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Roberto Mac Fadden
A questão da Reabilitação Psicossocial:
Uma investigação sobre os “Projetos-
Trabalho” nas Instituições Públicas de
Saúde Mental
Dissertação apresentada
ao Instituto de Psicologia
da Universidade de São
Paulo como parte dos
requisitos para o título de
Mestre.
São Paulo
2005
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2
Roberto Mac Fadden
A questão da Reabilitação Psicossocial:
Uma investigação sobre os “Projetos-
Trabalho” nas Instituições Públicas de
Saúde Mental
Dissertação apresentada
ao Instituto de Psicologia
da Universidade de São
Paulo como parte dos
requisitos para o título de
Mestre.
Área de concentração:
Psicologia Social
Orientadora: Profa. Dra.
Maria Inês Assumpção
Fernandes
São Paulo
2005
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3
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por
qualquer meio, convencional ou eletrônico, para fins de estudo e
pesquisa, desde que citada a fonte.
Ficha Catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca
e Documentação do Instituto de Psicologia da USP
Fadden, R. M.
A questão da reabilitação psicossocial: uma investigação sobre os
“projetos-
trabalho” nas instituições públicas de saúde mental./Roberto
Mac Fadden. São Paulo: s.n., 2005. – 196 p.
Dissertação (mestrado) Instituto de Psicolo
gia da Universidade de
São Paulo. Departamento de Psicologia Social e do Trabalho.
Orientadora: Maria Inês Assumpção Fernandes.
1.
Grupos 2. Saúde mental 3. Trabalho 4. Serviços de saúde
publica I. Título.
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
Roberto Mac Fadden
A questão da Reabilitação Psicossocial :
Uma investigação sobre os “Projetos-Trabalho”
nas Instituições Públicas de Saúde Mental
Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo
como parte dos requisitos para o título de
Mestre.
Área de concentração: Psicologia Social
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr._____________________________________________________________
Instituição:____________________ Assinatura:_____________________________
Prof. Dr._____________________________________________________________
Instituição:____________________ Assinatura: _____________________________
Prof. Dr._____________________________________________________________
Instituição:____________________ Assinatura: _____________________________
5
DEDICATÓRIA
A Márcia, minha esposa, com amor. Sem você nada disso poderia ser possível.
6
AGRADECIMENTOS
A meu Pai e a Paula, que foram uma inspiração, e uma força
contínua.
A minha Mãe, pela sua importância em minha vida.
A meu filho Bruno, sempre desejando que você estivesse mais
presente.
A Joana e Paulo, na nossa distância sempre há uma presença
que nos dá forças.
Aos meus sogros Rubens e Evanira pelo grande apoio e suporte.
Finalmente a minha orientadora prof. Dr. Maria Inês
Assumpção Fernandes por ser uma luz na condução desse
caminho tão difícil que é a pesquisa.
7
RESUMO
A presente pesquisa pretende estudar o Projeto trabalho como representante e
foco do processo de “reabilitação psicossocial” pretendido pelos centros de
atendimento.“Trabalho” como elemento central no que se compreende como doença
mental. Pretendo pesquisar instituições de atenção à saúde mental que alinhavadas
politicamente à reforma psiquiátrica entendam o trabalho como resgate da
subjetividade e cidadania e não mera adaptação do usuário. Reservaria a categoria de
sujeito da pesquisa àqueles envolvidos no Projeto Trabalho, sejam eles usuários ou
técnicos dos serviços, há mais de um ano engajados no Projeto Trabalho. Envoltos
que estão numa rotina institucional e identificados com a ação que promovem a partir
dessa posição política.
Aproximo-me deste trabalhador buscando identificar os efeitos produzidos
pela sua inserção no Projeto Trabalho sobre suas condições de vida: qual é o impacto
que esta ação produz sobre sua vida, que desdobramentos permite, ou não?
Trata-se de um estudo exploratório que poderá servir como mapeamento do
campo das práticas em saúde mental contribuindo para a discussão neste segmento.
Serão efetuadas entrevistas em grupo com usuários e técnicos dos “Projetos
Trabalho” seguindo o referencial da teoria de grupos.
8
Abstract
The present research intends to study the Project Work as representative
and focus of the process of "psychosocial rehabilitation" intended by the centers of
treatment. "Work" as central element in what one understands as insanity. I intend to
search institutions of attention to the mental health that tacked politically to the
Psychiatric Reform and understanding the work as rescue of the subjectivity and
citizenship and not mere adaptation of the user. We would reserve the category of
subject of the research to all that involved in the Project Work, patients or
technician of the services, more than has one year engaged in the Project Work.
Engulfed that they are in an institutional routine and identified with the action that
promotes this politics.
I come close to this worker searching to identify to the effect produced for its
insertion in the Project Work on its conditions of life: which is the impact that this
action produces on its life, that unfoldings allows, or not?
This is an exploratory study that will be able to serve as mapping of the field
of the practices in mental health contributing for the quarrel in this segment. We
made interviews in group with users and Work Project’s technicians following the
referential of the theory of groups.
9
Sumário
Ficha Catalográfica..................................................................................................iii
Folha de Aprovação.................................................................................................iv
Dedicatória...............................................................................................................v
Agradecimentos.......................................................................................................vi
Resumo...................................................................................................................vii
Abstract..................................................................................................................viii
Apresentação.............................................................................................................1
A Prática e a Teoria...................................................................................................7
Introdução..................................................................................................................9
Avaliação, reabilitação (posições atuais da Reforma Psiquiátrica).........................10
Capítulo 1
1.1.Exclusão X inclusão: uma questão....................................................................13
1.2. Desqualificação Social......................................................................................21
1.3. Trabalho X doença............................................................................................23
Capítulo 2
2. Breviário histórico da assistência à Saúde Mental..............................................25
2.1 No início, Bacamarte.........................................................................................25
2.2. A Abertura Política...........................................................................................27
2.3. O advento do SUS............................................................................................29
2.4. O Movimento da Reforma Psiquiátrica............................................................36
2.5. O Sistema Único de Saúde e as políticas oficiais.............................................40
2.6 O Estado de São Paulo na última década..........................................................44
2.7. O município de São Paulo e a saúde mental....................................................48
2.8. Saúde, democracia e política na trajetória da Reforma Sanitária Brasileira....55
Capítulo 3
3. Referenciais Teóricos que darão sustento à investigação e ao Método...............64
3.1. O grupo na instituição: modelo de análise........................................................64
3.2. René Kaës : a heterogeneidade dos espaços psíquicos.....................................66
3.3. A ideologia........................................................................................................69
3.4. Psicologia Social e Psicanálise.........................................................................70
3.5. A categoria do intermediário............................................................................76
Capítulo 4
4. Método.................................................................................................................78
4.1. Definição do Campo e Tema............................................................................78
4.2. Descrição do Campo.........................................................................................79
4.3. Procedimento....................................................................................................80
4.4. Avaliação de serviços: novas abordagens.........................................................81
Capítulo 5
5.Análise..................................................................................................................85
10
5.1. O Contexto..........................................................................................................86
5.2. Análise do intermediário.....................................................................................87
5.3. Primeira Entrevista: Grupo de Papelão...............................................................91
5.4. A entrevista.........................................................................................................93
5.5. A leitura do grupo..............................................................................................128
5.6. Segunda Entrevista: O Grupo dos Mediadores Culturais..................................130
5.7. Entrevista com os Mediadores Culturais...........................................................133
5.8. Leitura do grupo.................................................................................................167
5.9. Dois Grupos e uma mesma realidade?...............................................................169
5.10. Analisadores dos grupos...................................................................................170
Capítulo 6
6.Conclusão...............................................................................................................173
6.1. O trabalho...........................................................................................................175
6.2. Enriquez e o paradoxo das instituições..............................................................176
6.3. O campo institucional, as alternativas em saúde................................................181
6.4. Perspectivas atuais da saúde mental...................................................................184
7.Bibliografia............................................................................................................186
Anexo 1.....................................................................................................................194
APRESENTAÇÃO
A prática da reabilitação psicossocial está difundida pelo mundo como um
dos modelos de tratamento das doenças mentais. Isso não aconteceu sem razão,
foram necessários anos de luta e contestação dos modelos clássicos de tratamento
1
.
Foi na década de 1970, no Brasil, que o denominado Movimento dos Trabalhadores
em Saúde Mental (MTSM) começou a questionar a desumanização do tratamento
realizado pelos hospitais psiquiátricos.
1
Definidos aqui especialmente pela abordagem médica do tratamento da doença mental que a enxerga
como desvio do funcionamento cerebral.
11
Segundo Koda o MTSM está incluído num “contexto maior de lutas pela
redemocratização do país e de contestação contra o regime militar”. (Koda, 2002,
p.1)
A reformulação do movimento sindical com expressões de luta pela liberdade
como o fenômeno do sindicato dos metalúrgicos do ABC; a criação de novos
partidos políticos saindo da polarização ARENA e MDB, heranças do tempo da
ditadura; a luta pelo retorno dos exilados que culmina na anistia proposta pelo
presidente Figueiredo, a articulação política pelas eleições diretas para presidente
compõe o contexto onde cidadania e saúde aparecem como direito social.
A cronologia do período pode ser descrita a partir dos avanços e recuos em
direção à liberdade.
Seu primeiro sinal aparece com o governo Geisel e sua promessa de
descompressão
2
. Seu intuito era desativar os elementos básicos da estrutura
autoritária do AI5 , esse projeto recebeu o nome de Emenda Constitucional n° 11.
Com a abolição do AI-5, passava a ser, por um lado, impedida a autoridade executiva
de declarar o Congresso em recesso, cassar parlamentares ou privar cidadão de seus
direitos políticos, o habeas corpus foi restabelecido para pessoas detidas por motivos
políticos, a censura prévia foi suspensa e ainda as penas de morte e prisão perpétua
foram abolidas. Por outro lado Skidmore (1988) demonstra que os artigos 155-158 da
emenda davam novos e vastos poderes ao executivo para decretar medidas de
emergência que podiam ser renovadas por, pelo menos, 120 dias sem aprovação
legislativa. Isto significa que o estado autoritário podia, por esta via, ser restabelecido
a qualquer tempo.
2
De acordo com Skidmore (1988), com o início do governo Geisel, o governo militar começa dar
sinais de desgaste, há um aumento das pressões da sociedade civil por uma inflexão no regime
ditatorial. Assim, publicamente esse governo assume o compromisso de providenciar uma via de
transição.
12
Convém esclarecer que o contexto político condicionou a mudança do
paradigma
3
assistencial de saúde. A crítica estrangeira aportava no Brasil e em
conjunto com a promessa da descompressão, podem aparecer as experiências da
antipsiquiatria, bem como os planejamentos em saúde (ver modelo CEPAL). É uma
nova fase de pensamento e ação.
A década de 1950 e ,portanto, vinte anos antes, anuncia o início das
produções de Cooper e Laing na Inglaterra, da escola de Palo Alto com Bateson, e
dos questionamentos dos tratamentos psiquiátricos tradicionais. As comunidades
terapêuticas inglesas, a Psiquiatria de Setor francesa e a Psiquiatria Democrática
italiana denunciam o estado de obsolescência das formas clínicas de atendimento.
No Brasil, no entanto, há ainda um fator agravante. São justamente os
manicômios, por seu caráter de elemento excluído
4
, os palcos das experiências de
terror feitas contra presos políticos. É lá que são guardados, mal-tratados e forçados
ao esquecimento. O ambiente do hospital é violento e, portanto, intercambiável com
a tortura. Hospital e regime militar se assemelham.
De acordo com Amarante (in Koda, 2002) o MTSM resiste a
institucionalização e caminha em busca de uma alternativa social para os abusos e a
violência. Justamente por perseguir a debelação dos efeitos perversos do manicômio
articula-se num mote de inclusão, resgate do que foi apartado.
Ao agregar-se a organizações de usuários e familiares, bem como manter a
abertura a outras entidades da sociedade civil, o MTSM consolida-se em 1987 como
o Movimento da Luta Antimanicomial e é nesse contexto político que busca a
construção de sua via alternativa ao modelo hospitalocêntrico: “por uma sociedade
3
O conceito de paradigma forjado por Kuhn é aqui tomado no sentido fraco como conjunto de
suposições tácitas que determinam uma prática qualquer.
4
Os manicômios sempre assumiram um lugar periférico na organização da cidades, espécie de
mimese de sua função social. Estão sempre arrastados para fora do escopo.
13
sem manicômios”. Na análise de Patto eles “têm como espinha dorsal a dimensão
política do exercício profissional, e falar em política é falar em exercício do poder:
não do poder que os homens exercem na relação com a natureza, mas do poder que
exercem em suas relações com outros homens (...) estão comprometidos com os
valores humanistas, com o desejo de relações igualitárias e democráticas entre os
homens, de superação de relações institucionais hierárquicas, burocráticas, que
objetificam as pessoas, que as controlam e as alienam.” (Patto, in Fernandes 1999, p.
109)
Chegamos à reabilitação psicossocial através da Luta e talvez nossa prática
traga intrínseca a assinatura dessa passagem. A urgência gerada pela reivindicação
fez-se soar nas produções acadêmicas dos últimos anos.
É possível situar o campo de pesquisa a partir de dois elementos: primeiro,
justificação da viabilidade político-econômico e técnica deste modelo; segundo,
avaliação da eficácia das práticas
5
.
Vários autores debruçaram-se sobre o problema da proposição de uma
avaliação das práticas criativas e inovadoras do campo de atenção à saúde mental.
Era preciso discriminar o que se encontrava no campo, o valor terapêutico das
atividades propostas e organizar o campo num sistema lógico que permitisse ao
mesmo tempo manejar os sintomas e combater os efeitos do estigma e da segregação
social: em outras palavras, elevar o sujeito de sua condição de doente mental para a
condição de cidadão.
5
Eficácia é um termo que pode trazer confusão ao leitor. Em nossa leitura definiríamos eficaz uma
prática que se aproximasse dos objetivos iniciais propostos, no caso dos serviços de saúde mental
alinhados aos ideais da Luta, eficaz seria o que encaminha o usuário na direção da autonomia e da
conquista da cidadania. Uma prática medicamentosa com o sentido de debelar o sintoma pode,
segundo esse ponto de vista, estar encaminhando em sentido contrário, aumentando a relação de
dependência e o estigma da doença mental.
14
Benedetto Saraceno aponta este como elemento central no tratamento à saúde
mental. Ao apresentar o conceito de contratualidade, procura descrever os efeitos da
segregação e estigma sob o usuário dos serviços de saúde mental. A questão da
contratualidade situa o tratamento no âmbito da intersubjetividade. A partir de uma
relação onde o terapeuta se dispõe a “emprestar” seu poder de contratualidade, ou
seja, a capacidade de engendrar contatos sociais. É assim que o usuário poderá sair
da reclusão que resulta da combinação entre os efeitos da doença mental e os efeitos
da exclusão social. Obviamente o processo deve ser expandido até atingir o nível das
relações extra-terapêuticas, isso , a tutela institucional deve ser pensada com limites.
Contudo, há elementos que deveriam ser olhados mais de perto nestas
afirmações: o terapeuta, ou cuidador, sempre exercerá este papel “positivo”? Sempre,
levando em conta sua disponibilidade prévia, atuará como elemento intermediário
estendendo uma ponte entre o estado diminuído do usuário que chega ao serviço à
nova condição de incluído?
René Kaës desenvolveu o conceito de intermediário buscando estabelecer um
elemento teórico capaz de descrever os fenômenos observados na clínica dos grupos.
Ao lidar com níveis lógicos distintos era preciso um elemento de ligação que pudesse
organizar a relação estrutural que ali começava a se compor.
O grupo forma-se a partir de uma recusa comum em todos os elementos (do
grupo), cada um em sua individualidade realiza um processo semelhante que expurga
um elemento seu próprio a partir da confirmação da expulsão, pelo grupo. A recusa
coletiva articula as condições do vínculo e faz o atravessamento dos limites do
“psiquismo intra para o psiquismo inter”.
É característica das formações intermediárias a “precariedade” e fragilidade
nos momentos de crise. Sustentar a estrutura significa manter o pacto a todo custo e
15
portanto implica a manutenção das posições e funcionamento do grupo. Ao articular
esses elementos distintos a formação intermediária resultaria numa força na direção
da passagem mas igualmente numa resistência a esse atravessamento para a
preservação do vínculo.
L.G.Vechi (2003), ao realizar pesquisas com Análise do Discurso de agentes
de saúde mental de hospitais-dia de São Paulo, descreve “a circunscrição da
‘loucura’ dos casos no discurso dos agentes de saúde mental entrevistados nesse tipo
de serviço foi abordada a partir de um ponto de vista institucional. Queremos dizer
com isso que a definição da ‘loucura’ dos casos como doença com tendência a se
conservar e de uma forma que os introduziu na condição de ‘objeto’ sem ação no
processo de tratamento foi, prioritariamente, entendida como engendrada a partir do
lugar que lhes foi instituído como ato discursivo produzido.” (Vechi, L.G. 2003, p.
203)
Identifica o fenômeno de (re)produção da iatrogenia nas instituições. “Uma
iatrogenia entendida como favorecimento de conservação na condição reconhecida
como patológica e naquela de usuário de serviços de saúde mental, que propiciaria o
processo de exclusão social” . (Vechi, L.G. 2003, p.204)
Em seu famoso estudo sobre Bonneil, M. Mannoni já apontava o paradoxo
das instituições de cuidado à saúde mental. A doença é definidora da função dos
centros de cuidado e, portanto, estes precisam da doença para justificar sua
existência. Há que se supor que na mesma medida em que busca a dissolução da
doença mental a instituição a reforça.
Todo trabalho psíquico envolve este paradoxo: na intenção de preservar o
pacto denegativo que confirma a condição psíquica há concomitantemente dois
16
movimentos contrários: um em favor da mudança e outro em favor de resistência a
ela.
Assim, devemos entender o movimento das instituições tratadoras em saúde
mental como um movimento paradoxal, de mão dupla: realizando um trabalho no
sentido da superação das condições de apresentação da doença mental e um outro
resistindo a essa alteração.
A evolução do movimento de contestação das práticas manicomiais tendeu a
se transformar no ‘establishment’ dos oferecimentos terapêuticos, o alternativo
tornou-se ortodoxia.
É nesse ponto que nos encontramos e precisamente desta situação que as
condições de produção desta pesquisa derivam. É necessário ressaltar o valor político
destas reivindicações e o avanço atingido através da luta. Desse horizonte as questões
principiam.
A Prática e a Teoria
Prática e Teoria são noções desenvolvidas dentro da tradição da filosofia e
poderiam ser entendidas como: noção ideal de como as coisas deveriam ser (prática);
formulação acerca do por que as coisas não são o que deveriam (teoria).(Nobre, M.,
2004)
A tradição clássica admitia uma separação, uma organização dual e
complementar sobre os dois elementos, através da relação estabelecida entre prática e
teoria que o conhecimento poderia avançar.
17
A teoria crítica, segundo Nobre, principalmente embasada nos textos iniciais
de Adorno e Horkheimer, rompe com essa dicotomia ao propor uma teoria
eminentemente prática, isto é, engajada com o devir.
A identificação destes elementos no desenvolvimento do movimento de
contestação da tradição psiquiátrica precisaria a retomada do sentido tradicional
dicotomizado de prática e teoria, imobilizando a possibilidade de evolução clínica
em função de uma prática própria. Para sustentar esse discurso “alternativo” foi
sacrificada, ou pelo menos, descompassada à teoria.
Fez-se necessário um retorno às definições clássicas sobre a teoria (porque as
coisas não são o que deveriam) e prática (como as coisas deveriam ser). Nobre, ao
retomar os conceitos de prática e teoria o faz para seguir por um outro viés, o da
Teoria Crítica: ela unifica esses dois pontos que eram vistos anteriormente como
quase antagônicos. A idéia se baseia no princípio em que só é possível mostrar como
as coisas realmente são, a partir da perspectiva de como deveriam ser.
De acordo com Max Horkheimer, em seu texto de 1937 "Teoria tradicional e
Teoria Crítica", a Teoria Crítica só se confirma através da prática transformadora das
relações sociais vigentes. Quando se olha o mundo na perspectiva do "melhor que ele
poderia ser", enxergam-se também os obstáculos para alcançar tal configuração; esta
apenas realizável pela prática, pela ação. Assim, considerando-se que Karl Marx já
buscava a emancipação da sociedade, aquele que produz Teoria Crítica pensa a partir
de Marx e quer continuar sua obra.
O percurso sugerido pelo autor revela-se imensamente útil quando
confrontado com o cotidiano da assistência à saúde mental. Os embates entre
defensores de um fazer pragmático são tão numerosos quantos os adeptos de um
“planejamento selvagem” capaz de enquadrar qualquer desvio. As pesquisas
18
surgidas nas últimas décadas apegam-se a uma das duas posições, ou para
reverenciar a criatividade do encontro espontâneo do operador de saúde mental, para
usar um termo de Basaglia, ou para apontar o descuido teórico no seio das
instituições.
Se possível, a proposta última desta pesquisa é produzir condições para
revisão crítica de nossa prática.
19
INTRODUÇÃO
“(...) Mais uma vez, trata-se de um aspecto fundamental da
condição humana,; mas a rebelião contra esse aspecto, o desejo de libertação das
‘fadigas e penas’ do trabalhador é tão antigo quanto a história de que se tem
registro. Por si, a isenção do trabalho não é novidade: já foi um dos mais
arraigados privilégios de uma minoria. Neste segundo caso, parece que o
progresso científico e as conquistas da técnica serviriam apenas para a realização
de algo com que todas as eras anteriores sonharam e nenhuma pôde realizar.
Mas isto é apenas na aparência. A era moderna trouxe consigo a
glorificação teórica do trabalho, e resultou na transformação efetiva de toda a
sociedade em uma sociedade operária. Assim, a realização do desejo, como sucede
nos contos de fadas, chega num instante que só pode ser contraproducente. A
sociedade que está para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de
trabalhadores, uma sociedade que já não conhece aquelas outras atividades
superiores e mais importantes em benefício das quais valeria a pena conquistar
essa liberdade. Dentro desta sociedade, que é igualitária porque é próprio do
trabalho nivelar os homens, já não existem classes nem uma aristocracia de
natureza política ou espiritual da qual pudesse ressurgir a restauração das outras
capacidades do homem. Até mesmo presidentes, reis e primeiros-ministros
concebem seus cargos como tarefas necessárias à vida da sociedade; e, entre os
intelectuais, somente alguns indivíduos isolados consideram ainda o que fazem em
termos de trabalho, e não como meio para ganhar o próprio sustento. O que se nos
depara, portanto, é a possibilidade de uma sociedade de Trabalhadores sem
trabalho, isto é, sem a única atividade que lhes resta. Certamente nada poderia ser
pior”. (Arendt,H. 2000 p.12-13)
20
Avaliação, reabilitação (posições atuais da Reforma Psiquiátrica)
A prática da (eixo, ou recurso, não há certeza se a reabilitação psicossocial é
realmente uma prática) reabilitação psicossocial está difundida pelo mundo como
modelo global de tratamento das doenças mentais, isso acarreta uma postura de
escrutínio e avaliação das práticas. (o que se passa é que há uma tendência na
redução dos custos com a saúde bancada pelo Estado). O artigo de Anderson citado
na seqüência é um exemplo, mas outros também consideram isso uma realidade no
Brasil; um dos argumentos mais destacados pela Reforma Psiquiátrica foi a redução
dos custos dos modelos substitutivos em relação aos grandes hospitais. Desviat em
sua avaliação da Reforma Psiquiátrica discorda desta posição alegando ser este um
raciocínio canibal, já que nos lança a uma lógica onde, para demonstrar o valor da
proposta da Reforma devemos atingir resultados sem recursos.
De qualquer maneira, por ser um argumento de base na construção do
discurso da Reforma, os Serviços hoje deparam-se com os métodos de avaliação de
suas práticas, muitas vezes inadequados, já que construídos para medir outra
realidade (serviços ambulatoriais, por exemplo). No próprio CAPS Luis Cerqueira,
onde trabalho, as críticas sobre nossa capacidade de atendimento são reincidentes,
um serviço que, de acordo com a portaria CAPS
6
, serve de referência para 200.000
habitantes não poderia estar limitado ao atendimento de trezentos paciente/mês.
Anderson, A. J. (1999) da Universidade de Antióquia de Seattle, destaca que há um
processo de diminuição de fundos reservados à Saúde Mental o que leva os serviços
a redimensionamentos, “assim, a nova pesquisa sobre a eficácia dos serviços de
saúde mental tem sido chamada para dar conta destes desafios crescentes”.
6
Portaria nº 189 de 22 de Março de 2002.
21
(Anderson, A. J., 1999 p.73)
A situação no Brasil não é diferente, Hirdes, A. e Kantorski, L. (2003, p. 84)
descrevem os desafios da reabilitação psicossocial num serviço de saúde mental na
cidade de São Lourenço e conclamam para uma reavaliação de nossa postura
profissional: “Entendemos que os novos serviços devam corresponder a uma clínica
renovada, com tratamentos diferenciados, e onde concomitantemente ou em
seqüência, projetos terapêuticos que contemplam as necessidades psicossociais das
pessoas envolvidas sejam desenvolvidos. Isto é o que pode efetivamente trazer uma
pessoa à condição de cidadão”.
Não há hoje consenso a respeito dos métodos e práticas utilizadas nos
serviços. Influências francesas como Jean Oury (ver Goldberg, 1996) e italianas
como Benedetto Saraceno compõem, na sua diversidade, um grande espectro de
posições adotadas no atendimento à saúde mental. Serviços alimentados por estes
aportes teóricos herdam suas atuais posições de movimentos políticos e são o
resultado de um embate de posições (Koda, 2003): grandes hospitais versus serviços
substitutivos.
Sair do embate ideológico e adentrar num debate sobre as tecnologias
empregadas por estes serviços parece-me fundamental. O resultado de todo o
processo de lutas e discussão foi a consolidação dos serviços substitutivos, a criação
de instrumentos de financiamento mais adequados (portaria CAPS), mas sem o
acompanhamento devido dos resultados esperados. Partindo da ‘angústia’ das
equipes de saúde mental (dados retirados de minha própria experiência como
trabalhador do campo) urge a criação de pesquisas que possam dar um salto
qualitativo e inserir a reabilitação psicossocial numa apreciação crítica para que
possamos compreender suas insuficiências e acertos.(Deslandes, 1997)
22
Scarcelli(2003) ao descrever a passagem dos hospitais às residências
terapêuticas salienta o hiato que é esse processo de transição e a grande dificuldade
de instrumentos para pensar os meios, já que os fins já estão claramente definidos.
Dentro do vasto leque de práticas de reabilitação psicossocial a presente
pesquisa pretende estudar o Trabalho (na sua acepção de prática terapêutica, usarei o
termo em minúscula para referir-me ao significado geral do termo resguardando a
forma em maiúscula para o tipo de atividade desenvolvida nos centros de reabilitação
psicossocial), uma vez que ocupa um lugar central na definição do que é a doença
mental. Não é aleatória a escolha da forma Trabalho como eixo de reabilitação.
Sabemos que na definição do transtorno mental é um elemento importante a
capacidade para o trabalho.
23
CAPÍTULO 1
1.1.Exclusão X inclusão: uma questão
O tema do trabalho já foi abordado pelas mais diferentes tendências e
diversas teorias. Parece que o tema se renova, tem uma pressão constante e se
articula cada vez mais fundo como um elemento central da identidade humana. Então
ao dizer trabalho, estamos também por dizer a exclusão social da qual são vítimas os
trabalhadores e a sociedade como um todo. Da exclusão à inclusão perpetrada e
pretendida pelas instituições de acolhimento. Trata-se então de um projeto que
procura uma outra costura, um elo entre três diferentes cortes: A doença mental
(inserida nos marcos da instituição, diferente da loucura
7
), o trabalho e a exclusão.
Primeiro eixo do trabalho situado a partir do par trabalho/ exclusão. O artigo
de José de Souza Martins inscreve o pensamento sobre a exclusão de uma maneira
específica. Do seu ponto de vista o fenômeno da exclusão tem origem no que se
chamava pobreza e incluía aí uma discussão sobre a distribuição da riqueza, uma
série de elementos históricos fizeram com que os termos fossem modificados. A
pergunta é se há de fato uma exclusão ou se o elemento excluído não é parte
fundamental do que foi incluído e se tal afirmação estiver correta o fenômeno da
exclusão é tão somente uma outra ordem de inclusão, uma inclusão marginal que
7
A loucura seria vista como fenômeno cultural, mas a doença mental responde ao recorte das
instituições de tratamento.
24
opera a partir de níveis estruturais a manutenção do conjunto. A barreira imposta por
esta inclusão marginal tem um pior prognóstico. A inclusão não será sempre um
elemento positivo (quando esta se processar o fará a partir de um pacote completo,
renda, posição social, respeito, voz e tudo aquilo que poderíamos esperar de uma
condição semelhante). Ao contrário a inclusão está intimamente ligada ao fenômeno
da distribuição desigual das oportunidades sociais.
A primeira pergunta que farei então é: o trabalho reinsere? Serve para
atravessar as barreiras da exclusão social? Que relação há entre trabalho e a saúde?
“A história da realização do ser social (...) objetiva-se através da produção e
reprodução, ato social que se efetiva pelo trabalho. Este, por sua vez, desenvolve-se
pelos laços de cooperação social existentes no processo de produção material”
(Antunes, R., 1995 p.121). O lugar que o trabalho tradicionalmente ocupa nas
sociedades contemporâneas é central.
8
Mas já surgem grupos dispostos a questionar
esta centralidade e afirmar que seu campo de influência e determinação deveriam ser
redimensionados. Temos visto neste século que o trabalho assentou-se sobre a
universalização das relações de troca e sobre a sua própria transformação em força de
trabalho. Reconhecemos o abismo entre o que se descreve como valor de uso e valor
de troca. O trabalho ocupa um lugar especial na vida mental dos indivíduos. Nossa
atenção se volta para a compreensão deste tema no conjunto das reflexões deste
trabalho, na medida em que uma análise sobre as transformações no âmbito do
trabalho no mundo atual exibe, por um lado, as novas exigências que estão sendo
feitas aos sujeitos em suas relações cotidianas e, como conseqüência, evidencia, por
outro lado, os efeitos de subjetivação decorrentes.” (Fernandes, M.I.A., 2002 p. 23)
8
Ver discussão sobre a centralidade do trabalho nas pesquisas da ciência social em Offe, C.,
Trabalho”categoria sociológica chave? In Capitalismo Desorganizado 1985
25
Ora, se trata-se de uma verdade sociológica ou não, aqui nos importa mais a
centralidade imaginária deste conceito e o poder que têm de engendrar determinantes
psicológicos e expectativas individuais. Assim, nem tanto do trabalho tomado pelo
seu provimento de recursos, como pelo trabalho tomado pela noção mitológica de
domar a natureza, ou ainda tomado pela promessa de um futuro que nos resgate da
aridez das condições de subsistência, o trabalho é central na vida do indivíduo,
central para que possa se dizer, assumir sua condição de sujeito social. Fernandes nos
alerta que nessa perspectiva o trabalho se converte em Instituição. Enquanto tal e
pelo seu papel no conjunto das relações sociais, instala, psiquicamente um elemento
organizador e estruturante do sujeito em relação ao mundo. (Fernandes,M.I.A. 1999
p. 41) O que está fora do trabalho está por assim dizer à margem do processo.
“Indubitavelmente, quem perdeu o emprego, quem não consegue empregar-
se (desempregado primário) ou reempregar-se (desempregado crônico) e passa pelo
processo de dessocialização progressivo, sofre. É sabido que esse processo leva à
doença mental ou física, pois ataca os alicerces da identidade. Hoje, todos partilham
um sentimento de medo por si, pelos próximos, pelos amigos ou pelos filhos
diante da ameaça de exclusão. Enfim, todo mundo sabe que a cada dia aumentam os
riscos de exclusão, e ninguém pode em sã consciência esconder-se atrás do véu
demasiado transparente da ignorância que serve de desculpa”.(Dejours,C. 2000 p.19)
Ora, a exclusão que opera sobre o campo do trabalho soma-se àquela da
doença mental. É portanto, o doente mental, um duplamente excluído, se é que se
pode dizer isto (basta uma exclusão). Desacreditado, seu acesso aos bens da cultura é
mediado pelo assistencialismo estatal, que ao cuidar do provimento anuncia-se como
único meio possível de acesso e portanto único lugar social para aqueles.
26
O problema da exclusão revela-se na verdade como o problema da inclusão. É
característica do capitalismo o desenraizamento e a brutalização de todos, uma
exclusão massiva. Segundo o pensamento de Martins, a exclusão, o desenraizamento
vem para incluir, mas incluir segundo uma nova lógica, a lógica capitalista. O
remanejamento das posições sociais acompanha historicamente o capitalismo,
camponeses expulsos que são logo absorvidos pelo trabalho fabril. Hoje o tempo e a
forma da reinclusão estão mudados. Há uma parte da população que está destinada à
condição de excesso, sem possibilidades de reinclusão nos padrões atuais do
desenvolvimento econômico.
A reintegração não se dá sem deformações no plano moral. O que Martins diz
é que há um efeito que opera também sobre a subjetividade. Durante muito tempo
entendíamos o processo de reintegração a partir dos perfis econômicos traçados pelas
pesquisas de renda, lembremo-nos do corte proposto para os estudos da sociedade a
partir da condição e consciência de classe.
Ora, o correlato da economização da subjetividade e que opera num mesmo
sentido é a subjetivação do plano econômico que passa a ser compreendidos pelos
elementos afetivos e morais pertencentes a essa esfera. Se a teorias são insuficientes
para dar conta de uma explicação plausível para os fenômenos não quer dizer que
devamos descartar o fato de que as diferentes esferas estão no mundo colidindo e
alterando suas formas nessas colisões. Assim, o intersubjetivo é determinado pelo
econômico, talvez, parodiando a hipótese de Kaës sobre o recalque
9
, é a vivência
mundana (o intersubjetivo) que confirma a operação macroestrutural da economia.
Uma integração completa (segundo a lógica do mercado) é a única solução
possível para a massa de excluídos. O texto de Joaquim Nabuco “O Abolicionismo”
9
Refiro-me à hipótese de que o recalque, processo intrasubjetivo, é confirmado pelo grupo através de
um processo intersubjetivo.
27
de 1884 mostra há quanto tempo há o problema de distribuição, a organização social
do trabalho e seu fluxo está corrompida, com uma distribuição enviesada que não
permite nenhum translado social para quem não está do lado do capital. São
inúmeras referências que confirmam estes dados. A mais conhecida encontra-se nas
pesquisas de Bourdieu sobre os efeitos do capital dobre o sujeito. A referência a
Nabuco demonstra por sua vez um elemento que nos é muito próximo e revela
diretamente a dinâmica de funcionamento da economia brasileira desde sua geração.
Herdamos uma vocação excludente, mensagem que atravessa as gerações na
naturalização da impotência e imobilização dos herdeiros. A tese de livre docência da
professora Maria Inês Assumpção Fernandes traz uma boa pista de por onde corre
este fluxo.
A única forma de transpor a cidadania de segunda classe não é a criação
imaginária de uma utopia social. O mundo do excluído já é por si um mundo
miméticoO estamento dos excluídos reproduz, degradadas, as formas próprias,
conspícuas, do outro estamento.” (Martins, J.S., 1997 pág. 36)
Já que o elemento imaginário aqui é o representante da fratura dos dois
mundos, pode-se pensar que ajudar essas pessoas demanda um trabalho em livrar-se
dos estereótipos que as enganam e as solapam. Não seria isso o resultante de um
pacto denegativo, um grande fenômeno ideológico ( que une, faz o laço) e nos oculta
um dado básico: exercício da utopia, ou a realização da utopia sobre a população
excluída esconde a impossibilidade da alteração de sua condição sem a revelação e
abalo de minha própria posição assegurada.
Nesse sentido Martins reflete: “quando pensamos no alternativo, podemos ver
que a população mesma está construindo a alternativa, uma alternativa includente,
28
não uma alternativa que aprofunde o abismo com o existente, não a recusa das
contradições da sociedade atual.(Martins, J.S.1997 p.37 )
Ataque às formações intermediárias gera crise mas, uma crise que estabilizar-
se-á sob a égide de um novo pacto, uma nova exclusão.
Bourdieu em entrevista a Terry Eagleton
10
ao referir-se aos efeitos do
ideológico sobre a população afirma que as reduções (inibições, limitações,
barragens) operadas pelo massacre econômico não derivam necessariamente na
revolta revolucionária, mas alimentam o endurecimento de uma carapaça cada vez
mais resistente, um sujeito cada vez mais embotado.
Aqui está posta a questão urgente de construção da cidadania e de
democratização do acesso da maioria da população aos bens produzidos
coletivamente. A concentração de renda em nosso país reflete-se na concentração de
direitos e cidadania. Os deserdados da cidade e do campo também o são no aspecto
do acesso à saúde, educação, lazer, etc. A herança deixada pelos governos militares
no campo da saúde e, em particular, o da saúde mental foi desastrosa: desassistência
de parcela considerável da população, métodos repressivos (camisas de força, cela
forte), predomínio da política de internação em grandes unidades hospitalares que se
tornaram verdadeiros depósitos humanos: os asilos e manicômios. A política de
privatização fez com que a assistência fosse ineficiente, cara, permeada pela
corrupção e malversação dos fundos públicos. Isto se refletindo em grandes unidades
manicomiais públicas e privadas, ausência de individualização do tratamento,
ausência de práticas humanistas, psicoterápicas e de reabilitação. O destino e a
finalidade do sistema era a exclusão, a internação por tempo indeterminado, a
exclusão social.
10
In Zizek, S. (1996)
29
São diversos os campos onde a luta se trava: no campo da cultura, do
imaginário social, no campo das representações. Preconceitos e estigmas vão
inspirar, legitimar ou mesmo serem coniventes com práticas de exclusão e de
eliminação das diferenças. A questão da saúde mental é permeada pela questão da
cidadania, dos direitos humanos, da liberdade e da vida. O fortalecimento da
cidadania no campo da saúde mental é uma luta permanente que interessa a todos os
segmentos sociais comprometidos com a vida, e passa necessariamente pelo avanço
das conquistas do movimento antimanicomial.
Parece-me que a bandeira da diferença, fincada sobre os movimentos de
defesa de direitos dos loucos, dos excluídos de modo geral, acaba por tornar-se nosso
epitáfio, nossa aporia. Lutamos desde sempre pela igualdade de condições, contra os
efeitos maléficos que a exclusão estampa sobre nossos protegidos. Porém o dilema
da reinserção devolve todo o orgulho da bandeira contestatória. Ora reinserir para
quê? É sabido que a lógica do trabalho, voltada sempre para o consumo do
trabalhador, beneficia-se e, mais que isso, necessita de uma grande legião de
desempregados sempre à esperar, por sua vez, a bater nas portas de fábricas.
Trabalho tem um estreito relacionamento com a doença mental, é precipitador desta,
gera sofrimento e demanda do sistema psíquico toda capacidade de agüentar a
pressão (mecanismos de defesa). Por que o trabalho ora é patogênico, ora é
estruturante?
Marx já afirmava em seu Grundrisse que: “O grau e a universalidade do
desenvolvimento das faculdades, que torna possível esta individualidade [os
indivíduos universalmente desenvolvidos] supõe precisamente a produção baseada
no valor de troca, que cria, pela primeira vez, ao mesmo tempo, a universalidade e a
multilateralidade de suas relações e habilidades. Em estágios de desenvolvimento
30
anteriores, o indivíduo se apresenta com maior plenitude precisamente porque não
havia desenvolvido ainda a plenitude de suas relações e ainda não pôs, frente a ele,
como potências e relações sociais autônomas”.(in Antunes, R. 1995, p.115-116)
Assim apesar do oferecimento das possibilidades para a multilateralidade
humana, um homem capaz de reconhecer-se como gênero, engendra seu contrário.
Ricardo Antunes recorre a Agnes Heller para esclarecer: “ao mesmo tempo em que o
capitalismo produz necessidades múltiplas e ricas, provoca o empobrecimento dos
homens e converte o ser que trabalha em um ser isento de necessidades. Constata-se,
pois um processo de homogeneização e redução das necessidades do ser social que
trabalha, que deve privar-se de todas as suas necessidades para poder satisfazer uma
só, manter-se vivo”.(Antunes, R. 1995 p.116)
No entanto, o trabalho inclui. É muito interessante acompanhar as
observações de Dejours acerca da lógica da inclusão, esta se faz através de uma série
de concessões. Consinto sujeitar-me para que possa ser consentido, admitido, aceito.
“É por intermédio do sofrimento no trabalho que se forma o consentimento
para participar do sistema. Quando funciona, o sistema gera, por sua vez, um
sofrimento crescente entre os que trabalham. O sofrimento aumenta porque os que
trabalham vão perdendo gradualmente a esperança de que a condição que hoje lhes é
dada possa amanhã melhorar”.
“Quando mais dão de si, mais são produtivos, e quanto mais procedem mal
para com seus companheiros de trabalho, mais os ameaçam, em razão mesmo de seus
esforços e de seu sucesso. Assim, entre as pessoas comuns, a relação para com o
trabalho vai-se dissociando paulatinamente da promessa de felicidade e segurança
compartilhadas”.
31
“Na verdade, homens e mulheres criam defesas contra o sofrimento padecido
no trabalho. As estratégias de defesa são sutis, cheias mesmo de engenhosidade,
diversidade e inventividade. Mas também encerram uma armadilha que pode se
fechar sobre os que, graças a elas, conseguem suportar o sofrimento sem se abater”.
(Dejours, C. 2000 p.17-18)
1.2. Desqualificação Social
Ao analisar a situação atual dos serviços de atendimento à saúde chama a
atenção a divisão intensa que reflete o perfil da população que utiliza esses serviços:
o atendimento dos serviços é quase exclusivamente destinado àqueles que se
encontram impedidos de usufruir do Sistema de Saúde Suplementar. Em outras
palavras, são usuários do serviço àqueles que em algum grau apresentam
características da desfiliação social.
Esse conceito foi desenvolvido por R. Castel a propósito de sua análise sobre
a crise da sociedade salarial e a constituição a partir dela das categorias vagabundos,
pobres, desempregados, etc. “Através da reconstrução histórica dos sistemas de
proteção social, chega ao período atual, em que a vulnerabilidade de pobres,
trabalhadores, desempregados se expressa no aumento da ‘exclusão’ do emprego,
mas também na precarização das relações contratuais, nas formas de sociabilidade
perversas e em um panorama quanto ao futuro que passa, também, pelo ‘desmonte’
do Estado Social ou do chamado Estado do Bem Estar Social” (Véras, M.P. in
Paugam, S. 2003, p.19)
A desfiliação compreende o processo de desestabilização, vulnerabilidade e
precariedade daqueles que passavam pelo vínculo estável do mercado até
32
desembocar no ‘não-vínculo. Seu retorno estaria barrado pela “inexistência ou no
déficit de lugares ocupáveis na estrutura social, transformando-se em não forças
sociais, perdendo a identidade de trabalhadores e percorrendo o difícil caminho
‘suspenso por um fio’.” (Castel citado por Véras, M.P. in Paugam, S., 2003, p.18)
Estão desfiliados também aqueles que herdam essa condição, numa
transmissão intergeracional dos efeitos da ligação social precarizada, atacadas pelo
desenvolvimento das relações produtivas.
A pesquisa de Gonçalves Filho pinça o fenômeno de humilhação social e
demonstra suas articulações e conseqüências em diferentes níveis: o impedimento da
ação e da palavra como conseqüência da humilhação, o efeito enigmático da
discursividade social que naturaliza a situação do humilhado e assim por diante.
O usuário dos serviços de saúde já chega ao atendimento atravessado por essa
conjuntura e há um elemento a mais: demanda nome e tratamento para os efeitos
agregados que a humilhação ou a desfiliação produziram. Não é a questão de retomar
de Szaz a doença mental como mito mas, é importante salientar o processo de
adoecimento como elemento ideológico fundamental.
Fernandes em Mestiçagem e Ideologia logo à conclusão revela que “como
enquadramento (quadro) a ideologia assegura a continuidade ou mantém a sutura
quando há ameaça de rompimento do quadro. A continuidade é necessária ao
estabelecimento do processo de criação que, por sua vez, é uma elaboração da
descontinuidade. A sutura é da ordem da negação e da recusa. Pela negação a
ideologia garante um universo sem falhas.” (Fernandes, M.I.A., 2003 p.124)
Quero dizer que o processo de adoecimento encobre a articulação social do
processo de desfiliação aparecendo para o sujeito e seu grupo como algo que lhe é
33
próprio. A busca de um nome para seu sintoma estabiliza seu lugar no seu grupo e
reforça ou repactua o mesmo.
As instituições por sua vez aderem a esta demanda oferecendo para varredura
e escrutínio do sujeito sempre disposta a encontrar nele a causa e lhe oferecer
tratamento (sua condição de eficácia, sua justificativa social). O procedimento
institucional revela sua precariedade. “As instituições atravessam, ou talvez vivam
cronicamente situações de crise. Nas pesquisas sobre as crises institucionais, aparece
frequentemente, o ponto de partida estando mal construído e a relação que se segue
mal estabelecida, entre os efeito devidos a convulsões propriamente internas aquelas
devidas à situação da instituição no tecido social”. (Fernandes, M.I.A., 2003, p.126)
Continuamos com Fernandes no seu diagnóstico dos recursos de saúde:
“segue-se daí a consideração das crises que se produzem como fenômenos de um
nível de complexidade que desencoraja a explicação e não suporta a não ser
intervenções concretas, extremamente pragmáticas, visando procurar uma regulação
mais ou menos espontânea, pelo jogo de uma ‘catharsis coletiva’ ou de um
psicodrama um pouco selvagem.” (Fernandes,M.I.A. 2003,p.126)
1.3. Trabalho x Doença
Esse segundo eixo não deixa de ter parentesco com o primeiro, aceitando a
questão da centralidade do conceito de trabalho é possível aperceber-se da
importância do trabalho como agenciador de identidades no mundo contemporâneo.
Lógica que não traz novidades, já que vem se consolidando no último século. A
produtividade passa a ser entendida como característica de personalidade e critério de
saúde mental.
34
Estamos falando do trabalho concebido dentro da estrutura capitalista
contemporânea, e quando discutimos sua centralidade e sua importância no
agenciamento das identidades na cultura cometemos o erro, às vezes, de misturar as
estações ao afirmar que o microcosmo é reflexo do macrocosmo. Agimos como
agimos já que condiz à estrutura social. Ramos ao discutir a relação indivíduo e
sociedade refere que “pensar o psiquismo de um indivíduo sem levar em conta sua
determinação social é perder o indivíduo em questão ou impor a ele a explicação do
que ele não é. Da mesma forma é uma violência pensar o indivíduo como fruto social
sem resguardar ao menos teoricamente um limite para sua autonomia e
particularidade.” (Ramos, C., 2004, p.21)
O mundo moderno traz atualmente sinais do ataque às funções do
intermediário, sem “as crenças e mitos que asseguram nosso pertencimento a um
conjunto social, e abalam os alicerces de nossa identidade.” (Fernandes, M.I.A., 2003
p.22) O resultados dos ataques é sinalizado pelo espaço psíquico com mais
dificuldades de integração e um espaço social não menos desestruturado.
Conclusão: o trabalho serve de fronteira, como grande cerca que separa e
discrimina os sujeitos sociais; o trabalho é identidade e também doença, inclui e
consome na mesma medida.
35
CAPÍTULO 2
2. Breviário histórico da assistência à Saúde Mental
O presente estudo elege como campo de pesquisa os serviços de atendimento
à saúde mental. Há um histórico importante que precisa ser mencionado de modo a
entender como esse atendimento é oferecido aqui na cidade de São Paulo.
2.1.No início, Bacamarte...
O paradigma clássico do atendimento à saúde mental no Brasil sempre foram
as grandes instituições asilares, instituições que alcançaram até grande
reconhecimento mundial na década de 1950 com a experiência do hospital Franco da
Rocha. A instalação da colônia agrícola fez do mesmo um pólo de difusão de
pesquisas na área da psiquiatria utilizando o trabalho como elemento reabilitador, é
claro que numa noção bastante diferente daquela que viria a ser utilizada
posteriormente nos CAPS e Centros de Convivência e Cooperativa. Em 1965, o
Juqueri atingia o pico de 14.393 pacientes internados começando esse número a
decrescer no ano seguinte quando se inicia a política de redistribuição de pacientes
para entidades particulares (criação de leitos conveniados particulares) como
resultado da criação do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social). Este
propicia mecanismos para uma relativa expansão da assistência psiquiátrica,
36
fundamentalmente no que concerne ao aumento dos leitos psiquiátricos,
característica da “política hospitalar” da Secretaria da Saúde de São Paulo até 1982,
apenas com uma breve interrupção no período compreendido entre o final de 1972 e
o final de 1973 que é o período de gestão de Luiz Cerqueira como será visto a seguir.
Com a instalação da ditadura militar esses grandes asilos deixaram de
produzir pesquisa e resumiram sua função ao recolhimento dos pacientes de doença
mental, alcoolismo e por vezes custódia de presos políticos. Seu papel alterou-se
fundamentalmente e, desobrigando-se de encarnar o mito da neutralidade científica e
técnica engajaram-se na atuação cínica do discurso oficial.
Qualquer tentativa de cuidado arrefeceu e deu lugar a um sistema
disciplinador que já não perseguia nenhum tratamento para seus internos. Na
descrição que Lopes nos faz, o paradigma manicomial consistia em “um Estado
preocupado com o progresso (indivíduos ‘saudáveis’ para a produção competitiva),
com a produção balizada pelo capital, a higiene e a salubridade do meio urbano,
valeu-se do postulado científico de ‘epidemias’ como justificativa de seqüestro e
recolhimento de faces do proletariado (mendigos, prostitutas, negros improdutivos,
imigrantes), em hospícios engendrados com rigor arquitetônico, imensos e
centralizados, sob o comando de especialistas da vesânia.” (Lopes, I.C. in Fernandes,
M.I.A. 1999, p.142)
O sistema de saúde durante o governo militar foi organizado segundo um
preceito minimalista, contratos foram estabelecidos com instituições particulares que
se encarregavam do tratamento e assistência do pacientes. Em seu A história do
Brasil, Skidmore nos aponta que houve um crescimento da ordem de trezentos por
cento para as unidades de atendimento conveniadas enquanto que as unidades
públicas permaneceram com sua capacidade de atendimento inalterada. É possível
37
entrever a estratégia do governo da ditadura: falta de cuidado, falta de interesse e
investimento. Os recursos do INPS foram assim investidos na expansão da
assistência psiquiátrica, tornando clara uma política de direcionamento dos recursos
públicos para a esfera privada, através da contratação de leitos em clínicas e hospitais
conveniados.
2.2. A Abertura Política
Quando houve abertura política iniciada sob governo Geisel floresceram
movimentos de contestação dessas condições. Em nosso caso é exemplar o
Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental que inicia com uma pauta de
reivindicações propondo uma ampla discussão dos serviços e da organização da
atenção à Saúde. No entender do movimento não era mais o grande hospital o
aparelho adequado para perseguir o tratamento à saúde mental, esses lugares estavam
viciados pela identificação com o antigo regime autocrático e reproduziam-no sem
crítica em suas práticas cotidianas.
A partir das grandes influências trazidas da Europa, os membros do MTSM
saudavam a crítica antipsiquiátrica e utilizavam os escritos de Laing, Cooper, da
Escola de Palo Alto, de Basaglia para remodelar a proposição de um atendimento
que rompesse os laços com o regime militar e apontasse para um novo paradigma de
tratamento que vislumbrasse o doente mental como cidadão. Ao apontar a cidadania
como elemento central da desqualificação do louco, o movimento atravessava o
referencial técnico que enclausurava o fenômeno da loucura nos manuais de
medicina e conclamava a multiplicidade de determinações que ali estava escondida.
Logo, a bandeira da interdisciplinaridade apareceu, e, logo também, surgiram os
38
becos sem saída herança de décadas de tratamento enviesado. O problema da loucura
se complexificou demais, não podia mais ser atendido da mesma maneira. Era
preciso haver uma grande mudança nas consciências e na cultura; o MTSM remetia a
responsabilidade à sociedade como um todo.
Ganhou visibilidade a prática manicomial e com ela “... as denúncias às
situações de maus tratos, segregação e cronificação dos doentes mentais nos
hospitais psiquiátricos, aliado aos altos investimentos financeiros na compra de leitos
psiquiátricos de hospitais privados. Estes movimentos surtiram os primeiros efeitos
junto ao Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e ao próprio INPS, que
formularam os primeiros documentos recomendando diversificação e regionalização
dos serviços, condenando a prática voltada à assistência centrada no grande hospital
e propondo alternativas à hospitalização integral, além de ações dirigidas aos
egressos e aos crônicos, visando a reinserção social (manual de serviço para
assistência psiquiátrica do Ministério da Previdência Social), porém, estes
documentos não reverteram a situação assistencial que permaneceu financiando a
estrutura hospitalar quase que exclusivamente.” (Bichaff e Traldi, 2004,p.13)
Acontece que a herança do período ditatorial era severa demais como vemos
nessa descrição de Skidmore : “A saúde estava também em situação pavorosa na
década de 1980. Financiamento inadequado combinado à desorganização estrutural
para produzir assistência à saúde pública reduziram-na a um estado
significativamente pior do que aquele que se encontrava na década de 1970. Como
na educação, o dinheiro público investido no sistema boa parte do qual sob a forma
de numerosas clínicas particulares com práticas financeiras questionáveis não
estava chegando aos pacientes. Os brasileiros em melhor situação fugiam do sistema
público de assistência à saúde e recorriam a planos de saúde privados, que lhes
39
davam acesso a clínicas especiais, reforçando dessa maneira um sistema de dois
extratos.” (Skidmore, 1998, p. 281-282)
A situação que se apresentava era, portanto, por um lado uma severa
rediscussão dos parâmetros de atendimento, das condições de cidadania, da
referência técnica e da implicação política do trabalho; por outro, tínhamos um
sistema seriamente prejudicado, que fora deixado de lado ao longo das últimas
décadas. Restava à frente um profundo processo de reconstrução do sistema de
saúde.
Ainda com Lopes (1999) as primeiras tentativas de romper com o ciclo
manicomial foram tímidas e quase ineficazes, resumindo-se a: “arranjos de
ambulatorização, ações preventivas e medicalizantes, com ampla utilização dos leitos
psiquiátricos privados, auxiliadas pelos leitos estatais na retaguarda aos exércitos de
pacientes crônicos, gerados por este mesmo sistema.” (Lopes, I.C. in Fernandes,
M.I.A. 1999, p.143)
2.3. O Avento do SUS
Pode-se descrever o sistema de saúde, segundo Silva (2003), antes da
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) da seguinte maneira:
-forte centralização na esfera federal, via Instituto Nacional de Assistência
Médica e Previdência Social (INAMPS), que administrava os gastos públicos da
saúde privilegiando ações e serviços de assistência médica, de base hospitalar, e
bastante dissociados das ações de promoção e prevenção;
40
-fragmentação organizacional entre, de um lado, o Ministério da Saúde, as
Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, e de outro o INAMPS e os prestadores
de serviços de assistência médica conveniados;
-ausência de controle público (definição de formas de financiamento,
prioridades e distribuição geográfica dos serviços) e social$(controle da qualidade e
tipo de serviço prestado aos usuários);
-concentração dos atendimentos em unidades hospitalares ou ambulatoriais de
nível secundário, resultando em altos custos, falta de hierarquização e regionalização,
ausência de integração e coordenação na assistência.
Este perfil de intervenção e a ênfase das políticas de atenção à saúde
perduraram até o início dos anos de 1990, bem como seu financiamento, que era
proveniente de recursos do Fundo de Previdência e Assistência Social. O modelo
hegemônico, baseado em ações curativas, provocou uma expansão da cobertura
assistencial, à custa basicamente da atenção hospitalar, gerando altos custos, baixa
resolutividade e posteriormente originou a chamada crise da previdência.
Salientamos que apesar do aumento dos gastos estes ainda estavam em níveis
inferiores aos observados em outros países da América Latina com graus
semelhantes de desenvolvimento ao Brasil.
O que queremos demonstrar é que ao longo de toda a década de 80 e ainda
através da década de 90 a chamada Reforma Psiquiátrica navegou contra a maré,
apesar da inquestionável influência sobre o acolhimento e tratamento da loucura,
com uma intervenção cada vez maior sobre o poder público, e estendendo o debate à
comunidade, sua conquista de espaço não foi algo que se deu sem resistência.
Em meio a uma forte crise econômica e de insatisfação da população pela má
qualidade da assistência prestada, o governo se viu obrigado a redefinir as diretrizes
41
para a área de saúde mental. No ano de 1980, o Ministério da Saúde publica o
documento “Diretrizes para a Saúde Mental” onde estavam traçados os principais
pontos de orientação à política de saúde mental nos anos seguintes: substituição do
modelo asilar com ênfase no tratamento extra-hospitalar; ampliação do enfoque
exclusivamente organicista para uma abordagem multicausal do transtorno mental;
integração das ações de saúde mental à rede de serviços de saúde; criação de
unidades intermediárias entre a internação e o ambulatório tradicional; limitação do
período de internação e promoção de reintegração familiar e social do doente;
articulação dos sistemas formal e informal de cuidados de saúde; promoção de
estudos epidemiológicos e pesquisas; participação de vários segmentos da sociedade
na discussão, avaliação e operacionalização das mudanças. Para Pitta-Hoisel (1984),
houve uma convergência de princípios por parte de todas as instituições com
responsabilidade de traçar uma política de saúde mental.
Um outro reflexo da crise da previdência foi a criação do Conselho
Consultivo da Administração da Saúde Previdenciária (CONASP) que, em 1982,
conjuntamente com o Ministério da Previdência e Assistência Social elaborou o
Programa de Reorientação da Assistência Psiquiátrica.
Este preconizava a reforma da assistência prestada e a criação de formas de
assistência alternativas à internação psiquiátrica, tendo como princípios orientadores
do novo modelo assistencial, a assistência predominantemente extra-hospitalar, o
trabalho em equipe multiprofissional, a inclusão da assistência na atenção primária
de saúde e a regionalização, integração e hierarquização de serviços.
Em vistas da implantação do modelo, propunha-se maior integração
programática entre a esfera federal, estadual e municipal, a fim de elaborar
42
programas adequados às diversas regiões do país, além de supervisão técnica e
desenvolvimento de um programa de capacitação de recursos humanos.
Desde meados dos anos de 1980 algumas iniciativas governamentais
procuraram modificar o perfil de intervenção assistencial, entre elas o Programa de
Ações Integradas de Saúde (PAIS).
Em São Paulo a implantação do PAIS, em 1983, resultou de um convênio
assinado entre o Ministério da Previdência e Assistência Social, o Ministério da
Saúde e o Estado de São Paulo com a adesão do Município de São Paulo. Dentre
seus princípios gerais encontram-se: a responsabilidade do poder público em relação
à saúde da população e ao controle do sistema, integração interinstitucional
articulando o setor privado prestador de serviços ao setor público, definição de
programas a partir de estudos de prevalência de doenças, integralidade das ações de
saúde, regionalização e hierarquização única dos serviços públicos e privados,
valorização das atividades básicas de saúde assegurando-se o encaminhamento das
situações de maior complexidade, utilização prioritária da capacidade da rede
pública, descentralização do planejamento e administração, co-participação das
instituições envolvidas no financiamento das ações, desenvolvimento dos recursos
humanos, participação dos segmentos sociais na definição de necessidades, avaliação
e controle. A execução das propostas previa a constituição de comissões gestoras
(estadual, regional e municipal) e um órgão interministerial, a CIPLAN em
consonância com o CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde). O PAIS
permitiu, na época, o repasse de recursos para o Estado e a Prefeitura que, na área de
saúde mental, foram utilizados para reaparelhamento, reformas dos equipamentos
públicos e contratação de pessoal, resultando na ampliação do número de
ambulatórios, aumento das ações de saúde mental em unidades básicas (equipe
43
mínima de saúde mental), instituição de programas de supervisão clínica e
aperfeiçoamento administrativo. Cabe ressaltar que, nesse período, também foram
implantadas as primeiras unidades de emergência psiquiátrica e enfermarias em
hospitais gerais.
O processo de redemocratização do país trouxe de volta a possibilidade da
população eleger seus governadores estaduais, depois de 20 anos sem eleições
diretas, e também de criar condições de participação dos setores progressistas na
condução das políticas públicas de saúde. O ano da eleição para governador do
estado de São Paulo, 1982, foi de intensa mobilização dos profissionais de saúde
mental que vinham desenvolvendo, na esfera das práticas, alguns enfrentamentos à
grave situação da assistência psiquiátrica.
Formou-se um grupo de técnicos de saúde mental que, na perspectiva de
assumir o poder após as eleições, realizou seminários, jornadas e grupos de trabalho
para discutir inicialmente, um diagnóstico da situação. Nesta perspectiva verificou-se
que a rede hospitalar estadual, na época, contava com 39.817 leitos psiquiátricos, dos
quais mais de 70% eram leitos privados e destes quase 2/3 eram lucrativos. Por outro
lado, a rede extra hospitalar estava composta por 18 ambulatórios de saúde mental
(11 na Grande São Paulo e 7 no interior), 46 centros de saúde com alguma atenção à
saúde mental (19 na Grande São Paulo e 25 no interior) e 11 postos do INAMPS com
atendimento psiquiátrico (4 na Grande São Paulo e 7 no interior).
Em 1983, verificava-se que a rede de ambulatórios de saúde mental
apresentava uma série de problemas no que diz respeito a instalações físicas,
dimensionamento de pessoal, ausência de proposta institucional e de trabalho em
equipe multiprofissional. Quanto à rede básica de centros de saúde, salvo em
algumas unidades onde se conseguiu manter um trabalho em equipe, os profissionais
44
de modo geral trabalhavam isoladamente, exercendo práticas desarticuladas e com
pequeno grau de resolutividade.
No governo Franco Montoro dá-se um importante salto no que diz respeito à
assistência, uma vez que a Coordenadoria de Saúde Mental ao impor-se como meta a
implementação de uma política condizente com todas as discussões e propostas
técnicas defendidas pelos trabalhadores de saúde mental em inúmeros fóruns,
congressos e publicações, começa a promover mudança concreta na rede de serviços
de saúde mental. Vários documentos norteadores foram produzidos visando
viabilizar a mudança almejada no modo de assistência prestado. Dentre os principais
encontra-se a Proposta de Trabalho para Equipes Multiprofissionais em Unidades
Básicas e em Ambulatórios de Saúde Mental que, apesar de estabelecer as
atribuições dos ambulatórios e unidades básicas segundo as noções preventivistas,
reforçando a hierarquização da atenção (primária e secundária), ainda assim, foi
responsável por importantes contribuições à organização dos serviços e suscitou
muitas discussões gerando novas propostas.
Em 1984 o governo do Estado de São Paulo apresenta ao Banco Mundial uma
proposta formal para implantar um sistema de atenção integral na região
metropolitana de São Paulo Programa Metropolitano de Saúde (PMS).
Este programa estabelecia um sistema articulado de serviços compondo
módulos para uma região de 150 a 200.000 habitantes, com infra estrutura para a
atenção primária, secundária, serviço de emergência e um hospital geral com leitos
psiquiátricos.
A proposta estava em consonância com o PAIS e o CONASP e seu
financiamento garantiria o custo operacional da rede de serviços, além de contar com
45
a assessoria técnica da OPAS/ OMS através do Programa de Educação em
Administração de Saúde.
Em 1986, em nível federal inicia-se a descentralização da saúde com a
criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), considerado
como uma etapa em direção à implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). A
proposição deste sistema teve no movimento da reforma sanitária, seu principal
protagonista e entre os objetivos a serem alcançados figurava a ampliação dos níveis
de responsabilidade das gestões locais ou regionais. Neste mesmo ano, no Estado de
São Paulo, dá-se uma nova reforma administrativa da Secretaria de Saúde, decorrente
da extinção da Coordenadoria de Saúde Mental e da Divisão de Ambulatórios, dando
origem, com base no modelo de Ações Programáticas em Saúde, aos Escritórios
Regionais de Saúde (ERSA). Nesta injunção histórica, no ano de 1987, surge, no
prédio em que funcionava a antiga Divisão de Ambulatórios, o primeiro Centro de
Atenção Psicossocial público no Brasil.
O projeto deste CAPS Prof. Luiz da Rocha Cerqueira foi idealizado por
parte da equipe que compunha a Divisão de Ambulatórios e tinha como proposta
oferecer assistência de qualidade para pessoas com grave comprometimento
psíquico, aliada à produção de conhecimento para o ensino e a pesquisa em saúde
mental
As bases deste trabalho de questionamento e reformulação do modelo de
assistência em saúde mental que culminou na criação do CAPS Luis da Rocha
Cerqueira foram os movimentos reformistas de saúde que no final da década de 1970
ganham visibilidade na cena política.
Com o término do mandato de Franco Montoro, a partir de 1987, os
retrocessos no campo da assistência em saúde mental começam a aparecer. A
46
inexistência de novos serviços da rede extra-hospitalar e a diminuição dos índices
relacionados aos investimentos em recursos humanos, revelam esta realidade de
retrocesso e desestabilização de um trabalho fundamental que havia sido
desenvolvido.
Ao lado de uma década onde a política de atenção à saúde foi marcada pela
ineficiência da gestão pública e pela baixa efetividade das ações no atendimento das
necessidades da população e, inclusive em função disto, o cenário foi tomado por
inúmeros movimentos reivindicatórios, revelando a intensa organização e efetiva
participação dos profissionais de saúde, aliados a instituições formadoras, entidades
civis, usuários, familiares e sociedade em geral, buscando a modificação da situação.
2.4. O Movimento da Reforma Psiquiátrica
No contexto do Estado autoritário, a segunda metade da década de 1970 é
marcada pela emergência de críticas ao modelo assistencial público em saúde, por
sua ineficiência, seu caráter privativista e pelas inúmeras denúncias de fraudes no
sistema de financiamento. A crítica às políticas de saúde e a elaboração de
alternativas constituíram o que veio a se chamar Reforma Sanitária, movimento que
propunha a reformulação do sistema de saúde nas áreas de planejamento, gestão e
modelo assistencial, de modo a atender as necessidades da população.
No âmbito da assistência psiquiátrica, os profissionais de saúde iniciam uma
série de discussões e reivindicações cujos objetivos eram, prioritariamente, o
combate à segregação dos doentes mentais, as necessidades de transformação das
instituições asilares e a melhoria das condições de trabalho.
47
Em 1978 é criado o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental
(MTSM), que alcança grande repercussão por aliar, inicialmente, reivindicações
trabalhistas e um discurso humanitário em defesa dos doentes mentais. Nos anos que
se seguiram o MTSM liderou os processos de discussão em torno da precariedade e
da necessidade de mudança da assistência psiquiátrica, além da discussão do papel
político dos trabalhadores na transformação da realidade assistencial, conseguindo
gradualmente agregar outros profissionais, instituições, entidades civis, usuários e
familiares, transformando um original movimento de trabalhadores em um
movimento social, que se convencionou chamar de Reforma Psiquiátrica.
Em meio ao momento de redemocratização do país, assistimos à vitória da
oposição em diversos estados, nas eleições diretas para governador (1982), e dois
anos depois, como resultado do movimento pelas “Diretas Já”, as eleições diretas
para Presidente da República (1984). A possibilidade de eleger nossos representantes
determinou, em muitas localidades, o acesso dos protagonistas do Movimento da
Reforma Psiquiátrica a cargos na gestão pública, levando consigo as propostas de
reformulação da assistência, produzindo uma certa identidade entre o movimento e
o próprio Estado. No estado de São Paulo esta identidade foi bastante evidenciada na
década de 1980, tanto que podemos considerar o momento de maior investimento na
construção de políticas e ações em saúde mental, provenientes da própria estrutura
organizacional da Secretaria de Saúde.
Neste período uma seqüência de eventos foi realizada, fazendo avançar e
solidificar as propostas para um novo sistema de saúde brasileiro e as transformações
necessárias à reforma da assistência psiquiátrica: o I Encontro Nacional dos
Trabalhadores de Saúde Mental (1985), a VIII Conferência Nacional de Saúde
(1986) considerada um marco histórico na luta pela construção do SUS, que teve
48
como desdobramento a I Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), cujo
relatório final propunha a reformulação do modelo assistencial a partir da
reorganização dos serviços, a definição da política de recursos humanos e a revisão
da legislação.
A constatação, durante a I CNSM, de que a resistência da iniciativa privada
manicomial dificultava a incorporação das propostas reformistas nas políticas
oficiais, fez surgir o II Encontro de Trabalhadores de Saúde Mental (no final do
mesmo ano) onde se discute para além da transformação do sistema de saúde, a
necessidade de desconstruir as instituições psiquiátricas, instituindo uma nova
trajetória reformista com o lema: Por uma Sociedade sem Manicômios.
De acordo com as discussões do Movimento da Reforma Psiquiátrica, o então
deputado Paulo Delgado elaborou um projeto de Lei 3657/ 89 que propunha a
extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos, projeto este que tramitou por mais
de dez anos antes de sua aprovação, com modificações, denotando a forte resistência
do modelo hegemônico hospitalocêntrico. De acordo com Tenório (2002. p.36):
“Depois de aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto enfrentou muitas
dificuldades no Senado que, em seu lugar, aprovou, mais de dez anos depois (em
janeiro de 2000), um substitutivo muito mais tímido quanto à substituição asilar. De
autoria do senador Sebastião Rocha, o substitutivo era ambíguo quanto ao papel e à
regulamentação da internação e chegava a autorizar explicitamente a construção de
novos hospitais psiquiátricos ‘nas regiões onde não exista estrutura assistencial’ (Um
contra-senso à medida que obrigaria que as novas estruturas fossem construídas
justamente segundo o modelo que , à custa de muito trabalho, está sendo substituído
onde ele existe).” O projeto ao retornar à Câmara conseguiu sua aprovação sem a
inclusão do artigo que permitia a contratação ou construção dos novos leitos.
49
A década de 1980 foi extremamente importante para o Movimento da
Reforma Psiquiátrica, pois além do amadurecimento da crítica ao modelo asilar,
houve a consolidação dos novos rumos do movimento por meio da ampliação dos
protagonistas, da iniciativa de revisão legislativa e de experiências bem sucedidas de
atenção à saúde mental, substitutiva ao manicômio, porém, esta movimentação foi
muito mais intensa nos Estados da Federação do que no Governo Central. Reflexo
disto é a aprovação de leis estaduais na década de 1990 em sete estados e no Distrito
Federal, estabelecendo a substituição progressiva da assistência em hospitais
psiquiátricos pelo tratamento em serviços extra-hospitalares.
Foi também a década de 1980 o momento que se fez a passagem da
contestação para a apresentação de projetos para a política de saúde mental. Scarcelli
citando Amarante aponta que o início desta década é pensado a partir da referência
sanitarista. È o momento que o Estado absorve quadros provenientes deste
movimento bem como assimila e reproduz o discurso deste. É possível pensar que
nesta inflexão várias alternativas foram construídas, tratava-se de um momento de
instituir a nova assistência.
De todo modo a Reforma Psiquiátrica pode, nos dias atuais, ser considerada
como um processo histórico que, paulatinamente, tomou o cenário nacional e a partir
da crítica ao modelo asilar, e vem construindo, por intermédio de seus atores sociais,
propostas, estratégias e práticas, num campo heterogêneo de saberes: clínicos,
políticos, sociais, culturais e jurídicos.
50
2.5. O Sistema Único de Saúde e as políticas oficiais
A Constituição Federal de 1989 formalizou a atenção à saúde como um
direito social e em 1990 foi aprovada a Lei Orgânica da Saúde - 8080/90, propondo a
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), descentralizando o sistema por meio
da ampliação dos níveis de responsabilidade das gestões locais e regionais, buscando
um modelo assistencial que revertesse o perfil de intervenção governamental,
assegurando o acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção,
proteção e prevenção da saúde. Em mais de dez anos de implantação do SUS os
avanços são evidenciados pela melhora dos indicadores de saúde e eficiência do
atendimento, porém, também são muitas as dificuldades de implementação,
caracterizadas pelo embate com o setor privado, crise de financiamento do setor,
permanência de problemas de cobertura assistencial, resolutividade e equidade no
acesso e utilização dos serviços.
No campo da assistência psiquiátrica, a Conferência sobre a Reestruturação
da Assistência Psiquiátrica na América Latina (1990) impulsionou o debate sobre a
reforma da assistência, resultando na Declaração de Caracas (1991) que recomendou
às nações participantes: a viabilização das condições necessárias para implantação de
um modelo de atenção centrado na comunidade e inscrito nas suas redes sociais de
referência, bem como a diminuição progressiva do cuidado hospitalar, e o resguardo
da dignidade e dos direitos humanos dos usuários.
Em nível nacional, em 1991, a Coordenação Nacional de Saúde Mental do
Ministério da Saúde assume o compromisso de regulamentar as diretrizes traçadas
até então. A publicação da portaria nº189 (1991/ MS) que foi posteriormente
complementada pela portaria nº 224 (1992/ MS), além de ter reafirmado os
51
princípios da reorientação do modelo de atenção, estabeleceu as normas de
funcionamento e financiamento dos serviços de saúde mental e incorporou novos
procedimentos à tabela do SUS, garantindo assim o financiamento das ações de
saúde mental da rede extra-hospitalar, priorizando a internação em hospital geral e
instituindo regras mais rígidas para o funcionamento e fiscalização dos hospitais
psiquiátricos. No final do ano de 1992, com a realização da II Conferência Nacional
de Saúde Mental, foi possível aprofundar as críticas ao modelo hospitalocêntrico e
formalizar um novo modelo de atenção, fundamentado no conceito da atenção
integral e dos direitos de cidadania aos portadores de transtornos mentais.
As portarias e a II Conferência em conjunto com algumas leis estaduais
promulgadas nos anos seguintes, resultaram em progressos no campo da reforma
psiquiátrica. Houve uma redução no número de leitos, fechamento de vários hospitais
psiquiátricos, aumento da rede de serviços extra-hospitalares, além de movimentos
de organização de usuários e familiares contribuindo para a reforma. Apesar do
quadro mais favorável o investimento na rede hospitalar mantinha-se
desproporcionalmente alto em relação à rede substitutiva.
No Estado de São Paulo pouco se investiu nas unidades da rede extra-
hospitalar na última década, no entanto, houve uma intensa atividade de supervisão
nos hospitais psiquiátricos, no período de 1991 a 1994, que resultou no
descredenciamento de vários leitos hospitalares.
Esta atividade foi sustentada pela formação de um colegiado de
coordenadores e assessores estaduais que constituíram o Grupo de Avaliação da
Assistência Psiquiátrica (GAP), conjuntamente com a coordenação de saúde mental
do Ministério da Saúde. Segundo Cambraia (1999) neste período a área técnica de
saúde mental da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, estabeleceu uma
52
relação mais direta com o Ministério da Saúde do que com os diretores de ERSAs no
estado de São Paulo. Em 1995 a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo passa
por uma nova reforma administrativa que institui as Direções Regionais de Saúde
(DIR), em substituição aos ERSAs, ligadas a Coordenação de Saúde da Região
Metropolitana da Grande São Paulo e a Coordenação de Saúde do Interior, estrutura
esta que se mantém até os dias atuais. O atraso no processo de municipalização da
saúde na capital do estado de São Paulo manteve a maioria dos serviços de saúde
mental sob a gerência e gestão do Estado até 2001.
Após alguns anos de um certo esvaziamento de políticas públicas no setor
(1993 a 1998), em 1999 a coordenação de saúde mental do Ministério da Saúde lança
um novo documento “Por uma Política de Saúde Mental”, retomando as ações
políticas da Reforma Psiquiátrica. Entre as necessidades apontadas no documento
estão: a garantia do provimento de psicofármacos essenciais nos estados e
municípios, apoio para equipamentos e qualificação de centros de atenção
psicossocial no país, projetos de criação de residências terapêuticas e CAPS/NAPS
24 horas, introdução de bônus incentivo para programa de reabilitação assistida e a
capacitação de recursos humanos. Os anos seguintes foram muito importantes para a
formulação, em nível nacional, de políticas públicas na área de saúde mental:
-Lei Federal nº 9.867 (1999): dispõe sobre a criação e funcionamento de
cooperativas sociais, permitindo o desenvolvimento de programas de integração
social pelo trabalho;
-Portaria nº106 (2000/ MS): regulamentação de serviços residenciais
terapêuticos, no âmbito do SUS;
53
-Lei Federal nº 10.216 (2001): dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
saúde mental;
Em 2001, após um intervalo de quase 10 anos, ocorreu a III Conferência
Nacional de Saúde Mental representando um passo à frente na reorientação do
modelo assistencial.
Segundo Tenório (2002, p.54), “Não se trata mais de propor um novo
modelo, mas de mostrar como tem sido possível implementá-lo e discutir o que se
deve fazer para, com o auxílio de uma lei nacional e da renovada participação social,
estendê-lo ao conjunto da rede assistencial no país”. Os demais eixos de discussão da
conferência, tão relevantes como a reorientação do modelo eram: financiamento,
recursos humanos e direitos dos usuários.
Os avanços políticos continuaram após a III Conferência Nacional de Saúde
Mental: a portaria nº 251 (2002/MS) institui o Programa Nacional de Avaliação do
Sistema Hospitalar/ Psiquiatria no SUS (PNASH) e a portaria nº 52 (2004/ MS) cria
o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS
estabelecendo a redução progressiva de leitos hospitalares e o redirecionamento dos
recursos financeiros da internação para a rede extra-hospitalar de atenção à saúde
mental; a portaria nº336 (2002/MS) que regulamenta e financia os serviços CAPS de
acordo com a complexidade e abrangência populacional; a Lei Federal nº 10.708
(2003) que institui o auxílio reabilitação psicossocial para pessoas portadoras de
transtornos mentais egressos de internações Programa de Volta Para Casa,
impulsionando o processo de desinstitucionalização dos moradores de hospitais
psiquiátricos.
54
Em junho de 2004 aconteceu o I Congresso Brasileiro de Centros de Atenção
Psicossocial, depois de quase dois anos do início do processo de cadastramento
destes serviços junto ao Ministério da Saúde.
Este encontro reuniu trabalhadores, coordenadores de saúde mental, gestores,
além de usuários e familiares, para discutir a partir de três eixos: “CAPS: Laços
Sociais”, “O Cuidado Cotidiano nos CAPS” e “Trabalhadores, Usuários e Familiares
transformando relações, produzindo novos diálogos”.
Os CAPS começaram no Brasil como experiências pontuais e em 1992
tornaram-se parte da política do SUS. Houve um aumento do número destes serviços
na última década para, a partir de 2002, os CAPS ocuparem um lugar central como
dispositivo estratégico na construção das redes de cuidado em saúde mental, de
acordo com a política assumida pelo governo federal.
2.6. O Estado de São Paulo na última década
Podemos verificar que muitos dos movimentos reformistas da assistência
psiquiátrica tiveram seu início no estado de São Paulo, ainda na década de 1970.
Neste sentido, São Paulo foi vanguarda em relação ao restante do país e,
posteriormente, em meio à necessidade de superação do estado autoritário,
acompanhou e por muitas vezes liderou, na década de 1980, os movimentos políticos
e sociais que caracterizaram a conjuntura de redemocratização do país.
Este foi um período muito produtivo, principalmente no governo Franco
Montoro (1983-1986), com avanços e contribuições inegáveis por parte de São
Paulo, para a construção das diretrizes políticas em saúde mental no Brasil.
55
A mudança dos governantes e a falta de investimento nos serviços de saúde e
em recursos humanos, em muito contribuíram para a estagnação dos processos de
transformação da assistência que vinham ocorrendo.
No campo legislativo podemos destacar a aprovação do Código de Saúde do
Estado de São Paulo, em 1995, uma Lei Complementar à Constituição Estadual, que
apresenta no Capítulo IV - Do desenvolvimento do SUS, Seção III - Da Saúde
Mental; Artigo 33:
“No tocante à Saúde Mental, o SUS, Estadual e Municipal, empreenderá a
substituição gradativa do procedimento de internação hospitalar pela adoção e o
desenvolvimento de ações predominantemente extra-hospitalares, na forma de
programas de apoio a desospitalização que darão ênfase à organização e manutenção
de redes de serviços e cuidados assistenciais destinados a acolher os pacientes em seu
retorno ao convívio social”.
Embora exista em documento oficial esta diretriz, não houve implantação ou
implementação da rede de serviços extra-hospitalar, no período após esta publicação.
A municipalização proposta pelo SUS vinha acontecendo na maioria dos municípios
do interior do estado de São Paulo e, na capital, a prefeitura estava implantando o
PAS (Plano de Atendimento à Saúde), portanto as unidades criadas neste período
foram de responsabilidade dos municípios e o estado não tornava clara sua função no
sistema de saúde.
Uma iniciativa a ser considerada foi a implantação do Programa de Saúde da
Família (PSF) que vinha sendo colocado como diretriz pelo Ministério da Saúde
desde 1994. Como o município de São Paulo permanecia fora do processo de
municipalização da saúde, o governo do Estado de São Paulo, em parceria com a
56
Casa de Saúde Santa Marcelina, implantou o QUALIS em 1996, na zona leste da
cidade de São Paulo, uma versão paulistana do PSF.
Nos anos seguintes o QUALIS expandiu-se para outras regiões da cidade, fez
novas parcerias e ampliou o número de unidades e equipes de saúde da família. Na
área de saúde mental, o diferencial do QUALIS em relação ao PSF, está no fato de
contar com equipes volantes de saúde mental que dão suporte aos casos mais graves
e que necessitam de atenção especializada.
Também em decorrência da não municipalização da saúde na capital e da
permanência das unidades sob a responsabilidade do estado, em 1996, houve a
oficialização de um grupo de trabalho pela Secretaria de Estado da Saúde para
discutir a transformação dos ambulatórios de saúde mental em centros de saúde
mental, ampliando suas funções, principalmente com relação aos portadores de
transtornos mentais severos, e criando dispositivos de cuidado intensivos para esta
população. A proposta de criação dos centros de saúde mental não chegou a ser
viabilizada formalmente, embora muitos dos ambulatórios tenham conseguido rever
seu projeto institucional para atingir este objetivo.
Em relatório publicado pelo governo do Estado de São Paulo com relação ao
período de 1995 a 2002, são destacadas as seguintes ações realizadas no campo da
saúde mental. Segundo esta publicação há três eixos a serem considerados:
1)a ampliação do número das unidades extra-hospitalares que buscam a
integração junto à rede geral de serviços de saúde e outros serviços comunitários. Em
novembro de 2002, dos 110 CAPS existentes no estado de São Paulo, 92 foram
cadastrados (segundo a portaria nº 336) no Ministério da Saúde, conforme a seguinte
distribuição: 18 CAPS I, 34 CAPS II, 13 CAPS III, 8 CAPS infantil e 19 CAPS
álcool e drogas.
57
Considerando que o número de moradores nos hospitais psiquiátricos do
estado ainda é elevado (8821 pessoas) e que a maioria (69%) encontram-se em
hospitais privados e filantrópicos, a rede extra-hospitalar necessita implantar muitas
residências terapêuticas para atingir os objetivos da desinstitucionalização. No
Estado de São Paulo merecem destaque as experiências de Campinas e Ribeirão
Preto, que em 2001 contavam com 20 e 3 moradias respectivamente.
2) redução do número de hospitais e leitos psiquiátricos. Nos últimos oito
anos, a redução dos hospitais foi da ordem de 25% e dos leitos 36%, sendo que estas
reduções ocorreram, principalmente, na rede privada lucrativa. Paralelamente
podemos observar uma ampliação das enfermarias e emergências psiquiátricas em
hospital geral.
3) transformação dos hospitais psiquiátricos no estado em serviços abertos e
espaços de uso comunitário. No interior do estado alguns hospitais foram
transformados em Centros de Atenção Integral à Saúde CAIS (nas cidades de
Ribeirão Preto, Santa Rita do Passa Quatro, Lins e Botucatu) e em Casa Branca o
hospital transformou-se em Centro de Reabilitação (CRCB).
Outras ações também são descritas no relatório para a área de saúde mental:
-implantação da central de regulação, em 1995, com o objetivo de controlar
as vagas de internação psiquiátrica de acordo com critérios de regionalização;
-implantação do Programa Dose Certa em Saúde Mental, garantindo o
provimento de medicamentos pela rede pública estadual;
-criação do Centro de Referência para Álcool, Tabaco e outras Drogas
CRATOD, inaugurado no ano de 2002, como pólo de assistência e de formação de
profissionais;
58
-capacitação de recursos humanos, através do Curso de Especialização em
Saúde Mental da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo em convênio
com o Ministério da Saúde, com apoio do Programa de Integração Docente
Assistencial USP/ SES-S.P.;
-publicação da Política de Saúde Mental para Infância e Adolescência;
Uma das grandes questões que se coloca diz respeito ao papel do nível estatal
no Sistema Único de Saúde (SUS), pois no caso do Estado de São Paulo houve
diferenças entre os avanços na estruturação das políticas de saúde mental de acordo
com a relação existente entre estado e município. No interior e mesmo na grande São
Paulo os municípios assumiram mais rapidamente as suas responsabilidades locais
no SUS, fato que não ocorreu na capital pela demora do processo de municipalização
e, por esta razão, parece-nos conveniente verificarmos a situação da capital do
Estado.
2.7. O município de São Paulo e a saúde mental
Constam da década de 1980 alguns registros onde podemos observar a
existência de alguma atenção à saúde mental em unidades municipais da cidade de
São Paulo. Trata-se de profissionais, mais precisamente, 18 psicólogos em unidades
básicas de saúde (Cambraia, 1999) e a criação de unidades denominadas Clínicas de
Saúde do Escolar, responsáveis pelo trabalho de acompanhamento de crianças com
dificuldades escolares, unidades estas que foram desativadas no governo Erundina,
muitas delas dando lugar aos hospitais-dia .
A prefeitura do município de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina (1989 a
1992), propõe uma política de saúde mental baseada na implantação e
59
implementação de uma rede de serviços de atenção composta de: emergências
psiquiátricas em Pronto Socorros, enfermarias de saúde mental em hospital geral,
hospitais-dia, centros de convivência e cooperativas (CECCOS) e unidades básicas
de saúde com equipes multiprofissionais de saúde mental. Este foi um período a ser
destacado como de grande investimento e financiamento, por parte do município de
São Paulo, na criação de serviços, contratação de profissionais e formação de
recursos humanos.
Em 1995, a saúde na cidade de São Paulo, viveu um processo singular em
relação ao Estado e a todo o País, com a publicação da Lei nº. 11.866 (setembro de
1995), durante a gestão de Paulo Maluf, que propunha a implantação do Plano de
Atendimento a Saúde (PAS).
O PAS consistia na autogestão dos serviços pelos profissionais da saúde, por
meio de parcerias entre a Prefeitura do Município de São Paulo, responsável pelas
instalações físicas e equipamentos, e os profissionais de saúde. Para esta finalidade,
formaram-se duas cooperativas de trabalho, uma dos profissionais de saúde de nível
superior e a outra dos profissionais de nível médio subordinada a primeira. Foram
organizados 14 módulos regionais de atendimento à saúde, financiados pelo Fundo
Municipal da Secretaria Municipal de Saúde e a receita básica para cada módulo
correspondia a um valor fixado por morador filiado a este.
Em quase 6 anos de funcionamento, o PAS, além de representar um atraso no
processo de municipalização da cidade de São Paulo segundo as diretrizes do SUS,
resultou em um modelo de alto custo, com comprovados desvios de recursos,
superfaturamento de compras e remuneração excessiva dos diretores das
cooperativas. Não existia clareza quanto ao financiamento e o faturamento dos
procedimentos pagos pelo SUS, além da ausência de qualquer controle interno ou
60
social, na medida em que a gestão do convênio era exercida por um conselho
composto por membros indicados pelo próprio Secretário Municipal de Saúde, que
estabelecia e deliberava sobre as normas de funcionamento. Na área da saúde mental
o PAS não deu continuidade à política de saúde mental proposta anteriormente,
houve pouco investimento na rede extra-hospitalar, queda no numero de profissionais
atuando em saúde mental (devido a não aderência ao PAS) e não houve investimento
em capacitação para recursos humanos.
A partir das últimas eleições para a prefeitura de São Paulo, em 2001 inicia-se
a gestão Marta Suplicy, que interrompe o PAS e dá início ao processo de
municipalização da saúde na cidade. Cabe ressaltar que este processo se deu com
atraso de oito anos, das gestões Maluf e Pitta, e que, segundo o atual secretário
municipal de saúde, Gonzalo Vecina Neto, a cidade de São Paulo ficou fora do SUS
e deixou de receber cerca de R$ 1 bilhão em repasses federais. Com a Gestão Plena
do Sistema de Saúde, a partir de 2003, a Secretaria Municipal de Saúde passou a
coordenar as redes municipal, estadual e privada credenciada ao SUS, que representa
cerca de 59 milhões de procedimentos anuais e caminha no sentido de consolidar os
princípios do Sistema Único de Saúde: universalidade, integralidade, equidade e
participação popular. Considerando que o município de São Paulo conta com 10,5
milhões de habitantes, outro marco importante foi a descentralização dos serviços de
saúde e a implantação das coordenadorias de saúde (setembro de 2003) nas 31
subprefeituras, lançando as bases para a construção de governos locais, articulando
saúde com outras áreas das subprefeituras (educação, ação social, planejamento,
infra-estrutura, administração e finanças) visando as necessidades de cada território.
Um aspecto fundamental da consolidação do SUS é a participação da
comunidade na discussão, fiscalização e execução das diretrizes políticas. Neste
61
sentido o Conselho Municipal de Saúde, os Conselhos Gestores das Coordenadorias
de Saúde e das Unidades de Saúde (65% das unidades ambulatoriais contam com
conselho gestor organizado e estruturado), têm se firmado como instrumentos
importantes do controle social no município.
Em 2001 foram definidos seis projetos prioritários pela Secretaria Municipal
de Saúde. Os critérios para a definição desses projetos levaram em conta a relevância
técnica, política e o impacto social a ser alcançado neste momento de implantação do
Sistema Único de Saúde no município de São Paulo. A determinação de projetos
prioritários apontava para a concentração de esforços e ações, não significando que
as demais áreas da saúde ficariam sem investimento. Dentre estes, os que se
relacionam diretamente com a área de saúde mental são: o Programa de Saúde da
Família, o Resgate Cidadão (atenção às vítimas de violência) e o Cabeça Feita
(programa de atenção aos usuários de álcool e drogas).
Do Programa de Saúde Mental do Município de São Paulo podemos destacar
algumas ações que têm merecido investimento por parte da Secretaria Municipal.
Com relação à saúde mental na atenção básica, as Unidades Básicas de Saúde
e especialmente o Programa de Saúde da Família têm um papel fundamental na
detecção, intervenção e acompanhamento tanto de casos graves que não chegam às
unidades especializadas, como na abordagem de prevenção e promoção da saúde. A
proposta da área de saúde mental da SMS é de que a grande maioria da demanda, os
chamados transtornos mentais comuns, receba atenção na rede básica, considerando
esta uma estratégia de articulação do setor saúde com a comunidade, organizada pelo
conceito de território. A natureza deste trabalho evidencia os problemas e demandas
sociais que ultrapassam a intervenção em saúde e, por outro lado, interferem
diretamente na saúde mental da população. Na tentativa de promover intervenções
62
junto à população, evitando transformar as problemáticas apresentadas em
“psicológicas ou psiquiátricas” exclusivas, está em andamento, desde 2003, o projeto
de capacitação em Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa. Este projeto tem como
objetivo capacitar profissionais de saúde e lideranças comunitárias a mobilizar na
própria comunidade os saberes e apoios necessários para auxiliar as pessoas com
sofrimento psíquico. A técnica propõe a legitimação do sofrimento, a continência e a
criação de redes de pertencimento e organização social. O processo de capacitação já
formou 210 terapeutas comunitários, que continuam sendo acompanhados por
mecanismos de supervisão.
Da rede extra-hospitalar de saúde mental do estado, a maioria dos serviços foi
municipalizada e em 2002 inicia-se o processo de transformação e cadastramento da
maioria dos ambulatórios de saúde mental e dos hospitais-dia, em CAPS, além da
implantação de novas unidades. Em 2004 a rede municipal conta com 20 CAPS
adulto, 10 CAPS para a infância e adolescência e 12 CAPS para usuários de álcool e
drogas, distribuídos pelas diversas regiões da cidade. A rede de CAPS ainda é
pequena para um município como São Paulo e poderíamos afirmar que está em
construção.
Compondo a rede necessária para avançar no processo de
desinstitucionalização o município conta com os Centros de Convivência e
Cooperativa (CECCOS) totalizando 11 e está em processo de implantação da
primeira residência terapêutica.
A experiência particular dos CECCOS reflete uma proposta dentro da
Reforma ainda não totalmente assimilada como é o caso dos CAPS, mesmo assim o
aumento do número de instituições desse porte é significativo para a compreensão do
atual estágio da Reforma.
63
As concepções presentes nos aparelhos CAPS e CECCOS parecem-me
diferentes no que se refere à estratégia de tratamento,: têm objetivos comuns, os
princípios da Reforma, mas atuam com concepções de rede e tratamento diferentes.
Para o CAPS, tratamento indica um sistema de referência e apoio a ser construído
com o usuário e de certa forma gravitar sobre esse apoio, assim a maior quantidade
de intervenções concentradas em uma mesma instituição favorece o acolhimento do
usuário e tem maior potencial integrador, concebem como rede os recursos da
Cultura, Esporte, Trabalho, etc.; no caso dos CECCOS, salienta-se a importância
também do vínculo, mas estimula-se a circulação pela cidade, o CECCO vai oferecer
uma referência a respeito trabalho e das atividades de reinclusão, mas não atuará
diretamente no estabelecimento de uma relação clínica, a rede do CECCO é uma
rede sanitária, seu foco é bem mais definido. Ambos os modelos padecem de críticas,
e sua coexistência aponta uma desintegração no planejamento público. Sabemos que
há razões, para isso: a gestão plena do município, começada no Governo de Marta
Suplicy, não foi efetuada a termo, a transformação do CAPS em política responde a
um esforço federal, assim a administração do sistema de tratamento à saúde mental
acaba por parecer uma somatória indiscriminada de esforços técnicos.
O tema das reformas na saúde, da ótica da democratização política e
institucional do setor, vem sendo bastante trabalhado na literatura brasileira, dando
seqüência ao fluxo da produção intelectual atinente à Reforma Sanitária no Brasil.
Essa produção, no entanto, vem sendo marcada por pelo menos dois traços: (a) por
um relativo desprezo pela questão da articulação entre política, saúde e democracia; e
(b) por um relativo esvaziamento das questões atinentes à descentralização, à
reforma do Estado e às políticas de saúde no que diz respeito às suas potencialidades
e constrangimentos na implementação dos preceitos constitucionais do SUS.
64
No primeiro caso, parte-se da desigualdade para a matriz da eqüidade, e por
esta via aos preceitos constitucionais do arcabouço institucional do SUS e o ambiente
da consolidação democrática no país. No segundo, privilegia-se a ênfase em
dimensões como a do gerenciamento, a da regionalização, e a da normatização,
planejamento e avaliação dos serviços de saúde, em detrimento da dimensão da
desigualdade enquanto um fenômeno que envolve exatamente a articulação entre
política, saúde e democracia.
A hipótese que orienta a análise aqui presente é que isso ocorre dado o
esgotamento das propostas originais da Reforma Sanitária Brasileira, inscritas no
texto constitucional de 1988, quando suas conquistas são institucionalizadas, e que a
partir de então, sobretudo de meados dos anos 90, o que se verifica é a ênfase nos
aspectos pragmáticos da regulamentação e implementação do SUS, com destaque nas
suas dimensões técnicas (gerência, programação e avaliação, dentre outras).
Isso no entanto não ocorre isoladamente, mas coincide com o processo de
tecnificação das políticas sociais a partir de 1994, com o governo Fernando
Henrique Cardoso, reforçando assim a tendência de se reduzir a questão da justiça
social e da eqüidade e democratização da saúde a parâmetros meramente
quantitativos (de custo/efetividade, cobertura, avaliação, perfil do gasto, entre
outros), conforme Cohn (2000). Mas se essa dimensão não pode ser desconhecida,
até porque diz respeito à gerência da alocação dos recursos públicos, por outro lado
tem que se ter clareza de que ela não substitui a dimensão propriamente política das
reformas que se vêm promovendo no setor.
Daí porque a perspectiva que orienta este texto ser a da necessidade de se
promover, ao se tratar da questão da saúde e democracia, o resgate da dimensão
política aí presente. Em conseqüência, a necessidade de se sair da matriz da pobreza
65
e da sua naturalização e passar para a matriz da desigualdade social, embora esta
também já venha sofrendo entre nós um processo de naturalização, como aponta
Henriques (2000).
Com essas questões em mente, o presente texto será dividido em duas
sessões: a primeira voltada para questões de ordem mais geral relativas à dimensão
da necessidade do resgate da política ao se tratar de saúde e democracia; e a segunda
dedicada à análise das implicações, para a desigualdade, da gestão de um hospital
público estatal que se propõe a dispor parte de seus leitos para o mercado.
2.8. Saúde, democracia e política na trajetória da Reforma Sanitária Brasileira
A concepção que articula saúde, democracia e política no ideário que dá
suporte à Reforma Sanitária Brasileira durante as décadas de 70, 80 e parte dos anos
90 é a do Estado desenvolvimentista, conforme Sallum (1996). Daí porque a
estratégia política adotada de ocupação de espaços no interior do aparelho de Estado
uma vez que se concebia, por meio da saúde, promover radicais transformações
sociais, retomando-se uma relação imediata entre política e democracia na saúde.
Em decorrência, têm-se como eixos temáticos então predominantes: controle
social e participação social; descentralização e poder local; estatal versus privado;
universalidade e integralidade da atenção à saúde. É o momento, por exemplo, de
numerosos estudos sobre a universalidade excludente, dentre eles o de Faveret Filho
& Oliveira (1989), o poder local como o locus privilegiado da prática democrática.
Não é o objetivo aqui resgatar o acervo da produção científica sobre esses temas
dada a estrutura do presente texto. No entanto, talvez seja de utilidade tão somente
mencionar alguns desses trabalhos que retomam aquelas questões de forma mais
66
reflexiva, dentre eles os de Elias (1997), sobre a reforma sanitária e Nascimento
(2001), sobre a descentralização do sistema de saúde, bem como os de Souza (2001),
federalismo e gasto social, e de Arretche (1996), descentralização e eficiência nas
políticas públicas. Já sobre o tema das reformas do setor da saúde no Brasil e na
América Latina, destacam-se os trabalhos de Almeida (1999) e de Fleury (2000);
registre-se no entanto a tendência de nos estudos sobre o sistema de saúde
prevalecer, mesmo nesses trabalhos, a perspectiva do arranjo institucional do
contexto das reformas e do próprio sistema de saúde, detendo-se portanto nos
aspectos institucionais da dimensão política em detrimento daquela aqui tratada.
Nesse sentido, importa que de fato, e coerente com o ideário de origem da
proposta reformista da saúde, o tema privilegiado sob a égide ainda da concepção
desenvolvimentista recai sobre o "controle social". Concebido como "social" e não
"público", o que já traz implicações, a atenção dos pesquisadores e dos líderes do
movimento sanitário é voltada para os Conselhos de Saúde, sem dúvida conquista
das mais significativas no arcabouço institucional do SUS.
O controle social assim concebido traduz a preocupação central que inspirou
a reforma sanitária no país (Elias, P. 1997): a ênfase na legitimação das decisões
políticas setoriais em contraposição à ênfase no exercício, através desse espaço, do
controle público. Em resumo, parceira da luta pela democratização das instituições
políticas no país, a participação social por meio dos Conselhos de Saúde menos do
que um espaço e um mecanismo de controle público, isto é, de um instrumento de
participação social que trouxesse para as instâncias deliberativas os interesses do
bem comum, acabam sendo confundidos como espaços de representação de
interesses comuns dos segmentos organizados da sociedade que neles tivessem
assento.
67
A pressuposição aí presente é a da existência de uma necessária coincidência
entre ambos interesses do bem comum e interesses comuns. Assim, o interesse de
cada grupo ou segmento social coincidiria com os dos demais grupos e/ou segmentos
sociais. No entanto, a questão não é a da coincidência de interesses entre ambos, mas
sim que cada cidadão tenha o direito de ter seus interesses igualmente considerados
no processo de tomada de decisão. Daí a igualdade política não poder ser justificada
em termos normativos, tão somente pela noção de bem comum, mas por
determinadas coincidências entre distintos interesses particulares que constituiriam
assim o interesse comum, agora representando o bem comum.
Não é sem sentido, portanto, o predomínio nesse período de determinados
temas e teses presentes na produção especializada: descentralização e poder local,
sempre com o pressuposto da existência de uma relação positiva entre ambos,
atribuindo-se extrema importância ao executivo, o que é coerente com a concepção
fundadora de estado desenvolvimentista; relação público/privado, entendida como
estatal versus privado, residindo a virtude no estatal (e não no público); estatal
associado à descentralização, com ênfase na vontade política do executivo, dentre
outros.
O final dos anos 90 e o início do novo século constituem, no entanto, um
novo contexto, em que mudam o cenário e os personagens envolvidos com as
reformas na saúde. Em primeiro lugar, o panorama social consolida-se na tendência
da desigualdade. De fato, um dos consensos mais estabelecidos na intelectualidade
brasileira é de que a pobreza no Brasil não aumentou e de que existe uma relativa
estabilidade da desigualdade de renda no país, e que a causa da pobreza está
exatamente nessa desigualdade. No entanto, não há consenso quanto à natureza da
diferença entre pobreza e desigualdade, dadas exatamente as diferentes perspectivas
68
de análise sobre o que caracteriza a pobreza, e em conseqüência a desigualdade
social: dentre eles renda, consumo de serviços básicos, qualidade de vida, grau de
satisfação das necessidades sociais básicas. Mas sobretudo não existe consenso
quanto às implicações para as desigualdades sociais das políticas públicas enquanto
meios de regulação social materializando determinados contratos sociais
estabelecidos.
Lavinas (2000), por exemplo, tratando da questão das políticas sociais
compensatórias e distributivas, refaz a trajetória das diferentes concepções e modelos
de Estado de bem-estar social, e aponta que ao contrário dos modelos bismarkiano e
beveredgiano, hoje prevalece o modelo de direitos de cidadania desvinculados da
condição dos indivíduos no mercado de trabalho, não mais coincidindo o direito de
proteção social com o direito de cidadania, e prevalecendo agora a relação entre
benefícios sociais e responsabilidades cívicas. O que a autora enfatiza é exatamente
que através dessa mudança move-se do campo dos direitos para o da
responsabilidade individual.
E se esse processo abre flanco para o mercado, ele também acena para a
possibilidade de emancipação social, e portanto para a política. Ao mesmo tempo, ele
não exime a presença do Estado no seu papel de exercer a regulação das relações
sociais, promovendo certo grau de igualdade (no que diz respeito à satisfação das
necessidades sociais básicas), e assim contrabalançando as desigualdades geradas
pelo mercado.
No entanto, se esse novo modelo de regulação social que enfatiza a
vinculação dos direitos sociais ao mercado reivindica a autonomia dos sujeitos
sociais, uma vez que é essa condição que os fortalece diante do próprio mercado,
fazendo valer de forma autônoma e emancipada sua condição de consumidor, não é
69
esta a realidade dos países com enorme desigualdade social, como é o caso da
sociedade brasileira. Os personagens hoje em cena não são mais sujeitos sociais com
diferentes gradientes de posição no mercado, mas sim aqueles que estão incluídos e
aqueles que estão excluídos do mercado, tal como apontado por Fiori (1993).
E isso num contexto de crise dos padrões de regulação social capitalista
gerando inclusão e exclusão via mercado e via padrões de gestão controlada da
desigualdade e da exclusão sociais. Resta então indagar sobre quais as identidades
desses atores sociais. E isso quando Offe (1995), já nos anos 80, apontava para o fato
de que o trabalhador só se transforma em trabalhador assalariado quando se torna
cidadão, uma vez que na ausência de direitos políticos e sociais o potencial produtivo
da força de trabalho, as formas de vida das quais depende a reprodução e as
disposições normativas para o trabalho tendem a se desestruturar, perdendo-se assim
os parâmetros e as matrizes de sua identidade e de seu estatuto de trabalhador.
Em conseqüência, na ausência desse padrão de regulação e do próprio
trabalho, o trabalhador ganha um novo estatuto o de pobre, desocupado, carente,
ocioso, vadio...
Assim, pobreza e desigualdade não significam, portanto, somente
precariedade das condições de vida, mas também a ausência de determinados fatores
que permitam a construção de parâmetros materiais e simbólicos de semelhança,
identificação e reconhecimento. Em conseqüência portanto desse mercado de
trabalho sem regras, cria-se o ideário da aleatoriedade dos acontecimentos, tidos
como naturais, que se confundem com a fortuna de cada um. Assim, um dos
problemas centrais da exclusão social no Brasil diz respeito exatamente à "ausência
de direitos como uma medida de equivalência (mesmo para os trabalhadores
70
assalariados) que articula diferenças pela mediação de referências comuns, que
fundam modos de mútuo e auto-reconhecimento", conforme Telles (1999, p. 145).
Daí por que se resgatar Sen (2000), para se pensar a questão da desigualdade
no Brasil na nova conjuntura atual que criva a sociedade entre excluídos/incluídos,
ou globalizáveis/não globalizáveis, segundo Fiori (1993). O essencial neste caso não
reside na classificação dos segmentos sociais enquanto aqueles estatutos, mas sim a
partir das raízes históricas que determinam essa condição atual, quais sejam:
(1) a ausência em nossa história da condição da cidadania enquanto estatuto
de autodeterminação e de autonomia dos sujeitos sociais, independentemente de sua
situação no gradiente socioeconômico em que se encontram. Ao contrário, nossa
herança histórica consiste na condição de cidadão enquanto consumidor do Estado, e
portanto enquanto indivíduo parasita do Estado: é o cidadão dependente, e nessa
condição de indivíduos pobres que para sua sobrevivência dependem dos serviços
providos pelo Estado. Veja-se, neste caso, a freqüência com que se utiliza na
comunidade dos estudiosos e profissionais da saúde a expressão "SUS dependente".
(2) a ausência da cidadania como acesso a determinados direitos universais, e
portanto enquanto medida de equivalência contraposta à diferenciação social.
(3) em conseqüência, a necessidade de se distinguir a nova da velha pobreza:
não mais distinguindo-as enquanto sua natureza estrutural e conjuntural, como
anteriormente, mas enquanto suas novas e velhas estruturas, dada a nova conjuntura
do desenvolvimento na era global.
(4) portanto, não mais se pensar a sociedade brasileira em termos de um
dualismo estrutural, mas enquanto uma sociedade fraturada entre excluídos e
incluídos, e articulada internamente a partir de um projeto de desenvolvimento não
71
enquanto país economicamente emergente, mas enquanto um país que assume um
modelo passivo de desenvolvimento.
(5) em conseqüência, tem-se um processo de naturalização da pobreza, da
exclusão social e portanto das desigualdades sociais, que acaba por reger as
propostas de reforma do Estado e de gestão dos serviços de saúde.
Diante dessa complexidade com que se revestem as desigualdades sociais
hoje, como se pensar a própria desigualdade e seu reverso, a eqüidade em saúde?
Uma das possibilidades seria levar em conta o que Rawls (1993) propõe
como a associação entre os bens primários que as pessoas possuem e as respectivas
características pessoais ou grupais relevantes que governam a sua conversão na
capacidade de as pessoas promoverem seus objetivos. A isso o autor associa o
conceito de funcionamentos, que podem variar entre aqueles elementares (por
exemplo, nutrição adequada e estar livre da ameaça das doenças evitáveis), a estados
complexos, como poder participar da vida da comunidade sem sentir vergonha, e ter
respeito próprio. Àquele, por sua vez, está associado o conceito de capacidade, que
corresponderia a um tipo de liberdade substantiva de a pessoa poder realizar
combinações alternativas de funcionamentos, vale dizer, de optar por estilos de vida
diversos.
No caso da saúde, isso implicaria a necessidade de se escolher espaços focais
para a realização de diagnósticos, formulação e avaliação de políticas e programas de
saúde, com a seleção de alguns funcionamentos detectados como significativos,
especificados nesse espaço focal, e que a própria relação de dominância que aí se
estabelece conduz a uma ordenação parcial de estados de coisas alternativos. Seria o
caso, por exemplo, de se distinguir e especificar necessidade, demanda e direitos em
saúde numa realidade social heterogênea e opaca, remetendo-se aqui à análise de
72
Fitoussi & Rosanvallon (1996), como é o caso brasileiro, ou mesmo no interior do
espaço institucional de um hospital.
Tal esforço remete não só à necessidade de se pensar a superação da
dicotomia entre as dimensões política e técnica, hoje ainda presente na grande
maioria das análises sobre a questão da saúde no país, mas a partir daí a própria
necessidade de superação da concepção da existência no Brasil de um sistema dual
de proteção social, com distintas lógicas de articulação com o sistema econômico:
um subsistema securitário, baseado na lógica contributiva, e portanto em tese na
captação de poupanças individuais, e um subsistema assistencialista, baseado no
financiamento com recursos orçamentários, e portanto em tese redistributivista.
A partir daí o que está em jogo é a necessidade de se buscar novas formas de
articulação entre essas dimensões, potencializando assim novas formas de relação
entre Estado e sociedade que promovam a autonomia dos sujeitos sociais versus a
lógica hoje predominante nas políticas sociais que vêm sendo implementadas, e que
reforçam a redução desses sujeitos sociais à condição de cidadãos consumidores dos
serviços providos pelo Estado, e não os promovem a sujeitos sociais autônomos para
praticar suas escolhas.
Nesse caso, o que se propõe é que as análises sobre as políticas de saúde e as
propostas daí decorrentes tomem a idéia de identidade desses sujeitos sociais como
central, bem como o ethos da diferença da perspectiva da promoção da igualdade
segundo a diferença, tal como propõe Sen (1993, p.333) em seus trabalhos, e que
explicita em afirmações tais como: "uma avaliação informada e inteligente tanto das
vidas a que somos forçados como das vidas que poderíamos escolher mediante
reformas sociais é o primeiro passo para o enfrentamento daquele desafio". O desafio
em questão reside no fato de o desenvolvimento humano não poder ser plenamente
73
compreendido sem se levar em conta que ele só pode ser avaliado a partir de nossos
valores humanos mais prezados.
Diante desse novo desafio o de se pensar as políticas sociais e de saúde na
atual conjuntura de uma sociedade fraturada em que os projetos sociais encontram
seus limites no contexto da globalização, e de uma realidade na área da saúde em que
o projeto da Reforma Sanitária encontra-se esgotado enquanto formulação de uma
proposta concreta o SUS acolhida pela nova constitucionalidade, e articulada a um
projeto político também já esgotado a construção da institucionalidade democrática
no país, o que se verifica é o próprio esgotamento nas análises, nos estudos e nas
propostas setoriais formuladas pela mesma comunidade científica autora daquele
ideário. Em conseqüência, o que se verifica é uma produção científica dedicada
sobretudo a um projeto de avaliação do SUS a partir dos mesmos parâmetros que
fundaram as propostas anteriores, mas agora numa realidade distinta. Daí a
justificativa da ênfase dessa literatura mais recente na temática da avaliação a partir
de parâmetros ditados por modelos normativos, gerenciais e administrativos, em
detrimento das dimensões políticas e sociais propriamente ditas.
74
Capítulo 3
3. Referenciais Teóricos Que Darão Sustento À Investigação E Ao Método
Em todo vínculo, o inconsciente se inscreve e se expressa várias vezes, em diversos
registros e em várias linguagens, tanto na do sujeito quanto na do próprio vínculo. O
corolário desta hipótese é que o inconsciente de cada sujeito carrega traços, na sua
estrutura e nos seus conteúdos, do inconsciente de um outro e , mais precisamente, de
mais de um outro”. (Kaës in Correa, 2002, p.30)
3.1.O grupo na instituição: modelo de análise
Seguimos Bleger no seu entender de que a hipótese da entrevista é que cada
ser humano tem organizada uma história de sua vida e um esquema de seu presente,
e desta história e deste esquema temos de deduzir o que ele não sabe. Aquilo que não
nos pode dar como conhecimento explícito nos é oferecido ou emerge através de seu
comportamento não-verbal.
Quando vários integrantes de um grupo ou instituição são entrevistados, essas
divergências e contradições são muito mais freqüentes e notórias e constituem dados
muito importantes sobre como cada um dos membros organiza, numa mesma
realidade, um campo psicológico que lhe é específico.O trabalho com grupos dentro
de instituições é fenômeno que acompanha o desenvolvimento político de
75
implantação de um sistema de atendimento à saúde que possa ser substitutivo ao
modelo hospitalocêntrico, apoiado inicialmente sobre as pesquisas de Pichon-Rivière
e de Bleger.
Estes autores chamavam a atenção para uma dimensão nova no tratamento
aos efeitos da doença mental, Bleger considerava haver em todo grupo “(...) um tipo
de relação que é paradoxalmente, uma não relação no sentido de uma não-
individualização que se impõe como matriz ou como estrutura básica de todo grupo e
que persiste, de maneira variável, durante toda a sua vida.”(Bleger, 2001, p.102)
Chamou a isso sociabilidade sincrética. Para Bleger poder perceber aquilo que
aparecia numa dimensão “pré-verbal, subclínica e difícil de detectar”(Bleger, 2001,
p. 101) fornecia não só a chave como um caminho prolífico para evidenciar o grupo
como instituição e nas instituições.
Na definição de Bleger, instituição denota o conjunto de normas e padrões e
atividades agrupadas em torno de valores e funções sociais. Dotado de tal definição é
possível analisar a produção grupal como uma passagem de dois níveis lógicos
distintos: os conteúdos internos da personalidade e os conteúdos comuns ou
intersubjetivos.
Mais adiante Bleger detém-se num ponto precioso que deixa mais clara essa
passagem: toda organização tende a ter a mesma estrutura que o problema que deve
enfrentar e para o qual foi criada. Num dado serviço de saúde mental todos os
aparatos técnicos criados para dar conta da desagregação da loucura acabam portanto
refletindo-a em sua própria organização, cria-se uma tendência forte para a iatrogenia
e a burocratização. Exemplar é a pesquisa de Vechi já citada sobre o discurso
iatrogênico presente nos profissionais de saúde.
76
Fernandes aponta a “ambivalência dos discursos e práticas, cujo teor é o
respeito à singularidade e às diferenças, mas cujo subtexto é a manipulação da
individualidade”. (Fernandes, M.I.A., 1999, p.39) Para enfrentar o manicômio, é
preciso aperceber-se das brechas por onde o retorno sub-reptício da prática
manicomial se insinua.
3.2. René Kaës : a heterogeneidade dos espaços psíquicos
A metapsicologia dos grupos não é uma coisa óbvia e não estava presente
explicitamente nos fundamentos da psicanálise, foram necessárias diversas
experiências que apontassem o valor teórico do desenvolvimento desta
especificidade metapsicológica e também um esforço de garimpo para redescobrir
em Freud elementos de sua teoria que embasassem esta empreitada.
Freud já havia se debruçado sobre questões como transmissão geracional,
vínculos familiares “para dar conta da inscrição do sujeito num conjunto do qual ele
afirma que o indivíduo é, por sua vez, elo, servidor e beneficiário.” (Freud, 1914 in
Correa, 2002, p. 6)
“’aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu’: isso porque o
sujeito da herança está dividido, como o sujeito do inconsciente, entre a necessidade
‘ de dar um fim para si mesmo’ e de ser o ‘elo de uma cadeia à qual está sem sujeito
sem a participação de sua vontade’, mas a qual deve servir e da qual pode tirar
benefícios.” (Kaës, 2001, p.11) Ao opor a condição narcísica do sujeito à do sujeito
da intersubjetividade, ele os ligasse articulando-os no ponto preciso, espinhoso, do
apoio do narcisismo sobre o da geração precedente, sobre a questão da transmissão
ao ‘infans’ dos ‘sonhos de desejos insatisfeitos dos pais.’
77
A perspectiva aberta em ‘“Sobre o narcisismo” faz do sujeito singular o elo, o
servidor, o beneficiário e o herdeiro da cadeia intersubjetiva de que procede. Sobre
essa cadeia vêm apoiar-se mais de uma formação de sua psique; em sua rede circula,
se transmite e se produz matéria psíquica, formações comuns ao sujeito singular e
aos conjuntos de que ele é parte constituinte e constituída. Esse ponto de vista leva a
considerar o sujeito do Inconsciente como o sujeito da herança e, mais
genericamente, como sujeito do grupo: portanto, em termos psicanalíticos, o que está
em jogo na transmissão é a formação do Inconsciente e dos efeitos de subjetividade
que, produzidos na intersubjetividade, dela derivam.
Kaës sustenta que há na obra de Freud as bases de uma metapsicologia
intersubjetiva mas não oferece condições para testá-las clinicamente. O grupo seria o
espaço ideal para averiguação desses quesitos.
O grupo tomado como sonho e meio, lugar da realização imaginária dos
desejos inconscientes de seus membros. Em dois planos: um individual e outro no
grupo como espaço de uma realidade psíquica própria. A uma comunicação dos
membros do grupo a partir de seu ego onírico.
Seguindo Kaës (1998), o grupo oferece um meio de acesso à realidade
psíquica. Esta situação específica, o grupo coloca em evidência os efeitos da
alteridade e da formação identitária. Por exemplo, a fala do porta-voz é desconhecida
dele mesmo, ele falará do lugar de um outro, por um outro, mas falará também pelo
outro que há nele.
A instituição para Kaës aparece assim cumprindo uma parte das funções
políticas. Aquilo que do indivíduo se manifesta no social. A grande novidade que é
apresentada por Kaës é poder olhar os fenômenos do social e construir conceitos para
descrever e entender esses conceitos na intersubjetividade.
78
O grupo seria um entrelaçamento de saberes, uma mediação entre saberes
sociais e saberes individuais. O grupo não recalca mas daria condição para que
aquela determinada questão seja recalcada pelo indivíduo.
Todo vínculo pressupõe o nível transubjetivo, fazem parte dele os mitos, as
ideologias e as utopias. Estas, por sua vez, manifestar-se-iam em cada um de nós dar-
nos-iam condição para a construção do laço.
Para Kaës o trabalho é uma transformação efetuada sob o efeito de
transformações energéticas. Compreendemos essa transformação a partir das relações
desenvolvidas pelo indivíduo no grupo. A mudança não ocorre sem dificuldade pois
qualquer alteração é um ataque ao pacto constitutivo do grupo e assim sendo este
resiste a transformação. Sempre encontramos o trabalho um gasto de energia a favor
e contra a transformação, que melhor seria chamada de resistência a transformação.
Dentro do grupo cada sujeito em sua singularidade adquire graus diversos
para interpretar as emoções que pertencem a um outro sujeito mas que transitam pelo
seu próprio psiquismo
Kaës se encaminhou desde o princípio para a reflexão sobre o estatuto teórico
do grupo na Psicanálise.A obra de Kaës mostra que o psiquismo humano se constitui
desde o início na forma de grupo, que o sujeito do inconsciente, e a subjetividade são
primordialmente grupais e que o sujeito do grupo constitui o lugar de assinalamento
para que se possa constituir o chamado sujeito do inconsciente.Mas estes complexos
fenômenos inconscientes, sustentados simultaneamente desde planos intrapsíquicos e
intersubjetivos, não só tem a ver com a mítica constituição do psiquismo mas atuam
constante e ininterruptamente durante toda a vida dos sujeitos agrupados, desde o
grupo natural: a família (e ainda antes do próprio nascimento, em função dos desejos
79
parentais constitutivos), até todo grupo humano constituído, como são por exemplo
as instituições que atravessamos.
Assim, por exemplo, René Kaës insistirá muito no desenvolvimento do que
denomina “funções e formações intermediárias” entre os espações intrasubjetivos e
os espaços inter e transubjetivos. As repressões, entendidas tradicionalmente como
formações de compromisso por Freud revelam que não somente podem ser
observadas como mecanismos intrapsíquicos como também como lugar de laços e
vínculos de espaços intersubjetivo.
3.3. A ideologia
A ideologia existe como matriz geradora que regula a relação entre o visível e
o invisível, o imaginável e o inimaginável, bem como as mudanças nessa relação.
Para Zizek, a análise da ideologia não pressupõe um ‘fora’ da ideologia, assim como
na dimensão grupal descrita por Kaës os processo ideológicos entretecem-se nos
meandros dos processos grupais. Através do nível trans é que os pactos denegativos
que sustentam o laço se confirmam, tal qual o cimento que edifica a construção a
característica ideológica de liga interfere nas percepções e vivências do grupo. De
certa forma, retornamos ao fenômeno apontado por Bleger de que toda organização
mimetiza a estrutura daquilo para o que foi criada.
Fernandes citando Kaës elucida a articulação entre Inconsciente e Cultura no
que se trata do fenômeno ideológico. Identifica no texto de Freud de 1932 “Novas
Conferência sobre a Psicanálise” uma passagem onde Freud critica as interpretações
materialistas da determinação do homem exclusivamente pelas superestruturas, pelas
condições econômicas. Ao afirmar que a ideologia procede do super-ego, estaria
80
afirmando que a ideologia se inscreve na cadeia de identificações. “Ela constitui um
elemento capital do processo coletivo e individual, notadamente graças à mediação
das funções do Super-Ego e do Ego nas massas organizadas.” (Fernandes,M.I.A.
2003 p.15)
Ideologia é associação, ligação, ela une mas ao mesmo tempo é dissociação
do real, ilusão, dissociação do discurso e da ação, ela oculta.
Os elementos da ideologia fazem parte do laço, e não se pode apenas suprimi-
la pela denuncia, não há fora da ideologia, mas há um lado não considerado na
questão: a ideologia “como forma da verdade do desejo.”(Kaës, R. in
Fernandes,M.I.A. 2003, p.16)
No trabalho do analista que trabalha o grupo, Kaës entende que a saída do
processo ideológico passa por uma crise, mas que a essa crise seguir-se-á uma nova
organização, ou nova pactuação.
3.4. Psicologia Social e Psicanálise
A pesquisa aqui proposta utiliza-se de um recorte singular que vem sendo
utilizado nos últimos anos por Fernandes para discutir a Psicologia Social. Que
caminho há desta à Psicanálise e como a Psicanálise tirada de seu contexto clínico
dialoga com a Psicologia Social para poder esclarecer os fenômenos institucionais?
Tenho trabalhado na área de saúde mental nos últimos oito anos e partindo
dessa experiência constato a dificuldade de superação de certos limites no que tange
aos objetivos clínicos de tratamento de pacientes com transtorno mental severo:
dependência aguda à instituição, cronificação, fortalecimento do estigma social são
exemplos desses fracassos. Ora, tanto no serviço ao qual faço parte como muitos
81
outros onde reconheço idéias semelhantes travam uma luta incessante contra estes
restos indesejados. São rotinas estressantes de reuniões infinitas, horas de prática de
grupos, psicoterapias, reabilitações. Mesmo que não possamos enxergar direito o
quê, algo diz-se a partir destes ‘restos’.
Ao longo da década de 90, além do trabalho realizado um largo esforço de
divulgação do mesmo foi pretendido, seus projetos tornaram-se vitrines de um
processo. Aqui há um ponto fundamental, houve um pequeno desvio em algum lugar
e aquilo que se fazia modelo pela qualidade passou a ter de corresponder às
exigências do modelo e se perdeu, muitas produções científicas foram realizadas para
justificar as práticas terapêuticas, mas devo acrescentar sem o devido rigor. Meu
primeiro eixo de trabalho é o questionamento que repousa na avaliação dos nossos
modelos clínicos, não mais assentados sobre a demanda da propaganda e da
visibilidade mas agora deparados com a exigência de uma produção realmente
satisfatória. Quero dizer, não possuímos modelos efetivos para avaliar nossa prática e
o efeito é o do soçobramento.
A proposta de Kaës acerca da revisão metapsicológica, metodológica e das
condições de testagem das hipóteses derivadas do complexo fraterno no grupo são
elementos que podem contribuir bastante para este fim. Ademais as condições da
intersubjetividade estão colocadas como critérios primários de sucesso clínico, dou
como exemplo o conceito de reabilitação psicossocial, onde o que está em jogo a
recuperação de níveis ótimos da contratualidade perdida nos contratempos da
doença.
Não devemos nos esquecer que pela via do estudo dos fenômenos grupais, da
grupalidade, através de um dispositivo metodológico idôneo para tais propósitos,
poderemos aceder paulatinamente, e de um modo mais rigoroso, a melhor
82
compreensão dos planos de subjetividade presentes em todos os fenômenos
institucionais e sociais.
A primeira questão é que nossa sustentação teórica é híbrida mas com forte
componente psicanalítico. São os grupos o cerne mesmo de toda a prática. Talvez
fosse necessário deter-me sobre essa característica da sustentação teórica nesse
serviço. A hibridez não é uma característica desejável epistemologicamente, pelo
menos no que lhe confere seu caráter por demais pré-paradigmático, para usar uma
expressão de Kuhn, o que é pouco aceitável para uma instituição que está imbuída da
responsabilidade do atendimento público.
Fazemos o que a herança da instituição nos autoriza, fazemos a partir dos
instrumentos teóricos que dispomos. Muitas vezes, o componente conservador do
fazer clínico apóia-se nas justificativas analíticas, muitas vezes dispomos
equivocadamente do que seriamente pode ser tomado como investigação clínica. De
onde partir? Da prática demandada e que se repete; do fantasma institucional que se
imprime; ou de um aporte que não é justificativa, mas caminho? Pensando sobre as
questões metodológicas proposta por Kaës, posso localizar um erro nosso
11
, aqui
desconsideramos, quando na clínica estrita, ou, consideramos de maneira pouco
adequada a questão da intersubjetividade.
Em uma das conferências do Instituto de Psicologia da USP, Kaës se
pronunciava a favor de uma psicanálise que considerasse o fator intersubjetivo como
iniciador do psiquismo humano. Não preciso ressaltar a importância de tal tese, que
por si só tem um poder articulador de nossa prática fragmentária, ora alçada pelo
esquema teórico da psicanálise com suas raízes e matrizes endógenas, pelo menos na
leitura que foi possível a esse grupo de técnicos que perfazem a prática da instituição,
11
Dos trabalhadores dos Serviços de Saúde Mental.
83
ora norteada pelos princípios humanistas da psiquiatria democrática com suas
crenças de que a responsabilidade pelo mal-estar da loucura é eminentemente
cultural.
Tomemos o conceito de apoio. O conceito de apoio, essencial para Freud para
poder dar conta do nascimento da sexualidade, da passagem do biológico ao
essencialmente psíquico, da emergência do desejo apoiado inicialmente na
necessidade, da constituição de um corpo libidinal, corpo representado, que
transcende o corpo da biologia.
Mas Kaës foi muito mais longe ao mostrar que este conceito de apoio deve
ser lido também em outra dimensão, ao modo do duplo apoio. Não somente no
biológico mas também no social . A constituição do psiquismo, da subjetividade, do
sujeito do inconsciente, se apóia assim mesmo sobre a ordem grupal e social. O
“sujeito do grupo” antecede por ele o sujeito do inconsciente.
De volta ao cenário inicial deixarei que estas notas possam afetar o trabalho:
o conceito de apoio que demonstra a inscrição de uma outra cena sobre a função
mesma pode ajudar na compreensão do hiato causado pela hibridez teórica. O sujeito
será avaliado pela sua capacidade de desempenho social, a noção de contratualidade,
e cindido o sujeito será lido a partir da dinâmica intrapsíquica. Mas o que acontece é
que o sujeito é formado na alteridade. O projeto de constituir a intersubjetividade
como objeto teórico e como dispositivo metodológico na psicanálise não pode
poupar-se de uma dupla metapsicologia: a do sujeito do inconsciente na medida em
que é um sujeito do grupo, e a dos conjuntos intersubjetivos na medida em que
formam e administram uma parte específica da realidade psíquica. Posta em
perspectiva recíproca destes dois espaços parcialmente heterogêneos, dotados de
lógica e de formações específicas, R. Kaës define o campo de uma nova clínica
84
psicanalítica localizável tanto na prática da cura individual como na prática do
trabalho psicanalítico na situação de grupo.
Deter-me-ei sobre a questão do complexo fraterno a partir da última
conferência proferida por R. Kaës: a introdução do complexo fraterno acrescenta ao
sentido intrapsíquico mais evidente ao complexo de Édipo, um sentido
intersubjetivo. O pacto fraterno referencia a produção do inconsciente. Essas
formações atuariam de forma definitiva na constituição da estrutura do
inconsciente.
12
Fenômenos antes isolados na metapsicologia de freudiana como o sonho
podem ter referências intersubjetivas? Como?
Os dispositivos de grupo fornecem outras concepções do aparato psíquico.
Assim o sonho e acede a uma outra concepção. Nesse sentido lemos na segunda
tópicas e que o id carrega heranças do passado e o superego traz a herança dos pais.
Um relato do sonho no grupo produz movimentos psíquicos diversos no grupo. O
espaço psíquico do grupo organiza se como um espaço onírico. Existe, por
suposição, uma base onírica em qualquer laço.
O grupo vai ser tomado como sonho, lugar da realização imaginária dos
desejos inconscientes de seus membros. Isso se dá em dois planos : um individual e
outro no grupo como espaço de uma realidade psíquica própria. A uma comunicação
dos membros do grupo a partir de seu ego onírico. No sonho entram em jogo os
processos primários condensação que deslocamento.
12
Intersubjetividade também evidenciada por Laplanche ao propor o resgate da teoria da
sedução de Freud. Por trás da fantasia e do inconsciente há sempre um outro, um outro que
o inaugura. Inconsciente é formado pelo recalque. Recalque relevado pela informação que
vêm do outro e que traumatiza o psiquismo por exceder a sua capacidade de elaboração e
representação.
85
A análise do sonho em grupo atualiza o espaço onírico comum e partilhado
através do aparelho psíquico grupal que coloca os membros em ressonância
identificatória e fantasmática com os sonhos de vários sonhadores
O sonho é criado na fronteira entre o intrapsíquico e o intersubjetivo, ele é um
trabalho de figuração, de dramatização e de simbolização dos problemas que se
produzem nessas mesmas fronteiras.
Ao meu ver, uma perspectiva positiva nesta concepção, no que tange ao
aspecto lógico do termo. A mudança pretendida é uma mudança que atua não
somente sobre as dimensões intrapsíquicas do sujeito, mas sobre seu meio e de
maneira direta. Vejo uma verdadeira práxis social colocada aí.
Um outro conceito discorrido é o conceito de intermediário. Num texto a
respeito do assunto, R. Kaës (1994) questiona-se como o a categoria de intermediário
ajuda-nos a pensar a articulação psicossocial. Nesse caso também aparece o sujeito
com um duplo pertencimento. Trata-se de um funcionamento do sujeito tanto na
singularidade como também na pluralidade. O aspecto que me parece principal é a
dotação da situação analítica de grupo de um recurso interpretativo mais amplo e que
coloca em relação os diferentes níveis do fenômeno grupal.
Finalizando, ao adotar tal perspectiva vemo-nos obrigados a considerar
nossas ferramentas anteriores e perceber sua limitação. O exemplo citado, a
instituição, é apenas uma dentre muitas que operam com a mesma dificuldade. A
análise dos elementos trazidos por Kaës, destacados o complexo fraterno e o
intermediário, conduz a uma re-apropriação, ou melhor dizendo a uma proposição
mais consistente acerca do trabalho com o campo da intersubjetividade, seja da
pesquisa em psicologia social , seja do trabalho clínico propriamente dito.
86
3.5. A categoria do intermediário
A categoria do intermediário estaria ligada sempre à gênese e funcionamento
das formações mais complexas, e, portanto, mais frágeis: as formações psíquicas
intermediárias. Estas, por sua vez, procuram dar conta da problemática de como o
inconsciente se manifesta na questão da relação entre o sujeito singular e os
conjuntos inter e trans-subjetivos, do sujeito singular e seu espaço intrapsíquico e da
especificidade da realidade psíquica mobilizada e produzida no grupo.
Tomemos o trabalho do usuário de saúde mental nos serviços que pretendo
pesquisar. Que significados opera? Quais seriam as formações psíquicas que estão
sendo possíveis e como estas se articulam com os significados ? Em primeiro lugar,
trata-se de uma reinscrição, de readaptação, uma mudança brusca de funcionamento
onde a doença psíquica não tem mais lugar. Espécie de prova de fogo, e talvez
motivo principal para os tratamentos forçados, a saída do trabalho é o ícone da
angústia associada a terrível promessa de um futuro derrapante e pauperizado.
A promessa do trabalho é a promessa da inclusão social que traz como
elemento intrínseco à negociação da mudança deste registro inicial de valores.
Assim, temos dois elementos de uma série (paciente-trabalhador) e duas
qualificações sobre o sujeito (excluído-incluído), sempre considerando que não se
trata de uma negação do antecessor, mas ao contrário, um processo (a não ser que
tomemos cada unidade como elemento concreto que contém sua negação e sua
superação, como em Santos, 2000). Estão em jogo duas idéias distintas, a noção de
processo inclui a negação, e mesmo a negação da negação que é a superação do
processo. Confrontar duas posições com expectativas diferentes, uma que enxergaria
a negação como parte do processo e assumindo uma postura mais “otimista”
87
esperaria a transformação; há ainda aquela postura que recusa-se a admitir no
processo esse elemento contrário e entende que a transformação só seria possível
com a destruição do processo.
88
Capítulo 4
4. Método
4.1.Definição do Campo e Tema
Pretendo trabalhar com instituições de atenção à saúde mental que
alinhavadas politicamente à reforma psiquiátrica entendam o trabalho como resgate e
não mera adaptação do usuário. No seio da reabilitação psicossocial um conceito
parece importante destacar: contratualidade. Dentre os âmbitos da vida do usuário a
emancipação se faria através de um investimento direto sobre o aumento do poder de
contratualidade deste. A capacidade de agenciar a partir de uma relação de
cooperação a autonomia possível do sujeito. Isto é, destacar dentre as práticas que se
ocupam da questão da saúde mental aquelas que não estão vinculadas à mera função
de exclusão. Parece-me importante tomar como ponto de partida instituições que
estão identificadas com a mudança da posição subjetiva do “doente mental”, que
pretendam dele a emancipação. Assim penso que se pode avaliar com maior
propriedade aquilo que é da potência da intervenção.
Reservaria a categoria de sujeito àqueles envolvidos no projeto trabalho,
sejam eles usuários ou técnicos dos serviços, há mais de um ano engajados no
89
trabalho. Envoltos que estão numa rotina institucional e supostamente identificados
com a ação que promovem.
Assim tomando por base esta apresentação, desejo ao aproximar-me deste
trabalhador identificar os efeitos produzidos pelo trabalho sobre suas condições de
vida. Qual é o impacto que esta ação produz sobre sua vida, que desdobramentos
permite, ou não permite.
Acredito que o trabalho em saúde mental careça efetivamente de pesquisas
que possam dialogar com a prática cotidiana das instituições. Temos há muito
desenvolvido meras propagandas de nossos préstimos de maneira a reafirmar e
sustentar nossas condições de existência. Se há algo contra o que lutar, não são mais
os mesmos inimigos de antes, agora a batalha é travada contra nossa própria
coerência e capacidade de rever nossas proposições.
4.2. Descrição do campo
Podemos datar a implantação dos CECCOS durante a gestão da prefeita Luiza
Erundina na cidade de São Paulo a partir de 1989. Junto com a revitalização da idéia
de rede articulada de saúde, a inauguração dos CECCOS provocou uma “espécie de
desequilíbrio nesta rede de atenção à saúde, por se tratar genuinamente de um serviço
com perfil cultural, um espaço de encontro de vidas entre portadores de necessidades
especiais e a população em geral, que promoviam a convivência e o exercício de
cidadania em equipamentos sociais públicos, através da arte e do trabalho cooperado,
desprovido dos aparatos clássicos de serviços de saúde (macas, vestes brancas,
remédios, seringas).” (Lopes, I.C. in Fernandes, M. I. A., 1999, p.147)
90
Esses centros especializaram-se no atendimento ao núcleo de sociabilidade
deixando a clínica estricto senso para os CAPS. Tal estratégia permitiu o avanço nas
táticas de reabilitação e aprofundamento das medidas envolvidas nesse processo,
parece salutar a divisão efetuada apesar dos apelos à clínica estendida (Goldberg).
Até porque a livre circulação pela cidade e o caráter de clientela dado ao usuário faz
com que ele se situe a partir de uma perspectiva de direito. Há nitidamente uma
migração no papel do usuário que deixa de buscar o serviço pela queixa ao usuário
que vai ao serviço desenvolver arte, trabalho, etc.
Logo da implantação dos CECCOS acompanhamos na descrição de Lopes
que a alternância para esse novo padrão de trabalho não se fez sem crise.
“Analogamente ao senso comum de intolerância ao desconhecido ou marginalizado,
se reproduzia com os profissionais um ceticismo frente a outras formas de conceber
saúde, assim como uma resistência à convivência com a diversidade de linguagens na
apreensão do fenômeno da loucura.” (Lopes, I.C. in Fernandes, M.I.A.,1999 p.)
É justamente a partir dessa inflexão no atendimento a saúde acontecida na
última década que pretendemos explorar os significados da intermediação
trabalho/saúde, inclusão/exclusão.
4.3. Procedimento
O serviço de saúde mental está aqui entendido como um processo que possui
um movimento. Os atores que o compõe interagem num jogo de alianças e embates.
É preciso, desta forma, produzir uma avaliação que inclua tal dinâmica para que
possa a partir daí produzir um entendimento sério da cultura institucional e da prática
de seus agentes.
91
Em um dado grupo institucional significados, intencionalidades e teorias são
estabelecidos pelos sujeitos sociais. São elementos de uma análise produzida pelo
próprio grupo que são essenciais para a compreensão desse todo que é a instituição.
Utilizarei para os fins deste trabalho a definição de instituição utilizada por
Marlene Guirado, a instituição será, portanto, definida como um conjunto de práticas
ou de relações sociais que se repetem e se legitimam enquanto se repetem.
13
A
instituição assim definida consistiria uma modalidade discursiva específica. Para a
entrada numa instituição, segundo Guirado, seria desnecessário o translado pelo
espaço físico da própria, mas bastaria referir a alteração nas pautas de relação,
característica institucional. Poderemos pensar as representações daí derivadas como
o nível subjetivo da organização e da estruturação da prática. A legitimidade das
práticas institucionais supõe as imagens que se constituem a respeito do lugar
simbólico ou do papel que os sujeitos ou os atores institucionais nelas ocupam. De
acordo com Minayo a pesquisa qualitativa é de extrema utilidade para “(a)
compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo sobre
temas específicos; (b) para compreender as relações que se dão entre os atores sociais
tanto no âmbito das instituições como dos movimentos sociais; (c) para avaliação das
políticas públicas e sociais tanto do ponto de vista de sua formulação, aplicação
técnica, como dos usuários a quem se destina”. (Minayo, M.C.S. 2000 p. 134)
4.4. Avaliação de serviços: novas abordagens
A avaliação de serviços de saúde é uma área já consolidada em suas várias
linhas de abordagens. A utilização de indicadores de avaliação econômica,
13
Guirado (1986) faz referência a Guilhon de Albuquerque para esta definição. Ver pág- 39
92
tecnológica e de qualidade da atenção em saúde (acesso, utilização, cobertura,
eficácia, satisfação do usuário, objetivos, estrutura, processos, resultados, entre
outros) é hoje reconhecida e amplamente divulgada.
Ainda perdura nas expectativas dos gerentes dos programas de saúde dados
irrefutáveis que apontam inequivocamente a direção a se seguir. Para eles o
progresso técnico é fruto de uma acumulação progressiva da ciência que não se reduz
a perspectiva política mundana. Nada mais equivocado, fazer avaliação de um
programa implica sim discutir que visão de mundo embasa tais e quais ações. O
outrora dominante paradigma positivista que anunciava a possibilidade da avaliação
objetiva vem sendo questionado por diversos pesquisadores.
“Decisões que dizem respeito a quais informações devem ser coletadas,
escolha da amostra, seleção de critérios e princípios, métodos de tratamento
estatístico, passam a ser percebidos como envolvendo julgamentos de valor (Holland,
1983). As concepções mais atuais de avaliação incorporam ao conceito de serviço de
saúde a questão dos movimentos sociais e o conceito de Estado ampliado. Nesta
perspectiva, o serviço é pensado como um campo de práticas técnicas, sociais e
políticas, cuja direção e agenda de prioridades são realizadas no campo dos embates
políticos entre grupos de pressão politicamente competentes e de racionalidades
distintas (técnica e política) (Cohen & Franco, 1993).”( Deslandes, 1997, p.104)
É possível afirmar que a avaliação de serviços de saúde ao longo dos últimos
anos deixou de ser considerada um processo exclusivamente técnico, um método
que, dispondo de um conjunto de procedimentos e indicadores, poderia medir com
presteza a efetividade de determinado serviço ou programa. O estudo das
representações sociais em saúde e da antropologia médica vieram mostrar que o
processo saúde/doença é permeado de elementos culturais, sociais e econômicos,
93
sendo compreendido e vivenciado diferentemente pelos vários atores que dele
participam.
Assim, o sucesso ou não de determinado serviço ou programa estaria também
ligado à correspondência a determinados valores, ideologias, posições de classe,
status, etnia, crenças de seus usuários, comunidade e agentes. A avaliação ,portanto,
levaria em conta a análise crítica de se determinado serviço se alinharia ou não aos
valores culturais e expectativas dos vários atores sociais envolvidos, assim como às
suas realidades sócio-econômicas.
A perspectiva compreensiva lança algumas balizas, indicando que os sujeitos
sociais estabelecem, ao longo de sua existência social, significados,
intencionalidades e teorias explicativas sobre o mundo e as estruturas sociais. Desta
forma, o pesquisador, ainda que revestido do método científico, não é o único que
produz explicações e análises dos fatos sociais (Minayo, 1992).
As análises dos sujeitos sociais envolvidos nos serviços/programas sobre
estas experiências não podem ser ignoradas, mas reconhecidas como portadoras de
racionalidade e analisadas sob a luz das conexões histórico-sociais que conformam
tais discursos. A análise de Serviços envolve também a análise da “consciência
histórica” de seus agentes e de suas representações sociais, que por sua vez estarão
objetivadas em suas práticas.
É no contexto das relações sociais que a constituição dos sujeitos acontece,
sendo esta resultante da apropriação da cultura em seus diversos aspectos. Essa
apropriação, por sua vez, é marcada pelas características dos grupos sociais dos quais
os sujeitos fazem parte/participam e dos lugares sociais que ali assumem.
O conceito de lugar social refere-se às posições de referência imputadas
socialmente aos sujeitos e por estes assumidas, caracterizando-se assim como
94
posição simbólica e não referência topográfica. Trata-se portanto de um conceito
relacional que permite analisar as relações sociais sob o prisma da história que as
constitui e conforma, sendo esses mesmos lugares sociais passíveis de re-significação
pelos sujeitos, uma vez que estes são produtores ativos da própria história.
Considerando a perspectiva da mútua constituição entre sujeitos e grupos, os
movimentos que ambos produzem no contexto das relações sociais são ao mesmo
tempo marcados pela história dos próprios sujeitos em relação e dos lugares sociais
que ocupam na complexa trama em que se envolvem.
Ao mesmo tempo, essas histórias e lugares são constantemente
transformados, o que caracteriza essa relação como diálogo permanente marcado por
movimentos nem sempre harmônicos.
Minha intenção foi estudar o grupo de profissionais da instituição e os
usuários envolvidos dentro daquilo que está designado genericamente como “Projeto
Trabalho”. Na organização específica desta modalidade da reabilitação psicossocial,
geralmente estão estruturados segundo uma lógica de funcionamento que comporta
técnicos dedicados à supervisão e acompanhamento dos projetos, monitores com
tarefas específicas de assegurar a produção do projeto e os usuários/trabalhadores
propriamente ditos. Assim, o critério para admissão à pesquisa é o pertencimento
(com qualquer carga horária dedicada) a qualquer destes projetos, há, no entanto, um
outro elemento que levamos em consideração que é um histórico de pelo menos um
ano nesta atividade, pretendemos com isso perceber os efeitos do trabalho sobre a
subjetividade do grupo que compõe o projeto.
Foram realizadas duas entrevistas com projetos distintos com a duração
média de uma hora e meia cada.
95
Capítulo 5
5. Análise
Minayo (2000) discute as estratégias de análise de resultados como é o
exemplo oferecido da análise da enunciação. Este tipo de análise apóia-se na
concepção de comunicação como processo, na produção da palavra elabora-se ao
mesmo tempo um sentido e operam-se transformações. “Por isso o discurso não é um
produto acabado, mas um momento de criação de significados com tudo o que isso
comporta de contradições, incoerências e imperfeições”.( Minayo, M.C.S., 2000 p.
206)
Apesar da similaridade e talvez da pertinência a nossa pesquisa, nosso objeto
difere por não ser simplesmente a discursividade do grupo, mas toda gama de
fenômenos psíquicos e sociais que determinam as condições de existência do grupo.
Apoiados sobre a teorias de grupos, especialmente sobre as pesquisas de Fernandes,
procederemos com o tratamento do material colhido a partir da compreensão do
fenômeno grupal como entretecido institucional onde se cruzam os elementos
transubjetivos, intersubjetivos e intrasubjetivos. A produção franca do grupo aparece
como analisador dos objetivos e resultados concretos da instituição. Na medida em
que o grupo é o próprio produto da instituição, sua ideologia revela-se e permite a
construção de categorias de análise.
96
5.1. O contexto
Robert Castel é uma das principais referências quando abordamos o tema da
exclusão. Acerca da pobreza e das condições de exclusão, Castel refere: “... de minha
parte, de encarar as situações de privação como um efeito na conjunção de dois
vetores: um eixo de integração/ não integração pelo trabalho; um eixo de inserção/
não-inserção em uma sociabilidade sócio-familiar”.
(Castel, R., 1994, p. 24)
Continua Castel (1994, p. 25) “Segundo este modelo, as populações
suscetíveis de destacar intervenções sociais estão não somente ameaçadas pela
insuficiência de seus recursos materiais como também fragilizadas pela labilidade de
seu tecido relacional; não somente em vias de pauperização, mas também em
processo de desfiliação, ou seja, em ruptura de vínculo com o social. (...) A
pauperidade surge assim como a resultante de uma série de rupturas de participações
e fracassos na constituição de vínculo, os quais, finalmente, projetam o sujeito em
um estado de flutuação, em uma espécie de no man’s land social”.
Não cabe aqui me estender sobre o pensamento de Castel, uma vez que os
trechos acima destacados dão uma idéia da direção da intervenção proposta pelo
grupo que teoriza a reabilitação psicossocial, e a receita como tratamento para os
pacientes de serviços de saúde mental. Sua maneira de entender a questão deriva da
análise feita sobre a condição do vagabundo, isto é da significação imposta sobre
essa posição da vida no limite, ‘over de edge’. Falta-lhe, no entanto, prosseguir com
suas perguntas: A pauperidade (que pauperidade? Uma vez que ele se refere a esta
como fenômeno diversificado.) surge assim como a resultante de uma série de
rupturas de participações e fracasso na constituição de vínculo (com o que? Com
quem?).
97
Foi necessária esta introdução para que possamos entender que contexto
subscreve o conceito de reabilitação psicossocial e desde já aviso que vou restringir-
me a manipular este único conceito. Na verdade deveríamos no perguntar se
realmente se trata de um conceito. Reabilitação refere uma luta por espaço dentro do
campo dos tratamentos psiquiátrico. Não podemos e nem devemos estar alheios ao
uso que vem sendo feito deste termo pela psiquiatria tradicional, relegando-o a
atividades dos “para-médicos” e função secundária dentro do processo de tratamento
das enfermidades mentais. Embutida no conceito é clara a idéia de recuperação de
uma habilidade perdida, que não está presente.
Compare as visões de Saraceno e Castel:
Saraceno retoma a pergunta anterior e tenta se aprofundar: reabilitar para
que? É uma técnica? No seu entender trata-se de operar conceitualmente a reunião do
sujeito com seu contexto separados artificialmente pelas doutrinas de tratamento” ...
no momento em que você cessa de ser produtor de algo, no momento em que diz:
não agüento, não estou em condições de produzir nada, é rechaçado pela
comunidade. Então recuperar é uma atitude solidária afetiva.(...) Este é o sentido da
reabilitação, restabelecimento das contratualidades de cidadão, de produzir sentido.
Seu esforço por fazer da reabilitação um ato político nos conduz ao primeiro
elemento de análise.
5.2. análise do intermediário
Scarcelli(2002) ao definir o objeto de sua análise refere: estudar as moradias
não é somente isolar esse elemento, mas reposicioná-lo em uma série (uma transição,
uma passagem, uma transferência): a moradia é o termo final de um processo (de
98
tratamento) que tem início no hospital psiquiátrico (Aqui onde são negociados
valores e sentidos que serão incorporados ao sujeito reconhecido pela doença
mental).
A promessa da moradia, bem como a do trabalho (no caso, a relação entre a
metodologia de Scarcelli e a do meu próprio trabalho), é a promessa da inclusão
social que traz como elemento intrínseco a negociação da mudança deste registro
inicial de valores. Assim, temos dois elementos de uma série(hospital-moradia) e
duas qualificações sobre o sujeito (excluído-incluído), sempre considerando que não
se trata de uma negação do antecessor, mas ao contrário, um processo (a não ser que
tomemos cada unidade como elemento concreto que contém sua negação e portanto
sua superação, como em Boaventura Sousa Santos, 2000).
Os paradigmas sócio-culturais nascem, desenvolvem-se e morrem. Ao
contrário do que se passa com a morte dos indivíduos, a morte de um dado
paradigma traz dentro de si o paradigma que lhe há de suceder. Sempre em um
determinado paradigma estão contidas formas instáveis ambivalentes e supérfluas,
que do ponto de vista da estabilidade são as responsáveis pela alteração do próprio
paradigma.
Pode existir um sistema sem processo, mas não há processo sem sistema (a
liberdade individual precisa de um sistema para que possa existir, a emancipação não
supõe a ausência de sistema mas a mudança de posição dos sistemas, o caos aqui não
é pensado como ausência de ordem, mas uma ordem reformulada onde a
ambigüidade e o erro possam encontrar seu lugar)
“A partir do século XVI e XVII, a modernidade ocidental emergiu como um
ambicioso e revolucionário paradigma assentado numa tensão dinâmica entre
regulação e emancipação social. A partir de meados do século XIX, com a
99
consolidação da convergência entre o paradigma da modernidade e o capitalismo, a
tensão entre a regulação e a emancipação entrou em um longo processo histórico de
degradação caracterizado pela gradual e crescente transformação das energias
emancipatórias em regulatórias... Com o colapso da emancipação na regulação, o
paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra numa crise final”.
(Santos, B. S., 2000, p.23)
A Teoria Crítica moderna fica aquém desta posição paradigmática, para usar
o termo de Santos(2000), ela é subparadigmática. Devemos entender por isso que a
crítica procura resgatar ou desenvolver as possibilidades emancipatórias que ainda
julga serem possíveis sem sair paradigma dominante. No entender do autor deixou de
ser possível conceber as estratégias emancipatórias genuínas no âmbito do paradigma
dominante já que todas elas estão condenadas a transformar-se em outras tantas
estratégias regulatórias. Em face disso, um pensamento crítico para poder
efetivamente interferir na situação dever-se-ia assumir-se como um novo paradigma,
isto é colocar-se numa posição paradigmática. Isto só seria possível com uma crítica
radical do paradigma dominante tanto de seus modelos regulatórios como dos seus
modelos emancipatórios para com base nela e com recurso à imaginação utópica
desenhar os primeiro traços de horizontes emancipatórios novos em que
eventualmente se anuncia o paradigma emergente.
Foucault mostra que não há qualquer saída, emancipatória dentro deste
regime de verdade, já que a própria resistência se transforma ela própria num poder
disciplinar e, portanto, numa opressão consentida porque interiorizada.
Todo pensamento crítico é centrífugo e subversivo na medida em que visa
criar desfamiliarização em relação ao que está estabelecido e é convencionalmente
aceito como normal, inevitável e necessário.
100
“O objetivo da vida não pode deixar de ser a familiaridade com a vida”
(Santos, B. S., 2000, p20.). A desfamiliarização é concebida como passagem
necessária para criar uma nova familiaridade. O objetivo último da teoria crítica é ela
própria tornar-se um novo senso comum, um senso comum emancipatório.
O fato de Scarcelli aperceber-se desta série é o resultado de algumas
hipóteses:
1. Uma teoria de rede de tratamento, onde o trabalho desenvolvido na
moradia tem continuidade com o do hospital. A compreensão da
saúde mental caminha na mesma direção em ambos os casos (hospital
e moradia)
2. Que a questão da doença mental circula ao redor de uma noção de
carência (e nessa carência articulam-se as marcas psicossociais do
estigma e exclusão).Assim, tratar é reabilitar, recuperar, prover,
reinserir.
Não há clareza nem no hospital e nem nas casas. Mas assumindo que assim
fosse, é preciso que se faça um processo de contextualização para compreender o
fenômeno das moradias terapêuticas: oferecer um campo de onde a moradia ganha
seu sentido (até sua justificativa), entendê-las na relação que estabelecem com o
tratamento (afinal de conta são terapêuticas)
14
e, portanto, encaminhadas pelo e a
partir do hospital; entendê-las na relação que têm com a comunidade ( a loucura é
muitas vezes sinônimo de heteronomia, o que delega à comunidade a
responsabilidade de sua manutenção [dos indivíduos] e sustento); na relação que têm
com a lei (a figura do irresponsável que se funde com a do louco e a estabilidade
14
Para mim a questão se coloca: qual a relação entre o trabalho e o tratamento?
101
representada pela casa). A casa é um enquadre concreto que busca limitar a
experiência da loucura.
Se o contexto opera sobre o significado, é de se supor que o elemento
significado também opere sobre o contexto e aí que a limitação da experiência pode
ser válida já que retraduz a experiência da moradia num outro registro.
As migrações simbólicas marcam seu efeito sobre o sujeito
15
são estudadas
por Scarcelli a partir de uma contribuição específica da psicanálise: o conceito de
intermediário, estabelecido por Kaës.
5.3. Primeira Entrevista : Grupo de Papelão
O grupo de papelão é prontamente identificado pelas características clássicas
dos “Projetos-Trabalho”: operando com usuários oriundos da rede de assistência à
saúde mental, todos os usuários têm uma história de passagem pelos serviços de
atendimento, muitos têm relatos de internação, seu objetivo primário identifica-se,
15
lembro-me de tudo que é Sólido Desmancha No Ar de Marshall Berman “o dinamismo inato da
economia moderna e da cultura que nasce dessa economia aniquila tudo aquilo que cria ambientes
físicos, instituições sociais, idéias metafísicas, visões artísticas, valores morais a fim de criar mais,
de continuar infindavelmente criando o mundo de outra forma” (...) ” Se o raciocínio global deste
livro está correto, aqueles que estão à espera do final da era moderna deverão aguardar um tempo
interminável. A economia moderna provavelmente continuará em expansão, embora talvez em novas
direções, adaptando-se às crises crônicas de energia e do meio ambiente que seu sucesso criou. As
adaptações futuras exigirão grandes turbulências sociais e políticas; mas a modernização sempre
sobreviveu em meio a problemas, em uma atmosfera de ‘incerteza e agitação constantes‘ em que ,
como diz o Manifesto Comunista, ‘ todas as relações fixas e congeladas são suprimidas’. Em tal
ambiente, a cultura do modernismo continuará a desenvolver novas visões e expressões de vida, pois
as mesmas tendências econômicas e sociais que incessantemente transformam o mundo que nos
rodeia, tanto para o bem como para o mal, também transformam as vidas interiores dos homens e das
mulheres que ocupam esse mundo e o fazem caminhar. O processo de modernização, ao mesmo
tempo que nos explora e nos atormenta, nos impele a apreender a enfrentar o mundo que a
modernização constrói e a lutar por torná-lo nosso mundo. Creio que nós e aqueles que virão depois
de nós continuarão lutando para fazer com que nos sintamos em casa neste mundo, mesmo que os
lares que construímos, a rua moderna, o espírito moderno continuem a desmanchar no ar.”(Berman,
M. , 1992 p. 12)
102
portanto, àqueles elementos descritos por Sarraceno na sua descrição da estratégia de
reabilitação psicossocial.
Estão organizados sobre um modelo cooperativo de trabalho composto por
um conselho que define as diretrizes do trabalho (São dois os representantes dos
usuários neste conselho). São organizadas também assembléias para a discussão de
temas gerais do projeto. O gerenciamento é feito pelos técnicos do projeto
O grupo é composto por três categorias com inscrições desiguais:
Os cooperados, estes constituídos daqueles que são e foram
usuários dos serviços de saúde e eleitos para o trabalho de
reabilitação;
Apoio, a formação do grupo contou com diversas intervenções
na comunidade, familiares,amigos e valeu-se do auxílio destas pessoas
para engrossar o caldo do trabalho, no entanto por alguma razão a
participação do apoio restringe-se ao empréstimo da força de trabalho,
sem direito à voz nas deliberações e discussões e se, direito à partilha;
Técnicos do serviço: diversos são os contratos de técnicos da
instituição, podem ser funcionários da secretaria de saúde, do trabalho,
ou mesmo da Cultura, podem ser profissionais convidados,
universitários, etc. Sua função no grupo é de coordenação estratégica,
tática e logística, porém ficam distanciados, como se seu trabalho na
cooperativa fosse distinto do trabalho dos cooperados.
As tarefas cotidianas do grupo estão divididas em: comissão de venda
(armação de estandes e contatos), recolhimento de materiais (informal), e linha de
montagem.
103
Todos os trabalhadores estão diretamente envolvidos na linha de montagem,
mas não necessariamente nas outras partes do projeto, para isso a demanda é a
disponibilidade e a capacidade de participação nas reuniões.
O projeto já tem uma história dentro do CECCO, a ponto de sua história
confundir-se com a do próprio CECCO, as mudanças de sede, as viradas na política,
a escassez de recursos, e uma maior ou menor visibilidade que resulta também na
renda adquirida. Hoje, a remuneração é feita igualitariamente, mas há uma forte
tendência a rever essa posição e recolocar a questão a partir de metas de
produtividade. Conseguem uma média de dez a trinta reais por mês, quando efetuam
as vendas.
5.4. A entrevista
16
Entrevistador: A idéia é que a gente possa falar livremente sobre o tema do trabalho.
A gente poderia começar pensando como é o trabalho aqui nesta instituição, como é
que vocês vêm desenvolvendo isso, como é que vocês enxergam a questão do
trabalho?
Silêncio(15 s)
Entrevistador: Alguém gostaria de começar a falar?
M.: o trabalho de livre e espontânea vontade, né?
16
As notas em negrito referem a análise da situação da entrevista, optamos por dispor da análise
conjuntamente com a transcrição de modo que o leitor possa acompanhar o percurso da formulação da
hipótese sobre os grupos. O texto sublinhado foi usado de forma a destacar no próprio discurso dos
entrevistados elementos úteis para a construção de nossa hipótese.
104
Trabalho de livre e espontânea vontade: trabalho por escolha ou trabalho que
liberta? É interessante que a primeira definição de trabalho no grupo aponte estes
dois elementos, o caráter libertador do trabalho e a escolha pelo mundo do trabalho.
Entrevistador: Como é que é?
M.: O trabalho de livre e espontânea vontade.
A.: Se é papelão tem mais progresso, plástico, madeira reciclagem.
A. discorre sobre a natureza de seu trabalho agregando valores sobre a identidade
do projeto. Ao associar o papelão com a reciclagem, o grupo julga estabelecer
também um rumo político para o trabalho.
F.: Você está falando do trabalho da cooperativa?
Ainda assim é preciso definir dentro do grupo qual é o trabalho
Entrevistador: O trabalho da cooperativa... O que é o trabalho da cooperativa?
C.: O trabalho da cooperativa é incentivar essa fábrica de papel que vem até com
papel já usado ainda tem coisas bonitas que se fazem, essa bolsa por exemplo, essa
bolsa azul, e eles fazem centros de mesa, bancos. Tem gente que faz até cortina de
papel, abajures de papel e vestido de papel. Não jogar fora o.. trazer para nós que nós
aceitamos.
É possível construir o belo a partir do que já foi usado, validar o lixo é também
validar o sujeito que o transforma.
F.: É um dos lemas nossos a reciclagem, né. Isso que a C. estava falando aproveitar
o material que será o lixo, né? Então porque a cooperativa têm três lemas: esse que é
da reciclagem, a da criação também, e do coope.. da cooperação. Então são três
lemas: Cooperativa, reciclagem e criação. Isso a gente leu no início desse trabalho, a
gente votou isso na reunião, na assembléia, essa, a gente segue esses três motes
105
F. fala do estatuto, fala do acordo entre eles para a formação do grupo de trabalho.
Ocupa, penso uma posição desconfortável no grupo, menos livre que os outro, deve
responder pela lei pelo acordo, deve lembra-los.
Entrevistador: Esses três motes têm funcionado? Como é isso no dia a dia? Na
prática do trabalho?
C.: De vez em quando falta material aqui tem de ir buscar.
Aparece a preocupação com a falta de material, com a possibilidade de manter o
trabalho?
A.: Até agora a gente já fez seis bolsas esse ano, né I.?
A. traz o trabalho para o nível da produção, esse é o nosso traballho.
F.: Pessoal pode falar.
O que não está sendo falado que preocupa F.?
Al.: No caso então você falou atrás o negócio da cooperativa eu acho que ta cheio de
coisa, quando a gente tinha começado a gente não tinha, nós não tivemos uma, era
devagar, era muito lento então passaram anos a anos aí que a falou de bolsas, cinto
essas coisas aí que nós passemos a produzirmos que começamos a ter umas coisas
melhor que quando iniciamos, quando começou.
Há uma produção hoje por onde é possível ver o resultado concreto do trabalho,
antes tudo era lento e não tinha, hoje há produção, o processo começou.
C.: Aí depois né quando nós estamos assim trabalhando aqui né fazendo, fazendo as
bolsas as coisas nós então participamos de feiras
O trabalho não consiste apenas na montagem das bolsas, há que vendê-las, há que
fazer os contatos, há que providenciar o material para regular a produção
Al.: e eventos
C.: É... pra vender na feira, aí depois de tudo vendido a gente pega uma grana e
106
Al.: por igual divide por igual
A divisão igualitária traz uma questão que vai ser discutida mais a frente, sua
aplicação imediata desconsidera as diferenças de produção e dedicação ao trabalho
dos participantes, pó rum lado cria uma sensação de injustiça, mas por outro
proclama uma vocação da empreitada do grupo de auxílio e incentivo à
participação de todos
C.: Divide por igual e também, e também pega também um pouquinho de um
pouquinho de dinheiro para comprar o restante
C. preocupa-se com a manutenção das condições de trabalho, tanto que inclui na
divisão do ganho um pouquinho para o que falta
Al.: dos materiais
C.: Das coisas que faltam
A.: Mas também a prefeitura também financia dinheiro para comprar material
Aqui a revelação de que o grupo ainda não tem condições de autonomia, depende de
verba, depende do lugar, depende de uma relação (insumos e venda) com o mundo
do trabalho que os apartou
F.: Essa coisa de comprar material é lógico que não é todo o material da bolsa que é
reciclável quando for comprar material seriam as miçangas, a linha né
Al.: as colas
F.: o que a gente recicla na bolsa mesmo são as folhas de revista esse que
A insígnia da inclusão que nesse é denotado pela reciclagem, é apenas parte do
conjunto, F. que a reciclagem possível ainda é pequena, e que o trabalho depende de
materiais industrializados
Entrevistador: Como vocês conseguem as folhas de revista?
F.:São de doação, as pessoas trazem de casa
107
Fa.: Das casas Bahia
A.: Lá na outra já fizeram sete mil banquinhos
A fala de A. aqui sai da discussão do grupo para continuar com seu estatuto do
trabalho, aqui no caso valendo-se de um exagero
C.: Por exemplo
Fa.: Casas Bahia
F.: Fala, fala, é bom falar
A empolgação de F. é com a fala de Fa., sua companheira no grupo, mais parecida
com os outros membros do grupo, Fa. fala com dificuldade, F. a apóia, busca
através desse suporte a ajuda que não obteve
Fa.: Esse tipo de, isso aqui eu trago das casas Bahia
Não fica claro quem faz as doações de papel para o grupo, mas Fa. é uma das que
recolhe os jornaiszinhos das casas Bahia para abastecê-los
F.: Aquele jornalzinho
Fa.: Jornalzinho todo colorido
C.: Viu agora a cortina, a cortina que eu tou fazendo lá lá em casa eu peguei tudo
propaganda da rua. Eu fui assim, eu fui assim de casa em casa e peguei. Tem um
montão lá, por falar a cortina a cortina está muito bonita e até pezinho tem é pezinho
vermelho
C. fala de como o trabalho também transforma seu ambiente, com a participação no
grupo foi capaz de usar sua nova habilidade em casa
A.: 92 tiras, 92 tiras
Entrevistador: Vocês falaram que uma parte do dinheiro arrecadado é usada para
comprar material
C.: É
108
Entrevistador: e a outra parte do dinheiro? O que acontece com essa outra parte?
A.: Divide entre as pessoas que colaboraram. È um quantia de trinta, dez reais, às
vezes chega a trinta
A realidade do trabalho é que renda obtida é exígua, não atende as demandas do
cotidiano
A.: Eu acho que dia que nós fazemos essas bolsas o prefeito podia dar um salário
Apesar do comentário cômico, a fala revela o estado de dependência que vive o
projeto, incapaz de gerar uma renda suficiente, as razões para estar ali são outras
(Risos de todos)
Entrevistador: O prefeito que deveria dar um salário?
A.: É a prefeitura
F.: eu acho que é um dinheiro que é nosso assim, que veio, que a gente produziu, fez
o produto, vendeu e é um dinheiro que é nosso, pode ser pouco né? Para muitas
pessoas aí, mas sei lá é uma coisa que é um fruto do nosso trabalho, da nossa criação
F. fala da dignidade, e do reconhecimento a partir do produto conseguido atenta
para a importância do esforço por eles empreendido. Em outras palavras é F. quem
luta pela coesão do grupo
Entrevistador: Poderia ser mais? Vocês poderiam ganhar mais com isso?
F.: A gente tem, é um objetivo que a gente tem eu acho que poder pode, a gente pode
sim, agora a gente ta num processo de, a gente começou a cooperativa num rumo
assim de motivação de estímulo eu lembro que a primeira feira em que a gente
participou foi um sucesso. Feira de economia solidária
F. me orienta para o sucesso que eles já tiveram
Al.: foi para a França
109
F.: FESOL , foi no parque da água branca. Um sucesso vendeu bastante vendeu
quase tudo que a gente produziu e aí né depois as coisas foram a gente tinha quando
ela fala assim um dinheiro do prefeito né a gente tinha um subsídio coisa nenhuma
.O primeiro dinheiro que entrou foi um dinheiro financiado que veio do exterior, veio
da Alemanha e foi intermediado pela Cáritas para compra dos equipamentos e tinha
uma outra frente que era a marcenaria que a gente trabalhava com essas placas de
A criação do grupo e a manutenção depende de dinheiro externo, a prefeitura não
dispunha dos recursos que vieram através da doação da Cáritas
Al.: Tetrapak
F.: Tetrapak e fazia, e não tem nenhum banco aí?
Al.: Tem cá tem um aqui atrás
F.: Móveis, com essa idéia do papel
Fa.: Al. mostra
A.: Contrataram para fazer setenta e sete mil banquinhos na loja, desses de papel
Outro exagero de A., talvez um elemento de negação maníaca..
F.: Não teve isso, mas nessa feira a gente teve contato, de setenta cinco mil mas teve
outra coisa nesta feira que teve contato com um casal que conheceu a cooperativa
veio visitar a gente e fez um intercâmbio com os Estados Unidos. A gente mandou,
eles se interessavam pela bolsa a gente mandou para os Estados Unidos, esses
tempos atrás aí, quando ela fala quarenta e cinco mil ai eu assim porque a primeira
encomenda que veio lá dos Estados Unidos foram de duzentas bolsas e a gente não
tinha menor condição de atender esse essa demanda a gente mandou o que pôde
Precariedade das condições de produção
Cl.: Umas dez
F.: A gente não tá
110
Fa.: Nós mandamos dez bolsas não deu para,
F.: Mandamos vinte
Fa.: mas não deu para completar duzentas, não deu, ia ser bom vir duzentas bolsas,
não, não conseguimos
A.: Ele pôs o banquinho para lá
C.: Onde está banquinho?
Al.: Não, está com o Roberto
Entrevistador: e hoje vocês teriam condições de completar as duzentas bolsas?
F.: Não
Fa.: Não
A.: Não, ia ficar o ano inteiro
F.: Que vocês acham?
Al.: Não
C.: Tem que fazer em casa
Entrevistador: Tem que fazer em casa?
Fa.: Ia ser bom ter, ia ser bom ter aqui mais pessoas. Não está vindo para a
cooperativa, a gente tenta ligar para as pessoas mas a s pessoas não vem
Outra manifestação da falta, primeiro com os insumos e depois das pessoas que não
vêm
Entrevistador: Mas já teve mais pessoas?
F.:Teve
Fa.:Teve
Al.:Teve
Cl.: Já, já teve vinte e...
Somente a partir desse ponto é que teremos a fala técnica
111
Al.: Vinte e três vinte e quatro
Fa.: Já teve vinte e quatro pessoas
Cl.: Vinte e três
Fa.:Vinte e três né?
C.: I.
Cl.: A figura do apoio, com a figura do apoio era vinte cooperados e três apoios
A figura do apoio refere a voluntários que ajudavam no trabalho, com contrato
distinto, sem ganho e sem direito a voto nas reuniões
A.: Já chegou a ter trinta e duas pessoas e a sala ficar cheia
A imagem de A. é muito forte, o pleno versus o vazio, a sala cheia e a sala
abandonada
Al.: Oh A., você ta tirando
Cl.:Você ta aumentando, você está aumentando
Entrevistador:Das duzentas para as quarenta e cinco mil
Fa.: Ia ser bom ter várias pessoas
A formulação mais realista de Fa., lamenta a perda e inscreve o desejo de ter mais
gente
Entrevistador: Mas hoje ela estava falando se a gente produzisse em casa talvez a
gente fizesse..
C.: Mas nós estamos produzindo em casa, eu tou. Como eu falei, Eu tou fazendo
cortina. Já estou até preparando porque vai ter que armar.
Mas C. faz, quase como se não precisasse de ninguém, é sua resposta à reação
depressiva de Fa.
Entrevistador: Alguma coisa do trabalho daqui vai para casa também?
C.: Pode ir para casa
112
Fa.: Pode levar material para casa?
F.: Mas não é uma regra
Entrevistador:Não é uma regra
Fa.: Não
F.: Aliás teve até umas controvérsias em relação a isso
A controvérsia é uma questão pessoal de F. em sua própria casa, não sentindo que
pertence a sua casa o espaço do CECCO cumpre o papel de lugar de trabalho e
conforto, misturar as duas estações poderia trazer seus conflitos de casa para o
espaço protegido do CECCO
Fa.: Eu levei
F.: Levar o material para casa, a gente chegou a debater sobre isso porque qual o
sentido que tem levar a bolsa para casa não sei, mas a gente não chegou também a
nenhuma conclusão definitiva assim então as pessoas levam , eu por exemplo não
tenho a menor condição de levar, não sei se eu não tenho a menor condição, não sei é
difícil para mim levar para casa mas também não sei se é difícil sei lá
Fa.: Como?
F.: Eu digo assim a priori eu acho difícil eu levar para casa porque em casa para mim
é uma situação difícil, eu quase não fico em casa, então não tenho como trabalhar em
casa
Entrevistador: Estava pensando aqui, como é que são tomadas as decisões sobre os
rumos do trabalho e da cooperativa? Vocês estavam falando de reuniões mas parece
que às vezes as pessoas também tomam decisões individuais. Como são tomadas as
decisões aqui?
C.: Qualquer decisão aqui é a gente a gente fala em grupo
Entrevistador: em grupo
113
C.: É
Al.: Alguma dificuldade que nós, que cada um de nós tivermos é discutido em grupo,
nunca individual, é sempre em grupo assim, nós cooperados e um técnico orientando,
ajudando nós nas dificuldades de cada um de nós, nas atividades
Entrevistador: Mas todo mundo fala em grupo então? Na hora da decisão todo
mundo discute?
C.: Todo mundo dá opinião
Fa.:Todo mundo daqui né
F.: Para ser sincero ,existe dificuldade de certas pessoas de falarem de se
pronunciarem aqui acho que até todo mundo está falando, a maioria está falando mas
nessas reuniões a maioria são sempre os mesmos, tem essa dificuldade então você
não sabe bem ao certo qual é a posição daquela pessoa que não fala, se está aqui só
para qualquer decisão que seja tomada é válida eu não sei, sei lá, tem outros casos
por exemplo que uma pessoa ela tomou a decisão contrária a maioria e ela não
consegue aceitar a decisão da maioria, fala eu não votei por isso, né Fá?
Existe uma sensação de inconsistência no grupo, este é composto por pessoas
diferentes que estão fixados em papéis diferentes no grupo
Fa.: Eu sou uma ein
F.: Eu não votei por isso então meio que não quer acatar a decisão do grupo todo
Fa.:Eu sou uma
F.:Tem umas coisas meio difícil mas as coisas estão indo aí
Fa.:Eu sou duro
Al.:Eles pediram para
Fa.: Roberto eu sou duro votar meu, ah de vez em quando eu voto meu eu sou duro
de votar
114
Al.: Duro na queda
Fa.: Eu sou duro na queda
Entrevistador: Todo mundo vota igual inclusive o apoio?
Minha confusão em relação ao apoio é que nos serviços de saúde mental costumam
designar apoio o auxiliar de enfermagem
Cl.: Hoje nós não temos a figura do apoio
Entrevistador: Não existe mais a figura do apoio?
Cl.: Não a última pessoa que era apoio e virou cooperada é a I. que
Entrevistador:Que é que é o apoio então?
Cl.: O apoio não tinha participação na decisão do grupo e também não tinha direito a
voto ele só, ele era um voluntário, ajudava no trabalho mas não participava nem da,
nem do rateio nem da opinião
Figura interessante a do apoio, como compreender esta participação?
Entrevistador: então deixa eu refazer minha pergunta e técnico votava da mesma
maneira?
Cl.: Não, os técnicos não votam
F.: Técnico inclusive que tem aqui...
Entrevistador: Por quê?
Cl.: Nunca questionei isso não, os técnicos não são considerados cooperados.
Necessitamos de um apoio técnico porque é assim, esse projeto ele nasceu no
governo da Erundina, não sei se você já sabe desse precedente e a idéia do projeto
original é de um trabalho intersecretarial, então a secretaria da cultura entrava com
oficineiros ,né, com os técnicos e o centro de convivência entrava com os técnicos da
área da saúde que trabalhavam mais com o manejo grupal, enquanto os oficineiros da
cultura trabalhavam mais com a tarefa com a realização da tarefa. E aí com o passar
115
do tempo essa parceria foi sendo desfeita né, principalmente no governo Maluf e
Pitta não foi sustentada e ficou só nas mãos dos técnicos da saúde, da área da saúde e
aí esses técnicos tiveram que acumular tanto o manejo grupal como a parte
operacional e muitas vezes a gente acaba ficando mais na parte operacional e o nosso
papel mesmo é pouco desempenhado. E quando eu entrei aqui no projeto, nunca
ninguém cogitou dos técnicos estarem opinando enquanto voto, como participante da
cooperativa, sempre a função que me foi designada e que eu sempre cumpri foi ser
apoio ... apoio técnico.
Aqui temos uma formulação bastante interessante, pois há dois pólos na
cooperativa, há esse lugar do apoio desprovido de voz e direitos que funciona como
trabalho agregado, massa que reforça o trabalho dos cooperados e há os técnicos,
que por sua vez sem se colocarem na cooperativa, articulam, coordenam e por
influência definem os rumos da produção, tem voz e respaldo. Quando Cl. admite ser
apoio técnico é quase como se denunciasse uma falta de lugar, oscilando de lado a
outro
Entrevistador: Os cooperados nunca pensaram nisso?
F.: Não, aliás eu estava pensando assim, a figura do técnico, e aí é opinião pessoal
minha, a gente até discutiu várias vezes a questão da autonomia dos cooperados essa
coisa, o técnico tem uma figura de, se ele não está aqui na sala agora a coisa está
mudando, mas antigamente tinha essa coisa né ele era uma relação de dependência
assim, da cooperativa em relação ao técnico, agora nem tanto eu acho, nem sei por
que a questão da autonomia a gente falava de que a gente é uma cooperativa e todo
mundo a idéia da autogestão de todos, independente do técnico, se o técnico está
aqui, não sei no caso acho que o técnico tem que estar sei lá. É muito chato essa
coisa de fazer essa discriminação, de fazer essa diferenciação técnico e usuário é
116
muito chato isso eu acho parece que há uma dicotomia assim estava falando somos
todos seres humanos, somos todos iguais
A bandeira da igualdade esbarra na assimetria das posições colocadas pelos lugares
institucionais, lugares que os atores repetem e raramente questionam.
Al.: E enquanto você falou do negócio do, nós assim o téc a pessoa que está com a
tra a pessoa que está vinda mais para cá. Antes de juntar onde nós estávamos lá e vim
para cá tinha uma vontade imensa de ter reuniões e de ter trabalhar precisava de
algum técnico ajudando a gente ou orientando a gente depois de aconteceu de tirar
para cá um ano e meio, faz um ano e meio dois anos que tem os participantes, tem os
participantes que participavam da no dia sete lá, vieram para cá. Esse meio tempo,
um ano e meio quase dois anos a gente começou a usar termos tanto ajuda dos
técnicos a gente começou a ter mais disci eh desenv o nosso trabalho começou o
pessoal da PUC-Nova Escola vieram para cá dando uma orientada para nós sim e aí
com o pessoal chegou o S., a W. a PUC Nova Escola explicou para nós. A gente ta
com dificul teve dificuldade menos que antigamente, uns tempos atrás que tem uma
mudou muito o grupo de trabalho por de produção Assim cada um tem uma atitu
com o grupo com a produção com o negócio do de fiscal de fiscalizando também
fiscalizando outros outras formas de produto de negócio, de colocar o preço na bolsa
no cinto, na cor no negócio da cortina que a Cida vai que a gente tendo tem a
demanda né Um uma um desenvolvimento melhor que quanto era antes como era
antigamente se dá começou a se soltar um pouquinho mais se diz mais sim enquanto
não disser não tiver outro grupo de cooperados tiver ainda nós ainda podermos passar
para outro grupo outras pessoas novas que entrar pode passar essa experiência nossa
para uma pessoa de fora ou sai daqui e arruma uma outra cooperativa noutro lugar se
tiver como montar uma certa quantidade de pessoas num grupo isso que eu acho
117
intere isso que a disponibilidade nossa é tanto está sendo mais forte agora como se a
gente nós pu nós estamos crescendo aos poucos um processo bem evol eh bem forte
uma coisa que poder eh que quem pode me ajudar. Quem pode dar quem pode me
ajudar no meu pensamento?
Al. encontra as razões da diferença dos lugares em sua própria dificuldade, justifica
alegando o benefício trazido à sua condição de autonomia, mas termina buscando
apoio ao próprio pensamento
A.: Eu não entendo o que você fala
Al.: Falei que nós, que nosso processo era começou a adquirir o crescimento de
nosso trabalho a gente começamos achei que tivemos um desenvolvimento melhor
como era antes
Entrevistador: Melhor do que antes ou como era antes?
Não fica claro o que Al. coloca se é um saudosismo do tempo de mais dependência, e
talvez de mais esperança e proximidade ou se refere ao progresso atual
Al.: Como era antes
Entrevistador: Como era antes. Essa fase que você referiu-se como empolgação
inicial, onde tudo começou a acontecer muito rápido, foi isso?
F.: É então houve é na verdade então a gente deu quer dizer precisa fazer uma
avaliação realmente que a gente também não foi, a gente evoluiu também , houve
uma evolução lógico que teve
Cl.: Eu não entendi o que o Al., eu não entendi que ele estivesse falando que não
tivesse tido uma evolução, pelo que eu entendi da fala do Al. é que houve um
desenvolvimento uma evolução dentro do processo
Cl. e F. aproximam-se na tentativa de resgatar o grupo da insegurança
118
Entrevistador: Eu entendi isso também, mas entendi que o Al. tinha colocado esse
ponto de evolução como esse momento de empolgação inicial como uma coisa que
vislumbrava no começo e que volta a vislumbrar nesse momento, entendi alguma
coisa nesse sentido Ele falou no sentido de como era antes Agora ele falou de ume
evolução é claro que houve um processo de evolução pelo qual o grupo passou nesse
tempo
Cl.: Você quis dizer que esse momento de evolução que já houve antes ele está sendo
retomado agora?
Al.: Está sendo fortalecido agora
Cl.: Ah ta
A crítica é temida, Cl. precisa se assegurar de que está tudo bem
F.: Eu acho que pode ser no sentido, o fortalecimento aí pode ser no sentido de que
do núcleo que ficou, o núcleo que ficou daquela época, então acho que isso mostra
uma força apesar de todas as diversidades que ocorreu de lá para cá: mudança de
local a perda de uma frente de trabalho que foi a marcenaria, a diminuição do tempo
de trabalho. Mas continua, tem um núcleo do que ficou aqui eu acho que é um núcleo
do que começou, assim eu acho que isso tem uma força sim e o que que a gente está
persistindo o que será que faz com que a gente persiste, acredite nesse projeto. Tem
muita gente que passou e foi embora, muita gente que começaram e também foram
embora e a gente ta aqui ainda né a maioria daqui
Fortalecimento construído a partir da perda, ausência e desistência das outras
pessoas
Entrevistador: E vocês sabem dessas pessoas que passaram?
A.: Arranjaram emprego
119
A fala de A. reflete o ideal da passagem dificilmente atingido pelo grupo, por um
lado que deixou o grupo deixou para conseguir uma situação melhor e mais estável,
quem fica fica com um gosto de derrota e abandono, por outro, professa para todos
esse mesmo futuro. É uma saída maníaca para lidar com a perda e é a revelação da
expectativa do grupo, o modelo que buscam não é o novo, mas o retorno ao que está
estabelecido como modelo de trabalho na sociedade contemporânea, o emprego
Entrevistador: Arranjaram emprego?
Al.:Difícil
C:Alguns
A:Em restaurante
C: Na carteira assinado né
Entrevistador: Carteira assinada e tudo?
A: Quanto vai receber
Al.: Tem gente que era daqui e foi lembrou da família de Minas, tem gente que era
daqui do grupo e saiu no dia assim sem vontade de continuar por causa do lucro
assim ou quis
O grupo oferece pouco, sua contribuição real é insuficiente
F.: Agora eu fico pensando que nesse que nessa forma que ficou um núcleo. Mas
ficou um núcleo por quê? Porque é uma cooperativa e tem as pessoas que ficaram
pensam na geração de renda ou por uma questão polêmica, acho que coloquei tanto
assim, ou pelo fato terapêutico? A coisa (...) não sei, sei lá. Eu estou até falando de
mim mesmo, por que eu persisto aqui, se fosse só geração de renda eu acho que já
tinha ido embora mesmo também, e por que que a gente persiste? É um dilema para a
gente que necessita, no caso eu necessito da geração de renda, entendeu, no entanto,
eu lembro que eu sai uma vez e foi uma coisa tão assim conturbada foi tipo um
120
furacão, fui até o centro da cidade e arrumei um emprego mas não fiquei uma
semana no emprego e voltei para cá (...) entendeu, voltei para cá é lógico que tinha
outras questões que acabei largando também acabei voltando para cá não é essa a
questão eu tinha um emprego, arrumei um emprego, mas acabei largando o emprego.
O grupo apresenta algo que difere da inscrição do emprego, há uma barreira que
não pode ser atravessada, por mais que se esforce, F. fez a passagem, conseguiu o
acesso, mas faltaram-lhe condições de perdurar.
Al.: Isso aí que o F.(...)
F.: Por isso que me pergunto às vezes
Al.: Isso que o F. falou que prejud que cada um de nós que tem uma dificuldade mas
sabe quando dá aquelas crises que dá nas pessoas de desespero de vir para cá de
trabalhar e não ter a renda para a família aí entra em crise entra em um ponto eh
crítica, assim saí dá um tempo vê se consegue um emprego melhor ou não aí aos
poucos tem de voltar
É seguramente uma das fragilidades do projeto, já que ele não se constitui numa
fonte viável de renda
Entrevistador: Mas aqui é um projeto para passar e arrumar uma coisa melhor depois
ou aqui é um projeto para desenvolver o projeto e se realizar nesse projeto? É um
lugar para ficar?
F: Penso assim
É um lugar para ficar, no caso deste grupo mais atrelado ao passado à saúde mental
a instituição é imprescindível. E é justamente aqui que se coloca a questão, a
instituição é imprescindível ou se torna imprescindível?
C.: Desenvolver papel espelho, papel camurça, tem gente que já veio com bolsa tão
bonita, a gente não conhecia
121
Entrevistador: Deixa ver se eu entendo você está falando dos projetos futuros, que
tem muita coisa para fazer.
C.: É
Um retorno à dimensão da temporalidade. Espalhado pelo tempo a angústia da
falha parece ser contida.
Entrevistador: Que não foi feito
C.: Tem coisas mais bonitas ainda
F.: Não, eu penso neste ideal mesmo, quando eu falo que eu voltei a trabalhar, por
exemplo aqui a gente tem o ideal da economia solidária, o trabalho solidário, a
autogestão, o respeito pela dinâmica de cada um, entendeu? Eh aqui de uns não é
considerado uma peça da engrenagem, se danificar é jogada fora e consertada ou
reabilitada, não sei se, sei lá aqui tem esse ideal né mas, mas é um processo moroso
no meio da gente, acho que não é fácil também
Interessante a escolha dos termos consertada e reabilitada que apontam diretamente
para um processo terapêutico
Entrevistador: Você falou de uma coisa importante aí, dessa coisa de aqui não é um
lugar que te trata como uma engrenagem como uma peça defeituosa que quebrou e
tem de ser trocada, reabilitada
F.: Exato
Entrevistador: Mas você falou no começo de alguma coisa terapêutica que no fundo
quer dizer de certa maneira repara, como é que você vê essa coisa que por um lado
repara, por outro lado deveria
F.: Mas então quando eu falo terapêutica não é no sentido transitório não assim, se
parar para ser reinserido, não eu, no sentido terapêutico, no sentido de que é uma
coisa, é o sonho de que isso se torne realidade da economia solidária, o sonho de que
122
se torne realidade, então uma coisa terapêutica mas não no sentido de reparação,
terapêutico no sentido de conforto de acolhimento, você encontrar um lugar no
mundo eu penso assim
Dois elementos: primeiro, o sentido do apoio buscado é permanente e não
transitório, se pensarmos isso de acordo com os ideais de tratamento, não seria o
estabelecimento de uma relação de dependência à instituição, saber que há para
onde voltar e que o apoio será sempre bom e suficiente; segundo, há um outro
sentido que se desprende de reparação que o sentido da integração descrito pela
escola inglesa de psicanálise ao pensar na posição depressiva,e nesse sentido o que
quer dizer então acolher sem reparar?
Cl.: É que na verdade eu acho que o centro de convivência ele não tem um objetivo,
a idéia desse projeto o é formar trabalho, não é exclusivamente fomentar o
trabalho, não é exclusivamente fazer oficina terapêutica e artística não tem o fim
exclusivo então quando você fala em geração de renda também não exclui a
possibilidade do encontro, da convivência e da valorização das pessoas pelo seu
potencial humano e artístico é que não tem essa característica né de emprego e isso
cria uma diferença em relação ao mercado de trabalho
O CECCO, no caso definido pela negação, não é o mercado de trabalho, mas ao
colocar-se no lado oposto (seus valores seguem o sentido da economia solidária) não
instaura um impedimento à passagem ao mercado?
Entrevistador: Eu acho que justamente é disso que agente está falando, é isso que eu
pretendo entender. Isso aqui é um projeto onde se trabalha, onde as pessoas todas
trabalham e existe um trabalho “diferente” que é o trabalho do emprego, como é que
a gente entende e vê e pensa essa diferença entre essas duas formas de trabalho?
123
Como é que a gente vê isso para o futuro, como é que a gente vê isso no passado?
Um pouco nessa experiência que a gente vem tentando pesquisar
A.: A gente fica um dia esperando o trabalho, trabalhando com a bolsa, se a pessoa
que estiver interessada que a gente trabalha ache que está bom, eles falam lá quanto a
gente vai ganhar, mandou a gente tem que ir né? Trabalhar, agora ficar sem fazer
nada. Agora por exemplo bater a máquina, lá no outro CECCO tinha a máquina eles
não queriam que eu batesse
Cl.: Não queriam o que
A.:Datilografia, eu era datilógrafa, eles não queriam então eu vim para cá
I:Deu sono
Cl.: I., você está bem?
Fa.:Ela está com sono
Al.: Está melhor I.?
Cl.: I., não quer lavar o rosto? Vai lavar o rosto. Senão a entrevista vai ficar pela
metade, se metade do grupo dormir
Risos
Fa.: Vai lavar o rosto I.
Cl.: Vai M., lavar o rosto
Fa.: Está todo mundo com sono
M.: Está na hora do lanche né Cl.
Risos
Fa.: Ta vendo
Cl.: Vocês acabaram de almoçar
M.: É quatro e pouco, é quatro e pouco
Fa.: Quatro e dezessete
124
Cl.: Esse relógio está adiantado
Fa.: Ta maluco esse relógio
Al.: é quatro e dez no meu
F.: eu acho que a convivência aqui é um fator que pesa bastante
Fa.: Como pesa
F.: É aqui que eu encontro, que tenho meus amigos. É que por exemplo, foi que eu
encontrei minha atual namorada, entendeu e sei lá. Quando eu falo assim de
encontrar um lugar no mundo, eu não gosto da palavra reinserção, eu não tenho que
ser reinserido em lugar nenhum, eu tenho meu lugar, as pessoas que estão aqui que
eu encontro nesse lugar, não tem como reinserir em outro lugar. Se eu saí de um
lugar é porque não era meu lugar, não tenho que voltar para lá tenho que ir atrás do
meu lugar. Às vezes a necessidade faz com que a gente, a necessidade que eu digo é
a necessidade básica mesmo de ter um, eu por exemplo tenho uma vida atual, quem
me ajuda são meus amigos que eu conheci nesse lugar, quando eu falo desse lugar
aqui ele faz parte de um outro lugar assim, que é uma parte de um outro lugar que é
diferente de lá de fora. Eu falo lá de fora, eu falo assim porque a gente foi expulso de
lá. Não serve, para aquela engrenagem você não serve, eu não quero voltar para lá,
não quero voltar para a engrenagem. Não é uma oficina mecânica onde você é uma
peça quebrou tal e vem me consertar e voltar para a engrenagem eu já fiz isso só que
eu agüentei uma semana
Você vai à feira sábado F.? Você vai à feira sábado F.?
F.: Então, isso a gente tem que discutir, mas não hoje
Cl.: Acho que quando o Al. traz essa esses dois momentos de evolução da do projeto
papelão, eh, a gente precisa incluir a discussão da participação do setor público nesse
projeto, né, porque eu penso que a responsabilidade por essas oscilações,
125
principalmente aqui nesse, né nesse particular eh sofre muita interferência dos
incentivos públicos o que ele o F. tava colocando da perda de uma parte do projeto
que é a marcenaria, a frente da marcenaria foi exatamente por uma dificuldade da
infra-estrutura que o setor público deixou de oferecer, né. Eu acho que a gente
precisa considerar isso, né, nessa conversa porque senão as pessoas começam a
assumir uma parcela de , até de uma certa impotência, o grupo ele fica mais
fragilizado porque está sujeito a essas oscilações de governo. Entra um governo que
não incentiva o projeto e aí se tira uma série de incentivos, né. Porque faz diferença
você ter um espaço físico adequado para o funcionamento das máquinas, faz
diferença você ter por exemplo no caso deles a alimentação, o transporte, são
condições que ajudam a manter o ânimo das pessoas, a motivação e que a gente ta
sujeito agora por exemplo nós estamos num momento, eu quis recuperar a fala do Al.
porque nós tamos num momento diferente daquele de quando nós saímos da outra
sede, nós estamos agora apostando na retomada da marcenaria, com a perspectiva de
uma nova sede de um espaço mais adequado para o funcionamento das máquinas.
Então existe essa perspectiva acho ele retratou bem esse movimento de queda e
ascensão. Acho que isso eu atribuo à oscilação institucional mesmo. Essa parceria
com o governo, com o setor público que a gente vive a todo momento,
principalmente quando muda governo. Quando muda governo essa mudança fica
mais evidente. Às vezes mais ameaçador, às vezes mais potencializador.
Há problemas com a parceria e a sustentação, apesar da estabilidade institucional que
aparece na fala de F. (Aqui é para onde eu posso voltar), a realidade do CECCO é
outra, é a realidade dos temporais das trocas de administração.
Al.:No quarteirão de marcenaria tem gente trabalhando
126
F.: Eu acho que quando ele fala isso, você recuperou né? Quando ele fala desta
retomada da empolgação do início né desta perspectiva, estou nem falando, estou
reforçando, perspectiva de mudança de sede, de um espaço melhor, estou só
reforçando isto é evidente, da retomada da cooperativa poder ampliar acho que é
isso, acho que eu repeti o que você estava falando
Entrevistador: O Al. também falou em determinado momento de pessoas novas,
como é que é em determinado momento a absorção de pessoas novas? Como é que
chegam pessoas novas a esse grupo?
Al.:Tem que explicar como é que faz a bolsa, o canutilho, ensinar cada um, aí eles
vão fazer canutilho e passa para, aprende a por a bolinha
Entrevistador: Quem ensina?
Al: Tem a C., tem a R., a I.
Entrevistador: São elas que ensinam?
A: Tem também o G., ele não está aí
Al.: esse negócio de falar de pessoas novas eu gostaria de falar que elas são
chamadas para entrevistas e quem tiver com interesse assim
F.: tem uma lista de espera
Al.: tem uma lista de espera
F.: Através dela são contatadas as pessoas, recentemente foi contatado algumas
pessoas e vieram algumas e ficaram só uma
Entrevistador: E quem entrevista?
F.: o grupo todo
Cl.: Tem uma entrevista prévia que é feita, uma entrevista técnica que é feita...
F.: Ah sim
127
Cl.: pela equipe, pela demanda espontânea. Existe pela divulgação do trabalho, até
por algumas chamadas que já aconteceram em programas de TV, então tem uma
procura e essa procura vem procurar o centro de convivência e aí são entrevistadas
todas as pessoas que ingressam no Centro de Convivência, eles são entrevistados,
passam por uma entrevista técnica e eles escolhem os projetos que querem participar
se tem vaga de imediato, já começam senão ficam na lista de espera
Entrevistador: Mas o grupo pode recusar alguém?
Cl.: Pode
Entrevistador: Acham que aquela pessoa não é ideal para estar junto
Cl.: Pode
Entrevistador: Pode nesse sentido
Al.: Na cooperativa tem mais de trinta pessoas né Cl. que se inscrevem né.
Cl.: Não, não, nós já selecionamos na última chamada tinha trinta e cinco pessoas na
lista de espera, aí nós fizemos a entrevista em duas etapas, mas como o F. falou de
todas ficou uma
Como aparecerá mais a frente no outro grupo a transformação em cooperativa
ainda é algo que está longe de realizar-se com tranqüilidade, com o adiantamento
de empréstimo do outro grupo, aparece a marca do fracasso.
Al.: uma pessoa
Cl.: uma pessoa , a Conceição que
C.: Não, o Paulo falou que não quer
F.:que foi até assim o último
Cl.: Então C. nós estamos falando isso,que de todos só ficou a Conceição
F.: e a gente ta numa necessidade mesmo. Eu acho que sei lá, o projeto ele deu uma
caída né ele foi meio
128
Teve gente que veio aqui e eles não aceitaram, foram lá para a Lapa três moças, a
dona a dona Francisca, a dona Francisca voltou para cá, tem gente que vem e logo sai
Entrevistador: Deixe-me perguntar uma outra coisa: e a questão jurídica da
cooperativa
Cl.: Pois é, é por isso que a gente ainda chama este projeto de encubadora porque não
tem essa formalização por enquanto nós estamos ainda numa fase de encubação com
o auxílio da PUC-Nova Escola, atualmente ISES
Entrevistador: O que falta para ter? Se é desejo?
Cl.: O que falta para ter essa autonomia?
Entrevistador: Para essa autonomia, para que tenha essa formalização?
Cl.: Formalização?
Entrevistador: É
F.: Acho que falta a autonomia, isto é a da autonomia mesma do grupo, não sei, sei lá
do, não sei, da gente poder tar gerenciando, auto-gerenciando todas as fases todas as
partes do desde a produção, da contabilidade, que é o que a PUC- Nova Escola, não é
mais PUC Nova Escola agora é ISES, e ele ta fazendo aqui, veio o S. e tem discutido
muito com a gente sobre isso, agora a gente vai se formalizar mas não sei a gente tem
acompanhado essas coordenações de produção, da contabilidade, da administração
Entrevistador: É uma expectativa do grupo se formalizar, ou não?
F.: É uma boa pergunta, é uma boa pergunta
Al.: isso aí é, temos dificuldade ainda de ter uma base, por exemplo jurídica assim,
do negócio que você falou, isto é temos dificuldade, é bem pouco, aos poucos tirando
todas, a orientação das pessoas que coordena, que ajuda a coordenar, temos alguma
dificuldade mas falta ainda chão ainda
Entrevistador: Falta chão
129
F.: A gente na verdade é um projeto que vem de uma ONG né, é o S.O.S Saúde
Mental com, um projeto que nasceu da ONG e o CECCO em parceria né, parceria do
setor público e a ONG. Há uma discussão também assim da PUC Nova Escola da
presença da ONG aqui na cooperativa, de estar acompanhando a cooperativa mais de
perto, sei lá de. Porque essa coisa jurídica vai pelo caminho da ONG né, eu não sei
Cl.: É. Essa questão jurídica ela, ou o grupo de torna totalmente autônomo e fomenta
essa parte jurídica, ou então teria que ser via ONG porque pela legislação do
município, da Secretaria da Saúde não, a não ser que tivesse continuidade esses
projetos da Secretaria do Trabalho porque eles também têm esse incentivo à
formação de cooperativa de trabalho pelo menos nessa gestão que está acabando,
agora não sabemos se vai ter continuidade, se houver continuidade desse incentivo
pelo próximo prefeito, é possível através desta nova legislação se formar essa
cooperativa, mas fora isso teria que ser ou através da ONG ou através da do próprio
grupo
Talvez a cooperativa não seja da época, quando eu era criança já tinha
A.: Tem lá na Doutor Arnaldo uma cooperativa
Sabe esses paus de para no altão, foi lá no alto, aí fala já foi o prazo, já foi desta e
desci um pouco antes e lembrei passou o médico na televisão, a Erundina é há pouco
tempo né, há um oito anos, mas antes já tinha sido essa cooperativa. Você não
conhecia a cooperativa ainda?
Entrevistador: Estou começando a conhecer a cooperativa agora a partir do que vocês
estão me contando
Fa.: Tem graves histórias na cooperativa, tem graves histórias.
R.:Eu vim buscar meu pó de lavar roupa aqui
Fa.: R. fale mais baixo que a gente ta tendo reunião aqui, particulares
130
R.: Desculpe eu não sabia. Vim pegar um colírio para mim levar para fazer minhas
coisinhas
Fa.: Lá vai ela
Entrevistador: O que vocês acham? Acham que está bom?
Fa.: Lá vai ela
Cl.: O que vocês acham?
Entrevistador: Acham que está bom por hoje? Que deu, deu para passar uma idéia,
gostariam de falar mais alguma coisa
Al.: Você vai vir quantas vezes, vai vir quantos dias para cá
Entrevistador: O quanto vocês me solicitarem. Alguém que não falou gostaria de
falar?
F.: Ein Br.
Al.: ele não falou
F.: Vai Br., fala aí, você fala bem
Br.: Ah
F.: fala você
Br.: Ah, o que eu falei acho que faz que falar, aqui vai ser muito repetitivo do que
vocês falaram, não tinha necessidade
Entrevistador: Você ia falar o mesmo que todo mundo, Br.?
Br.: É, mais ou menos
F.: A I. tem alguma coisa para falar?
Fa.: Está dormindo
I.: Estou com sono
Fa.: Também estou
Al.: Todos estamos cansados
131
Fa.: Também estou com sono, também estou exausta, também estou com preguiça
Entrevistador: Então acho que está bom, eu queria agradecer a todos vocês, porque
isso também é uma oportunidade para aprender com isso, a gente não sabe dessas
coisas, não imagina como é que é fazer um trabalho desses
F.: É uma coisa que eu estava falando, levantando que a gente precisa prestar atenção
nisso porque se a gente se oficializa e aí então acho que é uma questão, isso aí que
você vê agora que vem com mais clareza esse motivo
Cl.: Eu acho F. que são questões para serem analisadas e definidas na hora que
acontecer, eu acho que não é um problema, dizem que a vida não é um problema a
ser resolvido mas sim um mistério a ser conhecido. Eu acho que este projeto
especialmente ele tem várias perspectivas de possibilidade de se efetivar e se
consolidar futuramente. Uma delas que já é uma idéia trazida pela ISES, antiga PUC
Nova Escola, que é de se juntar com outros projetos numa formação d e uma rede de
economia solidária onde se comporia com outras iniciativas que já existem na região,
principalmente na região do Jabaquara onde eles estão há mais tempo nesse trabalho
de encubação e através da formação desta rede este projeto está se fortalecendo. Uma
outra perspectiva, acho que positiva é a mudança da sede com a retomada da frente...
Al.: marcenaria
Cl.:... da marcenaria, porque a marcenaria é um produto que tem mais valor de
mercado, tem mais utilidade, a bolsa, ela é um produto muito frágil em termos de
mercado de trabalho porque é mais visual, é um produto que não é de primeira
necessidade então tem estas variantes que vão futuramente com o desenho e até com
a adesão de novas pessoas, vai mudando o formato, vai mudando a cara, de acordo
com a cara também da administração, eu acho que a gente não pode também ficar
paralisado pelas perspectivas, assim, pensando nos problemas só né, acho que agente
132
precisa pensar também que a gente no momento que os problemas surgirem que a
você pode ter solução para ele. O que a gente trabalha muito aqui com a M. é que ela
também tem a possibilidade de estar escolhendo, dependendo da proposta que ela
receber em termos de trabalho ela pode estar escolhendo continuar com esse auxílio
doença ou apostar numa nova possibilidade de emprego, de trabalho
Mesmo não sendo o lugar do mercado e do emprego estes elementos ainda estão
dentro do escopo, talvez com o estatuto de promessas
F.: É verdade
Cl.: Não é? Porque senão você fica muito apegado num critério que você já tem e
aquilo que você tem é uma coisa pequenininha que te impede a expansão, até mesmo
sair deste rótulo, sair deste estigma de saúde mental
F.: De que adianta você receber uma pensão mas a pensão já vem...
Cl.: rotulada
F.: com aquele termo invalidez parece que, eu lembro disso quando eu tinha auxílio
doença conversava com alguns amigos meus por que você não se aposenta , eu fui
um inválido...
Cl.: Não foi nada
É um momento importante da crítica de F. que aparece de certa forma minimizada,
não pode aparecer, é como a questão da igualdade que também tem que se apagar.
F.: ... eu tinha essa questão assim de, essa coisa, eu não sei, eu não sei se é possível
burlar, não é burlar assim, porque eu não me considero inválido de jeito e maneira de
nada inválido porra nenhuma faço até bastante coisa, estou fora do mercado mas e
daí, eu faço muita coisa, a gente tem capacidade de fazer muita coisa então eu não
sou inválido. Agora será que é fácil você de repente conseguir me aposentar por
133
invalidez mas eu não sou inválido, então não tem problema se eu me aposentar por
invalidez eu não sei sei lá eu não sei se a gente consegue conciliar essas duas coisas
Al.: A M. foi embora? ela não está aqui mais
Cl.: Parece que foi, saiu na surdina
Al.: Ela esqueceu
Entrevistador: Você pode guardar para ela
Fa.: Cl., vou contar pode?
Cl.: Vamos deixar isso para resolver depois quando nós estivermos num momento
mais tranqüilo porque agora a gente ta no finalzinho da tarde se a gente for tomar
decisão agora pode ser precipitado, a M. tá passando ali
F.: Eu tenho assim, eu tenho a cooperativa aqui, mas eu tenho um ofício que eu
aprendi nesse tempo todo no encontro com a saúde mental que é o teatro então é um
ofício só que ele é um ofício que as pessoas não vêem ele direito, o fato de eu passar
uma manhã de segunda-feira, toda terça e a sexta fazendo uma atividade que é um
trabalho, porém não é remunerado, eu às vezes sou tachado como um vagabundo.
Qual a questão o que é o trabalho? Trabalho é você estar sentado aqui e recebe um
milhão de dólares e não faz porra nenhuma, isso é trabalho? Não as pessoas têm uma
idéia errada do que é trabalho, eu acho que eu trabalho pra caralho e eu não recebo
um tostão para o que eu faço e isso não me, nem por isso eu largo do que faço,
entendeu? Então tem essa questão aí agora a gente a gente briga né agente vai eu
luto, agora eu acredito nisso que eu aprendi nesses anos do teatro que é o caminho,
que não nem uma questão de ser trabalho, é uma questão de necessidade vital
mesmo, da vida. Eu gosto do teatro porque o teatro me alimenta
134
Você está dizendo que o teatro incentiva o governo brasileiro o público trabalho?
Participar do teatro. O público está assistindo a uma peça fica contente de ver projeto
de ver alguém trabalhando
F.: mas o faz parte do teatro
Ela está falando de dinheiro
Cl.: ela está perguntando se você acha que faz bem para o público?
Trabalhar recebendo
Trabalhar no teatro
F.: Mas o teatro tem o público, a platéia, eu acho que faz bem ou mal, mas mexe
Cl.: Ela quer saber se você, F., se sente satisfeito de saber..
A importância
Cl.: Se o público gosta
Você vai lá fazer o papel do gato, todo mundo gosta do gato, você não acha legal?
F.: Eu acho legal, mas o inverso também é bom no sentido assim, acho que a função
do teatro é justamente mexer com a platéia, ou com aplausos, ou com vaias. Porque o
teatro é um espelho, pelo que eu tenho estudado, é um espelho do mundo então ou se
você aplaude ou se você vaia é porque você prestou atenção no que está passando ali
naquele lugar ali. Agora se você está lá dormindo e não está nem aí então a gente não
conseguiu mexer com nada. Aplausos e vaias são os dois pólos necessários.
F. consegue no âmbito do teatro elaborar a questão da falha, em sua metáfora
aplausos e vaias são necessários, no trabalho
Eu tenho um sobrinho que agora no dia 18 ele vai se formar no ginásio, vai ter festa e
vai ser entrega de diploma , acho que eles fizeram um cartão, não foi? Da entrega de
diploma
Cl.: Ainda não
135
Eu acho que tinha nutricionista e enfermagem
Cl.: vai ser ainda, a gente ta achando que vai ser aqui na Bienal. A formação de um
grupo, assim como tem esse projeto papelão, tem outros projetos, um deles é de
mediadores culturais, onde foi feito uma formação em parceria com a secretaria do
trabalho, para a formação de mediadores culturais e eles vão se formar esse ano e
parece que a festa vai ser na bienal
Que dia que vai ser?
Cl.: Parece , ainda não tem data certa, o João Caetano não foi possível porque já
estava ocupado
Você foi lá no dia do João Caetano quando teve festa?
Entrevistador: Não fui, não fiquei sabendo
Cl.: Então acho que a riqueza deste trabalho ta em inserir as pessoas em várias
atividades, mas não só atividade é é um lugar onde a gente precisa discutir e até
tomar posicionamento e às vezes até ir lá na fonte para fazer valer uma legislação
que impede uma pessoa com determinado perfil de se inserir no mercado de trabalho.
Discutir com a Secretaria do trabalho quando ela propõe um projeto de inclusão pelo
trabalho onde ela só vê o perfil da pessoa, um perfil muitas vezes por um critério
mais político do que pró necessidade. A gente tem a possibilidade de discutir essa
questão mais ideológica que o F. traz de com a pessoa vai se inserindo no mercado
de trabalho, se é no modelo capitalista ou se é no sistema de economia solidária
Entrevistador: a economia solidária não seria capitalista nesse sentido?
Cl.: No sentido que a gente pretende, que nós defendemos aqui, não. É um modelo
que é exatamente o contrário da mais valia né, antes de mais nada o que a gente
busca em termos de formação do trabalho é ta menos, não é que o valor material não
seja importante. Mas não é, ele não define o modo de relação, o modo de relação não
136
é uma relação competitiva, desde a distribuição da renda, até a maneira como se
trabalha
Entrevistador: Quando se faz a distribuição da renda como é que é se faz a
distribuição da renda, como é que se pensa?
Cl.: Olha, as poucas vezes que nós tivemos essa distribuição ela foi feita
igualitariamente, mas agora o grupo vai amadurecendo, vai discutindo o estatuto, vai
discutindo até a produção, o valor do trabalho e hoje...
M.: Vou embora viu já vai dar cinco horas
Cl.: Hoje esta distribuição já não seria assim como sempre foi, simplesmente dividir
igualmente por todos, eles têm feito controle de produtividade, de produção, que
mais F.
F.: Eu acho então que uma coisa que está pegando, e que o S. traz muito...
M.: Cl., são cinco horas já, ah Cl.
Cl.: Calma, M., nós estamos encerrando aqui e você não participou, você fica ansiosa
pelo fim mas você não participa do meio, como é que é isso?
M.: Não tem lanche não?
Al.: Oh M.
Cl.: tem lanche sim
M.: Então pega lá
Cl.: Você não quer sentar lá para a gente finalizar?
M.: Não, eu vou embora
Cl.: Eu vou dar o lanche depois que a gente encerra a conversa
Entrevistador: Vamos deixar o F. finalizar
F.: Só para finalizar
M.: Vai dar cinco horas
137
Al.: O grupo vai até as cinco, oh M. falta dez para as cinco já
M.: Pois é num tem nada para fazer em casa
Entrevistador: Deixa o F.
Cl.: M., nosso horário é cinco horas
F.: Então uma coisa que estava pegando que estava incomodando muito era a coisa
do horário, os atrasos, as coisas e tal e aí teve uma reunião falando pedindo punição.
Vai punir com que? Quando se atrase. Tocou-se no assunto, tocou-se numa coisa de
uma do controle de horas das pessoas, de quando for fazer a divisão vai fazer
segundo esses critérios da participação, também, não sei o que é mais justo
Cl.: Eu acho que essa proposta ela é muito desafiadora porque é mais fácil você
trazer um modelo já conhecido e implantar, chegou atrasado e corta, só tem direito
quem produz, muito mais fácil, agora lidar com essas questões das diferenças
individuais e incluir nessa discussão a questão da subjetividade e do relacionamento
grupal, tudo isso é um grande desafio. Eu acho que às vezes a gente cai na tentação
de repetir um modelo já conhecido. Agora eu acho que por outro lado temos
avançado muito nessa abertura de consciência, poder estar refletindo sobre uma outra
possibilidade de trabalhar, de estar junto de dividir o dinheiro
M.: Cl.
Entrevistador: Quer dizer é muito diferente só repetir as coisas do que mesmo
ocasionalmente voltando para uma questão ou outra você poder pensar sobre isso
abertamente e discutir sobre essa questão. É muito diferente uma coisa da outra.
Numa fábrica você não tem como discutir coisa alguma
Cl.: É um desafio, encaro como um grande desafio
Entrevistador: Gente, eu quero agradecer, acho que não está, espero não ter
atrapalhado demais aqui. De novo, acho que é a possibilidade de aprender com a
138
experiência que é nova, que é importante, que está de certa maneira mudando os
padrões de como a gente pensava há cinco ou dez anos atrás a questão até da saúde
mental...
Cl.: Da exclusão
Entrevistador: então eu acho que é uma coisa que merece muito estudo. Esse estudo
que eu estou fazendo é um estudo muito preliminar ainda, quem sabe isso dê frutos
para outras coisas. Eu queria perguntar para vocês se vocês consideram-se satisfeitos
com essa conversa que a gente teve?
Eu me considero muito satisfeita
Eu também
Entrevistador: Vocês acham que gostariam de falar mais uma vez?Se esta vez está
bom, se é o suficiente
F.: eu acho que foi legal, fiquei satisfeito, mas acho que isso vai mexer muito comigo
durante muito tempo
5.5. A leitura do grupo
O grupo de papelão é um importante representante da experiência de Projeto
Trabalho das instituições públicas de saúde, seu modelo de funcionamento é bastante
similar aos primeiros modelos de Projeto Trabalho tais como os descritos por
Sarraceno (2001). Opera com um grupo que traz uma história comum de passagem
pela rede de assistência e, portanto, marcados pelo estigma da doença mental.
Não é um grupo que opere sobre níveis elevados de angústia, ao contrário,
como que suspenso no ar, paira sem uma articulação de futuro. Assim, sua aposta no
139
futuro é imprecisa e muitas vezes articulada diretamente com o passado.A fala de Al.
nas páginas 106 e 107 é particularmente representante deste sentido.
De acordo com a participação progressiva dos membros do grupo parece que
certos lugares vão sendo estabelecidos, gostaria de destacar:
A.: a questão da falta parece imensamente relevante já que persiste tanto nesse
início, é ela que fala no grupo do que falta, de que não podem distribuir
simplesmente o dinheiro que o trabalho também precisa de recursos e eles devem
contribuir.
F.: Ao mesmo tempo em que é usuário do projeto, está numa posição diferenciada,
apesar de carregar o fardo de ter vivido o estigma da saúde mental, assim
sucessivamente tem problemas de adaptação ao mundo lá fora e encontra um lugar
no grupo. Mas aí parece funcionar como o representante do mundo exterior,
inclusive dos técnicos, para o grupo. F. faz a função de intermediário da relação do
grupo com o mundo, o custo disso é que se sente atacado, sufocado pela pressão. Seu
lugar denuncia o grupo, já que é ele que tem de se pronunciar silenciando sobre o
fracasso.
Al: Ele ocupa uma posição singular e também bastante contraditória, o tempo todo
faz um esforço conciliador em suas falas corroborando a posição dos outros, sem
notar o quanto fica implicado por tudo aquilo que corrobora: sua baixa produtividade
aponta a questão da sustentabilidade do modelo solidário, da distribuição igualitária
da renda, por exemplo, que persiste apesar do questionamento.
Cl: representa o pensamento técnico no grupo, também fala de uma posição de
desconforto, já que também deve sustentar o pacto grupal de sucesso.
140
É possível desde já para esse grupo destacar pelo menos dois analisadores
gerais que funcionaram como categorias básicas na constituição de nossa hipótese: a
temporalidade e o fracasso.
O fracasso é o elemento que não deveria aparecer, ao mesmo tempo é insígnia
de toda uma história de estigma que perturba ainda hoje. Não é pela adesão ao
CECCO a ou a qualquer forma de tratamento, que se minimizam os efeitos do
estigma. De fato, fracasso ou sucesso não são responsabilidade do CECCO, mas sim
as possibilidades concretas de articulação social. F. parece estar bem a par disso, sua
metáfora do teatro indica o aplauso e vaia como decorrências necessárias de um
contato vivo, engajado por oposição ao sono que representaria o fora da relação.
A falta no grupo primeiro aparece como falta de recursos, que podem
comprometer a existência do grupo, depois aparece como a falta que a renda
esperada para uma empreitada desta precisa prometer se quer encarar a questão do
resgate dos direitos e cidadania. Finalmente a falta aparece como ausência de pessoas
no grupo.
A temporalidade, que também está intimamente relacionada ao fracasso,
produz os efeitos de apagamento do fracasso. A dimensão concreta do presente
parece sempre etérea e distante. Os significantes para definir o presente sempre
advêm do passado ou do futuro. Mas que passado e que futuro? O passado do
fracasso social da doença mental? Ou o passado mítico da fundação da instituição
que resolveu o problema? O futuro que é projetado do passado glorioso? Ou o futuro
incerto que também projeta a desorganização, a destruição, à morte (falo das
pulsões).
Precisamos perguntar por que se destacam esses analisadores, a serviço de
que eles aparecem? A questão do grupo é sempre uma questão institucional na
141
medida em que as representações que ali circulam garantem a continuidade da
instituição, afinal esse é o próprio trabalho da instituição.
5.6. Segunda Entrevista: O grupo dos Mediadores Culturais
O grupo dos Mediadores Culturais não segue a risca a definição de projeto
Trabalho, já que não se constitui exatamente como trabalho protegido e
supervisionado por um grupo técnico com fins de reabilitação psicossocial, mais do
que isso, o grupo dos Mediadores Culturais é um processo de formação e criação de
um segmento profissional novo, ele é pensado a partir da estruturação de um curso
com diversos especialistas na área da cultura que os habilitariam a difundir e mapear
os recursos culturais de uma dada região, promovendo assim um aumento do acesso
à Cultura para a população. Em suas metas originais estão a criação da profissão de
Mediador Cultural, a formação de uma cooperativa prestadora de serviços, o
mapeamento dos recursos culturais da Vila Mariana.
No entanto, o projeto foi criado e concebido dentro do Centro de Convivência
e Cooperativas do Ibirapuera, que é uma instituição da área da Saúde. O CECCO
reflete um esforço na transformação do atendimento à Saúde Mental com seu
objetivo de atingir outros aspectos do fenômeno de marginalização que vivem os
usuários deste serviço.
Sua inclusão na pesquisa é porque o projeto de Mediadores Culturais deriva,
em concepção, diretamente do modelo de Projeto Trabalho, contudo foi gestado para
alcançar uma outra dimensão, suas articulações com a Saúde aparecem distantes e
por vezes seus membros as perdem de vista, até mesmo chegando a renegá-la.
142
Entretanto, essa herança reaparece na entrevista, podemos pensar no elemento
negado que insiste em retornar.
O momento em que a entrevista aconteceu foi também um momento especial
para o grupo, prestes a se formar como grupo profissional, estive presente à sua
última reunião antes da formatura oficial. Hora do acerto de contas, da avaliação das
metas cumpridas e do contato com as expectativas futuras, hora também de
certificar-se sobre quem continuará e não abandonará o grupo. A existência do grupo
fora neste momento colocada em questão. Revelando uma temática comum a todos
os grupos de trabalho constituídos nas instituições de Saúde: continuar a existir a
parte da tutela institucional, ganhar a sonhada independência.
É preciso esclarecer também que este grupo fora estruturado com a
participação conjunta de pelo menos três instâncias políticas: a secretaria da Saúde,
representada pela instituição sede do trabalho (CECCO), e que tinha entre outras
incumbências o gerenciamento do projeto; a Secretaria do Trabalho que
providenciou os grupos e as bolsas (A verba para as bolsas foi conseguida com a
UNESCO, e os grupos são parte os programas do governo federal Bolsa Trabalho e
Começar de Novo, o primeiro prestando-se a colocação profissional do jovem e o
segundo, prestando-se à recolocação profissional daqueles que perderam o emprego e
estão com dificuldades de se reinserir) e a sociedade civil representada pelo Museu
Aberto Lílian Amaral, bem como o apoio da PUC-Nova Escola, esse últimos
cuidaram da supervisão teórica do projeto.
Na entrevista não estiveram presentes nenhum dos representantes destas
instâncias, a representação técnica foi feita através da participação de A, o monitor
do projeto.
143
5.7. Entrevista com os Mediadores Culturais
Entrevistador: Então, a idéia é que a gente pudesse falar um pouquinho sobre, aqui é
chamado de oficina é isso? Oficina de Mediadores Culturais?
A: Projeto de formação...
Entrevistador: Projeto de formação de Mediadores Culturais
B: Museu aberto e Mediadores Culturais
C: Mediadores Culturais, isso
A partir das três definições propostas aqui sobre o que seria o projeto podemos
entrever que a compreensão do projeto varia, mesmo agora em seu final, a fala de C
tenta certificar a síntese e nome do projeto para podermos passar a frente
A: Na verdade, é assim, existe uma parceria, entendeu, que foi criada para
desenvolver esse projeto. Existe um outro projeto que chama Museu aberto que é da
artista plástica Lílian Amaral e aí, e tinha, foi feito esse projeto Mediadores Culturais
aqui no CECCO pela W. e a Z., as duas são as coordenadoras do projeto. Elas
tiveram a idéia de fundir isso numa parceria, então o projeto Museu Aberto fez
parceria com esse projeto Mediadores Culturais, só que são parceiros né, então a
gente pode até falar projeto Mediadores Culturais e museu aberto também, só que na
verdade todo o desenvolvimento deste projeto, a bolsa é via Mediadores Culturais.
Existe uma bolsa da UNESCO, uma verba da UNESCO que foi repassada para a
Secretaria do trabalho, isso foi distribuído em forma de bolsas para os participantes,
os formandos né nesta área, que inicialmente eram dezessete e verbas de consumo
para materiais e das atividades que foram desenvolvidas no pagamento de pessoas
que vieram dar formação, inclusive o pagamento meu também porque eu sou
monitor, ta? Então é assim têm duas coordenadoras, dois monitores e inicialmente
144
existiam dezessete em formação, dois se afastaram do grupo, três né? Se afastaram
do grupo então, agora são catorze...
A fala de A nesse contexto representa a fala institucional, seu papel no grupo é o de
monitor e portanto guardião dos objetivos propostos para o projeto, é de se notar
aqui o número de instituições envolvidas para que o projeto fosse alçado. Parece se
tratar de uma das características do CECCO que é a de trabalhar no limite da área
de saúde.
Um segundo elemento a ser considerado é que afastamento das pessoas, aqueles que
desistiram, retornará mais tarde como ataque ao grupo.
D: Importante o projeto que você falou as bolsas trabalho e começar de novo...
A: Ah é são dois tipos de bolsa
D: Que é acima de quarenta anos e primeiro emprego né
C: Bolsa trabalho são os jovens
A: Abaixo de vinte e um
C: e começar de novo acima dos quarenta
D: tá bolsa trabalho é abaixo de vinte e um anos e começar de novo acima de
quarenta. Nós somos remunerados por esse trabalho, quer dizer a gente está
aprendendo por intermédio de uma bolsa remunerada, que é ligada à Secretaria da
Saúde né, por meio da Secretaria da Saúde, na verdade
O fato de o CECCO ter desenvolvido uma parceria interinstitucional parece
confundir o grupo, a questão que emerge é quem são eles, e por que via chegaram
até aqui. Ademais, há o fato da constituição do grupo ser uma junção de duas portas
de entrada e projetos distintos: Aqueles que “já passaram da idade, Começar de
Novo, e aqueles que estariam ganhando a primeira oportunidade de emprego (a
palavra emprego parece adequar-se melhor que a palavra trabalho), os
145
inexperientes (essa também é uma definição que só aparecerá mais tarde no
decorrer do grupo).
A: Não, que dá a bolsa é
D: a Secretaria do trabalho, mas...
A: Não, aí entra novamente em parceria tá entendendo?. O CECCO é uma instituição
que pertence à Secretaria da saúde...
D: Isso
[G entra na sala]
A: O projeto foi desenvolvido dentro do CECCO só que existe a parceria com a
Secretaria do trabalho que vai dar a bolsa via uma verba que ela recebe da UNESCO.
Todo projeto é prestado conta diretamente com a UNESCO.
Ao esclarecer A. mostra os níveis tão diversos. Sua tentativa de esclarecimento que
parece dar nome aponta que na prestação de contas tudo esses níveis são engolidos.
O emergente é a confusão
G: desculpem o atraso
Entrevistador: Tudo bom?
G: Prazer e aí? Meu nome é G
Depois da discordância inicial, ou desconhecimento que aparece, há a oportunidade
de reiniciarmos com mais coerência (a figura de G parece-me representar isso). Na
verdade para escapar da confusão, todos temos que fazer uma recapitulação do
assunto para podermos prosseguir, a entrada de G. é a oportunidade para isso.
Entrevistador: A gente começou a entrevista aqui, você não tinha chegado antes, a
gente tinha feito uma conversa com eles, eu não sei se a W. tinha passado um pouco
o que ia acontecer nesta entrevista? E já fiz uma primeira conversa, eles estavam me
146
contando com é que estava, como é que tinha começado a história, o que era o
projeto Mediadores Culturais...
G: é uma oficina né
Oficina é uma nova definição para o projeto, o retorno ao que havia sido corrigido
por A.
Entrevistador: e a idéia é assim, eu estou gravando para fazer, é uma dissertação de
mestrado, é uma pesquisa que envolve os projetos de trabalho dentro das unidades de
saúde, dentro desta pesquisa eu quero documentar como é que estão os avanços
como é que são as questões que estão dentro destes Projetos de trabalho, eu já fiz
uma entrevista anterior com o projeto papelão, esta seria uma segunda entrevista e a
pesquisa duraria isto uma entrevista com o grupo tentando falar um pouquinho
abertamente sobre as questões que envolvem os projetos de trabalho, aqui no caso
querer saber quais são as perspectivas, parece que tem uma vinculação clara com o
trabalho quando se fala destes dois projetos que são o começar de novo e a bolsa
trabalho. Quais são as perspectivas do grupo? Como é que fica para o grupo depois
de terem passado..., parece que hoje é o último dia dos Mediadores Culturais, não é
isso? O último dia de atividade...
.A: atividade com todo mundo junto, é
Tenho a impressão que A sente-se atacado o tempo todo no grupo cada vez que eu
falo ou pergunto, mantém uma postura defensiva, no caso reage fortemente à
palavra último já que ela pode resgatar a ansiedad. A. está colocado a serviço da
proteção do projeto
Entrevistador: Como é que fica, quais são as perspectivas a partir daqui?
A: Eu acho que quem está participando da atividade de lá, porque a PUC-Nova
Escola deu umas aulas para eles sobre a cooperativa que é uma das perspectivas,
147
então o pessoal que participou dessas reuniões poderia falar, né? Eu acho que ... a
perspectiva de uma cooperativa, como é que está?
Aqui a perspectiva de atividade, continuidade ou futuro recai sobre a cooperativa, é
o desejo do grupo da PUC que é tomado por empréstimo, a solução “universitária”
para a reinclusã, solução que é também do CECCO.
C: Por falar nisso você faltou ontem (dirigindo-se a H)
H: eu estava no Rio
C: Inda bem que eu achei que estava no Rio... então nós participamos dessas aulas
sobre cooperativa e na verdade não decidimos por enquanto em formar uma
cooperativa porque para ter uma cooperativa legalizada tem que ter vinte pessoas,
nós temos catorze entre aspas porque não são todos que querem continuar, acabou a
bolsa, acabou o curso vão seguir o caminho deles, dos que vão continuar que falaram
que querem participar da cooperativa são dez mas.... e para pegar outras dez pessoas
só para constar no papel, então a gente não está achando muita necessidade disso
agora. Então vamos tentar fazer uns trabalhos, continuar a fazer trabalhos, se reunir,
combinamos de se reunir daqui para frente uma vez por semana e futuramente ver se
a gente vai ou não investir na cooperativa porque tem todo um trâmite legal, gastar
com papelada, legalizar e todas essas coisas e depois não dá certo, acabamos
desistindo da cooperativa
Desde o início C revela a inadequação, ou sentimento de impotência do grupo com
relação a passagem para o mundo legal, desde o enigmático, inda bem que eu achei
que estava no Rio, isto é na perspectiva de poder estar fora, como na enumeração
das impossibilidades do modelo cooperativo: 20 pessoas, eles só tem 14; não são
todos que querem continuar, acabou a bolsa e o curso e eles vão seguir cada qual
seu caminho; finalmente para que fazer se depois não dá certo?
148
Informando que acabou a bolsa, a idéia do fim é retomada.
C. reponde a A.: ela fez um intervalo para falar, houve uma ansiedade de responder
direto.
Entrevistador: Por que as pessoas desistiram?
C: Ah, não sei, cada um, tem gente que estava mesmo pela bolsa ou vai ver que não
achou que era isso, que não está a fim de ser um mediador cultural, resolveu seguir
outro caminho, cada um pode responder por si só, não sei
Não há resposta para a falta de comprometimento do outro, pelo esfacelamento do
grupo
Entrevistador: Quem está aqui então...
G: Eu acho que para mim assim que esse não é bem um curso formativo
Os defeitos recaem agora não mais sobre si, mas sobre o curso e a incompletude do
mesmo
Entrevistador: Não é um curso formativo?
G: Não, ele tem uma proposta obviamente, uma intenção, seria interessante que as
pessoas se formassem né. Mas, por várias razões, tanto pela exigüidade do tempo
quanto pelos recursos escassos, ele se torna mais um curso informativo. Então as
pessoas vêem muitas, das mais variadas regiões, condições sócio-econômicas e
situações, tem uma formação muito heterogênea, muito diferente uns dos outros. Isso
tanto enriquece quanto cria um grande desafio na hora de executar um trabalho, essa
é minha visão, então quando chega agora no final a gente tá, justamente quando vai
chegando no final dessa formação informativa a gente vai cada vez mais entrando em
contato com esse desafio, né, de conseguir concretizar um trabalho que é pela
característica dele, a gente foi até informado, foi até informado no curso de
cooperativas né, o ... como é o nome do menino?
149
O curso parece não gerar a condição de concretização da cooperativa. Não estão se
sentindo apoiados. Do ponto de vista do grupo há um desamparo (eles devem
construir suas alternativas)
O desafio aqui marcado por G é a heterogeneidade do grupo, e quando o curso
chega ao fim e é preciso deparar-se com o que resta, o próprio grupo, a
heterogeneidade aparece como sinal da ruptura
C: Br.
G: Br., ele levantou uma coisa ele falou olha esse a cultura, essa forma como vocês
querem abordar a mediação cultural ela tem uma característica mais subjetiva, mais...
ela é impalpável, ela tem uma coisa mais impalpável isso é um desafio a mais porque
a maioria das cooperativas eles têm uma coisa mais palpável, um produto, entendeu?
Então é mais fácil focar, mais fácil entre aspas o desafio deles é focar numa coisa
mais palpável e a gente o nosso desafio é (poupar) é uma coisa não tão palpável, mas
que é um trabalho também, e como a gente tem esse desafio de só em seis meses se
conhecido ter tido pinceladas sobre assuntos que a gente precisaria estar
aprofundando, o desafio é muito grande. Então é por isso que talvez muitos não
entendam, nem percebam essa problematização e não consegue sentir uma motivação
para formar uma cooperativa
Dois tópicos importantes, primeiro: como reverter essa experiência em produto, em
renda, em segurança; e o desafio reaparece como comprometimento com o
conhecimento , como iluminação que permite a motivação, de novo o grupo sente-se
esfacelado, sente que seus laços estão mais frouxos. Não estão mais na instituição,
estão num devir.
D: Que é trabalhar com arte e cultura, duas coisas que nem todo mundo sabe como
lidar com isso
150
Terminam sem saber qual o objeto de trabalho. Não é só uma questão do grupo
afinal nem todos sabem lidar com a articulação entre trabalho, arte e cultura. Será
que arte e cultura é igual a não trabalho? Talvez a representação de trabalho negue
a arte e cultura do ponto de vista da construção do grupo
G: Exatamente
A: Eu queria fazer uma intervenção, é o seguinte quando você falou que outros
desistiram eu não sei exatamente o que você perguntou, desistiram durante a
formação, daqueles três que a gente falou ou desistiram de entrar na cooperativa?
Repito a marcação feita anteriormente, em dúvida A sente necessidade de responder
porque precisa garantir o grupo, A. resguarda o grupo instalando uma outra
confusão, desloca a questão da desistência da cooperativa para a desistência do
grupo.
Entrevistador: Não, ela foi falando de pessoas que foram saindo, se afastando
Minha resposta foi ambígua, pega de surpresa por este movimento assim há aqueles
que saíram e há aqueles que foram se afastando
A: É, não, é assim existiram só três desistências ao longo da formação, agora entrar
na cooperativa, deixe eu explicar a situação, assim, no meu caso específico eu até fui
porque estou muito ligado ao pessoal da saúde, desenvolvo uns outros trabalhos em
outras instituições e eu tenho alguns dos meus contatos quando esse projeto estava
recrutando pessoas, me falaram dele e falaram olha acho que como é a parte de arte e
cultura te interessa, vai lá ver, aí eu vi que tinha alguns requisitos lá que eu não me
enquadrava, mas falaram não não vai porque algumas coisas não são tão rígidas
assim porque não vai se encontrar esse perfil exato de pessoa né aí eu vim participei
até da entrevista só que realmente eu não me enquadrava por algumas questões de
que de requisitos que eram impostos pela Secretaria, no caso a Secretaria do trabalho,
151
aí eu até me interessei achei legal porque conforme eles foram apresentando o
projeto eu coloquei algumas coisas que eu achava interessante e , mas como não deu
certo eu não passei (Até esse momento A coloca a frustração de ter sido recusado
pela primeira vez, sublinha sua inadequação para o perfil pretendido), algum tempo
depois eles me contataram novamente, falaram olha nós gostamos da tua participação
na entrevista, nós estamos agora precisando de monitores gostaríamos de saber se
você ainda está interessado, aí eu fiquei bem mais interessado porque tem muito mais
a ver com meu perfil (sua entrada como monitor deveu-se ao reconhecimento
exigido por A, sua motivação é específica e diferenciada do grupo), agora o seguinte
a questão cooperativa não faz parte do projeto e não foi nem colocado no começo, é
uma idéia que apareceu no meio como uma possibilidade de colocação.(Na verdade
a cooperativa não é só a possibilidade de colocação mas a própria condição de
subsistência do grupo daqui para frente, é a idéia emprestada dos especialistas que
salvará, ou sustentará a esperança do grupo) É uma das possibilidades que nem
todo o grupo tem necessidade de adesão porque a formação é essa. A formação se
propunha, no projeto original se propunha a fazer um trabalho de mapeamento
cultural do território de Vila Mariana que está mais ligado também a subprefeitura de
Vila Mariana e isso me interessou muito porque era um levantamento e ia dar depois
um destaque para esse levantamento. Então quer dizer, várias formas de colocação
disso na mídia ...
C: ia ter um site
A: eu achei que essa produção por seis meses ia ser interessante, mas por exemplo
eu não me enquadraria num projeto de cooperativa, então para mim isso aí, essa
continuidade não ia ter significado.(A de novo declara sua diferença, minimiza o
significado e retira-se do campo do coletivo: o que significa sua posição? Por um
152
lado representa os interesses institucionais de criação do projeto, por outro, ligado
à “saúde”, esvazia o projeto pela recusa do grupo. O seu interesse não captura pela
potência do grupo sinaliza a fraqueza, a inconsistência do caminho, mas todo
técnico deve aderir ao grupo para possibilitar sua continuidade? Nesse ponto
encontro uma repetição da postura técnica encontrada no grupo do papelão. Por
outro lado o que significa a saúde trazida para esse contexto? Penso tratar-se de
uma comunicação ambivalente ao grupo, relembra-os do fracasso que os trouxe ali,
todo a problemática da perda do trabalho e do lugar de cada um no campo, e por
outro os precipita através da formatura na prontidão das demandas do mercado, o
sucesso ou fracasso agora é uma questão do grupo. Será que a posição de A
representa a posição técnica?) Então é assim, é uma possibilidade para alguns não é
uma desistência porque não foi colocado para nenhum nenhum momento quando foi
feito essa seleção a questão cooperativa, assim como uma necessidade, uma
exigência. Acho que nem existia a possibilidade.
A. se considerava um desistente nesse momento. Fica num lugar de sofrimento talvez
por defender tanto o projeto. Ele também não sabe bem se pode ser enquadrado/
aproveitado para o ptrabalho. A vive junto a angústia , como representante do grupo
na instituição espelha e encarna a situação do pessoal do grupo
O conflito fica explícito com o grupo, de um lado o projeto original que prometia
algumas coisas que não foi capaz de realizar e por outro a coalizão do grupo, a
possibilidade de sustentar sua existência a partir da formatura
C: Na seleção não foi mas agora no final acabou sendo, né porque a W....em todos os
projetos que ofereceu para o grupo, todas as grandes empresas queriam o grupo
cooperativado, queriam CNPJ, não queriam contrato com indivíduos individuais por
isso que a gente partiu para esse negócio da cooperativa
153
C reafirma o pacto de sobrevivência do grupo, faremos o que for preciso para
mantermos-nos, a questão da sobrevivência do grupo ressurge logo à frente.
A: Na verdade houve muita... é porque....
G: Não necessariamente em uma cooperativa mas uma instituição jurídica, né, se
pode ser numa empresa, uma mini-empresa, pode ser uma cooperativa
Se o problema é a cooperativa, outras soluções aparecem. A questão principal migra
da adesão ou não à cooperativa para a existência legal desse tipo de trabalho, é
preciso formalizar-se.
C: agora a gente está vendo outras possibilidades, outras coisas sem ser cooperativa
B: Agora, eu conheci esse grupo através de uma psicóloga lá do centro, sou B, sou
artista plástico, sou desenhista, mais de quarenta anos no Brasil já é difícil, eu sou
letrista. O ano passado, fiquei afastado do meu trabalho e quando eu quis voltar era
tudo diferente, tudo era no computador, painel não era mais pintado, placa não era
mais pintada, veículo não era mais pintado era tudo adesivo, retratos, ofsete aí eu
senti dificuldade de voltar para o campo de trabalho, separei da minha família e fui
para longe, tive ajuda de uma irmã para poder ir me mantendo (A biografia de B
destoa do tom da discussão anterior de pertença ao grupo, é como se dissesse que
devem lembrar-se de sua história. Apresenta o desamparo. A categoria trabalho
supõe o fim do trabalho) e eu como desenhista e artista plástico achei a idéia da
formação de mediador cultural boa porque eu não sou conhecido em São Paulo e aí
eu tive no meu currículo um enriquecimento muito grande porque eu passei a
conhecer pessoas de museu, professores bons, eu conheci Lílian Amaral, uma artista
plástica de renome aqui em São Paulo, conheci esse grupo aqui cada um é ator, outro
é palhaço, outro é percussionista, outro é desenhista, então conheci muita gente me
foi útil entendeu. (a palavra chave passa a ser conhecer, a inclusão e o valor estão
154
assegurados pela passagem da existência marginal, para a referência do outro que
importa) Agora quanto à formação de cooperativa é uma luz no futuro depois destas,
da formação desse grupo. (O futuro desanima, e a inclusão é a vivência como
simulacro daquele que possui valor, o espelho da cooperativa deprime, já que a
barreira do desmantelamento do grupo anuncia o fracasso) Só que na formação da
cooperativa eu fiquei acompanhando, acompanhando e não senti muita firmeza na
cooperativa e eu achei que eles cometeram um erro muito grande no dia que eles
convidaram um grupo de pessoas de cooperativa para dar uma dinâmica de
cooperativa para nós, só que trouxeram dois grupos fracassados para dar uma aula
para quem está querendo ver algum futuro: uma cooperativa de costura que tinha
trinta pessoas tinha dois, terminou com dois, uma outra cooperativa de alimentação
tinha um, eu falei olha Samuel como é que vim o pessoal dar uma aula de
cooperativa para nós e a cooperativa deles já acabar. Dá até um desânimo, que a
gente, os professor já falavam não, nós vamos trazer pessoas aqui para passar uma
instrução capacitação de cooperativa para vocês.
G: de quem você está falando exatamente?
É interessante que a pergunta se coloque nesses termos, pois o movimento que
falava o tempo inteiro sobre a coalizão do grupo irrompe num discurso sobre si,
sobre a biografia de um (que não é a de todos, veja a heterogeneidade do grupo
alegada por G)
B: Do grupo de cooperativa que foi dar aula para nós. São dois grupos fracassados
que não tão funcionando
G: O pessoal que estava dando aula para gente são fracassados?
B: É, os professores não, as duas cooperativas, a Alvorada e a outra que foram, são
duas coisas que não existe mais
155
C: Ah, existe
B: Uma pessoa num grupo e outra pessoa no outro, não tem sede, não tem nada
C: O Nhoque são duas pessoas e as outras duas estão atuando
B: Eu estava entendendo que era um grupo de vinte, trinta pessoas e tantas pessoas
C: Se a gente não consegue nem se entender em catorze, ser cooperativa é difícil.
B: é o que estou dizendo. Ela não está entendendo o que eu estou falando
C: Mas não são fracassados, você não pode falar que eles são fracassados eles estão
trabalhando.
Idéia do fracasso é oposta a do cooperativismo: fracasso versus competência.
B: Eu não falei das pessoas
(B fala das pessoas dos grupos, e de si)
G: Só um minutinho acho que não é o caso de dar
(Na luta por retomar a coesão do grupo G sente a necessidade de interromper o
discurso de B)
B: Não acabou de dar a minha palavra, Deixar eu dar a minha palavra, então eu
quero falar que eu senti um desânimo muito grande, que nós estamos lá com a
perspectiva de formar um grupo, de repente eles falam vamos trazer um pessoal aqui
para dar uma aula para vocês, não sei o que, quando eu chego lá, ah nós começamos
com trinta seis agora só são duas mulheres costurando porque o primeiro dia estava
todo mundo lá, aí no segundo dia já faltou tanto, no terceiro dia já faltou tanto, no
quarto dia já faltou tanto, nós ocupamos a casa de uma amiga, os filhos dela achavam
ruim a gente ta lá dentro da casa, quer dizer foi um desânimo. Oh D você não ta
entendendo o que eu estou falando, é um desânimo. Não estou agredindo ninguém,
estou falando que é um desânimo
D: Não, pode falar
156
A: É uma reunião, deixa ele falar
(Estranha aliança, A parece resistir, ou sentir-se culpado pelo momento do grupo,
sua defesa da palavra de B parece assentar-se sobre a perspectiva de não ser o
único desistente)
B: como é que eu vou ter aula de um negócio que eu estava vendo um futuro quando
eu vejo lá
D: Você tá falando das cooperativas das costureiras?
B: Das costureiras e das comidas. para mim é um grupo de vinte só tem um é porque
não deu certo
D:Mas não foram eles que estavam dando aula para gente, quem tava dando aula
para gente é a PUC-Nova Escola
(D apela para a função de empréstimo de desejo anteriormente mencionada, o
pessoal da PUC não é fracassado, são eles que garantirão nosso sucesso)
G: Não foi isso que ele falou, ele falou assim
(G por sua vez tenta dar suporte à união do grupo)
B: Não tou falando isso, não estou falando dos professores, estou falando das pessoas
que eles trouxeram para dar uma dinâmica de cooperativa para gente, eu não estou
agredindo ninguém, só estou dizendo que eu senti aquilo um desânimo
(O desânimo sentido por B agride diretamente os pilares do grupo, traz a revelação
de um destino inevitável, traz o peso da fragilidade do vínculo no grupo)
D: Ah entendi, entendi mas...
B: eu senti um desânimo mas quando um grupo vai lá que tá todo mundo trabalhando
se uniu...
D: Você não pode julgar o trabalho por esse exemplo né, existem muitas outras
cooperativas
157
B: Para mim foi um fracasso aquilo, como é que se começa com vinte e só tem um?
Como é que se começa com trinta e seis e só tem dois. É uma aula que para mim não
teve sentido eu senti um desânimo que nós estamos querendo formar uma
cooperativa e aí o cara vem dar em vez de trazer uma coisa que dê ânimo para gente
vem e trouxe uma coisa que deu desânimo... Para mim é fracassado
O desampara traz consigo algo da violência
D: Você tem que levar em consideração o que o Bruno, o pessoal da PUC-Nova
escola levou para a gente
B: Mas eles antes, você se lembra ... Nós vamos trazer o pessoal da Alvorada aqui
porque...
D: e as cooperativas não se resumem só nesse dois exemplos que você viu lá. Não é
baseado nisso que você vai julgar todo resto
B: Eu como professor não traria aquilo para a turma, eu como professor eu não traria
aquilo para a turma
D: Eh..
Entrevistador: É uma perspectiva, é uma impressão que você pode ter e pensar a
respeito do que vai ser, mas não necessariamente será deste jeito
(fico tomado pela tensão, a intervenção partilha um desejo de que o grupo consiga
superar a frutração)
B: Se eu estou querendo animar o grupo, eu tou querendo formar o grupo, eu como
professor, eu sou professor de desenho, eu pego um monte de criança (?) uma criança
igual aquele monte de criança que está lá, agora eu tou querendo animar a gente
como é que eu vou fazer vou trazer aqui o pessoal da Alvorada, porque eles falaram
o pessoal da Alvorada, tô pensando que, pô eles não tem sede, bicho, tão trabalhando
duas mulheres vendendo umas bolsas caríssimas...
158
A: A gente entende, você está falando das suas frustrações, eu acho legal isso porque
eu também tenho as minhas, por exemplo eu não vim para me cooperativar, eu vim
pelo mapeamento cultural que foi uma coisa que ficou muito muito aquém do que da
proposta original do projeto, acho que todo mundo tem que trabalhar com as suas
frustrações também, porque tem bastante, como eu não vim para, eu vim por um
período fixo onde nós iríamos desenvolver um trabalho que me interessava e
justamente esse trabalho não foi desenvolvido. A parte de mapeamento cultural ficou
quase nula né
(A identifica-se com as frustrações, com a promessa não cumprida, com a
desesperança, apesar de não sentir-se confortável em abandonar o barco)
B: Posso concluir só o meu... aí eu conheci esse pessoal todo criei um nova, eu tava
muito mesmo caidão mesmo, num tava passando fome tendo onde morar e tudo, mas
tava numa depressão muito grande, mas com todos esse meus conhecimentos meu
deu idéia de voltar a trabalhar, eu vi que ainda tinha gente pintando placa, eu vi que
tinha gente pintando faixa, eu faço retrato eu ganho dinheiro com, eu sou retratista,
eu olho para qualquer pessoa e desenho e conheci o pessoal do meio cultural. Eu
tenho, tou vendo luz, tou achando que o ano dois mil e cinco vai ser bom, eu não
quero só para mim, eu quero para o grupo, nós estamos juntos, mas se o grupo não
houver um entendimento entre o grupo vou partir para o meu eu que é o meu direito,
que eu tou com a idéia de montar uma empresa de pintura novamente, de pintar
placas, cartazes e vender material de pintura, estou me preparando para isso, quer
dizer para mim serviu porque me deu aquele schii, eu acordei, eu vi que não tava
tudo morto para mim, eu tava vivo, eu estava me sentindo morto. Agora quanto a
aula de cooperativa, eu como professor, eu jamais levaria aquele tipo de conversa
159
como essa para quem ta querendo te levantar, eu não levaria, dentro da ética
profissional, eu não levaria
(B reconhece e faz ressoar a argumentação de A em favor do término do grupo, a
saída individual protege das frustrações do grupo e permite transformar a passagem
pelo grupo em aumento da auto-estima e fortalecimento)
G: então isso que eu quero, quis dizer com relação à heterogeneidade, também estava
nessa situação, eu tinha acabado de separar, faço clown, sou palhaço e tal e a gente
fica numa situação de muito .. é .. desanimado e quando aparece uma proposta desta
a gente se enquadra e isso foi, as várias dinâmicas que foram realmente me
reanimando embora a gente tenha então visões distintas por que quando a gente
empreende sozinho a gente tem de ser muito rápido às vezes, e perde até às vezes
oportunidade e não tá nem percebendo, então por exemplo você julgar uma coisa
assim rápida é ou não é bom, tal, porque você tá sozinho, tem que fazer tudo, agora
quando a gente tá no grupo a construção de algo criativo no grupo ela tem outra
dinâmica e às vezes a gente não percebe isso. Então esse curso tá me ajudando nesse
sentido, me ajudou e acho que tá ajudando muita gente que eu percebi que entrou e
tinha, que não percebia esses elementos e agora consegue um pouco mais, ainda não
tá bom, tem que batalhar muito, mas tá bem melhor que quando iniciamos
(G tenta resgatar B, seu apelo a biografia o identifica a B e não o distingue como
antes havia tentado expressar, introduz no entanto o perigo e a dificuldade da ação
individual, desde o início é G que representa o grupo)
B: Já tem uma dinâmica
D: É isso que eu, que o B falou com a questão da frustração e o A também colocou a
frustração dele, acho que então assim posso dizer que é natural, perfeitamente natural
dentro deste projeto que ele também, assim é um projeto pioneiro é uma experiência
160
nova uma coisa nova e que é assim dele todo mundo tá tateando claro até as próprias
coordenadores é claro tudo foi bem encaminhado até o conceito mesmo de mediador
cultural a gente tá meio formando. (A frustração é de todos, e agora que está
reconhecida é preciso apelar para algum elemento que possa atravessar o impasse)
E a gente agora nesse final também tá se organizando é a cooperativa é uma, seria
uma, um tipo de, uma forma da gente se juntar e fazer um trabalho, constituir um
grupo, uma empresa, uma coisa mais legal. Mas aí não para por aí, começa pelo tipo
de projeto que a gente vai fazer, que tipo de coisa, como é que a gente vai trabalhar
com a arte e cultura, que esse é o trabalho central do mediador cultural que é um
pouco diferente que eu tava comentando com você do monitor que vai trabalhar num
museu, num parque, hotel e outro tipo de coisa mas a gente tá querendo ser um
pouco mais amplo talvez de levar essa arte e cultura para uma população maior pro
povo, para a pessoa vamos dizer assim, não erudita, pessoal da periferia, pessoas de,
até o museu aberto é um pouco isso também é botar o museu na rua botar a essas
pessoas a cultura e a arte, então voltando aí dentro do projeto todo de mediador têm
algumas coisas que ainda não foram todo mundo ficar cada um de nós tem algumas
frustrações e essa coisa do campo que a idéia é fazer a identificação do campo e até
fazer um site mesmo dos postos culturais da vila mariana o trabalho, a proposta
inicial é essa o trabalho dentro da região da Vila Mariana no próprio projeto dos
Mediadores Culturais, claro que na verdade a gente não vai ficar só na Vila Mariana
a gente vai se expandir mais pelas outras áreas mas então a idéia inicial era de fazer
um mapa da região de Vila Mariana e de fazer um site que não aconteceu e que pode
gerar bem um tipo de frustração, mas são coisas que não param por aí acho que é
uma coisa que pode acontecer. Daí é assim, toda essa história da cooperativa é na
verdade uma coisa que já vem fala... a própria W. que é uma das coordenadoras
161
desse projeto tem falado assim, vamos começar a se juntar já pensando em alguma
coisa porque é assim, formou, acabou os Mediadores depois vai cada um para um
canto e acabou por aí, não deu prosseguimento, então a idéia de já é uma coisa que
está sendo germinada ou já implantada já algum tempo para a gente de certa forma
dar continuidade nisso e o próprio conceito de mediador ser formatado mesmo,
concretizado né
(A cooperativa, o trabalho com arte e cultura, a missão de transcender o
oferecimento tradicional da arte à população são as proposições que servem de
amarra ao grupo, elas vão de uma realidade mais próxima até uma dimensão maior,
que engloba mais aspectos. Há que notar também que quanto maior o objetivo maior
a negação da frustração anteriormente colocada, talvez esteja em questão o risco ao
pacto do grupo. Constituídos a partir das marcas do fracasso, a tarefa aqui
colocada é superar essas marcas, ou render-se ao esfacelamento, a angústia os
recoloca em contato com sua origem, pensando desta maneira qual é o papel de A
no grupo?
Entrevistador: Quer dizer que além da perspectiva de cooperativa, teriam outras
perspectivas para esse trabalho do projeto de Mediadores Culturais?
G: É tanto é que até por exemplo agora entre outros projetos de mediação cultural
que o CECCO desenvolve teriam outro: os projetos de jardinagem e ambiental
A: Agentes ambientais
G: agentes ambientais, né e como a W. faz parte, também faz parte de uma ONG
chamada S.O.S. Saúde Mental e ela tava em negociação, essa ONG estava em
negociação para um terreno aqui em Vila Mariana, foi conseguido esse terreno ontem
afinal e eu me interessei e fui atrás e vou ser um dos beneficiados, porque precisam
ser vinte pessoas para estar ocupando esse terreno com agricultura orgânica então eu
162
entrei e também vou estar propondo ações de mediação cultural, quer dizer isso é
uma das oportunidades que se abrem daquelas que o D tava falar de fazer mediação
cultural propriamente dita em outros espaços culturais da cidade
Entrevistador: Esse projeto de mediação cultural vai ser reeditado a partir do
próximo ano?
A: Não se sabe porque é o seguinte, como esse projeto foi desenvolvido por aqui no
CECCO nessa gestão a gente não pode saber porque existe problema de continuidade
né, pode se que por exemplo assim, o CECCO tome uma outra direção na próxima
gestão porque ele é muito modificado de acordo com a administração da prefeitura,
ele teve um período que ele ficou praticamente sem atividades, foi no período do
governo Maluf. Ele iniciou no governo Erundina e aí depois durante o Maluf ele foi
quase desativado, começou a voltar no final do governo Pitta e agora com o governo
da Marta ele tomou um novo impulso então a gente não sabe também como é que vai
ficar a situação na próxima gestão com essa mudança de, ele pode até ganhar novo
objetivo, novas diretrizes tudo, pode mudar também a administração. Então tem
muita coisa que pode mudar e pode acontecer do projeto não ser reeditado....
A esperança recai sobre este projeto como chance única de desbravar o caminho da
recolocação no mercado
C: Virar posto de saúde
Do trabalho pela via do fracasso de volta ao campo da saúde. A saúde só aparece
como antípoda do trabalho.
A: Não mas também pode ser que ganhe até mais projeção porque a gente não sabe,
não dá para ter certeza
Entrevistador: Que é que você acha disto, de virar posto de saúde e só?
163
C: Não porque o CECCO todo enfoque dele é sempre voltado para a saúde é por isso
que eu fiz essa ironia aqui, ele não vai investir na cultura só na saúde
Investir na cultura significa negar o passado da saúde
A: Não senhora, o CECCO é uma instituição da Secretaria da saúde, ele está lá na
ponta de toda a rede, então é a última parte de sociabilização da pessoa que passou
pelo sistema e saúde, de retorno à comunidade, acho assim ele tem uma função muito
importante dentro do sistema de saúde e o Serra não é nenhum estúpido acho...
A explica a passagem
B: Tá bem claro
A: ...para perceber isso, pode ser que ele não queira por questões, porque existe,
inevitavelmente existe um desvio político dentro deste tipo de máquina, pode ser que
ele queira retrabalhar essa questão aí e mudar a diretriz, mas que ele é importante ele
é tá entendendo então acho que a gente não pode falar que isso aqui é uma instituição
de cultura
Mas nesse ponto recua, reintroduz a dicotomia entre saúde e cultura
C: Nenhum minuto achei que isso não é importante, só acho que o Serra não dá
muita importância para a cultura
A: Acho que não
B: Porque tem uma lei para ser transformado em profissão, né. A mediação cultural
que eu não sei quando é que isso vai ser votado agora a nossa vitória de ter começado
esse curso esse ano é que esse ano foi um ano nota mil para a mediação cultural,
houve muitos eventos, foi muito badalado, então nós pegamos uma época bem boa
porque tem muita gente que não sabe o que é mediação cultural o negócio é que
houve muitos eventos, muitos encontros, fóruns mundiais de cultural então foi um
ano bom que foi muito..., saiu na mídia demais mesmo, tanto é que nosso grupo é
164
bem badalado, todo mundo quer saber os Mediadores Culturais, quer conhecer e nós
vamos ver os frutos agora depois que receber esse canudo né, entendeu, vamos ver.
Nesse ponto aí eu estou com perspectiva, porque o ano foi muito... ano da mediação
mesmo, foi riquíssimo
A dimensão do comentário de B é outra, não são mais as questões institucionais que
estão em pauta, o que importa é o grupo naquilo que coletou de seu passado e pode
impulsionar seu futuro
Entrevistador: E como é que é a relação com os outros grupos? Falou do projeto dos
agentes ambientais, como é que é a relação?
A relação com os agentes ambientais parece-me ter sido tratada com um certo
descaso, explico:
G: Acho que nesse primeiro momento ele ainda é, como a gente está em caráter de
finalização de formação ele ainda é um pouco distante entre aspas, a gente conhece
um outro ou outros elementos, mas assim, não tem uma integração. Eu acredito que
agora, principalmente depois dessa concessão deste terreno dessa possibilidade e a
partir da formatura onde vai ter um congraçamento maior e vai estar acontecendo
uma aproximação maior
Como não conhecem já que G aponta a pouco uma passagem que ele mesmo fez? O
que parece acontecer é que G agora falando pelo grupo fala dessa vocação solitária
de vencer a barreira da exclusão, o grupo sente-se só nesta tarefa e mais, sente o
fracasso aproximar-se.
A: E também chegou a, eu não sei, eu não estou participando das reuniões da coisa
da cooperativa, mas parece que chegou a se aventar a possibilidade da...
B: Não, não, não
165
A: de do pessoal dos três projetos de se juntar para formar uma cooperativa, que
atuaria separadamente, mas para efeitos legais estariam num grupo, parece que já foi
descartada essa idéia não tenho muita certeza com vocês aí...
Alguém aventou que eles não estão sozinhos diante da tarefa
C: foi
A: mas se chegou até a se pensar isso porque vocês também estão freqüentando as
reuniões da
C: os agentes porque os jardineiros quase não, poucos apareceram e na última aula
não foi ninguém
A: acho que por causa da característica da profissão porque eles podem atuar
independentemente
C: e eles são em números maiores, se eles quiserem montar uma cooperativa só deles
também já que eles são em vinte e três acho jardineiros, vinte e três é, agente
ambientais também são vinte e um, vinte e dois, também podem montar uma só
deles, as pessoas desistiram, o Rodney que é o monitor dos agentes ambientais que
quer entrar para o grupo dos Mediadores que ele falou que não quer trabalhar com
meio ambiente, aí pediu para entrar para o grupo
Eles podem montar uma cooperativa só deles, estão em maior número
Entrevistador: Como é que foi a escolha pelos Mediadores Culturais? Falou-se de
uma seleção, foi todo mundo selecionado?
C: Todo mundo
B: Foi, foi feito entrevista, condições também, como a pessoa vivia, um pouco de
conhecimento assim, foi feito uma entrevista com as pessoas, que geralmente todos
nós aqui estávamos recebendo essa bolsa de duzentos reais e aí ajudava pra caramba,
166
mesmo pra transporte, sobrava algum ainda entendeu. Todo mundo desempregado,
veio numa hora boa
A: Existiam requisitos mínimos pra você ser aceito por causa dessa bolsa ser da
Secretaria do trabalho
B: Existiam requisitos, o tempo que você está em São Paulo
A:algumas coisas, você tinha assim, tinha uma renda máxima que a família poderia
ter, no caso se você mora sozinho seria tua renda né, renda declarada, tinha a
condição da idade
B: A idade
A: Acima de quarenta e abaixo de vinte e um, tinha condições de risco, ta, que
envolve a situação da pessoa
D: na região
A: é, é na região era uma das condições, só que essa condição foi muito barganhada
entre as coordenadoras e a Secretaria porque é difícil você encontrar nessa região que
é uma das regiões mais ricas da cidade pessoas que , sabe, tenham esse perfil. Assim,
tinham algumas pessoas que até se enquadravam por outras questões mas não
estavam morando na região. Agora, eu gostaria de falar um negócio, que não
querendo por ninguém na reta, mas assim a única pessoa que está aqui representando
a bolsa trabalho é o Fernando, mas o Fernando até agora não falou nada, acho que ele
podia dar o parecer dele porque é um pouquinho diferente, os outros são do começar
de novo
B: Mas agora ele já aprendeu a falar né, porque quando entrou não falava
A: Ele aprendeu, ele sabe falar só que tem que dar a deixa
H: acho que essa questão da seleção tem isso mesmo que estava falando
167
A: oh H. (fazendo um gesto para que ele retirasse a mão de frente da boca), senão eu
não escuto
H: Ah, as condições, condições que o jovem vive também, foi perguntado de renda,
foi tudo isso que ele disse mesmo
Entrevistador: E cumpriu tua expectativa, H.? cumpriu tua expectativa quando você
se integrou ao grupo, era isso que você queria?
H: É agora, agora ta surgindo agora, vou esperar a cooperativa para ver se dá certo
porque é isso que move
Entrevistador: é isso que move...
H: É isso que move o grupo
Entrevistador: Para todo mundo cumpriu a expectativa o grupo
G: é
B: para mim cumpriu, acima do que eu imaginava
A: a situação do pessoal do bolsa trabalho é um pouquinho diferente porque eles
estudam também, eles estão ainda em fase de formação acadêmica de escola e tudo,
então é um pouquinho. Quer dizer para eles as perspectivas são bem diferentes do
que .. a gente recebia no grupo, eles têm ainda, dá para sentir que têm ainda assim
um
B: dúvidas
A: uma idéia, uma expectativa ligeiramente diferente do resto do grupo, porque eles
ainda estão numa fase muito inicial de formação, então essa idéia eles não têm muito
aquela certeza de investir nisso, não sei se isso é impressão minha, talvez você
pudesse falar melhor sobre isso, o que é que você pensa sobre isso aí já que você é o
único representante
168
H é tratado pelo grupo como elemento distinto, sem experiência (fator que parece
preponderante na divisão dos grupos), e que precisa de auxílio, o grupo então se
organiza para tutelá-lo.
H: tá pergunta, mas assim sobre o que mesmo? Essa última questão que você
levantou?
A: Não eu falei sobre essa questão de ter dúvidas e o que essa formação significa
para vocês, se isso é verdade que eu tenho a impressão de que vocês ainda estão
trilhando, fazendo a, terminando a escola, Eu acho que para vocês é um pouquinho
diferente, estão meio divididos e o que vocês pretendem com isso?
H: A proposta que envolveu o grupo foi conseguir o primeiro emprego que foi o mais
jovem e foi isso que me moveu ao grupo e de minha parte mesmo dizendo acho que
não tenho uma opinião formal sobre as minhas expectativas, as expectativas corretas,
entendeu? Até porque eu sou mais jovem mesmo no grupo, 16 anos, e tem mesmo
essa questão de certeza
Parece-me chave o elemento da certeza, os outros tem de ter certeza do caminho,
apesar de não terem
D: ter um mínimo de experiência,não é? É a fase das experiências, já não sabe o que
vai fazer da vida, tem que ver as opções, tem que experimentar as coisas
Entrevistador: São dois grupos, não é? Um grupo das pessoas que estão conseguindo
o primeiro emprego e um outro grupo de pessoas pleiteando uma recolocação
profissional,é isso?
Não são dois grupos mas o intuito era explorar essa divisão que apareceu no
discurso do grupo
B: Começar de novo...
Entrevistador: O Começar de Novo?
169
G: É, não é que são dois grupos, são dois perfis diferentes dentro do mesmo grupo
Perfis? No começo não eram todos muito distintos, e agora se agruparam por perfis?
Entrevistador: É o mesmo grupo?
B: É um grupo só
G: Eu estou tentando responder sua pergunta quando você falou que se todos
responderam a mesma expectativa, eu até quando comecei, falei no curso,
perguntaram qual sua expectativa, quer dizer, eu disse que nenhuma, porque eu acho
que do jeito que a sociedade está constituída nesse momento, entendeu, por várias
razões, existem muita carência de tudo, tem muita demanda e muita carência de tudo.
Se você está dentro para se sustentar, se você está dentro de um trabalho normal, em
uma empresa, você tem objetivos, metas e é aquela coisa, cumpriu está dentro, não
cumpriu está fora. Quando a gente entra para o grupo dos não-empregados entre
aspas, quer dizer, você tem uma oportunidade também de estar em grupos como esse
e também tentar fazer alguma coisa que você gosta porque eu acho que o que move
mesmo o ser humano é o afeto e a gente está aprend(endo) e então é aí que eu fui
enten(der) percebendo como a gente vai limando o fato de não se conhecer e não e
em decorrência disso não saber querer bem o outro, não saber que o querer bem ao
outro faz bem para você, entendeu. O trabalho nos aliena do outro, nos afasta pela
mediação do produto.E que é um conceito que a gente precisa aprender a resgatar e
criar para poder ser produtivo e que nesse modelo neo-liberal não existe isso o que
existe é a competição, ora eu ganho, ora você perde, não é, ora você perde, ora eu
ganho e às vezes que você, que eu perder eu posso perder para sempre de uma forma
a sucumbir que é o que está acontecendo na sociedade aqui existe, nesse tipo de
trabalho existe uma perspectiva de a gente conseguir de repente criar um afeto que
não precisa chegar nas raias da intimidade, um afeto de querer bem o outro e então
170
em decorrer disso o que vamos fazer e aí a gente criar as metas através desse afeto é
essa a minha expectativa que eu fui criando conforme foram sendo feitas as dinâmica
e uma hora a gente sentiu a aproximação das pessoas e aí esse perfil dentro do grupo
daqueles que estão começando pela novamente e aqueles pela primeira vez que estão
tentando ele vai se aproximando tanto é que está aí o Fernando, pelo menos um
elemento representando, tentando se fazer presente e conseguindo fazer uma
comunicação, a gente, os mais antigos, conseguindo limar seus apegos, que a gente
tem muito, né, aquelas coisas que você já passou e acha que vai dar certo mas não vai
dar certo mais porque o momento é outro, a gente tem que aprender a descartar isso
para poder deixar entrar o novo. É essa a minha expectativa que está começando a
tomar forma, vamos ver se a gente dá conta do recado.
G rebatiza a divisão do grupo, coloca a questão como uma questão de afeto, de
aproximação e distanciamento
A: Teria algum coisa mais que você gostaria de perguntar para gente?
Entrevistador: teria muitas coisas que eu gostaria de perguntar, eu acho que a
entrevista é bem produtiva portanto ela é bem ampla mesmo, para fazer uma última
pergunta para também não tomar o tempo de vocês: a partir dessa experiência com o
mercado de trabalho, que vocês já tiveram, como pensar isso a partir do que vocês
passaram pelo grupo? Todo mundo veio de uma experiência, uma experiência ainda
não concretizada, mas imaginada com relação ao mercado de trabalho ou já passada
e depois... Como decodificar isso a partir do grupo? O que é que o grupo fornece
como elemento novo para pensar essa questão do mercado de trabalho, inserção no
trabalho?
B: Falando do grupo eu acho que o próprio grupo já se sente capacitado de fazer um
trabalho conjunto, eu acho que o grupo já se sente capacitado para isso porque a
171
formação foi bem rica. Eu me sinto capacitado como mediador cultural para fazer um
trabalho, uma monitoria em qualquer lugar sobre qualquer assunto cultural. E eu
acho que o grupo também, devido ao que eu conheço de cada um, pela formação de
cada um, pela essa convivência de seis meses eu acho que o grupo está capacitado de
assumir qualquer trabalho dentro dessa área de cultura, estou falando do que eu sinto.
Penso que B está mais preocupado em compensar a angústia sentida, por ser o porta-
voz do fracasso
G: Eu já diferentemente acho que não, acho que a gente teve apenas uma pincelada e
o grande desafio é isso que você está colocando, entendeu? O que a gente vai criar,
como a gente vai criar para atender uma demanda que tem um certo gap, um
intervalo entre aqueles que fazem já a mediação, que geralmente tem uma formação
universitária, que estão em formação universitária, tem um vácuo aí que dá para a
gente ocupar e a gente tem que saber identificar isso e saber como fazer, o que
fazer...
B: perfeito
G: E saber também que o mercado é muito exigente, entendeu? A gente não pode
entrar só achando que porque a gente tem uma auto-estima legal que vão aceitar a
gente, não às vezes as pessoas não gostam e a gente tem que entender isso e no nível
profissional não é só o não gostar às vezes a gente mostra a cara e além de não gostar
a gente é queimado, então o desafio é muito grande. E, essa é minha visão, a gente
precisa ter esse desafio e ter essa consciência para poder entender que é sério, não é
uma brincadeira.
D: Eu concordo com o G e ... deu branco... mas assim eu acho como você falou da
passagem de onde nós viemos para colocação em trabalho que já tivemos, acho que
cada um tem um pouco já em seu histórico uma coisa que se identifica com esse
172
trabalho que está surgindo agora. Eu particularmente já trabalhei em rádio
publicidade em marketing e então acho que assim, começa a surgir a oportunidade de
a gente dar continuidade de certa forma a um trabalho que já vinha se
desenvolvendo, de certa forma também, é um desafio mas acho que está dentro de
uma coisa que já se identifica. mais uma chance...
C: Só que agora é trabalho em grupo
D: Começar de novo de novo
O chiste indica o movimento perpétuo de repetição. Por que esse eco infinito?
C: Começar de Novo de novo, mas investir também em mais formação, é o que o G
falou, foi uma pincelada não foi um curso formatório, eu não concordo que tenha
sido um curso formatório, foi um curso informativo. A gente aprendeu sobre várias
coisas, relembrou algumas que já sabia, mas que já havia até esquecido, ms como
foram aparecendo várias coisas novas durante o percurso também, as monitoras
queriam colocar outras coisas acabou se perdendo o rumo do projeto inicial do curso
ou por falta de verba ou por falta dos parceiros cumprirem o que estava prometido
antes, algumas coisas forma se perdendo no meio do caminho, mas a gente não pode
se comparar para querer trabalhar num museu que só pega universitários formados
Há uma questão com a formação, pois esta formação que tiveram e terão não os
forma, não os dá as condições e competir com os verdadeiros formados, assim seu
lugar é o do intervalo, do hiato, do trabalho que os universitário rejeitam
B: tem sempre o primeiro desafio, não tem jeito
C: O primeiro desafio e se queimar. Tem que primeiro saber onde a gente pode ir,
fazer projetos, investir em formação, isso é um dos lados bons da cooperativa que o
tinha falado de ter uma verba destinada em cada tempo de dois em dois meses, nós
173
vamos investir, nós vamos fazer um inglês, nós vamos arrumar um outro curso
formatório com o dinheiro da cooperativa. Esse é o lado melhor da cooperativa
Aqui C refere-se ao vínculo de dependência, precisam de mais, já que as condições
do curso foram insuficientes, assim recorrem ao imaginário que recobre o mercado
de trabalho: a carência está em quem não está preparado para responder à demanda
do mercado, é preciso continuar sempre nesse bordão, mais um curso de inglês, quiçá
uma reciclagem
D: é uma formação continuada, a gente não pára por aí
C: Não é, a gente pode fazer os nossos projetos, procurar criar um campo novo já que
é uma profissão nova, mas não se oferecer para trabalhar em museu porque não fica,
não vão nem contratar
D: trabalho no Rio de Janeiro porque é uma panorâmica de todas as artes, teatro,
música, cinema, patrimônio histórico, dança e cultura popular, artes plásticas enfim,
mas a gente tem de se aprofundar em algumas delas ou em todas, para trabalhar em
qualquer área a gente vai ter de se aprofundar, como o G falou a gente não vai
queimar o filme por aí achando que a gente sabe tudo, a gente tem afinidades e temos
que ter condições de encarar de aprofundar e fazer um trabalho planejado, mas é
trabalho, muito suor aí
A: No meu caso, embora o que o D esteja falando de afinidade com essa área de
cultura e arte eu acho que aprendi um monte de coisas que foram importantes para
mim, que está subliminar dentro da formação, não é especificamente, em alguns
casos, eu acho que foi até bem específico a gente trabalhou com uma arte terapeuta,
tivemos uma oficina com ela e ela foi uma das pessoas que coordenou atividade com
o grupo, chama Rute. Eu acho assim, para mim foi muito importante essa coisa de
trabalhar em grupo e isso foi uma das coisas que a gente discutiu muito a questão da
174
tolerância, porque como ele disse existe uma diversidade muito grande de pessoas
então às vezes existe muito conflito para trabalhar e isso para mim foi super
importante porque aprender a trabalhar com o conflito também para que algo resulte.
Eu acho que, e dentro disso eu fiz umas avaliações assim do meu passado, de minha
trajetória, de outros trabalhos, eu cheguei a uma conclusão assim apesar de ter vivido
circunstâncias que acho que foram importantes no mundo atual, a exclusão tem um
componente que vem da gente mesmo, que é muito forte isso, se a gente não trabalha
isso a gente cria um certo isolamento e eu acho que a dinâmica do grupo possibilitou
estar sempre avaliando isso.
Entrevistador: Você acha que a gente age em favor da própria exclusão
A: Acho
G: Eu assino embaixo
A: é uma opinião pessoal
É uma recusa do grupo?
D: é o primeiro impulso de qualquer um
G: Um trabalho como esse é muito importante porque ele traz de novo a
possibilidade da gente se incluir antes de mais nada você pessoalmente se incluir
Entrevistador: Se incluir onde?
G: Se incluir como pessoa dentro da sociedade, como uma pessoa indep(endente)
válida
Vencer a dependência e passar a ser válido
Entrevistador: Você perde esse registro em algum momento
G: É do jeito que, como eu tinha falado antes, do jeito que a sociedade capitalista se
organiza, é na competição, então ora você ganha, ora você perde. Quando você perde
às vezes você perde de um jeito que você não consegue se reelaborar, então projetos
175
como esse ajudam você a se incluir, voltar a reelaborar e se incluir antes de mais
nada você com você e em decorrência disso, na sociedade
Não é o trabalho que adoece, mas a perda no jogo capitalista
A: O que ele estava falando é o que eu estava tentando dizer, na verdade a gente
precisa antes trabalhar com a gente a questão da auto-estima que baixa quando tem a
exclusão, antes de conseguir qualquer coisa lá fora, então acho que tem que estar,
acho que até os conflitos que aconteceram aqui eu acho que foram importante para
sentir isso, que isso às vezes cria situações que fica impossível, você está vendo de
daí dar ir para a frente. Então teve momentos que a gente teve que parar né e discutir
o que estava acontecendo, foram associações pesadas para todo mundo mas que
foram muito importantes, acho que aquilo deu a possibilidade da gente reavaliar a
nossa questão de grupo, reavaliar a nossa questão interna para poder voltar à
proposta que estava no cronograma então acho que para mim isso foi muito
importante. Foi uma visão que eu não tinha antes talvez porque eu trabalhasse muito
isoladamente, eu acho que isso é uma coisa muito importante a questão trabalho no
grupo
Entrevistador: Gostaria de agradecer a todos pela entrevista, aprendi bastante com
isso aqui e a idéia como eu já havia dito antes é poder fornecer um subsídio com essa
entrevista...
A: Eu acho que a situação prévia de doença pode fazer com que a pessoa se ela
conseguir elaborara situação que ela volte mas com com
G: uma qualidade
A: com, como é que se diz, com uma hierarquia diferente de valores e que possa
evitar essa questão da doença, porque quem já passou pela situação tem condições eu
176
acho de lidar melhor com a situação se conseguir elaborar nesse período o que
passou, então acho que é uma chance que as pessoas tem de se reintegrar de uma
forma diferente, com valores diferentes, com perspectivas diferentes, porque essa
coisa da doença no trabalho é muito de quem nem pensa no que está fazendo, está
fazendo como uma máquina quase, desrespeitando todas as suas limitações humanas.
Uma outra coisa que a gente lidou muito aqui foi com limites, então assim de
respeitar limites, ninguém vai pedir para que uma pessoa que tem fobia de desenhar,
fazer um desenho de dois metros três metros nas paredes, nem ela vai se propor né,
então assim, essas coisas foram muito discutidas quando apareceram, eu acho assim
sabendo trabalhar isso existe uma perspectiva muito boa de retorno
D: Eu achei na, lembrei de uma coisa interessante, a gente está trabalhando com arte
e com cultura e aí lembrei do Adorno, não lembro o primeiro nome dele que
promove..
A: Theodor
D: Não ele esteve aí no SESC fazendo palestra aí, não é dos antigos não
A: Ah tá
D: Promove o lazer, a cultura do lazer, então acho que a gente deveria pegar os
conceitos dele e promover o lazer, no trabalho também, a gente está muito ligado a
cultura a arte também
A: Existe um italiano Masi que também propõe
G: domenico
A: Domenico de Masi
D: É esse aí, acho que você está falando do trabalho que só destrói de certa forma,
inclui mas também exclui no pior sentido da palavra, então vamos fazer ele
177
promover o lazer como crescimento, como questão de saúde e terapia para
compensar isso
G: Para mim, o problema é escala, com essa história do Estado entendeu? das
empresas de terem que vender muito para poder justificar uma produção, para poder
pagar impostos, para poder dar lucro para poucos a gente entra nessa voracidade do
trabalho de ter que produzir muito e vender muito, quando na realidade a nossa
necessidade é vender bem, produzir e vender bem. O que é vender bem? Nem
sempre é vender muito é saber comprar quem você está vendendo, o nome de quem
você vende, ter uma qualidade da relação
D: Não é quantidade, é qualidade
G: é um jogo né de equilíbrio, de quantidade e qualidade
C: A gente precisa ir embora....
5.8. A leitura do grupo
A entrevista principia com uma confusão sobre o nome do projeto, há uma
incerteza colocada sobre quem são e o que fazem. Não é a toa que são testadas várias
definições e nenhuma consegue obter sucesso e apaziguar o impulso de renomear.
Projeto de formação, oficina de Mediadores Culturais, Museu Aberto e Mediadores
Culturais: trata-se de uma incerteza que remonta ao próprio programa de onde vêm
os participantes do projeto. Não é só não saber quem é, mas não saber onde está e
nem de onde veio. Poderíamos formular nossa primeira hipótese que se refere ao
CECCO: a enorme quantidade de parcerias vem para confundir, a idéia de parceria
traduz-se numa idéia de ampliação sempre crescente. O que as parcerias permitem e
178
o que elas encobrem? A nomeação parece operar na realidade uma retirada dos
nomes.
A idéia de parceria poderia estar ligada à idéia de não ter, para compensar a
falta vou fazendo parceiros. Toda reinvenção a que se submete o serviço denota a
ambigüidade instalada desde sempre. A missão da reformulação sem recursos está
implícita na demanda pela saída criativa. Quem cuida da saúde mental é ao mesmo
tempo revolucionário e resto do sistema de saúde. Competem esses dois valores.
É importante também a idéia de fracasso que vem representar em algum nível
a instituição. Na luta contra a viabilidade do projeto institucional, o fracasso precisa
ser mascarado, o projeto tem que dar certo. O desamparo que aparece e poderia ser
uma ambivalência na fala, talvez esteja atuando no CECCO (e porque não em outros
serviços, já que esse parece ser um traço estrutural da atenção à saúde mental) para
encobrir o fracasso.
Paradoxalmente a fala de B. aponta o medo de perder a memória do fracasso,
não quer se iludir, o fracasso aparece a serviço da memória. Que fracasso encobre? O
fracasso da própria instituição sua condição faltante na estrutura do atendimento à
saúde. Carro chefe de um projeto de Reforma dos atendimentos, a instituição fica à
deriva sem o lastro político e sofre ataques a sua existência. Debela os ataques por
meio de um pacto de amor, de confirmação mútua entre usuário e instituição. A
fragilidade do pacto impele a confirmação sempre nova (“Começar de Novo”), uma
promessa também sempre nova. O custo vem estar no elemento transformador da
experiência do CECCO, sua incompletude, sua prontidão para a mudança, para a
rearticulação. O CECCO faz sim um bom agenciamento social, melhor que qualquer
reclusão da estrutura sanitária, consegue romper com a vocação ancestral da
reclusão, determinada socialmente, que ordena a cultura no tratamento da loucura.
179
Mas, esse agenciamento acaba vindo a serviço da instituição e na do usuário o que
certamente é uma questão.
5.9. Dois Grupos e uma mesma realidade?
Quais os elementos comuns entre essas duas experiências, como depreender
disso elementos que nos ajudem na compreensão do papel do CECCO na articulação
de projetos? E a discussão sobre o caráter terapêutico dessa passagem.
Do princípio, é preciso estabelecer o que entendemos por terapêutico nesse
campo. Seja o modelo do CECCO ou de qualquer outro aparelho de tratamento, o
comprometimento com o usuário e provimento de um suporte são elementos básicos.
Não seria nem justo entrar em questões macroestruturais sobre a ambigüidade do
conceito de trabalho se desde sem entender a dificuldade inerente ao processo de
trabalho. Retomando nossos apontamentos sobre Dejours, o campo do trabalho é
fator preponderante na ocorrência de vários quadros de saúde, quadros psíquicos e
físicos.
Assim toda e qualquer passagem de inclusão no campo do trabalho não se faz
sem enfrentar o sofrimento. Certamente há ganhos com isso, já demonstramos em
nossa introdução como as identidades em nossa sociedade são negociadas a partir das
posições de valor econômico, e nessa medida somos o que temos.
A posição da instituição revela o paradoxo das instituições de saúde, tratar o
intratável, conter o que não pode ser contido, lutar contra seu propósito sempre.
180
5.10 Analisadores dos grupos
O analisador fracasso é comum a ambos os grupos, entendemos que é
possível que esteja articulando significados relativos à instituição de modo geral. Da
maneira como a nossa leitura é feita, a inscrição do fracasso tem de ser apagada de
modo que o projeto institucional se viabilize. Toda a insuficiência vivida na
instituição é implodida e elidida através do sem número de parcerias estabelecidas
pela instituição. O que compete ao CECCO? Talvez a mesma função de empréstimo
identitário que a instituição promove com seus usuários ocorra no nível das parcerias,
e assim a sustentação do projeto é confirmada pelo lastro das outras instituições
parceiras, assim, de novo, não aparecem as falhas e há um movimento perpétuo de
retro-afirmação. Não afirmamos que a instituição deva funcionar em total
isolamento, mas chama a atenção, como esse traço da experiência quando aparece
mobiliza uma série de fatores para remover seu registro.
Outro indicador é o tempo, e sua relação com o êxito, no que momento se
inscreve a promessa, a resposta à demanda sempre insatisfeita do lugar marginal. Em
ambas as entrevistas os indicadores do tempo acham-se confusos: no tempo da
angústia do grupo que precisa dar certo, precisa atravessar a formatura e sobreviver a
ela, ou no momento em que o desejo aponta o reencontro com a origem mítica, o
retorno ao bom (o espaço bom, a energia do começo, o tempo do resultado).
Começar de novo, nome-marca do grupo dos mediadores repete e condena a
repetir, supõe uma dimensão que não deu certo antes. Dessa vez, tem de alcançar o
êxito, é o tempo da segunda, terceira ou quarta chance, é o tempo da reinscrição da
experiência. É possível ler todos estes emergentes articulados ao eixo da
temporalidade.
181
Para estabelecer uma relação de construção do futuro há que ter algum lastro
no presente, o correlato psíquico é a confiança. Há um momento onde B. aponta a
quebra de confiança do grupo, quando o professor os introduz, em suas palavras, ao
fracasso. Fracasso este que move a memória, que indica para onde não se pode ir, o
que rejeitar. O pedido do apagamento do fracasso, apaga também as identidades e a
memória.
Se o grupo de papelão pode apostar no futuro é porque o faz sem precisão,
não há uma dimensão bem delineada deste futuro.
Toda temporalidade supõe um rumo, um trânsito, aquilo que virá a ser. O
inacabado (a dimensão do presente) deve algo de força de acabamento. A bolsa
permite algum relance deste acabamento. O grupo do papelão não tem isso, ancora-
se na experiência do convívio (do trabalho que não é trabalho). O trabalho poderia
fornecer uma forma de ser.
Há ainda a questão das cooperativas, nenhum dos grupos apresenta-se
claramente declarando a posição pela cooperativa, os mediadores culturais buscam
tudo ao mesmo tempo: é a cooperativa, são as oportunidades a que vão se agarrando
assim que acontecem, como G. alia-se ao grupo de cultivo, como B. fica atento aos
contatos que o grupo produziu, como A. que tem seus contatos na saúde. O grupo de
papelão tampouco afirma sua posição, apenas está. Todo o processo de escolha e
regulamentação (de trinta ficou um) ruiu, o grupo apenas segue.
Os projetos têm sempre algo de grandioso e que confirmam a instituição. O
CECCO e seus problemas ficam menos aparentes, é uma maneira totalmente
diferente daquela dos serviços de atendimento direto, onde a crítica, o ataque, recai
sobre a instituição e seus representantes.
182
O oferecimento que a instituição faz é sempre do bom, não é exatamente isso
que recebem em troca, recebem sim uma referência identitária emprestada, um
elemento de pertença, mas que aparece também no sentido de confirmar a instituição:
se depende do CECCO, o CECCO também depende dele, de sua filiação permanente.
A idéia trazida pelos mediadores de formação continuada pode ser traduzida pelo
fato de permanecer inacabado sempre, sem lastro para realizar nada
profissionalmente.
O terceiro elemento analisador é o desejo. É fundamental dar condição de
nascimento ao desejo, essa inscrição é um dos suportes relacionais, que tem o poder
de atirar o sujeito ao mundo, de enfrentar o desconforto das relações de força e poder
e firmar uma posição que filtra o impacto da manipulação social. Sozinho o desejo é
insuficiente, mas no tratamento toda a questão de cidadania e autonomia têm uma
passagem pela questão do desejo.
Como aparece a morte na instituição? Na impossibilidade de dar conta do
fracasso, a morte acaba negada e retornando por assim dizer na fragmentação dos
laços institucionais. A representação ligada a isso é o ideal chefe de sedução, sempre
ancorado na dimensão do futuro.
183
CAPÍTULO 6
Conclusão
A abordagem metodológica da análise das entrevistas em grupo admite uma
coleta rica e aprofundada dos elementos presentes nas instituições de saúde mental,
bem como quaisquer outras abordagens institucionais. A primeira barreira para
qualquer um que se aventure a tentar produzir uma leitura crítica das práticas
institucionais é a qualidade do dado que pode ser colhido, já que a instituição
caracteriza-se por um atravessamento de níveis discursivos e entrecruzamento de
dinâmicas sociais, políticas e psicológicas. A escolha pela abordagem de Kaës
permite-nos dar um passo em direção à discussão acerca da passagem entre os
registros aqui mencionados, nas palavras de Kaës, estaríamos coletando dados que
são determinados nos registros intrapsíquico, interpsíquico e transpsíquico.
Uma dissertação de Psicologia Social escrita sob a orientação da Psicanálise,
mais especialmente da Psicanálise de grupos tal como desenvolvida por Kaës e
também pelos trabalhos de Fernandes, permite, e essa é a intenção, trazer para o
campo próprio dos grupos, os fenômenos sociais, a ideologia, a determinação, a
mediatização dos determinantes superestruturais tais como eles se expressam pelo
indivíduo no grupo.
Todo o processo da Reforma Psiquiátrica continua operando uma
transformação que já é significativa, e se eu apontava logo na introdução o
descompasso em que os processos políticos e os processos clínicos se encontram é
também porque o movimento denuncia uma abertura que contém um potencial de
criação. Quero dizer que a leitura crítica da Reforma Psiquiátrica tal como expressa
184
pela análise dos grupos do CECCO, tem como intuito não a destruição dos preceitos
que foram conquistados com tanta luta mas apontar a falta que inevitavelmente se
processa quando tais idéias são aplicadas.
Trabalhei a dissertação inteira sob o auspício de dois paradigmas, por assim
dizer, que estão colocados sempre quando há a discussão do futuro do atendimento à
Saúde Mental, a saber: o paradigma manicomial, que não tem mais sido defendido
abertamente como solução e portanto podemos pensar que se trata de um paradigma
em fase de superação, ver a discussão de Santos Souza sobre a superação
paradigmática; e o paradigma “antimanicomial”, que atualmente já segue uma
transformação interna pois não se coloca mais como oposição a uma determinada
situação, o manicômio, mas como produção de soluções novas para o problema da
loucura na sociedade.
Se pudermos pensar que tal solução é suficiente, para compreender o nível
das políticas e discursos, não é tão clara a aplicação desses paradigmas como
categorias explicativas no nível da instituição, das práticas concretas. Por exemplo,
temos a fonte de na compilação de Amarante que estuda a onipresença de
características provenientes dos dois paradigmas nas identidades dos servidores da
saúde mental. Uma das categorias mais em evidência nas instituições, a dos médicos,
parece atualmente optar por respostas mais tecnicistas, sentindo que assim resolvem
o problema da ambigüidade e da passagem e aplicação dos preceitos da Reforma.
Seguimos com Kaës na compreensão de que para a formação de qualquer
grupo é obrigatória a passagem por um processo coletivo de recusa de um elemento
comum, algo precisa ser sacrificado para que o grupo constitua-se. É nesse sentido
que, antes, uma subtração, do que o acréscimo de um ideal positivador, sustenta o
vínculo. Kaës nos fala que o recalque, por exemplo, deve ser confirmado pelo grupo,
185
para atuar sobre o indivíduo. Com isso estabelecemos um norte teórico que permite
perceber os atravessamentos entre os níveis de subjetividade. Há sempre um
atravessamento de nível a nível.
6.1. O Trabalho
O estudo do Trabalho é sempre desafiador, discutimos na introdução a
centralidade desse conceito na organização societária contemporânea. Mesmo se
considerarmos as aberturas existentes nas outras esferas da vida cotidiana (refiro-me
basicamente à pesquisa de Heller sobre as múltiplas esferas da vida cotidiana e as
conclusões da perda da centralidade do conceito trabalho como categoria chave para
a compreensão dos fenômenos sociais), o trabalho ainda impulsiona sentido e
negocia identidades. Neste mundo contemporâneo, globalizado, ser é ser para o
trabalho, não espanta então nossa anotação que em certo sentido a loucura pode ser
definida como antípoda do trabalho. Trabalho é lugar de determinação social e de
responsabilização, loucura é a própria deriva, ao inefável, à indeterminação e por
extensão à irresponsabilização. Obviamente, quando falamos desta maneira, estamos
tratando das categorias e como elas incidem na Cultura, ora, as pessoas não são
categorias, sofrem sua influência.
Não quero deixar de demonstrar, resgatando o sentido primeiro da dissertação
que é contribuir com um instrumento capaz de produzir alguma ordem de explicação
sobre a prática de cuidado à Saúde Mental, que abstração das categorias é recurso e
caminho para encontrarmos o fenômeno. A emergência e complexidade deste
residem numa condição diferente da abstração, o fenômeno é concreto e, portanto,
multiplamente determinado.
186
Assim passamos à noção de trabalho, que é tomada de empréstimos às teorias
da reabilitação psicossocial, a parte do trabalho eleita é aquela da assimilação social
e da entrada nas redes de relacionamento e convívio.
6.2. Enriquez e o paradoxo das instituições
Vamos nos valer do pensamento de Enriquez para compreender os
dados que emergiram das entrevistas. Em sua concepção, instituição refere uma
característica básica que é concentrar-se sobre “as relações humanas, sobre a trama
simbólica nas quais se inscrevem” (Enriquez, E.,1991, p.74), quer dizer com isso que
o papel das instituições está voltado para a questão da existência: especialmente da
minha relação com o outro. Quais são as mediações que atravessam essa relação?
Que leis e mitos constroem e regulam a organização social? Assim, segundo
Enriquez, igreja, família, os grupos terapêuticos ou educativos entre outros são
instituições já estariam lidando diretamente com as questões de alteridade e assim
imprimindo valores.
Para entender a práticas das instituições , é preciso considerá-la através de seu
caráter paradoxal: a instituição opera sempre por um duplo trabalho, de agregação e
destruição, ou para usar a linguagem do autor pela intrincada combinação dos
movimentos das pulsões de vida e morte.
“Toda instituição tem vocação para encarnar o bem comum. Para isso
favorecerá a manifestação das pulsões sob a condição de que sejam metaforizadas e
metabolizadas em desejos socialmente aceitáveis e valorizados, o desdobramento de
fantasias e de projeções imaginárias na medida que “trabalhem” a favor do projeto
mais ou menos ilusório da instituição tendo, a emergência de símbolos por função
187
unificar a instituição e garantir o trabalho desta sobre o consciente e o inconsciente
de seus membros.”(Enriquez, E.,1991, p.74)
Toda instituição define-se por seu objeto, aqui no caso temos o binômio
saúde mental/ doença mental. A organização do suporte institucional corre no sentido
do acolhimento de um sofrimento psíquico generalizado, com o fornecimento de um
aparato técnico e organizacional para conter o estado de sofrimento.
“Qualquer que seja o tipo de sofrimento que opere na psique desses vários
pacientes, eles se apresentam como indivíduos desajustados, fragmentados (posto
que o princípio unificador tende a faltar), atravessados pela pulsão de morte dos
outro (e da sociedade) que interiorizavam e que fazem voltar contra si próprios e/ou
contra aqueles que estão ao seu redor impelidos por um ódio de si do outro com pelo
menos por uma interrogação dolorosa que questiona a possibilidade de estar vivo, ou
por outras palavras, de encontrar uma finalidade para si e de gostar de realizar algo
para si e para os outros e às vezes pelo desaparecimento do desejo.” (Enriquez,
E.,1991, p.86)
A posição dos usuários dos serviços de atendimento à saúde mental, podemos
imaginar é sempre uma posição de comprometimento, suas experiências os
conduziram ao desamparo. “O seu psiquismo está em perigo de morte e sabemos que
a morte psíquica provoca inelutavelmente degradação lenta mas irreversível, ou a
morte física de si e dos outros. Ai estão eles, com o seu grito silencioso e esperam
que alguém os ouça, e faça ver, pela sua presença atenta, que pode acolher o sentido
(ou a ausência de sentido) de que são portadores sem o saber.” (Enriquez, E.,1991
p.86) Seu convívio social é portanto sempre apartado, soçobram na busca pelos
valores princeps da produção e acumulação, tendo sua inscrição social marcada por
essa falta.
1
88
Da mesma forma é possível pensar, do lado dos profissionais, que estes
instalam-se também numa posição de marginalidade pela recusa, o autor fala em
desinteresse, do jogo capitalista pelo poder e pela vantagem econômica, apresentam
uma certa incongruência com os valores praticados no meio social.
Tal posição marginal comporta sempre como possibilidade a negação ou
esquecimento das exigências da sociedade e da realidade histórica na qual terapeuta e
paciente estão engajados. A relação terapêutica poderá ser idealizada, num processo
de desrealização. Nesse momento, ele pode começar a acreditar que o amor de
transferência que se manifesta é um verdadeiro amor e que a análise pode substituir a
vida.
Mas o CECCO não se constitui por uma relação de tratamento estricto senso,
da mesma ordem de um hospital, por exemplo, sua vocação é de realizar um
projeto
17
de “reinclusão”, tratar os sintomas sociais que o processo de degradação das
vivências da doença (mas não só) fazem eclodir. Não realiza também um processo
semelhante ao descrito por Enriquez?
Está posta a armadilha institucional, é sobre um pacto de amor incondicional,
que instituição e indivíduo reúnem-se. Para fora ficam apenas as marcas das falhas, a
marginalização.
Este parece ser um problema comum a toda instituição de saúde: é preciso
prometer algo que não se pode (ou deve) cumprir (a cura, a reabilitação psicossocial,
o atravessamento da barreira da “exclusão”) mas cuja condição de demandante é
vital para a sobrevivência do pacto e da instituição. Assim, a instituição existe com
17
A palavra projeto parece apropriada pois contém em si uma referência explícita à temporalidade,
projeto é algo que irá se realizar, num tempo que não é o de hoje. A questão é em que medida tal
projeto poderá e se irá concretizar-se mesmo que tenha condições para isso.
189
sua função de tratar alimentada pela própria demanda de tratamento e o usuário
recebe, por sua vez, a acolhida, a pertença a um lugar, a uma relação de amor.
“A vida par um sujeito, sendo em primeiro lugar o ato de libertar e se
autonomizar, a partir de então estará comprometida” (Enriquez, E., 1991, p.88) Ora,
já estava e continuará nesse movimento. Não foram as instituições que criaram tal
condição, nosso objetivo é apontar em que medida a armadilha institucional se
antepõe à mudança. “Na medida em que o próprio paciente é um marginal (...) o
terapeuta corre o risco igualmente de ser fascinado pelo seu paciente, de se
identificar com ele e com suas normas ou, pelo menos, de estabelecer com ele uma
convivência tal que acabará contribuindo para criar uma situação na qual a análise se
tornará impossível” (Enriquez, E.,1991, p.88) E qualquer outro tipo de relação que
busque barrar o avanço da dependência.
Segundo Enriquez projetos e fantasias da equipe técnica inscrever-se-ão num
funcionamento da instituição que concorre para o avanço do trabalho da morte. A
instituição produzirá os elementos inerentes aos sistemas organizacionais fechados: a
repetição dos comportamentos, o aumento da burocracia e um aumento da entropia
com tendência à desorganização e à morte.
A organização mortífera “é aquela que, tomando todos os comportamentos
não hierarquizáveis, totalmente conflituais mas não tratáveis, ou ao contrário a-
conflituais e não significativos, conduz ao silêncio do desejo, ao ódio de qualquer
desejo e, portanto a instauração de um processo de decomposição ao qual todos
concorrem querendo ou não.” (Enriquez, E. 1991,p.94)
Em uma perspectiva mais otimista o autor pretende que através de um
processo de análise institucional, esse caráter paradoxal (o trabalho que se realiza a
190
favor e contra simultaneamente) possa emergir e que a tomada de consciência da
equipe técnica possa lutar contra essa tendência.
Pensamos que a ordem da armadilha, o registro institucional discursivo, é
também o lugar da captura do sujeito e da negociação das identidades. Romper com a
tendência a morte seria interceder no próprio mecanismo reprodutor da instituição,
nada que se faça sem pagar um alto custo.
Em nossa trilha pelo aperfeiçoamento de modelo substitutivo à violência pura
do manicômio reencontramo-la em nós mesmos.
Não queremos dizer que um é igual ao outro, talvez a chave do processo
esteja justamente aí, a ruptura revolucionária de um padrão não escapa dele, virá
reencontrá-lo no seu movimento de retorno (a revolução é sempre um círculo que se
fecha em si mesmo
18
), quiçá assim fornecendo condições dialéticas para o impulso
ao novo.
O percurso deste estudo pelo campo dos grupos entende que o CECCO aqui
não é mais que o emergente atual das instituições de saúde mental. O grupo é sempre
atravessado por elementos intrapsíquícos, interpsíquicos e transpsíquicos compondo
um sistema entretecido e amparado por várias ordens de determinação. Como o
objetivo da análise era poder avaliar as condições dos “Projeto-Trabalho”, pinçamos
talvez mais elementos pertencentes aos níveis ‘trans’ e ‘inter’, revelando assim a
dinâmica intrínseca ao pacto institucional.
A compreensão do funcionamento intrapsíquico, imprescindível na
elaboração de qualquer projeto de intervenção, depende necessariamente da
elaboração dos outros níveis. “Hoje sabemos com bastante certeza que esses
processos e essas formações intrapsíquicas só podem constituir-se em suas
18
Ver a discussão de Kristeva sobre a revolução em seu “Sentido e Contra-senso da Revolta”.
191
articulações suficientemente confiáveis com os processos e as formações que se
desenvolvem nos espaços interpsíquicos.” (Kaës, R. 2004 p. 26)
6.3. O campo institucional, as alternativas em saúde
Cabe também fazer avaliação da proposta do CECCO, na medida em que se
propõe uma alternativa ao modelo tradicional de tratamento.
Quando o atendimento CAPS passa a ser um padrão em termos de
oferecimento de recursos e estratégias de atenção, seu modelo sofre um desgaste na
medida em que seus resultados esperados, a notar a redução do índice de internações,
não são tão satisfatórios. Desconheço dados que embasem essa minha afirmação mas
a mantenho a título de hipótese ancorada sobre minha própria experiência
profissional: até bem pouco tempo a avaliação dos serviços era feita sobre dados
estatísticos de freqüências às consultas oferecidas, espaços não cadastrados (o caso
dos grupos abertos) não eram para todo fim considerados parte do tratamento
terapêutico, com a portaria CAPS (fonte), o financiamento alterou-se e o atendimento
passou a ser considerado como uma entre diversas estratégias de cuidado.
Qual é o problema? A estratégia parece adequada para tratar o problema, tirar
a questão da doença mental do foco primário, enxergar o sujeito mais globalmente e
restituir a rede relacional são, sem sombra de dúvida, imperativos no tratamento.
Todos os elementos que foram reunidos pela análise nos permitem perceber
em que ambiente se desenvolve a questão da reabilitação. É necessário salientar que
o conceito, doravante não utilizado no interior da instituição pesquisada, norteia a
prática, estendendo-se como meta dirigida. Assim, é possível pensar que ultrapassar
192
as barreiras da exclusão social, com todas as críticas que levantamos na introdução a
utilização desse conceito, é algo que não se pode atingir nesse contexto.
A inclusão marginal aproxima-nos dos fenômenos de cooptação global feito
pela ideologia capitalista, não é só o marginalizado que está fora do jogo, mas em
certo sentido todos estamos, já que para jogar é preciso comprometer uma parte de
sua capacidade de reflexão. A esse respeito nos parece acertada a conclusão
levantada por Zizek que indica a impossibilidade do fora da ideologia.
A inviabilidade da reabilitação não nega no entanto a necessidade do trabalho
em seu favor. De certa maneira, é através do trabalho desenvolvido no CECCO e em
instituições similares que o problema da inclusão marginal ganha visibilidade, e
talvez espaço para discussão, como é o caso desta dissertação. Trata-se de uma
aposta na relevância da questão, e a função institucional de sustentar a questão
tampouco é tarefa fácil.
Quero dizer com isso que a parte todas as contradições encontradas na
transformação do projeto em resultados, a dimensão simbólica envolvida no trabalho
é prolífica. Quando Camus utiliza-se do mito de Sísifo num empenho de traçar a
ponto de sustentação da experiência humana, ancora-se na estrutura trágica do
absurdo, que por assim dizer é o afundamento numa contradição. Ora, o trabalho de
Sísifo é o trabalho que se propaga na instituição em todas as suas manifestações: na
forma emprego de funcionário público, na forma missão cooperativação, na forma de
trabalho político de articulação e sustentação de um projeto diferenciado e
substitutivo ao manicômio. Nesse momento importa menos se o projeto por
características que lhe são intrínsecas está mais para o lado da compreensão
sanitarista de saúde que prevê o atendimento setorizado de acordo com o nível de
especialização da intervenção, do que a concepção que busca inspiração na crítica à
193
técnica fria que segmenta o usuário e o perde de vista, prescrevendo todo o
tratamento e vínculo em um único lugar onde possa ser olhado como alguém inteiro,
importa menos porque é preciso que sustente um elemento anterior: a saber, a
urgência das intervenções substitutivas. Parafraseando Adorno, penso que tratar a
loucura é não permitir que retrocedamos ao manicômio que o manicômio não se
repita.
Falta sem sombra de dúvida neste trabalho um aprofundamento e maior
discriminação naquilo que desde o começo chamamos de reforma psiquiátrica,
movimento da Luta Antimanicomial. Não se trata de um movimento coeso,
uniforme, que sempre caminhou em sentido único, pelo contrário, o movimento
olhado de perto apresenta nuances fundamentais para qualquer discussão de seus
resultados. O problema que tal categorização, ou mesmo uma história do movimento
não foi organizada e analisada a contento, possuímos apenas um compartilhamento
de experiências, de manifestações, de documentos primários ainda não
suficientemente processados. Aliás é preciso inscrever outras categorias nessa
história: para começar o Movimento não é igual aos trabalhadores da saúde mental
em geral, esse grupo que muitas vezes coincide em orientação, ou mesmo aproveita-
se das orientações da Luta, estrutura-se como outro grupo, um grupo que é
consumido pela tarefa de atenção à loucura, em sua imensa maioria determinado pela
condição de servidor público, com tudo o que isso significa em nosso país; ademais,
existe uma classe crescente na determinação do cotidiano dos programas que é a
classe médica e que parece existir por fora de toda essa discussão, deixaremos esse
assunto apesar de sua relevância para uma outra pesquisa.
A pesquisa aqui descrita não é fruto de um trabalho de militância, mas da
angústia surgida da tarefa do cuidar. Trata-se de esforço de tentar compreender a
194
multiplicidade de fenômenos que atinge nossas propostas, nosso cotidiano e nos
determina. É uma tentativa de fugir da repetição, estruturando um parâmetro de
construção histórica. Sem precisar da criatividade paralisante que nos impele a seguir
pelos caminhos ideológicos da aparência, o texto pretende tudo menos diminuir o
trabalho dos usuários e instituições.
6.4. Perspectivas atuais da saúde mental
Na data da realização das entrevistas, um elemento fundamental para pensar o
processo do CECCO, e também da saúde mental de modo geral estava em vigência.
Tivemos eleições municipais e com a derrota da prefeitura anterior houve uma
inflexão no modelo. A perspectiva da atual secretaria não parece ser o do fomento
dos processos aqui estudados, que se encontram na vanguarda dos modelos de
atenção, ao contrário, a perspectiva é a focalização na tradicional estrutura sanitarista
de atendimento com sua divisão em serviços primários secundários e terciários de
referência e contra-referência. O abandono da perspectiva não foi gratuito, mas
pensamos que teve a ver com a necessidade de desvincular-se das ligações políticas
desse modelo de atenção e buscar um modelo sanitarizado, tecnicizado e esterilizado.
Segundo as publicações do Sindsaúde-Sp, o intuito do governo e da nova
gestão da prefeitura seria entregar o controle da saúde para as chamadas
Organizações Sociais e para empresas privados. No boletim de dezembro de 2004/
janeiro/2005 as informações é que 16 novos hospitais já estariam sendo
administrados segundo esses novos parâmetros.
O que isto representa para o futuro da reforma em São Paulo? Ainda é cedo
para dizer, mas em primeiro lugar as organizações sociais que sustentam o
195
Movimento da Luta Antimanicomial ainda têm voz e representatividade para tentar
barrar esse processo. Não fosse pela própria fratura do movimento teríamos
avançado mais. Tomei conhecimento na última manifestação do dia da Luta
Antimanicomial que um segundo movimento estava se formando nas fileiras do
primeiro. Os sinais da fratura espalham-se e fazem o movimento perder força. A
questão de início colocada na introdução, ou seja, o que fazer quando deixamos de
ser a alternativa para tornar-se política oficial, parece mais importante do que nunca.
Na minha leitura comete-se um equívoco ao desgastar todo um processo histórico de
mais de vinte anos de conquista, optando-se por uma diluição do movimento, ou
fazendo publicações infelizes como o artigo de Oliveira Silva
19
.
No âmbito federal, porém, algumas perspectivas abriram-se como por
exemplo a criação do grupo de trabalho que tem por missão implementar, discutir e
buscar caminhos para mudanças de legislação, entre outras.
É preciso, no entanto, um esforço maior, conjugar experiências e poder
acessar novos níveis de discussão.
19
Artigo acessado 29/05/2005 in http://www.inverso.org.br/index.php/content/view/11283.html
196
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204
Anexo 1
Faço a citação integral do texto da portaria 353 publicada em março que
dispõe da criação de um grupo de trabalho com a missão de implementar
projetos Trabalho com estes estudados no presente texto:
“ISSN
1677-7042
Ministério da Saúde
G
ABINETE D0 MINISTRO
PORTARTIA INTERMINISTERIAL Nº 353 DE 7 DE MARÇO DE 2005
Institui o Grupo de Trabalho de Saúde Mental e Economia
Solidária e dá outras providências.
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE e O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E
EMPREGO, no uso das atribuições que lhes são conferidas pelo art. 87, parágrafo único, inciso I, da
Constituição, e
Considerando as atribuições da Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do
Trabalho e Emprego, que busca construir a política nacional de fortalecimento da economia solidária
e da autogestão, estimular a criação, a manutenção e a ampliação de oportunidades de trabalho e
renda, por meio de empreendimentos autogestionados, organizados de forma coletiva e participativa,
bem como colaborar com outros órgãos de governo em programas de desenvolvimento e combate ao
desemprego e à
pobreza;
Considerando as diretrizes da política nacional de saúde mental, que busca construir
um
efetivo lugar social para os portadores de transtornos mentais, por intermédio de ações que ampliem
sua autonomia e melhoria das condições concretas de vida;
Construindo as diretrizes gerais de ambas as políticas, Economia Solidária e Reforma
Psiquiátrica, que têm como eixos a solidariedade, a inclusão social e a geração de alternativas
concretas para melhorar as condições reais da existência de segmentos menos favorecidos; e
205
Considerando as deliberações da I Oficina Nacional de Experiências de Geração de Renda e
Trabalho de Usuários de Serviços de Saúde Mental, realizada na Universidade de Brasília, nos dias
22 e 23 de novembro de 2004, convocada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Emprego,
resolvem:
Art. Iº Fica instituído o Grupo de Trabalho de Saúde Mental e Economia Solidária, a ser
composto por representantes (um titular e um suplente) das instituições e instâncias abaixo, sob
coordenação da primeira:
I - Ministério da Saúde;
II -
Ministério do Trabalho e Emprego;
III -
Colegiado Nacional de Coordenadores de Saúde Mental;
IV - Rede de Gestores de Políticas Públicas de Fomento à Economia Solidária;
V - Fórum Brasileiro de Economia Solidária;
VI - Rede de Experiências de Geração de Renda e Trabalho em Saúde Mental; e
VII - Usuários de Saúde Mental inseridos em Experiências de Geração de Renda e Trabalho
vinculados a Serviços de Saúde Mental.
Parágrafo único. O Grupo de Trabalho ora instituído poderá convidar outros ministérios e
instituições para participar de suas atividades de acordo com os temas que serão objeto de discussão e
proposição.
Art. 2º O Grupo de Trabalho de Saúde Mental e Economia Solidária terá as seguintes
atribuições:
I - propor e estabelecer mecanismos de articulação entre as ações das políticas de saúde
mental e economia solidária;
II - elaborar e propor agenda de atividades de parceria entre as duas políticas;
III - realizar mapeamento das experiências de geração de renda e trabalho, cooperativas,
bolsa-trabalho e inclusão social pelo trabalho, realizadas no âmbito do processo de reforma
psiquiátrica;
IV - propor mecanismos de apoio financeiro para as experiências de geração de renda e
trabalho;
V - propor atividades de formação, capacitação e produção de conhecimento na interface
saúde mental e economia solidária., bem como do marco jurídico adequado;
206
VI - estabelecer condições para a criação de uma Rede Brasileira de Saúde Mental e
Economia Solidária; e
VII - propiciar mecanismos de parceria interinstitucional., no âmbito nacional e internacional.
Art. 3° Fixar o prazo mínimo de
15
(quinze) dias
15
úteis para que o coordenador do Grupo de
Trabalho convoque seus membros para as reuniões.
Art. 4º Estabelecer o prazo de 2 (dois) meses, a partir da publicação desta Portaria, para que os
titulares das instituições e instâncias relacionadas
do
artigo 1° indiquem seus respectivos membros,
titulares e suplentes.
Art.
Estabelecer o prazo de seis 6 (seis) meses, prorrogáveis uma única vez, para o Grupo
de Trabalho apresentar suas conclusões aos devidos Ministérios.
Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Humberto Costa
Ministro de Estado da Saúde
Ricardo Berzoini
Ministro de Estado do trabalho e do Emprego”
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