sle propõe um
modelo em que se “interpretasse a intersubjetividade como conseqüência necessária do
conceito de reflexão e distinguisse a forma específica de reflexão que convém à
intersubjetividade em oposição à mera subjetividade” (2007, p. 298). A partir da interlocução
teórica com Fichte, sle pergunta se “uma exposição mais exata da iia absoluta enquanto
total identidade de sujeito e objeto teria de conduzir ao conceito de Tu” (2007, p. 297). O
autor desloca a ênfase para o aspecto relacional, acrescentando que “não se trataria tanto do
Tu quanto da relação entre o primeiro sujeito e o Tu, pois este último apenas se afirmaria
como algo que fosse mais do que um mero objeto se também para ele o outro sujeito fosse um
Tu” (2007, p. 297). A proposta de Hösle contém a seguinte tese:
A relação com o Tu é necessariamente recíproca. Isso conduziria
evidentemente ao conceito de intersubjetividade, que poderia ser o mais
apropriado para constituir o tema de uma terceira parte da lógica, uma parte
sintética, após a lógica objetiva e a lógica subjetiva. (2007, p. 297)
Ao tentar conjugar intersubjetividade com reflexão, Hösle chega aoconceito de
reconhecimento mútuo(p. 298). Neste conceito, o autor a possibilidade de se estabelecer
relações simétricas e transitivas, enquanto são relações recíprocas.
58
Não deve ser difícil verificar empiricamente que, no plano da filosofia da
realidade, quase toda autoconsciência é mediatamente reflexiva, isto é,
condicionada por relações de mútuo reconhecimento; parece-me, no entanto,
que a estrutura lógica dessa reflexividade mediada teria de ser tematizada
também no plano da lógica, pois apenas ela representa uma síntese de tipo de
relações objetivo-lógicas e subjetivo-lógicas. (HÖSLE, 2007, pp. 298-299,
grifo nosso)
Desse modo, Hösle propõe o desenvolvimento de um momento ulterior àquele
abordado na doutrina do conceito, passando a ser apontado uma esfera que compreenda a
intersubjetividade. Por vias aparentemente opostas, diversas críticas de Hegel apontam para
um elemento comum: o problema verificado na referência última a uma estrutura
autodeterminada. A aposta de Hösle é que se deve pensar uma terceira parte da lógica,
propriamente intersubjetiva. Formalizando os três estágios da Lógica, Hösle propõe o seguinte
esquema (2007, p. 247):
Lógica do ser: a ; b
Lógica da essência: a b
Lógica do conceito: a (ou a )
Mesmo que não fique evidenciado no esquema acima, também a lógica do ser
compreende uma estrutura relacional, mesmo que ainda fraca. Desse modo, entre os
elementos expressos formalmente como isolados, também deveria se verificar a sua
relacionalidade. Em todo caso, Hösle sustenta uma limitação na estrutura final da lógica do
conceito, propondo, também de maneira formal, uma terceira estrutura, que compreenda mais
adequadamente o caráter relacional, assim esquematizado:
a b
Segundo este esquema, “a reflexividade de a e b é aqui condicionada por sua relação;
eles referem-se a si porque se referem um ao outro.” (p. 299). sle explica: “Isso significa
59
que deveria haver por base pelo menos dois sujeitos, os quais se referissem a si mesmos, e
cuja auto-referência constituísse ao mesmo tempo a referência ao outro e fosse por ela
constituída. (p. 248, grifo do autor).
Hösle propõe a prevalência de relações simétricas sobre assimétricas, numa
abordagem válida tanto para a estrutura lógica quanto para estruturas eticamente relevantes”
(2007, p. 298, nota, grifo do autor). A consolidação de estruturas simétricas está relacionada à
transição da causalidade para a reciprocidade.
Alguma coisa e outra coisa apontam apenas em si uma para a outra; Eu e o
Outro se constituem a si mesmos por meio da referência ao respectivo outro.-
Talvez se pudesse dizer que, em categorias da lógica da objetividade, o
absoluto é em si; em categorias da lógica da subjetividade, ele é por si; em
categorias da lógica da intersubjetividade, ele é em si e por si. Isso significa,
porém, que seus momentos, no grau mais alto, o um para o outro. (2007, p.
299, nota)
Percebe-se a cadeia que conduz à consolidação da identidade, perpassada pelo
reconhecimento. A identidade se consolida a partir do seu reconhecimento, em relações mais
fortes da identidade que se firma, num último momento, como relação reflexiva, de identidade
autoconsciente, possibilitada pelo seu reconhecimento e pelo ato de reconhecer. “A estrutura
apresentada também deveria conter reflexão na medida em que fosse concebida como
pensamento todavia, como um pensamento que não deve ser compreendido de modo
monológico, mas dialógico” (HÖSLE, 2007, p. 299). Hösle entende ainda que esta estrutura
deve ser autotélica. Aqui é mais difícil de precisar os moldes de uma estrutura que é entendida
como autoreflexiva, mas Hösle ressalta que este caráter de fim último deve ser encontrado na
intersubjetividade enquanto ela é entendida não como meio para se chegar à subjetividade. A
concepção de relação como subordinada a uma estrutura autoreferencial parece ser, com
efeito, o problema de sobrepor à diferença uma identidade última, o que implicaria a tese da
60
identidade da identidade e da não-identidade. Mesmo que à intersubjetividade é reservado um
espaço no sistema, ela é momento, tendo como fim a subjetividade absoluta.
Em Hegel, a idéia absoluta, enquanto pensamento do pensamento, é fim
último e não, por exemplo, meio para algo diferente. Analogamente, a
intersubjetividade não poderia servir a fins meramente subjetivos tampouco
à mera produção da própria autoconsciência -, mas teria de, enquanto
intersubjetividade, ser concebida como realização e confirmação da
subjetividade. (p. 299, grifo do autor)
E Hösle reforça essa tese ao sustentar que “não poderia tratar-se de, primordialmente,
estar em si no outro; quando muito, poder-se-ia dizer que se trata de, juntamente com o outro,
em reciprocidade, estar em si no outro” (2007, p. 299). sle esclarece que “não os sujeitos
singulares seriam absolutos, mas a estrutura intersubjetiva constitda por eles” (2007, p. 300,
nota). Ao propor uma relação triádica e não dual, Hösle proe que “se deveria refletir se a
relação necessária para a ligação dos pólos não teria de ser tão essencial a esses mesmos, que
também ela, como eles, teria de ser sujeito(2007, p. 300, nota). Trata-se de conceber não
os dois elementos da relação, mas incluir a própria estrutura como um terceiro elemento.
Enquanto se configura como uma das leituras no amplo debate alemão de relevo nas
últimas três décadas sobre a autoreflexão (Dieter Henrich, Habermas, Tugendhat), a proposta
de Hösle da relão peculiar entre reflexão e intersubjetividade conduz a rios elementos que
o podem ser discutidos satisfatoriamente no presente trabalho. O que particularmente nos
interessa é a crítica ao modelo de subjetividade proposto por Hegel na sua estrutura lógica.
Desse modo, a reconstrução da estrutura especulativa do reconhecimento procurou revelar, no
capítulo anterior, o papel do reconhecimento para a gênese da liberdade, compreendida
relacionalmente. Tornou-se clara a preocupação especulativa de Hegel em consolidar uma
estrutura relacional, dentro da qual será concebida a diferenciação do singular. Na passagem
da lógica da essência para a lógica do conceito, ocorre a mediação relacional constituinte do
engendramento lógico da liberdade. Essa estrutura relacional refere-se à consolidação da
61
individualidade, constituída não mais isoladamente, mas em relação com as demais partes.
Entretanto, o modelo teórico hegeliano pode revelar uma insuficiência na abordagem do
reconhecimento. A iia básica consiste na constatação do referencial ao qual o
reconhecimento se vincula: a autoreferencialidade da razão. O reconhecimento é um estágio,
mesmo que necessário para a constituição da teia relacional, mas desemboca no caráter
subjetivo, e não propriamente numa estrutura intersubjetiva. A intersubjetividade, que, em seu
constructo especulativo, pode ser identificada com o caráter lógico da ação recíproca, é um
momento fundamental para a constituição da subjetividade, expressada, no âmbito lógico, na
lógica do conceito. Entretanto, a intersubjetividade é momento. A teoria da intersubjetividade,
para Hegel, está vinculada ao modelo auto-referencial do espírito. A constatação dessa
insuficiência, apresentada em seu modelo lógico, revela a importância de explicitar o
significado que Hegel encontra na concepção de espírito como estrutura dinâmica sobre o
qual se apóia o seu sistema.
3.2 Crítica ao modelo monológico de espírito: a leitura de Habermas
As críticas à estrutura lógica do reconhecimento procuraram revelar uma lacuna no
referencial teórico hegeliano, cuja insuficiência se mostrará na estrutura da eticidade. No
desenvolvimento do seu projeto de Vereinigungsphilosophie, Hegel encontra no conceito de
espírito um delineamento para consolidar seu sistema. Grande parte da literatura associa ao
desenvolvimento do conceito de espírito a perda da intersubjetividade presente nos escritos de
juventude
46
. Esta interpretação do conjunto do pensamento hegeliano indica a transformação
46
Dentre esses, Habermas (1973, 1987), Theunissen (1982), Hösle (1987), Honneth (2003b). São exceções
Pippin (2000) e Williams (1997).
62
do modelo dialógico esboçado pelos escritos de 1803-04 de Jena para um modelo monológico
a partir do desenvolvimento do conceito de espírito. Para Habermas, Hegel, ao desenvolver
esse conceito, teria deixado de levar a cabo as intuições de juventude em torno da
intersubjetividade. É o que move Habermas, e, depois dele, Honneth, a ocupar-se dos escritos
precedentes à Fenomenologia, resgatando os elementos presentes nos escritos de juventude
até o período de Jena. Segundo esta interpretação, Hegel, ao conceder a virada para uma
filosofia da consciência atrelada a uma concepção monológica de espírito, precisou renunciar
a um intersubjetivismo forte. No que se segue, discutiremos as aspectos que envolvem essa
interpretação.
Com o conceito de espírito, Hegel está empenhado em superar os limites da filosofia
transcendental
47
e, ao mesmo tempo, os problemas encontrados no idealismo subjetivo. Com
efeito, a Fenomenologia caracteriza-se pelo empreendimento de superação da teoria da
autoconsciência mediante um modelo de substância que é sujeito, ao mesmo tempo em que a
subjetividade insere-se num modelo relacional.
48
O caráter de reconhecimento está, portanto,
ligado à necessidade de repensar a subjetividade, propondo um novo modelo. Na tentativa de
evitar a recaída numa individualidade isolada, Hegel encontra na abordagem espinosista de
substância parâmetros para a noção do que ele i entender como substância ética.
Empenhado em estruturar uma ontologia relacional que responda aos impasses da visão
47
Williams explica: “A consciência transcendental de Kant ainda não é uma intersubjetividade ou espírito.
Como corrão de Kant, Hegel leva o problema do outro e o introduz na relação de liberdade. A consciência de
liberdade, que para Kant permanece problemática, é mediada pelo reconhecimento pelos outros. Hegel
aprofunda e alarga a concepção de liberdade ao mostrar que a autonomia transita de uma razão aparentemente
individual para uma razão social que é atual na e como uma comunidade e suas instituições. […] Na
Fenomenologia, ao menos, a dimensão intersubjetiva-social de Geist é o portador da dimensão transcendental, e
esta última é uma abstração da anterior. Por essa razão, interpretações que vêem a filosofia de Hegel
simplesmente como filosofia transcendental devem ser postas em questão. Se Geist tem sua gênese no
reconhecimento intersubjetivo, então Geist não é um exemplo de filosofia transcendental, mas, ao ins disso,
sua transformação.” (1992, p. 02)
48
Para expressar este nexo, Findlay (1993) utiliza a expressão “autoconsciência social” (social self-
consciousness).
63
atomista, Hegel evidencia a relação entre indivíduo e substância ética.
49
Este novo enfoque,
no entanto, pode levar a uma abordagem que negligencie o status da intersubjetividade
50
.
Com a filosofia do espírito, mais propriamente com o conceito de eticidade, Hegel teria
indicado uma concepção forte de intersubjetividade, mas a teria abandonado diante do projeto
pautado pela noção substancialista de espírito.
51
A leitura fornecida por Robert Williams (1992, 1997) sobre a concepção de espírito
destaca-se por sustentar uma leitura que destoa daquelas que criticam a perda da
intersubjetividade em Hegel, como as de Habermas e de Honneth
52
. A tese que permeia os
trabalho de Williams é a de que Hegel, ao desenvolver o conceito de espírito, não o faz em
detrimento da importância da intersubjetividade, mas o reconhecimento intersubjetivo adquire
um significado mais elaborado a partir deste conceito.
53
Desse modo, Williams considera que
, em Hegel, um movimento de continuidade entre a intersubjetividade e o desenvolvimento
do conceito de espírito
54
. A idéia básica aqui é a de que espírito indica a consolidação de uma
estrutura intersubjetiva.
O conceito de reconhecimento fornece a gênese existencial-fenomenológica
do conceito hegeliano de espírito, um eu que é nós, e o nós que é um eu. Isto
49
Sobre a relação entre indivíduo e substância ética, cf. sle (2007), p. 519 ss. “De fato, poderia haver um
terceiro [...] justamente a categoria de intersubjetividade como a síntese de objetividade (substancialidade) e
subjetividade. Hegel tem uma vaga idéia dessa categoria em sua crítica ao individualismo, porém a perde em seu
próprio desenvolvimento afirmativo da eticidade. (p 519)
50
Os impasses dessa abordagem leva ao que Theunissen (1982) denomina “intersubjetividade suprimida”
(verdrängte Intersubjektivität).
51
Comentando a leitura de Taylor (1975), Lumsden mostra que esta concepção refere-se a um modelo no qual os
indivíduos são concebidos como veículos de um espírito racional transcendente. “Ao escolher enfatizar a
filosofia social e política de Hegel, bem como sua teoria da ação, Taylor concorda que o espírito assim
concebido melhor seria se fosse esquecido” (LUMSDEN, 2008, p. 54).
52
Williams chama atenção para o fato de dois importantes comentadores que tratam da noção hegeliana de
intersubjetividade não discutirem a questão do reconhecimento. O primeiro deles, Nicolai Hartmann (1976)
entende que a intersubjetividade e o espírito objetivo foram originais contribuições de Hegel, mas Hartmann não
discute a questão do reconhecimento. Mais recentemente, Hösle (2007) sustenta a tese da neglincia da questão
da intersubjetividade no sistema hegeliano, mas não toca na questão do reconhecimento. De fato, o Hegels
System, que se propõe a ser uma explanação crítica sobre o problema da intersubjetividade em Hegel, em
momento algum discute mais propriamente o problema do reconhecimento.
53
Williams (1992) mostra que, ao traduzir para o inglês Geist por mind, uma perda da dimensão
intersubjetiva expressa pelo termo na língua alemã. Para o autor, esta tradução provoca “a supressão do seu
sentido social-intersubjetivo” (p. 3).
54
Esta linha argumentativa também é seguida por Miguel Giusti (2003, 2005)
64
significa que espírito origina um reconhecimento, pelo que se sugere que
espírito é um conceito fundamentalmente social. (WILLIAMS, 1992, p. 2)
É particularmente difícil a plausibilidade de que o espírito teria sua “gênese” no “conceito
de reconhecimento. Em outro lugar, Williams irá dizer que “o espírito tem sua gênese
existencial no reconhecimento interpessoal (p. 14), ou, ainda: minha tese é que o
reconhecimento é suprassumido e, assim, preservado no conceito de espírito.
Conseqüentemente, espírito é essencialmente uma hostica concepção sócio-intersubjetiva.
(p. 191). Williams (1992, p. 164 ss.) discute a estrutura triádica do espírito absoluto, na
tentativa de evidenciar o empreendimento hegeliano em superar a identidade indiferenciada
do Eu=eu: “a estrutura triádica articula e torna possível uma equivalência holística entre ser-
para-outro e ser para si (p. 264). Esta estrutura estaria expressa na concepção de Nós. Esta
leitura encontra eco na afirmação de Walter Jaeschke:
Para Hegel, a concepção de trindade não é restrita à Religionsphilosophie. Ela
aparece como uma solução pré-concebida historicamente para um problema
fundamental da filosofia especulativa: conceber a relação do si mesmo [self]
como uma relação com um outro, conceber como a liberdade é possível. Esta é
também a estrutura do conceito hegeliano de liberdade: ser-consigo-mesmo-
no-outro. (1990, p. 311)
Williams amplia a interpretação do reconhecimento, identificando como central
também no âmbito do espírito absoluto e do saber absoluto. Por um lado, a liberdade não é
uma realidade individualista, mas uma realidade social alcançada através do reconhecimento
mútuo (1992, p. 265). Mas a estrutura de reconhecimento não se restringe, continua o autor,
à noção de liberdade:
a liberdade, o conhecimento e a verdade, possuem a estrutura fundamental do
auto-reconhecimento no outro. A doutrina hegeliana da mediação das três
figuras e a correspondente estrutura triádica é uma generalização ontológica
de sua doutrina da intersubjetividade. (p. 265)
65
Williams conclui que o projeto hegeliano conduz “à recolocação da teoria da
identidade abstrata com o reconhecimento e a generalizar a estrutura do auto-reconhecimento
no outro e incorporar nele seu conceito de espírito absoluto” (p. 270). Discutiremos, mais
adiante, que esta proposta revela uma intuição válida, mas que dificilmente se sustenta na
análise do sistema hegeliano como um todo.
Findlay (1993), em seu estudo Hegel: a re-examination, dedica um capítulo à análise
do conceito hegeliano de espírito. A leitura de Findlay
55
indica o espírito como uma variação
terminológica correlata ao eu transcendental de Kant, desprezando aquela dimensão
intersubjetiva enfatizada por Williams, cuja interpretação se aproxima também da abordagem
de Fulda.
56
Findlay considera que o espírito também é, pela sua natureza, impessoal ou
suprapessoal. Ele não é meu espírito exclusivo ou seu espírito exclusivo, mas algo que, pela
sua natureza, transcende a distinção de pessoas
(1993, p.42). A concepção de Findlay indica
o espírito como aquele âmbito que permeia a individuação do universal, que permite que o
universal se manifeste no particular e que perpassa a unidade sujeito-objeto. Mais adiante,
apresentando outro sentido do espírito, ele dique “espírito, para Hegel, é na verdade mais
plenamente manifesto nas várias normas intersubjetivas que elevam a experiência da
consciência acima do que é meramente pessoal e finito” (1993, p. 42-43). E conclui: Espírito
pode, assim, talvez ser melhor descrito como o que é infinito-na-finitude, ou impessoal-no-
ser-pessoal, do que o que é meramente infinito e impessoal (1993, p. 43). Nesta leitura, o
conceito hegeliano de espírito tem como pano de fundo o conceito fichteano do eu absoluto:
O paradigmático fenômeno do espírito [...] é para Hegel não o eu ou
consciência-de-si, mas a relação entre as consciências-de-si individuais que
são cruciais para cada indivíduo, enquanto elas mesmas se dão sem reservas e
55
Uma discussão sobre esta leitura é apresentada por Solomon (1972).
56
Esta abordagem é seguida também por Robert Solomon. Sobre esta discussão, cf. ainda FULDA. Der Begriff
des Geistes bei Hegel und seine Wirkungsgeschichte. In: RITTER, Joachim (org.), Historisches Wörterbuch der
Philosophie. Bd. III. Sttutgart: Schwabe und Co, 1971. Como aponta Williams (1992, p. 18), a diferença entre
sua leitura e a de Fulda é que neste último a dimensão intersubjetiva do espírito mostra-se ainda como
paradigmática, o que leva o autor a enfatizar o sentido lógico de espírito.
66
ao mesmo tempo sabem que as outras delas dependem e não o alienadas.
Onde Fichte põe o eu como absoluto, Hegel põe esse processo de auto-
abandono e o encontro de si mesmo no outro. (FINDLAY, 1993, p. 41)
O espírito é concebido como o que permeia a relação intersubjetiva, o que pode
reduzir o caráter relacional à autoreferencialidade do sujeito. Em Fulda (1971), sob o conceito
hegeliano de espírito subjazem duas possíveis conotações: uma lógica e outra intersubjetiva.
No primeiro sentido, o outro adquire um caráter lógico, como negação, enquanto o termo
outro, na segunda abordagem, expressaria o outro interpessoal. Entretanto, sustenta-se aqui
que tal distinção seria apenas conceitual, mas a estrutura lógica imanente ao processo
intersubjetivo estaria de acordo com a perspectiva lógica que rege o sistema como um todo.
Como vimos na seção anterior, Hegel pensa a relação intersubjetiva que perpassa a
constituição da identidade do indivíduo de maneira análoga à constituição especulativa da
identidade como identidade da identidade e da não-identidade, ou seja, a identidade se
constitui a partir das relações no qual o momento da diferença não é negado, mas também
conservado e elevado. Aquilo que no âmbito da essência se apresentava como necessidade
absoluta passa a desdobrar-se através de consolidações das relações de reconhecimento
recíproco entre partes postas inicialmente em relações fracas, atingindo na transição para a
doutrina do conceito, a liberdade. Na ampla literatura secundária, encontra-se a indicação de
que Hegel estaria visando conciliar a substância de Espinosa com o sujeito livre de Kant. Essa
seria, em última análise, a concepção de liberdade de Hegel, voltada não para a escolha entre
duas opções possíveis, mas, como já sugerira Kant, a liberdade de dar a si mesmo suas
próprias determinações, ou seja, a liberdade de autodeterminação. O problema que emerge, e
divide comentadores, é se a liberdade está assegurada mediante a preservação da
continncia, ou se ela é entendida como adequação, entendida no viés espinosista de
assumir-se enquanto conformidade a uma ordem causal da natureza. Nesse último sentido,
67
como em Espinosa, a liberdade consiste em agir conforme uma espécie de lei universal.
57
A
divergência se refere à ênfase naquilo que subjazeria à gênese lógica do conceito de liberdade:
a prevalência da necessidade ou da continncia. Fato é que na passagem da doutrina da
essência para a doutrina do conceito, o pi da gênese do conceito de liberdade é a
necessidade absoluta, configurada como momento anterior, mas que, à medida que se abre à
continncia, engendra-se a relação absoluta. Na leitura de autores como Cirne-Lima (1999,
2006), a liberdade deve estar garantida com a salvaguarda da contingência, sem a qual não
poderia ser concebida a liberdade. Nesta leitura, a fundamentação dessa concepção na
passagem da Lógica entre a doutrina da essência e a doutrina do conceito apresentaria
referente ao papel da contingência na gênese lógica da liberdade. Esta mesma crítica é
colocada por Eduardo Luft:
O problema é que, em Hegel, o livre-arbítrio não aparece em sua função mais
relevante (a possibilidade de livre-escolha entre diversas alternativas
igualmente possíveis) exatamente porque na síntese da necessidade absoluta, a
contingência aparece dissolvida, pois Hegel não estabelece uma distinção
clara e definitiva entre o necessário enquanto Müssen que exclui a
contingência e a põe fora de si e o Sollen que preserva a contingência.
(1995, p. 181)
Luft acrescenta à sua crítica à perda da contingência o problema que ele denomina de
teleologia do incondicionado. Para Luft (1995, 2001), a estrutura finalística do sistema
hegeliano predetermina não o fim, como também, até certo ponto, também o processo que
conduz ao fim almejado. Desse modo, o espaço de possibilidades é restringido,
circunscrevendo-se a uma estrutura apriorística que predetermina o processo. A contingência
perde o seu caráter forte, vinculando-se a uma estrutura previamente estabelecida. A liberdade
-se circunscrita a uma estrutura lógica não apriorística, como também autoreferencial. A
interpretação de Allen Wood (1990) reforça o caráter limitativo do referencial autoreflexivo
57
Sobre a exposição do problema da liberdade no âmbito da filosofia moderna, em particular no que tece ao seu
status lógico, cf. LUFT, 2001, p. 45 ss.
68
para a concepção de liberdade, sugerindo outra leitura para a concepção relacional do “ser-
consigo-mesmo-no-outro”. Wood (1990) entende a concepção de “no-outro” como indicadora
da relão reflexiva da auto-consciência. Para Wood, esta expressão enfatiza a idéia de que o
„ser-consigo-mesmo é uma concepção de liberdade como auto-atividade. (1990, p. 46).
Wood (1990) ressalta algumas passagens em que Hegel deixa evidenciar esse caráter, como
no prefácio à Fenomenologia, onde Hegel escreve que “a substância é o ser, que na verdade é
sujeito, ou o que significa o mesmo que é na verdade efetivo, mas na medida em que é
o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro” (PhG,
§18, p. 35). A tese de Wood (1990) reforça a limitação da compreensão relacional quando
esta é subordinada à atividade auto-reflexiva do espírito. A compreensão de alteridade estaria
associada à diferença posta pelo movimento do espírito, que compreende o outro enquanto se
refere à própria identidade que o e. O problema consistiria não em conceber a diferença
isoladamente, pois ela é posta dialeticamente, mas enquanto subordinada a uma identidade
última inerente ao movimento autoreflexivo do espírito.
58
Talvez Hegel atrele o espírito à intersubjetividade, no sentido de escapar da auto-
referencialidade de uma reflexão solipsista, avançando, assim, para uma concepção que
podemos entender até mesmo como linística, ou, ao menos, pautada num registro
intersubjetivo. No entanto, permanece duvidoso se Hegel tem êxito em levar a cabo uma
concepção dialógica de espírito ou se, antes, essa noção é substituída por uma abordagem
erguida sobre uma estrutura monológica auto-referente. Da mesma maneira que o projeto de
ontologia relacional limita-se enquanto subordinado a um modelo de razão teleologicamente
condicionada, o modelo de reconhecimento pode ver-se restringido quando sitiado pela
demarcação do espírito. É necessário verificar se Hegel leva a cabo a intuição dialógica do
58
Hegel, na Filosofia da História, dirá: “o espírito é ser com ele mesmo, e isto é liberdade. Se eu sou
dependente, eu estou relacionado com um outro que eu não sou, e eu não posso ser sem esse outro. Eu sou livre
quando eu sou comigo mesmo” (VG 55, 48 apud Wood, 1990, p. 46)
69
conceito de espírito, a fim de entender quais os motivos que levam Honneth a abdicar do
conceito de espírito em seu projeto de reatualização da Filosofia do Direito de Hegel.
Até a década de 60, os escritos de Jena eram interpretados fundamentalmente como
uma etapa prévia à Fenomenologia, sendo evidenciados os nexos entre esses escritos e o
desenvolvimento posterior do sistema hegeliano. Habermas protagonizou a articulação de
uma nova interpretação. No seu famoso texto Arbeit und Interaktion, publicado originalmente
em 1967, Habermas mostra que o desenvolvimento do sistema hegeliano revela um
descompasso em relação às intuições de Jena, provocando a perda da intersubjetividade em
decorrência do desenvolvimento do conceito de espírito. Habermas defende a tese de que o
desenvolvimento do sistema hegeliano representa um abandono das intuições esboçadas nos
escritos de Jena, déficit ocasionado principalmente pelo desdobramento do conceito
monológico de espírito.
59
No que se segue, será exposta esta proposta habermasiana,
elucidada a partir da interlocução com três textos em que Habermas apresenta sua crítica:
Trabalho e interação (1987); O Discurso Filosófico da Modernidade (2000); Caminhos de
destranscendentalização: De Kant a Hegel, e de volta (2004);
As a articulação de sua teoria da eticidade no Sistema de Eticidade, Hegel
apresenta, ainda nas lições de Jena, um esboço do seu sistema semelhante ao resumido
posteriormente na Enciclopédia, reunidos sob o título de Jenaer Systementwürfe,
compreendendo as lições em Jena no período entre 1803 e 1806. nesse período, Hegel
iniciara a configuração das temáticas de sua lógica, filosofia da natureza e filosofia do
espírito. Nessas lições, Hegel elabora, no capítulo concernente ao espírito real da
Realphilosophie, a articulação entre o reconhecimento e conceitos como os de propriedade e
trabalho, mostrando a conexão entre o indivíduo e o coletivo. Aqui, a vontade abstrata é
59
Nas últimas décadas, vários comentadores seguiram essa interpretação, como Honneth (2003) e Wildt (1982).
70
conservada e elevada mediante o reconhecimento: “A vontade abstrata tem que se superar ou
se produzir como superada no elemento desta realidade espiritual que é o estado de
reconhecimento geral.” (HEGEL, 1984b, p. 182). Hegel expõe que o direito assume o papel
de garantia das vontades individuais, sem romper com a totalidade ética. Desse modo, a
verdadeira vida ética é concreta e objetiva, fundada na experiência da comunidade. O trabalho
e a linguagem são entendidos como os dois processos essenciais de exteriorização,
mediadores do reconhecimento.
Seguindo a leitura de Habermas nestes escritos, Hegel, ao desenvolver a perspectiva
em seu período inicial em Jena, tinha como propósito superar a cisão entre subjetividade e
objetividade. No âmbito do espírito objetivo, Hegel encontrara os meios de encontro e
unificação entre sujeito e objeto, expressos sob as formas do trabalho, da interação e da
linguagem. Habermas encontra nesses meios a função de “terceiros” ou “médios” que
cumprem um papel tanto epistemológico, na constituição de uma relação indissociável entre
sujeito e objeto, como garantidores da coesão social: “a oposição entre sujeito que representa
e objeto representado é suprimida na medida em que as operações do sujeito consomem a
energia „nomeadora‟ e conceitual da linguagem” (HABERMAS, 2004, p. 198). Habermas
ressalta o papel que a linguagem opera nos escritos de juventude, mostrando que o há, para
o sujeito cognoscente, uma base de estímulos sensoriais que seja nua, independente de todas
as mediações simbólicas. Pois ele se move desde o princípio no horizonte de experiências
possíveis aberto pela linguagem” (2004, p. 198)
A linguagem é descrita por Hegel como a primeira objetualidade do espírito,
correspondente ao amor objetualizado. O ser-para-si surge da experiência do amor entre os
sujeitos. Hegel entende o amor dos filhos com seus pais como relação análoga à da palavra
com seu sentido. Ripalda (1993), complementa: “cada indivíduo singular não é, a este
nível, vontade nem satisfação isolada, mas a totalidade do amor, criatura da família que é
71
substância.” (p. 61). Na experiência do amor, cada um se sabe imediatamente no outro e o
movimento é só a inversão pela qual cada um experimenta que o outro se sabe igualmente em
seu outro.” (HEGEL, 1984b, p. 172, 15-19). E ainda: “no ser-para-si do outro cada qual é ele
próprio, que cada um na consciência do outro, isto é, na singularidade, em seu ser-para-si, é
consciente de si mesmo, é para si”. (1987, fragmento 21, p. 212). Neste mesmo fragmento,
Hegel escreve que “na família, a totalidade da consciência é o mesmo que algo que vem-a-ser
para si mesmo. O indivíduo vê a si mesmo no outro(HEGEL, 1987, fragmento 21, p. 215-
216). Inicialmente, a consciência constitui-se a partir das relações com os pais, representada
fundamentalmente pela educação (Erziehung). Num segundo momento, a consciência e-se
no movimento de reconhecimento por outra consciência. “É absolutamente necessário que a
totalidade, à qual a consciência chegou na família, conheça-se a si mesma, numa outra tal
totalidade, [numa outra tal] consciência, como a si mesma(1987, fragmento 22, p. 217). O
reconhecimento desdobra-se enquanto constituição relacional que permite a constituição da
subjetividade, cuja estrutura lógica se revela marcante desde os escritos de juventude, ainda
que, nestes escritos, seu contorno não esteja claramente delineado.
Os escritos de Jena, na leitura habermasiana, apresentam intuões relevantes para o
status do reconhecimento no pensamento de Hegel, ressaltando a importância da “filosofia
real de Jena, em que uma teoria da intersubjetividade esboçada nos escritos de juventude
deixou seus vestígios” (2000, p. 45). Aqui, Habermas ressalta a tese hegeliana da luta por
reconhecimento (Kampf um Anerkennung). A idéia básica é a de que a identidade do eu é
resultado de um processo de reconhecimento recíproco: com base no reconhecimento
recíproco se forma a autoconsciência que se deve fixar no reflexo de mim mesmo na
consciência de um outro sujeito(Habermas, 1997, p. 15). E continua: “A consciência existe
72
como um meio em que os sujeitos se encontram, de tal modo que, sem se encontrarem, não
poderiam existir como sujeitos” (1997, p. 15).
60
O sentido peculiar de uma identidade do Eu, baseada no conhecimento
recíproco, só se revela sob o ponto de vista de que a relação dialógica da união
complementar de sujeitos opostos representa simultaneamente uma relação da
lógica e da práxis vital. Isto se revela sob o título de luta por reconhecimento.
(HABERMAS, 1987, p. 18, grifo nosso)
Ao articular a tese hegeliana do conflito intersubjetivo, o amor apresenta-se como
mediador do conhecer-se no outro (Sich-Erkennen-im-Anderen). Habermas (1987) mostra que
o amor, enquanto reconciliação de um conflito prévio, “se revela na dialética da relão ética,
que Hegel desenvolve sob o título de Luta por reconhecimento” (p. 18). Esta luta por
reconhecimento é entendida como restauradora de uma situação dialógica enquanto relação
ética, que se opera como mediadora da constituição da identidade individual e da identidade
coletiva. “Só o resultado desse movimento extingue a violência e restabelece a não coerção do
conhecer-se a si mesmo no outro, que tem lugar no diálogo: o amor como reconciliação”.
(HABERMAS, 1987, p. 18). A luta por reconhecimento desenrola-se como um movimento do
indivíduo que luta por sair do particular para o universal, aqui referido à totalidade ética.
O resultado não é o imediato conhecer-se de um no outro, isto é, a
reconciliação, mas uma atitude dos sujeitos entre si com base no
reconhecimento recíproco a saber, com fundamento no conhecimento de que
a identidade do Eu só é possível através da identidade do outro que me
reconhece, identidade que, por seu turno, depende do meu reconhecimento
61
(HABERMAS, 1987, p. 20).
60
Referindo-se ao processo de socialização, Habermas mostra que ela não deve aqui entender-se como a
inserção na sociedade de um indivíduo já dado; é antes ela própria que suscita o ser individuado” (1987, p. 17)
61
Habermas (1987) observa que a relação entre subjetividade e intersubjetividade espresente em Mead, que
retoma a “idéia de Hegel de que a identidade do eu se pode constituir através da exercitação em papéis
sociais, isto é, na complementaridade de expectativas de comportamento com base no reconhecimento
recíproco (p. 20, nota). Como veremos, esta aproximação será também a base da reatualização proposta por
Honneth (2003).
73
O “eu” surge a partir do conflito, dessa luta por reconhecimento. Desse modo, Hegel
entende o movimento de conscientização-de-si como resultado de uma luta por
reconhecimento, no qual a autonomia não é pressuposta, mas resultado:
Porque Hegel entende a consciência-de-si a partir do contexto de interação
próprio do agir complementar, isto é, como resultado de uma luta por
reconhecimento, olha o conceito de vontade autônoma, o qual parece
constituir a dignidade genuína da filosofia moral kantiana, como uma
abstração peculiar relativamente à relação ética dos indivíduos, que entre si se
comunicam. (HABERMAS, 1987, p. 20)
Nesta leitura, a dialética fichteana da relação entre o eu e o outro se insere numa
perspectiva da subjetividade do autoconhecimento. De outra maneira, Hegel compreende a
dialética do eu com o outro dentro da estrutura intersubjetiva do espírito. Reproduzimos
abaixo uma passagem em que a leitura de Habermas do confronto entre Fichte e Hegel (1987)
pode ser apresentada:
Hegel não pode responder à questão da origem da identidade do Eu, como
fizera Fichte, com uma fundamentação da autoconsciência que em si mesma
se recolhe, mas apenas com uma teoria do espírito. O espírito o é, então, o
fundamento que subjaz à subjetividade do si mesmo na autoconsciência, mas o
meio em que um Eu comunica com outro Eu e, a partir do qual, como de uma
mediação absoluta, se constituem ambos reciprocamente como sujeitos. (p.
15) [...] Enquanto Fichte concebe o conceito do Eu como identidade do Eu e
do não-Eu, Hegel concebe-o desde o princípio como identidade do universal e
do particular. [...] O espírito é o desdobramento dialético desta unidade, a
saber, da totalidade ética [...]. (p. 16)
O espírito, assim, pode ser entendido como o medium que permite a relação
intersubjetiva, o meio onde tal relação se opera. O conceito de “eu” assume em Hegel o
caráter do que é singular em confronto com o outro. Tomando como ponto de partida Kant,
Habermas observa que a subjetividade do eu é determinada como reflexão é a relação do
sujeito do conhecimento com ele mesmo, constituindo a unidade do sujeito.
A idéia original de Hegel consiste em que o Eu só se pode conceber como
autoconsciência se for espírito, isto é, se passar da subjetividade para a
objetividade de um universal no qual, com base na reciprocidade, os sujeitos,
74
que se sabem a si mesmos, se unificam como não idênticos. (HABERMAS,
1987, p. 16)
Nesse texto, Habermas tece uma dura crítica ao modelo kantiano, mostrando a
fragilidade e até mesmo artificialidade da intersubjetividade, confrontando-o com o
significado que o conceito de eticidade receberá em Hegel. Na leitura habermasiana, as leis
morais, segundo o modelo kantiano, tem em vista “não só a obrigação intersubjetiva em geral,
mas a forma abstrata de uma validade geral conexa com uma concordância a priori” (p. 21).
Habermas critica a proposta de Kant, enquanto “a intersubjetividade da validez das leis
morais, admitida a priori mediante a razão prática, permite a redução do agir ético à ação
monológica” (p. 22). Habermas (1987) acrescenta:
Cada sujeito individual, ao examinar as máximas quanto à sua idoneidade
como princípios de uma legislação universal, deve imputar as suas máximas
de ação a todos os outros sujeitos como máximas igualmente obrigatórias para
eles [...] As leis morais o abstratamente universais no sentido de que, ao
valerem para mim como gerais, eo ipso, têm que pensar-se como válidas para
todos os seres racionais. Por conseguinte, sob tais leis a interação dissolve-se
em ões de sujeitos solitários e auto-suficientes, cada um dos quais deve agir
como se fora a única certeza existente e, no entanto, ter ao mesmo tempo a
certeza de que todas as suas ações sujeitas a leis morais concordam
necessariamente, e de antemão, com todas as ações morais de todos os outros
sujeitos possíveis. (p. 21).
Como entende Habermas, as leis abstratas da moral, que careceriam de potência,
seriam subjugadas por Hegel à legalidade de teor ético. A ética é aqui compreendida como
uma necessidade de estabelecer uma harmonia nessas relações, possibilitando-as. Na
Realphilosophie, Hegel entende o todo ético como a unidade entre a individualidade e o
universal. Diante de uma ação que fere o caráter ético (sendo este entendido como relativo ao
bem-estar social e ao interesse coletivo), o indivíduo sofre o peso de uma recriminação, que o
atinge no âmbito moral e com uma penalização respectiva à ação. Mas esse processo,
prossegue Habermas (2000), “não pode ser deduzido como as leis da razão prática, a partir do
princípio da subjetividade por meio do conceito de vontade autônoma” (p. 43). Esta dinâmica
75
resulta antes da perturbação das condições de simetria e das relações
recíprocas de reconhecimento de um contexto de vida constituído
intersubjetivamente, do qual uma parte se isolou, alienando de si todas as
outras partes de sua vida em comum (HABERMAS, 2000, p. 43).
aqui Hegel apresenta o movimento no qual o sair-de-si da consciência, a
exteriorização, pode ser completado com êxito mediante o retorno a si ou, quando esse
retorno não é verificado, provoca a alienação. Para expressar este movimento, Hegel encontra
no trabalho a expressão da relação entre indivíduo e sociedade. Cada indivíduo trabalha não
somente para suas necessidades, mas para a necessidade de muitos.
Cada indivíduo singular é aqui singular e, portanto, trabalha para uma
necessidade; o conteúdo de seu trabalho vai mais am de sua necessidade,
trabalha para as necessidades de muitos. Cada um satisfaz, portanto, as
necessidades de muitos e a satisfação de suas muitas necessidades particulares
é o trabalho de muitos outros. (HEGEL, 1984b, p. 183)
62
Num outro texto, Habermas afirma que todos os fenômenos históricos participam, em
maior ou menor grau, da estrutura dialética das relações de reconhecimento recíproco, nas
quais as pessoas se individualizam pela socialização” (2004, p. 195). Habermas encontra na
proposta hegeliana da estrutura intersubjetiva de reconhecimento a intuição a partir da qual é
fortalecido o vínculo entre individuação e socialização, idéia básica de sua teoria:
As comunidades existem essencialmente na forma de relações de
reconhecimento recíproco entre seus membros. È essa estrutura intersubjetiva
da socialização de pessoas individuais que guia Hegel em sua explicação
lógica do conceito de “universal concreto” ou de totalidade. (2004, p. 196)
62
Na continuação, Hegel, numa passagem mais extensa, expressa bem sua concepção: “Cada um renuncia ele
mesmo a sua posse, supera a sua existência, ao mesmo tempo que desfruta de reconhecimento ao fazê-lo e o
outro o recebe com permissão do primeiro. Desfrutam de reconhecimento, cada um recebe do outro a posseso
do outro, de modo que só recebe tanto quanto e o outro mesmo é o negativo de si mesmo, ou a propriedade é por
mediação: cada um é o que nega ser seu, seus bens, e estes se encontram mediados pela negação do outro;
porque o outro se desprende de sua coisa, “o faço eu”. E o interior da coisa, representado por essa igualdade
nela, é seu valor, que tem plenamente o meu consentimento e a apropriação do outro: se trata do meu positivo e,
assim também, do ser, a unidade de minha vontade e a sua. E a minha vale como real, existente, o estado de
reconhecimento é a existência. Com isto minha vontade vale, possuo, a possessão se transformou em
propriedade” (1984b, p. 184-185).
76
Segundo Habermas, Hegel foi quem primeiro associou as categorias da lógica
tradicional com os aspectos em que “os indivíduos socializados se reconhecem
reciprocamente” (2004, p. 196), a saber, (a) como pessoa em geral (universal), enquanto
compartilham de características em comum, como sujeitos que conhecem, falam e agem; (b)
como membros particulares, que compartilham características peculiares dentro de sua
comunidade de origem; e (c) como indivíduos, que se distinguem de todos os demais
indivíduos.
Portanto, nessa infra-estrutura da socialização, as relações particularistas dos
membros de determinada coletividade se entrecruzam com as relações
universalistas entre pessoas individuais que, em dois aspectos, devem umas às
outras um igual respeito: tanto no aspectos da natureza comum humana como
no da absoluta diferença de cada qual em relação a todos (HABERMAS,
2004, p. 196).
Desse contexto Hegel desenvolve o conceito de alienação (Entfremdung), ao qual
Habermas associa uma positividade gerada por uma subjetividade alienada, afastada da vida
em comum. Hegel tem em vista “a restauração da totalidade dilacerada” (HABERMAS, 2000,
p. 44), mas recorre a uma totalidade segundo um princípio da subjetividade absoluta.
No fato de que o poder da unificação desaparecera da vida dos homens, Hegel
vira surgir justamente a necessidade objetiva da filosofia. Todavia não
interpretou as delimitações de fronteiras próprias à razão centrada no sujeito
como exclusões, mas como cisões, e exigiu da filosofia o acesso a uma
totalidade que compreende em si a razão subjetiva e seu outro. (2000, p. 423)
Habermas considera que Hegel abre um caminho que poderia ser seguido no sentido
de fundamentar e desenvolver uma reflexão da razão em termos de uma teoria da
comunicação, mas Hegel opta por outro viés, marcada pelo conceito de espírito absoluto.
Podemos esperar que Hegel introduza o agir comunicativo como o meio em que se realiza o
processo de formão do espírito autoconsciente” (1987, p. 17). No entanto, Habermas mostra
que Hegel pensa
77
o movimento do espírito absoluto [...] a partir da experiência da auto-refleo
da consciência [...], mas de modo tal que, nesta auto-reflexão, se insere a
dialética da relação ética, da qual promana a identidade do universal e do
particular: o espírito é eticidade absoluta. (1987, p. 37)
Juntamente com o desenvolvimento da concepção monológica de espírito, os meios da
linguagem, do trabalho e do reconhecimento recíproco perdem a relevância que possuíam
naquelas escritos:
O espírito absoluto é solitário” (1987, p 23), conclui Habermas. A mesma
crítica é encontrada em O Discurso Filosófico da Modernidade, onde Habermas (2000)
menciona a tentativa hegeliana de recolocar a razão num patamar que lhe teria sido tomado
pelo entendimento, no qual se teria perdido a visão do todo em detrimento da visão
fragmentada das partes. Entretanto, na leitura habermasiana, Hegel não o teria feito
adequadamente, pois
teria de mostrar, e não simplesmente, pressupor, que uma razão, que é mais do
que o entendimento absolutizado, também pode reunificar de modo
igualmente indispenvel aquelas oposições que tem de desenvolver
discursivamente. (2000, p. 36)
Desse modo, Habermas sugere que “o paradigma do conhecimento de objetos deveria
ser substituído pelo paradigma do entendimento entre sujeitos capazes de falar e agir (2000,
p. 413). “O que está esgotado é o paradigma da filosofia da consciência. Se procedermos
assim, certamente devem se dissolver os sintomas de esgotamento na passagem para o
paradigma do entendimento recíproco (2000, p. 414). Com isso, Habermas desenvolve a
dimensão da intersubjetividade discorrendo sobre o entendimento recíproco, pretendendo
oferecer a possibilidade de resolução de uma relação inicialmente conflituosa entre o sujeito e
o outro. A razão comunicativa sobressai na força vinculante do entendimento intersubjetivo
e do reconhecimento recíproco; circunscreve, ao mesmo tempo, o universo de uma forma de
78
vida coletiva” (HABERMAS, 2000, p. 450). A proposta habermasiana, que fornece os
elementos que interessam a nossa discussão, é assim resumida:
A razão centrada no sujeito encontra sua medida nos critérios de verdade e
êxito, que regulam as relões do sujeito que conhece e age segundo fins com
o mundo dos objetos ou estado de coisas possíveis. Em contrapartida, assim
que concebemos o saber como algo mediado pela comunicação, a
racionalidade encontra sua medida na capacidade de os participantes
responsáveis da interação orientarem-se pelas pretensões de validade que
estão assentadas no reconhecimento intersubjetivo (HABERMAS, 2000, p.
437)
Em vista ao modelo comunicativo de racionalidade, Habermas encontra em Hegel o
rito de propor a destranscendentalização da razão, descolando o foco de validez de nosso
conhecimento de uma estrutura transcendental da subjetividade para a experiência reflexiva
mediada pela intersubjetividade. No entanto, Habermas coloca em questão a pretensão de
validade dos próprios padrões. Esta crítica é assim posta:
Se partirmos, com Hegel, da idéia de que não uma consciência
transcendental que possa se dar conta, pela auto-reflexão, de suas próprias
operações e desvelar, com isso, estruturas racionais invariáveis, é fooso lidar
com um fato perturbador. Mesmo nossos próprios padrões, pelos quais não
aceitamos como válido nada que não possamos discernir, à luz de razões
plausíveis, como verdadeiro ou obrigatório, eficaz ou precioso, o
nitidamente parte integral de determinada forma de vida moderna, hoje
amplamente difundida. Mas, se tais padrões são vinculados internamente e
essa forma de vida especial, nada diz que possam reivindicar uma validade
universal, para além desse contexto. Essa suspeita não pode ser destruída nem
pela explicação genética de como as pessoas de nossa socialização
aprenderam a reconhecer os padrões dominantes, nem por alguma certificação
hermenêutica das formas modernas de identidade. (2004, p. 210)
Segundo esta linha de interpretação, a proposta empreendida na Fenomenologia visa
recolocar os critérios de validação sob patamares em que também o reconhecimento
intersubjetivo assume um papel central. Esta tese é explorada por Pinkard (1994), que destaca
o papel de sociabilidade da razão proposta por Hegel com a Fenomenologia. A leitura de
Pinkard conduz à revisão do conceito de espírito absoluto, relido sob a ótica de que apenas as
práticas culturais e lingüísticas da comunidade e as estruturas socialmente institdas de
79
reconhecimento mútuo(1994, p. 252) podem fornecer os critérios de validação. Habermas
considera este padrão como “descoberta s-metasica (2004, p. 212) Desse modo,
Habermas indica, com o rótulo de s-metasico, a busca de critérios de validação nas trocas
lingüísticas intersubjetivamente compartilhadas. Para Habermas, Hegel apresenta traços
antimentalistas que o afastam, inicialmente, da filosofia reflexiva. Habermas observa que
Hegel propõe um saber que está acima de todo saber que possa nascer da busca cooperativa
da verdade entre participantes dos discursos racionais de uma cultura que se fundamenta a si
mesma” (2004, p. 215). Hegel chega à conclusão de que “as relações entre sujeito e objeto
o parte do próprio sujeito que conhece e age, mas nascem nas estruturas prévias da
linguagem, do trabalho e da interação” (2004, p. 216).
O interior e a subjetividade perdem o primado sobre o exterior e a
objetividade. A autoconsciência se forma nas relações de reconhecimento
recíproco entre sujeitos, cada um dos quais se reconhece a si mesmo apenas no
outro. (2004, p. 216)
É decisiva a influência hegeliana em Habermas para o desenvolvimento da concepção
de relação intersubjetiva, que passa a ser relida a partir de uma teoria da linguagem.
63
Desse
modo, direciona-se por uma via na qual a relação intersubjetiva é entendida como inerente à
constituição da subjetividade. Mesmo que a razão comunicativa, proposta por Habermas
como alternativa à razão centrada no sujeito, apresente elementos kantianos, ela é ampliada
63
Apesar da literatura não enfatizar a aproximação entre Hegel e Habermas, alguns estudos remetem a uma
interessante aproximação entre ambos. Dentre esses, destacamos BAYNES (2002) e GRUMLEY (2005). Baynes
(2002) sugere que a concepção hegeliana de liberdade pode se aproximar daquela encontrada em Habermas,
enquanto tanto Hegel quanto Habermas propõe uma abordagem da liberdade a partir da intersubjetividade ou
reconhecimento [intersubjective or recognitional account of freedom] que desenvolve e estende a idéia kantiana
de liberdade como agir sob e a partir de (certos tipos de) razões” (p. 3). Baynes (2002) propõe ainda que o
conceito hegeliano de liberdade sobrepõe-se àquele proposto por Habermas, associando o propósito hegeliano de
aspectos subjetivos e objetivos da liberdade (RP, §258) com o que Habermas chama de autonomia pública e
privada dos cidadãos (HABERMAS, 1996). Os elementos que unem os dois autores, segundo a leitura de
Baynes, podem ser assim resumidos: (1) ampliação da idéia kantiana de liberdade a partir de um registro
intersubjetivo; (2) desenvolvimento da idéia de auto-determinação racional “sem apelar para uma ordem da
razão independente” (p. 03); e (3) “uma abordagem alternativa em teoria normativa para o atualmente difundido
retorno do liberalismo político (p. 03). Para uma discussão crítica sobre a relação entre Hegel e Habermas, cf.
ainda Benhabib (1990), na qual é discutido em particular os problemas dos princípios “Ue “D” e é retomada a
crítica ao consenso ideal em Habermas.
80
numa nova leitura que toma como pano de fundo a compreensão da subjetividade como
indissociável da intersubjetividade. A proposta de leitura de Habermas pode ser entendida
como uma radicalização do teor intersubjetivo que Hegel propõe, desprendendo-o de uma
estrutura auto-referencial como a verificada no caráter monológico do espírito. A proposta de
Habermas é clara: “a diferença estrutural entre intersubjetividade e objetividade atua nas duas
direções e separa o pensamento pós-metasico do idealismo objetivo” (2004, p. 213).
Tampouco podemos fugir do horizonte de nossa linguagem e de nossas
práticas discursivas, a fim de substituir a imparcialidade falível e a perspectiva
do “nós” descentrada, própria de uma comunidade argumentativa suscetível de
expansão, pelo ponto de vista de um saber absoluto, totalizante e conclusivo,
que lança um olhar retrospectivo a partir do fim do processo. Por certo,
podemos empurrar sempre mais as fronteiras de nossos contextos epistêmicos
a partir de dentro; mas não um contexto de todos os contextos que
pudéssemos abranger com um olhar. Nada nos autoriza à expectativa de ter
a última palavra. (HABERMAS, 2004, p. 214)
Para Habermas, não pode haver nenhum critério como o de Aufhebung ou qualquer
processo se não a própria relação intersubjetiva. Mas aqui ela adquire um caráter de
universalidade. Ao invés de aceitar uma espécie de processo com um norte intrínseco, como,
no caso da filosofia hegeliana, encontrada sob o conceito de espírito, Habermas propõe
também uma universalização, mas não como leis externas ao processo, mas (e aqui o lado
kantiano de Habermas) por um status normativo regido por critérios racionalmente
universalizados.
64
O processo de monologização do espírito expressa, na estrutura lógica, a prevalência
da identidade sobre a diferença, sob o padrão da identidade da identidade e da não-identidade.
Com isso, “arranca-se do „ser-junto-ao-outro‟ o aguilhão da alteridade e suprime-se a tensão
64
No entanto, acusa Baynes (2002), a ausência de critérios como “a não de Aufhebungpode levar a uma
“proliferação de tipos de discursos práticos”, por o ter critério para ordenar a relação entre eles(2002, p.
11). Mas Baynes mostra que a idéia em conjunto, tanto em Hegel quanto em Habermas, visa assegurar a vontade
livre dos indivíduos. Hegel e Habermas têm em comum a idéia de que “liberdade é um status social normativo
que, junto com a capacidade de racionalizar em geral, depende de formas de reconhecimento e de práticas sociais
nas quais elas residem” (2002, p. 11). A subjetividade “depende fundamentalmente da existência de formas
distintas de reconhecimento social” (2002, p. 11).
81
mantida de uma distância, ao mesmo tempo transposta, de um alheio” (HABERMAS, 2004,
p. 216). Apesar da luta por reconhecimento encontrar lugar na Enciclopédia, Habermas
entende que
A estrutura intersubjetiva do reconhecimento mútuo não é relevante para a
concepção mentalista do Si-mesmo e da auto-reflexão, pois na Lógica Hegel
desenvolveu o conceito segundo o modelo do Eu ou da autoconsciência pura.
Sem deixar vestígio na representação da idéia absoluta, a intersubjetividade é
desalojada pela subjetividade. (2004, p. 217).
Perguntamos, com Habermas, por que Hegel encontra no espírito absoluto a
conservação e elevação do espírito objetivo, já que este apresenta mais propriamente a
dimensão intersubjetiva. Hegel pode encontrar problemas exatamente nessa concepção
intersubjetiva e, segundo Habermas, um dos motivos pode se encontrar, num recorte histórico,
na desilusão com o desenrolar da revolução francesa, em que legitimação via caráter
intersubjetivo apresenta suas insuficiências. Habermas quer encontrar, por um lado, os
motivos que levam Hegel a estruturar o momento absoluto de espírito, pois Hegel associa a
subjetividade dos indivíduos socializados não à estrutura intersubjetiva, mas também às
“formas mais lidas de um espírito objetivo cuja substância racional pode ser avaliada do
ponto de vista do espírito absoluto (2004, p. 218). Por outro lado, Habermas visa propor
como essa noção pode ser concebida de forma plausível no debate atual. Segundo outros
autores, a necessidade que se apresenta a Hegel de estabelecer um tertium que permita a
relação pode levá-lo a encontrar no espírito objetivo (TESTA, 2001) ou no espírito do povo
(SIEP, 2007, p. 121 ss.) o pano de fundo onde se desenvolve a relação. No entanto, ao colocar
um âmbito anterior à própria relação, os indivíduos que a come podem ter seus papéis
relegados a mero momento: o espírito do povo é determinado como substância absoluta e o
indivíduo como seu momento, que deve ser superado na medida em que se dirige contra a sua
existência institucionalizada no Estado” (TESTA, 2007, p. 121).
82
Hegel quer manter a unidade entre subjetividade e a objetividade da eticidade,
recorrendo ao conceito de espírito para propor esta unidade. O espírito manifesta, em última
análise, uma estrutura auto-referente, perdendo o caráter intersubjetivo encontrado nos
escritos de Jena. Uma releitura dessa concepção indicaria uma estrutura comunicativa de
caráter intersubjetivista forte, levando a cabo a destranscendentalização do sujeito operada por
Hegel. Ao superar os problemas de uma moral legitimada subjetivamente, sob uma pretensa
representatividade, Hegel propõe uma concepção de moralidade que seja intersubjetivamente
legitimida, cuja autorização será mediada institucionalmente.
O cerne, mais que correto, de tal argumento é que toda política desse tipo
ameaça se converter em repressão, em violação dos interesses alheios, porque
ela, numa antecipação subjetiva do que se presume ser o bem, se julga
suspensa da ausente (inalcançável nas circunstâncias dadas) aprovação
intersubjetiva única garantia da liberdade igual para todos (HABERMAS,
2004, p. 220)
O Estado moderno, escreve Hegel, deve “deixar o princípio da subjetividade
plenificar-se até o extremo autônomo da particularidade pessoal e, ao mesmo tempo,
reconduzi-lo à unidade substancial, e, assim, de manter essa unidade substancial nesse
princípio da subjetividade” (RP, §260).
Por esse motivo, Hegel subordina o espírito subjetivo à moralidade objetiva
apenas sob a reserva de que as instituições adquiram uma forma racional em
conformidade com a realização das liberdades iguais para todos.
(HABERMAS, 2004, p. 220)
Esta legitimação da ordem moral está apoiada na concepção da razão objetiva que
perpassa a história. A crítica a esta concepção de razão é assim posta por Habermas:
Os cidadãos que agem politicamente não podem se desonerar do fardo de
criar, eles mesmos, as instituições do Estado constitucional (as quais, por seu
turno, os desoneram moralmente) senão por meio de uma razão que se realiza
historicamente sem o conhecimento deles. Mas isso requer a construção de
uma passagem do espírito objetivo ao saber absoluto. Essa construção deve
sustentar a confiança, fundada na filosofia da história, de que a realidade
83
moral do mundo moderno está prestes a se tornar racional mesmo sem nossa
intervenção. (2004, p. 221)
Mesmo que a intervenção resulte de trocas intersubjetivas, não são elas que definem,
em última análise, o desenvolvimento da história, mas se revelam instrumentos de um
processo hisrico teleologicamente determinado pela razão objetiva. Habermas propõe uma
alternativa, entendendo que, “nas condições do pensamento pós-metafísico, não podemos
mais apoiar nosso julgamento sobre uma autoridade desse tipo” (p. 221). Habermas encontra
no direito o medium que “interioriza a tensão entre a consciência subjetiva dos cidadãos e o
espírito objetivo das instituições” (p. 222), criticando a proposta de Hegel em encontrar a
fundamentação objetiva o na estrutura intersubjetiva do espírito objetivo, mas na
subjetividade absoluta
65
. “Este sujeito é o um e o todo, como totalidade que não pode ter
nada fora de si‟” (Habermas, 2004, p. 216). Semelhante à concepção fichteana da atividade
originária (Tathandlung) do Eu que se e a si mesmo, Hegel compreende os eventos que se
processam na natureza e na história, “como auto-reflexão em grande escala cuja meta é um
„saber que se compreende a si mesmoe que se absorve por inteiro na tarefa de lembrar todas
as estações pelas quais o espírito, que se extrusa a si mesmo, se realiza como espírito
absoluto. (HABERMAS, 2004, p. 215).
Habermas a teoria do espírito absoluto como a alternativa que Hegel encontra para
legitimar a objetividade incondicional. Em Hegel, as estruturas fundamentais de racionalidade
são elas mesmas históricas, sem ser passíveis de revisão a partir da referência ao empírico.
Dito brevemente, Habermas, ao localizar o déficit hegeliano fundamentalmente na noção de
65
Outras leituras oferecem uma visão significativamente diferente da proposta por Habermas. Dentre elas,
destacamos as de Beiser (2002), Solomon (1988) e Hammer (2007). Enquanto os dois primeiros discutem o
avanço de Hegel diante da subjetividade absoluta, Hammer (2007, p. 121 ss.) apresenta, em sua argumentação,
alguns pontos frágeis da tese habermasiana de que Hegel haveria recuado diante do projeto de
destranscendentalização do sujeito e, com isso, provoca o retorno à teoria da subjetividade absoluta. O autor
também considera que a leitura de Habermas não consegue satisfatoriamente dar conta da abordagem em torno
do sentido hegeliano de auto-determinação. A exposição da leitura habermasiana interessa-nos particularmente
devido à influência exercida na interpretação de Honneth. Uma abordagem crítica, no entanto, requer uma
ampliação da proposta aqui empreendida.
84
espírito absoluto, opta por ressaltar a intuição hegeliana do esrito objetivo, aproximando-o
da concepção de comunidade lingüística de comunicação.
66
Poder-se-ia resgatar um modelo
relacional também na concepção de espírito absoluto. As dificuldades, no entanto, não são
poucas. A recorrência a uma estrutura auto-reflexiva, na tentativa de manter a legitimação da
objetividade reconciliada com a subjetividade, provoca a limitação da estrutura relacional
como instância que se põe como base para a concepção do reconhecimento.
Visto que a auto-relação pensada em termos da filosofia do sujeito pressupõe,
como ponto de referência supremo, a identidade do sujeito que se sabe a si, o
movimento de pensamento que vai de Kant a Hegel pode reportar-se a uma
lógica interna: a diferença entre a síntese fundadora de unidade e a diversidade
apreendida por ela acaba exigindo também uma identidade última que
compreenda a identidade e a não-identidade. (HABERMAS, 2000, p. 519).
A auto-reflexão do sujeito tinha que se r também em sua objetividade, e o como
princípio imanente, a fim de não cair nas aporias que Hegel, no Differenzschrift, criticara em
Fichte. Ao colocar um princípio que não seja a própria auto-reflexão subjetiva, Hegel
encontra na razão objetiva a superação de um filosofia da reflexão, ao mesmo tempo em que
propõe “um movimento que exercesse seu télos no saber absoluto, no saber-se a si do todo”
(HABERMAS, 2000, p. 520).
No entanto, sob as premissas de Hegel, a interpretação intersubjetivista do
espírito absoluto é falha em dois aspectos. Em primeiro lugar, mesmo partindo
da perspectiva de uma comunidade totalmente inclusiva, subsiste uma
diferença não mediatizada entre o mundo social, que partilhamos
intersubjetivamente, e o mundo objetivo com o qual nos confrontamos e
devemos chegar a bom termo. Em segundo, a tensão entre o que é válidopara
nós” e o que é válido em e por sitambém não pode ser eliminada. O que
segundo nossas concepções é racionalmente aceitável não coincide
necessariamente com o objetivamente verdadeiro. Preso a seu presente e
66
Abordagens semelhantes são propostas por Brandom (1999, 2002) e Pinkard (1994). A interpretação de Siep
diverge dessa concepção, defendendo que ela leva a um reducionismo da filosofia prática aos moldes da relação
intersubjetiva, comprometendo outros aspectos da relação. “Permanece-se no contexto das relações interpessoais
e se reduz o problema das relações com a natureza interna e externa a uma questão de convenções sociais”
(2007, p. 50). Esta proposta é desenvolvida em outro texto do autor (SIEP, 2004b). Apesar de tal discussão
indicar uma questão importante sobre a ampliação da teoria do reconhecimento, limitamo-nos a apenas explicitar
esta proposta.
85
passado, o espírito finito permanece, mesmo quando se guia pela idéia do
incondicionalmente válido, provinciano em relação ao saber futuro melhor.
(2000, p. 213)
Ao recusar o caráter monológico do espírito, Habermas quer manter a intuição original
de Hegel de espírito enquanto latente à estrutura intersubjetiva. Desse modo, Habermas opera
uma “interpretação deflacioria” (HABERMAS, 2004, p. 214), superando o limiar que
Hegel coloca entre espírito objetivo e espírito absoluto. Habermas entende que Hegel, ao
articular este limiar, “espana do conceito de espírito os vestígios que denunciam sua origem
nas formas intersubjetivas do espírito objetivo” (2007, p. 214). Em outras palavras, Habermas
propõe uma releitura que desloca o norte de uma estrutura que se pretende supra-
intersubjetiva para as próprias trocas comunicativas entre os sujeitos. A leitura de Habermas
quer enfatizar o espírito objetivo, enquanto tenta encontrar ali parâmetros para a estrutura
social em que o sujeito constitui-se mediante práticas intersubjetivamente compartilhadas.
Com efeito, Habermas insiste na tese de que são nessas práticas que emerge a subjetividade, e
o espírito objetivo indica o lugar privilegiado dessas práticas. Diante da complexidade da
sociedade moderna, os padrões hegelianos seriam, para Habermas, inalcançáveis. Habermas
retoma, assim, a crítica que havia feito em Faktizität und Geltung,
67
cujo prefácio apresenta a
insuficiência da proposta hegeliana em consolidar uma abordagem das instituições que
garantam o que Theunissen, no plano lógico, articulara nos padrões da “liberdade
comunicativa”.
Apesar de se estruturarem distintamente, as críticas de Siep, sle e Habermas
assinalam a insuficiência da tematização da intersubjetividade no sistema hegeliano. Siep
(2007) dirige sua atenção à filosofia do espírito do período de Jena também por encontrar ali o
desprendimento do caráter teleológico no tratamento do espírito, mas à diferença de
Habermas, Siep (2007) não considera que os meios de sociabilização da linguagem, do
67
Citado pela edição emngua inglesa.
86
trabalho e da interação, tenham sido substitdos, no final do período em Jena, pela concepção
de espírito “monológico e teórico-identitário (p. 47). Na leitura de Siep, a estrutura
sistemática do reconhecimento se articula em dois planos: o interpessoal (relação eu-outro) e
o constitdo entre o eu e o nós (entre indivíduo e sociedade organizada nas instituições). Há,
entre ambos, um vínculo constitutivo recíproco, na qual são entrelaçadas as dimensões da
subjetividade e da objetividade. Siep considera que o papel do princípio sistemático, que, nos
escritos de Jena era designado pelo reconhecimento, passará, na Filosofia do Direito, a ser
representado pelo conceito de liberdade. Na relação recíproca entre “vontade singular-
particular e universal, todas as estruturas do reconhecimento ainda estão presentes” (SIEP,
2007, p. 49). No entanto, Siep mostra, à semelhança de Habermas, que a deficiência do
reconhecimento mantém-se no decorrer dos escritos de Hegel, enquanto se apresenta
subordinado ao caráter autoreflexivo do espírito. Enquanto Siep mostra os problemas do
caráter teleológico e substancialista, sle, em sua crítica, mostra a insuficiência do
tratamento da intersubjetividade na sua fundamentação lógica. Para sle, o ficit no
tratamento da intersubjetividade tem seu lugar central no desenvolvimento da lógica,
enquanto em Habermas esta perda ocorre com o desenvolvimento de uma concepção
monológica de espírito autoreflexivo. Desse modo, Habermas defende a revisão do conceito
de racionalidade a partir da proposta da razão comunicativa. A redução da diferença ao
denominador comum da identidade, a tematização da subjetividade absoluta, o prejuízo para
as trocas comunicativas, são elementos em comum nas críticas aqui esboçadas. A exposição
crítica da abordagem hegeliana, no entanto, ainda o satisfez o propósito de explicitar quais
os problemas que o referencial teórico hegeliano trará para uma teoria da eticidade.
87
3.3 A substancialização da eticidade: problemas do tratamento hegeliano do
reconhecimento para uma teoria da eticidade
Reunidos sob os títulos de espírito autoreflexivo, teleologia do incondicionado e
estrutura lógica auto-referencial, a explicitação sucinta dos problemas do referencial teórico
de Hegel satisfaz apenas a intenção de uma crítica interna orientada para a explicitação da
lacuna estrutural do objeto específico deste trabalho: o tratamento hegeliano da eticidade. Esta
questão pode ser resumida por duas idéias centrais, cujas linhas gerais iremos discutir no que
se segue: o modelo substancialista de eticidade, que provoca a perda da dimensão
intersubjetiva das relações de reconhecimento, e o enfraquecimento da dimensão
intersubjetiva na elaboração da estrutura normativa.
Ao contrário do que apontam muitas críticas, a concepção hegeliana de Estado e seu
papel no âmbito da eticidade como um todo, parece indicar a esfera onde é possível a
individuação, e onde a liberdade do indivíduo pode ser efetuada. Em várias passagens Hegel
critica uma concepção de Estado como limitador da liberdade subjetiva. Na Enciclopédia,
Hegel objeta:
Nada se tornou mais corrente do que a representação de que cada um deveria
limitar sua liberdade em relação à liberdade dos outros; e de que o Estado
seria a condição dessa limitação recíproca, e as leis seriam as limitações. Em
tais representações, a liberdade é apreendida como bel-prazer e arbítrio
contingentes. (Enz., §539)
Contra essa concepção de liberdade, Hegel quer propor uma visão do Estado como
representante da conjugação das liberdades individuais, não no sentido de limitá-las, mas, ao
contrário, potencializá-las e, mais ainda, torná-las possíveis. Na terminologia especulativa, o
Estado, enquanto universal, possibilita a diferenciação das partes que o come:
É preciso dizer [...] que justamente o mais alto desenvolvimento e
aprimoramento dos Estados modernos produz na efetividade a suprema
desigualdade concreta dos indivíduos; e, em contrapartida, por meio da
88
racionalidade mais profunda das leis e da consolidação da legalidade, realiza
uma liberdade tanto maior e mais fundamentada, e pode permiti-la e tole-la.
(HEGEL, Enz., §539, adendo)
No entanto, Hegel desloca a ênfase da relação intersubjetiva para um modelo de
eticidade pautada num registro substancialista, com a tendência de superestimar o papel do
Estado no conjunto da substância ética. Com efeito, em resposta àquela concepção de Estado,
Hegel deixa claro que toda lei verdadeira é uma liberdade, pois ela contém uma
determinação racional do espírito objetivo; portanto, um conteúdo da liberdade” (Enz., §539,
adendo). Na tentativa de conjugar liberdade subjetiva e liberdade objetiva, Hegel mostra que a
liberdade subjetiva, que se refere à “autonomia moral” (Enz., §539, obs.), “somente cresce
sob a condição daquela liberdade objetiva e só existe e pode crescer até essa altura nos
Estados modernos” (Enz., §539, obs.).
No adendo ao §156 da Filosofia do Direito, encontra-se a famosa passagem onde
Hegel afirma que “O espírito tem efetividade, e os acidentes do mesmo são os indivíduos”
68
(RP, §156, adendo). No mesmo adendo, Hegel dirá que o espírito o é o singular, mas a
unidade do singular com o universal. No §514 da Enciclopédia, onde Hegel apresenta a
relação entre pessoas e substância ética, Hegel escreve que a pessoa “leva a termo, sem a
reflexão que escolhe
69
, seu dever como o seu, e como o essente; e nessa necessidade [Notw.] a
pessoa tem a si mesma, e a sua liberdade efetiva”
70
(Enz. §514, p.296). E ainda: “O Estado é a
efetividade da liberdade concreta(RP, §260).
71
Neste sentido, na exposição da liberdade no
contexto do Estado, “os indivíduos singulares são somente momentos” (RP, §258, adendo).
Também na Enciclopédia: “os espíritos particulares são apenas momentos no
desenvolvimento da iia universal do espírito em sua efetividade” (Enz., §536).
68
“Der Geist hat Wirklichkeit, und die Akzidenzen derselben sind die Individuen”.
69
Pode-se traduzir também por reflexão seletiva, correspondente à expressão “wählende Reflexion”.
70
“So vollbringt sie ohne die wählende Reflexion ihre Pflicht als das Ihrige und als Seiendes und hat in dieser
Notwendigkeit sich selbst und ihre wirkliche Freiheit.”
71
“Der Staat ist die Wirklichkeit der kronkreten Freiheit.
89
Uma crítica particularmente convincente desta abordagem hegeliana é apresentada por
Tugendhat (1993, 2000), cuja tese pode ser assim resumida: em seu conceito de eticidade,
Hegel defende “o ser dado das normas [...] e defende uma tese extrema da prioridade do
social sobre o individual” (TUGENDHAT, 2000, p. 220). Neste ponto, é mostrado que, por
um lado, “o dado (vorgebene) não é os costumes, etc., mas „o Estadoe, por outro, que o
Estado é o todo substancial, que os indivíduos devem ser concebidos como acidentes” (2000,
p. 220). Tugendhat observa ainda que “Hegel nunca fundamenta sua posição, ao menos
explicitamente, com o ganho instrumental que dela resultaria para os indivíduos” (2000, p.
221), mas esta fundamentação é encontrada a partir do seu sistema, enquanto representa a
unidade da subjetividade e objetividade” (2000, p. 221). Nas palavras de Tugendhat, Hegel
une, sob o título da eticidade, a subjetividade da liberdade com a „objetividade(ser dado)
dos costumes” (2000, p. 220), que, em seu caráter racional e universal, são expressos pelo
direito.
Esta questão requer um breve esclarecimento. Na abordagem hegeliana, a eticidade
representa a síntese entre moralidade e direito. As instituições cumprem o papel de conjugar
autonomia moral com a eficácia e coerção do direito, cuja representação encontra-se na
eticidade. A passagem para a moralidade é marcada pela descrão da “vontade subjetiva”
que, ao ter-se confrontado com o direito, “só tem essencialmente verdade e realidade
enquanto é, nela mesma, como ser-aí da vontade racional” (Enz, §502). No entanto nessa
síntese dialética entre moralidade, referente à coerção interna, e direito, atrelada à coerção
externa, é garantida a eficácia do direito, mas não é garantida a autonomia moral. Nessa
síntese, a ênfase volta-se para a liberdade como autodeterminação, deixando em segundo
plano aquela liberdade relacionada ao artrio, referente à possibilidade de escolher, de
autonomia não no sentido de dar a si mesmo as leis do conceito, mas, antes, de participar de
uma construção livre de regras sociais. Assim como há na Lógica a subordinação da
90
continncia à necessidade absoluta, na Filosofia do Direito haveria uma subordinação da
liberdade negativa à liberdade positiva, no sentido da distinção consagrada por Isaiah Berlin
72
.
A liberdade não é concebida em sua indicação propriamente da autonomia, mas somente
enquanto atrelada a uma concepção de efetivação da razão. Para Tugendhat, a atitude de
Hegel provoca um “completo esvaziamento de conteúdo do elemento moral, implicado por
esta concepção” (2000, p. 222-223), levando ao enfraquecimento do teor moral da eticidade.
Este esvaziamento já está esboçado no conceito hegeliano de eticidade, de acordo com o qual
a virtude consiste na „simples adequação do indivíduo aos deveres da situação que
pertence‟
73
Escreve Hegel: “Que o indivíduo seja, é indiferente à eticidade objetiva, sendo
somente esta o permanente [das Bleibende] e o poder [die Macht]” (RP, §145, adendo).
O Estado serve para garantir a liberdade da sociedade civil, seguindo uma certa
concepção liberal. O que ocorre, no entanto, é que a noção de liberdade negativa sempre está
subordinada a uma concepção de liberdade mais abrangente. Em Hegel, está em jogo
essencialmente a liberdade como autodeterminação da vontade livre tanto em referência ao
indivíduo como ao teor coletivo concernente ao espírito objetivo. Aqui, no lugar da “eleição
reflexiva” entra “a confiança, a verdadeira convicção ética”. Nesse sentido, Hegel não admite
a possibilidade de uma reflexão crítica, auto-responsável com a comunidade ou o Estado. Para
ele, as leis existentes têm uma absoluta autoridade.
A suposição de que a caracterização afirmativa da relação do indivíduo com o
espírito objetivo, que Hegel na Enciclopédia, na passagem da consciência
ao espírito, teria talvez que ser restringido devido a que os indivíduos o
pensados como autônomos e livre, resultou falsa. Hegel não admite a
possibilidade de uma relação crítica, autoresponsável, com a comunidade ou
com o Estado. Ao invés disso, o que nos diz é que as leis existentes tem uma
absoluta autoridade, que o que o indivíduo tem que fazer está estabelecido
pela comunidade. A consciência moral privada do indivíduo tem que
desaparecer e no lugar da refleo entra a confiança. Isto é o que Hegel quer
dizer com a superação da moralidade na eticidade. (TUGENDHAT, 1993, p.
272-273)
72
Cf. Berlin (2002a; 2002b). Para um confronto recente em torno desse debate, cf. Taylor (2002)
73
Cf. Enz., §§514-515; RP, §150.
91
Nesse sentido, a tese de Tugendhat (1993, 2000) é a de que Kant teria concedido um
valor excessivo à concepção negativa de liberdade. Hegel, visando superar a cisão kantiana
entre direito e moral, acaba hipertrofiando a liberdade positiva. Com efeito, em Hegel, o
espírito efetivo, comunitário, atua na garantia da intersubjetividade, mas não assegura a
liberdade negativa. um super-inflacionamento da liberdade positiva ao considerá-la como
fundamento da eticidade. Tugendhat (2000) entende que, em Hegel, o papel dos direitos
mostra-se como secundário, na medida em que as relações entre os indivíduos, bem como o
reconhecimento de seus direitos, são intermediados pelos costumes e pelo Estado. Acrescenta-
se ainda uma outra característica:
[...] o reconhecer-se recíproco oferece uma nova estrutura do assentimento
intersubjetivo, no qual cada um reconhece o outro, não apenas na perspectiva
de sua liberdade e também o apenas na perspectiva de seus direitos de
liberdade, mas enfim como sujeito de direitos. (TUGENDHAT, 2000, p. 297)
Ao mesmo tempo, Tugendhat (2000) aponta uma ambigüidade contida na noção de
reconhecer o outro como livre. Quer-se dizer com isto que tomamos conhecimento que o
outro é autônomo (então parece estar numa continuação direta da Fenomenologia), ou
entende-se que o outro tem direito à liberdade?” (p. 297). O próprio Tugendhat (2000)
responde:
Fichte o tinha entendido neste último sentido, enquanto que em Hegel,
também num desenvolvimento mais amplo, a idéia dos direitos dos indivíduos
não desempenha um papel central, porque [...] os indivíduos e o
reconhecimento recíproco dos seus direitos não são para ele uma última
instância (kein Letztes), mas as relações entre um e outro o intermediadas
pelos costumes e pelo Estado. (TUGENDHAT, 2000, p. 297)
Nesse sentido, a pergunta agora se desloca no sentido de elucidar se o papel do Estado
é garantir a liberdade individual ou esta deve se adequar à vontade do Estado. Na hitese de
Tugendhat, em rias passagens da Filosofia do Direito Hegel parece querer referir-se a esta
92
última concepção. Hegel, ao voltar a atenção para a relação entre indivíduos, pode ter
concedido ao Estado um papel substancialista, o que poderia ter sido amortecido se a ênfase
estivesse voltada para um modelo baseado na própria troca intersubjetiva. Esta mesma
estrutura relacional é relegada ao papel de somente compor a substância ética, sendo retirado
o papel revisionista forte. A constituição não é dada no sentido histórico, mas está
condicionada à concepção de razão objetiva, que contém uma estrutura normativa. Ao
legislador, cumpre o papel de encontrar este caráter normativo nos costumes, referindo-se ao
caráter racional da constituição enquanto estabelece aquilo que, nos costumes, espelha o
racional, remetendo à tese da identidade entre efetivo e racional, apresentada no prefácio à
Filosofia do Direito. Este aspecto racional, no entanto, refere-se não a uma razão
intersubjetivamente compartilhada, mas a uma razão objetiva. Hegel enfatiza o Estado e sua
constituição enquanto são compreendidos como racionais, isto é, referentes ao espírito do
povo, expressão legítima dos indivíduos que o constituem. Hegel entende que
A garantia de uma constituição, isto é, a necessidade [Notw.] de que as leis
sejam racionais e sua efetivação seja assegurada, reside no espírito do
conjunto do povo, a saber, na determinidade segundo a qual ele tem a
consciência-de-si de sua razão (a religião é essa consciência em sua
substancialidade absoluta) e então, ao mesmo tempo, na organização efetiva,
enquanto desenvolvimento daquele princípio. A constituição pressupõe aquela
consciência do espírito e, inversamente, o espírito pressupõe a constituição,
pois o espírito efetivo mesmo tem a consciência determinada de seus
princípios somente enquanto estão presentes para ele como existentes. (Enz.,
§540)
Em torno desse ponto, ao discutir quem deve elaborar a constituição, Hegel, no §273
da Filosofia do Direito, busca uma justificativa racional para a constituição:
74
o simplesmente essencial é que a constituição, ainda que surgida no
tempo, não deve ser considerada como algo feito, pois ela é, pelo
contrário, o puro e simplesmente existente em si e para si, o que por
74
No contexto da discussão sobre a monarquia, a aristocracia e a democracia, Hegel articula, nesse parágrafo, a
seguinte questão: “Eine andere Frage bietet sich leicht dar: wer die Verfassung machen soll?“ (RP, §273)
93
isso tem que ser considerado como o divino e perseverante, e como o
acima da esfera do que se faz.
75
(RP, §273)
Esta mesma tese está presente, resumidamente, na observação do §540 da
Enciclopédia, quando Hegel escreve que “é o espírito imanente e a sua história é na verdade
a história e somente sua história por quem as Constituições são feitas e foram feitas” (Enz,
§540). Desse modo, Hegel encontra a fundamentação da constituição - não necessariamente
formalizada - no caráter axiológico e normativo inerente ao espírito do povo (Volksgeist).
Hegel tem em vista a superação do problema, que ele criticara em Kant, da impotência do
dever-ser, apoiando-se na noção de espírito do povo, extraindo o caráter normativo dos
próprios costumes. A partir de sua crítica à fragilidade e tautologia de um formalismo vazio
da proposta kantiana,
76
Hegel quer mostrar a interdependência entre normas e fatos, dados
enquanto movimento do espírito, na tentativa de deslocar o dever-ser como formalismo,
passando a associá-lo à historicidade do espírito objetivo. O dever-ser é indissociável de seu
conteúdo empírico, em vista de evitar uma estrutura formal impotente, superando a distinção
entre ser e dever-ser. Entretanto, permanece o problema da retificação em torno do âmbito
normativo. Os indivíduos cumprem um papel de “instrumentos”. Aos indivíduos não cabe, de
maneira forte, o papel revisionista, nem mesmo decisório. A constituição é dada. Na
Fenomenologia, a passagem da razão para o espírito é marcada pela constatação de que “as
leis são. [...] A consciência-de-si é igualmente relação simples e clara com essas leis. Elas
são, e nada mais: é o que constitui a consciência de sua relação”
77
(PhG, §437).
O problema posto é que uma teoria da intersubjetividade por si só o garante a
participação do indivíduo na construção da totalidade ética. Hegel não consegue
75
“Überhaupt aber ist es schlechthin wesentlich, ddie Verfassung, obgleich in der Zeit hervorgegangen, nicht
als ein Gemachtes angesehen werde; denn sie ist vielmehr das schlechthin an und für sich Seiende, das darum als
das Göttliche und Beharrende und als über der Sphäre dessen, was gemacht wird, zu betrachten ist“ (RP, §273).
76
cf. §§133-135 da Filosofia do Direito e o Escrito sobre o direito natural. Hegel é enfático em sua crítica ao
formalismo kantiano: “wo nichts ist, auch kein Widerspruch sein kann” (RP, §135, adendo).
77
Hegel exemplifica com a passagem de Antígona, de Sófocles (versos 456-457): “Não de hoje, nem de ontem,
mas de sempre / Que vive esse direito e ninguém sabe / Quando foi que surgiu e apareceu” (PhG, §437, p. 302)
94
satisfatoriamente deixar espaço para uma deliberação assentada na relação intersubjetiva, ou
seja, não cabe às trocas comunicativas entre os sujeitos a deliberação e retificação do quadro
normativo e delineamento da eticidade. Mesmo que os indivíduos se encarreguem da revisão
da configuração ética, compreendida pelos âmbitos normativos ou mesmo os costumes, a
liberdade dessas trocas restringe-se a um movimento do espírito teleologicamente
incondicionado, constituindo-se um quadro de troca comunicativa fraca.
Ao mesmo tempo em que Hegel alerta para o papel fundamental da intersubjetividade,
(enquanto condição para a autonomia e liberdade), ele também atrela o próprio caráter
intersubjetivo a uma instância supraindividual, não se referindo à intersubjetividade como
instância última, mas subordinando-a a uma estrutura auto-reflexiva forte: o espírito. O núcleo
deste problema consiste na subordinação da intersubjetividade a uma estrutura supra-
intersubjetiva. Em seu projeto de ontologia relacional, Hegel pretende sustentar que o
particular é concebido enquanto relação. No entanto, a ênfase o é propriamente concedida à
relação, mas, antes, para a estrutura relacional autoreferente.
Hegel o consegue ver em estruturas intersubjetivas um plus categorial em
face da relação puramente cognitiva entre sujeito e objeto, mas ele, em última
instância, encara todo processo de reconhecimento apenas como meio para
alcançar a consciência racional de que as determinações do pensamento o
ao mesmo tempo objetivas (HÖSLE, 2007, pp. 420, 421, grifo do autor).
Esse embate conduz à recorrente crítica sobre o caráter determinista do sistema
hegeliano, enquanto haveria nele a recorrência a uma instância supraindividual - o espírito - e
sua referência a uma razão objetiva enquanto motor da história. O debate verificado em
diversas interpretações do sistema hegeliano levanta o problema da negligência em torno de
uma efetiva participação do indivíduo na construção histórica. Este problema provoca a
dificuldade de conceber a configuração espaço-temporal de acordo com o que Luft (2005)
denomina de espaço de configuração subdeterminado. A dificuldade de encontrarmos uma
95
subdeterminação em Hegel se apresenta quando nos apoiamos na concepção monológica de
espírito, e nas leituras deterministas que sugerem o movimento da hisria como perpassado
por essa concepção. Numa outra linha interpretativa
78
, regras mínimas, que ao mesmo tempo
seriam descritivas e prescritivas, estariam configurando um espaço regulatório para ações dos
indivíduos, mas a própria continncia garantiria a liberdade individual e, desse modo, a
configuração desse espaço estaria a critério das ações individuais concernentes à vontade
livre.
A noção de retificação individual dos costumes, e a própria concepção de revisão do
tecido institucional, o que conduz à transformação do percurso da história, está atrelada a uma
teleologia do processo histórico, inscrita na concepção de movimento do espírito. O papel do
indivíduo na transformação desse processo é restrito a uma noção de contingência limitada
pelo movimento teleológico que pré-determina não o fim, mas, de algum modo, também o
próprio processo (LUFT, 1991, 2005). Esta posição restringe a participação efetiva da
liberdade individual na revisão de normas e costumes, que, mesmo se efetuada pela troca
intersubjetiva, é orientada pelo movimento teleológico do espírito.
Em última análise, ao vincular o reconhecimento à razão objetiva, Hegel não pode
levar a cabo as exigências de relações peculiares à diferenciação ética que subjaz a cada
cultura. Ao desprender-se da razão objetiva, o debate atual sobre o reconhecimento quer
encontrar nesse conceito a satisfação das exigências do multiculturalismo, pautada em
padrões de troca mútua de reconhecimento intersubjetivo.
79
Aquele impasse verificado com o
uso de relações ancoradas numa concepção supra-individual de razão é atenuado por um
deslocamento do reconhecimento para a ppria relação entre sujeitos, levando a cabo a
78
Como a de Luft (2005) e, de algum modo, também no registro pós-metafísico, na proposta de Habermas. Mais
adiante esta questão será enfocada a partir da teoria de Honneth.
79
Cf. por exemplo, Taylor (1992, 2000).
96
intenção hegeliana de fornecer um parâmetro para a constituição de uma unidade na
multiplicidade, antes escrita com traços metafísicos.
Como se tentou mostrar na primeira parte, o projeto para o qual Hegel se dirige indica
a refutação da autonomia e liberdade concebidas enquanto referentes a sujeitos isolados,
deslocando a ênfase do atomismo para a relação, em conformidade com o projeto de ontologia
relacional, conforme dito anteriormente. Entretanto, Hegel poderia ter melhor estabelecido a
relação entre indivíduo e sociedade, e, com ela, um modelo de eticidade, mas se restringe ao
pensar a substância ética do tecido social a partir do movimento autoreflexivo do espírito. Em
Hegel podemos encontrar as vantagens de um modelo de liberdade comunicativa nos padrões
do ser-consigo-mesmo-no-outro, conceber a intersubjetividade como prerrogativa para a
subjetividade, explorar as condições intersubjetivas para a autonomia, bem como intuir a
constituição da identidade mediante as relações de reconhecimento recíproco. Por outro lado,
essa fundamentação é buscada num modelo de razão objetiva que conduz a um modelo de
espírito autoreflexivo, pré-determinado por uma teleologia incondicionada. Ao partir desse
modelo, também as relações intersubjetivas são subordinadas à auto-referência do espírito. É
verificada uma teoria da intersubjetividade, sem que, no entanto, seja suficientemente
assegurada a liberdade individual e as trocas comunicativas fortes. Deixa-se corroborar que
uma teoria da intersubjetividade, por si , não garante uma teoria satisfatória da liberdade e
da autonomia compreendida a partir do reconhecimento.
Apesar da proposta hegeliana tentar superar o atomismo através de uma perspectiva
relacional, ao atrelar as relações intersubjetivas ao desenvolvimento de uma teoria do espírito,
a ênfase desloca-se das próprias trocas intersubjetivas para a estrutura que as perpassa.
Procurou-se revelar que, ao buscar o que possibilita a relação intersubjetiva, Hegel corre o
risco de se deter em uma teleologia incondicionada, determinada pela estrutura gica
apriorística e pelo modelo autoreflexivo do espírito. A lacuna do desenvolvimento da teoria
97
do espírito, a partir dos escritos de Jena, pode ser aquela de o configurar um quadro no qual
o indivíduo o é compreendido, em última análise, em relação a um quadro intersubjetivo,
mas à estrutura autoreferencial que o possibilita. A exposão desses elementos permite
esclarecer a relevância de um modo de interpretão de Hegel que retome suas intuições de
modo plausível diante das críticas às quais a filosofia hegeliana é submetida, na tentativa de
detectar a ampliação do conceito hegeliano de reconhecimento. A insuficiência da teoria
hegeliana da eticidade, mais especificamente conforme os aspectos aqui discutidos, requer
uma proposta de revisão e superação dos limites postos pelo referencial teórico hegeliano. A
ampliação da proposta do reconhecimento conduziria a elementos da filosofia hegeliana
rejeitados em grande parte de suas releituras. No entanto, a discussão sobre a proposta recente
de teoria do reconhecimento possibilita extrair dela uma proposta de intensificação do caráter
relacional, evitando incorrer nos riscos de uma estrutura auto-reflexiva, cuja fundamentação
volta-se para uma lógica apriorística. Dentre as recentes propostas de atualização da filosofia
hegeliana, destaca-se a que Axel Honneth articula em sua teoria do reconhecimento. A
guinada trica da proposta de Honneth será a de recolocar a teoria do reconhecimento num
quadro intersubjetivo dissociado de uma estrutura auto-reflexiva, fornecendo novos
parâmetros para a reestruturação do conceito hegeliano de eticidade.
98
4. A REATUALIZAÇÃO DE HEGEL NA TEORIA DO RECONHECIMENTO DE
AXEL HONNETH
A argumentação que seguimos até aqui procurou revelar os problemas da abordagem
hegeliana para a consolidação de uma teoria da eticidade assentada numa estrutura
intersubjetiva de relações de reconhecimento. Encontramos na teoria do reconhecimento de
Axel Honneth a proposta de uma reatualização do conceito de eticidade, reescrita a partir de
padrões conceituais que atenda as exigências da situação teórica atual. O projeto de Honneth
situa-se num quadro em que se delineia a tentativa de atualização da problemática hegeliana
em um registro pós-metafísico, no qual o conteúdo do pensamento hegeliano é retomado, mas
é posta em questão a forma com a qual ele se expõe e se fundamenta, com vistas a evitar o
que Honneth entende por um retrocesso brutal de nossos padrões s-metasicos de
racionalidade” (2007, p. 50). Nesse sentido, o presente capítulo tem como objetivo encontrar
o avanço de Honneth diante da proposta hegeliana. A idéia básica consiste em extrair da
teoria de Honneth novos parâmetros para a reconstrução de uma teoria da eticidade. Após
expormos a recepção de Hegel para a elaboração da teoria do reconhecimento de Honneth
(3.1), iremos expor como Honneth leva a cabo seu projeto de revisão do conceito hegeliano de
eticidade a partir da releitura da Filosofia do Direito de Hegel (3.2). Por fim, será mostrado os
problemas da proposta inicial de Hegel na sua teoria da eticidade (3.3), ampliando a dimensão
crítica apresentada anteriormente. Tentar-seexplicitar novas possibilidades de respostas à
idéia traçada por Hegel a partir da proposta de Honneth, retomando, assim, as idéias de sua
Luta por reconhecimento, ao mesmo tempo em que se revelam possibilidades de ampliação
do projeto de Honneth, cujo tratamento já acena para as considerações finais deste trabalho.
99
4.1 A atualização do conceito hegeliano de reconhecimento e a proposta de um
modelo pós-tradicional de eticidade
Com a transformação teórico-lingüística e teórico-comunicativa da teoria idealista da
intersubjetividade, os projetos de reatualização de Hegel são pautados no deslocamento das
trocas comunicativas não apenas como momento, mas como base a partir da qual se
estabelece a configuração da eticidade. O revestimento pós-metasico do conceito de
reconhecimento??? é inaugurado pela leitura habermasiana de Hegel, cuja proposta se
guiada pelo processo de intersubjetivação da razão, inscrita agora num quadro comunicativo.
A estrutura do reconhecimento deve vigorar nas trocas comunicativas orientadas para o
entendimento, onde o processo de validação das normas é estabelecido à luz da troca
intersubjetiva. A teoria do reconhecimento de Axel Honneth irá se posicionar diante desse
modelo de delineamento habermasiano, fortalecendo o caráter conflituoso das relações
intersubjetivas, entendido não como assentada em trocas comunicativas orientada para o
entendimento, mas guiada por uma lógica que subjaz aos conflitos sociais, marcada por
reivindicações de reconhecimento peculiares às esferas componentes da eticidade. Com a
publicação de sua tese de doutoramento, sob o tulo de Kritik der Macht Reflexionsstufen
einer kritischen Gesellschaftstheorie (Crítica do Poder. Estágios de reflexão de uma teoria
social crítica), Honneth (1997) demarca sua crítica ao caráter insatisfatório das propostas
anteriores da teoria crítica. Em torno do que Honneth (1997) apresenta como um déficit
sociológico da teoria crítica, ele sustenta que uma das insuficiências da proposta de
Habermas foi ceder demais à teoria dos sistemas quando desenvolve a distinção entre sistema
e mundo da vida. A questão remete ao fato deste problema residir no próprio ponto de partida,
enquanto ele está ancorado nesta distinção. Com efeito, os problemas que Honneth levanta
referem-se fundamentalmente às dificuldades em torno da relação entre sistema” e “mundo
da vida”, uma vez que não seria necessário distingui-los. Ao deslocar o foco da tensão entre
100
sistema e mundo da vida para a sistemática violação das condições de reconhecimento,
Honneth pretende superar o déficit sociológico da teoria habermasiana. A idéia básica aqui é
pensar o sistema social como resultado de uma lógica dos conflitos sociais, retomando o
fundamento social da teoria crítica, ancorado na experiência de conflito social.
80
A partir desta discussão marcadamente ex negativo, Honneth abre espaço para a
elaboração de uma lógica moral dos conflitos sociais, o que, segundo a crítica honnethiana
(1997), teria se mostrado insuficiente nas análises propostas pela teoria crítica até então. Este
projeto é levado a cabo em Kampf um Anerkennung (Luta por reconhecimento, 2003),
resultado de sua tese de livre-docência sob a orientação de Jürgen Habermas, onde Honneth
apresenta o delineamento de seu próprio projeto de avanço diante dos problemas levantados
em Kritik der Macht. Honneth encontra o contorno teórico da sua proposta na filosofia de
Hegel, cuja elaboração do conceito de reconhecimento nos escritos de Jena será visto por
Honneth como uma chave para a compreensão dos conflitos sociais. Ele encontra nesses
escritos os vestígios de uma consistente teoria social, apresentados notadamente na
Realphilosophie de Jena e no Sistema de Eticidade, enquanto ali o reconhecimento exerce
uma função geradora da sociedade e permite conceituar o desenvolvimento da
individualização associado à interação com a comunidade. À diferença das críticas que se
atêm à constatação da perda da intersubjetividade em Hegel, Honneth visa extrair do
pensamento hegeliano as intuições de uma teoria do reconhecimento, complementando a
teoria habermasiana da intersubjetividade comunicativa com a luta e o conflito social. Para
Honneth, o conflito é estruturante da intersubjetividade. A base da interação é, portanto, o
conflito, sendo demarcada, assim, uma estrutura relacional com contornos teóricos
80
Em recente artigo, Denilson Werle e Rúrion Soares (2008) mostram que, se o empreendimento de Honneth
procura sanar aquilo que ele denomina déficit sociológico da teoria crítica, acaba provocando, por outro lado,
aquilo que os autores do artigo chamam de “déficit político”. Outro artigo, que discute essa mesma questão, mas
com uma proposta de elucidar o desdobramento político da teoria de Honneth é DERANTY, Jean-Philippe;
RENAULT, Emmanuel. Politicizing Honneth‟s Ethics of Recognition. Thesis Eleven; 88. 2007. S. 92-111. Nesse
artigo, os autores sugerem que um retorno à teoria madura da subjetividade em Hegel ajuda a especificar a
relação entre a demanda normativa pela identidade autônoma e sua realização na política e através dela.
101
hegelianos. A iia básica aqui é que o fator motivador dos conflitos sociais - o que se estende
para os conflitos intersubjetivos e interculturais - reside na ausência ou insuficiência de
relações de reconhecimento recíproco. Esta aposta conduz Honneth a analisar a concepção
originária de Hegel da experiência do reconhecimento para melhor entender os conflitos
resultantes, por um lado, de sua ausência, e, por outro, das relações deficientes de
reconhecimento, para, com isso, sugerir os elementos necessários para evitá-los.
81
Nesse
sentido, esta estratégia permite apresentar outras formas de reconhecimento, ampliando a
proposta inicial de Hegel.
A teoria de Honneth procura evidenciar quais os sintomas implicados na ausência de
reconhecimento. Para este empreendimento, Honneth procura verificar se a seqüência de
etapas propostas por Hegel resiste a considerações emricas e se elas correspondem a formas
de desrespeito social. Esta estratégia propõe-se a encontrar comprovações históricas e
sociológicas para a iia de que “essas formas de desrespeito social foram de fato fonte
motivacional de confrontos sociais” (2003, p. 122), ao tempo em que, à semelhança do
propósito hegeliano, Honneth pretende fornecer uma gramática dos conflitos e a lógica das
mudanças sociais: a resposta a essas questões conflui em seu todo à solão da tarefa de
apresentar, pelo menos a traços largos, a lógica moral dos conflitos sociais”
82
(2003, p. 122).
81
Em linhas gerais, a tendência da abordagem contemporânea do reconhecimento é partir de uma análise das
conseqüências geradas pela falta de reconhecimento (misrecognition). Sobre isso, cf. a discussão entre Avishai
Margalit (2001) e Honneth (2001b). Na interpretação de Margalit, Honneth parte de uma análise positiva para
delinear os parâmetros de políticas do reconhecimento, enquanto Margalit propõe uma definição através de uma
abordagem negativa. “Onde me diferencio diretamente de Honneth é nas políticas de reconhecimento. Honneth
defende políticas positivas, e eu defendo políticas negativas. Acredito que não é a justiça que nos leva para
políticas normativas, mas a injustiça. Não a igualdade, mas a desigualdade. Não a liberdade, mas o despotismo, e
focando ainda mais não o reconhecimento e o respeito, mas a rejeição e a humilhação.” (MARGALIT, 2001, p.
127).
82
Desse modo, Honneth não retoma Hegel com o objetivo de elaborar uma teoria normativa das instituições
(SIEP, 2007), nem no sentido de propor uma concepção de moral ampliada no plano da teoria da subjetividade
(WILDT, 1982). Apesar de partilhar com Siep a idéia de que “a doutrina do reconhecimento de Hegel pode ser
compreendida no sentido de uma teoria da condição necessária da socialização humana(HONNETH, 2003, p.
119, nota), Honneth considera equivocada a intenção de extrair dessa proposta um critério normativo para julgar
as instituições, “visto que não possuímos em princípio nenhum saber completo a respeito de que forma
institucional pode assumir o cumprimento de determinadas e necessárias operações de reconhecimento
(HONNETH, 2003, p. 119). Diante da proposta de Wildt (1982) de perseguir uma concepção de moral ampliada
no plano da teoria da subjetividade, na perspectiva mais próxima de uma psicologia filosófica, Honneth objetiva
102
No início de Luta por Reconhecimento, Honneth enquadra a filosofia potica de Hegel
como resposta à proposta da filosofia social moderna de reduzir a potica à imposição de
poder, observando ainda que o jovem Hegel faz uso do modelo conceitual hobbesiano da luta
inter-humana para desenvolver sua teoria.
83
O direito moderno, no entanto, manteve-se preso
a premissas atomistas, concebendo a “comunidade de homens” como “muitos associados”,
isto é, “a concatenação de sujeitos isolados, mas não segundo o modelo de uma unidade ética
de todos” (2003, p. 39-40). Honneth articula de maneira convincente o delineamento que
Hegel encontrará em Fichte para compor o modelo de uma teoria do reconhecimento, ao
tempo em que Hegel concede-lhe uma dinamização teórica sob a ênfase do conflito como
elemento estruturante da relação. As relações éticas de uma sociedade representam as formas
de uma intersubjetividade prática na qual o vínculo complementário entre os sujeitos e, com
isso, a comunidade de indivíduos em relação são assegurados por um movimento de
reconhecimento. O conflito por reconhecimento compreende o momento da negação que leva
à afirmação da identidade do sujeito. Esta negação esinscrita no âmbito social em que o
indivíduo coloca-se como parte de um todo. O conflito, assim, representa não o resultado, mas
a experiência originária de subjetivação e que se mantém ao longo do processo de afirmação
da identidade individual.
A formação do Eu prático está ligada à pressuposição do reconhecimento
recíproco entre dois sujeitos: só quando dois indivíduos se vêem confirmados
em sua autonomia por seu respectivo defronte, eles podem chegar de maneira
complementária a uma compreensão de si mesmos como um Eu
autonomamente agente e individuado. (2003, pp. 119 e 120).
extrair desses escritos um esboço de uma lógica dos conflitos sociais, dirigindo-se na direção de uma
“sociologização” do modelo conceitual hegeliano.
83
Neste ponto, Honneth encontra em Maquiavel a origem da abordagem moderna em torno do conflito, mas esta
teoria aponta sempre para a afirmação dos detentores do poder, defendendo não uma luta por reconhecimento,
mas por autoconservação. Tal hipótese ganhará uma consistente abordagem teórica com Hobbes.
103
Na leitura de Honneth, Hegel, ao desenvolver seus textos posteriores, começando pela
Filosofia do Espírito de 1803 e 1804, teria iniciado a subordinar a estrutura intersubjetiva do
reconhecimento ao movimento especulativo e autogerador do espírito.
84
Aliando-se à
interpretação de Habermas, Honneth constata que “a eticidade se tornou uma forma do
espírito que se auto-desenvolve monologicamente e que não mais constitui uma forma de
intersubjetividade” (2003, p. 86):
A guinada conseqüente para um conceito de eticidade próprio de uma teoria
do reconhecimento, Hegel não o efetuou; no final, o programa da filosofia da
consciência obteve tanto predomínio sobre as intuições da teoria do
reconhecimento que, na última etapa do processo de formação, a mesmo seu
conteúdo material acabou sendo pensado inteiramente conforme o modelo de
uma auto-relação do espírito. (2003, p. 113)
Honneth se propõe a desenvolver dois pontos que, pela razão acima apontada, ficaram
em aberto no desenvolvimento dos escritos de Jena, a saber, o destino da vontade singular e a
perspectiva concernente à concepção de comunidade genuinamente livre. Assim como em
Habermas, a leitura de Honneth sugere a recaída na filosofia da consciência: “Para a solução
dos dois problemas teria sido necessária a pressuposição de um conceito intersubjetivista de
„eticidade‟, do qual Hegel não pode mais dispor, depois de quase consumada a passagem
para a filosofia da consciência” (2003, p. 113). A análise de Honneth mostra que Hegel
deixou incompleto o desenvolvimento de uma teoria da intersubjetividade, pois “a sacrificou
ao objetivo de erigir um sistema próprio à filosofia da consciência” (2003, p. 117). O lugar
encontrado pela luta por reconhecimento no programa original dos escritos de Jena perde-se
em importância na proposta da Fenomenologia do Espírito, evidenciando-se a distância
tomada diante de leituras francesas adeptas do viés kojeviano:
85
84
Uma problematização da releitura de Honneth da concepção hegeliana de intersubjetividade é apresentada por
Giusti (2005).
85
Outro textos apresentam a crítica à interpretação de Kojéve. Destacamos o estudo de Kelly (1996), que
entende que essa leitura tende a distorcer a dialética do senhor e do escravo na estrutura do sistema hegeliano.
Segundo Kelly (1996), duas dificuldades na leitura a partir de veje. Primeiramente, a subjetividade é
104
A Fenomenologia do Espírito deixa para a luta do reconhecimento, que até
então foi a força motriz que havia impulsionado o processo de sociabilização
do espírito através de todas as etapas, o-somente a função única de formar a
autoconsciência (2003, p. 113-114)
Honneth entende que a Fenomenologia, apesar de ser “superior do ponto de vista do
todo, teve um efeito de um corte profundo na trajetória do pensamento de Hegel” (2003, p.
114). Em observância aos posteriores escritos de Hegel, Honneth acrescenta:
[...] Nem a conceito intersubjetivista de identidade humana, nem a distinção de
diversos media de reconhecimento, nem a diferenciação correspondente de
relações de reconhecimento gradualmente escalonadas, nem muito menos a
idéia de um papel historicamente produtivo da luta moral voltam a assumir
uma função sistemática na filosofia política de Hegel (2003, p. 114).
86
Os problemas que Honneth apresenta em Luta por Reconhecimento em relação ao
contexto dos escritos de Jena não diferem significativamente da posição de Habermas,
discutida anteriormente. Nas duas leituras, os problemas se referem ao problema da
substancialização da eticidade, ligados ao recuo à filosofia da consciência e, com ela, ao
modelo de uma auto-relação do esrito (HONNETH, 2003; HABERMAS, 1987, 2000,
2004). Honneth explica que o processo de formação da subjetividade é inicialmente descrita
por Hegel nos moldes de uma teoria da intersubjetividade inscrita nas relações comunicativas,
renovando, assim, a doutrina hobbesiana do estado de natureza e sua relação com o caráter do
conflito. No entanto,
largamente ignorada. Em segundo lugar, a relação senhor-escravo não deveria se aplicar à explicação do
progresso da história humana. Kojéve tece uma leitura antropológica, enquanto Hegel faz tanto uma leitura
antropológica quanto metafísica. A crítica de Kelly a Kojéve é que ele trata a relação senhor-escravo somente
como um confronto de esfera exterior (fundamentalmente a esfera política), enquanto que em Hegel há ainda o
aspecto interior, composto pela abordagem lógico-epistemológica. Para Kojéve, o escravo é em última análise o
que sai da alienação mediante o movimento progressivo do seu próprio trabalho, e não ao aparentemente
onipotente consumidor, que trata tanto o servo como o seu produto como meras coisas mortas. A relação senhor-
escravo se refere, em Hegel, à primazia das idéias sobre as coisas, num sentido epistemológico, a partir da
relação intersubjetiva, enquanto em Kojéve, numa vertente marxista, relaciona as formas de servidão antes de
tudo como relações de produção. A ênfase na perspectiva epistemogica, no quadro de validação intersubjetiva
das normas, é proposta por Pinkard (1994).
86
Mais recentemente, no artigo Do desejo ao reconhecimento (no prelo), Honneth retoma a leitura da
Fenomenologia, concedendo-lhe uma maior importância para a discussão sobre o reconhecimento.
105
essa construção se encontra ainda sob a pressuposição idealista de que o
processo conflituoso a ser investigado é determinado por uma marcha objetiva
da razão, que ou desdobra, aristotelicamente, a natureza comunitária do
homem ou, nos termos da filosofia da consciência, a auto-relação do espírito.
(2003, p. 118)
Segundo Honneth, “por mais que nos escritos de Jena sejam concretas e mesmo
próximas da ação”, as construções de Hegel, “tomam de empréstimo uma grande parte de
suas condições de validade da certeza metasica de fundo acerca do processo globante da
razão” (2003, p. 118). Esse pano de fundo, continua Honneth, impede que Hegel desenvolva o
movimento do reconhecimento como um processo intramundano. A posição de Hegel é
fragilizada diante de um movimento teórico em direção a um conceito de razão mundanizado
(2003, p. 118). Diante desse processo,
A retaguarda metafísica da filosofia hegeliana viu-se perdida: junto com o
fundamento do conceito idealista de espírito, ela também perdeu a carta
branca que até então protegia seus argumentos contra um exame da realidade
empírica (2003, p. 118). [...] Toda abordagem que buscava uma revivescência
de sua teoria filosófica encontrava-se de agora em diante na obrigação de
estabelecer um contato com as ciências empíricas, para estar a salvo, desde o
início, do perigo de uma recaída na metafísica. (2003, p. 118)
A partir desta interpretação, Hegel e Honneth, apesar do recurso ao conceito de
reconhecimento ser em grande parte semelhante, partem de premissas distintas. Como foi
visto, no sistema hegeliano, o reconhecimento está vinculado à estrutura lógica de caráter
relacional, que representa o nível especulativo ao qual se refere o modelo de reconhecimento
verificado no domínio do espírito objetivo. A lógica que Honneth encontra na estrutura do
reconhecimento está ligada a uma gramática moral, conforme a qual os indivíduos
experimentam a afirmação de sua identidade mediante o movimento do reconhecimento
recíproco, em vista a um nível cada vez mais consolidado de individuação e autonomia. A
leitura de Honneth, nesse caso, é marcadamente voltada à explicitação do nexo existente entre
106
as formas de reconhecimento e a “lógica de um processo de formação mediado pelas etapas
de uma luta moral” (2003, p. 121). Honneth comenta:
No curso da formação de sua identidade e a cada etapa alcançada da
comunitarização, os sujeitos o compelidos, de certa maneira
transcendentalmente, a entrar num conflito intersubjetivo, cujo resultado é o
reconhecimento de sua pretensão de autonomia, a então ainda o
confirmada socialmente (2003, p. 122-123).
Honneth mostra, que em Hegel, tanto a formão do Eu mediante o reconhecimento
recíproco, quanto o processo de desencadeamento, devido à sua ausência, estão ligados ao
processo de luta por reconhecimento. No entanto,
as duas hipóteses permanecem ligadas às premissas da tradição metafísica
porque estão engatadas no quadro teleológico de uma teoria evolutiva que faz
o processo ontogênico da formação da identidade passar diretamente à
formação da estrutura social. Para a tentativa de retomar hoje mais uma vez o
modelo conceitual de Hegel sob as novas condições teóricas, esse complexo
de afirmações difíceis de desemaranhar e altamente especulativas representa o
maior desafio. (2003, p. 122).
Como foi visto, Hegel desenvolve o conceito de reconhecimento tendo como base a
tese especulativa ancorada numa estrutura lógica na qual a liberdade é consolidada a partir de
um nexo relacional. Como afirma Honneth, a proposta de Hegel “permanece ligada à
pressuposição da metafísica, na medida em que elas se devem meramente a uma transferência
de relações construídas de maneira puramente conceitual para a realidade empírica” (2003, p.
121). Para Honneth, o principal obstáculo para um projeto de atualização do conteúdo
sistemático hegeliano está atrelado às dificuldades que resultam do fato de sua linha de
raciocínio central estar presa a premissas metafísicas que não podem, sem mais,
compatibilizar com as condições tricas do pensamento atual(2003, p. 117). Nas palavras
de Honneth, a virada diante da proposta metasica de Hegel pode ser assim expressa:
Antes que se possa retomar hoje essa tipologia no sentido de uma reconstrução
atualizadora, é necessária uma fenomenologia empiricamente controlada de
107
formas de reconhecimento, mediante a qual a proposta de Hegel pode ser
examinada e, se for o caso, corrigida. (p. 121)
Dito de outro modo, Honneth pretende corroborar as intuições de Hegel diante da
verificação empírica, mostrando que a intuição hegeliana do reconhecimento é procua para
uma teoria contemporânea do reconhecimento, não por estar apoiada numa estrutura
especulativa que o fundamenta, mas porque, posto à prova mediante o diálogo empírico, ele
se apresenta como uma resposta plausível para problemas constatados empiricamente.
Em comum com os projetos de reatualizações de Hegel para o debate atual, a proposta
de Honneth (2003, 2007) evidencia a perspectiva relacional encontrada no conceito de
reconhecimento, ao mesmo tempo em que o reestrutura em moldes s-metafísicos. Desse
modo, a releitura de Hegel proposta por Honneth consiste em levar a cabo a intuição original
de Hegel, apoiando-a não mais em pressupostos metafísicos. Como é possível ler Hegel deste
modo? A resposta pode ser encontrada na explicitação que Honneth (2003) oferece de sua
metodologia. Comentando a reflexão de Hegel, Honneth (2003) mostra que ela permanece
ligada à pressuposição da tradição metafísica, visto que o considera a relação intersubjetiva
como um curso empírico no interior do mundo social, mas a estiliza num processo de
formação entre inteligências singulares” (p.120). E, apresentando sua proposta, acrescenta:
Porém, uma abordagem que pretenda adotar um modelo de Hegel como
estímulo para uma teoria social de teor normativo o pode se dar por
satisfeita com esse fundamento meramente especulativo; daí ser preciso
primeiramente uma reconstrução de sua tese inicial à luz de uma psicologia
social empiricamente sustentada. (HONNETH, 2003, p. 121).
Seguindo este raciocínio, Honneth, ao dialogar com outros campos como a sociologia,
a psicologia social e a psicanálise, fornece uma maior consistência à proposta hegeliana. Com
isso, o referencial lógico, ou o que Honneth denomina de gramática”, é mediada pela
pesquisa empírica, abandonando uma estrutura apriorística. Desse modo, Honneth encontra
108
um respaldo empírico da proposta hegeliana na psicologia social de George Herbert Mead:
“visto que seus escritos permitem traduzir a teoria hegeliana da intersubjetividade em uma
linguagem teórica s-metafísica, eles podem preparar o caminho para a tentativa aqui
empreendida (HONNETH, 2003, p. 123). Para o seu projeto de reatualização de Hegel
orientada para a estruturação de um modelo s-tradicional de eticidade, Honneth encontra
em Mead “uma ponte entre a iia original de Hegel e nossa situação intelectual(2003, p.
123): “a idéia de uma eticidade s-tradicional, democrática, que se delineia como
conseqüência dessa argumentação, foi desdobrada pela primeira vez pelo jovem Hegel e
desenvolvida mais tarde por Mead sob premissas pós-metafísicas.” (2003, p. 275).
87
Trata-se
de conceder ao modelo hegeliano uma inflexão empírica que o torne mais lido, plausível
para um projeto crítico que atenda aos critérios de plausibilidade do pensamento
contemporâneo. Em outras palavras, a proposta de Honneth consiste em encontrar em Hegel
um padrão relacional para a constituição de uma teoria social, mas recusa o referencial
hegeliano pautado numa ontologia relacional, substituindo-o por uma corroboração mediante
o diálogo com as ciências empíricas. Honneth mostra que Hegel tem razão na sua proposta
relacional da intersubjetividade, mas não porque isto reflete um fundamento lógico-
ontológico, mas porque as ciências comprovam. A partir desta ponte empiricamente
sustentada, Honneth sugere que
os diversos padrões de reconhecimento, que em Hegel foram distinguidos uns
dos outros, podem ser compreendidos como as condições intersubjetivas sob
as quais os sujeitos humanos chegam a novas formas de auto-relação positiva.
(2003, p. 272)
Às esferas de reconhecimento o concedidos conteúdos morais fortalecidos pela
corroboração empírica, como, por exemplo, a teoria psicanatica das relações de objetos,
protagonizada pelo psicanalista inglês Donald Winnicott e relida por Jessica Benjamin com a
87
Os pormenores da inflexão empírica concedida por Honneth à abordagem hegeliana não compreende o
objetivo específico de nossa argumentação.
109
proposta de encontrar no significado do amor relações de reconhecimento recíproco. Honneth
propõe com esta abordagem empiricamente sustentada corroborar a tese de uma teoria do
reconhecimento que, neste caso, explica-se na constituição da identidade na dimensão
familiar. Em diálogo com a abordagem hegeliana, Honneth tenta encontrar a gramática moral
própria a cada uma das esferas que Hegel, em sua Filosofia do Direito, come o âmbito da
eticidade (família, sociedade civil e Estado), em cujo quadro os indivíduos se confirmam
reciprocamente como pessoas autônomas e individuadas, em uma medida cada vez maior”
(HONNETH, 2003, p. 121).
graças à aquisição cumulativa de autoconfiança, auto-respeito e auto-
estima, como garante sucessivamente as experiências das três formas de
reconhecimento, uma pessoa é capaz de se conceber de modo irrestrito como
um ser autônomo e individuado e de se identificar com seus objetivos e seus
desejos. (HONNETH, 2003, pp. 266)
Em linhas gerais, a tese honnethiana mostra que à família compete a experiência do
amor, à sociedade civil se refere a experiência da solidariedade, e, ao Estado, a do
reconhecimento jurídico. A proposta de Honneth em Luta por reconhecimento pode ser assim
resumida:
O nexo existente entre a experiência de reconhecimento e a relação consigo
próprio resulta da estrutura intersubjetiva da identidade pessoal: os indivíduos
se constituem como pessoas unicamente porque, da perspectiva dos outros que
assentem ou encorajam, aprendem a se referir a si mesmos como seres a que
cabem determinadas propriedades e capacidades. A extensão dessas
propriedades e, por conseguinte, o grau de auto-realização positiva crescem
com cada nova forma de reconhecimento, a qual o indivíduo pode referir a si
mesmo como sujeito: desse modo, está inscrita na experiência do amor a
possibilidade da autoconfiança, na experiência do reconhecimento jurídico, a
do auto-respeito e, por fim, na experiência da solidariedade, a da auto-estima.
(p. 272).
Da teoria de Honneth, interessa-nos particularmente o vínculo que ele proe entre
teoria do reconhecimento e eticidade. Honneth segue a premissa, característica da recepção
recente da filosofia hegeliana, de preservar-se do risco de recair num modelo determinístico
110
de relações sociais, privando-se da crítica a uma concepção a-histórica, ao mesmo tempo em
que pretende fornecer parâmetros para um modelo de eticidade. Desse modo, Honneth dedica
a parte final de Luta por Reconhecimento à proposta de um modelo formal de eticidade: a
teoria do reconhecimento orientada para uma “concepção formal de vida boa ou, mais
precisamente, de eticidade” (2003, p. 271). Explica Honneth: O conceito de eticidade refere-
se agora ao todo das condições intersubjetivas das quais se pode demonstrar que servem à
auto-realização individual na qualidade de pressupostos normativos” (p. 271-272). Mas
Honneth não quer propor formas particulares de vida boa circunscritas a contextos singulares.
Por um lado, é proposta uma concepção de eticidade que seja delineada de maneira aberta,
concedendo espaço para uma configuração particular variável de acordo com características
espaço-temporais. Por outro, Honneth tem em vista a não recaída no formalismo abstrato,
fornecendo ao modelo de eticidade um conteúdo significativamente consistente, qual seja,
aquele verificado nas esferas de reconhecimento.
De uma parte, os três distintos padrões de reconhecimento, que de agora em
diante devem ser considerados as outras tantas condições de uma auto-
realização bem-sucedida, são, segundo a sua definição, abstratos ou formais o
suficiente para não despertar a suspeita de incorporarem determinados tipos de
vida. De outra parte, a exposição dessas três condições é, sob o ponto de vista
do conteúdo, rica o suficiente para enunciar mais a respeito das estruturas
universais de uma vida bem-sucedida do que está contido na mera referência à
autodeterminação. (2003, p. 274)
Em sua proposta, Honneth, também semelhante a Habermas, extrai de Kant a proposta
de um quadro universal normativo (2003, p. 271), ao mesmo tempo em que encontra em
Hegel as vantagens de um modelo intersubjetivo componente da eticidade. A concepção
honnethiana de eticidade parte deste modelo proposto por Hegel, consolidando-o a partir de
uma perspectiva mais ampla de revisão, pois,
de que maneira devem se constituir os pressupostos intersubjetivos da
possibilitação da auto-realização se mostra sempre sob as condições históricas
de um presente que abriu desde o início a perspectiva de um aperfeiçoamento
111
normativo das relações de reconhecimento. (2003, p. 275)
Pretende-se que aquelas relações de reconhecimento comportem uma forma
universalmente válida, enquanto visam fornecer uma “gramática” que forneça um padrão
processual, mas não mais no sentido de uma lógica apriorística, mas enquanto inscrita nas
relações intersubjetivas. O sentido de universalidade permanece, enquanto por gramática se
entende uma estrutura compartilhada por todos os membros da sociedade, aplicada, no caso
da teoria do reconhecimento, a formas de reconhecimento e patologias geradas quando estas
formas são deficientes ou inexistentes. Ao mesmo tempo, o formato que tais relações
adquirem permanece variável. Com isso, Honneth pretende fornecer um modelo “pós-
tradicional de eticidade” (2003, p. 276), que esteja ancorado na historicidade, aberto a
mudanças, mas que não perca seu teor normativo. Os contornos de sua forma são delineados e
dela fazem parte os conteúdos morais que requerem formas específicas de reconhecimento,
mas o formato destas relações não é predeterminado. Com isso, Honneth amplia a
possibilidade de revisão da estrutura ética, que, em Hegel, se mostrava deficiente em seu
vínculo com uma lógica aprioristicamente determinada.
Honneth pretende fornecer aquilo que ele denomina de gramática moral dos conflitos
sociais, mas propõe uma maior flexibilidade, sem instituir que tipos de práticas as formas de
interação adquirem. Uma gratica apresenta uma estrutura descritivo-normativa que em
muito se assemelha a uma lógica do real”, no sentido hegeliano, retirando-lhe o caráter
apriorístico. O diálogo honnethiano com os contributos da psicanálise e da psicologia social
indica uma preocupação semelhante à proposta hegeliana em tornar evidente um quadro
estrutural para análise da sociedade, mesmo que não mais com uma fundamentação última.
Percebe-se que esta mudança de orientação, guiada agora pelo norte pós-metasico, não
implica uma necessária eliminação da referência a princípios reguladores, cujo significado
permanece na concepção honnethiana de “gramática. Com isso, verifica-se que tanto na
112
abordagem metafísica hegeliana quanto na teoria de Honneth é proposto o delineamento de
uma lógica que subjaz às formas de configuração social. A diferença central entre as duas
perspectivas é que, em Hegel, esse delineamento é traçado aprioristicamente, configurando
um quadro apoiado numa fundamentação lógico-ontológica que permite encontrar nela
própria a estrutura especulativa da realidade. No caso de Honneth, este tipo de fundamentação
o é mais válido, o que o leva a procurar uma gramática s-metafísica, no quadro de um
diálogo que propicie um tipo de embasamento empiricamente sustentado. Este modelo de
eticidade pós-tradicional será levado adiante a partir de um novo retorno a Hegel, na tentativa
de reestruturar a eticidade a partir da consolidação de esferas de reconhecimento recíproco
que assegurem um modelo comunicativo de liberdade.
4.2 A ampliação normativa da eticidade: atualização da Filosofia do Direito de
Hegel
No desenvolvimento de sua teoria, Honneth irá encontrar novas intuições na
abordagem hegeliana, recorrendo agora a um escrito maduro de Hegel, a Filosofia do Direito,
cujo resultado é apresentado em Sofrimento de Indeterminação uma reatualização da
filosofia do direito de Hegel (Leiden an Unbestimmtheit - Eine Reaktualisierung der
Hegelschen Rechtsphilosophie). Se os motivos que levam Honneth a se deter nos escritos
anteriores à Fenomenologia referem-se ao problema do desenvolvimento do conceito espírito,
também a reatualização da Filosofia do Direito de Hegel será desprendida do caráter
sistemático em que os mesmos problemas encontrados no desenvolvimento dos escritos a
partir da Fenomenologia serão latentes. Inicialmente, surpreende o fato de Honneth voltar sua
atenção para um escrito do Hegel maduro, quando, em Luta por Reconhecimento, as
113
principais críticas de Honneth se dirigem, à semelhança de Habermas, para os problemas do
desenvolvimento do sistema de Hegel, onde haveria perdido o caráter da intersubjetividade
forte presente nos escritos anteriores à Fenomenologia. Esta é a principal razão de se buscar
nos escritos do período inicial da estada de Hegel em Jena os elementos para uma teoria
contemporânea do reconhecimento. A releitura da Filosofia do Direito de Hegel atende aos
propósitos da elaboração de uma teoria da eticidade como Honneth iniciara a elaborar
anteriormente em Luta por Reconhecimento. Desse modo, Honneth encontra na Filosofia do
Direito o desenvolvimento de uma teoria da eticidade nos padrões comunicativos do ser-
consigo-mesmo-no-outro.
Honneth coloca duas razões que provocaram a perda de interesse pela Filosofia do
Direito hegeliana. A primeira delas refere-se à crítica ao conceito substancialista de Estado,
em que a objeção contra a perda da individualidade impedia de encontrar ali a plausibilidade
de uma teoria normativa. A segunda reserva refere-se ao vínculo com a Lógica. Honneth
explica que
os passos da fundamentação desenvolvidos por Hegel, objeta-se, só podem ser
adequadamente reconstruídos e avaliados se forem referidos às partes
correspondentes de sua Lógica, mas que entretanto se tornou completamente
incompreensível em razão de seu conceito ontológico de espírito. (2007, p. 49)
Em seu projeto de reatualização, Honneth procura apresentar a estrutura da Filosofia
da Direito sem recorrer à Lógica, evidenciando o nexo entre as esferas da eticidade e a
consistência da argumentação hegeliana, sem que ela esteja associada à coerência com a
estrutura lógica. Desse modo, é sugerida uma interpretação da Filosofia do Direito onde a
argumentação desenvolve-se “independente da Lógica (2007, pp. 116-117) ou “sem que a
Lógica exerça uma função de suporte” (2007, p. 118). Em oposição às interpretações
imanentes do sistema” (2007, p. 105), Honneth pretende evidenciar que a Filosofia do Direito
de Hegel, “mesmo independentemente, ou melhor, talvez exatamente por se colocar
114
independentemente de toda reserva argumentativa de sua lógica, possui um grande poder de
convencimento(2007, p. 105). Ao mesmo tempo, Honneth não nega que as categorias da
Filosofia do Direito encontram conceitos análogos na Lógica. Como diz Honneth, “os
próprios conceitos lógicos chaves, que se devem à lógica do ser, da essência e do conceito, se
colocam como pano de fundo e dão lugar às categorias com as quais Hegel teria querido
esclarecer seus esforços aos leitores e leitoras menos familiarizados” (p. 105). Honneth
conclui sua proposta: “por isso, parece aconselhável tratar o texto antes como um tipo de
fonte de brilhantes iias individuais, em vez de aspirar a uma tentativa frustrada de
reconstrução da teoria integral enquanto tal(2007, p. 49) Desse modo, Honneth apresenta
duas propostas de atualização: a direta e a indireta. Enquanto a primeira propõe-se a
reatualizar o texto segundo seus próprios pades metódicos, a segunda consiste em
reconstruir “de forma produtiva o propósito e a estrutura básica do texto(p. 50). Sobre a
primeira proposta de atualização, a leitura direta, a justificativa de Honneth é que corre o
risco de salvar a substância da filosofia do direito hegeliana ao preço de um retrocesso brutal
de nossos padrões pós-metafísicos de racionalidade” (p. 50). A segunda proposta, por sua vez,
corre sempre o perigo de sacrificar a própria subsncia da obra com o objetivo de uma
arrumação entusiasmada do texto (p. 50). Diante das reservas da leitura direta, que
caracterizou a perda de interesse pela obra, Honneth opta pela segunda leitura indireta,
considerando o texto como fonte de brilhantes idéias individuais. Desse modo, Honneth
recorre a uma leitura que retome a plausibilidade das intuições de Hegel, ao mesmo tempo em
que esta leitura posiciona-se diante das críticas expostas anteriormente à teoria hegeliana,
cujas objeções ao conceito substancialista de Estado e as dificuldades com a estrutura lógica
provocaram a perda de interesse na Filosofia do Direito. Com isso Honneth mostra que é
possível extrair da Filosofia do Direito o quadro normativo para a efetivação do
reconhecimento recíproco. No novo contexto, o reconhecimento é ampliado a partir do
115
delineamento da teoria da eticidade. Desse modo, é delineado um modelo normativo que
forneça as condições de exeqüibilidade das relações de reconhecimento sugeridas por Hegel
em escritos anteriores.
Em seu projeto de reatualização, Honneth (2007, p. 54 ss.) nomeia quatro motivos que
levaram Hegel a fundamentar o direito de forma diversa de Fichte e Kant, que podem ser
assim resumidos:
1. Pelo fato dos sujeitos já se encontrarem ligados constantemente em
relações intersubjetivas, não se pode buscar uma fundamentação da justiça num
princípio atomista segundo o qual a liberdade individual não seria influenciada pelos
outros.
2. Efetuar o projeto dos princípios da justiça como “justificação daquelas
condições sociais segundo as quais os sujeitos podem ver reciprocamente na liberdade
do outro um pressuposto de sua auto-realização individual” (p. 54).
3. A influência de cunho aristotélico nos escritos de juventude de Hegel
manteve-se, segundo a qual os princípios normativos de liberdade comunicativa na
sociedade moderna o devem estar ancorados em preceitos externos voltados para o
comportamento ou em meras leis de coerção, mas precisam estar atrelados ao
exercício práticos presente nos padrões habituais de ação e nos costumes” (p. 54).
4. Uma tal cultura da liberdade comunicativa denominada eticidade
deveria comportar um espaço no qual os indivíduos pudessem perseguir seus próprios
interesses.
88
À diferença de seus antecessores, Hegel elabora o direito de forma a atender aos
aspectos da efetivação da razão no âmbito do espírito objetivo, propondo a tarefa de expor as
88
Para Honneth, Hegel, ao formular um modelo comunicativo de liberdade, pretende superar um impasse inicial
entre autonomia moral e autonomia jurídica. Esta concepção diverge da sugerida por Christoph Menke (1996),
que encontra em Hegel uma tensão entre os dois modelos de autonomia.
116
condições para a realização da liberdade individual. A liberdade apresenta um peculiar
formato de conjugação com a liberdade dos demais indivíduos. Com efeito, ela deve ser
compreendida enquanto reconhecida e enquanto reconhecedora da liberdade, configurando o
nexo existente entre indivíduos autônomos. A tese de Honneth, que permeia a sua
reatualização da Filosofia do Direito de Hegel, é a de que as relações comunicativas
possibilitam ao indivíduo a concepção de liberdade nos padrões do ser-consigo-mesmo-no-
outro.
Hegel está interessado no que deve ser incorporado nessa realidade social, na
existência, para que com isso a „vontade livre‟ individual possa se desenvolver
e se realizar, ainda que não diretamente em uma instituão do direito
caracterizada juridicamente; [...] as relações comunicativas, que possibilitam
ao sujeito individual um ser-consigo-mesmo-no-outro, devem pertencer
essencialmente às condições de uma tal realização. (HONNETH, 2007, p. 64-
65)
89
Segundo Honneth, cada estágio da Filosofia do Direito apresenta um direito peculiar:
a moralidade, a eticidade, o interesse do Estado, cada um é um direito próprio, porque cada
uma dessas figuras é uma determinação e um ser-aí da liberdade(2007, p. 69). Hegel (RP,
§29, obs.) retoma a definição kantiana, extrda da introdução da Doutrina do direito, de que
todo direito consiste em limitar a liberdade de todos os demais à condição de que possa
coexistir com a minha, segundo uma lei universal (KpV, A240). Hegel explica que essa
definição contém apenas uma determinação negativa. Se em Kant o direito é entendido como
restrição da liberdade, em Hegel ele é condição de possibilidade para sua efetivação. Desse
modo, sob o título de Filosofia do Direito, não se tem em vista “a tentativa de oferecer uma
justificação normativa do papel social do direito caracterizado juridicamente” (HONNETH,
2007, p. 65, mas antes de atribuir um tipo de apresentação ética das condições sociais da
89
Hegel remete ainda ao §48, onde é discutida a relação com os outros em referência à relação entre a existência
corporal e a liberdade: “para os outros, eu sou essencialmente um ser livre em meu corpo, tal como o tenho
imediatamente. [...] Sou livre para os outros só como livre na existência”. Hegel acrescenta que esta questão é
também discutida em sua Ciência da Lógica. Sobre este aspecto, Siep (2007) ressalta que “Hegel, por primeiro,
na sua teoria do reconhecimento procurou colocar em relevo a dimensão corpóreo-emocional das relações
intersubjetivas como pressuposto da auto-estima individual e de relação à questão da liberdade” (p. 50)
117
auto-realização individual (HONNETH, 2007, p. 65).
90
Nessa perspectiva, o conceito
hegeliano de direito vai além do de Kant e Fichte, enquanto expressa os pressupostos sociais
que se mostraram necessários para a realização da „vontade livre‟ do sujeito individual”
91
(HONNETH, 2007, p. 64).
O percurso argumentativo da Filosofia do Direito se pautado neste modelo de
vontade livre, no intuito de apresentar as condições da efetivação da liberdade vinculadas ao
âmbito relacional da eticidade. As duas primeiras seções, direito abstrato e moralidade, são
interpretadas como momentos antecedentes da consolidação do modelo intersubjetivo,
característica da eticidade. Em Luta por Reconhecimento, Honneth havia definido a eticidade
como “o todo das condições intersubjetivas das quais se pode demonstrar que servem à auto-
realização individual na qualidade de pressupostos normativos” (2003, 271-272). É indicado,
assim, que o direito se aplica, antes de tudo, ao que Honneth entende por formas de existência
sociais (sozialen Daseinsformen). Ao deslocar o eixo no qual gira o direito do indivíduo para
as formas de existência sociais, Hegel embasa uma institucionalização da eticidade. Como
mostra Honneth, o projeto da filosofia do direito hegeliano pretende elaborar as condições nas
quais seja possível a efetivação da liberdade, para a qual as instituições adquirem um papel de
medium. Desse modo,
as condições sociais ou institucionais devem ser concebidas estritamente como
o conjunto de uma ordem social justa que permite a cada sujeito individual
participar em relações comunicativas que podem ser experienciadas como
expressão da própria liberdade. (HONNETH, 2007, p. 63)
90
Honneth acrescenta que, “de acordo com o uso que Hegel, em sua Filosofia do direito, faz primeiramente do
conceito de direito, não devem caber aos indivíduos os direitos universais vigentes, mas àquelas formas de
existência sociais que se deixam mostrar como bens sociais básicos no interesse da realização da „vontade livre‟”
(p. 66).
91
Comparando a liberdade do direito e da autonomia, Honneth explica: “Com a absolutização de uma das duas
representações da liberdade individual, seja em sua versão como pretensão de direito, seja em sua comparação
com a autonomia moral [...], ocorrem rejeições patológicas na própria realidade social que são um indicador
preciso e „empíricode que os limites do âmbito de validade legítimo foram transgredidos” (2007, p. 70).
118
As formas de existência sociais estruturam um modelo preocupado com as
condições intersubjetivas da autonomia e liberdade. O direito se refere a um quadro calcado
em tais aspectos, indicando a ênfase na configuração social que permite a auto-realização
individual. Na Filosofia do Direito, Hegel percebe a necessidade do caráter normativo para a
efetivação da liberdade. Tendo em vista a relação entre subjetividade e intersubjetividade,
Hegel teria que articular um modelo no qual tal relão pudesse ser atingida. Eis o objetivo
que permeia a sua Filosofia do Direito. Como mostra Honneth (2007),
na implementação de sua teoria da justa, Hegel o se colocou apenas o
objetivo de reconstruir corretamente aquelas esferas de ação intersubjetivas
que, em vistas da estrutura comunicativa da liberdade, chegam a ser
imprescindíveis para a realização da „vontade livre; além disso, ele quer
atribuir àquelas conceões de liberdade seu lugar legítimo na ordem
institucional de sociedades modernas. (p. 68).
Na eticidade emerge a unidade entre subjetividade moral e objetividade do direito. Em
conformidade com a lógica hegeliana, o indivíduo é conservado e elevado no corpo ético.
Entretanto, nem toda configuração da eticidade apresenta-se como garantidora da liberdade
individual. Quando não há uma compatibilização entre a vontade subjetiva e as leis da
comunidade, a eticidade sofre uma desagregação. A Filosofia do Direito expressa, assim, o
quadro de compatibilização entre vontade livre e intersubjetividade, esboçando o fio condutor
que permeia as três seções (direito abstrato, moralidade e eticidade), o como contrapostas,
mas como relacionadas e mutuamente necessárias. O caráter intersubjetivo, assim, está
presente em todas as seções, adquirindo uma configuração própria em cada um deles. No seu
projeto de reatualização, Honneth encontra uma intuição procua na concepção de vontade
livre descrita no padrão do ser-consigo-mesmo-no-outro, proporcionadas ao sujeito
mediante as relações comunicativas. Desse modo, a leitura honnethiana da vontade livre em
Hegel procede na direção de um modelo comunicativo da liberdade individual.
119
No percurso de sua argumentação, Honneth entende as duas seções da Filosofia do
Direito anteriores à eticidade como estágios incompletos da liberdade, mas que devem ser
compreendidos à medida que eles contêm pressupostos constitutivos para a participação
individual naquelas esferas comunicativas” (HONNETH, 2007, p. 71). Desse modo, sob o
título de “eticidade” é esboçado um modelo de relações institucionais de liberdade
comunicativa. A partir da chave de leitura de Honneth, as duas primeiras seções indicam os
âmbitos no qual Hegel desdobra os passos que proporcionam ao sujeito individual a auto-
realização nas estruturas comunicativas da esfera ética, para a qual é preciso que se cumpram
duas precondições: a de se compreenderem como portadores de direito e como pertencentes a
uma ordem moral que lhes é oferecida. Sintetiza Honneth:
Hegel parece querer dizer que apenas quando essas duas morais auto-referidas
estão fundidas em um sujeito para a formação de uma identidade prática
individual, ele pode então se realizar sem coerção no tecido institucional da
eticidade moderna. (2007, p. 81)
A liberdade, aqui entendida, é sentida mediante as interações entre sujeitos, pois
somente na medida em que os sujeitos são capazes de participar desse tipo de relações sociais,
eles podem, por conseguinte, realizar sem coerção sua liberdade no mundo exterior”
(HONNETH, 2007, p. 63). Nesse sentido, Hegel considera “as relações comunicativas como
um bem básico que tem de se colocar ao interesse de todos os homens com vistas à realização
de sua liberdade”
92
(HONNETH, 2007, p. 63). Desse modo, a elaboração de um modelo
92
Como o próprio Honneth apresenta, a concepção hegeliana difere-se da de Rawls, pois não supõe que este bem
básico seja repartido com justiça. Referindo-se a Hegel, Honneth afirma: “Parece que ele visa, na verdade,
chegar à idéia de que a justiça das sociedades modernas depende da capacidade destas de possibilitar a todos os
sujeitos igual participação no „bem básico‟ de tais relações comunicativas” (2007, p. 63). Enquanto na definição
de justiça de Hegel o esem jogo regras de distribuição no sentido rawlsiano, mas no máximo as condições
gerais de tais práticas, Hegel “parece partir da hipótese de que as relações comunicativas incidem na classe
daqueles bens que podem ser produzidos e conservados somente por meio de práticas comuns(p. 79). Honneth
conclui: “[...] Estou mais do que convencido de que, por meio de uma reelaborão ampliada dessa distinção
entre Hegel e Rawls, chegamos exatamente ao ponto no qual se poderia conhecer, em traços largos, a concepção
de justiça da Filosofia do direito(2007, p. 79). Em outro texto, Honneth (2004) defende, com Rawls, que uma
sociedade justa consiste em ser assegurada a autonomia dos indivíduos, mas, à diferença de Rawls, defende que
este sentido de justo não será obtido com redistribuição de bens materiais, mas através da satisfação das formas
intersubjetivas de reconhecimento, apresentadas também em Luta por reconhecimento.
120
normativo de eticidade deve ter em vista a articulação de uma teoria da justiça vinculada à
idéia de possibilitação de bens básicos comunicativos, entendidos como relações de interação
das quais os sujeitos podem dispor para a efetivação da liberdade. Aqui, tem-se em vista o
delineamento dos componentes necessários para as relações institucionais da liberdade
comunicativa. É a partir da argumentação dessas idéias que Hegel encontra uma legitimação
para fundamentar a relação ética de liberdade comunicativa, desenvolvida na terceira seção.
Ao entender a liberdade como expressão do ser-consigo-mesmo-no-outro, Hegel cunha uma
nova noção de relação entre justiça e indivíduo, concedendo-a um caráter intersubjetivo.
Honneth (2007) argumenta:
Se a liberdade individual designa primeiramente e, sobretudo, o “ser-consigo-
mesmo-no-outro”, então a justiça das sociedades modernas se mede pelo grau
de sua capacidade de assegurar a todos os seus membros, em igual medida, as
condições dessa experiência comunicativa e, portanto, de possibilitar a cada
indivíduo a participação nas relações da interação não-desfigurada. (p. 78-79)
Para Honneth, os argumentos de Hegel se referem a uma justificação das condições
necessárias de auto-realização individual e “o critério de uma tal justificação „descritiva‟, que,
entretanto, também foi esclarecido suficientemente, é fornecido pelo princípio da
insubstituibilidade quanto à possibilitação social de autodeterminação individual(2007, p.
82). Nesse sentido, continua Honneth,
se a realização da liberdade individual está ligada à condição da interação,
uma vez que os sujeitos somente podem se experienciar como livres em suas
limitações em face de um outro ser humano, então deve valer para toda a
esfera da eticidade o fato de ter de residir nas práticas de interação
intersubjetiva. (HONNETH, 2007, p. 107)
As possibilidades de auto-realização individual, postas à disposição pela esfera da
eticidade, o compostas pelas “formas de comunicação nas quais os sujeitos podem ver
121
reciprocamente no outro uma condição de sua própria liberdade” (p. 107). Em diálogo com
Taylor (1983) e Patten (1999), Honneth explora a idéia de que ações e práticas podem
expressar o caráter de reconhecimento. Desse modo, “a esfera da eticidade deve cumprir a
condição do caráter intersubjetivo do padrão de ação que a constitui(p. 107)
Reconhecer-se reciprocamente não significa somente relacionar-se com um
outro numa atitude determinada de aceitação, mas implica também, e
sobretudo, comportar-se diante do outro de um modo que se exija moralmente
a forma correspondente de reconhecimento. (HONNETH, 2007, p. 108)
Segundo esta proposta, a teoria da eticidade representa uma teoria normativa da
modernidade, podendo ser encontrado na Filosofia do direito o lugar privilegiado de
delineamento dos critérios para o estabelecimento do reconhecimento recíproco. Com o
modelo de eticidade, revela-se “a exincia de que a ação intersubjetiva tem de poder
expressar atitudes de reconhecimento(HONNETH, 2007, p. 110). As esferas da eticidade
(família, sociedade civil e Estado) o vistas enquanto estruturas que possibilitam um
crescente grau de satisfação de carências através de relações de reconhecimento, cujas
características variam em cada uma delas. Desse modo, elas propõem uma hierarquização das
esferas da eticidade a partir da concepção de veis superiores de individuação.
Em cada uma das três esferas o sujeito -se incluído simultaneamente com
um aumento de sua própria personalidade, uma vez entendida esta como o
grau de formação racional de uma individualidade natural que num primeiro
momento ainda está desorganizada. (HONNETH, 2007, p. 122)
Desse modo, Honneth extrai de cada esfera da eticidade formas de comunicação
peculiares que fornecem as condições para uma prova mútua de reconhecimento. Estas se
restringem ao caráter formal das relações de reconhecimento, restando o esclarecimento
quanto aos conteúdos morais de cada uma delas. O projeto normativo da teoria do
reconhecimento de Honneth indica “a exigência de que a ação intersubjetiva tem de poder
expressar atitudes de reconhecimento” (2007, p. 110). Nesse sentido, a ampliação do conceito
122
de liberdade na estrutura da eticidade irá revelar o efeito libertador dos deveres, com a qual
emerge a importância de ser apresentada uma “doutrina ética dos deveres” (HEGEL, RP
§148; HONNETH, 2007, p. 110 ss.): “A esfera da eticidade deve abranger uma série de ações
intersubjetivas nas quais os sujeitos podem encontrar tanto a realização individual quanto o
reconhecimento recíproco” (p. 110.). A conexão entre esses dois elementos deve evidenciar as
“formas de interação social nas quais um sujeito somente pode alcaar a auto-realização se
ele expressar, de um modo determinado, reconhecimento em face do outro” (HONNETH,
2007, p. 110). Se, como entende Hegel, em Kant o dever representa “um princípio vazio da
subjetividade moral (RP, §148), Hegel propõe que as determinações éticas [devem] se
apresentar como relações necessárias” (RP, §148).
93
As normas o são sentidas como um
dever limitador, mas como expressão da subjetividade em seu caráter objetivo. Em outras
palavras, os deveres morais indicam o sentimento comum encontrado na relação
intersubjetiva, onde os sujeitos se vêem expressos não como limitação, mas nelas encontram
pré-condições para sua auto-realização.
Hegel parece estar convencido de que só podemos falar de estruturas éticas, de
relações éticas de vida, onde o dadas ao menos as seguintes condições: deve
existir um padrão de práticas intersubjetivas que possibilite aos sujeitos se
realizarem na medida em que se relacionam mutuamente, de modo a expressar
reconhecimento por meio de sua consideração moral. (HONNETH, 2007, p.
112)
Neste ponto, a leitura de Baynes ajuda a compreender alguns elementos desta proposta
hegeliana. Ao tentar superar o gap entre razão e agir” (BAYNES, 2002, p. 05), evidencia-se
a possibilidade em que o indivíduo pode ser constrito por normas e, ao mesmo tempo,
permanecer autônomo.
93
Em outro texto, Honneth (2002a) mostra que Hegel aproxima-se de Aristóteles ao ligar a ética a aspectos de
disposições morais. No entanto, diferente da abordagem aristotélica das virtudes morais, Hegel entende que
formas de práticas morais constituem a eticidade também através de estruturas institucionalizadas.
123
A extensão de Hegel da intuão kantiana de que a liberdade é um status
normativo especificamente, agir a partir de regras que o agente dá a si
mesmo é encontrada na sua proposta de que este tipo de liberdade é também
um status social, em que não se pode agir “sob uma regra” sozinho, e que a
liberdade individual (como ele a desenvolve mais notadamente na dialética do
senhor e do escravo) requer o mútuo ou recíproco reconhecimento.
(BAYNES, 2002, p. 05)
A liberdade, assim, apresenta um status não só normativo, mas também social. O “agir
sob razões” requer um caráter social, ou vincula-se a um “espaço das razões” (Sellars). Esta
associação é assim observada por Baynes:
A liberdade e o dar-razão [reason-giving] não podem ser entendidos como um
estado ou condição natural (e, certamente, não como uma relação causal), mas
antes como um status social que resulta de reconhecimento mútuo ou a
atribuição recíproca de uma complexa postura intencional (ou conversacional).
(2002, p. 06)
Baynes destaca a unidade entre a dimensão subjetiva (Willkür) e a objetiva (Wille),
desenvolvidas a partir de Kant. Este aspecto da objetividade é o que Baynes entende por
encontrar a exigência da validação blica ou intersubjetiva” (2002, p. 06). Numa linha
próxima da sugerida por Honneth, Baynes proe: Em minha opinião, a Filosofia do Direito
pode instrutivamente ser lida como uma discussão sobre as formas de reconhecimento
requeridas para a realização desses dois aspectos interdependentes da vontade livre” (2002, p.
06). Nesse sentido, Baynes interpreta a Filosofia do Direito como um tipo de „argumento
regressivo‟ de formas cada vez mais diferenciadas de reconhecimento necessárias para que a
vontade livre seja realizada” (2002, p. 07), propondo o desenvolvimento das seções da
Filosofia do Direito como intensificações das formas de reconhecimento. Segundo essa
leitura, o direito abstrato, inicialmente, introduz um modo formal e nimo de
reconhecimento. Com o conflito entre a vontade particular e a vontade “universal”, expresso
notadamente pelo crime, surge a necessidade de um juízo “imparcial” que conjugue ambas,
expresso por Hegel sob o padrão do juízo moral, característico da segunda seção, a
124
moralidade. Influenciado pelo conceito kantiano de Willkür, Hegel, nesta seção, sustenta que
o indivíduo é responsável por suas ações na medida em que se reconhece nelas. A moralidade
requer, assim, formas mais determinadas de reconhecimento social (e suas práticas
correspondentes). Mas o reconhecimento será consolidado quando o indivíduo reconhece
também o outro como agente de autodeterminação, mas também mediado pela relação
intersubjetiva. Aqui se desenvolve mais propriamente o quadro de compatibilização entre
vontade particular e universal, remetendo ao que Hegel chama de “direito da objetividade”
(RP, §132). A vontade ainda permanece instável e indeterminada, provocando tensões, como
aquela entre autodeterminação, referente à subjetividade, e direito, pelo seu caráter objetivo.
As mediações necessárias para resolução do impasse provocado por essas tensões é a
caracterização própria da terceira seção, a eticidade. “As formas de reconhecimento na
família, sociedade civil e Estado, observa Baynes, “servem para „concretizar‟ ou tornar
determinada a vontade moral e, assim, minimizar (ao menos parcialmente) o conflito trágico
(2002, p. 06).
O vínculo entre auto-realização individual e reconhecimento recíproco está ligado a
uma última condição: a estrutura da formação (Bildung), associado ao caráter epistemológico
da segunda natureza (2007, p. 112 ss.), compreendendo a constituição subjetiva a partir das
relações objetivas da eticidade Isto está presente no trecho onde Honneth ressalta a afirmação
de Hegel sobre o “polimento da particularidade” (§187, adendo):
Esta liberação é no sujeito o duro trabalho contra a simples objetividade do
proceder, contra a imediatez dos desejos, assim como contra a vaidade
subjetiva do sentimento e o arbítrio do querer. Entretanto, com este trabalho
da educação ocorre que a vontade subjetiva mesma alcança em si a
objetividade, na qual, unicamente, por sua parte, a vontade é digna e capaz de
ser a realidade da idéia. (HEGEL, RP, §187)
125
Em torno deste aspecto, Honneth entende o reconhecimento como a esfera de encontro
entre aquilo que Harry Frankfurt (1988) denomina de first e a second order volitions
94
.
Frankfurt propõe, mediante essa distinção, caracterizar os âmbitos na qual a liberdade está,
por um lado, atrelada a nossos desejos, impulsos, e, por outro, referindo-se às condições
externas que a possibilita. As first-orders-volitions podem ser entendidas como ações
restritivas que geram a auto-realização da liberdade, como uma ação ilimitada e livre, como
no caso da amizade e do amor
95
, que indicam uma limitação do sujeito que proporciona uma
experiência de auto-realização ilimitada e livre. Chega-se assim à estrutura do “ser-consigo-
mesmo-no-outro”, no qual uma nova concepção de vontade individual está correlacionada
com a liberdade e a intersubjetividade.
Somos efetivamente livres apenas quando sabemos formar nossas inclinações
e carências de tal modo que estas sejam orientadas para o universal das
interações sociais e cuja realização, por sua vez, possa ser experienciada como
expressão da subjetividade irrestrita. (HONNETH, 2007, p. 78)
A idéia básica aqui é a deque o indivíduo alcança a satisfação de suas necessidades
somente quando está inserido em relações de reconhecimento recíproco. É o que se encontra
na afirmação de Pippin:
A solução, de acordo com Hegel, é entendida como situada na forma dessa
relação eu-outro” [self-other], no reconhecimento. Enquanto ser em relação,
eu terei, assim, alcançado a relação correta com meus próprios atos (2000, p.
157)
Neste sentido, Pippin (2002) considera o reconhecimento como sendo uma resposta ao
problema da liberdade, observando que Hegel, ao por de lado uma abordagem causal desta
questão, não precisa ir muito longe na elaboração de uma teoria da liberdade do ponto de vista
social. Uma relação clara que está em jogo aqui é entre um primeiro âmbito que compreende
94
Cf. FRANKFURT (1988), p. 11-25 apud HONNETH, 2007, p. 59 ss.
95
Cf. adendo ao §7 da Filosofia do direito.
126
minhas intenções e desejos, enquanto referem-se propriamente à vontade livre, e os meus
atos.
96
A ação (Handlung) é caracterizada como exteriorizações da vontade subjetiva
(Äusserungen des subjektiven Willes). Como mostra Pippin (2000), a aposta de que devemos
limitar nossa liberdade devido à vontade dos outros depende de tomar como válido o
pressuposto de que poderia haver uma vontade livre individual independente da relação
intersubjetiva, o que pode ser revelado como insatisfatório. O autor mostra como a influência
de Fichte na concepção de uma vontade livre está atrelada a uma espécie de desafio, no qual
meus desejos são passíveis de ser rejeitados pelos outros. O reconhecimento seria aqui
entendido como um medium de conciliação entre a possibilidade de satisfação dos desejos e a
relação intersubjetiva. Hegel estaria diante do problema, levantado também pela filosofia
moral de Hume, de dar uma sustentação válida a sentimentos morais, visando uma aceitação
recíproca. Aquilo que Hume desenvolvera sob o quadro referencial de sentimentos de
aprovação e reprovação, adquire em Hegel um caráter mais amplo de intersubjetividade,
enquanto a ênfase recai sobre o reconhecimento, ao mesmo tempo em que, sob a rubrica da
vontade livre, procura salvaguardar a dimensão subjetiva tal como aquela desenvolvida por
Kant. Sob influência de Fichte, o desafio de desenvolver o delineamento intersubjetivo nos
moldes da filosofia da consciência leva Hegel, notadamente nos escritos da filosofia do
espírito de Jena, a desenvolver uma concepção de espírito que procure manter o caráter
intersubjetivo que poderia ser posto em xeque diante dos padrões da filosofia da consciência,
como Hegel, no Escrito da Diferença, criticara com veemência em Fichte, em particular
naquilo que tece ao caráter monológico no qual poderia recair uma filosofia da identidade.
Na argumentação de Honneth o conceito de espírito objetivo, relido sob o abandono de
pressuposições metafísicas, conserva uma noção relevante: a de que a realidade social está
ancorada em fundamentos racionais que, se violados, conduzem a patologias sociais. Hegel
96
Apesar de distinguir entre vontade livre e ato, Pippin não diferencia aqui as intenções e desejos daquelas ações
que eu devo propriamente fazer, não ficando claro o âmbito normativo do dever moral.
127
quer mostrar que a realidade social está amparada nos conceitos da razão, e que, quando essas
são violadas, se desdobram tais patologias. A justificação de que as instituições sociais são
racionais permite que Hegel legitime uma consonância entre elas e os indivíduos que as
comem. Tendo como pressuposto a racionalidade, Hegel sustenta que o comportamento da
esfera social não é indiferente a uma configuração racional. Desse modo, uma desestruturação
desse modelo é corrigida mediante a referência a um modelo concebido racionalmente.
97
Hegel nomeia, dentro de um diagnóstico de época, patologias geradas pela insuficiência da
liberdade nas duas primeiras esferas, tais como solidão (§136), vacuidade (§141) ou
abatimento (§149). Para Honneth, tais patologias “podem ser colocadas conjuntamente sob o
denominador comum de um „sofrimento de indeterminação [Leiden an Unbestimmtheit]. “A
eticidade liberta-se de uma patologia social, na medida em que cria igualmente para todos os
membros da sociedade as condições de uma realização da liberdade” (p. 106)
Para poder afirmar uma relação necessária entre aquelas situações patológicas
e a absolutização dos dois modelos incompletos de liberdade, [Hegel] deve
poder mostrar que a realidade social não se comporta de modo indiferente em
face da aplicação daquelas determinões falsas ou insuficientes da existência
humana. (HONNETH, 2007, p. 74).
Assim como na estrutura lógica, a Filosofia do Direito mostra que a vontade livre
desenvolve-se em vista a uma maior consolidação de seus conteúdos, cujo estado inicial é
marcado pela indeterminidade. Como observa Pippin, “sofremos pela indeterminação contida
numa mera noção de liberdade, enquanto a vacuidade da idéia de liberdade, tomada
97
Recentemente, Neuhouser (2000) propõe-se a mostrar, com um estudo bem argumentado, que a estratégia
argumentativa sobre o nexo proposto por Hegel entre racionalidade e espírito objetivo contém uma
plausibilidade maior do que a que normalmente se discute. A tese de Neuhouser (2000) é que as instituições são
racionais porque promovem a liberdade social de seus membros. O autor mostra que Hegel encontrar em
Rousseau as bases para a articulação de um modelo de liberdade social, concebendo-lhe não só em sua
configuração subjetiva, referente aos indivíduos, como também lhe concedendo um componente objetivo,
compreendido nas instituições e nas leis racionais. Esta leitura diverge da proposta de Theunissen em encontrar
ao déficit da relacionalidade exatamente na subordinação dela a uma estrutura substancialista. As instituições são
racionais enquanto comportam o caráter da subjetividade, que por sua vez, são nelas expressam e nelas adquirem
sua objetividade. Recentemente, uma interessante discussão sobre este tema é oferecida por Pippin (2008).
128
isoladamente, não traz consigo a determinação necessária para a auto-realização individual.
(2008, p. 16)
Honneth evoca Hegel como tendo mostrado incisivamente a condição mais
importante para a liberdade efetiva: a liberdade do outro, e, com ela, as
condições sociais objetivas em que os sujeitos poderiam propriamente
experienciar a liberdade do outro como condição da sua própria liberdade, e
então atuar como agentes sociais e subjetivamente racionais. (2008, p. 16)
O conceito substancialista de Estado, alvo constante de críticas na literatura
secundária, não impede que Honneth extraia da Filosofia do Direito intuições procuas. Em
contraposição àquela tendência Honneth observa que alguns trechos destacam a possibilidade
do indivíduo encontrar-se melhor concebido quando se consolida a estrutura relacional da
eticidade. Isto se deve ao conceito intersubjetivo de individuação, segundo o qual a esfera do
Estado compreende um grau mais amplo de universalidade em que uma complexificação
do quadro de relacionalidade e, conseqüentemente, de individuação. Este grau, na esfera do
Estado, e, um pouco antes, na passagem da sociedade civil ao Estado, é indicado segundo o
potencial do indivíduo em realizar uma atividade universal” (RP, §255). Desse modo, o
Estado deve oferecer as condições que permitam “ao homem ético, afora o seu fim privado,
uma atividade universal” (§255). Comenta Honneth
É a colaboração nesse „universal‟, a participação ativa na reprodução da
coletividade, que faz Hegel acreditar que esta permite um grau ainda maior de
individualização: não em sua carência natural, nem em seu interesse
individual, mas em seus talentos e habilidades formados racionalmente é que o
sujeito se tornou, na esfera do Estado, membro da sociedade. (2007, p. 121-
122)
Na reatualização de Honneth, a eticidade é relida segundo o modelo no qual não se
sobressai nem o indivíduo isolado nem o conceito substancialista de Estado, mas o quadro
relacional que se apresenta na reestruturação da eticidade. Com isso, as intuições que se
mantiveram do jovem Hegel o relidas, notadamente a estrutura relacional da eticidade,
129
pautada agora nos padrões comunicativos do “ser-consigo-mesmo-no-outro”. O propósito
central é o de desenvolver a teoria do reconhecimento com parâmetros que indiquem a
reestruturação da eticidade conforme um novo quadro sócio-institucional. No entanto, a
conclusão da leitura de Honneth irá evidenciar que o referencial trico hegeliano não deixa
imune sua abordagem da eticidade. Honneth alia-se, em parte, às leituras que exploram os
problemas associados à concepção hegeliana de Estado e às célebres passagens onde os
indivíduos são apresentados como acidentes. A discussão desta questão já aponta novamente
para a insuficiência da abordagem hegeliana, desdobrada agora no quadro de uma teoria da
eticidade orientada para o desenvolvimento do conteúdo normativo das esferas de
reconhecimento. Após a exposição deste problema, retomaremos, já no contexto da parte
conclusiva deste trabalho, a proposta inicial de Honneth, no intuito de elucidar como a teoria
de Honneth pode proporcionar a ampliação e consolidação da proposta apresentada por Hegel
em sua Filosofia do Direito.
4.3 Novos parâmetros para uma teoria da eticidade
Procuramos revelar que, em seu projeto de reatualização de Hegel, Honneth propõe a
revisão do conceito hegeliano de eticidade, perseguindo a elaboração de uma reestruturação
do modelo de eticidade demarcada pela teoria do reconhecimento. A partir da leitura
apresentada, extraiu-se do modelo hegeliano de eticidade a proposta de uma teoria normativa
para exeqüibilidade das relações de reconhecimento recíproco. Ao mesmo tempo, o conteúdo
130
para esta exeqüibilidade, assevera Honneth, não se encontra satisfatoriamente claro. Na
proposta de Hegel, a idéia de um modelo de eticidade visa satisfazer o propósito de
explicitação do desenvolvimento estrutural que o espírito objetivo, a partir de um referencial
especulativo, apresenta em seu desdobramento autoreflexivo. Resta evidenciar, em primeiro
lugar, o caráter insuficiente que o modelo de eticidade pode adquirir, levando ao déficit dos
espaços de reconhecimento e, em segundo lugar, explicitar o procedimento de retificação e
fortalecimento das estruturas que favoreçam o reconhecimento, com vistas a verificar em que
medida a teoria do reconhecimento de Honneth avança diante desta proposta.
No seu projeto de reatualização da Filosofia do Direito de Hegel, a conclusão a que
Honneth chega é que a proposta hegeliana não consegue satisfatoriamente conjugar, sob a
concepção de eticidade, o papel do Estado e as configurações da liberdade individual e
relações intersubjetivas, apenas esboçando, mas sem desenvolver, a noção que Honneth
denomina de “liberdade pública”. Aos problemas anteriormente apresentados em torno do
referencial trico hegeliano para o delineamento da estrutura da eticidade (a perda do caráter
revisionista e o modelo substancialista de eticidade), acrescenta-se agora o que Honneth, ao
analisar a abordagem que Hegel concede às três esferas da eticidade (família, sociedade civil e
Estado), denomina de “superinstitucionalização da eticidade”.
Na família, primeiramente, Hegel mostra que o amor, enquanto “unidade afetiva”,
propicia aos seus membros (não mais pessoas, como se caracterizava no direito abstrato) o
caráter da “autoconsciência de sua individualidade nesta unidade” (RP, §158). Vinculando o
caráter cognitivo com formas de atividade, Honneth escreve:
O amor representa uma forma de ação na qual está contido em forma de
“sensações” um saber comum de acordo com o qual “nós” independentemente
uns dos outros, seríamos apenas sujeitos incompletos, e, por essa razão,
compartilhamos uma “unidade”. (2007, p. 125)
131
Os conteúdos morais adquirem a forma de direitos e deveres, de acordo com um
quadro normativo. Este quadro pretende-se inscrito nas ações intersubjetivas, pelas quais os
sujeitos constituem-se a partir do reconhecimento, agora consolidado a partir do cumprimento
das normas morais:
Se em nossa ação intersubjetiva seguimos normas morais correspondentes,
então nos reconhecemos reciprocamente como sujeitos que possuem um valor
específico para os outros, porque nos sentiríamos “insuficientes e
incompletos” sem o respectivo outro (HONNETH, 2007, p. 127)
Na família, Hegel mostra como a singularização se conquista na outra pessoa”
(HONNETH, 2007, p. 127). O equilíbrio entre satisfação e limitação de nossas inclinações,
motivações e carências são elementos centrais na compreensão do movimento do
reconhecimento nas esferas da eticidade, a partir da qual Hegel desenvolve o núcleo de uma
teoria da liberdade enquanto autodeterminação e autolimitação, assentada nas experiências de
reconhecimento recíproco. Este exemplo é expresso na discussão sobre o matrimônio (§162):
o ponto de partida objetivo é o livre consentimento das pessoas, e
precisamente para constituir uma pessoa, para abandonar sua personalidade
natural e individual nessa unidade, que segundo este aspecto é uma auto-
limitação, porém precisamente na medida em que ganham nela sua
autoconsciência substancial é sua liberação (HEGEL, RP, §162)
Sentido análogo Hegel encontrara quando, no adendo ao §7, apresenta o significado da
amizade. Comentando essa passagem, Honneth afirma que a amizade representa o caso
exemplar de uma relação na qual fica claro em que medida o sujeito, primeiramente por meio
da limitação‟ em relação ao outro, chega à liberdade completa” (2007, p. 129). Neste ponto,
Honneth pretende reforçar o quadro das relações de reconhecimento que não seja restringido
ao aparato institucional. Honneth mostra que, se, por um lado, Hegel propõe uma discussão na
qual o nível de sensações não é descartado, por outro, este nível é enfraquecido. Honneth
propõe que a principal razão dessa perda jazeria na opção hegeliana em “privilegiar as formas
132
juridicamente institucionalizadas de eticidade” (p. 129). É por essa razão que a seção da
família não explicita outras formas de relações afetivas, como a de amizade, havendo uma
discrepância na proposta original da Filosofia do Direito em desenvolver as diversas esferas
de reconhecimento. Honneth entende que também a amizade deveria ser incorporada numa
primeira instância da eticidade, fazendo jus à passagem hegeliana do §7, onde tanto o amor
como a amizade são vistas como vontades verdadeiramente livres. Esta forma de interação, tal
como a família, “gira em torno do reconhecimento recíproco da insubstituibilidade do outro.”
(HONNETH, 2007, p. 130).
Amigos também sempre realizam na sua relação uma parte de seu Self, uma
vez que se orientam, em sua interação, por normas morais de bem-querer e de
apoio que o exigidas no desenvolvimento e articulação de suas carências
individuais. (HONNETH, 2007, p. 130).
Na proposta de Honneth, o espaço de configuração relacional da eticidade é
redimensionado, fornecendo uma concepção em que as “relações de comunicação [...]
também estão abertas a mudanças internas e adaptões” (p. 135), permitindo que Honneth
amplie também o sentido de auto-realização por meio do amor recíproco” para além da
imagem institucional.
Enquanto a família, inicialmente, expressa os momentos da particularidade subjetiva
e da universalidade objetiva em unidade substancial” (RP, §255), Hegel, ao considerar o
aumento do grau de individuação, entende, na esfera da sociedade civil, a corporação como o
espaço de expressão da relação entre indivíduo e sociedade civil (RP, §§250-256). São postas,
assim, as características pelas quais a família e a corporação são consideradas as raízes éticas
do Estado (RP, §255). No entanto
Quanto mais Hegel insiste, no capítulo sobre a eticidade”, em prover as
esferas éticas com formas institucionais normativamente distintas e
contrapostas, menor é a possibilidade de equipará-las no todo com um
conjunto específico de práticas de ação social (HONNETH, 2007, p. 141)
133
Se em referência à esfera da família as relações se constitam conforme o padrão de
interação do amor, na esfera da sociedade civil a relação de interação de mercado, que se
coloca ao lado das corporações, cria “uma esfera de comunicação bem diferente, cujas normas
de reconhecimento o de um tipo completamente independente” (p. 141). Provavelmente
Honneth está retomando sua proposta inicial de interação própria à sociedade civil em que se
apresentava a solidariedade como interação própria desta esfera, diversamente do contexto de
interação apresentado por Hegel. Nesse caso, Honneth propõe que a corporação estaria mais
adequadamente localizada no âmbito organizacional do Estado, ainda que as corporações
representem, de fato, organizações éticas da sociedade civil e não instituições estatais. O
principal problema da doutrina da eticidade é que,
ainda que tudo nela esteja disposto de uma tal maneira que se constitua nas
três esferas apenas um padrão de interação capaz de garantir a liberdade, essa
intenção formal não pode ser realizada porque seu ponto de vista está voltado
muito fortemente para as formas concretas de organização. (HONNETH,
2007, p. 141)
Honneth considera que Hegel deveria ter diferenciado entre “uma análise normativa
das sociedades modernas para identificar as condições historicamente produzidas da liberdade
individual” (2007, p. 142) e uma “análise das instituições com que pode legitimar as formas
de organização que se desenvolveram ancoradas no direito” (2007, p. 142). Desse modo, mais
uma vez se mostra a intenção de Honneth em conceber um projeto de ampliação da estrutura
normativa para além daquela proporcionada pelo direito em sentido estrito.
Dito brevemente, Honneth propõe que esta dilatação da noção de eticidade, com uma
espécie de enfraquecimento da estrutura normativa pautada no aparato institucional,
proporciona, na primeira seção da eticidade, a inclusão de outras formas de interação. Na
esfera da sociedade civil, por sua vez, possibilitaria a Hegel “tratar a sociedade civilcomo
uma esfera individual de reconhecimento na qual os sujeitos realizam seus fins privados
134
graças a interações estratégicas” (2007, p. 142). Neste ponto, Honneth não discute o vínculo
entre o tratamento hegeliano das instituições e a concepção de espírito, a partir da qual a
formatação institucional depende do movimento que a noção de espírito irá adquirir histórico
e socialmente, conforme um sentido teleológico. Mas Honneth mostra que Hegel não pensou
adequadamente o Estado como uma esfera de reconhecimento recíproco, o que seria
compatível com sua concepção de vida universal e de ações entrelaçadas “segundo leis e
princípio pensados, isto é, universais (HEGEL, RP, §258). Isso se deve ao enfraquecimento
das estruturas de reconhecimento diante do tratamento substancialista que o Estado recebe. A
conclusão de Honneth dirige-se para a interpretação que permeia a argumentação aqui
sustentada. Honneth encontra no §260 respaldo para a sua crítica ao referencial teórico
hegeliano, que, pela sua importância para a discussão aqui proposta, reproduzimos
integralmente:
O Estado é a realidade efetiva da liberdade concreta, mas a liberdade concreta
consiste em que a singularidade pessoal e os seus interesses particulares tanto
tenham o seu desenvolvimento completo e o reconhecimento do seu direito
para si (no sistema da família e da sociedade civil-burguesa), quanto em parte
passem por si mesmos ao interesse do universal, reconheçam-no, com saber e
vontade, como seu espírito substancial, e sejam ativos a favor do universal
como seu fim-último, e isso de tal maneira que nem o universal valha e possa
ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os
indivíduos vivam apenas para estes como pessoas privadas, sem querê-los,
simultaneamente, no universal e para o universal e sem que tenham uma
atividade eficaz desse fim. (HEGEL, RP, §260)
Por um lado, a eficiência da argumentação de Hegel consiste em conciliar, segundo
seu projeto, a subjetividade com a objetividade. Como ele escreve na continuação do mesmo
parágrafo,
o princípio dos Estados modernos tem este vigor e esta profundidade
prodigiosos de deixar o princípio da subjetividade plenificar-se a o extremo
autônomo da particularidade pessoal e, ao mesmo tempo, de reconduzi-lo à
unidade substancial, e, assim, de manter essa unidade substancial nesse
princípio da subjetividade. (RP, §260)
135
No entanto, Hegel deixa entender que o desenvolvimento do interesse particular
lugar a um novo estágio, em que os interesses particulares “passem por si mesmos ao
interesse do universal”, que os indivíduos reconheçam-no”, e, continua Hegel enfaticamente,
com saber e vontade, como seu espírito substancial, e sejam ativos a favor do universal
como seu fim-último”. A unidade entre subjetividade e objetividade é encontrada no
reconhecimento dos indivíduos de um “interesse do universal”. Nesta passagem, a
intersubjetividade não se encontra destacada. A mediação dos interesses particulares não fica
clara, ao mesmo tempo em que a indicação do universal como seu fim-último” resta, se não
vazia, impossibilitado de ser precisado o seu conteúdo. Na conclusão do seu projeto de
reatualização da Filosofia do Direito de Hegel, Honneth mostra que
os sujeitos não se relacionam reconhecendo-se reciprocamente com a
finalidade de realizar o universal por meio das atividades comuns, mas este
universal aparece como algo substancial, de modo que o reconhecimento
conserva o sentido de uma confirmação que se produz de baixo para cima.
(2007, p. 143)
Mas a abordagem honnethiana deixa espaço para uma nova interpretação. Ao
especular sobre o sentido de “espírito substancial”, Honneth sugere que
Isso também poderia ser entendido de tal modo que a esfera do Estado
permitisse aos indivíduos conhecer (e reconhecer) em si a base das convicções
e intenções partilhadas intersubjetivamente que formam o pressuposto de uma
persecução cooperativa de fins comuns. (2007, p. 144)
Segundo a leitura de Honneth, Hegel, apesar da tendência republicana, não interpreta
a esfera do Estado como “uma relação potica de formação democrática da vontade” (2007,
p. 144-145). Apesar de Hegel, em referência à tendência liberal, associar a legitimidade do
Estado ao consentimento livre dos cidadãos (§262), não lhes concedeu o papel de proceder,
continua Honneth, por meio de deliberação pública e da formação de opinião” (p. 145),
136
decidindo, assim, quais devem ser os objetivos daquela ordem estatal (p. 145). Honneth
conclui com a seguinte reflexão:
Apesar disso, um tal aperfeiçoamento democrático de sua doutrina da
eticidade com objetivos de uma teoria da justiça, que Hegel perseguiu em toda
a sua Filosofia do direito, teria se sustentado da melhor maneira possível:
emoldurada no contexto de uma ordem moral capaz de assegurar a liberdade, e
que forma em conjunto as três esferas éticas de reconhecimento, a tarefa da
formação democtica da vontade na última esfera, que se constitui como a
esfera propriamente política, teria sido encontrar a elaboração institucional dos
espaços de liberdade. (2007, p. 145)
A concepção hegeliana de eticidade como espaço de interação comunicativa limitou-se
com a concepção substancialista de Estado. Com o objetivo de extrair o que permite o avanço
para uma teoria do reconhecimento, Honneth percebe a dificuldade de encontrar na proposta
hegeliana o delineamento satisfatório de uma teoria da eticidade. O motivo central se deve ao
fato de que as formas de interação referem-se a um elemento externo às próprias interações
intersubjetivas, restringindo o valor das esferas de comunicação. Em consonância com a
crítica clássica à perda da individualidade na concepção substancialista de Estado, Honneth
ressalta que em vários trechos do capítulo final da Filosofia do Direito “manifesta-se um
liberalismo autoritário que concede aos indivíduos todos os direitos fundamentais
tradicionais, porém não lhes dando chance alguma de configuração potica” (2007, p. 144).
Mesmo que seja plausível uma interpretação republicana” em contraponto à liberal, é latente
a dificuldade de encontrar em ambas a definição de uma estrutura deliberativa concedida às
próprias trocas intersubjetivas, o que, como foi visto, reserva uma possibilidade de atualização
da proposta original de Hegel. Ao considerar as interpretações republicana ou liberalista, a
conclusão de Honneth retoma essa idéia:
Certamente que em nenhuma dessas duas alternativas de interpretação a
previsão de um lugar único no qual os “cidadãos do Estado” pudessem reunir-
se para deliberar em conjunto sobre como deveriam ser qualificados os fins
considerados universal”; não se encontra na doutrina do Estado de Hegel o
137
menor vestígio da idéia de uma esfera pública política, da concepção de uma
formação democrática da vontade. (2007, p. 144)
Ao fortalecer o papel da dimensão intersubjetiva na constituição da eticidade, Honneth
mostra que as formas de interação contêm um potencial de formão cognitivo, associado ao
desenvolvimento da capacidade de julgar moralmente.
98
Desse modo, ele reforça a idéia de
que o caráter de “segunda natureza”, próprio da eticidade, comporta a estabilidade
necessária para os espaços comunicativos, vistos como esferas de realização da liberdade. O
vínculo entre segunda natureza e costumes é latente neste modelo, o que reforçaria os sentidos
dos costumes não como necessariamente juridicamente legitimados, mas como práticas
estáveis compartilhadas intersubjetivamente (HONNETH, 2007, p. 133 ss.). Com isso, a
insistência de Hegel na institucionalização positivada juridicamente não seria de todo
necessária. Na leitura honnethiana, “as diferentes esferas da eticidade devem ser pensadas
como relações sociais de interação nas quais todo sujeito deve poder participar igualmente por
razões da liberdade” (p. 134). Desse modo, continua o autor, “essas esferas devem ser
representadas como bens blicos na medida em que permanecem amplamente controladas
pelo estabelecimento do direito através do Estado” (2007, p. 134). O Estado deve garantir a
existência adequada e a devida manutenção das esferas distintas de reconhecimento. Honneth
tem em vista a ampliação da esfera da eticidade para além das questões normativas
juridicamente autorizadas. Desse modo, ele revisa as condições de ação por parte do Estado,
sem restringi-las às “instituições constituídas juridicamente” (2007, p. 135), ao mesmo tempo
em que propõe uma maior flexibilização da eticidade, concedendo-lhe maior organicidade.
99
Na revisão de Honneth, o modelo de eticidade não pode ser representado
98
A propósito do vínculo entre teor cognitivo e ações morais, cf. o recente debate entre McDowell e Honneth
acerca do realismo moral (HONNETH, 2002b).
99
A propósito dessa questão, Flickinger (1986, 2008) utiliza a expressão juridificação da eticidade para indicar
as limitações do teor ético quando balizado estritamente pela esfera jurídica. Esta crítica aponta uma lacuna
quando as noções de certo e errado relativo a conteúdos morais serão definidos basicamente pelo que é definido
138
nem como uma forma excessivamente fixa e imutável, pois com isso perderia
toda a plasticidade que lhe é própria, nem concebida como uma massa
meramente disponível ao estabelecimento do direito pelo Estado, uma vez
que, desse modo, perderia em geral a característica de um costume”, a saber,
de uma formação de hábitos que nunca poderá ser completamente regulada.
(2007, p. 134)
Como se procurou mostrar, mesmo que o modelo hegeliano de espírito assegure uma
estrutura intersubjetiva, isto não garante o papel dos indivíduos, por exemplo, nas próprias
trocas deliberativas e no papel do reconhecimento para a consolidação intersubjetiva das
formas sociais de existência.
100
A intersubjetividade, aqui, não é garantia de liberdade. Em
Luta por Reconhecimento, Honneth, ao comentar a Realphilosophie, tinha mostrado que
Hegel poderia ter concebido “a esfera ética do Estado como uma relação intersubjetiva na
qual os membros da sociedade podem saber-se reconciliados uns com os outros justamente
sob a medida de um reconhecimento recíproco de sua unicidade” (2003, p. 107-108), mas é
impedido por pensar “a organização da esfera ética conforme o modelo de uma auto-
exteriorização do espírito” (2003, p. 108). A arquitetônica própria da filosofia da consciência
acaba se impondo contra a substância da obra, própria de uma teoria do reconhecimento
(HONNETH, 2003, p. 108). A intersubjetividade restringe-se ao modelo de desdobramento
subordinado a uma estrutura auto-referencial. A autodeterminação individual mostra-se como
momento de autodeterminação da razão. As categorias com as quais Hegel opera referem-se
somente às relações dos membros da sociedade com a instância superior do Estado, e não às
suas relações interativas” (HONNETH, 2003, p. 108). Ao reatualizar a Filosofia do Direito de
Hegel, Honneth propõe-se a repensar a teoria da eticidade alicerçada nas trocas comunicativas
formalmente pela esfera jurídica, na qual as penalidades tendem a ocorrer somente quando este âmbito é
infringido.
100
No registro da teoria da ação comunicativa de Habermas, a aplicação deste contexto comunicativo no
processo decisório é discutido em Faktizität und Geltung. Os sujeitos simultaneamente como autores da lei e
regidos por elas. Comentando essa proposta, Honneth afirma que Habermas, nesta obra, desenvolve uma
concepção normativa segundo a qual a legitimidade da ordem jurídica do Estado resulta da garantia das
condições de formação democrática da vontade (2007, p. 80), enquanto Hegel “parte da auto-realização
individual com a finalidade de derivar de suas condições a tarefa de uma ordem jurídica moderna” (2007, p. 80)
139
que consolidem as esferas de reconhecimento recíproco, cujo avanço seria, conforme citado
anteriormente, encontrar a elaboração institucional dos espaços de liberdade”. O
redimensionamento de sua teoria, cujas bases foram apresentadas em Luta por
Reconhecimento, continua sendo a tarefa que Honneth tem a sua frente.
140
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As apresentarmos o vínculo entre teoria do reconhecimento e eticidade, mostrou-se a
insuficiência da abordagem hegeliana, requerendo novos parâmetros para se reestruturar um
modelo de eticidade. Encontrou-se a plausibilidade diante dos problemas do referencial de
Hegel na teoria do reconhecimento de Axel Honneth. Nela foram encontrados elementos para
repensar a teoria hegeliana da eticidade, reescrevendo-a num quadro intersubjetivo em que o
reconhecimento, antes restrito a uma estrutura reflexiva, adquire um novo significado. A
partir da revisão do propósito original de Hegel, a teoria do reconhecimento adquire maior
consistência e plausibilidade para o debate contemporâneo. Honneth compartilha com Hegel o
propósito de detectar a lógica da eticidade, e, com isso, fornecer um padrão normativo. São
contempladas tanto a dimensão explicativa quanto a crítico-normativa. Luta por
Reconhecimento se propõe a fornecer, segundo uma dimensão explicativa, uma gramática
moral para a compreensão da lógica social. Ao mesmo tempo, a conclusão do texto, segundo
uma proposta crítico-normativa, aponta para a elaboração de um conceito formal de eticidade,
remodelado segundo um padrão pós-tradicional, aberto à possibilidade de revisão de seu
conteúdo. Este projeto normativo é ampliado em Sofrimento de Indeterminação, em que, a
partir da atualização da Filosofia do Direito hegeliana, é desenvolvido um modelo de
eticidade que contenha uma teoria normativa nos padrões de uma teoria do reconhecimento.
Com a análise destes dois principais textos em que Honneth retoma o pensamento hegeliano,
podemos detectar a refencia a dois problemas do referencial trico hegeliano, ao tempo em
que se revelam suas possíveis respostas. Os principais pontos insuficientes foram conjugados
na crítica ao conceito monológico de espírito e à estrutura lógica apriorística, aspectos que
provocam o quadro de “teleologia do incondicionado”.
Com a análise dos escritos de Honneth, podemos encontrar, primeiramente, em Luta
por reconhecimento, a limitação da teoria do reconhecimento, tal como Hegel a propõe,
141
quando ela se desenvolve enquanto momento subordinado a um princípio auto-referente, em
que a intersubjetividade se desvela a partir do movimento do espírito. Esta leitura, herdada de
Habermas, motiva Honneth a encontrar nos escritos de juventude a intuição forte da
intersubjetividade em Hegel, base para o desenvolvimento da teoria do reconhecimento
honnethiana. O problema da abordagem hegeliana consistia na recorrência a uma
fundamentação apriorística, que, no registro pós-metafísico, é fragilizada se não apoiada
numa abordagem empiricamente sustentada. Uma fundamentação lógica apriorística pode
voltar-se contra ela mesma à medida que seus desdobramentos são por ela limitados. O caráter
apriorístico, portanto, mostrou-se insuficiente para estabelecer uma lógica social. A partir
destes “padrões pós-metafísicos de racionalidade”, Honneth estabelece a “corroboração
empíricade sua proposta lógica, fornecendo um quadro categorial no qual, ao mesmo tempo
em que são sugeridos princípios norteadores - a suagramática moral” como lógica de
conflitos sociais” (2003, p. 120) -, preserva-se a variabilidade configuracional,
proporcionando um maior espaço para a contingência, e, portanto, reduzindo o caráter
determinístico de um quadro lógico que engendra, segundo o sistema hegeliano, uma filosofia
do real teleologicamente incondicionada. Distinguem-se, aqui, dois traços, ambos de caráter
estrutural: o lógico e o ontológico. Honneth, enquanto inserido no debate s-metafísico,
entende como desnecessário o traço ontológico. Entretanto permanece o sentido de um
referencial lógico, articulada por Honneth nos padrões de uma gramática.
Também em Sofrimento de Indeterminação a interlocução com a filosofia hegeliana
proporcionou a elucidação de possíveis respostas para o impasse aqui exposto em torno do
referencial teórico hegeliano. Mesmo que Honneth reconstrua o texto da Filosofia do Direito
como uma fonte de brilhantes idéias individuais” (2007, p. 49) sem recorrer às “instruções
metódicas da gica nem da concepção basilar de Estado (2007, p. 51), a conclusão
honnethiana evidencia os problemas concernentes à “superinstitucionalização da eticidade”,
142
cujo avanço pode ser encontrado na revisão do caráter lógico e da concepção de espírito que
está em jogo, retomada com uma maior dinamicidade e submetida à revisão empírica,
proporcionando, novamente, a revisão do referencial trico hegeliano. Desse modo,
encontramos no modelo de eticidade proposto em Luta por Reconhecimento possíveis
respostas para alguns dos problemas que Honneth viria a apontar em Sofrimento de
Indeterminação, ao mesmo tempo em que se aponta para a ampliação da proposta
honnethiana em reestruturar o modelo de eticidade ancorada em esferas de reconhecimento.
No marco de projeto honnethiano do pensamento de Hegel, é possível extrair a
releitura de três conceitos que se revelaram problemáticos no referencial teórico hegeliano:
espírito, teleologia e lógica. A noção de espírito permitiu a Hegel articular a constituição da
subjetividade na sua relação com a historicidade e com a objetividade das formas sociais, ao
mesmo tempo em que a objetividade adquirira a identificação com a subjetividade nela
expressa. A revisão do conceito de espírito, reescrito agora segundo um padrão que se
coloque como alternativo ao modelo de espírito autoreflexivo, concede-lhe um delineamento
mais dinâmico, relacional, ampliando a configuração da eticidade. Desse modo, o conceito de
espírito pode ser relido no sentido de desenvolver um modelo dimico de eticidade,
deslocando a ênfase de uma estrutura auto-reflexiva para as trocas comunicativas da
comunidade lingüística. Com isso, o caráter teleológico revela-se na proposta de um
direcionamento para formas cada vez mais consolidadas de relações de reconhecimento,
conferindo ao modelo de eticidade um caráter evolutivo que se dirige a formas mais
elaboradas de vida boa. O significado de teleologia é, no entanto, não mais incondicionado,
mas condicionado a formas particulares que as relações de reconhecimento, a partir de um
quadro construído histórico e socialmente, ampliando o espaço de subdeterminação. Uma
concepção de espírito, de alguma forma, permanece, mas não teleologicamente
incondicionada, mas atrelada às práticas intersubjetivas que conferem dinamicidade e
143
movimento às “formas de existência sociais”. A lógica, por sua vez, mostra-se não mais como
apriorística, mas vinculada à gratica inscrita nas relações de reconhecimento, que
proporcionam detectar os padrões que perpassam as lutas por reconhecimento.
Uma atualização de Hegel, proposta de forma crítica, possibilita a elucidação da
consistência de seu pensamento e sua atualidade para o debate contemporâneo. Antes de se
colocar como uma crítica externa ao sistema hegeliano, a abordagem de Honneth, ao
desvincular-se de uma leitura presa ao texto, contribui significativamente para a retomada de
Hegel no debate da filosofia moral e potica contemporânea, elucidando a fecundidade de seu
pensamento. Ao mesmo tempo, o retorno a Hegel pode indicar a possibilidade de ampliar o
propósito da teoria honnethiana, cuja proposta de diálogo empírico e crítica a uma estrutura
lógica apriorística possibilitou o avanço diante da teoria hegeliana. O desenvolvimento desse
projeto pode conduzir ao desenvolvimento de uma gramática não só dos conflitos sociais, mas
ampliada para uma teoria mais abrangente, onde a lógica dos conflitos sociais pode ser
ampliada para uma revisão da lógica hegeliana, e que, ao mesmo tempo, não seja apriorística,
mas aberta à revisão mediante a interlocução com as ciências empíricas. A proposta de
Honneth poderia ser ampliada se relida inversamente: a lógica dos conflitos sociais pode ser
pensada conforme uma lógica sistemática, levando a cabo a crítica honnethiana à distinção
habermasiana entre sistema e mundo da vida.
101
Ao ler Honneth, são fornecidos elementos
para entender os problemas de Hegel, ao mesmo tempo em que, ao retornar a Hegel, pode-se
mostrar a possibilidade de ampliação da teoria de Honneth. O diálogo com Honneth serve
101
Para a discussão deste aspecto seria necessária a explicitação do debate entre a proposta de Habermas e a
teoria dos sistemas Para Habermas (2000), o déficit da filosofia do sujeito mantém-se na noção de auto-
reflexividade dos sistemas. Mas, “no lugar do mundo, único, fundado transcendentalmente, aparecem os
múltiplos mundos circundantes relativos ao sistema” (HABERMAS, 2000, p. 514). Luhmann expressa este
sentido na idéia de que “um sistema auto-referencial não tem um mundo circundante em si, mas apenas contato
com o mundo circundante que ele mesmo torna possível” (LUHMANN, 1984, p. 146). Habermas conclui seus
textos sobre “O Discurso filosófico da modernidadecom a sugestão de que a controrsia que se impõe é entre
“intersubjetividade lingüisticamente gerada e o sistema fechado de modo auto-referencial” (2000, p. 534). Sobre
este debate, cf. LUHMANN (1984); HABERMAS (2000), em particular o Excurso sobre a apropriação da
herança da filosofia do sujeito pela teoria dos sistemas de Luhmann; e HONNETH (1997). Para uma exposição
sintética em torno deste debate, cf. SIEP (2003).
144
para repensar criticamente o pensamento de Hegel, assim como o diálogo com Hegel permite
a procura pela sistematicidade da teoria honnethiana, com vistas a abranger novos horizontes
de pesquisa.
102
Com conceitos como “invisibilidade” e reificação, Honneth (2001b, 2005) tem
discutido, em trabalhos mais recentes, algumns aspectos que indicam a relevância de delinear
questões epistemológicas e sociológicas que se impõem ao desenvolvimento da teoria do
reconhecimento. Em sua reatualização da teoria da eticidade, Honneth já coloca a questão em
torno do “nível cognitivo dos jogos de linguagem” (2007, p. 123), onde é ressaltada “a relação
estreita que Hegel acredita sempre existir entre modo cognitivo, forma de reconhecimento e
auto-realização” (2007, p. 124), sugerindo um interessante entrelamento entre “os níveis de
individualidade e determinadas formas de conhecimento (2007, p. 124). Coloca-se, dessa
maneira, a relevância de desenvolver o significado epistemológico do reconhecimento em
Hegel e, assim, confrontá-la com essa conotação na teoria honnethiana, com vistas a atualizar
a concepção de eticidade a partir do enfoque dado pela teoria de Honneth, repensando o
conceito de “racional” tecido por Hegel e sua relação com o modelo de eticidade. A
ampliação desta proposta depende da clarificação do nculo entre o registro epistemológico e
o reconhecimento juntamente com o redimensionamento da estrutura relacional, até então
102
Na literatura recente, um propósito semelhante ao discutido aqui é abordado no estudo de Ikäheimo (2008). O
autor, ao mesmo tempo em que discute incisivamente com a teoria do reconhecimento de Honneth, também
mantém a preocupação de não esquivar-se de uma abordagem penetrante de Hegel através do registro metafísico
do pensamento hegeliano. O autor mostra que a relação entre a constituição da subjetividade através da
intersubjetividade e do reconhecimento foi discutido mais amplamente nos escritos anteriores à Fenomenologia e
nela mesma, mas não enfaticamente na Enciclopédia. Esta ausência deve-se, segundo o autor, “ao generalizado
clima anti-metafísico na filosofia contemporânea e a convião que a Enciclopédia de Hegel com certeza
representa um tipo de filosofia metafísico ao qual quem quer ser considerado um pensador responsável deve ser
hostil” (p. 4). O autor propõe, na introdução, uma abordagem semelhante à de Aristóteles, no sentido de
considerar a interconexão de fenômenos, sem a intenção de reduzi-los a uma base fundamental. A inquietação
de Ikäheimo é condividida, em parte, pelo enfoque visado no ulterior desenvolvimento de nossa pesquisa: “Esta
atitude anti-metafísica encontra, hoje em dia, suporte não na filosofia anglo-americana, mas também na
Alemanha, entre influentes pensadores como Jürgen Habermas e Axel Honneth. Entretanto, deve ser esperado (e
eu adiciono, com esperança) que certas motivações e desenvolvimentos na arena filosófica abrirá novos ouvidos
para o lado filosoficamente mais ambicioso de Hegel representado pelo seu sistema maduro um lado que eu
não penso que deva ser caracterizado, como ele freqüentemente ainda o é, como um tipo de tentativa hiper-
racionalista e hiper-metafísica de apreender o mundo com um pensar puro que é insensível às ciências e ao senso
comum” (p. 04).
145
circunscrita às trocas intersubjetivas, na tentativa de tornar possível a tematização de relações
que especifiquem o status da natureza e da relação dos sujeitos com ela. Se o
redimensionamento da teoria do reconhecimento mostrar-se plausível, cabe à ampliação
deste estudo tentar responder. Mais uma vez o retorno a Hegel, orientado para uma discussão
crítica dos padrões pós-metafísicos de racionalidade, indica uma estimulante tarefa.
146
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