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de reflexão vieram derrubar meus sonhos; eu abanei a cabeça desalentado. Tudo isto
era sem remédio. Morto um preconceito ou uma superstição, nasciam outros. Tudo
na terra concorre para criá-los: a Arte, a Ciência e a Religião são as suas fontes., as
matrizes de onde saem, e só a morte dessas ilusões, só o esquecimento dos seus
cânones, dos seus delírios e dos seus preceitos trariam à humanidade o reino feliz da
perfeita ausência de todas noções entibiadoras,. Seria
assim? [ ] Que me importa
hoje ter de sofrer com as noções de alguns universitários europeus e a burrice dos
meus concidadãos,
se amanhã asselvajado, de
azagaia e bodoque, iria sofrer da
mesma maneira com as da tribo minha vizinha ou mesmo com as da minha [ ] Para
mim, afinal, ficou-me a certeza de que sábio era não agir. (BARRETO, 2001, p.
619.)
Por ser de espírito aberto, contrário a tudo aquilo que significasse entre a uma
ideologia dominante – sobretudo a uma ideologia de classe dominante -, Lima Barreto
escolhe, em vez das escritas científicas, do sociologismo de sua época, ele escolhe, por servir
melhor à sua personalidade libertária, o caminho do romance, por dar a ele a oportunidade de
escrever o que vê, sem as mediações suspeitas das idéia importadas da Europa. A esse
propósito, Lima Barreto escreve:
Resolvi, portanto, publicar alguma coisa [ ] das meditações, das minhas cogitações,
atacar em síntese os inimigos das minhas idéias e ridicularizar as suas superstições e
idéias feitas. Pensei em diversas formas, procurei modelos, mas me veio, ao fim
dessas cogitações todas, a convicção de que o romance ou a novela seria o gênero
literário mais próprio, mais acessível a exprimir o que eu pensava e atrair leitores,
amigos e inimigos. (BARRETO, 2001, p. 1454.)
Para essa tarefa Lima Barreto tinha que enfrentar um obstáculo grandioso. Dizia ele
que dominava nos
grandes jornais e revistas elegantes da província, a opinião de que a arte, sobretudo a
de escrever, só se deve ocupar com gente rica e chic, que os humildes, os médios, os
desgraçados, os feios, os infelizes não merecem atenção do artista e tratar deles
degrada a arte. De algum modo, tais estetas obedecem àquela regra da poética
clássica, quando exigia, para personagens da tragédia, a condição de pessoas reais e
principais. (BARRETO, 2001, p. 820.)
Aqui está um dos motivos do esquecimento da obra de Lima Barreto, só plenamente
reconhecida após o movimento modernista de 22.
Enfim, Lima Barreto se enquadra apenas na epígrafe que ele mesmo escreveu: “Em
mim não existe absoluto, nem ausência de absoluto, porque não conheci nunca elemento
distinto do eu.” (BARRETO, 2001, p. 1305.)