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Faustino, ele é “fiel ao seu presente”, e antecipa Paul Valery, que seguirá seu mestre. Além
dos já citados “Herodias” e “A sesta de um fauno”, o poema “Brinde Fúnebre”
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(“Toast
funèbre”) pertence a tal parte da obra mallarmaica. Além da riqueza formal, a obra se destaca
pela presença da figura do Mestre, que reaparecerá em “Um lance de dados”:
(...)
A multidão feroz anuncia: Nós somos
A triste opacidade de espectros futuros.
Mas, o brasão dos lutos nos inúteis muros,
O lúcido horror de uma lágrima esqueço
Quando, ao sagrado verso, surdo e avesso,
Um passante, hóspede de mortalha vazia,
Soberbo e cego e mudo eis se convertia
Em um virgem herói de póstuma espera.
Vendaval de palavras que ele não dissera
À densa bruma traz o vórtex desmedido,
O nada para este Homem ontem abolido:
"Lembranças de horizontes, diz, a Terra é o quê?
"Urra o sonho; e, voz cuja luz não se vê,-
"Não sei!" - é o grito com que brincam os espaços.
O Mestre, com um olho agudo, em seus passos,
Apaziguou do éden a surpresa inquieta
Cujo tremor final, em sua só voz, inquieta
Para a Rosa e o Lis o mistério de um nome.
(...)
Escrito em homenagem ao poeta Théophile Gautier logo após sua morte, “Brinde
fúnebre” tem a figura do artista em destaque frente à multidão de “espectros futuros”: é o
poeta o único a ter o poder de tocar o “vórtex desmedido” (tradução livre de Júlio Castañon
Guimarães a “gouffre”, cuja tradução mais habitual é “abismo” ou “redemoinho”. Com a
escolha de “vórtex” mantém-se o sentido de movimento de “redemoinho”, mas perde-se a
conotação inconsciente de “abismo”), a energia criadora, “vendaval de palavras”. Por isso,
adquire o status de “Mestre”, a investigar “o mistério de um nome”, o que há por trás das
palavras: é o tradutor da essência das coisas, detentor do poder de nominalizar. No jardim
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Usou-se a tradução de Júlio Castañon Guimarães (2005). Texto original: “(...)Cette
foule hagarde ! elle annonce :Nous sommes/La triste opacité de nos spectres futurs./Mais le
blason des deuils épars sur de vains murs,/J'ai méprisé l'horreur lucide d'une larme,/Quand,
sourd même à mon vers sacré qui ne l'alarme,/Quelqu'un de ces passants, fier, aveugle et
muet,/Hôte de son linceul vague, se transmuait/En le vierge héros de l'attente
posthume./Vaste gouffre apporté dans l'amas de la brume/Par l'irascible vent des mots qu'il
n'a pas dits,/Le néant à cet Homme aboli de jadis :/"Souvenir d'horizons, qu'est-ce, ô toi, que
la Terre ?"/Hurle ce songe; et, voix dont la clarté s'altère,/L'espace a pour jouet le cri : "Je
ne sais pas !"/Le Maître, par un oeil profond, a, sur ses pas,/Apaisé de l'éden l'inquiète
merveille/Dont le frisson final, dans sa voix seule, éveille/Pour la Rose et le Lys le mystère
d'un nom (...)”