Sair do âmbito da frase e da pura técnica estrutural fez a lingüística mergulhar em várias áreas do
conhecimento e perceber que, além das palavras bonitas, do texto morfológico, sintático e semanticamente
perfeito, existe um sujeito até então descartado. A linguagem deixaria de ser entendida como origem,
ou como algo que encobre a verdade existente independente dela própria, mas sim
com o exterior a qualquer falante, o que define precisamente a posição do sujeito de
todo sujeito possível. Mas isso define o sujeito como posição, e não como uma coisa
em si mesma, como uma substância (HENRY, 1997, p. 29).
Os lingüistas mais ortodoxos (outros, nem tanto) tiveram que aceitar um prato nada digestivo (para
muitos): a existência de um sujeito, origem, destino e posição histórica e ideológica da linguagem, do dizer.
A questão é que, quando o estruturalismo estava sendo elaborado, estudiosos de vários campos das
ciências traçavam outro caminho, tentavam descobrir a identidade de instrumento de análise das ciências
humanas, por vezes, esquecido. Para Lacan, esse sujeito era desejante, que se pensava autônomo e senhor
do dizer, inconsciente estruturado como uma linguagem -“condição do inconsciente, aquele que introduz
para todo ser falante a discordância com a sua própria realidade” (Henry, 1997, p. 34); Foucault concebia
um sujeito enunciador, que ocupa posições, um sujeito do discurso, afetado diretamente pela linguagem,
pelas formações discursivas, pela ordem, mas agente da materialidade.
Já Althusser, na busca de renovar o marxismo e o materialismo dialético (Henry, 1997), retirou o
sujeito do eixo do signo e linguagem e o colocou no campo ideológico. O sujeito para ele é o da ideologia e
sem possibilidade de fugir dela. Temos a partir de então um sujeito assujeitado, interpelado pela ideologia e
pelo materialismo dialético.
Era o desenho de um novo campo teórico, que não se resume nenhum desses campos, não se
relaciona simetricamente, em sua obrigatoriedade, mas se apropria de cada saber, aquilo que pode ser
importante. Pêcheux mexe então com aquilo que havia de mais caro à linguística, a sua própria estrutura; era
o estremecimento do objeto científico, sua reafirmação e negação. Era o que alguns chamam o caráter
revolucionário da AD. “A AD caracteriza-se, como se vê, desde seu início, por um viés de ruptura a toda
conjuntura política e epistemológica” (Ferreira, 2005, p. 15). Estaria aflorando a primeira fase da AD,
denominada em 1983, pelo próprio Pêcheux, no texto Análise de discurso: três épocas.
Foi visualizando o além da lingüística estrutural que muitos teóricos descobriram que, na opacidade e
transparência das estruturas, havia mais a investigar. A ampliação dessa visão não foi só necessária para
ratificar a importância dos estudos estruturalistas, abriu um novo e vasto – por natureza – campo de análise.
Um desdobramento que apresentava um sujeito por trás das armaduras textuais. Mostrava uma vida, a
história, a memória, as condições de produção e o momento. Não estava em análise a “língua da lingüística”,
mas a língua e seus entremeios, sua historicidade, seu inevitável equívoco.
Pêcheux iniciou um processo de discussão através dos estudos de Saussure, nos quais a fala foi
evidenciada como materialização da língua (sua antinomia), produto social, como passagem de discurso e
contato com os processos sócio-histórico-ideológico. Viu-se um conjunto de signos dentro de um globo
social, no qual interação humana, contato e relações, através de códigos, são alicerces para a solidificação,
construção e significação. Explica Pêcheux:
(...) mesmo que explicitamente ele (Saussure) não tenha desejado, é um fato que esta
oposição (língua/fala) autoriza a reaparição triunfal do sujeito falante como
subjetividade em ato, unidade ativa de intenções que se realizam pelos meios
colocados a sua disposição (...) A fala, enquanto uso da língua, aparece como
caminho da liberdade humana (PÊCHEUX, 1997b, p. 71).
Foi nesse rastro que o desmembrar do dizer ou as sombras ideológicas das estruturas lingüísticas
passaram a ser pensadas também como discurso, um dispositivo operacional para análise dos teóricos do
discurso. E não só eles. A AD, enquanto instrumento para desvendar o mundo, surgiu como instrumento de