por sua culpa”. Respondeu ela: ‘Ah! Se o senhor pudesse imaginar as
dores que sinto agora na garganta, no estômago e no abdômen...- isto está
me sufocando.’- Fiquei alarmado e olhei para ela. Parecia pálida e
inchada. Pensei comigo mesmo que, afinal das contas, devia estar
deixando de perceber algum sintoma orgânico. Levei-a até a janela e
examinei-lhe a garganta, e ela deu mostras de resistências, como fazem
as mulheres com dentaduras postiças. Pensei comigo mesmo que
realmente não havia necessidade de ela fazer aquilo.- Em seguida, ela
abriu a boca como devia e, no lado direito, descobri uma grande placa
branca; em outro lugar, vi extensas crostas cinza-esbranquiçadas sobre
algumas notáveis estruturas recurvadas, que tinham evidentemente por
modelo os ossos turbinados do nariz.- Chamei imediatamente o Dr. M., e
ele repetiu o exame e o confirmou... O Dr. M. tinha uma aparência muito
diferente da habitual; estava muito pálido, claudicava e tinha o queixo
escoalhado... Meu amigo Otto estava também agora de pé ao lado dela, e
meu amigo Leopold a auscultava através do corpete e dizia: ‘Ela tem
uma área surda bem embaixo, à esquerda.’ Indicou também que parte da
pele do ombro esquerdo estava infiltrada. Notei isso, tal como ele fizera,
apenas do vestido.) ... M. disse: ‘Não há duvida de que é uma infecção,
mas não tem importância; sobrevirá uma disenteria, e a toxina será
eliminada.’... Tivemos também pronta consciência da origem da
infecção. Não muito antes, quando ela não estava se sentindo bem, meu
amigo Otto lhe aplicara uma injeção de um preparado de propil,
proprilos...ácido propiônico... Trimetilamina (e eu via diante de mim a
fórmula desse preparado, impressa em grossos caracteres)... Injeções
como essas não deveriam ser aplicadas de forma tão impensada... E,
provavelmente a seringa não estava limpa (FREUD, S., 1900, p. 142
).
Freud faz grandes associações a partir de cada elemento desse sonho, apresentando
inúmeras condensações. Cada personagem do sonho é desdobrado em várias outras e as
palavras de seu relato levam-no a diversas situações de sua vida clínica, situações de cunho
profissional. Por meio desse sonho, Freud revê seu percurso de trabalho e sua posição
acerca das descobertas que vem fazendo. Portanto, esse sonho vem como um
questionamento ético de seu trabalho, da metodologia e da própria posição de Freud em
relação aos pacientes. É por isso que ele entende que a maneira como Otto falou do caso de
Irma trazia uma entonação de desaprovação. É a própria desaprovação de Freud que está
em jogo nesse momento e que o faz escrever o caso e fazer o sonho.
Na primeira fase, vemos, pois, Freud acossando Irma, recriminando-a por
não ouvir o que ele quer fazer-lhe compreender. Ele continuava
exatamente no estilo das relações da vida vivenciada, no estilo da
pesquisa apaixonada, por demais apaixonada, diremos, e justamente um
dos sentidos do sonho é dizê-lo formalmente, já que, no fim, é disto que
se trata — a seringa estava suja, a paixão do analista, a ambição de
vencer, eram aí poderosas demais, a contra-transferência era o próprio
obstáculo (LACAN, J., 1954-55, p. 209).