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UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara
“Neoliberalismo e Corrupção: análise comparativa dos ajustes neoliberais no
Brasil de Fernando Collor (1990-1992) e no México de Carlos Salinas (1988-
1992).
O incremento da corrupção e seus custos sociais”.
Tese de doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia, da Unesp,
Campus de Araraquara, sob a orientação do
Professor Adjunto Enrique Amayo Zevallos,
Ph.D.
Doutorando: Ary Ramos da Silva Júnior
Araraquara/SP, abril de 2006.
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Ary Ramos da Silva Júnior
“Neoliberalismo e Corrupção: análise comparativa dos ajustes neoliberais no
Brasil de Fernando Collor (1990-1992) e no México de Carlos Salinas (1988-
1992).
O incremento da corrupção e seus custos sociais”.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Adjunto: Enrique Amayo Zevallos, Ph. D.
_________________________________________
Prof. Dr. Luís Fernando Ayerbe
_________________________________________
Prof. Dr. Augusto Caccia Bava
_________________________________________
Prof. Dr. Niminon Suzel Pinheiro
_________________________________________
Prof. Dr. Janina Onuki
2
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“De tanto ver triunfar as nulidades, de
tanto ver prosperar a desonra, de tanto
ver crescer a injustiça. De tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos
dos maus, o homem chega a desanimar-
se da virtude, a rir-se da honra e a ter
vergonha de ser honesto”.
Ruy Barbosa
“O escopo de uma sociedade é o
intercâmbio. Uma sociedade cujo motor
é a competição é uma sociedade que me
propõe o suicídio. Se me ponho em
competição com o outro, não posso
intercambiar com ele, devo eliminá-lo,
destruí-lo”.
Albert Jaquard
3
SILVA JÚNIOR, Ary Ramos da. Neoliberalismo e Corrupção: análise comparativa dos
ajustes neoliberais no Brasil de Fernando Collor e no México de Carlos Salinas. O
incremento da corrupção e seus custos sociais. 2006, 300p. Tese (Doutorado em
Sociologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
Resumo
O Neoliberalismo se espalhou pela sociedade mundial nos anos 80, afetando países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Na América Latina, as políticas neoliberais
começaram a ser adotadas nos anos 70 no Chile e foram aplicadas pelas duas maiores
economias da região (Brasil, governo Fernando Collor e México, governo Carlos Salinas)
no final dos anos 80 e início dos anos 90, com inúmeros impactos econômicos, sociais e
políticos. A corrupção apareceu de forma mais clara nestes países, com denúncias que
geraram, no Brasil, o impeachment do presidente eleito, Fernando Collor e, no México, o
presidente Carlos Salinas foi retirado da vida público. A corrupção existe no mundo há
muitos anos, e nestes países desde seus descobrimentos, o que gera custos altíssimos para
sua população, com degradação social, miséria e empobrecimento constante. A corrupção
existe em todos os países, e não é apenas com a adoção de políticas de diminuição do
Estado, abertura econômica e privatização que vai ser combatida. As políticas devem ser
integradas e os aparatos institucionais devem ser fortalecidos, pois seus custos são altos,
ultrapassando os 5% do produto interno bruto (PIB), e se estes recursos fossem aplicados
de forma eficiente, as condições sociais dos povos seriam melhores, aprimoraria o
comportamento econômico, a democracia se fortaleceria e o desenvolvimento se faria
presente em muitas regiões, principalmente naquelas que atualmente estão alijadas do
desenvolvimento. O combate à corrupção é hoje uma das políticas mais importantes para o
desenvolvimento dos países e melhoria das condições sociais das populações.
Palavras-chave: Neoliberalismo, corrupção, desenvolvimento, privatização, degradação
social.
4
Abstract
The Neoliberalism dispersed for the world society in the eighties, affecting developed
countries and in development ones. In Latin America the neoliberal politics began to be
adopted in Chile in the seventies and they were applied by the two greatest economies of
the region (Brazil, Fernando Collor’s government and Mexico, Carlos Salinas’ government)
in the end of the eighties and at the beginning of the nineties, with countless economical,
social and political impacts. The corruption appeared in a clearer way in these countries. In
Brazil these accusations generated the elected president's impeachment, Fernando Collor,
and in Mexico the president Carlos Salinas was retired of the public life. There is
corruption in the world since remote times, and in these countries it exists since their
discoveries, generating high costs for their population, with social degradation, poverty and
constant impoverishment. There is corruption all over the world, and it is not just with the
adoption of politics that decrease the State, promote economical opening and privatization
that it is going to be combated. The politics must be integrated and the institutional
apparatuses must be strengthened because their costs are high, crossing the 5% of the Gross
Domestic Product (GDP). If these resources were applied in an efficient way, the social
conditions of the people would be better, improving the economical behavior. The
democracy would also be
Keywords: Neoliberalism, Corruption, Development, Privatization, Briging powerty.
5
Agradecimentos
A hora de escrever os agradecimentos é sempre um trabalho difícil e ao mesmo
tempo bastante agradável, difícil porque corremos sempre o risco de esquecermos alguém
que nos ajudou na “batalha” de escrevermos uma tese de doutorado. Agora, ao mesmo é um
momento de grande satisfação, isso porque estamos na fase final do trabalho, o que é
bastante estimulante e agradável.
Muitas foram as pessoas que me auxiliaram nesta jornada e espero não esquecer de
ninguém, pois sou grato a todos pelo incentivo e auxilio que nunca me faltaram..
A minha mãe Cezarina, que me ensinou grande parte do que aprendi na vida, mas
acima de tudo me ensinou a importância de Deus nas nossas vidas e o papel do Amor na
construção de uma vida melhor. Se estou hoje concluindo este trabalho, posso garantir com
toda certeza, ele não se materializaria sem a sua ajuda, seu empenho e suas lições de vida e
de Amor.
As minhas duas irmãs, Célia e Rosângela, amigas e companheiras, que sempre me
deram muito mais do que mereço, posso lhes dizer com certeza, que tenho muito orgulho,
admiração e respeito.
À Deise, namorada e amiga, que entrou na minha vida em um momento difícil, mas
me deu força e conseguiu conquistar meu Amor, carinho, admiração e respeito.
Ao Pedro e à Mariana, meus queridos sobrinhos, que estão no meu coração e são
motivo de grande orgulho.
Ao Orlando, que há muito tempo me ajudou a compreender um pouquinho do
significado da sociologia, agradeço ao incentivo e o carinho dispensado.
Ao meu pai Ary Ramos da Silva, onde estiver agradeço a proteção que sempre me
deu.
E a Deus, esta força suprema que nos auxilia e nos fortalece em todos os embates da
vida.
6
Índice
Introdução 5
Capítulo 1
Neoliberalismo 18
1.1. O Ressurgimento do Liberalismo Clássico 19
1.2. Da Crise Fiscal às Idéias Neoliberais 24
1.3 A Crise dos anos 70 35
1.4 Auge e crise da Hegemonia Americana 37
1.5 A Restauração da ordem via políticas neoliberais 40
1.5.1. O governo conservador de Margareth Thatcher. 40
1.6. A experiência neoliberal norte-americana 47
1.7. O Consenso de Washington 58
1.8. América Latina e o Consenso de Washington 64
Capítulo 2
Corrupção como desafio transnacional 81
2.1. A conscientização das instituições internacionais 82
2.2. Corrupção e Governo 97
2.3. Os custos da corrupção 113
2.4. Corrupção e irregularidades nos Estados Unidos no período George W. Bush 117
2.5. Escândalos de corrupção nas empresas transnacionais: o caso Enron 124
Capítulo 3
A Experiência Neoliberal brasileira 129
3.1. A eleição de 1989 e a ascensão de Fernando Collor de Mello 130
3.2. A Natureza Econômica do Governo Collor 136
3.3. Reformas Liberalizantes e Política Econômica 139
3.4. O Plano Collor e a ênfase no combate a inflação 149
7
3.5. Plano Collor II e a batalha pela Estabilização 157
3.6. Transformações Políticas do Governo Collor 161
3.7. O Movimento “Fora Collor” e o Impeachment 171
3.8. As causas do fracasso de Fernando Collor de Mello 178
Capítulo 4
4. A Experiência Neoliberal Mexicana 184
4.1. México: da crise de 1982 à ascensão do Neoliberalismo 185
4.2 O governo Miguel De La Madrid (1982-88) 190
4.3. O Governo de Carlos Salinas de Gortari 208
4.4. O levante zapatista 219
4.5. Da euforia do Tratado de Livre Comércio do Norte (NAFTA)
à crise de 1994 224
4.6. A Corrupção na sociedade mexicana no período Carlos Salinas de Gortari 240
Capítulo 5
5. Brasil e México: Neoliberalismo, Corrupção e Desigualdade Social. A partir
dos governos Collor e Salinas 250
5.1. Desigualdade e crescimento no mundo 251
5.2. Crescimento e desigualdade no Brasil sob o neoliberalismo 257.
5.3. Crescimento e desigualdade no México sob o neoliberalismo 260
5.4. Brasil e México: comparação de indicadores sócio-econômicos 263
5.5. Brasil e México: o papel da corrupção na desigualdade social 267
5.6. Cenários perversos de corrupção 271
5.7. Ganhos com o combate a corrupção no Brasil e no México 275
5.8. Corrupção no Brasil: valores aproximados 280
5.9. Corrupção no México: valores aproximados 283
Conclusão 289
Bibliografia 293
8
Lista de Tabela
Tabela 1
Crescimento do Produto Interno Bruto nos paises Latino-americanos 1980-1999 (%)--------------------67
Tabela 2
América Latina – indicadores macroeconômicos ---------------------------------------------------------------68
Tabela 3
Fluxo de IDE - Países da América Latina – 1990-2000 (milhões de dólares)--------------------------------69
Tabela 4:
Índice de Percepção de Corrupção (IPC) em 2000--------------------------------------------------------------93
Tabela 5
:
Um extrato do Índice de Percepções da Corrupção (IPCorr)----------------------------------------------------99.
Tabela 6
Abertura comercial – 1988/1997-----------------------------------------------------------------------------------143
Tabela 7
Taxas de inflação – 1985/1989--------------------------------------------------------------------------------------152
Tabela 8
Inflação mensal - 1990 (%)-----------------------------------------------------------------------------------------154
Tabela 9
Indicadores econômicos 1990/1992------------------------------------------------------------------------------159
Tabela 10
Setor externo.-Brasil-------------------------------------------------------------------------------------------------160
Tabela 11
Indicadores Econômicos – México--------------------------------------------------------------------------------191
Tabela 12
Indicadores Econômicos – México-------------------------------------------------------------------------------193
Tabela 13
Indicadores Econômicos – México--------------------------------------------------------------------------------197
Tabela 14
Valor agregado – Setor Público – México------------------------------------------------------------------------199
Tabela 15
México – Indústria manufatureira – 1980/1995------------------------------------------------------------------202
Tabela 16
Evolução do Setor Externo – México (US$ milhões)-----------------------------------------------------------207
Tabela 17
9
Desempenho econômico do México (1988-1994)---------------------------------------------------------------------210
Tabela 18
Desempenho econômico do México (1988-1994)---------------------------------------------------------------------211
Tabela 19
Variações anuais do PIB e dos preços ao consumidor – México (1986-1995)------------------------------------213
Tabela 20
Evolução das Exportações mexicanas no período 1980-2002 (bilhões de dólares)-------------------------------215
Tabela 21
México: saldo em conta corrente e variação bruta das reservas (bilhões de dólares)-----------------------------227
Tabela 22
Taxa de desemprego-------------------------------------------------------------------------------------------------------235
Tabela 23
Orçamento mexicano destinado ao Programa Nacional de Solidariedade-----------------------------------------242
Tabela 24
Crescimento da renda per capita nos países desenvolvidos (1960-1996)------------------------------------------253
Tabela 25
Crescimento anual da renda per capita (1965- 1995)-----------------------------------------------------------------254
Tabela 26
Produto Interno Bruto – México (1991-2002)-------------------------------------------------------------------------258
Tabela 27
Exportações – México (1980-2002)-------------------------------------------------------------------------------------258
Tabela 28
Distribuição funcional da renda (1969-1998) - %---------------------------------------------------------------------259
Tabela 29
Distribuição interpessoal da renda (1970-1995) - %------------------------------------------------------------------259
Tabela 30
Crescimento econômico (1930-2002) -%-------------------------------------------------------------------------------261
Tabela 31
Produto Interno Bruto (milhões de US$)-------------------------------------------------------------------------------261
Tabela 32
Índice de Exclusão Social------------------------------------------------------------------------------------------------264
Tabela 33
Taxa de desemprego – países selecionados (%)----------------------------------------------------------------------265
Tabela 34
Distribuição de renda – países selecionados---------------------------------------------------------------------------267
Tabela 35
Índice de Percepção – Brasil e México (1995-2004)-----------------------------------------------------------------277
Tabela 36
10
Custos de Corrupção – Brasil (1990-2004)----------------------------------------------------------------------------280
Saúde – Brasil (1989-1999) – bilhões de US$---------------------------------------------------------281
tre valores extraídos via corrupção e gastos com saúde – Brasil (1990-2002)----------------------282
rupção – México (1988-2002)--------------------------------------------------------------------------284
Saúde – México (1986-1999) - % PIB-------------------------------------------------------------------285
tre valores extraídos via corrupção e gastos com saúde – México-------------------------------------286
to em Educação (% do PIB)--------------------------------------------------------------------------------288
Lista de quadro
uadro 1 Matriz-síntese: Corrupção e Pobreza--------------------------------------------------107
Tabela 37
Gastos com
Tabela 38
Relação en
Tabela 39
Custos da Cor
Tabela 40
Gastos com
Tabela 41
Relação en
Tabela 42
Investimen
Q
11
Introdução
Nos últimos 30 anos, a sociedade mundial começou a passar por transformações
renasce em dimensão mundial as
s idéias neoliberais acreditavam que o centro das crises do capitalismo era o
pelo neoliberalismo era a retirada do Estado da economia,
abrindo
indicadores sociais.
intensas em suas estruturas produtivas que acabaram impactando de forma agressiva em
todos os setores, desde os econômicos até os sociais e políticos. A raiz destas
transformações é a mudança da base produtiva criada no período pós-Segunda Guerra
Mundial, que a partir do início dos anos 70 entra em constante crise, exigindo mudanças
para se adaptar ao novo cenário produtivo internacional.
É neste momento de mudanças e incertezas, que
idéias liberais, agora com nova roupagem e com ar de modernidade, sendo batizadas de
Neoliberalismo. O laboratório para estas políticas foi o Chile de Augusto Pinochet (1973-
1990), e se espalhou por todo o mundo, desde os países industrializados (Inglaterra de
Margareth Thatcher e os Estados Unidos de Ronald Reagan), os países latino-americanos,
como Argentina, México, Peru, Bolívia, Equador, Brasil, e as outras regiões do planeta até
a Rússia e os países do ex-bloco comunista, excetuando a China, a Coréia do Norte, Cuba e
Vietnã.
A
excessivo papel dos Estados Nacionais, que ao intervirem no sistema econômico acabavam
criando instabilidade e inibindo o investimento, gerando ineficiência e reproduzindo crises
constantes. O Estado era, por natureza, ineficiente, e essa ineficiência se apresentava
através de um protecionismo exacerbado, que punia os consumidores em detrimento dos
empresários, que tinham no Estado um agente para protegê-los da concorrência
internacional. O Estado, ao intervir na sociedade, criava uma burocracia ineficiente e com
inúmeros trabalhadores, criando uma massa de funcionários públicos improdutivos e
ineficientes, cujos custos financeiros eram imensos, o que agravava a crise fiscal e
financeira do Estado Nacional.
A solução preconizada
espaço para a atuação do mercado, que segundo sua visão, pela racionalidade, era o
agente fundamental e imprescindível para conduzir as economias para o crescimento da
economia e, para um posterior desenvolvimento econômico que traria melhoria nos
12
A visão neoliberal, chamada de modernizadora por seus ideólogos, tinha como base
fundamental, a substituição do Estado pelo Mercado como agente responsável pelo
elação entre as
ção, pois nos parece bastante
alisá-las
nomias, obrigando com
e que apresentaram
crescimento social, onde o segundo, mais racional, assumiria todos os papéis na
estruturação das bases para o crescimento e desenvolvimento da sociedade.
A adoção dos princípios neoliberais na América Latina trouxe inúmeros resultados
parecidos entre as economias da região, uma das mais inquietantes é a r
políticas liberalizantes e a corrupção, pois dos países que implantaram as medidas
neoliberais, inúmeros presidentes terminaram seus mandatos acusados de corrupção, sendo
que alguns não conseguiram nem terminar seus mandatos, como foi o caso do presidente
brasileiro, Fernando Collor de Mello e o Venezuelano Carlos Andrés Perez; outros
conseguiram terminar, mas depois foram investigados por irregularidades e corrupção e, em
alguns casos defenestrados da vida pública, como Carlos Salinas de Gortari no México,
Alberto Fujimori
1
no Peru e Carlos Menem
2
da Argentina.
Diante destas considerações, esta Tese procura analisar a relação existente entre o
Neoliberalismo adotado na América Latina e a Corrup
inquietante e provocativo, percebermos que as medidas adotadas nestes países trouxeram
resultados tão semelhantes, sendo que apresentam estruturas produtivas diferentes.
O texto não tem por intuito analisar as medidas adotadas pelos países para combater
a corrupção, podemos até citar algumas, mas não temos interesse em an
profundamente, apenas mensurar os recursos que foram extraídos da sociedade em forma
de corrupção, tentando alertá-la dos graves desequilíbrios que a extração destes recursos de
forma irregular acarreta a economia e a sociedade como um todo.
A corrupção é hoje um fato preocupante em termos internacionais, segundo o Banco
Mundial é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento das eco
isso, que os países se estruturem e busquem instrumentos para se protegerem deste grave
mal que tanto degrada a sociedade e diminuem as riquezas dos países.
Para conduzirmos a investigação, destacamos dois países da América Latina, o
Brasil e o México, as duas economias mais industrializadas da região
1
Alberto Fujimori depois de se exilar no Japão durante alguns anos, voltou ao Peru em 2005, onde foi
indiciado e, posteriormente preso, por inúmeras suspeitas de irregularidades em seu governo, dentre elas
vários casos de corrupção.
2
Carlos Saul Menem, ao terminar seu governo passou a ser investigado por desvios de recursos e remessas
ilegais de dinheiro ocorridos em seu período como Presidente da República.
13
características interessantes ao implantarem as medidas neoliberais, seus governos foram
duramente acusados de irregularidades e corrupção
No caso brasileiro, foi Fernando Collor de Mello (1990-1992), primeiro presidente
eleito pelo voto popular, depois da ditadura militar (1964-1985) e que teve seu mandato
cassado
nte nos anos 80, mas se destaca pela intensificação
deste m
intervencionista criado no período posterior
a segun
m todos os países. A diferença é o grau de incidência com que ocorre, e seu controle
está di
ento econômico e social, como
Japão, Itália, França, Alemanha e Estados Unidos. Mas percebemos ainda, que é nas
por graves indícios de irregularidade e corrupção. O país viveu nesse momento um
clima de grande instabilidade política e ao mesmo tempo, um momento de muitas
alterações econômicas, onde o modelo centrado no Estado passa a ser substituído por um
paradigma onde o mercado assume, ou teoricamente assumiria o papel central na economia
e no desenvolvimento da sociedade.
No México, Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) não foi o presidente que iniciou
estas políticas, adotadas pioneirame
odelo, onde o Estado perdeu espaço para o mercado. No seu governo o México
passou por grandes mudanças estruturais, onde podemos destacar duas, a adesão ao Tratado
de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e o surgimento do movimento zapatista
(Exército Zapatista de Libertação Nacional - EZLN), que causaram grande convulsão na
sociedade, com graves impactos econômicos.
No primeiro capítulo, discorremos sobre o Neoliberalismo, sua origem nos anos 70,
gerado pelo esgotamento do modelo de Estado
da guerra mundial, que foi o responsável pelo amplo crescimento da economia nos
anos 50 e 60, e que inspirou Hobsbawm a caracterizá-lo como os 30 gloriosos, justamente o
período de maior crescimento do sistema capitalista mundial, com taxas de quase 10% ao
ano.
A corrupção é analisada no capítulo 2, e nos mostra que as suas origens são antigas
e afeta
retamente ligado a uma sólida construção de aparatos institucionais, que inibem o
indivíduo a cometer estas irregularidades, que tanto mal fazem à sociedade, aumentando a
miséria, a pobreza e a violência social, erodindo de forma clara a esperança e a confiança
dos cidadãos com as instituições dos países.
A corrupção não é monopólio dos países subdesenvolvidos, acontece em todas as
economias, até as que alcançaram alto grau de desenvolvim
14
econom
rência Internacional (TI), que criou um indicador para mensurar a corrupção, o
Índice
apresentam graves
desequ
bastante grave. Em quase 36 meses
de gov
evolucionário Institucional (PRI), detêm, desde os anos
20, tod
trolada,
ias subdesenvolvidas que esta forma irregular de extrair recursos da sociedade se
desenvolve de forma mais evidente, isso se dá devido ao frágil desenvolvimento
institucional destes Estados, que muitas vezes ficam reféns de grupos estruturados que
detêm recursos de forma ilícita e se utilizam disso para manter o domínio sobre a estrutura
social.
A corrupção se tornou um fator tão importante em termos mundiais que surgiram
até Organizações Não-Governamentais (ONGs) para combatê-la, dentre elas destacamos a
Transpa
de Percepção de Corrupção (IPC), como o próprio nome diz, analisa a percepção da
sociedade com relação a corrupção, isso porque é imensamente difícil precisar algo tão
incerto e impreciso, já que os corruptos não saem alardeando seus atos.
O terceiro e o quarto capítulos analisam o modelo neoliberal implantado no Brasil e
no México, destacando as políticas adotadas na economia e suas principais conseqüências
sociais. Percebemos que ambos os Estados Nacionais analisados,
ilíbrios, de ordem econômica, social e política.
O caso brasileiro, analisado no capítulo 3, concentramos esforços na análise do
governo Collor de Mello, sua política econômica liberalizante e seus impactos sociais, com
relação à corrupção percebemos ainda, que a situação é
erno, Collor de Mello se viu envolvido em inúmeros casos de irregularidade e
corrupção, que mobilizou a sociedade civil em prol da cassação de seu mandato, que
aconteceu como presidente eleito.
No quarto capítulo, ao analisarmos o caso mexicano, percebemos que o
desequilíbrio se mostrou mais acentuado, isso porque esse país tem um sistema político,
onde um único partido, o Partido R
o o controle sobre a sociedade, mantendo o controle sobre o aparato Jurídico, a
Polícia, o Ministério Público, além de controlar grande parte da economia e do sistema
econômico. A corrupção se apresenta como sistêmica, ou seja, não é mais conjuntural, mas
esta estruturada na vida institucional do país e seus impactos sociais são inúmeros.
Ao analisarmos os governos neoliberais do México e do Brasil, pretendemos
levantar alguns dados e indicadores que nos mostrem quanto foi extraído destes países
nesses momentos, onde é sabido que a corrupção se espalhou de forma quase incon
15
afetand
ão e US$ 2 trilhões anualmente. Estes dados são
import
uturas sócio-econômicas se apresentam de forma mais debilitadas, com
graves
ia, das telecomunicações e da
inform
ência e a desigualdade; e que no período acima estudado, a corrupção
o até os mandatários desses países, gerando um clima de grandes instabilidades
econômicas, políticas e institucionais.
Pesquisas recentes feitas pelo Banco Mundial (Bird) mostram que a corrupção extrai
da sociedade mundial algo em torno de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, isso
daria atualmente, entre US$ 1,5 trilh
antes porque é uma visão inovadora e pioneira, e desenvolvida por uma instituição, o
Banco Mundial, de grande influência e representatividade internacional, com credibilidade
e legitimidade.
A subtração de forma ilícita destes recursos das economias acaba gerando graves
desequilíbrios nos países, desequilíbrios que são maiores nos países em desenvolvimento,
já que suas estr
problemas de pobreza, miséria e exclusão social.
Em um mundo globalizado, onde a estrutura produtiva se torna cada vez mais
global, onde a produção é feita não mais em um único país, mais em vários países, e isso só
é possível graças ao desenvolvimento da tecnolog
ática, que atuam no sentido de diminuir os custos de produção, a corrupção acaba
sendo um grave empecilho para o sistema econômico, pois acaba aumentando os custos de
produção e elevando o preço dos produtos, algo que deve ser combatido de forma imediata
e intermitente.
O objetivo maior desta Tese é analisar os casos brasileiro e mexicano, onde a
corrupção aumenta os desequilíbrios sociais e aprofunda o abismo de renda entre os países,
aumenta a viol
disparou e extrapolou todas as medidas, onde poderíamos, sem corrermos o risco de nos
equivocarmos, dizer que nestes países a corrupção subtraiu algo em torno de 10% do
Produto Interno Bruto ao ano
3
. Estes recursos poderiam diminuir inúmeros desequilíbrios
sociais e viabilizar sociedades melhores com perspectivas mais sólidas para esses países.
A sociedade mundial passa por períodos de grande instabilidade, que ameaçam a
credibilidade das instituições políticas e contribuem para o ceticismo da população, que, ao
3
Se pesquisas feitas pelo Banco Mundial concluíram que a corrupção extrai da sociedade internacional
anualmente 5% do Produto Interno Bruto global, algo em torno de US$ 2 trilhões, podemos imaginar, que,
tanto no Brasil quanto no México, foram extraídos via corrupção nos períodos analisados um volume superior
a 5% do PIB, por exemplo, de 6% a 10%.
16
perderem as esperanças no futuro, passam a agir de forma predadora, sucumbindo à
corrupção, tráfico de drogas, extorsões e outras atividades irregulares.
A corrupção nestes países causa impactos tão grandes na sociedade, que ao
compararmos os investimentos públicos em saúde e educação com os recursos desviados
o problema da corrupção de forma bastante evidente, mas a medida que a
via corrupção, percebemos de forma mais evidente e nítida, o tamanho do problema da
corrupção nestes países e o grave estrago que faz na sociedade, condenando-as à miséria e a
exclusão.
Brasil e México, países com nível médio de desenvolvimento econômico,
apresentam
sociedade destes países tome consciência dos males causados pelo desvio de recursos (que
piora a concentração da renda, afetando diretamente os gastos sociais e pune de forma
avassaladora os pobres, pois são estes os que mais sofrem com o declínio econômico, mais
dependem dos serviços públicos e menos podem pagar os custos de propinas, fraudes e
obtenção de privilégios), e passe a combater de forma intensa e veemente este mal, a
situação social tenderá a melhorar e as políticas públicas, com certeza, terão indicadores
positivos para comemorar, uma população mais saudável, com melhorias em áreas
estratégicas, como educação, saúde e segurança, setores fundamentais em um mundo
marcado pela competição intensa entre países e empresas, em busca de novos espaços para
a atuação no competitivo mercado global.
17
Capítulo 1
Neoliberalismo
Introdução
A sociedade mundial está passando por inúmeras transformações nas últimas
décadas, principalmente a partir dos anos 70, onde algumas características do sistema
internacional iniciada no pós segunda guerra mundial entram em crise e abre espaço para
um novo paradigma de comportamento econômico e social. As idéias keynesianas, que se
estruturava e se baseavam em uma intervenção do Estado na vida econômica, sem atingir
totalmente a vida da empresa privada, perde espaço constantemente para outro
comportamento ideológico do sistema capitalista, o neoliberalismo.
O embate entre as idéias keynesiana e neoliberal começa fortemente nos anos 60,
quando o capitalismo mundial estruturado no intervencionismo estatal começa a perder
espaço para o liberalismo.
Os anos 70 alteram rapidamente o cenário internacional, inúmeras crises afetam o
sistema e abrem espaço para um novo modelo produtivo, este estruturado num modelo de
Estado mínimo, com aumento do papel do mercado, privatizações, abertura econômica,
desregulamentação, etc...
O presente capítulo tem como objetivo analisar o aparecimento, desenvolvimento e
hegemonia do pensamento neoliberal, não só na América Latina e nos demais países
emergentes, como também nos países desenvolvidos, tais como os Estados Unidos e
Inglaterra, países que introduziram o pensamento neoliberal.
O neoliberalismo teve início no Chile em 1973
4
, com o governo do General
Augusto Pinochet, que introduziu de forma avassaladora o pensamento liberal, com
resultados variados. O Intuito deste texto é analisar o neoliberalismo na América Latina,
4
O neoliberalismo chileno iniciou-se nos anos 70 com Augusto Pinochet, cuja inspiração teórica era mais
norte-americana (Milton Friedman) do que austríaca (F. Hayek).
18
não pretendendo se concentrar na experiência do Chile, mas nas experiências levadas a
cabo no Brasil e no México.
Ao analisar o neoliberalismo na América Latina, o texto prioriza uma análise do
chamado Consenso de Washington, conjunto de medidas e políticas que deveriam ser
adotadas para que os países da região conseguissem atingir um alto grau de
desenvolvimento econômico.
1.1. O Ressurgimento do Liberalismo Clássico
O neoliberalismo é filho da Crise Fiscal do Estado porque se esgotou o Estado de
Bem Estar Social desenvolvido no período posterior à segunda guerra mundial (1945-
1970). Neste momento crucial da história deste século, um pacto social entre os agentes
sociais (Estado, empresários e trabalhadores) garantia mais bem estar social, mais
segurança, maior aposentadoria, maiores pensões e uma presença maior do Estado. Este
modelo começa a se mostrar deficiente no início dos anos 70, com uma diminuição do
crescimento econômico e um aumento nos índices de inflação, gerando inúmeras
discussões sobre a falência do modelo centrado no Estado e, a necessidade de se construir
uma nova estratégia para o desenvolvimento.
As idéias neoliberais nascem como um contraponto ao pensamento da época, e
pregavam contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Como destaca Anderson: “Trata-
se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por
parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal a liberdade, não somente econômica,
mas também política” (1995, p. 9).
Os teóricos neoliberais, liderados pelo austríaco Friedrick Hayek
5
, organizaram uma
reunião na cidade de Mont Pelerin, na Suíça, onde fundaram a Sociedade de Mont Pelerin
6
,
cujo propósito era combater o “Keynesianismo e o solidarismo reinante e preparar as bases
5
Além do economista austríaco, Anderson destaca ainda, como integrantes deste grupo, Milton Friedman,
Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupker, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador
de Madariaga, entre outros (1995, p. 10).
6
Grupo de teóricos representantes do Pensamento Liberal que se opunham ao surgimento do Estado de Bem-
Estar de estilo Keynesiano e social-democrata e contra a política norte-americana do New Deal.
19
de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro” (Anderson, 1995,
p.10).
Como destaca Chauí, a chamada Sociedade de Mont Pelerin, estava:
“... navegando contra a corrente das décadas de 50 e 60, esse grupo elaborou um
detalhado projeto econômico e político no qual atacava o chamado Estado-
Providencia com seus encargos sociais e com a função de regulador das
atividades de mercado, afirmando que esse tipo de Estado destruía a liberdade dos
cidadãos e a competição sem os quais não há prosperidade. Essas idéias
permaneceram como letra morta ate a crise capitalista do inicio dos anos 70,
quando o capitalismo conheceu, pela primeira vez, um tipo de situação
imprevisível, isto e, baixas taxas de crescimento econômico e altas taxas de
inflação: a famosa estagflação” (1999, p. 28).
Foi apenas quando o capitalismo começou a aparentar sinais de crise ou reversão do
crescimento, que os teóricos passam a serem ouvidos com respeito, pois ofereciam supostas
respostas para a crise, que, segundo Hayek
7
, era causada pelo poder excessivo dos
sindicatos e dos movimentos operários que haviam pressionado por aumentos salariais e
exigido o aumento dos encargos sociais do Estado. O que diminuiu os níveis de lucro das
empresas e desencadeado os processos inflacionários incontroláveis (Anderson, 1995, p.10-
1).
Diante do diagnostico dado pelos neoliberais liderados por F. Hayek e M. Friedman,
a solução seria a adoção de algumas medidas:
“1) um Estado forte para quebrar o poder dos sindicatos e movimentos operários,
para controlar os dinheiros públicos e cortar drasticamente os encargos sociais e
os investimentos na economia; 2) um Estado cuja meta principal deveria ser a
estabilidade monetária, contendo os gastos sociais e restaurando a taxa de
desemprego necessária para formar um exercito industrial de reserva que
quebrasse o poder dos sindicatos; 3) um Estado que realizasse uma reforma fiscal
para incentivar os investimentos privados e, portanto, que reduzisse os impostos
sobre o capital e as fortunas, aumentando os impostos sobre a renda individual e,
portanto, sobre o trabalho, o consumo e o comercio; 4) um Estado que se
afastasse da regulação da economia, deixando que o próprio mercado, com sua
racionalidade própria, operasse a desregulacao ; em outras palavras, abolição dos
investimentos estatais na produção, abolição sobre o controle estatal sobre o fluxo
financeiro, drástica legislação antigreve e vasto programa de privatização”
(Chauí
8
,1999, p. 28).
7
O economista austríaco Friedrich August von Hayek, ganhador do Prêmio Nobel de Economia (1974),
representante da corrente neoliberal expôs suas idéias no seu livro mais importante: “O Caminho da
Servidão”.
8
As palavras da filósofa Marilena Chauí, ditas acima, é quase um raio “X” do comportamento do Partido dos
Trabalhadores (PT), ao assumir o governo algumas décadas depois, 2003-2006.
20
Daqui do continente sul-americano se ergueu para ganhar o mundo a grande Teoria
do Estado Neoliberal. O Chile
9
, sob a ditadura de Pinochet foi o primeiro regime neoliberal
da história, isso quase uma década antes de Margareth Thatcher na Inglaterra e de Ronald
Reagan nos Estados Unidos. O Chile começou sua onda neoliberal de maneira dura, usando
todas as armas do receituário: desregulamentação, desemprego massivo, repressão sindical,
distribuição de renda a favor dos ricos e privatização em massa.
O regime Neoliberal instalado no Chile implicou numa forte ditadura, uma das
piores do pós-guerra, com milhares de pessoas mortas e desaparecidas. “Mas, a democracia
em si mesma - como explicava incansavelmente Hayek - jamais havia sido um valor central
do Neoliberalismo” (Hayek apud Anderson, 1995, p. 19).
Como destacou Arruda, ao estudar o caso chileno de ajuste neoliberal:
“O Chile durante muito tempo foi mostrado ao terceiro mundo como exemplo do
sucesso do neoliberalismo. Na verdade, o país abdicou da industrialização e
optou pelo modelo agro-industrial exportador, altamente dependente dos
mercados e dos investimentos internacionais. Nada a ver com modernidade.
Especializou-se em atender certas demandas dos mercados do hemisfério norte:
frutas frescas industrializadas, vinho, bebidas, pescas, salmão, madeira, insumos.
E ampliou, como os outros paises ‘emergentes’, o seu mercado de capitais; mas
com o cuidado de regular tanto a entrada quanto a saída dos capitais de curto
prazo. Nisto foi um exemplo para os paises ‘emergentes’, que por não o terem
seguido entraram em profunda crise (Ásia do Leste, Rússia) ou estão gravemente
ameaçados ( Brasil e os ‘emergentes’ latino-americanos)” (1999, p. 25).
As raízes da crise, afirmavam os teóricos neoliberais, estavam no poder excessivo e
demoníaco dos sindicatos e, em maneira geral, do movimento operário. Considerava-se que
este movimento operário havia corroído as bases de acumulação e de lucro do sistema
capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com suas pressões
parasitárias para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais.
A solução neoliberal seria manter um Estado forte em sua capacidade de romper o
poder sindical e no controle da emissão de dinheiro, e fraco em todos os gastos sociais e nas
intervenções econômicas.
9
É importante destacar que o neoliberalismo do Chile, ao contrário dos países anglo-saxões, teve como
inspiração, as idéias do norte-americano Milton Friedman, enquanto nos outros paises se apoiavam no
austríaco F. Hayek (Anderson, 1995, p. 19).
21
Para que isso pudesse acontecer, era necessária uma disciplina orçamentária com
uma contenção dos gastos do bem-estar social e com a “saudável” volta do exército de
desempregados da década de 30, ou seja, a criação de um exército de mão-de-obra de
reserva de trabalho para quebrar os sindicatos.
Na Inglaterra, em 1979, foi eleito o governo conservador Margareth Thatcher, o
primeiro regime de um país de capitalismo avançado que estava publicamente empenhado
na prática de um programa Neoliberal. Um ano mais tarde (1980), chegou ao poder nos
Estados Unidos, Ronald Reagan. Em 1982, Helmut Khol derrotou o regime Social-Liberal
de Helmut Schmidt, na Alemanha.
De todos os modelos de Neoliberalismo, o inglês foi o mais puro e o pioneiro. A
Política Econômica de Thatcher contraiu a emissão monetária, elevou a taxa de juros,
baixou drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliu o controle sobre a
ciranda financeira e sobre os fluxos de capitais, criou um fluxo de desemprego massivo,
destruiu todas as greves impondo uma legislação anti-sindical e cortou todos os gastos
sociais possíveis e, para delírio de todos os teóricos do Neoliberalismo, se lançou na maior
onda de privatizações, começando pela habilitação pública, passando em seguida a
indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. O pacote de
medidas Neoliberais foi o mais sistemático e ambicioso (Anderson, 1995, p. 12).
Nos Estados Unidos, onde o Estado de Bem-estar social quase não existia, nos
moldes dos países europeus, a prioridade neoliberal era a competição militar contra a União
Soviética, concebida, como uma estratégia para quebrar a economia soviética e derrubar o
regime comunista; não se pode esquecer que a administração Reagan também reduziu
imposto para os ricos, elevou a taxa de juros e acabou com o já pouco organizado sistema
sindical americano (Anderson, 1995, p. 12).
A França, através do governo socialista de François Miterrand se viu forçada pelos
mercados financeiros a buscar uma política Neoliberal nos moldes já mais realistas e
terminaram por perder a última eleição presidencialista para o partido da direita (RPR),
representada por Jacques Chirac. No final dos anos 80, o nível do desemprego era mais alto
que na Inglaterra e só perdia para a Espanha de Felipe Gonzalez
10
, que se mostrava bastante
monetarista.
10
O nível de desemprego na Espanha estava na casa dos 20%, um dos maiores do mundo, e a situação da
22
A prioridade inicial do neoliberalismo era deter a inflação dos anos 70, mas outros
êxitos foram conseguidos pela política neoliberal. Se analisarmos o êxito da política
neoliberal pelo combate da inflação, o resultado foi inegável. Na Europa, a inflação caiu de
8,8% nos anos 70 para 5,2% nos anos 80 e em torno de 2,3% nos anos 90. Outro ponto de
êxito da política neoliberal foi com relação ao lucro das empresas capitalistas, que saíram
de um prejuízo de 5,3% nos anos 70 para 5,2% nos anos 80, a razão disso foi a queda do
movimento sindical. O terceiro êxito foi o aumento nos índices de desemprego, concebido
como um mecanismo natural e necessário a qualquer economia de mercado. O quarto e
grande êxito da política neoliberal foi o grau de desigualdade social – talvez o objetivo
mais importante de todos os princípios neoliberais – o Neoliberalismo precisa que os ricos
como classe dominante possa servir de válvula propulsora para a reanimação do
capitalismo avançado mundial (Anderson, 1995, p.15).
O grande paradoxo, entre os anos 70 e 80, e que não houve nenhuma mudança na
taxa de crescimento dos países da Europa. Dos anos Dourados resta apenas uma vaga
lembrança. Isso só aconteceu, porque a desregulamentação financeira, que foi um elemento
importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a
especulação financeira do que para o investimento produtivo.
Como constatou Anderson, ao fazer um balanço do neoliberalismo: “Durante os
anos 80 aconteceu uma verdadeira explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas
transações, puramente monetárias, acabaram por diminuir o comércio mundial de
mercadorias reais, o peso de operações puramente parasitarias teve um incremento
vertiginoso nestes anos” (1995, p.16). O autor destaca ainda, como fracasso do
neoliberalismo, o peso do Estado de Bem–Estar Social, que em vez de diminuir, aumentou,
saindo dos 46% e passando para 48% do PNB médio dos paises da OCDE durante os anos
80. O centro do aumento dos gastos públicos foi o aumento dos gastos sociais com
desemprego e o aumento demográfico dos aposentados que levou o Estado a gastar outros
bilhões em pensões (Anderson, 1995, p. 16).
classe trabalhadora se deteriorava constantemente, com níveis de miséria e indigência dos mais violentos
(Anderson, 1995, p. 14).
23
1.2. Da Crise Fiscal às Idéias Neoliberais
As transformações no Estado capitalista, a partir dos anos 30, tiveram repercussões
na produção teórica na área de finanças públicas, que perde seu caráter estritamente
contábil e passou a constituir um ramo da macroeconomia. No contexto atual, não se
discutem as finanças públicas sem enquadrá-las dentro de uma problemática mais ampla: a
crise do Estado.
Quando se fala em crise do Estado, devemos destacar que esta é uma dimensão da
crise estrutural do capitalismo, cuja face mais visível, por exemplo, foi apreendida como
“crise fiscal”, embora esta não se resuma apenas a isso. Esta crise do Estado é única devido
à novidade da estrutura econômica e social na qual se manifesta, ou seja, uma estrutura na
qual é “intima e simbiótica a relação entre Estado e a economia” (Oliveira
11
, 1989, p. 3).
Assim, é exatamente a natureza dessa relação que torna singular a crise do Estado, diferente
da que houve nos anos 30, pois se tratava de uma crise de constituição da estrutura
econômica e social, enquanto a dos nossos dias é da própria estrutura que se conformou a
partir dos anos 30.
O Estado que “nasce” da crise dos anos 30 ficou conhecido com o nome de Estado
Keynesiano. Esta nomenclatura se tornou necessária pela novidade histórica dos elementos
que o designavam. Por outro lado, o período de plena realização dessa estrutura passou a
ser conhecida como os “anos dourados”
12
, devido ao rápido e relativamente estável
desenvolvimento econômico, constituindo uma fase que se destaca na história do
capitalismo.
Segundo Belluzzo, podemos resumir desta forma as transformações ocorridas na
economia e na sociedade internacional depois da segunda Guerra mundial:
“Os acontecimentos que vem se manifestando no último quarto de século
parecem indicar que a era Keynesiana - os anos dourados do crescimento
capitalista - foi sucedida, desde o começo dos 70, por turbulências e
instabilidades que a historia poderá revelar tão formidáveis quanto as que
irromperam nas décadas de 20 e 30. O fato é que o conjunto das relações
comerciais, produtivas, tecnológicas e financeiras que nasceu do acordo de
Bretton Woods e prosperou sob a liderança americana, não resistiu ao próprio
11
Professor do Instituto de Economia (IE) da Universidade de Campinas.
12
Os “anos dourados” corresponderam ao período 1945-73, onde o capitalismo mundial apresentou suas mais
altas taxas de crescimento econômico de sua história, o termo foi cunhado pelo historiador britânico Eric
Hobsbawm. No período, em todos os “países industriais, incluindo até a lerda Grã Bretanha, a Era de Ouro
bateu todos os recordes anteriores” (Hobsbawm, 1995, p. 254).
24
sucesso. Os Estados Unidos e sua economia cumpriram, durante os primeiros
vinte anos de pós-guerra a função hegemônica que decorria de sua supremacia
industrial, financeira e militar. Sob o manto desta hegemonia foram reconstruídas
as economia da Europa e do Japão e criadas as condições para o avanço das
experiências de industrialização na periferia do capitalismo”. (Belluzzo, 1995A,
p. 12)
Segundo Martins:
“Os anos dourados foram gestados por uma variedade de intervenções
heterodoxas que reformaram o sistema econômico e o Estado capitalista. Tornou-
se assim possível uma serie de inovações: o funcionamento de agencias de
planejamento, o controle de preços e a elaboração de políticas no campo da
indústria, do comércio exterior e da seguridade social; os controles exercidos
pelos bancos centrais sobre o sistema bancário e as instituições financeiras; a
melhoria do sistema tributário com o aumento da participação das receitas no
PIB; o estatuto legal dos sindicatos de trabalhadores que permitiu a introdução
dos acordos coletivos. Tais reformas, notem-se bem, não foram ditadas pelo jogo
cego das forças de mercado. Elas resultaram da ação humana consciente que
interveio para criar uma instituição capaz de conciliar o dinamismo econômico do
capitalismo com as orientações valorativas elaboradas no espaço sócio-cultural”
(1996, p. 5).
Claus Offe destaca os compromissos assumidos pelas classes sociais no período de
ouro da economia mundial:
“Graças a uma espécie de mutuo entendimento tácito, estabeleceu-se uma
situação de compromisso entre as classes fundamentais. Os capitalistas passaram
a aceitar como legítimos tanto o movimento sindical quanto os gastos sociais do
Estado. Os assalariados, por sua vez, deixando de se opor às regras do lucro,
limitavam suas reivindicações de modo a não impedir a reprodução ampliada do
sistema capitalista. O equilíbrio geral entre oferta e procura era alcançado via
políticas macroeconômicas de inspiração Keynesiana, enquanto que o equilíbrio
entre salários e lucros era estabelecidos via acordos coletivos supervisionados
pelo Estado. As políticas sociais na área da educação, saúde, seguridade e
assistência ficavam a cargo do Estado de bem-estar social em franca expansão”
(Offe,1989, p.34).
No capitalismo conduzido pelo welfarestate-keynesiano, os grandes desequilíbrios
manifestados nas crises econômicas profundas, como a de 29, foram substituídas por
flutuações suaves, facilmente toleráveis. A taxa de desemprego, nos anos gloriosos,
reduziu-se na Europa a apenas 1,5% da população economicamente ativa (Martins, 1996, p.
5)
13
.
13
Martins destaca ainda, que os “...níveis crescentes de salários proporcionaram aos trabalhadores acesso a
um padrão de vida então desconhecido, ao mesmo tempo em que, graças à proteção social, os inválidos, os
25
O quadro ideológico do pós-guerra se caracterizava pelo recuo do conservadorismo
liberal, e a dominância do que se poderia chamar de reformismo Keynesiano. Diante disso,
Myrdal afirmava:
“Um aspecto interessante do aperfeiçoamento gradual do Estado democrático
contemporâneo é que muitas diferenças de opinião, em outros tempos de
candente importância, agora tendem a desvanecer-se e perder prestígio” (Myrdal
apud Oliveira, 1989, p.3).
Mais adiante, comenta:
“Em todo caso, temos visto poucos exemplos, se é que houve algum, de que a
chegada ao poder de um partido mais conservador tenha significado retração de
reformas realizadas por um partido mais de esquerda. Tudo isto indica o recuo
gradual das posições conservadoras” (Myrdal apud Oliveira, 1989, p.4).
Milton Friedman, no prefacio de seu “Capitalismo e Liberdade” reconheceu o recuo
das posições conservadoras:
“...quando este livro foi publicado pela primeira vez, suas teorias estavam tão
afastadas da corrente predominante que não mereceram nenhuma resenha por
parte de qualquer das principais publicações nacionais” (Friedman,1982, p.5).
Assim, o liberalismo
14
parecia ter sido definitivamente abandonado nos anos 50 e
60, o que torna surpreendente seu renascimento atual.
Segundo Oliveira:
“As políticas econômicas de corte Keynesiano e o ‘Welfare State’ pareciam ter
resolvido as questões mais candentes que se colocavam para o capitalismo. As
políticas econômicas tornariam insignificante a instabilidade do capitalismo, e a
pobreza e a miséria seriam eliminadas pelas políticas sociais do Estado. Assim,
apareceriam como coisas do passado as crises, o desemprego em massa e a
miséria, e os avanços do ponto de vista social e econômico logrados no pós-
guerra pareciam dar razão a essa visão”(1989, p.4).
enfermos e os mais velhos passaram a poder enfrentar as dificuldades inevitáveis, menos afligidos pelo
sentimento de insegurança. Tudo indicava que a vida estava melhorando e que o futuro traria cada vez mais
prosperidade e bem-estar” (1996, p.5).
14
Além das correntes liberais, as vertentes do marxismo também perdiam terreno, o que se tornava visível
com o progressivo enfraquecimento dos partidos comunistas pró-soviéticos na Europa Ocidental. Assim, ao
enfraquecimento do liberalismo conservador e do marxismo correspondia o predomínio do reformismo
Keynesiano.
26
Nos anos 70, o padrão de desenvolvimento baseado no welfare state começava a dar
mostras de esgotamento. As políticas econômicas convencionais revelavam-se incapazes de
direcionar a economia para os caminhos desejados; ou seja, o planejamento indicativo
mostrava-se impotente. As fases de expansão tornavam-se mais curtas, as recessões mais
rigorosas, a inflação aumentava com vigor, e o estável crescimento auto-sustentado dos
anos 50 e 60 não retornava. A dimensão social do Estado, por seu turno, dava mostras de
enfraquecimento e crise financeira, e começava a receber críticas vindas das mais variadas
direções (Draibe e Henrique, 1988, p.72).
As correntes de pensamento que se contrapunham nos anos 30, de um lado os
liberais conservadores e de outro os keynesianos e marxistas, continuam mantendo
basicamente as mesmas divergências. Os pontos centrais nesta disputa ideológica são os
princípios reguladores do capitalismo: os liberais afirmam que a economia e seus próprios
mecanismos de mercado tem o poder de regular a produção e a distribuição da forma mais
eficaz e adequada. Por outro lado, marxistas e keynesianos insistem em que o capitalismo
contemporâneo é essencialmente instável e que haveria necessidade de outro principio
regulador, no caso o principio de autoridade do Estado, a ser exercido através de certos
graus de planejamento econômico, onde para os marxistas o controle total estaria nas mãos
do Estado, e os keynesianos aceitariam dividi-los com o mercado, a fim de garantir níveis
adequados de atividade.
Essas duas correntes de pensamento antagônicas vão entrar em choque nos anos 70,
pois ambas apresentam seus pontos de vista com relação `a natureza da crise do padrão de
desenvolvimento baseado na Welfare State. Para os keynesianos e marxistas a crise do
Estado decorreria da crise econômica, enquanto os liberais vêem a determinação em sentido
inverso, ou seja, a crise econômica é produto do intervencionismo estatal.
“Os liberais centravam suas críticas, durante a fase de auge da acumulação
capitalista, no planejamento estatal pelo caráter autoritário e na persistente
tendência inflacionária que se manifesta no pós-guerra. Assim, os liberais
insistem no caráter inflacionista das políticas monetária Keynesianas, e mesmo
nos “30 gloriosos” diversos governos implementaram políticas econômicas de
corte monetarista, visando controlar a inflação” (Oliveira,1989, p.4 ).
É importante salientar que os liberais não possuem uma teoria da crise econômica,
pois segundo eles, o mercado é capaz de regular a economia, as crises resultariam sempre
27
de fatores exógenos a ela. Para essa corrente de pensamento, mesmo que ocorram, as crises
teriam curta duração e profundidade, pois constituiriam meros desajustes de mercado, logo
corrigidos pelo próprio mercado. Portanto, a profundidade e a duração da crise de 1929
seriam explicadas por equívocos das políticas monetárias do governo, e não pela
instabilidade do capitalismo (Oliveira, 1989, p.5).
A explicação da crise por fatores exógenos vai aparecer nas correntes liberais atuais
em suas interpretações dos momentos de dificuldades contemporânea. Evidentemente que
a ineficácia do “Estado Keynesiano” em criar de novo as condições para o crescimento
sustentado e estável fortalece o argumento dos liberais de que a crise atual decorre da
intervenção estatal.
Oliveira resume a critica liberal dessa forma:
“... a crise resultaria da própria interferência do Estado que, com suas
regulamentações generalizadas e sua tributação excessiva, retira estímulos à
oferta dos fatores de produção: capital e trabalho. O abandono das
regulamentações, a redução dos tributos e a diminuição dos gastos do ‘Welfare
poderiam reativar a economia e implicar a superação da crise. Baseados na curva
de Lafer, os liberais afirmavam que a própria redução dos impostos poderia
resultar em aumento da arrecadação tributaria. Feldstein assegurava: ‘um corte
nos tributos poderia incrementar, nas condições atuais, a arrecadação de
impostos, porque liberaria um enorme esforço de oferta atualmente deprimido’”
(1989, p.5).
Se para os liberais a crise atual é produto da ação do Estado, visto como gerador da
crise econômica, a solução seria a desmontagem dessa estrutura, reduzindo ou eliminando
as regulamentações no campo social e econômico, redução da carga tributária, diminuição
dos gastos sociais etc. Em suma: restaurar em sua plenitude os mecanismos de mercado,
para que o capitalismo possa livremente voltar a desenvolver-se.
Seriam funções do Governo, segundo os autores liberais:
“...manter a lei e a ordem; definir direitos de propriedade; servir de meio para a
mudança dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgar
disputas sobre a interpretação das regras existentes; promover a competição;
fornecer a estrutura de um sistema monetário; procurar evitar a ocorrência de
monopólios; suplementar a caridade pública e a família na proteção do
irresponsável, quer se trate de um insano ou de uma criança; etc”. (Friedman &
Friedman, 1988, p.39)
28
Na visão dos Friedman
15
, “um tal governo teria, evidentemente, importantes
funções a desempenhar”, uma vez que “o liberal consistente não é um anarquista” (1988,
p.39).
Segundo os liberais, quando a interferência do governo se torna abusiva, ele passa a
oprimir os indivíduos como consumidores de bens e serviços. Colocando-se nesta
qualidade
“...não somos nem mesmo livres para decidir como gastar a parte da renda que
nos sobra dos impostos. Não temos liberdade de comprar ciclamatos (...). Nosso
médico não nos pode receitar numerosos medicamentos que talvez considere os
mais eficazes para nossos padecimentos, mesmo que essas drogas existam em
abundância no exterior. Não temos liberdade de comprar um carro sem cintos de
segurança” (Friedman, 1980, p.76).
Segundo os Friedman, os sindicatos têm considerável influência na fixação dos
salários, supervalorizando-os relativamente aos que seriam estabelecidos através do livre
funcionamento do mercado. Todavia uma gama variada de outras conseqüências, de grande
repercussão para o conjunto dos cidadãos, decorre da atuação sindical, uma vez que “o
sindicato bem-sucedido reduz o número de empregos a disposição do ramo que controla” e
a amplificação da base de atuação sindical “poderia significar salários mais altos para os
que conseguissem emprego”, mas acarretaria “mais desemprego para os demais”. Isto, com
boa dose de probabilidade, fariam com que os sindicatos se dividissem em fortes e fracos,
“com os membros dos primeiros ganhando salários mais altos (...) às expensas dos
membros dos segundos” (Friedman, 1980, p.231). No enfoque friedmaniano, não só os
trabalhadores desempregados ou mal pagos seriam atingidos pelos defeitos deletérios da
ação sindical ao promover a alta dos salários, uma vez que, enquanto consumidores, todos
os cidadãos passariam a pagar preços mais elevados por tudo que consumissem (Friedman,
1980, p. 232).
Entre o próprio discurso teórico do liberalismo e suas praticas no poder existe um
descompasso, o que gerou, segundo Oliveira, a “...expressão LIREX - liberalismo
realmente existente, tal como já havia sido forjada a expressão SOREX - socialismo
realmente existente” (1989, p.6).
15
É importante destacar, quando se refere aos Friedman, que se trata do casal Rose e Milton, marido e
mulher.
29
“A própria administração Reagan, que se dizia inspirada na “economia da
oferta”, reduziu os impostos das camadas mais ricas e cortou gastos sociais, mas,
por outro lado, operou com déficits públicos crescentes, e sua política foi mesmo
denominada Keynesianismo bastardo” (Tavares, 1985).
Segundo argumento usado por Tavares, à recuperação a partir de 1982 deveu-se
muito mais aos estímulos à demanda, resultantes dos déficits fiscais crescentes, do que a
outros fatores. Diante disso, o principio liberal de reduzir a intervenção do Estado não foi
levado a cabo e, quando da quebra das bolsas na segunda-feira negra
16
, os liberais no poder
não hesitaram um átimo e logo se utilizaram de todos os instrumentos estatais disponíveis
para impedir que a quebra se aprofundasse (Tavares, 1985).
Seguindo a lógica de análise de Tavares (1985), para o lingüista norte-americano
Noam Chomsky e o ideólogo conservador britânico John Gray, os Estados Unidos não são
muito indicados para darem exemplos de economia neoliberal, muito pelo contrário.
Como destaca o lingüista, “... é ridículo falar de um modelo norte-americano
caracterizado por um duro individualismo e livre da interferência estatal. O governo Ronald
Reagan foi o mais antimercado da história moderna dos Estados Unidos. Duplicou
virtualmente as barreiras para tentar salvar a indústria norte-americana” (Chomsky, 1998).
Para Gray, o caminho é mais ou menos o mesmo: “Os Estados Unidos foram
protecionistas na maior parte de sua história. (...)É um erro, por exemplo, achar que Ronald
Reagan é o profeta do livre mercado. (...) Mas, claro, houve, ao mesmo tempo, um pouco
mais de mercado e comércio livres” (1999A, p.84).
Os Friedman acreditam que a inflação é um fenômeno monetário que resulta de uma
expansão mais rápida da quantidade de moeda em circulação do que a da oferta real de bens
e serviços; defendem a livre flutuação das taxas cambiais, as quais devem ser determinadas
no mercado por transações privadas, sem qualquer interferência do Governo. Todavia, as
taxas de câmbio flutuantes são, muitas vezes, associadas à instabilidade econômica e
financeira, o que eles consideram falacioso.
Para eles:
“Ser a favor de taxas de cambio flutuantes não significa ser a favor de taxas de
cambio instáveis. (...) O que desejamos e um sistema em que os preços sejam
livres para flutuar - mas no qual as forcas que os determinam sejam
16
O termo sexta-feira negra “está relacionado a catástrofes financeiras” (Sandroni, 1996, p. 288).
30
suficientemente estáveis de modo que os preços mudem dentro de limites
moderados” (Friedman & Friedman, 1988,p.39).
Os neoliberais
17
consideram as políticas de subsídios e incentivos creditícios e
fiscais, bem como as políticas sociais típicas do welfare state, como interferências no
sistema de mercado. E o financiamento dos gastos públicos necessários à sustentação do
welfare state o grande responsável pela quase totalidade dos males que afligem a sociedade:
a ampliação do déficit público, a redução da poupança privada, a inflação, o desestimulo ao
trabalho e à concorrência, a redução da produtividade, a marginalização social etc
(Camargo Neto, 1997, p. 83).
Como afirma Offe, o período pós-guerra foi marcado pelo reformismo Keynesiano,
que compreendia uma aliança implícita de classes. Foi esta aliança que deu sustentação
para o grande crescimento econômico do período 1945-75. Se os capitalistas aceitavam os
sindicatos e os gastos sociais do Estado, os trabalhadores, por seu turno, aceitavam as
regras do lucro privado e limitavam suas reivindicações, de forma a não por em questão a
ordem capitalista. Ora, a política neoliberal, tal como se delineia atualmente, pelas suas
práticas quanto à distribuição de renda e pelas suas atitudes ante os sindicatos, implicaria
uma ruptura com a aliança de classe reformista. Na verdade, a política neoliberal levada as
suas últimas conseqüências seria incompatível com a democracia de massas características
do pós-guerra (1989).
Oliveira destaca a visão de alguns setores marxistas, que compartilham da idéia
liberal de que a crise do capitalismo esta ligada à conformação do Estado
18
atual. Segundo
esta visão, os empréstimos teriam induzido o Estado a assumir parte de seus custos de
produção. Por um lado, à medida que os baixos salários pagos não cobrem os custos de
reprodução da força de trabalho, passa a ser de responsabilidade do Estado, através de seus
17
Cabe neste espaço uma explicação importante. O termo Liberalismo está ligado ao pensamento
desenvolvido pelo economista escocês Adam Smith, no século XVIII, para definir uma linha ideológica que
repelia a intervenção do Estado na economia e atribuía ao Mercado a responsabilidade pela condução das
questões econômicas e sociais, mas Adam Smith dava um papel importante como vigia para que as
mercadorias circulem livre e rapidamente, e também na educação e na saúde. O Neoliberalismo está ligado ao
renascimento das idéias liberais, onde os princípios do Liberalismo Clássico eram revividos, mas exagerando-
os com uma repulsa ao Estado interventor, a favor das empresas privadas e da privatização de empresas
públicas, além da desregulamentação da economia e da abertura econômica, não dando espaço que Adam
Smith reservava ao Estado.
18
Onde os neoliberais enxergam um excesso de Estado, uma ineficiência das empresas estatais e para isso
pregam menos Estado, os marxistas visualizam um Estado privatizado pelas forças do mercado e para isso
pregam uma reconstrução ou até mesmo sua total destruição.
31
gastos sociais, contribuir com o que seria um salário indireto para os trabalhadores. Por
outro lado, custos de pesquisas tecnológicas ou de capital social básico também foram
atribuídos ao Estado pelas camadas dominantes. E são exatamente essas atribuições que
geram a crise no capitalismo.
Segundo O’Connor :
“...embora o Estado tenha socializado os custos de capital, o excedente social
(inclusive lucros) continua a sofrer apropriação privada. A socialização dos
custos e a apropriação privada dos lucros geram uma crise fiscal, ou uma ‘brecha
estrutural’ entre as despesas do Estado e suas receitas. O resultado é uma
tendência para as despesas publicas cresceram mais rapidamente do que os meios
de financiá-las” (Apud Oliveira, 1977, p. 22).
E mais adiante: “a acumulação de capital social e de despesas sociais é um processo
contraditório que cria tendências para a crise econômica, social e política” (O’Connor apud
Oliveira, 1977, p.22). Diante disso, conclui-se: não é a crise econômica que gera a crise do
Estado, mas, ao contrário, é a própria ação do Estado que resulta em tensões de toda ordem
na sociedade.
Baseando-me em Oliveira (1989), posso dizer que Keynesianos e marxistas
entendem que o determinante das turbulências dos anos 80 é a própria crise econômica, e a
crise do Estado não é senão uma das dimensões da crise econômica. A crise do Estado teria
duplo aspecto. 1) aparece como uma crise do welfare: a desaceleração do crescimento
econômico provocaria desequilíbrios financeiros profundos, ou seja, a arrecadação fiscal do
Estado tende a se reduzir e suas despesas sociais tendem a crescer com o desemprego. 2)
ela é resultante da ineficácia das políticas monetárias e fiscais tradicionais. Ou seja, diante
da crise atual, essas políticas se mostram incapazes de reconverter a economia na direção
desejada.
Como atesta Oliveira:
“...Keynesianos e marxistas, reconhecendo a impotência do Estado atual em
reconverter a economia através de políticas convencionais, não estariam
admitindo a falência de suas teorias. Na verdade, vão afirmar que os 30 gloriosos
foram resultado de outros fatores e não meramente produto da política econômica
praticada no pós-guerra” (1989, p.8).
32
Os anos 50 e 60 assistem a grandes transformações monetária e financeira causadas
pela saída para o exterior de capitais públicos e privados dos Estados Unidos em direção ao
Japão e à Europa, por meio de auxílios do Plano Marshall, da migração de filiais de bancos
e empresas americanas e pelo elevado número de trocas ali estacionadas. Esse movimento
acabou com a escassez de dólares no exterior e transformou os norte-americanos de
maiores credores para maiores devedores internacionais
19
.
Segundo Brunhoff, as políticas monetárias e financeiras do pós-guerra seriam
simplesmente responsáveis por prolongar fases de expansão e reduzir a duração das
recessões, e nunca suficientes para explicar os 30 anos de crescimento auto-sustentado. A
dimensão fundamental das transformações desde os anos 30 é dada pelas profundas
reformas econômicas, sociais e do próprio Estado, que foram levadas a cabo. E seria por
meio dessas transformações que se poderiam explicar os “30 gloriosos” (1991)..
Segundo Aglietta,
“...as reformas e as transformações implementadas nos anos 30 e depois do pós-
guerra compreendem mudanças que alteram as relações entre bancos centrais e
sistemas bancários. Por outro lado, o sistema tributário dos países avançados é
transformado, fazendo com que a participação das receitas fiscais do PIB seja
incrementada em 300% ou 400%. Também os sindicatos nos anos 30 e no pós-
guerra terão novo estatuto legal, e suas atividades assumirão novo papel
econômico. Na verdade, a generalização nos países avançados da pratica dos
acordos coletivos de trabalho, instrumentalizados pelos sindicatos, foi
fundamental para a definição e manutenção de certa norma de consumo”(Aglieta,
1979).
Segundo Oliveira:
“O próprio aparelho de Estado foi reformado para que a política do ‘welfare’ se
tornasse possível, e essa nova dimensão do Estado aparece como garantia da
manutenção da norma de consumo e como mecanismo estabilizador da economia.
O aparelho estatal foi ampliado com a criação de novas agencias para controlar
preços e de órgãos dedicados a estabelecer linhas de políticas industriais,
agrícolas etc” (1989, p. 8-9).
Singer define os pactos inéditos do capitalismo depois da crise dos anos 30:
19
O aumento do endividamento teve como contrapartida uma grande acumulação financeira por parte de
empresas e bancos multinacionais, que ampliaria ainda mais os principais fluxos financeiros internacionais.
33
“Pela primeira vez na historia do capitalismo a economia foi resgatada da crise
não pela reação espontânea dos mercados mas por uma ação deliberada do
Estado. Esta mudança marca a entrada do capitalismo em nova etapa, que
chamaremos capitalismo dirigido” (1998, p.156).
No período de gestação da nova estrutura (1930/50) uma guerra mundial produziu
efeitos sobre a estrutura econômica, ao queimar capitais e consumir capacidade produtiva,
ou seja, ao destruir a velha riqueza abrindo campo para o surgimento de novas frentes de
expansão. Destacamos também, do ponto de vista internacional, que a guerra aparece como
condição para a cristalização da hegemonia americana sobre o mundo capitalista e para que
o dólar se torne a moeda das operações internacionais.
“O pós-guerra assiste a amplos planos internacionais comandados pelos Estados
Unidos, como a reforma no Japão ocupado, que recebeu ainda empréstimos
americanos, e o Plano Marshall, que deslança as condições para o
desenvolvimento do padrão americano de industrialização da Europa” (Oliveira,
1989, p.9).
Segundo Singer:
“O principal vencedor da 2° guerra mundial foram os Estados Unidos e sua
vitória representou a difusão mundial da revolução rooseveltiana. O capitalismo
dirigido, após 1945, adquiriu um sentido democrático e progressista,
consubstanciado pelo compromisso de todos os governos - de manter o pleno
emprego. Este compromisso equivaleu a um pacto social, pelo qual se reafirmou
a democracia, adicionando-lhe a responsabilidade assumida pelo Estado de
assegurar a todos os cidadãos trabalhos e condições aceitáveis de vida” (1998,
p.158).
As transformações e reformas ocorridas no período 1930/50 indicam que seria
absurdo atribuir o dinamismo dos “30 gloriosos” simplesmente às políticas monetárias e
fiscais; mas nos anos 70, esgota-se o dinamismo, e uma crise estrutural se manifesta.
Coutinho e Belluzzo caracterizam a crise dos anos 70 como um processo
generalizado de superacumulação, acompanhado do esgotamento de certo padrão
tecnológico. Por outro lado, a crise atual se manifesta num capitalismo que levou ao alto
grau a internacionalização do capital produtivo e financeiro (1978).
Diante disso, conclui Oliveira:
34
“Nessas condições, as políticas monetárias e fiscais levadas a cabo em âmbito
nacional mostram-se incapazes de controlar e dirigir a ação das empresas
multinacionais e dos grandes bancos. A superacumulação bloqueia os
investimentos produtivos, e as políticas de relançamento da economia não resulta
em elevação da taxa de investimento, e mesmo que essa taxa se incremente, os
investimentos que se realizam são localizados e se mostram insuficientes para
desencadear um processo de crescimento auto-sustentado. Finalmente, dadas as
características das novas tecnologias, ondas de investimentos podem resultar em
redução do volume do emprego, já que a tecnologia destrói intensamente postos
de trabalho” (1989, p. 9).
Diante do exposto acima, não se pode insistir em políticas convencionais e repetir
velhas formas, pois a crise exige profundas reformas nos instrumentos tradicionais
manipulados pelo Estado, e a criação de novas formas de regulação da economia, tanto em
nível nacional como no global.
Ingrao sintetiza com grande precisão a trajetória do Estado no pós-guerra:
“...interesses particulares e privados passaram a controlar parcelas do aparelho de
Estado, e seria exatamente esse controle privado que retiraria o caráter publico
próprio da ação estatal. É evidente que, em fases de expansão econômica, fica
encoberta a aberração da forte presença privada no aparelho do Estado, mas, a
feudalização do Estado por interesses particulares bloqueia qualquer ação política
de transformação” (1980)..
A crise econômica da época apresentava múltiplas manifestações: crise econômica,
crise do Estado em sua dimensão social e Keynesiana, crise social e crise política. Portanto,
vive-se um momento de inflexão na historia do capitalismo, e nessas conjunturas não basta
repetir velhas formulas e receitas ultrapassadas.
1.3 A Crise dos anos 70
Os anos 70 se caracterizaram por profundas transformações na economia e na
sociedade mundiais, que foram descritas assim por Mattos:
“Os anos 70 estão marcados pela falência da era Keynesiana e pela incapacidade
das grandes potências em criar uma nova ordem econômica internacional. Os
EUA deixaram de ser o provedor da demanda efetiva do mundo capitalista,
explicitando as contradições de um sistema que só pode funcionar enquanto este
pais detinha uma hegemonia incontestável em todos os seus aspectos: político,
militar, financeiro, industrial e diplomático” (1998,p.19).
35
A crise dos anos 70 acentuou a crise de liderança mundial dos Estados Unidos. No
plano militar destacamos a derrota para o Vietnã e a crescente expansão da forca da União
Soviética e da China; no plano econômico destacamos o crescimento econômico da
Alemanha e Japão, países completamente destruídos na II Guerra Mundial.
A crise financeira e de comércio internacional e a inflação crônica associada ao
baixo crescimento econômico (fenômeno conhecido como estagflação) são as
manifestações mais importantes dessa crise global. O caráter produtivo de crise e atribuído
as mudanças no paradigma tecnológico, que passam a ser chamadas de “Terceira
Revolução Industrial”.
Como destaca Soares: “Os impactos e conseqüências da crise, bem como as
soluções para o seu combate, além das determinações mais gerais dadas pela própria etapa
de desenvolvimento do capitalismo, diferenciam-se entre outros paises pela inserção
internacional de suas economias e pelos particulares desenvolvimentos históricos, que
determinam respostas sociais e políticas especificas” (2000, p.11).
Furtado, destaca, que o:
“...quadro internacional que havia possibilitado a industrialização, mudou
profundamente no inicio dos anos 70: a crise do dólar, seguida do primeiro
choque petroleiro, deu origem a grande massa de liquidez internacional com a
baixa nas taxas de juros, conduzindo ao processo de sobreendividamento de
grande número de paises do terceiro mundo. O que vem em seguida e a dolorosa
historia dos ajustamentos impostos aos paises devedores: de absorvedores passam
estes a supridores de capitais internacionais, devendo concomitantemente
aumentar o esforço de poupança e reduzir o investimento interno. Esses
ajustamentos exigem um consenso e uma disciplina social difíceis de serem
alcançados em qualquer país, e mais ainda em sociedades marcadas por
profundas desigualdades e atraso político, como e a brasileira. Daí que a crise
atual, que já se prolonga por dois decênios, nos parece insuperável, havendo sido
notória a incapacidade do Estado para enfrentá-la (1998, p. 40-1).
Segundo F. Braudel, “o mundo não pode viver sem um centro de gravidade” (apud
Fiori, 1997, p. 93). Outros autores caminham na mesma direção. Gilpin e Kindleberger,
criaram a “Teoria da Estabilidade Hegemônica”, segundo a qual as grandes crises do
sistema capitalista ocorreram em períodos onde não existia uma liderança mundial, como
nos anos 30 (época onde a Inglaterra não mais exercia o papel de potência hegemônica e os
Estados Unidos estava envolvido com conflitos internos entre os expansionistas e os
isolacionistas) e nos anos 70 (crise da hegemonia norte americana). (Fiori, 1997, p. 93).
36
Segundo Kindleberger “para que a economia mundial seja estabilizada, deve haver
um estabilizador, e um só país estabilizador” (apud Fiori, 1997, p. 93).
A crise dos anos 70 foi uma crise de hegemonia, uma crise da hegemonia norte
americana, hegemonia esta exercida na “época de ouro do capitalismo”
20
. Alguns autores
definem hegemonia como uma capacidade material, matérias-primas estratégicas, capitais
de investimentos, tecnologia de ponta, armas, informações e acesso aos mercados
internacionais.
A crise do capitalismo dos anos 70 traz como uma das suas conseqüências mais
importantes a quebra do consenso econômico e social em torno da equação crescimento
econômico-políticas estatais de bem estar social.
Um país hegemônico desenvolve um papel ativo e gerência visando, manter os
mercados abertos, homogeneizar as políticas macroeconômicas, policiar os sistemas de
taxas de câmbio, tomar iniciativas anticíclicas e atuar quando necessário como emprestador
de última instância (Fiori, 1997).
Diante disso, percebemos que hegemonia e internacionalização são conceitos que
melhor sintetizam o debate contemporâneo sobre a “crise americana” dos anos 70 e seus
desdobramentos até o fim da guerra fria (anos 90).
1.4 Auge e crise da Hegemonia Americana
A hegemonia mundial dos Estados Unidos posterior à segunda guerra mundial foi
bastante diferente da hegemonia inglesa. No caso inglês, o equilíbrio de poder em que se
sustentava no controle europeu foi desestabilizado pela expansão política e econômica do
poder alemão (segunda metade do século XIX).
20
A Era Dourada do capitalismo caracterizou-se, do ponto de vista da produção industrial, pela crescente
oligopolização dos mercados, preços rígidos à baixa, em um contexto de expansão do mercado de consumo de
massas e de elevados ganhos de escala, também nos setores produtores de bens de capital e de bens
intermediários; caracteriza-se também pelos aumentos de produtividade, que se refletia em ganhos de salários
reais.
37
A nova ordem mundial norte americana foi sendo desenhada, na prática, pelo
impasse nas conversações com a União Soviética sobre a reunificação da Alemanha e sobre
o destino dos territórios ocupados na Europa central.
Os Estados Unidos, em função da competição com a União Soviética, submeteram
em várias oportunidades seu interesse imediato ao interesse coletivo dos seus aliados.
A partir dos anos 60, os Estados Unidos começaram a perder espaço, suas
exportações caíram, aumentou seu endividamento e seus problemas fiscais. Diante disso,
nos anos 70, o modelo norte-americano de desenvolvimento apresentou sinais de
esgotamento.
A ruptura da hegemonia norte americana ocorre no período 1968-1973, entre os
principais motivos, destacamos:
* Reinício dos grandes conflitos sociais europeus.
* Estados Unidos são derrotados na guerra contra o Vietnã.
* Rompimento dos acordos de Bretton Woods
21
. Este fato ocorreu em agosto de
1971, quando o presidente norte-americano, Richard Nixon, anunciou que os Estados
Unidos não mais honrariam a conversibilidade do dólar em ouro, rompendo com isso o
acordo de Bretton Woods. Esta medida representou a retirada definitiva do ouro do sistema
monetário internacional.
* Sírios e Egípcios (armados pelos soviéticos) conseguem sucessos militares na
Guerra do Yom Kippur. Esta guerra se iniciou com a invasão do território judeu pela Síria
ao norte e pelo Egito ao sul, no feriado judeu do Yom Kippur. Israel respondeu
violentamente e o conflito armado terminou em impasse. Sob a influência dos Estados
Unidos da América, da União Soviética e da Organização das Nações Unidas, foram feitos
acordos de Paz em 1973, 1974 e 1975, que mantiveram os territórios judeus sem nenhuma
mudança (Fiori, 1997, p. 125).
21
O Acordo de Bretton Woods foi o nome pelo qual ficou conhecido a Conferência Monetária e Financeira
realizada em julho de 1944, em Bretton Woods (New Hampshire, EUA) com representante de 44 países, para
planejar a estabilização da economia internacional e das moedas nacionais prejudicadas pela Segunda Guerra
Mundial. Os acordos assinados em Bretton Woods tiveram validade para o conjunto das nações capitalistas
lideradas pelos Estados Unidos, resultando na criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e do Acordo Geral de Tarifas e Comércio
(GATT).
38
Estados Unidos são obrigados a aceitar o primeiro choque do petróleo, ocorrido
em 1973, jogando assim pela janela o “regime energético” que sustentou o crescimento
econômico barato
22
.
Hobsbawn sintetizou bem o período entre o pós II guerra e o fim da guerra fria:
“...seria possível dizer que, entre 1945 e o início da década de 1970, a
economia mundial sofreu oscilações relativamente pequenas, ao passo que desde
1973 nos vimos de novo em um período marcado por sacudidas muito fortes: as
crises de 1980-82, 1990-91 e 1997-98. É possível que uma tendência similar nos
aguarde no futuro, tornando difícil estabelecer uma data precisa assinalando a
passagem de uma era para a seguinte. Também é evidente que os efeitos do
colapso da União Soviética revelaram-se extremamente graves e duradouros. Eu
acredito que este seria um problema muito importante, mas também subestimei
sua gravidade. Se hoje tivesse de reescrever A era dos extremos, seria mais
cauteloso ao prever uma rápida expansão global da economia capitalista no futuro
próximo. Em conseqüência do colapso da União Soviética, essa tendência pode
sofrer um adiamento ainda maior do que o previsto em meu livro. Por isso, é
muito difícil saber se já saímos do “breve” século XX” (2000, p.10).
Estes fatos contribuíram para conduzir a sociedade norte-americana a grandes
abalos econômicos, políticos e sociais. As agitações sociais na Europa e no próprio país
trouxeram várias conseqüências para o cidadão norte-americano, greves sindicais,
movimentos estudantis, movimentos sociais com bandeiras do pacifismo à contracultura;
todas estas agitações transformaram a sociedade norte-americana, pois trouxeram avanços
significativos no campo dos direitos e reformas estudantis, além de ganhos salariais
significativos, soma-se a tudo isso, a adoção do projeto da “Grande Sociedade” (governo
Johnson).
A guerra do Vietnã sofreu grande deslegitimidade com os movimentos sociais de
1968
23
, pois muito destes movimentos eram pacifistas, contra armas nucleares, guerras,
etc..., o que acabou por minar politicamente os movimentos militares no Vietnã.
No plano econômico
24
destacamos a estagflação (estagnação econômica e aumento
nos índices de inflação), impotência das políticas nacionais anticíclicas e avanço da
internacionalização financeira, alimentada pela reciclagem dos petrodólares
25
.
22
O aumento dos preços do petróleo em quatro vezes pelos países da OPEP (Organização dos países
exportadores de petróleo), apenas contribuiu para a crise do capitalismo, mas não pode ser caracterizado como
o motivador.
23
Estes movimentos se espalharam também para os países subdesenvolvidos, tais como os movimentos de
libertação africanos e os movimentos guerrilheiros latino-americanos.
39
No plano político, a França do General De Gaulle inicia uma rebeldia contra os
Estados Unidos, primeiro pressionando-os para que saiam da Europa, pois estes lá estavam
desde a II guerra mundial, depois criando sua própria forca atômica, e finalmente
abandonando a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
De Gaulle inicia uma busca de hegemonia na Europa, e veta a entrada da Inglaterra
no Mercado Comum Europeu e inicia um processo de reaproximação com a China. A
Inglaterra só vai conseguir adesão ao Mercado Comum com o fim da era De Gaulle.
Na década de 70
26
, o governo de J. Cárter, apesar de representar um desastre da
liderança mundial dos Estados Unidos, abre caminho para a restauração conservadora de
Ronald Reagan, que radicalizou com a Guerra Fria e retomou a hegemonia para o governo
norte-americano.
1.5 A Restauração da ordem via políticas neoliberais
Para retomar a hegemonia dos Estados Unidos, o governo Reagan aderiu a prática
da moeda forte, com isso os anos 80 se caracterizaram por um rigor monetário sem
precedentes. A restauração da hegemonia norte-americana foi respaldada pelos recém
eleitos governos conservadores M. Thatcher (1979) e H. Kohl (1982), respectivamente na
Inglaterra e Alemanha.
1.5.1. O governo conservador de Margareth Thatcher.
A Inglaterra deu inicio à trajetória neoliberal com Margareth Thatcher. Buscando a
“modernização pela racionalidade objetiva do mercado”, suas principais medidas buscavam
24
O início da crise dos anos 70 contrastou com o fim do ciclo mais extenso de crescimento continuado do
capitalismo (1945-1970).
25
Nome dado ás divisas provenientes da exportação de petróleo. O termo difundiu-se em 1973, quando a
OPEP elevou de 3 para 12 dólares o preço do barril de óleo cru, ocasionando um enorme afluxo de divisas
para os Estados exportadores. Mas vários milhões desses petrodólares não encontraram aplicação dentro das
limitadas estruturas econômicas de alguns paises membros da OPEP e retornaram ao Ocidente, injetados nos
bancos e grandes financeiras com sede nos paises mais industrializados. Foi a origem da grande liquidez do
mercado financeiro internacional, que durou ate o fim da década de 70.
26
Fim dos anos 70, mundo sem hegemonia e numa crise gigantesca.
40
uma contração da emissão monetária, a elevação das taxas de juros, a redução dos impostos
sobre altos rendimentos, abolição de controles sobre fluxo financeiro, com desdobramentos
na criação de níveis de desemprego massivos, a imposição de uma legislação anti-sindical e
no corte de gastos sociais.
Margareth Thatcher assumiu o governo britânico em 3 de maio de 1979, “com uma
crítica política à crescente intervenção do Estado baseada em teorias de sobrecarga política
com uma critica econômica ao Keynesianismo fundadas em concepções monetaristas da
economia” ( Fernandes, 1995, p. 19).
“Thatcher argumentava que o Estado britânico havia se tornado demasiado
grande e, ao aumentar sua presença na economia, diminuía a eficiência estatal.
Inspirada na obra de economistas monetaristas, Thatcher acreditava que a
inflação era causada pelo aumento excessivo da oferta monetária, que resultavam
em excessivos déficits do setor público, portanto, para obter crescimento sem
inflação eram necessárias metas rígidas para o crescimento da oferta monetária e
defendia a redução drástica da proporção do déficit em relação ao PIB”
(Fernandes, 1995, p.19).
No período 1979-1982, o governo concentrou seus esforços no combate a inflação
através do tratamento de choque em moldes ortodoxos, fazendo-a cair de 10,5% em 1979
par 5,4% em 1982 (Fernandes, 1995, p.20).
Fernandes enumerou os fatores considerados pelo governo Thatcher como os
responsáveis pela inflação:
“a) ausência de controle fiscal e monetário; b) excesso de poder sindical; c)
excesso de intervenção governamental e tributaria; e d) ausência de incentivos ao
trabalho por causa da política de previdência social e outros benefícios do Estado
de bem-estar” (1995, p. 20).
Para Anderson, além de seu pioneirismo, o neoliberalismo a lá Thatcher teria sido o
mais puro, sistemático e ambicioso desses experimentos nos países de capitalismo
avançado (1995, p. 12).
Nas palavras de Anderson: “O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o
mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de
juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles
sobre fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves,
impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E finalmente – esta
41
foi uma medida surpreendentemente tardia -, lançaram-se num amplo programa de
privatização, começando por habitação pública e passando em seguida à industria básica
como aço, eletricidade, o petróleo, o gás e a água. Esse pacote de medidas é o mais
sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo
avançado” (1995, p.12).
O governo conservador inglês também deu inicio ao seu programa do lado da oferta,
que consistia basicamente na repressão ao poder dos sindicatos
27
, privatização e
desregulamentação, e reforma fiscal.
O primeiro ministro Jim Callaghan, em um provocativo discurso no Congresso do
Partido Trabalhista em 1977, deixou isso extremamente claro:
“Nós costumávamos pensar que, para sair de uma recessão, tratava-se de
aumentar o emprego cortando impostos e promovendo o gasto público. Digo a
vocês, com toda a honestidade, que aquela opção não existe mais e, na medida em
que pode existir, funcionou em cada ocasião, desde a guerra, injetando maiores
doses de inflação na economia, seguida por um nível mais elevado de
desemprego como o próximo passo... Agora nós devemos nos voltar para os
fundamentos” (Beynon, 1999, p. 268-9).
A repressão ao poder sindical
28
se deu via medidas restritivas legais ao direito de
greve, tais como uma serie de leis sobre o emprego (Employment Acts), que tiraram muitas
das imunidades e limitou crescentemente o poder dos sindicatos de resistir com ações
grevistas. Beynon enumerou algumas destas leis que trouxeram prejuízo aos trabalhadores e
sindicatos:
27
Embora tenha sido no governo conservador de Margareth Thatcher que os sindicatos e os trabalhadores
acumularam as maiores perdas sociais e legais, deve-se reconhecer, tal como Beyon, “...que o projeto
neoliberal no Reino Unido precedeu a Thatcher. Ele começou sob o governo trabalhista e foi precipitado pela
crise dos meios de pagamento. A intervenção do FMI em 1976 restringiu seriamente as opções abertas ao
governo no meio de uma recessão severa e comprometeu-o a cortes nos gastos públicos de 8 bilhões de libras,
entre 1977 e 1979. A experiência convenceu o governo de que o Keynesianismo estava no fim” (Beynon,
1999, p. 268).
28
Beynon escreve que “Nos anos 70, o movimento sindical britânico era visto como um dos mais militantes e
organizados do mundo. Menos dependentes do Estado que seus correspondentes continentais, ele punha
ênfase em seu status como um movimento sindical “independente”, apoiado sobretudo na ‘livre-negociação
coletiva’. Com base em uma historia de luta e experiência, as organizações de representantes por seções (shop
stewards) nas industrias de metalurgia e de veículos eram vistas como defensoras combativas dos direitos dos
trabalhadores. No serviço publico e nas industrias nacionalizadas, sindicatos fortes e organizados
nacionalmente ofereciam um guarda chuva de proteção para seus membros. Greves nacionais como aquelas
organizadas pelos mineiros de carvão em 1972 e 1974 eram vistas como emblemática dessa forca e como
formas que, caso mobilizadas, poderiam ser utilizadas para defender e estender os direitos dos trabalhadores a
um emprego bem pago e bem seguro”.
42
“1) Todos os sindicatos tinham que formalmente registrar-se e registrar seus
estatutos junto a uma agência estatal; 2) os dirigentes dos sindicatos nacionais
tinham de ser eleitos por escrutínio entre seus afiliados; 3) a ação grevista tinha
que ser apoiada por uma votação pelo correio entre os trabalhadores envolvidos,
embora uma decisão em favor da greve não fosse obrigatória para aqueles que lhe
fossem contrários, nem protegesse os grevistas da demissão; 4) greves em apoios
de outros trabalhadores (ações secundarias) seriam ilegais; 5) os regulamentos
com respeito ao reconhecimento dos sindicatos pelo empregador ganharam
emendas tornando o reconhecimento mais difícil; 6) o closed shop (em que se
exige que todos os trabalhadores em um local de trabalho particular sejam
membros de um sindicato) foi abolido e a regra pela qual um trabalhador
“recusava-se” a ligar-se a um sindicato transformou-se em outra, a qual requeria-
se que os trabalhadores conscientes “optassem”
7) exigia-se dos sindicatos que mantivessem eleições por escrito sobre o “imposto
político” (parte da cota dos sindicato que os sindicatos mantinham em um fundo
político e que normalmente utilizavam para afiliar seus membros ao Partido
Trabalhista” (1999, p. 274).
Diante do dilúvio neoliberal, Beynon destacou algumas conseqüências para os
trabalhadores ingleses:
“Acordos coletivos nacionais (que negociavam índices de salários mínimos para
indústrias e empresas específicas), estabelecidos em décadas de organização
sindical, foram virados de cabeça para baixo e substituídos por contratos
individuais e locais. Entre 1980 e 1990, a OCDE estimava que os acordos
coletivos nacionais no Reino Unido caíram de 70% para 47%, considerando todos
os trabalhadores. Além disso, em muitas fábricas, os empregadores (em especial
de empresas americanas) embarcaram em campanhas anti-sindicais, incentivando
seus trabalhadores a não se filiarem a um sindicato. Em muitas fábricas onde
grandes seções da força-de-trabalho (principalmente categorias especiais de
trabalhadores ou aqueles em setores especiais) conservavam a filiação ao
sindicato, a empresa recusava-se a reconhecer sua existência ou a negociar com
seus representantes. Dentro desse contexto geral, o papel do dirigente sindical
tornou-se menos o de um organizador sindical e negociador coletivo e mais o de
advogado nos tribunais da industria e da justiça comum” (1999, p. 275).
As privatizações inglesas foram instituídas em 1979, mas só iniciado em 1981,
envolviam os setores estatais como o elétrico, o de telecomunicações, o portuário, o
siderúrgico, o de distribuição e o saneamento de água, e chegaram a durar até dez anos;
num segundo momento, outros setores, como geração de eletricidade, energia nuclear, o
sistema de correios e as ferrovias (privatizadas ou concedidas em concessão para as
empresas privadas).
As privatizações inglesas se deram através da transferência de empresas da
propriedade pública (tidas como menos eficientes) ao setor privado, expondo-as às forcas
43
competitivas de mercado, e da aquisição pelo público de ações de empresas estatais
desmobilizadas (conhecido como capitalismo popular), introduzindo a concorrência e
disciplina de mercado em áreas que haviam sido monopolizadas pelo governo.
Segundo Fernandes;
“Na Inglaterra, a maioria das empresas públicas eram monopólios estatais (como
no caso das empresas de eletricidade, gás, correio, telecomunicações e água) ou
operavam em mercados altamente regulados pelo governo ou dominados por
cartéis internacionais (como no caso de empresas de transporte, aviação e
siderurgia). Deve-se observar que a privatização foi feito em um contexto de
capitalismo obsoleto e sem uma política ativa de desenvolvimento industriais.
Mesmo assim, em termos de sua dimensão, se comparada coma experiência de
outros países europeus, a privatização ocorrida durante a gestão Thatcher é
paradigmática pela profundidade que assumiu o processo” (1995, p. 21).
O programa de privatização efetivou a transferência de mais de seiscentos mil
empregos para o setor privado; estima-se que a privatização tenha rendido cerca de quinze
bilhões de libras para o Tesouro inglês, onde mais do que triplicou o número de acionistas
britânicos, com a criação de sete a oito milhões de novos acionistas (Fernandes, 1995, p.
21).
O governo conservador de Margareth Thatcher realizou uma reforma tributária,
onde o centro de gravidade se transferiu do imposto sobre a renda para o imposto sobre o
consumo, porém, a tributação sobre as rendas mais altas e sobre o capital foi fortemente
reduzida.
Fernandes descreveu algumas medidas adotadas pelo governo conservador no
campo fiscal:
“Para permitir a redução nas taxas marginais dos impostos diretos, o governo
aumentou significativamente a alíquota dos impostos indiretos, principalmente o
imposto sobre Valor Adicionado - IVA (que passou a ter uma alíquota única de
15%, fazendo a inflação subir em quatro pontos percentuais. Com relação às
empresas, o governo modificou as regras de depreciação acelerada dos ativos,
visando estabelecer igualdade de tratamento entre os diferentes investimentos”
(1995, p. 21).
Diante das transformações no campo fiscal, a reforma não favoreceu as empresas,
sendo que a quantidade de impostos pagos pela pessoa jurídica passou de 2,5% para 5% do
PIB no governo Thatcher. O curioso disso tudo é percebermos que as mudanças fiscais não
44
implicaram em redução da carga tributária
29
, pois essa passou de 35,3% do PIB em 1980
para 39,1% em 1985 (Fernandes, 1995, p. 22).
O governo de Thatcher logrou pleno êxito na luta contra a inflação e no combate ao
déficit público, porém, não conseguiram desmantelar os principais programas do Estado de
bem-estar social, sobretudo nas áreas de educação, saúde, seguro-desemprego e pensão aos
idosos, que representavam quase metade das despesas públicas. Além disso, a forte
recessão e os altos índices de desemprego que se abateram sobre a economia inglesa no
período, elevaram os gastos públicos relacionados à previdência social e aos benefícios
suplementares.
30
Os anos 80 foram para a Inglaterra marcado por um baixo crescimento econômico,
abaixo da média do mundo industrializado. A maioria dos indicadores macroeconômicos
foram decepcionantes, tais como o desemprego, que em 1986 apresentava 4 milhões de
desempregados, contra um número bastante inferior aos 1,5 milhão de 1979.
Diante desses números, Tavares conclui que:
“...a única experiência de desindustrialização entre os cinco grandes países da
OCDE foi a da Inglaterra que, com suas políticas ultraliberais, sua opção
estratégica pelos serviços de alto valor e sua abertura excessiva para a
especulação financeira, deixaram-na no pior dos mundos ao terminar a década de
oitenta, apesar dos ganhos com o petróleo”. (1996)
Apesar do alarde neoliberal contra o Estado, todas as ações do governo conservador
de Margareth Thatcher não puderam se realizar sem a onipresença do Estado
31
. A despeito
do discurso, o governo Thatcher taxou mais seus cidadãos do que os governos trabalhistas
(Havranek & Barsotti, 1998, p. 208).
Hobsbawn também nos dá outra mostra do processo que caracterizou os anos 80 e
suas conseqüências no início da década de 90:
“Quanto à pobreza e miséria, na década de 80 muito dos países mais ricos e
desenvolvidos viram-se outra vez acostumando-se com a visão diária de
mendigos nas ruas, e mesmo com o espetáculo mais chocante de desabrigados
protegendo-se em vãos de portas e caixas de papelão, quando não eram
29
No governo Trabalhista (1973-1979), a carga tributária passou de 35,5% para 33% no período.
30
Destacamos também os incrementos nas despesas relacionadas à agricultura, a justiça e a defesa, esta ultima
vinculada à guerra travada com a Argentina pela posse das ilhas Malvinas.
31
Com destaque para as medidas de liberalização de capital e ampliavam o controle e a exploração do
trabalho.
45
recolhidos pela polícia. Em qualquer noite de 1993 em Nova Iorque 23 mil
homens e mulheres dormiam na rua ou em abrigos públicos, uma pequena parte
dos 3% da população da cidade que não tinham tido, num ou noutro momento
dos últimos cinco anos, um teto sobre a cabeça. No Reino Unido (1989), 400 mil
pessoas foram oficialmente classificadas como ‘sem teto’. Quem, na década de
1950, ou mesmo no início da de 1970, teria esperado isso?” (1995, p. 396).
O Neoliberalismo Inglês trouxe grandes benefícios para as camadas mais ricas da
sociedade, mas para as camadas menos aquinhoadas financeiramente, os resultados foram
cruéis, desemprego, miséria, indigência e exclusão social.
Segundo um relatório da Comissão de Justiça Social do Partido Trabalhista Inglês,
de 1992, nos últimos 15 anos, a desigualdade econômica e social e a pobreza haviam
aumentado de forma dramática (Leys, 2004, p. 96). O autor cita como exemplo, dados
relativos à saúde – expectativa de vida, mortalidade infantil, dias de trabalho perdidos por
doenças – eram significativamente inferiores às de países com rendas mais equilibradas e
vinham piorando; o “bem-estar econômico sustentável”, após crescer a passo com o PNB
depois de 1950, caíra novamente a partir de 1974; o nível de criminalidade, depois de cair
entre 1950 e 1955, viera subindo desde então, com aceleração na década de 80 aos
primeiros anos 90 (2004, p. 97).
As políticas neoliberais implantadas na Inglaterra nos governos conservadores de
Margareth Thatcher e John Major foram seguidas e aperfeiçoadas pelo Partido
Trabalhista
32
.
Um dado importante destacado por Leys, é que “os trabalhistas mantiveram – e
ampliaram – todas as leis sobre polícia, prisões e ordem pública dos conservadores. Dentre
todos os países da União Européia, a Grã-Bretanha tinha a maior proporção de sua
população na cadeia, mas o governo deu continuidade ao programa de construção de
presídios herdado dos conservadores (2004, p. 99).
Diante disso, percebe-se que as transformações ocorridas na Inglaterra com o
advento das idéias neoliberais aumentaram a concentração de renda, o desemprego e a
miséria elevaram-se de uma forma jamais vista anteriormente e, gerando uma destruição
32
É importante destacar, como faz Leys, que o Partido Trabalhista passou por uma transformação radical, em
1975, ainda era a ala política social-democrata do movimento sindicalista, comprometida com uma economia
mista e políticas sociais redistributivas. Já em 2000, era uma máquina eleitoral controlada pela elite, com uma
maioria parlamentar sem precedentes, orientada para o setor empresarial e por ele cada vez mais financiada e
não mais controlada formalmente pelos sindicatos (2004, p.55).
46
das políticas sociais existentes. Iniciando, dessa forma, um processo de criminalização das
questões sociais, algo bastante parecido com o ocorrido nos Estados Unidos, e descrito por
Wacquant, como a transformação do Estado Caritativo em um Estado Penal, onde todos os
níveis de delinqüência eram tratados de forma excessivamente rigorosa, aumentando a
população encarcerada a níveis jamais vistos (2003, p. 23).
1.6. A experiência neoliberal norte-americana
A experiência neoliberal norte-americana teve inicio na década de 80, num
momento em que a política econômica era caracterizada por políticas monetárias restritivas,
estas políticas foram adotadas com o objetivo de reverter a tendência inflacionaria. O
programa anti-inflacionário teve repercussão interna e externa: a taxa de inflação caiu de
13% para 4%, as taxas de juros aumentaram e a economia entrou em recessão, elevando o
desemprego e afetando particularmente as indústrias da construção civil, bens de produção
e de consumo duráveis.
Do ponto de vista externo, as elevadas taxas de juros estimularam a demanda
internacional de ativos em dólar, gerando elevados déficits na balança comercial, mesmo
assim a moeda norte-americana se manteve valorizada frente ao iene e o marco
33
.
Destacamos também, no âmbito externo, as conseqüências do aumento das taxas de
juros sobre os países que “...sustentaram seu crescimento aproveitando a liquidez
internacional vigente em décadas anteriores”, que “foram lançados numa crise de
endividamento sem precedentes” (Fernandes, 1995, p. 22).
A política monetária restritiva adotada pelo governo norte-americano e o Federal
Reserve (FED) levou vários países a adotarem políticas semelhantes, inclusive governos
social-democratas e socialistas.
Segundo Mattos:
“...o golpe fatal no sistema de regulação de Bretton Woods ocorreu com a brutal
elevação das taxas de juros decidida unilateralmente pelos Estados Unidos em
33
O Japão e a Alemanha foram os paises que mais se beneficiaram com a valorização do dólar, pois grande
parte de suas exportações foram canalizadas para estes paises.
47
1979. Como conseqüência desta decisão dos americanos, os anos 80 (e também
depois os anos 90) foram marcados por intensas flutuações das taxas de cambio e
por significativos aumentos das taxas de juros. Com esta medida, porém, os
Estados Unidos atingiram seus objetivos de fortalecimento de sua moeda,
ampliando sua função de reserva de valor, e financiaram seus déficits através da
atração da riqueza financeira internacional; não obstante, enterraram as
convenções definidas em Brettom Woods” (1998, p. 20).
O ponto central do “ataque conservador”
34
era o Estado Regulador, e a defesa do
retorno do Estado idealizado pelos Clássicos
35
. Segundo os ideólogos clássicos, o Estado
Keynesiano era o responsável pela crise dos anos 70.
Cano descreve como a solução dessa crise de hegemonia foi encaminhada pelo
governo norte-americano:
“Primeiro seria pouco realístico pensar em uma transferência de poder
hegemônico ao Japão e à Alemanha, os incontestes lideres do desenvolvimento
capitalista e tecnológico dos anos 70. Segundo, a política fiscal e monetária
praticada pelos Estados Unidos, a partir de 1979, com a elevação dos juros,
tornou compulsória, principalmente para o Japão e a Alemanha, a transferência de
fluxos de financiamento para cobrir seus enormes déficits fiscal e de balanço de
pagamentos. Terceiro, quando Ronald Reagan anuncia o projeto “Guerra nas
Estrelas”, o endividado mundo socialista perdeu claramente a “corrida” militar
tecnológica e a possibilidade de manter o regime socialista, já abalado pelo
crescimento das telecomunicações. Da perestróika à queda do Muro de Berlim,
foi preciso pouco tempo para deter o novo poder alemão, econômica e
financeiramente abalado a partir da reunificação das duas Alemanhas. Com essas
políticas, os Estados Unidos ganharam tempo para promover sua reestruturação
produtiva e colocar em pratica o ajuste macroeconômico. Com isso recuperou seu
“tempo perdido” pelo avanço dos países lideres da Terceira Revolução Industrial”
(1998, p. 37).
34
Tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos, greves foram detonadas pelos sindicatos contra os governos
conservadores, dentre elas destacamos a greve dos mineiros de carvão (Inglaterra), que permaneceram um ano
parados, a partir daí, o governo isolou os grevistas, evitou a escassez do minério importando-o diretamente da
África do Sul; e nos Estados Unidos, a greve dos controladores de vôo, o que evidenciou a derrota do mundo
do trabalho e o enfraquecimento dos sindicatos diante dos mecanismos de reordenamento do capital e da
ofensiva neoliberal.
35
Segundo a vertente clássica, cujo expoente máximo e Adam Smith, cabe ao Estado uma atuação restrita
apenas a três setores: saúde, educação e segurança.
48
A política econômica
36
adotada por Reagan foi influenciada pelas idéias dos
partidários da economia da oferta, cujo teórico mais relevante era Arthur Lafer, segundo a
qual, para a economia crescer, era preciso incentivar o investimento e que este incentivo
adviria da retirada das amarras do setor publico que impediam o crescimento do setor
privado, para fazê-lo era preciso uma redução das alíquotas de impostos, que levaria ao
aumento da renda pessoal disponível e da poupança das famílias e à reversão das
expectativas dos empresários, acelerando o investimento, aumentando a produção e
proporcionando, consequentemente, a elevação da receita pública
37
.
Fernandes destaca algumas políticas adotadas no governo Reagan que tiveram
influencia dos partidários da economia da oferta:
“a) reforma tributária, que instituiu a diminuição das alíquotas fiscais (em 10%
anuais, durante três anos) e a redução da carga tributaria das empresas, através do
estimulo à depreciação acelerada dos ativos;
b) redução dos crescimentos dos gastos públicos, com exceção dos relativos à
defesa (com aumento previsto de 60% em três anos);
c) reforma da política de regulamentação, a fim de eliminar os regulamentos
desnecessários e reduzir os excessivos impostos à empresa privada e aos
governos estaduais e municipais;
d) uma política monetária que não permita o incremento da moeda e um
ritmo continuamente mais acelerado que o de bens e serviços” (1995, p. 15-6).
O período Reagan foi pautado por uma política externa totalmente voltada para a
retomada da hegemonia norte-americana, portanto, dois pontos fundamentais caracterizam
36
Segundo Oliveira: “A nova corrente liberal da ‘economia da oferta’ propôe o que seria uma volta à tradição
do pensamento econômico desde Adam Smith, ou seja, que preferencialmente se enfoque o lado da oferta
que, segundo eles, teria sido equivocadamente abandonado pelos Keynesianos. Assim, Feldstein afirma: ‘nos
anos 60 e 70 estava claro para a maioria dos economistas que era errado enfocar exclusivamente a demanda e
ignorar os fatores que aumentam o potencial de oferta do produto - a acumulação de capital, o progresso
técnico, melhorias na qualificação da forca de trabalho, liberdade diante de interferências reguladoras e
aumento dos incentivos pessoais. Muitos de nos concluímos também que o persistente e alto nível de
desemprego não refletia uma demanda inadequada, mas era devido a políticas governamentais, tais como: o
seguro-desemprego, as restrições do Welfare, o salário mínimo etc., que reduziam a oferta de trabalho” (1989,
p. 6).
37
Percebe-se que os argumentos usados pelos teóricos da economia do lado da oferta eram baseados na
discutível curva de Lafer, segundo a qual existe um ponto de alíquota tributaria que maximiza a receita
publica, a partir do qual ocorre o desestimulo ao trabalho ou a evasão fiscal, levando a uma progressiva
redução de receita. Segundo Lafer, as alíquotas fiscais nos Estados Unidos eram muito altas, situando a
economia americana na parte descendente da curva e que a base de tributação havia se reduzido porque
diminuíram os incentivos ao trabalho e a produção. Assim, uma redução nas alíquotas estimularia o trabalho
e a produção, gerando incremento na receita publica, possibilitando, desta forma, redução dos déficits
Keynesianos das gestões anteriores.
49
este momento: 1) Diplomacia do dólar forte, e 2) Retomada da guerra fria (Fiori, 1997, p.
116).
A chamada Diplomacia do dólar forte, iniciada em 1979, teve como objetivo
principal reverter as tendências de um mundo sem pólo hegemônico e retomar o controle
financeiro internacional.
“Em 1979, o presidente do Federal Reserve (FED), Paul Volcker, se revoltou
contra a decisão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos seus países
membros, que tendiam a manter o dólar desvalorizado e a implementar um novo
padrão monetário internacional. Diante disso, Volcker declara que o dólar se
manteria como padrão internacional e que a hegemonia de sua moeda seria
restaurada. Esta restauração do poder financeiro do FED custou aos EUA
mergulharem a si mesmos e à economia mundial numa recessão continua por três
anos. Quebraram inclusive varias grandes empresas e alguns bancos americanos,
alem de submeterem a própria economia americana a uma violenta tensão
estrutural. O inicio da recessão e a violenta elevação da taxa de juros pesaram
decisivamente na derrota popular de Cárter” (Tavares, 1985, p. 6).
Com a política do dólar forte, a economia mundial mergulha numa das piores
recessões de sua história recente, 1981-1984; neste período as economias da América
Latina entram em colapso.
O resultado destas medidas foi que “...a economia americana passou a apresentar, a
partir de 1983, uma recuperação de seu crescimento, alicerçado em um vigoroso processo
de absorção de liquidez, capitais e créditos do resto do mundo”, mas o comportamento do
povo americano “...respondeu ao corte de impostos com aumento da dívida ao invés de
aumento da poupança” (Fernandes 1995, p.16).
“Entre 1980 e 1985, a dívida global (publica e privada) duplicou de US$ 4,3
trilhões para US$ 8,2 trilhões, por outro lado, a necessidade de financiamento do
déficit orçamentário anual da ordem de US$ 200 bilhões fez com que a taxa de
poupança americana declinasse de 17% para 12%, o nível de investimento interno
se reduzisse e os empréstimos externos se elevassem” (Fernandes, 1995, p.17).
Mattos faz a diferenciação do neoliberalismo europeu do neoliberalismo norte-
americano da seguinte forma:
“Enquanto o alvo central do neoliberalismo europeu era a destruição do Estado
de Bem-Estar Social do pós-guerra, na versão norte-americana capitaneada por
Reagan, o que estava em pauta era a radicalização da cruzada anticomunista a
partir da intervenção soviética no Afeganistão” (1998, p. 22).
50
A intensificação do conflito Leste-Oeste
38
, que ficou conhecida como a 2° Guerra
Fria, culminou com a desagregação do império soviético, o chamado império vermelho.
Entre as características mais importantes desta política destacamos: 1) Apoio político e
financeiro para os grupos e forças comunistas no mundo todo. 2) Instalação de mísseis na
Europa com dois objetivos estratégicos, o primeiro foi uma clara ameaça ao território
soviético, e segundo “adoçar” o comportamento dos aliados europeus. 3) “Projeto Guerra
nas Estrelas”, que consumiu grandes recursos econômicos do Estado. 4) Reaproximação
com a China, uma política iniciada no período Nixon-Kissinger.
No período de 1985-1991, a economia norte-americana alavancou a economia
mundial para o crescimento, mas no inicio dos anos 90 surgem várias situações difíceis,
dentre elas podemos citar: 1) Crise da Bolsa em Tóquio; 2) A Guerra do Golfo;
3)Desagregação da União Soviética; 4) Inicio da recessão Européia e, 4) perda de fôlego
dos mercados latinos.
A economia mundial passa por períodos de intensas transformações, globalização e
especulação financeira
39
; soma-se a isto a desagregação da União Soviética
40
, que levou a
ideologia neoliberal e a economia de mercado a avançar sem resistência sobre o Leste
europeu e o mundo.
Desde 1991, os Estados Unidos se comportavam como se fossem o único orientador
da economia e da sociedade mundiais, um mundo unipolar; toda afirmação neste sentido
nos parece precipitada, porém, enquanto os Estados Unidos e a China cresciam, a Europa
41
e o Japão estão em crise econômica e a Rússia devastada economicamente tenta reconstruir
sua economia.
Dois autores de grande relevância no debate contemporâneo divergem com relação
ao futuro da ordem emergente: de um lado está Henry Kissinger que acredita num novo
sistema de equilíbrio de poder, mas agora entre sete ou oito países ou blocos regionais,
38
Os gastos com a defesa tiveram um incremento significativo, o que serviu para reforçar a expansão da
economia americana nos anos 80.
39
Dentre elas destacamos a Crise Mexicana (1994), onde o governo norte-americano foi bastante rápido para
evitar o “contágio” para outros países; e a Crise da Tailândia (1997),
onde o governo japonês, o FMI e outros
onze países articularam recursos para socorrer este país asiático.
40
Com o fim do comunismo, a Política Externa dos Estados Unidos se orientou para a busca de novos
mercados externos.
41
Mesmo em crise, a Europa ainda é uma incógnita, pois sua unificação pode trazer inúmeros dividendos
políticos, o que lhe permitira usar o “direito de veto” às políticas dos Estados Unidos.
51
porém, não tem dúvida do poder dos Estados Unidos neste novo sistema, em conjunto com
lideranças regionais (apud Fiori, 1997, p. 129).
Huntington acredita:
“...numa nova forma de conflito, originários nas diferenças e fronteiras das
grandes civilizações, porém o poder mundial continuara nas “mãos” de dois
diretórios: um militar, formado pelos Estados Unidos, França e Inglaterra; e outro
econômico, formado pelos Estados Unidos, Alemanha e Japão” (1997,p.129).
Do ponto de vista do relacionamento com os países em desenvolvimento,
destacamos o endurecimento e o “enquadramento” dos países periféricos, onde do ponto de
vista militar varias intervenções na América Central e Caribe, alinhamento com a Inglaterra
na Guerra das Malvinas
42
. Já na questão econômica, os Estados Unidos impuseram
inúmeros ajustes obrigatórios às economias endividadas, particularmente, as economias
latino-americanas, depois da moratória mexicana de 1982.
Segundo Ayerbe, o Reaganomics trouxe resultados econômicos significativos no
primeiro governo Reagan:
“Os resultados da política econômica, a partir de 1983, podem ser considerados
positivos. A inflação se reduz de 12% ao ano no final do governo Cárter para 5%,
o desemprego cai de 10,7% em 1982 para 7,3%, a renda media aumenta em 9%,
permitindo a reeleição
43
de Reagan em 1984” (1998).
Podemos sintetizar os principais aspectos da política econômica do Governo
Reagan, na primeira metade dos anos 80, na valorização do dólar, em uma política de taxa
de juros elevados e de uma política fiscal expansionista (através de gastos militares e da
reforma tributaria), ao lado de uma política monetária ativa (Fernandes, 1995, p. 17).
Os resultados positivos desta estratégia foram a queda da inflação e o posterior
crescimento do PIB (pós 1983), porém, com relação à queda das taxas de inflação,
questiona-se se não teria sido resultante da política monetária apertada sobre a política
fiscal expansionista, o que teria que se creditar os méritos à política adotada por Volcker e
pelo FED, e não à Reaganomics.
42
Conflito ocorrido no inicio dos anos 80 entre a Inglaterra e a Argentina, neste conflito os ingleses saíram
vencedores.
43
A performance da economia norte-americana se mantém positiva até o fim do segundo mandato de Reagan,
com inflação baixa, desemprego em queda e aumento da demanda
52
Oliveira destaca a atuação da administração Reagan no campo social:
“...no campo social é importante chamar a atenção para as características que
assume a política redistributivista do liberalismo real. Aumentou-se a renda das
camadas mais favorecidas (via redução de impostos) e subtraiu-se a renda das
camadas mais carentes (via corte de gastos sociais)” (1989, p.7).
Todo o esforço norte-americano pela retomada da hegemonia foi coroado com
grande sucesso, pois “em 1985 o mundo parecia estar de novo em ordem” (Fiori, 1997, p.
120).
No segundo Governo Reagan, os indicadores negativos levaram a uma revisão
44
da
Reaganomics, gerando no plano fiscal uma segundo reforma tributária (1986-1988), que
procurou reduzir parte dos benefícios concedidos aos empresários na primeira reforma.
Os aspectos até aqui levantados ilustram o indiscutível avanço da aceitação das
idéias neoliberais que se verificam a partir de meados da década dos 70, quando, inclusive,
os governos conservadores de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos
Estados Unidos, aderiram às pratica de políticas neoliberais. A partir de então, as palavras
chave que passaram a ser usadas, em boa parte dos países capitalistas ocidentais, foram:
estabilizar, desregulamentar e privatizar.
Os resultados das experiências desenvolvidas pelo Thatcherismo e pela
Reaganomics não foram dos mais animadores. Com o desmantelamento, em seus países do
Welfare State, houve um dramático incremento nos índices de pobreza. Nos Estados
Unidos, os déficits orçamentários e da balança de pagamentos crescem de forma inédita,
acumulando-se gigantescas dívidas externas e internas. A Inglaterra, em decorrência dessas
políticas “ficou no pior dos mundos” (Tavares, 1992, p. 30), vivendo um intenso processo
de desindustrialização e assistindo à dramática redução da competitividade externa dos seus
produtos manufaturados.
As políticas neoliberais foram bem sucedidas na diminuição das taxas da inflação,
nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a
inflação caiu de 8,8% nos anos 70, para 5,2% nos anos 80 e 2,8% nos anos 90.
44
A segunda reforma tributária foi aprovada pelo legislativo norte americano, o que contrariou a vontade de
Reagan e dos defensores da supply side economics. Um pacote fiscal, aprovado em 1988, conseguiu
estabilizar o déficit em torno de US$ 150 bilhões, porem não conseguiu reduzi-lo como se objetivava.
53
Devemos destacar ainda, que as políticas neoliberais ampliaram as desigualdades e
o desemprego no final do século, e conforme suas previsões a recuperação da disciplina
laboral, a flexibilidade do uso e remuneração da mão-de-obra e a elevação da concorrência
no mercado de trabalho não permitiram a emergência de uma nova fase de expansão do
capitalismo. Pelo contrário, as duas últimas décadas foram decepcionantes do ponto de
vista do desempenho econômico. Do lado social, os prejuízos foram bastante grandes,
confirmados com o aumento da pobreza e do desemprego, que na Europa Ocidental subiu,
nas décadas de 1960, 1970 e 1980, de 1,5% para 4,2% e para 9,2%, alcançando 11% em
1993.
Soares destaca, que “...o ajuste não foi levado adiante na mesma magnitude nos
paises centrais, que em boa medida transferiram sua crise para a periferia via divida
externa, mantendo protegida suas economias” (2001, p.14). As idéias neoliberais passam a
se difundir pelo mundo todo, primeiro invade os países latino-americanos e depois atinge
outras regiões. É nesse contexto que vai se inserir as políticas preconizadas pelo Consenso
de Washington, conjunto de medidas “sugeridas” pelos agentes econômicos e políticos
internacionais como forma de estimular o desenvolvimento das economias emergentes da
América Latina.
Depois dos efeitos devastadores da crise financeira e a explosão da crise da divida
externa nos anos 80, o modelo implantado em alguns paises na década anterior pelo Banco
Mundial, pelo FMI e pelo governo dos EUA ganhou forca. Este modelo ficou conhecido
como ajuste estrutural, e pretende desencadear as necessárias mudanças através de
políticas liberalizantes, privatizantes e de mercado.
“Por trás de todas estas medidas está a idéia central de que é o livre jogo das forcas
de mercado
45
, sem nenhuma interferência, o que levaria a uma melhor utilização dos
fatores produtivos em beneficio de toda a coletividade” (Soares, 2000, p. 15).
Os resultados destas políticas foram sentidos com maior força nos anos 90, quando
os custos sociais dos ajustes neoliberais implementados pelo governo conservador de
Ronald Reagan se tornaram visíveis.
45
Destaca-se o fato de que, enquanto o modelo neoliberal, que propõe para a América Latina a liberalização
comercial e financeira a todo custo, entra em aberta contradição com o intenso neoprotecionismo nos paises
centrais.
54
Como destacou Wacquant, referindo-se ao governo dos Estados Unidos nos anos
90: “...apesar do discurso ambiente violentamente anti-estatal, a força pública, entendida
em seu sentido próprio, desempenha um papel cada vez mais determinante na organização e
na condução da vida nacional” (2003, p. 19).
Ainda segundo Wacquant, comentando as mudanças estruturais
46
ocorrida na
sociedade norte-americana das últimas décadas:
“No decorrer das três últimas décadas, ou seja, depois dos confrontos raciais que
abalaram os grandes guetos de suas metrópoles, a América lançou-se numa
experiência social e política sem precedente nem paralelos entre as sociedades
ocidentais do pós-guerra: a substituição progressiva de um (semi) Estado
providência
47
por um Estado penal e policial, no seio do qual a criminalização da
marginalidade e a ‘contenção punitiva’ das categorias deserdadas faz as vezes de
política social” (2003, p.19-20).
No final de 1994, “mais de 5 milhões de americanos estavam submetidos a algum
tipo de restrição legal. De acordo com números do Departamento de Justiça, cerca de 1,5
milhão estava nas prisões
48
– federais, estaduais e municipais. Isto quer dizer que um em
cada 193 adultos é prisioneiro, ou 373 em cada 100 mil americanos. Compare-se com 103
em cada 100 mil quando Ronald Reagan assumiu a presidência em 1980. Três e meio
milhões de americanos estavam sob sursis ou liberdade condicional” (Gray, 1999, p. 153).
O recuo do Estado norte-americano operou-se em inúmeras frentes e não poupou o
domínio privilegiado da questão social. Em 1975, o seguro desemprego, instaurado pelo
Social Security Act de 1935, cobria 81% dos assalariados que perdiam o emprego; em
1990, esta cifra caiu para um em cada quatro, em razão das restrições administrativas
46
Quando se fala em Estado Providência, entende-se àquele Estado que tem por objetivo proporcionar ao
conjunto dos cidadãos padrões de vida mínimos, desenvolver a produção de bens e serviços sociais, controlar
o ciclo econômico e ajustar o total da produção, considerando os custos e as rendas sociais.
47
O próprio Wacquant prefere chamar o Estado norte-americano de Estado Caritativo, ao invés de Estado
Providência, pois nos EUA, “os programas voltados para as populações vulneráveis foram desde sempre
limitados, fragmentários e isolados do resto das atividades estatais, informados que são por uma concepção
moralista e moralizante da pobreza como produto das carências individuais dos pobres” (2003, p.20). O
princípio que guia a ação pública no país não é a solidariedade, mas a compaixão; seu objetivo não é
fortalecer os laços sociais (e ainda menos reduzir as desigualdades), mas no máximo aliviar a miséria mais
gritante.
48
O índice de encarceramento nos Estados Unidos no final de 1994 era quatro vezes maior do que do Canadá,
cinco vezes o da Grã-Bretanha e catorze vezes o do Japão. Para citar um exemplo interessante, só na
Califórnia, cerca de 150 mil pessoas estão na cadeia, ou seja, oito vezes maior que o nível alcançado no início
dos anos 70 (Gray, 1999, p. 153).
55
aprovadas pelos estados e da multiplicação dos empregos ditos “contingentes” (Wacquant,
2003, p. 26).
Segundo Tavares:
“Os Estados Unidos praticamente estancaram os gastos em bens e serviços de
utilidade pública, aumentaram os gastos no setor de armamentos, cortaram os
gastos em capital social básico e bem-estar social em troca de armas e fizeram
uma redistribuição de renda em favor dos ricos” (1985).
Em 1991, segundo estatísticas oficiais, uma família americana em cada três era
“housing poor”, isto é, incapaz de garantir ao mesmo tempo suas necessidades básicas e a
própria moradia, enquanto contava-se entre 600 mil e 4 milhões o número dos sem teto
49
.
Outro dado degradante das questões sociais dos EUA está no setor de saúde, onde o
número de hospitais ditos “de comunidade” (acessíveis às pessoas desprovidas de cobertura
médica) em Chicago caiu de 90 em 1972 a 67 em 1981 e descendo a 42 em 1991. “A
degradação do sistema de saúde dos EUA levou, em 1990, o diretor dos hospitais de
Chicago a declarar que o sistema de saúde pública era ‘um não-sistema à beira do
desmoronamento’, essencialmente incapaz de cumprir sua missão” (Wacquant, 2003, p.
28).
A pobreza nos Estados Unidos aumentou muito nos últimos anos, ultrapassando a
casa dos 40 milhões de pessoas, ou seja, 15% da população, a taxa mais elevada em 10
anos. Em 1991, 14% das famílias
50
norte-americanas recebiam menos de 40% da renda
nacional, contra 6% na França e 3% na Alemanha. Diante disso, podemos concluir, como
fez Wacquant, que “a pobreza nos Estados Unidos apresenta-se não somente mais
difundida e mais persistente, mas também mais pronunciada que nos países da Europa
continental” (2003, p. 27).
Os salários dos trabalhadores norte-americanos entraram em declínio, especialmente
os da população mais pobre que estão empregadas. Segundo Gray:
49
Segundo Wacquant, o orçamento federal para moradia caiu de 32 bilhões de dólares em 1978 para 10
bilhões em 1988 (2003, p. 26).
50
Nas famílias com filhos, as diferenças são mais evidentes, 18% nos Estados Unidos contra 6% na França e
3% entre os vizinhos renanos; nas famílias monoparentais, o nível de pobreza chega a 45% nos EUA, 11% na
França e 13% na Alemanha (Wacquant, 2003, p.27).
56
“A média dos rendimentos de 80% da categoria mais baixa dos trabalhadores
americanos, corrigidos pela inflação, caiu cerca de 18% entre 1973-1995, de 315
dólares por semana para 258 dólares por semana. Ao mesmo tempo, entre 1979 e
1989, o rendimento real anual dos diretores executivos das corporações
americanas cresceu em torno de 19%, ou dois terços em relação à renda líquida”
(1999, p. 151).
Phillips, em estudo influente dos efeitos do Reaganismo sobre a desigualdade
americana, escreveu:
“Em 1987 para planejar o ajuste das taxas efetivas de todos os impostos, os
economistas da comissão de orçamento do Congresso pegaram todos os tributos
federais – imposto de renda de pessoa física, seguridade social, imposto de pessoa
jurídica e imposto de consumo – e calcularam o seu impacto conjunto sobre as
diferentes faixas de renda após 1977. Noventa por cento das famílias,
desproporcionalmente carregadas pelo aumento da seguridade social e pelo
imposto de consumo e menos beneficiadas por qualquer redução do imposto de
renda, são penalizadas com taxas reais mais altas. Enquanto isso, as famílias mais
ricas, principalmente em virtude da acentuada redução aplicável aos rendimentos
não-salariais (ganho de capital, juros, dividendos e aluguéis)” (Phillips apud
Gray, 1999, p.151).
Estas mudanças explicam, em grande parte, tanto o crescimento repentino do
consumo quanto o aumento da desigualdade na renda. Os 5% mais ricos (e o 1% mais rico,
em especial) da América ovos beneficiários da política tributária (Phillips apud Gray, 1999,
p. 151).
Diante disso, podemos concluir ainda, que as transformações iniciadas nos anos 80,
no governo conservador de Ronald Reagan, geraram uma transformação no papel do
Estado, com uma diminuição de gastos nas áreas sociais e aumento dos gastos em defesa e
nos subsídios aos setores mais abastados da sociedade. Com isso, os níveis de indigência e
miséria aumentaram enormemente no país, elevando os indicadores a níveis próximos dos
países em desenvolvimento.
Essas desigualdades são os resultados das políticas americanas, não das pressões
que surgem de todas as sociedades adiantadas. Os cortes de impostos tiveram um impacto
direto; porém as medidas fiscais também afetaram a renda e a distribuição da riqueza.
Como destacou Lind: “Ao contrário de qualquer outra democracia do Primeiro Mundo, os
Estados Unidos, a partir de Reagan, consideraram os empréstimos maciços, e não a
57
tributação, como um método mais ou menos permanente de financiamento dos gastos
governamentais em tempos de paz” (apud Gray, 1999, p. 152).
Esta política feita pelo governo dos Estados Unidos foi responsável pela
transferência de renda daqueles que possuem ativos financeiros e contra os assalariados
comuns.
Como destacou Ehrenreich, referindo-se à sociedade norte-americana do final do
século:
“Os ‘pobres trabalhadores’, como aprovadoramente os chamam, na verdade são
os maiores filantropos de nossa sociedade. Negligenciam os próprios filhos para
que os filhos de outros sejam bem cuidados; vivem em habitações péssimas para
que outros lares fiquem brilhantes e perfeitos; suportam privações para que a
inflação seja baixa e o preço das ações, alto. Ser um pobre trabalhador é ser um
doador anônimo, um benfeitor sem nome, para todas as outras pessoas” (2004, p.
250).
“Os Estados Unidos”, como afirmou Gray, “não são hoje o paradigma da sociedade
‘pós-histórica’ de que fala Francis Fukuyama. Está ingressando em um novo e espinhoso
período de sua história, no qual antigas inimizades entre raças e classes se manifestarão de
um modo que não podemos prever” (1999, p. 153).
1.7. O Consenso de Washington
As idéias neoliberais se difundiram pelo mundo nos anos 80, saindo dos países
desenvolvidos, Estados Unidos e Inglaterra, e se espalhando por toda a América Latina e
depois outras regiões do mundo, levando com elas a visão de supremacia do Mercado e
enfatizando as deficiências do Estado.
Como destacou Soares: “Nos sempre padecemos do caráter mais ortodoxo dessas
políticas, quer dizer, se havia alguma ortodoxia das políticas neoliberais nos paises centrais,
nos periféricos essa ortodoxia foi muito maior, não só no plano econômico, mas
principalmente no social. A ideologia neoliberal foi avassaladora do ponto de vista da
58
construção de propostas no terreno social, em relação tanto às idéias como aos projetos”
(2003, p. 38).
O Relatório Anual de 1989 da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL), salienta que “...após oito anos lutando para conseguir o ajustamento, a
estabilização, o crescimento e a reestruturação da produção, acometida por problemas com
o serviço de sua divida externa e com pouco acesso a novos financiamentos externos, a
maioria dos paises da região continua a apresentar a mesma e complexa síndrome de
desequilíbrios estruturais, acompanhadas de déficits fiscais, baixos níveis de investimento,
estagnação e inflação. Em outras palavras, a crise econômica dos anos 80 ainda persiste na
região e seus enormes custos sociais levaram, inclusive, a grandes manifestações de
violência na primeira metade do ano. Estima-se que, ao final do ano, o produto per capita
médio da região será quase 10% inferior ao de 1980” (apud Malan, 1991, p. 5).
A estratégia de universalização do ideário neoliberal passou pela difusão das idéias
do Consenso de Washington, que era um conjunto de políticas que deveriam ser adotadas
pelos governos dos países em desenvolvimento para alcançarem o êxito econômico e o tão
almejado desenvolvimento social.
Como dito anteriormente, estas políticas passam a se difundirem pelo globo, Desde
1986, mais de oitenta países em todo o mundo liberalizaram suas políticas em relação aos
investimentos estrangeiros. Segundo a UNCTAD, desde 1998, 103 países ofereceram
condições especiais para atrair corporações estrangeiras, passando a incluir em seu
repertório generosas isenções fiscais, quebra de barreiras alfandegárias, diminuição de taxas
e de impostos de importação, empréstimos subsidiados, doações de terras e outros
benefícios indiretos (Arbix e Laplane, 2002, p. 80).
Como destacou Soares: “As políticas de ajuste fazem parte de um movimento de
ajuste global, o qual se desenvolve num contexto de globalização financeira e produtiva”
(2000, p. 16).
Em 1989, no bojo do Reaganismo e do Thatcherismo, máximas expressões do
neoliberalismo em ação reuniram-se em Washington, convocados pelo Institute for
International Economics, entidade de caráter privado, diversos economistas latino-
americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema
59
do encontro Latin Americ Adjustment: Howe much has Happened?, visava avaliar as
reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina.
Desta reunião foi cunhada a expressão Consenso de Washington
51
, onde se
definiram dez pontos tidos como consensuais entre os participantes para que os países em
desenvolvimento adotassem e, com estas, atrairiam capitais e se credenciariam para o
desenvolvimento de suas economias.
Os dez pontos, o chamado decálogo, levantados pelo Consenso de Washington estão
destacados abaixo:
1) Disciplina Fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação,
eliminando, com isso, o déficit público;
2) Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;
3) Reforma Tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com
maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos;
4) Liberalização Financeira, com o fim das restrições que impeçam instituições
financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do
Estado do setor;
5) Taxas de câmbio competitivas;
6) Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e
estímulos à exportações, visando a impulsionar a globalização da economia;
7) Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo Investimento Externo
Direto (IED);
8) Privatização, com a venda de empresas estatais;
9) Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e
das relações trabalhistas;
10) Propriedade Intelectual.
Embora tivessem, em princípio, caráter acadêmico, as conclusões do Consenso de
Washington acabaram tornando-se o receituário imposto por agências internacionais para a
concessão de créditos: os países que quisessem empréstimos do FMI, por exemplo,
51
Na verdade, a expressão foi definida pelo economista inglês John Willianson, diretor do Instituto que
promoveu o encontro.
60
deveriam adequar suas economias às novas regras. Para garantir e “auxiliar” no processo
das chamadas reformas estruturais, o FMI e as demais agências do governo norte-
americano ou multilateral incrementaram a monitoração – novo nome da velha ingerência
nos assuntos internos – das alterações “modernizadoras”.
Em síntese, é possível afirmar que o Consenso de Washington faz parte do conjunto
de reformas neoliberais que apesar de práticas distintas nos diferentes países, está centrado
doutrinariamente na desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira e
redução do tamanho e papel do Estado.
Segundo Batista, o Consenso de Washington “...apresentado como formula de
modernização, o modelo de economia de mercado preconizado constitui, na realidade, uma
receita de regressão a um padrão econômico pré-industrial caracterizado por empresas de
pequeno porte e fornecedoras de produtos mais ou menos homogêneos” (1995).
Arruda destaca o endividamento externo da América latina
52
no período 1985-1996,
justamente no momento exato da difusão das idéias do Consenso de Washington na região:
“Em 1985, a América Latina tinha uma divida externa de 390 bilhões de dólares. Em 1996,
apesar de ter pago muitos bilhões nesses 12 anos, ela havia subido para 657 bilhões de
dólares (1999, p. 12).
O modelo é o proposto por Adam Smith e referendado com ligeiros retoques por
David Ricardo há duzentos anos. Algo que a Inglaterra, pioneira da Revolução Industrial,
pregaria para uso das demais nações, mas que ela mesma não seguiria à risca. No Consenso
de Washington prega-se também uma economia de mercado que os próprios Estados
Unidos tampouco praticaram ou praticam.
Segunda Tavares, “O Consenso de Washington é um conjunto cada vez mais
abrangente de regras de condicionalidade aplicada pelos organismos internacionais,
sobretudo o FMI e o Banco Mundial, que os paises devedores do mundo capitalista
periférico e agora do ex-mundo socialista tem de aceitar para obter apoio político das
grandes potencias e escasso apoio financeiro dos bancos e agências internacionais” (1996,
p. 67).
52
“A divida externa brasileira em 1985 passa de US$ 105 bilhões. Entre 1985 e 1998, o Brasil pagou US$
282 bilhões de juros e amortizações. Só de juros a conta foi de US$ 126 bilhões. Assim mesmo, em 1998, tal
divida cresceu para US$ 230 bilhões” (Arruda, 1999, p.12).
61
O modelo ortodoxo de laissez-faire, de redução do Estado à função estrita de
manutenção da ‘lei e da ordem’ – da santidade dos contratos e da propriedade privada dos
meios de produção – poderia ser válido no mundo de Adam Smith e David Ricardo
53
, em
mercados atomizados de pequenas e médias empresas gerenciadas por seus proprietários e
operando em condições de competição mais ou menos perfeita; universo em que a mão-de-
obra era vista como uma mercadoria, a ser engajada e remunerada exclusivamente segundo
as forças da oferta e da demanda; uma receita, portanto, de há muito superada e que pouco
tem a ver com os modelos modernos de livre empresa que se praticam, ainda que de formas
bem diferenciadas, no Primeiro Mundo (Batista, 1995, p. 119-20).
O Consenso de Washington representa, no contexto da América Latina, o mesmo
movimento de contra-ataque do capitalismo em relação às conquistas dos trabalhadores. É
desnecessário afirmar que aqui o pano de fundo é outro, que existem, quando muito,
arremedos de Estados de Bem-estar e que a democracia, a muito custo, tenta fazer sua
reentrada num continente marcado por sucessivos períodos de ditaduras declaradas ou
disfarçadas, civis ou militares (com preponderância das últimas).
Na América Latina o conservadorismo propõe discussões e modelos pós-Welfare
para sociedades que nem sequer se aproximaram daquela configuração no que diz respeito
a direitos sociais e distribuição de renda e onde, ao contrário, o Estado tem servido
historicamente mais aos interesses das classes dominantes associadas-dependentes ou não
do capitalismo mundial, do que aos setores subalternos.
Durante as primeiras décadas após a II guerra mundial, os países industriais
cresceram rápida e constantemente. A inflação era moderada e o desemprego muito baixo.
Isso tudo era explicado como fruto da expansão econômica, conhecida como a idade de
Ouro, compreendida entre 1945-1974.
A crise dos anos 70 deixou claro que o modelo de desenvolvimento adotado no pós
II guerra estava entrando em crise, e não mais conseguia manter as mesmas taxas de
crescimento econômico, sendo necessário, a adoção de um novo modelo de
desenvolvimento.
53
Ate o economista liberal, Maurice Allais, ganhador do Premio Nobel de Economia, faz um ataque frontal à
aplicação, nas condições contemporâneas, da Doutrina das Vantagens Comparativas. Segundo Allais, esta só
e aplicável sob condições altamente restritivas, particularmente se as taxas de câmbio corresponder ao
equilíbrio das balanças comerciais e se as Vantagens Comparativas são permanentes, o que em geral não e o
caso.
62
Este novo Modelo, que para muitos seria o neoliberal, também não obteve grandes
êxitos. Fazendo um balanço do Neoliberalismo, Anderson conclui: “...Economicamente, o
neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo
avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muito de seus objetivos,
criando sociedades marcadamente desiguais, embora não tão desestatizadas como queria”
(1995, p. 23).
Tavares destaca que as políticas recomendadas começaram a produzir fracasso na
América Latina, o que levou vários paises a buscarem soluções heterodoxas ou hetero-
ortodoxas, por conta própria, com maior ou menor sucesso (1995).
Mas o Consenso de Washington não se limita às idas e vindas do FMI, cada vez
mais sobrecarregado com o numero de candidatos provenientes da desorganização do
mundo periférico capitalista e do gigante ex-socialista. Na verdade a peca de resistência do
Consenso e a que foi denominada “Reformas Estruturais” (não confundir com o velho e
bom estruturalismo cepalino) e das quais o porta-voz mais potente e o Banco Mundial, que
desde 1985 vem fazendo esforços redobrados para montar uma sólida doutrina neoliberal
(Tavares, 1995, p. 68).
Segundo Tavares: “O resultado da política neoliberal foi uma enorme destruição de
empregos locais em troca de uma pequena redução nos preço do produto para o consumidor
e um grande custo fiscal para a sociedade como um todo, e, sobretudo, para os próprios
consumidores que conseguiram manter-se empregados (1995, p. 71).
De posse dos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Tavares
destaca os custos sociais das receitas do Consenso. “Um estudo recente da OIT prevê para o
final da década taxas de desemprego em torno de 30% para os paises desenvolvidos. Esta
situação e a falta de perspectiva para os mais jovens cria um caldo de cultura propicio para
a marginalidade e aos movimentos de extrema-direita, visíveis em toda a Europa (Tavares,
1995, p. 71).
Como destacou Tavares e Fiori, o Consenso caracterizou-se “por um conjunto
abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizadas
aos diversos paises e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos
governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas
63
macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes”
(1993, p.18).
Como destacou Stiglitz: “As políticas do Consenso de Washington importaram-se
muito pouco com as questões de distribuição de renda ou de ‘justiça’ social. Se
pressionados, vários de seus proponentes argumentariam que a melhor maneira de ajudar os
pobres é fazendo com que a economia cresça. Eles acreditam na economia de cascata.
Garantem que os benefícios desse crescimento acabarão por alcançar os pobres. A
economia de cascata nunca foi muito mais do que uma simples crença, um artigo de fé. A
indigência parece ter crescido na Inglaterra do século XIX, apesar do país prosperar como
um todo. O crescimento nos Estados Unidos durante a década de 80 supriu o contra-
exemplo drástico mais recente: embora a economia crescesse, as pessoas que se
encontravam nas camadas sociais mais baixas viam sua renda líquida diminuir” (2002, p.
113).
1.8. América Latina e o Consenso de Washington
As décadas de 70 e 80 foram de grandes transformações para os países da região,
caracterizados por regime autoritários e economias fechadas e ineficientes. Nestas
economias, o mercado interno era protegido da concorrência externa e reservado aos
produtores locais.
O crescimento econômico, iniciado no final dos anos 60, prossegue no inicio dos
anos 70. O desenvolvimento ocorrido foi liderado, principalmente, pelos setores públicos,
pelas indústrias de bens de consumo durável, representadas, na sua maioria pelas
multinacionais e pela produção de bens primários (minerais e agropecuários).
Os sintomas de esgotamento das possibilidades de crescimento começam a aparecer
em 1973. E neste momento, que a economia mundial passa por graves desequilíbrios, a
crise do petróleo de outubro de 1973. O Choque do Petróleo significa uma grave
transferência de recursos reais ao exterior, com a existência de um diferencial de divisas.
Segundo Vizentini:
64
“No inicio dos anos 1980, eclodiu a crise divida externa, decorrente do
aumento das taxas de juros nos Estados Unidos. Com o brutal incremento dos
pagamentos internacionais em moeda forte, os paises latino-americanos entraram
em recessão, enquanto todos os esforços eram voltados para as exportações
visando ao pagamento dos bancos credores. Mas as dimensões da crise levaram
vários paises a declarar moratórias temporárias. Isto, mais as conseqüências da
Guerra das Malvinas, levou ao desgaste dos regimes militares, que logo deram
lugar a transições negociadas de retorno à democracia” (2004, p. 56).
Neste momento, os paises da América Latina entram em uma nova fase de sua
economia, marcada pelo endividamento e pela falta de recursos do Estado para manter o
ritmo de crescimento.
Segundo Benecker e Nascimento: “A opção que se colocava naquele momento era o
ajustamento, que seria baseado na contenção da demanda interna, para evitar que o choque
externo se transformasse em inflação permanente, alem de viabilizar o equilíbrio externo”
(2002, p.15).
Os paises deveriam ganhar tempo para ajustar a oferta interna
54
, mas para isso, era
necessário um ambiente externo marcado pela alta liquidez e por créditos externos fáceis e
baratos. Esse ambiente externo com alta liquidez era garantido pelos Petrodólares
55
.
O ambiente se alterou novamente em 1979 com o segundo choque do petróleo.
Benecker e Nascimento destacam algumas mudanças ocorridas em 1979 com a II Crise do
Petróleo:
“a) este choque deteriorou a situação da região por provocar aumentos
na taxa de inflação, na divida externa e por acentuar o desequilíbrio no balanço de
pagamentos; b) a recessão econômica nos paises capitalistas do Primeiro Mundo,
em decorrência do “choque” do petróleo, provocou queda nas exportações dos
paises em desenvolvimento e deterioração nos termos de troca; c) a elevação nas
taxas de juros no mercado internacional aumentou os gastos com pagamento do
serviço da divida externa dos paises latino-americano e; d) com a moratória do
México em 1982, o sistema financeiro internacional suspendeu novos
empréstimos para a região como um todo” (2002, p. 15-6).
54
Manutenção dos preços internos em equilíbrio e a constância dos níveis de crescimento econômico, tudo
isso apoiados no excesso de liquidez internacional e no endividamento externo.
55
Nome dado às divisas (geralmente em dólar) provenientes da exportação de petróleo. O termo difundiu-se
em 1973, quando a OPEP – Organização dos Paises Exportadores de Petróleo, entidade mantida por países
exportadores de petróleo - elevou de 3 para 12 dólares o preço do barril de óleo cru, ocasionando um enorme
afluxo de divisas para estes Estados.
65
Os anos 80 foi para os paises da região um período de alto índice inflacionário, isso
devido a dois graves desequilíbrios acumulados pela região: 1) desequilíbrio relacionado as
restrições externas, onde os paises necessitavam de superávits comerciais para saldar sua
divida. Estes superávits só eram alcançados com hiperdesvalorização de suas taxas de
cambio, que ao aumentar o superávit comercial gerava pressão inflacionaria. Ou seja, a
região estava condenada a desvalorizar o câmbio para aumentar o superávit comercial e
com isso desequilibrar os preços relativos internos, gerando inflação; 2) destacamos ainda,
o problema fiscal do Estado, que se mostrava difícil de combater em uma sociedade com
alto grau de desigualdade e, ainda mais num momento de redemocratização, onde o clamor
social era de maiores gastos do governo.
Foi neste clima de instabilidade e desequilíbrio que surge as idéias do Consenso de
Washington, descrita anteriormente, e que se resumiam a dois grandes eixos: diminuição do
papel do Estado na economia e abertura econômica.
Arbix e Laplane, comentando o avanço do novo paradigma na América Latina,
destaca: “Creditando e vinculando a estagnação dessa década às políticas protecionistas
configuradas desde o pós-guerra no continente, os novos governantes dos anos 90 foram
abandonando as políticas desenvolvimentistas e de substituição de importações, tentando se
livrar de state-led tradition que marcou o continente por décadas. Um novo paradigma de
política econômica começou a ser implementado e construído, com forte tendência
privatizante e orientada para o mercado, tanto no nível interno quanto no externo” (2002, p.
80).
Como destacou Vizentini: “No campo econômico e político, o continente foi
submetido a um único padrão, com exceção de Cuba. Privatizações de empresas estatais
(geralmente compradas por companhias estrangeiras) abandono de importantes funções
econômicas e sociais pelo Estado, abertura das economias nacionais e prioridade ao
equilíbrio fiscal e ao combate à inflação passaram a ser uma regra” (2004, p. 58).
Segundo Benecker e Nascimento: “O Consenso de Washington visava equacionar a
crise fiscal dos Estados e ao mesmo tempo corroborar para a estabilização da economia,
uma vez que o modelo de substituição de importações, adotado ao longo desses anos, já se
mostrara inadequado. A superproteção do mercado interno fez com que a indústria nacional
ficasse cada vez mais atrasada e ineficiente” (2002, p. 17).
66
Tabela 1: Crescimento do Produto Interno Bruto nos paises Latino-americanos 1980-1999
(%)
PAÍS 1980-1999 1990-1998 1993 1996 1999
_________________________________________________________________________
Argentina - 0,4 5,3 5,7 5,5 - 3,4
Bolívia - 0,2 4,2 4,3 4,4 0,4
Brasil 2,7 3,3 4,9 2,7 0,8
Chile 4,2 7,9 7,0 7,4 - 1,0
Colômbia 3,6 4,2 5,2 2,1 - 4,2
Costa Rico 3,0 3,7 7,4 0,9 8,2
Cuba - - - 14,9 7,8 6,2
Equador 2,0 2,9 2,0 2,0 - 7,3
Guatemala 0,8 4,2 3,9 3,0 3,8
México 0,7 2,5 2,0 5,1 3,7
Peru - 0,3 5,9 4,8 2,5 0,9
Uruguai 0,4 3,9 2,7 5,6 - 2,8
Venezuela 1,1 2,0 0,3 - 0,2 - 6,1
Fonte: Benecker e Nascimento (2002).
Vizentini destaca como impacto do Consenso de Washington, o forte retrocesso
econômico, principalmente no setor industrial, embora tenha havido a modernização de
alguns setores. Sob o pretexto de modernizar e tornar concorrenciais setores pouco
competitivos, foram levados à falência importantes ramos das indústrias locais.
Conceituadas e lucrativas empresas estatais foram vendidas a preços simbólicos, em
operações geralmente marcadas por irregularidades e favorecimentos (2004, p. 58-9).
Ainda segundo Vizentini: “Direitos sociais foram suprimidos do dia para a noite,
enquanto, o sindicalismo sofria um retrocesso marcante. Pior do que a queda dos salários,
entretanto, foi a elevação brutal da taxa de desemprego, hoje, sem duvida, o maior
problema do continente e do mundo. Para completar, o declínio dos indicadores de saúde e
67
educação produziu um processo de fragmentação social inédito na historia latino-
americana” (2004, p. 59).
Tabela 2 - América Latina – indicadores macroeconômicos
1985/90 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
PIB 1,6 -0,2 3,9 3,2 4,1 5,6 0,4 3,5
Export. 5,2 6,0 3,6 7,1 11,7 10,7 10,4 11,3
Form.
Capital 17,2 18,2 - 19,1 19,4 20,5 19,1 19,3
Inflação 686,5 1188,8 199,8 426,7 890,2 337,6 25,8 18,5
Fonte: Cepal apud Arbix e Laplane, 2002, p.83.
Da tabela acima, pode se concluir que alguns resultados se mostraram positivos, tais
como: 1) a drástica redução da inflação, que caiu para algo em torno de 10% em 1997,
sendo que nos anos 80 passou dos três dígitos; 2) o crescimento, ainda que moderado, do
volume das exportações; 3) o aumento nos fluxos de capitais externos
56
, cujos efeitos ainda
estão em desenvolvimento.
Agora, deve-se destacar ainda, os graves desequilíbrios causados por estas políticas,
que segundo Arbix e Laplane:
“Fundamentalmente, um pífio crescimento do PIB e do emprego, baixo aumento
da produtividade, uma tímida recuperação da relação PIB/investimento produtivo
e a persistência de um dos piores indicadores de distribuição de renda do mundo,
tanto individual quanto regional. E do ponto de vista macroeconômico, terreno
por excelência de responsabilidade do novo Estado, a vulnerabilidade das
economias tornou-se quase um pesadelo, ilustrado pelas sucessivas crises que
envolveram México, Brasil e Argentina” (2002, p. 83).
Como destaca a tabela 3 abaixo, a América Latina, nos anos 90, recebeu uma grande
quantidade de investimentos. Apenas no biênio 1997-1998, a média anual de entrada foi de
cerca de US$ 70 bilhões, enquanto a média anual anterior à década de 1990 nunca havia
56
Dados mais detalhados sobre os fluxos de capital externo serão analisados posteriormente.
68
ultrapassado US$ 10 bilhões. O Investimento Direto Externo saltou de 1% para 4% do PIB
entre 1980 e 1998.
É importante destacar, que grande parte dos recursos que entraram nas economias
da região, via investimento direto externo, foi deslocado para o processo de privatização
57
de empresas industriais e, principalmente, de setores de serviços públicos como energia
elétrica e telecomunicações. Outra parte foi vinculado à crise do sistema bancário e à
desnacionalização de bancos públicos e privados. A venda de empresas de serviços
públicos para empresas estrangeiras é um dos fatores que explicam a participação crescente
dos serviços na composição setorial dos investimentos estrangeiros no Brasil (Arbix e
Laplane, 2002, p. 87).
Tabela 3 - Fluxo de Investimento Direto Externo (IDE) em países da América Latina –
1990-2000 (milhões de dólares)
_______________________________________________________________
1990/94 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Argentina 2982 5315 6522 8755 6670 23579 11957
Bolívia 86 393 474 731 957 1016 695
Brasil 1703 4859 11200 19650 31913 32659 30250
Chile 1207 2957 4634 5219 4638 9221 3676
Colômbia 818 968 3113 5638 2961 1140 1340
Equador 293 470 491 625 814 690 740
Paraguai 99 103 136 233 196 95 100
Peru 796 2056 3225 1781 1905 1969 1193
Uruguai - 157 137 126 164 229 180
Venezuela 836 985 2183 5536 4495 3187 4110
México 5430 9526 9186 831 11312 11786 12950
Total 14249 27789 41301 61125 66025 85571 67191
______________________________________________________________
Fonte: Arbix e Laplane apud CEPAL (2002, p. 81).
57
Em 1996, ingressaram apenas no Brasil, US$ 2645 bilhões referentes ao processo de privatização em curso,
em 1997 foram US$ 5246 bilhões, 1998 US$ 6121 bilhões e em 1999 foram US$ 8766 bilhões (Banco
Central, 2002).
69
Soares ao analisar as conseqüências dos ajustes neoliberais na América Latina,
conclui, que: “Em relação a toda aquela alegação de que as reformas eram imprescindíveis
para o crescimento, as evidencias não demonstram isso, pelo contrario. São paises que
tiveram um crescimento econômico medíocre ou inexistente, cuja vulnerabilidade
financeira aprofundou, em que o endividamento público aumentou, em que houve uma
generalização da precarização do trabalho, taxas de desemprego
58
inéditas na historia
desses paises – obviamente o caso da Argentina e o mais gritante -, o desmonte das
instituições publicas estatais, a redução e a eliminação da universalidade dos serviços, a
focalização com acompanhamento da exclusão” (2003, p. 42).
A crise sócio-econômica e a instabilidade política trouxeram, ainda, para a região, as
tentativas de golpe de Estado, como os ocorridos na Venezuela
59
, Peru e Haiti. Outro ponto
importante a se destacar, foi o crescente aumento na criminalidade e na violência social,
que atingiam níveis alarmantes, como o infeliz caso do Brasil, e revoltas populares
eclodiram na Argentina, Bolívia, Venezuela, Haiti, México e em outros paises, como
resposta à grave deterioração nas condições de vida.
Vizentini destaca, “a redução da soberania dos Estados nacionais pode ser percebida
ate mesmo pela nova linguagem que impregnou as relações internacionais. Ate a década de
1980, era comum referir-se a paises com Brasil, México e Índia, por exemplo, como
potencias medias, potencias regionais, Estados em desenvolvimento ou paises recém-
industrializados. Atualmente, são denominados mercados emergentes, tendo desaparecido
as noções de Estado, nação, desenvolvimento, potencia ou mesmo de projeto nacional.
Além dos fatores internacionais que produziram tal fenômeno já descrito, e preciso
considerar que as políticas neoliberais impedem os governos de governar, devido a falta de
58
O desemprego aberto atingiu na ultima década a sua maior taxa histórica, quase 12% em media. Se forem
registradas as regiões metropolitanas, as regiões mais deprimidas da América Latina e os trabalhadores de
baixa renda, esse desemprego chega, em alguns casos, a 30% ou 40% da população. Outro ponto interessante
que merece destaque, com relação ao emprego, e a situação dos autônomos, que aumentaram enormemente a
sua participação. De 65% a 95% dos ocupados hoje, na América Latina, não tem nenhum contrato de
trabalho. De 65% a 80% da população latino-americana não tem proteção social nem de saúde. E a cada 10
novos empregos criados na América Latina, na década passada, nove foram na área de serviços e 8,1 foram
informais. Nessa condição se encontram 80% dos empregos gerados na região na década de 1990 (Soares,
2003, p. 43-4).
59
O golpe de Estado ocorrido na Venezuela contou com enorme simpatia popular, tanto que o líder golpista,
Hugo Chávez, veio a ser eleito, posteriormente, Presidente da Republica.
70
recursos debilitando assim internamente os Estados nacionais. O grave e que o capital
estrangeiro e as empresas transnacionais se preocupam apenas com sua lucratividade
(inclusive abandonando paises quando não são mais interessantes, como ocorreu com a
Argentina), enquanto são os Estados nacionais e os governos que têm responsabilidade
sobre a preservação das populações e do território” (2004, p. 75).
Como destaca Furtado: “Neste fim de século prevalece à tese de que o processo de
globalização dos mercados ha de se impor no mundo todo, independentemente da política
que este ou aquele país venha a seguir. Trata-se de um imperativo tecnológico, semelhante
ao que comandou o processo de industrialização que moldou a sociedade moderna nos dois
últimos séculos” (1998, p. 26).
A concentração de renda na região aumentou bastante. Enquanto em 1979 as famílias
com renda inferior a média eram de 67%, em 1997, ultrapassava os 75% (Arruda, 1999, p.
23).
A divida externa da América Latina aumento de US$ 475 bilhões em 1990, para US$
675 bilhões em 1996, a um ritmo anual de 2,5 %, enquanto havia crescido apenas 1,2% ao
ano na década de 80. O serviço da divida (amortizações mais juros) também mais que
dobrou nos anos 90, em media anual de US$ 38 bilhões nos 80 para US$ 86 bilhões nos 90
(Arruda, 1999, p. 24).
“Além de não resolver a pobreza”, conclui Soares, “...a conseqüência mais grave
dessas reformas que supostamente iriam promover o crescimento econômico foi um brutal
aumento da precarização, com uma queda generalizada de todos os empregos, mas
principalmente nos empregos públicos. E a Cepal também afirma que o Estado latino-
americano foi de tal forma desmontado que se tornou inviável a sua própria reforma. Quer
dizer, o Estado se fragilizou no social na maioria dos paises, com péssima qualidade dos
seus serviços, com servidores mal-remunerados e com perda de emprego. Aliás, o texto
também ratifica que com isso se perdeu uma importante arma da política social latino-
americana” (2000, p. 43).
Soares enfatiza ainda um comentário inédito feito pela Cepal, em que se reconhece
que a perda da universalidade das políticas sociais latino-americanas levou a um aumento
da exclusão. E que o excesso de focalização do gasto social nos pobres não só não incluiu
todos os pobres, como também deixou de fora boa parte da classe média precarizada, sem
71
emprego, que hoje esta numa grave crise de acesso a serviços de infra-estrutura básica na
América Latina (2003, p. 42-3).
Os resultados destas políticas para a região foram bastante negativos, como visto
anteriormente, os próprios defensores destas idéias
60
reconhecem que os resultados não
foram tão positivos quanto o esperado, ou anunciado inicialmente. Com isso, os defensores
destas políticas, tentam explicar porque o Consenso de Washington não trouxeram os
benefícios anunciados, e destacam três motivos principais: 1) o tempo ainda é insuficiente
para um balanço mais definitivo das medidas, pois mudanças profundas no continente ainda
estão ocorrendo e deverão mostrar bons resultados brevemente; 2) os países latino-
americanos não teriam realizado ou completado as reformas necessárias.
Diante destas explicações, os defensores do Consenso lista algumas novas medidas
que poderiam ser implementadas para complementar o Consenso inicial, tais como: “1)
Instituições regulatórias; 2) Reforma política; 3) Corrupção; 4) Redes de proteção social; 5)
Flexibilização do mercado de trabalho; 6) Acordos da Organização Mundial do Comércio;
7) Padronização financeira; 8) Redução da pobreza; 9) Abertura nas contas de capital; 10)
Regime cambial único” (Arbix e Laplane, 2002, p. 91).
O paradigma neoliberal adotado na América latina
61
não respeitou a história dos
países do continente, que tiveram no Estado o agente estruturador e fomentador do
crescimento econômico.
“Infelizmente, nas últimas décadas, mesmo a economia do desenvolvimento e a
história econômica – dois subcampos da economia que dão grande relevância à abordagem
histórica – foram abafadas pela predominância da economia neoclássica, que rejeita
categoricamente esse tipo de raciocínio indutivo. A conseqüência funesta disso foi tornar
particularmente aistóricas as discussões contemporâneas sobre a política de
desenvolvimento econômico” (Chang, 2004, p. 21).
60
Dentre os defensores dos ajustes neoliberais que se mostraram insatisfeitos com os resultados das políticas
adotadas na América Latina, destacamos John Willianson, Pedro Paulo Kuczynski, Ricardo López Murphy.
Mesmo insatisfeitos com os resultados das políticas, defendem as política neoliberais e clamam uma
intensificação delas.
61
O novo paradigma, na América Latina, foi reduzido à retomado do desenvolvimento dos países a um guia
de condutas sobre como desregulamentar, como liberalizar e privatizar, banindo ou pasteurizando o debate
sobre um novo compromisso pela produção, capaz de ocupar o espaço do desenvolvimentismo e a
passividade de corte liberal dos anos 90.
72
O paradigma neoliberal adotado na região não levou em conta questões fundamentais,
negligenciando as dimensões da política, a produção e o lugar do Estado no
desenvolvimento. Como destaca Rodrik, a critica rasa do nacional-desenvolvimentismo foi
acompanhada da contração e drenagem do poder estruturante do Estado, sua capacidade de
dialogar, negociar e articular com a sociedade. Questões como a recapacitação tecnológica,
a trajetória e operacionalização das empresas foram secundarizadas, minando os processos
de aprendizado e de aquisição de novos conhecimentos e tecnologia, que praticamente
cederam lugar às preocupações com a macroeconomia. O ajuste fiscal e a flexibilização do
comércio internacional foram transformados em palavras quase-mágicas na boca dos
governantes. E, mesmo assim, os mercados foram valorizados em suas relações com as
trocas e menos com a produção (apud Arbix e Laplane, 2002, p. 92).
Dentre as transformações em curso na sociedade mundial, a globalização e o
neoliberalismo lideram e trazem conseqüências negativas marcantes, das quais se destaca a
crescente vulnerabilidade externa e a agravamento da exclusão social. Estas conseqüências
negativas causadas pelas transformações em curso não impactam apenas os paises em
desenvolvimento, afetando também paises desenvolvidos. Nos Estados Unidos, a exclusão
social se manifesta como concentração de renda e da riqueza, e, na Europa Ocidental, como
desemprego aberto. Como destaca Furtado: “O grande desafio consiste em minimizar os
males resultantes da perda de comando provocada pela Globalização, o que requer políticas
que tenham em conta a especificidade do país” (1998, p. 74).
Furtado destaca ainda uma questão central na sociedade capitalista contemporânea, o
crescente fortalecimento dos mercados e, como contrapartida, o enfraquecimento dos
Estados Nacionais. Cabe destacar na integra suas observações:
“Muitas pessoas se perguntam porque a internacionalização das estruturas
produtivas não esta provocando redução das desigualdades de renda como
previam os arautos do pensamento liberal. E que a distribuição da renda nos
planos nacional e internacional e assunto regido predominantemente por fatores
políticos. Se o mundo se houvesse desenvolvido dentro das normas de um
capitalismo mais puro, a renda seria ainda mais concentrada do que hoje. Mas a
verdade foi que, desde o século passado, as forcas sociais contestadoras foram
extremamente aguerridas na Europa e interferiram nas estruturas de poder
político, abrindo espaço para reformas estruturais importantes como a redução do
mercado de trabalho” (Furtado, 1998, p. 76).
73
Foi somente com a pressão exercida pelas forcas sociais que os benefícios
começaram a serem incorporados pelos trabalhadores, os salários subiram acompanhando
os incrementos de produtividade, que foram criados os sistemas de previdência social e se
definiram políticas de ajuda a regiões menos desenvolvidas. Foi neste instante, que a
distribuição de renda melhorou e a sociedade mudou bastante sua fisionomia, engendrando
novas fontes de dinamismo.
Furtado destaca que “se a renda tivesse prosseguido em sua tendência a
concentração, a estreiteza dos mercados ter-se-ia manifestado. As crises cíclicas teriam sido
ainda mais agudas. Se elas abrandaram, foi porque o capitalismo mudou sob pressão das
massas. A expressão disso em termos de política econômica foi o keynesianismo, que
legitimou a utilização crescente de instrumentos políticos na esfera econômica, abrindo a
era da social-democracia. Mesmo nos Estados Unidos, onde seu capitalismo teve seu
desenvolvimento menos cerceado por fatores institucionais, a ação do Estado se
intensificou para defender setores de atividades econômicas ou interesses regionais” (1999,
p. 77).
E podemos ainda destacar, o custo dos ajustes neoliberais nos paises centrais como
destaca Soares: “No interior dos paises centrais também houve uma distribuição desigual
dos custos sociais: estes foram pagos, na maioria dos paises pelos Estados (crise
financeira), pelos sindicatos e pelo emprego da forca de trabalho”. Outras conseqüências
“dessa repartição desigual dos custos foram: a distribuição pessoal da renda piorou com o
aumento da dispersão salarial; ouve ampliação dos autônomos com rendimentos desiguais e
o surgimento de uma ‘casta’ de yuppie de rentistas: foram gerados bolsões de pobreza,
sobretudo nos EUA e na Inglaterra; e foram desmontados os mecanismos compensatórios
do Welfare State, sobretudo em função da crise fiscal. Essa crise fiscal
62
, que chegou a
apresentar magnitude semelhante a dos paises periféricos, esteve associada tanto às
políticas de ajuste quanto a reestruturação da atividade econômica e da população
economicamente ativa” (2000, p. 19).
62
Outra razão da crise fiscal, pelo lado dos gastos correntes, associada às políticas de ajuste, tornou-se visível
pelo peso adquirido nos EUA e, sobretudo, nos paises periféricos: trata-se do peso crescente dos serviços
financeiros externos e/ou externo da divida publica. Essa influencia crescente dos serviços financeiros
(advinda das operações ativas com títulos públicos nos mercados monetários para regular os desequilíbrios no
balanço de pagamentos) provocou um resultado estrutural importante: o agravamento na distribuição de renda
e da riqueza nacional no interior dos paises, gerando a maior concentração de riqueza privada já vista na
história do capitalismo.
74
Na verdade, os ajustes neoliberais como vimos, fazem parte de uma estratégia
mundial de fortalecimento do papel do Mercado em detrimento do Estado. Ricupero
destaca uma questão importante sobre o atual debate sobre a sociedade mundial:
“Nesses três aspectos – comércio mais livre, promoção do setor privado
e o imperativo de estabilidade macroeconômica – creio que se pode afirmar sem
medo que a opinião pública esclarecida tem convergido, ao longo dos últimos dez
anos, em direção a posições liberais sobre as políticas econômicas desejáveis. As
opiniões não são de forma alguma homogêneas, mas a faixa de desvio reduziu-se
muito, O que, por sua vez, proporciona a base sobre a qual os paises em
desenvolvimento podem mover-se a fim de atingir os padrões internacionais
envolvidos no processo de globalização” (2002, p. 59).
Ao analisarmos os chamados Tigres Asiáticos, ou a China e a Índia, perceberemos
que estes países foram beneficiados por sua progressiva integração com a economia
mundial, mas ao contrário dos países da América Latina, foram orientados por um conjunto
de estratégias de desenvolvimento, combinando um grande esforço exportador com
políticas de proteção de suas economias (exportações subsidiadas, exigência de conteúdo
nacional nos produtos das multinacionais, restrição ao fluxo de capitais, altas tarifas),
políticas hoje em sua grande maioria condenadas pela Organização Mundial do Comércio.
Como destacou Arbix e Laplane sobre os Tigres Asiáticos, China e Índia:
“...a liberalização da economia foi um processo lento e gradual,
desenvolvido ao longo do tempo. E uma abertura mais ampla somente foi
operacionalizada quando suas economias estavam no trilhos, preparadas para
crescer. Em outras palavras, abertura comercial, liberalização e
desregulamentação não podem substituir as estratégias de desenvolvimento, o
mais efeito meio de alcançar uma integração dinâmica e virtuosa para o país com
a economia mundial” (2002, p. 96).
O modelo adotado na América Latina era muito diferente do adotado pelos países
asiáticos. Sua ênfase estava na liberalização do comércio e na desregulamentação dos
fluxos de capitais como forma de alcançar o crescimento econômico.
Depois de um balanço do paradigma, os países da região perceberam, que é preciso
muito mais do que isso, pois a integração dos países à economia mundial, diferentemente
da regulação tarifária, não pode ser controlada diretamente pelos governantes e autoridades
econômicas.
75
O Estado tem um papel fundamental dentro da estratégia de desenvolvimento, se o
modelo anterior ruiu, é necessário a construção de uma nova estratégia, onde haja uma
interação entre Estado e Mercado, rejeitando com isso, as visões e teorias simplistas que
enxergam na retirado do Estado e no fortalecimento do Mercado, o novo mote de
desenvolvimento.
É importante lembrarmos, como destaca Chang ao responder a questão: como os
países ricos enriqueceram de fato?
“A resposta mais sucinta é que eles não seriam o que são hoje se tivessem
adotado as políticas e as instituições que agora recomendam às nações em
desenvolvimento. Muitos recorreram ativamente a políticas comerciais e
industriais ‘ruins’, como a de proteção à industria nascente e a de subsídios à
exportação – práticas hoje condenadas ou mesmo proscritas pela Organização
Mundial do Comércio. Antes de se tornarem completamente desenvolvidos ( ou
seja, antes do fim do século XIX e do início do XX), eles possuíam pouquíssimas
dessas instituições agora consideradas tão essenciais aos países em
desenvolvimento, inclusive as mais ‘básicas’ como os bancos centrais e a
responsabilidade limitada” (2004, p. 14).
Como afirma Stiglitz:
“Os críticos da Globalização, que acusam os países ocidentais de hipocrisia,
estão certos. Os países ricos do Ocidente forçaram as nações pobres a eliminar as
barreiras comerciais, mas eles próprios mantiveram as suas, impedindo que os
países em desenvolvimento exportassem seus produtos agrícolas, privando-os,
assim, da renda tão desesperadamente necessária obtida por meio das
exportações. Os Estados Unidos, é claro, eram um dos principais culpados, e essa
era uma das questões sobre as quais eu nutria os mais intensos sentimentos.
Quando fui presidente do Conselho de Consultores Econômicos, lutei muito
contra essa hipocrisia. Ela não só prejudicava os países em desenvolvimento
como também custava bilhões de dólares aos consumidores e contribuintes norte-
americanos. As minhas batalhas, na maior parte das vezes, eram infrutíferas.
Interesses comerciais e financeiros especiais acabavam prevalecendo – e quando
fui trabalhar no Banco Mundial, pude ver muito claramente as conseqüências
dessas medidas sobre os países em desenvolvimento” (2002, p. 33).
As críticas ao modelo neoliberal do Consenso de Washington não se restringem
apenas aos intelectuais dos países afetados pelas medidas de ajuste, outros teóricos
passaram a criticar este modelo com grande ênfase. Como destaca Rodrik: O Consenso de
Washington “está morto porque ninguém mais acredita que isso vai gerar crescimento ou
provocar erradicação da pobreza. Mas tenta-se passar a mensagem de que ele falhou não
por ser equivocado, mas apenas por ter sido inadequadamente implementado, e de que a
76
implementação com êxito dependeria de um pesado ajuste institucional”. Complementando,
Rodrik conclui: “Mas é possível ver que os procedimentos recomendados seguem o modelo
de países desenvolvidos, que os pobres não tem recursos para replicar. Esse novo Consenso
de Washington faz muito sentido para os países ricos, mas é completamente inútil aos
pobres” ( apud Ioschpe, 2002, p. 46).
Stiglitz crítica o modelo implantado nos países em desenvolvimento: “A batalha
intelectual acabou. As teorias de imperfeições de mercado mostram que não há base
intelectual para a crença no fundamentalismo de mercado do Consenso de Washington. Se
esses market failures acontecem em países desenvolvidos, os problemas são ainda mais
sérios em países pobres. Agora, no campo das políticas públicas, o Consenso ainda tem
muita influência e define as políticas de uma série de países subdesenvolvidos” (apud
Ioschpe, 2002, p. 46).
A manutenção das políticas neoliberais, mesmo havendo essa desconexão entre a
falência intelectual de uma teoria e sua aplicação prática, só se explica, segundo Stiglitz,
pela “Ideologia, perspectivas e interesses”. “A ideologia é aquela que se costumou chamar
neoliberal, as perspectivas são as daqueles ministros que foram treinados nos templos
propagadores da fé e passaram a comungar dela, e os interesses são de multinacionais,
especialmente do mercado financeiro, que continuam ganhando muito dinheiro com o
infortúnio alheio” (apud Ioschpe, 2002, p. 46).
Os criadores do Consenso de Washington renovaram a agenda com o Novo
Consenso de Washington que passou a ser descrito como o novo mantra para o
desenvolvimento. Rodrik, comentando sobre o Novo Consenso, concluiu: “É enganoso no
sentido de fazer acreditar que há um conjunto de instituições que são boas para todo
mundo. É um programa inexeqüível, nenhum país na história da humanidade se
desenvolveu dessa maneira” (2002, p.47). “Os Estados Unidos, quando ultrapassaram a
Inglaterra, no século 19, tinham níveis de protecionismo mais elevados do que qualquer
país em desenvolvimento tem hoje” (apud Ioschpe, 2002, p. 47).
Rodrik destaca quatro proposições necessárias para que os países em
desenvolvimento possam melhorar sua estrutura econômica:
“1. os incentivos de mercado são decisivos para o desenvolvimento econômico;
2. os incentivos de mercado precisam do apoio de fortes instituições públicas; 3.
77
as economias de mercado são compatíveis com uma série de diversificados
arranjos institucionais; 4. quanto maior for a adequação das reformas orientadas
para o mercado às capacidades institucionais preexistentes, maior a probabilidade
de sucesso” (2002, p. 65).
Das proposições descritas por Rodrik, as duas primeiras são amplamente aceitas e
recomendadas pelo Consenso de Washington ampliado, mas o terceiro e o quarto pontos
não é adequadamente reconhecido, mas é fundamental para os países em desenvolvimento
(2002, p. 65).
Stiglitz comentando sobre o que há em comum entre os países que deram certo, cita
três fatores em comum: “Primeiro, adaptaram a globalização a suas próprias circunstâncias;
não adotaram o approach padronizado. Segundo, foram conscientes dos problemas
oriundos da transição. Assim, quando a China abre seus mercados para companhias
estrangeiras, também se certifica de que novos postos de trabalhos serão criados (para
contrabalançar aqueles perdidos com a abertura) para impedir o aumento significativo do
desemprego. Terceiro, prestaram muita atenção a questão distributiva, levando em
consideração o contexto político e certificando-se de que os benefícios da globalização
serão amplamente recebidos” (apud Ioschpe, 2002, p. 47).
Stiglitz afirma:
“A Globalização e a introdução de uma economia de mercado não geraram os
resultados prometidos na Rússia nem na maior parte das outras economias que
fizeram a transição do comunismo para o capitalismo. Esses países foram
informados pelo Ocidente de que o novo sistema econômico que estavam
adotando lhes traria uma prosperidade sem precedentes. Em vez disso, ele lhes
trouxe um estado de pobreza nunca visto antes: em muitos aspectos, para a
maioria das pessoas, a economia de mercado provou ser ainda pior que aquilo que
seus líderes comunistas haviam previsto. O contraste entre a transição da Rússia,
da maneira como foi estruturada pelas instituições econômicas internacionais, e a
transição da China, elaborada por ela mesma, não poderia ser maior. Enquanto na
China, no começo da década de 1990, o PIB era 60% do PIB da Rússia, no final
dessa mesma década esses números tinham se invertido. Enquanto a Rússia
registrava um aumento sem precedentes nos índices de pobreza, a China
registrava um declínio inédito até então” (2002, p. 32).
A globalização altera imensamente a sociedade mundial, a busca por uma estratégia
própria de desenvolvimento é fundamental para as economias em desenvolvimento. Este
78
Novo Modelo deve ser construído por toda sociedade, um processo lento que defenda os
interesses da população e diminua os impactos negativos da concorrência brutal que se
difunde pela economia global.
Stiglitz conclui:
“A Globalização em si não é boa nem ruim. Ela tem o poder de fazer um enorme
bem e, para os países do Leste Asiático que aderiram à globalização em seus
próprios termos, dentro do seu próprio ritmo, ela tem representado um grande
benefício, apesar do baque provocado pela crise de 1997. Mas em muitas partes
do mundo, não houve benefícios compatíveis. Para muitos, a globalização
assemelha-se mais a um desastre iminente” (2002, p. 48).
Diante das dificuldades, as pessoas se revoltam. Os protestos e as manifestações
fizeram com que as autoridades governamentais e os economistas em todo o mundo
reflitam a respeito das alternativas ao Consenso de Washington, políticas vistas como a
única forma certa para o crescimento e o desenvolvimento. Tornou-se cada vez mais claro,
não só para cidadãos comuns, mas também para aqueles que formulam as políticas, não só
para os países em desenvolvimento, mas também para as pessoas nos países desenvolvidos,
que a globalização, da maneira como tem sido praticada, não satisfez as expectativas
conforme seus defensores prometeram que iriam satisfazer – nem realizou o que pode e
deve realizar. Em alguns casos, não resultou nem mesmo em crescimento, mas quando isso
aconteceu, não trouxe benefícios para todos; o efeito líquido das políticas estabelecidas
pelo Consenso de Washington tem sido, com relativa freqüência, beneficiar alguns à custa
de muitos, os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Em muitos casos,
interesses e valores comerciais têm substituído a preocupação com o ambiente, a
democracia, os direitos humanos e a injustiça social (Stiglitz, 2002, p. 47-8).
As políticas neoliberais influenciaram muito as mudanças em curso na sociedade
mundial nos últimos 30 anos, a abertura das economias intensificou a concorrência entre as
estruturas produtivas, a privatização das empresas estatais aumentou o espaço para atuação
do mercado, a desregulamentação das finanças acarretou transformações severas no
mercado financeiro internacional, tudo isso impactou diferentemente nos países e nas
populações mundiais.
79
Diante destas transformações, percebemos que os países da América Latina foram
inseridos nos novos movimentos da sociedade global, o neoliberalismo gerou uma
transformação profunda da estrutura produtivas destas economias, mas esta transformação
não foi tão intensa que acabou gerando uma nova base produtiva, com produtos mais
elaborados e sofisticados, com produtos intensivos em tecnologia e com maior valor
agregado, mas ao contrário, intensificou a dependência dos produtos primários e em muitos
casos acabou levando a uma desindustrialização
63
intensa, o que acabou comprometendo a
estrutura social do país.
63
A desindustrialização foi mais acentuada na Argentina, onde a partir dos anos 70, o governo militar acabou
adotando políticas neoliberais que impactaram diretamente sobre a estrutura produtiva, gerando um
enfraquecimento do setor industrial.
80
Capítulo 2
Corrupção como desafio transnacional
Introdução
A sociedade contemporânea apresenta inúmeros desafios, a manutenção do
crescimento econômico, a inserção de grandes levas de trabalhadores expulsos do sistema
produtivo, o combate ao tráfico de drogas
64
, o desafio da preservação do meio ambiente, a
desigualdade entre as economias e entre as regiões
65
, a disseminação de casos de corrupção
que afetam as instituições e inibe esforços de investimentos, fundamental para garantir o
crescimento das economias em uma época de globalização e integração dos mercados,
exigem grandes mudanças que afetam o comportamento social e torna imprescindível a
atuação do Estado como agente fomentador e estimulador do desenvolvimento econômico.
Concomitantemente percebe-se que o mesmo Estado que é fundamental como agente de
regulação social está sendo retirado e tendo seus poderes diminuídos, sendo concentrados
nas mãos do mercado, principalmente nas empresas transnacionais e nos agentes
financeiros (bancos, corretoras e seguradoras).
Diante dessa realidade, as políticas neoliberais acusavam o Estado de ser o agente
gerador de corrupção, desajustes e desequilíbrios dentro do sistema econômico, e esse
desequilíbrio deveria ser combatido com o enfraquecimento do papel do Estado e, ao
mesmo tempo, com o fortalecimento do mercado como agente de regulação e estruturação
da sociedade.
O presente capítulo tem como objetivo analisar a questão da corrupção na sociedade
mundial, que, nos parece um dos principais problemas da sociedade mundial, refletir sobre
64
Segundo dados disponibilizados recentemente pela Organização das Nações Unidas (ONU), o tráfico de
drogas movimenta anualmente quase US$ 400 bilhões.
65
Atualmente percebemos que as transformações atuais estão gerando grandes levas de excluídos da
sociedade mundial, desde países até regiões inteiras são excluídas pelo grande capital, destaca-se a África,
região assolada por crises de todas as naturezas, desde as crises econômicas até problemas de doenças e
alimentação, onde milhares de pessoas morrem anualmente com moléstias consideradas curáveis, tais como a
diarréia.
81
alguns casos velados de desvios de recursos públicos, o impacto destes desvios sobre a
economia, as decisões de investimento e o aumento da importância da questão da corrupção
como tema internacional envolvendo instituições internacionais e multilaterais, como a
Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial (Bird), entre outras, é
fundamental para a elaboração de políticas públicas para diminuir a corrupção, que tanto
mal causa para a sociedade mundial, mal este estimado em 5% do produto interno bruto
mundial, algo em torno de US$ 1,5 trilhão, algo em torno de 2 vezes o produto interno
bruto brasileiro.
2.1. A conscientização das instituições internacionais
Nos últimos anos, a corrupção passou a ocupar um papel de destaque no cenário
mundial, atualmente podemos encontrar este tema nos mais diversos âmbitos de cooperação
internacional. Na lógica de cooperação dos Estados soberanos, a ameaça que a corrupção
representa, os leva a negociar novas formas de cooperação para a criação de leis para
penalizar e a investigar esses crimes. Somam-se a isso, as grandes instituições
internacionais e regionais de cooperação, da Organização das Nações Unidas (ONU) às
agências de fomento, que desenvolveram linhas de financiamento para ajudar os países a
enfrentar os custos da corrupção. Diante deste cenário, novos atores entram em cena para a
cooperação internacional, como empresas e sociedade civil, que, conjuntamente, tiveram
um papel central na inserção do tema da corrupção na agenda das negociações
internacionais. Os anos 90 foram, sem dúvida, a década da transformação da corrupção em
um dos tópicos mais importantes das relações transnacionais. A sociedade civil agindo na
criação de redes para incentivar e interligar os movimentos anticorrupção em escala global,
e as empresas discutindo a necessidade de auto-regulação além dos limites impostos pelo
setor público.
Dada à importância e a urgência do tema corrupção, há uma considerável escassez
de estudos sobre corrupção nas ciências sociais propriamente ditas, principalmente nas
áreas de economia e de sociologia. O estudo da corrupção é importante para todos os
países, tanto naqueles onde ela é um fenômeno marginal quanto nos países onde assume um
82
caráter estrutural. As modernas abordagens da economia política vêm destacando como a
questão da corrupção pode ser cara ao desenvolvimento dos países, gerando injustiças,
desperdícios e transferências de renda indesejáveis na sociedade.
A partir dos anos 80, empresas de avaliação de riscos de investimento incluíram
sucessivamente o item “corrupção” nas suas análises dos países. Dentre as informações
levantadas pela pesquisa, estão o direito de propriedade, as normas para a repatriação de
lucros, as exigências burocráticas para empreendedores, a existência de mercados negros, e
depois, foram incorporadas as questões ligadas às práticas de corrupção (Speck, 2000).
A corrupção se tornou um problema para todos os países e blocos de países, tanto
para aqueles em vias de consolidação democrática como para as democracias consolidadas.
A corrupção, praticada por velhas e novas elites, nos países do sul gera problemas de
legitimidade e de eficácia nas organizações sociais, o que coloca em dúvida a validade
prática de novos valores democráticos. Agora, a corrupção não é um problema apenas para
os países do sul, os países do norte, democracias estáveis, apresentam inúmeros episódios
de corrupção e escândalos financeiros, que deixaram claro que esta questão não está ligada
apenas a regimes ditatoriais e burocracias subdesenvolvidas. O problema envolve outras
questões e precisam ser combatidos como forma de se evitar ameaças às instituições
democráticas e até à democracia moderna e aos países em vias de democratização.
“A corrupção configura um dos problemas que mais provavelmente serão
mencionados por visitantes casuais a países pobres ou pelos investidores desses países.
Numa pesquisa promovida pela agência Roper Starch International em 19 países em
desenvolvimento, das 15 principais preocupações dos cidadãos, a corrupção foi a quarta,
depois da criminalidade, da inflação e da recessão” (Easterly, 2004, p.307).
A visão anterior, baseada em Left (1964), de que a corrupção poderia ter efeitos
benéficos, tanto para empresas como para a economia nacional, é colocada em xeque pelas
novas visões e estudos sobre corrupção, que passam a visualizar a corrupção como um
possível risco de investimento, não mais trazendo os ganhos para a economia nacional
(Speck, 2000).
No Brasil o tema corrupção ganhou relevância nos últimos anos, principalmente no
início dos anos 90, após as denúncias que levaram ao impeachment do ex-presidente
Fernando Collor de Mello, acusado de vários casos de corrupção.
83
Como destacou Speck, há uma série de hipóteses a respeito da corrupção:
“A esquerda diz que o mal vem do capitalismo, da lógica do ganho individual. A
direita alega que a corrupção é parte da decadência dos valores que mantêm a
sociedade. Os liberais dizem que a hiper-regulação pelo Estado é responsável.
Outros dizem que as tradições histórico-culturais são culpadas pelos padrões de
comportamento considerados corruptos e, na versão universalista, a corrupção é
vista como o princípio da troca que está profundamente enraizado em todas as
sociedades” (apud Schettino 2002, p. 28).
A corrupção não é um problema apenas brasileiro, os anos 90 trouxeram a tona
inúmeros casos de corrupção no mundo todo, Estados Unidos
66
, Inglaterra
67
, Japão
68
,
Itália
69
, Rússia
70
, Alemanha
71
, etc..., além de casos envolvendo países latino-americanos
72
que culminaram em processos de impeachment.
Apesar da corrupção não ser um problema apenas do Brasil e dos países em
desenvolvimento, pois afeta a maioria dos países, incluindo países desenvolvidos, foi na
Itália que ocorreu o combate mais efetivo da corrupção, servindo de exemplo para todos os
países pela determinação e seriedade com que foi conduzido pela sociedade italiana. A
Itália era “...um antro de corrupção, dono de um complexo emaranhado que envolvia
66
Na segunda metade dos anos 90, quando o presidente Bill Clinton concorreu ao segundo mandato
presidencial, inúmeras acusações foram feitas a Clinton sobre o caso Whitewater e sobre o dinheiro usado na
campanha, gerando um clima de grandes incertezas e instabilidades políticas.
67
Em 1997, John Major, então primeiro ministro inglês, sofreu inúmeras acusações sobre o escândalo da
distribuição de dinheiro no parlamento, onde inúmeros parlamentares recebiam recursos para introduzir na
pauta de votação temas de interesses de grandes grupos privados.
68
O Japão também passou por graves problemas de corrupção nos anos 90, onde funcionários do banco
central foram acusados de aceitar propinas de bancos, setor que supostamente eles deveriam fiscalizar. Outros
setores estavam ligados a corrupção, que estava atrelada ao funcionamento promíscuo entre funcionários
públicos e o setor privado.
69
A Itália foi o exemplo mais complexo de combate à corrupção entre os países desenvolvidos, onde a
chamada operação Mãos Limpas, iniciada em 1992, revelou corrupção em praticamente todas as esferas do
poder político e administrativo. Nesta operação, liderada pelo Ministério Público, inúmeros funcionários
públicos, empresários, juízes, militares e políticos foram investigados e presos.
70
O caso russo é bastante interessante, alguns estudiosos acreditam que a corrupção se generalizou no país,
ainda na época soviética, onde os assaltos aos cofres do Estado se davam através de vendas fraudulentas,
adulteração de dados econômicos, contrabando, abastecimento do mercado negro, etc... Nos anos 90, com a
desagregação da URSS, o crime organizado passou a dominar a economia de uma forma jamais vista, através
do tráfico de drogas, armas, prostituição, lavagem de dinheiro, propinas, “venda de proteção”, sendo
responsável, com isso, por quase 40% da economia do país.
71
Na Alemanha, as denúncias de corrupção envolviam o todo poderoso chanceler Helmut Kohl, (1982/1998),
seu partido, a União Democrata Cristã, foi acusado de receber dinheiro não declarado de empresas, que
foram, posteriormente, beneficiadas pelo governo.
72
Além do ex-presidente brasileiro Fernando Collor, que sofreu impeachment em 1992, o presidente da
Venezuela, Carlos Andrés Pérez, também foi destituído do poder por corrupção. Outros presidentes latino-
americanos, Carlos Salinas de Gortari (México), Alberto Fujimori (Peru) e Carlos Menem (Argentina),
também foram acusados por corrupção e tiveram de ser investigados depois de uma grande quantidade de
denúncias.
84
políticos e juízes, o público e o privado, numa situação que gerava a sensação de
impotência para desbaratar as máfias” (Noronha, 2000, p.27).
Em 1988 houve, na Itália, uma alteração do código penal e, com ela, a certeza da
punição. Todas aquelas pessoas que se “arrependiam” começaram a dar informações e a
denunciar comparsas, para isso, a nova legislação passou a garantir a liberdade, dando-lhes
proteção do Estado. Estas medidas ficaram conhecidas como Operação Mãos Limpas, que
mudaram estruturalmente a sociedade italiana, melhorando os indicadores econômicos e
sociais, o que possibilitou um ambiente mais favorável aos negócios.
Como destacou Torres:
“Nestes tempos em que as empresas e os países enfrentam uma disputa acirrada,
quando não selvagem, por mercados cada vez mais competitivos, a corrupção
representa um custo adicional que pode ser o diferencial para condenar
determinados setores ao fracasso ou à obsolescência, trazendo prejuízos e
desemprego. Uma empresa em atividade na África, na América Latina e no Leste
Europeu, regiões onde as práticas corruptas grassam, fatalmente terá a
composição de seu custo de produção mais onerada pela corrupção se comparada
com as empresas com negócios na Europa ou nos Estados Unidos da América”
(2002, p. 112).
É necessário, inicialmente, definir o termo corrupção, antes de qualquer análise
mais detalhada. O termo denota decomposição, putrefação, desmoralização, suborno e
sedução. A corrupção está associada a um ato ilegal, onde dois agentes, um corrupto e um
corruptor, travam uma relação “fora da lei”, envolvendo a obtenção de propinas. O senso
comum identifica a corrupção como um fenômeno associado ao poder, aos políticos e às
elites econômicas. Mas igualmente considera a corrupção algo freqüente entre servidores
públicos (como policiais e fiscais, por exemplo) que usam o “pequeno poder” que possuem
para extorquir renda daqueles que teoricamente corromperam a lei (ultrapassando o sinal
vermelho ou não pagando impostos) (Silva, 1996, p. 173).
São inúmeras as definições para o termo corrupção, mas podemos destacar que ela
envolve a interação entre pelo menos dois indivíduos ou grupos de indivíduos que
corrompem ou são corrompidos e esta relação implica a transferência de renda que se dá
fora das regras do jogo econômico ou político-legal stricto sensu.
85
Silva destaca no parágrafo abaixo uma definição do termo corrupção, que nos
parece bastante abrangente e interessante:
“A corrupção pública é uma relação social (de caráter pessoal, extra-mercado e
ilegal) que se estabelece entre dois agentes ou dois grupos de agentes (corruptos e
corruptores), cujo objetivo é a transferência ilegal de renda dentro da sociedade
ou do fundo público, para a realização de fins estritamente privados. Tal relação
envolve a troca de favores entre os grupos de agentes e geralmente a remuneração
dos corruptos com o uso da propina e quaisquer tipos de pay-offs, condicionados
estes pelas regras do jogo e, portanto, pelo sistema de incentivos que delas
emergem” (1996, p. 175).
Segundo Nye (1967), a corrupção representa um desvio dos deveres formais
associados a um cargo público, em função de benefícios privados (apud Speck, Cadernos
Konrad Adenauer)
Um caso bastante conhecido de corrupção foi o ocorrido no Zaire, cujo então
presidente Mobutu Sese Seko, roubou bilhões de dólares do comércio de minerais do país.
A situação era tão evidente, que Mobutu construiu para uso próprio, inúmeras mansões
73
em todo o país, sendo que a população mal conseguia sobreviver e a economia
74
desabava.
Os economistas, até pouco tempo atrás, não se importavam com a questão da
corrupção. Como destacou Easterly: “Nenhuma das 3047 páginas do prestigioso Handbook
of Development Economics publicado em quatro volumes de 1988 a 1995, menciona a
corrupção como opção. Um recente e importante manual de economia do desenvolvimento
não menciona em ponto algum a corrupção (ou, nesse particular, as políticas)” (2004, p.
307).
Os custos da corrupção não se referem somente a credibilidade política, mas
igualmente à eficiência administrativa, pois custa caro aos países mais castigados com este
desvio de recursos públicos. Diante de tal evidência, percebe-se que para combatê-la, faz-se
necessário uma cooperação técnica e financeira entre as economias.
Como destaca Speck: “Os organismos de cooperação internacional adotaram a idéia
de que as dificuldades de desenvolvimento estavam ligadas a problemas na estrutura
73
As mansões construídas por Mobutu tinham piso de mármore italiano, torneiras de ouro maciço, discoteca,
abrigo nuclear, adega para 15 mil garrafas, fontes musicais nos jardins, jardim zoológico particular com
animais raros.
74
O Zaire, embora produtor de produtos primários, é um país rico em depósitos de cobre, cobalto, urânio,
ouro e diamantes, mas a corrupção capitaneada pelo ex-presidente Mobutu, extraia do país somas altíssimas
de recursos.
86
institucional dos países pobres. Nesse contexto, a questão da qualidade do arcabouço
institucional do Estado ganhou importância. Surgiu o tema da corrupção e das reformas
institucionais para combatê-la. No decorrer dos anos 90, vários organismos
75
de cooperação
econômica (Usaid
76
, Banco Mundial, Pnud
77
) criaram linhas de ação e alocaram recursos
para projetos na área do controle da corrupção” (2002, p.446).
A corrupção muita vezes é estimulada e acobertada pelos chamados paraísos
fiscais
78
e empresas localizadas neles obtêm grandes lucros lavando o dinheiro da
corrupção. Alguns bancos se especializaram em fazer essas transações questionáveis
(Kaufmann, 12/12/2003, Jornal do Brasil).
Existem inúmeros motivos para se combater à corrupção nos diversos países, um
deles ligado a questão da globalização, que exige uma maior cooperação transnacional para
se evitar que os crimes de corrupção de grande escala se dissemine entre as economias. Esta
cooperação internacional passa pelas áreas de perseguição, harmonização das legislações
nacionais, cooperação na investigação, na extradição de atores envolvidos com transações
corruptas e a repatriação de recursos transferidos.
Algumas iniciativas internacionais podem ser destacadas como a declaração da
Assembléia Geral das Nações Unidas sobre Corrupção e Suborno em Transações
Comerciais Internacionais (1996), a Convenção da OCDE sobre o Combate ao Suborno de
Funcionários Públicos no Exterior (1997), a Convenção do Conselho Europeu na Área
Criminal sobre a Corrupção (1999), todas estas podem ser destacadas como períodos onde a
sociedade mundial passa a colocar a questão do combate à corrupção na agente
internacional.
O fato de a corrupção ser mais generalizada em países menos desenvolvidos e com
pouca tradição liberal-democrática não invalida a constatação de que ela representa um mal
sistêmico e transnacional que tem persistido ao longo da história da humanidade (Torres,
2002, p. 112).
75
Inúmeras instituições internacionais relutavam em pronunciar a palavra corrupção, em vez disso, problemas
de governança é o jargão burocrático que empregamos.
76
Agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento Internacional.
77
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
78
Pequenos Estados nos quais as empresas multinacionais estabelecem sucursais ou pessoas físicas depositam
seus recursos, aproveitando-se de impostos muito baixos ou inexistentes praticados pelos respectivos
governos, como é o caso, por exemplo, das Bahamas, de Hong Kong, da Libéria, de Lichtenstein, de
Luxemburgo, da Suíça, e outros.
87
O processo de globalização em curso na sociedade internacional estimula e facilita a
corrupção, isso acontece porque os mercados negros tradicionais e suas variações recentes,
como o tráfico de crianças, de mulheres, de imigrantes, de órgãos, de drogas geram lucros
gigantescos, usam redes internacionais para proteger pessoas e recursos e baseiam-se na
corrupção sistêmica de agentes públicos de todos os países envolvidos. A existência de
agentes públicos corruptos varia em abrangência e em grau, mas é sempre vital para a
exploração do mercado, e mais, nenhum mercado negro sobrevive sem desrespeitar
sistematicamente a legislação nacional. Portanto, o combate ao crime organizado e o
combate à corrupção estão intimamente ligados, ou seja, não se combate o crime
organizado sem um combate a corrupção.
A corrupção não é um fenômeno datado e regional (ocidental), mas ao contrário, ela
é universal e perpassa a história da humanidade. A formação de instituições de controle,
direito e garantia do bem público um fato moderno e associado as democracias (com
imprensa livre) e as às economias de mercado. A corrupção é um ato imoral e de traição da
confiança do público em suas instituições (Silva, 1996, p.176).
Em pesquisas
79
realizadas junto aos empresários para sondar que percepção tem da
corrupção em países do mundo inteiro, numa escala de 0 (o mais corrupto) a 6 (o menos
corrupto), percebeu-se que na escala inferior (alta corrupção) estava Bahamas, Bangladesh,
Indonésia, Libéria, Paraguai, Zaire; e na outra ponta, todos os países que obtiveram nota 6
são industrializados, embora nem todos os países industrializados mereçam essa nota
(Japão e os Estados Unidos, por exemplo, recebem 5) (Easterly, 2004, p. 312-3).
Nesta pesquisa se constatou que corrupção e crescimento estão inversamente
relacionados. Outra relação inversa descoberta pela pesquisa foi entre corrupção e
coeficiente de investimento para o PIB. Constatou-se ainda, que “ninguém deseja investir
numa economia corrupta, e ninguém deseja fazer todas as outras coisas que contribuem
para uma economia em crescimento” (Easterly, 2004, p. 313).
Como destacou Speck: “As práticas das empresas que usam a corrupção como
estratégia para garantir vantagens competitivas sobre os concorrentes se aproximam
79
Pesquisa realizada pela International Credit Risk Guide (Guia internacional do risco de crédito), feita em
1990.
88
daquelas das organizações criminosas internacionais que desenvolvem formas de
gerenciamento empresarial” (2002, p.449).
Estes crimes são facilitados pela globalização em curso na sociedade internacional,
pois facilita a transferência de recursos para fora do alcance dos órgãos nacionais, além dos
paraísos fiscais
80
, que se tornam locais propícios para a lavagem de dinheiro.
Diante disso, é imprescindível que a comunidade internacional desenvolva
instrumentos de adequação da legislação de combate a corrupção, pois esta difere em vários
países. Uma segunda medida que deveria ser estimulada para o combate ao crescimento da
corrupção a nível transnacional é a cooperação internacional na perseguição de crimes que,
em muitos casos tem estrutura internacional. É importante destacar o papel da Organização
das Nações Unidas (ONU), que pela abrangência geográfica tem um papel fundamental no
desenvolvimento da cooperação entre os Estados para o combate ao crime de corrupção.
Instituições mantidas pela ONU, como o Interregional Crime and Justice Research
Institute (UNICRI, Turim), o Office for Drug Controland Crime Prevention (ODCCP,
Viena) e Center for International Crime Prevention (CICP) desenvolveram inúmeras
iniciativas para investigar e debater o tema da corrupção, que trouxe como conseqüência,
conferências internacionais sobre o tema e a criação de um programa de documentação
sobre a incidência de crimes de corrupção, além de uma legislação nacional específica para
o controle destes crimes.
Apesar destas iniciativas em nível global, percebe-se, que as medidas adotadas não
resultaram em formas concretas de assistência entre os Estados soberanos mediante o ajuste
de legislação ou da cooperação no combate a corrupção (Speck, 2002, p. 451).
As medidas não tiveram o resultado pretendido inicialmente, mas começou um
processo, embora lento, de conscientização da importância da criação de instrumentos
internacionais de combate a corrupção. A Organização dos Estados Americanos (OEA), em
1994, passou a aderir a estas políticas e recomendar aos seus países membros uma atuação
mais efetivas
81
no combate a corrupção.
80
Os paraísos fiscais se caracterizam pela manutenção do sigilo bancário acima de qualquer interesse público
de investigar a origem de recursos adquiridos de forma ilícita.
81
A OEA criou, em 1994, o Grupo de Trabalho sobre Probidade e Ética Pública, que passa a canalizar
esforços no sentido de combater a corrupção, que no texto engloba a corrupção ativa e passiva, tanto na área
pública quanto privada, no âmbito nacional como internacional.
89
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),
também aderiu, no início dos anos 90, sob a liderança dos Estados Unidos, ao debate sobre
a corrupção nas transações econômicas transnacionais. A iniciativa da instituição visa
especificamente, as grandes empresas transnacionais e à legislação dos países
industrializados, que abriga grande parte das empresas multinacionais.
Em 1999, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
organizou a Convenção Anti-Corrupção, onde a corrupção era tratada como problema
interno dos países, sendo, em alguns casos até admitida e tolerada. O Brasil é um dos países
signatários desta Convenção e ratificou sua participação em 2000. Schettino destaca, que
quando a OCDE
82
chamou os 35 países participantes para punir empresas e indivíduos
envolvidos em transações ilegais, quatro nações recuaram, dentre elas o Brasil (2002, p.
29).
Destacamos ainda a conversão do Banco Mundial (Bird) ao tema da corrupção, isso
se dá em 1996, fato esse bastante significativo e gerador de um grande avanço no combate
à corrupção, pois esta instituição empresta grandes somas de recursos aos países para
projetos de desenvolvimento.
Quando lançou sua cruzada mundial contra a corrupção, o presidente do Banco
Mundial, James D. Wolfensohn, declarou que “(...) no que se refere ao Banco Mundial, não
existe assunto mais importante do que a corrupção (...). No centro do assunto da pobreza
está a questão da igualdade, e no centro do assunto da igualdade está a questão da
corrupção” (Banco Mundial apud Speck, 2000).
Depois das políticas de liberalização econômica e comercial apoiadas pelo Banco
Mundial
83
e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), nos anos 80 e 90, está em curso um
segundo
84
conjunto de medidas apoiadas por estas instituições, que estão estruturadas na
reforma das instituições governamentais, “visando à reforma na administração pública, no
82
Mesmo assim, a Convenção foi um marco, pois levou à alteração de leis, com introdução do conceito de
corrupção, sendo integrada aos códigos penais de inúmeros países.
83
Os casos pioneiros para a aplicação do pacote do banco são a Albânia, a Letônia e a Geórgia. Esses países
foram os primeiros a pedir a inclusão nos programas de combate à corrupção (Banco Mundial apud Speck,
2000).
84
O Novo Consenso de Washington se estrutura em outras dez medidas, destacadas pelo Banco Mundial,
sendo que o Combate a Corrupção, aparece em destaque como medida fundamental para acabar, eliminar, ou
pelo menos diminuir a índices mínimos.
90
sistema legal-judicial, na política e na administração fiscal, na análise das despesas
públicas, na descentralização, no papel do Legislativo e da mídia” (Speck, 2002, p. 460).
A conversão do Banco Mundial
85
ao tema da corrupção se materializou nos
relatórios da instituição e ainda, nos empréstimos concedidos e no movimento de
conscientização dos custos econômicos e sociais da corrupção. O Banco inovou mais uma
vez ao apontar os custos que a corrupção causa ao desenvolvimento econômico e social das
sociedades e ao instituir uma comissão especial para receber denúncias e fortalecer os
mecanismos de competição e transparência na administração dos projetos por ela
financiados.
Como destacou Speck:
“A entrada do Banco Mundial contribuiu definitivamente para dar mais status
político ao tema do controle da corrupção. Adicionalmente, aumentou a
disponibilidade de recursos e de dados vinculados ao fato, uma vez que as
pesquisas de opinião são parte integral da estratégia do banco para controlar a
corrupção. Contrastando com a escassez de informações quantitativas sobre o
fenômeno em décadas anteriores, nos últimos anos esses elementos cresceram
exponencialmente, em função das pesquisas aplicadas. Da mesma forma, as
análises acadêmicas com base nesses dados se multiplicaram” (2000).
Além das instituições internacionais e multilaterais, destacamos ainda o papel da
sociedade civil internacional, que procura também contribuir para a diminuição dos altos
índices de corrupção, que causam grandes perdas econômicas e ônus social para os países
de todo o mundo, não importando se desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Como esforço de combate à corrupção, destacamos a criação, em 1993, da
Transparência Internacional
86
(TI), que inicialmente se concentrou na questão da corrupção
em transações econômicas internacionais, bem como em projetos de cooperação
econômica.
85
Em 1989, o Banco Mundial divulgou um relatório sobre a África, intitulado From Crisis to Sustainable
Growth,onde aponta que a má gestão do poder público foi um dos motivos para o não-desenvolvimento dos
países do continente africano nos anos 80, em particular os da região subsaariana, portanto, para o Bird, a
pobreza africana está ligada a má gestão e há governos ruins.
86
Faz se necessário destacar que o responsável pela criação da Transparência Internacional, Peter Eigen, foi
funcionário do Banco Mundial (Bird) e, anteriormente trabalhou na Volkswagen (Alemanha), onde seu nome
esteve envolvido em suspeitas de irregularidades e corrupção (Jornal La Jornada, México, 19/11/2000).
Disponível em:
http://www.jornada.unam.mx.
91
A Transparência Internacional
87
apresentou uma visão bastante peculiar com relação
ao tema corrupção, que passou a ser vista não só “como um problema de decadência moral,
ou de oportunidade econômica, ou de impunidade. Para combatê-la de forma eficiente,
serão necessárias iniciativas e reformas em vários níveis” (Speck, 2002, 464). Para se
combater a corrupção, faz-se necessário, segundo a Transparência Internacional
88
, o
engajamento de vários atores dos setores públicos e privados e da sociedade civil.
Destacamos ainda, a criação de uma metodologia de mensuração da corrupção,
desenvolvida por Johann Lambsdorff, da Universidade de Gottingen, que compila os dados
levantados por agências de riscos de investimentos. Este índice varia de 0 a 10 e recebeu a
denominação de Corruption Perceptions Index (CPI). Destacamos ainda, como iniciativa
da Transparência Internacional, a organização da Conferência Internacional Anticorrupção
(IACC), que bianualmente discute a questão da corrupção, propondo políticas e
instrumentos de combate em nível transnacional.
O Índice de Percepção da Corrupção (IPC) fez grande sucesso no seu lançamento,
pois tem como grande mérito, chamar a atenção para o assunto da corrupção na agenda
política internacional. Sua criação estimulou o debate sobre a corrupção, torná-la um
problema e suscitar a busca por medidas para diminuir o seu grau e a sua incidência.
É importante destacar ainda, que o Índice de Percepção da Corrupção recebeu
inúmeras críticas
89
, basicamente porque continua medindo percepções e não fatos concretos
de corrupção.
Como destacou Speck, uma das críticas com relação ao índice “...é que elas se
baseiam, em grande parte, em observações subjetivas. Pouco se preocupam com questões
como a ambigüidade da definição de ‘corrupção’, que era o centro das pesquisas anteriores.
87
Muitas das idéias defendidas pela Transparência Internacional entraram nos programas de combate a
corrupção do Banco Mundial.
88
A Organização Não-Governamental, Transparência Internacional (TI), renomada internacionalmente como
instituição de combate à corrupção, criou uma filial no Brasil, a Transparência Brasil, uma ONG que trabalha
no combate as causas sociais e econômicas da corrupção e no desenvolvimento de instrumentos
governamentais que dificultam esta prática. Entre os fundadores, figuram a juíza Denise Frossard, a secretária
nacional de Justiça Elisabeth Sussekind, o ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira, o jurista
Rubens Naves e dirigentes do Instituto Ethos, PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), Cives,
Abong, TCC Brasil, SindusCon-SP, Associação dos Juízes pela Democracia e outros.
89
Os próprios autores do IPC aceitam estas críticas, afirmando que é necessário ter um certo cuidado no uso
dos dados, pois eles retratam não a realidade, mas a sua percepção.
92
Ao contrário daquele enfoque, a percepção agora é usada como fonte de informação para
avaliar o grau de corrupção em cada país” (2000).
Mesmo recebendo inúmeras críticas, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), tem
uma importância central no estudo da corrupção, pois, pela primeira vez, uma pesquisa
internacional abrangendo mais de 130 países conseguiu mensura algo de tão difícil
mensuração, já que corrupção não é algo que se alardeia na mídia, ou seja, quem pratica
atos corruptos não sai comentando estas atitudes.
TABELA 4: Índice de Percepção de Corrupção (IPC) em 2000
__________________________________________________________________
Posição do país País IPC
__________________________________________________________________
1 Finlândia 10,0
2 Dinamarca 9,8
3 Nova Zelândia 9,4
3 Suécia 9,4
5 Canadá 9,2
6 Islândia 9,1
6 Noruega 9,1
6 Cingapura 9,1
9 Holanda 8,9
10 Reino Unido 8,7
11 Luxemburgo 8,6
11 Suíça 8,6
13 Austrália 8,3
14 EUA 7,8
15 Áustria 7,7
15 Hong Kong 7,7
17 Alemanha 7,6
18 Chile 7,4
19 República da Irlanda 7,2
93
20 Espanha 7,0
21 França 6,7
22 Israel 6,6
23 Japão 6,4
23 Portugal 6,4
25 Bélgica 6,1
26 Botsuana 6,0
27 Estônia 5,7
28 Eslovênia 5,5
28 Taiwan 5,5
30 Costa Rica 5,4
30 Namíbia 5,4
32 Hungria 5,2
32 Tunísia 5,2
34 África do Sul 5,0
35 Grécia 4,9
36 Malásia 4,8
37 Ilhas Maurício 4,7
37 Marrocos 4,7
39 Itália 4,6
39 Jordânia 4,6
41 Peru 4,4
42 República Tcheca 4,3
43 Bielo-Rússia 4,1
43 El Salvador 4,1
43 Lituânia 4,1
43 Malauí 4,1
43 Polônia 4,1
48 Coréia do Sul 4,0
49 Brasil 3,9
50 Turquia 3,8
94
51 Croácia 3,7
52 Argentina 3,5
52 Bulgária 3,5
52 Gana 3,5
52 Senegal 3,5
52 Eslováquia 3,5
57 Letônia 3,4
57 Zâmbia 3,4
59 México 3,3
60 Colômbia 3,2
60 Etiópia 3,2
60 Tailândia 3,2
63 China 3,1
63 Egito 3,1
65 Burkina Fasso 3,0
65 Cazaquistão 3,0
65 Zimbábue 3,0
68 Romênia 2,9
69 Índia 2,8
69 Filipinas 2,8
71 Bolívia 2,7
71 Costa do Marfim 2,7
71 Venezuela 2,7
74 Equador 2,6
74 Moldávia 2,6
76 Armênia 2,5
76 Tanzânia 2,5
76 Vietnã 2,5
79 Uzbequistão 2,4
80 Uganda 2,3
81 Moçambique 2,2
95
82 Quênia 2,1
82 Rússia 2,1
84 Camarões 2,0
85 Angola 1,7
85 Indonésia 1,7
87 Azerbaijão 1,5
87 Ucrânia 1,5
89 Iugoslávia 1,3
90 Nigéria 1,2
Fonte: Dados publicados em página da internet: www. Transparência.org.br
Ao analisarmos os dados da Transparência Internacional (TI) divulgados em 2000,
percebemos que, dos 90 países analisados, apenas três países em desenvolvimento estavam
entre os 20 primeiros colocados: Cingapura (6 lugar), Hong-Kong (15• lugar) e Chile (18•
lugar).
A década de 90 foi um momento especial, o tema da corrupção passou a ocupar a
agenda dos países, passando a ser discutido pelos organismos internacionais e multilaterais,
tais como ONU, OEA, OCDE, Bird, além de instituições da sociedade civil, como a
Transparência Internacional, estimulando a confecção de políticas e a tomada de iniciativas
para o aumento da cooperação e a diminuição desta prática tão negativa e degradante para a
sociedade internacional.
O Banco Mundial, em 1992, lançou um outro estudo intitulado Governance and
Development, onde se introduz um novo termo, governança, que está associado à
transparência, prestação de contas e eficiência administrativa. Neste instante, o tema
corrupção entra definitivamente na agenda do Banco, pois está ligado a essas metas, e passa
a ser usado pelo Bird e pelo FMI em suas negociações com os países em desenvolvimento.
Devemos destacar ainda, como faz Jordão, que “...antes de 1990, o tema da
corrupção era delicado para os Estados Unidos (país que é o principal acionista do Banco
Mundial e que determina suas diretrizes básicas), já que se viviam os tempos da Guerra
Fria. Não era cômodo para os Estados Unidos apontar para um aliado como a Indonésia ou
o Chile e dizer: vocês têm problemas de corrupção. Naquela época, fazer isso seria uma
96
maneira de levar água para moinhos contrários a interesses norte-americanos no globo”
(2000, p. 9).
Com o fim da Guerra Fria, associada à desintegração da União Soviética, o interesse
norte-americano mudou, prioriza-se a abertura de mercados, liberalização comercial e
desregulamentação financeira, e a corrupção não ajuda nisso, já que as regras corruptas não
são claras e oneram os investimentos e as operações financeiras.
2.2. Corrupção e Governo
Depois da sociedade mundial se conscientizar dos graves prejuízos que a corrupção
causa ao sistema econômico e a sociedade como um todo, inclusive impactando
diretamente sobre o desenvolvimento, alguns teóricos passam a considerar o papel dos
governos no combate às mazelas criadas pela corrupção.
Como destaca o Banco Mundial:
“Falta frequentemente o reconhecimento de que um governo efetivo e
transparente, operando dentro de uma estrutura de liberdades civis e bom
governo, é fundamental para ganhos de bem-estar sustentados e mitigação da
pobreza. Falta também uma visão integrada de governo e corrupção. De fato, a
corrupção deveria ser encarada como um sintoma da fragilidade fundamental do
Estado, não como uma determinante básica ou ímpar dos males da sociedade”
(2002, p. 141-2).
O Banco Mundial coloca o Estado no centro da questão da corrupção, com poderes
diretos e atuação importante no combate, fiscalização e punição desta atividade que tanto
mal causa aos agentes sociais.
Como destacou McMillan:
“Existe uma tensão intrínseca entre Estado e Mercado. Às vezes ela sai do
controle. O governo tem um papel essencial na definição das regras do mercado.
Mas as intervenções têm um lado negativo, pois não necessariamente os governos
agem como deveriam. Algumas vezes eles atrapalham os mercados. Mobutu é um
exemplo extremo, mas infelizmente não são raros os políticos e burocratas que
expropriam os cidadãos. Algumas vezes os funcionários governamentais criam
obstruções nos mercados para extorquir propinas. E às vezes ajudam agentes
favorecidos dos mercados a conspirar contra o público” (2004, p. 137).
97
Um Estado capacitado com instituições governamentais boas e transparentes está
associado ao alto crescimento da renda, saúde nacional e realizações sociais.
Percebem-se, ainda, ao analisar os dados divulgados pela Transparência
Internacional (TI), em 2000, que dos vinte países com maior avaliação da ONG, dezessete
são países desenvolvidos, pois lá a corrupção é mais seriamente punida pela sociedade e as
instituições são mais sólidas e estruturadas.
Fatores institucionais como o centralismo estatal, próprio das sociedades latino-
americanas e do sudeste asiático, por exemplo, e o excesso de regulamentação cria campo
fértil para o aparecimento da corrupção e da propina (Silva, 2001, p. 21).
A corrupção apresenta um custo/benefício, onde o risco de quem rouba é
relativamente muito baixo tanto nas probabilidades de ser apanhado na fraude quanto na
eventual possibilidade de punição civil e criminal. Em um Estado que enfrenta tanta
dificuldade de punir seus criminosos, principalmente os envolvidos em fraudes de
“colarinho branco”, o crime (corrupção) acaba sendo um negócio bastante atraente.
Com a estruturação e o desenvolvimento do Estado como agente econômico e
produtivo em escala global, a partir das idéias Keynesianas, nos anos 30, o Estado passa a
ter um papel fundamental dentro da sociedade. Na América Latina, o Estado se expandiu
fortemente, investindo em inúmeros setores, desde siderurgia, telefonia, petróleo, energia
elétrica, até bancos comerciais e de desenvolvimento. Com isso, o Estado passa a se tornar
um ator fundamental dentro da sociedade, como gerador de emprego e renda além de
estimulador do crescimento econômico. Esse crescimento do Estado é tão excessivo, que
nos anos 80, cabia ao Estado brasileiro a nomeação de quase quarenta mil pessoas para o
preenchimento de cargos dentro da máquina estatal, cargos de nomeação política, muitos
deles feitos por critérios exclusivamente políticos onde o nomeado pouco conhecimento
possuía sobre a área ou o setor de atuação, o que geravam espaços inequívocos para
corrupção e ineficiência, tudo isso corroborando para o crescimento da visão de que o
Estado era ineficiente e a única solução eram a privatização e a diminuição do seu papel na
economia e o crescimento da atuação do Mercado, visto por alguns como o melhor agente
de alocação de recursos e como o fim dos desvios gerados pela corrupção.
“Com o crescimento do Estado, a corrupção passou a ser associada
constantemente ao abuso da administração pública com fins de ganhos privados.
98
O desgoverno pode atingir a taxa de crescimento das rendas e do capital humano,
e aumentar a taxa de esgotamento dos recursos naturais – frequentemente, os
resultados do capital investido dos políticos e das elites. Além disso, Estados mal
governados tendem a exibir um conjunto distorcido das políticas econômicas e
institucionais que faz decrescer os fatores de competitividade, crescimento e
diminuição da pobreza. Contudo, por meio dos mecanismos diretos e indiretos,
um governo eficiente e claro é vital para a materialização e a sustentação de
políticas institucionais e econômicas sólidas e para promover o desenvolvimento
do capital humano e a diminuição da pobreza” (Banco Mundial, 2002, p. 144).
TABELA 5: Um extrato do Índice de Percepções da Corrupção (IPCorr).
____________________________________________________________
País 1995 1996 1997 1998 1999 2000
____________________________________________________________
México 3,2 3,3 2,7 3,3 3,4 3,3
Brasil 2,7 3,0 3,6 4,0 4,1 3,9
Argentina 3,2 3,4 2,8 3,0 3,0 3,5
Chile 7,9 6,8 6,1 6,8 6,9 7,4
____________________________________________________________
Fonte: Transparency International;
www.transparency.org (ordem alfabética; dados
arredondados para uma casa decimal).
Pelos dados disponíveis na tabela acima, podemos perceber que no período
1995/2000, o Brasil deu um salto positivo de 40% na percepção de corrupção, justamente
depois do país ter convivido com duas grandes investigações no Congresso Nacional sobre
corrupção. A primeira foi a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
90
que investigou as
relações do presidente Fernando Collor de Mello com o empresário Paulo César Cavalcante
Farias, o PC Farias. A segunda grande investigação sobre corrupção foi feita pelo
Congresso Nacional, a partir das denúncias de que o Orçamento Nacional estava sendo
usado como um instrumento de apropriação, por congressistas e outros agentes
91
, para
direcionar recursos para suas bases eleitorais.
90
Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI), instaurada no Congresso Nacional em 1• de junho
de 1992, presidida pelo Deputado Benito Gama e teve como relator, o Deputado Amir Lando.
91
Destaco o economista José Carlos Alves dos Santos, funcionário do Senado desde 1965, que foi um dos
grandes mentores do esquema de corrupção instalado dentro da Comissão de Orçamento, responsável pela
99
Os outros países da tabela também apresentaram resultados positivos, com exceção
do Chile, que caiu de 7,9 para 7,4. se colocando numa boa classificação no ranking da
percepção de corrupção (IPC), na 18•
92
colocação.
México e Argentina apresentaram melhoras no índice, o primeiro saindo de 3,2 em
1995 e passando a 3,3 em 2000, uma melhora pequena num período de seis anos; a
Argentina apresentou uma melhora maior, saindo de 3,2 em 1995 e passando para 3,5 em
2000, um melhora de quase 10% em apenas seis anos.
Silva destaca o caso do Chile e a Costa Rica, que, apesar de países
subdesenvolvidos, a corrupção é controlada, e destaca ainda:
“Nesses países, por algum motivo, as instituições funcionam bem, inibindo a
corrupção. São diversas as variáveis da corrupção: o nível de renda per capita, a
qualidade das leis, a eficácia da justiça, o desenvolvimento das instituições, o
nível de aprofundamento da democracia, e até o nível de urbanização. Num país
agrário como a Índia e a China, a população fica dispersa e a poucos movimentos
coletivos que fiscalizem o poder. Também contam o nível educacional da
população, o avanço tecnológico e a dimensão geográfica. Num país extenso, o
Estado é grande e hipertrofiado e, portanto, maior é a dificuldade de controle
desse poder, assim como nas grandes empresas. O país mais pobre tende a ser
mais corrupto, sim, mais não é o caso do Brasil. Aqui, o que pesa é o grau de
envolvimento das instituições, pois o país viveu muito tempo sob a ditadura e
ainda não amadureceu democraticamente. Já na África subsaariana, a corrupção é
um meio de vida. Entre os países grandes e populosos, como China, Rússia,
Índia, Brasil e os EUA, os últimos são os menos corruptos. O Brasil está numa
posição intermediária” (2002, p. 43).
Percebe-se que a corrupção é um círculo vicioso, que penaliza os mais pobres, que
ficam sem educação, transporte e saúde de qualidade. A corrupção é tão ou até mais cruel
que a inflação, pois o desvio público atrasa e empobrece os países.
A corrupção é um dos mais perversos impostos já concebidos. A inflação galopante
tirava dinheiro dos pobres e o concentrava nas mãos dos ricos. A corrupção tem um
resultado muito semelhante. Ela desvia parte do dinheiro destinado aos mais desvalidos
habitantes de um país. O dinheiro desviado fica com os agentes corruptos, tais como, os
funcionários e intermediários desonestos.
elaboração dos gastos do país.
92
O Chile é o país latino-americano mais bem colocado no ranking de percepção de corrupção, mesmo tendo
sido o laboratório das políticas neoliberais do mundo, adotadas no período 1973-1990, no governo autoritário
chefiado pelo General Augusto Pinochet.
100
É importante destacar, mais uma vez, que a corrupção não é exclusividade da
democracia brasileira ou mesmo da América Latina, Como destaca Torres, no parágrafo
abaixo:
“O mais apropriado seria dizer que é, provavelmente, um mal comum à maioria
dos Estados contemporâneos. Se considerarmos os países desenvolvidos, veremos
que lá o problema também é grave. Nos EUA, nos países europeus ou no Japão
os escândalos nos jornais são quase diários. Um estudo da Association of
Certified Fraud Examiners, que consta em relatório divulgado pelo Banco
Mundial (Bird), apontam que fraudes e corrupção provocam um desfalque da
ordem de 6% nas receitas anuais das empresas públicas e privadas. Apenas nos
Estados Unidos este percentual representa US$ 400 bilhões por ano. É este o
enorme volume de recursos que se perde por causa da corrupção, lembrando que
esse percentual de 6% tende a ser muito maior nos países onde o problema mais
se alastrou” (2002, p. 112).
O ambiente institucional para a atividade econômica determina, em larga medida, a
habilidade dos países pobres para convergir para os padrões dos países industrializados.
A separação entre o público e o privado é fundamental para se combater a corrupção
em qualquer sociedade, não importa se são países desenvolvidos ou subdesenvolvidos. Na
América latina essa separação pouco acontece, o que favorece o aumento do número de
casos de corrupção e o desperdício de recursos públicos, o que contribui para o incremento
da miséria e da indigência social.
Como destaca Silva:
“Na América Latina, em geral, onde grupos (dominantes tradicionais) de
caçadores de renda (lobbies) parasitários privatizam o Estado. Esses caçadores se
organizam desde as esferas mais elevadas de poder, dentro e fora do Estado, até a
burocracia mais elementar. Geralmente existem vários grupos que competem
entre si por receitas tributárias (subsídios), verbas públicas para governos locais,
obras públicas e outras formas de apropriação e transferências de renda. Os
agentes privados estabelecem relações pessoais com a burocracia, o que permite o
aprofundamento das relações de fidelidade e confiança entre as partes
envolvidas” (2001, p. 50-1).
A forte herança do centralismo ibérico na América Latina, a dominação
patrimonialista e o clientelismo influenciaram na atuação do Estado populista
desenvolvimentista na economia. No Brasil, a partir dos anos 30, o corporativismo e o
101
estatismo
93
foram reforçados, provocando no Estado uma hipertrofia e uma centralização
do poder, o processo de substituição de importações aumentou o espaço para a ação de
caçadores de renda
94
, que dependiam de favores de burocratas e do governo central para
sobreviver.
Como destacou Silva, o patrimonialismo constitui, com suas derivações
clientelistas, a principal base sobre a qual a corrupção é institucionalizada nos países
subdesenvolvidos (2001, p. 53).
Estudos apontam o efeito pernicioso da corrupção sobre o desenvolvimento. Mauro
(1997) mostrou que a corrupção retarda a taxa de crescimento dos países, descobrindo que,
se reduzisse a corrupção ao nível de Cingapura e a taxa de crescimento fosse de 4% ao ano,
a média atual de Bangladesh para o crescimento do PIB per capita entre 1960 e 1985 teria
sido 1,8% mais alto, um ganho potencial de 50% na renda per capita (apud Banco Mundial,
2002, p.151).
A corrupção é um grande mal para a sociedade, e nos parece bastante evidente que
tende a nos acompanhar por algum tempo, mas percebemos algumas mudanças
interessantes na sociedade: corruptos e corruptores não são mais aceitos como partes do
cotidiano, não são mais tolerados como um mal necessário. Atualmente, a corrupção é vista
como prejudicial ao desenvolvimento, inimiga das políticas públicas e como agente
alimentador da exclusão social.
Como destaca Capobianco e Monadjem, esta mudança não ocorre apenas no Brasil:
“No Japão, “harakiris” são cometidos por corruptores pegos em flagrantes. Na
Coréia do Sul, um ex-presidente está na cadeia por se deixar corromper. Na
Alemanha, o outrora venerado ex-chanceler Helmut Kohl viu sua reputação
desabar ao vir a tona o escândalo do caixa 2 de seu partido” (Site Transparência
Brasil, 2005).
O relatório do Banco Mundial descreve ainda alguns dos muitos canais pelo qual a
corrupção pode enfraquecer o crescimento econômico de um país.
93
O estatismo e a centralização do poder nas mãos do Estado acabaram gerando um fortalecimento do papel
do burocrata, que passou a ser um ‘despachante’, remunerado indiretamente por agentes dispostos a pagar
propina.
94
O termo “caçadores de renda” ou rent-seeking (ou comportamento caçador de renda) pode ser definido
como uma ação coletiva de um grupo de pessoas físicas e/ou jurídicas que tenta transferir renda legal ou
ilegalmente.
102
1) Deslocamento de talento, inclusive subutilização dos segmentos-chave da sociedade, tais
como as mulheres;
2) Níveis mais baixos de investimentos doméstico e estrangeiro;
3) Desenvolvimento e crescimento empresarial distorcido na economia informal;
4) Gastos públicos e investimentos distorcidos e estrutura física deteriorada;
5) Lucros públicos mais baixos e menos provisão da regra de direito como um bem público;
6) Exagerada centralização governamental;
7) Captação estatal pela elite corporativa das leis e políticas do Estado, solapando o
crescimento das saídas e dos investimentos do setor empresarial.
Mcmillan destaca ainda, que onde há mais corrupção, o nível de investimento e de
crescimento econômico é menor. “Não é fácil medir os níveis de corrupção de um país de
maneira a permitir comparações. Em vários países foram calculados índices de corrupção
com base em questionários preenchidos por consultores estrangeiros. Esses índices são
necessariamente subjetivos e inexatos, mas nos dão uma mostra de como a corrupção
desencoraja o investimento e atrasa o crescimento” (2004, p. 138).
Nesta época de globalização
95
, onde a concorrência e a competitividade estão
transformando a sociedade e a economia, a corrupção reduz significativamente os
investimentos interno e externo. Como destaca o relatório do Banco Mundial: “Reduzir a
corrupção a seu nível mais baixo em Cingapura teria o mesmo efeito sobre os investimentos
estrangeiros para um país corrupto como reduzir a taxa corporativa marginal para mais de
20 pontos percentuais. Muitos países atingidos pela corrupção também oferecem taxas de
incentivos substanciais para atrair empresas multinacionais. Mediante o controle da
corrupção, poderiam atrair pelo menos o mesmo número de investimentos estrangeiros sem
tais incentivos ou impostos (2002, p. 151-2).
A globalização propicia o aumento de práticas corruptas no Brasil e nos outros
países de duas maneiras: ao facilitar e agilizar a circulação de dinheiro pelo mundo; e,
como nos países mais industrializados e desenvolvidos há uma estrutura mais avançada e
institucionalizada para evitar e combater a corrupção, as empresas transnacionais elegem os
países em desenvolvimento como regiões preferenciais para a prática de negócios escusos.
95
Entendemos por corrupção, apenas e tão somente como uma maior facilidade de integração sócio-cultural,
comunicação e transação comercial entre empresas e nações, agilizada pelo desenvolvimento dos meios
eletrônicos de comunicação e transmissão de dados.
103
Como destaca Torres:
“O volume dos recursos financeiros que circula diariamente pelo mundo é algo
astronômico, chegando a casa dos trilhões de dólares. Pois bem, essa facilidade e
rapidez de circulação monetária abrem uma enorme válvula de escape para o
dinheiro obtido de maneira irregular dentro do Brasil. Em uma futura e
improvável investigação imagine a dificuldade que se teria em rastrear um
dinheiro que circulou intensa e velozmente por diversos paraísos fiscais ao redor
do mundo e foi parar em alguma conta secreta religiosamente protegida pelas
autoridades desses países. É interessante observar que esse volume enorme de
dinheiro circula, grosso modo, sem qualquer tipo de restrição ou fiscalização,
facilitando o trabalho de quem quer escoar, aplicar ou proteger dinheiro vindo da
corrupção. Ainda que de maneira indireta, essas facilidades incentivam a
corrupção, pois os administradores inescrupulosos sabem que podem contar com
uma destinação rápida e segura para o fruto de suas falcatruas” (2002, p. 122).
A consciência com relação à corrupção aumentou muito no mundo contemporâneo,
o que obrigou as instituições financeiras, cuja imagem ficou manchada nos últimos anos
devido a escândalos de desvios de fundos, sendo vistas como agentes da lavagem de
dinheiro sujo, gerados e perpetuados pelo sigilo bancário, a adotar políticas para se
prevenirem da lavagem de dinheiro provenientes de corrupção e do narcotráfico. Estas
políticas foram adotadas por 11 instituições
96
financeiras “...que se comprometeram a
aceitar clientes em relação aos quais foi devidamente apurado, após a condução das
diligências necessárias, que os ativos e os fundos provém de fontes legítimas” (Noronha,
2000, p. 31).
Outro ponto também muito relacionado com o desenvolvimento e a disseminação
dos casos de corrupção na sociedade mundial foi o desmantelamento da União Soviética e a
expansão das máfias.
Como destaca Jordão:
“A expansão dos negócios ilegais ligados ao crime organizado transnacional,
gerado como conseqüência do desmantelamento da União Soviética e da
expansão das máfias naquela região do globo a partir do início dos anos 90 (não
se pode esquecer que a URSS foi, durante boa parte do século XX, a segunda
potência do planeta). Mercados e rotas para o tráfico de drogas e armas foram
96
Assinam o compromisso os bancos suíços UBS e Crédit Suisse; os norte-americanos Citibank, Chase
Manhattan e J. P. Morgan; o britânico Barclays; o francês Societe Genérale; o alemão Deutsche Bank; o
holandês ABN Amro; o espanhol BSCH; e o grupo sino-britânico HSBC. Neste acordo feito por estas
instituições financeiras ficou acertado que a Suíça, conhecido paraíso fiscal, flexibilizaria suas regras,
aceitando o congelamento de contas suspeitas e o posterior repatriamento de recursos que tivessem
comprovado serem oriundos de atos ilegais.
104
abertos. Na disputa por esses mercados, novas alianças se estabeleceram, como,
por exemplo, a que uniu em 1991 os cartéis colombianos à máfia italiana para a
distribuição da cocaína na Europa. Esse novo quadro gerou mudanças drásticas
na amplitude do crime organizado em escala planetária – aumentando a corrupção
gerada por esse tipo de atividade nos países afetados (infiltração nas polícias, no
Judiciário, nas alfândegas, etc...) (p. 9-10, 2000)”.
A corrupção causa graves distúrbios econômicos, pois aumenta o investimento
público criando chances para manipulação pelos funcionários públicos desonestos, de alto
nível. Distorce igualmente a composição do gasto público para longe das operações
necessárias e manutenção de gastos, e dirige-o para a compra de novos equipamentos,
reduzindo, desse modo, a produtividade do investimento público, particularmente na infra-
estrutura. Sob um regime corrupto, funcionários públicos afastam-se de programas de saúde
porque oferecem um escopo menor para desvio de verba. A corrupção também pode reduzir
as taxas de lucro porque compromete a capacidade do governo para receber tarifas e
impostos
97
.
Nos países onde a corrupção prevalece o crescimento é desequilibrado, com
enormes impactos sobre a pobreza, pois os pobres recebem menos serviços sociais, como
saúde, educação e segurança. Tudo isso contribui para o aumento da desigualdade da renda
e da pobreza, por meios de canais como crescimento mais baixo, impostos regressivos,
menor direcionamento efetivo dos programas sociais, acesso desigual à educação, vieses
políticos que favorecem a desigualdade na posse de bens, gastos sociais reduzidos e altos
investimentos de risco para os pobres. A corrupção gera ainda, um aumento da mortalidade
infantil, além de reduzir a expectativa de vida e a alfabetização (Banco Mundial, 2002,
p.153).
Como destacou Mcmillan:
“O economista Paul Mauro realizou uma análise estatística em 70 países, usando
esses índices de corrupção e dados da Renda Nacional e de investimento. E
verificou que onde o índice de corrupção é mais alto, a taxa de investimento é
significativamente mais baixa. Medindo a corrupção numa escala de 0 a 10, onde
10 é o país totalmente livre de corrupção e 0 o mais corrupto, os dados mostram
que uma melhora de dois pontos no índice de corrupção eleva o investimento em
quatro pontos percentuais, o que, por sua vez, impulsiona o crescimento
econômico em mais de meio ponto percentual” (2004, p. 138).
97
A corrupção reduz os rendimentos dos impostos, principalmente por meio da economia informal, pois os
agentes econômicos, muitas vezes, sobrecarregados pela burocracia e associadas ao desvio de verba na
economia oficial, as empresas movem-se para a economia informal, pagando menos impostos, o que contribui
para o desequilíbrio das finanças públicas.
105
É importante destacar ainda, como faz Mcmillan, que em alguns países a situação
foi diferente. A Indonésia, por exemplo, apresentou altas taxas de corrupção sob o governo
de Suharto
98
, mas teve um crescimento rápido por 30 anos, a despeito da corrupção
generalizada.
Nos anos 60, a Indonésia era um dos países mais pobres do mundo, com renda per
capita média menor que a de países como Gana, Nigéria, Bangladesh, mas no governo de
Suharto, a economia foi estabilizada, o orçamento equilibrado, a inflação controlada,
reformas agrícolas foram feitas e o crescimento econômico apareceu. Em 1992, a renda per
capita era o triplo de 1960, a proporção de população abaixo da linha da pobreza caiu de
60% em 1970 para 11% em 1996 (Mcmillan, 2004, p. 139).
Ainda, com relação à Indonésia, Mcmillan destacou:
“O desenho do mercado é importante, mesmo como atividades ilícitas como a
corrupção. É óbvio que os mercados funcionam melhor sem corrupção. Mas, uma
vez que existe, os mercados poderão ou não conviver com ela, dependendo das
regras que as governam. Os mercados funcionavam na Indonésia porque o Estado
era capaz de controlar a corrupção autônoma, e assim limitava os efeitos
prejudiciais ao crescimento que normalmente ela acarreta. Existindo corrupção,
quando ela é monopolizada faz menos mal aos mercados do que quando é livre”
(2004, p. 141).
A corrupção na Indonésia não era combatida no governo Suharto, mas sim
monopolizada. O seu objetivo era centralizar a corrupção, impedindo que funcionários e
burocratas corrompessem e evitassem investimentos estrangeiros. “Apesar da corrupção,
tanto investidores nacionais como estrangeiros consideravam a Indonésia um lugar seguro
para seus negócios” (Mcmillan, 2004, p. 141).
98
A família Suharto e seus apaniguados tornaram-se imensamente ricos, e supostamente transferiram bilhões
de dólares para contas no exterior. Estimativas sobre a fortuna da família vão de US$ 15 bilhões a US$ 45
bilhões.
106
Quadro 1: Uma Matriz-Síntese: Corrupção e Pobreza
Causas “imediatas”da pobreza Como a corrupção afeta a causa
“imediata” da pobreza
Crescimento e Investimento mais baixo
Economia Instável/políticas institucionais
devidas ao investimento de capital
Alocação distorcida dos
gastos/investimentos públicos
Baixo acúmulo de capital humano
Interesses corporativos das elites capturam
leis e distorcem a feitura das políticas
Ausência de regra de direito e de direitos
de propriedade
Obstáculos governamentais para o
desenvolvimento do setor público
Os pobres ficam com as fatia menor do
crescimento
Captura do Estado pelas políticas
governamentais e alocação de recursos
pela elite.
A regressividade da “taxa” da propina
sobre pequenas empresas e sobre os
pobres.
A regressividade nos gastos públicos e
nos investimentos.
Distribuição de renda desigual
Acesso desigual aos serviços públicos
A propina impõe taxa regressiva e acesso
desigual da qualidade dos serviços básicos
para os serviços de saúde, educação e
justiça.
Captação política pelas elites do acesso
aos serviços particulares.
Falta de saúde e educação
Baixo acúmulo do capital humano.
Qualidade mais baixa de educação e
serviços de saúde.
Fonte: Banco Mundial, 2002, p. 153.
A corrupção traz graves conseqüências para a sociedade como um todo, empresas
que pagam mais propinas administrativas gastam mais tempo com os burocratas do que as
empresas que não pagam propinas.
107
Um dado bastante interessante, citado pelo Banco Mundial, destaca que “nas
economias em transição onde ‘grande’ corrupção é mais prevalente, o crescimento e a taxa
de investimento do setor empresarial é muito menor, enquanto a segurança dos direitos de
propriedade é desigual” (2002, p. 156).
Um bom exemplo é o caso da Rússia, país que de uma hora para a outra saiu do
socialismo e passou para o capitalismo, com gravíssimos custos sociais, queda nos salários,
baixa produtividade e um aumento vertiginoso da corrupção e da concentração da renda,
onde “os 36 novos bilionários detêm 24% do Produto Interno Bruto do país” (Hutton, 2004,
p. 42).
O capitalismo russo nascente transformou o país em um sistema envolto em fraudes
e negociatas, como destacou Hutton:
“Receitas são formadas por meio de paraísos fiscais. Fraude, extorsão e corrupção
estão em toda parte. Construir negócios e investimentos realmente honestos não é
a cultura predominante” (2004, p. 42).
A transição na Rússia foi bastante sintomática, a corrupção se generalizou e tomou
conta da sociedade, o enriquecimento ilícito fez com que alguns fizessem fortuna enquanto
outros patinavam na miséria e na degradação social e na violência. A Rússia é um bom
exemplo de disseminação da corrupção, que ao se tornar sistêmica passa a ameaçar o
crescimento econômico, limitando investimentos na economia, diminuindo a produtividade,
gerando uma fuga em massa de capital humano especializado e colocando em xeque os
avanços sociais conquistados na época do socialismo da União Soviética.
As causas da corrupção são variadas, mas podemos afirmar, com certeza, que a
corrupção é um sintoma de profunda fragilidade institucional. Ao mesmo tempo podemos
destacar que os direitos políticos, que incluem eleições democráticas, uma legislatura,
partidos opostos, liberdades civis que incluem direitos à mídia independente e livre e
liberdade de reunião e discurso, são negativamente correlacionadas com a corrupção.
Misse destaca que “...a corrupção é um mercado, que transaciona produtos ilícitos,
que vem a ser quando um atributo, função ou autoridade que pertence ao Estado, portanto a
esfera pública, é apropriado privadamente por um agente desse Estado para realizar trocas
em seu próprio benefício” (apud Schettino 2002, p. 30).
108
O Banco Mundial, depois de investigar o tema da corrupção e seus impactos sobre a
sociedade, se posicionou da seguinte forma:
“A corrupção é mais alta nos países com alto grau de intervenção do Estado na
economia, na regularização excessiva e impostos, aplicações arbitrárias das
regulamentações e restrições comerciais. Economias monopolizadas também
tendem a apresentar maior grau de corrupção” (2002, p. 158).
As causas da corrupção, como dito anteriormente, são variadas, mas o combate deve
ser um processo longo e disciplinado, onde a disposição por parte da sociedade deve ser
crucial e o Estado tem um papel central nesta empreitada.
Os funcionários públicos devem ser melhores treinados, capacitados e promovidos,
pois estas políticas impactam diretamente na diminuição da corrupção. Uma administração
pública que se espelha na meritocracia e está orientada apenas para o serviço público. O
recrutamento e a promoção por mérito, como oposto ao apadrinhamento político ou
afiliação ideológica esta associado de forma positiva, tanto com a efetividade
governamental como com o controle da corrupção.
Destacamos ainda que, nos países em desenvolvimento, em fase de transição, uma
grande fonte de corrupção é a concentração de poder econômico e de monopólios que
manipulam a influência política sobre o governo para benefícios particulares (Banco
Mundial, 2002, p. 161).
Devem-se destacar ainda, como medida de combate à corrupção, a transparência e
responsabilidade no gerenciamento dos gastos públicos, onde são necessárias algumas
medidas, tais como: um orçamento
99
abrangente e um processo consultativo do orçamento;
transparência na utilização dos gastos públicos; licitação
100
pública competitiva e uma
auditoria externa independente.
Segundo Kaufmann
101
, pelo menos US$ 1,5 trilhão ou 5% do Produto Interno Bruto
Mundial são desviados, por ano, com a corrupção. Os dados, segundo o especialista do
99
A questão orçamentária é uma das mais importantes medidas do combate a corrupção, isso porque é no
orçamento que se manifestam grande parte dos conflitos por recursos e verbas públicas. Uma cobertura
abrangente das atividades do governo, além da transparência na alocação de verbas públicas é fundamental.
100
A diminuição da corrupção requer uma disciplina nas licitações públicas, transparência e controles
constantes, um exemplo interessante é a adoção de compras eletrônicas de produtos governamentais, com
economia de recursos e diminuição dos casos de corrupção.
101
Diretor para Governabilidade Global e Capacidade do Banco Mundial (Bird).
109
Bird, são apenas ''uma estimativa'', com as perdas com a corrupção podendo chegar a US$ 3
trilhões anuais. Segundo Kaufmann, nos países onde o combate à corrupção é efetivo, as
condições sociais melhoram. Isso corrobora a tese de que a corrupção traz graves
desequilíbrios para a sociedade mundial, gerando uma desaceleração do crescimento
econômico e uma degradação social.
O combate à corrupção requer ainda, a promoção das regras do Direito, pois muitos
países desenvolveram inúmeras leis adequadas, mas a aplicação dessa legislação se
manifesta muito lentamente, gerando constantemente instabilidade e afugentando
Investimento Externo Direto (IED). A justiça infelizmente, é parte integral do problema
governamental e não uma solução desta distorção.
Como destacou Abramo, referindo-se ao caso brasileiro: “O que é frágil, aqui, é a
determinação dos diferentes agentes em fazer cumprir a lei e, efetivamente, fiscalizar os
atos dos governantes, empregando, para isso, os mecanismos que a Constituição prevê e a
lei disponibiliza” (apud Schettino 2002, p. 33). Abramo destaca ainda “...que os
mecanismos administrativos são, no geral, ineficazes, a ponto de convidarem à fraude. O
Judiciário brasileiro é uma vergonha e, por sua omissão em se reformar, acaba sendo
responsável por considerável parcela da corrupção praticada no país”.
A corrupção é um imposto regressivo que penaliza os pobres, como destaca
Kaufmann, “quando um país tem muita corrupção, isso equivale a um tributo extra de 20%
para um investidor” (Jornal do Brasil, 12/12/2003).
De acordo com Kaufmann, nos últimos seis anos não se observou uma
“deterioração” em nível mundial em termos de corrupção, embora também não tenha
havido “melhorias” (Jornal do Brasil, 12/12/2003)
Quando a lógica da justiça e do Poder Judiciário entra no combate a corrupção, não
podemos deixar de destacar, no caso brasileiro, a ineficiência deste setor no país.
Como destacou Jordão:
´É verdade que muitas vezes as leis não são aplicadas no Brasil – e isso se deve,
talvez, ao nosso sistema de justiça, que garante em boa medida a impunidade.
Uma olhada rápida nos casos de corrupção revela um sistema moroso: os
processos levam muitos anos tramitando de uma esfera da justiça a outra. O ex-
ministro do Trabalho do governo Collor, Antônio Rogério Magri, por exemplo,
acusado em 1991 de ter recebido US$ 30 mil para facilitar a liberação de recursos
do Fundo de Garantia para uma obra no Acre, foi julgado e condenado em
110
fevereiro de 2000 – nove anos depois da denúncia, portanto! – e ainda poderia
recorrer” (2000, p. 13).
Destacamos ainda no caso brasileiro que muitos casos de corrupção demoram muito
para ser julgados, pois a estrutura legal possibilita inúmeros recursos, não se discute o
mérito da acusação (ou seja, se roubou ou não roubou), mas vai questionar se cabia ao
Ministério Público ter entrado ou não com a denúncia; vai levantar algum detalhe técnico
da perícia realizada ou vai discutir a constitucionalidade do processo, etc. Com tantos
questionamentos ganham-se preciosos meses ou anos (Jordão, 2000, p. 13).
É importante destacar, como faz Torres, a importância do Estado brasileiro no
combate à corrupção:
“...onde não há coerção não há obediência às leis, e, visivelmente, o Estado
brasileiro não tem sido eficaz em usar seu poder de império para obrigar as
pessoas a observar o mandamento legal. O Poder Judiciário tem falhado
sistematicamente na tarefa de impor justiça” (2002, p.115).
Outro ponto fundamental no combate à corrupção são a supervisão e a participação
efetiva da sociedade civil na tomada de decisão e no funcionamento do setor público. Isso
implica tornar o governo transparente para o público e habilitar a cidadania para
desempenhar um papel ativo.
Como conclui o relatório do Banco Mundial:
“Melhorar o governo deveria ser visto como um processo que integra três
componentes vitais: conhecimento, com dados rigorosos e análises empíricas,
inclusive diagnósticos de governo dentro do país e disseminação transparente,
utilizando os instrumentos tecnológicos de informação de ponta; liderança na
sociedade civil e política e na arena internacional; e ação coletiva por meio de
consenso participativo e sistêmico, construindo abordagens com os investidores-
chave na sociedade (para os quais a revolução tecnológica também esta
ajudando). A responsabilidade coletiva também implica que as corporações
internacionais, o setor privado nacional e as agências internacionais precisam
colaborar com os governos nacionais e liderar as tentativas de melhoria do
governo” (2002).
Em alguns países, equilibrar a reforma legal, reguladora e de licitação será
fundamental para melhorar o governo e controlar a corrupção, agora, em outros países,
onde a captação do Estado é feita pela elite corporativa e quando há uma frágil vontade
111
política para a reforma, a supervisão da sociedade civil, a competição empresarial e o
trabalho para melhorar a proteção do direito de propriedade poderia ser a chave.
Como conclui Mcmillan: “Os governos algumas vezes conspiram para solapar os
mercados. A corrupção reduz a produtividade porque as firmas que temem ficar à mercê de
funcionários corruptos relutam em investir. A fixação de preços também reduz a
produtividade, ao impedir que o sistema de preços funcione como deveria. Mas há o risco
de a intervenção governamental enveredar por direções contraprodutivas” (2004, p. 147).
A corrupção, como vista anteriormente, é algo transnacional, envolvendo a grande
maioria das sociedades, afetando tanto países desenvolvidos quanto países em
desenvolvimento.
As diferenças básicas, segundo Silva (2001, p. 56-7), entre os países
institucionalmente desenvolvidos e subdesenvolvidos, do ponto de vista da corrupção
podem ser descritas abaixo:
1) Nos países desenvolvidos institucionalmente, a corrupção é um fenômeno marginal,
dado que o patrimonialismo é marginal e não há excesso de regulação do mercado.
Já em países subdesenvolvidos institucionalmente a corrupção é estrutural e invade
praticamente todos os espaços da vida pública e privada.
2) A corrupção tende a ser institucionalizada em sociedades subdesenvolvidas
institucionalmente. Passam a ser normais o pagamento de propinas e a distribuição
de cargos e recursos públicos. Isso ocorre porque todos os grupos organizados da
sociedade se estruturam dentro do clientelismo para garantir a sobrevivência
econômica e política de seus membros.
3) Nos países subdesenvolvidos institucionalmente, os mecanismos de controle e
punição são menos eficazes.
4) A corrupção tende a ser moralmente aceitável em países subdesenvolvidos
institucionalmente. Ela constitui uma forma de ascensão social que incentiva o
comportamento free rider
102
, não havendo em geral motivo racional para que os
agentes cooperem e passem a agir dentro de regras diferentes. Sua legitimação
talvez seja uma causa da persistência da corrupção em algumas sociedades.
102
Carona, este conceito é aplicado para designar situações em que um agente (pessoa física ou jurídica) se
beneficia “de graça”.
112
A corrupção sempre foi um problema bastante sério e de difícil controle por parte da
sociedade, alguns acreditavam que ela estava ligada a fatores culturais e morais, outros
enfatizavam os mecanismos de regulação e de supervisão que criam facilidades e incentivos
para a corrupção, já para o Banco Mundial, a corrupção tem sua causa nas disfunções
institucionais
103
existente em cada Estado.
Como destaca Speck:
“Os vários atores responsáveis pela fiscalização política, como a imprensa, a
sociedade civil ou o Congresso, precisam estar atentos. Estes diferentes atores e
instituições devem formar um sistema imunológico contra a corrupção, onde
todos esses elementos pró-ativos e reativos cooperem. Soluções universais não
existem, e muito menos poderão ser fornecidas pelas pesquisas de opinião.
Somente estudos aprofundados sobre o funcionamento dessas várias instâncias de
regulação e controle podem indicar os caminhos para controlar a corrupção de
forma efetiva” (2000, p. 36).
2.3. Os custos da corrupção
A sociedade brasileira sempre conviveu com a corrupção, as denúncias sempre
inundaram os meios de comunicação de massa, onde os desvios de recursos públicos
sempre estiveram presentes.
Analisar a corrupção é um assunto complexo, envolve inúmeras variáveis e deve ser
encarado pela sociedade, pois, representa um dos grandes males da sociedade brasileira.
Como destaca Torres: “A corrupção deve ser entendida como um mal em si, que
destrói as relações sociais e éticas mais fundamentais da sociedade. Nenhuma concessão
pode ser feita quando falamos sobre corrupção, pois não há situação em que ela seja
justificável” (2002, p. 111)
No meio de tanta denúncia de corrupção, calcular o tamanho da economia da
corrupção no Brasil e no mundo sempre foi um desafio para os pesquisadores e intelectuais,
e uma grande curiosidade para a população em geral.
Os cálculos são sempre difíceis, pois, é sempre complicado dimensionar e
quantificar o tamanho da corrupção e das fraudes, qualquer número que se tome como
parâmetro fatalmente será apenas uma aproximação da verdade. A corrupção é sempre feita
103
Disfunções institucionais para o Banco Mundial englobam os sistemas tributários, as leis de regulação do
mercado e as regras de competição política.
113
“às escuras”, as pessoas corruptas e os corruptores não dão nota fiscal, não declaram no
imposto de renda e, na maioria das vezes não reclamam em público, pois esta reclamação
iria, com certeza, comprometê-los diretamente. Os casos de corrupção são descobertos, na
sua maioria, quando há conflito entre os agentes envolvidos na operação, quando um dos
lados se encontra descontente e, se sentindo prejudicado, adota como solução para a
insatisfação, a denúncia dos ilícitos praticados.
Os índices disponíveis até agora, como o da Transparência Internacional, são
baseados na percepção das pessoas, geralmente de agentes envolvidos em negócios
transnacionais. São levantamentos de percepção, como o próprio nome diz, é apenas
percepção, indicam algo, mas não são fatos.
Kaufmann, especialista do Banco Mundial em corrupção, acredita que a corrupção
extrai da sociedade mundial algo em torno de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.
Se considerarmos, que se produz anualmente, algo em torno de US$ 30 trilhões a US$ 40
trilhões, isso daria algo em torno de US$ 1,5 trilhão a US$ 2 trilhões ao ano. Estes valores,
se considerarmos US$ 1,5 trilhão, são maiores que o Produto Interno Bruto de todos os
países industrializados, com exceção dos Estados Unidos (US$ 10,4 trilhões), do Japão
(US$ 3,2 trilhões), da Alemanha (US$ 1,9 trilhão) e da China (US$ 1,6 trilhão); agora, se
considerarmos os US$ 2 trilhões, este valor só é menor que o produto interno bruto dos
Estados Unidos e do Japão. Dessa forma, percebemos que a corrupção gera o terceiro ou o
quinto maior produto interno bruto mundial.
O efeito econômico da corrupção é devastador. Uma pesquisa
104
feita pelo Banco
Mundial (Bird), apontou algumas conseqüências da corrupção:
• Há um aumento na incerteza dos agentes econômicos. Isso provoca redução nos
investimentos internos e externos nos países.
• Surgem distorções no estabelecimento de prioridades. A corrupção está quase
sempre por trás dos gastos militares de alta tecnologia feitos por nações miseráveis da Ásia
e da África, dinheiro que poderia estar sendo aplicado na melhoria dos indicadores sociais,
como a construção de novos hospitais.
104
Os responsáveis pela pesquisa do Banco Mundial foram a diretora do setor de redução de pobreza, Cheryl
Gray e o especialista em combate a corrupção Daniel Kaufmann, ambos do Banco Mundial (Bird).
114
As menores empresas sofrem mais. A corrupção tende a favorecer os cartéis e as
grandes corporações, que podem pagar propina a legisladores e funcionários corruptos para
defender seus interesses.
• Em países em que a corrupção é mais grave, pessoas pobres chegam a gastar a
maior parcela de seu orçamento familiar pagando gratificações para conseguir um
atendimento qualquer, especialmente da polícia e da saúde, serviços obrigatórios prestados
pelo Estado.
• Entre 1989 e 1998, os países que apresentaram maior queda no PIB, ou seja, nos
quais a economia encolheu, foram justamente os campeões mundiais da corrupção.
A corrupção traz graves desequilíbrios para a sociedade, além de aumentar os custos
de transação, o investimento se torna menos produtivo, a eficiência das empresas diminui e
geram distorções estruturais no mercado, criando vantagens artificiais para empresas ou
setores que, no geral, resulta em economia menos competitiva.
Se trouxéssemos estes dados para o Brasil, onde o Produto Interno Bruto (PIB) é de
aproximadamente US$ 700 bilhões ou R$ 1,75 trilhão, 5% representaria algo em torno de
US$ 35 bilhões ou R$ 87,5 bilhões.
Pesquisas realizadas por Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, com base em
análises econométricas, envolvendo amostras de 100 países com formação bruta de capital,
capital humano e utilizando índice de corrupção do Banco Mundial, descobriu-se o impacto
da corrupção na produtividade dos trabalhadores.
Depois da pesquisa concluída, Silva destacou:
...cada trabalhador, no Brasil, deixou de produzir, em decorrência da corrupção,
nos últimos 20 anos, o equivalente a US$ 3,6 mil, o que significa US$ 180
anuais. Multiplicando-se isso pela população economicamente ativa, chega-se a
quase US$ 100 bilhões, algo em torno de 10 a 15% do PIB brasileiro. São
números que, mesmo por aproximação, mostram a má influência da corrupção na
vida do país (apud Schettino, 2002, p.27).
Para que se tenha a real dimensão do prejuízo causado na economia brasileira, pelas
práticas ilícitas de corrupção, é necessário fazermos algumas comparações, pois os R$ 100
bilhões, quase dariam para financiar a pesquisa e a produção de 120 milhões de doses de
vacinas; pagar a fabricação de um bilhão de medicamentos de mais de 30 tipos, dentre eles,
115
sete remédios dos 12 utilizados no coquetel anti-AIDS; preparar cerca de dois milhões de
kits de diagnósticos de doenças; e realizar mais de 360 mil consultas médicas gratuitas e
5700 análises de qualidade de produtos.
Poderíamos ainda comparar os R$ 100 bilhões escoados anualmente no Brasil, via
corrupção, aos gastos com segurança pública em 2002
105
, R$ 102 bilhões, o que equivalem
a cinco vezes o orçamento do Ministério da Educação ou quatro vezes o que se gasta com
planos de saúde.
Analisando a corrupção no país Torres, destaca:
“Também é errônea a idéia de que a corrupção seja mais intensa agora que
passamos por um período relativamente longo sob o regime democrático. A
história brasileira ensina que a corrupção tanto em períodos autoritários quanto
nas fases em que predomina a democracia. Provavelmente, a única diferença
significativa é que, sob o regime democrático, os casos de corrupção vêm à tona
com muito mais facilidade. Com uma imprensa livre, os escândalos ganham uma
dimensão muito grande, criando a falsa sensação de que o problema tende a se
agravar na vigência dos regimes democráticos. Na época do regime militar
também havia muita corrupção, mas encontravam-se intransponíveis dificuldades
para tornar públicos os escândalos” (2002, p. 112-3)
Segundo dados coletados da pesquisa do Banco Mundial, podemos concluir que se a
corrupção no Brasil diminuísse em 50%, a mortalidade infantil teria uma redução de 51%, o
que representaria uma esperança de vida para 22 crianças, pois a mortalidade infantil no
Brasil é de 44 crianças mortas antes de completar 5 anos de idade num universo de 1000. A
desigualdade na distribuição de renda apresentaria uma diminuição de 54% ou a
porcentagem da população que vive com menos de 2 dólares por dia diminuiria em 45%, o
que tiraria da pobreza 32 milhões de pessoas.
Outra pesquisa interessante foi divulgada pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) com relação a corrupção na América Latina. Segundo o BID, a
América Latina perde anualmente com a corrupção 10% do Produto Interno Bruto (PIB),
chegando aos US$ 200 bilhões, de um PIB de quase US$ 2 trilhões (2003).
Estes recursos, ao serem desviados da sociedade latino-americana, aumentam os
desequilíbrios sociais, gera e intensifica a violência e a degradação social, e tendo como
105
Estes valores foram extraídos da Revista Época, 02/03/2003, que compara os gastos com segurança
pública, R$ 102 bilhões, com os gastos de educação, onde os dispêndios em segurança pública representam
cinco vezes o orçamento do Ministério da Educação.
116
conseqüência maior, uma região com indicadores sociais negativos e com um abismo social
entre ricos e pobres cada vez maiores.
2.4. Corrupção e Irregularidades nos Estados Unidos no período George W. Bush.
Os dados levantados pela Transparência Internacional são os únicos indicadores
sobre corrupção envolvendo uma ampla quantidade de países, onde podemos perceber as
notas e o comportamento das nações no ranking. Apesar de estar bem localizado nos
índices de percepção da corrupção, os Estados Unidos apresenta algumas características
interessantes que sugerem uma análise diferenciada.
Os Estados Unidos da América estiveram no centro de muitos casos de corrupção,
principalmente no período da Guerra Fria (1945-1989), onde financiaram em todos os
rincões do mundo inúmeros governos ditatoriais, patrocinando guerras, assassinatos,
rebeliões e golpes de Estado com o intuito de manter no poder, ou ascender ao poder,
governos simpáticos aos seus interesses. Brasil, Chile, Iraque, Irã, Vietnã, Arábia Saudita,
Haiti, Colômbia, Venezuela são alguns dos vários exemplos de países que sofreram ou
sofrem com o intervencionismo do governo norte-americano em prol de seus interesses.
Para esta intervenção, o governo dos Estados Unidos se utiliza de sua ampla estrutura
econômico-produtiva, extremamente eficiente e diversificada, além do poder da Agência
Americana de Informação (CIA), cuja estrutura se espalhou por todos os continentes do
mundo.
John Perkins
106
, consultor e escritor norte-americano, analisando suas atividades
anteriores cunhou a expressão Assassinos Econômicos, que retrata muito bem a forma dos
Estados Unidos trabalharem seus interesses em Política Externa:
“Assassinos Econômicos’ (AEs) são profissionais altamente remunerados cujo
trabalho é lesar países ao redor do mundo em golpes que se contam aos trilhões
de dólares. Manipulando recursos financeiros do Banco Mundial, da Agência
Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), além de outras
organizações americanas de ‘ajuda’ ao exterior, eles os canalizam para os cofres
de enormes corporações e para os bolsos de algumas famílias abastadas que
106
John Perkins, foi durante muitas décadas um “Assassino Econômico”, ao publicar este livro Confissões de
um Assassino Econômico, deixou à mostra uma das faces do intervencionismo norte-americano ou
imperialismo norte-americano, e nada melhor do que uma pessoa que lá esteve para contar detalhadamente os
fatos e os objetivos das políticas adotadas.
117
controlam os recursos naturais do planeta. Entre os seus instrumentos de trabalho
incluem-se, relatórios financeiros adulterados, pleitos eleitorais fraudulentos,
extorsão, sexo e assassinato. Eles praticam o velho jogo do imperialismo, mas um
tipo de jogo que assumiu novas e aterradoras dimensões durante este tempo de
globalização. Eu sei do que estou falando; eu fui um Assassino Econômico”
(2005, p. 9).
Ao colocar os Estados Unidos na décima quarta posição no ranking da corrupção,
com nota 7,8, a Transparência Internacional parece desconsiderar por completo a política
externa do país, pois esta sempre esteve associada a medidas truculentas, assassinatos,
crimes e extorsões. Outro ponto que nos parece ter sido esquecido ou minimizado pela
ONG foi a atuação dos lobbies e o financiamento das campanhas políticas, tão associados à
corrupção.
Se olharmos para as campanhas políticas nos Estados Unidos percebe-se que o
financiamento é extremamente frágil e sujeito a troca de favores entre as grandes indústrias
e o governo. Os detentores do grande capital passam a acumular grande poder dentro da
burocracia do Estado, influenciando nas decisões políticas, na agenda econômica e
garantindo com isso a perpetuação de seus interesses, o que leva a democracia a um nítido
processo de enfraquecimento.
A influência do setor privado sobre a política, por meio do financiamento de
campanhas, é uma contingência do sistema democrático representativo, que não pode ser
impedida, mas apenas minimizada. Algumas medidas poderiam ser tomadas para controlar
o abuso de influência do setor privado, tais como a limitação das contribuições das
empresas, o estabelecimento de um teto para os gastos totais com campanhas políticas e a
redução do tempo de duração da propaganda eleitoral.
Nas eleições presidenciais norte-americana de 2000 foram arrecadados mais de US$
300 milhões, sendo que só o candidato do Partido Republicano, George W. Bush recebeu
mais de US$ 190 milhões, recorde absoluto na história das eleições. Os setores que mais
contribuíram foram os de energia
107
, petróleo e de equipamentos bélicos, justamente
aqueles que mais receberam recursos após a vitória do candidato republicano.
107
O maior doador individual de recursos financeiros para a campanha presidencial de George W. Bush foi
Kenneth Lay, principal executivo da empresa de energia Enron, que nos anos seguintes será a pivô do maior
escândalo corporativo dos Estados Unidos, com perdas financeiras altíssimas que vão abalar a credibilidade
do sistema e provocar mudanças estruturais nos mercados.
118
O governo de George W. Bush trouxe inúmeras inquietações para a sociedade norte-
americana, principalmente depois da descoberta das relações incestuosas existentes entre os
governantes do país com os sauditas
108
e a indústria do petróleo.
As relações suspeitas envolvendo a família do presidente George W. Bush e a
família real da Arábia Saudita foi duramente exploradas por muitos de seus críticos
109
e
opositores, sendo que dois deles conseguiram grande popularidade nesta tarefa: o
economista Paul Krugman, professor de economia em Princeton e colunista do jornal The
New York Times. O cineasta e documentarista, Michael Moore, também se destacou muito
nas críticas ao presidente e seu governo, principalmente com relação às fraudes ocorridas
na Flórida nas eleições presidenciais de 2000.
As criticas feitas por Krugman começam com a condução da política econômica,
pois ao privilegia o corte de impostos, privilegia os setores de alta renda em detrimento da
classe média e das de renda baixa.
Para Krugman:
“Veja só o corte de impostos aprovado neste ano. Foi empurrado pela goela do
Congresso em meio à curta euforia da queda de Bagdá e vendido ao público
americano em bases falsas. Primeiro, o governo disse que era bom para as
pessoas comuns. Nas palavras deles, 92 milhões de famílias iriam receber, neste
ano, um corte médio de impostos de US$ 1mil. Depois, alegaram que o corte de
impostos era sustentável porque o custo no orçamento, em dez anos, seria de US$
350 bilhões. Esses dois argumentos são fundamentalmente mentirosos. Ou
melhor, não estritamente, mas sugerem um uso enganoso de palavras. Esse
número de 92 milhões de famílias pretendia dar a idéia de que uma família típica
iria receber US$ 1 mil. É uma maneira de tirar vantagem do fato de que o público
não entende o que significa média. Se o Bill Gates entra num bar, a riqueza média
das pessoas ali se eleva alguns bilhões de dólares, mas isso obviamente não
significa que as pessoas no bar receberam mais dinheiro. Metade da população
recebe menos de US$ 100 ou nada. Outro aspecto é que o custo real no
orçamento será de US$ 850 bilhões, e não de US$ 350 bilhões. Enganaram e
tiveram a intenção de enganar” (Krugman, 2003A, p. 26).
108
Os sauditas são grandes investidores dos Estados Unidos, estima-se que a Arábia Saudita tenha investido
em ações ordinárias na Bolsa de Valores norte-americana US$ 860 bilhões, com depósitos de US$ 1 trilhão
em bancos dos Estados Unidos. Apenas com a família Bush e seu grupo político, os sauditas fizeram negócios
que envolveram, nos últimos 30 anos, US$ 1,4 bilhão (Moore, 2004). Dados extraídos do documentário de
2004, Fahrenheit 11 de Setembro.
109
São muitos os críticos do governo do presidente George W. Bush, mas alguns se destacaram nos últimos
anos, Paul Krugman, Michael Moore, Gore Vidal, Noam Chomsky, Susan Sontag, George Soros, entre
outros.
119
A política de redução de impostos foi desenvolvida originalmente pelo governo do
Republicano Ronald Reagan (1980-1988), e foi uma das grandes promessas de campanha
de George W. Bush. Os críticos desta medida, e Krugman é um dos mais ferrenhos,
acreditam que ela beneficia os grandes detentores de capitais do país, que foram os maiores
financiadores da campanha presidencial do presidente Bush, que passam a cobrar suas
promessas, mesmo sabendo que o ônus econômico para o país é bastante negativo em
termos fiscais.
Não eram apenas as relações de Bush com os sauditas e sua política econômica de
diminuição de impostos que causavam polêmicas, mas seus laços com as empresas de
energia, petróleo e equipamentos bélicos. Todos estes setores se beneficiaram da política
externa dos Estados Unidos depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 e das
guerras por ele iniciadas, primeiro com o Afeganistão, que foram acusados de esconder
Osama Bin Laden, que para o governo dos Estados Unidos foi o responsável pela
destruição do World Trade Center e de parte do Pentágono. Depois de destruir o
Afeganistão e colocar na presidência Hamid Karzai
110
, ex-consultor da empresa norte-
americana UNOCAL, uma das grandes ganhadoras das guerras promovidas pelo governo.
Depois de dominar todo o Afeganistão e empossar um governo aliado, os Estados
Unidos iniciam uma grande ofensiva contra o Iraque, que passa a ser acusado de deter
armas de destruição em massa, de abrigarem terroristas e de terem participação financeira
nos atentados ao World Trade Center e ao Pentágono.
Para convencer a opinião pública da necessidade de invadir o Iraque, iniciam-se
ampla campanha para amedrontar a população, onde o governo patrocina a criação de um
clima de medo e pânico generalizados. Alertas de segurança, Antrax, terrorismo, todo o
ambiente foi criado para a aprovação de leis que restringissem as liberdades individuais,
tudo isso em prol do combate ao terror, o grande inimigo invisível da sociedade norte-
americana.
110
Uma das primeiras medidas adotadas por Hamid Karzai, novo presidente do Afeganistão, empossado com
total apoio do governo Bush, foi assinar um contrato para a construção de um gasoduto, que sai do mar
Cáspio e passa por quase todo Afeganistão, a empresa que ganhou a licitação para executar a obra foi a norte-
americana Halliburton, cujos laços com o governo Bush são sólidos, pois o vice-presidente Dick Cheney, foi
seus CEO antes da eleição de 2000 (Moore, 2004).
120
Diante do clima de medo e alertas anti-terrorismo, o governo consegue a aprovação
no Congresso do Ato Patriota
111
, cujo objetivo é restringir as liberdades dos indivíduos e
aumentar o poder do governo, além de abrir espaço para investigar todas as pessoas que
forem consideradas suspeitas.
Diante desse clima de instabilidade, pânico e medo é que ocorre a invasão do
Iraque, em 19 de março de 2003. A invasão é bem sucedida, Bagdá é tomada sem nenhuma
grande resistência, mas depois de não ter sido encontrada armas de destruição em massa, o
governo Bush entra em seus piores momentos, a população
112
passa a se revoltar e cada vez
mais se torna nítida a relação promíscuas entre o governo e alguns setores econômicos,
justamente os grandes ganhadores da invasão, os grupos que ficaram responsáveis pela
reconstrução do país, a segunda maior fonte de petróleo do mundo, cuja proteção passa para
as mãos do exército dos Estados Unidos.
Os governos mundiais aumentaram enormemente as despesas militares nos últimos
anos, segundo dados levantados pelo Banco Mundial, os gastos militares mundiais após os
atentados terroristas de 11 de setembro
113
aumentaram 25%, passando de US$ 524 bilhões
em 2000 para US$ 642 em 2003. Este número assusta quando comparamos este valor,
maior que o produto interno bruto de países médios como Brasil e México, pois
representam quase dez vezes os recursos destinados a ajuda para o desenvolvimento no
mundo em 2003, US$ 69 bilhões, ou seja, a ajuda dado dos países ricos para o
desenvolvimento dos pobres representa apenas 10,7% dos gastos militares do mundo.
Krugman destaca algumas de suas maiores preocupações com relação ao
comportamento do país:
“Meu medo não é que os Estados Unidos se tornem um país fascista, e sim que se
transforme em uma espécie de Chicago nos anos 60 e 70, quando a cidade era
controlada pelo prefeito Richard Daley e uma máquina política corrupta
controlava tudo. Ou você apoiava a máquina ou alguém era mandado à sua
111
O cineasta Michael Moore descreve muito bem este período de medo e fortalecimento do poder do Estado,
em documentário de 2004, Fahrenheit 11 de Setembro, ganhador de vários prêmios internacionais.
112
Não só a população local, mas de quase todos os países do mundo, que vão as ruas em protesto contra a
invasão do Iraque, queimando bandeiras norte-americanas, gritando palavras de ordem contra Bush e o
“imperialismo” dos Estados Unidos.
113
Segundo este trabalho (Relatório de Desenvolvimento Humano 2005), podemos perceber que os Estados
Unidos, o governo gasta apenas 1% de seu orçamento com ajuda internacional e 25% em atividades militares,
sendo que uma parcela substancial destes recursos beneficia grupos políticos que mantém laços sólidos com o
governo republicanos do presidente George W. Bush.
121
empresa para examinar as condições sanitárias. Isso é política de massa e
afastamento da oposição. Há outras coisas, como a prisão de Guantánamo, que é
preocupante. Mas é preocupante se os Estados Unidos, tradicionalmente um
arsenal pela democracia, caminharem na direção oposta. O que ocorreria então
com o mundo” (Krugman, 2003A, p. 31).
As políticas defendidas pelo governo do presidente George W. Bush com relação ao
Oriente Médio são justificadas pela necessidade de exportar para essa região os valores da
Democracia da América, mas na prática percebe-se, que o discurso está longe da prática,
primeiro porque a aliança estrutural do país na região sempre foi com a Arábia Saudita, país
que mantém fortes laços com os Estados Unidos, mas que estão constantemente nos
relatórios da Anistia Internacional, acusados de infringirem os Direitos Humanos. Com
relação ao Iraque, a política norte-americana sempre foi de se manter aliado ao país de
Saddam Hussein, financiando e treinando militares para combater o Irã, dos aiatolás,
inimigos ferozes dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos apresentam sinais evidentes de deturpação das relações entre o
governo e as grandes empresas, onde a atuação de lobistas, atividade regulamentada nos
país, acaba gerando graves constrangimentos aos governos, pois estes são financiados, nas
campanhas eleitorais, por empresas, que mais tarde pressionam para receber benefícios da
administração pública.
Como destaca Krugman, quando perguntado da existência de corrupção no governo
Bush: “Quanto à corrupção, o problema é definir o que isso significa. Se significa obter
benefícios financeiros das políticas governamentais, sim, há muito disso” (Krugman,
2003A, p. 28).
Krugman destaca ainda um exemplo sobre de benefícios das políticas
governamentais:
“Exemplo maior é dar uma olhada no Departamento do Interior, encarregado de
regulamentação no uso de terras no país. Você vai descobrir que todo alto
suficiente naquele ministério é ou foi lobista da indústria extrativa. É gente que
interpreta as leis da maneira que convém à indústria” (Krugman, 2003A, p. 28).
A corrupção afeta todos os povos, todos os países, ricos e pobres, grandes e
pequenos, cristãos e muçulmanos (e também em Israel), africanos e latino-americanos,
europeus e asiáticos, velhos e novos.
122
Como destaca Nóbrega: “A corrupção é relativamente menor nos países
desenvolvidos. A diferença se explica pelo desenvolvimento institucional, que é maior nas
nações ricas” (2005, p. 102).
Apesar de destacar o governo do presidente George W. Bush, que nos parece cheio
de contradições estruturais, a influência do setor privado foi grande em todos os governos
anteriores, o presidente Reagan também concedeu inúmeros benefícios ao grande capital,
George Bush e Bill Clinton também não foram diferente, o poder do capital estava presente,
financiando lobbies e nomeando pessoas que garantiam seus interesses na máquina do
Estado.
Frank destaca uma passagem interessante do governo do presidente Bill Clinton
(1992-2000), que retrata o poder dos lobistas dentro do governo:
“Em fevereiro de 1996, o Congresso apoiou a Lei das Telecomunicações, um
típico artefato econômico da era Clinton. Embora não tenha inspirado quase
nenhum debate na nação em geral, ele foi objeto de acalorada controvérsia entre
as próprias empresas de rádio e de televisão e de telefonia, cujas atividades
pretendiam desregulamentar. Uma vez que lobistas e legisladores chegaram a um
acordo quanto aos dispositivos da lei, sua aprovação pelo Congresso foi
assegurada pelas generosas doações que os empresários das comunicações
vinham fazendo há muito para campanhas de reeleição de legisladores” (Frank,
2004, p.9).
A doação para campanha não caracteriza corrupção, não se trata disso, as doações
são parte do processo democrático e devem ser estimuladas, acontece que muitas delas são
feitas com claro objetivo de assegurar benesses futuras pelo futuro governante, o que
distorce o processo democrático e gera graves desequilíbrios na sociedade, portanto, cabe
aos representantes desenvolverem legislações duras e punições severas para os crimes
cometidos, como forma até de coibir e desestimular novos casos, garantindo um ambiente
saudável e seguro.
A corrupção é algo generalizado na sociedade mundial, dos países em
desenvolvimento até os mais desenvolvidos, como os Estados Unidos estão repletos de
casos de corrupção, tráfico de influência, pressão de grupos financeiros para aprovação de
projetos, medidas e leis que os beneficiam em detrimento do outros. As guerras
desenvolvidas pelo governo de George W, Bush, que retoricamente esta atrelada a missão
de levar a democracia ao Oriente Médio e ao mundo todo, na verdade, é uma forma
123
disfarçada de servir aos grandes interesses dos setores que o financiaram, o setor bélico-
militar e de defesa, cujo orçamento aumento barbaramente nos últimos anos, e aumentou
em detrimento de gastos sociais da área de educação, saúde, habitação popular e seguridade
social. Outro setor que ganhou muito com as políticas de ataque preventivo dos Estados
Unidos foi o petrolífero
114
, que com o controle do Iraque conseguiu contratos comerciais e
de reconstrução na casa dos bilhões de dólares.
2.5. Escândalos de corrupção nas empresas transnacionais: o caso Enron
Os Estados Unidos da América, maior economia do mundo, detentores de um
Produto Interno Bruto de quase US$ 11 trilhões foram palco do maior esquema de
corrupção orquestrado por uma empresa privada em toda história do sistema capitalista. O
responsável por esta façanha foi a empresa de Energia Enron, uma empresa admirada por
muitos e temida por outros, saiu quase do anonimato, para acumular receitas anuais
declaradas de US$ 101 bilhões.
A empresa desenvolveu um método tão sofisticado de corrupção, que para
desenrolá-lo foi criado um software
115
, apelidado de The Matrix, cuja finalidade era
calcular o “...custo para a empresa de qualquer mudança nas leis e nos regulamentos do
setor que afetasse seus interesses” (Costa, 2002, p. 38).
O esquema era tão sofisticado, que se disseminava por toda a estrutura de poder dos
Estados Unidos, onde parlamentares, jornalistas, juízes, promotores e até o procurador-
geral estava, direta ou indiretamente, ligado ao emaranhado criado pela empresa para
usufruir de contatos políticos, e transformá-lo em benefícios escusos.
Silva destacou três pontos interessantes do esquema ao comentar o caso de ousadia
e sofisticação desenvolvido pela empresa Enron:
114
Destacamos a Halliburton como uma das grandes ganhadoras das guerras, do Afeganistão e do Iraque. A
“Halliburton é a principal fornecedora norte-americana de tecnologia e equipamentos para a exploração de
petróleo e, ao mesmo tempo, detém os índices mais elevados de engenharia e construção dessa área. É a maior
empresa estadunidense de serviços para a indústria petrolífera e, 70% de suas atividades ocorrem fora dos
Estados Unidos” (Fuentes, 2004, p. 13-4).
115
“Era através deste software, que os executivos da Enron sabiam exatamente quanto valia a pena pagar para
derrubar um projeto de lei ou revogar uma regulamentação incômoda. Era só contatar parlamentares e
ministros e mobilizar sua equipe de lobistas” (Costa, 2002, p. 38).
124
“Porque a fraude da Enron é tão sofisticada? Primeiro a economia norte-
americana é a maior e tem os sistemas de controle contábil mais transparentes e
regulados do mundo, neste item perdendo apenas para Cingapura. Então, para
você fraudar, você tem de ser muito bom nisso. Há um segundo aspecto, sempre
houve uma crença de que o mercado de empresas de auditoria e consultoria seria
eficiente, no sentido de controlar o comportamento das empresas, principalmente
de seus altos executivos. O caso da Enron provou o contrário, mostrou haver
conluio de interesses. O órgão que fiscaliza é cooptado pelo fiscalizado. A fraude
ocorreu por um problema de governança corporativa, mas também houve uma
questão política: o financiamento da campanha, já que a Enron possui um lobby
muito forte no atual governo, principalmente por lidar com energia, setor até mais
problemático porque os EUA são grandes consumidores. Não havia interesse em
investigar a Enron, porque ela possui muitas ligações com o atual governo e com
vários deputados dos dois grandes partidos” (Silva, 2002, p. 40).
Os recursos da Enron desenvolveram, ainda, uma ligação promíscua com grandes
empresas de auditorias internacionais, como a Andersen e a Price WaterhouseCoopers,
além de contatos no sistema financeiro com a Goldman Sachs, que aconselhava os
investidores a adquirir ações da empresa de Energia, mesmo sabendo que a Enron não
estaca muito sólida em termos financeiros.
O esquema era muito sólido e sofisticado, com a ajuda destas instituições, uma
atestando a solidez dos balanços da empresa de Energia Enron e, a outra, aconselhando os
investidores, muitos deles com pouca experiência nestes investimentos financeiros, a
comprarem as ações da empresa.
Para Costa:
“Também se conclui que, no centro, ainda mais que na periferia do mundo, o
clientelismo e a corrupção, ativa ou passiva, não são privilégios do Estado. O
dinheiro da Enron corrompeu a auditoria Andersen de forma ainda mais completa
e eficiente que o Congresso e a Casa Branca” (2002, p. 39).
Os funcionários da Enron foram muito prejudicados pelos esquemas de corrupção
montados pela empresa, pois perderam todas as suas economias ao se evaporam os fundos
de pensão da empresa, formado apenas por suas próprias ações.
A empresa era administrada de uma forma pouco democrática, pois exigia de seus
funcionários que fizessem contribuições financeiras
116
para os candidatos a cargos públicos,
por ela apoiados.
Como destacou Costa:
116
As contribuições somadas ultrapassaram US$ 1 milhão para candidatos a cargos federais de ambos os
partidos comprometidos com a desregulamentação (Costa, 2002, p. 40).
125
“Em abril de 1999, ainda no início da disputa pela candidatura republicana, seus
executivos de segundo escalão receberam uma carta exigindo contribuições para
a campanha de George W. Bush e fazendo referências ameaçadoras a seus altos
salários. Mais de cem diretores e gerentes sentiram-se forçados a contribuir, bem
como muita de suas esposas” (2002, p. 40).
Como destacou ainda Silva, o caso Enron “...pôs ainda mais em dúvida a crença dos
próprios americanos na democracia
117
do país, que já vinha sendo questionada” (2002, p.
43).
A Enron não era apenas uma empresa de energia, para a maioria, era o modelo da
nova empresa americana: a desregulamentação havia aberto novas oportunidades, e a Enron
as havia aproveitado muito bem, crescendo e gerando dividendos para os acionistas.
As fraudes utilizadas pela empresa eram imensamente sofisticadas, pois atuavam em
inúmeros negócios ao mesmo tempo, mas podemos destacar dois instrumentos usados para
a operação fraudulenta: primeiro, registrar hoje vendas de gás ou eletricidade para entrega
em algum momento no futuro, e em segundo lugar, a criação de uma empresa fictícia, de
fachada, criada apenas para a compra de gás da Enron, não precisando vender para outras
empresas. A empresa criada não tinha interesse na compra de gás, mas a Enron resolvia
este problema comprando esse gás de volta (Stiglitz, 2003, p. 258-9).
A Enron é um produto da desregulamentação, que foi vendida pelo mercado como o
mantra usual do livre mercado – reduzir a regulamentação libera as forças do mercado,
forças de mercado conduzem a uma maior eficiência, e a competição garante que os
benefícios das forças de mercado sejam repassados ao consumidor.
Como destacou Stiglitz:
“...a história da Enron ajuda a revelar a natureza fundamental do que está errado:
os acionistas não tinham informações para poder julgar o que estava acontecendo,
e havia incentivos não para se fornecerem essas informações, mas sim
informações distorcidas. O sistema de mercado propiciara incentivos nos quais,
ao fazer o bem para si próprios, os executivos não beneficiavam os acionistas,
mas, ao contrário, seus ganhos se davam à custa daqueles para os quais deveriam
estar trabalhando, e haviam exposto os acionistas a riscos que eles jamais
poderiam imaginar” (2003, p. 261).
117
Silva destacou ainda que, pesquisa feita pela Revista Business Week, bastião do capitalismo norte-
americano, 75% da população não confiam nas grandes corporações, que desvirtuam a democracia, não
respeitam o consumidor e o acionista e fazem com que o poder do dinheiro contasse mais na hora da eleição e
na gestão (2002, p. 43).
126
A Califórnia foi pioneira na desregulamentação do setor de energia, e os custos
desta política foram altíssimos, o que levou o governador Gray Davis, a intervir no setor,
pois corria o risco de perder sua reputação de lugar excepcional para se fazer negócio. O
custo desta intervenção foi de US$ 45 bilhões.
O esquema de corrupção e fraudes desenvolvido envolvia uma relação muito
estreita entre o presidente George W. Bush e o CEO Kenneth Lay, de quem recebera
quantias substanciais para a campanha eleitoral e ao qual recorrera para aconselhá-lo em
política energética.
Aktouf analisando o caso Enron, faz o seguinte comentário:
“Quem não se recorda, hoje, do escândalo da empresa de corretagem de
energia Enron (que respingou na Casa Branca e no establishment financeiro e
petrolífero americano)? Valendo-se sem cessar de formas de fazer subir
ilimitadamente o valor de suas ações, essa organização – que manipula bilhões de
dólares! – chegou, com a ajuda de empresas de consultoria e de auditorias
conhecidas mundialmente, como Arthur Andersen, a adulterar literalmente suas
contas, ocultando perdas e dívidas, inchando artificialmente os ganhos, etc.
Paralelamente dirigentes e os grandes acionistas venderam suas ações para
realizar lucros de bilhões de dólares antes que a bolha estourasse, proibindo ao
mesmo tempo seus empregados, que possuíam ações, de vendê-las! E
empurraram para a falência grande número de aposentados e pequenos
investidores americanos” (2004, p. 60).
A indignação com o caso Enron só foi maior quando se descobriu que os executivos
da empresa estavam vendendo suas participações na empresa, mas ao mesmo tempo
recomendavam aos funcionários que conservassem suas ações.
O resultado disso tudo foi descrito por Stiglitz, que destaca que os altos executivos
da Enron venderam suas ações, e os lucros:
“...foi de US$ 1,1 bilhão. Mas os empregados da Enron viram seu futuro
ameaçado, pois mais de US$ 1 bilhão de pensões que havia sido investido em
ações da Enron desapareceu com sua falência” (2003, p. 256).
A corrupção não é exclusividade dos países pobres, atinge também os países ricos,
mas estes se caracterizam por que “...lá existem instituições bem estruturadas, que
127
asseguram a detecção, a investigação e a punição
118
dos corruptos. Aliás, esses países
ficaram ricos exatamente porque construíram instituições que promovem a riqueza e
inibem posturas contra o desenvolvimento, como a corrupção” (Nóbrega, 2004).
A corrupção atrapalha os países, gerando custos negativos que afugentam
investidores e degradam os indicadores econômicos e sociais, o combate ao desvio de
recursos é fundamental para o crescimento das economias e auxilia diretamente no
desenvolvimento dos países. A construção de instituições sólidas é fundamental para o
desenvolvimento dos países, mas acreditamos, complementando Nóbrega, que a construção
de instituições não garantiu sozinha, o desenvolvimento econômico dos países
desenvolvidos, que além de instituições contou com uma forte política protecionista com
relação à questão comercial, política esta que até os dias atuais desempenha um papel
relevante.
No próximo capítulo analisaremos o Neoliberalismo no Brasil no período de
Fernando Collor de Mello (1990-1992), que assim como Carlos Salinas, introduziu
políticas de cunho neoliberal e que se caracterizaram por altos índices de corrupção,
gerando desgaste político, indignação social e repercussão internacional, onde o primeiro,
Fernando Collor de Mello, foi impedido de continuar governando, sofreu um processo de
impeachment, e o segundo, Carlos Salinas de Gortari foi defenestrado da vida política do
país. As medidas neoliberais adotadas aqui, privatização e diminuição do Estado,
basicamente, não foram suficientes para deter os altos índices de corrupção como
apregoavam o Banco Mundial e os países desenvolvidos.
118
Recentemente alguns do envolvidos no caso Enron foram condenados a mais de duas décadas de
corrupção, uma condenação para muitos descrita como exagerada, mas para outros é a única forma de
evidenciar que estas fraudes deturpam o sistema capitalista norte-americano e devem ser violentamente
punidas.
128
Capítulo 3
A Experiência Neoliberal brasileira
Introdução
Da mesma forma que outros países latino-americanos, o Brasil também viveu
experiência de cunho neoliberal, que transformaram de forma intensa sua estrutura
econômica e intensificou alguns indicadores sociais, tais como o desemprego, a miséria, a
concentração da renda e a violência.
A primeira grande experiência neoliberal no Brasil aconteceu no período Fernando
Collor de Mello (1990-1992), onde depois de uma eleição disputada, o candidato de um
partido pouco expressivo, o PRN
119
, ganhou no segundo turno do candidato do Partido dos
Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva.
A eleição de Fernando Collor representou uma mudança na política econômica, com
idéias neoliberais de privatização, diminuição do papel do Estado na economia, abertura
econômica, desregulamentação e liberalização financeira. Estas medidas, inicialmente
chamadas de modernizadoras, impactaram na sociedade de forma geral, os empresários
passaram a sentir o peso da concorrência de empresas estrangeiras, o mercado passou a
conhecer novos produtos, os automóveis produzidos internamente
120
apresentam sensíveis
melhoras, com incremento tecnológico, melhoras na qualidade e na produtividade do
setor
121
.
119
Partido da Reconstrução Nacional (PRN).
120
O presidente Fernando Collor, no afã das políticas neoliberais, declara na campanha eleitoral de 1989, que
os carros produzidos no país são na verdade carroças, isso devido a baixa tecnologia existentes nestes
produtos, esta declaração teve grandes impactos na sociedade e na economia.
121
O setor automobilístico, tão importante nos anos 50 para o processo de industrialização, passa por grandes
mudanças nos anos 90 depois da abertura promovida pelo governo Fernando Collor, com incremento
tecnológico e melhoria da qualidade dos produtos. Atualmente, o Brasil possui mais de dez montadoras de
automóveis, contra apenas cinco nos anos 80.
129
3.1. A eleição de 1989 e a ascensão de Fernando Collor de Mello
As eleições para Presidente da República de 1989 foram caracterizadas por um
período de grande crise política, com um quadro de desarticulação ampla do sistema
partidário e uma grave crise política e moral no governo de José Sarney
122
.
Neste ambiente, de crise do governo Sarney, caracterizado pela população como
um governo fraco politicamente e refém da política do “é dando que se recebe”
123
, onde
o “resgate da dívida social” e a superação do descontrole inflacionário, promessas
constantes do governo foram se mostrando insuficientes.
Talvez um dos melhores exemplos desta crise moral do governo Sarney, tenha
sido o malogro do maior partido brasileiro, o PMDB, o mais fortemente identificado
com os descaminhos da Nova República.
124
Em março de 1989, a sucessão parecia caminhar para uma polarização,
imaginável antes das eleições municipais de 1988, entre duas alternativas de esquerda,
expressas nas candidaturas de Leonel Brizola (então com 19% das preferências,
segundo o Ibope) e Luís Inácio Lula da Silva (com 15%) (Rodrigues
125
, 2000, p. 39).
A situação era de inquietação por parte das elites do centro-sul do país, pois até
então, não tinham um candidato confiável em quem pudesse apostar suas fichas. Orestes
Quércia era o nome mais confiável, mas este não se empolgou com a candidatura, pois
122
O período de José Sarney na presidência na República foi marcado por grande instabilidade, um governo
com pouca legitimidade, onde o eleito Tancredo Neves havia falecido antes de tomar posse, a inflação estava
em ascensão constante, inúmeros planos econômicos foram adotados no período, o fisiologismo foi a tônica
na relação com o Congresso Nacional, tais como as liberações de recursos públicos para parlamentares
aliados no momento da aprovação dos cinco anos de mandato do presidente.
123
O termo foi tomado de São Francisco de Assis pelo Deputado Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP), usada
no período da ampliação do mandato do Presidente da República, José Sarney, a postergação da eleição
presidencial para 1989 foi obtido graças à distribuição clientelista de favores a parlamentares, especialmente
de concessões de emissoras de rádio e televisão aos aliados de Sarney e de seu ministro das Comunicações,
Antônio Carlos Magalhães.
124
O candidato do PMDB nas eleições de 1989 foi Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas” de 1984, político
que promulgou a Constituição de 1988, amargou índices irrisórios de preferência nas pesquisas. O apelido
dado acima está ligado ao trabalho feito por Ulysses Guimarães no final do regime militar para que o país
pudesse escolher seu novo presidente através de eleições livres e diretas.
125
Alfredo Tosi Rodrigues é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Espírito Santos,
coordenador do Laboratório de Conjuntura Política e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ciências Sociais
da UFES.
130
sabia que qualquer um que fosse o candidato do PMDB, ele ou Ulysses Guimarães, a
votação seria baixa (Oliveira, 1992, p. 15-6).
A idéia de buscar um personagem que pudesse derrotar Lula e Brizola era
intensamente discutida desde os trabalhos da Constituinte, nos escritórios da poderosa
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
Kucinski destaca o papel das revistas Veja e Isto é:
“Ainda em agosto de 1987, dois anos antes das eleições, Veja lança a expressão
‘a praga dos marajás’, citando o então governador de Alagoas, Fernando Collor,
que se colocara a campo combatendo o empreguismo em seu estado. Em especial
os funcionários fantasmas, pagos com salários extremamente altos, como é
comum na construção do clientelismo nordestino. Seguem-se matérias cada vez
mais destacadas, de Veja e Isto é, até que Veja dá a capa a Collor, em março de
1988, com a frase, ‘o caçador de marajás’. Seu potencial eleitoral crescia a
medida que era trabalhada sua imagem de jovem honesto, que já se havia oposto
a Sarney e que iria combater a corrupção” (1998, p.109).
Além do alinhamento das Revistas Veja e Isto é com a candidatura de Fernando
Collor de Mello, foi a Rede Globo de Televisão que vai popularizar e massificar o mito
“Collor, o caçador de marajás”.
Vários foram os nomes sondados e tentados para contrastar com os candidatos
da esquerda, Brizola e Lula. Antonio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim
declinou do convite e Sílvio Santos (Sistema Brasileiro de Televisão) até que se
empolgou com a possibilidade de se tornar Presidente da República. Este último seria
um nome interessante, já que o candidato Collor de Mello era patrocinado por Roberto
Marinho.
O sonho de Sílvio Santos
126
de ser Presidente da República acabou em 09 de
novembro, “quando os juízes do TSE decidiram por unanimidade cassar a candidatura
de Sílvio Santos porque, sendo sua empresa de TV concessionária de serviço público,
ele estaria obrigado a desincompatibilizar-se de suas funções três meses antes do pleito,
coisa que não havia ocorrido. Além disso, o registro do PMB foi cassado por não ter
126
Em pesquisa realizada pelo Instituto Gallup no início de novembro, divulgado pelo O Estado de São
Paulo, mostrava uma surpreendente virada da situação: Sílvio Santos lideraria com 29%, seguido por Collor
com18,6%, Lula com 10,6% e Brizola com 9,9% (Nêumanne,1989,p.157-8)
131
realizado convenções partidárias em ao menos nove estados” (Nêumanne, 1989, p.151-
9).
Com a retirada da candidatura de Sílvio Santos, a candidatura de Collor de
Mello começa a decolar, deixando para trás os candidatos da esquerda, Brizola e Lula;
os da direita, Paulo Maluf e Guilherme Afif Domingos e, até os de Centro, como Mário
Covas.
O tema da ética e da crítica político-moral da corrupção pautara definitivamente
a disputa, mas poucos candidatos perceberam isso, alguns com discursos carregados de
complexidade, estatísticas e textos pesados, insistiam em discutir questões que pouco
interessavam ao eleitorado. Collor enfatizou a corrupção, o empreguismo e, como
características pessoais, destacou o fato de ser um político jovem e descompromissado,
“moderno” e moralizador. Estes atributos enfatizados por Collor, cabiam também em
Guilherme Afif, mas Collor, com o apoio da mídia e da Rede Globo, em especial,
conseguiu criar um verdadeiro mito.
Para Rodrigues, Collor assumiu “no imaginário popular, conotações inauditas de
luta contra a corrupção, o empreguismo, o apadrinhamento e, daí, indo mais além, para
a imagem do jovem forte, perseverante, aguerrido, ao final quase guindado à condição
de paladino na luta contra toda injustiça” (2000, p.64).
Isso só foi possível graças ao apoio recebido pela mídia, mais precisamente pela
Rede globo e pelas grandes revistas de circulação nacional, Veja e Isto é, que auxiliaram
na fabricação do mito de Collor como o “caçador de marajás”.
Pesquisas da época destacavam que a população queria, em primeiro lugar, com
19%, que a questão da corrupção e da impunidade fossem os temas mais abordados e
destacados pelos candidatos; ao passo que, em segundo lugar, com 16%, estava a
questão da experiência administrativa; seguida depois pela coragem para enfrentar os
que hoje tiram proveito de tudo no Brasil, com 14%; depois, com 13%, a preocupação
era com os aumentos constantes de preço (Nêumanne, 1989, p. 62).
127
A ascensão de Collor foi rápida:
127
A pesquisa destacava ainda, com 11%, a preocupação em garantir remédio, médico e ensino para quem
precisa; seguida, com 8%, pela vontade de trabalhar; autoridade para mandar, com 6%; ser equilibrado e ter a
cabeça no lugar, com 4% e acabar com a politicagem no governo com 2% (Nêumanne,1989, p.62)
132
“De índices inexpressivos na virada de 1988 para 1989, Collor aparece com 9%
na metade de março, em terceiro lugar, e empatou com Lula em segundo lugar,
no início de abril. No fim daquele mês já estava tecnicamente empatado com
Brizola na liderança, em torno de 29%, e na metade de maio, graças ao monólogo
que protagonizara em seus programas de TV em rede nacional, chegava à
liderança com 32%, o dobro de Brizola. Quando entrou junho, Collor já estava na
faixa dos 40%, patamar no qual se manteve até que começasse a campanha pela
TV, em setembro. Além da precariedade da legislação, esse episódio é uma
demonstração inequívoca do peso da mídia eletrônica numa disputa desse tipo”
(Rodrigues, 2000, p. 66).
Com a subida de Collor nas pesquisas, o candidato do PRN começa a receber
inúmeras adesões políticas, governadores (Paraíba, Bahia e Santa Catarina),
sindicalistas (Força Sindical) e até lideres religiosos assumiram o apoio a Collor (Edir
Macedo)
128
.
Com a ascensão do candidato do PRN
129
, o combate dos adversários, como seria
de se esperar, recrudesceu: veio à luz o perdão da dívida do ICMS aos usineiros de
Alagoas na sua gestão como governador, assim como um contrato lesivo aos cofres
públicos feito como governador com a empresa ZLC, de sua assessora econômica Zélia
Cardoso de Mello. Veio à luz, também, a figura de Paulo César Farias, tesoureiro da
campanha do PRN; divulgou-se de que ele estava impedido de operar com crédito rural
e agroindustrial porque haviam sido comprovadas irregularidades em 31 dos setenta
processos movidos contra ele pelo Banco Central. O PT, em especial, explorou ao
máximo esses escândalos
130
.
Leve-se em conta também que a campanha para a presidência de Fernando
Collor de Mello para a presidência da República foi considerada milionária – cujo custo
foimuito alto e calculado por órgãos de inteligência do governo federal em US$ 140
milhôes (Nêumanne,1989,p.72).
128
Destacamos a frase dita por Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus: “Após orar e pedir a
Deus que indicasse uma pessoa, o Espírito Santo nos convenceu de que Fernando Collor de Mello era o
escolhido” (Mariano e Pierucci,1992)
129
Percebeu-se, posteriormente, que Collor de Mello sentiu os ataques, o que repercutiu nas pesquisas
eleitorais. De um pico de 42% em setembro, Collor caiu para 34% no inicio de outubro e, 28% no início de
novembro.
130
Ainda que não seja parte desta pesquisa, é bom informar que na situação atual (setembro de 2005), quando
o Partido dos Trabalhadores está no poder com Lula como presidente, este partido mudou sua posição em
180•. Acusado de corrupção, o PT, por exemplo, tenta todos os artifícios para atrapalhar a organização e
isolamento das CPIs.
133
O candidato que mais ganhou com as críticas foi Luís Inácio Lula da Silva, que
passou de 6% para 14% de setembro a novembro. Dos 14% perdidos pelo candidato do
PRN, o candidato do PT ganhou 8%, o que o colocou em segundo lugar nas pesquisas e
o credenciou para disputar o segundo turno com Fernando Collor de Mello.
O segundo turno da eleição de 1989 para a Presidência da República polarizaria
um candidato da direita, Fernando Collor, e um candidato da esquerda, o sindicalista
Luís Inácio Lula da Silva.
Segundo Diniz, “o confronto entre Collor e Lula expressou, na campanha
eleitoral, o embate entre duas idéias que ainda disputavam espaço na política nacional,
traduzindo-se na polaridade primazia do mercado versus reforma social” (1997, p.118).
Ainda segundo Diniz, a Nova República se caracterizou como um período de
metamorfoses na agenda pública. De um amplo espectro de temas em jogo, dos quais
destacavam-se o combate à inflação combinado à distribuição de renda, o conflito ter-
se-ia estreitado para uma “proposta minimalista”, em que a questão social
131
foi
atropelada pelas questões econômicas ligadas à estabilização monetária (1997,p.113).
A situação do governo Sarney era tão lastimável que, antes mesmo do primeiro
turno das eleições presidenciais, já se cogitava a antecipação da posse do novo
presidente eleito para janeiro de 1990.
No dia 3 de dezembro, travou-se o primeiro debate televisivo entre os dois
candidatos, Collor e Lula, onde o primeiro se concentrou na conquista de votos nas
camadas mais elevadas da população, já que nas classes menos favorecidas sua
penetração era grande. Para isso, usou dados estatísticos, empunhou gráfico, falou de
números e metas, tudo com o intuito de angariar votos das camadas mais elevadas. Lula,
por sua vez, falou ao eleitor médio e, ao mesmo tempo, apostou no tom emocional que a
campanha ganhava. Esteve seguro e apresentou-se como moderado, buscando atrair a
confiança das classes médias (Rodrigues, 2000, p.79).
131
Segundo Diniz, “a ‘questão social’ associada pelas forças da Aliança Democrática no primeiro momento
da Nova República à bandeira do ‘desenvolvimento econômico’ (crescimento com distribuição de renda) foi
legado, em virtude do caráter privatista da ideologia recém absorvida pela direita, à condição de elemento
retórico” (1997).
134
O candidato do PT cresceu muito depois do primeiro debate para a Presidência
da República, sendo que alguns institutos de pesquisa já apontavam para empate técnico
entre Collor e Lula, ambos na casa dos 42% das intenções de votos.
É neste momento que alguns episódios negativos começam a aparecer, e que
auxiliaram na vitória do candidato do PRN, tais como: o célebre depoimento da ex-
namorada de Lula, Miriam Cordeiro, com quem o candidato do PT tivera uma filha; um
violento incidente entre partidários das duas candidaturas ocorrido na cidade gaúcha de
Caxias do Sul, durante um comício de Collor, terminou em quebra-quebra com mais de
uma dezena de feridos, este incidente foi amplamente explorado no horário eleitoral de
Collor, que buscou qualificar os petistas como violentos e arruaceiros
132
. A disputa
fervia, e era disputada, ao mesmo tempo, nas ruas e na mídia eletrônica (Rodrigues,
2000, p.79).
Todos os episódios citados acima tiveram impactos muito grandes sobre a
pessoa privada do candidato da esquerda. No último debate, realizado no dia 14 de
dezembro, Lula mostrou-se abatido e inseguro, nem sombra do candidato do primeiro
turno.
O Jornal Nacional, da Rede Globo, destacou o debate e passou a imagem de que
Collor havia massacrado seu opositor. As pesquisas divulgadas mostravam uma
recuperação do candidato do PRN, que aparecia com 47% contra 46% do candidato do
PT, segundo o IBOPE; já o Datafolha, apontava Collor com 44,3% e Lula com 41%. Já
o boca-de-urna apontava uma vitória de Fernando Collor de Mello com 50% e Lula com
46%, com 4% de brancos e nulos.
Com destaca Rodrigues:
“O dia da eleição, aliás, foi muito tumultuado. O episódio mais ruidoso foi o da
libertação do empresário Abílio Diniz
133
, que havia sido seqüestrado. A polícia
132
Dois anos depois, a revista Isto é Senhor, publicou um documento elaborado pela comissão de sindicância
do novo governo do Rio Grande do Sul, eleito em 1990 (gestão Alceu Colares, PDT; descobriu um dossiê
produzido por uma investigação da PM-2 serviço secreto da Brigada Militar da polícia gaúcha). No
documento a comissão, formada por representantes do novo governador e por membros da Comissão de
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, encontraria a confirmação do que já se suspeitava no momento
do incidente: tanto os cabos eleitorais do PRN quanto os agressores com camisas e bandeiras do PT haviam
sido pagos pelo Comitê da candidatura Collor (A farsa da Baderna, Isto é Senhor, 15/01/92).
133
Francisco de Oliveira faz o seguinte comentário sobre o episódio do seqüestro de Abílio Diniz:: “Trata-se
do único seqüestro, na história desses crimes inomináveis, cujo final foi assistido ‘au grand complet’ pela
televisão,’desprezando-se’ os mais comezinhos princípios de segurança do seqüestrado. É que estava tudo
135
militar de São Paulo, que invadiu o cativeiro no dia da votação, apresentou pela
TV camisetas de Lula apreendidas com os criminosos, que se disseram militantes
de grupo esquerdista que tinha por objetivo angariar fundos para a guerrilha na
América Latina (2000, p. 81).
O resultado final das eleições foi de 49,94% para Collor, 44,23% para Lula e
5,83% de brancos e nulos. Em termos de votos válidos (excluídos brancos e nulos), o
resultado foi de 53,03% a 46,97%.
O país chega, em 1990, com uma estrutura econômica relativamente estagnada,
financeiramente frágil e tecnologicamente defasada, conservada por uma década a custa
de inflação e de desestruturação do Estado.
A eleição presidencial de 1989 abria a perspectiva para que surgisse um
Governo com respaldo político suficiente para encaminhar um enfrentamento efetivo da
crise econômica e social. O desafio que se colocava para o novo Governo ia muito além
de impedir, imediatamente, uma explosão da inflação: impunha-se articular um novo
padrão de desenvolvimento, já que o modelo adotado a partir dos anos 30 pelo
presidente Getúlio Vargas, centrado no Estado protecionista, onde a economia era
formada por inúmeras empresas estatais, havia demonstrado sinais bastante claros e
evidentes de esgotamento, com inflação em descontrole, aumento no endividamento
externo e perda de competitividade da economia.
3.2. A Natureza Econômica do Governo Collor
A década de 80 foi um período de grande inquietação econômica, onde a taxa de
crescimento econômico foi de 0,4%, o que se convencionou caracterizá-la como a
década perdida, com altas taxas de inflação, descontroles monetário e fiscal e
incremento no endividamento externo. Foi neste momento que o país passou por
algumas das principais experiências de combate a inflação, com inúmeros planos
econômicos fracassados e instabilidade política.
arranjado, como numa ‘opera bufa’...) (Oliveira, 1992,p.21-3).
136
Essa crise teve início com a interrupção da oferta de financiamento externo, no
início dos anos 80, e se prolongou por toda a década devido à resposta passiva da
política econômica ao novo contexto internacional, combinada com a reação das
grandes corporações privadas.
No governo Sarney o caráter protelatório da gestão estatal acentuou-se.
Enquanto seguiram avançando importantes transformações na economia internacional –
tecnológicas, gerenciais e financeiras -, o Estado Brasileiro revelava sua impotência
para articular um conjunto de interesses capaz de redefinir as fontes de financiamento e
de dinamismo da economia, bem como sua inserção na divisão internacional do
trabalho.
A política econômica limitou-se, na prática, a “administrar” a inflação através de
choques e outros expedientes que apenas mantinham em suspenso, de forma cada vez
mais precária, a tendência a hiperinflação e a depressão. Esse processo culminou, nos
últimos meses do Governo Sarney, em uma ameaça de irrupção, enfim, de uma
hiperinflação aberta.
No plano político, o presidente José Sarney se empenhava em estender seu
mandato para cinco anos, aliado a escândalos de corrupção de ex-ministros e a
acusações de favorecimentos, contribui para desmoralizar ainda mais o governo e a
acentuar as críticas às políticas clientelistas, ao caráter patrimonialista do governo e à
impunidade.
Não foi por acaso que nas eleições presidenciais de 1989 os candidatos que
disputaram o segundo turno foram os que mais passaram a imagem de oposição ao
governo e de ruptura com o passado.
Quanto ao conteúdo programático da campanha, embora a maioria dos
candidatos assumissem claramente uma posição (neoliberal ou social-democrata), este
não foi o caso de Fernando Collor, que desde o início da campanha manteve a liderança
nas pesquisas. Muito pelo contrário, enquanto candidato, em nenhum momento Collor
explicitou qualquer programa de cunho neoliberal, mas também sua campanha jamais
esboçou qualquer projeto de governo. No plano econômico, procurou-se enfatizar
questões consensuais como a necessidade de combate à inflação, à especulação
financeira e aos monopólios. No plano político, suas críticas ao Estado restringiram-se a
137
ataques desferidos contra privilégios de uma parte do funcionalismo público – os
chamados “marajás” – e contra o “clientelismo” e a corrupção.
Por outro lado, como afirmou Diniz “...a recusa de um claro compromisso com
os partidos existentes ou com quaisquer das lideranças e forças políticas relevantes foi
uma das marcas de sua campanha” (1997, p.133),.
Mas, se as observações acima estão corretas, como explicar então que, em
dezembro de 1989, um trabalho sob a coordenação de Abílio Diniz
134
(1990) propusesse
um ambicioso (e não menos otimista) programa integrado de reformas liberalizantes,
que abrangia desde uma política de liberalização comercial até um amplo programa de
privatização, e que não colocava quaisquer obstáculos às reformas que não a vontade
política de executá-las? Como explicar ainda que, ao menos no que se refere à
privatização, em início de 1990, antes mesmo que Collor assumisse, uma série de
eventos já apontasse a tendência liberalizante do Governo Collor?
No Balanço Financeiro de 1990, Altair Silva informa que:
“Reporta[va]-se às expectativas e às antecipações que percorreram o mercado
acionário antes da posse de Collor acerca da forma que assumiria o programa de
privatização do futuro governo. Quais seriam as empresas privatizáveis e qual
processo seria adotado constituem as questões centrais dos diversos depoimentos
prestados por pessoas ligados ao mercado de capitais, a bancos e à CVM” (apud
Maciel, 1999, p.126).
Por outro lado, duas pesquisas de opinião pública e uma entre empresários
industriais sobre o apoio à privatização eram realizadas ainda em fevereiro.
“O resultado destas pesquisas e, a partir de março, uma quantidade enorme de
editoriais e um número expressivo de artigos publicados na grande imprensa
levavam a crer que o processo de privatização contaria com forte apoio por parte
do empresariado, de expressivo número de formadores de opinião e da própria
opinião pública. A estes se poderia ainda acrescentar “o apoio à privatização de
altos dirigentes de empresas arroladas como privatizáveis”, “de técnicos do
134
O empresário Abílio Diniz, herdeiro do Grupo Pão de Açúcar havia coordenado uma pesquisa, que
destacava as políticas neoliberais como uma forma sensata de retirar o país do atraso da última década. Diniz
era um dos empresários que depositaram em Fernando Collor recursos financeiros e apoio político para que
este fosse eleito Presidente da República e liderasse estas políticas. Abílio Diniz também havia sido destaque,
meses anteriores quando foi seqüestrado e mantido em cativeiro por algumas semanas, em seu resgate, foram
atribuíram vínculos entre os seqüestradores e o Partido dos Trabalhadores (PT), partido que na época
disputava o segundo turno com o então candidato Fernando Collor (PRN)..
138
BNDES e dos ministérios encarregados das atividades de planejamento e
investimento em infra-estrutura” (Boschi, 1991.).
No entanto, o que menos importa ressaltar é o resultado de pesquisas ou a
posição de segmentos da burocracia. O que importa ressaltar é o fato de que este
consenso era meramente aparente: alinhadas em torno da candidatura de Collor, as
forças neoliberais cosmopolitas (a mídia, o PFL e o PPR, grandes grupos empresariais
estrangeiros e nacionais) viram na vitória de seu candidato a oportunidade de retomar
aquelas questões que haviam sido objeto de intensa controvérsia na Assembléia
Constituinte. Isto, aliado à polarização ocorrida no segundo turno das eleições, permitiu
que estas forças fizessem prevalecer seus interesses e teses em torno do processo de
privatização e, em menor medida, de reformas liberalizantes.
Assim, no que se refere ao empresariado, por exemplo, Cruz chama a atenção
para o fato de que, a partir de fins da década de oitenta, se poderia identificar pelo
menos três correntes: uma neoliberal, outra social democrata e uma terceira neo-social
democrata. Enquanto as duas últimas tomavam como experiências a serem seguidas as
dos países do sudeste asiático e do Japão, e recebiam com cautela a intenção de se
promover à abertura comercial, a privatização era encarada de maneira mais consensual.
Neste caso, no entanto, o que chama a atenção é menos o apoio do que a falta de
interesse e mesmo de condição de participar de um processo de privatização (que,
inclusive, não havia ainda sido definido) (Apud Maciel, 1999, p. 127).
3.3. Reformas Liberalizantes e Política Econômica
Entre fins de 1991 e meados de 1993, já é possível observar um apoio crescente
e expressivo por parte das elites empresariais, políticas e burocráticas às medidas de
liberalização. Quanto à opinião pública, é possível constatar também ainda um maior
apoio, expresso através da difusão de uma “cultura de mercado”: a eficiência, a
concorrência e a satisfação e os direitos do cidadão-consumidor passam a ser valores
cada vez mais difundidos e a se contrapor à qualidade dos serviços públicos e a preços e
qualidade dos produtos nacionais em relação aos importados.
139
A partir de 1991 já havia um expressivo apoio às medidas liberalizantes, isto só
foi possível graças ao apoio da mídia e a uma iniciativa do próprio governo Collor.
A conversão do governo Collor às medidas liberalizantes ocorreu no decorrer do
governo. Segundo Maciel
135
:
“A leitura do documento referente ao PRN, em virtude de seu caráter integrado e
coerente, pode induzir ao equívoco de que, desde o início do Governo Collor, o
programa de liberalização fosse algo pronto e acabado” (1999, p. 128),
Ao iniciar o governo, não se tinha claro ainda nem a amplitude do processo de
privatização, nem o ritmo de abertura comercial e muito menos o processo de
liberalização do fluxo financeiro de capitais.
Os problemas econômicos herdados da Constituição de 1988, que transferiram
aos estados e municípios, uma fatia maior da receita tributária federal, sem uma
transferência equivalente de responsabilidades, foi uma herança bastante negativa, que o
governo Collor vai herdar. Essa medida, só pode ser compreendida como uma reação à
época militar, quando o governo federal reduzira as cotas de participação dos estados e
municípios. Outro obstáculo criado pela Constituição era a garantia de estabilidade
vitalícia concedida ao funcionalismo federal após um pequeno período inicial de
experiência, o que limitava grandemente qualquer tentativa de reduzir a folha de
pagamento federal.
Pelo menos um ponto luminoso no horizonte econômico deu a Collor espaço de
manobra: o expressivo superávit na balança comercial que o Brasil vinha obtendo desde
meado dos anos 80. De um lado, esse superávit significava que, com as reservas
cambiais daí resultantes, o Brasil poderia continuar pagando uma porção adequada do
serviço de sua dívida externa e tendo acesso aos credores, sem precisar recorrer ao
Fundo Monetário Internacional (FMI), que iria exigir o compromisso com um duro
programa de estabilização. Por outro lado, o superávit dava aos políticos maiores
possibilidades de protelar a necessidade de estabilização.
135
Marco Cícero Noce de Paulo Maciel, Doutor em Economia pela Universidade de Campinas em 1999, com
a Tese intitulada “Metamorfoses do Estado Brasileiro: do II PND ao Governo FHC”, sob a orientação do
professor Dr. João Manuel Cardoso de Mello.
140
O tripé do Governo Collor - privatização, abertura econômica e abertura
financeira, foi sendo desenvolvido com o desenrolar do governo. No Plano Collor, o
tratamento que se deu à abertura comercial e à privatização
136
deixa claro que,
inicialmente, estas questões eram consideradas como peças do plano de estabilização.
Quanto à abertura financeira, ela não era sequer mencionada.
Segundo é certo que, desde o lançamento do Plano Collor se tinha como intuito
promover a privatização
137
e a abertura comercial.
No entanto, quanto à privatização, os representantes do governo Collor
afirmavam que, inicialmente, se daria continuidade ao Plano Nacional de
Desestatização do Governo Sarney; por outro lado, ainda que, aquela época, se criasse
os Certificados de Privatização, sua regulamentação só se efetivou alguns meses depois.
É, pois, somente em agosto de 1990 que o Governo Collor define seu “Programa
Nacional de Desestatização
138
”.
Da mesma maneira no que se refere à abertura comercial, as diretrizes só foram
divulgadas em fins de julho de 1990. E, ainda, que se procurasse passar a idéia de que a
abertura comercial era um dos instrumentos da política industrial do Governo Collor,
duas outras peças fundamentais desta política – Programa de Capacitação Tecnológica e
Programa Brasileira de Qualidade e Produtividade – só foram anunciados,
respectivamente, em setembro e novembro de 1990 e a Política de Competitividade
Industrial ainda se encontrava em discussão.
Quanto à abertura financeira, ela não era sequer mencionada no PRN,
restringindo-se o governo a anunciar a intenção de efetuar modificações na legislação
referente à tributação sobre remessa de lucros, com o intuito de estimular a entrada de
investimento estrangeiro.
136
Ambas as políticas estavam atreladas ao aumento da oferta de produtos estrangeiros internamente, que
pressionariam os agentes econômicos a investirem e reestruturarem seus sistemas produtivos, gerando com
isso, produtos mais baratos e com qualidade superior, podemos citar como exemplo o setor automobilístico,
que depois do choque gerado pela abertura econômica, melhorou consideravelmente a qualidade dos produtos
ofertados internamente.
137
A privatização objetivava diminuir o espaço do Estado na economia, que segundo os neoliberais havia
crescido muito, gerando estruturas ineficazes e burocracias excessivamente lentas, o que diminuía os
investimentos e gerava instabilidades no sistema.
138
É neste momento que o governo define os setores e as empresas que serão desestatizados, onde o setor
siderúrgico se apresenta como o principal, destaque para a Usiminas.
141
Uma segunda questão diz respeito ao ritmo das reformas. No que se refere à
privatização, os prazos inicialmente anunciados pelo governo indicavam que as
primeiras privatizações ocorreriam em um curto espaço de tempo. Em vista disso, e
dado que o edital de venda da Usiminas foi publicado em fins de maio de 1990 e sua
venda ocorreu apenas um ano e meio depois, se poderia suscitar a interpretação de que o
processo iniciou-se de maneira mais lenta do que o desejado.
No entanto, se levarmos em conta o fato de que programas desta natureza
envolvem um longo período de maturação, poderemos afirmar que o processo foi
iniciado até com certa rapidez. Por outro lado, a partir da privatização da Usiminas, o
processo deslancha: entre abril e agosto de 1992, são privatizadas Companhia
Petroquímica do Sul (Petrosul), Petroflex, Companhia Siderúrgica Tubarão (CST) e
Fósfertil.
Como destacou Velasco Júnior:
“...ao final do Governo Collor, 16 processos de desestatização haviam sido
concluídos, a um valor aproximado equivalente a 3,9 bilhões de dólares” (1997,
p. 19).
Este ritmo acelerado das privatizações fica ainda mais evidente se incluirmos o
Governo Itamar Franco. A despeito das acusações de que Itamar, em virtude de suas
posições nacionalista/xenófobas
139
e estatistas, não teriam qualquer compromisso com o
processo de privatização e em que pese o fato de que a natureza conturbada do período
justificasse uma interrupção do processo, em fins do seu Governo, nos defrontávamos
com os seguintes resultados: 17 processos de privatização foram implementados,
arrecadando-se um total equivalente a 4,7 bilhões de dólares, incluindo-se aí Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), Ultrafértil, Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa),
várias empresas do setor petroquímico e a Aços Especiais Itabira (Acesita). Além disso,
em fins de julho de 1994,
139
Apesar de forte, estas acusações eram feitas ao presidente Itamar Franco por inúmeros setores da
sociedade, desde os partidos mais a direita do espectro político (PFL) como pelos partidos mais de centro
(PSDB), e para os neoliberais, que o analisam por suas visões de intervencionismo do Estado na economia e
também, pelo nacionalismo. Um exemplo: Itamar estimulou a construção do Fusca pela VolksWagen, o que
gerou várias críticas por parte da oposição, que o taxava de anacrônico e retrógrado.
142
“A regulamentação do programa foi alterado, no sentido de liberar a participação
do capital estrangeiro em até 100% do capital votante das empresas, salvo
determinação expressa do Poder Executivo, em sentido contrário (o limite
anterior, vigente desde a instituição do PND, era de 40% do capital votante)”
(Velasco Júnior,1997:34, nota 51)
O ritmo de liberalização comercial é ainda mais espantoso. O programa
originalmente divulgado visava a reduzir a tarifa média (de 35% para 20%) e a
dispersão (para 0 a 40%), até 1994, e previa um ritmo mais acelerado de redução para o
biênio 1993/1994. No entanto, como a redução originalmente prevista foi antecipada em
fevereiro de 1992, as alíquotas previstas para janeiro de 1993 e janeiro de 1994,
entraram em vigor, respectivamente, em outubro de 1992 e em julho de 1993 (Maciel,
1999, p. 130).
A tabela abaixo destaca a abertura comercial, enfatizando as alíquotas nominais
médias de importação no período 1988/1997.
Tabela 6 – Abertura comercial – 1988/1997
Ano Alíquotas médias de Importações (%)
1988 41,0
1989 39,5
1990 32,2
1991 25,3
1992 20,8
1993 16,5
1994 13,5
1995 13,0
1996 13,6
1997 13,8
Fonte: www.ipeadata.gov.br
Finalmente, tratemos de analisar a liberalização financeira. Algumas medidas
importantes foram adotadas entre fins de 1988 e 1990: em dezembro de 1988, a criação
do segmento de câmbio flutuante para as viagens internacionais deu início a um
143
processo de liberalização, tendo sido incorporadas a este segmento, a partir de 1989,
uma série de transações, como, por exemplo, viagens a negócio, transferências
unilaterais e utilização de cartão de crédito internacional. Com a criação deste segmento
de câmbio, permitiu-se uma ampliação de limites de operações cambiais e maiores
facilidades para investimentos no exterior. Por outro lado, favoreceu as condições de
acesso ao mercado cambial, através da autorização para que os bancos comerciais
pudessem operar no segmento de câmbio flutuante.
No entanto, as medidas mais importantes concentraram-se nos anos de 1991 e
1992, configurando uma mudança abrupta no que se refere à liberalização e à maior
mobilidade de capitais.
Em 1991 foram tomadas uma série de medidas que procuravam eliminar ou
diminuir as restrições à remessa de rendas para o exterior.
Quanto à atração de capitais externos, com o objetivo de estimular os
investimentos estrangeiros – diminuição do mínimo de permanência dos recursos no
país e das restrições quanto à composição de carteiras e à movimentação de capital
externo no mercado de capitais brasileiro -, em abril de 1991, alterava-se a
regulamentação dos anexos I, II e III da resolução número 1289 do Banco Central e, em
maio de 1991, era criado o anexo IV, que tratava da regulamentação de investimentos
estrangeiros em bolsas de valores.
Por último, através da Resolução número 1946 (julho de 1992) e da Circular
número 2242 (outubro de 1992), foram introduzidas modificações no mecanismo da
CC5
140
– visando a permitir que, através da rubrica bancária “Depósitos de
Domiciliados no Exterior”, não residentes operassem na compra e venda de divisas no
país, e que contribuíram para uma elevação significativa da captação de recursos
externos de não-residentes no Brasil e de brasileiros no exterior.
Com o esclarecimento destes aspectos, podemos analisar a relação entre os três
pilares do processo de liberalização e as políticas de estabilização e industrial no
Governo Collor.
140
Conta utilizada por não residentes para enviar dinheiro para o exterior, estas contas foram responsáveis
pelo envio de US$ 30 bilhões para o exterior, valor descoberto pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
do Banestado em 2002/2003 (Sandroni, 2005).
144
No que se refere à privatização, a manifestação da intenção de se dar
prosseguimento ao processo de privatização, a extinção de 11 entidades estatais e a
criação dos “Certificados de Privatização” foram anunciadas junto com as principais
medidas provisórias que implantaram o programa de estabilização (Plano Collor). Em
vista disso, seria lícito afirmar que, para o Governo, o processo de privatização estava
associado principalmente ao combate ao desequilíbrio fiscal. Além disso, no PRN, esta
associação seria reiterada, ao afirmar que o PND era peça fundamental para a
redefinição da atuação do Estado – restringindo o investimento às áreas definidas como
necessárias e prioritárias – e para a redução da dívida pública.
Foi somente em outubro de 1991 que se deu início ao processo de privatização,
com a venda da Usiminas. A importância do processo de privatização da Usiminas
deve-se não apenas ao fato dela ter sido a primeira, nem tampouco dela ser uma
empresa-símbolo, no sentido de ser uma empresa a nível nacional e internacional,
lucrativa e atualizada tecnologicamente. Sua importância maior deve-se ao fato de que
as privatizações que se seguem no Governo Collor e, também, no Governo Itamar, não
apenas seguirem o modelo de privatização adotado pela Usiminas, mas apresentaram
resultados semelhantes quanto à composição acionária e à utilização de moedas.
Tendo por princípio básico o sistema de venda através de leilões públicos
adotados pelo Governo Sarney, a tendência de qualquer critério de pré-qualificação de
candidatos, o não estabelecimento de quantidades mínimas a serem adquiridas e a
utilização das chamadas moedas de privatização, o processo de privatização da
Usiminas acarretou:
- a maximização do valor da venda, inclusive através da fixação de um valor
mínimo elevado;
- a predominância de moedas de privatização
141
em relação a cruzeiros;
- e uma estrutura de capital votante extremamente heterogênea, tanto no que se
refere aos investidores (bancos, empresas privadas de setores diversos, funcionários e
fundações previdenciárias das empresas vendidas, fundações das empresas estatais e
141
Títulos Públicos de todas as naturezas emitidos pelo Estado Nacional e aceitos pelo seu valor de face no
processo de privatização, como muitos destes títulos foram emitidos anos anteriores e seu valor de mercado
era baixo se negociado apenas no mercado, mas como foram usados na compra de empresas estatais, estes
títulos foram aceitos por seu valor de mercado, o que fez com que o governo arrecadasse em dinheiro, menos
do que inicialmente vislumbrava.
145
privadas e empresas estatais), quanto no que se refere aos diversos interesses e
perspectiva dos investidores.
O que chama a atenção nos resultados das privatizações é o fato consensual de
que elas acabaram não servindo nem para atender aos objetivos dos Governos Collor e
Itamar, muito menos para se promover qualquer tipo de política industrial. Os objetivos
das privatizações era implementar uma ampla diminuição do papel do Estado na
economia, para com isso, tentar equilibrar as contas do Estado, coisa que não se
efetivou como foi previsto.
Tal fato se evidencia inclusive através das análises daqueles que, sem contestar a
privatização em si, eram forçados a reconhecer que seus resultados ficaram bem aquém
dos seus objetivos declarados ou alternativos.
No que se refere a questão fiscal, o professor Francisco Lopes
142
era obrigado a
reconhecer que, até fins do Governo Collor, o programa de privatização não havia
contribuído para o combate ao desequilíbrio fiscal:
“Nas últimas semanas o programa passou a ter sua concepção
questionada por economistas respeitáveis. A principal crítica ao uso das moedas
podres é de natureza fiscal: 2% em cruzeiro ou cruzeiro novo; 1% em título da
dívida externa; 97% em certificados de privatização (28%), debêntures da
Siderbrás e dívida securitizada, cujo grosso também é da Siderbrás (49%),
obrigações do FND (12%), Títulos davida Agrária (5%) e Letras Hipotecárias
da CEF (3%). Como todas essas chamadas moedas podres são títulos de dívida
pública de longo prazo, pode-se argumentar que a sua utilização preferencial
significa que a privatização praticamente não está contribuindo para o esforço de
ajuste fiscal e, por conseqüência, para a política de estabilização” (1992).
Já Pinheiro e Schneider (1994), partiam da constatação de que na América
latina, o objetivo de se combater o desequilíbrio fiscal através da privatização seria um
equívoco. Isto porque, de um lado, as receitas de privatização não eram suficientes para
controlar o déficit público e, por outro lado, a maximização destas receitas tendia a
comprometer a possibilidade de se alcançar outros benefícios decorrentes da
privatização. Dentre estes benefícios, os autores destacavam o aumento da eficiência
142
O professor Francisco Lopes, professor da Pontifício Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, que
depois chegou ao posto de presidente do Banco Central, sendo ainda, acusado de irregularidades na condução
da questão cambial em 1999, que terminou com seu afastamento intempestivo do Banco Central (BC).
Francisco Lopes foi investigado pela Polícia Federal depois de ter sido encontrado, em seu apartamento,
quase US$ 1 milhão. Apesar de estarmos analisando períodos diferentes da sociedade brasileira, percebe-se,
que as relações promíscuas entre o público e o privado ainda persistiu no país.
146
econômica derivado da privatização e do conseqüente encolhimento do Estado. Além
disto, a privatização poderia acarretar outros resultados importantes: maior
investimento, reorientação dos gastos do governo, aumento do investimento estrangeiro
e expansão do mercado de capitais. Os custos derivados da tentativa de se perseguir um
ou mais destes objetivos e de se imprimir um ritmo acelerado às privatizações tendiam
também a reduzir o preço de venda da empresa estatal – e, portanto, a se chocar com o
objetivo de se maximizar a receita de privatização (1990).
Velasco Jr observa que o processo de privatização dos governos Collor e Itamar
foi destituído de qualquer tentativa de se fazer política industrial. Como notou o autor,
esta “perda de oportunidade de se fazer política industrial através da privatização”
implicaria “adotar um modelo com objetivos definidos [que] tenderia a gerar não só
menos vencedores, como também vencedores menos incertos” (1997, p. 30).
Com efeito, “optar” por um modelo de privatização “à la francesa”, por
exemplo, implicaria adotar uma política ativa, definindo e ordenando prioridades que
induzissem a determinados resultados – seja quanto à definição da composição
acionária das empresas privatizadas; seja estimulando a formação de grandes grupos
privados nacionais capazes de concorrer internacionalmente.
Ao examinar a política de comércio exterior do Governo Collor, percebe-se que
sua política de importações estava subordinada à política industrial, é de se notar o
seguinte: primeiro, a política de importações tendeu a ser utilizada como instrumento de
coação
143
, estando subordinada à política de estabilização; segundo, como observou
Erber (1991), a política industrial e de comércio exterior do Governo Collor estaria se
caracterizando por uma assincronia entre as medidas de estímulo à competição e as
medidas de competitividade:
Como destacou Erber:
“A pressão competitiva, especialmente a derivada das importações, já tem um
cronograma definido [que, como vimos, foi antecipado] e depende apenas de
decisões do Executivo, sem que haja um compromisso com a estabilidade
cambial e os critérios de administração da proteção tarifária estejam explicitados”
(Erber, 1991, p. 318)
143
A política de importação adotada pelo governo Collor servia como uma forma de pressionar os
empresários e o setor produtivo a melhorarem a qualidade de seus produtos, já que a abertura aumentaria a
concorrência e aumentaria a oferta interna de produtos, aqueles que não se adequassem seriam esmagados
pela concorrência estrangeira.
147
Quanto às medidas de fomento à competitividade, estariam ainda dependendo de
definições dos grupos de trabalho e comissões do Governo ou de decisão do Legislativo
e, para sua implementação, “estariam condicionadas à disponibilidade de recursos do
Tesouro ou do exterior” (Erber,1991,p.318).
Por outro lado, uma vez que o grau de incerteza com que opera o empresariado
desempenha um papel fundamental na decisão de investir, o aumento do grau de
incerteza derivado das medidas de contenção tendia a inibir os efeitos da política de
redução dos custos de investimentos. Neste sentido, haveria um desequilíbrio estrutural
entre as medidas: “as políticas de competição são mais fortes que as de competitividade,
fazendo com que o campo de forças se incline decisivamente para o lado das primeiras”.
E, ainda que se lograsse alcançar uma maior sincronia entre as medidas, o desequilíbrio
estrutural persistiria (Erber, 1991, p. 318-9).
A política de comércio exterior foi comentada assim:
“De qualquer maneira, qualquer que fosse o objetivo da política de comércio
exterior, o que importa ressaltar é que, a despeito da tendência à apreciação
cambial desde fins de 1991, e do ritmo de liberalização comercial, entre 1990 e
1992, o nível de importações permaneceu estagnado – tendo caído em 1991 e
alcançado, em 1992, o mesmo nível de 1990 (21 bilhões de dólares) – e não se
observou qualquer alteração relevante na composição das importações. Foi, pois,
somente a partir do segundo semestre de 1993, que – em virtude da retomada do
crescimento do aprofundamento da liberalização comercial e da crescente
apreciação cambial – as importações lograram apresentar crescimento
significativo” (Maciel, 1999, 135).
Maciel destaca ainda:
“No que se refere à abertura financeira, a questão se coloca de maneira distinta.
Ou seja, é evidente que a abertura financeira e a prática de elevadas margens de
arbitragem (observadas a partir do último trimestre de 1991) tinham por objetivo
o acúmulo de reservas internacionais. Em vista disto, mas também de um
contexto extremamente favorável quanto à liquidez internacional, a partir de
1991, observou-se uma elevação extraordinária da captação de recursos externos.
E, na medida em que os fluxos internacionais de capitais eram muito superiores
aos déficits em transações correntes, ocorreu uma forte elevação das reservas
internacionais – passando de 7 bilhões de dólares, em outubro de 1991, para 19
bilhões, em dezembro de 1992 e 25,9 bilhões de dólares em dezembro de 1993
(1999, 135)..
148
O que importa ressaltar, no entanto, é que a política de captação de recursos
externos e de acúmulo de reservas entrava em contradição com os objetivos da política
de controle do processo inflacionário, pois, a entrada em massa de recursos externos
deu-se num contexto de ausência de pré-condições necessárias: inexistência de reformas
fiscal e financeira, impasse do déficit público e da negociação da dívida externa e uma
profunda recessão acompanhada do agravamento do processo inflacionário.
Neste contexto, o endividamento externo contribuiu decisivamente para a forte
elevação da emissão primária de moeda e da dívida mobiliária do governo federal. No
que se refere ao segundo aspecto, como afirmou Gonçalves
144
:
“O resultado da política de esterilização tem sido a construção de armadilha
‘endividamento - juros altos – mais influxo de capitais externo – mais
endividamento’. A dívida mobiliária do governo federal fora do banco Central
aumentou de US$ 11,6 bilhões em dezembro de 1991, para US$ 36,4 em
dezembro de 1992, US$ 42 bilhões em dezembro de 1993 e US$ 59,2 bilhões, em
junho de 1994” (1996, p. 154-5):
Por outro lado, contrastando com a maioria dos países em desenvolvimento, a
política de captação de recursos externos não contribuiu para financiar a retomada do
crescimento dos investimentos e do nível de atividades produtivas.
3.4. O Plano Collor e a ênfase no combate a inflação
A inflação vinha tomando grandes proporções nos anos oitenta, e depois de
inúmeros planos de estabilização fracassados
145
, o governo Collor assume com o
objetivo de acabar com o processo inflacionário com um único golpe.
Quando Collor assumiu a Presidência da República, em março de 1990, a
inflação havia atingido uma taxa mensal de 81%. Diante disso, o governo lança as bases
do chamado Plano Collor, que foi descrito assim pelo Ministério da Economia:
144
Reinaldo Gonçalves, professor de Economia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e um dos formuladores das propostas econômicas do
partido nas diversas campanhas presidenciais (1989, 1994, 1998 e 2002).
145
No Governo de José Sarney (1985/1990), o Brasil conheceu alguns Planos de Estabilização, que tiveram
como objetivo principal atacar os altos índices inflacionários, destaca-se o Plano Cruzado de 1996, o Plano
Bresser de 1987 e o Plano Verão de 1989.
149
“A partir do dia 16 de março, a moeda nacional passa a ser o cruzeiro. A
moeda anterior, o cruzado novo, deixa de circular. [...] E o dinheiro que você tem
no banco? Você poderá sacar o quanto quiser até 50 mil cruzeiros do total do que
você dispunha em sua conta corrente antes do dia 16. A partir daí, você poderá
movimentá-la livremente, sempre em cruzeiros. [...] O montante que ultrapassar
50 mil cruzeiros, você não pode retirar antes de setembro do ano que vem. [...] É
como se fosse uma caderneta de poupança, só que mais longa. [...] E por falar em
caderneta de poupança... Se você tinha mais de 50 mil cruzados novos na
poupança, você passa a ter uma caderneta de 50 mil cruzeiros e a movimentá-la
de acordo com as regras da poupança” (Brasil, Ministério da Economia, 1990).
Para os economistas e teóricos responsáveis pela formulação da nova estratégia
do governo para estabilizar a economia, o Plano Collor penalizava os ricos e não os
pobres, posto que apenas 10% da população possuíam ativos financeiros superiores aos
50 mil cruzeiros
146
estabelecidos.
O Plano Collor foi um grande choque para aqueles que difundiram a idéia de que
seria no governo do petista Lula, que se recorreria ao confisco dos recursos financeiros.
Segundo Andrei e Arruda Sampaio, foi:
“Através do Plano Collor I a gestão econômica colocou os principais tópicos do
receituário neoliberal
147
como eixo da agenda da gestão estatal no Brasil: a
necessidade de desestatizar e abrir a economia aos produtos e capitais
estrangeiros para modernizá-la: o combate a inflação prioritariamente por meio
do reforço financeiro do Estado e da contenção monetária; a aposta no
investimento privado, doméstico e externo, como motor espontâneo da retomada
do crescimento; a subordinação da gestão econômica a uma estratégia baseada em
duas etapas subseqüentes: primeiro, a estabilização e a “modernização” e, a
seguir, a retomada do crescimento” (1993).
A concepção do Plano Collor I estava subordinada ao diagnóstico convencional
da crise econômica brasileira, que aponta o problema fiscal como raiz do descontrole
inflacionário, e este último como a principal causa da estagnação da economia. Assim,
propunha-se organizar a gestão econômica em torno da seqüência ajuste fiscal –
estabilização de preços – retomada do crescimento.
A lógica dos criadores do Plano Collor I era reconhecer que a crise fiscal
decorria de um desequilíbrio patrimonial do setor público. Diante dessa análise, era
146
Na área monetária, o cruzeiro voltou a ser utilizado (extinto por ocasião do Plano Cruzado) na economia
em substituição ao cruzado novo, mantendo-se a paridade da moeda.
147
É importante destacar, que a Política Econômica do Governo Collor se pautou pela adesão ao Chamado
“Consenso de Washington”, conjunto de políticas recomendadas por grandes organismos multilaterais (em
especial o FMI e o Banco Mundial) ao longo dos anos 80. Um comentário mais apurado sobre o Consenso de
Washington encontra-se no capítulo I deste trabalho.
150
impossível obter um equilíbrio fiscal duradouro apenas através de ajustes dos fluxos de
receita e despesa. Para atingir o equilíbrio fiscal, era necessário alterar a estrutura de
ativos e passivos do setor público para recuperar a solvência do Estado e a eficácia dos
instrumentos convencionais de política fiscal e monetário.
O Plano Collor se assentava em três objetivos simultâneos: evitar a eclosão de
uma hiperinflação, estabilizar os preços e liberalizar a economia, especialmente as
relações com o exterior.
Além do confisco
148
de toda caderneta de poupança ou conta corrente no que
excedesse cinqüenta mil cruzeiros, ou 25 mil no caso do overnight – dinheiro a ser
devolvido depois de 18 meses, acrescido de juros de 6% ao ano mais correção
monetária, em doze parcelas mensais – todos os preços da economia retroagiriam a 12
de março e os empresários e comerciantes foram admoestados pela boca do próprio
chefe de Estado
149
.
O objetivo inicial era mesmo evitar uma hiperinflação, o que levou o governo a
manter a taxa de câmbio fortemente valorizada nos primeiros meses após a implantação
do Plano, para evitar pressões inflacionárias.
O governo adotou uma política de rendimentos
150
que se centrava na compressão
dos salários reais. Os salários foram congelados por dois meses (através da prefixação
de reajustes em zero por cento) e proibiu-se a reposição das perdas acumuladas antes do
Plano, objeto de intensa mobilização sindical. Com relação aos preços do setor privado,
também foram prefixados em zero por cento, em dois meses, bem como a variação das
políticas públicas, e se tentou acionar os instrumentos tradicionais de controle de preços
(tabelas de preços, e reforço da legislação contra “maquiagens” etc.). Após esse período,
iniciou-se um processo rápido de liberação dos preços, concluído em meados de 1990.
148
O bloqueio temporário da maior parte dos haveres financeiros tinha diversos propósitos: 1) afastar a
possibilidade de uma hiperinflação, neutralizando o poder de especulação dos agentes; 2) favorecer o ajuste
das contas públicas, ao reduzir a carga de juros sobre a dívida interna e adiar por cerca de dois anos seu
impacto no caixa do Tesouro; 3) viabilizar uma política monetária orientada para o controle quantitativo dos
haveres financeiros.
149
Segundo declarações do próprio Presidente da República: “Abuso econômico passa a dar até 5 anos de
cadeia neste país. Esconder mercadorias, exagerar nos preços, iludir o consumidor, levará para trás das grades
o gerente, o diretor e o dono da empresa”.
150
O governo preocupou-se em vetar as tentativas de reindexação formal propostas com insistência no
Congresso, e a recomposição dos salários reais vigentes antes do Plano, obtida por meio da Justiça do
Trabalho. Ao mesmo tempo, procurou impor a livre negociação como única forma de determinação dos
reajustes.
151
A situação era de intensa recessão, caracterizada pelo enxugamento da base
monetária, câmbio valorizado e forte ajuste fiscal. A recessão era vista, pelo governo,
como um mal necessário para reequilibrar a economia, ao eliminar a possibilidade de
operação lucrativa de empresas ineficientes, prepararia o terreno para a reestruturação e
modernização da economia.
As taxas de inflação no governo Sarney foram sempre altas, como demonstra a
tabela abaixo:
Tabela 7 – Taxas de inflação – 1985/1989
____________________________________________________________
ANO INFLAÇÃO
____________________________________________________________
1985 235,1
1986 65
1987 415,8
1988 1037,6
1989 1782,9
____________________________________________________________
Fonte: www.ipeadata.gov.br
Destacamos ainda, no plano fiscal, a adoção de um pacote que aumentava o IOF
(Imposto sobre Operações Financeiras) e a diminuição do prazo de recolhimento do IPI
(Imposto sobre Produtos Industrializados).
Outro ponto fundamental no início do Governo Collor foi a diminuição no
número de ministérios, dos 27 anteriormente existentes, restaram apenas 12, com
extinção de alguns e fusões em outras áreas.
“Ao mesmo tempo em que manifestou a disposição de reformar
estruturalmente a máquina estatal, enxugando seu poder de intervenção na vida
social, e de modernizar o sistema produtivo, integrando-o de modo mais estreito
com a economia internacional e promovendo o livre trânsito do capital
transnacional nas mais variadas áreas, o novo governo também (a) criou um
imposto extraordinário sobre operações de crédito, câmbio, seguro e venda ou
alienação de títulos e valores mobiliários, sobre transmissão, venda e resgate de
ouro e sobre os saques efetuados em caderneta de poupança; (b) obrigou os
bancos a comprarem compulsoriamente, certificados de privatização’ das
empresas estatais; (c) ordenou a prisão de empresários acusando-os de ‘abuso de
poder econômico’; (d) agiu no sentido de impedir os tribunais de apreciarem
152
liminarmente os atos do Executivo de constitucionalidade duvidosa; (e)
determinou o expurgo, nos reajustes salariais, da inflação de 84% relativa ao
período de 15 de fevereiro a 15 de março de 1990 (apesar de um inciso VI do
artigo da Constituição assegurar como direito fundamental dos trabalhadores a
irredutibilidade do salário); (f) substituiu a moeda velha e apodrecida – o
‘cruzado’ – pela moeda nova e sadia – o ‘cruzeiro’; e (g) comprometeu-se a
devolver parceladamente, com uma carência de dezoito meses e uma correção
monetária de mais de 6% de juros ao ano, os cruzados bloqueados” (Faria
151
,
1993, p.32-3).
Depois da tramitação do Plano Collor no Congresso Nacional, poucas emendas
foram feitas, a Reforma Monetária foi aprovada em bloco, inclusive com os limites de
saque à poupança e aplicações. As mudanças mais significativas foram a obtenção de
um aumento de 5% no salário mínimo, a não extinção de alguns órgãos públicos e, no
processo de privatizações a ser deflagrado, alguma limitação à participação do capital
estrangeiro, além da supressão de dispositivos que atentavam contra a liberdade de
expressão e associação dos funcionários públicos. (Rodrigues, 2000, p.102).
A opção ideológica de Fernando Collor causava grandes discussões entre
analistas políticos e cientistas sociais.
Rodrigues acreditava que a:
“...a combinação entre, de um lado, o discurso de abertura industrial e comercial,
de enxugamento do aparelho de Estado, de desregulamentação e privatização
futuras em moldes ultraliberais (evidentemente contrastando com o tratamento
policialesco dado pelo plano de estabilização monetária às relações econômicas)
e, de outro, o conservadorismo político e a extrema centralização tecnocrática no
processo de tomada de decisões, essa combinação apontava claramente para a
opção neoliberal do governo Collor´ (2000, p. 103),
Para Bresser Pereira:
“Collor adotou um programa corajoso de reformas econômicas orientadas para a
liberalização comercial e a privatização. Na opinião da maioria dos intelectuais
da esquerda, essas reformas identificavam o governo Collor com a direita
neoliberal. Era uma visão equivocada, a não ser que se insista, como vem fazenda
a esquerda populista na América Latina, em identificar o neoliberalismo com o
conservadorismo e com reformas orientadas para o mercado. O neoliberalismo é
um fenômeno muito mais específico. É a ideologia da nova direita, do
neoconservadorismo. É uma forma radical de individualismo e de liberalismo,
contrária a qualquer tipo de intervenção do Estado no plano econômico e social.
O neoliberalismo é o velho liberalismo econômico atualizado pelas visões dos
intelectuais da escola austríaca (Hayek), da microeconomia monetarista e
neoclássica (Friedman e Lucas, respectivamente) e da escola da escolha racional
151
José Eduardo Faria, advogado e professor universitário, responsável por pesquisas que abordam o período
da democratização do país.
153
(Buchanan e Olson). É uma crítica, sob certos aspectos brilhantes, das distorções
a que foi sujeita a intervenção do Estado na economia. De como agentes
econômicos e políticos em busca de vantagens pessoais (rent seeking)) submetem
as políticas públicas a seus interesses particulares. Mas sua proposta de solução
do problema – retirar o Estado dos problemas econômicos e sociais – é
completamente irrealista. O neoliberalismo é o que Margareth Thatcher tentou,
sem sucesso, implementar na Inglaterra por onze anos. O neoliberalismo é o que
o governo Reagan apregoou ao invés de praticar, já que é impossível reduzir o
Estado ao mínimo e deixar a coordenação da economia exclusivamente para o
mercado. A experiência pretendidamente neoliberal de Reagan – na verdade um
mero episódio de política conservadora – afinal foi marcada por uma curiosa
mistura de políticas populistas e concentradoras de renda, que levaram a
economia americana à crise fiscal e agravaram seriamente os problemas sociais
do país” (1996, p. 188-9).
A partir de maio, a inflação já apresentava sinais de incremento, embora o
governo continuasse a insistir na transitoriedade do fenômeno, o que leva a uma queima
dos estoques de legitimidade do governo, e a oposição, particularmente o PT, passa a
estimular mobilização social.
A tabela 8 - Inflação mensal - 1990 (%).
MÊS %
Janeiro 74,53
Fevereiro 70,16
Março 79,11
Abril 20,19
Maio 8,53
Junho 11,70
Julho 11,31
Agosto 11,83
Setembro 13,13
Outubro 15,83
Novembro 18,56
Dezembro 16,03
Fonte: Bresser Pereira, 1996, p. 235.
Do ponto de vista da reforma burocrática, os planos eram de demitir mais de
20% de todo o funcionalismo (cerca de 350 mil num universo de 1,6 milhão), sendo 330
154
mil nas empresas estatais, especialmente bancos oficiais, e vinte mil na administração
direta, como forma de uma economia de recursos que transformasse o déficit fiscal em
conta corrente do governo de 8% em 1989 num superávit de 2% em 1990.
Como destacou Andrei & Arruda Sampaio:
“O Congresso não aprovou a criação de novos impostos e não encaminhou
rapidamente as reformas liberalizantes. A reforma administrativa não alcançou
seus objetivos de redução de pessoal, limitando-se a colocar em disponibilidade
120 mil servidores. Estes continuaram a receber seus salários, por decisão da
justiça, de forma que não houve economia relevante de recursos por meio deste
expediente, que só redundou em deterioração da qualidade do serviço público”
(1993)
O mês de maio foi realmente ruim para o governo Collor, no dia 29, “um juiz de
primeira instância de São Paulo determinou em sentença, a liberação de NCz$ 800 mil
de uma caderneta de poupança retida pelo confisco. Foi a primeira do gênero e segui-se
em breve por inúmeras outras por todo o país” (Rodrigues,2000,p.111)
No dia 31, do mesmo mês, o governo sofre, sua primeira derrota no
Congresso
152
, nas votações das MPs relativas ao pacote. Esta derrota foi consequência
da lentidão do governo na distribuição de cargos do segundo escalão nos ministérios,
autarquias e estatais.
Collor conseguiu, com seu estilo arrogante e autoritário, se indispor com
inúmeros setores capazes de algum grau de reação política, tais como: correntistas e
poupadores que perderam dinheiro, funcionários públicos ameaçados de demissão,
juristas boquiabertos com as bateladas de inconstitucionalidades das Medidas
Provisórias, decretos e portarias do plano, militares furiosos com a extinção do SNI,
parlamentares fisiológicos “prejudicados” pela ausência das nomeações exigidas.
Com a crise se agravando e suas medidas destinadas ao controle da inflação se
mostrando insuficientes, Collor passa a patrocinar um pacto social.
O ambiente para o governo era bastante negativo, as greves eclodiam uma após a
outra. De acordo com a revista Isto é Senhor:
152
Por 152 votos a 130 o Congresso derrubou a MP 185 que autorizava o Tribunal Superior do Trabalho
(TST) nos julgamentos de dissídios coletivos. O objetivo da medida, estabelecida pelo governo em
concomitância à decretação da “livre negociação” salarial, era conter a concessão de reajustes baseados na
estimativa das perdas salariais com inflação passada. Em resposta à decisão da justiça, o governo reeditou a
medida, sob o número 190 e com uma pequena alteração cosmética, propondo novamente a suspensão dos
dissídios (Rodrigues,2000,p. 111).
155
“Só em São Paulo, contabilizavam 250 mil trabalhadores parados, 65 mil dos
quais eram metalúrgicos (de Santo André, São Bernardo, Campinas e São José
dos campos). Ao mesmo tempo, somavam-se já 440 mil trabalhadores demitidos
na indústria em junho, na Grande São Paulo. No serviço público, os funcionários
da CEF entraram em greve exigindo as revisões das demissões de mais de 2500
funcionários concursados. Os petroleiros, do mesmo modo, condicionaram o
retorno à atividade à revisão das demissões na Petrobrás. Com o aumento das
pressões, o governo acabou cedendo em algum caso: após uma semana com 75
mil servidores da Eletrobrás em greve, o governo abriu mão das demissões na
empresa e concedeu reajuste de 51% aos funcionários” (17/06/90).
Com o recrudescimento da inflação a partir de junho e a aproximação das
eleições
153
dificultaram a concretização das pretensões do Executivo no campo salarial.
Em julho foi concedido um abono salarial equivalente a US$ 40 e instituiu-se, por
Medida Provisória, uma sistemática de correção anual de salários. No fim de agosto, o
Executivo recuou novamente e admitiu qualquer reajuste fora das datas base, desde que
regulado por acordo ou convenção de trabalho (Andrei e Arruda Sampaio, 1993, p. 23).
Neste ambiente de crise econômica, marcada por greve de trabalhadores e
recessão, o Instituto Datafolha divulga pesquisa em 04/07/90, que, contra a expectativa
positiva da ordem de 71% de dias antes da posse, Collor amargava agora uma
aprovação de 36% apenas.
O Plano Collor I apresentou como características, algumas inconsistências, que
com o passar dos tempos foram se agravando e inviabilizando o plano. Destacamos, por
exemplo, o voluntarismo político exacerbado, onde diversos elementos centrais do seu
desenho original foram esvaziados passadas poucas semanas de sua implementação.
Medidas fortes
154
foram propostas, sem levar em conta a necessidade de construir a
correlação de forças requerida para sua viabilização. O mesmo pode ser dito, com
relação às reformas liberalizantes, que não avançaram com a velocidade pretendida, e
com a tentativa de desregulamentar o mercado de trabalho para viabilizar uma maior
compressão dos salários.
Como afirma Andrei e Arruda Sampaio:
153
No segundo semestre de 1990 foram realizadas eleições para o Congresso Nacional, deputados e senadores
estavam em plena campanha. Em 1994 seriam unificadas as eleições para o Congresso Nacional, para os
governos dos estados e para a Presidência da República.
154
O bloqueio dos ativos financeiros, a venda maciça de Certificados de Privatização (CP) e a introdução do
conceito de capacidade de pagamento nas negociações externas.
156
“Os gestores da política econômica pareciam crer que seriam capazes de
implementar a agenda neoliberal não apenas confrontando os interesses dos
trabalhadores, mas também sem encaminhar uma negociação da distribuição de
perdas e da redefinição dos espaços econômicos no interior das elites
econômicas” (1993, p. 24)
3.5. Plano Collor II e a batalha pela Estabilização
A 31 de janeiro de 1991, antes que o Plano Collor completasse seu primeiro
aniversário, a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, ocupou rede nacional de
rádio e televisão para expor a população o mais novo pacote governamental, que ficaria
conhecido como Plano Collor II. Diante de uma inflação que, ao contrário das previsões
governamentais, ficaria em quase 20% em janeiro, o novo pacote buscava estabelecer
uma “trégua”: congelava preços e salários, baixava um “tarifaço” e promovia uma
dexindexação ampla da economia.
A repercussão do Plano Collor II foi bastante negativa, mais uma vez, o plano
foi concebido às escondidas, sem negociação e sem nenhuma discussão com a
sociedade. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), não gostou do
Plano e fez duras críticas ao congelamento de preços.
Mais uma vez surgiram criticas com relação a inconstitucionalidade e sobre o
autoritarismo das medidas adotadas pelo governo. Segundo Faria:
“Embora o governo mais uma vez tenha agido com base no artigo 62 da
Constituição, o qual [...] permite ao presidente da República editar medidas
provisórias com força de leis nos casos de ‘relevância e urgência’, o problema é
que tanto o espírito quanto o teor desse controle – ou dessa ‘trégua’ – colidiram
com pelo menos quatro dispositivos da Constituição de 1988: o inciso IV do
artigo 7°, que assegura a liberdade de negociação dos salários por meio de
dissídios, acordos e convenções coletivas; o inciso IV do artigo 170, segundo o
qual o Estado – como agente normativo, controlador e regulador da atividade
econômica – exerce funções de fiscalização, direção, promoção e planejamento
de modo ‘determinante para o setor público e indicativo para o setor privado’”
(Faria, 1993, p. 93-4).
157
O Plano Collor II representou uma intervenção de emergência para estancar o
descontrole inflacionário, ficando longe de uma tentativa de combate mais definitivo à
inflação e contando desde o início com um grau de credibilidade muito reduzido.
O governo, com uma base instável e fisiológica, teve grandes dificuldades para a
aprovação do Plano no Congresso Nacional. Para conseguir aprovar alguns pontos o
governo teve que se comprometer com a alteração de algumas medidas importantes
155
.
As medidas mais do Plano Collor II que tiveram efeitos mais relevantes e
duradouros foram as modificações no mercado financeiro: a criação da TR
156
, como
nova referência para operações financeiras (em substituição à indexação por índices de
preços), a extinção do “overnight” e dos fundos de curto prazo e a criação dos FAF.
“Destacamos ainda, outras medidas que foram tomadas com o intuito de reforçar
as finanças públicas: o congelamento da Tabela do IR-fonte; a proibição do
empenho de 90% dos recursos do orçamento (contingenciados no Ministério da
Economia); a tentativa de antecipação do início do ano fiscal seguinte para julho
daquele mesmo ano de1991, visando acelerar a entrada em vigor de uma reforma
tributária que o Governo pretendia encaminhar (a antecipação não foi aprovada
pelo Congresso); e a indexação dos tributos à TR (posteriormente desautorizada
pela Justiça, o que provocou fortes perdas de arrecadação em face da reaceleração
dos preços) (Andrei e Arruda Sampaio, 1993, p. 26).
Em março de 1991, o governo apresenta ao Congresso, o Programa de
Reconstrução Nacional
157
(PRN), que reunia as principais propostas de reforma
(redução) do Governo, tais como a redução do papel do Estado – como a implantação
do sistema de concessão de serviços públicos, a desregulamentação dos serviços
portuários e a redefinição dos monopólios da União -, de liberalização externa (como a
reformulação da legislação sobre capital estrangeiro) e de ajustes das contas públicas
(como a revisão da estabilidade no emprego de servidores públicos e diversas medidas
visando reforçar a arrecadação e o combate à sonegação).
O PRN visou organizar o discurso liberal hegemônico entre as elites e
credenciar o governo como catalisador da “modernização”.. Apesar da boa acolhida do
155
Para piorar a situação, nas eleições de 1990 para o governo dos estados, especialmente a derrota dos seus
candidatos nos maiores estados do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, etc...).
156
A criação da TR representava a substituição da inflação passada pela inflação futura enquanto indexador
financeiro, pois sua fixação basear-se-ia nos juros praticados pelo mercado.
157
O Programa de Reconstrução Nacional (PRN) ficou conhecido como “Projetão”, e era composto por sete
propostas de emenda constitucional e 42 projetos de lei, além de dez decretos.
158
PRN por parte dos meios de comunicação e nas principais entidades empresariais, o
programa pouco avançou no Congresso.
É neste momento que o Presidente Collor inicia um processo de mudanças
importantes em seu governo, com a saída da ministra Zélia Cardoso de Mello e com a
entrada do embaixador Marcílio Marques Moreira. Segundo Bresser Pereira, foi neste
momento que o presidente Collor iniciou “...uma segunda fase de seu governo, cujo
objetivo inicial era o de recuperar o apoio da sociedade civil, especialmente dos
empresários” (1996, p. 183).
O ministro da Economia Marcílio Marques Moreira embora bem visto pelo
empresariado e pela comunidade financeira internacional, não tinha vínculos partidários
explícitos, nem sua indicação partiu dos partidos próximos ao governo.
A entrada de Marcílio M. Moreira no ministério da Economia foi vista como
uma sinalização de reforço de orientação neoliberal da gestão econômica, bem como de
aproximação com os credores externos e os organismos financeiros internacionais.
Politicamente, representava uma postura menos imperial da adotada nos meses
anteriores, uma nova fase de relacionamento com os diversos atores sociais.
Tabela 9 - Indicadores econômicos 1990/1992
___________________________________________________________
Ano Crescimento do PIB (%) Inflação
___________________________________________________________
1990 - 4,3 1476,6
1991 0,3 480,2
1992 -0,8 1158,0
____________________________________________________________
Fonte: Confecção própria com dados extraídos do Banco Central do Brasil.
“Concomitantemente”, como afirmou Rodrigues, “ao anúncio do ‘Projetão’ e ao
lançamento da idéia de um ‘fórum’ no Congresso, porém, novas denúncias de
159
corrupção
158
no governo contribuíam para o ceticismo generalizado. Dessa vez o
envolvido era José Luitgard, colocado no Ministério da Educação por Paulo César
Farias, acusado de desviar as verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar
(FNDE)” (2000, p.146).
Tabela 10 - Setor externo da economia.- Brasil
(em milhões de dólares)
ANO EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO SALDO
1990 31414 20661 10753
1991 31620 21041 10579
1992 35793 20554 15239
Fonte: Confecção própria com dados extraídos do Banco Central do Brasil.
Nas tabelas anteriores percebemos, que do ponto de vista econômico, o
crescimento econômico foi pífio, onde em três anos, dois apresentaram decréscimo do
produto interno bruto e um único com crescimento econômico, mas medíocre, 0,3%. A
inflação, principal indicador de instabilidade macroeconômica da economia brasileira,
ainda estava descontrolada, beirando a hiperinflação.
O setor externo da economia, principalmente o balanço comercial, apresentava
indicadores positivos, com superávit comercial de US$ 15 bilhões.
A política de comércio exterior de Fernando Collor apresentava uma constante
tensão entre a modernidade e o retrocesso, ambas convivendo conjuntamente.
Vizentini definiu essa tensão da política comercial do governo Collor:
“A visão de Collor era uma volta ao século XIX, com medidas ultraliberais que
não foram praticadas de maneira ortodoxa nem mesmo nos países centrais do
158
Outras denúncias de corrupção eram feitas, o ex e o governador do Ceará, Tasso Jereissati e Ciro Gomes,
respectivamente, denunciaram que a empresa Sansuy intermediara verbas do Ministério da Ação Social para a
construção de cisternas em municípios cearenses. Em represália, o governo espalhou para a imprensa, que as
empresas do grupo Jereissati vinham sendo investigadas por sonegação (Revista Istoé Senhor, 20/03/91).
160
capitalismo. Enquanto o primeiro mundo buscava proteger-se dos concorrentes
(ainda que de forma indireta), o Brasil e o Terceiro Mundo, em geral, foram
obrigados a abrir seus mercados” (2003, p. 81).
A política externa do governo de Fernando Collor se caracterizou pela
aproximação com os Estados Unidos e por uma política mais centrada nas Américas,
afastando-se de sua anterior diplomacia mundial e multilateral (Vizentini, 2003, p. 81).
Essa aproximação com os Estados Unidos foi fundamental para a adoção das
políticas liberalizantes na economia e de abertura às proposições do Fundo Monetário
Internacional (FMI).
3.6. Transformações Políticas do Governo Collor
De novembro de 1989 à outubro de 1992, o país atravessou um período de
intensa mobilização política. Na primeira eleição direta para presidente da República
desde a instauração, 25 anos antes, de um regime militar no Brasil, a campanha de 89
iria refletir a expectativa do eleitorado, das lideranças políticas e da imprensa em torno
da escolha de um governo que, enfim legitimado pelas urnas, seria capaz de promover
as mudanças que a sociedade aguardava.
O Presidente Fernando Collor de Mello fez uso excessivo de Medidas
Provisórias em 1990, onde o governo editou mais 141 medidas
159
, o que provocou
grande descontentamento no Congresso Nacional, isso sem falar nos vários processos
judiciais
160
. Quando o Congresso deixa de aprovar as Medidas provisórias, o governo
passa a reeditá-las, o que provoca grandes controvérsias jurídicas obrigando o Supremo
Tribunal Federal a declarar esse procedimento ilegal no caso de medidas que haviam
159
O próprio programa de estabilização criado pelo presidente Fernando Collor de Mello, o Plano Collor, foi
feito via Medida Provisória, 16/03/1990, e seu uso excessivo acabou causando um grande mal estar entre o
Executivo e o Legislativo.
160
Dentre os processos judiciais podemos destacar aqueles ligados a implantação do Plano Collor, como o
gerado pelo confisco da poupança, feito com o Plano Collor (16/03/1990), onde muitos cidadãos se sentindo
prejudicados entraram na justiça em busca de reparações.
161
sido especificamente rejeitadas pelo Congresso Nacional. Essa controvérsia com o
Congresso leva o governo à praticamente abandonar esse instrumento em 1991, depois
de menos de um ano no cargo.
Collor foi eleito com uma plataforma de cunho neoliberal, suas propostas
privilegiavam a diminuição do papel do Estado na economia, privatizações e abertura
econômica.
Um pouco antes de tomar posse, o presidente eleito deu uma entrevista ao jornal O
Estado de São Paulo, que foi resumida desta maneira:
“A tônica mais forte da entrevista foi a redução da intervenção do Estado na
economia nacional... Para controlar a inflação e evitar a queda do salário real no
Brasil, Collor apresenta a receita de um orçamento mais equilibrado no qual não é
possível gastar mais do que se arrecada” (Volpon
161
, 2003, p.30)
Fernando Collor, ao contrário de José Sarney, acabava de ser eleito pelo povo, o
que lhe dava legitimidade para conduzir as transformações que a sociedade brasileira
almejava.
A situação da economia era bastante negativa, inflação descontrolada, na casa
dos 100% ao mês, dívida externa de US$ 170 bilhões e um déficit fiscal de 6,5% do
Produto Interno Bruto (PIB), tudo isso exigia medidas concretas para aliviar o cenário
econômico.
Em 15 de março de 1990, a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello,
anuncia as bases do chamado Plano Collor, congelamento por decreto de 70% de todo o
dinheiro disponível por 18 meses e tributando todos os depósitos pela incrível taxa de
8% de seu valor total, algo que transformou o congelamento em um confisco. O
objetivo destas medidas era evitar as pressões de consumo e retomar a capacidade do
Banco Central de fazer política monetária ativa, em vez de ficar à mercê do mercado
financeiro e da necessidade de rolar a dívida pública.
Outra medida adotada pelo governo Collor de Mello foi a reforma administrativa
e fiscal, que tinha como objetivo promover um ajuste fiscal da ordem de 10% do
Produto Interno Bruto, eliminando um déficit projetado de 8% do PIB e gerar um
161
Tony Volpon, economista brasileiro, especialista em mercado financeiro e em mercados emergentes com
passagens pelo Banco Safra e pelo Banco de Boston, no início dos anos 90 era operador da dívida externa
brasileira.
162
superávit de 2%. Esse ajuste se faria por meio da redução do custo de rolagem da dívida
pública, suspensão dos subsídios, incentivos fiscais e isenções, ampliação da base
tributária pela incorporação dos ganhos da agricultura, do setor exportador e dos ganhos
de capital nas bolsas, tributação das grandes fortunas, IOF extraordinário sobre o
estoque de ativos financeiros e fim do anonimato fiscal, mediante a proibição dos
cheques e das ações ao portador.
Destaca-se ainda o congelamento de preços e a desindexação dos salários em
relação à inflação passada, definindo uma nova regra de prefixação de preços e salários
que entrariam em vigor a partir de 01/05/90. A política cambial também sofreu
mudanças, sendo adotado um regime de taxas flutuantes definidas livremente pelo
mercado.
Outra mudança importante adotada foi no campo comercial, onde se inicia a
liberalização do comércio exterior (a chamada abertura comercial), com redução
qualitativa das tarifas de importação de uma média de 40% para menos de 20% em
quatro anos.
É importante salientar, que a sociedade reagiu bastante positivamente as medidas
adotadas pelo governo, onde muitos passaram a acreditar que o país estaria entrando
num ciclo de crescimento econômico e desenvolvimento moral, o que levou o Jornal do
Brasil a publicar a manchete “Collor anuncia a reforma moral do País”.
O Plano econômico adotado pelo governo, a aí estavam os maiores desafios,
revelou-se um paliativo para a inflação endêmica brasileira. Seu fracasso, em menos de
um ano, ironicamente veio reforçar a crença generalizada de que o Brasil era diferente.
Fórmulas econômicas experimentadas alhures simplesmente não se aplicavam ao Brasil.
Não era só no campo econômico que Collor de Mello encontrava dificuldades,
destacamos ainda, o comportamento da imprensa, que durante os governos militares foi
impedida pela censura de revelar notícias mais detalhada do poder, dentre elas casos de
corrupção. Com esta liberdade maior os jornalistas se sentiram mais estimulados a
buscarem, dentro do governo, questões mais detalhadas sobre denuncias de corrupção.
Neste momento, os meios de comunicações, os meios empresariais e sindicais e
nos partidos políticos, a percepção de que a corrupção tornara-se uma prática de
governo alastrou-se rapidamente.
163
Segundo Rodrigues:
“Os ‘anéis burocráticos’ que ganharam corpo com a combinação entre
industrialização e autoritarismo nos anos 70 é um exemplo de como a
desestruturação da dimensão pública do Estado pode ocasionar canais
privilegiados de acesso a grupos econômicos, os quais acabam por constituir-se
em ante-salas de práticas de corrupção. Essas, por sua vez, podem ter seu
caminho facilitado e sua incidência potencializada mediante duas condições: (a) a
presença de uma tradição personalista que tenda a diluir as fronteiras entre o
público e o privado e que ofereça às relações em questão um substrato ético
segundo o qual as práticas de corrupção são pensadas como trocas entre
indivíduos e grupos, escoradas nos valores tradicionais (compadrio, relações de
patronagem, etc); e (b) a erupção de crises econômicas que gerem um
escasseamento dos recursos públicos destinados a investimento, recursos que em
condições sociais como as brasileiras são objeto preferencial de desejo de
diversos grupos econômicos” (2000, p.159-60).
Como podemos notar, ambas as condições estavam dadas no Brasil do início dos
anos noventa, agravadas ainda, pela profunda crise de legitimidade que já atingia o
governo..
A situação política do governo era bastante delicada, que setores do PSDB e do
PMDB já articulavam a criação de um “movimento pela governabilidade”, onde
surgiram até idéias para uma “solução parlamentarista
162
”.
As acusações de corrupção no governo Collor se avolumavam, as ligações do
Presidente Collor e o seu ex-tesoureiro de campanha, Paulo César Cavalcante Farias
163
,
era motivo de inúmeras suspeitas, o que criava um clima de grande instabilidade.
O ex-tesoureiro de Fernando Collor tinha uma farta experiência na arrecadação
de recursos, como destacou Dias
164
, que na campanha:
162
As vozes que falavam em antecipação do parlamentarismo não o faziam obviamente por alguma
preferência abstrata por sistemas de governo, senão antes por conta da deterioração política do governo
Collor.
163
Paulo César, o PC, o principal personagem e mentor intelectual do esquema de corrupção, ex-seminarista,
ex-locutor de rádio, ex-vendedor de automóveis novos e usados, ex-advogado de júri, PC era um empresário
alagoano, não muito bem sucedido como empresário, mas dotado de muitos contatos importantes com
políticos e empresários e detentor de uma retórica fantástica, aparece no cenário nacional como tesoureiro de
campanha de Fernando Collor em 1989, quando este se candidata a presidência da República, mas a ligação
entre PC e Collor era antiga, começou quando Collor se candidatou e ganhou a eleição para governador de
Alagoas, neste momento PC foi o tesoureiro de sua campanha.
164
Maurício Dias, jornalista e historiador, com passagem por inúmeras redações de jornais e revistas do país,
entre eles: Jornal do Brasil, Revistas Veja, Isto é e atualmente na revista Carta Capital. Publicou recentemente
um livro sobre as relações entre o dinheiro e as eleições no Brasil, intitulado “A mentira das urnas”.
164
“...criou três categorias distintas de sócios, diferenciados por cotas individuais:
cinco empresários de US$ 5 milhões; 10 de US$ 3 milhões; e 20 de US$ 1
milhão. A soma significaria a arrecadação de US$ 75 milhões” (2004, p. 140).
Os negócios escusos de PC Farias e congêneres haviam florescidos sob a
opacidade do estilo governamental de tomada de decisões.
A saída de Zélia Cardoso de Mello
165
do ministério da Economia abriu espaço,
para que PC Farias indicasse para a presidência do Banco do Brasil, Lafayete Coutinho,
ficando na Caixa Econômica Federal, Álvaro Mendonça, aliado de PC Farias, Leopoldo
Collor e Roberto Marinho. O co-autor da indicação foi Antônio Carlos Magalhães,
desafeto declarado do ex-presidente do Banco do Brasil, Alberto Policaro (Rodrigues,
2000, p.167-8).
Nos meses seguintes, o Tribunal de Contas da União (TCU), publicou um
relatório colocando dúvidas sobre a lisura das contas publicas no primeiro ano de
mandato. O TCU destaca, neste relatório, o imenso número de processos de compras
sem licitação.
O clima era de inúmeras denúncias, a revista Isto é Senhor
166
revelou que, Pedro
Paulo Leoni Ramos, secretário de Assuntos Estratégicos, movimentava uma “conta
secreta” do governo, pelo qual circulavam cifras da ordem de US$ 65 milhões, sem
qualquer dotação orçamentária específica e sem qualquer autorização do Congresso.
Segundo a revista, Pedro Paulo, o PP, disputava palmo a palmo com PC Farias a
cobrança dos “pedágios” para a liberação de verbas públicas, que, segundo a imprensa,
haviam sido inflacionados da casa dos 10% para a dos 30% ou até 40%.
Outras denúncias apareciam, além das revistas semanais Veja e Isto é Senhor, os
jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo entre outros divulgavam todos os
dias novas denúncias. O Ministério da Agricultura cancelou licitação a ser feita pelo
INCRA, no valor de 21 bilhões de cruzeiros, por haver enormes evidências de fraudes.
O presidente da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara acusou o INCRA de
promover um prejuízo de pelo menos sete bilhões de cruzeiros aos cofres públicos,
numa transação que envolveria favorecimento às construtoras Tratex e Odebrecht.
165
Sempre foi nítida a queda de braço entre a ministra da economia, Zélia Cardoso de Mello e os
administradores de esquemas subterrâneos de corrupção.
166
A revista Isto é Senhor fez um importante trabalho de investigação jornalística, os dados descritos acima
foram extraídos da matéria “Negócios à meia luz”, 14/08/1991.
165
Em janeiro de 1992 o escândalo de corrupção atingia o primeiro escalão do
governo: o chamado “escândalo das bicicletas”, protagonizado pelo ministro da Saúde,
Alceni Guerra
167
(Rosa, 2003, p. 394). Segundo a denúncia, o ministro teria adquirido,
numa loja que não era do ramo, no Paraná, seu estado natal, um lote de milhares de
bicicletas para serem usadas no combate à epidemia de dengue, a preços superfaturados
(Rodrigues, 2000, p. 170).
A Revista Isto é Senhor retratou dessa forma o chamado “escândalo da
bicicleta”:
“A Fundação Nacional de Saúde, subordinada ao Ministério, adquiriu nas ‘Lojas
do Pedro’ 23,5 mil bicicletas Caloi a preços bem superiores ao de mercado,
pagando no total 3,3 bilhões de cruzeiros, quando a média de mercado estimada
seria de 2,3 bilhões. Esse um bilhão superfaturado, segundo as denúncias da
imprensa, somava-se a contratação irregular da construtora paranaense Masters,
para prestação de serviços de consultoria aos CIACs, sem licitação, por um valor
de dezoito bilhões de cruzeiros” (11/12/91).
Mas, dentre os problemas, o mais grave e de conseqüências mais perversas, tanto
para Collor quanto para PC Farias, estava por vir. Collor havia incentivado a entrada de
PC e seus irmãos no mercado de comunicações
168
de Alagoas, o que provocou a
contrariedade de Pedro Collor, irmão do Presidente, que gerou graves crises familiares
no clã dos Collor de Mello e contrapôs os irmãos Fernando e Pedro (Rodrigues, 2000,
p.171).
Outras denúncias estavam por vir à tona, dessa vez, o acusado foi o ministro do
Trabalho, Antonio Rogério Magri, que segundo um funcionário do INSS, recebera da
construtora Odebrecht uma propina de US$ 30 mil para apressar a liberação de verbas
167
É importante destacar que no episódio relacionado ao ex-Ministro da Saúde Alceni Guerra, foram
cometidos inúmeros equívocos e exageros por parte da imprensa, que massacrou o ex-ministro, levantando a
suspeita de que teria cometido irregularidades em sua gestão, mas que depois se comprovaram infundadas.
Tão infundadas que o “procurador-geral da República, Aristides Junqueira deu o seguinte parecer sobre o
assunto, ‘não há sequer indício de ilícito penal ao ser imputado ao então ministro da Saúde, Alceni Guerra’.O
inquérito foi encerrado. Um mês depois o STF mandou arquivar o processo. O despacho foi do
insuspeitíssimo ministro Paulo Brossard, oposicionista do governo a que servi e nada menos que meu
adversário político na época” (Rosa, 2003, p. 394).
168
A família Collor de Mello era proprietária da Gazeta de Alagoas, na época administrada por Pedro Collor.
PC Farias e seus irmãos compraram a Tribuna de Alagoas por US$ 4 milhões, e passou a concorrer com a
família de Collor. Neste momento Pedro Collor denuncia que o investimento feito por PC e seus irmãos era
incompatível com os rendimentos “oficiais” dos proprietários.
166
do FAT e do FGTS para a construção de obras cujas concorrências haviam sido
vencidas pela construtora, em especial a obra do “Canal da Maternidade”, em Rio
Branco, no Acre (Rodrigues, 2000, p.172)..
As sucessivas denúncias de irregularidades e corrupção, levaram o presidente a
recompor o ministério, dando mais poder ao PFL. Neste momento, foram substituídos
os ministros Antônio Rogério Magri e Margarida Procópio, em seus lugares assumiram
Reinhold Stephanes e Ricardo Fiúza
169
.
As coisas tomaram proporções gigantescas em 5 de maio de 1992, neste dia, o
irmão mais novo do presidente, Pedro
170
, em entrevista à revista Veja, denunciou o
esquema PC Farias e afirmou categoricamente que havia ligações diretas entre as ações
de PC e Collor. Ao amplificar o que parte da imprensa já noticiava desde o ano anterior
e adicionar a carga emocional de uma denúncia feita no próprio seio da família, Pedro
Collor deflagrava a crise que poria termo ao governo.
As acusações de Pedro Collor
171
foram acompanhadas por fitas de vídeo, onde o
denunciante fazia graves denúncias ao Presidente e a PC Farias. Segundo Pedro Collor,
PC Farias, atuando no governo, roubava, extorquia e corrompia, tendo como cacife sua
amizade com o Presidente.
O Vice-Presidente da República, Itamar Franco, defendia uma antecipação do
plebiscito, opinião que chegava também aos meios empresariais (Folha de São Paulo,
20/10/91).
Diante dessa manifestação, disseminava-se a sensação de que o governo era um
barco à deriva, sem rumo e sem perspectivas de sobrevivência.
Como ressaltou Skidmore:
“O irmão de Collor, Pedro, avisara que o preço para ele parar com suas denúncias
era que PC Farias abandonasse o plano de lançar em Alagoas, um jornal que
169
Ricardo Fiúza envolveria o governo em mais um escândalo: confessou ter recebido US$ 100 mil da
Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) para a sua campanha eleitoral (a doação era ilegal) e um jet ski
da empreiteira OAS.
170
Segundo Pedro, o irmão Fernando, em aliança com PC Farias, tentara por quatro vezes, pela compra de
ações ou buscando convencer a mãe, detentora de 75% do controle acionário da empresa familiar, tirar Pedro
do controle da administração. Sem sucesso, teria apoiado o projeto de montar empresa concorrente (Veja,
27/05/92).
171
Depois destas denúncias contra o presidente Fernando Collor de Mello, a família Collor de Mello destitui
Pedro da direção do Grupo Arnon de Mello, a justificativa usada foi de que Pedro apresentava graves
desequilíbrios emocionais.
167
competiria com o jornal da família Collor de Mello, agora administrado por
Pedro. Parece que Farias queria construir sua própria dinastia em Alagoas, tendo
o jornal como âncora. Seria Collor sócio desta nova dinastia – rivalizando com a
de sua própria família – ou seria ele incapaz de pressionar suficientemente PC
Farias a abandonar o plano? Ou, o que é mais provável, talvez ele erradamente
não acreditasse que o irmão fosse cumprir sua ameaça” (2000, p.37)
Pedro Collor declarou ainda para a revista Veja, na mesma entrevista, detalhes
de sua vida familiar. “Eu estive envolvido com drogas quando era jovem, induzido pelo
Fernando. Ele era um consumidor contumaz de cocaína e me induziu a cheirar, a aspirar
cocaína” (27/05/92).
Depois de tantas denúncias, a família Collor de Mello decidiu acusar Pedro
Collor de insanidade mental, o objetivo desta manobra era evitar a criação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as relações entre o presidente
Fernando Collor de Mello e o empresário Paulo César Cavalcante Farias.
No final de maio, a Polícia Federal abria, a pedido do Procurador-Geral,
Aristides Junqueira, inquérito
172
para apurar as denúncias de Pedro Collor.
A CPI ainda não tinha sido aprovada, mas as mobilizações da população em prol
da investigação eram constantes, tanto, que alguns partidos, que até então se
encontravam indecisos com relação a criação de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito, PMDB e PSDB, romperam com o governo e passaram a trabalhar pela
implantação da comissão. A CPI foi aprovada e teve, depois de negociações
173
, como
presidente o deputado Benito Gama (PFL) e como relator o Senador Amir Lando
(PMDB).
Depois de instalada, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) iniciou seus
trabalhos convocando Pedro Collor de Mello, que reitera suas declarações anteriores,
dizendo ter alertado Cláudio Humberto, na época secretário de Collor, sobre a rede de
influências, corrupção e extorsão montada no governo por PC Farias, mas ressalvou não
172
A investigação envolveria, além de Paulo César Cavalcante Farias, a ex-ministra da Economia Zélia
Cardoso de Mello e o piloto Jorge Bandeira de Mello, todos acusados de participarem dos desvios de recursos
públicos e das negociatas dentro do governo.
173
É importante destacar a declaração do deputado Luís Eduardo Magalhães (deputado federal/ PFL-BA e
líder do partido na Câmara dos Deputados, filho de Antônio Carlos Magalhães, aliado do presidente Fernando
Collor) sobre o interesse na troca dos cargos da comissão: “se eu tiver maioria na Comissão, derrubo o
relatório do relator. Se for minoria não aprovo nem o meu próprio relatório. Tendo a presidência tenho quem
convoca para depor, quem marca as reuniões, quem faz a pauta, quem faz e acontece” (Folha de São Paulo,
31/05/92)..
168
saber se o presidente tinha conhecimento das denúncias. No seu depoimento, Pedro
Collor não estabeleceu vinculação entre o presidente Collor e o empresário PC Farias.
O depoimento de PC foi mais interessante e deu um alento às investigações,
como registrou Rodrigues:
“Além de reconhecer seu envolvimento em fraudes eleitorais, PC
admitiu a prática de tráfico de influência – duas irregularidades que atingiam o
governo federal. O empresário classificou-se como ‘coordenador financeiro’ da
campanha de Collor à presidência e reconheceu que atuava para favorecer
interesses privados junto à administração pública. Ao revelar a existência de um
’Caixa 2’ por onde circularam milhões de dólares na campanha de Collor em
1989, PC parecia emitir sinais ao presidente de que não venderia barato seu
‘sacrifício’” (Rodrigues, 2000,p.189).
As denúncias não pararam, o primeiro empresário a denunciar o esquema PC
Farias, foi Takeshi Imai, dono da fábrica de implementos agrícolas Hatsuta. A
confirmação vinha no dia seguinte, quando, José Maria da Fonseca, dono da From
Brazil, confirmava a existência de um esquema de extorsão e tráfico de influência no
Ministério da Saúde.
Do ponto de vista político, a situação era bastante confusa e tensa, onde o
parlamento estava dividido entre três grupos de parlamentares: O primeiro grupo ficou
conhecido como o “esquadrão da morte
174
” ou “tropa de choque
175
” do governo, que
apoiavam o presidente Collor e faziam esforços constantes para evitar que as denúncias
atingissem o governo. O segundo grupo, a chamada “tropa de choque
176
” da oposição,
se concentrava numa implacável busca de provas para demonstrar o esquema armado
por Pc Farias e o presidente Collor de Mello; o terceiro grupo era formado pela “turma
do direito
177
”, uma espécie de maioria silenciosa composta de parlamentares de todos os
174
Faziam parte deste grupo, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e os senadores Odacir Soares (PFL-RO)
e Ney Maranhão (PRN-PE).
175
É importante destacar, que Roberto Jefferson foi um dos grandes nomes do grupo do presidente Fernando
Collor, e no governo de Luís Inácio Lula da Silva, iniciado em 2003 se aliou com o governo, e depois, foi
responsável pelas denúncias iniciais que deixaram o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) em uma
situação muito difícil (FSP, 06/06/2005)).
176
Composta pelo Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e pelo deputado José Dirceu (PT-SP), que fazia
oposição sistemática ao presidente Collor, e por um outro grupo mais moderado composta pelos
parlamentares Mendes Thame, Pedro Simon, Odacir Klein, Sigmaringa Seixas, Jamil Haddad, Wilson Muller
e Antônio Mariz.
177
Integravam o grupo, os senadores Esperidião Amin (PDS-SC) e Iram Saraiva (PMDB-GO), e os deputados
Miro Teixeira (PDT-PJ), José Múcio (PFL-PE), Marcelo Barbieri (PMDB-SP) e Dario Pereira (PFL-RN).
169
partidos, que se bandeava cada vez mais para apoiar as propostas que o Palácio temia, à
medida que os depoimentos avançavam.
A sociedade civil se organizava com o objetivo de pedir o impeachment do
presidente Collor, caso a CPI comprovasse irregularidades e a conivência de Collor.
Dentre as instituições que pressionavam pela investigação, destacamos o papel da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI),
que tiveram papel fundamental na organização da sociedade civil.
Mas, as denúncias não terminaram, no final do mês de junho
178
, a revista Isto é
publicou uma entrevista com o motorista Francisco Eriberto Freire França, que havia
estado a serviço do presidente Fernando Collor, que revelou a existência de ligações
pecuniárias diretas entre o presidente Fernando Collor e o empresário PC Farias.
Segundo o motorista, “PC pagava as contas da Casa da Dinda
179
, através de sua
empresa, Brazil Jet: a secretária particular do presidente, Ana Acioli, pagaria os
empregados da Casa da Dinda e despesas da primeira-dama, Rosane Collor, com
dinheiro obtido de PC” (Rodrigues, 2000, p.195).
Neste clima de denúncias, surgem mais uma, o ex-presidente da Petrobrás, Luiz
Octávio da Motta Veiga, disse, em seu depoimento na CPI, no dia 29 de junho de 1992,
que o empresário Paulo César Farias circulava com desenvoltura em alguns setores do
governo, entre os quais a Caixa Econômica Federal, e reafirmou que a fonte de seu
poder era o presidente Fernando Collor de Mello (Rodrigues, 2000, p. 195-6).
A situação era tão adversa para o presidente Collor, que em nome da
“governabilidade”, o jornal Folha de São Paulo, publicou, em editorial, no dia 30 de
junho, um artigo pedindo a renúncia de Collor.
“Nenhuma atitude, exceto a renúncia [...]. Trata-se da única alternativa
capaz de assegurar de imediato a governabilidade do país. A crise chegou ao seu
ponto extremo. Não é por oposicionismo sistemático que esta Folha vê na
renúncia do presidente um imperativo político incontornável. Às primeiras
revelações de irregularidades no governo Collor, feitas pela Folha, segue-se, hoje,
178
A entrevista feita pela Revista Isto é com o motorista do presidente Fernando Collor, Francisco Eriberto
Freire França começa a circular no dia 27/06/1992, mas sai com data de 1• de julho de 1992. Mais ou menos
treze anos depois desta entrevista, outra entrevista abala o sistema político brasileiro, o entrevistado era o
Deputado Roberto Jefferson (PTB/RJ) aliado do atual presidente Luís Inácio Lula da Silva, onde denuncia,
que o governo paga um “mensalão” para deputados da base aliada, recebendo como contrapartida votos
favoráveis no parlamento.
179
Residência familiar do presidente Fernando Collor de Mello.
170
uma verdadeira avalanche de denúncias e evidências, veiculadas por praticamente
todos os órgãos de opinião; imerso no escândalo, o Executivo perdeu o crédito da
sociedade. Collor não consegue mais governar. Que renuncie [...], o país precisa
de governo. Precisa de um presidente. Já deixou de reconhecer em Fernando
Collor de Mello uma figura capaz de atender a essa necessidade. A superação da
crise exige sua renúncia” (Folha de São Paulo, 30/06/92).
3.7. O Movimento “Fora Collor” e o Impeachment
A situação política era de intensa instabilidade, onde, os grupos políticos se
organizavam para defender seus interesses, o governo mobilizando seus instrumentos de
“persuasão”, marcados pelo fisiologismo e o clientelismo
180
, tentavam cooptar
parlamentares para reverter a situação que se encontrava. De outro lado, a oposição,
mobilizando forças e buscando instrumentos legais para garantir o Impeachment do
presidente Fernando Collor de Mello.
Neste instante, a população emerge como uma força fundamental, num
movimento, que ficara conhecido como “Fora Collor”, onde os manifestantes se
organizam em torno da bandeira da “ética na política”.
Em julho de 1992, em Porto Alegre, iniciam-se as manifestações, com a
“Caminhada contra a Corrupção”, organizada por partidos políticos e sindicatos.
Estas manifestações se alastram pelo país no mês de julho, Belo Horizonte,
Belém, João Pessoa e São Paulo, todos exigindo o Impeachment do presidente Fernando
Collor.
Neste momento, as pesquisas mostravam que 62% dos deputados estariam
dispostos a processar o presidente caso a CPI confirmasse as irregularidades
denunciadas (Folha de São Paulo, 12/07/92).
As investigações continuavam e as provas de corrupção surgiam naturalmente,
com o depoimento das secretárias particulares de Collor, o esquema ia sendo revelado, o
que incriminava ainda mais o presidente, ligando-o diretamente ao empresário PC
180
No momento mais delicado do governo Fernando Collor, onde a população estava bastante agitada
pedindo a condenação, o presidente iniciou um período de intensa distribuição de cargos e nomeações para
empresas estatais, tentando cooptar parlamentares para evitar a sua cassação.
171
Farias. O governo usava métodos espúrios
181
para obstruir as investigações, e com isso,
impedir que as investigações avançassem.
A situação se complicou quando foram encontrados cheques que comprovavam
o pagamento feito por empresas de PC Farias a pessoas ligadas ao presidente Fernando
Collor, entre elas, a primeira-dama, Rosane Collor, a mãe do presidente D. Leda, o ex-
secretário Cláudio Vieira, e o ex-porta-voz, Cláudio Humberto. Estas informações
foram dadas, inicialmente, pelo motorista Francisco Eriberto França, indicando até o
banco onde os pagamentos eram feitos (Rodrigues, 2000, p. 195).
Estas descobertas motivaram o deputado Antonio Delfim Neto, a escrever um
artigo no jornal Folha de São Paulo, onde sentenciou: “O governo acabou” (FSP,
28/06/92).
É interessante notar que foi Fernando Collor de Mello quem determinou a
mudanças das regras bancárias sobre o preenchimento de cheques como destacou
Skidmore:
“Recapitulando, a presidência de Collor, tem-se a impressão de que ele já trilhava
a algum tempo o caminho da autodestruição política. Especialmente, depois da
votação de 1992, autorizando uma comissão parlamentar para investigar as
acusações contra ele, parecia que Collor seguia um roteiro feito só de erros e
gafes, a começar pela decisão, em 1990, de mudar as regras bancárias sobre o
preenchimento de cheques. Anteriormente, os brasileiros podiam emitir cheques
ao portador, o que significava que não havia registro de quem os recebera. O
governo recém eleito de Collor eliminou esse costume, exigindo que dali em
diante, os favorecidos fossem nomeados nos cheques. Essa mudança voltou para
assombrar o presidente quando a comissão parlamentar de inquérito conseguiu
quebrar o sigilo bancário. Entre os 40 mil cheques examinados, havia alguns
emitidos por empresas de PC Farias a favor de Collor (para um carro, para o
“Jardim da Babilônia” em sua casa, etc.) (2000,p.37).
À medida que a investigação se desenvolvia, parecia que o empresário Paulo
César Cavalcante Farias fora extremamente descuidado em deixar tamanho rastro de
provas, algo impensável para quem pratica a corrupção em larga escala. Isto
181
O método usado pelo governo para postergar as investigações era o atraso na liberação de documentos e o
adiamento de prazos, por parte do Banco Central, além de tentar impor, um “recesso branco” ao Congresso, e
até mesmo, usaram, como tática, forjar a fuga de depoentes da CPI. O jornal Folha de São Paulo publicou
inúmeras matérias mostrando a tática do governo Collor para cooptar deputados neste momento difícil: “O
presidente Collor distribuiu ontem cerca de Cr$ 177,5 bilhões em verbas em uma cerimônia com 11
governadores” (09/07/1992) ou “O governo vai abrir mais uma vez seus cofres hoje” através de “convênio
entre a Secretaria de Desenvolvimento Regional e os governos estaduais das regiões Norte e Centro-Oeste”
(15/09/1992).
172
demonstrava ainda, uma despreocupação com a punição e um excesso de confiança no
esquema desenvolvido para desviar recursos públicos para seus interesses privados.
Outras denúncias apareciam todos os dias nos meios de comunicação, como a
descoberta por parte da Receita Federal, de provas de que a Brazil Jet, de PC Farias,
pagara serviços da CBrazil’s Garden, empresa que fizera a reforma dos jardins da Casa
da Dinda (Rodrigues, 2000, p.208).
A Folha de São Paulo publica, na edição de 26-27 de julho de 1992, uma
pesquisa realizada em dez capitais, onde a população ainda via com alguma hesitação o
afastamento de Collor e com certa descrença as investigações da CPI: 38% dos
entrevistados queriam a renúncia de Collor e 39% defendiam a permanência do
presidente no cargo. Sobre a CPI, 25% achavam que a Comissão investigaria as
denúncias até o fim e 66% achavam que a CPI faria apenas uma encenação, sem chegar
a qualquer resultado.
No final de julho, outras denúncias sobre a ligação entre o presidente Collor e o
empresário PC Farias vieram à tona. Em depoimento a CPI, Cláudio Vieira afirmava
que os depósitos efetuados na conta do presidente eram provenientes de um empréstimo
de US$ 3,75 milhões tomados no Uruguai por ocasião da campanha eleitoral, e que teria
sido convertido em ouro quando de sua entrada no Brasil. Era a chamada “Operação
Uruguai”. A operação era completamente inverossímil, e os membros da CPI deram um
prazo de 72 horas para que a operação fosse comprovada
182
, coisa que não aconteceu.
As denúncias criavam graves problemas ao governo. Neste momento, o único
partido que continuava apoiando o governo era o PFL, mas mesmo assim, com 70% do
parlamentares, os outros 30% abandonaram o presidente. Para segurar a bancada, “o
presidente se viu na necessidade de recrudescer a concessão de favores, a despeito da
resistência do Ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira. Já na segunda semana de
agosto, o Ministério dos Transportes e Comunicações divulgou cinco editais para
concessão de emissoras de rádio e televisão no Maranhão e Santa Catarina, as primeiras
de um lote maior destinado à caça de votos na Câmara” (Rodrigues, 2000, p.213).
182
Além de não comprovar a operação, dizendo não ter registros, Vieira ainda acabou sendo envolvido num
incrível episódio de lavagem de dinheiro, supostamente feito com auxílio de doleiros, falsários e
contrabandistas (Isto é, 05/08/92).
173
As manifestações do “Fora Collor” da população se intensificavam, o mês de
agosto foi repleto de passeatas, mobilizações e atos pelo Impeachment do presidente.
Em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Curitiba, São José dos Campos, São Paulo,
Fortaleza, e outras cidades, a população se mobilizava exigindo “Ética na Política” e
entoando o “Fora Collor”.Um dos grupos mais representativo foi o formado pelos
estudantes, chamados de “caras pintadas”, que reuniu um grupo grande de estudantes de
todas as idades, oriundos de escolas públicas e privadas e de todas as regiões, que se
uniram com um único compromisso, a destituição de Fernando Collor de Mello,
presidente eleito em 1989, cujo governo estava envolto em corrupção.
O presidente perdia apoio todos os instantes, até os mais “leais” foram o
abandonando, depois que começaram a perceber que a população exigia o Impeachment
de Collor. Partidos até então leais ao presidente, como o PSC, o PDS, o PL e PDT
começaram a abandonar o governo. A opinião pública, segundo pesquisa do jornal
Folha de São Paulo publicada em agosto de 1992, 70% dos entrevistados queriam o
afastamento de Collor, mas apenas 31% acreditavam que o Congresso aprovasse o
Impeachment
Desesperado e sem apoio popular, o presidente comete um grave equívoco, o
que deu grande energia aos manifestantes contrários ao seu governo. Collor convoca a
população a usar as cores verde e amarela, como forma de defender o governo e
rechaçar as denúncias feitas contra seu governo pela CPI.
A convocação de Collor teve impacto adverso na população, que estimuladas
pelo clima de indignação e repulsa ao governo adotou medida contrária.
O jornal Folha de São Paulo, em seu editorial, propõe que a população usasse
outra cor como forma de manifestação ao pedido do presidente:
“Os símbolos nacionais que foram levantados pela população nos grandes
momentos de mobilização cívica e de luta pela democracia viram-se se usurpados
por um presidente sem condições políticas para governar [...] O presidente Collor
já esgotou todas as reservas de credibilidade que poderia possuir junto à
população, [...] Lança-se ao delírio, à histeria, à provocação. Recorre à bandeira
nacional para defender a continuidade insuportável de uma crise, [...] Generaliza-
se a idéia de usar cor negra como expressão de descontentamento, do protesto, da
rebeldia, contra um governo desmoralizado. [...] Mais do que isso, trata-se de
enunciar o sentimento que predomina neste instante: o luto (Folha de São Paulo,
15/08/1992).
174
No dia 16, a população foi para as ruas usando o negro, o que ficou conhecido
como o “domingo negro”. Segundo o Datafolha, em pesquisa divulgada no dia
16/07/1992, apenas 5% dos que foram as ruas, usaram as cores nacionais, o que
demonstrava que o presidente estava totalmente desacreditado pela população, o que
levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a decidir por unanimidade que a
entidade encabeçaria o encaminhamento de um pedido formal de Impeachment contra o
presidente, que seria baseado no relatório da CPI.
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito foi aprovado em 26 de
agosto de 1992, por 16 votos favoráveis e 5 contrários. O relatório descrevia, em
detalhes, as relações entre o presidente Fernando Collor e o empresário PC Farias,
incriminava o presidente e abria a possibilidade de instauração de um processo de
Impeachment.
Aprovado o relatório, inicia-se a tramitação na Câmara dos Deputados, o pedido
de Impeachment do presidente Fernando Collor de Mello.
As baixas se acentuavam, o que obrigou Collor a assumir pessoalmente as
negociações com os parlamentares, aumentando o fisiologismo e a troca de favores.
Mas parecia que a situação era irreversível, o apoio ao governo criava graves
constrangimentos com os eleitores, o que evitava que os parlamentares ficassem do lado
do presidente.
As passeatas eram cada vez maiores, UNE, CUT, OAB, ABI, CNBB e outras
instituições
183
, promoviam constantes mobilizações em prol do Impeachment de Collor.
Até em Nova York
184
, “brasileiros residentes nos Estados Unidos fizeram na véspera do
Dia da Independência um ato contra o governo Collor, onde os manifestantes, alguns
vestidos de preto, promoveram o enterro simbólico do presidente” (Rodrigues, 2000,
p.234).
Depois de muitas discussões jurídicas quanto a forma de votação, em 29 de
Setembro de 1992, em decisão inédita, o presidente Fernando Collor de Mello, foi
183
União Nacional dos Estudantes, Central Única dos Trabalhadores, Ordem dos Advogados do Brasil,
Associação Brasileira de Imprensa e Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
184
Em Lisboa, Portugal, cidadãos brasileiros organizaram algumas manifestações em frente à embaixada
brasileira.
175
afastado pelo Congresso Nacional, por esmagadora maioria: 441 votos a favor, 38
contra, uma abstenção e 23 ausências.
Durante aproximadamente 60 dias, o presidente tentou cancelar a decisão, mas
não teve sucesso, o que o levou a renunciar ao cargo de Presidente da República em 29
de dezembro, como forma de evitar que o processo de Impeachment fosse votado no
Senado, deixando intocados seus direitos políticos, mas por 73 votos contra oito, os
senadores decidiram prosseguir com o julgamento. Na madrugada do dia 30, o ex-
presidente teve cassado, por 76 votos contra três, seus direitos políticos, tornando-se
inelegível por oito anos.
Pelo noticiário
185
, o brasileiro passou a reconhecer novas identidades, assistiu à
criação de grupos e coletividades que – seja no plano factual ou no plano imaginário –
tomavam parte nesse embate de discursos e ideologias. “Marajás” e “descamisados”,
“colloridos” e “caras-pintadas” povoaram o noticiário e os debates políticos. Marajá
passou a significar na mídia o funcionário público privilegiado, combatido por Collor,
enquanto descamisados eram os que formavam a massa de excluídos a quem ele
prometia o ingresso no chamado Primeiro Mundo. O adjetivo collorido passou a ser
usado na imprensa com nova grafia (o duplo ll, em analogia ao sobrenome do
presidente) para identificar os que defendiam a subida e depois a permanência de Collor
no poder. E cara-pintada passou a designar uma categoria específica
186
, dentre aqueles
que pediam o impeachment, com faixa etária, estética e comportamentos diferenciados
dos demais participantes dos protestos nas ruas.
É evidente que a mobilização das forças políticas contra e a favor de Collor de
Mello, as manifestações populares, assim como os trabalhos da Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) e o julgamento político que levaram ao seu afastamento, ocupam um
lugar na memória do brasileiro que hoje é adulto.
185
Alguns jornalistas se destacaram muito no período, como Gustavo Krieger, Luiz Antônio Novaes e Tales
Faria, todos do jornal Folha de São Paulo e que mais tarde publicariam o livro “Todos os sócios do
presidente”, onde descrevem as relações corruptas no período. Ricardo Noblat, do Jornal do Brasil (JB), que
a dois dias da eleição de Collor publicou um artigo intitulado “Vale tudo para ganhar”, onde escreveu “(ele) é
um político capaz de fazer qualquer coisa, mas qualquer coisa mesmo para alcançar seus objetivos. Releva
aspectos morais e éticos, desrespeita costumes e atropela princípios para obter o que deseja. Pode conseguir se
eleger presidente da República assim. Mas que tipo de presidente será?” (Noblat, 2004, p.153). Depois deste
artigo, o jornalista foi demitido....
186
De estudantes que não se conformam mais com as práticas de corrupção existentes na sociedade brasileira,
e, havendo necessidade, vão para as ruas em busca de seus direitos como cidadãos.
176
Duas representações sociais tiveram função diversa em relação a Collor. A dos
marajás foi criada no momento da sua ascensão, enquanto a dos caras-pintadas marcou
a sua queda. Os marajás foram popularizados por força do discurso de Collor, pelo seu
empenho – em concurso com o das empresas de mídia. Já os caras-pintadas tomaram as
ruas e as primeiras páginas à sua revelia, contra os seus interesses.
O principal trunfo que levou Collor à Presidência da República aos 41 anos de
idade foi o vazio político e a falência das instituições partidárias ao final da chamada
Nova República. Sua popularidade cresceu imersa em um caldo de cultura formado pela
desilusão popular com a classe política. As condições eram ideais para o surgimento de
um nome novo, um personagem que representasse o moderno e pudesse ser mostrado ao
eleitorado como uma opção inteiramente diferente daquela que havia sido cogitada até
então. É interessante destacar ainda, que Collor era um out-side, não estava diretamente
ligado ao sistema política tradicional, não era um político de dimensões nacionais, como
Lula. Como um out-side, seu fim foi único.
Para ocupar esse espaço aberto à sua medida, Collor precisava da mídia. E a
grande imprensa, por seu lado, precisava de Collor. Não dele, especificamente, mas de
um personagem capaz de empolgar o eleitorado em torno de uma agenda de reformas
inspirada pela onda neoliberal que se espalhava pelos continentes. Da agenda faziam
parte a redução do papel do estado na economia, a liberalização do fluxo de capitais, a
abertura para as importações, a flexibilização das leis trabalhistas. Com esse ideário
estavam sintonizadas as grandes empresas de mídia, entre elas as Organizações Globo.
Os marajás de Collor eram o melhor caminho para alcançar esses objetivos. No
entanto, os dois projetos – o de Collor e o da grande imprensa – não se confundiram de
imediato. Em um primeiro momento, o personagem foi acolhido por O Globo e outros
veículos de abrangência nacional como um eficiente garoto-propaganda daquele ideário.
Mas isso não significava, em 1987, uma adesão incondicional da grande imprensa ao
projeto pessoal do político alagoano, de chegar ao Planalto.
177
3.8. As causas do fracasso de Fernando Collor de Mello
Com a queda de Fernando Collor da Presidência da República, chegava ao fim
um estilo despótico de governar, autoritário, caracterizado pelo estilo oligárquico, pela
subsunção dos espaços públicos aos domínios privados que impusera com a prática
predatória de poucos favoritos sobre o erário e pelo desprezo ostensivo para com as
garantias constitucionais; um governo provinciano, como o demonstrara a truculência
política dos próceres da “República de Alagoas”
187
(Rodrigues, 2000, p.243).
É importante destacar, que Fernando Collor não era nenhum estranho à política,
apesar de tentar se apresentar como tal. Tanto em suas qualidades, quanto em seus
defeitos, era um autêntico fruto da cultura política brasileira. Como descreve Skidmore:
“A família de seu pai era de Alagoas, um dos estados mais pobres do
empobrecido Nordeste. A família era um estereótipo das oligarquias regionais
nordestinas que se haviam enriquecido com a cultura do açúcar, embora
dependente há décadas dos subsídios do governo federal, ao mesmo tempo em
que continuavam a política e a economia de seus estados”. (2000, p. 25)
Fernando Collor era fruto de um sistema político degradado e ineficaz, sua
capacidade de trocar tão prontamente de partido constituía mais uma prova de que ele
era um autêntico produto do sistema. Collor aproveitou muito bem o sistema político
brasileiro, a troca constante de partidos visava aumentar seu tempo de exposição
188
no
rádio e na TV. Fernando Collor explorou muito bem a imagem de messias político,
como milagreiro que iria acabar com a corrupção, modernizaria a economia e prepararia
o país para os desafios dos anos futuros.
Faltava ao país à época uma tradição democrática, pois, desde 1945, somente
dois presidentes eleitos por voto direto terminaram seus mandatos.
187
O termo “República de Alagoas” passou a ser usado com grande freqüência pela mídia no período de
Fernando Collor, isto porque ao chegar a presidência da República, Collor levou para o governo federal
muitas pessoas oriundas de Alagoas, inclusive muitas que tinham participado de seu governo, quando Collor
foi governador do estado.
188
A legislação brasileira concedia tempo livre no rádio e na TV a todos os partidos, até mesmo aos mínimos,
a partir daí, Collor comprava com dinheiro o tempo de vários partidos pequenos, em sua maioria
desconhecidos.
178
A boa aparência de Collor, tão falada na campanha eleitoral, não conseguia
esconder uma atitude arrogante própria de uma fase anterior da política brasileira. Esse
atributo é comum entre as personalidades públicas, mas Collor não se esforçava por
escondê-lo. Estava habituado a fazer poucas concessões ao lidar com outros políticos.
Parecia a encarnação moderna do infame “coronel” da política nordestina, acostumado a
mandar, ao invés de negociar (Skidmore, 2000, p.35).
O governo de Fernando Collor
189
foi marcado constantemente pelo confronto,
além da forma inábil de negociar no Congresso e de tratar as negociações políticas,
fruto de sua visão autoritária, o governo apresentava Cláudio Humberto
190
como porta-
voz da presidência. Seu estilo era marcado pelo conflito e pela turbulência, um padrão
“anormal” para o cargo. Seu linguajar era ofensivo
191
, com ataques pessoais aos
jornalistas e seus editores, tudo isso, tinha como pano de fundo, a falta de critério do
presidente, criando uma atmosfera pesada para o debate público.
Como destaca Silva, o processo de Impeachment do ex-presidente Collor
evidenciou que existe algum estoque de energia cívica na sociedade brasileira. No
entanto, não se pode cair em ilusões: tal processo foi fundamentalmente conduzido pela
conjuntura política e econômica
192
(2001, p. 100).
Dias destaca um dos mais graves equívocos cometidos pelo presidente Fernando
Collor de Mello, que ao dar muito poder ao seu tesoureiro de campanha, este começou a
se movimentar nos meandros empresariais e políticos de forma pouco sutil e deixando
muitas pegadas, fáceis de serem rastreadas em futuras investigações. PC Farias:
189
“O governo Collor teve como característica interessante, o fato de tentar trazer Alagoas para Brasília. Todo
presidente traz amigos e auxiliares de seu estado natal, no entanto, Alagoas é um pobre estado nordestino que
encarna a política ao velho estilo, vista com condescendência pelos brasileiros do Centro-Sul mais
desenvolvido. Collor não percebeu que era preciso atenuar o ar provinciano de seu governo para tornar-se
politicamente eficaz em escala nacional. Poderia ter seguido o exemplo de seu antecessor, José Sarney,
oriundo do igualmente pobre estado nordestino do Maranhão. Sarney foi muito mais cuidadoso com suas
relações públicas, especialmente nos primeiros anos de seu governo, e, ao contrário de Collor, mostrara
perante o público e os demais políticos um temperamento muito mais conciliador” (Skidmore, 2000, p.36).
190
Cláudio Humberto estava diretamente envolvido no esquema montado pelo presidente Collor no Palácio
do Planalto, com extorsões de recursos e enriquecimento ilícito.
191
O destempero verbal do porta-voz da presidência era tamanho, que chamou o presidente da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), de “coronel do empresariado”.
192
A Operação Mãos Limpas na Itália, na década de 80, revelou que a atuação persistente e contínua de
grupos organizados na sociedade civil e uma disposição forte do Judiciário são fatores importantes para o
combate à corrupção. A sociedade precisa estar realmente disposta a reformas profundas na maneira pela qual
se relaciona com o governo (Silva, 2001, p.100).
179
“Operava com muita voracidade e, geralmente, sem a costumeira sutileza com que o
assunto é tratado” (2004, p. 134).
Com o final do governo Collor, algumas lições podem ser tiradas deste triste
período da história brasileira. Primeira, que o sistema político deve ser reformado, com
o objetivo de se criar um sistema com menos partidos políticos e muito mais disciplina e
responsabilidade partidárias. Destacamos ainda, como fator positivo, o primeiro passo
para transformar a economia “voltada para dentro” numa economia competitiva em
termos mundiais, baixando as tarifas
193
, abolindo subsídios governamentais às indústrias
e promovendo a competição entre as empresas que produziam para o mercado interno.
Collor introduziu uma nova agenda para o país, adotando a privatização de empresas
estatais e iniciando uma ampla reforma do Estado, além da diminuição dos funcionários
públicos, inchado nos governos anteriores.
Com relação aos problemas deixados como herança do período Collor, podemos
destacar, no campo econômico e no campo social, no primeiro havia se tornado bastante
evidentes, com inflação em descontrole, competitividade defasada, investimentos
insuficientes, infra-estrutura decadente e aumento da falência de empresas, vítimas da
violenta abertura da economia. No campo social, as conseqüências não eram das
melhores, escalada do crime nas ruas, índices persistentemente elevados de
analfabetismo e péssima situação do sistema de saúde e uma das piores distribuições de
renda do mundo. Além dos problemas econômicos e sociais, destacamos as
conseqüências psicológicas, tais como o aumento do cinismo e o incremento da
emigração.
Depois de muitos anos investigando o esquema de corrupção criado no governo
de Fernando Collor pelo empresário Paulo César Cavalcante Farias, o delegado Paulo
Lacerda
194
, descreveu o esquema montado para extração de recursos públicos no
período:
“Por tratar-se de pessoa intimamente ligada ao presidente Fernando Collor, de
que fora um dos principais colaboradores nas vitoriosas campanhas eleitorais de
193
A média das tarifas de importação no Brasil estava na casa do 30-40% antes de Collor assumir, sendo que
seu governo as diminuiu para a casa do 10-20%.
194
Delegado da Polícia Federal responsável pelas investigações do esquema montado por PC Farias para
levantar recursos, com anuência do presidente Fernando Collor.
180
1986, ao governo de Alagoas, e de 1989, para a presidência da República, o
empresário Paulo César Farias utilizara toda a influência e prestígio para montar
um amplo e bem estruturado esquema ilegal de apropriação de recursos mediante
atos criminosos a envolver órgãos da Administração Pública Federal. A rede de
traficantes de influências contava com a participação de pessoas de confiança
colocadas estrategicamente em altas funções do governo federal, submetidas ao
comando oficioso de Paulo César farias, num autêntico ‘Ministério Paralelo’, que
se convencionou denominar esquema PC. A ação desse grupo acabou envolvendo
funcionários públicos, empresários, industriais, comerciantes e particulares, num
quadro de corrupção, concussão, exploração de prestígio, extorsão, usurpação de
função, entre outros crimes, com total desapreço aos princípios que regem a
administração pública” (Figueiredo, 2000, p. 57).
É importante destacar que os argumentos utilizados por Paulo César Farias no
momento de orquestrar este esquema de corrupção eram diversos, na eleição, se
justificava a arrecadação dos recursos para evitar que a esquerda ganhasse a eleição,
depois a retórica usada era de que era preciso garantir uma sólida bancada federal para
apoiar o governo nas futuras mudanças
195
.
Figueiredo destaca ainda, outras formas de angariar recursos pelo esquema PC
Farias:
“Em alguns casos, os empresários eram simplesmente achacados: ou davam
dinheiro, ou teriam dificuldades em conseguir a liberação de pagamentos de
contratos firmados com o governo federal. Fosse qual fosse o argumento
utilizado, os empresários se mostravam generosos e eram poucos os que se
negavam a entrar no esquema” (Figueiredo, 2000, p. 58).
Os recursos eram legalizados por empresas de fachada do esquema PC, que
expedia notas fiscais “frias” para os “doadores”
196
, justificando o pagamento com
recibos de serviços que nunca haviam sido prestados, como assessoria ou transporte
aéreo (Figueiredo, 2000, p. 58).
195
As famosas reformas liberalizantes, privatização, modernização do Estado, reformas no mercado de
trabalho, abertura do mercado, etc...
196
Figueiredo destaca algumas empresas que fizeram doações ao esquema PC Farias: “Empresas nacionais e
estrangeiras, tais como, Mercedes-Benz, Credicard, Sharp, Andrade Gutierrez, Grupo Votorantim, Tratex, CR
Almeida, Queiroz Galvão, Norberto Odebrecht, White Martins, Rhodia, Copersucar, Tintas Coral, Sid
Informática, Encol, Viação Itapemirim, Indústria Brasileira de Formulários (IBF), Cetenco Engenharia, entre
outras (2000, p. 58-9).
181
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), depois de encerrar o
relatório, concluiu que o ex-presidente
197
tinha sido beneficiado com pelo menos US$
10,6 milhões, somente com pagamento de despesas pessoais, além de outros recursos
que saíram do país de forma ilegal, através das contas CC5
198
e de milhares de dólares
comprados no mercado paralelo, onde foram usadas 20 contas bancárias no Brasil
(Figueiredo, 2000, p. 60).
Apesar das evidências levantadas contra Paulo César Farias, o empresário foi
absolvido
199
da principal acusação: corrupção ativa. Sendo condenado a quatro anos de
prisão, em regime aberto, por sonegação fiscal e depois, novamente condenado, agora
por falsidade ideológica, devido as operações com contas bancárias fantasmas.
Dos principais integrantes do esquema PC, nenhum foi condenado em última
instância
200
. Rosane Collor chegou a ser condenada a 11 anos de prisão por corrupção
ativa
201
e peculato, mas logo depois o Tribunal Regional Federal anulou a condenação.
Zélia Cardoso foi condenada por 13 anos por corrupção ativa e, o ex-ministro do
Trabalho, Antônio Rogério Magri, foi condenado a dois anos de prisão por receber
propinas, mas ambos recorreram e seus casos devem demorar mais uns dez anos para
serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal (Figueiredo, 2000, p. 62).
Mesmo com o farto relatório levantado pelo delegado Federal Paulo Lacerda, o
ex-presidente Fernando Collor de Mello foi absolvido de todas as acusações
202
no
Supremo Tribunal Federal, incluindo a acusação de corrupção ativa.
197
Além do ex-presidente, outras pessoas se beneficiaram do esquema, como a ex-ministra da Economia Zélia
Cardo de Mello, Marcos Coimbra (secretário-geral da presidência), Cláudio Humberto Rosa e Silva (porta-
voz da presidência), Cláudio Vieira (secretário particular da Presidência), Vítor Werebe (superintendente da
Receita Federal em São Paulo) e Dario Cavalcante (assessor especial da presidência).
198
O esquema conseguiu “alugar” 15 contas de estrangeiros residentes no Brasil, que foram usadas para
enviar recursos para o exterior, como Panamá, Ilhas Virgens Britânicas, Uruguai e Paraguai.
199
Outros três integrantes secundários do esquema foram condenados, o piloto Jorge Bandeira, 1 ano e dois
meses de cadeia por falsidade ideológica, mas a pena foi diminuída posteriormente pelo STF e depois foi
considerada extinta; Rosinete Melanias e Ricardo Campos, funcionários de PC foram condenado a uma pena
de 2 anos e oito meses em regime aberto.
200
Atualmente, tramitam na Justiça cerca de 60 processos abertos a partir das informações levantada no
chamado inquérito-mãe, presidido pelo Delegado Federal, Paulo Lacerda, onde a maioria está parada ou se
arrasta pelos escaninhos da burocracia.
201
Processo referente à compra superfaturada de 1 tonelada e meia de leite em pó pela Legião Brasileira da
Assist6encia (LBA), entidade dirigida, na época, pela primeira dama.
202
Deve-se destacar ainda, “...que o então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, produziu uma
peça de denúncia contra Collor considerada fraca no meio jurídico, chegando a ser classificada como ‘de
difícil compreensão’ por um dos ministros do Supremo Tribunal Federal” (Figueiredo, 2000, p. 62).
182
No capítulo seguinte, analisaremos a implantação do neoliberalismo no México,
adotado inicialmente a partir da crise de 1982 e intensificado com o governo do Presidente
Carlos Salinas de Gortari (1988-1994), do Partido Revolucionário Institucional. Foi neste
momento que grandes transformações foram implementadas na sociedade mexicana, de um
modelo centrado no Estado e altamente protecionista e intervencionista em um modelo
onde o Mercado passa a se tornar o centro da sociedade.
183
Capítulo 4
A Experiência Neoliberal Mexicana
Introdução
Os países da América Latina passaram por inúmeras transformações nos últimos
30 anos, de um Estado intervencionista, protecionista e proprietário de inúmeras
empresas estatais, características fortemente ligadas ao pensamento desenvolvimentista
instaladas na região a partir dos anos 30. A partir dos anos 70, o modelo baseado no
Estado Keynesiano-Desenvolvimentista dá sinais de esgotamento, que se manifestam no
aumento das taxas de inflação e na desaceleração do crescimento econômico do pós-
guerra, impactam diretamente sobre os formuladores da política econômica, abrindo
espaço para o fortalecimento e a expansão do pensamento Liberal, com uma nova
roupagem, caracterizado como Neoliberalismo.
Os anos 70 se caracterizaram como um período de transformação nas estruturas
ideológicas do sistema capitalista, onde o Desenvolvimentismo acaba perdendo força e
o pensamento Liberal se fortalece e passa a dominar não só a região, mas quase todos os
espaços da sociedade internacional.
O presente capítulo tem por objetivo analisar o Neoliberalismo implantado no
México a partir da crise da dívida externa de 1982 e a reconversão da estrutura de
desenvolvimento, que antes tinha no Estado sua estrutura fundamental e agora passa a
se assentar no mercado, que passa a assumir um papel hegemônico.
A ascensão do neoliberalismo no México alterou intensamente a sociedade, a
estrutura produtiva e a autonomia do Estado nacional, abrindo espaço para uma
transformação intensa e culminou na adesão do país ao Tratado de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA), além de estimular movimentos sociais de contestação da
184
situação social degradante, como o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN),
que inaugura uma nova forma de organização dos movimentos sociais.
4.1 México: da crise de 1982 à ascensão do Neoliberalismo
Durante a década de 80, várias mudanças estruturais aconteceram na sociedade
mexicana, tanto no plano econômico, como social e político. Na economia, destacamos
a mudança do modelo de desenvolvimento, pois a estratégia adotada no pós-guerra
(Substituição de Importações
203
) apresentou sinais de esgotamento, havendo assim a
necessidade de adotar uma nova estratégia. O modelo adotado a partir de 1982
enfatizava o comércio exterior, a privatização de empresas estatais, a liberalização
comercial e financeira, diminuindo assim, o papel do Estado na economia e dando
inicio a uma nova fase no país.
A transição
204
no México se iniciou de maneira consistente a partir da crise de
1982. La Peña descreve como causas da crise a “inadequação do regime econômico e
das deficiências e excessos dos dirigentes políticos e econômicos do país ante as
grandes mudanças mundiais que se iniciaram uma década atrás” (1997, p.147).
Hiernaux-Nicolas destaca a importância do ano de 1982 para o México:
“Para dar uma data, ainda que aproximativa, que marque a arrancada para as
transformações do território sob os embates da globalização, podemos assinalar o
ano de 1982, quando o modelo econômico e territorial do México oriundo da
revolução mexicana acabava de desabar. Esta data corresponde à chegada de um
‘impasse’ extremamente poderoso, depois da ultima tentativa de gerar um
desenvolvimento para dentro aproveitando o mana da renda petrolífera” (2005, p.
24).
203
Conceito elaborado por economistas da CEPAL para designar um processo interno de crescimento,
estimulado por desequilíbrio externo e que resulta na dinamização, crescimento e diversificação do setor
industrial. Portanto, e mais que a produção local de bens tradicionalmente importados. Sob essa óptica,
considera-se que o desenvolvimento industrial brasileiro neste século ocorreu sob o estimulo das restrições
externas: a depressão de 1929/32 e a Segunda Guerra Mundial. Depois, entre 1956 e 1961, a substituição de
importações e aprofundada dando lugar a um crescimento econômico maior que nos períodos anteriores
(Sandroni, 1996, p. 302).
204
É importante destacar que nos anos setenta a economia mexicana apresentou taxas de crescimento em
media de 6,8% ao ano e manteve ritmo mais intenso nos primeiros dois anos da década de 1980, em torno de
8,6% ao ano. Neste período o país vivia o governo de Lopez Portillo, que mascarava um grave problema no
front externo: o elevado déficit de transações correntes.
185
A sociedade foi muito atingida pelas mudanças no modelo de desenvolvimento,
o desemprego aumentou, a miséria atingiu níveis altíssimos, a corrupção crescente
gerou um maior descontentamento da população. Além das conseqüências geradas pelos
problemas econômicos, destacamos a destruição causada pelo terremoto de 1985 que
espalhou a miséria, a fome e aumentou o descontentamento social no país. No campo
político, destacamos o avanço da oposição
205
, tanto no poder legislativo como no
executivo, onde Cuautémoc Cárdenas
206
perdeu as eleições para Salinas em 1988, por
causa da fraude promovida pelo PRI. Ficando caracterizado o descontentamento do
povo mexicano com a situação econômica e com o governo do PRI, no poder desde
1929.
O Partido Revolucionário Institucional (PRI) esteve sempre a frente das questões
políticas no México, seus presidentes não podiam se reeleger nem, em conseqüência, se
perpetuar no poder. A cada seis anos, o sucessor eleito assumia o poder, demitia e
nomeava quase todo o governo, garantindo assim uma selvagem “circulação das elites”.
O regime priista revelo-se extravagante, ao mesmo tempo plutocrático e popular,
estatólatra mas capitalista, desigual mas inclusivo, vertical mas inclinado a reformas,
autoritário mas não ditatorial nem policialesco. Um regime de partido hegemônico em
que sempre houve eleições e partidos de oposição (Camin, 2002, p. 36-7).
Como destacou Castells, o PRI:
“Conseguiu sobreviver com grande habilidade à inevitável e estreita relação com
os Estados Unidos, preservando o nacionalismo mexicano e reafirmando a
autonomia política do país, ao mesmo tempo gozando de boas relações com seu
poderoso vizinho. Outra de suas conquistas foi a construção de uma identidade
nacional indígena, estabelecendo o vínculo com a memória das civilizações pré-
colombianas, embora mantendo em marginalidade obscura os 10% de sua
população representados por índios” (1999, p. 325).
205
Em 1985, o parlamento mexicano ficou dividido do seguinte modo: Partido Revolucionário Institucional
(PRI), 290 cadeiras. Partido Ação Nacional (PAN), 8 cadeiras. O Partido Autêntico da Revolução Mexicana
(PARM), 2 cadeiras (Boeker, 1995, p.86). Em 1997, as pesquisas mostravam que o PRI tinha 14% dos votos,
atrás do PAN, com 36% e 24% do PRD. Outro indicativo importante da perda de poder do sexagenário PRI é
o número de votos recebidos pelos presidentes anteriores. Miguel De la Madrid foi eleito com 71,63% dos
votos, Carlos Salinas obteve 50,7% dos votos, Ernesto Zedillo teve 48,77%, e na eleição de 2000, o PRI
finalmente perde a eleição para Vicente Fox, do PAN.
206
Cuautémoc Cárdenas é filho de Lázaro Cárdenas, um dos mais importantes estadistas mexicano do século
XX, que foi presidente do país em 1930-36. Cuautémoc obteve nestas eleições 31,12% dos votos, após estar
liderando as pesquisas de opinião. A fraude de 1988 foi uma das mais descaradas ocorridas no país. Depois
desta fraude ocorre uma ruptura dentro do PRI, que da origem ao Partido Revolucionário Democrático (PRD).
186
O ano de 1976 se caracterizou por uma grande crise econômica, o que obrigou o
presidente recém empossado, Lopez Portillo, a adotar um programa de austeridade, que
contou com o aval do FMI. Porém em 1979 com o segundo choque do petróleo
207
, o
México aumentou bruscamente suas receitas, o que levou o governo a abandonar o
programa de austeridade iniciado nos anos anteriores. A partir de então, os gastos
públicos e a dívida externa aumentaram excessivamente, levando o país a bancarrota em
1982, quando o presidente do Federal Reserve (Banco Central dos Estados Unidos)
aumenta as taxas de juros do país
208
e leva toda a economia mundial a uma fase de
recessão intensa. As taxas de juros altas absorveram toda a liquidez mundial e
prejudicou toda a região, e o México em particular, pois o país acumulou dívidas
crescentes durante os anos finais do governo de Lopez Portillo.
Como destacou Camín:
“Apesar de seus hábitos políticos arcaicos, o PRI não foi o partido da
imobilidade. Nas décadas de domínio do partido, o país mudou pelo menos duas
vezes de projeto nacional. Nos anos 50 e 60, voltou-se para a industrialização
substitutiva de importações, deixando para trás a utopia socializante, corporativa
e popular do cardenismo. Inaugurou uma época de estabilidade política e
crescimento sustentado, conhecido ainda hoje como milagre mexicano (1946-
1970). Esse modelo sofreu nos anos 70 um processo de expansão dos gastos
públicos que levou a uma estrondosa quebra das finanças governamentais e,
portanto, do Estado clientelista e corporativo. A partir dos anos 80, como efeito
em grande medida dessa quebra, mas também em razão das mudanças no cenário
mundial, começou um segundo processo de reforma da economia e do Estado na
era do PRI. Foi uma mudança em sentido contrário ao seguido até então: uma
mudança em direção a abertura da economia e ao desmantelamento do Estado
interventor” (2002, p. 36-37).
O ano de 1982 trouxe muitas dificuldades para a economia mexicana. O segundo
choque do petróleo de 79 aumentou as receitas provenientes da exportação, estimulando o
crescimento descontrolado dos gastos governamentais, e o endividamento externo. O
aumento das taxas de juros americana ocorrida nos fins de 1979 gerou aumento dos
serviços da dívida, criando inúmeros problemas macroeconômicos ao México, que declara
207
O México é um dos maiores produtores mundiais, não comunista, de petróleo, com uma produção diária de
2,6 milhões de barris. O petróleo representa 20% do PIB, quase a metade da receita do Tesouro sendo
responsável por quase 80% das exportações do país (Casas, 1993, p.275)
208
A economia dos Estados Unidos estava sobre aquecida e com taxas de inflação altíssimas durante toda a
década de 70.
187
moratória, diante da impossibilidade de arcar com todos os recursos para o pagamento da
dívida externa.
Os juros das dividas externas eram calculadas pelos juros internacionais, que
deixaram de ser fixos para serem flutuantes, praticamente triplicando ate 1981, além dos
prazos de pagamentos, que ficaram mais curtos em 1982, o que levou a quebra de 37
paises, dentre eles o México, o primeiro pais da América Latina a declarar moratória em
agosto daquele ano.
A enorme fuga de capitais
209
deflagrou a crise mexicana de 1982, o que levou o
presidente Lopes Portillo a nacionalizar todo o sistema bancário no dia 1• de setembro, por
considerar que era através dos bancos privados que os fundos imigravam e, junto com eles,
as reservas monetárias do país.
A divida externa do país, traduzida em bilhões de dólares, era de 34 em 1980, passa
a 53 em 1981; em 1982, passaria a 68 bilhões, e a 93 bilhões em 1988.
O período de 1982/1988 foi caracterizado por inúmeras mudanças na economia
mexicana, destacamos neste período a recessão (o PIB cresceu 0,2% ao ano), e a
demanda interna 0,3%; oscilações cambiais, onde o valor do peso passa de 26 por dólar
para 2300, inflação, encarecimento das importações, contrações do crédito e do gasto
público em termos reais, a queda do salário real. O aparelho produtivo sofreu intensas
tensões, causando degradação nos níveis de emprego.
Miguel De La Madrid assume o governo em dezembro de 1982, iniciando um
programa de ajuste baseado na ortodoxia. A privatização, liberalização,
desregulamentação entram na ordem do dia. O desemprego, a miséria, o
descontentamento social e a corrupção se acentuam.
Depois de receber bilhões de dólares para se recuperar da crise de 1982, o
México passa a sofrer pressões externas para adotar políticas liberalizantes, reduzisse os
subsídios, baixasse a proteção aduaneira, privatizasse empresas e posteriormente,
aderisse ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) (Almendra, 2003, p. 180).
Segundo Dedeca, a nova política econômica adotada no México nas décadas de
1980 e 1990 tem se realizado através da:
209
Somente entre 1981-1982 ocorreu uma sangria de US$ 45 bilhões da economia mexicana pela pura e
simples fuga de capitais ou pela compra de propriedades nos Estados Unidos.
188
“(I) abertura comercial; (II) ancora cambial no dólar; (III) privatização de
empresas e atividades exercidas pelo Estado; (IV) austeridade fiscal; (V)
desregulamentação (flexibilização) das relações econômicas e de trabalho; (VI)
focalização das políticas públicas” (1997, p. 507).
Todas estas transformações aumentaram a exposição dos agentes econômicos à
concorrência interna e externa. Sob o argumento de que ela provocaria a oxigenação dos
diversos mercados, obrigando os agentes a buscarem uma maior eficiência econômica.
(Dedeca, 1997, p.508)
Como destacou Krugman: “No México, houve uma drástica liberalização comercial
entre 1985 e 1989. A fração de importações sujeitas à licenças caiu de mais de 90% para
menos de 25%, a tarifa máxima foi reduzida em 3/4 e mesmo a tarifa media caiu para a
metade. Acrescentemos a onda de privatizações e teremos uma grande reforma econômica”
(2003, p.180).
Em 1988, Carlos Salinas de Gortari toma posse no México e o PRI inicia um dos
governos mais conturbados de sua história. É no governo de Salinas que o México é
aceito no NAFTA
210
; nele também inicia-se a revolta de Chiapas, um dos Estados mais
explorados
211
do país; acusações de corrupção , ligações com o tráfico de drogas e a
grave crise cambial legados para Zedillo e para toda a América Latina no final de 94.
Uma característica importante do modelo adotado no México no período
posterior a Segunda Guerra Mundial, foi que, “...apesar do estrondoso crescimento
econômico baseado na industria, que arrastou os demais setores em sua dinâmica,
produziu-se uma concentração importante da produção, e consequentemente do poder
econômico, em torno da Cidade do México. Disso resultou a concentração urbana mais
intensa da América Latina: a Cidade do México
212
, que passou de um milhão de
habitante em 1940 para cerca de 15 milhões em 1980” (Hiernaux-Nicolas, 2005, p.26).
210
North American Free Trade Agreement, o NAFTA é a ampliação do acordo de livre comércio já existente
entre os Estados Unidos e o Canadá desde 1989, agora incluindo o México. O acordo entrou em vigor no dia
1• janeiro de 1994, prevendo a eliminação das tarifas alfandegárias entre os três países num período de 15
anos, embora 50 das barreiras existentes se devessem eliminar logo no início daquele ano. O acordo significa
a integração dos mercados dos três países, que em 1993 representavam um PIB de aproximadamente 7
trilhões de dólares e uma população de quase 400 milhões de habitantes.
211
O território de Chiapas possui o terceiro maior lago de petróleo do mundo, sem falar na parte turística, pois
é neste estado que se encontra Cancún, um dos pontos turísticos mais atrativos do mundo.
212
O crescimento populacional da Cidade do México era tão intenso, que as previsões para o final do século
189
A Cidade do México, neste período, foi o pólo de atração dos fluxos migratórios
do sul do país, particularmente das zonas camponesas e indígenas. A Cidade do México
foi escolhida como o nó central do modo de desenvolvimento. Outras cidades também
cresceram neste momento de forma dinâmica, em particular as cidades de Guadalajara
no centro-oeste e de Monterrey, no nordeste, ambas as metrópoles atuando como relés
da economia da Cidade do México, epicentro do país (Hiernaux-Nicolas, 2005, p.27).
Apesar do crescimento que o México apresentou no período posterior a Segunda
Guerra Mundial, a desigualdade regional cresceu, particularmente em relação ao sul do
país, incapaz de integrar-se a modernização e ao crescimento do tipo fordista. Outro
ponto importante a se destacar, foi que vastos setores da população urbana, ainda nas
metrópoles, ficaram a margem do crescimento ou pelo menos entrando e saindo das
atividades formais.
4.2 O governo Miguel De La Madrid (1982-88)
Conforme apresentado, o ano de 1982 foi muito difícil para a economia
mexicana, além da crise econômica herdada de José Lopez Portillo (1976-1982), o novo
governo se vê obrigado a decretar moratória no pagamento das dívidas externas, o que
detona uma grave crise que se alastra por toda a América Latina.
O governo de Lopez Portillo se caracterizou pelo aumento dos gastos públicos
que em 1970 alcançaram 20% do PIB, passando a 29% de 1978. Portillo foi o
presidente responsável pelo “enterro” do modelo de substituição de importações,
baseado no fechamento da economia, com financiamento externo e forte coordenação
do Estado, tanto no planejamento como na execução dos projetos de desenvolvimento.
O Presidente Miguel De La Madrid recebeu o governo em situação de alto risco
depois da crise petrolífera e das ultimas medidas descabidas de seu antecessor, entre as
quais a nacionalização dos bancos, que, embora tivesse intenções aparentemente
eram assustadoras, segundo estas previsões, em 2000, a capital mexicana estaria com 33 milhões de pessoas
(Hiernaux-Nicolas, 2005, p.28).
190
positivas, foi vista como ameaça pelas instituições financeiras internacionais e pelos
bancos multinacionais.
Dupas ressalta que em fevereiro de 1982,
“...tanto no nível interno (forte aceleração inflacionaria) quanto externo
(acelerada perda de reservas cambiais), o México viu-se diante da situação
premente de recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em meio a uma
grande crise. Como conseqüência, submeteu-se a um forte programa de
estabilização”. (1999, p.154-5)
Krugman destaca que os mexicanos sempre se caracterizaram pelo
nacionalismo, pelo populismo e pelo cuidado para não se endividarem. Porém, “...nos
anos 70, aquela cautela tradicional foi lançada aos ventos. A economia ingressou num
surto febril, fomentado pelas novas descobertas de petróleo, pelos altos preços do
petróleo nos mercados internacionais e pelos vultosos empréstimos dos bancos
estrangeiros” (1999A, p. 64).
Na tabela abaixo, podemos identificar alguns dados referentes ao crescimento
econômico mexicano nos governos de Lopez Portillo e De La Madrid, e com isso
concluir que o período de Portillo foi bastante saudável para o país, porém, estes dados
são insuficientes, porque apesar do crescimento econômico, o país incorreu em grandes
déficits orçamentários, aumentos na sua dívida externa decorrente dos empréstimos
concedidos pelos banqueiros internacionais, que foram estimulados pela taxa de juros
baixa, além de grande fuga de capital iniciada com o pedido de moratória aos credores
internacionais.
Tabela 11 - Indicadores Econômicos - México
______________________________________________________________________
ANO Presidente Crescimento (per capita) Inflação
______________________________________________________________________
1977-1982 Lopez Portillo 3,1 30,5
1982-1988 De la Madrid -2,5 90
______________________________________________________________________
Fonte: Casas 1993.
191
Foi neste período que o México conheceu o equivalente nacional da “década
perdida” da América do Sul: empobrecimento da população, inflação endêmica e
desemprego brutal.
Neste momento de crise econômica, apenas o ramo do turismo se beneficiou das
desvalorizações cambiais, onde o México tornara-se muito atraente par o turismo
internacional e para os investimentos estrangeiros.
A crise afetou a indústria mexicana de forma bastante violenta, acostumada ao
protecionismo de décadas anteriores, alguns setores foram fortemente afetados, tais como o
setor têxtil e a indústria de brinquedos, ambas sentindo a concorrência dos produtos da
Ásia, especialmente da China.
Miguel De La Madrid assumiu uma pesada herança econômica conforme mostra
os indicadores econômicos apresentados na tabela 2.
192
Tabela 12 - Indicadores Econômicos – México
Endividamento Poupança Dívida Externa Balanço de
Público Nac. Bruta (US$ bilhões) Pagamento
(PIB) (Pib) (US$ bilhões)
_________________________________________________________________________
1980 7,3 23,2 51,4 1
1981 13,8 21,8 75 1,2
1982 17,7 19,2 89,6 - 6,8
1983 9,4 24,3 93 5,5
1984 8,4 22,3 94 3
1985 9,5 21,6 94,8 - 3,4
1986 15,6 17,2 98,5 - 1,2
1987 15,9 21,4 107,5 6,6
1988 12,9 18,2 100,9 - 6,9
1989 5,9 18,2 95,3 -1
_________________________________________________________________________
Fonte: Cepal
Diante destes dados, concluímos que o endividamento do setor público dobrou
em apenas três anos, passando de 7,3% em 1980, para 17,7% em 1982. Neste mesmo
período, a dívida externa apresentou um aumento de 80%, passando de US$ 50,1
bilhões para quase US$ 90 bilhões, o que mostra o tamanho da crise fiscal por que
passava o México.
Segundo Krugman:
“...em julho de 1982, o rendimento dos títulos mexicanos era ligeiramente
inferior ao oferecido por credores presumivelmente seguros, como o Banco
Mundial, indicando que os investidores consideravam desprezível o risco de que
o México não pagasse com pontualidade as suas dívidas”.(1999A, p.65)
No governo De La Madrid inicia-se um novo modelo de desenvolvimento para o
México, este modelo se caracteriza pelo maior papel do mercado na economia, com
193
isso, o Estado, passa a dar espaço a iniciativa privada. Para viabilizar esta mudança dá-
se início as privatizações de empresas estatais e desregulamentação da economia.
A crise econômica de 1982 se entrelaça com a crise financeira internacional,
com a reconversão industrial e a recomposição do capital transnacional (Hernandez
apud Dedeca, 1997, p.25).
Os anos de 1981/1982 foram períodos de comoção nacional, neste momento a
dívida mexicana se tornou impagável devido ao fim das fontes de financiamento
externo, do aumento das taxas de juros internacionais e da queda de preços de
exportações (petróleo), diante de compromissos caros e de curto prazo que foram
adquiridos de maneira precipitada e equivocada pelo governo perante o desequilíbrio
externo, impossível de controlar desde o começo dos anos 80
213
.
Camin acredita que a crise de 1982 foi a responsável pelas mudanças profundas
da sociedade mexicana, estas que tocam todas as fibras da sociedade, levando a uma
dupla transformação: a do modelo de desenvolvimento econômico e a da natureza do
regime político (2002, p.39).
No plano econômico, visualiza-se a passagem de uma economia fechada para
uma economia aberta; da passagem de uma economia protegida, voltada para o mercado
interno, para uma economia de livre comercio, voltada para a exportação; e de uma
economia regulada por um Estado intervencionista para uma economia regulada pelas
forcas do mercado.
No plano político, Camin destaca que “...assistimos a passagem de um regime
presidencialista sem equilíbrio de poderes para um regime presidencialista limitado,
com independência dos outros poderes, e de um sistema de partido hegemônico, com
eleições controladas, para um sistema de partidos competitivos, o que implica eleições
livres, opinião publica independente e exercício de cidadania com opções de governo”
(2002, p. 40).
A política econômica de emergência - “reordenação econômica” - adotada em
1982 visava salvaguardar a capacidade produtiva, o emprego, combater a inflação,
diminuir o déficit público e estimular as exportações. A equipe econômica de De La
213
La Peña acredita que o pano de fundo para a crise mexicana de 1982 era “...a insuficiência estrutural de
competitividade da economia perante o exterior, decorrente de décadas de proteção irresponsável e de
corrupção”. (1997, p.150)
194
Madrid procurava uma outra forma de financiar o desenvolvimento, diminuindo a
dependência de recursos externos
214
, assim sendo, concentrava suas ações no estímulo
as exportações e na atração de investimentos estrangeiros diretos.
“O ajuste de 1982 reestruturou a dívida pública interna. Em 1982, a dívida
continha apenas 4,4% em títulos públicos, enquanto o restante se dividia entre
emissões monetárias e encaixes obrigatórios sobre as instituições financeiras.
Porém, em 1983 a divisão da dívida publica mudou totalmente sua estrutura, o
endividamento interno em títulos públicos alcançou 72,2%” (Braga e Cintra e
Dain, 1995, p. 602).
A política econômica adotada em 1982 se caracterizava como monetarista e
contava com o apoio do FMI. O governo inicia assim um controle monetário e dos
gastos públicos visando sanar as contas, aumentar a renda estatal mediante incremento
dos preços e das tarifas.
O apoio dado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) visava o cumprimento
por parte do México, dos acordos assumidos com os credores internacionais, ou seja, o
pagamento dos juros
215
, que somaram US$ 32 bilhões entre 1981-83. A dívida externa
mexicana foi um problema difícil de ser resolvido no início dos anos 80; em 1984 o
México remeteu ao exterior US$ 12 bilhões, porém sua dívida ainda apresentou um
aumento substancial.
A recessão de 1982 levou a economia a um circulo vicioso, diminuição dos
gastos públicos e controle monetário, diminuição dos salários
216
, queda na renda
agregada e, conseqüentemente, diminuição na atividade econômica e desemprego, tudo
isso levava a economia a um período de instabilidade e grandes riscos.
A economia mexicana passou por um profundo reajuste recessivo, passando de
um déficit operacional de 10% do PIB, em 1981, para um superávit de 0,4% já em
1983. A taxa de juros elevou-se drasticamente em conseqüência tanto da contração
monetária quanto da liberação do mercado financeiro. Os salários reais sofreram imensa
214
Até a crise de 1982 o México recorria regularmente aos recursos externos para complementar a poupança
interna e para financiar seu crescimento.
215
Para a América Latina como um todo, o pagamento de juros relativos a exportações de bens e serviços
caíram de 38,7% em 1982/83 para 28% em 1988/89, 20% em 1992/93 e 19,1% em 1994 (Cepal).
216
A participação dos salários na renda nacional diminuiu de 37,4% em 1981 para 23% em 1982 (Cepal)..
195
queda, reduzindo-se em cerca de 40% nos cinco primeiros anos de ajuste (Dupas, 1999,
p.155-6).
Devemos destacar ainda, que a abertura econômica golpeou prioritariamente
aqueles centros de produção industrial, onde era mais forte a indústria tradicional. As
grandes metrópoles
217
, e particularmente, a Cidade do México, epicentro industrial do
país, foram as mais afetadas. “Um processo novo substituirá a atração tradicional dos
centros de alto crescimento econômico que eram as metrópoles: este processo consistia
em uma nova tendência ao crescimento das cidades médias, principalmente as do norte
do país” (Hiernaux-Nicolas, 2005, p. 33).
Destacamos o crescimento das indústrias maquiladoras, que começaram suas
atividades em 1964 com um estatuto de exceção, que permitia importar matérias-primas
e produtos semimanufaturados que eram transformados e montados no México e
posteriormente reexportados do país sem impostos sobre o comercio exterior em ambos
os sentidos. Essa forma de industrialização, que sempre foi vista como um apoio, uma
situação excepcional para beneficiar a fronteira Norte, pouco integrada ao território
nacional, tornou-se uma realidade com altos índices de crescimento a partir de 1982
(Hiernaux-Nicolas, 2005, p. 33).
A tabela abaixo nos mostra alguns indicadores econômicos mexicanos no
período de 1982-88.
217
Outros centros tradicionais, como os portos industriais foram profundamente afetados pela crise e pela
abertura, e as áreas de exploração de petróleo entraram em colapso (especialmente os territórios que
margeiam o Golfo do México).
196
Tabela 13 - Indicadores Econômicos – México
______________________________________________________________________
Receita Despesa Resultado
1980 15,2 18,8 - 3,6
1981 15,2 22,4 - 7,2
1982 15,1 28,2 - 13,1
1983 17,5 26,9 - 9,4
1984 17,3 25 - 7,7
1985 17,5 25,5 - 8
1986 15 28,8 - 13,8
1987 15,9 31,2 - 15,3
______________________________________________________________________
Fonte: CEPAL
Diante dos dados acima, vemos que as contas públicas mexicanas apresentam-se
constantemente deficitárias, sendo que os anos de 1982, 1986 e 1987 foram os piores
em termos fiscais. Nestes três anos a situação econômica do México era bastante
negativa, 1982 foi o ano da moratória, 1986 e 1987 foram marcados pelo grande
terremoto ocorrido em 1985, onde a destruição, a morte e a miséria se espalharam pelo
país.
O terremoto ocorrido em 1985 teve dramáticos impactos sobre a capital do país,
Cidade do México, provocou ainda um retrocesso maior na indústria e na imigração
instantânea e posterior de numerosos habitantes (entre os quais, empresários, técnicos
de formação média e alta, etc...), o que debilitou ainda mais a economia metropolitana,
alem dos efeitos psicológicos extraordinários sobre a população nacional, tanto na
economia como ambientalmente a sensação de fragilidade da segunda maior metrópole
do mundo se fez patente. As megacidades nem sempre são os lugares de maior forca
econômica no sistema mundial (Hiernaux-Nicolas, 2005, p. 35).
197
Os salários reais apresentaram um declínio
218
considerável desde 1980, o que
somado ao aumento do desemprego
219
acarretou uma deterioração na distribuição de
renda (Dornbusch e Edwards, 1989, p. 929).
Conforme analisado, o novo modelo de desenvolvimento adotado em 1982
priorizava o setor privado. Os condutores da política econômica acreditavam que com o
avanço do mercado haveria uma melhor alocação de recursos, melhora da qualidade dos
produtos e com isso uma melhora nos padrões de vida da sociedade.
Segundo Camin:
“Mais por necessidade do que por previsão, o México teve de ajustar suas
condições aos desafios impostos pelo momento. Isso foi feito a partir da crise da
divida externa de 1981-1982, que teve efeito irreversível sobre as finanças
publicas e sobre a lógica do Estado. Ate esse momento, a economia e a política
do México eram altamente subsidiadas e protegidas da concorrência. O México
tinha empresários subsidiados e protegidos, trabalhadores subsidiados e
protegidos, camponeses subsidiados e protegidos, classe media subsidiada e
protegida. Era um país de votos subsidiados e protegidos, com uma oposição
política subsidiada e protegida, e um partido oficial e hegemônico subsidiado e
protegido. E mais, no topo da pirâmide, havia uma Presidência forte, subsidiada e
protegida. Tudo ou quase tudo no México estava subsidiado e protegido, em certa
medida, pelo manto estatal. Tudo era, ate certo ponto, pago pelo Tesouro público.
A quebra das finanças do governo foi, por isso, não somente a quebra de uma
instituição econômica, mas também o principio do fim de um regime político.
Significou a crise de um modelo de desenvolvimento econômico e também a
crise de um modelo de estabilidade política” (2002, p. 42).
Na tabela abaixo podemos observar a evolução do papel do Estado na sociedade
mexicana.
218
A variação do salário real no México foi de -0,8% em 1980; 4,3% em 1981; -2,4% em 1982; -26,5% em
1983; -4,9% em 1984; -1,5% em 1985; -9,2% em 1986; -1,6% em 1987; -1,0% em 1988; porem iniciaram
um período de recuperação: 9,2% em 1989; 2,0% em 1990; 6,7% em 1991 e 9,6% em 1992. (Dupas, 1999,
p.156)
219
O emprego na manufatura se encontrava em 1987, 14% menor do que em 1980.
198
Tabela 14 - Valor Agregado no setor público – México
______________________________________________________________________
Ano Valor Agregado Participação no
(% PIB) Investimento total
1965- 1969 11,7 37,5
1970 -1975 14,5 33,6
1976 -1979 19,4 41,9
1980 -1984 16,3 44
1985 -1986 23,9 36,3
Fonte: (Dornbusch e Edwards, 1989, p.928)
Os bancos tiveram sua participação no financiamento da dívida interna mexicana
diminuída. Em 1982 estas instituições absorviam 48,8% da dívida interna, contra os
41,7% em 1993, com tendência a baixa (Burki e Edwards, 1996,p.36).
220
Em 1985 a situação econômica mexicana apresentava sinais de melhora, a dívida
externa se estabilizou, o déficit orçamentário diminuía rapidamente – embora se
mantivesse alto, o setor externo apresentava superávits periódicos, a taxa de inflação
estava em queda, o produto interno bruto aumentava timidamente - depois de dois anos
seguidos de queda animando os investidores nacionais e estrangeiros. Esta situação
positiva pode ser creditada também a melhora econômica do EUA
221
, que saía da
recessão iniciada no início dos anos 80.
O terremoto de 1985
222
teve um efeito devastador na economia do país e as
conseqüências diretas sobre a produção, o emprego e, conseqüentemente, sobre a renda.
“Neste momento de crise e insegurança, crescia dentro do governo De La
Madrid, uma linha de pensamento atrelado ao monetarismo-neoliberalismo
223
,
220
A razão da queda na participação dos bancos na dívida interna mexicana se da pelo fato de que ate 1982,
estes tinham encaixes obrigatórios em suas carteiras, porem esta obrigatoriedade foi abolida.
221
E importante ressaltar que os EUA e o principal parceiro comercial mexicano, com isso a saída da recessão
por parte dos EUA significava um aumento das exportações mexicanas.
222
O dia 19 de setembro de 1985 ficaria marcado na memória dos mexicanos, pois neste dia um terremoto de
grau 8 na escala Richter arrasou parte da Cidade do México, deixando pelo menos 8 mil mortos.
199
que havia abandonado as antigas idéias estatistas dos anos 50 e 60, em favor do
que veio a ser chamado “Consenso de Washington”: o crescimento seria melhor
atingido com orçamentos sensatos, baixa inflação, desregulamentação dos
mercados e liberação do comercio”. (Krugman, 1999A, p.66)
A Cidade do México foi a mais atingida pelo terremoto, as perdas materiais
estavam ligadas a reconstrução de prédios, lojas e estabelecimentos comerciais até às
perdas referentes a empregos. Os pequenos e médios empresários
224
foram os maiores
atingidos depois dos trabalhadores e os setores mais atingidos foram a indústria do
vestuário
225
, indústrias de confecções, o setor de turismo
226
. A Telmex (Telefonos do
México) apresentou inúmeros prejuízos decorrentes dos abalos sísmicos
227
, alem dos
setores de educação e saúde, que tiveram destruição acentuada de sua infra-estrutura, e
conseqüentemente, um piora no atendimento a população.
Para agravar a situação econômica, no inicio de 1986 os preços do petróleo
iniciam uma queda vertiginosa, afetando diretamente as receitas fiscais, além de
prejudicar o setor externo, pois o petróleo tem um peso considerável nas exportações
mexicanas.
No ano de 1986 o México ingressou no GATT
228
(General Agreement on Tariffs
and Trade); este fato foi sintomático porque o governo mexicano tentou ingressar no
GATT, em 1947, ano de fundação, com o argumento de que comprometia a regulação e
223
Em 1985, esta doutrina começa a ser introduzida no México, sobretudo através da abertura radical do
comercio, onde cortaram-se as tarifas e reduziu-se de forma drástica a lista de importações que dependiam de
licenças previas. O governo intensificou as privatizações de empresas estatais e designou como sucessor de
De La Madrid, um dos paladinos da nova reforma econômica mexicana e não um dos antigos quadros do
Partido Revolucionário Institucional (PRI), o Secretario de Planejamento e Orçamento Carlos Salinas de
Gortari, graduado em Harvard e cercado por outros tecnocratas oriundos do MIT.
224
Foram atingidas mais de 1.326 instalações, onde 800 delas tiveram perdas totais; o pequeno comércio teve
800 estabelecimentos atingidos, no qual 400 foram totalmente destruídos.
225
Segundo dados da Câmara Nacional da indústria do vestuário, das 2.800 indústrias, 1026 se situavam no
centro da cidade, e, destas mais de 500 sofreram danos parciais e 150 fecharam por se encontrar em zonas de
perigo (Hernandez apud Dedeca,1997,p.31).
226
O setor de turismo e responsável por 3% do PIB do país e 6% da entrada de divisas, teve sua infraestrutura
bastante afetada, com destruição de hotéis e restaurantes.(Hernandez apud Dedeca,1997,p.32)
227
Perdas de centenas de geradores de alta tensão, quedas de inúmeros postes, transformadores, alem dos
defeitos de comunicação, que resultaram em prejuízo de 38 bilhões de pesos, algo em torno de 4% do PIB
mexicano. (Hernandez apud Dedeca,1997,p.33)
228
Com o ingresso do México no GATT são eliminadas as praticas protecionistas do passado, substituindo
apenas por tarifas, porém, o governo mexicano foi muito mais além do estipulado pelo GATT, que exige que
nenhum imposto ultrapasse 50% do valor produzido, enquanto no México nenhum estado tem valor superior a
20%; outra exigência do GATT foi que a taxa média de imposto sobre importação não passe dos 30%, no
México, essa taxa é atualmente de 9,78%.(Hernandez apud Dedeca, 1997, p.34)
200
promoção econômica, e da segunda tentativa feita em 1980. Em 1986 a resistência foi
menor e facilmente contornada.
Neste mesmo ano, as privatizações foram intensificadas, com a venda de
empresas para-estatais
229
, os investimentos públicos foram restringidos, inclusive nos
setores mais estratégicos, como o petróleo. O governo, neste período, teve sua ação
pública e sua concessão de subsídios diminuída, ou seja, o governo intensifica a retirada
do Estado da atuação econômica.
A abertura econômica
230
se iniciou em meados de 1985
231
, de maneira que “...no
final de 1987 a proteção havia-se desmantelado. Ao mesmo tempo restringiu-se a
intervenção estatal nos processos produtivos, a regulação de preços e os subsídios ao
consumo e à produção. Entretanto, aumentou a ação estatal para impor transformações,
cargas sociais e tributos”.(De la Peña, 1997, p. 148-9)
Segundo De La Peña, neste período, as exportações foram estimuladas:
“Ao mesmo tempo, diminuiu o tradicional traço anti-exportador de muitas
empresas, sobretudo as vinculadas a investimentos estrangeiros. Em geral, a
vantagem foi muito grande para a exportação, entre a contração salarial e a
tendência à subvalorização do peso que prevaleceu no período, que baixava o
preço em dólares dos insumos nacionais. Em troca, as importações em pesos
encarecem para os produtores e para o mercado interno. Isto, somado ao
estancamento da economia, provocou a manutenção das importações em torno de
US$ 12 bilhões entre 1984 e 1987, apesar da abertura do mercado. Em
contrapartida, em 1988 aumentaram 52% (e 24% a.a. de 1989 ate 1994) ao
iniciar-se a recuperação, quando o parque produtivo ressentiu-se da concorrência
das importações” (1997, p.149).
229
Em 1982, existiam no México 1058 empresas para-estatais, em 1990 restavam apenas 549 e 239 em 1996,
mediante liquidação, fusão ou venda. (De La Peña,1997,p.151)
230
A produção protegida passou a ser de 92% em julho de 1985 a 25% em dezembro de 1987 (De la Pena,
1997, 152).
231
Segundo Dupas: “A partir de 1985, o governo deu andamento a uma reforma tarifaria, reduzindo o seu
nível médio de 100% para 50%. Em marco de 1986, inicia-se nova redução tarifaria, em quatro etapas
consecutivas, que terminaria, já em outubro de 1988, por implantar nova escala de 0% a 30%. Em agosto de
1986 o país aderiu ao GATT, assumindo então o compromisso de suprimir, até fins de 1987, o controle de
importações” (1999).
201
TABELA 15
México: Indústria manufatureira, 1980/1995
Ano PIB (1) Exportação (2) Importação (3) Produtividade (4)
_________________________________________________________________________
1980 1464 3030 16408 100,0
1981 1596 3360 21037 101,6
1982 1563 3018 12971 100,9
1983 1423 4583 6644 101,0
1984 1490 5595 9122 103,0
1985 1562 4978 11261 105,9
1986 1474 7969 11307 102,3
1987 1523 10499 11941 104,3
1988 1560 12332 18176 107,5
1989 1683 13191 23046 111,9
1990 1796 15138 28812 116,7
1991 1859 16670 35668 123,2
1992 1937 17627 44816 131,1
1993 1924 20765 45901 140,2
1994 2002 24940 55072 151,4
1995 1911 36448 43030 -
________________________________________________________________________
Fontes e notas: (1) milhões de novos pesos de 1980 . (2) e (3) dados FOB. milhões de
dólares. (Banco do México) . (4) PIB/pessoa ocupada com base Encuesta Industrial
Mensual. (5) Fixados com serie a preços de 1993. (De La Peña,1997,p.XX)
A tabela acima demonstra que a partir de 1987 a produtividade industrial
melhorou, mas foi mais um efeito estatístico devido ao fechamento de plantas, avanço
do segmento importador, a desocupação em massa de trabalhadores menos qualificados,
202
do que devido a um movimento geral de modernização e tecnificação do parque
produtivo
232
. (De La Peña, 1997, p. 149)
O investimento estrangeiro aumentou, mas não foi suficiente para cobrir as
deficiências do investimento doméstico, pois neste período as empresas mexicanas
dedicavam-se a subsistir, e poucas faziam investimento.
“Diante disso as autoridades econômicas se vêem obrigadas a recorrer a
empréstimos junto aos banqueiros internacionais e ao FMI, estes empréstimos
faziam parte de um pacote de ajuda financeira que contava com a participação do
Tesouro americano, que somou 7,7 bilhões de dólares. Porém a contrapartida
destes empréstimos
233
foi que se reduzissem os subsídios, baixassem a proteção
aduaneira e privatizasse empresas estatais” (Casas, 1991, p. 289).
A combinação da queda dos preços do petróleo com o terremoto de setembro de
1985 foi explosiva, pois obrigou o governo a aumentar os gastos públicos, aumentar o
endividamento externo, para cumprir o pagamento dos juros, e com isso aprofundou a crise
fiscal do estado (Bresser Pereira, 1992, p. 67).
Esta situação levou a um aumento nas taxas de inflação, que atingiram 86,2%
em 1986 e 131,8% em 1988, o que levou o governo mexicano a fixar a taxa de câmbio,
porém os resultados em termos de inflação só surtiram efeito a partir de 1989, quando
esta se reduziu para a casa dos 20% ao ano.
“Diante da crise econômica e do descontentamento da opinião pública
234
, o
governo inicia a implementação, em dezembro de 1987, do Pacto de
Solidariedade Econômica (PSE)
235
, que era composto por três signatários: I. Os
trabalhadores da Central Operária (CTM
236
); II. Os empresários no Conselho
Coordenador Empresário (CCE); e III. O governo”.(Casas,1991,p.290)
232
A modernização e a tecnificação do parque produtivo ocorreu apenas nas empresas exportadoras, que, por
iniciativa própria investiram bastante e com êxito, pois uma política de mudança tecnológica não houve.
233
Não era a primeira vez que o México recorria a empréstimos americanos, em 1983 foram 5 bilhões de
dólares, mais 3,8 bilhões em 1984. Estes empréstimos que deveriam ser pagos inicialmente em 1985, foram
ampliados devido ao terremoto.
234
Numa pesquisa de opinião feita no final de 1986 mostrava que 54% dos entrevistados acreditavam que o
país nunca sairia da crise e 69% culpava o governo pelas más políticas adotadas (Casas,1991,p.290).
235
Este acordo foi inspirado no Pacto de Moncloa espanhol.
236
Confederação dos Trabalhadores do México
203
O Pacto de Solidariedade Econômica (PSE) trazia algumas novidades, entre elas, a
adoção de medidas heterodoxas, como o congelamento de preços, dos salários, das tarifas
públicas, e do câmbio, porém a taxa de juros ficou liberada como forma de estimular a
poupança e frear a fuga de capitais, destaca-se com isso o reconhecimento do caráter
inercial da inflação. O governo Miguel De La Madrid se caracterizou por dois períodos
distintos, no primeiro de 1983/87 tem como objetivo básico enquadrar a economia
mexicana à nova configuração do mercado financeiro internacional. No segundo momento,
que se inicia no final de 1987 (com a introdução do PSE) e caracteriza pela adoção do
programa heterodoxo, onde o combate a inflação e a recuperação econômica e priorizada.
O Pacto de Solidariedad Econômica (PSE) tinha como principal objetivo, segundo
Dedeca, “...a contenção dos gastos públicos e a formação de um superávit primário
237
de
8% em relação ao PIB, que pudessem permitir a sustentação das reservas existentes, a
contenção dos salários, em especial do setor público, e a adoção de uma taxa de câmbio
estável”.
“No final de 1987 havia sido implementado um amplo programa de
privatização e um ambicioso e amplo programa de liberalização comercial. Em
1982, todas as importações estavam sujeitas a barreiras não alfandegárias; ao
final de 1987 apenas 20,3% do valor das importações estavam sujeitas a
restrições quantitativas. As tarifas foram reduzidas ao longo do tempo de um
máximo de 100% em 1982 para 45% em 1987 (Ortiz apud Casas,1993, p. 288).
Segundo Orme, no período 1983-88 foram privatizadas poucas empresas
importantes, esta alienação ficou restrita aos hotéis, refrigerantes, produtos químicos e
farmacêuticos não importantes e firmas de serviços. Num segundo momento, 1988-89,
outros setores foram privatizados, mineração, manufaturas e a venda da importante
Companhia de Cobre Cananea, onde o governo arrecadou US$ 900 milhões. Neste
período foram vendidas duas companhias aéreas, estaleiros navais, caminhões e
motores, produtos químicos, açúcar e distribuição de alimentos, que rendeu ao governo
US$ 1,6 bilhão (1995, p.41).
237
Receita superior a despesa, sem contar os gastos relativos ao pagamento dos juros. Deve-se destacar que
um superávit primário tão rigoroso levaria a economia a níveis concretos de recessão.
204
“O governo encontrou dificuldades para privatizar as empresas estatais devido à
oposição dos trabalhadores e dos sindicatos. Esta oposição foi vencida em 1990,
quando o publico, vendo com bons olhos as privatizações, apoiou o governo
contra os sindicatos fortes. O que influenciou a decisão da população favorável às
privatizações foi em parte a demanda por melhores serviços públicos, e a não
mais aceitação do governo como administrador” (Orme, 1995, p. 41).
Em 1990, o governo mexicano privatizou 20% da TELMEX, empresas
monopolista na área de telecomunicações, passando ao setor privado o controle da
estatal por US$ 1,7 bilhão. Devido ao sucesso desta privatização, o governo vende em
1991 26% da sua participação sem direito a voto, rendendo US$ 1 bilhão. As
privatizações tornaram-se um instrumento para a promoção dos papéis mexicanos no
exterior
238
(Orme, 1995, p.41).
Segundo Fukuyama: “não havia duvida de que os abrangentes setores estatais do
antigo mundo comunista precisavam ser drasticamente reduzidos, mas o inchaço estatal
também havia contaminado muitos paises não-comunistas em desenvolvimento. Por
exemplo, a participação do governo mexicano no PIB cresceu de 21% em 1970 para
48% em 1982, e seu déficit fiscal atingiu 17% do PIB, preparando o terreno para a crise
de endividamento que surgiu naquele ano” (2005, p. 19).
Em 1991, apenas 280 empresas continuavam sendo públicas, de um total de
1155 existentes em 1982. (Orme, 1995, p. 42)
Orme, ao analisar as privatizações de empresas estatais no México, conclui que:
“Além de US$ 1,6 bilhão recebido das primeiras e pequenas reprivatizações ao
longo da década de 1990, o governo tinha em meados de 1991 acumulado US$
8,4 bilhões, dos quais as maiores contribuições resultaram da venda da TELMEX
e do Banco Nacional do México (BANAMEX). Todos os bancos comerciais e
outras entidades menores foram posteriormente reprivatizados por US$ 8 bilhões,
incluindo o complexo siderúrgico, SICARTSA, e a companhia de fertilizantes”
(1995, p. 43).
238
O México neste momento precisava de capital estrangeiro e a privatização de empresas estatais poderia
atraí-los.
205
O Pacto Solidariedade Econômica se resume a um esforço do governo em três
campos da economia, um ajuste fiscal, que termine definitivamente com a crise fiscal do
Estado mexicano; políticas de renda e aprofundamento da reformas institucionais.
Destacamos inicialmente a redução das taxas de inflação
239
, que atingiu 7% ao
mês em 1987 e caíram para números mais modestos, algo em torno de 1% ao mês,
salientamos ainda a não existência de recessão, o que surpreendeu a todos, até mesmo a
equipe econômica, pois o crescimento industrial foi de 3,5%.
Porém, as metas de equilíbrio fiscal ficaram prejudicadas, pois o Pacto trouxe
um aumento das taxas de juros, o que impossibilitou o equilíbrio das contas públicas e
uma deterioração da conta corrente.
A adoção destas medidas e as constantes desvalorizações cambiais geraram
aumentos constantes nas exportações e aliviaram o setor externo da economia, como
podemos notar na tabela abaixo.
239
Destacamos que a taxa de inflação saltou de 26,4% em 1980 para 102,3% em 1983 (período da crise da
dívida), alcançando 131,8% em 1987 e 114,2% em 1988. Porém em 1989, o nível de inflação já havia caído
para 20,0% (Dupas, 1999, p. 156).
206
. Tabela 16 - Evolução do setor externo - México (US$ milhões)
Ano Importações Exportações Saldo Reservas
1984 11288 24185 12897 8133
1985 13218 21667 8450 5804
1986 11451 16028 4576 6791
1987 12199 20649 8450 13751
1988 18945 20648 1703 6588
1989 23410 22765 - 645 6860
1990 29775 26779 - 2996 7100
1991 32000 26000 - 6000 12000
____________________________________________________________
Fonte: BID
A partir da tabela acima podemos notar que o saldo comercial mexicano apresentou
superávit do início da década de 80 até 1988, quando o resultado começou a ficar negativo.
Um balanço dos primeiros cinco anos da virada econômica do México percebe-se
que os resultados foram frustrantes. A velha economia mexicana estava destruída e a nova
não tinha a energia necessária para arrastar o país. (De La Peña, 1997, p.150)
Apesar do balanço negativo, pois a “Nova Economia” apresentava resultados
frustrantes, governo de Miguel De La Madrid se encerra em dezembro de 1988, a situação
econômica do país não era muito favorável, porem os números mostram que De La Madrid
entrega a Carlos Salinas de Gortari ( seu sucessor) uma economia em melhor estado do que
recebeu.
No campo da política externa, De La Madrid dá prosseguimento a política
independente adotada por todos os presidentes mexicanos anteriores. Sua política se
207
caracterizou como mais a direita, enquanto a de Luís Etcheverria (1970-76) se caracterizou
por ser mais a esquerda (Fuser, 1995, p. 15).
A reforma econômica liberalizante seguiu um ritmo gradual durante o governo de
Miguel De La Madrid (1982-1988) e um ritmo acelerado no de Carlos Salinas de Gortari
(1988-1994). Ambos os governos enfatizaram muito mudanças na área econômica. Porém,
relutaram de formas diferentes, em desmantelar o aparelho político sobre o qual estavam
montados. Não pretendiam entregar o poder. Queriam viabilizar a economia em um novo
contexto internacional e reiniciar o crescimento para evitar um colapso político. Mas à
medida que a reforma econômica avançava, a velha estrutura corporativista era ferida de
morte (Carmin, 2002, p.43).
Mas, como destacou Castells, foi o presidente Miguel De La Madrid:
“...um tecnocrata vinculado aos círculos de integrismo católico, foi o presidente
da transição, em 1982-88, ficando encarregado de colocar as finanças do México
em ordem, e prepara a nova equipe de líderes
240
jovens, tecnicamente
competentes e politicamente ousados com plenas condições de criar um novo
país, e um novo Estado, a partir das esferas de poder do próprio PRI” (1999, p.
326).
4.3. O Governo de Carlos Salinas de Gortari
Em 6 de julho de 1988 ocorreram eleições para a presidência mexicana, os
candidatos eram, Carlos Salinas de Gortari
241
, pelo PRI, Cuautémoc Cárdenas
242
que havia
saído do PRI no ano anterior e era candidato pela Frente Democrática Nacional, e Manuel
Clouthier pelo Partido da Ação Nacional (PAN) pela oposição. As pesquisas de opinião
diziam que naquelas eleições finalmente se encerraria o governo do PRI, que desde 1929
estava no poder, Cuautémoc era favorito nas pesquisas com uma margem de 5% de votos
sobre Salinas.
240
Dentre eles destacamos Carlos Salinas de Gortari, Manuel Camacho e Ernesto Zedillo.
241
Salinas tinha sido ministro da Programação no governo De la Madrid.
242
Cuautemoc era filho de Lázaro Cárdenas, que havia governado o país no período 1930-1936, sendo
responsável pela nacionalização do petróleo.
208
No México, o poder do PRI era total, no dia da apuração os computadores do
tribunal apresentaram problemas, e caiu o sistema, a partir daí retiraram da sala todos os
jornalistas e os representantes de partidos e não forneceram maiores informações naquele
dia. No dia seguinte os resultados das eleições foram divulgados, Carlos Salinas era o novo
presidente mexicano, tinha sido eleito com 50,4% dos votos; em segundo ficou o candidato
da Frente Democrática Nacional com 30,9% dos votos e em terceiro lugar, com 16,7%,
Couthier. Acabava naquele dia o sonho da oposição de governar o México pela primeira
vez em 150 anos.
O sistema político mexicano é bastante complexo, pois desde 1929 um único partido
comanda os rumos do país, diante disso, o escritor Mário Vargas Lhosa definiu o país como
“a ditadura perfeita” (Fuser, 1995, p.14).
O governo de Carlos Salinas de Gortari beneficiou-se de uma conjuntura positiva,
embora sua legitimidade fosse sempre posta em dúvida. A curva do crescimento mexicano
nesses seis anos teve a bem conhecida forma de sino, alcançando o ápice em 1991 para
reduzir-se progressivamente ate chegar a desafortunada crise de dezembro de 1994, logo
depois da posse do próximo presidente eleito.
Salinas inicia seu governo com a promessa de modernização do país e de
prosseguimento das reformas estruturais. Diante disso, aprofunda a ortodoxia econômica,
aumenta a abertura econômica, renegocia a dívida externa, e amplia as privatizações de
empresas estatais.
A medida mais importante adotada por Salinas ao assumir o comando do país foi a
renegociação da dívida externa, com isso o governo conseguiu fôlego para equilibrar suas
contas, pois nos anos anteriores o setor público havia se endividado muito rapidamente.
A dívida negociada por Salinas foi equivalente a US$ 53 bilhões e se basearam em
três opções: primeiro na redução do principal a uma taxa de desconto de 35%; segundo com
o recebimento do título no valor de face, com remuneração de 6,25% ao ano; em terceiro a
concessão de dinheiro novo por um período de quatro anos da ordem de US$ 1,5 bilhão. A
renegociação ocorreu no formato do Plano Brady, e embora tenha sido bastante importante
para o país em termos fiscais ainda ficou aquém das negociações efetuadas por outros
países (como Argentina e Brasil), tudo porque o México foi o primeiro país a ingressar
nesse Plano.
209
“As conseqüências da renegociação da dívida foram imediatas, as contas
públicas apresentaram uma melhora considerável, saindo de um déficit de 7,4%
em 1989, para um superávit de 1,8% do PIB em 1991. As taxas de inflação que
em 1987 estavam em 150% caíram para 20% em 1989 e 27% em 1990” (Gontijo,
1995, p. 44).
Os resultados iniciais foram estimulantes, a comunidade financeira internacional se
mostrou bastante otimista com relação a situação econômica do país e os fluxos de capitais,
tanto na forma de investimento externo direto (IED) como capitais especulativos voltaram
ao México, que se tornava aos olhos dos investidores estrangeiros um grande negócio.
Diante de todo este otimismo a economia permanecia estagnada, com taxas de
crescimento modestas, da ordem de 1,5% ao ano, resultado este insuficiente para reverter os
números de 1986, queda de quase 4% no PIB.
Nas tabelas 17 e 18, vemos o desempenho econômico do México no período 1988-
1994.
_________________________________________________________________________
Ano Crescimento do PIB (%) Inflação (%) Taxa de Câmbio Real
1988 1,2 114,2 100
1989 3,3 20 91,4
1990 4,4 26,7 91,2
1991 3,6 22,7 83
1992 2,8 15,5 78,2
1993 0,4 9,7 73,5
1994 4 7 74,8
Fonte: BID
210
Tabela 18
Ano Saldo Comercial Conta Corrente Gasto Público/PIB Déficit
(US$ bilhões) (US$ bilhões) (%) Púb./Pib (%)
1988 1,7 - 2,4 35,2 - 12,5
1989 - 0,7 - 4 30,4 - 5,6
1990 - 4,4 - 7,1 27 - 3,9
1991 - 11,3 - 13,8 22,4 1,8
1992 - 20,7 - 22,8 20,3 3,4
1993 - 18,9 - 20,5 21,3 0,2
1994 - 24,5 - 29 21,5 n/d
Fonte: BID
Através destes dados podemos observar que o crescimento econômico no período
1988-1994 foi bastante modesto para o México se comparado aos 6% do pós-guerra até a
década de 1980, porem, o mais importante e que estas taxas de crescimento foram
artificiais, pois ocorreram através do descontrole do setor externo, através da queda do
gasto público e principalmente pela taxa de câmbio valorizado. O atraso cambial trouxe
inúmeras conseqüências negativas para o México: 1) encareceu os produtos mexicanos no
mercado internacional; 2) barateou o preço dos produtos estrangeiros, o que levou o país a
incorrer em sucessivos déficits comerciais. As taxas de juros elevadas eram um instrumento
utilizado pelo governo para atrair capitais externos e com isso financiar os seus déficits
comerciais, porem, os capitais que entravam no México eram capitais especulativos e eram
utilizados para financiar as importações de produtos supérfluos
243
, assim sendo, não estava
havendo a modernização da economia mexicana, o país estava se tornando cada vez mais
dependente do capital externo.
“Quando Salinas assumiu o governo a situação social era insustentável, a
pobreza se espalhava por todos os estados e regiões, a miséria aumentava
243
Estes produtos eram desde produtos de consumo durável como não-durável, principalmente produtos de
luxo para suprir as necessidades das classes abastadas do país.
211
consideravelmente e o descontentamento da população era visível. Diante desta
situação, o governo lança em dezembro de 1988 o Pronasol (Programa Nacional
de Solidariedade), cujo objetivo era elevar o nível de vida dos grupos sociais mais
vulneráveis” (Gordon, 1994, p.351).
A idéia do Pronasol
244
era simples, em vez de o governo distribuir os recursos entre
os ministérios, estados e municípios, o dinheiro era repassado aos próprios beneficiários,
para projeto de interesses imediatos, em contrapartida a comunidade oferece a mão-de-obra
em regime de mutirão. O programa diminuiu a burocracia e ainda permitiu a queda no custo
da construção de escolas e estradas (Fuser, 1995, p.78).
Os discursos oficiais em relação a esse programa mostravam resultados
impressionantes, dos US$ 26 bilhões de dólares arrecadados com a privatização, US$ 10
bilhões foram destinados ao Pronasol, Salinas contabilizou mais de 250 mil comitês de
solidariedade e meio milhão de obras (estradas, pontes, bancos de jardim, salas de aulas,
etc...). Porém, o resultado não foi tão animador como mostram os dados do governo.
Analisando os dados referentes à saúde, educação, emprego, criminalidade, higiene, vemos
que a situação ficou pior depois de 6 anos de implantação do Pronasol do que quando do
início do programa, em 1988.
“A nova política econômica implementada pela América Latina, produziu
baixas taxas de crescimento econômico. Os melhores momentos da economia
mexicana não tem se pautado por grandes aumentos do Produto Interno Bruto.
Como mostram os dados da tabela abaixo, a elevação do PIB mexicano nos
períodos 1990-94 e 1993-95, respectivamente, mantiveram-se em patamares
relativamente baixos, comparativamente aos nos anos 50-70. Porém, mesmo
assim, o baixo incremento do produto gerou um déficit elevado na balança
comercial” (Dedeca, 1997, p. 514).
244
O Pronasol e o inspirador do Programa Comunidade Solidária, criado pelo governo brasileiro na segunda
dos anos 90, governo Fernando Henrique Cardoso a cargo da primeira dama brasileira, a antropóloga Ruth
Cardoso.
212
TABELA 19
Variações Anuais do Produto Interno Bruto (PIB) e dos Preços ao Consumidor
México - 1986/95
Ano Produto Interno Bruto (PIB) Preços
_________________________________________________________________________
1986 - 3,6 86,2
1987 1,8 131,8
1988 1,3 114,2
1989 3,3 20,0
1990 4,5 26,6
1991 3,6 22,7
1992 2,8 15,5
1993 0,7 9,7
1994 4,5 6,9
1995 - 6,2 35,0
______________________________________________________________
Fonte: (Dedeca, 1997, p. 515)
Os críticos do Pronasol diziam que este não era um programa para atender aos
estados pobres, mas um programa para atender aqueles estados onde o PRI perdeu as
eleições de 1988, esta crítica era pertinente, pois, os estados onde o partido havia perdido as
eleições receberam maiores recursos, o estado de Chiapas e um bom exemplo disso, pois
recebeu muitos recursos do Pronasol, e foi onde ocorreu um levante armado contra o
governo de Salinas e a “ditadura” do PRI..
Como destacou Almendra: “O ponto de semelhança de todos os modelos
econômicos aplicados na década de 1980 reside no fato de que estes planos de austeridade
significam: arrocho salarial, estagnação econômica, inflação, desemprego e o conseqüente
avanço da precarização laboral nos paises vigentes. Enfim um saldo social de miséria para
milhões de trabalhadores do continente que configuraram a assim chamada ‘década
perdida’ (2003, p. 182).
213
Entre 1990 e 1993, o governo mexicano iniciou a negociação
245
e assinatura do
Tratado de Livre Comercio da América do Norte com os Estados Unidos e Canadá - TLC -,
que entrou em vigor em janeiro de 1994.
A integração com os Estados Unidos foi a “...solução ao dilema que enfrentava a
cúpula econômica, de insistir no crescimento aberto da economia ilhada, que não havia
dado resultados e ameaçava a estabilidade política, e numa maior internacionalização”.(De
La Peña,1997,p.151)
Para Dornbusch:
“Os formuladores da política econômica mexicana acreditavam que a apreciação
da taxa de câmbio real não era um problema: o Tratado de Livre Comércio da
América do Norte traria investimentos diretos e oportunidades comerciais. No
momento, os déficits eram amplos, mas seriam reduzidos no futuro; de qualquer
forma, não havia perigo de falta de financiamento, pois os investidores estavam
interessados pelas ações e bônus do Tesouro mexicano. A sobrevalorização
tornou-se problemática com as eleições de 1994, que trouxeram consigo a
possibilidade de mudanças na estratégia econômica e mostraram a debilidade do
partido oficial” (2003, p. 311-2).
As concessões feitas pelo governo mexicano para que o país fosse admitido como
parceiro do NAFTA agudizaram a tal ponto a crise, que no inicio de 1994 ela mostrou-se
com intensidade vulcânica, sem meios tons, para todo o mundo, sobretudo para os
investidores internacionais que avalizaram o “milagre” dos anos 1980.
245
Segundo De La Peña, a aprovação do Tratado de Livre Comercio exigiu grandes adequações do governo
mexicano: “...seja nas estrutura jurídicas, na facilitação do investimento direto (1989), na eliminação do
controle de câmbio (1991), ou no fim à divisão agrária e procedendo à amortização das terras publicas
(“ejidos”) para incorpora-las ao mercado. Negociou-se a dívida externa com os bancos credores, dentro das
exigências do Plano Brady, acelerou-se a privatização de empresas para-estatais, sendo essas reservadas a
intervencionistas nativos em condições de privilégios, no melhor estilo nacionalista, para prenunciar a criação
de fabulosas fortunas. Parte da renda proveniente dessas liquidações (bancos, minas, industrias, telefones,
linhas aéreas) foi aplicada pelo governo no saneamento das finanças publicas, assim como em projetos sociais
ante a miséria crescente e as pressões externas para que se fizesse algo a esse respeito”. (1997, p.151)
214
Evolução das Exportações Mexicanas no período 1980-2002 (bilhões de dólares)
TABELA 20
Ano Exportações Ano Exportações
1980 7,6 1992 37,9
1982 7,6 1994 53,4
1984 12,5 1996 84,3
1986 15,5 1998 110,3
1988 24 2000 150,1
1990 30,6 2002 146,2
_______________________________________________________________
Fonte: Secretaria de Economia do México
O mercado financeiro era muito incipiente, o Banco Central Mexicano absorvia
em 1982 48,2% do total da dívida interna, enquanto em 1993 apenas 0,4%, ou seja, os
títulos em poder do setor privado aumentaram progressivamente.
Destacamos ainda, que no período da negociação do Tratado de Livre Comércio
246
,
houve um aumento na oferta mundial de capitais para o México. O excessivo aumento da
oferta de capitais gerou um “...apetite insaciável de capital fez com que fossem aceitos
todos os investimentos e financiamentos possíveis, sem moderação nem prudência”. (De
La Peña, 1997, p. 151)
Huerta acredita que:
“...com o NAFTA, os EUA desejam tornar irreversíveis as mudanças recentes
que tem ocorrido na economia mexicana, sobretudo no que se refere à uma maior
generalização da abertura externa a toda a economia, ao processo de privatização,
e a entrada de investimentos estrangeiros diretos... O processo de
internacionalização das economias e de complementaridade que se tem
desenvolvido entre ambas as economias, faz que os investimentos estrangeiros no
país tendam a incrementar, o que requer, de maneira complementar, uma maior
246
North American Free Trade Agreement (NAFTA) é a ampliação do acordo de livre comércio já existente
entre os Estados Unidos e o Canadá desde 1989, agora incluindo o México. O acordo entrou em vigor a partir
de janeiro de 1994 e prevê a eliminação de tarifas alfandegárias entre os três países num período de 15 anos,
embora 50% das barreiras existentes tenham sido eliminadas logo no inicio de 1994.
215
segurança para os mesmos. Dai a importância do NAFTA e a modificação dos
investimentos estrangeiros diretos que ele exige”.(apud Dedeca, 1997, p. 517)
A situação macroeconômica no início dos anos 90 era preocupante, os juros altos
cobrados pelo governo deterioravam a situação fiscal do Estado, a balança comercial entrou
num período de déficits crescentes e o câmbio real estava totalmente desvalorizado, tudo
isso contrastava com o otimismo dos investidores e do governo mexicano que acreditavam
no melhor dos mundos.
Krugman definiu assim a euforia que se abatia sobre os investidores internacionais:
“Em princípios da década de 1990, o México era o favorito dos investidores
internacionais, convencidos de que as reformas econômicas do então presidente
Carlos Salinas redundariam em vigoroso crescimento econômico. As
advertências de uns poucos economistas de que o sensacionalismo publicitário
sobre as perspectivas do México não correspondiam ao desempenho efetivo
foram ignoradas e o dinheiro continuou inundando o país, ao ritmo de US$ 30
bilhões por ano. Mas, durante 1994, algumas notícias inquietantes - a rebelião dos
camponeses, o assassinato do candidato à presidência e os indicadores
econômicos desfavoráveis - tornaram os mercados cada vez mais nervosos.
Finalmente, em dezembro, a quantidade de investidores intranqüilos alcançou a
massa crítica e deflagrou-se uma corrida de grandes proporções contra o peso
mexicano” (1999A, p.74).
Outro ponto interessante a se destacar, foi o crescimento das maquiladora
247
, que
passou a se tornar o epicentro da nova economia industrial. Segundo Hiernaux-Nicolas,
“...o perigo de associar o crescimento industrial a um tipo de atividade que gera escasso
valor agregado, não forma ‘clusters’ ou articulações interindustriais no território nacional e
que só poderia parecer interessante do ponto de vista do aumento do emprego, embora de
tipo taylorista e de baixa remuneração (2005, p. 35).
Como destacou Greider, durante 20 anos, as multinacionais americanas tinham
fabricado vários componentes em mais de mil fábricas mantidas na zona franca ao longo da
fronteira mexicana: a chamada zona maquiladora, uma região de trabalho barato onde os
americanos fabricavam artigos para exportação. Agora, pelo menos estavam oferecendo as
mesmas vantagens globalizadoras ao país inteiro (1997, p. 308).
247
Alem do setor automobilístico, destacamos ainda outros exemplos de indústrias maquiladoras que se
destacaram: os setores de produção de cerveja, indústria de cimento, a siderurgia, o cobre, entre outros.
216
Deve-se se destacar ainda, que a expansão para o norte
248
foi provocada pelas
empresas exportadoras, que aproveitaram as vantagens da localização em cidades medias
do centro-norte e norte
249
. Um dos setores mais importantes neste movimento foi o setor
automobilístico, que ajudou bastante no aumento das exportações mexicanas, mas também
gerou grande carga de importações, o que causou graves problemas no balanço comercial
do país.
A montadora transnacional General Motors
250
(GM) transferiu um grande número
de estabelecimentos industriais e de empregos para o México, em particular para a região
Norte, transformando-se no segundo empregador privado do país.
Como destacou Carrillo: “A ampla difusão de maquiladoras da GM no México faz
parte da sua estratégia de reduzir custos de produção, principalmente por meio da
diminuição da remuneração do pessoal ocupado (calcula-se que os salários nas
maquiladoras de autopeças sejam mais de dez vezes menores que nas empresas de
autopeças dos Estados Unidos” (2001, p. 94-5).
Em 1988, a GM contava com 47.846 empregados dos quais 20 mil nas
maquiladoras (42%). Já em 1996, esse número estava na casa dos 75 mil trabalhadores no
México (63 mil na divisão Delphi-GM, ou seja, 84%, e o resto na GM corporativa, ou
16%), o que torna a GMM a principal empregadora privada do país, em particular pelo
desempenho da sua divisão Delphi (Carrillo, 2001, p. 94).
O México estava se tornando uma zona de exportação com baixos salários para
entrar no mercado norte-americano, exatamente como os críticos da integração haviam
previstos anteriormente e, foram brutalmente contestados pelos defensores do processo de
integração com o vizinho do norte.
Como destaca Ortiz:
248
Cabe destacar, que esta expansão, ou “Marcha para o Norte” como efeito da abertura econômica ‘e
particular do México e um resultado de seu alto grau de integração com os Estados Unidos e, além disso, de
sua peculiar vizinhança geográfica deles. Diferentemente dos outros paises latino-americanos que realizaram
uma abertura similar, o México viveu uma transformação radical de seu território nos últimos vinte anos, o
que implica uma autentica recolocação das atividades econômicas e da população em um processo de
“subida” de seus diversos centros gravitacionais para o norte.
249
As grandes cidades do norte e da fronteira, como Tijuana ou Ciudad Juarez; assim como cidades médias
não fronteiriças, como Chihuahua, Hermosillo e Saltillo-Ramos Arizpe, são espaços abertos para o norte,
orientados de forma crescente para os Estados Unidos.
250
É importante destacar, que além da GM, a Ford e a Chrysler, adotaram estratégias corporativas baseadas
no México, como forma de se protegerem contra a penetração de importações japonesas, dessa forma,
tentaram criar no México uma plataforma de exportação de baixo custo para os automóveis pequenos.
217
“O grau de dependência da economia mexicana em relação aos Estados Unidos
era altíssima. O México não representava mais que 4% do comercio
estadunidense, mas os Estados Unidos representavam pelo menos 70% do
comercio externo mexicano. O Nafta facilitou a entrada, no México, dos produtos
norte-americanos e incentivou ainda mais a instalação de industrias
‘maquiladoras’ e as chamadas golondrinas, que se valiam das isenções tarifarias
para produzir em territórios mexicanos, com custos muito mais baixos, o que
depois seria vendido com bons lucros no mercado interno americano ou
internacional” (2003, p. 281-2).
Os críticos do modelo de integração destacavam o processo maciço de
desmantelamento da capacidade produtiva do país. Como descrito por Heredia:
“Se a economia se concentrar nas indústrias exportadoras, isso significará que ela
estará dependendo de apenas 300 companhias que respondem por 85% do total
das exportações. Dessas 300, um bom número é subsidiária das multinacionais
americanas. O que você tem, portanto, é um comércio intra-empresas que não
está de fato integrado com a economia interna. É a General Motors exportando
autopeças de sua subsidiária mexicana para sua fábrica em Ohio ou no Michigan.
Desde que o Nafta foi assinado, a proporção de exportações que, na realidade,
não passa de comércio intra-empresas, passou de 40% para 55%. Ao mesmo
tempo, o resto da indústria mexicana que não está voltada para a exportação não
agüenta o tranco da abertura das fronteiras. Mesmo antes de a desvalorização
reduzir os salários ela já não conseguia sobreviver à competição ou às elevadas
taxas de juros” (apud Greider, 1997, p. 309).
Como destacou Carrillo:
“A indústria maquiladora, principal seguimento manufatureiro no México por seu
dinamismo no emprego e na geração de divisas, tinha em 1996 cerca de 150 mil
trabalhadores, dos quais, 42% (63 mil) eram empregados da Delphi. Quanto à
corporação, a Delphi-México representa pouco mais da terça parte do total de
empregados dessa companhia no mundo (63 mil dos 179 mil ocupados), e tudo
indica que o processo de transferência de empregos ainda continua, se levarmos
em conta que um trabalhador da Delphi no México ganha uma média de 1,65 a 3
dólares por hora, mais encargos, enquanto a média na Delphi-Ohio é de 10
dólares por hora ou 17 dólares no caso dos membros da United Auto Workers
(UAW). Ainda existem 68 mil trabalhadores da Delphi nos Estados Unidos (73%
sindicalizados pela UAW), considerados pelo Wall Street Journal como ‘uma
grande desvantagens para a firma’” (2001, p. 95).
A situação no México transformou-se em duas histórias conflitantes: de um lado, a
euforia dos investidores, o aumento dos investimentos estrangeiros internacionais (IED), as
notícias entusiasmadas e entusiásticas que os norte-americanos liam a respeito do
218
crescimento mexicano formaram o pano de fundo para a assinatura do Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA). Do outro, o desgaste rápido e constante da
produção interna, o que deixava claro que a indústria e a agricultura não estavam aptas a
competir no sistema global, e muito menos quando o manto protetor do governo começasse
a ser retirado.
Outra questão importante a ser destacada, com relação ao Tratado de Livre
Comércio, é que no campo da agroindústria, “a tecnologia aplicada nas grandes fazendas
dos Estados Unidos ganhava de longe em produtividade dos mexicanos e desbancou a sua
produção de grãos, representando séria ameaça aos pequenos e médios agricultores. Os
trabalhadores mexicanos não tiveram as mesmas garantias para atuar em território
estadunidense que seus vizinhos, continuam sendo discriminados e explorados, o
protecionismo norte-americano não se curvou às exigências legais do Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA), surgiram novas barreiras a integração como a
xenófoba Proposta 187 na Califórnia. Tentava-se a todo custo limitar os direitos sociais dos
imigrantes mexicanos e seus descendentes” (Ortiz, 2003, p. 282).
4.4. O levante zapatista
O ano de 1994 traria muitas surpresas para o México, o Exército Zapatista de
Libertação Nacional (EZLA), levanta-se em armas contra o governo de Salinas de Gortari
em 01 de Janeiro de 1994, o que obriga o governo a deslocar o exército mexicano para uma
guerra contra os miseráveis de Chiapas.
Enquanto os beneficiários e entusiastas deste modelo celebravam a chegada do ano
novo e a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio/NAFTA, milhares de camponeses
indígenas ressuscitavam Zapata e, armados, com seus rostos cobertos e com onze
reivindicações básicas em suas bocas, colocavam em cheque a vigência do projeto
neoliberal.
O exército zapatista mostrava, com sua existência miserável e resistência secular, as
suas fraturas expostas, aumentadas pela adoção do modelo neoliberal, causador de
dolorosas contradições.
Castells destaca o efeito do movimento sobre a crise do Estado mexicano:
219
“O efeito do movimento de Chiapas foi devastador. Não só por ameaçar o poder
do Estado do ponto de vista militar, mas também por ter-se alastrado rapidamente
como o grito de guerra de uma sociedade civil que, em sua grande maioria,
encontrava-se em graves dificuldades econômicas e em estado de alienação
política. Além disso, uma rebelião genuinamente indígena e camponesa desferiu
um grande golpe na mitologia do PRI. Os pobres, os camponeses, os índios, não
eram os beneficiários subjugados e eternamente agradecidos pelo sucesso da
revolução, mas sim os excluídos e estavam dando o troco. O véu da hipocrisia
sob o qual o México vivera durante décadas estava irredimivelmente rompido. O
rei estava nu, assim como o PRI” (1999, p. 328).
Os zapatistas apresentavam algumas peculiaridades com relação aos movimentos
sociais anteriores, o que lhe garantiu um eco e um interesse praticamente planetário.
Em pouco tempo, os principais jornais do mundo estamparam em suas páginas fotos
de guerrilheiros zapatistas, com seus rostos cobertos, com máscaras de lã e os lenços
vermelhos que ocultavam sua identidade.
Destacamos abaixo um trecho da Declaracion de la Selva Lacandona, que
poderíamos entender como a declaração de guerra dos rebeldes ao governo e ao exército
federal mexicano.
“[...] Hoje dizemos: Basta!, somos os herdeiros dos verdadeiros forjadores de
nossa nacionalidade, somos milhões de despossuídos e chamamos todos os
nossos irmãos a se somarem a este chamado como único caminho para não
morrer de fome ante a ambição insaciável de uma ditadura de mais de 70 anos,
encabeçada por uma camarilha de traidores, que representam os grupos mais
conservadores e vende-pátrias [...] Nos homens e mulheres íntegros e livres,
estamos conscientes de que a guerra que declaramos e uma medida ultima mais
justa... integra-te as forças insurgentes do Exercito Zapatista de Libertação
Nacional” (disponível no endereço www.zapatista.mx). .
Desde sua aparição, o movimento zapatista não parou de estar cada vez mais
presente nos meios de comunicação mundiais, “...afirmando também sua influencia nos
imaginários coletivos de praticamente todos os movimentos de resistência do mundo, e
constituindo-se em uma referencia obrigatória de todos aqueles que se interessam pelos
processos de transformação social que atravessam o sistema capitalista em seu conjunto”
(Aguirre Rojas, 2004, p.150).
O movimento Zapatista mexicano ou neozapatista, como preferem alguns teóricos,
ficou conhecido como uma das experiências mais importantes das quais podem aprender
muito todos os novos movimentos anti-sistêmicos, tanto do ponto de vista organizativo e
político como também do ponto de vista cultural.
220
O Exército Zapatista se caracterizou como um movimento de resistência com
implicações e significados globais, e proclamando que sua luta é parte de uma luta que esta
tanto em Chiapas como no México, na América Latina e em todo o mundo.
O Exército Zapatista conseguiu o seu poder de fogo no mercado negro, adquirindo
armas com os recursos dos próprios combatentes, o que os diferencia das outras guerrilhas
da região, que conseguiram suas armas com assaltos a bancos (como a guerrilha urbana
brasileira), com a ajuda cubana (como no caso de El Salvador), com seqüestro de
empresários (como na Colômbia), e com a ajuda do tráfico de drogas (como no Sendero
Luminoso, no Peru).
“Os zapatistas se rebelaram contra a miséria que viviam, contra o descaso do
governo mexicano que privilegiava outros estados (principalmente aqueles mais
próximos dos EUA) em detrimento do estado de Chiapas, onde a maioria da
população era indígena e viviam em situação de miséria extrema. O comando do
EZLA estava nas mãos do subcomandante Marcos e outros ativistas de formação
marxista, que oriundos da cidade começaram a se implantar na região no início
dos anos 80, porém, o grosso dos zapatistas era de índios, as bases de apoio, as
formas de luta, a linguagem, as bandeiras” (Fuser, 1995, p.108).
O aparecimento do levante zapatista causou grandes discussões sobre as origens dos
sublevados. James Petras destaca que a esquerda sublinha as origens “indígenas”, enquanto
a direita recorre a noção de “subversão externa”, como eixo central da ação revolucionária
(2000, p.57).
Para Petras, a uma nova forma de contestação extraparlamentar questionando o
pensamento neoliberal:
“Esses novos movimentos políticos, como o Exército Zapatista de Libertação
Nacional (EZLN), o Movimento dos Sem Terra (MST) no Brasil, as FARC na
Colômbia, os movimentos dos camponeses-índios no Equador, na Bolívia e no
Paraguai estão desafiando abertamente os regimes neoliberais e seus
patrocinadores imperialistas” (2000, p. 56).
“O fato de que revolucionários organizados desempenharam um papel ativo na
formação, organização e luta programática em Chiapas não minimiza, de maneira nenhuma
a autenticidade ou legitimidade da revolução”. O que é novo e autêntico é a interação
dialética entre, por um lado, as tradições locais da solidariedade dentro das comunidades e
as autoridades locais comprometidas com seu povo e, por outro lado, os revolucionários
221
marxistas, comprometidos com a criação de um movimento revolucionário com a visão de
uma sociedade alternativa, sendo ambas as partes capazes de aprender com uma
experiência prática e adaptar-se a ela” (Petras, 2000, p.57-8).
Como destaca Aguirre Rojas, o movimento indígena neozapatista “...não e mais que
o último elo de uma longa cadeia de movimentos de resistência indígenas, presentes no
México e em toda uma zona importante da América Latina, que percorre os últimos cinco
séculos de história da civilização latino-americana, marcado-a com a presença recorrente de
movimentos análogos de rebelião das populações índias” (2004, p. 157).
A demanda dos zapatistas, mesmo sendo simples e elementares, como nos parece
inicialmente, são irrealizáveis sem uma outra revolução paralela do atual modelo
econômico que, há um quarto de século, foi imposto ao México.
Segundo Aguirre Rojas:
“As demandas aparentemente elementares de trabalho, terra, teto, alimentação,
educação e independência são revolucionarias na atual ordem econômica latino-
americana e mexicana, pois seu cumprimento integral implicaria o abandono das
atuais políticas privatistas e neoliberais, que favorecem as zonas e os estratos
ricos, enquanto abandonam a própria sorte e esquecem os grupos e as regiões
mais pobres. Nelas, sobrevivem 60 milhões de pessoas abaixo do limite da
pobreza extrema no México, junto com os 24 mexicanos bilhardários incluídos na
lista da Forbes
251
, os quais seguem ao pé da letra as políticas do FMI, ainda que
isso implique o aumento do escândalo do desemprego, dos êxodos rurais, das
crises de subsistência popular, da deterioração dos níveis de vida, da elitização e
do desmantelamento das universidades publicas ou da subordinação destes paises
latino-americanos aos centros financeiros e econômicos dominantes” (2004,
p.165).
Dedeca ressaltou que a nova política econômica é incapaz de recompor o nível de
emprego, pois apesar da expansão econômica mexicana do período 1991/1994, nota-se que
a melhora da produção industrial foi acompanhada da continuidade da tendência de queda
permanente do emprego industrial. Este fato decorre da pressão competitiva imposta pela
nova política econômica, que é obrigada a proceder um ajuste produtivo que garanta a
251
A superconcentração de renda refletiu-se no numero de bilionários famosos que o pais exibiu na lista da
Revista Forbes. Em 1991 apareceu um único nome, o do proprietário da Televisa, Emilio Azcarraga; em
1992, este número subiu para 7, sendo 13 em 1993. Em 1994 já eram 24 bilionários na lista da Forbes, de um
total de 358 fortunas contabilizadas no mundo inteiro.
222
sobrevivência no novo contexto econômico. A modernização
252
se articula com a destruição
de segmentos industriais mais defasados tecnologicamente, favorecendo uma elevação
rápida da produtividade industrial.
Hiernaux-Nicolas destaca o papel do sul do México, região onde surge o movimento
zapatista, neste momento de grandes transformações econômicas e políticas:
“Cumpre recordar que o sul nunca teve o grau de desenvolvimento capitalista que
o centro conheceu, nem durante a colônia, nem depois da independência.
Numerosos foram os esforços de integração, desde a construção da rodovia
transístmica em princípios do século ate o desenvolvimento da produção de
henequen (ou sisal) em Yucatan e o posterior incentivo ao turismo, entre outros, a
partir da década de 1960. Mas em que pesem esses esforços, o sul foi antes de
mais nada um reservatório de mão de obra barata destinada a alimentar o mercado
de trabalho central do pais na fase de substituição de importações (a bem dizer,
desde muito antes), assim como o mercado estadunidense, através de imigração
legal ou clandestina. Apesar disso, cabe se sublinhar que se conservou em boa
medida o caráter tradicional da população, alem de vários aspectos de seus modos
de vida associáveis a dominante de população étnica” (2005, p. 40).
Percebemos com isso, que o lugar reservado ao sul mostrou-se limitado, não
cometendo equívocos poderíamos dizer, que o sul do território mexicano e o espaço da não-
integração ou da exclusão dos processos de abertura da economia. Agora, esta exclusão do
sul não e total, algumas regiões estão totalmente integradas, tais como Cancún, que se
integra através do turismo internacional e a cidade de Mérida se integra através das
indústrias maquiladoras.
Outro ponto sobre a integração do sul ao sistema mundial é a presença de recursos
naturais estratégicos
253
que estão na mira das empresas transnacionais (Hiernaux-Nicolas,
2005, p.41).
252
No caso mexicano a modernização se da pela incorporação de novas tecnologias, pela racionalização
econômica provocada pela recentragem produtiva, terceirização e queima de parte da capacidade de produção.
(Dedeca, 1997, p.517)
253
Destacam-se Cancún, Mérida, Acapulco e Huatulco como centros turísticos além da grande biodiversidade
existente na região, que atrai inúmeras empresas transnacionais.
223
4.5. Da euforia do Tratado de Livre Comércio do Norte (NAFTA) à crise de 1994
O ano de 1994 traria também boas notícias para o governo mexicano, depois de
mais de dez anos de políticas econômicas ortodoxas, marcadas por privatizações, abertura
econômica e desregulamentações financeiras e comerciais, o México é aceito no Tratado de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), bloco econômico composto pelos Estados
Unidos, Canadá e agora pelo México.
O presidente Carlos Salinas tentava vender a idéia de que a economia e a sociedade
mexicanas estavam estabilizadas, o que seriam garantias para os Investimentos Estrangeiros
e passaporte para o NAFTA e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), o clube dos paises industrializados, foi abalada em maio de 1993 pelo
assassinato do cardeal de Guadalajara, Juan Jesus Posadas. Este crime deixou em evidência
que o narcotráfico, a violência e a corrupção estavam em escala ascendente, e deixando
claro que a estabilidade tão apregoada por Salinas não passava de invenção manipulada e
eleitoral.
O acordo feito com os Estados Unidos que introduziu o México no Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA) gerou grandes promessas para os mexicanos,
mas se analisarmos mais friamente, a junção com os Estados Unidos tinha vindo muito
antes, em 1986, quando o governo do México, sob o peso da dívida externa, decidiu adotar
o modelo econômico chamado “Consenso de Washington”.
A situação econômica era grave, o economista Rudiger Dornbusch, uma das
maiores autoridades sobre economia mexicana, vinha pregando a desvalorização do peso
desde 1992, porém, seus comentários eram rechaçados pelo governo mexicano, pois uma
desvalorização significaria o fim dos investimentos e a perda de confiança por parte dos
investidores estrangeiros (1996, p. 930).
O problema do México estava no valor do peso, a moeda se encontrava
excessivamente valorizada, o que estava retirando as mercadorias dos mercados mundiais
em razão do preço, impedindo que a economia usufruísse das vantagens da sua capacidade
de crescimento. A única solução para a economia mexicana no momento seria uma
desvalorização do peso.
224
Dornbusch destacava ainda, que a crise de 1994 “tem as mesmas causas das
precedentes: empréstimos irresponsáveis por parte de credores demasiado confiantes e
ávidos, e, por parte do México, uma grande sobrevalorização da moeda nacional” (2003,
p.305).
Em 1993, os preços dos produtos mexicanos, expressos em dólares, tinham
aumentado mais de 45% em relação aos preços norte-americanos. Uma sobrevalorização de
pelo menos 25% podia ser destacada. O crescimento desacelerou (com exceção do aumento
da despesa no ano eleitoral), as taxas de juros reais cresceram enormemente, se medidas
pelas taxas sobre empréstimos bancários, e a balança comercial começou a exibir um
maciço superávit. Existiam todos os sintomas de uma situação financeira problemática. O
peso estava claramente sobrevalorizado, mas os dirigentes
254
mexicanos recusavam-se a
reconhecer os fatos e os investidores estrangeiros eram enganosamente tranqüilizados para
que mantivessem suas exposições expostas a risco. Um ponto forte, invocado em toda
explicação do porquê de o México ter uma atração única, era a superioridade dos resultados
obtidos na política fiscal. Naturalmente, isso não era suficiente (Dornbusch, 2003, p. 308).
Krugman salienta que as autoridades mexicanas rechaçavam as críticas de
Dornbusch:
“Os mexicanos descartavam tais análises, assegurando aos investidores que o
programa econômico continuava na trajetória correta, que não havia motivos para
desvalorizar o peso, e que não tinha intenções de agir nesse sentido” (1999A,
p.76).
A escolha do presidente Carlos Salinas de Gortari do seu sucessor gerou graves
conflitos dentro da estrutura do Partido Revolucionário Institucional (PRI), pois muitos
acreditavam que o nome correto para a sucessão seria Manuel Camacho
255
, que na época
era o político mais forte e popular do circulo de amizades de Salinas. Mas o presidente
escolheu Luis Donaldo Colósio, e depois de seu assassinato escolheu Ernesto Zedillo.
Como destacou Castells:
254
Apesar das criticas, Dornbusch reconhece que no governo de Carlos Salinas o México consegue duas
grandes conquistas: equilíbrio do orçamento e redução da inflação. No inicio dos anos 90, a inflação quase
atingiu 30%, uma taxa elevada demais para gerar tranqüilidade. Os déficits orçamentários entre 5% e 10% do
PIB, no final dos anos 80, eram excessivos sobre qualquer ponto de vista.
255
Manuel Camacho havia sido secretário do Desenvolvimento Urbano.
225
“Camacho ficou extremamente irritado por ter sido preterido, tanto por razões
políticas como pessoais e, pela primeira vez na história política mexicana, abriu o
jogo ao presidente quanto às suas opiniões, e em público” (1999, p. 328).
O momento era de grande instabilidade, depois do desgastante processo de escolha
do sucessor do presidente Carlos Salinas, o levante dos Zapatistas, o ingresso no Tratado de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), soma-se, ainda o assassinato do candidato
a presidência Donaldo Colósio
256
(PRI), em 23 de março, que aumentou mais ainda a
instabilidade política e agravou a desconfiança dos investidores estrangeiros com relação a
sustentabilidade do modelo mexicano.
Os zapatistas, que foram manchetes em todos os jornais mexicanos perderam o
espaço para o assassinato do candidato priista, Donaldo Colósio foi assassinado quando
começou a criticar as ações de Salinas no governo. Sua morte abriu espaço para outros
nomes priistas que sonhavam em disputar a candidatura pelo “todo poderoso” PRI, nesta
disputa interna quem recebeu a indicação do presidente Carlos Salinas, o chamado dedaço,
foi o seu antigo ministro Ernesto Zedillo.
Em 3 de outubro de 1994, as estruturas do PRI são afetadas por outro assassinato, o
ex-secretário geral do partido, Francisco Ruiz Massieu é assassinado. Os executores diretos
do crime foram presos, porém, os verdadeiros mandantes permanecem em liberdade.
257
Crimes, roubos, corrupção, assassinatos, revolta popular, tudo isso se somou aos
problemas econômicos do país, gerando uma fuga de capitais, o resultado disso a crise
econômica de 20 de dezembro de 1994, que foi detonada pelo México e se espalhou por
toda a América latina e Ásia, tendo as piores conseqüências na Argentina.
Dornbusch destaca que os acontecimentos de Chiapas e o assassinato do candidato à
presidência geram muita perplexidade na comunidade internacional, mas o governo, todos
os dias, concede aos investidores garantias de que tudo ia bem: uma queda do peso não
seria permitida. Os empréstimos externos continuavam a afluir, mas a taxas de juros
crescentes. Taxas de juros elevadas e falta de competitividade começavam a estrangular o
256
Donaldo Colósio era titular da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedesol), instituição que a
administrava o Pronasol (Programa Nacional de Solidariedad), um gigantesco programa assistencialista para a
população de baixa renda, sobretudo os camponeses e indígenas.
257
As investigações colocaram a família Salinas no centro dos crimes, tanto o presidente como seu irmão
Raul foram acusados pelo assassinato, porém poucas provas foram encontradas para condenar o presidente
mexicano, mesmo assim o problema trouxe instabilidade política ao México, o que afastou muitos
investidores do pais.
226
crescimento. A ausência de crescimento e o gigantesco déficit externo – quase 8% do PIB –
tornavam provável a previsão clássica: mais cedo ou mais tarde o peso seria esmagado. A
continuidade e a credibilidade do modelo só conseguem manter os problemas afastados até
um certo ponto (2003, p. 312).
O México se tornou extremamente dependente do ingresso de capitais externos, de
1988 a 1994 o país absorveu enormes quantidades de capitais, isto se deveu a abertura
econômica iniciada em 1982 e intensificada em 1988, porém, esta abertura “selvagem” da
economia gerou um processo de desindustrialização, uma maior dependência dos produtos
estrangeiros e uma profunda dependência dos capitais externos.
TABELA 21 - México: saldo em conta corrente e variação bruta das reservas (bilhões US$)
(1993/1994)
Conceito 1992 1993 1994
Saldo em Conta Corrente - 24,8 - 23,4 - 28,8
Variação Bruta das Reservas 1,1 6,1 - 18,9
Fonte: Banco Mundial
“A causa imediata da crise mexicana foi a impossibilidade de seguir cobrindo o
déficit em conta corrente de US$ 28 bilhões em 1994 com entrada de capitais
estrangeiros. Um dos eixos do combate neoliberal à inflação foi a tentativa de
sustentar a paridade do peso frente ao dólar. Com uma paridade que não refletia a
inflação, as importações dispararam, de forma que a demanda de divisas, já alta
por causa da necessidade de pagamento da dívida externa, viu-se cada vez mais
incrementada pelo déficit comercial” (Baeza, 1997, p.73)
A tabela acima mostra os problemas da economia mexicana de então; para cobrir o
déficit de US$ 23,4 bilhões em 1993, entraram capitais atraídos pelos elevados lucros. No
período 1988/1994, o investimento direto estrangeiro passou de pouco mais de US$ 24
bilhões para pouco mais de US$ 50 bilhões.
“Esse investimento chegou por causa da abertura da economia mexicana:
ingresso no GATT em 1986, mudanças nos regulamentos de investimento
estrangeiro introduzidos no México a pedido dos Estados Unidos em 1993 e,
finalmente, entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio em janeiro de 1994”
(Baeza,1997, p. 74).
227
No período, 1991/94, o México recebeu fluxos de capitais no valor de US$ 98
bilhões, cerca de metade do total da América Latina. A contrapartida deste investimento foi
um déficit em conta corrente que chegou a US$ 30 bilhões, mais ou menos 8% do PIB em
1994.
Cline analisando os fluxos de investimento para a América Latina assinala que:
“Os fluxos líquidos de capital para a América Latina, que atingiram o pico de
mais ou menos US$ 40 bilhões em 1981, no final da recuperação dos anos 70
alimentada pelos petrodólares, caíram para uma media anual de US$ 10 bilhões
em 1983-89, durante a crise da dívida. Com a conjunção favorável do Plano
Brady para a dívida com o chamado Plano Greenspan de redução das taxas de
juros nos Estados Unidos da América, os fluxos líquidos alcançaram a media
anual de cerca de US$ 50 bilhões em 1991-93” (1996, p.108).
Ao sentir os primeiros sinais de instabilidade, os capitais estrangeiros saíram do
país, isso gerou um circulo vicioso, pois a instabilidade política (assassinatos, crimes,
corrupção, todas envolvendo o governo) aumentou a fuga de capitais, o que como
conseqüência obrigou o México a mexer no câmbio (desvalorizou o câmbio em 40%), a
aumentar as taxas de juros para tentar segurar os investidores, mas como o país estava
quebrado e os investidores só tinham perspectivas negativas, reverter a fuga de capital foi
impossível.
Diante da situação de insolvência, o novo presidente Ernesto Zedillo, que havia
tomado posse em 01 de dezembro de 1994, foi obrigado a pedir empréstimos para ressarcir
os investidores internacionais que haviam sido prejudicados pela crise econômica.
Para Baeza:
“Novamente, em 1994, o México teve a duvidosa honra de abalar a estrutura do
capitalismo mundial. Isto ocorreu depois de doze anos de políticas neoliberais
impostas, em certo grau, pelo Fundo Monetário Internacional, mas adotadas com
entusiasmo incomensurável pelos governantes mexicanos e apoiados pelos
capitalistas, nacionais e estrangeiros, estabelecidos no México. De modo que a
crise mexicana mais recente, ou pelo menos sua intensidade, deva ser
contabilizada entre as “conquistas” das políticas neoliberais” (1997, p.75).
Dornbusch destaca que:
228
“O dado mais impressionante sobre o desempenho do país que deveria ter
chamado a atenção foi certamente a ausência de crescimento. Entre 1985 e 1994,
a produção mexicana cresceu a uma taxa media de 2%. A força de trabalho
cresceu, durante este período, pelo menos 3%. Em consequência, o setor informal
aumentou durante a década. Na fase mais recente (1990-1994), o crescimento
progrediu a uma taxa média de 2,6% ao ano, sempre abaixo do crescimento da
força de trabalho. Em 1993, o crescimento era praticamente nulo. O ano eleitoral
trouxe de volta um pouco de crescimento, graças a uma expansão fiscal com
objetivos definidos e consistentes. Mas o governo não deveria tê-la considerado
como algo mais que um efeito da clássica estratégica de injetar energia na
economia em ano de eleição” (2003, p.314).
O governo mexicano precisava de uma enorme quantia para evitar que uma crise
maior levasse a implosão de sua economia. O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton,
temendo um contágio maior da situação mexicana se encontrava num dilema: de um lado
sabia da necessidade premente de socorrer a economia mexicana, porém, sabia também que
este socorro era uma política ousada, arriscada e extremamente impopular, pois se a
iniciativa falhasse, talvez o resultado comprometesse todo o seu governo e muito mais. Mas
a operação foi bem-sucedida, e a história talvez registre a decisão de levar adiante o plano
como o melhor momento de Clinton
258
. (Krugman,1999B, p.156)
Segundo Krugman, o pânico dos investidores não se encontrava apenas na questão
econômica, o vórtice que sugava o dinheiro do país era o medo político, a preocupação de
que a recente abertura do México para o capital e para as mercadorias estrangeiras estava a
ponto de ser revertida para um populismo antiamericano. A fuga de capital decorrente desse
medo estava acarretando uma recessão econômica desastrosa. E era exatamente essa
recessão que, por sua vez, se constituía na causa mais poderosa da inquietação política.
Todas as perspectivas indicavam que o pessimismo com relação ao futuro mexicano se
transformaria numa profecia auto-realizável (1999B, p. 158).
O presidente americano Bill Clinton concedeu um empréstimo
259
ao México no
valor de US$ 50 bilhões de dólares, estes recursos foram levantados com a ajuda do FMI e
do Bank for International Settlements (o Banco para Pagamentos Internacionais, conhecido
como o Banco Central dos Bancos Centrais).
258
Segundo nos relata Krugman, a figura principal na persuasão do presidente Clinton, foi “...o subsecretário
do Tesouro (agora vice-secretário) Lawrence Summers, ex-professor de Harvard que emergiu como o cérebro
econômico da administração Clinton. Summers chegou a duas conclusões sobre a crise mexicana: que a
intervenção americana talvez significasse a diferença entre a recuperação e a catástrofe, e que valia a pena
correr o risco”.
259
Este empréstimo saiu do orçamento americano, pois o congresso (dominados pela oposição Republicana)
não se mostrou simpático ao empréstimo de socorro aos mexicanos.
229
“Clinton recorreu a um artifício para evitar a oposição do Congresso americano e
outorgou um empréstimo de US$ 20 bilhões, garantido pela receita petrolífera
mexicana; além do mais, conseguiu outras garantias adicionais de US$ 27,8
bilhões para o México. Entre elas estava o maior empréstimo do FMI em 50 anos.
Em 21 de fevereiro foi assinado o acordo básico entre México e Estados Unidos
sobre o empréstimo de US$ 20 bilhões. Para essa data, o México tinha passado de
um câmbio de 3,46 pesos por dólar, em novembro de 1994, para 6,2 pesos por
dólar em fevereiro de 1995”. (Baeza,1997,p. 72-3)
É importante destacar que na crise de 1982, o México precisou de US$ 5 bilhões
para sair da crise, em contrapartida, na crise de 1994, o país precisou de dez vezes mais,
algo em torno de US$ 50 bilhões.
A quebra súbita do México, ocorrida no final de 1994 e início de 1995, como
destacou Greider:
“...não se limitou ao México, mas espalhou-se pelo mundo afora, fazendo
desmoronar outros ‘mercados emergentes’da América Latina e da Ásia, onde os
investidores globais também jogavam com os spreads das taxas de juros. Os
mercados da América Latina caíram 38% em dois meses; até mesmo os mercados
mais ativos da Ásia caíram de 10 a 21% quando o dinheiro global começou a
voltar correndo para casa, à procura de um porto mais seguro. Esse pânico
mundial foi atribuído ao ‘Efeito Tequila’ e pôs-se a culpa, por ele, na
incompetência das autoridades mexicanas cujas virtudes, pouco tempo antes,
eram exaltadas pelos mesmos detratores de agora” (1997, p. 296).
Krugman definiu os motivos que levaram o governo norte-americano a autorizar
esta operação de salvamento
260
da economia mexicana:
“Porque, então, assumir um risco de tais proporções? Porque o México não é um
país qualquer. Alem da fronteira de 3200 quilômetros com os Estados Unidos,
trata-se de um vizinho tradicionalmente difícil que, por acaso, esta sendo
governado no momento por tecnocratas educados nos Estados Unidos, mas cuja
amizade não é uma certeza. Deixar os “nossos companheiros” presidir o colapso
econômico, como parecia muito provável em 1995, teria sido um grande desastre
para a política externa. Para ser franco, havia também a questão de proteger as
grandes somas de investimento privados já efetuados no México; mas talvez esta
última posição seja cínica demais. Se as minhas fontes são de alguma valia, a
política externa, e não os interesses dos amigos dos amigos de Rubin em Wall
Street foi o fator decisivo” (1999B, p. 158-9).
260
O resgate da economia mexicana pelo governo dos Estados Unidos foi bem-sucedido. Após afundar 10%
no primeiro ano de crise, a economia recuperou o terreno perdido. Os investidores privados retornaram,
estabilizando o peso; e o governo, anos à frente da data programada, pagou o empréstimo de emergência. O
México ainda não esta completamente salvo, mas os contribuintes americanos não correm riscos.
(Krugman,1999B, p.159)
230
A crise mexicana
261
foi uma crise de confiança gerada pela insustentabilidade das
políticas econômicas adotadas pelo modelo neoliberal, mas economicamente a crise se deu
devido ao alto déficit em conta corrente acumulado pelo país, US$ 100 bilhões entre 1988 e
1994. Este déficit ocorreu devido à redução das barreiras tarifárias e da defasagem cambial
(Zini,1995).
Cline
262
concentrou as críticas dos analistas mexicanos - inclusive do presidente
Ernesto Zedillo e do ministro das Finanças Guillermo Ortiz (ambos economistas com
formação no exterior) - no uso excessivo de uma taxa de câmbio quase fixa:
“Essa ‘âncora’ contra a inflação obteve grande êxito ao término na década de 80,
porém sua excessiva rigidez e a supervalorização daí resultante elevaram à níveis
perigosamente altos o desequilíbrio externo do México. Se a maior parte do
déficit representasse investimento na capacidade produtiva de bens comerciais,
essa arriscada estratégia poderia ter funcionado. Mas a maior parte do déficit
representa consumo, visto que a participação do investimento no PIB aumentou
bem menos que a do déficit em conta corrente” (1999, p.110).
Segundo os analistas financeiros, percebemos que o boom econômico mexicano do
inicio dos anos 90 se limitara a seu setor financeiro
263
, não atingira a economia real, os
setores da produção interna e do emprego, e era alimentado por empréstimos e pela venda
de bens estatais (Greider, 1997, p. 294-5).
O empréstimo de emergência feito pelos Estados Unidos serviu para contornar os
problemas iniciais, e foram todos canalizados para os investidores estrangeiros que tiveram
prejuízos no país, porém, estes recursos elevaram a dívida externa mexicana para mais de
261
Para a América Latina como um todo as reservas, exceto ouro, caíram de US$ 113 bilhões em setembro de
1994 para US$ 101 bilhões em marco de 1995. Dessa queda, porém, quase US$ 10 bilhões referiam-se apenas
ao México, de modo que as reservas do restante da América Latina caíram menos de 3% por causa do efeito
tequila.
262
Cline destaca ainda que o México devia ter desvalorizado o câmbio no segundo trimestre de 1994, quando
suas reservas ainda estavam relativamente altas, ao invés de aguardar ate o fim do ano, quando as reservas
baixaram para o equivalente a seis semanas de importação.
263
Neste período, “a possibilidade de arbitragem das diferenças nas taxas de juros entre os Estados Unidos e
os mercados financeiros do exterior. Ao pedir dinheiro emprestado no mercado de Nova York onde, na época,
os juros estavam comparativamente baixos, um investidor podia comprar ações mexicanas ou papéis
governamentais de curto prazo e ganhar spread entre os retornos de 5 a 6% nos EUA e de 12 a 14% no
México. Como um número cada vez maior de investidor sentiu-se tentado a fazer isso, o preço das ações
mexicanas disparou e o índice da Bolsa de Valores dobrou, triplicou e até mesmo quadruplicou no espaço de
três anos apenas. Os investidores espertos tiveram lucros fabulosos – chegando a 80% a 100% - pedindo
emprestado nos Estados Unidos e comprando bens financeiros mexicanos que retinham por algumas semanas
ou meses apenas. Os investidores bobos acharam que essa mamata ia durar para sempre” (Greider, 1997, p.
295).
231
US$ 150 bilhões, tornando assim o México o maior devedor da região, ultrapassando o
Brasil. As maiores críticas ao empréstimo americano se concentram nas garantias dadas
pelo governo mexicano, que comprometeram as reservas petrolíferas do país, assim o
México estava comprometendo também a sua soberania política e econômica com o país
vizinho.
“É importante destacar as principais lições da crise mexicana: I)
Independentemente de sua origem, cumpre observar limites seguros para os
déficits externos em conta corrente; II) Deve-se buscar um equilíbrio prudente
entre o uso da taxa de câmbio como âncora contra a inflação, por um lado, e a
manutenção de uma taxa real de câmbio realista, por outro; III) Deve-se
minimizar a dívida de curto prazo, especialmente a dívida governamental de curto
prazo em mãos estrangeiras (em moeda nacional ou estrangeira)” (Cline, 1996, p.
111).
A crise de 1994/95 dava ao México algumas alternativas, a primeira delas ‘...é se
retirar do sistema financeiro global, pelo menos temporariamente, admitindo que, na
verdade, o México não estava pronto para assumir a posição que os defensores do NAFTA
lhe atribuíam. Mas essa era uma opção impensável para os tecnocratas reformadores no
poder. O novo presidente do México, Ernesto Zedillo Ponce de Leon, era formado em Yale
e estava familiarizado com a ortodoxia do mercado livre proposto pelo governo americano
e pelo mundo financeiro, a doutrina conhecida na América Latina como ‘neoliberalismo’”
(Greider, 1997, p. 297).
Uma outra opção era o controle governamental do capital
264
; esta medida teria
interrompido a crise com feitos econômicos menos destrutivos e com menos sofrimentos
para a população. Esta política contrariava um dos princípios da ideologia neoliberal
dominante, o que gerava oposições constantes do governo dos Estados Unidos e do Fundo
Monetário Internacional.
Em meados de 1995, seis meses após a crise do peso mexicano, o temor parecia ter-
se dissipado. No começo, julgou-se que a crise mexicana era um sinal de que a crise da
dívida latino-americana voltara com toda a força, e que os resultados do Plano Brady eram
264
O grande paradoxo do capitalismo de livre mercado, neste momento, é que as nações mais pobres, que
foram mais bem sucedidas durante as últimas três décadas, são justamente as que exerceram controle mais
rigoroso do capital. Com relação à crise de 1997/98 na Ásia, um dos grandes exemplos de ajuste pós-crise foi
a da Indonésia, que se recuperou mais rapidamente apoiada em um conjunto de medidas, sendo que a mais
pragmática foi à adoção do controle de capitais, medida condenada pelas instituições multilaterais no início,
mas depois descrita como uma medida correta e salutar.
232
apenas um paliativo para um problema de dívida realmente insolúvel. Mas tal suposição era
pouco provável, dadas as importantes reformas estruturais e de políticas efetuadas na região
e as proporções bem mais reduzidas da dívida. Por volta de junho de 1995, essa
possibilidade estava praticamente descartada (Cline, 1996, p. 113).
“No período de 1950/81 a economia mexicana cresceu a uma taxa média de
3,3%; porém, no período, 1982/96 a taxa de crescimento do PIB foi -0,6, sendo
que os trabalhadores foram os mais atingidos pelo ajuste. Em 1996, os salários
reais correspondiam a 58,6% do de vinte e dois anos atrás. Os trabalhadores que
recebem salário mínimo e os burocratas sofreram uma queda ainda maior nos
seus rendimentos. A queda dos salários no México não encontra explicação no
campo da produtividade, pois nesses vinte anos, foi incorporada uma enorme
quantidade de novas tecnologias que elevaram a produtividade do trabalho. Se a
economia mexicana funcionasse adequadamente para os trabalhadores, uma
maior produtividade poderia traduzir-se em uma melhoria do nível de vida dos
mesmos. Não tem sido assim; e, pelo contrário, os trabalhadores mexicanos estão
cada vez mais pobres” (Baeza,1997, p. 71).
Belluzzo ao comparar o colapso financeiro do México de 1982 e a de 1994, destaca
como elemento comum, a excessiva dependência do financiamento externo, sendo que os
capitais dos anos 90 apresentavam nítidas desvantagens em termos de prazos, volatilidade,
natureza e destinação de recursos (1995b).
Como dito anteriormente, a opção dada pelos economistas e analistas financeiros, de
se criar instrumentos para controlar a entrada de capitais estrangeiros, inicialmente
condenada pelo governo dos Estados Unidos e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI),
foi aceita, mais tarde, pelo FMI, que admitiu, que, no caso mexicano ela teria se justificado.
Belluzzo acrescenta ainda, que o endividamento dos anos 60 e 70 deixaram, em
muitos países, uma infra-estrutura e um setor industrial modernizados, apesar do freqüente
descompasso entre o vulto de alguns projetos e sua capacidade, quando em operação, de
gerar divisas para pagar os empréstimos. Nos anos 90, os países foram inundados pela maré
de capital líquido e especulativo que desbordou do centro para a periferia “emergente”, em
resposta ao diferencial de juros que se ampliava à medida que eram abrandadas as políticas
monetárias nos países desenvolvidos (1995b).
“Quando o governo mexicano optou pela desvalorização do peso incorreu num
outro equívoco bastante grave, que estimulou uma fuga ainda maior de capital.
Ao desvalorizar é preciso adotar certas regras: I) assegurar que a
desvalorização é suficientemente grande, pois do contrário, apenas se criam
233
expectativas de maiores desvalorizações. II) imediatamente após a
desvalorização, emita todos os sinais de que a desvalorização se encontra sob
controle, que as autoridades econômicas são pessoas responsáveis, que
compreendem a importância de tratar os investidores de forma correta, e assim
por diante. Do contrário, a desvalorização talvez confirme e reforce as dúvidas
sobre a solidez da economia, iniciando o pânico” (Krugman, 1999A, p. 78).
O México não observou essas regras. A desvalorização inicial foi menor do que
aquela prevista por Dornbusch, apenas 15%. Soma-se a isso, o comportamento das
autoridades
265
mexicanas, que ao contrário de tranqüilizar os investidores nacionais e
internacionais, aumentou o pânico e a fuga de capitais.
De La Peña descreveu assim a situação econômica do México no ano de 1995:
“... a economia começou a estabilizar-se em um nível mais baixo (o Pib caiu
quase 7% em 1995), com quedas severas no consumo privado (7%, ou seja, 9%
por habitante), o investimento bruto fixo (29%), no cambio e nas importações
(12%). A inflação cresceu de 7% para 52% (anualizada) em seis meses. O mesmo
aconteceu com as exportações, as quais como sempre, ficaram na sua maioria
(80%) a cargo de poucas empresas entre as exportadoras (2,7%)” (1997, p. 153).
O crédito diminuiu em 16,7%, as taxas de juros cresceram enormemente (a de
Certificados de Tesouraria passou de 13,7% em novembro de 1994 para 74,8% em cinco
meses), tornando impossível o pagamento das dívidas, ainda mais sob a contração
econômica provocada para recuperar os equilíbrios vitais da economia. Como
conseqüência, a inadimplência cresceu enormemente, provocando violentas tensões sociais
que, um ano e meio depois ainda não tinham acabado. Os bancos
266
foram atingidos pela
inadimplência excessiva, causando falências técnicas, o que exigiu a criação de diversos
fundos, mecanismos e formas de intervenção para salvá-los. (De La Pena, 1997, p. 154)
265
Jaime Serra Puche, ministro da Fazenda do México no período, se comportou de uma forma arrogante e
indiferente à opinião dos credores internacionais; pior ainda, logo ficou claro, que os empresários mexicanos
haviam sido consultado sobre a desvalorização antecipadamente, dispondo de informações privilegiadas
inacessíveis aos investidores externos. (Krugman,1999A, p. 98)
266
De La Peña destacou ainda outras causas do desastre bancário mexicano: “...o desastre financeiro se gestou
desde antes, neste caso, desde 1990, com o aumento desproporcional do credito, a partir da grande liquidez
gerada pela abundância de capital externo. Com efeito, o sistema bancário recém privatizado aumentou
imprudentemente a concessão de credito (em relação ao PIB, passa de 18% em 1988 para 22% em 1990 e
para 44% em 1995), ao facilita-lo em excesso, inclusive sem garantias razoáveis, pela combinação de avareza
e inaptidão de empresários e amigos metidos a banqueiros”.
234
TABELA 22 - Taxa de desemprego - 1990/1997
Ano Desemprego Ano Desemprego
1990 2,7 1994 3,7
1991 2,6 1995 6,3
1992 2,8 1996 5,5
1993 3,4 1997 4,2
_______________________________________________________________
Fonte: OECD, Economic Outlook, jun/97
“A economia encerrou o ano de 1996 com crescimento de 5,1% do PIB e como
atesta a tabela acima com nível de desemprego aberto total de 5,5% da população
ativa, ante os 6,3% verificados em 1995. Destaca-se ainda o aumento da
precariedade dos empregos, crescimento da sub-ocupação (indivíduos
trabalhando menos de 35 horas semanais) e, principalmente, do número de
trabalhadores recebendo menos de um salário mínimo mensal. A soma do número
de trabalhadores em desemprego aberto com aqueles que trabalham em
subjornadas, esse número atinge cerca de 27% da população ativa em 1996,
contra 23% em 1994”. (Dupas, 1999, p.159)
A recessão, caracterizada pelo declínio da atividade econômica e do câmbio, trouxe
como conseqüências um incremento das exportações, queda das importações e o
desaparecimento do déficit externo de mais de US$ 18 bilhões, obtendo assim, um
superávit em conta corrente. Um ano e meio depois, renovou-se a atividade econômica,
com recuperação dos desequilíbrios macroeconômicos fundamentais, “mas não um
crescimento equilibrado entre exportações e produção para uso interno, entre setores, entre
poupança interna e capitais externos, entre abertura e controle, entre livre mercado e
regulação. Por isso, é previsível o ressurgimento do déficit externo tumultuoso ao
elevarem-se as importações financiadas por grandes volumes de capitais externos que
chegam ao país. Assim, haverá novos desequilíbrios, quedas e recuperações violentas” (De
La Peña, 1997, p. 155).
Um episódio que retrata o caos social gerado pela crise mexicana ocorreu na cidade
de Uruapan: “...uma família muito pobre levou o cadáver do pai para ser velado na agência
do banco local. Ele era um pequeno agricultor cuja plantação de abacates fora confiscada
pelo banco quando foi impossibilitado de pagar um empréstimo. A família atribuía sua
235
morte a isso. Os banqueiros ficaram tão embaraçados que devolveram a terra à viúva e
anistiaram a dívida” (Greider, 1997, p. 300).
A crise financeira vivída pelo México tinha conseguido unir as classes mexicanas de
uma forma que a política nunca tinha feito. A inadimplência de todos os mexicanos, desde
campesinos e até mesmo os donos dos grandes conglomerados geraram movimentos de
contestação
267
às práticas bancárias, impedindo confisco de caminhões e de terras de
pequenos e médios produtores rurais.
Como destacou Larry Summers, economista especializado em finanças
internacionais, comentando a crise mexicana:
“A crise mexicana ocorreu nos moldes das inovações financeiras dos últimos
anos: e os avanços nas áreas de informática e comunicações fizeram com que ela
se propagasse, de forma sem precedentes. Assim, não é de surpreender, o fato de
Michel Candessus, presidente do FMI, tê-la considerado a primeira crise do
século XXI” (apud Castells, 1999, p. 333).
A crise social mexicana estava em níveis jamais vistos no país, uma pesquisa
realizada pelo diário da Cidade do México EL Universal, mostrava que 36% dos habitantes
da capital tinham sido assaltados no ano anterior, e 61% tinham parentes ou amigos vítimas
de roubos ou furto. Apenas 21% se sentiam seguros andando nos transportes públicos e
somente 14% não tinham medo de andar nas ruas (Greider, 1997, p. 303).
Canuto destaca que apesar da rápida recuperação da economia do país, o setor
bancário passa por sérios problemas:
“Em termos reais, o PIB cresceu a taxas de 5,1% em 1996, 7% em 1997 e 4,8%
em 1998. A inflação caiu de 27,7% ao ano em 1996 para algo em torno de 14%
neste ano. Mesmo o governo intervindo no setor bancário
268
, injetando cerca de
US$ 68 bilhões no sistema bancário doméstico - valor equivalente a 15% do PIB
deste ano - , o volume de empréstimo com resgate em atraso esta atualmente
267
Um dos movimentos mais sólidos no México, neste período, foi o El Barzón. Este movimento começou no
campo e logo depois se espalhou para a cidade. O El Barzón era uma rebelião da classe média produtiva
mexicana, unindo camponeses, empresários, indígenas e pequenos e grandes proprietários de terras. Os
escritórios do Barzón eram organizados como centros de ajuda a pessoas que estavam afundando. O
movimento atendia todos os tipos de pessoas, principalmente aquelas que estavam nas garras de agiotas que
cobravam juros clandestinos de 300 a 400%
268
Segundo Canuto: “O programa de resgate dos bancos lançado na crise de 1995 teve quatro pecas básicas.
Alem de provisão de liquidez em dólares para os bancos e de esquemas de alívios de dívidas para os
devedores, o governo propôs-se a auxiliar na recapitalização dos bancos, bem como a absorver parte dos
créditos ‘podres’. Em troca destes, ofereceu títulos públicos intransferíveis de dez anos. O governo vai agora
ter de viabilizar a criação de um mercado secundário para estes títulos”.
236
quase 11 vezes maior do que o capital disponível no sistema bancário. Há de
observar, até mesmo, já estarem presentes alguns bancos internacionais (Citi,
Santander, Bilbao Viscaya, HSBC)”(1999).
Embora o governo tenha despendido grandes recursos com o programa de resgate
dos bancos, a “...reestruturação no setor e o retorno do crescimento, a criação de ativos
bancários pudesse gradualmente fortalecer sua estrutura patrimonial. No entanto, assistiu-se
a uma literal contração de crédito. O fluxo de novos empréstimos caiu de 38% para 19%,
respectivamente, em 1996 e 1997, ao mesmo tempo em que o agregado monetário mais
amplo (M4) mexicano aumentava em 5,6% no biênio” (Canuto, 1999).
De La Peña destacou duas tentativas de inserção da economia mexicana na
economia mundial: a primeira vez foi a modificação do regime econômico e a segunda foi a
integração com os Estados Unidos (1997, p.155).
A economia mexicana cresceu a uma taxa de 5,4% em 1997, com uma inflação de
20%, um nível de desemprego de 4,2% e um déficit em conta corrente de 2,0% do PIB, o
que deixava claro que o México havia superado a crise econômica de dezembro de 1994
(Dupas, 1999, p. 159).
“Em outubro de 1997, o México foi sacudido por outra crise econômica mundial,
esta, porém, ocorrida em outra parte do mundo, na Ásia. A crise asiática afetou a
economia mexicana ao reduzir o preço do petróleo
269
(produto responsável por
40% da arrecadação fiscal do governo), que caíram de 17 para dez dólares o
barril” (Dupas, 1999, p.159).
A crise asiática aconteceu num momento onde a economia mexicana apresentava
déficit comercial crescente, elevado endividamento em dólar e alto déficit em transações
correntes. Contudo, a crise asiática embora tenha abalado a economia mexicana, não levou
o país para o centro da crise.
Como destacou Hiernaux-Nicola, “...o México passou de um estrutura de
exportações essencialmente de matérias-primas e produtos agrícolas a uma exportação
industrial, com diversos graus de integração e elaboração dos produtos exportados, o que
lhe permitiu transitar da situação de pais periférico para a de pais semi-periférico” (2005, p.
36).
269
Para avaliarmos as consequências de tal queda, basta lembrar que cada dólar a menos no preço do petróleo
significa que oitocentos milhões de dólares deixam de entrar nos cofres do governo.
237
Depois de 20 anos de abertura da economia, percebe-se que o território mexicano
não é mais o mesmo, com territórios incluídos e territórios excluídos. Apesar de graves
equívocos, o processo de abertura trouxe algumas características positivas, como a redução
do peso relativo da Cidade do México no conjunto do território nacional.
Podemos, concluir, que os vários governos mexicanos deixaram deliberadamente às
forças do mercado a responsabilidade de uma reestruturação territorial particularmente
custosa para a população, por exemplo, no que se refere ao incremento de sua mobilidade
territorial.
O México passou por inúmeras transformações nas duas últimas décadas do século
XX, abertura econômica, liberalização, privatizações, integração em blocos comerciais,
crises financeiras e o surgimento de um novo movimento social, o Exército Zapatista de
Libertação Nacional (EZLN). Os zapatistas transformaram as formas de organização e de
luta, a estrutura de seu movimento, sua política para a sociedade e para outras posições de
esquerda, e também o caráter de suas demandas particulares. Fizeram isso ao mudar o
objetivo primeiro, que já não é a tomada do poder, mas a criação de um amplo, forte e
organizado movimento social, capaz de exigir e impor seus interesses e demandas
específicas.
Como destacou Aguirre Rojas:
“Esse movimento, como uma estrutura organizativa flexível e pouco hierárquica,
desburocratizado e muito aberto a participação de todos os membros, e, antes de
mais nada, a antítese das velhas e rígidas estruturas partidárias tradicionais, ainda
hoje existentes. Um movimento que procura avançar na criação de uma
verdadeira “frente ampla” dos oprimidos – intento ainda não concretizado – e que
apesar de seu caráter inclusivo, aberto, tolerante e plural, devera manter de
qualquer forma seu claro perfil crítico, contestatório, anti-sistêmico e
revolucionário” (2004, p. 170).
Chiapas mostra, através de seu movimento, idéias e lutas, os efeitos mais perversos
e descarnados do neoliberalismo capitalista e de sua crise terminal, mas também e, num
mesmo movimento, faz-se presente como critica radical dessa política e dessa ordem
mundiais e como busca de saídas reais alternativas a elas.
As crises subseqüentes vividas pelos ‘mercados emergentes’ tendo o México como
pioneiro, colocou em xeque as políticas defendidas pelos Organismos Multilaterais, Banco
Mundial (Bird), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do
238
Comércio (OMC), explicitadas no ‘Consenso de Washington’. Estas políticas eram
contrárias a todas aquelas que realmente demonstraram resultados positivos, que
“...praticavam uma mistura deliberada de intervenção estatal: políticas governamentais que
estimulavam e subsidiavam as empresas, suprimiam as taxas de juros internas e
controlavam o capital estrangeiro, protegiam sua indústria nascente das forças do mercado,
estabeleciam preços artificiais para os artigos de exportação, os produtos alimentícios
internos e, até mesmo a moeda nacional e forneciam assistência social à população em
geral” (Greider, 1997, p. 313).
As políticas “impostas” pelos Organismos Multilaterais geraram um endividamento
jamais visto no cenário internacional: “Em 1974, o total da dívida externa de todas as
nações em desenvolvimento era de US$ 135 bilhões. Em 1981, esse total passou para US$
751 bilhões. No início da década de 90, era calculado em US$ 1, 945 trilhão” (Greider,
1997, p. 319).
Nos anos 90, a sociedade mexicana enfrentou o crescimento do narcotráfico e sua
influência cada vez maior na política e nas esferas do poder, o que contaminou a burocracia
estatal, os funcionários de primeiros escalões, as estruturas de suposto combate ao
narcotráfico, setores empresariais e militares.
Os cartéis mexicanos
270
se fortaleceram economicamente e passaram a influenciar
ativamente na vida política do país, mantendo, cada vez mais, “estreitas relações com a
cúpula do poder político, econômico e militar no México, e tem poderosos – e até agora
ocultos – sócios nos Estados Unidos
271
” (Ortiz, 2003, p. 286).
O narcotráfico deteriorou a lógica política mexicana, criando a expressão
narcopolítica, que evidenciou a crise institucional do sistema político do país. A partir
destas transformações, que o Partido Revolucionário Institucional (PRI), partido
hegemônico por quase 70 anos, passa a demonstrar fragilidades estruturais que abrirão
caminho para a ascensão dos partidos de oposição: primeiro com vitórias nos vários
Estados da federação, e depois, em 2000, com a conquista da Presidência da Republica, por
Vicente Fox
272
.
270
Cartéis do Golfo, de Tijuana, Ciudad Juarez, Guadalajara e outros.
271
Os Estados Unidos são o principal consumidor mundial de drogas no mundo e ficando com pelo menos
75% dos lucros obtidos com o Mercado de drogas (Ortiz, 2003, p. 286).
272
Vicente Fox, industrial do setor de calcados, ex-executivo numero um da Coca-Cola no México e também
239
A sociedade mexicana, como foi descrito neste capítulo, passou por inúmeras
transformações nos últimos anos, principalmente a partir da crise de 1982, mas foi no
governo de Carlos Salinas de Gortari (1988-1994), que o México conheceu o impacto
direto e efetivo das idéias neoliberais. O país, caracterizado por uma economia fechada e
protegida, vai conhecer de forma violenta a concorrência internacional e a luta por
constantes ganhos de produtividade, numa forma clara e evidente da predominância do
capitalismo e da globalização.
Abertura econômica, privatização, desregulamentação financeira e diminuição do
papel do Estado na Economia são termos novos, ‘modernos’ e dominantes em nível global.
Estes novos conceitos passam a ser utilizados como uma verdadeira panacéia para o
desenvolvimento do país, mas sua implementação geraram gravíssimos custos sociais,
como desemprego, concentração da renda, incremento nos índices de violência e de
pobreza, que acaba estimulando o aparecimento de um movimento social que vai se
destacar na América Latina e no mundo, o Exército Zapatista de Libertação Nacional
(EZLN).
Destacamos ainda, que o período de Carlos Salinas de Gortari caracteriza-se por ser
um momento de grande corrupção e violência no sistema político e na sociedade mexicana,
com assassinato de políticos importantes, violência de todas as naturezas e uma corrupção
generalizada, sistêmico e em flagrante evidência.
4.6. A Corrupção na sociedade mexicana no período Carlos Salinas de Gortari
O governo de Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) foi marcado por muitas
transformações na sociedade mexicana, o aprofundamento das políticas neoliberais com
privatizações, abertura econômica, tratados de livre comércio, desregulamentações, além de
aumento da degradação social com desemprego, miséria, violência e corrupção em
ascensão, gerando instabilidade e crises política e econômica.
Os anos 80 foi para o México uma década de grande instabilidade econômica, a
crise de 1982 aumentou a dívida externa do país, levando-o quase a insolvência, com
atrasos constantes nos pagamentos dos juros e das amortizações.
ex –governador do Estado de Guanajuato.
240
Com a ascensão de Salinas a presidência do México, em um pleito
273
marcado pelas
fraudes e acusações de inúmeros crimes eleitorais. A contagem de votos no país foi
interrompida por uma semana, justamente no momento em que o candidato oposicionista
Cuauhtémoc Cárdenas estava na frente da contagem levantou inúmeras suspeitas de fraudes
eleitorais.
Depois de tomar posse, Salinas lançou um programa revolucionário para superar
problemas econômicos, implantando inúmeras reformas durante seu mandato de seis anos à
frente da presidência do México.
Inicialmente reduziu os impostos de pessoas físicas e jurídicas, o imposto sobre
valor agregado e relaxou o controle da inflação. Salinas abriu a economia aos investidores
estrangeiros, eliminou as restrições às importações, diminuiu as barreiras tarifárias,
incrementou a privatização de empresas estatais, reduziu o déficit do setor público e
promoveu uma ampla redução na regulamentação governamental das atividades
econômicas. Salinas se concentrou também na diminuição da dívida externa
274
mexicana,
que apresentou aumento constante nos anos 80, que chegou a US$ 100 bilhões.
Como destacou Castells:
“Salinas apertou o cinto dos mexicanos, reduziu drasticamente os gastos públicos,
modernizou a infra-estrutura de comunica’~oes e telecomunicações, privatizou a
maioria das empresas públicas, internacionalizou o sistema bancário, liberou o
comércio e abriu as portas do país para o capital estrangeiro. Embora o padrão de
vida tenha caído muito para a maioria da população
275
, a inflação reduziu-se
vertiginosamente, a economia mexicana apresentou um crescimento bastante
significativo, as exportações decolaram e os investimentos externos invadiram o
país, a ponto de em 1993 o México tornar-se o captador do maior volume de
investimentos externos diretos entre os países do mundo em desenvolvimento. As
reservas cambiais acumularam-se rapidamente. O serviço da dívida externa
estava sob controle. Via-se um exemplo bem sucedido de globalização em pleno
funcionamento” (1999, p. 327).
Salinas também patrocinou a criação do Pacto de Solidariedade Econômica (PSE),
entre o governo, o capital e o trabalho para conter o alto custo de vida, que gerava aumento
constante nos índices de inflação.
273
Carlos Salinas foi ”eleito” com a menor votação jamais obtida pelo Partido Revolucionário Institucional
(PRI) e o maior índice de abstenção; somente 30% do eleitorado mexicano apoiaram de fato Salinas.
274
Depois de se empenhar ativamente na negociação da dívida, Salinas conseguiu assinar um acordo, o Plano
Brady, que reduziu o serviço anual da dívida em US$ 4 bilhões.
275
Como destaca Castells, a população mexicana, composta de 90 milhões de pessoas, tinha “... mais de 50%
de seus cidadãos vivendo abaixo da linha da pobreza, e cerca de 30%, na pobreza absoluta” (1999, p. 328).
241
A agenda política de Salinas complementava suas reformas econômicas
amortecendo o seu impacto sobre os pobres e granjeando o apoio de setores sociais e
econômicos decisivos para a manutenção de seu programa de reforma.
Salinas procurou firmar sua credibilidade mediante o combate à corrupção,
mandando prender vários sindicalistas e políticos influentes. Baixou ainda, inúmeras
medidas para combater as eternas acusações de fraude eleitoral, para promover a
competição intrapartidária, aumentar a representação dos partidos oposicionistas no
Congresso e diminuir a probabilidade de fraude no processo eleitoral mediante a emissão
de cartões de identificação magnéticos para todos os 42,6 milhões de eleitores.
O mais inovador dos programas de Carlos Salinas foi certamente o Programa
Nacional de Solidariedade (Pronasol), um programa de obras públicas, crédito rural e
mobilização social iniciado em 1989 e administrado em sua fase inicial diretamente pela
presidência. O Pronasol não só gerou uma melhoria nos serviços de saúde, educação, água,
estradas e eletricidade às regiões mais pobres do país, mas também fortaleceu a posição
política do presidente e do PRI visando às áreas geográficas ameaçadas por ganhos
políticos da oposição.
A tabela 23 abaixo, mostra os altos investimentos
276
do orçamento mexicano
destinados ao Programa Nacional de Solidariedade.
1989 1990 1991 1992
US$ 680 milhões US$ 950 milhões US$ 1,7 bilhão US$ 2 bilhões
Estes gastos feitos pelo governo foram concentrados nas áreas onde a oposição
ganhava espaço, e deixa claro, a disposição de Salinas para aliar formas tradicionais de
patronagem, corporativismo e generosidade caudilhesca.
O Pronasol trouxe inúmeros benefícios ao governo, aumentou suas fontes de apoio e
facilitou na conquista das eleições de 1991, onde o PRI conquistou 60% dos votos e todos
os seis cargos de governadores em disputa, e aumentou sua bancada na Câmara dos
Deputados, composta de 500 representantes, de 266 cadeiras em 1988 para 310 em 1991.
276
Os recursos do Pronasol foram aumentados no governo de Ernesto Zedillo e, como ocorreu no Peru, o
programa se beneficiou dos recursos provenientes do processo de privatização.
242
Salinas aumentou seu apoio político com o Pronasol e conseguiu angariar apoio
para seu partido, o PRI, que saiu fortalecido no período e conseguiu eleger facilmente seu
sucessor.
O papel da corrupção no governo de Salinas é tema polêmico. Ainda não vieram à
tona todos os fatos referentes ao seu envolvimento, se houve algum, com as atividades de
seu irmão Raúl no tráfico de drogas e as vultosas quantias por ele depositadas em bancos
estrangeiros. O judiciário mexicano, corrupto e ineficiente, não conseguiu ou não quis
resolver o mistério em torno do assassinato do candidato presidencial, Donaldo Colosio, em
março de 1994, bem como em torno do possível papel de Carlos Salinas nas atividades
criminosas de seu irmão. Louvavelmente, Salinas obrigou o PRI a abrir mão dos subsídios
do Tesouro, mas não viu nada de errado em valer-se de seu cargo para arrecadar
277
em
média, US$ 25 milhões dos 30 homens mais ricos do México num jantar particular em 23
de fevereiro de 1993. Muitas das empresas estatais privatizadas por Salinas foram
compradas por um seleto grupo de amigos e seguidores, que com isso se tornaram
bilionários. Tais empresas não foram vendidas a preço vil, porém, o fato é que Salinas
recompensou os compradores com subsídios, aumentos substanciais de tarifas e proteção
monopolista por período considerável.
Castells destaca ainda, o papel do México no crime organizado, embora deixe bem
claro não ter provas concretas para afirmar com certeza este papel. Mas destaca:
“Desde a década de 60 a maconha vinha sendo cultivada no país e exportada,
porém esse tráfico se restringia (ou melhor, se estendia) a algumas regiões dos
Estados Unidos, tais como o norte da Califórnia e o Kentucky. A produção de
heroína começou em escala limitada nos anos 70. A grande mudança veio nos
anos 80, quando a formação das redes de tráfico globais, aliada a vigilância
redobrada sobre as rotas tradicionais do Caribe e América Central para os Estados
Unidos, levou os cartéis colombianos a dividirem com os cartéis mexicanos parte
das atividades do tráfico para os EUA, numa relação em que os mexicanos
278
passaram a receber uma quantidade de cocaína equivalente ao que fossem
capazes de contrabandear para os EUA a serviço dos colombianos” (1999, p.
329).
277
O responsável por esta denúncia foi o jornalista Júlio Scherer García, direto da revista processo, que ao
narrar este fato, resumiu o espírito reinante na época.
278
O crescimento do tráfico foi tão intenso que criou cartéis poderosos no México, como em Tamaulipas e no
Golfo, comandados por Garcia Abrego; em Ciudad Juarez, chefiado por Amado Carrillo e em Tijuana, onde
os chefes eram os irmãos Arellano Felix (Castells, 1999, p.329).
243
Como descreve Fuser, o proprietário dos conglomerados de Comunicações Televisa,
Emílio Azcárraga: “Ganhei tanto dinheiro nestes anos que me comprometo a contribuir
com mais” (1995, p. 41).
A aspiração de Salinas de vir a presidir a Organização Mundial do Comércio
(OMC) quando seu mandato terminasse toldou-lhe o discernimento econômico. Salinas
adiou a desvalorização do peso econômico e deixou de adotar as medidas de austeridade
necessárias, legando ao seu sucessor, Ernesto Zedillo, um rombo de grandes proporções. O
desastre econômico também estava ligado à insurreição guerrilheira de Chiapas em 1• de
janeiro de 1994. Essa rebeldia, que chamou a atenção do mundo para as enormes
disparidades socioeconômicas e a tensão política no México, ocorreu durante o mandato de
Salinas e continua ativa.
O ano de 1994, último do mandato de Salinas, foi marcado por muitas dificuldades,
tanto econômicas quanto políticas. Dois assassinatos sacudiram o país neste ano, o primeiro
do candidato do PRI à sucessão presidencial, Luis Donaldo Colosio que foi baleado na
cidade de Tijuana, em plena campanha, no dia 23 de março. O segundo assassinato foi do
secretário-geral do PRI, José Francisco Ruiz Massieu, ocorrido em 28 de setembro, logo
após a vitória de Ernesto Zedillo.
Como destacou Fuser:
“Tanto no caso de Colosio quanto no de Massieu, todas as informações
disponíveis apontavam para uma única direção: a luta por poder e influência nos
bastidores do Partido Revolucionário Institucional” (PRI) (1995, p. 34).
Os crimes ocorridos no México abalaram fortemente a economia e as estruturas
políticas, e se complicou ainda mais quando o irmão de Salinas, Raúl Salinas surgiu como
suspeita do crime de Massieu, quando se descobriu um elo entre Raúl e o crime.
Inúmeras versões apareceram do assassinato de Massieu, dentre elas podemos
destacar aquela que vê no crime uma vingança do narcotráfico, ao qual o irmão de Salinas
estava ligado. Outra versão acredita que o crime aconteceu como ação preventiva dos
irmãos Salinas
279
, preocupados com supostas informações que Ruiz Massieu teria sobre seu
envolvimento em corrupção (Fuser, 1995, p. 36-7).
279
Este assassinato ganhou contornos familiares, pois Ruiz Massieu foi casado com Adriana Salinas de
244
Castells atribui os crimes a uma estratégia dos mafiosos mexicanos para impedir
que Colósio e Camacho fossem eleitos, por na visão deles, estes dois políticos “...eram
imprevisíveis e altamente perigosos para seus interesses. Decidiram matar os dois: Colósio
com uma bala; Camacho, por meio de uma campanha bem organizada que induziu a
opinião pública a culpá-lo moralmente pelo destino de Colósio. O plano teve êxito” (1999,
p. 330).
Como destacou Rosenn e Downes:
“Salinas jamais se preocupou de fato com o impeachment. Tradicionalmente, os
presidentes mexicanos tem gozado de imunidade contra quaisquer delitos
cometidos no cargo. Na verdade, a presidência mexicana é geralmente
considerada uma licença de seis anos para se locupletar á custa do dinheiro
público. Com um Congresso e Judiciário subservientes ao Executivo, Salinas
jamais correu nenhum perigo enquanto esteve no cargo” (2000, p. 216-7).
Toda esta imunidade pode estar com os dias contados, pois ao assumir o cargo de
Presidente da República, Ernesto Zedillo, adotou algumas medidas que gerou grande
apreensão no sistema político, tais como: obrigar todos os integrantes do Supremo Tribunal
a aposentar-se; além da redução do número de membros de 21 para 11, substituir a
vitaliciedade por um mandato não-renovável de 15 anos e a modificação do processo de
nomeação, substituindo com a indicação do presidente pela eleição, por maioria de dois
terços do Senado, dentre uma lista proposta pelo presidente.
O novo presidente, Ernesto Zedillo, adotou medidas para diminuir a corrupção
profundamente arraigada que acabou por levar à prisão Raúl Salinas. E quanto a Carlos
Salinas, ao deixar a presidência, perdeu a indicação para presidir a Organização Mundial do
Comércio
280
(OMC) e com medo de que houvesse a revogação da lei de imunidade para ex-
presidentes, deixou o país.
Ernesto Zedillo, até então tido como um burocrata titubeante, encaminhou medidas
para o Congresso, onde seu partido, o PRI, se aliou ao Partido Revolucionário Democrático
Gortari, irmã de Carlos e Raúl, que aliás é padrinho da primeira das duas filhas do casal.
280
Depois da crise econômica que contou com a “ajuda” de quase US$ 20 bilhões, aprovada pelo presidente
Bill Clinton, os Estados Unidos retirou o patrocínio que tinha dado até então a Carlos Salinas de Gortari para
presidir a Organização Mundial do Comércio (OMC), obrigando-o a retirar sua candidatura.
245
(PRD), de esquerda, com o objetivo de iniciar uma devassa judicial na gestão de Carlos
Salinas, seu antecessor.
Estas medidas adotadas por Zedillo foram estimuladas por algumas declarações de
Salinas, que ao sair da presidência, abandonou o silêncio sepulcral dos ex-presidentes,
acatado religiosamente durante décadas, e, em entrevista, insistiu na inocência
281
de seu
irmão, Raúl Salinas, e se defendeu das acusações de manter o câmbio sobrevalorizado
como instrumento para conseguir a presidência da OMC (Fuser, 1995, p. 34-5).
Castells destaca este ponto interessante da política mexicana:
“Todo presidente que deixava o cargo apontava seu sucessor, abandonando o
cenário político em caráter definitivo. E todo presidente traía seu antecessor, sem
contudo criticá-lo e tampouco investigar seus atos. A corrupção sistêmica e
generalizada também era ordenada, praticada dentro das regras e um importante
elemento estabilizador da política mexicana: todo presidente renovava a
distribuição dos cargos públicos em toda a estrutura do Estado, o que levava a
dezenas de milhares de novas nomeações a cada seis anos” (1999, p. 323).
Os nomeados recebiam inúmeras vantagens pessoais, e através destas nomeações,
os governos conseguiam a disciplina das elites políticas, que em troca dava ao presidente e
ao partido hegemônico o poder sobre a estrutura política.
Agora, todas as vezes que a disciplina era rompida, as punições eram imediatas,
como destaca Castells no parágrafo abaixo:
“O castigo imputado àquele que violasse as regras de disciplina,
silêncio, paciência e, sobretudo, hierarquia, era o exílio permanente de qualquer
posição importante de poder e riqueza no país, sendo inclusive praticamente
impedido de aparecer na mídia e privado de nomeações acadêmicas
significativas” (1999, p. 323)
Ernesto Zedillo herdou um país quebrado, onde o desemprego crassou uma parte
considerável da população. Apenas no mês de janeiro de 1995, mais de 250 mil mexicanos
perderam seus empregos e quatro mil empresas fecharam suas portas. A crise elevou as já
altas taxas de juros de 19% para quase 90%, o que gerou inadimplência, falência
generalizada e quebradeira na sociedade, intensificada na classe média.
281
Em uma pesquisa divulgada pelo Jornal Reforma dois dias depois da prisão de Raúl Salinas, 54% dos
entrevistados, disseram confiar em Zedillo; para 64%, Carlos Salinas tem culpa na morte de Ruiz Massieu e,
92% acham que o clã dos Salinas está de fato envolvido no crime.
246
Como destacou Fuser sobre a situação da classe média mexicana no período de
câmbio sobrevalorizado:
“Para esses mexicanos, a abertura comercial do governo de Carlos Salinas de
Gortari, com a moeda nacional supervalorizada no patamar de 3 pesos por dólar,
era sinônimo de um jardim de delícias - férias na Flórida, carrinhos de compras
repletos de importados, seguros de saúde em Houston. A festa do México
consumidor ocultava a agonia do México produtor, expressas nas fábricas que
fechavam aos milhares, incapazes de resistir à entrada maciça de mercadorias de
fora, e na escalada do desemprego, maquilado pelas estatísticas oficiais que
classificam como ‘empregados’ qualquer adulto que tenha trabalhado ao menos
uma hora em quatro semanas” (1995, p. 38).
Num balanço da conjuntura econômica do país, percebemos que o México,
segunda
282
maior economia da América Latina, praticamente sem transição, passou de uma
das economias mais protegidas do mundo para uma abertura comercial quase irrestrita, que
arrasou o parque produtivo, sendo inundado pelas importações, mais baratas e de maior
qualidade, principalmente de produtos chineses. Deve-se destacar ainda, que, alguns setores
foram amplamente beneficiados pela abertura, tais como os fabricantes de cerveja e de
cimento.
Como destacou Bendesky: “Salinas inventou uma economia que não existe. A
abertura comercial no México não obedeceu a um projeto político de longo prazo, mas
apenas a conselhos de tecnocratas” (apud Fuser, 1995, p. 40).
Apesar de tantos problemas, a população mexicana percebeu que os
constrangimentos que o país atravessava haviam sido gerados pelo governo de Carlos
Salinas, e não do presidente atual, Ernesto Zedillo. Um dado interessante foi levantado num
plebiscito
283
, realizado no carnaval de 1995, onde se constatou que 97% dos 612 mil
votantes opinaram que Salinas deve ser levado a julgamento como responsável pelo
desastre econômico.
Foi justamente no período de Carlos Salinas, e revoltou tanto ao povo mexicano,
que o número de milionários cresceu no país, chegando a casa dos 24, segundo a revista
282
Até meados dos anos 90, o México era a segunda maior economia da região atrás apenas do Brasil, mas no
final da década e devido a desvalorização da moeda brasileira, o México passa a ser a maior economia,
ultrapassando o Brasil, isso com a cotação sendo feita em dólares.
283
Realizado pelos grupos oponentes ao PRI, que se manifestavam contra o ex-presidente Carlos Salinas
entoando a frase “Procurado por traição à pátria”.
247
Forbes
284
, sendo que antes do presidente assumir o número era de apenas três milionários
na lista.
Todas estas fortunas foram feitas em um período muito curto de tempo, o que
levantaram suspeitas claras de corrupção e de envolvimento com atividades ilícitas.
Como destacou Fuser sobre as mazelas de Salinas:
“De todas as mazelas do salinato, a que mais provoca revolta são as negociatas
multimilionárias efetuadas por trás da fachada da modernidade. Em contrasta com
a tradição priísta, pela qual o governante de plantão compra lealdades com uma
farta distribuição de favores e concessões, o mandato de Salinas foi de uma
austeridade absoluta – menos para um grupo seleto de amigos, muy amigos”
(1995, p. 41).
É importante destacar, que sob a perspectiva política, o México deve se preocupar
com a penetração das redes do crime organizado global no aparato Estado, em todos os
níveis, e como destaca Castells:
“Há dúvidas quanto ao fato de que seu próprio sistema judiciário e policial sejam
imunes a essa penetração, o que torna a recuperação da autonomia plena do
Estado em relação ao crime tarefa extremamente difícil. De fato, parece que a
maioria das revelações acerca das conexões entre o tráfico de drogas e o sistema
político, inclusive as referentes a Raúl Salinas, provem das investigações
realizadas pelo serviço de inteligência dos EUA – o que torna os líderes
mexicanos dependentes da inteligência norte-americana” (1999, p. 333).
Analisar a situação no México é algo bastante complicado, crimes, assassinatos,
favorecimentos milionários, desemprego, miséria são temas constantes na história
contemporâneo do país. A expressão, a “ditadura perfeita” cunhado por Mário Vargas
Lhosa, definiu muito bem a situação do país, onde os conflitos de interesse entre as elites
deveriam ser resolvidos sem a necessidade de se matarem entre si. Isso aconteceu por quase
66 anos, mas como destacou Castañeda: “Agora eles se matam. E o país inteiro paga as
conseqüências” (apud Fuser, 1995, p. 34).
284
A revista Forbes publica anualmente o ranking dos mais ricos do mundo, medindo todas as fortunas
superiores a US$ 1 bilhão. Um dos nomes que surgiram neste período foi o de Carlos Slim, que saiu do
anonimato em 1988, para se tornar o homem mais rico do México, com uma fortuna pessoal de US$ 6,6
bilhões, incluindo a ex-estatal Telmex e uma cadeia comercial com 78 lojas de departamentos, a Santorn.
248
Ao analisar a implantação do Neoliberalismo no México, percebemos que seus
impactos econômicos, sociais e políticos foram bastante nítidos, pois ao diminuir o papel
do Estado na economia, diminuir as alíquotas de importação e privatizar as empresas
estatais, evidenciando-se graves desequilíbrios sociais, com aumento do descontentamento
social e piorando os indicadores sócio-econômicos do país. As medidas neoliberais
adotadas não diminuíram a corrupção, como alardeava o Banco Mundial e os organismos
internacionais, podendo até terem aumentado, gerando graves desequilíbrios na sociedade.
No capítulo seguinte vamos tentar levantar os valores aproximados de quantos
recursos econômicos foram desviados destes países, Brasil e México, neste período via
corrupção, usando como eixo de análise os dados do Banco Mundial, que calcula que a
economia mundial perde anualmente 5% do seu produto interno bruto (PIB) com
corrupção.
Os dados levantados servem apenas para termos uma noção mais precisa, já que em
ambos os países a corrupção sempre foi descrita como estrutural e em muitos casos até
aceita cotidianamente. O levantamento deste valor serviria, portanto, apenas para mostrar
aos agentes econômicos e sociais o quanto estes países perdem com esta pratica ilícita, cujo
combate deveria se tornar prioridade nacional, pois assim traria melhoras substanciais aos
indicadores sociais do país.
249
Capítulo 5
Brasil e México: neoliberalismo, corrupção e desigualdade social. A partir dos
governos Collor e Salinas
Introdução
A América Latina atravessa um período de grandes instabilidades, no campo da
economia, da política e da sociedade, afetando uma parcela bastante significativa de sua
população. O modelo de desenvolvimento adotado no começo do século passado, centrado
no Estado, apresentou sinais claros de esgotamento no final dos anos 70, caracterizado pelo
aumento da inflação, incremento na dívida externa e diminuição da taxa de crescimento
econômico.
Os anos 80 se caracterizaram por mudanças estruturais nas economias da região,
privatizações, diminuição do Estado e abertura econômica, que em seu conjunto
diminuíram as taxas de crescimento econômico e aumentaram a concentração de renda na
região, com incremento nos índices de miséria, insegurança, violência e exclusão social.
O presente capítulo vai investigar a degradação dos indicadores sociais na América
Latina, com ênfase especial para Brasil e México, tendo como objetivo especial analisar o
papel central da corrupção na piora das condições sociais destes países já que esta, ao
extrair recursos públicos de forma ilícita, impede que o Estado incremente os investimentos
públicos e contribui para o aumento da degradação dos indicadores sociais.
A corrupção é responsável pela extração de 5% do produto interno bruto (PIB)
mundial, algo entre US$ 1,5 trilhão e US$ 2 trilhões, recursos estes que, se pelo menos a
metade fosse investida de forma eficiente, os indicadores sociais melhorariam nitidamente.
Na América Latina, e principalmente no México e no Brasil, primeira e segunda economias
da região, responsáveis por indicadores sociais negativos, incompatíveis com suas
250
estruturas econômicas e riquezas naturais e potenciais, têm na corrupção um dos
instrumentos que contribuem para a degradação destes indicadores.
A corrupção apresenta-se como um dos grandes responsáveis pela péssima situação
social destes países. Para confirmarmos esta hipótese, analisamos o Índice de Exclusão
Social
285
(IES) e o Índice de Desenvolvimento Humano
286
(IDH), indicadores estes que nos
mostram a situação social do mundo e destes países em especial.
5.1. Desigualdade e crescimento no mundo
Depois de quase duas décadas de políticas neoliberais, o mundo pouco tem o que
comemorar, quando o assunto são as questões sociais, gerada em sua maioria pelas
transformações em suas estruturas produtivas.
O então presidente do Banco Mundial (Bird), James Wolfensohn, disse, em 1999,
sobre a situação da sociedade global: “No nível das pessoas, o sistema não está
funcionando” (Faux e Mishel, 2004, p.137).
Ao analisarmos a fala do presidente do Banco Mundial, percebemos que o sistema
mundial não está funcionando para a maioria das pessoas, as políticas que foram adotadas
em anos anteriores se baseavam na desregulamentação da produção e do mercado
financeiro mundial, que enriqueceram apenas uma classe de investidores, empresários e
profissionais liberais.
Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
de 1996, revelou “...que o patrimônio dos 358 bilionários do mundo excedia a renda de
45% da produção do planeta. Além disso, como se pode observar nos aeroportos lotados do
mundo inteiro, nos shopping centers e restaurantes de luxo, a prosperidade também chegou
285
O Índice de Exclusão Social (IES) foi criado por pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp) e
da Pontifício Universidade Católica (PUC-SP) encarregados de desenvolver na cidade de São Paulo
iniciativas de inclusão social. Este índice está baseado no Índice de Desenvolvimento Humano criado pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Sua composição está ligada a mensuração de inúmeros
indicadores, tais como: índice de pobreza, índice de desemprego, índice de desigualdade, índice de
alfabetização, índice de escolarização superior, índice de homicídios e índice de população infantil
286
O Índice de Desenvolvimento Humano criado no final dos anos 80 como forma de indicar o grau de
desenvolvimento e condições de vida de um país, como uma alternativa ou um complemento aos indicadores
econômicos mais diretos como o PIB, a renda per capita, ou o nível de industrialização. Criado por Mahbub ul
Hak e pelo prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen, o IDH é um número que indica três variáveis:
o nível de renda, a educação e a longevidade.
251
um pouco mais abaixo da escala de renda. Mas não desceu tanto quanto os partidários da
globalização gostariam que acreditássemos” (Faux e Mishel, 2004, p. 137).
Todas as promessas feitas anteriormente pelos adeptos das políticas neoliberais, não
foram cumpridas, segundo eles, com a abertura da economia, a diminuição do poder do
Estado e as Privatizações, os países encontrariam espaço para o crescimento econômico e
diminuição das desigualdades internas. Quando os mercados financeiro e comercial foram
abertos a renda não subiu mais depressa, mas mais devagar. A igualdade entre as nações
não aumentou com muitas, dentre as mais pobres, sofrendo um declínio absoluto da renda.
Até mesmo dentro das nações a desigualdade aumentou
287
, e não só nas nações em
desenvolvimento, mas nas nações desenvolvidas, que passam a conhecer um aumento do
fosso entre ricos e pobres.
A desigualdade era explicada pela não adoção de políticas corretas:
desregulamentação dos mercados, governos privatizados e sindicatos falidos. Depois destas
políticas se espalharem pelo mundo, o final do século XX conheceu inúmeras crises e
desastres financeiros, e justamente em países considerados exemplares pela comunidade
financeira internacional, pelo FMI e pelo Banco Mundial: México (1994), Tailândia,
Indonésia e Coréia (1997), Rússia (1998), Brasil (1999).e Argentina (2000).
Como destacou Faux e Mishel: “Quando as bolhas implodiram, os mesmos países
foram acusados pelas elites políticas de algo chamado ‘capitalismo clientelista’ – um ano
antes, o nome era ‘ambiente favorável aos negócios’” (2004, p. 139).
Os dados relativos à desigualdade de renda da sociedade mundial disponibilizados
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 1996 destacou que, desde
1980, o “declínio ou estagnação econômica afetou 100 países, reduzindo a renda de 1,6
bilhão de pessoas. Em 70 desses países, a renda média é menor do que em 1980 e, em 43
países, menor do que em 1970” (Faux e Mishel, 2004, p. 142).
Nos países desenvolvidos, “...o crescimento da renda na década de 1990 foi menor
do que na de 1980. Durante todo período pós-1980, ficou substancialmente abaixo do nível
287
“A renda per capita nos Estados Unidos cresceu abaixo dos países avançados na década de 1980, de 1,5%
contra 2,3% dos outros países do G 7. A década de 1980 nos Estados Unidos foi uma época de crescimento
lento, com a renda familiar média subindo apenas 0,4% ao ano. O crescimento durante o ciclo da década de
1990 (até 1997) foi ainda menor, de apenas 0,1% ao ano. Na verdade, sé depois de 1997 a renda familiar
média excedeu a de 1989 (o pico do ciclo comercial anterior). Assim, foram preciso quatro anos de
crescimento para recuperar a queda da renda de 1989-1993, sem melhora líquida em todo o período de 1989-
1997” (Faux e Mishel, 2004, p. 149).
252
das décadas de 1960 e 1970. De 1989 a 1996, o crescimento foi ainda mais arrastado nos
países do G 7, inclusive nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha, na França, na
Itália e no Canadá” (Faux e Mishel, 2004, p. 143)
A tabela 24 abaixo destaca o crescimento da renda per capita nos países avançados
no período 1960-1996 (em %).
Taxa de crescimento anual da renda per capita – 1960 - 1996
1960-1979 1979-1989 1989-1996
Estados Unidos 2,3 1,5 1,0
Japão 6,4 3,1 2,0
Alemanha 3,3 1,9 1,3
França 3,7 1,6 0,8
Itália 4,1 2,3 1,0
Reino Unido 2,2 2,2 1,0
Canadá 3,4 1,8 -0,1
Média excluindo os EUA 3,9 2,3 1,3
Fonte: Faux e Mishel, 2004, p. 143.
Como destacou Li:
“Segundo as Nações Unidas, no seu Relatório Sobre o Desenvolvimento
Humano, o 1% mais rico do mundo aufere tanta renda quanto os 57% mais
pobres. A proporção, no que se refere aos rendimentos, entre os 20% mais ricos e
os 20% mais pobres no mundo aumento de 30 para 1 em 1960, para 60 para 1 em
1990 e para 74 para 1 em 1999, e estima-se que atinja os 100 para 1 em 2015. Em
1999-2000, os 2,8 bilhões de pessoas viviam com menos de dois dólares por dia,
840 milhões estavam subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a nenhuma
forma aprimorada de serviço de saneamento, e uma em cada seis crianças em
idade de freqüentar a escola primária não estava na escola. Estima-se que cerca
de 50% da força de trabalho não-agrícola esteja desempregada ou subempregada”
(2004, p. 21).
A tabela 25 abaixo mostra o crescimento da renda per capita em vários países
agrupados segundo os padrões das Nações Unidas para o “desenvolvimento humano”. Ao
analisarmos a tabela, dois pontos nos chamam a atenção: Primeiro, o crescimento da renda
tem sido mais lento no período mais recente em todas as categorias, com exceção de uma.
Segundo, quando se excluem a China e a Índia, o crescimento da renda foi abismalmente
253
baixo desde 1980, com a renda per capita crescendo apenas 0,6% e 0,1% ao ano,
respectivamente, nos países de desenvolvimento médio e baixo. Na verdade, o crescimento
da renda foi negativo nos países menos desenvolvidos; caindo 0,4% ao ano entre 1980 e
1995.
Tabela 25 – Crescimento anual da renda per capita 1965 -1995
1965-1980 1980-1995
Desenvolvimento Humano elevado 4,8 1,4
Desenvolvimento Humano Médio 3,8 3,1
Excluindo a China 3,2 0,6
China 4,1 8,6
Desenvolvimento Humano Baixo 1,4 2,0
Excluindo a Índia 1,2 0,1
Índia 1,5 3,2
Todos os países em desenvolvimento 3,0 2,1
Tirando os países em desenvolvimento 0,4 -0,4
Mundo n.d. 0,9
Fonte: Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidos, 1998.
Ao analisar estas tabelas, percebemos que o final dos anos 70 e início dos 80 marca
uma reconversão dos modelos de desenvolvimento na sociedade mundial, pois é neste
período que os países, na sua maioria passam a criar novas estratégias de desenvolvimento
econômico e inserção na economia mundial. É neste momento que os indicadores sociais
passam a apresentar resultados negativos, sendo que alguns países desenvolvidos
apresentam aumento da pobreza e outros, só não tiveram aumento da pobreza porque
construíram, anteriormente, uma rede de proteção social.
Como destacou Faux e Mishel:
254
“Devido à forte rede de proteção social representada por essas alterações de
tributação e transferência de renda, não houve um aumento considerável da
pobreza da maioria dos países avançados em correspondência com o crescimento
da desigualdade da renda auferida no mercado. As exceções são os Estados
Unidos e o Reino Unido, onde a pobreza cresceu, respectivamente, 2,4 e 5,4
pontos percentuais entre 1979 e 1991” (2004, p.147).
A América Latina, região onde as políticas neoliberais foram adotadas à exaustão a
partir dos anos 80, apresentou algumas conseqüências bastante interessantes, como
destacou Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, na
reunião anual do BID (2003), onde afirmou que “...a América Latina está ficando mais
pobre; os governos da América Latina elevaram seus gastos sociais em 58% per capita na
última década. No entanto, os resultados foram desoladores; há muito mais pobres agora, e
20 milhões deles caíram abaixo da linha da pobreza de 1997 para cá. A dívida está
piorando. Apesar dos bilhões captados para as privatizações, a relação dívida/PIB cresceu
de 37%, em 1997, para 51% em 2002. O desemprego subiu de 10% para 15%. Quanto mais
pobres os países, maior a percepção dos riscos, menores os investimentos. Cresce a
imigração” (apud Dupas, 2005, p. 59).
A América Latina apresentou como destacou Dupas:
“Quanto ao crescimento econômico, o PIB da região manteve um comportamento
medíocre, num patamar ligeiramente declinante de 3% para 2% durante o período
1989-2002, acentuando sua queda a partir de 1997 para atingir um valor negativo
em 2002. Já o PIB per capita teve sua média reduzindo-se de 1% para próximo
de zero em 2002. Por outro lado, o desemprego aberto não parou de crescer,
tendo evoluído de pouco mais de 5% em 1989 para cerca de 9% em 2002. Por
outro lado, a formação bruta de capital fixa manteve constante tendência de
queda, atingindo o reduzido valor de 18% em 2002. O cenário fica ainda mais
complicado quando se observam os dados de queda no crescimento no PIB e de
aumento percentual da dívida externa da América Latina, no período mais recente
(1994-2002). Não é exagero afirmar, pois, que a década de 1990 e o início dos
anos 2000 foram mais um ‘período perdido’ na economia latino-americana. Na
realidade, o único aspecto claramente positivo dessa década foi o controle dos
processos hiperinflacionários na região, especialmente nos casos do Brasil, da
Argentina e do Peru” (2005, p. 60-1).
O Boletim Panorama social da América Latina (2002-2003), da Comissão
Econômica da América Latina (Cepal
288
), vem corroborar as informações feitas acima,
288
Nesta mesma pesquisa, a Cepal destaca ainda que quase 9% das crianças menores de cinco anos sofrem de
desnutrição aguda e 19% delas de desnutrição crônica e que, para a região diminuir para a metade esse quadro
de pobreza entre as crianças, seria necessário um crescimento médio anual das economias de 5% até 2015, o
255
segundo o boletim, a população latino-americana abaixo da linha da pobreza evoluiu
sucessivamente de 41% do total em 1980 (136 milhões de pessoas) para 43% em 2000
(207 milhões de pessoas); e em 2003 ela já alcançava 44% (237 milhões de pessoas). Já o
índice de população indigente cresceu de 19% em 2001 para 20% em 2003. Esse número
teve forte influência da Argentina, onde a taxa de pobreza quase duplicou de 1999 a 2003
(de 20 para 42%) e a indigência quase quadruplicou (de 5% para 19%).
Outro ponto destacado pelo Panorama social da América Latina (1999-2000), foi a
tendência ao aumento da precariedade do emprego, que “...delineou-se com o aumento na
proporção de pessoas ocupadas nos setores informais ou de baixa produtividade, que
atingiu (1999) cerca de 50% da força de trabalho nas zonas urbanas e percentagens ainda
mais elevadas nas zonas rurais”. Já em 2000, as estimativas são de que essa taxa atingiu
quase 60% da força de trabalho.
O caso mais assustador na região é o da Argentina, que como destacou Kliksberg,
em 1960, 53% de sua população era da classe média. Durante os anos 1990, 20% dessa
categoria foi transformada em “novos pobres”. Após a crise de 2000-2002, os estratos da
classe média que sobraram estão reduzidos a 25% da população (2001).
Com a degradação social da região, o clima de insegurança aumentou à níveis
jamais vistos, o número de homicídios
289
cresceu 40% na região durante a década de 1990,
atingindo um índice seis vezes maior que o observado nos países da Europa ocidental
(Banco Mundial, 2004).
Como destacou Mercadante, comentando sobre as medidas indicadas pelos países
desenvolvidos para o desenvolvimento dos países pobres:
“É interessante observar como esse processo foi acompanhado por uma crescente
concentração e polarização da renda e da riqueza mundiais. Em 1820, por
exemplo, a relação entre o PIB por habitante da região mais desenvolvida do
mundo – à época a Europa ocidental – e a da mais pobre – a África – era de
aproximadamente três vezes. Cinquenta anos depois, essa relação já havia
aumentado para 5,5 vezes, passando para 11,8 vezes em 1973 e para 19,1 vezes
em 1998. O caso da América Latina – e, em particular, o do Brasil – é igualmente
ilustrativo. Entre 1870 e 1973, a relação entre o produto por habitante da região
mais rica – as colônias inglesas de povoamento lideradas pelos Estados Unidos –
que nos parece algo bastante improvável.
289
Na classificação mundial, três países latino-americanos ocupam posição entre os quatro mais violentos:
Colômbia é o líder mundial (68 homicídios por 100 mil habitantes); El Salvador em segundo lugar com 30;
Rússia em terceiro e Brasil em quarto têm respectivamente, 28 e 27 homicídios por 100 habitantes.
256
e o da América Latina se manteve praticamente constante, em torno de 3,4 vezes.
Mas entre 1973 e 1998, aumenta para 4,5 vezes. Ou seja, a expansão e a
liberalização dos fluxos de capital e a homogeneização das políticas adotadas nos
países da região sob a égide do pensamento neoliberal ampliaram a brecha entre a
região e os países mais desenvolvidos, que, aparentemente, foram os principais
beneficiários da expansão da produção e do comércio verificadas nesse período”
(2005).
É neste clima de insegurança, desemprego crescente e aumento na desigualdade
social, que está em alta na América Latina a questão da imigração, um problema sem
precedentes na região, que tende a se tornar uma questão central nos próximos anos, caso
não seja enfrentado o mais breve possível, já que está se tornando unanimidade entre as
organizações internacionais, que a América Latina é a região mais desigual do globo
(Dupas, 2005, p. 63).
5.2. Crescimento e desigualdade no Brasil sob o neoliberalismo
A sociedade brasileira passou por grandes mudanças nos anos 90, iniciadas com a
adoção das políticas neoliberais pelo governo de Fernando Collor de Mello e continuada
por outros governos
290
.
De uma economia fechada e ineficiente, onde o Estado era responsável por parcela
substancial do produto interno bruto até o início dos anos 90, o Brasil passa por inúmeras
transformações estruturais na última década, marcadas por privatizações e diminuição do
papel do papel do Estado na economia, além de uma abertura econômica que impactou
diretamente em sua estrutura produtiva, melhorando a qualidade dos produtos, aumentando
o valor agregado das mercadorias, aumentando o desemprego industrial e com impactos
sobre as questões sociais.
O Brasil neste momento passa a aderir às políticas de cunho neoliberal, que na
América Latina já tinham seduzido inúmeros países, Chile, Argentina, México, Peru,
Venezuela e Paraguai. Os resultados destas políticas são diferentes nos diversos países, já
que suas estruturas produtivas também o são, no Chile seu resultado é considerado
animador pelos investidores internacionais, crescimento econômico, diminuição da
290
Depois de Fernando Collor de Mello (1990-1992), o Brasil foi governado por Itamar Franco (1992-1994),
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e atualmente por Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006).
257
pobreza, melhoria na competitividade de seu parque produtivo e tendo boa colocação no
ranking da corrupção
291
.
A tabela 26 abaixo destaca a distribuição funcional da renda – 1969 e 1998 (% Pib).
1969 1998
Salários 39,4 28,8
Lucros 38,2 46,3
Juros e Aluguéis 22,4 24,9
Fonte: IBGE
Na tabela 27 abaixo destaca a distribuição interpessoal da renda – 1970-1995 (%).
1970 1995
A 20% mais ricos 61,9 63,4
B - 20% mais pobres 3,4 2,4
C - A/B 18,2 26,4
Fonte: IBGE
Nas tabelas acima, podemos observar que a distribuição de renda no Brasil
apresenta uma tendência de degradação no período, onde os setores mais afortunados
tiveram uma melhoria bastante significativa de seus rendimentos, em detrimento dos
trabalhadores, que viram seus rendimentos sendo diminuídos consideravelmente.
Como destacou Pochmann:
“Nos últimos 25 anos, o Brasil tem apresentado alguns sinais importantes de
decadência socioeconômica nem sempre considerados pela opinião pública.
Pode-se mencionar, por exemplo, a regressão da oitava para a 14• posição no
ranking da economia mundial, que tornou a renda per capita atual no Brasil
inferior a um quinto da dos Estados Unidos – em 1980, estava próxima de um
terço” (p.2, 2005).
É importante notar ainda, que este período de 25 anos foi caracterizado por um
baixo crescimento econômico do país, que teve uma média de 2,2% ao ano, contrastando
291
Calculado pela Transparência Internacional, o Chile no ano 2000 estava em 18• posição no mundo com
nota 7,4 (o melhor colocado da região) que traz o Peru em segundo lugar da América Latina com nota 4,4 e
posição 41•.
258
com as décadas anteriores, principalmente no período 1900-1980, onde o Brasil foi o país
que mais cresceu no mundo e no período 1950-1980, onde o Brasil foi o segundo país de
maior crescimento, sendo superado apenas pelo Japão.
A tabela 28 abaixo destaca o crescimento econômico no período 1930-2002 (%).
Décadas Crescimento real médio do PIB Crescimento real médio do
Pib por habitante
1930-1939 4,37 2,87
1940-1949 5,19 2,89
1950-1959 7,15 4,01
1960-1969 6,12 3,13
1970-1979 8,80 5,87
1980-1989 3,03 9,90
1990-1999 1,80 0,34
2000-2002 2,43 1,10
Fonte: www.ipeadata.gov.br
A tabela 29 abaixo destaca os valores referentes ao Produto Interno Bruto (em
milhões de dólares).
Ano Produto Interno Bruto Ano Produto Interno Bruto
1990 469,3 1998 787,8
1991 405,6 1999 536,5
1992 387,2 2000 602,2
1993 429,6 2001 509,7
1994 543,0 2002 459,3
1995 705,4 2003 506,7
1996 775,4 2004 603,9
1997 807,8
Fonte: IBGE
259
5.2. Crescimento e desigualdade no México sob o neoliberalismo
A economia mexicana apresentou um resultado bastante significativo no período
entre 1960 e 1982, com crescimento de renda per capita de 3,6% ao ano. Neste período,
novas indústrias foram criadas e os gastos públicos com educação, saúde e
desenvolvimento rural subiram. O modelo de desenvolvimento adotado no período estava
voltado para dentro e centrado no Estado, que atuava como agente fomentador do
desenvolvimento.
Como destaca Faux e Mishel:
“Como a maioria das sociedades latino-americanas, o México já tinha uma
distribuição de renda e riqueza muito desigual mas, enquanto se modernizava
neste período, uma parte um pouco maior do incremento da renda nacional foi
para os que estavam na faixa inferior. O índice Gini
292
melhorou em cerca de
10% entre 1957 e 1984” (2004, p. 152).
Depois de duas décadas de contínuo crescimento econômico, a partir de 1982, o país
passa a apresentar índices negativos de incremento, o que está diretamente ligado ao
momento de implantação do novo modelo de desenvolvimento, baseado nas idéias
neoliberais, que defendem a diminuição do papel do Estado e aumento da participação do
mercado como agente fomentador do crescimento econômico.
No período inicial da implantação do modelo, os indicadores sociais apresentaram
resultados negativos: de 1983-1989 o crescimento da renda per capita do país caiu 0,6%,
que teve impacto violento como na diminuição dos salários, gerando aumento na pobreza,
que subiu de 29% em 1984 para 36% em 1989. No mesmo período, a parte da renda
recebida pelos nove décimos inferiores da população declinou, enquanto a parte da renda
do décimo superior expandiu-se em 18% (Faux e Mishel, 2004, p. 152).
Depois de seis anos de crescente queda na renda da população mexicana, nos anos
seguintes, entre 1989 e 1994, a renda per capita subiu 1,8% ao ano, embora não tenha sido
suficiente para alcançar o nível da era pré-liberalização.
A tabela 30 abaixo destaca os valores do Produto Interno Bruto do México, no
período 1991-2001 (em bilhões de dólares):
292
“Medida de concentração, mais frequentemente aplicada à renda, à propriedade fundiária e à
oligopolização da indústria. Os valores do coeficiente de Gini variam, portanto, entre 1 e zero; quanto mais
próximo de 1 for o coeficiente, maior será a concentração na distribuição de qualquer variável, acontecendo o
contrário à medida que esse coeficiente se aproxima de zero” (Sandroni, 2005, p.156)..
260
Produto Interno Bruto – México 1991/2002
Ano Produto Interno Bruto Ano Produto Interno Bruto
______________________________________________________________________
1991 260,5 1997 n.d.
1992 276,8 1998 421,2
1993 294,8 1999 481,1
1994 420,8 2000 581,4
1995 286,1 2001 624,0
1996 332,4 2002 637,2
______________________________________________________________________
Fonte: Secretaria da Economia do México
A tabela 31 abaixo destaca o comportamento das exportações mexicanas (exceto
petróleo) no período 1980-2002 (em bilhões de dólares).
Exportações México 1980/2002
Ano Exportações Ano Exportações
1980 7,6 1992 37,9
1982 7,6 1994 53,4
1984 12,5 1996 84,3
1986 15,5 1998 110,3
1988 24,0 2000 150,1
1990 30,6 2002 146,2
Fonte: Secretaria da Economia do México
Ao analisarmos a tabela acima, percebemos que a entrada do México no Tratado de
Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) transformou fortemente a economia do
país, “...o crescimento econômico das últimas décadas tem sido relacionado às exportações
e à crescente integração do país à economia mundial” (Urbasch, 2004, p. 30).
O México está entre os dez países que mais participam do fluxo internacional de
comércio, além de ser o segundo maior parceiro comercial dos Estados Unidos, atrás
261
apenas do Canadá. Segundo estatísticas do Banco do México, as exportações mexicanas
representavam 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que no triênio 1998-2002, o
comércio exterior cresceu 4,5% ao ano, passando de US$ 242,7 bilhões para US$ 288,9
bilhões.
Todo o entusiasmo relativo à entrada do país no Tratado de Livre Comércio da
América do Norte esconde um aumento da degradação das questões sociais, como destacou
Faux e Mishel, comentando as conseqüências da crise de 1994 sobre o trabalhador
mexicano típico, o mais afetado pela crise do Peso:
“Quase dois milhões de empregos desapareceram e o salário real na indústria
caiu quase 40%. Ainda não estão disponível mensurações diretas da distribuição
de renda depois de 1994, mas os economistas do Banco Interamericano de
Desenvolvimento calcularam que a incidência de pobreza subiu 15% em 1995.
Além disso, previram que, mesmo que a economia mexicana crescesse sem parar
5% ao ano e a distribuição de renda voltasse ao padrão de 1994, seriam
necessários mais oito anos para que a incidência de pobreza voltasse aonde estava
em 1984, logo depois que começou a liberação do comércio e dos investimentos”
(2004, p. 154).
O México rural também foi muito afetado pelo Tratado de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA), onde os pequenos produtores de milho
293
foram dizimados
pela importação barata das agroempresas norte-americanas e canadenses e, em
consequência, aumentou a concentração das terras nas mãos das empresas.
O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) é descrito pelos
neoliberais como uma iniciativa positiva do México, responsável pela melhoria dos
indicadores sociais do país no cenário internacional. Dupas, citando um relatório feito por
pesquisadores do Carnegie Endowment (EUA) destaca:
Praticamente todos os indicadores sociais no período de 1994 a 2004 pioraram
no México. O desemprego aumentou; foram acrescentados cerca de 500 mil
postos de trabalho no setor manufatureiro, mas a agropecuária – a maior
prejudicada com a abertura do comércio -, setor em que ainda trabalha quase um
quinto da população mexicana, perdeu 1,3 milhão de empregos. A imigração
ilegal para os Estados Unidos seguiu aumentando depois da Nafta: de 700 mil em
1994 para o pico de 1,3 milhão em 2001. O número de mexicanos clandestinos
293
Segundo Dupas: “O milho subsidiado pelo governo norte-americano vendido no México teve, entre 1999 e
2001, preços 30% inferiores ao custo local de produção; seu volume aumentou 240% desde 1992, pondo em
sério risco as variedades tradicionais de milho mexicano, essenciais aos hábitos alimentares daquele país”
(2005, p. 67).
262
nos Estados Unidos cresceu de 2 milhões em (1990) para quase 5 milhões (2000);
somados aos legais, deve haver em torno de 15 milhões de mexicanos nos
Estados Unidos. É da remessa de dólares desse enorme estoque de imigrantes de
que dependem cada vez mais as famílias mexicanas para sobreviver. A teoria
neoliberal gosta de garantir que um país com abundância de trabalho não
qualificado, e que se abra ao comércio, terá assegurado crescimento inevitável
desses salários. No entanto, a remuneração real da maioria dos mexicanos é hoje
mais baixa do que quando o Nafta iniciou, incluindo os salários nas maquiladoras
e nas demais indústria. Já a desigualdade de renda aumentou. Comparado ao
período anterior, os 10% das famílias do estrato superior aumentaram sua
proporção na renda nacional. E os mesmos 31% dos cidadãos continuam na
pobreza extrema” (2005, p. 65).
Dupas demonstra ainda, que o Acordo de Livre Comércio da América do Norte
(Nafta) não trouxera os aumentos salariais esperados, as maquiladoras utilizando mão-de-
obra barata local, que geraram no período 1994-2001 cerca de 800 mil postos de trabalho,
mas já perderam mais de 250 mil deles desde maio de 2003, em razão da imbatível contra-
ofensiva chinesa oferecendo trabalhadores mais qualificados e a custo muito inferior (2005,
p. 66).
5.4. Brasil e México: comparação de indicadores sócio-econômicos
A América conta com 841,5 milhões de pessoas, algo em torno de 13,9% da
população mundial, sendo o segundo maior continente do planeta em termos populacionais.
Além disso, as trinta e cinco nações que a compõem têm um produto interno bruto de nada
menos que US$ 14,5 trilhões (32% do produto interno bruto global), sendo que o Pib per
capita da região alcança US$ 17,2 mil – o terceiro maior do mundo.
Nas Américas, o índice de exclusão social (IES) apresenta grande disparidade entre
as economias, de um lado, estão as economias “...acima do Trópico de Câncer e abaixo do
Trópico de Capricórnio, com índices parciais que revelam condições de vida relativamente
aceitáveis. Do outro lado, situam-se as nações localizadas entre ambos os trópicos, com
índices parciais (especialmente a Pobreza e Desigualdade) que indicam, na maior parte das
vezes, condições sociais evidentemente precárias” (Pochmann, 2004, p. 104).
263
A tabela 32 abaixo retrata os 35 países das Américas e sua classificação no Índice
de Exclusão Social (IES)
Posição País IES Posição País IES
1 Canadá 0,981 19 Antígua e Barbuda 0,643
2 EUA 0,926 20 Jamaica 0,640
3 Barbados 0,874 21 Dominica 0,636
4 Cuba 0,844 22 São Vic. E Granad. 0,629
5 S. Crist. e Nevis 0,807 23 Equador 0,625
6 Bahamas 0,790 24 Belize 0,612
7 Trin. Tobago 0,781 25 Guiana 0,594
8 Argentina 0,758 26 Bolívia 0,580
9 Uruguai 0,749 27 Colômbia 0,563
10 Costa Rica 0,715 28 Brasil 0,562
11 Chile 0,701 29 El Salvador 0,555
12 Rep. Domin. 0,679 30 Venezuela 0,510
13 Panamá 0,673 31 Guatemala 0,458
14 Granada 0,673 32 Haiti 0,428
15 Peru 0,669 33 Paraguai 0,404
16 México 0,664 34 Nicarágua 0,336
17 Santa Lúcia 0,658 35 Honduras 0,152
18 Suriname 0,652
Fonte: Pochmann, 2004.
Países como o Canadá (primeiro lugar no IES) e os Estados Unidos (segundo maior
IES das Américas) contrastam com países como Honduras (35• colocação) e Nicarágua
(34• lugar).
Quando analisamos a tabela com o índice de exclusão social, percebemos que há
uma relação direta entre exclusão social e corrupção, nos países da região com melhor IES,
Canadá e Estados Unidos, o índice de percepção de corrupção (IPC), da Organização não
Governamental Transparência Internacional, apresenta também melhores indicadores. No
índice de 2000, o Canadá estava na 5• colocação no mundo, com nota 9,2 enquanto os
Estados Unidos estava na colocação 14•, com nota 7,8.
264
Quando analisamos mundialmente, percebemos que os dez países com melhores
índices de exclusão social (Canadá, Japão, Finlândia, Bélgica, Espanha, Noruega, Suíça,
Suécia, EUA e Lituânia), apresentam avaliação positiva no índice de percepção de
corrupção (IPC), sendo que 9 destes países estão entre os 25 melhores classificados com
relação à corrupção da Transparência Internacional (ver tabela Índice de Percepção de
Corrupção – 2000, página 93).
Diante disso, podemos perceber o papel central da corrupção dentro das economias,
já que esta, ao desviar recursos sociais, aumenta a exclusão social e degrada mais os
indicadores sócio-econômicos, incrementando a miséria e a pobreza em um mundo
marcado pela globalização dos mercados e onde o capital humano apresenta um papel
relevante.
Na parte inferior dos indicadores podemos perceber que países como Honduras,
Moçambique, Uganda, Angola, Camarões, Venezuela, Tanzânia, entre outros,
caracterizam-se como países com altos níveis de corrupção e exclusão social, o que nos
leva a concluir que há uma relação diretamente proporcional.entre corrupção e exclusão
social.
Tabela 33
Taxa de desemprego – países selecionados (em %)
Países 1994 1996 1998 2000
Alemanha 8,4 9 10,9 9,6
Argentina 11,5 17,2 13,2 15,5
Brasil 5,1 5,4 8,7 7,4
Chile 8,3 7 6,1 8,9
Espanha 24,1 22,2 18,8 14,1
Estados Unidos 6,1 5,4 4,5 4,1
França 12,3 12,4 11,8 9,8
Inglaterra 9,6 8,2 6,2 5,7
Japão 2,9 3,4 4,1 4,8
México 3,7 5,5 3,4 2,6
Fonte: Revista Rumos
265
Quando analisamos a tabela acima, percebemos uma tendência mundial de
incremento no desemprego, onde os países marcados pela tradição de Estado de Bem-Estar
Social apresentam índices crescentes de desemprego, como Alemanha, França e Espanha
são exemplos nítidos. Na Europa percebemos ainda, um outro grupo de países descritos
acima, onde Inglaterra é um exemplo claro, de país que passou por grandes transformações
nos últimos anos, abrindo espaço para a transformação do Estado, de uma tradição de bem-
estar para um modelo de liberalização.
Brasil e México são países que apresentam uma situação diferente com relação ao
emprego, enquanto o Brasil demonstra um incremento no desemprego, o México percorre
um caminho diferente.
O Brasil depois de anos de políticas neoliberais, iniciadas no início dos anos 90,
apresentou um crescimento nítido nos seus índices de desemprego e precarização do
mercado de trabalho, isso foi gerado pela adoção imediata de políticas liberalizantes em
uma sociedade marcada por deficiências brutais na produtividade de seu setor produtivo e
péssimas condições educacionais, o que dificultou a integração dessa população no
mercado de trabalho, agora mais exigente e competitivo.
Já o México, a opção foi outra, depois de aderir às políticas liberalizantes, o país se
insere no Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), abrindo espaço para a
integração de sua economia na nova ordem mundial. O norte do país, próximo aos Estados
Unidos, se caracterizou por um espaço de crescimento do emprego, onde esta região passa a
abrigar inúmeras empresas norte-americanas e canadenses, que para usufruir da mão-de-
obra barata da região e da proximidade do grande mercado consumidor norte-americano.
266
Distribuição de renda – países selecionados
Tabela 34
Países Ano 20% mais 20% mais 10% mais Índice de
pobres ricos ricos Gini
294
Japão 1993 10,6 35,7 21,7 0,249
Egito 1995 9,8 39,0 25,0 0,289
Canadá 1994 7,5 39,3 23,8 0,315
Coréia do Sul 1993 7,5 39,3 24,3 0,316
Suíça 1992 6,9 40,3 25,2 0,331
Índia 1997 8,1 46,1 33,5 0,378
Uganda 1993 6,6 46,1 31,2 0,392
Etiópia 1995 7,1 47,7 33,7 0,400
EUA 1997 5,2 46,4 30,5 0,408
Bolívia 1990 5,6 48,2 31,7 0,420
México 1995 3,6 58,2 42,8 0,537
Honduras 1996 3,4 58,0 42,1 0,537
África do Sul 1994 2,9 64,8 45,9 0,593
Guatemala 1989 2,1 63,0 46,6 0,596
Brasil 1996 2,5 63,8 47,6 0,600
Rep. Centro
Africana 1993 2,0 65,0 47,7 0,613
Fonte: Banco Mundial
5.5. Brasil e México: o papel da corrupção na desigualdade social
A corrupção, como dita anteriormente, não é exclusividade dos países em
desenvolvimento ou subdesenvolvidos, está alastrada na sociedade mundial, envolve
também os países altamente desenvolvidos, gerando custos de toda natureza e ajudando na
294
Sobre Coeficiente de Gini, ver nota de rodapé 286.
267
exclusão social de parcela significativa da população mundial, na miséria e na violência que
se espalha por todos os continentes.
Como afirmou Negri e Cocco:
“Na realidade, o poder é sempre corrupto, pois é fruto da corrupção da
democracia, de sua limitação, de sua despotencialização, ou seja, da redução da
potência de muitos ao poder de poucos (mecanismo fundamental da soberania
hobbesiana que a democracia representativa confirma e legitima). O poder nasce
da corrupção” (2005, p. 23)
.
Com o fim da guerra fria e o processo de globalização dos mercados, inúmeros
casos de desvios de recursos públicos foram descobertos, com custos altíssimos para os
países, mas as políticas de combate à corrupção parecem que não caminham a passos tão
largos como as transformações na economia e na sociedade mundiais.
Diante deste problema mundial, poucos são aqueles que se preocuparam em reverter
este mal, os políticos, os intelectuais, a sociedade civil e os empresários pouco se debruçam
sobre este problema para propor medidas concretas para erradicar tal dificuldade.
A corrupção não vem sozinha, traz consigo outros malefícios para a sociedade
mundial, o tráfico de drogas, a prostituição, o trabalho escravo, a lavagem de dinheiro,
entre outros, o que alimenta as máfias, que contribuem para minar o poder dos Estados
Nacionais e enfraquecer a democracia, abrindo espaços cada vez maiores para os detentores
de recursos financeiros, que passam a controlar todos os canais de representação da
sociedade, mantendo com isso o poder político e influenciando na tomada de decisões que
os beneficiam.
Como destacou Dupas:
“Os mais jovens, entre os quais as taxas de desocupação cresceram
especialmente, expõem-se progressivamente a situações críticas de sobrevivência
que os tornam um ‘exército industrial de reserva’ do crime organizado, fazendo
da América Latina a segunda região de maior criminalidade e a primeira em
desigualdade de renda em todo o mundo” (2005, p. 260).
O papel da corrupção neste quadro de degradação social nos parece evidente o que
contribui para a região estar na situação na qual se encontra, mas as medidas para reverter
este quadro aparecem de forma muito tímida, o que contribui para o aumento do clima de
descontentamento social, revolta e enfraquecimento do poder do Estado Nacional.
268
A situação de região é tão assustadora gerando, até problemas claros de identidade.
Como destacou Quijano, a crise neoliberal iniciada nos anos 80, a estrutura produtiva então
consolidada se desintegrou, gerando desemprego, subemprego e rápida polarização social
(2004).
Esta luta pela manutenção de sua identidade da população indígena é um dos fatores
responsáveis pelos movimentos indígenas que se espalham pela América Latina, onde os
índios derrubaram o presidente boliviano Sanchéz de Losada, em outubro de 2003, e abriu
espaço para a eleição de 2005 o líder cocaleiro Evo Morales.
Além de Evo Morales, outros líderes surgiram na região nos anos recentes, todos
vindos de berços esquerdistas, Hugo Chavéz (Venezuela), Nestor Kirchner (Argentina),
Tabaré Vasquez (Uruguai) e Luís Inácio Lula da Silva (Brasil). O que demonstra um
descontentamento da população com os governos anteriores, que foram os responsáveis
pela adoção de políticas de cunho neoliberal, cujo resultado social é bastante deprimente.
Diante destes problemas sociais da região, pode-se verificar que se a América
Latina desenvolvesse uma política efetiva de combate a corrupção, muitos recursos que
hoje são extraídos da sociedade por fontes ilícitas, poderiam ser usados para diminuir a
pobreza da região, já que, um dos argumentos mais sólidos de utilização das políticas
anticíclicas, de cunho keynesiana, é que o Estado não dispõem de recursos para estas
atividades. Na verdade estes recursos existem e são extraídos ilegalmente da sociedade, já
que a corrupção é algo institucionalizado nestes países e, com certeza é um dos motivos
claros da degradação social da região, que, como dito anteriormente, é a região mais
desigual do mundo.
Se analisarmos os casos do Brasil e do México, como fizemos anteriormente, dois
países da América Latina responsáveis por grande parte da economia da região,
percebemos que nos anos 90 a corrupção veio à tona de forma escancarada, não que não
existisse anteriormente, sempre existiu, mas agora era institucionalizada por grupos que
usufruíam do Estado, extraindo deste recurso que poderiam ser usados na diminuição da
dívida social acumulada em anos de desmandos, autoritarismo e corrupção.
Como destacou Martins, com relação a corrupção no Brasil:
“Suspeitas idênticas existiam com relação aos ministros e políticos do tempo da
ditadura. Embora em grande parte nunca comprovada, circulava a esse respeito,
269
nessa época, o quanto (podia chegar até a 30%) e onde se deveria pagar para
vencer uma concorrência de obras públicas” (2005, p. 12).
A corrupção, portanto, sempre existiu na região, prática essa bastante disseminada
por grupos que se alternavam no poder, controlavam o Estado e com isso grande parte da
sociedade, pois o Estado na região era detentor de grandes poderes na sociedade, empresas
públicas, estatais, autarquias, cargos, contratos, obras, entre outras.
O Banco Mundial acreditava que a corrupção generalizada estava diretamente ligada
ao Estado, que ao crescer trazia em suas entranhas a ineficiência, o desperdício e a
corrupção, usada para manter seu papel na sociedade e para cooptar os grupos sociais
descontentes, com isso evitando problemas futuros (2002, p.144).
Segundo essa visão do Banco Mundial, o Estado era o grande responsável pela
corrupção e indiretamente pelos indicadores sociais negativos, a solução estava na
diminuição do papel do Estado via adoção de políticas neoliberais, privatização de
empresas estatais, abertura econômica e desregulamentação. Estas medidas trariam uma
melhora da produtividade da economia, geraria uma profissionalização do setor público e
acabaria com os sinais claros e evidentes de desperdício de recursos públicos, abrindo
espaço para uma economia mais competitiva, que melhoria a situação de toda a sociedade.
As medidas neoliberais foram adotadas, a economia passou por um processo nítido
de aumento de produtividade, as exportações aumentaram, a inflação caiu na região, mas os
problemas sociais não diminuíram, ao contrário, até aumentaram significativamente, e a
miséria e a exclusão social dispararam, aumentando o descontentamento da população e
abrindo espaço claros de contestação aos governos, com movimentos que ocasionaram
queda de presidentes, como Fernando De La Rua e Sanchéz de Losada, respectivamente, na
Argentina e no Bolívia, além do fim da hegemonia do Partido Revolucionário Institucional
(PRI), no México, com a vitória de Vicente Fox e na ascensão do Partido dos
Trabalhadores (PT) no Brasil, depois de mais de duas décadas na oposição.
270
5.6. Cenários perversos da corrupção
O tema corrupção é bastante controverso, ainda mais em um país que a percebe
como um fenômeno estrutural, onde o Estado e a classe política são constantemente
associados aos desvios de recursos e aos péssimos serviços públicos prestados pelo Estado.
Em debate
295
sobre a questão da corrupção, publicado pela Revista Novos Estudos
Cebrap, Lins da Silva :destacou:
“Nos últimos vinte anos tem havido na imprensa brasileira uma grande mudança
de atitude com relação a estas questões de corrupção, que é resultado da mudança
que também tem havido na atitude do público. Na década de 70 uma publicidade
de cigarro teve mais sucesso com aquela célebre ‘Lei do Gérson’: o cinismo, o
consenso em torno de que ‘levar vantagem em tudo’ era algo tão positivo que
ajudava a vender um produto. Mas as coisas mudaram muito nestes anos que
alguém que vá citar a lei de Gérson com certeza será desaprovado por qualquer
grupo diante do qual ele se manifeste dessa maneira” (Corrupção, Cebrap, 2000).
O tema se tornou mais presente e evidente no país no início dos anos 90, com as
inúmeras denúncias de corrupção envolvendo o presidente Fernando Collor de Mello, que
resultaram na criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que
escancarou um quadro de corrupção generalizada e que balançou as bases da estrutura
política do país. Depois da descoberta de um escândalo atrás do outro, divulgados pelos
jornais e revistas nacionais e internacionais, que tiveram como saldo um presidente
afastado, deputados federais e senadores cassados, além de uma péssima pontuação no
Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional (TI) de 2000, cuja
nota, 3,9 o coloca em 49• num ranking que envolve 90 países (ver pesquisa na página 85).
A questão que se coloca depois de analisarmos a pesquisa e vermos o Brasil tão mal
colocado no ranking da Transparência Internacional é: se no ano 2000 o país ficou em 49•
lugar, que posição o país teria ficado se esta pesquisa tivesse sido realizada no início dos
anos 90, período em que as denúncias de corrupção chegaram a níveis altíssimos, inclusive
culminando com o Impeachment do presidente eleito Fernando Collor. A mesma
indagação deve ser feita com relação ao México, país controlado por um único partido
político por mais de 70 anos, onde a corrupção sempre esteve em evidência. Se pelos dados
da Transparência Internacional de 2000 o México estava no 59• lugar, qual posição estaria
295
Participaram deste debata, realizado na sede do Cebrap, quatro renomados intelectuais brasileiros, o
filósofo José Arthur Giannotti, a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, o jornalista Luís
Eduardo Lins da Silva e o cientista político Fábio Wanderley Reis.
271
localizado o país se estas pesquisas tivessem sido feitas no período de Carlos Salinas, onde
a corrupção tomou dimensão jamais vista no país?
A corrupção em um país onde o nível de desigualdade é cada vez maior como no
Brasil, o desvio de recursos públicos para benefícios privados apresenta uma vertente ética
e moral, pois como pode um indivíduo acumular uma riqueza incomensurável ao lado de
tanta miséria e exclusão social.
Pesquisa realizada pelos economistas Marcos Gonçalves da Silva e Fernando
Garcia, ambos da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), e publicada na Revista Rumos
descobriu que a renda per capita do brasileiro poderia dobrar, caso o país registrasse
patamares de corrupção similares ao do Canadá, uma das nações menos propensas a
subornos no mundo. Esse resultado viria por intermédio de um crescimento adicional de
1,8%, a cada ano (Noronha, 2000, p. 28).
A corrupção no Brasil deveria ser combatida de forma generalizada pela sociedade,
já que sua aceitação seria uma conivência com algo que é o oposto ao desenvolvimento,
pois implica desperdício de recursos econômicos que bem investidos poderia diminuir a
desigualdade.
Peter Eigen, presidente da ONG Transparência Internacional, acredita que a
corrupção é um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento econômico e à democracia das
nações: “Afora a corrupção, não existe outra razão para que o Brasil não chegue a ser tão
rico quanto os Estados Unidos. A pobreza provém da corrupção” (Site da Transparência
Internacional).
Para Eigen, a corrupção é o maior obstáculo ao funcionamento da democracia, pois
provoca a desconfiança dos cidadãos no processo político, para o representante da
Transparência Internacional:
“Se as pessoas descobrem que seus representantes submetem suas decisões a
propinas ou favores, elas perdem convicção e interesse no jogo político.
Democracia sem participação deixa de ter sentido como tal e os líderes perdem a
legitimidade. Um ambiente corrupto exime as lideranças de prestar conta de seus
atos, torna difícil para a polícia e a imprensa a investigação dos fatos, enquanto o
sistema judicial favorece a impunidade. Tudo isso em óbvio prejuízo para o
cidadão comum” (2005, p. 14).
272
A corrupção no Brasil está intimamente ligada às campanhas eleitorais, que
movimentam somas altíssimas de recursos financeiros e influenciam muito depois da
eleição. Os recursos doados por empresários e banqueiros nas campanhas eleitorais são
cobrados por meio de contratos superfaturados com órgãos públicos, favores privilegiados,
concessões políticas ou outro tipo de engenharia financeira lesivas ao patrimônio público,
haja vista, que estes agentes não são proprietários do Estado, mas se utilizam deles para a
extração de inúmeros benefícios pessoais. O período Collor de Mello no Brasil mostrou, de
forma bastante clara, a relação promíscua existente entre o financiamento de campanhas
eleitorais e a corrupção, já que Paulo César Farias começa a coleta de recursos econômicos
no período eleitoral.
Para a diminuição das práticas de corrupção, inúmeras idéias foram levantadas no
Brasil no início dos anos 90, logo após o desastre do governo Collor de Mello, tais como o
financiamento público de campanha
296
, a fidelidade partidária e a diminuição do tempo de
propaganda na televisão e a proibição de imagens externas, o que obrigariam os candidatos
a discussões programáticas e diminuiria o poder do dinheiro nas campanhas eleitorais, tão
lesivas à democracia
297
.
Como definiu Roberto Livianu
298
, promotor de Justiça do estado de São Paulo:
“Não há como acabar com a corrupção. A corrupção precisa ser mantida sob
controle. Podemos ter alguns paliativos, mas não adianta ter a ilusão de que isso
vai reverter brutalmente este quadro. O que enxergamos hoje é uma aparente
situação de corrupção endêmica, generalizada. Acho que vale a pena observar que
essa visibilidade toda não significa que a corrupção aumentou: ela está mais
visível porque as instituições estão funcionando” (2006, p. A7).
Diante dessa constatação, percebemos que países com desigualdades acentuadas,
como o Brasil, ficam mais suscetíveis à corrupção que as nações mais igualitárias, como a
Finlândia (IPC 10,0), onde há distribuição de renda assegurada por um Estado de Bem
Estar Social consolidado e também mecanismos que impedem atos criminosos desta
296
A idéia seria a criação de um fundo financiado com recursos do Estado, composto por R$ 7 por eleitor,
totalizando R$ 800 milhões, o grande problema desse fundo é que, devido ao péssimo estado das finanças
públicas e ao alto grau de rejeição e reprovação da classe políticas, seria difícil justificá-lo ao eleitorado.
297
Todas estas medidas foram discutidas no Brasil no decorrer dos anos 90 e início do século atual,
aparecendo de forma mais forte atualmente, depois das denúncias de corrupção que se abateram contra o
governo petista de Luís Inácio Lula da Silva.
298
Roberto Livianu, promotor de Justiça do Estado de São Paulo, defendeu tese na Universidade de São Paulo
(USP), cujo tema é a corrupção e teve como orientador, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior.
273
natureza. Com distribuição eqüitativa da renda, o corruptor vai roubar de quem tem mais
recursos, o que é mais difícil. Já no caso brasileiro, onde o nível de concentração de renda é
altíssimo, tira-se de quem menos possui algum, o pobre.
Livianu destaca ainda a necessidade de melhorarmos as leis, fazendo com que essas
possam ser dosadas proporcionalmente ao seu dano social, pois:
“...não existe clareza para o juiz de que aquilo está lesando o interesse de
milhares, de milhões de pessoas. Ele acha que o indivíduo que entrou armado em
um ônibus e levou R$ 50,00 de alguém, pelo fato de ter agido com violência ou
grave ameaça, coloca em risco a sociedade de maneira mais forte do que aquele
que pratica a corrupção” (2006, p.A7).
Segundo pesquisa realizada por Marcos Fernandes da Silva, da FGV, e publicado
por Lahóz e Onaga se o Brasil conseguisse atingir o patamar dos Estados Unidos no IPC
(15•), ganharia a cada ano 2 pontos percentuais de crescimento econômico. Isso significa
afirmar que, hoje, a economia brasileira poderia crescer a um ritmo anual de 6%,
semelhante ao crescimento da Índia. Pode-se dizer que, se à 10 anos os níveis de corrupção
brasileiro e americano estivessem equiparados, o PIB nacional no ano passado teria sido de
380 bilhões de reais maior (2005, p. 22-4).
Ao escolhermos os Estados Unidos, estamos falando de um país que se encontra
entre os vinte países menos corruptos do mundo, com uma nota de 7,8, segundo o Índice de
Percepção de Corrupção (IPC), onde o Brasil apresentou, em 2000, nota 3,9, ou seja,
metade dos norte-americanos. Se o Brasil melhorasse sua nota para algo em torno de 5,8 ou
6,0 nas próximas pesquisas da Transparência Internacional (TI), o país ganharia, a cada
ano, um crescimento de 1 ponto percentual de seu Produto Interno Bruto, algo em torno de
R$ 15 a R$ 20 bilhões ao ano, que bem investido poderiam auxiliar na reversão da pobreza
de milhões de brasileiros.
Os dados divulgados por Marcos Fernandes da Silva são ainda mais assustadores
para a sociedade brasileira, pois retratam a degradação que a corrupção gera no Brasil.
1) 2 pontos percentuais é o que o Produto Interno Bruto deixa de crescer por ano
devido a corrupção. Como nos anos 1990, a taxa de crescimento do PIB foi da
ordem de 1,8% ao ano, poderíamos ter chegado a quase 4%, ou duas vezes a taxa de
crescimento efetivada no período.
274
2) 21% das empresas aceitam o pagamento de subornos para conseguir favores,
número bastante alto, uma em cada cinco empresas aceita o pagamento de propinas,
neste caso é interessante uma conscientização da sociedade, pois toda corrupção
apresenta dois lados, o corrupto e o corruptor, um não sobrevivendo sem o outro.
3) 50% dos empresários pesquisados já foram achacados por fiscais tributários, que
pediram propina para garantir facilidades ou evitar multas e apreensões.
4) 87% relatam que a cobrança de propina ocorre com alta freqüência;
5) 380 bilhões de reais é quanto à corrupção custou ao país no ano passado;
6) 25% das companhias têm despesas de até 10% de suas receitas com subornos, valor
extremamente alto e preocupante, ainda mais em um ambiente com alta
concorrência e competição como no mercado globalizado.
7) 70% das empresas gastam até 3% do faturamento anual com propinas;
8) 96% dizem que a corrupção é um obstáculo importante para o desenvolvimento, já
que gera instabilidade ao sistema econômico (Lahóz e Onaga, 2005).
Como conclui Livianu:
“As pessoas estão vivendo um momento de muito egocentrismo, os políticos
muitas vezes agindo por interesses pessoais, e aí nós temos um conjunto de
ingredientes bastante perigoso. A imprensa é um personagem vital para a
democracia, mas o exercício da imprensa tem de ser equilibrado. Não se admite o
abuso de poder por parte do promotor nem por parte da mídia. Existe o uso da
mídia para o espetáculo” (2006, p. A7).
5.7. Ganhos com o combate a corrupção no Brasil e no México
A corrupção, como dito anteriormente, é um fator fundamental na desagregação
social e política da sociedade, enfraquecendo os agentes econômicos e causando graves
problemas sociais, sendo um grande responsável pela situação de miséria e pobreza da
população e contribuindo ativamente para o enfraquecimento da democracia.
Como destacou Eigen:
“A corrupção desequilibra de forma perversa as concorrências econômicas
saudáveis. Qualidade, baixo custo e bons serviços deixam de ser vitais quando
um negócio pode ser decidido pelo valor das propinas. Isso é um forte inibidor da
275
produtividade. Obviamente muitas empresas imaginam que, se não corromperem,
vão ficar fora do jogo econômico. Mas essa visão é ruinosa, A corrupção destrói a
riqueza e todos perdem. O capital obtido pela exploração dos recursos naturais
dos países, um patrimônio de todos, é drenado para o bolso de alguns poucos”
(2005, p. 14).
O combate a corrupção poderia auxiliar na sangria de recursos públicos, que bem
utilizados, ajudaria na melhoria das condições sociais dos países, tanto desenvolvidos
quanto em desenvolvimento, ambos muito afetados pela corrupção que se alastrou pelo
mundo.
Peter Eigen acredita que a diminuição da corrupção traria ganhos imediatos para a
sociedade de uma forma geral, cita como exemplo o ocorrido na Itália, pois: “Lá a
normalização ética derrubou dramaticamente os preços das obras públicas, facilitando a
modernização do país” (2005, p. 14).
O presidente da Transparência Internacional, Peter Eigen, diz “...que a corrupção é o
principal motivo da miséria na América Latina, na Ásia e na áfrica. Não faltam recursos
para erradicar a miséria nessas regiões. Falta evitar que eles sejam desviados” (2005, p.14).
A corrupção tem um papel central na miséria e na desigualdade do mundo, mas
acreditamos ainda que o forte protecionismo dos países desenvolvidos, a exploração e a
pouca ajuda para os povos miseráveis contribuem ativamente para a perpetuação da
pobreza nos países subdesenvolvidos.
Brasil e México teriam muito a ganhar em termos de investimento externo direto
(IED), progresso tecnológico, melhorias sociais e crescimento econômico se adotassem
políticas eficazes de combate a corrupção, tais como as citadas por Eigen:
“O que inibe a corrupção é uma estrutura que chamo de sistema de integridade.
Sua forma é semelhante a um templo grego, em que a cobertura é escorada por
pilares. Se um ruir, os outros permanecerão firmes até a reparação daquele que
falhou. Esses pilares são um Poder Executivo a salvo de interesses menores, um
Parlamento representativo e um Judiciário independente. Os outros sustentáculos
são uma imprensa livre e com acesso à informação e o exercício da liberdade de
expressão. Deve existir também uma auditoria pública transparente, e as CPIs
precisam ter poderes para questionar altos dirigentes do setor público e privado.
Se você somar a esse cenário um serviço público ético e empresas privadas
competitivas, terá um país com enorme chance de vencer a corrupção. Um
sistema de Integridade como o descrito acima promove o desenvolvimento
sustentado, o Estado de Direito e aumenta a qualidade de vida das pessoas”
(2005, p. 15).
276
Como estas medidas ainda não foram totalmente incrementadas pela sociedade, os
desvios de recursos gerados pela corrupção contribuem para aumento da desigualdade
social nestes países, Brasil e México, que depois dos Estados Unidos e do Canadá são as
maiores economias das Américas.
Se adotarmos as dados levantados pela Transparência Internacional sobre corrupção
contidas no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) perceberemos que Brasil e México
apresentam posições intermediárias no índice, que varia de 0 a 10, sendo que quanto mais
próximo da nota 10 mais livre de corrupção é o país.
Na tabela abaixo, que retrata o período 1995 a 2004, percebemos que Brasil e
México apresentaram um comportamento bastante negativo quando o tema em discussão é
a corrupção. Os dados foram extraídos da Transparência Internacional servem como objeto
de conscientização para a sociedade dos recursos extraídos destas economias, ajudando a
visualização da relação existente entre corrupção e desigualdade social.
Tabela 35
Índice de Percepção – Brasil e México – 1995/2004
Ano Brasil México
1995 2,7 3,2
1996 3,0 3,3
1997 3,6 2,7
1998 4,0 3,3
1999 4,1 3,4
2000 3,9 3,3
2001 4,0 3,7
2002 4,0 3,6
2003 3,9 3,6
2004 3,9 3,6
Fonte: Transparência Internacional
A tabela acima nos leva à muitas indagações quando o assunto é a corrupção, pois
nela encontramos dados relativos às duas maiores economias da região, e apresentam uma
localização no índice de percepção da corrupção (IPC), da Transparência Internacional,
intermediária (entre 3,6 e 3,9), se encontrando abaixo do padrão médio, o que denota países
277
com alto grau de corrupção, recursos públicos extraídos de forma ilícita da sociedade, que
contribuem maciçamente para a degradação social destes países.
Ainda levando em conta a tabela 35, podemos visualizar que tanto Brasil quanto o
México, no período 1995-2004, melhoraram suas notas, ou seja, tiveram um desempenho
melhor no índice de percepção da inflação (IPC), isso nos leva a imaginar que antes da
elaboração do índice os números eram ainda piores, contribuindo com a hipótese de que os
governos Collor de Mello (1990-1992) e Carlos Salinas (1988-1994) foram realmente
bastante corruptos e trouxeram graves prejuízos à população.
Se acrescentarmos ainda, os dados disponíveis de pesquisas anteriores
desenvolvidas pelo Banco Mundial, por intermédio do economista Daniel Kaufmann, que
concluiu que o mundo perde anualmente 5% de seu produto interno bruto (algo entre US$
1,5 trilhão e US$ 2 trilhões) com corrupção, que é extraído ilegalmente da sociedade
mundial e, com isso, alimenta este mercado de ilícitos que tanto mal causa aos países,
principalmente os subdesenvolvidos e os em desenvolvimento, cuja população ainda se
encontra em um grau de desenvolvimento social inferior a dos países desenvolvidos.
Se a corrupção extrai tantos recursos da sociedade mundial, e estes recursos causam
tantos males à população mundial, pois estes recursos poderiam ser investidos na melhoria
dos indicadores sociais, como educação, saúde, saneamento básico, habitação, etc... pode-se
concluir que uma política efetiva de combate a corrupção tem um caráter emergencial para
os países com baixa colocação no índice de percepção da corrupção, melhorando a vida dos
mais pobres mais do que muitas políticas públicas desenvolvidas para minorar os
problemas sociais destas populações.
Brasil e México são exemplos vivos de países com uma avaliação negativa por parte
da Transparência Internacional, que os enxerga como países com corrupção alta, mais do
que a média mundial, entre 3,2 e 3,5, o que com certeza impacta nos indicadores sociais.
No período analisado neste trabalho, governos Fernando Collor de Mello no Brasil
(1990-1992) e Carlos Salinas de Gortari no México (1988-1994), que foram momentos
onde a corrupção se mostrou descontrolada, podem-se admitir, que o nível de corrupção foi
maior nestes governos, causando maiores prejuízos para a população.
Para tentarmos chegar a alguns valores sobre quanto foi extraído destes países com
a corrupção, vamos admitir que nestes governos os recursos roubados pelas elites
278
econômicas e políticas foram maiores do que os dados levantados por Daniel Kaufmann, do
Banco Mundial (5% do produto interno bruto mundial), mas algo entre 6 e 10% dos
produtos internos bruto destes países, e com isso encontraríamos valores assustadores
extraídos via corrupção.
Esta suposição não nos parece absurda quando analisamos as palavras do presidente
de uma das grandes empreiteiras do Brasil, Cecílio Rego de Almeida sobre a corrupção no
país:
“Além disso, o custo da corrupção parece ter aumentado. A percentagem exigida
por funcionários públicos para escolher determinada empresa para executar um
projeto de obras públicas pulou de 4% durante o governo do General Ernesto
Geisel (1974-1979) para 18% durante o governo Collor” (apud Geddes e Ribeiro
Neto, 2000, p. 49).
As palavras acima foram ditas por um dos setores mais sensíveis ao pagamento de
propinas do Brasil, as empreiteiras, que durante muitos anos estiveram na berlinda de
graves escândalos ligados a corrupção de recursos públicos.
No caso mexicano, o período não foi muito favorável, corrupção, assassinatos,
violência, sublevação, pagamento de propinas e a emergência do crime organizado, onde o
tráfico de drogas estava diretamente ligado aos familiares do Presidente da Republica, cujo
irmão, Raúl Salinas
299
, apresentava vínculos fortíssimos com lavagem de dinheiro dos
cartéis mexicanos, o que o levou a ser preso
300
posteriormente.
Como destacou Martins:
“...o processo aberto contra Raúl Salinas, o irmão do ex-presidente mexicano
Carlos Salinas, cuja esposa foi presa ao tentar retirar dinheiro em uma agência
suíça do Citibank. Carla Del Ponte encarregou-se pessoalmente da instrução no
caso Salinas e, na qualidade de procuradora geral suíça, viajou várias vezes ao
México em busca de provas. O caso repercutiu até no Senado americano, mas tem
sido freado por falta de cooperação da justiça mexicana” (2005, p. 74).
299
O caso Raúl Salinas gerou grandes inquietações no México, pois o Citibank, instituição financeira que
Salinas depositou os recursos extraídos ilegalmente do país, foi pressionado pelo Senado americano para que
o banco evitasse que recursos e clientes duvidosos depositassem seus recursos. Entre os clientes que
apresentavam um perfil duvidoso estavam Raul Salinas, os filhos de Sani Abacha (ditador nigeriano); Alfredo
Stroessner (ex-ditador paraguaio); duas filhas de Suharto (ditador da Indonésia) e os familiares do brasileiro
Paulo Salim Maluf.(Martins, 2005, p. 90).
300
Raúl Salinas foi preso e condenado a 27 anos de prisão por ter planejado o assassinato do ex-cunhado,
Francisco Ruiz Massieu, então Secretário Geral do Partido Revolucionário Institucional (PRJ).
279
Os recursos extraídos do Brasil e México foram bastante altos e como a corrupção
se desenvolve à margem da sociedade, sem recibos e notas, calcular seu volume é algo
bastante difícil, mas podemos, pelo menos, levantar alguns valores referentes ao produto
interno bruto dos países.
5.8. Corrupção no Brasil: valores aproximados
De posse dos dados referentes ao produto interno bruto brasileiro do período 1990 a
2004, a tabela abaixo destaca os valores extraídos do país pela corrupção, usando como
instrumento de análise os dados descritos pelo Banco Mundial (5%) e os outros uma
projeção feita em cima de suposições factíveis (de 6 a 10% do PIB).
Tabela 36
Custos da corrupção – Brasil – 1990/2004
Ano PIB 5%
Banco
Mundial
6% 7% 8% 9% 10%
1990 469,3 23,46 28,15 32,85 37,54 42,23 46,9
1991 405.6 20,28 24,33 28,39 32,44 36,5 40,5
1992 387,2 19,36 23,23 27,10 30,97 34,84 38,7
1993 429,6 21,48 25,77 30,07 34,36 38,66 42,9
1994 543,0 27,15 32,58 38,01 43,44 48,87 54,3
1995 705,4 35,27 42,32 49,37 56,43 63,48 70,5
1996 775,4 38,77 46,52 54,27 62.03 69,78 77,5
1997 807,8 40,39 48,46 56,54 64,62 72,70 80,7
1998 787,8 39,39 47,26 55,14 63,02 70,90 78,7
1999 536,5 26,82 32,19 37,55 42,92 48,28 53,6
2000 602,2 30,11 36,13 42,43 48,17 54,19 60,2
2001 509,7 25,48 30,58 35,67 40,77 45,87 50,9
2003 506,7 25,33 30,40 35,46 40,53 45,60 50,6
2004 603,9 30,19 36,23 42,27 48,31 54,35 60,3
280
Se usarmos apenas os dados relativos ao período Fernando Collor (1990-1992) e
adotando os valores descritos pelo Banco Mundial, podemos perceber que neste período foi
extraído via corrupção algo em torno de US$ 63 bilhões
301
; mas se considerarmos as
projeções, perceberemos que os valores assustam pelo montante extraído pela corrupção:
US$ 75,71 bilhões (6%); US$ 88,34 bilhões (7%); US$ 100,95 bilhões (8%); US$ 113,57
bilhões (9%) e US$ 126,10 bilhões, recursos estes que com certeza fazem falta no combate
à pobreza e na melhoria dos indicadores sociais brasileiros.
Estes valores para serem compreendidos em sua totalidade, devem ser analisados de
forma comparativa, para isso, na tabela abaixo destacamos os gastos com saúde no Brasil,
no período 1989-1999.
Tabela 37
Gastos com Saúde - Brasil – 1989-1999 (bilhões de dólares)
1989 18,1 1994 9,1
1990 12,2 1995 14.1
1991 9,9 1997 23,0
1992 7,4 1998 18,7
1993 10,26 1999 18,1
Fonte: Ministério da Saúde
Ao compararmos os gastos aproximados em saúde no governo Fernando Collor de
Mello (1990-1992), percebemos que foram gastos US$ 29,5 bilhões, valor correspondente a
quase 46% dos recursos desviados via corrupção. Isso nos leva a concluir, que se a
corrupção diminuísse à metade no período, os gastos com saúde poderiam ter sido
incrementados em 100% em três anos, o que melhoraria os indicadores de saúde pública,
tendo reflexos no controle de doenças, na diminuição da mortalidade infantil e nas
campanhas de conscientização.
O sistema de Saúde brasileiro é um dos setores onde a população sofre maiores
carências, no período de Fernando Collor, os gastos neste setor caíram mais de 40%, tendo
301
Somatória dos seguintes valores: US$ 23,46 bilhões (1990), US$ 20,28 bilhões (1991) e US$ 19,36 bilhões
(1992), onde usamos como parâmetro os 5% do Produto Interno Bruto (Pib) descritos pelo Banco Mundial.
281
seu investimento retrocedido ao patamar que tinha em 1985. Singer destaca que “...dos
quase US$ 12 bilhões destinados à área em 1989, houve redução para cerca de US$ 7
bilhões em 1992. Em suma, no lugar de ampliar de modo gradual os serviços médico-
hospitalares públicos até torná-los abrangentes, o governo Collor, enquanto durou, pois foi
interrompido por impeachment em setembro de 1992, contraiu a oferta deles” (2002,
p.502).
É fundamental destacarmos que consideramos os valores mínimos extraídos via
corrupção, 5% do produto interno bruto do Brasil ou US$ 63 bilhões, mas como no período
Fernando Collor de Mello os desvios de recursos foram muito maiores (de 6% a 10%),
podemos concluir que os recursos investidos no setor de saúde poderiam ter sido muito
maiores, se considerássemos valores entre 6% e 10%: US$ 75,71 bilhões (6%); US$ 88,34
bilhões (7%); US$ 100,95 bilhões (8%); US$ 113,57 bilhões (9%) e US$ 126,10 bilhões. A
tabela abaixo destaca valores extraídos via corrupção comparando-os aos gastos em saúde
no período Collor de Mello.
Tabela 38
Relação entre valores extraídos via corrupção e gastos com saúde – Brasil 1990/1992
Valores
Extraídos via
corrupção
(6% a 10%)
US$ 75,71
(6% PIB)
US$ 88,34
(7% PIB)
US$ 100,95
(8% PIB)
US$ 113,57
(9% PIB)
US$ 126,10
(10% PIB)
Gastos com
Saúde
(1990-1992)
US$ 29,50
US$ 29,50
US$ 29,50
US$ 29,50
US$ 29,50
Valores
Corrupção/gastos
com saúde
38%
33%
29,22%
25,98%
23,39%
Pela tabela acima podemos perceber que os recursos investidos no setor de saúde no
período Fernando Collor de Mello foram de 23,39% à 38% dos recursos extraídos via
corrupção, isso vai depender dos cenários construídos, se imaginarmos que no período
282
1990-1992 foram roubados 6% do produto interno bruto via corrupção, pode-se concluir,
que os recursos gastos em saúde corresponderam a 38% dos extraídos via corrupção. Se o
cenário for de 7% do PIB via corrupção, concluímos que os gastos em saúde foram de 33%
dos extraídos via corrupção. Agora, ao imaginarmos em 8% os valores roubados via
corrupção, os gastos em saúde corresponderam a 29,22% do total extraído via corrupção.
Quando aceitamos que a corrupção extraiu de 9% a 10% do produto interno bruto,
percebemos que os gastos com saúde correspondem a valores entre 25,98% e 23,39% do
total extraído via corrupção.
Diante do quadro exposto acima, podemos claramente destacar, que a corrupção
representa um grande ônus para a sociedade brasileira, pois estes recursos desviados
poderiam muito bem ser investidos na construção de hospitais, postos de saúde, melhoria
do atendimento médico, saúde preventiva e campanhas de conscientização, que
melhorariam muito o perfil da população e contribuiria para a melhoria da qualidade de
vida dos indivíduos.
5.9. Corrupção no México: valores aproximados
Já para o caso mexicano a situação não é mais favorável, o país sempre apresentou
um alto grau de corrupção, onde um único partido político se manteve no poder por mais de
seis décadas, mantendo em suas mãos grande parte do setor econômico, da Justiça e das
Instituições políticas e sociais, acumulando um poder pouco visto, a não ser em regimes
totalitários, o que com certeza auxiliou os poetas Mário Vargas Lhosa
302
, peruano, quando
cunhou a célebre frase sobre o país: “México, a ditadura perfeita”; e o poeta chileno Pablo
Neruda, que se referia ao México como “a democracia mais ditatorial que existe”.
302
Fuser destaca que a frase de Lhosa foi cunhada, na Cidade do México, em agosto de 1990 em encontro de
intelectuais, promovido pela revista Vuelta. “Espero não parecer demasiado deselegante no que vou dizer. Eu
me lembro de já ter pensado várias vezes no caso mexicano com a seguinte fórmula: a ditadura perfeita não é
o comunismo, não é a União Soviética, não é Fidel Castro. É o México”. E continua: “O México tem todas as
características de uma ditadura: a permanência, não de um homem, mas de um partido. Um partido que é
inamovível, um partido que concede espaço para a crítica na medida em que esta lhe serve, porque confirma
que é um país democrático, mas que suprime por todos os meios, inclusive os piores, aquela crítica que de
alguma maneira põe em perigo sua permanência no poder”. Vargas Lhosa continuando suas críticas não
poupando nem os intelectuais: que “subornados de maneira sutil, através de nomeações para cargos públicos,
sem que lhes seja exigida uma adulação sistemática, como fazem os ditadores vulgares”. (1995, p. 14).
283
Os casos de corrupção sempre foram muito comuns, mas no governo Carlos Salinas
tomou uma dimensão bastante grande, além de crimes, assassinatos e lavagem de dinheiro,
o país conheceu grave crise econômica, que juntas, abriram espaço para o fim da
hegemonia do partido dominante, o Partido Revolucionário Institucional (PRI).
De posse dos dados referentes ao produto interno bruto mexicano do período 1990 a
2004, a tabela abaixo destaca os valores extraídos da economia do México pela corrupção,
usando como instrumento de análise os dados descritos pelo Banco Mundial (5%) e os
fazendo uma projeção em cima de suposições factíveis (de 6 a 10% do PIB).
Tabela 39
Custos da corrupção – México – 1988/2002
Ano PIB 5% 6% 7% 8% 9% 10%
1988 234,6 11,73 14,07 16,42 18,76 21,11 23,4
1989 240,4 12,2 14,42 16,82 19,23 21,63 24,0
1990 249,8 12,49 14,98 17,48 19,98 22,48 24,9
1991 260.5 13,0 15,6 18,2 20,8 23,4 26,0
1992 276,8 13,8 16,6 19,37 22,14 24,91 27,6
1993 294,8 14,7 17,68 20,63 23,58 26,53 29,4
1994 420,8 21,4 25,24 29,45 33,66 37,87 42,0
1995 286,1 14,3 17,16 20,02 22,88 25,74 28,6
1996 332,4 16,6 19,94 23,26 26,59 29,91 33,2
1997 n.d n.d n.d n.d n.d n.d n.d
1998 421,2 21,5 25,27 29,48 33,69 37,90 42,1
1999 481,1 24,5 28,86 33,67 38,48 43,29 48,1
2000 581,4 29,0 34,88 40,69 46,48 52,32 58,1
2001 624,0 31,2 37,44 43,68 49,92 56,16 62,4
2002 637,2 31,8 38,23 44,69 50,97 57,34 63,7
Se usarmos apenas os dados relativos ao período Carlos Salinas de Gortari (1988-
1994) e adotando os valores descritos pelo Banco Mundial, através da pesquisa de Daniel
Kaufmann, podemos perceber que neste período foram extraídos via corrupção algo em
284
torno de US$ 99,3 bilhões
303
; mas se considerarmos as projeções, perceberemos que os
valores assustam pelo montante extraído pela corrupção: US$ 118,59 bilhões (6%); US$
138,37 bilhões (7%); US$ 158,15 bilhões (8%); US$ 177,93 bilhões (9%) e US$ 197,3
bilhões (10%), recursos estes que com certeza fazem falta no combate à pobreza e na
melhoria dos indicadores sociais mexicanos, o que faz do país o pior colocado no índice de
desenvolvimento humano (IDH) entre os países integrantes do Acordo de Livre Comércio
da América do Norte (Nafta).
Estes valores para serem compreendidos em sua totalidade, devem ser analisados de
forma comparativa, para isso na tabela abaixo, destacamos os gastos com saúde no México,
no período 1986-1995.
Tabela 40
. Gastos com Saúde – 1986-1999 (em % do PIB)
1986 2,6 1991 3,7
1987 2,7 1992 3,8
1988 2,8 1993 3,6
1989 3,0 1994 3,8
1990 3,2 1995 3,5
Fonte: OCDE
Ao compararmos os gastos aproximados em saúde no governo Carlos Salinas de
Gortari (1988-1994), percebemos que foram gastos US$ 68,34 bilhões, valor
correspondente a quase 70% dos recursos desviados via corrupção. Isso nos leva a concluir,
que se a corrupção diminuísse à metade no período, os gastos com saúde poderiam ter sido
incrementados em 70% em seis anos, o que melhoraria os indicadores de saúde pública,
tendo reflexos no controle de doenças, na saúde preventiva, na diminuição da mortalidade
infantil e nas campanhas de conscientização.
É fundamental destacarmos que consideramos os valores mínimos extraídos via
corrupção, 5% do produto interno bruto mexicano ou US$ 99,3 bilhões, mas como no
303
Somatória dos seguintes valores: US$ 11,73 bilhões (1988), US$ 12,2 bilhões (1989) e US$ 12,49 bilhões
(1990), US$ 13 bilhões (1991), US$ 13,8 Bilhões (1992), US$ 14,7 bilhões (1993) e US$ 21,4 bilhões (1994),
onde usamos como parâmetro os 5% do Produto Interno Bruto (PIB) descritos pelo Banco Mundial.
285
período Carlos Salinas os desvios de recursos foram muito maiores (de 6% a 10%),
podemos concluir que os recursos investidos no setor de saúde poderiam ter sido muito
maiores, se considerássemos valores entre 6% e 10%: US$ 118,59 bilhões (6%); US$
138,37 bilhões (7%); US$ 158,15 bilhões (8%); US$ 177,93 bilhões (9%) e US$ 197,3
bilhões.
A tabela 41 abaixo destaca valores extraídos via corrupção comparando-os aos
gastos em saúde no período Carlos Salinas (1988-1994).
Valores extraídos
via corrupção
(6% a 10%)
US$ 118,59
(6% do
PIB)
US$ 138,57
(7% do
PIB)
US$ 158,15
(8% do
PIB)
US$ 177,93
(9% do
PIB)
US$ 199,3
(10% do
PIB)
Gastos com saúde
(1988 – 1994)
US$ 68,34
US$ 68,34
US$ 68,34
US$ 68,34
US$ 68,34
Valores
Corrupção/Gastos
com saúde
57,63%
49,39%
42,94%
38,41%
34,29%
Pela tabela acima podemos perceber que os recursos investidos no setor de saúde no
período Carlos Salinas de Gortari foram de 34,29% à 57,63% dos recursos extraídos via
corrupção, isso vai depender dos cenários construídos, se imaginarmos que no período
1988-1994 foram roubados 6% do produto interno bruto via corrupção, pode-se concluir,
que os recursos gastos em saúde corresponderam a 57,63% dos extraídos via corrupção. Se
o cenário for de 7% do PIB via corrupção, concluímos que os gastos em saúde foram de
49,39% dos extraídos via corrupção. Agora, ao imaginarmos em 8% os valores roubados
via corrupção, os gastos em saúde corresponderam a 42,94% do total extraído via
corrupção. Quando aceitamos que a corrupção extraiu de 9% a 10% do produto interno
bruto, percebemos que os gastos com saúde correspondem a valores entre 38,41% e 34,29%
do total extraído via corrupção.
286
Os anos 90 foram responsáveis, de acordo com as tabelas acima, por um desvio de
recursos entre US$ 322 bilhões e US$ 644,5 bilhões no Brasil, o que equivale a um valor
entre 50% e 100% produto interno bruto a cada década, ou seja, a cada dez anos o Brasil
perde valores que variam de 50% a 100% do seu produto interno bruto com corrupção, o
que ajuda a explicar os péssimos indicadores sociais do país, um dos piores do mundo.
No México, os valores ficaram entre US$ 181,29 bilhões e US$ 360 bilhões, valores
este extraído na década de 90 via corrupção, algo entre 25% e 50% do produto interno
bruto do país, recursos que poderiam ser investidos na melhoria das condições sociais dos
mexicanos.
Brasil e México são duas economias de porte médio, até 1999 o Brasil apresentava
um produto interno bruto maior que o mexicano, mas, com a desvalorização cambial
brasileira de 1999, o país perdeu o posto de maior economia da América Latina para o
México.
Os recursos investidos no Brasil e no México com saúde e educação estão próximos
dos investidos em outros países, principalmente nos desenvolvidos, agora o que diferencia é
que uma parcela substancial desses recursos é desviada via corrupção, a gestão destes
recursos é mal feita, gerando desperdícios e ineficiência, que serve para alimentar uma elite
corrupta e inconseqüente, enquanto os indicadores sociais se degradam constantemente.
Ao calcular os recursos desviados pela corrupção nos anos 90 nestes países, estamos
tentando mostrar para estas sociedades o quanto de recursos são extraídos de forma ilícita, e
quanto de desenvolvimento e bem-estar poderiam ser gerados internamente se estes
recursos sociais fossem usados de forma correta. Sabemos que acabar com a corrupção é
praticamente impossível, ainda mais em países que convivem com ela a muitos anos,
décadas e talvez séculos. Mas podemos, com o apoio da sociedade e de todos os agentes
sociais diminuir esta sangria intensa de recursos, que mina o desenvolvimento econômico e
aumenta a desigualdade social nestes países.
Se usarmos os dados do Banco Mundial, de que são extraídos 5% do produto
interno bruto mundial com corrupção, poderíamos perceber que, anualmente, a sociedade
mundial rouba quase tanto quanto se investe em educação, hoje o investimento mais
importante de uma sociedade globalizada, onde a produção se concentra em bens
imateriais, o que faz da educação investimento prioritário.
287
A tabela abaixo destaca o investimento em educação como porcentagem do Pib (%)
– 1998.
Tabela 42
Investimento em educação (% do PIB)
Países Gastos Educação (%) Países Gastos Educação (%)
França 6,0 Paraguai 4,5
Canadá 5,7
México 4,2
Portugal 5,7 Coréia do Sul 4,1
Brasil 5,2
Argentina 4,1
Estados Unidos 5,1 Chile 3,6
Inglaterra 4,9 Japão 3,5
Malásia 4,8 Peru 2,9
Espanha 4,5 Uruguai 2,7
Fonte: OCDE
Pela tabela acima, percebemos que os países gastam com educação uma média de
4% e 4,5% dos seus produtos internos brutos, valor aproximado ao extraído via corrupção
da sociedade global.
Se uma política efetiva de combate à corrupção fosse adotada, atualmente, pelo
Brasil e pelo México, nos próximos anos os recursos economizados poderiam dobrar os
gastos em educação, o que poderia melhorar a situação destes países neste ambiente de
globalização, onde o capital humano tem um papel fundamental, e estes países necessitam
de recursos para se prepararem para a competição que está em curso na sociedade mundial.
A corrupção é, com certeza, e principalmente para Brasil e México, um entrave para
o crescimento econômico e para a melhoria social. A adoção de medidas imediatas para
combatê-la se faz urgente, já que além de enfraquecer o Estado Nacional, a corrupção
deturpa a democracia e distorce o setor econômico, diminuindo o investimento e
empobrecendo o país.
288
Conclusão
A corrupção não é exclusividade dos países pobres e subdesenvolvidos, ameaça
todos os países do mundo, desenvolvidos e em desenvolvimento, com graves
conseqüências econômicas, sociais, políticas e institucionais.
Afirmar que apenas países pobres e subdesenvolvidos são vítimas da corrupção nos
parece preconceito e grave equivoco, pois ao analisar o tema percebemos que o fenômeno é
mais freqüente nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, mas não é
exclusividade destes, os países ricos também padecem deste mal.
Países desenvolvidos, como Japão, Alemanha, Estados Unidos, entre outros,
viveram recentemente escândalos de corrupção, afetando governos eleitos
democraticamente, que abalaram suas estruturas sociais e geraram um amplo mal estar na
sociedade.
No período da Guerra Fria, conflito entre os dois grandes blocos mundiais,
capitalistas e comunistas, as preocupações com a corrupção eram praticamente inexistentes,
tanto do lado dos Estados Unidos como do lado da União Soviética, países líderes do
conflito ideológico em curso. Isso porque estes países se utilizavam de todos os
instrumentos disponíveis para ganhar do oponente, mesmo que os métodos não fossem os
mais honestos, crimes, violência, assassinatos, golpes de Estado e corrupção era largamente
utilizada como forma de manter seus opositores afastados e com isso, garantirem seus
interesses.
Governos ditatoriais e autoritários, visivelmente corruptos e responsáveis por
violações dos direitos humanos eram apoiados pelos Estados Unidos e pela União
Soviética, recebendo destes inúmeros recursos e apoios de todas as naturezas. Golpes,
assassinatos, crimes, subornos e corrupção eram instrumentos usados constantemente por
estes países como forma de manterem suas estruturas de poder e evitar que esses países
saíssem do seu raio de influência.
Com o desmoronamento da União Soviética, o fim da Guerra Fria e a posterior
adesão dos países comunistas ao regime capitalista, somados ao processo em curso de
globalização dos mercados, onde a concorrência assume um papel fundamental dentro da
289
sociedade e as economias passam a intensificar a luta de preços para ganhar mais espaço do
concorrente, a corrupção passou a ser vista de forma diferente, como um entrave ao
processo de expansão dos mercados, foi a partir daí, que os países e organizações
multilaterais passaram a colocar o combate à corrupção como uma das medidas prioritárias
para o melhor funcionamento do sistema econômico.
Essa forma de visualizar a corrupção é bastante positiva, pois em momentos
anteriores inúmeros especialistas em desenvolvimento econômico viam a corrupção como
benéfica para o desenvolvimento dos sistemas produtivos, pois acreditavam que a
corrupção apressava a liberação de recursos do Estado; essa visão atualmente está
completamente rechaçada, a ponto de o Banco Mundial e os organismos internacionais
(GATT, FMI, ONU, UNCTAD, G 7) colocarem o combate à corrupção como um dos
pontos fundamentais do Novo Consenso de Washington, exigindo dos países que solicitam
empréstimos de recursos financeiros, políticas claras de combate a corrupção, além de uma
ampla fiscalização dos recursos, usando até empresas privadas de consultoria para
inspecionar a aplicação do capital.
Ao se tornar um sério entrave ao desenvolvimento das economias, a corrupção passa
a ser vista de forma mais detalhada pelos agentes sociais, onde foram criados instrumentos
para uma análise maior do fenômeno da corrupção, com pesquisas, criação de índices,
seminários, Organizações não-governamentais (ONGs), acordos internacionais e
levantamentos detalhados dos custos da corrupção para a sociedade mundial.
Dois dados interessantes e confiáveis sobre a corrupção, o primeiro do Banco
Mundial, que ao pesquisar sobre o fenômeno descobriu que anualmente, são extraídos
ilicitamente 5% do produto interno bruto mundial, algo entre US$ 1,5 trilhão e US$ 2
trilhões, via corrupção. A extração destes recursos de forma ilícita prejudica os
investimentos sociais, enfraquece os Estados Nacionais, aumenta a ineficiência dos gastos
públicos e contribui para um aumento substancial na pobreza do mundo. Somam-se aos
dados do Banco Mundial, o Índice de Percepção de Corrupção, criado pela Transparência
Internacional, que, juntos nos auxiliaram na criação de um cenário de corrupção para
aplicarmos ao Brasil e ao México.
Diante destes instrumentos de análise, percebemos que os países desenvolvidos
apresentam um comportamento melhor no quesito corrupção, ou seja, suas elites
290
econômicas e políticas roubam menos do que as elites dos países em desenvolvimento, o
que nos leva a concluir que a corrupção é um dos entraves ao desenvolvimento destes
países e ao mesmo tempo contribui para a perpetuação da pobreza e da desigualdade,
aumentando cada vez mais a pobreza e deixando sua população cada vez mais distante
deste ambiente de constante concorrência, onde os investimentos em educação, saúde e em
recursos humanos desempenham papel substancial.
O combate à corrupção é fundamental para que haja uma melhoria das condições
sociais, econômicas, políticas e institucionais dos países, e principalmente, daqueles onde a
população se encontra muito distante da dos países desenvolvidos, que desenvolveram
instrumentos institucionais importantes para resolver esta questão, mas que mesmo dotados
de Instituições sólidas não estão livres deste problema, que no capitalismo atual afeta todos
os países, com custos sociais negativos.
Ao analisarmos a América Latina, principalmente o Brasil e o México, percebemos
que a corrupção se encontra no centro de seus problemas atuais, pois esta extraiu
ilegalmente da sociedade brasileira nos anos 90 entre US$ 322 e US$ 650 bilhões, enquanto
que no mesmo período no México, a corrupção extraiu da sociedade entre US$ 180 e US$
360 bilhões, recursos estes que se bem aplicados, muitos benefícios trariam para a
população, além da melhoria das estruturas institucionais e produtivas, estimulando a
atração de Investimentos Externos Diretos (IED), tão importantes na geração de emprego,
na transferência de tecnologia e na melhoria das condições sociais.
Diante de tantos recursos extraídos ilegalmente pela corrupção, poderíamos
claramente defini-la como estrutural, portanto, acreditar que estes países conseguiriam
extirpá-las de suas estruturas sociais rapidamente nos parece equivocado, mas uma política
séria que contemple metas para acabar com a corrupção poderia dobrar, num prazo de uma
década, os recursos que são investidos na educação, investimento este necessário para
capacitar os cidadãos para sua sobrevivência num ambiente globalizado, onde a
concorrência entre as economias passa a ser a tônica entre as empresas e os Estados
Nacionais.
Acreditar, como fazem as instituições multilaterais, principalmente o Banco
Mundial, que a corrupção está diretamente ligada ao excesso de intervenção dos Estados
Nacionais e que a solução seria a privatização, a abertura econômica e a desregulamentação
291
de suas estruturas produtivas nos parecem insuficientes, pois encontramos casos de países
onde os Estados Nacionais são pouco intervencionistas e a corrupção se encontra presente,
como os Estados Unidos e a Inglaterra.
As políticas neoliberais não diminuíram a corrupção, com pregava o Banco
Mundial, mas mudou muito os países latino-americanos, principalmente Brasil e México,
evidenciando a pobreza de suas populações e a corrupção generalizada, que aflige estes
países à muitos anos, degradando as condições de vida da população e aumentando a
miséria e a exclusão social.
Quando comparamos os dados da corrupção com os gastos sociais, principalmente
com saúde e educação, percebemos que estes países perdem uma grande quantidade de
recursos que poderiam melhorar as condições de vida da população e abrir espaço para o
desenvolvimento do setor produtivo, gerando emprego, incremento de renda e crescimento
econômico, facilitando a inserção destes países na economia global.
Analisando a área da saúde, um setor que apresenta muitos problemas, descobrimos
que os recursos investidos pelo Estado mexicano no setor de saúde no período Carlos
Salinas foram de 34,29% a 57,63% dos recursos extraídos via corrupção. No caso
brasileiro, os recursos investidos no período Fernando Collor de Mello foram de 23,39% a
38% dos recursos extraídos via corrupção.
A diminuição da corrupção teria impactos fortes nos investimentos sociais, num
momento onde grande parte dos agentes econômicos rechaça a presença do Estado no
sistema econômico, mas ao mesmo tempo exige deste uma posição mais firme com relação
aos problemas sociais. O combate à corrupção seria uma forma de amealhar recursos para
aumentar os gastos sociais e com isso, diminuir as tendências negativas de aumento da
degradação social e incremento da miséria e da exclusão social, que rondam estes países
com força cada vez maior.
Diante disso, podemos concluir que a corrupção no Brasil e no México, desempenha
um papel central na degradação da qualidade de vida da população, pois estes recursos
desviados servem para aumentar os ganhos das elites econômicas e políticas e, em
contrapartida, empobrecer o Estado e as camadas mais pobres, aumentando com isso a
concentração de renda e os desequilíbrios sócio-econômicos.
292
O combate a corrupção deve ser a tônica destes países, Brasil e México, para saírem
da tendência que os acompanha a muitos séculos de atraso econômico e injustiças sociais,
uma forma de angariar recursos para melhor qualificar sua população, dando-lhes educação
e saúde para alcançarem uma melhor situação neste mundo de transformações constantes e
instabilidades econômicas, sociais e políticas.
293
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