insensíveis. Comovia-se com a sorte daquela moça, como um pai que vê lentamente morrer o seu filho
querido.
O padre de St. Yves estava desesperado, o prior e a irmã derramavam rios de lágrimas. Mas quem
poderia descrever o estado de seu noivo? Nenhuma língua possui expressões que correspondam àquele
auge do sofrimento; são muito imperfeitas as línguas.
A tia, quase sem vida, sustentava nos frágeis braços a cabeça da moribunda, o tio estava de joelhos ao
pé do leito. O noivo apertava-lhe a mão, que banhava de lágrimas, e rompia em soluços; chamava-a sua
benfeitora, sua esperança, sua vida, metade de si mesmo, sua senhora, sua esposa. A essa palavra esposa,
ela suspirou, olhou-o com inexprimível ternura, e de súbito lançou um grito de horror. Depois, num
desses intervalos em que a prostração e o enfraquecimento dos sentidos, e as dores suspensas, deixam à
alma toda a sua liberdade e força, ela exclamou:
-.Eu, tua esposa! Ah! meu querido, esse nome, essa felicidade, esse prêmio não eram mais para mim;
eu morro, e o mereço. O deus de meu coração, que eu sacrifiquei aos demônios infernais, tudo está
acabado, eis-me punida, e possas tu viver feliz.
Essas apaixonadas e terríveis palavras, não podiam ser compreendidas, mas lançavam em todos os
peitos o horror e a comoção; ela teve a coragem de explicar-se. Cada palavra fazia os assistentes
fremirem de espanto, de dor a de piedade. Todos confraternizavam para execrar o homem poderoso que
só reparara uma injustiça com um crime, e que forçara a mais venerável inocência a ser sua cúmplice.
- Tu, culpada? - exclamou o noivo. - Não, tu não és culpada; o crime só pode estar no coração, e o teu
cotação pertence à virtude e a mim.
Ele confirmava esse sentimento com palavras que pareciam ressuscitar a bela St. Yves. Ela sentia-se
consolada, e espantava-se de ser ainda amada. O velho Gordon a teria condenado no tempo em que era
apenas jansenista; mas, tendo-se tornado sábio, estimava-a e só fazia chorar.
Em meio de tantas lágrimas e temores, enquanto o perigo daquele querido ente enchia todos os
corações, quando era tudo consternação, anunciam um correio da Corte. Um correio! E de quem? E por
que? Era da parte do confessor do rei para o prior da Montanha. Quem escrevia não era o padre de La
Chaise, mas o irmão Vadbled, seu criado de quarto, homem muito importante naquela época: era ele
quem comunicava aos arcebispos as decisões de Sua Reverendíssima, ele quem dava audiência, quem
prometia benefícios, quem expedia às vezes as cartas-de-prego. Escrevia ele ao prior da Montanha que
Sua Reverendíssima se achava informado das aventuras de seu sobrinho, o hurão, que a prisão deste
último fora apenas um engano, que essas pequenas desgraças sucediam freqüentemente, que não se devia
dar ,maior importância a tal coisa e que, enfim, concedia que ele, prior, lhe viesse apresentar o referido
sobrinho no dia seguinte, que também devia trazer consigo esse Gordon, que ele, irmão Vadbled
apresentaria a Sua Reverendíssima e a Monsenhor de Louvois, o qual lhes diria uma palavra na sua
antecâmara.
Acrescentava que a história do Ingênuo e do seu combate com os ingleses havia sido referida ao rei, o
qual certamente se dignaria notá-lo quando passasse pela galeria, e talvez até lhe fizesse um aceno de
cabeça. Terminava a carta com a lisonjeira esperança de que todas as damas da Corte se apressariam em