O BANDIDO DA LUZ VERMELHA: POR UM CINEMA SEM LIMITE
Roberta Canuto
Capítulo 4
O bandido da luz vermelha – filme-experimento
Do paraíso da crítica ao inferno da criação
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dos personagens, o protótipo do herói fechado, a confusão da história,
inúmeros personagens anônimos, voz off, e os tempos mortos,
desdramatização do humor, os travellings e movimentos de câmera
intermináveis, foto fixa e presença de anúncios luminosos, displays,
outdoors, cartazes e feitos tipográficos, cine-jornal, falso-documentário, o
filme dentro do filme cobre a reflexão do cinema que nos leva a indagar:
Citizen Kane, começo ou fim do cinema moderno? Sim, simplesmente
porque, antes do neo-realismo e mais que todo cinema moderno, Welles sabe
que um filme é um filme e nada mais.
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Essa foi a interpretação definitiva da obra-prima de Welles, por Sganzerla, no
texto crítico Um filme é um filme, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 1964.
Mais tarde, o aprendiz encantado aplicaria praticamente todos os elementos de
linguagem relacionados na citação acima, em O bandido da luz vermelha. Estão lá: o
cine-jornal,o falso documentário, a montagem fragmentada, os outdoors e anúncios
luminosos e os longos planos-seqüência. Além da influência direta na linguagem, paira
sobre O bandido a aura espiritual noir do cinema de Welles. Segundo Ismail Xavier:
Welles impregna todo o filme de Rogério, não só este (O bandido da luz
vermelha), mas todos os que fez até o fim. Isto porque Rogério era totalmente
fascinado pelo diretor de Cidadão Kane. E adorava o film noir, gênero que
inspira O Bandido do começo a fim. Há a questão do tema: o criminoso
perseguido, a noite urbana; há a questão da forma: a voz over e as falas do
protagonista, como em Dama de Shangai (Orson Welles, 1942). Marca da
maldade (Orson Welles, 1958) é importante pelos enquadramentos, pelo
desequilíbrio, pelo plano-seqüência inicial, pela corrupção, pelas intrigas,
etc... Enfim, há o lado barroco de Welles que Rogério reproduz.
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Os últimos três filmes realizados por Sganzerla são dedicados à passagem de
Welles pelo Brasil: Nem tudo é verdade, de 1986, Tudo é Brasil, de 1998, e O signo do
caos, de 2003. Realizados a partir de uma “colagem antropofágica” de imagens do
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SGANZERLA, Rogério. Por um cinema sem limites, 2001. p. 56.
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XAVIER, Ismail. Em entrevista à autora, via e-mail, em março de 2005.