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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO
JOSELITO MANOEL DE JESUS
A FORMAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES NO PROGRAMA REDE UNEB 2000
Salvador
2005
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JOSELITO MANOEL DE JESUS
A FORMAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES NO PROGRAMA
REDE UNEB 2000
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da
Universidade do Estado da Bahia, do Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade – UNEB, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Política Educacional
Orientador: Prof. Doutor Antonio Dias Nascimento
Salvador
2005
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaboração: Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Helena Andrade Pitangueiras– CRB: 5/536
Jesus, Joselito Manoel de.
A formação política dos professores no Programa Rede UNEB 2000 / Joselito Manoel de
Jesus. – Salvador, [s.n.] 2005.
127f.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Dias Nascimento.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia Departamento de Educação .
Campus I. 2005.
Contém referências e anexos.
1. Professores - Formação. 2. Tecnólogos. 3. Ensino fundamental – Estudo e ensino . 4.
Tecnologia – Estudo e ensino. I. Nascimento, Antonio Dias . II. Universidade do Estado da
Bahia, Departamento de Educação Campus I.
CDD: 370.71
Os professores não se consideram engajados em um processo de seleção social. Eles
verdadeiramente amam e acreditam no valor do que ensinam e estudam. Trabalham de
forma incansável, e a maior parte despojadamente, para fazer surgir alguma centelha desse
amor em seus alunos. Alguns, como é o meu caso, inovando, concebem as suas tarefas
intelectuais como um ataque à injustiça, à desigualdade, à crueldade e à pura irracionalidade
de sua sociedade. Mas, todos nós, apenas por participar institucionalmente da atribuição de
créditos, notas e diplomas, servimos sem intenção de porteiros-guardiães dos níveis
superiores da pirâmide social. (Robert Paul Wolff, 1993).
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................10
2 O PROGRAMA REDE UNEB 2000 É A
UNEB............................................................................................................................................16
2.1 REGULAMENTAÇÃO DO
ISE’S.................................................................................................................................24
2.2 REDE UNEB: INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DA
UNEB................................................................................................................................29
3 ABORDAGEM
TEÓRICA.......................................................................................................................................31
3.1 O QUE É UMA FORMAÇÃO POLÍTICA DO
PROFESSOR?.......................................................................................................................34
4 PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS.....................................................................................................................38
4.1 O CURSO DE LICENCIATURA SALVADOR II E III.............................................................40
4.1 O PROJETO ÁGATA ESMERALDA.....................................................................................44
4.2 O PROGRAMA REDE UNEB 2000 EM DIAS D’ÁVILA.........................................................51
5 AS REALIDADES ESTUDADAS............................................................................................54
5.1 A FORMAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES DAS SÉRIES INICIAIS DO
MUNICÍPIO DE DIAS D’ÁVILA.............................................................................................54
5.2 A FORMAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL DO PROJETO ÁGATA ESMERALDA DA PARÓQUIA NOSSA SENHORA
DE GUADALUPE..................................................................................................................67
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................82
7 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................85
.
LISTA DE SIGLAS
ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AEC – Associação das Escolas Comunitárias
ANDES – SN – Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Seção Nacional
ANFOPE – Associação Nacional Pela Formação dos Profissionais da Educação
ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPED – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
APLB – Associação Nacional dos Professores Licenciados do Brasil
CEB – Câmara de Educação Básica do CNE
CECUP – Centro de Educação e Cultura Popular
CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade
CEEP – Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia
CES – Câmara de Educação Superior do CNE
CFE – Conselho Federal de Educação
CNE – Conselho Nacional de Educação
CP – Conselho Pleno do CNE
FORUMDIR – Fórum dos Diretores das Faculdades/Centros de Educação das Universidades
Públicas Brasileiras
FUNDEF – Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ISE – Instituto Superior de Educação
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC – Ministério da Educação e Cultura
PROGRAD – Pró-Reitoria de Graduação – UNEB
SAE – Serviço de Assessoria Educacional do Projeto Ágata Esmeralda
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
À Nair, minha mãe tão querida, admirada e amada. A provar que a formação e a possibilidade do
florescimento de muitos e muitas intelectuais está na tenacidade de mães pobres da periferia
que trabalham, que sonham e que acreditam em seus filhos e filhas. Sem ela, Dona Nair, nem
graduação, nem especialização e nem este mestrado seria possível.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe Nair Dórea de Jesus, à minha família, à UNEB e a todos aqueles e
aquelas que não pensaram em mim com desdém.
RESUMO
Este estudo busca compreender o problema da formação política do professor das séries iniciais
do ensino fundamental no Programa Rede UNEB 2000, Programa intensivo de licenciatura em
Pedagogia com habilitação nas séries iniciais do ensino fundamental. Partindo da Palavra
enquanto unidade fundamental da politicidade intrínseca do ser humano, analiso as entrevistas
concedidas no intuito de identificar que tipo de professor o Programa Rede UNEB está formando:
o Agente Social ou o Tecnólogo do Ensino, tipos criados pela educadora e pesquisadora Ilma
Passos Alencastro Veiga. Apoio-me nas concepções de Aristóteles e Paulo Freire, sobre as
dimensões que a Palavra assume nos diferentes contextos históricos no processo de
humanização e desumanização dos professores-alunos e das professoras-alunas em seu
processo de formação. Na Palavra e no Diálogo encontramos elementos fundantes de uma
formação que respeite as diferenças, que estimule a criatividade, que fortaleça as identidades
locais e propicie a democracia e a emancipação humana nos diversos processos educativos que
se estabeleçam. Com a Palavra, os professores-alunos e as professoras-alunas do Programa
Rede UNEB 2000.
Palavras-chave: Palavra; Formação Política do Professor; Humanização; Desumanização,
Tecnólogo do Ensino e Agente Social.
10
INTRODUÇÃO
Esta dissertação começa a ser planejada a partir do momento em que comecei a trabalhar no
projeto de formação de professores (Programa Rede UNEB 2000) de alguns municípios do interior
baiano - Cruz das Almas, Alagoinhas, Terra Nova e Itaparica. A necessidade de desenvolver uma
pesquisa sobre a formação docente, examinando sua dimensão política neste programa específico,
nasce do questionamento das professoras-alunas de uma dessas cidades, em torno da metodologia da
minha aula, da coerência do meu discurso, da organização e da infra-estrutura do curso de formação,
em nível superior, de professores e professoras das séries iniciais do ensino fundamental.
Professor, por que vocês não fazem com a gente aquilo que vocês dizem pra gente fazer com
os nossos alunos?
A partir desse questionamento a turma se manifestou, expressando sua indignação frente aos
problemas e obstáculos em torno da formação que ali se desenvolvia. Um desses obstáculos foi o
medo e a desconfiança de participarem de uma comissão representativa dos professores-alunos e
professoras-alunas para exporem suas inquietações na reunião de professores-formadores que estava
prevista para aquele mês – maio de 2001. Um desses obstáculos concretizados foi a negação da
coordenadora local em aceitar a participação desses professores-alunos nesta reunião prevista,
argumentando que o Rede UNEB não previa participação discente.
Entendi que aquele questionamento feito, e seus desdobramentos, foi uma manifestação autêntica
dos professores-alunos e das professoras-alunas do Programa Rede UNEB 2000 que desejavam
participar dos processos de decisão sobre sua formação, da escolha dos professores-formadores, da
exigência de uma infra-estrutura material para assegurar a boa qualidade das atividades desenvolvidas
naquele espaço físico, intelectual, cultural e social, criado pelo curso, que desejavam enfim, dirigir seu
processo educativo de acordo com os seus interesses e necessidades. Percebi que a dimensão política
deste processo se constituía para mim num campo legítimo de interesse intelectual na medida em que
interfere direta e indiretamente na qualidade da ação educativa, visto que um educador necessita de
autonomia, de condições dignas de trabalho, de posicionamento crítico diante dos desafios lançados
pela realidade, além de sensibilidade suficiente para educar para além da dimensão técnica, formando
11
seres humanos que aprendam a ler escrever, falar, simbolizar, calcular e também respeitar, cuidar,
solidarizar-se com àqueles que, de alguma forma sofram injustiças.
A realidade não se revela facilmente aos olhos. Ela é opaca. Não há uma única realidade, porque
não há uma única e infalível forma de percebê-la. A realidade a que me refiro é marcada pela
desigualdade, pela violência e pela exclusão que se apresenta em forma de desemprego, de empregos
precários, de mortes prematuras de jovens e crianças, de analfabetismo ou alfabetização funcional.
Refiro-me à realidade do descompromisso do poder público com uma educação de qualidade, pública,
gratuita. E, na formação de professores das séries iniciais do sistema público de ensino, refiro-me a um
fenômeno mais específico. Fenômeno, segundo Veiga(2002), delineado pelo conflito de concepção na
formação de professores entre a proposta do professor enquanto tecnólogo do ensino, ou seja, aquele
que reproduz e legitima a realidade acima, e, em contraposição, o professor enquanto agente social,
aquele que educa rompendo com os discursos e ideologias fatalistas que falam da inevitabilidade do
desemprego, da morte prematura, da opressão, criando utopias a partir de sua práxis pedagógica. Esta
é uma das realidades contemporâneas que permeia a formação política dos professores e condiciona a
sua práxis pedagógica nas escolas das séries iniciais do ensino fundamental dos municípios do Estado
da Bahia.
Baseada na perspectiva do tecnólogo do ensino – expressa nas políticas oficiais dos órgãos
competentes do governo, principalmente pelo CNE – a formação de professores é fundamentada,
como núcleo dessa formação, na noção de competência que, segundo Veiga(2002), é a mobilização do
conhecimento em torno de um saber-fazer diante das situações problemáticas que vão aparecendo
imediatamente na sala de aula e na escola. Esta perspectiva de formação de professores centra-se na
formação do prático docente, daquele que, por atuar apenas no plano da reprodução do conhecimento
acumulado, restringe a sua ação educativa à sala de aula e à escola, desvinculando-a do contexto mais
amplo em que tal ação se dá e, portanto, caracterizando uma formação pragmática, neotecnicista.
A formação centra-se no desenvolvimento de competências para o exercício técnico-
profissional, baseada no saber fazer para o aprendizado do que se vai ensinar. Os
conhecimentos são mobilizados a partir do que fazer. Essa perspectiva de formação
centrada nas competências é restrita e prepara, na realidade, o prático, o tecnólogo, isto é,
aquele que faz mas não conhece os fundamentos do fazer, que se restringe ao
microuniverso escolar, esquecendo toda a relação com a realidade social mais ampla que,
em última instância, influencia a escola e por ela é influenciada.(VEIGA, 2002, p. 72-73).
12
Nesta concepção nuclear acima pontuada pela autora em torno das competências, a formação
política do professor se compromete com a legitimação e reprodução não apenas do conhecimento
acumulado, mas com a reprodução do status quo dominante que se efetiva no compromisso tácito,
intencional ou não, do professor e da instituição escolar com as estruturas econômicas e de poder que
fabricam as desigualdades e potencializa a marginalização de milhares de pessoas e grupos humanos
do acesso aos produtos e serviços produzidos pela maioria, na medida em que não questiona tais
realidades e desvincula a educação e o ensino da realidade social mais ampla, impedindo os
processos de emancipação dessa maioria excluída, tal como se referiu Veiga(2002).
O ensino se restringe a si mesmo, sem considerar seus condicionamentos sociais, políticos,
econômicos e históricos. “Sua ação – do tecnólogo do ensino – situa-se no plano dos meios e
estratégias de ensino; procura o desempenho e a eficácia na consecução dos objetivos
escolares”(VEIGA, 2002, p. 72). O tecnólogo do ensino, portanto, é o professor formado para adquirir
competências, entendida esta como um saber fazer restrito, num processo caracterizado como
neotecnicista, entendido este por Freitas (2001) como a formação baseada numa análise de educação
desgarrada de seus determinantes históricos e sociais. O currículo tem sua maior carga horária voltada
para as metodologias, em detrimento de uma formação teórica necessária a uma reflexão aprofundada
sobre o papel da educação e da escola para a emancipação da maioria dos excluídos da sociedade
brasileira contemporânea, que são aqueles alunos e alunas atendidos pelas professoras e professores
das redes municipais de ensino das zonas urbanas e rurais da Bahia.
Por outro lado, a concepção de formação de professores como agente social é delineada pelos
movimentos mais ou menos organizados da sociedade civil, por diferentes entidades representativas
defendida pelos movimentos sindicais, sociais, científicos, acadêmicos, na literatura pertinente e nos
resultados de pesquisas realizadas. Nesta perspectiva, a formação de professores contempla desde a
formação inicial e continuada até as condições de salário, trabalho, carreira e organização da categoria,
onde a educação é concebida como uma prática social e um processo lógico de emancipação. Neste
sentido, a formação de professores requer a construção e domínio sólido dos saberes da docência; a
unicidade teoria e prática, tendo o trabalho como princípio educativo e a pesquisa como meio de
produção de conhecimentos e intervenção na prática social e especificamente na prática pedagógica; a
formação coletiva, com a participação de todo o pessoal que atua na escola, reconhecendo os
professores como agentes sociais capazes de planejar e gerir o ensino-aprendizagem, além de intervir
nos complexos sistemas que constituem a estrutura social e profissional; a autonomia como valor
profissional do pensamento e da ação sobre o trabalho pedagógico; a explicitação da dimensão
13
sóciopolítica da educação – pois fortalece a identidade do profissional no seu papel de agente social,
ao mesmo tempo em que é portador de valores emancipatórios; a orientação por princípios que tenham
por base a idéia de que a formação para o magistério é uma tarefa complexa e inerentemente política.
A formação do professor como agente social, portanto, parte das propostas da sociedade civil
organizada em torno de uma educação voltada para a emancipação humana das condições de
exclusões sociais, políticas e econômicas, e que contempla não somente a formação stricto sensu, mas
toda uma realidade profissional e social mais ampla que influencia a formação profissional e a
educação escolar e por elas é influenciada.
Diante desta breve caracterização da realidade desta dissertação, dois campos empíricos foram
escolhidos em função da minha intimidade com a realidade das professoras da Escola Comunitária
Novo Amanhecer, no bairro do Calafate, San Martin, cujo surgimento eu presenciei e que ganhou
proporções surpreendentes para as condições financeiras e infra-estruturais da comunidade pobre
onde residimos. A ligação umbilical com o bairro onde, praticamente, nasci e me humanizei, em meio
às relações de amizade e vizinhança, é uma das razões da escolha do estudo do Projeto que forma
algumas professoras das escolas comunitárias da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, onde a
Escola Comunitária Novo Amanhecer está vinculada: o Projeto Ágata Esmeralda. Estas professoras-
alunas do Programa Rede UNEB 2000 ainda estão em formação neste. A educação nas escolas
comunitárias surge nas grandes lacunas deixadas pelo Estado e pelo Município na prestação de
serviços educacionais de qualidade, principalmente nas comunidades mais carentes do município. O
projeto pedagógico e o ensino são elaborados pelos professores, pais e funcionários com assessoria,
antes do CECUP e da AEC e, atualmente, com assessoria do Projeto Ágata Esmeralda, que, inclusive,
auxilia financeiramente as escolas. É um trabalho diferenciado, atendendo crianças e jovens cujas
famílias estão à beira da miséria e da desestruturação.
Outro campo empírico escolhido foram professoras-alunas das séries iniciais do ensino
fundamental da cidade de Dias D’Ávila, região metropolitana de Salvador. Primeiro porque eu gostaria
de analisar comparativamente professoras e professores que já tivessem passado pelo processo de
formação no Programa Rede UNEB 2000 e que estão no exercício efetivo de suas funções nas séries
iniciais do ensino fundamental, depois que fossem ex-professores-alunos – maioria de professoras-
alunas – meus, a fim de facilitar as entrevistas devido a um relativo maior grau de confiança e
intimidade em função da dificuldade de acesso, e em terceiro, que fosse às proximidades de Salvador,
a fim de facilitar os deslocamentos necessários. As professoras-alunas da cidade de Dias D’Ávila não
foram minhas alunas. Ocorreu que não foi possível acessar os documentos da cidade que eu,
14
inicialmente, gostaria de analisar, devido aos documentos estarem no Arquivo Central da UNEB. Em
função disto indicaram-me o município de Dias D’Ávila que é próximo a Salvador, e onde também há
trânsito relativamente livre para as minhas investigações, propiciadas pela coordenação e assessoras
do Projeto Rede UNEB no local.
Escolhidos os campos de pesquisa, o método utilizado para captação e análise do material
recolhido, além de seu tratamento e interpretação, teve como a abordagem axial os conceitos e as
caracterizações do professor enquanto agente social e do professor enquanto tecnólogo do ensino,
além do conceito da palavra em Paulo Freire, enquanto expressão da práxis pedagógica. Esta
perspectiva parte da crença de que são os próprios professores que têm que dizer a sua palavra,
buscando-se nelas o conteúdo político que emerge como compreensão de uma realidade por eles e
elas tecida. As entrevistas constituirão dados fundamentais de análise para a compreensão da
formação política do professor no Programa Rede UNEB 2000, no contexto das políticas educacionais
brasileiras, tendo como campos específicos as professoras-alunas e os professores-alunos do Projeto
Ágata Esmeralda em Salvador e no município de Dias D’Ávila, Região Metropolitana de Salvador.
A dimensão política da formação das professoras-alunas e dos professores-alunos, no projeto Rede
UNEB 2000, tem alguns aspectos importantes a serem considerados que podem trazer algumas luzes
sobre o impacto da formação política dos docentes das séries iniciais do ensino fundamental,
contribuindo para um entendimento maior desse objeto de estudo. Pode-se perguntar em que medida o
Programa Rede UNEB 2000, Instituto Superior de Educação, vinculado à Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), atende à necessidade e à exigência de preparação de profissionais da educação para
conceber sua atividade educativa como intervenção prática, no plano intelectual, de fundamentação de
ações coerentes dirigidas a uma determinada realidade, visando transformá-la, em favor da
emancipação dos seres humanos – crianças das séries iniciais do ensino fundamental das escolas
públicas municipais – que estão excluídos do planejamento capitalista em reestruturação, cuja diretriz
teórica hegemônica é o neoliberalismo?
Abordo criticamente o conteúdo das entrevistas que apontam possibilidades de uma formação
política do professor na perspectiva da sua práxis pedagógica, ou seja: analiso os aspectos do
conhecimento da realidade que elas possuem; realidade das crianças das escolas comunitárias do
Projeto Ágata Esmeralda e das escolas públicas municipais do município de Dias D’Ávila – Ba. Analiso
também as diretrizes teóricas que delineiam suas ações, ou seja: como os professores e as
15
professoras entrevistadas vêem a realidade onde se desenrola a sua prática pedagógica e, ainda, as
transformações esperadas pelos docentes entrevistados a partir dessa prática específica num
determinado contexto social.
O problema desta pesquisa, portanto, é identificar qual o tipo de professor que atua nas séries
iniciais do ensino fundamental o Programa Rede UNEB 2000 está formando: o Tecnólogo do Ensino ou
o Agente Social? Procuro compreender, a partir da palavra dos docentes como a dimensão política da
ação docente na escola pública, nesse momento contemporâneo, reflete seu compromisso com a
emancipação de sua realidade e de seus alunos ou com a reprodução e legitimação dessa realidade.
16
2 O PROGRAMA REDE UNEB 2000 É A UNEB
“Se houvesse um golpe militar no Brasil ou na Argentina, nenhum aluno ou professor seria preso.
Isso me preocupa.”
Cristovam Buarque, Ministro da Educação
1
.
Pretendo situar o fenômeno da formação dos professores no contexto econômico e político amplo e
específico, para, em seguida, considerar as leis, decretos e pareceres atuais acerca da formação dos
professores da educação básica e, em particular, das séries iniciais do ensino fundamental, que tratam
das questões mais abordadas pela crítica das instituições e estudiosos da sociedade civil brasileira
contemporânea para, em seguida, situar o Programa Rede UNEB nesse contexto de conflito entre duas
propostas de formação do professor: a do tecnólogo do ensino e a do agente social.
O CONTEXTO MAIS AMPLO
Para compreender o sentido das políticas públicas a respeito da formação de professores é
necessário situá-las no contexto mais amplo no qual estas tomam forma. Este contexto se apresenta
como uma configuração das políticas de cunho neoliberal que, muito embora se depare com focos de
resistência em campos diversos da sociedade brasileira, detém a hegemonia sobre o Estado. O modelo
econômico-político neoliberal pretende reduzir as funções do Estado na economia e principalmente nas
áreas sociais, a fim de deixar que a “mão invisível do mercado”, produza o bem-estar social. A
diferença fundamental entre o liberalismo de bem-estar social e o neoliberalismo, pois ambos
pertencem à mesma fonte teórica, é que, enquanto o primeiro modelo sócio-econômico keynesiano
postula o bem-estar social como condição para o desenvolvimento econômico, na perspectiva liberal do
ápice da liberdade e da individualidade; a perspectiva capitalista neoliberal propõe, ao contrário, o
“bem-estar social” como conseqüência do desenvolvimento do livre jogo das forças do ciclo de
produção, consumo e lucro: o mercado. Esta é uma das diferenças básicas entre o liberalismo de bem-
estar social keynesiano e a configuração econômico-político neoliberal que agora detém hegemonia e
que vai influenciar as políticas públicas, entre elas as educacionais, dos países de terceiro mundo,
entre eles o Brasil.
1
Comentário na Revista Veja, ano 36. n.48, edição 1831, p.41, 2003
17
O neoliberalismo, enquanto radicalização liberal ganha espaço neste momento de crise e expansão
do capital que, em função da introdução de novas tecnologias no processo produtivo, pela abertura de
mercados e pela competitividade desenfreada, exige o constante aumento da produtividade e,
consequentemente, da ampliação da oferta educacional, de educação básica, para uma imensa
parcela da população dos países empobrecidos, visto que, embora as denominadas, genericamente,
de máquinas inteligentes, sejam imprescindíveis para o aumento da produtividade e da eficiência na
produção, quem faz a diferença, quem, em última instância, explora o potencial das máquinas em sua
capacidade tecnológica, quem reinventa espaços e cria estratégias que contribuem para o aumento da
qualidade e da produtividade é o ser humano.
... para explorar o trabalhador, o capital necessita educá-lo um mínimo que seja. Enquanto
este mínimo significou quase inexistência de instrução, o capital não teve necessidade de
instruir o trabalhador. O aumento da escolaridade sempre foi uma batalha das forças
progressistas. O capital sempre procurou sonegar instrução. No entanto, o novo padrão de
exploração com uso de tecnologia sofisticada – que altera a composição orgânica do capital
fixo – exige que a “torneira da instrução” seja aberta um pouco mais, para formar o novo
trabalhador que está sendo aguardado na produção. (FREITAS, 2002, p. 93).
Entretanto, a diretriz econômica neoliberal amplia enormemente o contingente de excluídos do
processo econômico e social. A competitividade desenfreada, como forma de regular as relações entre
os seres humanos em direção a um suposto bem-estar social, termina potencializando os processos de
concentração de riquezas cada vez maior de um lado em detrimento do aumento da miséria de outro
lado. O Estado, com sua rede de apoio, é reduzido da cena pública, onde o setor privado entra na
maximização do lucro. O neoliberalismo é, portanto, um sistema econômico, político e ideológico, que
adota as relações de mercado como referência fundamental para a organização social, política e
econômica, gerando uma enorme exclusão social nos países onde é adotado, a despeito de apontarem
o bem-estar como conseqüência do desenvolvimento econômico.
A modificação da ordem na letra da lei entre os termos “Estado” e “Família” entre os artigos 205 da
Constituição Federal/88 e o artigo 2. º da Nova LDB/96, talvez não tenha sido mero acaso ou gosto
literário do legislador. Para o artigo 205 da CF/88, a educação é direito de todos e dever do Estado e
da família e será promovida e incentivada com colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. Já no artigo 2. º da Nova LDB, Lei 9.394/96 a educação é dever da família e do Estado,
18
inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho. Nota-se, entre um e outro artigo, a supressão da referência “direito de todos” e a inversão
entre os termos “Estado” e “Família”, incluindo-se o princípio da “liberdade” e os ideais de
“solidariedade humana”. O artigo 2. º da Lei 9.394/96, em muito se assemelha às orientações
neoliberais acima apontadas por Azevedo(1997). Nesta perspectiva a qualidade da educação seria
dada por um mecanismo de mercado de oferta e procura, introduzindo a competitividade entre as
unidades escolares na busca pela atração do maior número de alunos.
No campo da educação as políticas neoliberais estão orientadas para investir os recursos públicos
nos mais pobres. Esta decisão pretende fornecer aos pobres o mínimo necessário para que eles não
entrem em desespero diante dos mecanismos de mercado que produzem o desemprego, a fome, a
prostituição, o abandono, a violência, em suas manifestações mais cruéis, e se tornem os seguidores
dos pregadores de utopias revolucionárias, criando obstáculos políticos e sociais que tolham a livre
iniciativa do mercado. Esta tendência
2
de investir os recursos nos mais pobres, através da ampliação e
melhoria do ensino fundamental e médio pode ser encontrada também em revistas de grande
circulação nacional, como a “Veja”.
Dados da UNESCO mostram que o Brasil se encontra em desvantagem em relação a quase
todos os países no que diz respeito à forma como são feitos os gastos em educação.
Comparando-se o investimento per capita no ensino fundamental, Argentina e Chile aplicam
praticamente o dobro que o Brasil. A Coréia aloca quatro vezes mais dinheiro. Nos Estados
Unidos, a quantia é sete vezes maior. Os especialistas apontam ainda uma enorme
desproporção entre os gastos com ensino superior e os com o ensino fundamental. No
Brasil, o volume de recursos destinado à formação de um estudante universitário é
dezessete vezes maior do que o que se gasta com uma criança nas primeiras séries do
ensino fundamental. Na Coréia, a relação é de dois pra um. (WEINBERG, 2003, p. 106).
Dados da própria Revista Veja( edição 1.852, ano 37, n.º 18), a partir de um documento do MEC,
baseado este último em pesquisa do IBGE, revela que as cidades brasileiras que se encontram entre
as vinte melhores colocadas no quesito quantidade de universitários de faixa etária entre 18 e 24 anos,
são do eixo regional SUL-SUDESTE. Relacionam tal resultado ao maciço investimento no ensino
público, “uma exigência do processo de industrialização que atingiu a região no início do século
2
Para um aprofundamento sobre o neoliberalismo ler Pós-neoliberalismo in Perry Anderson e Pablo Gentilli(orgs.)
19
XX”(p.155). Ressalta ainda, como dado negativo a comparação entre a quantidade de universitários
entre a melhor colocada no Brasil – em relação à faixa etária acima apontada – São Caetano do
Sul(27,5%), e países como o Chile e Argentina(30%)e Estados Unidos(80%). Neste caso, o meio de
comunicação relaciona esses dados ao desempenho do sistema de ensino básico, além da renda per
capita dessas cidades – o que não significa distribuição de renda. Ora, a própria Revista, portanto,
comprova que a questão do ensino no Brasil não é uma questão de concentração de investimentos no
ensino superior em detrimento da redução dos investimentos estatais no Ensino básico, mas
necessidade do Capital de mão-de-obra especializada. E a Revista Veja não observa na reportagem a
desigualdade regional de nosso país.
O próprio fenômeno da formação de professores na Bahia demonstra com fartura de dados que os
investimentos em ensino superior, principalmente voltados para as classes populares são
tremendamente tímidos. Segundo dados do ano de 2002 da Secretaria Estadual de Educação da
Bahia, dos 58.030 professores das séries iniciais do ensino fundamental, que atuam na rede municipal
de ensino, somente 2.497 têm ensino superior com licenciatura completa, enquanto que 586 tem
ensino superior sem licenciatura, porém com magistério e, ainda, 40 têm ensino superior sem
licenciatura e sem magistério. Os que têm ensino superior com licenciatura, ou sem licenciatura e com
magistério representam apenas 5,3% dos professores municipais de 1. ª a 4. ª série, segundo tais
dados.
O objetivo de tais discursos em torno da eficácia dos investimentos no ensino fundamental e médio em
detrimento do ensino superior está explícito: sucatear a universidade pública brasileira, abrindo
caminho para a privatização e concentrar os recursos financeiros no ensino fundamental. Não se
levanta a questão de que o governo brasileiro investe muito pouco na educação de forma geral,
inclusive no ensino superior público. Ao contrário: canaliza recursos para as entidades privadas,
conforme denúncia da Folha de São Paulo apontada por Saviani.
Diante do que ficou evidenciado pelos exames nacionais de cursos, o MEC acenou com a
abertura de uma linha de crédito de 300 milhões de reais para financiar programas de
melhoria da qualidade dos cursos das escolas particulares, o que mereceu um editorial por
parte da, nesse caso, insuspeita Folha de S. Paulo, na edição de 15 de março de 1997,
condenando essa iniciativa por estar a mesma premiando a incompetência em lugar de
proceder à punição das escolas pelo seu fraco desempenho qualitativo(SAVIANI, 2000, p.
9-10).
20
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério(FUNDEF), criado pela Emenda Constitucional n.º 14/96 e regulamentado pela Lei 9.424/96
e pelo Decreto 3.326/99, reflete esta tendência nas políticas públicas educacionais, de concentrar
recursos na educação básica em detrimento da educação superior. A Emenda acima reduz a
contribuição da União para o ensino fundamental de 50% para 30% e aumenta a contribuição dos
Estados e municípios de 50% para 60% dos recursos vinculados ao ensino fundamental público. Há
uma redução crescente dos investimentos no ensino superior e, em contraposição, um aumento dos
investimentos no ensino fundamental, único nível de ensino obrigatório e gratuito até agora (inciso I art.
4. º da Nova LDB). Verhine(2001) analisando os dados dos investimentos da Rede Estadual de Ensino
na Educação Fundamental e no Ensino Médio, de 1996 à 1999, através de respectivas tabelas, cujos
valores são apresentados em dólar – para facilitar comparações intertemporais – demonstra a redução
dos investimentos no ensino médio, principalmente no ano de 1998, ano de implantação do FUNDEF
na Bahia. Apesar de considerar que, em anos eleitorais, como o foi 1998, os gastos com o ensino
estadual diminuam bastante; considerando também que em 1999 o Real foi desvalorizado em relação
ao dólar em torno de 40% e, levando–se ainda em consideração o fato de que os dados disponíveis
podem estar superestimados em função de que mais de 80% das escolas estaduais de ensino médio
estarem localizadas nos prédios de escolas de ensino fundamental, o que pode gerar a ocorrência do
aproveitamento de recursos do FUNDEF para cobrir custos associados à manutenção e funcionamento
do ensino médio, sendo contabilizados como dispêndios do ensino fundamental; ainda assim
Verhine(2001) admite que:
Um aspecto preocupante(...) é a situação precária em que o ensino médio atualmente se
encontra. Por um lado, conforme já comentado, as matrículas nesse nível de ensino têm
aumentado substancialmente; por outro, a Lei do Fundef, com sua ênfase exclusiva no
ensino fundamental, restringe a disponibilidade de recursos disponíveis para o ensino médio.
(p. 7).
Em consonância com esta política, a formação de professores das séries iniciais do ensino
fundamental constitui mais uma regulamentação governamental do ensino fundamental. Os artigos 61,
62 e 63 e o §4º do artigo 87 das disposições transitórias da LDB 9.394/96, expressam esta vontade:
“Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior
ou formados por treinamento em serviço”. Nos objetivos e metas do Plano Nacional de
21
Educação(março de 2001) relativo à formação docente, há uma preocupação muito grande em acelerar
a universalização desta. Um desses itens propõe:
incentivar as universidades e demais instituições formadoras a oferecer cursos no interior
dos Estados, cursos de formação de professores, no mesmo padrão dos cursos oferecidos
na sede, de modo a atender a demanda local e regional por profissionais do magistério
graduados em nível superior. (PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, item 15, p. 69).
O item 15 propõe que, no prazo de dez anos, que seria em 2007, 70% dos professores e
professoras que atuam na educação infantil, ensino fundamental – em todas as modalidades –
possuam formação superior, de licenciatura plena nas áreas do conhecimento onde atuam, por meio de
um programa conjunto entre União, Estados e Municípios. A formação de professores da educação
infantil e das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública de ensino é, portanto, objeto de
intensa regulamentação, que vem ao encontro da política de investimento dos recursos públicos nos
mais pobres.
Nota-se a preocupação oficial de garantir ações educacionais que capacitem a população
brasileira, principalmente os pertencentes á faixa de idade própria aos ensino fundamental e
médio, a fim de que se tornem os futuros operadores da tecnologia transferida pelo
capitalismo central. Quem vai, portanto, proporcionar os conhecimentos básicos para a
formação do homem empreendedor e competitivo, de acordo com o perfil desejado pelo
mercado? Quem está presente na Escola Básica no seu cotidiano, na interlocução
permanente com os alunos? É evidente que é o professor. (TRINDADE, 2001, p. 3 de 4).
Sob hegemonia das classes hegemônicas a escola pública é a instituição da sociedade civil
responsável pela difusão da cultura necessária, de caráter técnico, intelectual e moral dos membros
das classes populares, buscando capacitá-los para atender às exigências da reprodução do Capital sob
novas bases tecnológicas, fornecer conhecimentos primários para os mais despreparados
intelectualmente a fim de desenvolver-lhes estratégias de sobrevivência no subemprego ou na
informalidade e, por fim, atuar, através do convencimento ideológico das classes populares, em busca
do consenso em torno dos interesses das classes hegemônicas no contexto do capitalismo em
reestruturação. A formação de professores, principalmente das séries iniciais do ensino fundamental
faz parte desse “pacote de intenções” que tomam forma nas políticas públicas específicas deste
campo.
22
É importante assinalar que este fenômeno da formação de professores não se constitui apenas
desde os centros de poder, como uma determinação inevitável a ser cumprida à risca. Há uma
reinterpretação, um redirecionamento, uma reconstrução ativa da formação em função do contexto
onde a mesma é desencadeada, da instituição que a está dirigindo. Existe a necessidade de formação,
existe a formação já delineada pelo Estado através de seus dispositivos legais e organizacionais, mas
existem também os sujeitos – professores-formadores, professores-alunos, funcionários – e as
instituições locais que dão uma configuração própria ao instituído, abrindo-lhe o processo de
ressignificação.
O Curso em si, ele tem uma preocupação com o conteúdo, né, que vai ser passado pra gente. Não
colocam como qualquer conteúdo. Eles têm muito essa preocupação do que será passado pra gente.
(Professora Mc, do Programa Rede UNEB, Projeto Ágata Esmeralda, 2004, p. 6).
E como a fala da professora abaixo:
Então eu, eu, eu acho os textos muito bons, são muitos bons, os textos. Acho que as professoras têm
assim, a partir do momento que elas entram lá, elas ficam sabendo primeiro da nossa realidade, das
nossas escolas, as nossas realidades... aí depois é que elas começam a falar dos textos e tal...
[professoras-formadoras] J. mesmo, ela disse que não sabia nada de escolas comunitárias, ela[a
professora-formadora] aprendeu com a gente. Então esse semestre houve muito uma troca, né? A
gente falava, as professoras falavam e a gente [não entendi]... Acho que os textos que tão dando lá,
é... dão pra gente refletir, não são textos que passam pra gente... (Professora J. do Projeto Ágata
Esmeralda,2004, p. 6 ).
Concordando com os testemunhos das professoras-alunas acima, Dayrell(1996), baseado em
Ezpeleta & Rockwell(1986), referindo-se à escola como espaço de construção sócio-cultural, trata da
relação entre estrutura institucional e o papel do sujeito na apropriação dialética dessa estrutura,
confirmando este processo constante de ressignificação que os sujeitos dão ao instituído.
A escola, como espaço sócio-cultural, é entendida, portanto, como um espaço social próprio,
ordenado em dupla dimensão. Institucionalmente, por um conjunto de normas e regras, que
buscam unificar e delimitar a ação dos sujeitos. Cotidianamente, por uma complexa trama de
relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que incluem alianças e conflitos, imposição de
normas e estratégias individuais, ou coletivas, de transgressão e de acordos. Um processo
de apropriação constante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dão
23
forma à vida escolar. Fruto da ação recíproca entre o sujeito e a instituição, esse processo,
como tal, é heterogêneo. (p. 137).
Portanto, neste contexto de inspiração neoliberal que influencia as políticas públicas voltadas para
a formação de professores, se dá um enfrentamento intenso em torno de concepções diferentes de
professor entre a sociedade civil organizada no campo da educação – representada pela ANFOPE,
FORUMDIR, ANDES, entre outras – por um lado, e o MEC e o CNE por outro: a concepção de
professor enquanto agente social, proposta dos primeiros e a concepção do professor enquanto
tecnólogo do ensino que é a proposta do MEC. O contexto mais amplo, na verdade se dá na disputa
entre duas concepções de educação e sociedade, conforme nos alerta Frigotto.
...a questão não é de se negar o progresso técnico, o avanço do conhecimento, os
processos educativos e de qualificação ou simplesmente fixar-se no plano das perspectivas
da resistência, nem de se identificar nas novas demandas dos homens de negócio uma
postura dominantemente maquiavélica ou então, efetivamente uma preocupação
humanitária, mas de disputar concretamente o controle hegemônico do progresso técnico,
do avanço do conhecimento e da qualificação, arrancá-los da esfera privada e da lógica da
exclusão e submetê-los ao controle democrático da esfera pública para potenciar a
satisfação das necessidades humanas. (FRIGOTTO, 2003, p.139).
CONTEXTO ESPECÍFICO
Nesta perspectiva, a formação de professores deve ser elaborada a partir da forças da sociedade
civil organizada, da experiência que os professores e as professoras trazem de sua atividade
educativa, do contexto institucional onde desenvolvem seu trabalho pedagógico; uma formação voltada
para a construção da autonomia profissional docente, que se constrói na ressignificação cotidiana das
ações dos sujeitos envolvidos, crítica, imbuída de valores emancipatórios, da capacidade de planejar e
gerir o processo de ensino-aprendizagem e de compreender seu papel docente na educação pública
no enfrentamento às propostas, ações e ideologias de caráter excludentes, ou seja: a formação do
professor enquanto agente social. É neste contexto específico, fundado num contexto geral, que
empreenderei minhas análises, buscando compreender a formação política do professor no Programa
Rede UNEB 2000.
A formação dos professores e das professoras nesta configuração política e econômica, como foi
afirmado, se situa no intenso embate entre duas concepções de formação das professoras e
24
professores da educação básica: a concepção do educador como agente social e a concepção do
educador enquanto tecnólogo do ensino. Segundo Veiga tal perspectiva...
...está intimamente ligada a um projeto de sociedade globalizada e neoliberal e a um modelo
de formação que representa uma opção político-teórica; parte de um projeto político
educacional maior, de abrangência internacional, com orientações advindas do Banco
Mundial, com ênfase na chamada educação por resultados, que estabelece padrões de
rendimento, alicerçada nos chamados modelos matemáticos, ficando o processo
educacional reduzido a algumas variações ligadas à relação custo-benefício e, está
vinculada, explicitamente, à educação e produtividade, numa visão puramente economicista.
(VEIGA, 2002, p. 71-72).
A formação do educador enquanto agente social se situa numa concepção de educação como
prática social e um processo lógico de emancipação, demandando uma política global de formação que
contempla desde a formação inicial e continuada até as condições de trabalho, salário, carreira e
organização da categoria.
2.1 Regulamentação dos ISE’s
Como afirma Veiga(2002, p. 72) “O tecnólogo do ensino parece ser a figura dominante dentro da
reforma educacional brasileira...” Esta tendência vai se delineando desde a Nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96 – nos seus artigos 62 e 63 quando estes criam os ISE’s,
destinando aos cursos normais superiores desses institutos a formação de professores da educação
infantil e das séries iniciais do ensino fundamental, apontando para a tendência da formação de
professores em nível superior e a conseqüente “extinção motivada” dos cursos normais de nível
médio
5
. Ainda segundo o Parecer 115/99 os Cursos de Pedagogia fora das Universidades devem
tornar-se cursos normais superiores, ou seja, restringe bastante os cursos de Pedagogia neste caso,
podendo estes somente formar professores para as séries iniciais do ensino fundamental e da
educação infantil. Deixaria, na prática, de ser um curso de pedagogia.
25
Pelo Decreto 3.276/99 o governo impõe, sem discussão com a sociedade civil organizada em torno da
educação e, especificamente, em torno da formação dos professores – ANFOPE, FORUMDIR, ANDES
– SN, ANPED, ANPAE, CEDES, CEEP, Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública entre outras
6
– a
formação exclusiva dos professores das séries iniciais do ensino fundamental nestes Institutos
Superiores de Educação, atropelando até mesmo a votação do Parecer no CNE, que vinha sendo
construída pela CEEP, incumbida de elaborar as diretrizes curriculares para esses cursos. Na Carta de
Curitiba(2001), as entidades da sociedade civil denunciam o caráter autoritário de tais políticas:
Desconsiderando o projeto dos educadores, o CNE aprovou as Diretrizes Nacionais,
impondo um modelo único de formação de professores ao país. Por tudo isso, fica
demarcado que as Audiências Públicas não possibilitaram a discussão e muito menos a
incorporação das propostas das entidades, reafirmando, na verdade, a centralização das
decisões nos órgãos oficiais e o estabelecimento de um simulacro de democracia. (
ANFOPE, 2003, p. 2).
Em função da mobilização das entidades acima referidas o governo recuou, tornando sem efeito o
Decreto 3.276/99 pelo Decreto 3.554/00, que tornava preferencial a formação de professores nos ISE’s.
Por sua vez as Resoluções CNE/CP 01 e CNE/CP 02 estabelecem as diretrizes curriculares nacionais
para a formação dos professores da educação básica em nível superior, licenciatura, graduação plena,
determinando, como núcleo central da formação, a idéia nuclear de competências, além da carga
horária do curso, de 2.800 horas.
Portanto, uma política pública educacional criada através da Nova LDB – Lei 9.394/96 em seus
artigos 62 e 63; Decretos 3.276/99 e 3.554/00, Resoluções CNE/CP 01 e CNE/CP 02 entre outras –
que apontam para uma formação dos professores da educação básica nos ISE’s criados e
5
Através de um documento veiculado, o Conselho Nacional de Educação (CNE), através da CEB, explicita que, em relação
aos artigos 62 e 87 da Nova LDB: “Os Pareceres apenas reconhecem o que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional afirma, no seu artigo 62, isto é, que o ensino normal médio é admitido como formação mínima. Ao mesmo tempo,
através do Parecer CEB/CNE n.10/97 e da respectiva Resolução CEB/CNE n.03/97, no artigo 6º desta última, impõe, no
inciso V, que a remuneração dos portadores de diplomas de ensino superior será de mais de 50% a que couber em nível
médio, sendo critério também para a progressão na carreira. Vê-se, portanto, que embora o CNE tenha de admitir a
formação em nível médio para o exercício do magistério da educação básica, desvaloriza esta formação em função da
motivação financeira aos portadores de diploma de ensino superior para todos os docentes da educação básica. É isto que
significa extinção motivada, a qual me refiro acima.
6
Estas entidades, através de uma Nota de Esclarecimento à População Brasileira, cujo título era: Governo Intervém na
Formação de Professor por Decreto, denunciam o caráter autoritário de tal política, na medida em que esta atropela as
discussões que estavam sendo travadas no CNE.
26
regulamentados por essas leis citadas, reservando a formação de professores da educação infantil e
das séries iniciais do ensino fundamental preferencialmente para os cursos normais superiores desses
institutos, baseados na noção de competência, o que, segundo Veiga, caracteriza, entre outras coisas,
o sentido dessas políticas: formar o docente enquanto tecnólogo do ensino.
Se o CNE é um dos atores institucionais da luta política em torno da formação de professores, um
dos campos principais onde se trava esta luta é o dessas regulamentações da nova LDB, que vem em
forma de Pareceres, Resoluções e Decretos, como vimos. As regulamentações apontam para a
formação de professores da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental não mais nos
cursos de Pedagogia, mas, reafirmo, nos cursos normais superiores, criados pelos ISE’s. Quais seriam,
então, os problemas em questão? Baseado nas ações e documentos emitidos pela sociedade civil
organizada
7
em torno do tema e na análise dos dispositivos legais do Estado, posso enumerá-los.
Primeiro, é a tendência de extinção dos cursos de Pedagogia das universidades públicas e a
conseqüente proliferação de cursos privados de formação de professores, nos Institutos Superiores de
Educação, em cursos normais superiores. Cria-se uma reserva de mercado para os ISE’s privados, um
mercado lucrativo, diante da demanda gerada pelo receio que a maioria dos professores ficaram de
perder seus empregos em 2007, em função dessa interpretação do § 4.º do artigo 87 da nova LDB.
Além disso, toda a experiência acumulada pela Universidade, nos cursos de Pedagogia e nas
pesquisas desenvolvidas, é abandonada, adotando-se propostas de formação através de mecanismos
autoritários de políticas públicas.
Segundo é a crítica feita aos ISE’s é a formação de professores fora da universidade. Esta
formação nos ISE’s se dá distante do palco onde se busca a associação constante entre ensino,
pesquisa e extensão.
A criação dos ISE’s, aos quais se atribui a responsabilidade da formação de todos os
professores para a educação básica, sob a justificativa da integração espacial e pedagógica
do processo formador, acabou exacerbando o dualismo que caracteriza o modelo de
licenciatura vigente, ao separar a atividade de formação da atividade de produção de
conhecimentos essenciais à docência de cada área, desenvolvida no ambiente universitário
7
Nota de Esclarecimento à população brasileira: denúncia! Governo Intervém na Formação de Professores por Decreto; pronunciamento
conjunto das entidades ANPED, ANFOPE, ANPAE, FORUMDIR, CEDES e Formação do Professor ao Presidente eleito Luiz Inácio Lula
da Silva; CARTA DE CURITIBA, etc. Documentos encontrados na página da Internet
http://www.lite.fae.unicamp.br/anfope/desefa. htm
27
e responsável pelos significativos avanços teóricos na área da Educação nos últimos trinta
anos. (CEEP, 2002, p .2).
Distante da pesquisa, campo de produção e avanço do conhecimento, a formação docente se
restringe às teorias importadas acriticamente dos centros culturais do mundo desenvolvido. Também a
escola fica restrita a reproduzir a mão-de-obra demandada pelo campo produtivo, não podendo se
antecipar a este em termos de preparação dos seres humanos para outras formas e maneiras de
produzir e organizar a produção e a existência, ou seja, para projetos próprios. Para se tornar
competitivo, o Brasil precisa constantemente importar máquinas e equipamentos que incorporam as
novas tecnologias. Esta importação de novas tecnologias demanda uma mão de obra com capacidade
de abstração, autonomia – restrita à produção – capacidade de escolha e decisão, etc. A escola fica a
reboque deste processo, dependentemente submissa às exigências do mundo do trabalho capitalista.
Sua função social fica subordinada aos ditames do capital. É o que afirma Otaíza Romanelli neste
trecho de sua pesquisa sobre a História da Educação no Brasil no período de 1930/1973.
A nosso ver, enquanto a modernização econômica implicar, como é o caso brasileiro,
intensificação da importação tecnológica, a escola não será chamada a desempenhar papel
de relevo, a não ser num dos setores básicos da expansão econômica: o do treinamento e
qualificação da mão-de-obra. O outro papel, aliás o mais importante, que é o da formação de
pesquisadores e desenvolvimento da pesquisa aplicada, continuará na penumbra, relegado
a plano secundário(ROMANELLI, 1991, p. 56).
Sem a produção de conhecimento através da pesquisa, portanto, a formação de professores fica
confinada às necessidades imediatas de reprodução do capital dependente brasileiro. Daí se segue
que a visão instrumental do conhecimento, norteado pela idéia de competência, seja privilegiada nas
políticas educacionais de formação de professores de ensino fundamental no Brasil.
A separação entre a formação dos licenciados, com projeto curricular próprio, dos bacharéis, é o
terceiro foco da crítica dos movimentos docentes organizados. Esta separação entre os licenciados que
se ocupariam apenas em ensinar e os pedagogos especialistas que se ocupariam apenas em gerir a
escola. Neste sentido, os professores seriam meros tarefeiros do ensino, impedidos de exercerem
outras atividades dentro do contexto escolar ou extra-escolar. Há, segundo a ANFOPE(2000) uma
separação entre aqueles que fazem e aqueles que pensam a prática pedagógica, por isso propõe que
haja uma base comum nacional que seria a docência. A ANFOPE defende a tese, portanto, de que
28
todo pedagogo tem que ser um professor. A docência não seria uma habilitação entre outras, mas uma
base comum que caracterizaria o pedagogo, lhe dando sua identidade profissional: o docente.
Entretanto, outros pesquisadores da Educação e da Pedagogia discordam desta proposta, tais
como Libâneo e Pimenta(2002). Para eles o pedagogo pode atuar em diferentes campos sociais que
não passam necessariamente pelo exercício da docência.
Todo educador sabe, hoje, que as práticas educativas ocorrem em muitos lugares, em
muitas instâncias formais, não-formais, informais. Elas acontecem nas famílias, nos locais de
trabalho, na cidade, na rua, nos meios de comunicação e, também, nas escolas. (LIBÂNEO
e PIMENTA, 2002, p. 29).
Para estes autores supracitados reduzir a pedagogia à docência, sem a pretensão de, com isso,
diminuir a importância desta última, terminaria descaracterizando a Pedagogia enquanto reflexão
teórica a partir e sobre as práticas educativas, extinguindo as Faculdades de Educação, e
concretizando, na prática, a transformação em ISE’s, posto que baste transformar as “Faculdades de
Educação” em centros de formação de professores, ou seja: ISE’s.
Libâneo e Pimenta(2002) entendem que a Pedagogia encontra sua especificidade na investigação
sobre a prática dos educadores de modo geral, o que a leva à construção de saberes genuinamente
pedagógicos e a caracteriza enquanto ciência da prática, cujo enfoque metodológico prima pela
globalidade do fenômeno educacional. A especificidade profissional do professor, e não do pedagogo,
é que é constituída pela docência. A reflexão profissional do professor, inclusive a pesquisa, se dá
especificamente no campo do ensino, enquanto a do pedagogo se dá num universo mais amplo da
educação como prática presente em toda a sociedade, e não apenas na escola. Nesse sentido esses
autores perguntam pela viabilidade da proposta da ANFOPE:
É viável formar num mesmo curso, com duração de 04 anos, o professor profissionalmente
competente de 1.ª a 4.ª séries e, ao mesmo tempo, o pedagogo stricto sensu, também
profissionalmente competente naqueles campos profissionais mencionados? Essas
perguntas podem ser dirigidas tanto à Anfope quanto à Comissão
de Especialistas da
Pedagogia que,
grosso modo, encamparam as teses da Anfope. (LIBÂNEO e PIMENTA,
2002, p. 26).
29
A proposta de Libâneo e Pimenta se condensa na criação de um CFPD – Centro de Formação,
Pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores. Este Centro seria ligado à estrutura da
Faculdade de Educação, ao lado do curso de Pedagogia.
Libâneo e Pimenta têm pontos comuns com os pesquisadores e teóricos da ANFOPE e da CEEP,
que são os seguintes: A formação do professor deve ser feita na universidade, especificamente
compondo a estrutura das faculdades de educação; deve haver uma articulação entre a formação
inicial e continuada, entre a escola e a sociedade – movimentos, sindicatos, associações, instituições
outras, etc.; o professor é um elemento essencial na construção de uma escola que inclua ao invés de
excluir; a pesquisa deve partir do exame da prática de ensino do professor e estar voltada para a
produção de conhecimentos, como afirmam os autores abaixo:
Assim, consideram que as transformações das práticas docentes só se efetivam na medida
em que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula e a da
escola como um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a
realidade. (LIBÃNEO e PIMENTA, 2002, p. 42 ).
Os saberes, valores e demais capacidades do professor, além de sua condição salarial, são
aspectos fundamentais para a sua formação e seu desenvolvimento profissional, desde que voltados
para a especificidade do “ser professor”: o ensino e a escola.
Libâneo e Pimenta(2002) não propõem, portanto, um esvaziamento da formação dos professores,
mas uma preparação diferente dos pedagogos. A especificidade dos primeiros se dá
predominatemente no ensino, enquanto a dos segundos na análise da educação como prática social
mais ampla que a prática educativa escolar.
2.2 Rede UNEB: Instituto Superior de Educação da UNEB
O Programa Rede UNEB 2000 se constitui enquanto um ISE, unidade da Universidade do Estado
da Bahia – UNEB, criado para atender à demanda de formação de professores das séries iniciais do
ensino fundamental em todo Estado da Bahia – através da criação de cursos normais superiores –
surgida pela exigência legal, implementada pelo governo Fernando Henrique Cardoso(1994 – 2002),
“cumprindo assim demanda criada pela LDB, bem como consolidar a UNEB como força política e
referência acadêmica no interior.”(TRIGO, 2002, p.97).
30
O Rede UNEB é uma resposta que a Universidade do Estado da Bahia – UNEB – dá à necessidade
de formação de professores do ensino fundamental das redes municipais de ensino no Estado da
Bahia. Necessidade criada legalmente a partir da nova LDB, pois esta necessidade já era realidade há
muito tempo pelos docentes da educação básica do Brasil. O Programa atendeu, desde 1998 até o
presente ano (2004), cerca de 9.108 professores, com 90,87% de concluintes dos cursos de formação
atendidas pelo Programa em mais de 100 cidades do Estado da Bahia, o que o torna um dos
programas de formação de professores quantitativamente mais abrangentes do Estado da Bahia. O
Rede UNEB, portanto, é a própria UNEB, o seu centro, descentralizado, de formação de professores
das redes municipais do Estado da Bahia.
31
3 ABORDAGEM TEÓRICA
O conceito principal do meu trabalho se situa em torno da Palavra, que é o núcleo explicativo da
politicidade intrínseca dos seres humanos. Destituídos da Palavra, emudecidos pela coerção ou pela
desesperança, abrimos mão de nossa humanidade, da nossa capacidade de decidir, de optar, de
escolher, de participar dos processos que definem a nossa presença no mundo, como uma presença
profundamente humana, capaz de embelezar ou de enfeiar o mundo, de seguir a ética ou de
transgredi-la. Nossa característica política inevitável, porque sociais, está entrelaçada aos destinos
deste mesmo mundo em que e porque nos tornamos humanos.
É Aristóteles(2002) que, inicialmente, concebe a palavra como expressão de juízo, de logos, de
posicionamento moral e político sobre os fenômenos à nossa volta, inaugurando assim a sociedade
política, a Pólis, a Cidade-Estado.
De modo muito claro entende-se a razão de ser o homem um animal sociável em
grau mais alto do que as abelhas e os outros animais todos que vivem reunidos. A
natureza, afirmamos, nenhuma coisa realiza em vão. Somente o homem, entre
todos os animais, possui o dom da palavra; a voz indica dor e o prazer, e por essa
razão que ela foi outorgada aos outros animais. Eles chegam a sentir sensações de
dor e de prazer, e faz-se entender entre si. A palavra, contudo, tem a finalidade de
fazer entender o que é útil ou prejudicial e, consequentemente, o que é justo e o
injusto. O que, especificamente, diferencia o homem é que ele sabe distinguir o bem
do mal, o justo do que não o é, e assim todos os sentimentos dessa ordem cuja
comunicação forma exatamente a família do Estado. (ARISTÓTELES, 2002, Livro
primeiro, Capítulo I, § 10, p. 14).
Em todo este livro Aristóteles busca, a partir da Palavra, utilizando o método analítico, justificar a
fundação de uma organização social e política mais próxima da perfeição, que, segundo ele, está de
acordo com a natureza pois... “...a cidade participa das coisas da natureza, que o homem é um animal
político, por natureza, que deve viver em sociedade...” (ARISTÓTELES, 2002, p. 14). Justificando na
natureza o caráter político e ético das relações sociais, Aristóteles, também termina legitimando,
através de sua abordagem epistemológica e metodológica, as condições históricas de opressão da
sociedade de seu tempo.
32
O homem livre manda no escravo de modo diverso daquele do marido na mulher, do
pai no filho. Os elementos da alma estão em cada um desses seres, porém em
graus diversos. O escravo é inteiramente destituído da faculdade de querer; a
mulher possui-a, porém fraca; a do filho não é completa. (§11, Capítulo IV, Livro
Primeiro).
Considerando tal raciocínio, estaria legitimada a opressão social, política e econômica dos grupos
marginalizados, pois que tudo já estava dado desde o nascimento. É fundada desde aí uma ontologia
natural da opressão, da desumanização. Em função de tal limitação historicamente construída busco,
na obra de Paulo Freire, especificamente na sua Pedagogia do Oprimido(1999), uma dimensão da
Palavra, que contemple a criticidade da política e da ética, sua dimensão histórica, de consciência que
se indigna com a desumanização dos seres humanos – desnaturalizando a opressão e situando-a
historicamente – das classes sociais, das mulheres, das crianças, dos afro-descendentes, dos
moradores dos bairros periféricos, e se engaja na luta pela humanização usurpada, verificando em si
mesma sua contradições, suas possibilidades e suas potencialidades.
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco nutrir-
se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens
transformam o mundo. Existir humanamente é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O
mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. Na verdade, se admitíssemos que a
desumanização é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que fazer, a
não ser adotar uma atitude de cinismo ou de total desespero.”(FREIRE, 1999, p.
78).
Neste sentido a Palavra é a expressão da práxis, pois “não há palavra verdadeira que não seja
práxis”(FREIRE, 1999, p.77). A dialética da palavra, que contempla as dimensões de ação e reflexão,
inaugura a política humana, não numa capacidade apenas natural, inata, que diferencia os homens dos
demais animais, mas no processo mesmo da existência histórica, condicionada pelos limites e desafios
da sua estrutura social e conjuntura política. Esta história é aberta, transitória e, portanto, pode ser
mudada. Essa mudança, essa transformação, é tornada realidade pela ação, pela palavra tornada ato,
pelo ato, que dirigido e sendo reflexão, é a palavra verdadeira. É nesta Palavra onde as emoções, os
sentimentos, as cognições, as percepções se revelam em sua profundidade pessoal, social e histórica.
O silenciamento coercitivo, através da imposição política, portanto, nada mais é que desumanização.
33
Numa sociedade contemporânea, dividida em classes sociais, norteada pelo sistema político-
econômico capitalista, o bem comum é conseqüência, como vimos, do resultado das forças de
mercado. A sociedade contemporânea está separada pelo apartheid da fome, do racismo, da
linguagem, da região geográfica, da Palavra. A força dos fracos está no exercício dessa Palavra, na
escolha e nas estratégias adotadas para se inserirem com dignidade na sociedade que constituem,
enfrentando os processos de exclusão social através de sua organização política e cultural, baseada na
ética que norteia as relações interpessoais e coletivas, visando o bem comum a partir da lógica dos
grupos populares organizados em torno de necessidades e interesses específicos. O bem-comum é
muito mais incomum do que as teorias imaginam. Aqueles que vivem dia a dia experiências de
exclusão sabem que a realidade é mais incrível que a ficção, como o dizia Jorge Luís Borges.
Este, portanto, é o quadro teórico que baseia minha investigação, cujo objeto é a Palavra do
professor-aluno no Projeto Rede UNEB 2000. É em sua Palavra, entendida como expressão dialética
da ação-reflexão, onde podem ser encontrados elementos importantes para o entendimento de sua
condição política hodierna: os silêncios, os hiatos, os posicionamentos, as conquistas, os medos e
frustrações, vão caracterizando a formação política dos professores das séries iniciais do ensino
fundamental no Programa Rede UNEB 2000.
Em sua formação, a palavra do professor-aluno expressa, através das suas experiências, o seu
compromisso, a sua sensibilidade, os seus valores, as suas esperanças. É nela que eu pretendo
examinar seu caráter político, pois ela, a Palavra, é filha das tensões, enfrentamentos, posicionamentos
tácitos e ressignificações que os professores-alunos, as professoras –alunas, dão à sua prática
educativa, como neste trecho de uma entrevista abaixo:
...eu acredito que sim. Inclusive tem alguns professores da escola que têm essa
postura de tá... é...estando além dos muros da escola, além das paredes da escola.
A gente gosta muito de dar, a gente gosta muito de dar mais essa coisa do social. A
gente tem esse costume de tá fazendo é...passeatas, né? Sempre que tem alguma
coisa mais interessante... ano passado(2003) a gente participou, por exemplo, fez
uma caminhada pelo bairro(riso de satisfação) em apoio aos estudantes
8
, por
exemplo. A gente quer sempre tá ampliando, quer que eles realmente estejam
pensando no que acontece lá fora e tá tomando posição, mas posição a partir dos
8
Em apoio à manifestação dos estudantes em Salvador, no ano 2003, pela redução do preço das passagens dos
transportes coletivos desta cidade.
34
conhecimentos que eles têm. (professora-aluna W do Projeto Ágata Esmeralda,
2004, p. 4).
3.1 O Que é uma Formação Política do Professor?
Escolhendo a palavra, expressão da práxis pedagógica das professoras e dos professores sob
minha análise, cabe precisar o que significa uma formação política do professor, objeto principal do
meu trabalho. Esta definição é uma construção inspirada em Paulo Freire(1999; 2002).
Para Freire(1999) há três formas de prejuízo da práxis que são: o ativismo, o verbalismo e o
impedimento da Palavra: o silêncio. O ativismo é a palavra como expressão de uma experiência
imediata, sem o exame rigoroso de um método que dirija a reflexão. A dimensão da reflexão fica
prejudicada, perdendo a ação o seu caráter cognoscente e teleológico. Para Freire
O clima do pensar certo não tem nada que ver com o das fórmulas
preestabelecidas, mas seria a negação do pensamento certo se pretendêssemos
forjá-lo na atmosfera da licenciosidade ou do espontaneísmo. Sem rigorosidade
metódica não há pensar certo. (2002, p. 55
).
Ativistas também são aqueles professores que descuidam de sua função profissional precípua de
ensinar, no envolvimento e no exercício de ações políticas que ultrapassam a escola, mas que a
condicionam. Para Libâneo e Pimenta(2002), por exemplo, ensinar é uma tarefa política crucial, que foi
esquecida pelos professores ativistas. O ensino, seu planejamento, a escolha de projetos e temas para
dirigir a formação, a escolha de metodologias adequadas à realidade dos alunos e ao contexto onde os
mesmos estão inseridos, uma gestão democraticamente eficaz, que envolva pais e mães dos alunos e
das alunas, que articule atividades formativas com os setores organizados da sociedade, dependem de
professores preparados e dispostos para o empreendimento exigido para realizar a função social da
escola que, amparado em Veiga seja:
desenvolver o educando, prepará-lo para o exercício da cidadania e do trabalho
através da construção de um sujeito que domine os conhecimentos, dotado de
atitudes necessárias para fazer parte de um sistema político, para participar dos
35
processos de produção da sobrevivência e para desenvolver-se pessoal e
socialmente.(VEIGA, 2003, p. 268)
O trabalho docente é árduo, exige uma preparação, um planejamento, uma sistematização e
organização que requer bastante disciplina, concentração e motivação do professor, baseado numa
discussão teórica que considere a produção intelectual na área e os resultados das pesquisas a
respeito do campo de atuação da escola, se há o desejo de atingir os objetivos acima citados, que
compõem a função social da escola. “Faltou entender que um trabalho bem feito com as crianças no
interior das salas de aula também era ato político, e dos mais nobres.”(LIBÂNEO e PIMENTA, 2002,
p.29).
A outra forma de reducionismo da Palavra enquanto práxis é o verbalismo, onde a palavra perde o
seu caráter de ação concreta, o que, em última instância, é o que vai caracterizar a práxis. Nesse caso,
a Palavra se transforma num discurso vazio, oco, sem a experiência concreta da ação, sem a
“pronúncia do mundo”. Este reducionismo está aliado ao prejuízo da ética e, por isso, é um dos mais
nefastos reducionismos da Palavra. “O meu discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo concreto,
prático, da Teoria. Sua encarnação. Ao falar da construção do conhecimento, criticando a sua
extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção estar envolvendo os alunos.”(FREIRE,
2002, p. 53). A relação teoria e prática, entre discurso e ação, entre pensar, falar e fazer, é bastante
problemática atualmente. Há uma dificuldade muito grande em preparar educadores para uma prática
educativa encarnada na realidade dos educandos. Que articule os saberes, aspirações e necessidades
das pessoas com o currículo escolar, com a metodologia mais adequada para a escola atingir sua
função social de forma satisfatória, conforme expresso mais acima. Os educandos jamais
desenvolverão tais características acima apontadas por Veiga se não houver uma metodologia
adequada que propicie-lhes significar os conhecimentos e saberes como resultado de sua experiência
humana, a partir de sua condição social, política, cultural e econômica. A práxis se faz imprescindível
para articular a teoria à prática de modo indissolúvel e dialético.
A terceira forma de prejuízo da práxis é o silêncio, seja ele pela imposição dos poderosos, seja pelo
nosso consentimento medroso ou cínico e fatalista. O silêncio revela em si uma situação de opressão,
uma concordância não declarada a uma situação de opressão e é, em si mesmo, uma expressão
autêntica da desumanização. Se a Palavra é a expressão da humanidade, como vimos em
Aristóteles(2002), sua negação, portanto, é desumanização. O silêncio é construído muito antes da
sala de aula. O silêncio perpassa a sala de aula, mas sua fonte são as relações sociais, que continua e
se reproduz numa pedagogia que nega o educando enquanto sujeito da experiência, da curiosidade, da
procura, da busca de compreensão de sua situação no mundo e do mundo em sua situação, em todos
36
os sentidos. Uma pedagogia tecnicista, preocupada apenas em cumprir finalidades e objetivos
decretados, sem levar em consideração a situação e a experiência dos alunos e alunas, constrói uma
prática de silêncio, uma pedagogia do silêncio, para ser mais específico, que destrói a Palavra como
núcleo emancipatório fundamental da humanidade, construindo e legitimando autoritarismos velados,
naturalizados.
Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do
exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à
curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das
emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação. Conhecer
não é, de fato, adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando com adivinhar,
com intuir. (FREIRE, 2002, p. 51).
Concordando com Freire, o compromisso do professor, da professora, com seus alunos e alunas na
tarefa de educá-los para a insubmissão, para sua construção permanente da autonomia responsável,
na rigorosidade metódica, não pode ser estabelecido como uma relação apenas profissional, apenas
racionalizante, apenas mediada por conteúdos definidos antecipadamente ou por apenas um sentido
político teleológico que a tudo abarca e, por isso, exclui, mas carregada de sentimentos mútuos, de
exigências sentimentais, mas não sentimentalistas, que fortalecem o espírito humano na aventura de
sua ruptura com a realidade que o oprime, o silencia, o exclui, o desumaniza. É preciso, na práxis
política-pedagógica, ter alegria, esperança, riso, paixão, poesia, desejo, fé na capacidade humana de
mudar a si e ao mundo, sem as quais caímos no mundo frio da automação moderna que nos
condiciona a uma alegria, a um fé pré-fabricada pelas instituições por ela e nela criadas. Alegria e fé
que, por não floresceram a partir de nossa indignação, de nossa dor, de nossas emoções, de nosso
contexto pessoal e coletivo, será esmaecida pelos primeiras gotas de chuva que, para desesperados,
prenunciam uma tempestade arrasadora que os conduzirão para muito longe do paraíso almejado.
A formação política do professor deve encarnar a Palavra que explicita a leitura do mundo feita
pelas classes, grupos e indivíduos, transformando-a em conteúdos de reflexão para a superação da
curiosidade ingênua do mundo, em direção a uma curiosidade epistemológica, ou seja, uma
curiosidade metodicamente rigorosa. Esta superação a que me refiro não pode se reduzir a uma re-
interpretação da leitura do mundo, reduzindo-a somente a um plano reflexivo, espiritual, abstrato. Deve
ser uma leitura de mundo engajada em sua transformação em favor dos oprimidos, posto que o mundo
37
é desigual, dividido em pobres e ricos, em abastados e miseráveis, entre bem nutridos e esfomeados.
Nossa politicidade ética intrínseca, como vimos em Aristóteles, pelo fato de termos o poder de decidir,
de escolher, de optar, nos exige uma decisão, uma tomada de posição concreta em favor da
transformação ou da conservação do mundo. A formação política que nega aos educandos, sejam eles
professores, sejam alunos, o seu direito à Palavra, que é sua leitura do mundo, sua problematização,
seu posicionamento e seu engajamento na transformação desse mundo dividido, só está reproduzindo
as condições de opressão que estruturam o mundo tal como ele se encontra, em favor dos
privilegiados e, por isto, está transgredindo a ética numa pedagogia do silenciamento, na construção de
uma ingenuidade política, está, em última instância: desumanizando. É o que nos ensina Paulo Freire
(2002) quando afirma que:
A experiência histórica, política, cultural e social dos homens e das mulheres jamais
pode se dar “virgem” do conflito entre as forças que obstaculizam a busca da
assunção de si por parte dos indivíduos e dos grupos e das forças que trabalham
em favor daquela assunção. A formação docente que se julgue superior a essas
“intrigas” não faz outra coisa senão trabalhar em favor dos obstáculos. A
solidariedade social e política de que precisamos para construir a sociedade menos
feia e menos arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos, tem na formação
democrática uma prática de real importância. A aprendizagem da assunção do
sujeito é incompatível com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário
dos que se pensam donos da verdade e do saber articulado.(FREIRE, 2002, p. 47).
Para Freire(1999) há três formas de prejuízo da práxis que são: o ativismo, o verbalismo e o
impedimento da Palavra: o silêncio.
O conceito de formação política do professor, portanto, é a formação voltada para que os docentes
compreendam a educação enquanto práxis pedagógica, social, cultural e política, democrática,
articulando as atividades educativas às aspirações, demandas e necessidades humanas,
principalmente dos excluídos, no plano técnico, ético, cultural, emocional, sentimental, político e
econômico; com a inclusão de muitas vozes que forem silenciadas do processo social e político, com a
criatividade das lutas que signifiquem concretamente o acesso aos bens produzidos pela sociedade,
produzindo interações solidárias que potencializem o ser humano emancipado e emancipador. O
docente enquanto agente social proposto por Veiga(2002), embora tenha alguns pontos a serem
bastante refletidos, vai ao encontro de uma formação política proposta por uma práxis educativa aqui
desejada.
38
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1 O CAMPO DE ESTUDO
Diante da necessidade de atingir o objetivo desta pesquisa: O problema desta pesquisa, portanto, é
identificar qual o tipo de professor que atua nas séries iniciais do ensino fundamental o Programa Rede
UNEB 2000 está formando: o Tecnólogo do Ensino ou o Agente Social? perceber qual o tipo de
professor que atua nas séries iniciais do ensino fundamental o Programa Rede UNEB 2000 está
formando: O Tecnólogo do Ensino ou o Agente Social, no tempo previsto da pesquisa, foi preciso
delimitar o campo de estudo a fim de atingir o objetivo proposto. Esta delimitação foi feita tendo duas
direções:
a) a prática educativa orientada para uma população não atendida pelo Estado em suas
necessidades de educação, exercida por professores da própria comunidade;
b) a prática educativa inserida no processo de educação pública, por professores, funcionários
públicos municipais, regulamentados pelo Estado.
No primeiro caso será estudado o Curso Rede UNEB 2000, realizado em convênio com o Projeto
Ágata Esmeralda. No segundo será estudado o Curso Rede UNEB 2000, realizado em convênio com a
Prefeitura Municipal de Dias D’Ávila. A escolha se deve às percepções que a comparação entre essas
práticas educativas, exercidas em espaços institucionais diferentes – pois os espaços sócio-culturais e
econômicos guardam muitas semelhanças – podem trazer como contribuições à formação política dos
professores e das professoras das séries iniciais do ensino fundamental no Programa Rede UNEB
2000, e para as conseqüências imprevisíveis que daí podem advir. Além disto e, principalmente, a
escolha se deve à proximidade que o autor desta dissertação tem com um dos campos de estudo, a
Comunidade Horto-Calafate da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, onde foi, por muitos anos,
participante ativo e, nesse processo, viu nascer a Escola Comunitária Novo Amanhecer, onde as
professoras-alunas do Projeto Ágata Esmeralda – Programa Rede UNEB 2000 – atuam. A observação
centrará seus esforços e energias no papel que a formação no Programa Rede UNEB 2000 tem na
formação política dos Professores-alunos, observando-se a ressignificação que os professores dão a
esta formação, no processo de formação para a práxis educativa destes.
A análise se centrará na palavra das professoras e professores entrevistados. Esta palavra,
entretanto, como delineio na abordagem teórica, não pode ser desvinculada de uma comunicabilidade
que lhe é intrínseca. Ela é a fundadora do diálogo, unidade deste. Este diálogo, entretanto, não se
39
reduz a um encontro entre dois ou mais indivíduos procurando saber mais sobre o mundo. O poder
político da palavra em Freire não se constitui em pura ideologia, em discursos retóricos que tentam nos
convencer de sua veracidade pela lógica formal, mas em sua unidade contraditória de ação-reflexão. A
Palavra, em Freire, não tem o objetivo de convencer o outro do diálogo pela lógica, o diálogo é
constituído pelo tripé: Eu, Outro, Mundo. O mundo desafia nosso pronunciar, que não se reduz a uma
simples constatação da sua inevitabilidade, mas da possibilidade de sua transformação, o que, em
última instância, segundo Freire(1999) é o que vai dar autenticidade à pronúncia do mundo, é o que
caracteriza sua politicidade. Os sujeitos a serem analisados não são sujeitos destituídos de saberes, de
significações, são pessoas portadoras de saberes, experiências, frustrações e esperanças que
constituirão o processo de ressignificação de sua formação no Programa Rede UNEB 2000. Eu
entrevistei 04 professoras-alunas do município de Dias D’Ávila e 04 professoras-alunas do Projeto
Ágata Esmeralda da periferia de Salvador: Fazenda Grande do Retiro e San Martin. Munido dessas
entrevistas fiz a análise que exponho posteriormente.
Em função da proximidade de Salvador, o que de certo modo facilita a coleta de dados, foram
escolhidos os municípios de Dias D’Ávila e o Projeto Ágata Esmeralda, em Salvador. As professoras-
alunas deste último estão cursando o segundo semestre, que finda em dezembro de 2003, iniciando-se
o terceiro em janeiro 26 de janeiro de 2004. No município de Dias D’Ávila as professoras-alunas
pesquisadas já concluíram o curso que tinha a duração de dois anos, 523 dias letivos distribuídos em
quatro semestres, com matrícula semestral e por disciplina. Teve início em agosto de 1999 e término
em agosto de 2001. Embora em Dias D’Ávila haja outro curso de formação de professores pelo Rede
UNEB, preferi escolher como grupo para pesquisa as professoras-alunas que já concluíram – inclusive
quando o currículo tinha duração de quatro semestres, o que foi ampliado agora, para seis semestres,
com a turma atual – porque com estas eu posso fazer um exame do impacto da formação política no
Programa Rede UNEB após a formação que tiveram. Além disto acredito que as professoras-alunas se
sentirão mais à vontade para avaliarem o impacto da formação a que nos referimos sobre sua prática
educativa.
40
4.2 O Curso de Licenciatura, Salvador II e III (4.ª Etapa do programa rede Uneb 2000)
O curso de graduação, licenciatura plena, das séries iniciais do ensino fundamental, onde se
insere o Projeto Ágata Esmeralda, na região metropolitana, Salvador II e III, implementado
pela UNEB está dirigido a docentes que atuam na periferia urbana de Salvador e busca
ampliar o nível de formação destes recursos humanos num atendimento à exigência da LDB
que, no seu artigo 62, exige “formação em nível superior, através de cursos de licenciatura,
de todos os profissionais atuantes na educação básica até o ano de 2006. Nesta
perspectiva, este programa se propõe a elevar o padrão de qualidade da prática docente
destes professores e, desta forma, contribuir para uma melhor qualidade do ensino.” (UNEB,
2003, p. 4).
Cabe salientar que o curso de graduação, licenciatura plena, Salvador II e III, foi conveniado entre a
UNEB, através do Programa Rede UNEB 2000, e o Projeto Ágata Esmeralda. Ele forma professoras-
alunas e professores-alunos não só do Projeto Ágata Esmeralda, mas também de outros projetos, “que
trabalham em espaços sociais, onde o poder público normalmente não chega.”(UNEB, 2003, p. 5). São
escolas localizadas em bairros como Jardim Imperial em Pituaçu, Liberdade, Saramandaia, Boa vista
do São Caetano, Tancredo Neves, Calabar, Plataforma, Calafate(San Martin), Capelinha, Pirajá, Fonte
do Capim(San Martin), Marechal Rondon, etc., enfim bairros de Salvador onde se concentram as
populações mais excluídas da sociedade soteropolitana. O corpo discente do curso é formado por 97
professores-alunos distribuídos em duas turmas(A e B). As aulas acontecem no horário noturno, de
segunda a sexta-feira, no Instituto Nossa Senhora do Assunção – INSA – Barris/Salvador.
Sua organização acadêmica é de responsabilidade da sua coordenação pedagógica,
constituída de um coordenador(coordenador acadêmico do curso), dois professores-orientadores, uma
secretária acadêmica e uma auxiliar de secretaria. Esta equipe trabalha em consonância com a
coordenação central do Programa Rede UNEB. O curso funciona num prédio situado à Rua General
Labatut, n.º 373, Barris, 1.º andar, com salas amplas e outros cômodos para as demais atividades e
necessidades, conforme planta baixa em anexo.
A secretaria acadêmica tem uma secretária e uma auxiliar. A secretária é estudante,
graduanda do curso de administração e a auxiliar tem o ensino médio completo de técnica em
contabilidade. A secretaria funciona das 16 às 22 horas, de 2.ª a 6.ªfeira, possuindo instalações e
41
equipamentos necessários ao funcionamento do curso, tais como: duas máquinas de xerox, três
computadores com impressoras, dois retroprojetores, um televisor de 29 polegadas, um aparelho de
som, um DVD, um episcópio, uma filmadora, além de um fax, arquivos para pastas suspensas, um
armário para organização do material de consumo diário e duas linhas telefônicas. A função da
secretaria é a organização de todas as informações acadêmicas relativas à vida de cada aluno e aluna,
a organização de horários professores, controle das aulas, dentre outras atividades.
As inscrições para o processo seletivo, ocorreram no mês de agosto de 2002,com início das aulas
em 18/11/2002 e término em 30/05/2003, perfazendo um total de 121 dias letivos.
O corpo docente foi formado a partir de orientações recebidas pela coordenação central do
Programa. Os professores convidados participaram de uma reunião com a coordenação acadêmica do
curso Salvador II e III e a partir de então elaboraram suas propostas de trabalho para o semestre,
discutindo-as com a coordenação.
Colegiado do curso é composto do coordenador do curso, de todos os docentes do semestre,
dos professores-orientadores e de um representante discente por turma e da secretaria acadêmica,
cabendo ao primeiro a coordenação do colegiado. O mesmo foi convocado para cinco reuniões durante
o 1.º semestre do curso, instalando-se, discutindo a estrutura organizacional do curso,
redimensionando as atividades propostas, avaliando as atividades do semestre e desempenho
acadêmico dos alunos, entre outras atividades.
Conselho de Classe é composto por todos os membros do Colegiado, analisando o
desempenho do aluno em cada disciplina e dando seu parecer, sintetizado em escala de zero a dez,
conforme determinações da Coordenação Central do Programa. Esta nota é registrada em Ata de
Resultados Finais (modelo oficial do Programa, em anexo) e publicada posteriormente.
A avaliação é uma apreciação qualitativa sobre dados relevantes do processo de ensino e
aprendizagem que auxilia o professor a tomar decisões sobre a realidade de seu trabalho. Tem duas
dimensões: a pedagógica e a administrativa. Na primeira seguiu um caráter processual, considerando a
42
participação das alunas e dos alunos em sala de aula e fora dela. Houve uma preocupação em sempre
apontar e permitir aos discentes as dificuldades apontadas, sobretudo nas escritas, a fim de propiciar a
superação das dificuldades através da reelaboração de novos textos. Também houve uma
preocupação em não se reproduzir os conteúdos, buscando-se a construção do conhecimento.
Na dimensão administrativa da avaliação estabeleceu-se como orientação as seguintes normas:
a) O desempenho do aluno foi avaliado por disciplinas, representado em notas de zero a dez, ao
final do semestre, no Conselho de classe;
b) a assiduidade e a freqüência mínima exigida às atividades curriculares foi de 80% em cada
disciplina;
c) foi considerado aprovado o aluno, a aluna com média sete(7,0) em cada disciplina;
d) aos alunos e às alunas que não alcançando este patamar, em determinada disciplina, fará
estudos complementares programados pelo professor formador e acompanhados pelos orientadores.
Na relação teoria-prática as visitas de observação se constituem num suporte importante para
a mesma. Estas observações são previstas no currículo do Programa Rede UNEB 2000, conforme
detalhado no capítulo II. “Assim é possível observar in loco a prática docente desses alunos, conhecer
a realidade das escolas e as comunidades onde estão inseridas.”(GUIMARÃES, 2003, p. 12).
Ao longo da sua formação, as professoras-alunas e os professores-alunos formam equipes,
compostas por quatro ou cinco componentes, para elaborarem um Projeto Acadêmico, escolhendo
temáticas semelhantes para eleição do tema, definição dos objetivos e escolha das disciplinas que
servirão de suporte no processo de investigação e de sistematização das aprendizagens. No primeiro
semestre houve a elaboração preliminar do plano de trabalho, para servir de referência para a
construção do Projeto Acadêmico ou Anteprojeto de Pesquisa no 2.º semestre. “Trata-se de
estabelecer um diálogo com autores das várias áreas de conhecimento: filosofia, antropologia,
sociologia, linguagem, etc, pautado no fazer pedagógico e nos saberes construídos pelos professores-
alunos a partir da experiência sociopolítica, cultural e educativa.” (GUIMARÃES, 2003, p.13, grifos
meus). Os temas escolhidos para o Projeto Acadêmico foram:
a) alfabetização, a leitura e a escrita no processo de aprendizagem;
b) o desenvolvimento do comportamento afetivo e social infantil de 3 a 6 anos;
c) a influência dos fatores sócio-econômicos no desenvolvimento educacional de crianças de
classes populares;
43
d) o desenvolvimento do comportamento infantil;
e) o perfil da escola comunitária;
f) educação e ludicidade.
Estes temas podem ser mudados.
Seminários Temáticos. Também previstos no currículo do Projeto Rede UNEB 2000, estes
seminários tiveram como temas:
a) violência urbana;
b) o papel da escola e o papel da família no processo educativo;
c) afetividade;
d) desigualdades sociais e educação;
e) educação popular;
f) pluralidade cultural;
g) ética na educação;
h) Estatuto da Criança e do Adolescente.
Considera-se “a relevância deles para o desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da
participação dos professores-alunos na construção de uma sociedade justa, democrática e humana.”(
GUIMARÃES, 2003, p.15).
Participação das discentes no processo de avaliação do curso
Ao lado do Relatório Final de Avaliação do 1.º semestre do curso elaborado pela equipe técnico-
administrativa, composta pela secretária acadêmica, pela professora-orientadora, pela auxiliar de
secretária e pela coordenadora do curso, houve também a elaboração do Relatório Final de Avaliação
pelas discentes
9
. A construção do relatório teve a participação de todas as professoras-alunas. Neste
as discentes avaliam o desempenho dos professores-formadores; das atividades de estágio
supervisionado; da orientação do projeto acadêmico pelas professoras-orientadoras; análise, enquanto
professor-aluno, do aproveitamento progressivo das turmas; aplicabilidade por disciplina, dos
conhecimentos adquiridos no Curso em sala de aula; análise das relações interpessoais, a partir dos
indicadores – diálogo, cooperação, solidariedade e respeito mútuo; críticas e sugestões sobre o
Programa Rede UNEB 2000, tanto sobre os aspectos pedagógicos quanto sobre os aspectos
administrativos. Vamos agora analisar o Projeto que está inserido no Curso de Licenciatura, Salvador
II e III.
9
Há apenas um aluno do sexo masculino
44
4.3 O Projeto Àgata Esmeralda
O Projeto Ágata Esmeralda, Organização Não-Governamental, nasce da necessidade de atender
às populações carentes da Periferia de Salvador, para isso contando com quatro setores
especializados – Serviço de Assistência Social, Serviço de Assistência Psicológica, Serviço de
Assistência Jurídica e Serviço de Assistência Pedagógica – “com a finalidade de acolher e compartilhar
problemas e preocupações que os responsáveis não conseguem carregar e solucionar
sozinhos.”(BOSCOLO, 1999, p.5). Sua sede localiza-se na Rua Direta da Mata Escura, 06 – CEP.:
41200-390, telefone: (71) 306 – 9193, sendo sua página na Internet: www.ongba.org.br e seu endereço
eletrônico: [email protected]. Seus recursos financeiros são doações vindas da Itália.
O Projeto Ágata Esmeralda e as entidades que com ele trabalham estão comprometidas em
promover a cidadania das crianças mais pobres, na tentativa de solucionar, e/ou amenizar
situações que colocam em risco a vida das crianças cujos problemas tem sua origem na
própria família.(BOSCOLO, 1999, p. 11).
Nasce em 1992, visando, a princípio, atender às carências apresentadas pela população atendida
proporcionar uma verba que permitisse aos grupos que trabalhavam com essas populações atendê-las,
de um lado, através de alimentação, saúde, e educação e, de outro, apoiar uma secretaria executiva
que proporcionasse a integração dos grupos entre si e a organização e execução das atividades
propostas.
Entretanto percebeu-se de imediato que nem todos os grupos conseguiam se organizar, seguindo
as orientações construídas no processo de integração possibilitado pela secretaria executiva.
Não estava na verdade diante de uma proposta operativa consciente e em alguns casos
necessária, mas sim diante de um comportamento que escondia duas atitudes a serem revistas: a
busca simplista de soluções imediatas para os problemas que incomodavam, e a reprodução de uma
visão excessivamente caritativa alimentada secularmente por agentes religiosos, estrangeiros ou não.
45
......Tais atitudes contribuíram e vêm contribuindo para a manutenção eterna e cíclica de problemas
sociais não resolvidos e para a manutenção de grupos sociais sem autonomia, sem poder de decisão e
sem capacidade de mudar o quadro de exclusão existente.(BOSCOLO, 1999, p.6).
Além da falta de preparação dos agentes locais para levarem a cabo um projeto consciente, que
superasse o caráter assistencialista e se constituísse num processo ativo de superação da
marginalização social, econômica e política das populações atendidas no Projeto. Somava-se também
os pedidos insistentes de orientação na área de saúde, educação, violência e abuso familiar e de
internação hospitalar. Tendendo ao assistencialismo, as responsáveis pelo andamento do Projeto
perceberam a necessidade urgente de se investir em educação, a fim de preparar as responsáveis e os
responsáveis dos grupos locais para a percepção do seu papel na educação, no compromisso com a
mudança da situação de opressão em que vivem e no acompanhamento das crianças e
encaminhamento aos Conselhos e aos consultórios psicológicos.
uma reorientação das ações desenvolvidas em função dos problemas apontados acima, que se
afastavam do sentido do Projeto. A educação dos educadores, responsáveis pela execução do Projeto
Ágata Esmeralda nas comunidades, se constituía então numa exigência concreta para que o mesmo
não perdesse de vista o seu objetivo, a sua razão de ser diante de uma realidade que nega à maioria
dos que residem na periferia o direito inalienável á saúde, ao emprego, à educação, à segurança, à
alimentação.
Muitos dos princípios norteadores do planejamento desenvolvido pelo Projeto Ágata Esmeralda vão
ao encontro das práxis humanista, discutida no primeiro capítulo:
Não se pode agir apenas por agir. A prática apóia-se nos valores que fundamentam e dão
sentido ao verdadeiro humanismo e à luta por uma sociedade cada vez mais justa e fraterna.
Isto implica numa revisão permanente da prática à luz de princípios e pressupostos dentre
os quais destacamos:(BOSCOLO, 1999, p 14).
Valorização da pessoa humana, visão do outro como ator social, protagonista, integração de
saberes conhecimento da realidade, trabalho em conjunto e em parceria.
46
Entre as metas ou ações a desenvolver, do Projeto Ágata Esmeralda, estão desenvolver projetos
comuns que defendam os direitos à educação, moradia, saúde, combate à violência e outros males que
afetam as comunidades; organização de grupos em torno de interesses comuns existentes na
comunidade; implementação e/ou implantação de projetos e providências, de âmbito jurídico, junto às
diversas instâncias públicas com vistas à obtenção de direitos e recursos para a comunidade;
implementação e/ou implantação de experiências pastorais que constituam formas de organização
comunitária e que tenham preocupações específicas com a criança e com o adolescente – pastoral da
criança, pastoral da saúde e do adolescente, etc; promover articulação com órgãos públicos com vistas
ao desenvolvimento de cursos profissionalizantes que respondam às demandas das comunidades e às
exigências da sociedade contemporânea. Dentre eles realço a iniciação à informática e a novas
tecnologias como elemento importante na busca de integração de saberes; suporte à alfabetização e
aperfeiçoamento formativo do educando; preparo para a inserção no mercado de trabalho; refletir sobre
a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente entre os diversos setores do Projeto e
Comunidades atendidas; identificar as especifidades dos diversos organismos, grupos e comunidades
que compõem o Projeto: os trabalhos planejados e desenvolvidos devem ter em consideração como
estão organizados os setores e a natureza dos serviços prestados, ou seja, serviços oferecidos em
creches, escolas, abrigos, reforços, oficinas profissionalizantes e outros em vista à promoção do
intercâmbio cultural e científico entre eles.
O Serviço de Assessoria Educacional(SAE) do Projeto tem como função principal a construção,
junto com os professores, funcionários, alunos, pais de alunos e diretores de escola, do projeto político-
pedagógico da escola, tendo como pressupostos e reflexões uma definição mais clara do papel da
escola, transmissora de saberes científicos, em meio às transformações pelas quais vem passando a
humanidade. A princípio o Manual de Reflexão e Ação do Projeto Ágata Esmeralda vem defendo a
escola com espaço institucional de transmissão dos saberes acumulados pela humanidade, dando
destaque principal às novas tecnologias, como conhecimento fundamental para atuar na sociedade
contemporânea, o que caracterizaria um processo de adaptação ao já estabelecido, reproduzindo
assim as condições da exclusão social que combate.
O principal papel da escola é socializar o saber organizado, sistemático e desenvolvido nas
áreas científicas, éticas e tecnológicas. Tal socialização implica na formação do cidadão
consciente e construtor da sociedade em que vive. Para exercer a cidadania plena, é
necessário ter acesso à informação e à tecnologia. Como conceber um cidadão sem estes
instrumentos?( BOSCOLO, 1999, p.47).
47
Ao tratar, porém, das escolas assistidas pelo SAE, do Ágata Esmeralda, é ressaltado o
compromisso político com a formação das crianças, “pois os alunos pertencem a setores que
vêm sendo excluídos sistematicamente dos bens que circulam entre os
cidadãos”(BOSCOLO, 1999, p.48). É necessário que as crianças e adolescentes das
camadas excluídas da sociedade, ao aprenderem a ler, a escrever, a contar, aprendam a
sentir, conceituar, compreender, raciocinar, discursar, transformar, recusando-se um
processo de ensino centrado na repetição, na exposição acrítica de conteúdos
desvinculados da realidade dos alunos, diz o Manual do Projeto. O compromisso político
leva ao inevitável compromisso com uma pedagogia própria, centrada no aluno. “A nossa
proposta educacional em resumo tem como fundamental a construção da educação com
base dialógica, dentro de um processo democrático em que educadores e educandos se
completam, trocam saberes e experiências numa relação humanizadora.”(BOSCOLO, 1999,
p.49) .
Para atingir seus objetivos no setor de educação o SAE desenvolve ações diante dos seguintes
desafios:
a) Garantia de oferta de um ensino de qualidade.
A que qualidade se refere o Projeto Ágata Esmeralda? Quais os critérios tomados pelo mesmo para
buscar a qualidade proposta? Segundo o SAE garantir qualidade é meta fundamental de uma escola
que trabalha com crianças de uma realidade de periferia e de exclusão que caracteriza a clientela do
Ágata. Para isto o Projeto não se propõe à criação e manutenção de escolas, porque isto é tarefa,
obrigação do Estado. Trabalham orientando, sugerindo e participando da vida do ensino formal(escola
pública) e dentro do universo abrangido pelo Projeto, (ensino infantil e fundamental) realizando as
mudanças que consideram relevantes para um ensino de boa qualidade. Mas, o que vem a ser um
ensino de boa qualidade? O Manual de Reflexão e Ação dos Dirigentes do Projeto Ágata responde:
Um ensino de qualidade implica em conhecer os educandos na sua “inteireza”, saber sua realidade
de vida, conhecer sua história pessoal e respeitar todas estas características, assumindo
verdadeiramente um papel de parceria com os excluídos na busca de soluções que quebrem os muros
das desigualdades sociais ainda vigentes. (BOSCOLO, 1999,p. 49-50).
b) Conhecimento da nova LDB
O conhecimento da referida Lei vem na direção de uma das condições para a atividade de
exigência dos direitos nela contidos tais como:
48
preparo da educação, dever da família e do Estado, de preparar o educando para o
exercício da cidadania e para o trabalho;
Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
Liberdade de aprender, ensinar pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e
o saber
Ensino adequado às condições do educando; entre outros direitos previsto na Lei
Magna da educação brasileira.
c) Construção da cidadania a partir da escola
Segundo o Projeto, é na escola de ensino fundamental que a criança passa parte significativa da
vida, oito anos, no transcorrer dos quais ela aprende a escrever, ler e contar, mas também a se
relacionar, a construir amizades, a brigar a explorar os limites e as possibilidades desses
relacionamentos com os colegas, professores, funcionários. Além dos conteúdos didáticos,
propriamente ditos, as crianças aprendem a conviver, a partilhar, a participar, a escolher, a se
posicionar diante de situações diversas, a compreender as origens de sua condição social, econômica
e política a fim de se posicionarem também em relação a esta realidade que os desafia, nos desafia.
Esse é então um espaço legítimo de construção de conhecimentos importantes ao exercício do
cidadão porque é nela que aprendemos a nos relacionar com o outro e com o mundo sistemático do
qual fazemos parte e é justamente por isso que os educadores devem ter consciência do seu papel
para poder não só transmitir aquilo que a história dos homens tem deixado como legado, mas também
o de formar seres que pensem acerca das suas atitudes, reflitam de forma crítica sobre sua realidade,
entendam a exclusão e a injustiça, e se preparem para superar os obstáculos que os separam na
escalada da inclusão e da reconstrução da sociedade em que vivem.( BOSCOLO, 1999, p. 53).
d) Profissionalização
Este aspecto é pensado pelo Projeto Ágata Esmeralda como uma questão de justiça e
oportunidade. Para o sujeito conseguir um emprego que lhe propicie uma melhoria significativa em sua
qualidade de vida, é necessário que ele domine os códigos escritos, sabendo decodificar, interpretar,
estabelecer uma comunicação crítica com o que lê, além do domínio de conhecimentos matemáticos
49
que o auxiliem na sua compreensão, manipulação e uso dos instrumentos e objetos sobre os quais vai
atuar através do trabalho. Não se deve negar ao educando a possibilidade de construir a sua existência
com dignidade através da escola e do trabalho. Para isso as comunidades organizadas devem rever
seu planejamento, seus objetivos e metas posicionando-se ao lado do Estado a fim de evitar a
reprodução desigualdades e da exclusão social dos seus educandos.
Neste sentido, se entrosar e buscar o apoio dos órgãos governamentais e não
governamentais, não é pedir esmola, mas uma obrigação da sociedade organizada
de reconectar, mais uma vez, o Estado, com as classes que historicamente sempre
foram marginalizadas.( BOSCOLO, 1999, p. 54).
e) Fracasso escolar
Quanto a este aspecto o projeto se posiciona de forma a acolher as crianças tidas como
fracassadas, questionando as teorias que justificam o fracasso através das marcas psicológicas
deixadas pelo sofrimento que carregam, da má alimentação ou de um ambiente intelectualmente
empobrecido(pais semi analfabetos ou analfabetos). Daí que o Projeto tenha um cuidado em oferecer
uma alimentação adequada às crianças que atende, respeitando a identidade cultural dos seus pais e
proporcionando um atendimento adequado às crianças com distúrbios emocionais que atrapalhem sua
aprendizagem e seu desenvolvimento pessoal, além do reforço escolar, como uma das estratégias
para combater o denominado fracasso.
a) Reforço escolar(banca)
Este aspecto é inserido na perspectiva de educação dentro do Projeto. Não se concebe um reforço
escolar separado da proposta pedagógica mais ampla, sem um planejamento e uma organização
compatível com os critérios de qualidade definida pela SAE.
b) Projetos de arte-educação
Vem ao encontro da necessidade de buscar saídas para a melhoria do rendimento escolar das
crianças, baseado nas pesquisas da área.
c) Literatura infantil
50
Nesse aspecto não se toca no assunto diretamente, talvez através da analogia da arte como
expressão, onde as crianças colocam seus medos e anseios diante de sua situação de exclusão,
favorecendo assim a recuperação de sua auto-estima, através do acompanhamento dialógico.
f) Formação e reciclagem de professores
Para se atingir a qualidade definida no Projeto é necessária uma formação permanente dos
professores, dando-lhes subsídios necessários para sua atuação em sala de aula. Percebe-se, de
antemão, que diante da definição de qualidade de ensino, definida pelo Projeto, a formação de seus
professores deve basear-se em princípios pedagógicos que associem o conhecimento da realidade do
aluno, o conhecimento dos conhecimentos a serem ensinados num processo de diálogo, de mediação,
de interação, o conhecimento pedagógico que oriente e dê respaldo às atividades desenvolvidas e o
posicionamento político do professor diante dos compromissos assumidos com a mudança, a
transformação das condições de desigualdade em que vivem seus alunos e alunas. O compromisso
político do professor é ressaltado no documento do Ágata Esmeralda:
A profissionalização do professor é fator importante, pois não se pode fazer educação de
qualidade, com vistas ao desenvolvimento global do sujeito, quando trabalhamos com
professores mal formados, escolhidos só a partir de seu envolvimento com a comunidade e
de sua amizade com o responsável. Mais que compromisso político(que é ponto
fundamental para a formação do professor) é preciso se desenvolver competências de forma
reflexiva e crítica em vista à criação de estratégias didáticas para o público alvo com o qual
trabalhamos.(BOSCOLO, 1999, p. 52).
Ao compromisso político do professor deve estar indissoluvelmente ligado o seu conhecimento e a
sua sabedoria sobre as estratégias, os métodos, as técnicas, a metodologia enfim mais adequada a
determinada situação, a determinado grupo e a determinado tempo, sem a qual o professor não
consegue tornar eficaz a intencionalidade política de sua prática educativa. Observamos, na citação
acima, a relevância que o Projeto Ágata dá ao compromisso político do professor, aliado ao domínio
dos saberes necessários para uma prática educativa eficaz.
51
4.4 O Programa Rede UNEB 2000 em DIAS D’ÁVILA
O município de Dias D’Ávila tem seu nome ligado à Francisco Dias D’Ávila, filho do ilustre fidalgo
português Garcia D’Ávila, Sesmaria doada ao mesmo pelo Rei D. João III. Em 1953, com base na Lei
628 de 30 de dezembro, Dias D’Ávila passou a ser reconhecido como Distrito do município de
Camaçari e somente alcançou sua emancipação política a partir de 25 de fevereiro de 1985.
A origem do município está vinculada à existência de uma feira de gado denominada “Capuame”.
Mais tarde ficou sendo conhecida como “Feira Velha”, onde era comercializado o gado para o
abastecimento do Recôncavo e Salvador, função que posteriormente passou a ser exercida pelo
município de Feira de Santana. Com a descoberta das qualidades terapêuticas das águas do rio
Imbassaí, pelo padre naturalista Camilo Torrend, Dias D’Àvila passou a ser considerada área de
veraneio e isso devido à lama medicinal encontrada no rio. Esse fato reforçou a economia local, deu
novo impulso ao comércio e à construção civil, e foi complementada com a instalação de uma fábrica
de engarrafamento de água mineral. Em 25 de fevereiro de 1962, foi criada a Estância Hidromineral de
Dias D’Àvila.
Localização e caracterização agroclimática
Dias D’Àvila está localizada a 50 km de Salvador e integra atualmente o conjunto de municípios que
fazem parte da grande área metropolitana. Possui clima tropical quente e úmido e ocupa uma área de
208 km². É constituída por seis distritos: Beribeira, Emboacica, Barragem de Santa Helena, Leandrinho,
Camboatá e Futurama. Limita-se ao Norte com o município de Mata de São João, ao Sul com
Camaçari e Simões Filho, ao Leste com Camaçari e, ao Oeste com São Sebastião do Passé e
Candeias. A cidade está localizada sob um riquíssimo lençol freático, o que proporciona a implantação
de indústrias na região. Além dos rios Imbassaí e Jacumirim, considerado os mais importantes da
região, possui uma bacia hidrográfica formada pelos rios Jacuípe e Joanes, além da Barragem Joanes
II e a Barragem de Santa Helena, essa última ainda em fase de construção. A importância da
construção dessa barragem está no fato de que através dela será realizado o abastecimento da
refinaria da Petrobrás, além do abastecimento de água da região metropolitana de Salvador pelos
próximos 30 anos.
Os produtos minerais mais importantes são: água mineral, areia e caulim. Na agricultura destaca-se o
cultivo de mandioca, batata-doce, côco da Bahia, milho e banana. O setor pecuário tem pouco
significado para a economia do município, pois ocorre em pequena escala.
52
Atividade econômicas produtivas
Entre os 415 municípios baianos Dias D’Àvila, até 1996, segundo dados fornecidos pela SEI, participa
no PIB estadual com uma arrecadação de R$ 464.667.335,00 e está classificada com 12.º município;
em termos de desenvolvimento econômico está classificado em 14.º lugar e, em termos de
desenvolvimento social é o 3.º município do Estado da Bahia.
No que se refere à atividades econômicas produtivas, Dias D’Àvila conta com as fábricas de
engarrafamento de água mineral Dias D’Àvila, Indaiá e mais recentemente com a Maiorca e a Fratelli
Vita. Em fase de operação e distribuição, pode-se citar a CBB indústrias de Bebidas, produtora de
cerveja e refrigerante. Atualmente, quase toda a base econômica vem através da indústria Caraíbas
Metais que integra o Complexo Petroquímico de Camaçari, do Pólo empresarial Governador césar
Borges, com a instalação de pequenas empresas de prestação de serviços para manutenção industrial
e do comércio local. O município conta ainda com o desenvolvimento de fruticultura, pequena pecuária
e exploração de caulim para confecção de cerâmica.
Informações Educacionais
Dados do IBGE, do ano de 2004, registraram 13691 matrículas no ensino fundamental e 3.574
Matrículas no ensino médio, com 450 docentes no primeiro e 130 docentes no segundo. Dos 450
docentes no ensino fundamental 358 trabalham na escola pública municipal enquanto que 58 estão
exercendo a docência nas escolas privadas do município de Dias D’Ávila. No Ensino Médio são 108
docentes em escolas públicas estaduais e 22 docentes em escolas privadas. São 35 escolas mantidas
para o ensino fundamental, sendo 22 públicas municipais e 13 escolas privadas. No Ensino médio são
4 escolas, 2 mantidas pelo Estado e duas pela iniciativa privada.
O município desenvolve alguns projetos que auxiliam na capacitação do profissionais que
trabalham na área de educação, tais como: Programa de Incentivo à Educação(PIE); Alfabetização;
Sexualidade na Adolescência; Oficinas de Leitura; Seminários e Palestras; aceleração I e II; Ciclo
Básico de Aprendizagem(CBA); Leia Brasil; Gerência de Qualidade Total na Educação; e Educação
Ambiental.
A Biblioteca Pública Municipal está instalada no mesmo prédio em que funciona o curso de pedagogia.
Conta com um acervo de 4.554 títulos, sendo bastante freqüentada e única no município. O curso de
Pedagogia consta com 115 títulos diferentes, o que corresponde a 640 volumes.
Foram constatadas certas especificidades que merecem ser destacadas devido à interferência
delas no processo de formação dos professores-alunos. Em primeiro lugar, refiro-me à direção dada ao
53
Programa. Naquele município, em Dias D’Ávila, não há um órgão, grupo ou instituição que dê uma
direção e um sentido ao Programa, ou seja: há um programa sem um projeto. Este é implantado,
simplesmente. Não existe, de antemão, um sujeito institucional que aponte algumas singularidades e
especificidades do grupo a ser formado e da realidade onde realizam seu trabalho educativo. Esta
ausência interfere na formação, o que pode ser observado através das falas das professoras-alunas
entrevistadas:
Primeiro que a gente vê casos e casos e casos, e a gente não tem subsídios pra trabalhar tudo.
Vontade a gente tem, mas não tem subsídios pra isso. Talvez nem a formação foi suficiente pra a gente
lidar com determinados problemas. Até a... observando também até um certo apoio da Secretaria – de
educação – que nós não temos, Nem tudo a gente pode falar, nem tudo a gente pode fazer.
(Professora-aluna Y, 2004, p. 1).
E como essas...
Quando eu tava fazendo UNEB, que quando nós contávamos aos professores o que acontecia em
sala de aula, eles achavam aquilo um absurdo. Eu acho que falta também a esses professores se
integrarem mais à realidade da escola pública. Porque eles têm uma visão, e é outra. Acho que tá
faltando é isso. (Professora-aluna Y, 2004, p. 3).
O estágio supervisionado – que é a disciplina que tem uma carga horária maior para aproveitar a
relação teoria/prática, dispondo de X horas no semestre não tem possibilidades, enquanto disciplina do
currículo de formação de professores do Programa Rede UNEB 2000, de fazer a articulação entre os
professores e dar uma coerência de conjunto ao curso como um todo, apontando pontos críticos e
necessidades prioritárias.
Portanto, enquanto o Projeto Ágata Esmeralda tem uma proposta clara para a formação de seus
profissionais, selecionando previamente, por exemplo, os professores-formadores que têm o perfil mais
adequado para trabalhar com o grupo específico de professoras-alunas em formação, e direcionando
essa formação para as finalidades da instituição, o município de Dias D’Ávila recebe o Programa Rede
UNEB 2000, implantando-o diretamente, sem uma mediação local que lhe construa um sentido político-
pedagógico explícito.
54
5 AS REALIDADES ESTUDADAS
Conforme apontado no capítulo relativo aos procedimentos metodológicos, procedi minha
investigação a partir do Estudo de Caso comparativo, comparando duas realidades: a relativa às
professoras de escolas públicas municipais, contratadas por concurso público pela Prefeitura da cidade
de Dias D’Ávila e a realidade de professoras de escolas comunitárias da periferia de Salvador.
Meu objetivo, ao realizar esta comparação, é identificar o que há de comum e o que há de
específico na percepção das professoras-alunas acerca de suas práticas educativas, no que tange ao
significado político, qual seja: o de percepção, questionamento, decisão e ruptura com a sua realidade
e a de seus alunos, ou com a legitimação fatalista dessa realidade. A partir dos indícios apontados nas
entrevistas pretendo responder, provisoriamente, à minha questão principal: Qual o tipo de professor
que atua nas séries iniciais do ensino fundamental o Programa Rede UNEB 2000 está formando: O
Tecnólogo do Ensino ou o Agente Social?
5.1 A Formação Política dos Professores das Séries Iniciais do Município de Dias D’Ávila
Perfil das Professoras-alunas do município de Dias D’Ávila
10
.
As professoras entrevistadas em Dias D’Ávila – de uma amostra de 41 professoras-alunas que
estão cursando o Rede UNEB 2000 atualmente – possuem o seguinte perfil: a maioria tem entre 30 e
40 anos(53,7%) e entre 40 e 50 anos(24,4%). As casadas representam 68,3% e 21,9% estão solteiras.
Quanto ao número de filhos 29,3%, a maioria, tem 02 filhos(29,3%) 21,9% têm entre 01 e nenhum filho,
14,6% têm 03 filhos, e, somente 2,4% têm mais de 04 Filhos. Eu imaginava que o número de filhos e a
faixa etária dessas professoras, por exemplo, seria bem maior. Quanto à identificação racial 78% da
professoras-alunas do município de Dias D’Ávila se consideram negras, enquanto 9,8% se declararam
pardas e apenas 4,9% afirmaram ser brancas. Quanto à questão financeira a maioria ganha entre R$
240,00 a R$ 500,00, na verdade, a média é de R$ 275,00 – no ano de 2003 com o salário mínimo
estipulado em R$ 240,00. Somente 2,4% declararam ganhar entre R$ 700,00 a R$ 1.000,00, enquanto,
no outro extremo, o mesmo percentual declarou ganhar menos que R$ 240,00. Em função disso uma
parte significativa dessas professoras, 31,7%, complementam a renda com atividade alheia ao ensino.
10
Estes dados se referem ás professoras-alunas do município que estão em formação no Programa Rede UNEB 2000. As professoras-alunas
que eu entrevistei fazem parte do primeiro grupo que já havia se formado.
55
Dessas 31,7%, 63,8% - ou seja, a maioria dessas 31,7% - ganham mais que a renda provinda do
magistério. Quanto à identificação religiosa a maioria(39%) se declara católica e 31,7% são
evangélicas. 19,5% não possuem nenhum vínculo religioso, de caráter institucional. Quanto à questão
da participação política a maioria(78%) afirmou não participar de nenhuma outra atividade fora o seu
trabalho e a família. 14,6% participam do sindicato. 7,3% participam de associação de bairro, 4,9%
participam de clube de mães e movimento negro, enquanto 2,4% auxiliam na Pastoral da Criança.
Este é o perfil das professoras-alunas, a partir de algumas poucas características, da cidade de Dias
D’Ávila que, em sua maioria são negras, têm entre 30 e 40 anos, cuja a média salarial é de R$ 275,00,
casadas, possuindo entre 02 e nenhum filhos, uma boa parte fazendo bicos para sobreviver, e que
professam a fé católica e evangélicas em sua maioria. A grande parte não se envolve em outras
atividades políticas e sociais, acredito porque não dispõem nem de tempo para isso.
5.1.1 Significado da formação no programa rede Uneb 2000
As professoras do município de Dias D’Ávila que foram entrevistadas, revelam que sua formação no
Programa Rede UNEB 2000 representa uma oportunidade e “grande subsídio”. Elas, porém, não
conseguem situar esta oportunidade no contexto político e econômico que lhe subjaz, configurando-a.
Nenhuma das entrevistadas sequer menciona o clima de medo de perda do emprego em função das
interpretações iniciais do §4. º do artigo 87 do ADCT da Nova LDB, Lei 9.394/96. Enfim, elas não
percebem que a possibilidade do Programa Rede UNEB 2000 é dada pelas condições econômicas,
políticas e sociais contemporâneas, às quais estão submetidas às comunidades nas quais trabalham.
A realização da formação no Programa Rede UNEB 2000 na cidade onde as professoras-Alunas
residem é outro aspecto destacado. A proximidade da família e do trabalho reduz o cansaço de
deslocamentos longos – entre cidades – e diminui também os gastos pessoais com transportes,
alimentação e hospedagem. Há dois aspectos a esse respeito: primeiro é o fato da UNEB ser uma
universidade multicampi, o que facilita o convênio do Programa Rede UNEB 2000 com vários
municípios do interior da Bahia, onde campi da UNEB estão instalados e nos municípios adjacentes a
tais campus. Esta proximidade reduz também os gastos com transportes de professores-formadores
das prefeituras, na medida em que os professores contratados ensinam nos campi adjacentes. O
segundo aspecto é o fato do Programa em questão significar uma “aproximação” geográfica da
Universidade do Estado da Bahia – UNEB, ou melhor, do Curso Normal Superior oferecido por ela,
56
para grupos profissionais docentes que certamente seriam excluídos desta ou de outra formação
superior qualquer.
5.1.2 Relações com a teoria: submissão ou questionamento crítico?
Outro significado importante trazido pelas professoras-alunas diz respeito à formação enquanto
subsídio teórico para uma melhor compreensão de sua prática educativa.
“E... Na parte assim profissional o que melhorou bastante, pedagogicamente falando, foi assim na
questão de você compreender como é que acontece o processo de construção do conhecimento na
criança, né? Vendo coisas novas. E a Rede UNEB proporcionou isso, né?(prof.ª-aluna Luciana Santos
Sousa).
Outra professora desta mesma cidade se expressa da seguinte forma: “Foi aperfeiçoar meu
conhecimento, melhorar minha prática. Foi isso.” (prof.ª-aluna Ilderlan).
Reconhecendo a importância da teoria para a possível melhoria das suas práticas educativas, as
professoras entrevistadas, entretanto, discutem-na a partir do contexto de suas experiências concretas,
de professoras das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública do município onde trabalham.
“Quando nós fizemos o curso falando sobre psicologia, filosofia... Eu acho que a teoria tá um pouco
distante da prática, viu? Eles [os professores-formadores] falam muito de ... Falam de uma realidade..
Eles vêem uma coisa e na nossa prática é completamente diferente.” (professora-aluna Ilderlan, grifos
meus).
Os condicionamentos do meio pedagógico onde desenvolvem seu trabalho são importantes
elementos para uma dialética com a teoria. Esta última não é um saber insuspeito, acima de seus
condicionamentos e necessidades. A teoria é questionada exatamente onde deveria auxiliar as
professoras entrevistadas a responderem às perplexidades nascidas dos desafios lançados pela
prática cotidiana delas, lançados por sua experiência concreta. Fora disso, a teoria não serve, fazendo
um trocadilho: é pura teórica. Outra relação com a teoria é de adaptação desta à realidade e não seu
inverso.
57
Mas a gente procura sempre o quê? De uma... é, é... mesclar né? trabalhar de... dar ên... na
essência também, de trabalhar o construtivismo na forma da construção do conhecimento, mas não ele
todo, porque a gente não tem nem estrutura pra isso, né? A quantidade de alunos que nós temos em
sala de aula, né? condições do espaço físico e tudo não dá pra gente fazer um trabalho totalmente
voltado pra isso. E a formação dos professores teria de ser uma formação, né? diferente pra todos os
professore”.(Prof.ª-aluna Luciana Santos Sousa ).
As condições estruturais da escola, a formação de professores, que não teria que ser esta – a que
está acontecendo –, entram em jogo, exigindo uma adaptação do conhecimento teórico. A realidade
concreta de trabalho docente se constitui num contexto dinâmico, num interlocutor ativo da teoria,
sugerindo uma negociação, não apenas sua aceitação acrítica, submissa, heterônoma. O mundo é
trazido para o diálogo. As professoras entrevistadas recriam, reinventam, improvisam no espaço
material, institucional, social, cultural, econômico e político que lhes desafiam e de que dispõem.
Nós chegamos a 30 alunos, né? No estágio 2 e 3, mas de qualquer maneira é um número muito
significativo pra um professor, né? Dá conta de 25 alunos de 04 anos. Pense: é muita coisa. Porque o
professor além de educar ele tem de cuidar também. Tem muitas necessidades que os alunos nessa
faixa etária ainda têm... Mas também não vamos dizer que a gente não tá se empenhando ao máximo
só por isso. Não. A gente tá o tempo todo tentando fazer o máximo, mesmo com o número
grande.(prof.ª-aluna Luciana Santos Sousa).
Logo, a partir do depoimento dessas professoras infere-se que a defesa de perspectivas teóricas de
formação de professores que não levem em consideração as suas leituras do mundo, a partir das suas
experiências concretas, nem o contexto profissional, econômico, institucional e político onde estão
inseridos os docentes em formação, têm, de saída, seus propósitos fadados ao verbalismo estéril. A
este respeito Serrão(apud Facci, 2004) observa que há aspectos que configuram o trabalho do
professor que não dependem exclusivamente de uma atitude reflexiva e crítica que tenha, por si só,
condições de romper com uma prática profissional envolvida pela trama social complexa e
contraditória.(FACCI, 2004, p.63).
E a professora Ilderlan continua: Talvez nem a formação foi suficiente pra a gente lidar com
determinados problemas. Até a ... observando também até um certo apoio da Secretaria[de Educação]
que nós não temos. Nem tudo a gente pode falar, nem tudo a gente pode fazer.
58
Ao relegar a experiência profissional e pessoal das professoras entrevistadas, além do contexto
institucional, político e social onde exercem as suas atividades educativas, muitas propostas teóricas
tentam se impor ideologicamente, mas são questionadas no contato com as realidades das professoras
e professores em formação. A autonomia dessas últimas, em relação à sua formação, é construída nos
espaços possíveis, onde é possível falar, ou seja, onde é possível dizer a sua palavra verdadeira e
onde é possível fazer, em síntese, onde se enxerga o horizonte da autonomia na transformação do
mundo, o que, nesse caso, significa, concretamente, seu engajamento em sua própria formação, a
eleição de conteúdos que surgem de suas dificuldades na prática educativa cotidiana. Onde há
possibilidade “a gente” – a professora e demais colegas da escola – fala e faz o que a possibilidade
oferece. “A gente tá o tempo todo fazendo o máximo, mesmo com o número grande” [de alunos].
A palavra das professoras de Dias D’Ávila assinala, portanto, uma relação de conflito com a teoria,
de ressignificação e adaptação desta última às necessidades e problemas por elas enfrentados. É
interessante destacar a relação que uma das professoras-alunas entrevistadas estabelece com a teoria
tradicional, evidenciando que não lida com a mesma como uma relação de substituição acrítica de uma
teoria por outra, baseada no critério da novidade. Ela demonstra não estar simplesmente procurando
teorias salvacionistas, que substituirão alienantemente suas perspectivas teóricas que as sustentam na
sua prática docente cotidiana.
Você não pode dizer: – Tudo que era tradicional não serve. Se fosse assim a gente não estaria
aqui, né cara? Somos frutos do tradicionalismo. Claro que tem muito ranço que a gente tem que deixar
pra traz, né? Que é difícil. Mas a gente procura sempre o que? De uma... é, é... mesclar né? trabalhar
de... dar ên... na essência também, de trabalhar o construtivismo na forma da construção do
conhecimento, mas não ele todo, porque a gente não tem nem estrutura pra isso, né?(Professora-aluna
Luciana Santos Sousa).
A relação com a teoria, portanto, é ativa, questionadora da função e do significado desta para a
prática educativa das professoras entrevistadas. Estas professoras ressignificam a teoria em relação às
suas necessidades, às suas buscas e aos obstáculos trazidos pela realidade das escolas públicas
municipais de Dias D’Ávila. As professoras-alunas exercem a sua palavra, que é crítica também, uma
crítica à teoria em função da realidade em que estão inseridas e inserindo-se constantemente. É da sua
59
realidade concreta que emerge sua crítica a uma teoria aérea, distante dos subterrâneos da maioria da
população baiana. Uma teoria que percebe a realidade a partir de sistemas teóricos – construtivismo,
professor reflexivo, competências, etc. – ressaltando o papel do professor-aluno na promoção da
aprendizagem dos seus alunos e de suas alunas. A trama institucional e social complexa e
contraditória, apontada por Serrão(2004) são deixadas ao largo, à margem das discussões teóricas
principais... “Eles[os professores-formadores] achavam um absurdo[o que algumas professoras-alunas
relatavam durante as aulas] mas não: eram aquelas mesmas coisas que eles falavam sempre, as
mesmas teorias, os assuntos.” (professora-aluna Ilderlan).
Constata-se que, apesar de faltar às docentes entrevistadas uma compreensão teórica que possa
servir de análise crítica mais ampla e fio condutor de sua prática educativa, as docentes do município
de Dias D’Ávila reinterpretam as teorias em função de sua realidade, trazendo elementos contraditórios
dessa realidade e provocam um questionamento crítico da teoria e apontam para uma formação
docente baseada numa práxis pedagógica possível, pois que partem justamente da leitura do seu
mundo.
5.1.3 A Formação de Professores e as Competências
A idéia de “competências” que norteia a política de formação de professores da educação básica
atualmente centra-se na perspectiva de formação, segundo Veiga(2002), do professor enquanto
tecnólogo do ensino. Como vimos na introdução, para o docente tecnólogo o ensino se restringe a si
mesmo, sem considerar seus condicionamentos sociais, políticos, econômicos e históricos. O
tecnólogo do ensino é o professor formado para adquirir competências, entendida esta como um saber
fazer restrito, num processo caracterizado como neotecnicista. Este professor está orientado para
atingir os objetivos que foram delineados desde o centro educacional do Estado, que é o MEC, através
de parâmetros, diretrizes, programas, etc. Há uma tendência orientada para a produtividade no sistema
educacional mundial e brasileiro, para formar o tipo de pessoa que é exigido pela sociedade
contemporânea sob hegemonia do neoliberalismo.
Ser um docente competente significa, neste contexto, ser aquele que aciona conhecimentos, sem
limitar-se a eles, em uma determinada situação, que apoiarão as ações dirigidas eficazmente a essa
situação determinada. Neste caso o conhecimento, a teoria, se resume a uma ferramenta, um
instrumento de uma ação pedagógica restrita, fechada em sua própria especificidade momentânea, o
60
que insinua o seu abandono posterior, por outra teoria adequada ao momento, e não à sua abordagem
num conjunto coerente e articulado. A relação da teoria com a prática se resume à dimensão
instrumental, de forma fragmentada, pragmática e de caráter tecnicista, negligenciando seu caráter
dialético com a prática pedagógica e com a realidade mais ampla que a institui e é por ela instituída. O
docente, neste contexto, só precisa saber qual a “ferramenta”, ou melhor, a teoria, para usar na
situação que se apresenta na escola.
A análise anterior, feita da palavra das professoras entrevistadas, evidencia a busca por uma
formação teórica onde os saberes da experiência profissional e os saberes da cultura e do mundo
vivido na prática social devem ser articulados pelos saberes disciplinares e curriculares e pelos saberes
da formação pedagógica, contextualizando-os, caracterizando assim, um movimento em direção à
formação do professor enquanto agente social. A teoria “sofre” a ação do contexto, do mundo. Ela, a
teoria, não se constitui enquanto um mero instrumento eficaz para a ação “dar certo”, mas é constituída
e, portanto, transformada, por essa realidade à medida que a constitui. A ação, eficaz ou ineficaz,
também contribui para que a teoria “dê certo”.
Apesar dos “absurdos” dos “subterrâneos” a teoria da formação dessas professoras continuou
“aérea”, divorciada da realidade. Nesta perspectiva, talvez a crítica que a ANFOPE(2002) e
Veiga(2002) faz à formação dos docentes fora da universidade seja legítima, pois sem a pesquisa, sem
a curiosidade epistemologicamente orientada no campo mesmo da formação desses docentes, a teoria
jamais deixará de ser aérea.
Ao retirar da universidade a formação do professor, o MEC nega a sua identidade
como cientista e pesquisador, reduzindo o professor a um “profissional tarefeiro”,
mero executor de atividades rotineiras, acríticas e burocráticas. Nessa concepção,
qualquer curso aligeirado e de baixa qualidade forma profissionais desvinculados do
contexto social mais amplo, possibilitando a construção da identidade de tecnólogo
do ensino.(Veiga 2002, p. 79).
5.1.4 O Papel da Família na Escola
Todas as professoras-alunas entrevistadas afirmaram a necessidade do apoio da família na
formação dos seus alunos. Seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista pedagógico específico.
61
“O que tá acontecendo que eu percebo, é falta de família. Eles são meninos que não têm orientação.
Eles não têm limites, eles não temem nada.” Afirma a professora-aluna Ilderlan).
E eu gosto de conversar[com os pais] porque a gente precisa saber a origem de cada um, pra saber
como tratar, como trabalhar. Porque as vezes aquele menino é arredio, mas ele não é arredio porque
ele quer. Algum problema, alguma coisa ele tá trazendo. Então a educação também tem que ser pra
eles, pros pais, entendeu?(Prof.ª-aluna Edna).
Esta última fala da professora-aluna E demonstra claramente que a metodologia de trabalho da
mesma não está divorciada da realidade que seus alunos representam e apresentam em sala de aula.
Sua pedagogia tem um compromisso técnico e ético indissolúveis. O comportamento arredio, agressivo
e indiferente das crianças na escola e na sala de aula se constitui em sério obstáculo para o ensino, o
que impulsiona a professora-aluna ao diálogo com os pais em busca da compreensão e quiçá,
mudança daquele comportamento. Como uma das raízes do problema é identificada na família, a
professora-aluna E procura, no diálogo, descobrir e tentar solucioná-lo. Uma das professoras-alunas se
encontra desestimulada. Num dos dias que eu fui entrevistá-la tive que separar uma briga entre dois
adolescentes, onde um dos mesmos saiu bastante ferido no rosto. Somente após a separação é que
apareceram outros funcionários da escola municipal onde professora Ilderlan ensina. Na entrevista a
mesma se queixava bastante da falta de apoio da família e de outras instituições, tais como a
Secretaria de Educação de Dias D’Ávila.
Agora mesmo eu tô com dois alunos. Tão na 3.ª série. Eles não sabem ler. Aí de quem foi a culpa?
E cadê o subsídio pra resolver essa questão agora? “...Uma escola precisa de um psicólogo, precisa
um pouco de tudo, nós não temos esse subsídio. Aí são vários os problemas. Como é que nós vamos
resolver tanta coisa?( Prof.ª-aluna Edna.).
A participação da família para estas professoras-alunas se restringe ao apoio pedagógico, não se
observando sua atuação para o espaço da gestão escolar ou do planejamento pedagógico. É certo que
as famílias não estão tendo condições para manutenção de condições mínimas de existência. Elas
estão preocupadas é com a sua sobrevivência imediata. As questões de ordem moral e éticas são,
compreensivelmente, secundárias, embora cada grupo, classe e indivíduo tenham uma ética possível.
Somente uma das quatro professoras-alunas entrevistadas é que associou a questão da sobrevivência
das famílias diasdavilenses ao contexto econômico brasileiro. “É um problema econômico... O
62
problema de estrutura, de apoio, pois isso mexe muito com a família. Que tudo isso acaba interferindo
muito no nosso trabalho aqui pra gente, né?” (Professora-aluna Luciana Santos Sousa).
Além disso, se pode depreender também das análises feitas em torno da palavra das professoras-
alunas da cidade de Dias D’Ávila, é que elas não mencionam, em momento algum das entrevistas, uma
das causas principais da desagregação e da desestruturação familiar: seu empobrecimento extremo,
fruto das condições do capitalismo neste início de século e de milênio. A professora-aluna Y, por
exemplo, está preocupada somente com a dimensão moral, de limites e disciplina que as crianças
precisam.
Eles não... é... Economicamente eles não são tão carentes assim. Não chega...A carência deles é
mais acho que... a falta de... de limites que eles não possuem...Eles têm a realidade deles totalmente
distorcida; eles não respeitam ninguém; a grande maioria, quase 70%, o problema maior que nós
enfrentamos aqui é esse. Geralmente são crianças que são muito largadas, não, não tem orientação
dos pais, os pais trabalham, muitos pais tão presos. Mas a relação a, com relação a... eles têm... eles
são, digamos assim não chegam a ser pobres, completamente... não...(professora-aluna Ilderlan).
Elas, as professoras-alunas e seus colegas, enfrentam, cotidianamente, as conseqüências da
concentração de riquezas que produzem a miséria, o analfabetismo e o desemprego que penetram a
sala de aula através de seus alunos desnutridos, descuidados, carentes de afeto e de orientação e, por
isso também, arredios, agressivos, sem nada temer, porque nada têm a esperar. O futuro se lhes
apresenta sombrio, temeroso e o seu tempo presente é a decepção da vida não realizada em si
mesmos. Soma-se a isso uma escola também “desnutrida”, feiosa, cheia de arestas, de pingueiras, de
buracos, de vazios, de faltas. Falta material pedagógico, faltam salas amplas, faltam equipamentos
para o lazer infantil, falta satisfação dos funcionários da escola, sobra queixas de todos; falta
valorização profissional do professor enquanto pessoa e enquanto profissional; etc. Neste sentido fica
difícil compreender o que significa a expressão da professora Ilderlan: “Eles não... é...
Economicamente eles não são tão carentes assim.” Talvez porque tenha outros alunos e alunas ainda
mais carentes, visto que muitos pais estão presos.
Sobre a participação da família percebi também um outro tipo de preocupação. Vejamos o que
afirma a professora Ednólia
63
Ele[ o pai do aluno] já acha que é queixa do filho que a gente vai fazer. No entanto a gente quer
conversar. Eu mesmo gosto muito de conversar com os pais pra saber a origem, como fiquei sabendo
de Cristina. Hoje eu tava conversando com a mãe de um... um aluno. Não é nem mãe, é a avó que cria,
porque o pai é japonês, voltou pro Japão agora, espancou a mãe deles. Dessas sessões de
espancamento que eles ficavam vendo sempre, os meninos são tudo traumatizados e a mãe ficou com
uma seqüela na cabeça, faz tratamento... Não ficou doida, mas sofre de dores de cabeça assim,
entendeu? Ele agora ele voltou pro Japão. Os meninos estão sentidos(...) choram porque
queriam...apesar da violência da mãe eles gostam do pai, entendeu? É uma coisa assim complicada!
Então como ele tá muito arredio na sala de aula eu chamei pra conversar, mas não tô sabendo de
nada. Aí foi que hoje ela sentou comigo e tava conversando e falou o problema de cada um.
A professora-aluna Ednólia revela um conhecimento íntimo das famílias de seus alunos, no que diz
respeito ao que lhe interessa enquanto profissional docente, preocupada com a aprendizagem e o
bem-estar de seus discentes. Faz parte de sua política e prática pedagógica reconhecer e buscar o
apoio da família como parceira indispensável na solução de problemas que seus alunos apresentam, o
que dificulta o cumprimento de sua função social e profissional que é de ensinar, ou seja: de fazer
aprender.
O que pude compreender é que as professoras-alunas entrevistadas se preocupam com as
crianças que estão sob sua responsabilidade ensinar os conhecimentos necessários à formação de
seres humanos capazes de atuar nas diferentes esferas sociais. Os pais, neste caso, são importantes
atores sociais que, se quiserem, e puderem, devem auxiliar os professores em sua tarefa cada vez
mais árdua de ensinar. Para as professoras-alunas entrevistadas o papel da família na escola é de
apoio afetivo e disciplinar, entretanto elas não percebem as determinações mais amplas que provocam
a situação de indisciplina que enfrentam dos alunos e a insuficiência das famílias para cumprirem esta
tarefa, devido a vários fatores oriundos de seu empobrecimento crescente que penetra a escola e
provoca a reação de cada professor.
Ah, a realidade da comunidade é...é... é assim... é bem...é... sei lá!... é bem variada, vamos dizer
assim, né? A gente aqui tem alunos de classe até média alta, né? Temos alunos pobres, vamos dizer
assim, né? entre aspas. Que não têm condição nem de farda, nem de alimentação, nem de nada. Tem
alunos aqui que só vêm pra escola pra merendar, entendeu? E tem aqueles que vêm mesmo no intuito
de estudar. Eu tava até fazendo uma caridade esses dias pra uma aluna que dá pena olhar a farda
dela. Aí hoje eu trouxe uma calça, trouxe um tênis, trouxe uma meia, trouxe uma blusa pra dar pra ela,
64
porque eu fiquei com pena. Porque ela usa... A irmã dela usa de manhã, a farda, e ela usa à tarde.
Entendeu? Então fica uma coisa assim muito... Então ela disse que a mãe não tinha condição de
comprar, como realmente não tem. Se vai tirar dez, doze reais pra comprar uma camisa, uma calça da
escola, ela tira pra botar comida dentro de casa: é uma dúzia de ovos, é um pedaço de carne de
sertão, né? Então, é bem variada. (Professora-aluna Ednólia, 2004).
A professora-aluna Ednólia, sensibilizada com a situação de precariedade de sua aluna, retira de
suas economias para atenuar a miséria que a sensibiliza, mas o que a docente não compreende são as
suas causas, ou pelo menos não manifesta essa compreensão. Com toda boa vontade a professora-
aluna E1, colega da professora-aluna E, manifesta uma inclusão tão precária quanto a própria
exclusão. Ao responder sobre a gênese da realidade de miséria que enfrentam, e sua possível
modificação, a professora-aluna Edna, respondeu:
Pode ser modificado, eu acho. Porque à proporção que eles vão crescendo, eles vão...tem muita
fonte de renda... um cata latinha, papel, papelão e vão melhorando, né? Comprando seus objetos, vão
melhorando. Agora quem não tem visão mesmo de nada, como os pais e as mães já têm essa mesma
visão, dá trabalho pra gente viu? Mudar a mente dessas crianças.
Os pais e as mães dessas crianças são culpados pela professora-aluna Edna por sua condição de
extrema pobreza, pois não “têm visão mesmo de nada”. Para essa professora-aluna a pobreza e a
miséria são estruturadas por um conjunto de pessoas, individualmente, que não têm iniciativa, não
procuram melhorar sua situação por intermédio de qualquer tipo de trabalho. A inclusão através da
escola, segundo a professora-aluna citada acima, faz parte de uma mudança de mentalidade, de
percepção do mundo, procurando adaptar-se, de forma muito precária, ao “mercado de trabalho”.
Demonstra uma distância enorme de uma compreensão teórica mínima que lhe forneça uma
explicação coerente e rigorosa acerca da constituição da pobreza e da miséria na sociedade capitalista
e do papel do Estado nesse processo.
As professoras-alunas entrevistadas, portanto, demonstram um sério compromisso com a
aprendizagem de seus alunos e suas alunas, e uma preocupação com sua situação econômica,
psíquica e social, que delineia a relação que elas estabelecem com os pais desses alunos. Entretanto,
desconhecem as causas principais que geram e reproduzem a situação precária de seus alunos e seus
pais e familiares, que são de ordem econômica, política e social que lhes prejudicam a aprendizagem e
o próprio ensino. Demonstram com isso um vazio de compreensão teórica de como a realidade se
65
estrutura em sua forma mais ampla e termina provocando pobreza e miséria com umas de suas
conseqüências.
Uma das conclusões indica parecer estar havendo um esmaecimento no sentido da organização
institucional através de um sindicato ou outro grupo organizado com a finalidade de mobilizar,
organizar, articular, orientar e dirigir, através de suas lideranças, a luta política em busca de condições
dignas de ensino e de formação profissional docente. A perseguição e o autoritarismo são percalços
que dificultam e mesmo impedem uma organização sindical docente no município de Dias D’Ávila.
Diferentes professoras-alunas apontam tal fenômeno quando afirmam que:
Por sinal até uma colega da gente, professora de Matemática, ela... só porque ela foi candidata, já
tem... acho que uns 8 anos, pelo o PT – Partido dos Trabalhadores – ficou sendo perseguida vários...
até pouco tempo. Uma outra colega da gente também, ela foi o que... secretária do sindicato, perdeu
20 horas... e ficaram, né? fazendo outras coisas com ela assim que chateiam, aborrecem o profissional.
M(Mestrando). Que outras coisas mais ou menos?
Professora-aluna Ilderlan. (risos). Não davam escola pra ela. Mandavam ela ir na Secretaria [de
Educação]
É... faziam relatório dizendo que ela fez determinadas coisas que não aconteceu...prejudicando
mesmo o profissional.(Professora-aluna Ilderlan, 2004).
Outra professora-aluna da mesma cidade também evidencia o caráter de perseguição e medo que
impedem a organização delas num sindicato, fazendo parte da cultura política local.
alguns anos atrás tentou-se criar um sindicato – não existia nem Rede UNEB 2000 nem nada –
o sindicato dos professores pra gente brigar pelos nossos direitos. E todos os professores que foram
“os cabeças”, entre aspas, foram perseguidos, entendeu? Foram até exo... gente que foi exonerada do
cargo ou tiraram da escola e jogou pra escola bem distante de sua casa, entendeu? É isso ou nada!
Entendeu? E acabou o sindicato enfraquecendo e acabou deixando de existir.
66
agora tem esses professores que eu não sei bem ainda... porque eles tentam assim... os
professores tentam o que? A... A...A camada política fica tentando, né? É prefeito, é vereador, é...é.. é
secretária de educação tentando enfraquecer aquelas pessoas e meter medo.(Professora-aluna Edna,
2004).
A organização profissional das professoras-alunas, e demais colegas, seja num sindicato, seja em
outra forma institucional, é impedida por atos de perseguição dos governantes locais. O autoritarismo
das elites locais é um dos principais ranços a serem enfrentados por professores em processo de
organização e luta dos municípios baianos. O Programa Rede UNEB sofre as influências desse
fenômeno, uma vez que é negociado com cada prefeitura, e não a partir de solicitação de professores e
professoras organizados.
indício nas falas das professoras-alunas entrevistadas que apontam para uma relação com a
prática ainda distante, articuladas somente no plano formal do currículo, cuja disciplina de Estágio
Supervisionado, além dos Seminários Temáticos, pode favorecer uma unicidade dialética dessas duas
dimensões: a teoria e a prática. Houve relatos de elogios e decepções com a teoria, porém, mesmos os
elogios são acompanhados de uma limitação ao papel da teoria no contexto de trabalho das
professoras. Algumas entrevistadas, por sua vez, revelaram também ignorância de alguns professores-
formadores acerca da gravidade dos problemas por elas enfrentados em seu contexto de trabalho. A
maioria das professoras-alunas entrevistadas acredita em sua capacidade de intervenção na realidade
mais imediata da escola e de seus alunos, o que acontece, cada qual ao seu modo. Isto é muito
importante, pois revela um vigor profissional, uma esperança que sustenta seu trabalho. Constitui uma
potencialidade pessoal e profissional à espera de políticas públicas educacionais sérias, que levem em
consideração a experiência, a esperança e esse vigor que ainda não foram exauridos pelo descaso das
classes dominantes com uma educação pública de qualidade nesse país.
Não é possível, por fim, classificar as professoras-alunas da cidade de Dias D’Ávila simplesmente
como tecnólogas do ensino, o que seria um erro grosseiro, pois o seu papel político é ativo,
ressignificando e questionando o papel das teorias, apontando os saberes de sua experiência
profissional, as dificuldades institucionais e políticas do contexto local do trabalho educativo, a situação
de pobreza extrema de seus alunos e alunas, a solidariedade presente; o papel dos pais no apoio
moral e disciplinar, a negligência do Estado; etc. Contudo, também não é possível afirmar que a
formação política dessas professoras-alunas vá ao encontro de uma perspectiva do docente enquanto
67
agente social, pois lhes falta uma formação teórica mais consistente, que lhes permita compreender a
realidade de forma mais ampla, mais crítica, possibilitando-lhes uma prática educativa articulada com a
realidade do aluno e com os movimentos emancipatórios presentes na sociedade; falta-lhes uma
autonomia profissional para decidir sobre os rumos dados ao ensino em função das características dos
alunos, uma capacidade de organização institucional, através do sindicato e demais movimentos que
representem os anseios da categoria docente, fortalecendo as lutas em prol da valorização da carreira
docente, a capacidade técnica de elaborar projetos educativos que respondam tanto às necessidades
pedagógicas detectadas nos processos avaliativos quanto às responsabilidades exigidas para o
cumprimento da função social da escola que, segundo Veiga deve:
[...]desenvolver o educando, prepará-lo para o exercício da cidadania e do trabalho
através da construção de um sujeito que domine os conhecimentos, dotado de
atitudes necessárias para fazer parte de um sistema político, para participar dos
processos de produção da sobrevivência e para desenvolver-se pessoal e
socialmente. (2003, p. 268)
Muitos desses saberes não apareceram nas entrevistas, demonstrando que a formação do agente
social ainda carece de uma formação teórica adequada. A formação política das professoras-alunas
entrevistadas pareceu-me apontar mais para o papel da sua experiência nessa formação, embora
desarticulada de uma formação teórica e, por isso, mais caracterizada pelo ativismo, que é, como
vimos em Freire(1999), a ação destituída de sua dimensão de reflexão.
5.2 A Formação Política dos Professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental do Projeto
Ágata Esmeralda da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe.
Perfil das Professoras-Alunas do Projeto Ágata Esmeralda
68
A maioria das professoras-alunas(45,5%) tem 30 anos, 33,8% tem entre 30 e 40 anos e 14,7% tem
entre 40 e 50 anos. Somente 2,9% tem entre 50 e 60 anos. São solteiras 51,5% e as casadas
representam 38.2%. A maioria(48,5%) não tem nenhum filho, 25% tem apenas 01 filho e 14,7% tem 02
filhos. Somente 7,4% tem 03 filhos. A identidade racial se assemelha às professoras-alunas de Dias
D’Ávila, 80,9% afirmaram ser negras, enquanto 7,4% se declarou branca. Quanto ao piso salarial, a
maioria ganhava apenas o salário mínimo da época R$ 240,00. 30,9% ganhavam R$ 275,00. Um dado
crucial mostra a dificuldade financeira das escolas comunitárias: 22% das professoras-alunas
ganhavam menos que R$ 240,00. Somente 5,9% ganhavam de R$ 500,00 a 700,00. Do grupo
levantado 20,6% complementa a renda com outra atividade e, dessas, 42,9% ganham mais que a
renda do magistério. 73,1% se declarou católica, 10,45% evangélicas e 9% são fiéis sem vínculo
religioso institucional. Espíritas, candomblé, atéias e Testemunhas de Jeová, cada uma dessas
religiões soma apenas 1,5% das entrevistadas. Sobre a participação política a maioria participa de
associações de bairro. Um número parecido de professoras-alunas(35,3%) não participam de nenhuma
atividade social e/ou política. 16,2% participam da Pastoral do Menor, 14,7% da Pastoral da Criança,
10,3% de sindicatos, 8,8% de clube de mães e 7,4% do movimento negro.
As escolas comunitárias Novo Amanhecer e Fonte Viva surgiram da iniciativa de religiosos católicos
preocupados com a situação das crianças carentes das comunidades onde desenvolvem o seu
trabalho pastoral.
No contexto sócio-econômico a escola trabalha com crianças que vivem na periferia, que têm
grande carência econômica... Nós escolhemos geralmente, entre aspas, as mais pobres entre as mais
pobres pra que a gente possa tá dando esse apoio pra elas a nível de educação, de alimentação e de
saúde também. E geralmente vêm de famílias desestruturadas né? Que são mães que tem vários
companheiros, e que vão tendo filhos com eles e vão abandonando. E os pais geralmente são
desempregados, são alcoólatras né? Tem situações de abuso sexual e tudo. Então é assim: são
famílias muito comprometidas, nesse nível. (Professora-aluna Wanda Cabral, 2004).
Alguns catequistas, com sua experiência de ensino nesta tarefa pastoral, foram, naturalmente,
convidados a assumir a sala de aula nessas escolas comunitárias. Logo no início percebeu-se a
necessidade de uma formação para esses docentes, o que foi assumido pela AEC e pelo CECUP, com
mais presença da primeira.
69
Foi desde o início que começamos com a escola que já tínhamos esse, esse, essa programação,
né? Nos encontrávamos com outras escolas e aí eram encontros muito, muito significativos pra mim,
pra cada um de nós, e também pro trabalho nosso.(Professora-aluna Maria, 2004).
5.2.1 Significado do curso
Para a professora-aluna Márcia o curso significa a percepção da realidade mais ampla em seu
trabalho educativo. Isto a leva a adotar a estratégia de levar seus alunos a experimentar e conhecer
uma realidade diferente da sua, pois foi essa uma das experiências prazerosas que o Programa Rede
UNEB, através do Projeto Ágata Esmeralda, lhe proporcionou.
Acho que a gente precisa mostrar mais coisas a estas crianças. Precisa apresentar mais coisas a
estas crianças, e lá no nosso curso tá não é... Sendo oferecido à gente coisas que nós nunca tivemos,
né? Talvez uma pequena parte[de colegas do curso] tivesse acesso, uma boa parte talvez não... Por
exemplo: a questão da visita aos teatros, aos museus, aos cinemas(2004).
O que a fez “despertar” para essa realidade foi principalmente, entre outras coisas, segundo a
mesma, a leitura e reflexão do livro de Paulo Freire(2002): Pedagogia da Autonomia. O entendimento
expresso pela professora-aluna Mc contém dois sentidos mais explícitos: um desses é partir da
realidade do aluno no sentido de quem sabe, abandoná-la... “Então assim, isso que, que nós estamos
aprendendo lá eu fico o tempo todo me questionando: até que ponto eu também estou colaborando
para que meu aluno saia dessa realidade?” Nessa perspectiva a professora-aluna estaria apenas
construindo uma consciência da negação da realidade onde seus alunos estão inseridos e que os
constituem, sem compromisso destes com a sua transformação em favor dos desprivilegiados. O outro
sentido poderia ser o de mostrar aos seus alunos que há uma realidade bem melhor que a sua, abrindo
horizontes que potencializarão suas capacidades humanas em direção à construção de uma outra
realidade a partir dessa comparação. Vejamos mais um trecho de sua palavra:
Ainda ontem eu falava com minha aluna, que ela disse que o sonho dela é conhecer papai noel, e
de ir no shopping, que ela nunca foi no Shopping e eu vou proporcionar isso pra ela. Porque, não é
porque ela vai ver o papai noel, mas porque essa criança ela não sabe o que é isso, ela nunca viu!
Então ela precisa conhecer essa realidade. Ela não pode ficar o tempo todo presa a essa realidade
dura, nua e crua da qual ela vive aqui dentro, né? Acho que a partir do momento que a gente é... abre
70
esses horizontes pra essas crianças, a gente tá trazendo tudo que a gente aprende lá né, na nossa, no
nosso curso pra cá também. (Professora-aluna Mc, 2004, p. 3).
Além dos dois sentidos atribuídos, fica clara a necessidade que a professora-aluna Mc tem de
compartilhar sua experiência prazerosa, vivida a partir de atividades desenvolvidas no Programa Rede
UNEB 2000, com seus alunos. Há um sentido político explícito aí. A socialização do que é bom e
prazeroso. A coletivização do bem, que deve ser comum. Há uma proposta de ser humano e de mundo
explícita, concreta, na pedagogia da professora-aluna Mc, de um mundo onde o que é bom, belo e
prazeroso seja compartilhado por todos, pois que todos têm direitos a estas coisas. Isto não significa
que este sentido último não tenha que ser articulado a teorias e ações organizadas, planejadas,
projetadas, posto que se encontra ainda no nível da vontade, do desejo.
Outra professora-aluna, que trabalha na mesma escola expressa essa idéia também de “sair da
realidade”. Contudo, esta “saída” não significa uma fuga, mas a possibilidade de conhecer outra
realidade, comparar com a sua, constatar as faltas e empreender ações que visem a transformação de
sua realidade.
Pra criança ter essa identidade que Juçara falava, é necessário que esse trabalho seja feito por
todos e também mostrar a elas que não é essa realidade que a gente mora que a gente pode viver o
tempo todo. É preciso sair daqui, ver lá fora que existem outras realidades que pode mudar, né? Eu
acho que a preocupação nossa também é essa: fazer com que a criança pense nisso se conscientize
de que é necessário mudar e a mudança parte de cada um de nós a partir do momento que estamos
conscientes disso.(professora-aluna Maria, 2004).
É um método de trabalho político-pedagógico adotado por essas professoras. O que vem ao
encontro das reflexões de trabalho de Paulo Freire(2002) quando propõe que
Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade
descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e
dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos
que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos bairros
ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos?(p. 33).
71
O significado do curso para a professora-aluna Juçara está mais voltado para a apreensão de
conhecimentos. Estes conhecimentos, contudo, não são para um uso abstrato, espiritual. São
subsídios para a mudança, para a transformação da realidade em que a mesma desenvolve o seu
trabalho. Esta perspectiva aponta para uma práxis pedagógica comprometida com a transformação da
realidade pois...
Muitas[professoras-alunas] já falam de fazer pós-graduação, de mestrado, em doutorado... Coisas que
nem sonhavam antes, porque todas vieram da periferia... Muitas das escolas comunitárias, outras de
escolas filantrópicas, mas pensando sempre em mudar. E que a mudança é possível! Basta a gente
querer, mudar nossa realidade, nossas comunidades, nossos bairros é possível. E eu acredito nisso!.
O conhecimento como um dos fundamentos para a potencialização das ações em direção à
concretização de sonhos, que vão se tornando realidade. A professora-aluna Juçara, com certeza se
distancia de uma visão de um conhecimento instrumental, alienado do contexto a que responde, mas,
ao contrário, intrínseco a este, potencializando a mudança que for necessária – pessoal, profissional,
social e política – à transformação da realidade, a “nossa realidade”. O conhecimento não é visto por
ela com uma solução meramente pedagógica, mas também como um subsídio importante para uma
proposta política de mudança, a partir do local onde estão atuando enquanto profissionais da educação
e do ensino.
Além dos aspectos pedagógicos e políticos as professoras-alunas da Escola Novo Amanhecer
também articulam o significado do curso à sua valorização profissional, apontando a melhoria de
salários como uma de suas insatisfações que pode se tornar conteúdo de luta político-profissional.
Terminado esse curso eu vou fazer concurso não sei pra onde, vou me especializar, e vou por
causa do dinheiro que é uma miséria, que não sei quê... [a professora está exprimindo o pensamento
de algumas colegas de curso] Mas eu acho que, que... eu uma dia desses tava até conversando com
uma amiga, com fulana, e eu dizia...(...) ....num outro tipo de trabalho, sabe? Assim... mesmo
esclarecer Mas a gente não pode ficar.. é... Claro que a gente não pode querer ficar é, como é que
se diz? O tempo todo ganhando esse salário de miséria que a gente ganha. Mas a gente também não
pode deixar de fazer o nosso trabalho social. (Professora-aluna Márcia, 2004).
72
As professoras-alunas do Projeto Ágata Esmeralda, Programa Rede UNEB 2000, sabem da
importância social de seu trabalho educativo nas comunidades onde vivem. Desejam, portanto, um
salário que seja compatível com as suas necessidades. Outra professora-aluna se expressa desta
forma a respeito do tema:
...Que tem professores que ganham menos que um salário. Que a gente já acha um absurdo a gente
ganhar um salário. Houve até um período na paróquia em que se fez uma campanha, e disseram que a
gente ia ganhar um salário da ... E que é indicado pelo Sindicato e tudo, por lei... mas depois, quando
se trata de dinheiro as coisas não andam bem. E quando a gente chega aqui que a gente vê pessoas
que, de fato, trabalham tanto quanto a gente, que ganham menos, a gente se horroriza. (professora-
aluna Wanda, 2004.
Elas esbarram, entretanto, nos limites dos recursos financeiros destinados às escolas comunitárias,
geralmente doações, com a mediação dos religiosos, feitas por entidades organizadas, – ONG’s – do
exterior.
Que se a gente, por exemplo, na Paróquia for fazer greve, a gente tá todo mundo demitido, quer
dizer: não que não vai poder demitir todo mundo de uma vez, mas vão dizer:
– Ou vocês trabalham, né? ou vocês simplesmente vão...
– Não tem como aumentar o salário, porque a gente[dirigentes da escola comunitária] não tem mais
dinheiro, então vocês[professoras das escolas comunitárias da Paróquia] vão ter que trabalhar de
qualquer jeito ou então vão embora!
Não vão poder demitir a gente porque fez greve, por que é inconstitucional. Porém a gente sabe que
aos poucos cada um vai ter sua punição devida. Concorda?(risos) Então a gente não pode tá fazendo
greve também! (professora-aluna Wanda, 2004).
Aliás, a professora-aluna Wanda trás algo interessante para a reflexão quando trata do significado
da formação no Programa Rede UNEB 2000 para ela. Ela classifica este significado em dois níveis: o
pessoal e o profissional. Vejamos como ela mesma se refere a isto:
Para mim é...hoje, risos. Estar cursando é... a Universidade é algo tanto significativo a nível
pessoal quanto a nível profissional. Pessoal porque é uma continuidade de algo que eu já comecei há
algum tempo e que agora tenho essa possibilidade de tá ampliando os meus conhecimentos. E a nível
73
profissional pela questão mesmo de se estar aspirando novos conhecimentos, as informações,
ampliando a questão da profissão mesmo, e de fato se... como é que é que eu posso dizer? Que está
se concretizando né? Que hoje é necessário, para ser professor é necessário ter essa
formação.(Professora-aluna Wanda, 2004).
Ela deixa bastante claro que antes da formação no Programa Rede UNEB 2000 a mesma tinha
uma formação anterior, saberes prévios à formação. Um conhecimento pessoal, construído pela
singularidade de seus esforços, dedicação e interesse próprio. A respeito do segundo nível, a
professora-aluna articula seu sentido à necessidade de uma formação – superior – para ser professora.
Ela deve estar se referindo, provavelmente, às exigências trazidas pela nova legislação educacional a
partir da lei 9394/96, a nova LDB. Estes dois níveis se articulam e constroem o significado de sua
formação.
Estas professoras demonstram que o significado da formação encontra sentido com uma
preparação qualificada para a transformação de uma realidade por elas vivenciada, a de alunos e
alunas em situação de risco, pobres ou já em situação de miséria e a delas também, enquanto
profissionais que precisam trabalhar e serem valorizadas na profissão, o que implica também melhores
salários.
5.2.2. Relações com a teoria
A formação anterior dessas professoras-alunas constitui-se em um elemento importante de diálogo
com os conteúdos trabalhados no Programa Rede UNEB 2000. Não há um deslumbramento dessas
professoras com a teoria em seu processo de formação, embora compreendam sua importância para o
trabalho educativo. A direção da formação, dada pelo Projeto Ágata Esmeralda, também é uma
importante variável na formação no Programa Rede UNEB 2000, dessas professoras das escolas
comunitárias atendidas.
Então eu, eu, eu acho os textos muito bons, são muitos bons, os textos. Acho que as professoras
têm assim, a partir do momento que elas entram lá, elas ficam sabendo primeiro da nossa realidade,
das nossas escolas, as nossas realidades... aí depois é que elas começam a falar dos textos e tal...
Jc[professora-formadora] mesmo, ela disse que não sabia nada de escolas comunitárias, ela aprendeu
74
com a gente. Então esse semestre houve muito uma troca, né? A gente falava, as professoras falavam
e a gente (não entendi)... Acho que os textos que tão dando lá, é... dão pra gente refletir, não são
textos que passam pra gente. (Professora-aluna Juçara, 2004).
A relação da professoras-alunas com as professoras-formadoras não se estabelece
autoritariamente, baseada em ignorantes e sábias, mas, como a própria fala da entrevistada revela,
numa relação de troca e compartilhamento de saberes. Esta relação é dirigida por uma coordenação de
um projeto que tem claro e definido as suas finalidades, a partir de avaliações da experiência que
acumularam na assessoria às escolas comunitárias. A relação com a teoria, da mesma forma, não se
estabelece de forma submissa e acrítica, mas baseada num diálogo crítico. A palavra e as experiências
das professoras em formação são respeitadas em sua autonomia. É uma diferença e tanto com relação
às professoras-alunas da rede municipal pesquisada, que reclamam da falta de apoio da Secretaria de
Educação e, portanto, não tem uma direção específica de sua formação, de acordo com suas
necessidades e problemas locais, o que vai delinear seus propósitos e finalidades sociais.
Vejamos outro elemento bastante interessante e curioso que duas das professoras-alunas
entrevistadas revelam quando se referem à teoria enquanto subsídio para o ensino:
Por exemplo: a questão mesmo da... Estágio Supervisionado que... das fases da criança,
J(professora-aluna, colega sua]. falava. É... Nenhuma de nós aqui sabíamos! Fazer a intervenção num,
num, numa escrita com a criança. Só isso não... pra gente hoje, a gente tem outros olhos pra esse, pra
essa, pra essa escrita, não é? A questão de trabalhar os textos, como é que a gente pode estar
ajudando a criança a melhorar o seu texto, não é? Quais as intervenções que a gente pode estar
fazendo... a leitura...né? Então acho que isso veio só contribuir. Eu entendi isso, não sei se
é...(Professora-aluna Maria, 2004).
A princípio tudo parece tranqüilo. A entrevistada vai falando sobre o auxílio que a teoria lhe deu em
seu trabalho, etc. Porém, antes mesmo que a professora-aluna Maria terminasse sua fala, sua colega,
professora-aluna Márcia, se manifesta trazendo um dado interessantíssimo, abaixo transcrito:
Eu acho até ... não tô fazendo ressalva no que Maria coloca, porque eu acho que é assim: não é que
nós não sabíamos. Porque isso a gente já ouviu em vários cursos outros.
75
Maria. é...(risos).
Márcia. Porém a gente ouvia, recebia as apostilas e guardava nos arquivos. Agora tem uma
diferença: que você precisa ouvir, você precisa estudar, você precisa refletir sobre aquilo que você está
fazendo. Porque você tem uma prova pra fazer, porque você tem um trabalho pra apresentar, então...
De alguma maneira você tem que aprender. E aí fica parecendo que a gente não sabia. Mas a gente já
sabia! E talvez não colocasse em prática porque não tinha quem cobrasse da gente nessa prática.
Então hoje tem alguém que tem que vir aqui olhar o nosso planejamento, olhar como é que está sendo
feito esse plano, se tá tendo coerência...(2004).
Neste trecho da entrevista há muita coisa pra se pensar na relação que as professoras-alunas
estabelecem com a teoria. Podemos perceber certa contradição entre a preocupação individual de
cada professora-aluna com os seus alunos e certo desleixo com as teorias que podem auxiliá-las no
desenvolvimento do seu trabalho junto a esses alunos. Ou mesmo a teoria, naquele momento delas,
pode não ter significado nada para o trabalho que tivessem desenvolvendo. Mesmo assim fica patente
um certo grau indesejado de heteronomia, o que aponta para o importante papel tanto da coordenação
do Projeto Ágata Esmeralda, quanto da metodologia de trabalho desenvolvida pelo Programa Rede
UNEB 2000, ou seja: a de estar articulando, durante toda a formação no curso, a teoria e a prática das
professoras-alunas, através das visitas feitas pelos professores-formadores, com primado desta última
sobre a primeira. A heteronomia seria indesejável, neste caso, pois denuncia uma situação de
dependência de uma presença vigilante exterior a si e ao grupo para que haja o compromisso com a
própria aprendizagem, denunciando também tanto o descompromisso com sua formação docente
quanto com os problemas apresentados pela escola comunitária onde atuam.
A parte prática vivenciada ao longo do curso está apoiada nas visitas de observações dos
professores formadores das disciplinas das áreas estruturantes[Antropologia, Filosofia, Sociologia,
Psicologia, História da Educação, Oficina de Leitura e Produção Textual de Língua Portuguesa], de
Ensino[Ensino da Língua Portuguesa, Arte e Educação, Alfabetização, Ensino da Geografia, Ensino
das Ciências Naturais, Ensino da História, Ensino da Matemática e Fundamentos Teóricos e
Metodológicos do Jogo] e Instrumental[Informática na educação e metodologia da pesquisa],
perfazendo um total de 330 horas, ou seja, 15 horas por professor-formador, acrescida de 150 horas da
Reflexão do Fazer Pedagógico dos professores-alunos com o professor-orientador em sessões
mensais durante todo o curso, totalizando 480 horas.(REDE UNEB 2000, p. 72).
76
As disciplinas convergem para a análise da prática através de suas abordagens teóricas, o que é
extremamente salutar para a interação que pode emergir desta abordagem metodológica. Além da
formação exigir a presença do professor-aluno em sala de aula, ainda há, na organização curricular do
Rede UNEB, um espaço criado para concretizar a relação teoria-prática da formação: a disciplina
Estágio Supervisionado, do Núcleo Articulador, do 1.º ao 5.º semestre e, também, na efetivação de
Seminários Temáticos, no Núcleo Temático. Pois bem, a fala da professora-aluna Mc, vem ao encontro
dessa metodologia, que atua no sentido de valorizar os saberes e experiências que as professoras-
alunas já têm, trabalhando no sentido de reduzir a heteronomia e ampliar o grau de autonomia dessas
professoras-alunas.
A questão da visita mesmo, de... foi da professora de psicologia. Pra gente... pra mim foi
interessante porque ela deu algumas pistas, entendeu? Na minha sala que eu tava com muito
problema em sala de aula, menino muito agressivo, problemas de aprendizagem mesmo e ela deu
algumas pistas assim, peguei algumas atividades mostrei pra vê se era mesmo o que eu tava
pensando, e ela conseguiu dar algumas pistas assim: o que devia fazer, devia encaminhar ao
psicopedagogo e tal... por que é uma preocupação nossa né? Quando a criança não aprende o que é
que se faz? Será que é nosso problema? Será que é da criança? A gente tem que... é a família
também que interfere? Então tudo isso tem uma relação, e ai se a gente não sabe fazer essa relação
fica difícil de entender.(Professora-aluna Maria, 2004).
A supervisão e o acompanhamento da formação, portanto, é apontado nesta pesquisa enquanto
um elemento fundamental para que a relação da teoria com a prática seja a mais dialética possível,
colaborando para o crescimento pessoal e profissional das professoras através da mudança de suas
práticas educativas, por que também houve mudança de suas teorias, a partir de um processo reflexivo
organizado e dirigido por uma instituição educativa, através de seus profissionais, que tem claras as
finalidades de seu trabalho prestado.
As formações anteriores das professoras-alunas das escolas comunitárias, também é outro
elemento importante que aparece em suas falas. Alguns interesses e comportamentos dessas
professoras têm sua origem nessas formações anteriores, como, por exemplo, a necessidade de
incorporar no currículo a questão da discussão racial, como se relata abaixo.
Acho que é muito interessante assim: o nosso... as nossas participações em seminários, em
encontros, em cursos... A gente participava de cursos de férias no mês de janeiro, que o pessoal da
77
AEC proporcionava junto com a UFBA e, o CECUP mesmo, porque eles falavam muito a questão da
identidade da gente, de raiz, de negro, das pessoas se assumirem, que a maioria não se assumia, que
as pessoas da periferia não se assumiam negras, e aí eles fizeram um calendário, né? – Foi até depois
que você veio– Um calendário. Que datas importantes a gente teria que falar sobre isso. A questão de
falar sobre lendas do povo negro, sabe? Coisas assim, sempre com essa influência.(Professora-aluna
Juçara, 2004).
Não é desnecessário dizer que a entrevistada acima é uma das professoras que mais se preocupa,
entre as entrevistadas, com a questão racial na escola comunitária. Outros trechos da entrevista em
anexo mostram isto.
5.2.3 As competências
Há pouco a falar sobre isto quando trato da formação de professores no Programa Rede UNEB
2000, através do Projeto Ágata Esmeralda. A análise das entrevistas dessas professoras-alunas deixa
claro que sua formação está mais voltada para a caracterização do docente enquanto agente social,
onde a teoria e a prática estão articuladas para responder aos desafios que a experiência concreta das
professoras-alunas trazem para a sala de aula. Cabe ainda uma análise mais aprofundada acerca de
como o conhecimento é articulado à prática, se de forma fragmentada e descontextualizada, se de
forma colonizatória, onde a prática seria apenas o campo de negação de seus elementos ou
confirmação de certezas teóricas, etc. De qualquer forma há indícios nas entrevistas que apontam uma
relação coerente entre a teoria e o contexto onde ela será inserida. “O Curso em si, ele tem uma
preocupação com o conteúdo, né, que vai ser passado pra gente. Não colocam como qualquer
conteúdo. Eles têm muito essa preocupação do que será passado pra gente.”(Professora-aluna Mc,
2004, p. 6). Outra entrevistada revela como uma das professoras-formadoras trabalhou a História da
Educação em sala de aula, ensinando-as, não apenas os conteúdos formais, mas também
transformando em conteúdos a sua própria experiência pessoal.
Assim, na avaliação de J[professora-formadora]. eu tava falando: Que História da Educação, dentre
outras, me marcou porque História, quando eu aprendi, foi pra decorar e hoje eu posso fazer reflexão
sobre a história, da minha história, sobre a história do outro, entendeu?. Então, eu acho que deveriam
todos que estivessem exercendo a profissão no magistério estar em uma Faculdade...(Professora-
aluna Maria, 2004).
78
O aluno, nessa perspectiva, é levado não a se adaptar à realidade, mas a compreendê-la para
transformá-la em favor de si e de seus semelhantes desprivilegiados, conforme vimos em algumas
falas. Duarte(2003), criticando as idéias de Perrenoud a partir de uma entrevista dada à Revista Nova
Escola no ano de 2000, afirma que o caráter adaptativo da abordagem por competências fica evidente
quando “Aos educadores caberia conhecer a realidade social não para fazer a crítica a essa realidade
e construir uma educação comprometida com as lutas por uma transformação social radical, mas sim
para saber melhor quais as competências a realidade social está exigindo dos indivíduos.” (DUARTE,
2003, p.12).
Conclui-se, portanto, que uma tendência no Programa Rede UNEB 2000, do Projeto Ágata
Esmeralda, em se formar o docente enquanto agente social, posto que este valoriza as experiências
pessoais dos professores e o contexto onde estão inseridas para, a partir de então prepararem os
conteúdos que serão veiculados através das aulas, conteúdos carregados de uma politicidade de
transformação da realidade das professoras em formação e de seus alunos.
5.2.4 Papel da família na escola
Tal como as professoras-alunas do município de Dias D’Ávila, as professoras-alunas do Projeto
Ágata Esmeralda reconhecem a importância da família para o trabalho educativo, no sentido de
subsídio e apoio a esta prática. O que me pareceu, entretanto, é que, no caso das escolas comunitárias
as reuniões são sistemáticas e têm um conteúdo político-social mais explícito e intencional.
É..., Assim... Nós fazemos visitas a cada dois meses, nas casas dessas crianças. Temos um
contato direto com a família. Fazemos também reunião nesse período de visitas, a gente faz uma
reunião a cada dois meses, e nessas reuniões nós tratamos de assuntos da escola, mas também de
outros assuntos, algumas palestras que vai formar e informar esses pais também da questão da escola
e de outras coisas que existem no bairro, né? Que precisam também estar de olhos abertos para essas
coisas né. Como saneamento, como direito da criança, é... dentre outros, né? que a gente proporciona
a esses pais.(professora-aluna Maria, 2004).
79
Os pais também são tratados como parceiros da escola. Da relação estabelecida com estes as
professoras retiram conteúdos de reflexão e mobilização.
Ah, porque;... pera aê! Meu aluno foi Marcos Paulo. É. Quando ele entrou aqui na escola a mãe
dele insistia que ele não era negro, que ele era chocolate, que era cor de chocolate. E ai eu fiz um
trabalho não só com ele mas com toda a turma né, desde que ele entrou, é.. sobre isso. O que é a cor
da pele? Chocolate era a cor da pele? Ai falei sobre a consciência e tal.. E ai depois ele me revelou que
porque ser.. pra quê ser negro? Se na televisão só passava... negro era coisa que não presta, que não
prestava. Passava que negro era ladrão... era só né? marginal e tal... E aí eu tive de fazer uma
construção com ele de que existiam também negros que eram valorizados pelo seu trabalho, né?
Cantores, atores... Pessoas que eram bem sucedidas na vida. E que não era a cor de pele que
interferia nisso. E ai hoje ele se reconhecendo ele.... eu trabalhei com ele... Professora-aluna Juçara,
2004).
A relação com os pais é respeitosa, amistosa e também crítica. Essa crítica não busca a
desvalorização dos mesmos e demais responsáveis pelas crianças das escolas comunitárias. Nasce da
investigação, feita pelas professoras, de elementos culturais, políticos, sociais e afetivos, oriundos da
família, que interferem na aprendizagem de seus alunos e nos seus comportamentos na escola. Os
pais dos alunos terminam passando, inevitavelmente, por um processo de formação.
Pobreza... saneamento... Porque é assim: nós vivemos no bairro e conhecemos cada aluno, cada
realidade né? Então nossa preocupação não é só formar a criança mas também estar formando o pai,
a mãe, por que a gente... não adianta só a criança, se aqui nós temos poucos momentos com ele, lá(na
família) vai ter mais. Então, é é... tem de fazer a junção da escola e a família e a criança, porque senão
não vai, não vai valer a nossa identidade, a nossa... Pra criança ter essa identidade que J. falava, é
necessário que esse trabalho seja feito por todos e também mostrar a elas que não é essa realidade
que a gente mora que a gente pode viver o tempo todo... (Professora-aluna Maria, 2004).
Percebe-se que os pais e responsáveis pelas crianças que freqüentam as escolas comunitárias dessas
professoras-alunas do Programa Rede UNEB 2000, pelo Projeto Ágata Esmeralda, são indispensáveis
ao processo educativo, que, como se depreende de sua fala, é bem mais amplo do que apenas os
conteúdos definidos formalmente pelas políticas públicas. São, também, conteúdos “encarnados” na
realidade da qual as professoras partem, não para justificá-la ou legitimá-la, mas para abandoná-la,
80
através da mobilização, organização e luta. O docente, neste caso, aparece como verdadeiro agente
social, sem abandonar sua função social precípua, que é a de ensinar.
As professoras-alunas da rede municipal de educação de Dias D’Ávila também se preocupam,
como foi mostrado, em estabelecer contatos com a família para compreenderem o comportamento de
seus alunos. O que lhes falta, contudo, ao que me parece, é uma construção de uma atividade
sistemática, de reuniões com os pais, com uma pauta que vá se definindo a partir dos problemas
levantados, das possibilidades dos pais e das circunstâncias locais, buscando, intencionalmente,
elementos que possam auxiliá-las em sua prática educativa, envolvendo os pais nesta tarefa, como
acontece com as professoras-alunas das escolas comunitárias. A diferença, não dá para não perceber,
está é na concepção de escola que cada instituição educativa construiu. As idiossincrasias não
conseguem explicar as diferenças. Há uma direção “diferente” nas instituições comparadas.
Mesmo quando a família não tem condições de participar, ou mesmo inexiste enquanto grupo
constituído por laços afetivos, econômicos e morais, a professora-aluna busca, através do aluno, uma
mudança de qualidade na vida desta criança.
Como eu falei as famílias dessas crianças são famílias extremamente desestruturadas. Então você
tem casos de famílias que tem... o problema das drogas é muito forte; o problema do desemprego –
mas ai tá associado ao alcoolismo; a questão de tá pedindo – a mendicância é muito...; essa questão
de superar o assistencialismo. Eu gostaria muito que as minhas crianças pudessem superar isso, a
nível pessoal. Que eles tivessem auto-estima, confiassem neles mesmos pra que eles pudessem tá
buscando o que eles querem; que eles vissem a educação, o estudar, não como uma questão de
obrigação, mas como uma oportunidade de crescimento. E que se o pai, se a mãe, não-sei-lá-quem é
alcoólatra... era desempregado, é alcoólatra, era drogado, era não-sei-o-quê, eles não tem que
necessariamente seguir essa vida, porque eles são pessoas diferentes, e que têm oportunidades
diferentes. Então inicialmente eu quero isso: que eles possam construir pra si uma vida diferente, a
nível pessoal com essa questão da auto-estima. (Professora-aluna Wanda, 2004).
Para essa professora-aluna, a formação deve ampliar o processo de reflexão, para que seu aluno
adquira autonomia e responsabilidade na mudança que sua realidade exige.
81
A gente tem esse costume de tá fazendo é...passeatas, né? Sempre que tem alguma coisa mais
interessante... ano passado(2003) a gente participou, por exemplo, fez uma caminhada pelo bairro[riso
de satisfação] em apoio aos estudantes[luta dos estudantes secundaristas pelo redução das passagens
de transporte coletivo de Salvador], por exemplo. A gente quer sempre tá ampliando, quer que eles
realmente estejam pensando no que acontece lá fora e tá tomando posição, mas posição a partir dos
conhecimentos que eles têm.(Professora-aluna Wanda, 2004).
A pedagogia dessas professoras-alunas das escolas comunitárias está orientada para construir em
seus alunos uma autonomia intelectual e moral, partindo de suas experiências das faltas que sofrem,
que pode favorecer-lhes no processo de mobilização, organização e luta na construção de uma outra
realidade que se deseja ver concretizada. Afirmar que isto não é práxis é, no mínimo, cegueira.
82
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comparando as duas realidades pesquisadas, percebi, surpreso – posto que dominado pelo
maniqueísmo que dizia negar –, quando me aprofundei na análise do material, que a princípio
considerei pouco, porém fecundo, que embora haja uma tendência das políticas públicas educacionais
do Estado em formar o tecnólogo do ensino com a criação dos ISE’s – perfil do professor eficiente em
formar o indivíduo competente para se adaptar às exigências da sociedade revolucionada pelas novas
tecnologias na área produtiva e social – e a preferência em formar os professores da educação básica
nestas instituições, não há uma correspondência linear e direta entre esta vontade e sua realização na
sociedade e nem mesmo nas instituições criadas nesse contexto, como o Programa Rede UNEB 2000,
espaço institucional de formação de professores do ensino fundamental em nível superior, licenciatura,
graduação plena, da UNEB.
A complexidade de atores e autores, de circunstâncias e situações, e das experiências e
sensibilidades, que ficam materializadas nas reinterpretações e no direcionamento dado pelas
instituições – como o Projeto Ágata Esmeralda – que contratam o Programa de formação de
professoras, além dos posicionamentos pedagógicos-políticos de cada professora-aluna entrevistada,
redirecionam essa formação e dão um sentido próprio para a mesma, ressignificando-a em função de
seu contexto, suas necessidades e suas experiências, construindo o seu sentido político e
evidenciando sua palavra enquanto práxis educativa. Esta complexidade do objeto pesquisado não
permite nenhuma classificação ou identificação apressada e, portanto, ideológica, entre esta ou aquela
concepção que serviu de suporte para a análise do material, sob pena de perder o possível rigor
acadêmico que esta pesquisa pretende trazer.
O Professor como agente social aparece na cena com características como autonomia intelectual e
moral, não sem certa presença de heteronomia dependente; preocupação com a situação psíquica,
social e econômica de seus alunos, visto que esta situação prejudica a aprendizagem deles e dificulta o
ensino; numa relação crítica com a teoria, em função da experiência docente construída em meio a
ambientes autoritários e paupérrimos, tanto econômica, quanto intelectualmente; uma relação com os
pais e responsáveis dos alunos baseada no diálogo voltado para a compreensão do comportamento
dos discentes a fim de auxiliá-los na aprendizagem, no caso das professoras-alunas da cidade de Dias
D’Ávila.
83
No caso das professoras-alunas do Projeto Ágata Esmeralda a relação com os pais é dirigida com
o propósito de uma modificação do comportamento dos próprios, e não apenas de seus filhos, alunos
da escola comunitária. Essa mudança de comportamento dos pais é esperada tanto na dimensão
afetiva e moral quanto na dimensão política mesmo, como foi assinalado nas entrevistas.
A autonomia intelectual, entretanto, ainda precisa de um conhecimento mais aprofundado, pois
todas as professoras-alunas entrevistadas ainda têm dificuldades em compreender a realidade de
forma rigorosa, teoricamente orientada, pois o ativismo pode resultar em conseqüências prejudiciais
para a formação do docente na perspectiva do agente social. Não se pode também afirmar que esta
falta seja uma dificuldade apresentada apenas no Programa Rede UNEB 2000, ou que seja apenas
dificuldade de seus professores-formadores. As professoras-alunas têm um perfil, conforme exposto
neste trabalho, de baixos rendimentos financeiros, e, dificuldades na escrita, leitura e interpretação da
língua portuguesa, o que provocou até uma mudança peculiar no currículo do Programa Rede UNEB: a
introdução da disciplina Oficina de Leitura e Produção Textual. Esta introdução no currículo surgiu
“após a avaliação das etapas anteriores, onde ficou detectado que a maior dificuldade do alunado era
quanto à leitura e interpretação de textos.”(REDE UNEB, 2003, p. 67).
Quanto a isto, poderia acrescentar que trabalhar logo no primeiro semestre, disciplinas como
Antropologia, Filosofia, Psicologia e Sociologia, com suas linguagens e vocabulários próprios, não é
uma prática curricular que encontre respaldo na aprendizagem no contexto de professoras-alunas que
há algum tempo não estudavam, nem liam sistematicamente. Talvez não seja apenas o caso de se
introduzir uma disciplina específica, mas de efetivar algumas mudanças na organização curricular, de
modo que a perspectiva da filosofia da educação, da psicologia da educação, da sociologia da
educação e de outras disciplinas seja trabalhada a partir da produção cultural da comunidade à qual
pertencem as professoras-alunas e os professores-alunos inseridos no Programa Rede UNEB 2000. O
primeiro semestre para elas é de difícil compreensão teórica, conforme relatos não registrados me
informaram.
A explicitação da dimensão sociopolítica da educação e da escola e a organização do trabalho
pedagógico no conjunto da sociedade capitalista fica mais evidente nas entrevistas realizadas com as
professoras-alunas das escolas comunitárias. Esta constatação evidencia um fato importante: a direção
e o sentido político-pedagógico que a instituição mediadora dá ao processo de formação no Programa
Rede UNEB 2000 e à experiência de formação que essas professoras-alunas tiveram em outros
84
espaços institucionais – CECUP, UFBA, AEC. No caso das professoras-alunas de Dias D’Ávila a
instituição mediadora é a Secretaria de Educação do Município, que indica alguns funcionários para
limpeza, biblioteca e coordenação local entre outros, não havendo uma direção construída previamente
para a formação em nível superior das professoras do município. Já no caso das professoras-alunas do
Projeto Ágata Esmeralda, havia um acompanhamento prévio, com acompanhamento e avaliações que
foram construindo elementos fundamentais para o fortalecimento da direção e sentido dados à
formação.
Portanto, nem Tecnólogo do Ensino nem Agente Social podem ser identificados, caracterizados e
classificados pelas análises do material recolhido em campo na formação dos professores do Programa
Rede UNEB 2000. O político das professoras-alunas e dos professores-alunos do Programa Rede
UNEB 2000 se manifesta nos posicionamentos, atitudes, valores e nas decisões tomadas no cotidiano
de sua prática educativa. Como ficou demonstrado, o problema da pesquisa não encontrou respaldo na
realidade complexa e cambiante, que não pode ser classificada em parâmetros lógicos e racionais
trazidos pela teoria. Fica a percepção de que, como afirmou Jorge Luís Borges, “a realidade é mais
incrível que a ficção.”
85
6 REFERÊNCIAS
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http://lite.fae.unicamp.br/grupos/formac/cartacuritiba.htm . acessado em: 18 de agosto de 2003.
ANFOPE/FORUMDIR. Governo Intervém na Formação de Professores por Decreto – Brasília, 08 de
dezembro de 1999. Disponível em: http://lite.fae.unicamp.br/anfope/defesa.htm acessado em 18 de
agosto de 2003.
BRASIL. Emenda Constitucional n.º 14, dezembro de 1996. Modifica os artigos 34, 208, 211 e 212 da
Constituição Federal, e dá nova redação ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 13 de setembro de 1996.
_____. RESOLUÇÃO CNE/CP 1/1999. Dispõe sobre os institutos superiores de educação,
considerando os art. 62 e 63 da Lei n.º 9.394/96 e o art. 9.º, § 2.º, alíneas “c” e “h” da Lei n.º 4.024/61,
com a redação dada pela Lei n.º 9.131/95. CNE. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, dia e mês de 1999. Seção 1, p. 50.
_____. RESOLUÇÃO CNE/CP 1/2002. Políticas públicas docente, Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil,. Brasília, Republicado por ter saído com incorreção do original no Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1, p.18.
_____. RESOLUÇÃO CNE/CP 2/2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, de 9 de
abril de 2002. Seção 1. p. 31.
______. Decreto 3.276 de 06 de dezembro de 1999 Dispõe sobre a formação em nível superior de
professores para atuar na educação básica, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, 07 de dezembro de 1999 e republicado em 08 de dezembro de 1999.
BRASIL. Emenda Constitucional. Decreto 3.326, de 31 de dezembro de 1999. Fixa o valor mínimo
anual por aluno de que trata o artigo 6.º, § 1.º, da Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996 e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 03 de janeiro de 1999.
_______. Lei 9.424/96. de 24 de dezembro 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizão do Magistério, na forma prevista no art. 60, §
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86
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BAHIA. REDE UNEB 2000. Programa Intensivo de Licenciatura em Pedagogia com Habilitação
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88
ANEXOS
89
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO: EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
ORIENTADOR: ANTONIO DIAS
ORIENTANDO: JOSELITO MANOEL DE JESUS
TEMA: A FORMAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES NO PROGRAMA REDE UNEB 2000.
Entrevista com a professora-aluna do Programa Rede UNEB 2000, Wanda Cabral Macena professora
da Escola Comunitária Fonte Viva na Fonte do Capim, Av. San Martin, periferia de Salvador. ensina
crianças de 1ª e 2ª séries de 1º grau, durante cinco anos
Data: 30 de março de 2004.
Horário: início: 20:20h
Término: 21:20h.
MESTRANDO(M):QUAL O SIGNIFICADO DESSA FORMAÇÃO PARA VOCÊ?
PROFESSORA-ALUNA (P-A) Para mim é...hoje, risos. Estar cursando é... a Universidade é algo
tanto significativo a nível pessoal quanto a nível profissional. Pessoal porque é uma continuidade de
algo que eu já comecei há algum tempo e que agora tenho essa possibilidade de tá ampliando os meus
conhecimentos. E a nível profissional pela questão mesmo de se estar aspirando novos
conhecimentos, as informações, ampliando a questão da profissão mesmo, e de fato se... como é que
é que eu posso dizer? Que está se concretizando né? Que hoje é necessário, para ser professor é
necessário ter essa formação. Então isso concretiza, dá mais é... aaaaaahhhh..(sinal de
nervosismo).dá mais apoio digamos assim pra ele.
M. FIQUE TRANQÜILA, COMO A GENTE TAVA CONVERSANDO ANTES...
P- Risos...Ah, Tá gravando... !!!
M. QUAL É A REALIDADE DO ESPAÇO ONDE VOCÊ EXERCE SEU TRABALHO EDUCATIVO?
(P-A). A nível sócio-econômico ou a nível de Escola mesmo, física?
OS DOIS, PODE SER...
(P-A).. Bem , no contexto sócio-econômico a escola trabalha com crianças que vivem na periferia, que
têm grande carência econômica... Nós escolhemos geralmente, entre aspas, as mais pobre entre as
mais pobres pra que a gente possa tá dando esse apoio pra elas a nível de educação, de alimentação
e de saúde também. E geralmente vêm de famílias desestruturadas né, que são mães que tem vários
companheiros e que vão tendo filhos com eles e vão abandonando, e os pais geralmente são
90
desempregados, são alcoólatras né, tem situações de abuso sexual e tudo. Então é assim, são famílias
muito comprometidas, nesse nível.
E a nível também da escola é... Nós somos uma escola pequena, ainda, nós temos um espaço físico
muito pequeno pra quantidade de crianças que nós temos, ainda precisamos de muito apoio é, de
material, tanto pessoal, tanto a nível humano, porque agora é que nós temos dois professores, três
com fulana que começou agora, que tá cursando pedagogia; somos parceiro da instituição, do Ágata,
que é a entidade que nos mantém, né? a entidade mantenedora, que dava esse apoio mas não era
algo, é... contínuo. Então agora é que se começa de fato a se estudar mais essas teorias... E de fato a
escola tá tendo esse referencial teórico, digamos dizer assim, de pedagogia...
M. VOCÊS TIVERAM ASSESSORIA DO CECUP ANTES?
(P-A). Não.
M. E DA AEC?
(P-A). A AEC ficou lá um período, um ano mais ou menos, porém quando a Paróquia decidiu que tinha
que optar: ou ia pra AEC – Associa das Escolas Católicas – ou ia pro Ágata, se optou pelo Ágata por
que o Ágata financeiramente mantém, e o AEC não dá apoio nenhum, só dava apoio pedagógico.
Então quando paramos de ir para as formações do AEC automaticamente também foi tirada a ajuda
pedagógica, o apoio pedagógico. Então hoje nós somos assistidas pelo Ágata Esmeralda que também
atende tantas escolas que isso acaba ficando quinzenal, mensal ou de acordo com a necessidade do
grupo, e como segundo eles, nós somos um grupo bem organizado, bem estruturado, então não se vê
tanta necessidade de se estar junto conosco. Então isso diminui as visitas delas ao nosso grupo e a
gente fica quase que por conta própria desenvolvendo o trabalho sem muitas interferências.
M. É...COMO VOCÊ VÊ ASSIM...TIPO: NÃO ERA PRA ESSAS CRIANÇAS ESTAREM EM ESCOLAS
PÚBLICAS?
(P-A) Sim, as crianças...
M. EDUCAÇÃO INFANTIL, TAL... COMO É QUE VOCÊ VÊ ISSO?
(P-A). Sem dúvida como a própria lei diz né? Então como a Própria LDB diz que todas as crianças
nessa faixa etária de 4 a 6 anos é dever do município estar provendo escola pra elas. Infelizmente isso
não acontece e foi dai que nasceu a Escola Comunitária Fonte Viva, pra tá atendendo essas crianças.
E de fato elas deveriam estar na escola pública, deveriam ter esse tipo de atendimento, até porque o
Estado, o município deveria, tem mais, muito mais condição a nível financeiro, de pessoal pra tá
fazendo isso. Porém infelizmente as ONG’s que estão assumindo isso, que assumiram isso. E que tá
ai: o Projeto! a escola que tá caminhando.
91
Agora as crianças que saem das nossas escolas com seis anos, que já tem na rede pública uma vaga
destinada pra elas, então elas estão indo. Apesar que, as vezes, tem escolas que não querem que
essas crianças permaneçam lá, então mandam de volta e a gente tem que tá dialogando e tudo pra
fazer com que elas, de fato, assumam esse direito.
M. DE ONDE SURGIU ESSA DEMANDA DESSAS CRIANÇAS? SURGE COMO ASSIM? É UMA MÃE
QUE RECLAMA, É O QUÊ? É DA IGREJA, DAS REUNIÕES, DA ONDE É QUE SURGE?
(P-A) você quer saber um pouco o histórico dessa escola?
M. é.
(P-A) . A escola surgiu na realidade de uma idéia de Padre Afonso que viu –que é o diretor da escola –
que percebeu que lá na Fonte do Capim haviam muitas crianças na rua, e em função da questão
mesmo de algumas pessoas da própria comunidade que tinham filhos em idade escolar, e se não
pagassem uma escola particular pra que as crianças começassem a estudar, eles não tinham onde
estudar. Então percebendo isso a gente conversou com um grupo de amigos italianos e resolveram
montar a escola; pediram ajuda do Ágata, que também são amigos deles, e ai montou essa escola. E o
objetivo era esse: era ajudar essas crianças a saírem das ruas e tá tendo educação, como todas as
outras que têm uma condição financeira melhor fazem. E até por isso que o objetivo da escola é
atender as mais pobres entre as mais pobres, pra que possa tá até dando oportunidades iguais,
equilibrando essas oportunidades para as crianças e auxiliando essas famílias.
M. (P-A) VOCÊ SABE QUANTAS ESCOLAS COMUNITÁRIAS TEM NA PARÓQUIA ATUALMENTE?
(P-A). São dez ao todo. Geralmente em cada comunidade, a paróquia tem doze comunidades hoje...
M. PARÓQUIA NOSSA SENHORA DE GUADALUPE...
(P-A). Isso!
(P-A). Então são doze comunidades ao todo hoje mas dez dessas comunidades têm escolas
comunitárias, e tão atendendo sempre crianças com o mesmo perfil.
M. (P-A) VOCÊ PARTICIPA DE... ALÉM DA ESCOLA COMUNITÁRIA, DA IGREJA QUE VOCÊ JÁ
PARTICIPOU, ATUALMENTE TÁ AFASTADA NÉ? VOCÊ PARTICIPA DE ALGUM MOVIMENTO
SOCIAL, DE ALGUMA OUTRA INSTITUIÇÃO LIGADA À DEFESA DOS INTERESSES DA SUA
CATEGORIA PROFISSIONAL?
(P-A). Não, hoje não participo de nada. Tô afastada de tudo. Inclusive até essa questão do sindicato é
uma questão controversa.(risos)... Porque a gente deveria tá até filiado a ele, porém teve uma confusão
ai e não se sabe ainda bem como é fica essa...
M. QUAL É O SINDICATO?
(P-A)Seria a APLB, que tem cinco anos que mandam... vai entrar?(referindo-se ao registro na fita
cassete do que está dizendo acerca do sindicato)
92
M. NÃO, NÃO TEM PROBLEMA NÃO?
(P- A). Certo. Porque tem cinco anos que eles mandam aquelas cartas sabe? Não sei se é a Paróquia
ou a Escola que deve pagar, porém ninguém nunca paga! Ai esse ano eles já andaram com o boleto da
Receita Federal ou foi da Caixa Econômica? Alguma coisa assim, quer dizer: esse ano focou mais
sério, a gente percebeu que ficou mais sério. E disseram que ia resolver, não sei o quê... Sempre
cobram...
M. QUAL É O PREÇO?
(P-A). Acho que é... são 3% de cada funcionário, do salário de cada funcionário que deve ser paga, que
é para o sindicato da categoria. E me parece... ou não pagam , não sei como é que tá isso, porque todo
ano vem. Ai vai pra escola e tem aquela confusão: paga, não paga, e dizem que já tão pagando mas só
que a gente nunca sabe. Ai sempre cobra os atrasados. E a gente não sabe mesmo se estão ou não.
M. Mas, vocês podem participar de alguma reunião da APLB?
(P-A). Não, nada, nunca participei.
M. QUANDO.. UMA PERGUNTA MAIS ESPECÍFICA AGORA... QUANDO VOCÊ EDUCA O QUE
VOCÊ ESPERA VER COMO RESULTADO DO SEU TRABALHO?
(P-A).Eu espero uma mudança mesmo, de atitude. Claro que a gente não pode você ver
imediatamente mas, a longo prazo, pequenas coisas você percebe, né? Você percebe que a criança
já... vai fazer uma coisa, se vê o colega fazendo já tem é... essa... essa iniciativa e tá dizendo: – Não!
Não é assim, é assado, porque você tá fazendo isso? Eu acho que a grande questão hoje do educador
é tá provocando sempre a reflexão, porque eu não gosto muito de sermões, de frases feitas. Eu gosto
que a criança possa tá pensando no que ela está fazendo, que ela possa tá refletindo, porque
você dizer “Não, porque não”, não existe. Mas se você mostra pra ela que ela, que ela... que ela
chegue à conclusão porque daquele “não” é muito mais fácil, né? E ela vai guardar isso pra vida inteira
e ela vai se acostumar por toda a vida a perguntar o porquê e a te questionar. E eles fazem isso na
sala o tempo inteiro, eles te questionam, não é? Eles estão sempre refletindo e tão sempre até na... no
convívio um com o outro eles demonstram isso, e é isso que eu quero! Que eles possam tá mesmo
pensando no que eles estão fazendo, e nessa socialização com o outro que eles possam tá mostrando
que eles estão mudando de atitude, que eles vendo de uma forma diferente o que eles viam antes.
M. QUANDO VOCÊ FALA DESSA AUTONOMIA, NÉ? DO ALUNO, VOCÊ... ASSIM NESSA QUESTÃO DELES
DIALOGAREM, DELES QUESTIONAREM O PORQUÊ AS COISAS SÃO FEITAS, DO MODO COMO SÃO FEITAS VOCÊ
VISLUMBRA ALGO PARA ALÉM DA ESCOLA?
93
(P-A). É Sim, eu acredito que sim. Inclusive tem alguns professores da escola que têm essa postura de
tá... é...estando além dos muros da escola, além das paredes da escola. A gente gosta muito de dar, a
gente gosta muito de dar mais essa coisa do social. A gente tem esse costume de tá fazendo
é...passeatas, né? Sempre que tem alguma coisa mais interessante... ano passado(2003) a gente
participou, por exemplo, fez uma caminhada pelo bairro(riso de satisfação) em apoio aos estudantes,
por exemplo. A gente quer sempre tá ampliando, quer que eles realmente estejam pensando no
que acontece lá fora e tá tomando posição, mas posição a partir dos conhecimentos que eles
têm.
Então a idéia é sempre essa: de tá buscando sempre ampliar o que eles têm, o contexto, tá ampliando
a realidade deles e que estejam atentos a tudo e estejam pensando e refletindo sobre tudo e tomando
posição, tomando posturas acerca disso.
M. É... AGORA QUERIA FAZER UMA... TALVEZ SEJA A ÚLTIMA PERGUNTA, CLARO! QUE TRANSFORMAÇÕES
VOCÊ ESPERA VER A PARTIR DE UM TRABALHO DE UMA ESCOLA COMUNITÁRIA? TRANSFORMAÇÕES É...NO
COMPORTAMENTO DOS ALUNOS, NÃO É? TRANSFORMAÇÕES DA COMUNIDADE A SUA VOLTA...O QUÉ QUE
VOCÊ...QUE ESPERANÇAS VOCÊ TRAZ QUANDO VOCÊ FAZ O SEU TRABALHO, QUE UTOPIA?
(P-A). Primeiro tem transformações de nível pessoal, não é? Como eu falei as famílias dessas crianças
são famílias extremamente desestruturadas. Então você tem casos de famílias que tem... o problema
das drogas é muito forte; o problema do desemprego – mas ai tá associado ao alcoolismo; a questão
de tá pedindo – a mendicância é muito...; essa questão de superar o assistencialismo. Eu gostaria
muito que as minhas crianças pudessem superar isso, a nível pessoal. Que eles tivessem auto-
estima, confiassem neles mesmos pra que eles pudessem tá buscando o que eles querem; que
eles vissem a educação, o estudar não como uma questão de obrigação, mas como uma
oportunidade de crescimento. E que se o pai, se a mãe, não-sei-lá-quem é alcoólatra... era
desempregado, é alcoólatra, era drogado, era não-sei-o-quê, eles não tem que necessariamente
seguir essa vida, porque eles são pessoas diferentes, e que têm oportunidades diferentes.
Então inicialmente eu quero isso: que eles possam construir pra si uma vida diferente, a nível
pessoal com essa questão da auto-estima.
Depois a nível social, financeiro mesmo. Se ele tem uma boa auto-estima, se ele consegue ter
objetivos claros e perseguem esses objetivos, logo, ele vai ter uma situação financeira e social
muito melhor do que as famílias deles tiveram. Então essa é uma segunda perspectiva. E na
94
questão do social mesmo assim, do político-social, digamos assim, que eles sejam pessoas que de
fato, sejam comprometidos com essa realidade política, que eles possam ser instrumentos de mudança
mesmo, da vida deles e dos outros, né? Eles... Hoje, por exemplo, as vezes eu digo lá na escola: eles
nasceram na lama, não significa que eles vão viver na lama a vida inteira e mesmo que eles não
consigam sair daqui, que pelo menos um dia eles percebam que eles têm o direito de ter uma rua
asfaltada. Então que eles se juntem no grupo, né?, no bairro, e vão lá fazer um protesto pra cobrar um
asfalto pra rua, Porque não, né? Se eu não posso mudar, né? Para um outro bairro que tenha prédio,
que seja asfaltado, que isso e aquilo, que eu possa lutar pra que o meu bairro fique melhor do que ele
esteja, eu creio que tem que ter essa consciência política também.
Então acho que são esses três aspectos: o aspecto assim pessoal a nível da auto-estima, que eu acho
que é importante porque se você não tem auto-estima você não vai pra lugar nenhum, você não tem
objetivos, você não define nada; a questão mesmo do financeiro, dele tá progredindo isso; e a questão
também político-social dele tá engajado nesses movimentos, de ser uma pessoa crítica, que
possa tá realmente fazendo transformações não só na vida dele, porque ai seria o
individualismo, mas também para o outro. Eu sempre digo que a gente sempre tem que ser melhor
pra gente mas para as outras pessoas também.
M. QUE EU JÁ IA PERGUNTAR ASSIM: E AS ESTRUTURAS QUE GERAM, QUE FAZEM COM QUE OS PAIS
DELES QUE SÃO OS EXCLUÍDOS, HÃ!: ALCOÓLATRAS, DROGADOS, É... TENHAM MUITOS FILHOS, VIVAM
NUMA SITUAÇÃO DE POBREZA EXTREMA, NÉ? AI EU JÁ IA PERGUNTAR: E A QUESTÃO DA SUPERAÇÃO
DESSAS ESTRUTURAS, VOCÊ PENSA ALGUMA COISA EM RELAÇÃO A ISSO?
(P-A). Eu acho que sim, porque na medida em que eles vão crescendo, né? Nesse sentido de estarem
tendo outra forma de pensar, outra forma de ver, outra forma de se colocar na vida, acho que eles vão
tá superando isso sim e vão tá ajudando a própria família a superar essas questões. Eu acho que os
estigmas eles as vezes marcam a gente pra vida inteira, mas existem duas situações: uma coisa é
você carregar a marca, suportar como uma cruz, e outra coisa é você saber que você tem aquela
marca mas não deixar que ela agarre você que ela pese sobre você. Então eu acho é muito nessa
questão do...(
NÃO ENTENDI) deles estarem superando isso, pra tá até vivendo uma outra vida,
construindo um outro tipo de vida, que eles nunca tiveram acesso, mas que eles nunca viveram de fato,
mas que eles podem estar construindo coisas diferentes, novas, porque eles são capazes disso, eles
têm direito a isso.
95
M. (P-A), A ÚLTIMA PERGUNTA MESMO, AGORA....
(P-A). Não, são se preocupe, não é um problema mais(RISOS)....
DA ÚLTIMA VEZ QUE A GENTE, ANTES DE TER ESSA ENTREVISTA, VOCÊ ME FALOU QUE ESTAVA
PREPARANDO O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA... –
AI DEPOIS EU QUERIA ATÉ TER ACESSO AO
PROJETO PRA DAR UMA OLHADA – E VOCÊS, QUANDO VOCÊS PREPARAM UM PROJETO POLÍTICO-
PEDAGÓGICO QUAL É A DIRETRIZ DO TRABALHO DE VOCÊS, SEI LÁ, COMO É QUE A TEORIA AQUI QUE VOCÊ TÁ
TENDO, AS QUESTÕES TEÓRICAS E TODO PROCESSO DE FORMAÇÃO QUE VOCÊS TÃO TENDO AJUDAM EM
QUESTÕES COMO ESSA?
(P-A). É, nosso projeto tá assim emperrado. Que a gente fez uma pesquisa grande, escreveu um
monte de coisa que não vai ser necessário. Quer dizer: nós fizemos um histórico da educação no Brasil
que não era bem necessário isso, não, do Brasil não, da história, do Mundo! Nesses dois mil anos
assim de história, de ensino de história e não deu muito certo, disse que não era por ai não. E na hora
que, de fato, a gente ia concretizar essa questão, né? do, das teorias, na escola, a gente assim se
atrapalhou toda, fugiu e não deu certo, então vamos ter que reescrever tudo.
Mas a gente tenta, pensa, apesar que tem é... divisões... sempre, na escola. Em qualquer lugar tem. as
vezes mais acentuada, as vezes mais leve. Mas a gente tenta buscar isso, de estar colocando essas
questões também, especialmente, eu acho que a questão política hoje é muito importante, que falta
muito(Risos), essa questão política...
M.
E COMO É QUE VOCÊS SABEM QUE FALTA MUITO ESSA QUESTÃO?
(P-A). Porque a gente vê pelo marasmo que tá ai, as pessoas estão vivendo um situação difícil... É,
Zelito, só falta iniciativa na realidade, que as vezes você até conversa com alguém e a pessoa assim
sabe? Tem uma crítica ótima; ela sabe qual é o político que faz, qual é o político que não faz; ela sabe
que tá errado a rua dela; não tá asfaltada; ela sabe que ela tem direito; que ela paga imposto, mas só
que não tem poder de articulação. Tudo que eu falo, que dizer: eu falo para você entende? Comenta
aqui, fica aqui a nível de comentário, mas não tem essa iniciativa: – vamos nos juntar com os outros
que pensam a mesma coisa e vamos fazer alguma coisa! Não tem essa articulação, as pessoas não
têm iniciativa, ao contrário: têm medo. Então, você tem esse pensamento: – Ah, eu sou sozinho, então
o que é que a gente vai fazer? Se a gente é sozinho? Que dizer se não tem alguém... eu sempre digo...
Até aqui mesmo no curso as vezes acontece isso: tem que ter sempre um líder, um chefe na frente,
alguém que na hora que assim a coisa fique mais complexa mesmo, que seja necessário punir alguém,
tem aquele líder, ao mesmo tempo que leve todo mundo pra fazer aquilo também seja ele o punido.
96
Quer dizer: enquanto benefício, eu quero! Mas enquanto me colocar em risco pra alcançar esse
objetivo, eu não me coloco. Sempre a cabeça do outro tem que ir pra bandeja, a minha não! Eu acho
que(risos) é muita falta de...ê ê... Eu sou meia crítica assim, sabe? (risos). Mas eu sou mais ou menos
desse jeito.
Então as pessoas esperam sempre que alguém lidere, mas eu nunca posso liderar porque eu nunca
me acho capaz, ou mesmo que eu seja capaz eu não quero assumir as conseqüências do que eu estou
fazendo...Então eu acho que falta MUITO nas pessoas isso. E pra essas crianças acho que isso é
importante; que elas tenham essa compreensão, de que cada uma delas pode ter iniciativa; de que
elas não precisam de outra pessoa para conduzi-las, elas podem conduzir a si mesmas e aos outros se
for necessário.
M. ENTÃO VOCÊS TÊM UM TRABALHO TAMBÉM DE ENSINAR, EDUCAR PARA A ORGANIZAÇÃO E A
MOBILIZAÇÃO?
(P-A). De alguma forma sim. A gente tenta isso o tempo inteiro, a gente busca, tá buscando. Até a
gente mesmo, a gente as vezes diz: a gente que ensinar algumas coisas pras crianças que a gente
mesmo não tem. Mas acho que é nessa perspectiva: pelo fato de eu saber que eu não tenho essa
iniciativa, eu tenho que ensinar, eu tenho que fomentar em alguém esse desejo. Porque daqui a alguns
anos eu vou ser uma velha decrépita(risos) e o que é que vai ser desse mundo? Vai tá como? Se hoje
eu não ensino minhas crianças a lutarem pelos seus direitos e até a ter respeito mesmo por algumas
instituições, por algumas coisas que existem, quer dizer: eu não sei o que vai acontecer comigo, eu não
sei que vai acontecer com... Então eles precisam disso, eu acredito que eles precisam estar sendo
incentivados...
M. VOCÊ NÃO ACHA QUE MESMO QUANDO VOCÊ FOR UMA “VELHINHA” DECRÉPITA, VAMOS DIZER ASSIM,
VOCÊ NÃO ACHA QUE OS APOSENTADOS TÊM QUE TÁ CONTINUAMENTE SE MOBILIZANDO PRA...
(P-A). Também! (risos). Eu acho que, claro, independe da idade, mas considerando a postura da minha
geração, não é?
M. ENTÃO VOCÊ, VOCÊ...SE NÃO ME ENGANO, VOCÊ TÁ DIZENDO QUE O QUE FALTA MUITO PRA GENTE DA
NOSSA GERAÇÃO É O EXEMPLO?
97
(P-A). Muito. Porque as vezes até ...por exemplo a gente pega a história: você vê a década lá de 70,
60, você vê o qué que aquelas pessoas fizeram, enfrentaram a Ditadura. Então no momento que a
ditadura acabou parece que todos os movimentos assim, se esfriaram, a gente não precisa mais lutar
por nada, tudo agora está bem. Que a gente precisa de um inimigo é...assim presente, concreto, pra tá
lutando contra ele.
M. E SE O INIMIGO TIVER ESCONDIDO ATRÁS DE VÁRIAS...?
(P-A). (risos) Você tem que descobrir, ora! que dizer o inimigo tá ai.
AGORA EU QUERO FAZER UMA PERGUNTA QUE EU QUERO PUXAR PRA UMA COISA, TIPO A TEORIA.
SERÁ QUE OS ESTUDOS DOS TEXTOS DE SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO, DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO, DE
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, NÃO, NÃO...DE ALGUMA FORMA NÃO MOSTRAM PRA GENTE QUEM É O INIMIGO
PRINCIPAL?
(P-A). Mostra, sem dúvida alguma...
M. E QUEM É?
(P-A). (Risos). É. A gente vê muita... vê essa questão... Primeiro, acho que o inimigo principal da
gente... de cada um de nós, somos nós mesmos: por causa da mobilização. Mas depois você vê essa
questão, né? até mesmo de ordem política. Você vê ai a questão do Capitalismo, que tá ai o tempo
inteiro, que tudo é feito em função disso. Essa organização hoje que se tem a nível econômica,
né? e que afeta o social, que afeta o político, e que vai afetando todas as outras coisas. Eu acho
que tá meio que ai viu? Que a partir do Capitalismo que você vê que todas as relações vão mudando e
ao mesmo tempo.... vai assim aumentando todas as desigualdades, sejam elas sociais, políticas,
educacionais. Tudo vem daí. Eu vejo dessa forma. Eu acho que o principal, o foco do principal inimigo
tá ai. Se a gente consegue, eu acredito, mudar isso, mudar essas relações, de... até mesmo de nível
pessoal, de pessoa pra pessoa, e pra até chegar a essa mobilização pra se mudar um modelo
econômico, ai as coisas vão melhorar bastante. Até porque o maior inimigo da gente é a gente mesmo.
Porque não tem... Sabe, o qué que tá... qual é o problema, mesmo que intuitivamente, as pessoas
sabem... onde é que tá o problema. Mas elas não querem atacar esse problema porque acham que é
... que tem que ser um super-homem, uma super-mulher pra tá fazendo isso.
98
M. PROFESSORA, É, VOLTANDO AQUELA QUESTÃO DO SINDICATO, É... VOCÊ ACHA JUSTO CONTRIBUIR PRO
SINDICATO NA MEDIDA EM QUE MUITAS DE VOCÊS, PROFESSORAS DE ESCOLAS COMUNITÁRIAS, TEM
ALGUMAS QUE GANHAM ATÉ MENOS DO QUE UM SALÁRIO MÍNIMO?
(P-A). Isso é uma coisa complicada, né? Complicada... quer dizer...
M. QUANTO É QUE VOCÊ GANHA ATUALMENTE?
(P-A). Um salário mínimo por turno...(risos)... isso é brinquedo? A gente vê essa realidade aqui na
Faculdade, né? Porque a gente sempre ouve falar... Que tem professores que ganham menos que um
salário. Que a gente já acha um absurdo a gente ganhar um salário. Houve até um período na paróquia
em que se fez uma campanha, e disseram que a gente ia ganhar um salário da ... E que é indicado
pelo Sindicato e tudo, por lei... mas depois, quando se trata de dinheiro as coisas não andam bem. E
quando a gente chega aqui que a gente vê pessoas que, de fato, trabalham tanto quanto a gente, que
ganham menos, a gente se horroriza. A gente sempre pensou que era em questão de Interior, disso,
daquilo. E o sindicato, tá... Quer dizer: volta a atenção dele pra quê? Pra as grandes, digamos assim,
concentrações... Concentração não. A grande maioria, não é? Porque a maioria dos professores que
trabalha em escola particular, que trabalha lá pra prefeitura, pro Estado. E são eles também que se
mobilizam, são eles que fazem greve, são eles que fazem a diferença, entre aspas, na questão da
greve. Que se a gente, por exemplo, na Paróquia for fazer greve, a gente tá todo mundo
demitido, quer dizer: não que não vai poder demitir todo mundo de uma vez, mas vão dizer:
Ou vocês trabalham, né? ou vocês simplesmente vão... não tem como aumentar o salário
porque a gente não tem mais dinheiro, então vocês vão ter que trabalhar de qualquer jeito ou
então vão embora!
Não vão poder demitir a gente porque fez greve, por que é inconstitucional. Porém a gente sabe
que aos poucos cada um vai ter sua punição devida. Concorda?(risos) Então a gente não pode tá
fazendo greve também!
E o sindicato ainda não está atento a isso. É muito mais fácil, as vezes até, você lidar com o Estado,
você lidar com a Prefeitura, você lidar com as escolas particulares, do que você lidar com a escola
comunitária que também tá ligada às igrejas, que é de ordem filantrópica, que é isso que é aquilo, e
que de alguma forma eles sabem também que tem esse entrave, que é a questão econômica. Então é
muito mais fácil fechar os olhos, cobrar minha taxazinha aqui e deixa vocês lá, vocês se virem como
vocês podem, vocês só aparecem quando é final de ano pra pagar o sindicato. O resto do ano fiquem
99
por conta de vocês. Que é injusto é, mas tem também essa questão financeira que, no final, das contas
é tudo que pesa.
M. MUITO OBRIGADO PROFESSORA, POR ESSA ENTREVISTA. CONSEGUIR UMA ENTREVISTA NÃO É ALGO
FÁCIL, E EU AGRADEÇO MUITO A VOCÊ...
(P-A). Ah, Tá.
M. ...CONTRIBUIU COM OS ESTUDOS QUE EU ESTOU FAZENDO NESSE MESTRADO. EU ESPERO QUE ESSES
ESTUDOS TAMBÉM CONTRIBUAM PRA A REFLEXÃO EM TORNO DESSA QUESTÃO, REFLEXÃO MAIS
APROFUNDADA , BRIGADÃO.
(P-A). Por nada.
(P-A).
1
Aqui na Rede UNEB o que a gente percebe é que existe assim um propósito de desenvolver na
gente a autonomia, a questão da autonomia, da criticidade, e também da militância assim a nível de
“agitador social”, no bom sentido. De estar pessoas que tenham iniciativa, pra tá liderando, pra tá
buscando é.. é.. essa questão. Porém, ao mesmo que a gente percebe, que ao mesmo tempo que
se tem esses objetivos, é a gente não pode muitas vezes tá colocando isso em prática, fica
muito na teoria. Que cada vez que a gente busca é tá... reivindicando alguma coisa, tá avaliando,
tá reclamando, geralmente existe né, essa... como é que eu posso dizer? Esse corte. Existe uma
forma sempre de estar colocando a gente assim no nosso lugar, tipo:
– Vocês não podem fazer isso, né?. Não é assim. Vocês são... Tá muito ligado ainda à questão
do outro, né?. Que só faz as coisas porque os outros mandam...
Na realidade não é isso. Nós temos bons argumentos, nós temos boas posturas. Porém quando
a gente vai colocar isso as vezes somos até ridicularizados. Todos os caminhos se fecham, as
portas de comunicação são todas fechadas...
M. POR PARTE... TEM ALGUM SUJEITO QUE... SUJEITO, NÉ? INSTITUCIONAL QUE VOCÊ POSSA IDENTIFICAR...
(P-A). Com certeza! Por exemplo: a figura da coordenação, da professora E, por exemplo, é uma das
que geralmente faz isso. Por diversas vezes nós já nos zangamos...(lado da fita expirou).
100
(P-A). Por diversas vezes(risos) nós tivemos reivindicações que foram é... impedidas, na realidade, que
a gente fizesse. Toda vez que a gente faz uma reivindicação, um questionamento, nós somos
ridicularizadas – essa parte não acabou não – Nós somos ridicularizados e ai se... no momento...
M. É A MAIORIA DA SALA QUE SE MOBILIZA NESSES MOMENTOS?
(P-A). Não, são poucas pessoas. Pouquíssimas! Em cada período fica menor. Quer dizer, agora assim,
a última vez que foi uma aula que programaram com alguns professores(formadores) de alguma
matéria. Quando a gente chegou aqui fizeram uma aula de Reflexão do Fazer Pedagógico, que é uma
aula que ninguém gosta de assistir. Então quando se foi reclamar...
M. FOI DE ESTÁGIO?(Estágio supervisionado)
(P-A). Não. Reflexão do Fazer Pedagógico é, são, são as professoras-orientadoras que dão, essa aula.
M. Elas fazem visitas, lá?
(P-A). As Orientadoras não. Elas só ficam aqui, só trabalham aqui. Na Faculdade.
M. E essa Reflexão do Fazer Pedagógico, como é assim?
(P-A). Na realidade esse, esse... não tem ainda, eu acho, uma função definida, né? O que tem... que tá
trabalhando é o quê? Já se trabalhou postura acadêmica, já se trabalhou... agora tá se trabalhando a
questão da auto-estima. Se pega assim alguns textos pra tá se refletindo, mas de fato não tem um
conteúdo específico da disciplina.
M. NÃO SERIA, PORVENTURA, ESSA REFLEXÃO DO FAZER PEDAGÓGICO É... REFLEXÃO EM CIMA DOS
PROBLEMAS QUE SÃO TRAZIDOS DA SALAS DE AULA DE VOCÊS?
(P-A). Nós imaginávamos que seria assim. Porém não é dessa forma. Não tá formatado assim. Então o
que se traz são textos, são conteúdos pra tá se pensando...
M. TRAZIDO PELAS PROFESSORAS-ORIENTADORAS...?
101
(P-A). Professoras-orientadoras, né?. Então muitas vezes a turma não gosta de tá... por exemplo, já se
viu a questão da liderança. Então não tem exatamente um conteúdo definido. (...)discute-se coisas que
as vezes a turma não tá a fim de discutir. Você fica duas ou três aulas é... discutindo postura
acadêmica, fazendo texto. Você discute duas, três aulas de liderança. Você discute até encher o saco;
você não agüenta mais! Mesmo! Então a turma simplesmente vai embora. E nesse dia trocaram!
Colocaram duas matérias importantes. E pros professores não poderem vir logo após o carnaval, na
sexta-feira após o carnaval. Veio todo mundo pra cá alegre e saltitante, achando que era uma
professora que a gente gosta muito, que é muito boa, que é Ivanê Dantas Coimbra, não sei se você
conhece? Todo mundo veio pra assistir aula de Ivanê e quando chega aqui era aula de reflexão neste
salão
1
, com duas psicólogas, pra falar sobre auto-estima... E mandou...botou a musiquinha pra todo
mundo entrar em contato com seu EU. Ai dá oito horas...dá sete horas(da noite), o pessoal da São
Salvador chega; tá ali aquele barulho, todo mundo comprando,(risos) se alimentando e a gente ali
tentando entrar em contato com nosso EU(risos, muitos risos). Quando chega na hora do
intervalo(risos, risos, muitos risos) ai as pessoas se colocaram que não era possível, isso não é
ambiente... que se estava no horário que eram outras duas matérias, por que é que se mudou? Ai
disseram:
Ah, porque vocês... se a gente tivesse colocado “Reflexão” vocês não viriam. E de fato
ninguém viria.(risos) Então quando se começou a questionar, ai se disse simplesmente:
ah, vocês têm tá aqui de 06:00(18:00) até 09:40(21:40), não importa a matéria que você vai ter.
Ai o pessoal disse:
Não, não é assim. A gente tem que saber pra se preparar. Porque se veio preparado pra fazer
uma coisa e não essa.
Mas ah, mas vocês têm sempre que ter alguém que está mandando. Vocês são heterônomos.
não é? Vocês têm que buscar autonomia.
Mas o questionamento era uma prova de autonomia!!! Não é?(dito com ênfase). E ai quer dizer...e foi
cortado...
Não, a gente fez isso mesmo! Porque sabia que vocês...
que dizer: num momento você diz:
Vocês têm que ser autônomos.
Num outro ai diz:
Não, a gente manobrou pra que vocês fizessem o que a gente queria.
102
Quer dizer: existe ai uma grande contradição. E o tempo inteiro é assim. Num momento se diz:
Olha a gente quer que vocês sejam autônomos.
A outra diz:
Não a gente tá manobrando. Tá fazendo isso, tá fazendo aquilo, pra que vocês façam o
que a gente quer.
Então, a gente vai aonde com isso? Então o grande problema é esse. E as pessoas ficam com medo
mesmo. Porque têm medo. Não se colocam muitas vezes, não criticam, porque têm medo de perder o
curso, têm medo de ser punidos, têm medo de tantas coisas. Sabem que é uma oportunidade única,
não é? Que se tivessem...Não sabem se vai ter outra chance ou não de tá em outro lugar. Então
sabem que é quase que a oportunidade da vida delas, e elas não querem perder o que têm. Então é
melhor engolir todos os sapos, entre aspas, né? Se viver todos os aborrecimentos até o final e, se
concluir o curso... Ai muita gente diz:
Quando eu terminar esse curso eu vou dizer um monte de desaforos a um monte de gente!
Mas já acabou! Você já engoliu todos os sapos que tinha que engolir. Não adianta mais nada.
Então é melhor fazer isso. Seguindo essa trajetória ai e, com todos os problemas, do que criticar e
receber uma punição. Porque sem dúvida; o professor de psicologia botou 25 na minha sala em
recuperação e 18 na outra porque reclamamos dele. A gente sabe que a punição vem. Como ninguém
sabe. Então esse é o grande problema, a grande dicotomia do UNEB 2000.(risos).
103
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO: EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
ORIENTADOR: ANTONIO DIAS
ORIENTANDO: JOSELITO MANOEL DE JESUS
TEMA: A FORMAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES NO PROGRAMA REDE UNEB 2000.
ENTREVISTA COM A PROFESSORA-ALUNA DO PROGRAMA REDE UNEB 2000, ILDERLAN VIEIRA TELES,
PROFESSORA DA ESCOLA ALTAIR DA COSTA LIMA, DA CIDADE DE DIAS D’ÁVILA.
DATA: 15 DE ABRIL DE 2004.
HORÁRIO: INÍCIO: 16:35H
TÉRMINO:
Mestrando(M.) ILDERLAN, O QUE SIGNIFICOU A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO PROGRAMA
REDE UNEB 2000 PARA VOCÊ?
ILDERLAN(Professora Y).. . Pra mim foi um grande subsídio. Primeiro porque eu fiz magistério. O
curso de magistério – já não foi lá essas coca-cola toda, né?. Devido à
dificuldade, falta de material... Até com relação mesmo à mão de obra... é...os professores. Foi
aperfeiçoar meu conhecimento, melhorar minha prática. Foi isso.
M.É. ILDERLAN COMO É QUE VOCÊ PERCEBE A REALIDADE A PARTIR DO SEU TRABALHO?
ILDERLAN(Professora Y).. . Você tá se relacionado ao que? Aos meninos, aos alunos?
M. É. A REALIDADE POR EXEMPLO, A REALIDADE LOCAL QUE CHEGA ATÉ A ESCOLA
ATRAVÉS DESSES ALUNOS, POR EXEMPLO:
ILDERLAN(Professora Y).. . O que eu percebo é... Quando nós fizemos o curso falando sobre
psicologia, filosofia... eu acho que a teoria tá um pouco distante da prática
viu? Eles falam muito de... Falam uma realidade, eles vêm uma coisa e na nossa prática é outra
completamente diferente. Primeiro que a gente vê casos e casos e casos e a gente não tem subsídios
pra trabalhar tudo. Vontade a gente tem, mas não tem subsídios pra isso. Talvez nem a formação foi
suficiente pra a gente lidar com determinados problemas. Até a... observando também até um certo
apoio da Secretaria – de educação – que nós não temos, Nem tudo a gente pode falar, nem tudo a
gente pode fazer. Ah, deixa eu ver o que mais? Só isso.
M. QUAL A CLASSIFICAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DOS ALUNOSQUE FREQUENTAM ESSA
ESCOLA? É... NÃO,
PRIMEIRO ME FALE ASSIM: ANTES DA CLASSIFICAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA QUE SÉRIES
ESSA ESCOLA TEM AQUI?
ILDERLAN(Professora Y).. . 3.ª, 4.ª e Fluxo. Fluxo é 3.ª e 4.ª, é tipo uma Aceleração.
104
M. 1.ª e 2.ª não?
ILDERLAN(Professora Y).. . Ah, sim, tem o Ginásio também, né? De 5.ª a 8.ª e à noite é 2.º grau,
Ensino Médio.
M. VOCÊ TRABALHA EM QUE?
ILDERLAN(Professora Y).. . Eu trabalho 3.ª série, manhã e tarde.
M. E... ASSIM, COMO É O PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DESSES ALUNOS – E CULTURAL
TAMBÉM UM POUCO –
DESSES ALUNOS QUE CHEGAM AQUI NA ESCOLA.
ILDERLAN(Professora Y).. Eles não... é... Economicamente eles não são tão carentes assim. Não
chega...A carência deles é mais acho que... a falta de... de limites que eles
não possuem...Eles têm a realidade deles totalmente distorcida; eles não respeitam ninguém; a grande
maioria, quase 70%, o problema maior que nós enfrentamos aqui é esse. Geralmente são crianças que
são muito largadas, não, não tem orientação dos pais, os pais trabalham, muitos pais tão presos. Mas a
relação a, com relação a... eles têm... eles são, digamos assim não chegam a ser pobres,
completamente... não...
M. Não estão num estado de miséria...
ILDERLAN(Professora Y).. Exato.
M. VOCÊS AQUI, PROFESSORES, E VOCÊ PARTICULARMENTE, POSSUEM ALGUM VÍCULO
COM ALGUMA
INSITUIÇÃO OU ENTIDADE DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA? TIPO MOVIMENTO
SOCIAL, MOVIMENTO NEGRO, MOVIMENTO DE MULHERES, SINDICATO...
ILDERLAN(Professora Y).Não, aqui em Dias D’Ávila, não.
M.
VOCÊ SENTE FALTA?
ILDERLAN(Professora Y).. Claro, é um apoio a mais pra o nosso trabalho, né? Mas infelizmente não
temos. O ano passado estavam tentando implantar um sindicato de
professores aqui na cidade, mas eu creio...acho que não teve isso, porque eu não vi mais divulgar
nada.
M.
EU SOUBE QUE... EM OUTRA ENTREVISTA, QUE PERSEGUIRAM AS LIDERANÇAS E TAL E
DESARTICULARAM O MOVIMENTO.
ILDERLAN(Professora Y).. Exato. Isso acontece, é verdade. Por sinal até uma colega da gente,
105
professora de Matemática, ela... só porque ela foi candidata, já tem... acho
que uns 8 anos, pelo o PT – Partido dos Trabalhadores – ficou sendo perseguida vários... até pouco
tempo. Uma outra colega da gente também, ela foi o que... secretária do sindicato, perdeu 20 horas...
e ficaram, né? fazendo outras coisas com ela assim que chateiam, aborrecem o profissional.
M. QUE OUTRAS COISAS MAIS OU MENOS?
ILDERLAN(Professora Y).. (risos). Não davam escola pra ela. Mandavam ela ir na Secretária – de
educação – É... faziam relatório dizendo que ela fez determinadas coisas
que não aconteceu...prejudicando mesmo o profissional.
M. ILDERLAN, QUE PERSPECTIVAS TEÓRICAS VOCÊ UTILIZA PARA CONCEBER A REALIDADE DO SEU
TRABALHO E
O SEU PAPEL DE EDUCADORA NESSA REALIDADE?
ILDERLAN(Professora Y).. Olha eu tava até conversando com as meninas sobre isso. Porque nós
aprendemos uma coisa lá e a gente pensava que seria fácil. Que era fácil.
Mas a cada dia que passa a gente vê que é tudo tão difícil. Até as teorias que a gente aprendeu lá, já
vai... Não, não condiz com a realidade, a gente tenta, estuda mas, tá difícil. A gente tenta, conversa
com esses meninos, tenta trazer novidades, faz trabalhos em grupos. Mas eles são muito ásperos,
eles... a tudo, a um toque, a tudo. Eu não sei se eles têm isso em casa... Não têm respeito nenhum pra
o colega. Fizemos... tentamos fazer aqui um seminário sobre ética. Mas foi-se trabalhado, trouxemos,
trouxemos... eles falaram e tudo... Mas é ali, só um momento. Eles não internalizam, não acham
correto respeitar o colega. Eles acham que o colega não se magoa. Aí pergunto: – você sente quando
alguém te(...) quando alguém te bate? Mas eles não... Eles dizem que sentem só naquela hora, depois
esquecem.
M. ENTÃO VOCÊ TÁ DIZENDO QUE A CULPA SERIA DE UMA RELAÇÃO TEORIA-PRÁTICA É... QUE NÃO DEU
CERTO NA SUA FORMAÇÃO [ No Rede UNEB] OU SERIA –COMO VOCÊ TÁ, DE CERTA FORMA, APONTANDO –
É...UMA DIFICULDADE DOS ALUNOS DE COMPREENDER O PROCESSO?
ILDERLAN(Professora Y).. Eu acredito que de ambas as partes. Quando eu tava fazendo UNEB,
que quando nós contávamos aos professores o que acontecia em sala de
aula, eles achavam aquilo um absurdo. Eu acho que falta também a esses professores se integrarem
mais à realidade da escola pública. Porque eles têm uma visão, e é outra. Acho que tá faltando é isso.
106
M. E AS VISITAS DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO E AS VISITAS DOS OUTROS PROFESSORES NÃO FAZIAM
ESSA APROXIMAÇÃO TEORIA E PRÁTICA?
ILDERLAN(Professora Y). Não era suficiente, porque eles não tavam... eles não participavam, eles
não ouviam. Eles ouviam o quê? Nossos relatos. E achavam aquilo um
absurdo. Tentavam acreditar[...] – cem professores não iam mentir né isso? Eles ficav... achavam um
absurdo, mas não... Eram aquelas mesmas coisas que eles falavam sempre, as mesmas teorias, os
assuntos. Chega... algumas coisas chegam realmente perto do que eles falam, só que a gente lidar
aqui é difícil! Agora mesmo eu to com dois alunos, tão na 3.ª série. Eles não sabem ler. Aí de quem foi
a culpa? E cadê o subsídio pra resolver essa questão agora? Professor não tem... eu tenho uma
sala...tenho, são 39 alunos. Desses 39, tem dois com problema. E que tempo eu vou ter pra ajudar
esses dois alunos? Cadê o apoio??? A coordenação sabe... tenta também, mas que tempo eles tem? A
direção da mesma forma... problemas com os pais também. Aí a gente... uma escola precisa de um
psicólogo, precisa um pouco de tudo, nós não temos esse subsídio. Aí são vários problemas. Como é
que nós professores vamos resolver tanta coisa?
M. CERTO.
M. VOCÊ ACHA QUE ESSES PROBLEMAS... VOCÊ TEM ASSIM UMA IDÉIA DA ORIGEM DESSES PROBLEMAS?
ILDERLAN
(Professora Y). Eu acredito que sim. Acho que a família. O que ta acontecendo, que eu
percebo, é falta da família
. Eles são meninos que não têm orientação, eles
não tem limites, eles não temem nada, não têm medo de nada. Eu falo assim:
– Vou falar com sua mãe, vou mandar chamar sua mãe. [a professora falando com o aluno]
– Ah, que chame, ela não vai fazer nada mesmo! [o aluno respondendo]
Eles não tem a presença da família, não tem orientação nenhuma, são criados aí... As famílias não dão
limites. Não acha que é o suficiente, acha que é só dar roupa. Não, mas o limite mesmo, a
responsabilidade, eles não tem nenhuma.
Até com... Eles têm o livro didático. Foi distribuído o livro didático. Em uma sala de 39, cinco ou sete
trazem o livro. Será que o pai não tem um minuto pra olhar se tem o livro ou não? Até a questão deles.
São meninos entre oito a doze anos. Eles sabem muito bem quais são os livros que eles vão usar no
dia seguinte. Eles não têm responsabilidade nenhuma. Não foi desenvolvido isso neles e a culpa
também não é deles, não é isso?
107
M. VOCÊ ACHA QUE A ORIGEM... O PROBLEMA MAIOR NÃO ESTARIA SSENDO UMA CRISE
DESSA NOSSA CIVILIZAÇÃO?
ILDERLAN(Professora Y).. Também. Também se perdeu vários va... Se perdeu os valores, não é
isso? Eu acredito que sim.
M. NA SUA EXPERIÊNCIA CONCRETA DE TRABALHO EDUCATIVO VOCÊ VÊ MUDANÇAS NOS
SEUS ALUNOS EM FUNÇÃO DA ESCOLA?
ILDERLAN(Professora Y).. Só depois de um certo tempo, viu? E se trabalhar aquela turma uns
quatro... porque a gente faz\ projeto, a gente não vê o resultado imediato,
não é isso? É com o tempo. Que se vê. Mas o ruim é se quebra quando eles vão pra outra escola. É já
outra realidade. Mas acredito que ainda existe. O êxito é pouco, mas existe.
M. ENTÃO VOCÊ ACHA QUE UM PROFESSOR DEVIA FICAR MAIS COM A MESMA TURMA DURANTE MAIS
TEMPO PRA PODER IR CRIANDO UMA RELAÇÃO DE CONFIANÇA, DE AMIZADE, É ISSO?
ILDERLAN(Professora Y). Não. Eu acredito que é a forma de se trabalhar. O que quebra, por
exemplo, é essa... é esses pacotes prontos. Cada ano você vem com uma
idéia diferente e não conclui a do ano passado, entendeu? Aí é sempre pacote diferente, pacote
diferente... Acaba que o aluno ele não vai se adequar a nenhum. Ou, ou talvez... Ou ele não consiga se
adequar a nenhum ou se muito...trabalhando ele consiga pegar um pouquinho de cada coisa, né?
M. ESSES PACOTES VÊM SEMPRE DE CIMA PARA BAIXO, NÃO É?
ILDERLAN(Professora Y). Exato.
M. VOCÊ ACHA QUE A DIMENSÃO POLÍTICA DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR É IMPORTANTE PARA O
PROFESSOR?
ILDERLAN(Professora Y). É óbvio. Acredito que sim. Tanto para o professor como os alunos. Que
eles não vão perder nada, nem a gente também. Eu acho que sim.
108
M. ILDERLAN, MUITO OBRIGADO POR ESSA ENTREVISTA. DEPOIS EU VOU TRANSCREVER E DEVOLVO A
VOCÊ. OBRIGADO
.
Entrevista
1
com a professoras-alunas Edna e Ednólia do Programa Rede UNEB
2000, professoras da Escola Carlos Drumond de Andrade, do município de Dias
D’Ávila
Data: 05 de abril de 2004
Horário: 16:00 às 17:10 h
Mestrando(M.) PROFESSORAS, O QUE SIGNIFICOU A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NO PROGRAMA REDE UNEB 2000 PRA VOCÊS?
EDNA. Pra mim foi muito importante, né? foi uma oportunidade que veio assim de
repente. Eu
mesmo não pensava... Eu não pensava em fazer faculdade naquele momento e a oportunidade
surgiu, não é? Foi uma boa ocasião. Porque a gente não precisou pagar pra tá fazendo, né? Enfim é...
gastamos com o que? Com os custos do nossos próprios trabalhos, com, né? Dentro da própria
faculdade, mas pagar mensalidades a gente não precisou. Então isso agilizou. Inda mais que ficou
sendo dentro do nosso município, onde a gente trabalhava, né? mais perto de nossa casa. Então não
atrapalhou muito e foi muito importante, pelos menos a gente conseguiu terminar, estamos aí com
nosso diploma na mão...
EDNÓLIA. Não estamos lá disputando uma vaga. Nós temos o nosso trabalho, estudamos
dois anos
e os outros dois anos fica por conta do laboratório, muito bom também.
M. VOCÊ FALA DA PRÁTICA EDUCATIVA, NÉ?
EDNÓLIA. E em dois anos os professores iam lá nosso trabalho observar, tudo
direitinho já era o
nosso estágio.
M. COMO VOCÊS PERCEBEM A REALIDADE... A REALIDADE ENFIM, AMPLA NÉ?
AMPLA E MICRO, MACRO... A
PARTIR DO TRABALHO EDUCATIVO DE VOCÊS?
EDNA. O que melhorou?
M. SIM, NÃO! COMO VOCÊS PERCEBEM ESTA REALIDADE NA QUAL VOCÊS
ATUAM AQUI?
109
EDNÓLIA. Percebem em que sentido?
M. ATRAVÉS DOS ALUNOS, O QUE OS ALUNOS TRAZEM, DO QUE VOCÊS PERCEBEM NA SOCIEDADE, NA
REALIDADE...]
EDNÓLIA. Ah! Eles trazem muita coisa boa, né? Quando a gente recebe o aluno, ele traz a
experiência dele que a gente aproveita pra daí a gente partir pro nosso trabalho.
M. E A REALIDADE AQUI EM VOLTA?
EDNA. Ah, a realidade da comunidade é...é... é assim... é bem...é... sei lá!... é bem variada, vamos
dizer assim, né? A gente aqui tem alunos de classe até média alta, né? Temos alunos pobres,
vamos dizer assim, né? entre aspas. Que não tem condição nem de farda, nem de alimentação, nem
de nada. Tem alunos aqui que só vêm pra escola pra merendar, entendeu? E tem aqueles que vêm
mesmo no intuito de estudar. Eu tava até fazendo uma caridade esses dias pra uma aluna que dá pena
olhar a farda dela. Aí hoje eu trouxe uma calça, trouxe um tênis, trouxe uma meia, trouxe uma blusa pra
dar pra ela, porque eu fiquei com pena. Porque ela usa... A irmã dela usa de manhã, a farda, e ela usa
à tarde. Entendeu? Então fica uma coisa assim muito... Então ela disse que a mãe não tinha condição
de comprar, como realmente não tem. Se vai tirar dez, doze reais pra comprar uma camisa, uma calça
da escola, ela tira pra botar comida dentro de casa: é uma dúzia de ovos, é um pedaço de carne de
sertão, né? então é bem variada.
E no nível de aprendizagem também! Aqui tem alunos que vêm de escola particular, né? vem pra
pública; tem alunos da pública que vão pra escola particular, e tem alunos também que são mais
desenvolvidos e outros não. Eu, por exemplo eu tô numa turma de 2.ª série, e tem muitos que tão a
110
nível assim de alfabetização mesmo. Pra você alfabetizar. Mas...eu não culpo nem as séries
anteriores, é da criança mesmo. É dentro de casa, é a realidade dele, entendeu? Até uma forma
de alimentação contribui pra que o aluno não aprenda direito e... e a gente vai tentando trabalhar
de diversas formas, que a gente não pode escolher, tem que trabalhar com eles como um todo,
agora sabendo avaliar e identificar as diferenças de cada um.
EDNÓLIA. Por ser uma cidade onde tem esse Pólo Petroquímico, vem muitas pessoas de fora. A
pluralidade cultural muito grande e aí a gente trabalha com alunos de várias... vários
Estados, né? A gente tem que trabalhar também assim como se fosse diferente a linguagem deles... Eu
tenho um caso mesmo de um menino que sorri quando o outro fala. Porque ele fala assim: como um
cigano, bem arrastado. Diz ele que é paraibano. E aí ele fala muito diferente da gente mesmo! os
meninos sorri que só. A gente tem que trabalhar direto em cima disso. Por causa da pluralidade
cultural. Esses Parâmetros Curriculares vieram ajudar muito a gente também nisso, nesse sentido.
M. AGORA EU QUERIA SABER O SEGUINTE: ESSA REALIDADE QUE CHEGA ATÉ AQUI, DESSA MISÉRIA, DESSA
POBREZA. ACREDITO QUE SEJA A GRANDE MAIORIA NÉ ISSO?
EDNA E EDNÓLIA. É, É.
M. NÉ? EMBORA TENHA ALUNOS DE CLASSE MÉDIA ALTA E TAL....
EDNA E EDNÓLIA. É, É, EXATO
M. COMO É VOCÊS CONCEBEM A GÊNESE, A ORIGEM DESSA REALIDADE? É UMA ORIGEM INEVITÁVEL, É
ALGO INEVITÁVEL DA SOCIEDADE OU É ALGO QUE PODE SER MODIFICADO?
111
EDNÓLIA. Pode ser modificado, eu acho. Porque à proporção que eles vão crescendo, eles
vão...tem muita fonte de renda... um cata latinha, papel, papelão e vão melhorando,
né? Comprando seus objetos, vão melhorando. Agora quem não tem visão mesmo de nada,
como os pais e as mães já tem essa mesma visão, dá trabalho pra gente viu? Mudar a mente
dessas crianças.
M. AQUI VOCÊS TRABALHAM COM A GESTÃO DEMOCRÁTICA? COMO É QUE É A PARTICIPAÇÃO DOS PAIS OU
AINDA É MUITO DIFÍCIL?
EDNA. É muito difícil! É muito difícil. Os pais só vêm pra escola quando a gente intima mesmo,
entendeu? Eu mesmo pra um pai vir conversar comigo ou uma mãe, eu não deixo o filho entrar
na escola. Se ele não vier o filho não entra. Porque se você mandar algum recado só por mandar e o
filho continua vindo ele não vem. Ele já acha que é queixa do filho que a gente vai fazer. No entanto a
gente quer conversar. Eu mesmo gosto muito de conversar com os pais pra saber a origem, como
fiquei sabendo de Tamires. Hoje eu tava conversando com a mãe de um... um aluno. Não é nem mãe,
é a avó que cria, porque o pai é japonês, voltou pro Japão agora, espancou a mãe deles. Dessas
sessões de espancamento que eles ficavam vendo sempre os meninos são tudo traumatizado e a mãe
ficou com uma seqüela na cabeça, faz tratamento... Não ficou doida, mas sofre de dores de cabeça
assim, entendeu? Ele agora ele voltou pro Japão. Os meninos estão sentidos(...) choram porque
queriam...apesar da violência da mãe eles gostam do pai, entendeu? É uma coisa assim complicada!
Então como ele tá muito arredio na sala de aula eu chamei pra conversar, mas não tô sabendo de
nada. Aí foi que hoje ela sentou comigo e tava conversando e falou o problema de cada um.
Tem um outro também que foi embora. Começou. Nem bem começou e já foi embora. A irmã devolveu
pra mãe. Que ele é muito assim indisciplinado. Ele não ouve. Por ele ter 12 anos na segunda série, e tá
a nível de alfabetização. Ele se sentia diferente dos outros e ele não queria fazer as atividades que eu
112
colocava; se achava ridículo. Por exemplo: eu colocava as vogais pra ele fazer, né? Pra ele fazer o
alfabeto, pra ele completar. Ele se achava ridículo por ele se grande. Mas só que tava naquele nível
que eu tava explicando os assuntos pra ele. Então por isso ele ficava desobediente, saia da sala e só
entrava quando queria... E quando foi hoje, sexta-feira ela disse que não agüentava mais e que ia
devolver ele pra mãe. Que assim como ele era na escola ele era em casa também; ia voltar pro Sertão
e lá não tem escola. E realmente voltou mesmo porque ela já tirou ele da escola.
Então a gente tem que saber. E eu gosto de conversar porque a gente precisa saber a origem de cada
um pra saber como tratar, como trabalhar. Porque as vezes aquele menino ele é arredio, mas ele não é
arredio porque ele quer, algum problema, alguma coisa ele tá trazendo. O ano passado aqui tinha uma
aluna. No ano passado... Há dois anos atrás aqui tinha uma aluna chamada Débora. Quando eu entrei
nessa escola – tenho dois anos nela – todo mundo falava dessa Débora. Aí ninguém queria... nenhuma
professora do primário queria essa Débora, era assim um cãozinho, sabe? Tinha um cabelinho todo
cortadinho tipo um menino. Aí a diretora mais a supervisora veio me pedir:
Ô Edna, você fica com Débora? Porque as outras professoras...
Aí eu fiz assim: –eu fico com ela
Aí tinha uma professora ainda fez assim:
Você é louca, isso aí é um demônio, essa menina é uma peste!
Aí a diretora:
O que é isso menina!
Ela:
–Não, é uma peste! Você vai se arrepender. Essa menina já chutou o ventre de professora fulana,
já deu um chute em não-sei-quem, já deu....
Eu fiz:
113
Mas eu quero ela. Eu quero! Contem Débora.
Aí também disse assim:
Não tirem na caderneta da outra professora. Ela vai ficar comigo a nível de experiência. Se não
der, tá... Fiquei com Débora. Débora pedia pra ir no banheiro...
Vá. Um minuto pra você ir e voltar.
Se é pra beber água...No início é claro. Ela demorava, passava de um minuto, aí quando ela voltava:
Eu tô de olho em você.
Aí quando chegava no dia seguinte eu ia atrás... ia assim, fui levando Débora. Não prendendo Débora,
mas dando liberdade a Débora. Eu sei que Débora virou uma santa! Deus lá sabe como! porque eu
não fiz nada. Ela era dessa menina que não dava nem um carinho. Aí lá vinha os meninos saírem me
beijar. E ela ficava assim... chegava junto mas não ia, no início. Mas do meio do ano pra lá dava um
beijo assim rápido e saia correndo, entendeu? Aí depois começou a me abraçar e vinha com carinho
enfim, Débora mudou assim da água pro vinho!
Começou a se interessar, ir pra igreja, entendeu? E outra coisa, tinha um problema: a mãe dela. Se a
gente mandasse um recado que queria falar com a mãe. A mãe já achava que era queixa e pá!
espancava Débora. Jogava ela no chão no chão, pisava no pescoço, entendeu? Então a educação
também tem que ser pra eles, pros pais, entendeu? porque as vezes a criança é assim arredia, mas
coitados! Não é...
EDNÓLIA. Problemático... os pais. A maioria dos alunos reflete o que eles vêm em casa. Porque
quando a gente fala em trabalhar o comportamento do aluno, a gente tem de chamar a
família pra trabalhar o conjunto todo, porque se trabalhar o aluno ele não vai mudar, porque em casa
ele tem outro tipo de comportamento.
114
EDNA. Os pais aqui jogam muita responsabilidade no professor. Os pais aqui jogam muita
responsabilidade no professor. Eles acham porque o filho dele tá na escola a gente tem que
dar o filho pronto, só que nós fazemos nossa parte em sala de aula, mas quando chega em... Você vê:
meninos que não...é... atividade que foi do mesmo jeito... que foi incompleta volta do mesmo jeito, não
faz atividade... Eles acham que nós só é que tem que cobrar, e na verdade eles também têm que
ajudar. Nós aqui na escola e eles lá, entendeu? Pra poder o aluno... Porque se você puxa aqui na
escola e em casa pai e mãe não tá ligando...
Em casa minha mãe e meu pai não liga, eu também não tô nem aí.( colocando-se na fala do
aluno).
Entendeu? Então tem que ser assim: haver um entrosamento entre ambas as partes.
M. QUE PERSPECTIVAS TEÓRICAS OU QUE PERSPECTIVA TEÓRICA VOCÊS UTILIZAM PARA CONCEBER A
REALIDADE DO SEU TRABALHO E O SEU PAPEL DE EDUCADORA, DE EDUCADORAS, NESSA REALIDADE?
M. VOCÊS TIVERAM A FORMAÇÃO NO REDE UNEB, NÃO É? AÍ VOCÊS TIVERAM ACESSO A ALGUMAS
TEORIAS...
1
EDNA.
Até os livros didáticos que fazemos pedido todo final de ano pra o ano seguinte, nunca veio o
que nós pedimos, nunca vem! Só vem ou o que a Editora quer ou o que a Prefeitura quer, eu
não sei bem como é esse sistema, sabe? Mas quando chega na escola, em quantidade, não é o que
nós pedimos, entendeu? É o que a Editora quer, entendeu? Então não ajuda a gente também em
nada. Até o material, até os livros didáticos que a gente pede não tá de acordo com o que nós
pedimos. Aí fica difícil! Por exemplo, na 2.ª série mesmo é cada livro... os textos começam numa folha
e termina no final da outra. Dá texto pra menino da 2.ª deste tamanho! os alunos tão na fase de tá
aprendendo a ler. Tem que ter um texto menor, entendeu? Pra que a gente fazer uma boa
interpretação, uma boa cultura...Não, o texto começa numa folha termina do outro lado. Até eu tenho
115
desânimo de passar pra eles ou mandar que eles leiam porque até a gente se perde no meio da
história, tá entendendo?
Então...
M. TEM UM PROCESSO QUE VOCÊS ESCOLHEM OS LIVROS, NÃO É ISSO? AÍ VOCÊS ESCOLHEM. AÍ MANDAM
PRA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO...
EDNA e EDNÓLIA. Isso.
M. E A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MANDA PRA ONDE?
EDNA e EDNÓLIA. Deve ser pro MEC.
M. PRO MINISTÉRIO NÉ?
EDNA e EDNÓLIA. Pro Ministério de Educação.
M.
PRO MEC. MAS OS LIVROS QUE CHEGAM NUNCA SÃO...
EDNA E EDNÓLIA. Nunca chegam, nunca chegam nem nunca chegou o que a gente pede.
EDNÓLIA. Eu acho assim: porque eles mandam o que está mais em conta, ou o que algum convênio...
EDNA. O que tá tendo dificuldade de saída eles vão jogando... (...)
EDNÓLIA. Vem um livro que a gente não está satisfeita com ele pra trabalhar.
EDNA. Ninguém está satisfeita esse ano, na maioria das vezes.
116
M. AGORA, EU QUERIA FAZER UMA PERGUNTA... É... OUTRA PERGUNTA... VOCÊS POSSUEM ALGUM VÍNCULO
COM ALGUMA ENTIDADE DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA ALÉM DAQUI, DA ESCOLA?
EDNA E EDNÓLIA. Não.
M. NA EXPERIÊNCIA DE TRABALHO DE VOCÊS, NA EXPERIÊNCIA CONCRETA DO DIA A DIA E TAL... DE
TRABALHO EDUCATIVO. VOCÊS VÊEM MUDANÇAS NOS SEUS ALUNOS EM FUNÇÃO DA ESCOLA, DO
TRABALHO DE VOCÊS, DA ESCOLA E TAL?
EDNÓLIA. Nosso trabalho? É claro! Sem dúvida. Porque você...No início do ano você recebe um
aluno... Vamos supor: eu tô com alfabetização. Um aluno que a gente vê que ele não sabe
ler, não sabe escrever. Ao final do ano ele chega... ele escreve direitinho; ele lê uma frase toda; ele
escreve o nome dele, da família toda; escreve um pequeno bilhete. Então é uma grande... A gente viu
que o nosso trabalho valeu a pena. Porque quando você pega um menino que não sabe nada, e aí
você vê. Quem já sabe não. A gente... é mais difícil você vê, notar a mudança. Mas quando ele não
sabe escrever, porque nada ele sabe ler direitinho, interpretar o que ele leu, nem que seja uma frase,
ele fala com poucas palavras na fala, é um proveito muito grande. A gente se sente feliz..
M. QUE TRANSFORMAÇÕES VOCÊS GOSTARIAM... QUE SEUS ALUNOS TIVESSEM NA VIDA DELES?
EDNÓLIA E EDNA. Na vida... Através do nosso trabalho?
M. SIM! TAMBÉM.
EDNA e EDNÓLIA. Transformações???
117
M. TIPO ASSIM: CHEGA UM DETERMINADO TIPO DE CRIANÇA AQUI COMO VOCÊS FALARAM. COM TODAS
ESSAS NECESSIDADES
, ESSAS DIFICULDADES ATÉ DE SE COMPRAR FARDA, DE SE ALIMENTAR E TUDO..
EDNÓLIA. Ãh... Como eu gostaria que existisse uma transformação...?
M. NA VIDA DESSAS CRIANÇAS...
EDNÓLIA. Eu gostaria, sabe? que ele chegasse a ter um... a estudar. Chegar até ao nível superior;
ser alguém na vida. Pra que aquela vida que ele passou mudasse de completo, de água
pra vinho; que ele crescesse não só no trabalho, mas profissional...ou... .mas...
Fala Edna!
EDNA. Na vida deles que eles melhorassem, que eles tivessem boa alimentação. Que os pais...
Primeiramente os pais empregados. Porque os pais empregados, coisa boa vem pra eles, né
isso? Pais desempregados, não. Porque têm mais dificuldades em tudo. É como eu falei
anteriormente: até uma má alimentação influencia pra o desânimo, né? da criança. Então que eles
tenham uma boa vida; os pais trabalhem pra dar uma boa alimentação a eles; que eles se interessem
cada vez mais, porque todo dia eu falo pros meus alunos –são pequenos mas eu falo pra eles – que
hoje em dia com estudo tá difícil, imagine sem estudo! Né? Que até uma gari que antigamente
pra fazer um concurso não precisava ter nível de aprendizado nenhum, hoje em dia tem que ter
pelo mesmo o 1.º grau completo, entendeu?
Então eu tô sempre passando isso pra eles que a vida tá difícil pra todo mundo. Então eles têm que
estudar! Não podem desistir. Assim mesmo com medo!
Eu tenho aluno durante o dia que a gente tem os pais à noite. Estudando porque pararam, que a vida
tava difícil; tiveram que trabalhar, tava grávida deles entendeu? e tudo. Então eu passo até a história
dos pais, os pais deles, pra eles verem como é a dificuldade, entendeu? Então a gente espera isso!
118
Que o mundo aqui. O Brasil pelo menos, vou falar a nível de Brasil, né? Tem mais chance de emprego
aí pra todo mundo pra que ele possa ter uma vida digna.
M. É.. EU SOUBE QUE, POR EXEMPLO, AQUI... – NÃO SEI SE SÃO VOCÊS, SE VOCÊS ESTÃO ENVOLVIDAS
TAMBÉM – MAS EU SOUBE QUE ALGUMAS PROFESSORAS DA TURMA DE VOCÊS QUE JÁ TERMINARAM O
CURSO É... ESTÃO TENTANDO FUNDAR O SINDICATO PRA DEFENDER OS SEUS DIREITOS TRABALHISTAS. OU
SEJA: VOCÊS CONSEGUIRAM O ENSINO SUPERIOR, NÃO É? VOCÊS SÃO PROFESSORAS DE NÍVEL SUPERIOR E
DEVERIAM TROCAR DE NÍVEL E RECEBER UM SALÁRIO COMPATÍVEL COM ESSE NÍVEL, NÉ? O QUE VOCÊS
PENSAM A RESPEITO DISSO?
EDNA. É muito bom, tomara que consigam. Porque aqui é assim: tudo é política, né? Então quando
se... alguns anos atrás tentou-se criar um sindicato – não existia nem Rede UNEB 2000
nem nada – o sindicato dos professores pra gente brigar pelos nossos direitos. E todos os professores
que foram “os cabeças”, entre aspas, foram perseguidos, entendeu? Foram até exo... gente que foi
exonerada do cargo ou tiraram da escola e jogou pra escola bem distante de sua casa, entendeu? É
isso ou nada! Entendeu? E acabou o sindicato enfraquecendo e acabou deixando de existir.
Aí agora tem esses professores que eu não sei bem ainda... porque eles tentam assim... os
professores tentam o que? A... A...A camada política fica tentando, né? É prefeito, é vereador, é...é.. é
secretária de educação tentando enfraquecer aquelas pessoas e meter medo. Então a coisa começa
com aquele pique, mas de repente vai...entendeu? Tá desse jeito aí. Então a gente não fica muito por
dentro.
Há pouco tempo, há poucos aí meses teve uma eleição pra ir pro sindicato. Eu fui nesse dia. Eu fui pra
essa eleição e tudo. Mas eram poucos os professores que iam ou então iam tudo com medo, sabe?
Chegava no carro descia, assinava o negócio e se mandava, entendeu?
119
Então tá desse jeito. Que aqui é um município pequeno e é onde a política fala mais alto mesmo, e
eles perseguem mesmo! Porque perseguem. A gente tá com um exemplo aí de um colega da
Faculdade da Rede UNEB 2000, se formou, muito inteligente, Sandro. Ele tava até fazendo até o
curso de teologia. Ele parou, entrou na Rede UNEB 2000...E ele porque está apoiando uma candidata
aí da oposição no caso, ele tá sendo perseguido. Eu soube que tiraram as 40 horas dele... Eu soube
não! tiraram as 40 horas dele. E nem as 20 horas ele tava! Ouvi dizer que nem recebendo as 20 horas
ele estava. Eu nem sei como é que tá a vida de Sandro. Mas é desse tipo aí. A gente não pode tentar
brigar por nada? Não sei na nova política que vem aí como é que vai ser a coisa. Mas enquanto tiver
assim desse jeito, fica difícil.
M. ENTÃO EU AGRADEÇO A ENTREVISTA DAS PROFESSORAS EDNA E EDNÓLIA, CONTRIBUÍRAM COM MEU
PROJETO DE PESQUISA E EU ESPERO DEVOLVER ISSO PRA TODA SOCIEDADE EM FORMA DE REFLEXÃO.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO: EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE
ORIENTADOR: ANTONIO DIAS
ORIENTANDO: JOSELITO MANOEL DE JESUS
TEMA: A FORMAÇÃO POLÍTICA DOS PROFESSORES NO PROGRAMA REDE UNEB 2000.
Entrevista com a professora-aluna do Programa Rede UNEB 2000, Luciana Santos
Sousa, professora da Escola Eutródia Carvalho, do município de Dias D’Ávila
Data: 05 de abril de 2004
Horário: 14:00 às 14:35 h
M.(Mestrando): Luciana: É...O significou a Formação de Professores no Projeto Rede UNEB 2000 para
você?
Luciana. Bom, primeiro que foi uma oportunidade, né? Que foi uma coisa que foi muito mais facilitada,
já que.. se nós tivéssemos que sair daqui pra ir Salvador seria muito complicado, né? mais difícil, foi
uma coisa que facilitou. E... na parte assim profissional, o que melhorou bastante, pedagogicamente
falando, foi assim na questão de você compreender como é que acontece o processo de construção do
conhecimento na criança, né? Pra você melhorar sua prática, você tem que estudar sempre, tem que tá
sempre, né? vendo coisas novas e a Rede UNEB proporcionou isso. né? E atualidades, né? Porque
era... Os conteúdos trabalhados foram sempre coisas bastante atuais. Inclusive alguns livros que nós
120
trabalhamos na UNEB ainda não tinham sido nem publicados ainda, né? os professores pegavam pela
Internet e tudo, quer dizer: o material era sempre muito atual. Então isso facilitou demais.
E... Nós aqui já tínhamos tomado vários Cursos de Formação, né? Continuada, de Educação Infantil
1
,
então já tinha um pouco o caminho andado. Mas mesmo assim tinha muita coisa pra quem já tava em
sala de aula há muito tempo, (...)quinze anos, dez anos, quem tá se reciclando fica aquele negócio
muito maçante. Então quando a gente começou a fazer UNEB, é...coisas que a gente até dizia assim:
Eu não tenho tempo! Eu tô há nove anos em sala de aula. Eu não tenho tempo de fazer isso
com meu aluno.
Então mesmo depois a gente estudando, né? quer dizer: a gente trabalhando sessenta horas, a gente
tinha que ter esse tempo, porque a gente já tinha criado a consciência de que a gente precisaria, né?
de fazer certas coisas, de estudar mais, de ver novas técnicas, de fazer coisas diferentes com nossos
alunos. As vezes não era nem coisa diferente: eram as coisas que a gente já fazia, só que com
consciência, né? O porquê da gente tá fazendo aquilo, não era mais uma coisa aleatória. Então eu
acho que a Rede UNEB ajudou a gente muito nisso, né? na consciência. Da gente saber o porquê que
a gente tava fazendo aquilo –não fazer só por fazer, né? – o porquê e pra quê; qual era o objetivo que
a gente queria alcançar, né? com certas práticas que a gente começou a ver na Rede UNEB.
Agora, como eu tava falando assim pra algumas colegas, hoje em dia quando...a gente se habitua tanto
a tá vendo coisas novas, porque as colegas que estão hoje na UNEB a gente pede pra elas, né?
sempre alguma coisa... Ô vocês tão fazendo algum trabalho vocês tragam, né? algum texto, tragam
alguma coisa que vocês tejam fazendo pra gente continuar. Porque fica uma coisa assim difícil, né? a
gente cria aquele vício de tá querendo...no começo...
M. DE TÁ SEMPRE SE FORMANDO...
É, sempre se formando. No começo a gente acha chato e tudo, acha que não vai dar conta, que é
muita coisa. Mas depois a gente cria assim aquele vício(...) quando a gente vê a colega estudando né?
no curso, pôxa a gente fica: –ah não, eu quero de novo! Aí...
M. Dar continuidade...
Luciana. Dar continuidade. Aí a gente, né? Procura sempre tá atualizada ainda também.
FALANDO DESSA QUESTÃO DA CONTINUIDADE DA SUA FORMAÇÃO, VOCÊ PRETENDE
FAZER ALGUM CURSO AGORA?
Luciana. É... Eu pretendo fazer uma pós-graduação. Ainda tô assim um pouco na dúvida, né? Eu
queria fazer muito... psicopedagogia. Só que também como hoje em dia tem muita gente... Fica
assim como se fosse um modismo sabe, né? os cursos(...) fica todo mundo querendo fazer assim.
Então eu ainda tô querendo ver alguma coisa... Mas sempre nessa área assim de educação infantil,
alfabetização, alguma coisa assim.
M. LUCIANA, COMO VOCÊ PERCEBE A REALIDADE A PARTIR DO SEU TRABALHO EDUCATIVO?
Luciana. Eu vou falar assim dessa escola, porque é aqui, né? que eu trabalho. Eu vejo muito...
121
Como essa escola é uma escola que sempre foi, sempre foi não, né? ela era
fundamentalmente de educação infantil, depois que... esse ano que passou a ter as primeiras séries.
Então a gente começa a comparar muito com as escolas particulares e com outras escolas. E como eu
também trabalhei com educação infantil em escola particular antes de vir pra a Rede Pública, a gente
começa a fazer essa comparação. E a gente vê que um dos pontos principais do trabalho, né? com
crianças nessa faixa etária, é assim muito marcante a família, né? O... a desistência da família e tudo, e
isso influencia assim diretamente, né? no comportamento da criança, na aprendizagem. Não que
alunos de outras instituições, ou até instituições particulares não tenham esse problema. Mas assim,
como o problema econômico, né? O problema de estrutura, pois isso mexe muito com a família, que
tudo isso acaba interferindo muito no trabalho aqui pra gente, né?
M. DESEMPREGO...
Luciana. Desemprego é muito, muito, muito...né? Então a gente tem que ter esse lado também de,
de... A gente tem de ver o pedagógico também, a gente tem que ficar o tempo todo fazendo o
trabalho com a família vendo o lado humano, tentando compreender uma coisa pra poder saber o que
é a causa o que é conseqüência daquele problema.
M. VOCÊ ACHA QUE ESSE PROBLEMA É UMA FATALIDADE INEVITÁVEL DO MOMENTO ATUAL?
Luciana. Bom eu acho que problema econômico sempre teve no Brasil, né? Sempre a gente ouve
dizer que sempre teve. Agora eu acho assim que o que tem que ser feito pelo professor é
como é que a gente vai fazer... Por exemplo: o aluno chegou aqui, ele tá com esse problema. Ele tá e
daí? Eu vou ficar aqui o tempo todo me queixando? que ele não aprende, que ele não comeu, que ele
não aprende porque o pai dele bate na mãe dele, ou qualquer coisa... Não eu acho que depois de
todos esses indícios, né? que a gente tem do diagnóstico que a gente faz da criança, a gente tem que
procurar ver qual é o melhor caminho, qual é a melhor metodologia, qual é a melhor maneira de fazer
com que essa criança também cresça, né? Que essa criança aprenda, como qualquer outra de
qualquer outra instituição, seja ela particular, qual for. Agora que esse é um problema que tai na
sociedade pra todo mundo ver. Inclusive nós profissionais da educação temos também esse problema.
A gente não pode dizer que é uma coisa lá, como se fosse uma coisa que vem de lá e que não atinge a
gente, que a gente também faz parte dessa sociedade; a gente tem problemas financeiros, tem isso
tudo. Mas se a gente tá aqui tentando mudar, né? tentando ver esse movimento dessas crianças e
tudo, eu acho que a postura é essa: é ver o que a gente pode fazer. É estudando, é se especializando,
é... tendo um olhar mais cuidadoso pra esse tipo de coisa, pra poder a gente ver como é que consegue,
né? Resolver da melhor forma possível, sanar, né? esse problema.
M. AGORA ANALISANDO MAIS O ASPECTO RESTRITO DA FORMAÇÃO, NÉ?...QUE
PERSPECTIVAS TEÓRICAS
VOCÊ UTILIZA PARA CONCEBER A REALIDADE DO SEU TRABALHO E O SEU PAPEL DE
EDUCADORA NESSA REALIDADE?
Luciana. Bom, não adianta a gente dizer que a gente faz um trabalho, né? que nós fazemos um
trabalho que seja totalmente construtivista, porque não é. Né? Não tem nem como. E também
não vamos também dizer que tudo que era... Todos os enfoques tradicionais, tudo o que era
122
trabalhado, né? de maneira tradicional do passado não presta, que também não é assim, né? Porque
de tanto se falar em construtivismo, em construção, em deixar o aluno crescer e tal, foi que virou a
coisa, acho que fugiu um pouco do controle, né? Ai tem esse problema de (...) de indisciplina e tudo por
conta disso. Você não pode dizer: – Tudo que era tradicional não serve. Se fosse assim a gente não
estaria aqui, né cara? Somos frutos do tradicionalismo. Claro que tem muito ranço que a gente tem que
deixar pra traz, né? que é difícil. Mas a gente procura sempre o que? De uma... é, é... mesclar né?
trabalhar de... dar ên... na essência também, de trabalhar o construtivismo na forma da construção do
conhecimento, mas não ele todo, porque a gente não tem nem estrutura pra isso, né? A quantidade de
alunos que nós temos em sala de aula, né? condições do espaço físico e tudo não dá pra gente fazer
um trabalho totalmente voltado pra isso. E a formação dos professores teria de ser uma formação, né?
diferente pra todos os professores.
M. E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO? EU ACHO QUE VOCÊ TAMBÉM TÁ FALANDO DISSO,
NÃO É?
Luciana. Também. Por exemplo como essa escola aqui nós.... antes era só educação infantil, agora
estamos com primeira série, a gente já tem algumas modificações, a gente tem que fazer
algumas mudanças, se adequar a algumas coisas. É...e quanto à questão de material, essa coisa
assim, nós temos realmente o que sempre tivemos. Né? Então em cima disso você tem assim o
material de papelaria, algum jogo, alguma coisa pra você fazer muita coisa, dá pra você inventar muita
coisa, e criar muita coisa com os alunos, né? Agora a questão da procura é muito grande pras escolas
de educação infantil pública, né? Então por mais que a gente queira, por mais que insista a gente não
consegue ter... a gente tá sempre no padrão, né? de limite de alunos em sala de aula. A gente não
tem... Nós chegamos a 30 alunos, né? No Estágio 2 e 3, mas de qualquer maneira é um número muito
significativo pra um professor, né? dá conta de 25 alunos de 04 anos. Pense: é muita coisa. Porque o
123
professor além de educar ele tem de cuidar também. Tem muitas necessidades que os alunos nessa
faixa etária ainda tem. Então isso tudo influencia.
Mas também não vamos dizer que a gente não tá se empenhando ao máximo só por isso. Não. A
gente tá o tempo todo tentando fazer o máximo, mesmo com o número grande. Se a gente fosse
atender a todo mundo que procura acho, Ave Maria! acho que ia ser o dobro de alunos por sala, se a
gente for atender a todo mundo. Mas o que a gente procura, mais além de espaço e tudo, é o apoio da
família. Porque trabalhar com comunidade é difícil, sempre foi difícil, trabalho com comunidade não é
fácil. Mesmo porque comunidade com pais de alunos e tudo com baixa escolaridade, né? as vezes não
entende muito o qué que a escola faz. Não entende qual é o trabalho do professor, a metodologia...
Então pra você explicar uma atividade, um projeto que você tá desenvolvendo pra uma pessoa que não
consegue entender isso é complicado. Eles acabam fazendo críticas de uma coisa que eles não
entendem – claro que você não vai criticar uma coisa que você não sabe, né? Então eu acho que a
parte assim fundamental do trabalho de educação infantil é a gente conseguir, né? fazer assim essa
parceria com a família.
É... LUCIANA, NA SUA EXPERIÊNCIA CONCRETA DE TRABALHO EDUCATIVO, VOCÊ VÊ MUDANÇAS NOS SEUS
ALUNOS EM FUNÇÃO DA ESCOLA?
Luciana. Você tá falando mudança o que? De comportamento, de aprendizagem... Mudança... de
acordo o que? Com minha metodologia? Ou antes de eu fazer UNEB de...de...
Bom, eu acho que a partir da... da... Da própria construção do conhecimento por parte do professor é
que você vai poder até entender o porquê do aluno não ter conseguido aprender aquilo, por que ele
não ter entendido aquilo, a partir do quê? Do momento que você vai estudar que você vai ver o que é
que você está fazendo, qual é o objetivo... Porque as vezes a gente fica o tempo todo fazendo uma
atividade... ainda mais que tem muitos anos, né?...Eu já tenho... Vou fazer 10 anos que eu trabalho
124
com alfabetização, que as vezes a gente fica se perguntando; uma frase que eu ouvi assim: –será que
eu tenho dez anos alfabetizando... de alfabetizadora, ou será que eu tenho um ano alfabetizando e
nove anos repetindo, repetindo o ano. Né? Porque as vezes você tem a tendência de dizer assim: –Ah,
não aquilo deu certo eu vou repetir. Deu certo em que sentido? Deu certo naquela turma, naquele ano,
né? Deu certo que os alunos aprenderam o mínimo do esperado... eu acho que deu certo. Então a
gente tem que ver em que perspectiva que eu acho que o aluno tá melhorando, tá progredindo com
aquilo. Então só a partir do momento que você começa a estudar, você começa a entender e saber o
porquê daquilo que tá acontecendo com o aluno. Porque que ele não compreendeu e pra quê que eu
quero que ele compreenda aquilo. Porque a gente fica comparando a... a... as coisas que a gente
passa na sala de aula, né? pros o alunos e as coisas que eles realmente vão precisar na vida mesmo
prática. Porque... Meu sogro –eu gosto sempre de contar essa história. Ele voltou agora pra sala de
aula, que ele vai fazer 60 anos de idade e a empresa deu essa oportunidade né? De voltar lhe dando
aquele apoio e tudo. E ele trabalhando... ele estudando...Ele chegou com uma atividade em casa e me
pediu pra eu ajudar. Ai ele disse assim: – olhe tem um assunto ai pra você me ajudar, que eu não sei
dizer o nome. Parece que é coisa de inglês. E quando eu fui olhar...Ele disse assim: –é pra classificar...
pra classificar quanto á tonicidade. Meu Deus do céu, quantos anos se colocam esses exercícios!
Classifique quanto á tonicidade...Classifique quanto ao número... Quer dizer: o estudante não sabe
nem o que é classificar. Quanto à tonicidade... Depois ele disse: –Ai ó, preste atenção: tem oxítona,
paroxítona, proparoxítona. Ele não entendia. E eu comecei a explicar pra ele o que era. Ai ele parou e
disse assim –Me explique uma coisa: eu já vou fazer 60 anos, vou me aposentar esse ano, eu nunca
usei isso pra nada. Eu preciso aprender isso agora? Quer dizer: o que você responde diante de uma
pergunta dessa? Eu não podia ficar a desatrelar: –Não, você tem que aprender...porque... Não existe!
Quer dizer ou a gente mostra a funcionalidade da coisa ou senão você fica um discurso vazio o tempo
inteiro, né?
125
Meu filho tava perguntando pra mim onde é que ele vai usar os números dos algarismos romanos a
não ser pra ler o relogiozinho pra ele que eu comprei. Ai ele: – Ah minha mãe então eu só preciso
aprender até doze. Dos algarismos romanos... Ai é que a gente vai tentar explicar, tentar dar uma
originalidade pra coisa, né? por que senão fica tudo muito fantasiado, fica muito faz-de-conta, né? das
coisas. Então a gente tem que... Por isso que eu as vezes fico me perguntando: –Até que ponto aquilo
que eu tô passando pro meu aluno é a necessidade dele, é o que ele vai precisar, é aquilo que eu tô
achando que ele não aprendeu... Porque de repente não é aquilo que vai fazer diferença na vida dele,
não é aquele conteúdo que eu tô dando né? É... aquele conteúdo de história, aquela coisa... Que até
hoje como a gente acha mesmo que história são as coisas que passaram, né? porque pra gente se
conscientizar –até como pra quem tá fazendo faculdade e tudo– porque história é tudo que a gente tá
construindo. Que nós somos agentes históricos e passar isso pra criança é complicado, quem tá
naquele ranço de que história é só o que já passou, né? Que é só os 500 anos, aquela historinha que
contaram pra gente na sala. Então as vezes quando... eu falava pra colega quando a gente tava
fazendo UNEB que eu dizia:
–Pôxa gente, as vezes eu me perdia, eu me perco!
Quando eu leio assim um livro que a gente tá... que falando assim sobre qual é o objetivo da escola. A
gente se perde que a gente fica: –Pôxa será que eu tô fazendo esse tempo todo é realmente o que
precisa ser feito? Né? Será que eu tô fazendo alguma diferença ou tô passando aquele conhecimento,
né? Massificado o tempo todo. Ai tem horas é... que a gente pensa que vai ler aquilo pra esclarecer, faz
é entrar em parafuso, né? Mas eu acho que o que é certo é isso: é fazer a gente entrar em parafuso
pra gente tentar achar uma resposta pra aquilo. Então hoje em dia quando a gente vai fazer um
planejamento, passar uma atividade, alguma coisa pro aluno, a gente fica naquela preocupação: –será
que é isso? Será que meu aluno tá se desenvolvendo do jeito que eu queria? Será que é isso que vai
fazer a diferença na vida dele de agora por diante. Então é uma... questionamento que a gente fica o
126
tempo todo. Ele tá melhorando??? Quer dizer: o ano passado a minha turma é... nessa época do ano o
que é que fazia, tava mais avançada, não tava???
M. VOCÊ, VOCÊ É A FAVOR DE UMA FORMAÇÃO VOLTADA PARA O PRESENTE, PARA O TRABALHO É... O
TRABALHO QUE A PESSOA VAI EXERCER, UMA FORMAÇÃO DIRECIONADA?
Luciana. Não, para o trabalho não. Né? Porque, mesmo porque a gente não sabe nem que tipo de
trabalho. Eu acho que é uma formação pra vida realmente, né? Pra vida, porque quando eu falava
assim pro meu sogro que ele dizia: –“Não sei onde que eu vou usar isso.” Aí eu tentava explicar pra
ele: –Não, o senhor vai usar isso quando você for fazer uma... um texto, que você quiser colocar um
acento na palavra, pra você verificar... Mas ele não foi esse tempo todo. Então ele acha que não vai
precisar mais usar. Então por que isso não é pedido de uma maneira contextualizada. Por que não foi
dado texto, pra se tirar dali, né? daquele texto, um texto de um jornal, né? – que é uma coisa mais atual
– pra se tirar daquilo ali o que ele vai estudar. Então pra você trabalhar essas coisas assim
fragmentada, né? Tem que ter uma unidade de conhecimento já. Fica uma coisa ideal! E fica
complicado você dizer pro outro qual é o objetivo daquele pedacinho do todo que você tirou. Você tá
entendendo?
Então eu acho que a preocupação é isso! Isso que eu tô passando na sala de aula. De que forma isso
vai entrar no contexto da vida dele, né? De que forma? Porque quando ele for pra vida, quando ele for
resolver um problema as coisas não vão tá separadas como tão. Né? Muitas vezes a gente vê em sala
de aula: – Hoje é isso, só isso eu só vou dar esses números. Então esses números não podem vir com
essas letras, não podem vir com essas palavras. As coisas não são bem assim. Então fica uma coisa
meio, né? Diferente do real.
M. É.. E...NA VERDADE É A CONTINUAÇÃO DA PERGUNTA ANTERIOR, NÉ? QUE MUDANÇAS VOCÊ PERCEBE
127
ASSIM NOS SEUS ALUNOS, NÃO SEI QUANDO VOCÊ ENCONTRA COM ELES OU DE ANO EM ANO, OU DE
PERÍODO EM PERÍODO VOCÊ PERCEBE ALGUMA MUDANÇA SIGNIFICATIVA A PARTIR DO TRABALHO EDUCATIVO
EXERCIDO AQUI NA ESCOLA NÃO SÓ POR VOCÊ COMO PELAS OUTRAS(COLEGAS) TAMBÉM.
Luciana. Bom, eu percebo assim. Que eu é... De alguns anos pra cá teve uma valorização, né? Foi
dada uma importância maior ao trabalho com educação infantil, né? Que é a área que eu tô. Então eu
particularmente vejo muita diferença nos alunos que tão na educação infantil, né? Que tão tendo
oportunidade de fazer educação infantil antes de entrar pro ensino fundamental, né? Tem
algumas...alguns hábitos e habilidades que eles já conseguem dominar antes de partir pro
fundamental. Não era como antes que eles já caiam, né? de pára-quedas na primeira série, né? Aí a
gente ouvia aquele monte de queixa dos professores. Então nessa parte eu vejo que tem... tem dado
uma ... uma... melhorou bastante, né? Eles agora já conseguem fazer como os alunos de outras
instituições que já tinham aquela formação um pouco mais cedo pra depois ir pra alfabetização e tudo.
Então eu acho que essa bagagem toda eles já tão conseguindo, né? Alcançar... Já tão melhor, já vão
se familiarizando com o ambiente escolar, de algumas responsabilidades, de alguns direitos também,
que eles têm que exercer na escola, os deveres e tudo. E tem habilidades motoras, né? cognitivas que
já vão sendo desenvolvidas antes deles partirem pro fundamental. Então é muito melhor do que a
gente receber aqueles alunos na primeira série, alunos com sete, oito anos, alunos que nunca tinham
entrado na escola, depois a gente ter que dar conta pra ir pra segunda, né? Eu acho que nessa parte
tem melhorado bastante.
M. EU QUERO AGRADECER A LUCIANA SANTOS SOUSA, QUE É PROFESSORA DA ESCOLA EUTRÓDIA
CARVALHO DOS SANTOS, DAQUI DO MUNICÍPIO DE DIAS D’ÁVILA. MUITO OBRIGADO
LUCIANA. 993.
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