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Luiza Larangeira da Silva Mello
Natureza e Artifício
Sérgio Buarque de Holanda e as formae mentis portuguesa e
espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em História da PUC-Rio.
Orientador: Prof. Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo
Rio de Janeiro
Setembro de 2005
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310336/CA
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Luiza Larangeira da Silva Mello
Natureza e Artifício
Sérgio Buarque de Holanda e as formae mentis portuguesa e
espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em História da PUC-Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profº Ricardo Augusto Benzaquen de Araujo
Orientador
Departamento de História-PUC-Rio
Profº Robert Wegner
Departamento de Pesquisa
FIOCRUZ
Profº Ilmar Rohloff de Mattos
Departamento de História – PUC-Rio
Profº João Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 12 de setembro de 2005
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310336/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Luiza Larangeira da Silva Mello
Graduou-se em História na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 2002. Participou do Projeto
Integrado de Pesquisa Os Modernos Descobridores do
Brasil, entre 1998 e 2003.
Ficha Catalográfica
Mello, Luiza Larangeira da Silva
Natureza e artifício: Sérgio Buarque de Holanda e
as formae mentis portuguesa e espanhola na conquista e
colonização do Novo Mundo / Luiza Larangeira da Silva
Mello ; orientador: Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo. –
Rio de Janeiro : PUC-Rio, Departamento de História, 2006.
86 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de História.
Inclui bibliografia.
1. História – Teses. 2. Holanda, Sérgio Buarque
de. 3. Historiografia brasileira. 4. Brasil colonial. 5. Cultura
do renascimento. I. Araújo, Ricardo A. Benzaquen de. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de História. III. Título.
CDD: 900
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Agradecimentos
Dedico meus sinceros agradecimentos a Ricardo Benzaquen de Araújo, pela
inteligência, carinho e paciência na orientação desta dissertação; a Robert
Wegner, da banca examinadora, pelo apoio, ajuda e sugestões; a Ilmar Rohloff de
Mattos, também da banca examinadora, pelo incentivo e sugestões; ao
Departamento de História da PUC-Rio e a Edna Maria Lima Timbó; à PUC-Rio e
ao CNPq; a Isis Dietrich Larangeira, pelo apoio, paciência e ajuda no penoso
trabalho de revisão e formatação desta dissertação; a Carolina Miceli de Araújo,
pela amizade, conversas e traduções; a Karina Vasquez, pela amizade e sugestões;
a Luiz Alencar Reis da Silva Mello e Manoel Egrejas, pelo apoio, carinho e
confiança; e a Fernanda Brandão de Araújo, pelo carinho, amizade e constante
incentivo.
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Resumo
Mello, Luiza Larangeira da Silva; Araújo, Ricardo Augusto Benzaquen de.
Natureza e Artifício. Sérgio Buarque de Holanda es as formae mentis
portuguesa e espanhola na conquista e colonização do Novo Mundo. Rio
de Janeiro, 2005. 86p. Dissertação de Mestrado - Departamento de História,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Em Visão do Paraíso, Sérgio Buarque de Holanda compara as formae
mentis portuguesa e espanhola, na época da conquista e colonização do Novo
Mundo. Estas formae mentis podem ser relacionadas a distintas modalidades de
crença e a diferentes tipos de racionalidade que caracterizaram as mais diversas
manifestações da subjetividade renascentista. Ambos os colonizadores, em seu
primeiro contato com as terras descobertas, acreditaram poder encontrar nelas o
Paraíso Terrestre e os motivos a ele associados, descritos nos textos clássicos e
medievais. Os portugueses, plásticos e realistas, depuraram o mito dos elementos
mais fantásticos e sobrenaturais, mantidos nas versões espanholas dos motivos
edênicos. O argumento central da dissertação se desenvolve em torno da idéia de
que as diferenças e semelhanças entres as formae mentis de portugueses e
espanhóis estão relacionadas à ambigüidade dos elementos arcaicos e modernos
que marcaram a cultura do Renascimento.
Palavras-chave
Sérgio Buarque de Holanda; Historiografia brasileira; Brasil colonial;
Cultura do Renascimento.
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Abstract
Silva Mello, Luiza Larangeira da; Araújo, Ricardo Augusto Benzaquen de.
Nature and Art. Sérgio Buarque de Holanda and the Portuguese and
Spanish’s formae mentis in the New World’s discovery and
colonization. Rio de Janeiro, 2005. 86p. MSc Dissertation - Departamento
de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
In Visão do Paraíso, Sérgio Buarque de Holanda compares the Portuguese
forma mentis with the Spanish’s, during the time of the discovery and colonisation
of the New World. These formae mentis can be related to the distinct modes of
belief and the different kinds of rationalism that distinguished the various
expressions of the Renaissance self. Both the Portuguese and the Spanish, in their
early contact with the new lands, believed they would find the Earthly Paradise
described in the classic and medieval texts. The Portuguese, who were more
plastic and realistic, removed the fantastic and supernatural traits from the myth.
The Spanish, on the other hand, not only kept but also intensified these traits. The
dissertation’s main discussion is about the idea that the differences and the
similarities between the Portuguese and the Spanish’s formae mentis are related
with the ambiguity present in the archaic and modern traits that characterize
Renaissance culture.
Keywords
Sérgio Buarque de Holanda; Brazilian historiography; Colonial Brazil;
Renaissance culture.
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Sumário
1 Introdução 9
2 O “outro Brasil” 17
2.1. Plasticidade e Realismo 17
2.2. Adaptação radical 23
2.3. Plasticidade e Idealismo 27
2.4. Plasticidade e Paradoxo 33
2.5. O “outro Peru” 40
3 Através e apesar da natureza 42
3.1. As ambigüidades aparentes 42
3.2. O Barroco: mito, razão e lábia 51
3.3. O Éden interior e o Éden exterior 53
4 A flexibilidade tática 61
4.1. As ambigüidades essenciais 61
4.2. A plasticidade empática 62
4.3. Natureza e Artifício 73
5 Conclusão 82
6 Referências bibliográficas 84
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Foi dessa capacidade de certas aspirações de fundo
irracional que tantos teóricos e demagogos de nossos dias
puderam, notoriamente, deduzir a importância do mito na
vida dos povos. Pois o mito é o meio mais fecundo de se
submeterem as gentes a uma dieta rigorosa, que encaminha
os seus intentos e as suas vontades a certos fins magníficos,
embora só obscuramente suspeitados. E, por outro lado,
nos momentos em que se racionalizam as confusas
aspirações é quando, justamente, costumam repontar certas
razões contrárias, hesitações, ponderações amolecedoras
de toda vontade e disciplina.
Sérgio Buarque de Holanda, Tentativas de Mitologia
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1
Introdução
Esta dissertação tem como objetivo central buscar compreender a forma
pela qual Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Visão do Paraíso, aborda as
distintas possibilidades de manifestação da subjetividade renascentista, através da
comparação entre os diferentes modos como os portugueses e espanhóis que
colonizaram o continente americano expressavam a sua crença no mito do paraíso
terrestre. Compreender a forma pela qual Sérgio Buarque compara as modalidades
de crença entre portugueses e espanhóis é compreender também como este autor
lida com as contradições, com as tensões entre elementos paradoxais que, no
entanto, disputaram a condução das ações e das imaginações de homens que
viveram, por assim dizer, em um espaço demarcado pelos mesmos “limites do
pensável”
1
. E é ainda compreender a forma pela qual Sérgio Buarque percebe
como esses homens incorporaram, eles mesmo, as contradições que informavam
as sua ações e imaginações.
Ao iniciar a pesquisa, a minha leitura de Visão do Paraíso foi intermediada
pela idéia de que a contradição entre tradição e modernidade era a única chave
possível para apreender a obra de Sérgio Buarque. Ao fim de uma primeira e
superficial leitura de Visão do Paraíso, confirmei precipitadamente esta idéia, ao
concluir que o argumento central do livro calcava-se na oposição entre o
tradicionalismo (e mesmo o arcaísmo) dos colonizadores portugueses e a
modernidade dos espanhóis.
Esta conclusão precipitada fundou-se no argumento recorrente de Sérgio
Buarque de que, enquanto os portugueses operavam com o mito através de um
realismo tipicamente medieval e, portanto, arcaico para o período, os espanhóis
faziam-no de forma a reforçar os seus aspectos fantásticos e mágicos, deixando
1
CHARTIER, R., A História Cultural, p. 40.
A expressão “limites do pensável” é utilizada por Chartier para aludir ao argumento de Lucien
Febvre e da historiografia dos Annales segundo o qual o pensamento de um determinado indivíduo
ou grupo de indivíduos não pode ultrapassar certos limites impostos pela estrutura e pelos
“utensílios” do pensar de sua época.
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transparecer o caráter imaginativo e idealista do homem renascentista. Segundo
Sérgio Buarque, embora portugueses e espanhóis cultivassem, em um primeiro
momento, a expectativa de encontrar o Éden bíblico nas terras do Novo Mundo, a
experiência da conquista e da colonização fez divergir a relação que cada um dos
colonizadores estabeleceu com o mito. Os espanhóis, para quem a fantasia, a
magia e os ideais abstratos ocupavam um lugar central na relação com a realidade
empírica, confirmaram a expectativa inicial. Os portugueses, ao contrário,
imbuídos de realismo e sobriedade, adaptaram-se com presteza à experiência
imediata, concreta e plausível da realidade e, para tanto, despojaram o mito dos
seus aspectos fantásticos e sobrenaturais.
Desse modo, em um primeiro momento, Visão do Paraíso me pareceu, em
um certo sentido, dar continuidade ao argumento desenvolvido por Sérgio
Buarque, vinte anos antes, em Raízes do Brasil, segundo o qual o tradicionalismo
brasileiro, herança de nossos colonizadores lusitanos, constitui um entrave à
formação de uma sociedade democrática moderna, fundamentada em uma
solidariedade impessoal. E embora a oposição entre o arcaísmo português e a
modernidade espanhola esteja ausente em Raízes do Brasil, a contraposição entre
um colonizador espanhol que impõe cálculos, planos e idéias abstratas ao meio
natural e um colonizador português que adere plasticamente a este meio sem
muito alterá-lo contraposição que se encontra presente em um dos capítulos
fundamentais do livro só fez confirmar a minha suposição inicial.
Em um artigo sobre Raízes do Brasil, George Avelino Filho parte desta
contraposição para compreender quais traços da colonização portuguesa do Brasil
dificultam, na perspectiva de Sérgio Buarque, a constituição de uma sociedade
alicerçada nos princípios abstratos da democracia:
Divergindo nesse aspecto da colonização espanhola que procurava, com
variados graus de intensidade, superpor sua cultura à cultura local, de forma a
torná-la um prolongamento da sua , a colonização portuguesa teve uma feição
marcadamente prática, concreta e pouco espiritual. Ela foi obra do tipo aventureiro
o audacioso que segue uma ética de valorização dos esforços que tenham
compensação imediata e não tem limites em sua capacidade de exploração em
detrimento mas não exclusão do tipo trabalhador, que valoriza o esforço metódico
e persistente rumo à compensação final, pessoal. Esta incapacidade de abstração,
discriminação e planejamento resulta numa sociedade desorganizada, agitada
apenas por pendências entre facções e famílias.
2
2
FILHO, G. A., Revista Brasileira de Ciências Sociais, p. 6.
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11
No entanto, há que se levar em conta, em primeiro lugar, as diferenças entre
Raízes do Brasil e Visão do Paraíso. Confrontar essas diferenças pode ser útil
para uma melhor compreensão da especificidade deste último livro na obra de
Sérgio Buarque.
Ao contrário de Raízes do Brasil que foi o primeiro livro de Sérgio
Buarque, publicado em 1936, e possui um caráter fortemente ensaístico e
interdisciplinar, combinado as perspectivas historiográfica e sociológica , Visão
do Paraíso é, inequivocamente, uma obra de historiografia. Este último livro,
apresentado em 1958 como tese para o concurso de cátedra da Faculdade de
filosofia da Universidade de São Paulo, e publicado como livro dois anos mais
tarde, é, como afirmou Maria Odila Leite da Silva Dias, “uma obra de erudição
sofisticada”
3
, em que os argumentos do autor aparecem no diálogo constante com
as fontes, sobretudo com os textos de autores medievais, renascentistas e
barrocos. Entre estes, destacam-se os cronistas que escreveram acerca da
experiência da conquista e da colonização do continente americano.
O texto é construído em torno do tema das “visões” medievais e
renascentistas do paraíso terrestre. No primeiro, no sexto e no décimo segundo e
último capítulo, Sérgio Buarque desenvolve a tese central do livro. Os capítulos
restantes são dedicados à genealogia do mito do Éden e dos motivos edênicos o
que leva o autor a recorrer a textos greco-romanos e medievais ; a alguns
motivos edênicos que exerceram uma particular influência no imaginário dos
conquistadores do Novo Mundo, como o motivo do clima ameno, nem quente
nem frio, do qual desfrutariam aqueles que tivessem acesso ao Éden, tratado no
capítulo intitulado “non ibi aestus”; e às especificidades que as “visões” do
paraíso assumiam na América portuguesa. Há, ainda, inúmeras exceções à tese
central que, através de um movimento argumentativo dialético, acabam por
reafirmá-la.
De forma inversa ao que acontece em Raízes do Brasil, quando aborda, em
Visão do Paraíso, os traços que marcam a subjetividade de colonizadores
portugueses e espanhóis, Sérgio Buarque coloca uma ênfase muito maior no seu
significado do que na sua “significância”. Por outras palavras, esses traços são
tomados no sentido que possuem no contexto em que foram forjados e não pela
3
DIAS, M. O. L. S., Sérgio Buarque de Holanda, p. 32.
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sua relevância para a compreensão do presente. Esta relevância é, sem dúvida,
sugerida por Sérgio Buarque. Todavia, pela própria natureza do texto, ela não é
desenvolvida. No prefácio à segunda edição de Visão do Paraíso, escrito dez anos
após a apresentação da tese, o autor afirma que, conquanto não o tenha realizado
no livro, o estudo dos motivos edênicos “poderia servir (...) como contribuição
para a boa inteligência de aspectos de nossa formação nacional ainda atuantes nos
dias de hoje”
4
. Mais adiante, todavia, alerta para o perigo de o historiador
ambicionar ressuscitar o passado ou pretender nele encontrar soluções para os
problemas do presente, quando o que deve é buscar no passado a compreensão
para as questões do presente. O historiador, na sua relação com o passado, deve
exercer muito mais o papel do exorcista que do taumaturgo:
uma das missões do historiador, desde que se interesse nas coisas do seu tempo –
mas em caso contrário ainda se pode chamar historiador? –, consiste em procurar
afugentar do presente os demônios da História. Quer isto dizer, em outras palavras,
que a lúcida inteligência das coisas idas ensina que não podemos voltar atrás e nem
há como pretender ir buscar no passado o bom remédio para as misérias do
momento que corre.
5
Há, por conseguinte, uma diferença fundamental no desenvolvimento das
mesmas questões em Raízes do Brasil e Visão do Paraíso na medida em que,
neste último, é o caráter histórico da análise que orienta a diferenciação entre
portugueses e espanhóis. Em um texto sobre a relação de Sérgio Buarque com os
estudos do barroco, Guilherme Simões Gomes Júnior chama a atenção para essa
diferença ao afirmar que, em Visão do Paraíso, os aspectos do conservadorismo
português “são todos derivados da trama da história, e não de um modelo de
conotação dedutiva”
6
, como o presente em Raízes do Brasil. Além disso, as
“oposições binárias” subjacentes à caracterização das diferenças entre portugueses
e espanhóis já não se encontram em Visão do Paraíso.
Com o avançar da pesquisa, me pareceu mais interessante uma leitura de
Visão do Paraíso que deslocasse o centro do argumento de Sérgio Buarque da
contraposição entre o tradicional e o moderno para a contraposição entre a
plasticidade portuguesa e o idealismo espanhol. Este deslocamento não pretende
4
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. X.
5
Ibid., pp. XVII-XVIII.
6
JÚNIOR, G. S. G., Palavra Peregrina, p. 116.
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negar o fato de que se encontram presentes, também em Visão do Paraíso, as
“tensões entre as tradições e a mudança histórica”, as quais Dias diagnosticou
serem o “fulcro inspirador comum”
7
ao conjunto da obra de Sérgio Buarque. O
que se pretende é afirmar que os portugueses da era dos grandes descobrimentos
não podem ser fixados em um dos polos da tensão, o polo da tradição. A
plasticidade portuguesa, caracterizada pela adesão à realidade concreta e imediata,
comporta traços arcaicos e traços modernos.
Tanto os colonizadores portugueses quanto os espanhóis, no seu modo de
crer e de lidar com a experiência, nas suas ações e nas suas imaginações, foram
homens do Renascimento e manifestaram as tensões entre as continuidades e as
descontinuidades entre a Idade Média e o começo dos Tempos Modernos. Além
disso, seria equivocado estabelecer uma oposição rígida entre as ações e as
imaginações, entre a experiência da realidade empírica e as crenças. Paul Veyne,
ao escrever sobre a crença dos gregos na sua mitologia, prefere falar em verdades
do que em crenças, visto que “as próprias verdades eram imaginações”
8
, como,
em um certo sentido, são todas as verdades. Isto não significa que as verdades
sejam falsas, mas sim que a
“imaginação, pode-se ver, não é a faculdade psicológica e historicamente
conhecida por esse nome; ela não amplia nem em sonhos nem profeticamente as
dimensões dos frascos onde estamos presos: ao contrário, ela levanta barreiras e,
fora desse frasco, nada existe. (...) Nesses frascos moldam-se as religiões ou as
literaturas, tanto quanto as políticas, as condutas e as ciências.”
9
Crenças, imaginações e verdades são provisórias e, portanto, historicizáveis.
Também o são a sua relação com a experiência e a própria concepção de
experiência. Os colonizadores portugueses dos séculos XVI e XVII eram
extremamente realistas quando se viam confrontados com a experiência imediata
e atual da conquista e da colonização de um espaço geográfico inteiramente novo.
E, se esse realismo não era muito diferente, como afirma Sérgio Buarque, daquele
que caracterizava a arte de fins da Idade Média, quando conjugado ao caráter
plástico dos portugueses, ele induzia à incorporação de uma nova concepção de
experiência.
7
DIAS, M. O. L. S., Sérgio Buarque de Holanda, p. 11.
8
VEYNE, P., Acreditavam os gregos em seus mitos?, p. 9.
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Os portugueses aderiam plasticamente à experiência inédita da natureza e da
vida no Novo Mundo, muitas vezes em detrimento de uma outra experiência,
aquela que era sinônimo de tradição, a experiência herdada das gerações
anteriores e que incluía a crença no mito. Sem dúvida, eles apreendiam essa
experiência inédita através das suas categorias tradicionais e identificavam no
novo o já conhecido. Contudo, ainda que muitas vezes batizassem a geografia, a
fauna e a flora do Novo Mundo, com os nomes adventícios do Velho Mundo, eles
não eram insensíveis ao caráter inédito dessa experiência.
Isto não quer dizer que os portugueses tenham substituído a expectativa de
verem confirmada no Novo Mundo a crença de que em algum ponto da Terra se
encontra um sítio paradisíaco que é talvez o Éden bíblico do qual foram
expulsos os nossos primeiros antepassados pela experiência de uma realidade
que nada tinha de paradisíaca. A subjetividade portuguesa era a tal ponto plástica
que foi capaz de conjugar esta crença com uma experiência que a contradizia. Os
colonizadores portugueses incorporaram a contradição entre o tradicional e o
arcaico, aderindo realisticamente à experiência e cultivando a crença, com todo o
seu vigor, como aspiração. E, como aspiração, a crença jamais se confirma ou
realiza através da experiência presente. Ela é relacionada à uma experiência
localizada em um passado mítico remoto e projetada em um futuro também mítico
e remoto. Quanto à experiência atual da colonização, os portugueses lidaram com
ela de maneira bastante “naturalista”, vale dizer, não procuraram impor a ela, por
artifícios mentais, as crenças, imaginações e idealizações abstratas e
preconcebidas. É neste ponto que divergem fundamentalmente dos espanhóis. E é
em uma apreensão da comparação entre portugueses e espanhóis, empreendida
por Sérgio Buarque, a partir da tensão entre as noções de natureza e artifício que
vai se desenvolver esta dissertação.
No Capítulo 1, procuro definir a especificidade de Visão do Paraíso, em
relação a Raízes do Brasil e os livros que tratam do tema das entradas e bandeiras,
no que se refere à questão da plasticidade do caráter português. Em Raízes do
Brasil, Caminhos e Fronteiras e Monções, a plasticidade e a adaptabilidade são
associadas ao caráter dos colonizadores portugueses tal como em Visão do
9
Ibid., p. 10.
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15
Paraíso. Em Raízes do Brasil a plasticidade e mesmo o desleixo que
caracterizaram a ocupação litorânea dos territórios luso-americanos é contraposto
à ocupação da América espanhola, que obedeceu a uma ordenação artificiosa do
espaço, moldando a natureza segundo noções abstratas. A plasticidade dos
lusitanos e o idealismo dos espanhóis são apresentados como duas manifestações
da nossa “herança ibérica”, que veio a assumir, na América portuguesa, as formas
da cordialidade. Em Caminhos e Fronteiras e Monções, a plasticidade dos
bandeirantes se faz presente na adesão a um modo de vida aparentemente
primitivo, mas que resultou em um empreendimento inovador. A incorporação
pelo bandeirante de aspectos da vida material dos indígenas, que poderia indicar
um retrocesso em relação aos padrões de civilidade europeus, foi de fundamental
importância para que se desse a adaptação ao novo território e nele se
desenvolvessem novos e específicos padrões de vida. A peculiaridade de Visão do
Paraíso consiste em que, neste livro, a plasticidade portuguesa não se refere
apenas à capacidade de adaptação a uma nova geografia, a um novo clima, a
novos hábitos, enfim, a novas experiências, mas também à capacidade de
adaptação à contradição existente entre experiência e mito.
No Capítulo 2, busco apreender as diferenças entre colonizadores
portugueses e espanhóis em Visão do Paraíso, transferindo o ponto de vista da
análise da contradição entre arcaico e moderno para a contradição entre idealismo
espanhol e plasticidade lusitana. A caracterização da forma como os colonizadores
puritanos da América do Norte relacionaram crença no mito e experiência está
presente no desenvolvimento do argumento como parâmetro para a comparação
entre portugueses e espanhóis. As categorias weberianas de racionalidade de
dominação do mundo e racionalidade de ajustamento ao mundo são utilizadas
como instrumento teórico para melhor definir as diferenças dos colonizadores do
Novo Mundo, no que diz respeito a associação entre crença e experiência.
Os colonizadores puritanos promoviam uma “internalização” do mito . E o
mito, funcionava como um símbolo dos valores e princípios puritanos
internalizados. Portanto, tal como esses valores e princípios, o Éden tinha de ser
“imposto” ao mundo. De certa forma, a experiência do Novo Mundo foi
transformada em um experimento, através do qual os colonizadores puderam
conhecer e conquistar o mundo. E, assim, eles buscaram fazer deste mundo
imperfeito, mas agora controlado pela ciência e pela razão, um novo paraíso
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terrestre, no molde daquele descrito pelas Sagradas Escrituras. Entre os povos
ibéricos, ao contrário, o Éden é externo, vale dizer, encontra-se a priori no mundo
e não no coração dos homens. No caso dos colonizadores espanhóis, o idealismo
se manifesta na coincidência entre mito e experiência empírica. Ainda que os
pretendam submeter o mundo ao seu ideal, este mundo não é campo de
experimento. Já entre os portugueses, a experiência contradiz a crença no mito
mas, ao contrário do que ocorre entre os colonizadores puritanos, não há a
tentativa de impor o mito ao mundo. Experiência e mito convivem de forma
contraditória mas, ao mesmo tempo, pacífica.
No terceiro e último capítulo, desenvolvo o argumento de que a plasticidade
dos colonizadores portugueses não constitui uma discrepância em relação à
cultura renascentista. Pelo contrário, ela é uma expressão da flexibilidade e da
capacidade de empatia e improvisação, com as quais Thomas Greene e Stephen
Greenblatt caracterizam, respectivamente, o sujeito renascentista. A adesão a um
tipo de experiência que contradiz a crença tradicional denota a presença de um
forte traço pragmático, traço que, segundo Sérgio Buarque, caracteriza
particularmente os portugueses em oposição aos espanhóis. Ainda que a crença
não seja abalada pela experiência que a contradiz, o pragmatismo, o realismo e a
plasticidade dos portugueses permitiam que eles improvisassem diante das
situações reais que lhes eram impostas e assim manipulassem a seu favor as
circunstâncias e tomassem posse da nova terra.
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2
O “outro Brasil”
Ainda que fossem muitas vezes sensíveis à atração
da fantasia e do milagre, é principalmente o
imediato, o quotidiano, que recebem todos os
cuidados e atenções desses portugueses do
Quinhentos. O trato das terras e coisas estranhas, se
não uma natural aquiescência e, por isso, uma
quase indiferença ao que discrepa do usual,
parecem ter provocado certa apatia da imaginação,
de sorte que para eles até o incomum parece fazer-
se prontamente familiar, e os monstros exóticos logo
entram na rotina diária. Não estaria aqui o segredo
da facilidade extrema com que se adaptam a climas
países e raças diferentes.
(Visão do paraíso, p.121)
2.1.
Plasticidade e Realismo
Embora comportando profundas diferenças tanto no que se refere à sua
natureza literária, quanto na abordagem do tema mais geral da formação da
sociedade brasileira moderna a partir de suas origens coloniais e da herança dos
colonizadores europeus, pode-se dizer que Raízes do Brasil, Caminhos e
Fronteiras e Visão do Paraíso, textos publicados por Sérgio Buarque de Holanda
nas décadas de 1930, 1940 e 1950, respectivamente, têm em comum a atribuição
ao caráter do colonizador português da combinação de dois traços fundamentais,
quais sejam: a plasticidade e o realismo.
Entenda-se por plasticidade a capacidade, ou melhor, a especial habilidade
de adaptar-se, adequar-se, amoldar-se seja ao novo, às circunstâncias, ao
inesperado, seja mesmo ao paradoxo resultante do choque entre tradições
adventícias e a experiência concreta do Novo Mundo. Esta maleabilidade que
caracteriza os conquistadores e os primeiros povoadores portugueses da América
tem como conseqüência a adesão ao real, ao concreto, ao imediato, por um lado, e
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por outro, ao rotineiro, àquilo que oferece e ensina a experiência. Sobretudo em
Raízes do Brasil e Visão do Paraíso, a outra face deste argumento que sustenta o
realismo dos colonizadores lusitanos é a debilidade da faculdade imaginativa dos
mesmos. A imaginação, as criações puramente mentais, o formalismo, os planos
abstratos elaborados a priori em relação a experiência não encontram espaço nesta
subjetividade em que predomina um realismo imediatista.
Ao descrever os núcleos urbanos formados pelos portugueses em suas
colônias americanas, Sérgio Buarque atribui o realismo português a uma atitude
“naturalista” dos nossos colonizadores. “Naturalismo” assume, nesse contexto, um
duplo sentido. Trata-se, por um lado, de um sentindo quase literal, vale dizer, da
conformidade em que a obra colonizadora entra com a natureza das terras
americanas, amoldando-se passivamente às linhas do seu relevo e adequando-se às
imposições do clima tropical e dos gêneros alimentícios nativos. Mas a atitude
“naturalista” refere-se também ao caráter espontâneo, à ausência de artifício na
sua relação com o mundo exterior e com a variedade de circunstâncias que ele
apresenta. O “naturalismo” predomina no modo pelo qual os portugueses dos
séculos XV e XVI vão, por exemplo, construindo o espaço urbano nos seus
territórios coloniais. Este traço é apresentado de forma evidente em Raízes do
Brasil, quando Sérgio Buarque afirma que:
A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não
chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da
paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse
significativo abandono que exprime a palavra ‘desleixo’ (...)
Pode-se acrescentar que tal convicção, longe de exprimir desapego ou desprezo por
esta vida, se prende antes a um realismo fundamental, que renuncia a transfigurar a
realidade por meio de imaginações delirantes ou códigos de postura e regras
formais (salvo nos casos onde estas regras já se tenham estereotipado em
convenções e dispensem, assim, qualquer esforço ou artifício). Que aceita a vida,
em suma, como a vida é, sem cerimônias, sem ilusões, sem impaciências, sem
malícia e, muitas vezes, sem alegria.
10
Se plasticidade e realismo estão presentes na caracterização da subjetividade
dos colonizadores portugueses empreendida por Sérgio Buarque nos três livros
anteriormente mencionados, a forma como são conjugados e os traços secundários
10
HOLANDA, S. B., Raízes do Brasil, p. 110.
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19
— mas não de menor peso — deles derivados variam de acordo não apenas com a
temática mais específica como também com o enfoque interpretativo que orienta
cada um destes textos. Sobretudo a adequação das tradições adventícias da Europa
às necessidades impostas pela nova geografia assume cores peculiares em cada
um deles.
Raízes do Brasil, o primeiro livro de Sérgio Buarque, foi lançado em 1936 a
partir de um artigo publicado pelo autor no ano anterior com o título de “Corpo e
Alma do Brasil”. O texto, de cunho fortemente ensaístico, explicita a tensão entre
os traços de origem ibérica, que marcam profundamente o caráter social brasileiro,
e a necessidade de superá-los para que se possa construir no Brasil uma sociedade
moderna e democrática. Para tanto, Sérgio Buarque procura definir a
subjetividade dos nossos colonizadores, evidenciando inicialmente as
características comuns à cultura hispânica de modo mais amplo e, mais adiante,
distinguindo as formas peculiares do caráter dos portugueses em oposição aos
espanhóis.
Apresenta-se, então, como manifestações do caráter plástico dos
portugueses não somente a conformidade dos núcleos de povoamento à topografia
das novas terras coloniais, mas também a capacidade de simultaneamente aderir
às condições de vida locais e mesmo aos hábitos dos nativos da terra,
transladando com eficácia os padrões ibéricos para o Novo Mundo. Ao invés de
pretenderem impor estes através da aniquilação daqueles, os portugueses
adequaram, de forma quase natural e espontânea, uns aos outros:
Nesse ponto, precisamente, os portugueses e seus descendentes imediatos foram
inexcedíveis. Procurando recriar aqui o meio de sua origem, fizeram-no com uma
facilidade que ainda não encontrou, talvez, segundo exemplo na história. Onde lhes
faltasse o pão de trigo, aprendiam a comer o da terra, e com tal requinte, que —
afirmava Gabriel Soares — a gente de tratamento só consumia farinha de mandioca
fresca, feita no dia. Habituaram-se também a dormir em redes, à maneira dos
índios. Alguns, como Vasco Coutinho, o donatário do Espírito Santo, iam ao ponto
de beber e mascar fumo, segundo nos referem testemunhos do tempo. Aos índios
tomaram ainda instrumentos de caça e pesca, embarcações de casca ou tronco
escavado, que singravam os rios e as águas do litoral, o modo de cultivar a terra
ateando primeiramente fogo aos matos. A casa peninsular, severa e sombria,
voltada para dentro, ficou menos circunspecta sob o novo clima, perdeu um pouco
de sua aspereza, ganhando a varanda externa: um acesso para o mundo de fora.
11
11
Ibid., pp. 46-47.
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20
Em Visão do Paraíso, Sérgio Buarque pretende historiar ou, para empregar
o termo do próprio autor, “biografar” uma “idéia migratória”
12
, qual seja o mito
do paraíso terrestre e todos os motivos a ele associados. Como os demais povos
conquistadores, os portugueses nutriam a esperança de que o novo continente
pudesse ser identificado com o Éden descrito nos textos clássicos, nas Sagradas
Escrituras e nos textos de seus exegetas medievais. A forma peculiar com que essa
esperança é confrontada com a experiência empírica da colonização da América
portuguesa põe em relevo mais uma vez, na análise de Sérgio Buarque, a
plasticidade que caracteriza o que o autor denomina de forma mentis dos
conquistadores e colonizadores lusitanos.
Mais adiante, procurarei analisar a especificidade de Visão do Paraíso na
obra de Sérgio Buarque no que se refere à definição do conceito de plasticidade.
Por ora, buscarei mostrar apenas como o autor opera com este conceito de
maneira muito semelhante, a princípio, à presente em Raízes do Brasil. Ou seja:
como, em Visão do Paraíso, a plasticidade dos portugueses manifesta-se também
no ajustamento dos padrões e valores tradicionais às exigências do novo meio. O
ato de nomear é apresentado como um dos mecanismos através dos quais ocorre
esse ajustamento. É também o mecanismo de aderência ao real, ao circunstancial e
à experiência, que acaba por fazer minguar as ambições fantasiosas que foram, em
grande parte dos casos, o impulso primordial da colonização do Novo Mundo
pelos povos ibéricos:
Surgindo com relativo atraso no horizonte das navegações lusitanas, sem o
engodo de tesouros e maravilhas que, bem ou mal, tinham sido causa de tantas
outras expedições descobridoras, o Brasil não oferece campo nem mesmo a essas
cintilantes associações. Ainda quando vindos por livre vontade, seus antigos
povoadores hão de habituar-se nele a uma natureza chã e aparentemente inerte, e
aceitá-lo em tudo tal como é, sem a inquieta atração de outros céus ou de um
mundo diverso. Portos, cabos, enseadas, vilas, logo se batizam segundo o
calendário da Igreja, e é um primeiro passo para batizar e domar a terra. São
designações comemorativas, como a significar que a lembrança e o costume hão de
prevalecer aqui sobre a esperança e a surpresa.
As próprias plantas e os bichos recebem, muitas vezes, nomes inadequados, mas
já familiares ao adventício, que assim parece mostrar sua vontade de ver
prolongada apenas, no aquém-mar, sua longínqua e saudosa pátria ancestral.
13
12
Id., Visão do Paraíso, p. XIX.
13
Ibid., p. 177.
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21
O ato de nomear, como meio de dominação dos novos territórios, é utilizado
não apenas pelos colonizadores portugueses, mas por todos aqueles que
empreenderam a conquista do Novo Mundo. Todavia, o ato de nomear como
manifestação de uma atitude, a um só tempo, realista e tradicionalista ante a nova
geografia é uma especificidade lusitana. Esse caráter específico torna-se mais
evidente ao se tomar como exemplo a manifestação do ato de nomear em
conquistadores não portugueses.
A análise de Stephen Greenblatt, em seu livro Possessões Maravilhosas,
acerca da intenção de Cristóvão Colombo ao nomear lugares e acidentes
geográficos, nos primeiro territórios americanos encontrados, pode ser
interessante para evidenciar, por contraste, a especificidade lusitana. Segundo
Greenblatt, o ato de nomear constitui uma estratégia de tomada de posse, ou
melhor, o ato de nomear é, em si, um ato de posse. Este argumento não contradiz,
a princípio, a interpretação de Sérgio Buarque do ato de nomear entre os
colonizadores portugueses. A diferença se faz presente apenas quando, avançando
na argumentação de Greenblatt, o ato de posse em Colombo é associado à uma
atitude de “maravilhamento” em relação ao Novo Mundo. Colombo toma posse
daquilo que, por sua “variedade e graça”, maravilha.
14
Na perspectiva de Greenblatt, o “maravilhoso”, tal como é recorrentemente
apresentado no discurso de Colombo, assume um significado muito diverso
daquele que possuía na Idade Média. Em sua acepção medieval, o maravilhoso
estava vinculado a um “senso de des-possesssão, de renúncia à certeza dogmática,
de auto-alienação em presença da estranheza, diversidade e opacidade do
mundo”
15
. Em Colombo, a despeito de ter ainda como referência a “ultrapassagem
do normal e do provável”, o maravilhoso perde o caráter “exótico ou grotesco” e,
vinculado a um ritual legal que consisti basicamente no ato de nomear, torna-se
uma estratégia retórica que confere a posse. Greenblatt argumenta que o
ineditismo da descoberta do Novo Mundo tornaria ineficazes os atos lingüísticos
formais do ritual legal, que constitui o procedimento habitual de tomada de posse
de novos territórios, caso este ritual não fosse combinado com a comoção, a
expectativa e o desejo suscitados pelo “maravilhamento”:
14
Ibid., p. 103.
15
GREENBLATT, S., Possessões Maravilhosas, p. 101.
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22
Por si mesmo, o senso do maravilhoso não confere título; ao contrário, está
associado ao desejo e nós só desejamos aquilo que não temos. (...) Todavia, algo
acontece ao discurso do maravilhoso quando se liga ao discurso da lei: a
impropriedade do ritual legal para conferir título e a incapacidade do maravilhoso
para conferir posse se anulam uma à outra, e tanto a reivindicação quanto a emoção
são intensificadas de concerto. Nenhum dos discursos é livre e autônomo
16
Tal como Colombo, os colonizadores portugueses analisados por Sérgio
Buarque poderiam proferir a sentença: “he tomado posesión, puse nombre
17
. E,
também para eles, as expressões do maravilhoso, que esperam encontrar no Novo
Mundo sob a forma dos motivos ligados ao mito do paraíso terrestre, estão
associadas ao desejo alcançar aquilo que não se tem. No entanto, entre os
portugueses, o ato de nomear não é um formalismo retórico que, associado à
maravilha que constitui a diversidade do Novo Mundo, permite que se tome posse
dessa mesma diversidade. O ato de nomear é o meio através do qual os
colonizadores portugueses procuram esvaziar o contato com o Novo Mundo de
tudo o que este contato pode oferecer de extraordinário, de surpreendente, de
assombrosamente maravilhoso.
Nomeia-se, na América portuguesa, uma realidade que, a despeito de ser em
grande medida inédita, não é capaz de maravilhar porquanto não ultrapassa os
limites o ordinário, não tem parentesco algum com a fantasia e com o mito.
Nomeia-se para alocar o maravilhoso em um plano apartado da experiência do
real e a ela paralelo, de modo a proceder a uma adaptação eficaz a essa
experiência e dela tirar o maior proveito imediato. Nomeia-se, enfim, para
esmagar o novo e o diverso sob o peso da tradição adventícia. O novo e o diverso
aos quais se concede a sobrevivência são, paradoxalmente, aqueles que
maravilham. São aqueles que, na verdade, não são de fato o novo e o diverso, pois
possuem suas origens remotas no mito, e este, os colonizadores portugueses
mantêm resguardado da força destrutiva da realidade.
A colonização portuguesa na América pode ser representada graficamente
como uma fina camada plástica, maleável e aderente que recobre de forma justa a
nova paisagem. O ajustamento e a aderência permitem que a obra colonizadora
dos portugueses se amolde à paisagem e, simultânea e reciprocamente, que ela
16
Ibid., p. 109.
17
Ibid., p. 78.
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23
amolde a paisagem. O adventício se conforma ao novo para nele imprimir mais
facilmente as formas do adventício.
2.2.
Adaptação radical
No que se refere à adaptação do adventício às necessidades da colonização,
os textos de Sérgio Buarque que abordam o tema da conquista do interior do
território americano pelos portugueses, como Monções e Caminhos e Fronteiras,
apresentam uma particularidade derivada sobretudo do enfoque interpretativo que
o autor emprega. Para melhor compreender esta particularidade, considero
interessante recorrer a alguns argumentos desenvolvidos por Robert Wegner em
seu livro A Conquista do Oeste, em que trata justamente dos textos que abordam
esta temática na obra de Sérgio Buarque.
Wegner afirma que os livros de Sérgio Buarque que se dedicam à conquista
do oeste brasileiro pelos bandeirantes, ao longo dos séculos XVII e XVIII,
pertencem à perspectiva historiográfica que busca compreender a colonização do
Novo Mundo através do que Richard Morse, no livro A volta de McLuhanaíma
18
,
classifica como explicação situacional. Isso significa que estes livros, escritos
sobretudo na segunda metade da década de 1940, enfatizam a forma específica
pela qual os valores herdados do Velho Mundo europeu são transformados e
ressignificados no novo continente. Vale dizer: a explicação situacional enfatiza a
dinâmica de americanização destes valores, enquanto que em Raízes do Brasil a
ênfase se encontra nesses valores em si, ou melhor, na herança ou legado que eles
representam para a sociedade brasileira moderna. Trata-se, neste último caso e
segundo a categorização de Morse, de uma explicação de cunho “genético”.
Desse modo, o modelo de explicação aplicado por Sérgio Buarque aos textos
relativos às bandeiras e entradas permite encontrar características comuns nas
colonizações anglo-saxã e ibérica do território americano. Nos textos em que
18
MORSE, R., A volta de McLuhanaíma, apud WEGNER, R. A conquista do Oeste, p. 38.
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24
predomina a explicação genética, ao contrário, sãos as diferenças entre os legados
hispânico e anglo-saxão que são postas em evidência.
Em Caminhos e Fronteiras, a plasticidade dos bandeirantes se faz presente
na adesão a um modo de vida aparentemente primitivo, que resulta, porém, em um
empreendimento inovador. A incorporação pelo bandeirante de aspectos da vida
material dos indígenas, a qual poderia indicar um retrocesso em relação aos
padrões de civilidade europeus, foi de fundamental importância para que se desse
a adaptação ao novo território e nele se desenvolvessem novos e específicos
padrões de vida. A plasticidade manifesta-se em uma adequação de natureza
muito mais radical, na qual a cultura européia é posta quase que inteiramente em
suspenso em favor de novos modos de vida, tomados sobretudo dos nativos, para
ser retomada apenas após uma adaptação profunda às condições locais.
Em Raízes do Brasil, a plasticidade portuguesa consiste na adequação da
cultura adventícia à topografia, ao clima, à rusticidade da vida no novo território e
aos objetivos mercantis da colonização de terras tropicais. Por isso, enquanto
neste último livro Sérgio Buarque pode fornecer como exemplos de adaptação a
adição da varanda nas casas, o dormir em redes, o mascar fumo e comer pão de
farinha de mandioca, em Caminhos e Fronteiras, a adequação à natureza e a
apropriação dos hábitos dos nativos é muito mais profunda. Apenas o retrocesso
que implica a adequação radical permite desenvolvimento, evolução, enquanto
que a insistência em viver segundo padrões europeus teria significado um
confronto com as condições de vida no Novo Mundo cuja derrota seria
provavelmente inevitável.
Nesta análise se encontra patente a influência da tese da fronteira de
Frederick Jackson Turner, segundo a qual o colono que ocupou a wilderness que
constituía os territórios norte-americanos a oeste, ao longo do século XIX,
renunciou, em um primeiro momento, a quase todas as influências da civilização e
se adequou à rusticidade de um cotidiano fortemente dominado pela natureza, tal
como faziam os nativos do local. Neste primeiro momento, a vida na wilderness
representa um processo de purga, de regeneração e de rejuvenescimento do
homem civilizado. Segundo Henry Nash Smith, a tese de Turner pretende explicar
o desenvolvimento da sociedade norte-americana e da prática democrática que
nela vigora pelo processo de ocupação das terras livres a oeste. A própria idéia de
natureza e os valores a ela agregados afinam-se com os princípios democráticos:
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25
(...) free land was nature, and nature in this system of ideas is unqualifiedly benign.
Indeed, it is itself the norm of value. There is no way to conceive possible bad
effects following from the impact of nature on man and society
19
Para Wegner, nos textos de Sérgio Buarque cujo enfoque temático se centra
na conquista do sertão americano pelos bandeirantes, pode-se perceber a
importância que a tese da fronteira de Turner exerceu sobre ele, nos meses em que
esteve nos Estados Unidos, em 1941.
A opção pela explicação situacional feita
por Sérgio Buarque nos livros sobre a ocupação dos territórios a oeste permite ao
autor conciliar os traços ibéricos ainda presentes na sociedade brasileira de sua
época e valores modernos, entre os quais a democracia. Essa conciliação não
parecia possível em Raízes do Brasil no qual se encontra presente e em aberto a
questão da superação do tradicionalismo brasileiro. Sem dúvida, a caracterização
da plasticidade portuguesa já coloca em evidência, em Raízes do Brasil, questão
da adaptação às condições de vida do Novo Mundo. Entretanto, o argumento de
que a colonização da América portuguesa foi fundamentada na lógica da
adaptação, ou seja, na lógica da fronteira, ainda não está presente no livro de
1936.
É de fundamental importância notar que Wegner insere Visão do Paraíso no
conjunto de textos de Sérgio Buarque cujo enfoque interpretativo é caracterizado
pela explicação situacional. À primeira vista, é difícil compreender esta inserção
uma vez que quase toda segunda metade deste livro é dedicada a uma espécie de
genealogia que busca traçar os contornos clássicos, medievais e renascentistas das
“visões” do paraíso. Ou seja, aparentemente, há aqui uma ênfase na gênese da
projeção dos motivos edênicos no Novo Mundo. Wegner parece argumentar,
contudo, que a ênfase não está na gênese — como em Raízes do Brasil —, mas
na projeção, ou por outras palavras, na adaptação do mito e seus motivos à nova
situação que é a vida nos territórios americanos. Este argumento somente pode ser
19
SMITH, H. N., Virgin Land, p. 256.
Robert Wegner argumenta que “a estadia na América do Norte parece ter sido relevante para o
redimensionamento do trabalho de Sérgio Buarque e, se estamos longe de chegar a afirmar que a
escolha do tema dos bandeirantes tenha sido uma conseqüência daquele ambiente, creio que foi
importante para a formulação de seu enfoque de pesquisa.” In: Robert WEGNER, op. cit., 2000, p.
120. Este enfoque esta presente no artigo “Considerações sobre o Americanismo”, de 1941, no
qual Sérgio Buarque apresenta uma tentativa de aproximar as colonizações do Brasil e dos Estados
Unidos ou, ao menos, de amenizar as discrepâncias entre elas. Esta tentativa vai estar presente
também na abordagem temática e interpretativa de Monções e Caminhos e Fronteiras, publicados
em 1945 e 1957, respectivamente.
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26
sustentado na medida em que o autor parte do pressuposto de que “uma
explicação situacional, como a da hipótese de Turner, dinamiza, mas não substitui
o legado transatlântico, para o que, aliás, tenho apontado e que procurei
operacionalizar ao ressaltar que no Brasil temos uma ‘outra fronteira’.”
20
Wegner segue argumentando que, visto que os legados ibérico e anglo-
saxão são diferentes, a lógica da fronteira — embora se faça presente tanto na
colonização da América do Norte e na ocupação dos seus territórios ocidentais,
durante o século XIX, quanto da colonização da América portuguesa — é distinta
nos casos brasileiro e norte-americano, e se dá em graus e formas também
distintos. Do mesmo modo, comparação entre a análise das “visões” edênicas, em
Visão do Paraíso, e a associação entre o Éden bíblico e as terras americanas pelos
colonos puritanos do norte põe em destaque a diferença entre as formas como a
herança européia, neste caso o mito do paraíso terrestre, assumiu uma nova
dinâmica em território americano. Wegner afirma que “enquanto no caso norte-
americano predominou a concepção segundo a qual o desconhecido a ser
conquistado deveria ser transformado, entre os portugueses o que estava além da
fronteira poderia ser desfrutado.”
21
Mais adiante neste capítulo e sobretudo no próximo, será analisada mais
cuidadosamente a diferença entre os tipos de associação entre o Éden e a
geografia do Novo Mundo empreendida por ibéricos e anglo-saxões. Neste
momento, o que vale a pena salientar é que, em Visão do Paraíso, para além da
adaptação do legado transatlântico ao Novo Mundo, Sérgio Buarque apresenta a
plasticidade como a capacidade do português de se adaptar à nova realidade,
deixando sem suspenso, mas sempre como horizonte de expectativa, o adventício.
Em outras palavras, se em diversas situações os colonizadores portugueses
elaboram versões adaptadas do mito do paraíso terrestre quando o associam à
geografia americana, na maior parte das vezes, estes colonizadores se adaptam à
realidade nua e crua das terras americanas e o mito é preservado em seu
imaginário quase que a despeito desta adaptação. Nisto consiste a peculiaridade
de Visão do Paraíso, que será retomada na quarta seção deste capítulo.
20
Ibid., p. 129.
21
Ibid., p. 133.
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27
2.3.
Plasticidade e Idealismo
Em Raízes do Brasil e Visão do Paraíso, a plasticidade dos portugueses,
vinculada à a marcada atitude naturalista destes colonizadores, isenta de
abstrações e artifícios, é salientada pela comparação com os seus vizinhos de
península.
Em diversos textos de Sérgio Buarque, o espírito prático dos lusitanos, que
em tudo aproveita às circunstâncias e amolda-se ao real e ao imediato, é
contraposto ao caráter idealista dos colonizadores castelhanos. Estes últimos
tendem a sacrificar a praticidade em prol da implementação de projetos
elaborados a priori, de cálculos abstratos, e mesmo de ideais fantásticos. No seu
artigo de estréia intitulado “Originalidade Literária”, que publicou em 1920 no
Correio Paulistano, o autor alude, ainda que de forma passageira, a esse contraste
entre o idealismo espanhol e um certo pragmatismo português.
Neste, como em outros dos artigos que marcaram sua participação no
movimento modernista, Sérgio Buarque preocupa-se em defender a tese de que os
textos, tanto em prosa quanto em verso, produzidos na América portuguesa,
durante a época colonial, não constituem uma literatura nacional. A polêmica em
torno das origens da literatura brasileira e da correspondência — ou falta dela —
entre as emancipações política e literária, polêmica que envolveu durante algumas
décadas críticos como Afrânio Coutinho, Tristão de Ataíde e Antônio Cândido,
levou Sérgio Buarque a comparar brevemente neste artigo as produções literárias
das Américas portuguesa e espanhola. Com base nos estudos do autor peruano
Francisco García Calderón, o jovem crítico paulista afirma que os textos
produzidos nos territórios espanhóis do Novo Mundo, à época da conquista,
continham vestígios de um americanismo resultante da contemplação de uma
natureza e de uma cultura exuberantes e radicalmente distintas da européia. A
produção colonial que se seguiu, entretanto, perdeu esse toque de originalidade.
No caso dos territórios luso-americanos não houve, segundo Sérgio Buarque, nem
mesmo esse efêmero americanismo inicial. E se para esta ausência contribuíram
fatores tais como o grau de desenvolvimento das sociedades nativas encontradas
pelos conquistadores ibéricos, exerceram também relevante papel as diferenças
intrínsecas entre portugueses e espanhóis, prévias à descoberta e à conquista do
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28
Novo Mundo ou que se constituíram a partir da experiência da conquista e da
colonização. De acordo com Sérgio Buarque, “o povo português, menos idealista
e, se quiserem, mais prático que o espanhol, não teve uma impressão tão sutil da
natureza do Novo Mundo como aquele.”
22
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque descreve, no capítulo intitulado “O
Semeador e o Ladrilhador”, a plasticidade e mesmo o desleixo que caracterizaram
a ocupação litorânea dos territórios luso-americanos, contrapondo-os à ocupação
da América espanhola, que obedeceu à ordenação artificiosa do espaço, moldando
a natureza segundo noções abstratas. Os espanhóis pretendiam fazer das suas
terras no Novo Mundo uma extensão contínua do reino, necessitando, por
conseguinte, impor um projeto de colonização às condições apresentadas pela
nova geografia que muitas vezes eram hostis ao seu intento. As cidades da
América espanhola, descritas por Sérgio Buarque, desvelam esse traço do caráter
dos colonizadores castelhanos:
Já à primeira vista, o próprio traçado dos centros urbanos na América espanhola
denuncia o esforço determinado de vencer e retificar a fantasia caprichosa da
paisagem agreste: é um ato definido da vontade humana. As ruas não se deixam
modelar pela sinuosidade e pela aspereza do solo; impõem-lhes antes o acento
voluntário da linha reta. O plano regular não nasce, aqui, nem ao menos de uma
idéia religiosa, como a que inspirou as cidades do Lácio e mais tarde as colônias
romanas, de acordo com o rito etrusco; foi simplesmente um triunfo da aspiração
de ordenar e dominar o mundo conquistado. O traço retilíneo, em que se exprime a
direção da vontade a um fim previsto e eleito, manifesta bem essa deliberação. E
não é por acaso que ele impera decididamente em todas essas cidades espanholas,
as primeiras cidades ‘abstratas’ que edificaram europeus em nosso continente.
23
A plasticidade dos lusitanos e o idealismo dos espanhóis são apresentados,
neste capítulo, como duas manifestações da nossa “herança ibérica”, caracterizada
pelo autor nos primeiros capítulos do livro. Os aspectos definidores dessa
“herança ibérica”, entre os quais sobressai a “cultura da personalidade”
24
, são
comuns a portugueses e espanhóis. Esta “cultura da personalidade” tem como um
de seus aspectos mais marcantes a autonomia e independência do sujeito em
relação aos demais membros da sociedade. Autonomia que indispõe o homem
ibérico à obediência a códigos de conduta que se pretendam universais e que
22
HOLANDA, S. B., O Espirito e a Letra. Estudos de Critica Literária, p. 37.
23
Id., Raízes do Brasil, p. 96.
24
Ibid., p. 32.
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29
requeiram constância e disciplina interior; bem como o indispõe ao modelo de
sociedade baseado em uma solidariedade de tipo impessoal. Apenas os vínculos
pessoais, afetivos, cordiais prevalecem. Vínculos estes que não constituem
obstáculo, mas sim estímulo ao cultivo das virtudes soberanas e, entre elas,
sobretudo a “sobranceria” — “palavra que indica inicialmente a idéia de
superação. Mas a luta e a emulação que ela implica eram tacitamente admitidas e
admiradas”
25
.
Sérgio Buarque afirma que, nos países ibéricos, em que o feudalismo pouco
se enraizou, o espírito de “sobranceria” permitiu que os méritos pessoais do
indivíduo o impulsionassem na escalada de uma hierarquia social frouxa e
flexível. Transladada para a América portuguesa, a “cultura da personalidade”
ibérica contribuiu para constituição da cordialidade brasileira. O “homem cordial”
de Sérgio Buarque defini-se também pela flexibilidade, adaptabilidade,
maleabilidade de caráter, todas características que remetem à plasticidade do
colonizador português.
O fundamento ibérico da cordialidade brasileira apresenta-se igualmente na
aversão a organizações sociais fundadas em princípios abstratos e racionais e a
regulamentações homogeneizadoras e impessoais, como as vinculadas ao Estado
burocrático. A família e o tipo de solidariedade que ela comporta constituem o
núcleo a partir do qual se desenvolvem as esferas de solidariedade cordial. A
civilidade, associada às relações em que vigora uma solidariedade impessoal, não
tem lugar em uma sociedade em que predomina a solidariedade cordial. Sérgio
Buarque opõe o comportamento cordial às relações sociais profundamente
ritualizadas que fazem parte, de acordo com Max Weber
26
, da tradição do
confucionismo chinês.
Jessé de Souza, porém, em um estudo
27
acerca da influência weberiana nas
ciências sociais brasileiras, afirma que o homem cordial, tal como definido por
Sérgio Buarque, encontra seu tipo antitético muito mais no protestante ascético
que no chinês confuciano. A despeito do fato de o tipo de autocontrole que o
confuciano se impõe ser incompatível com o comportamento cordial, a
25
Ibid.
26
WEBER, M., The Religion of China, pp. 226-249.
27
SOUZA, J., O Malandro e o Protestante.
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30
racionalidade confuciana de ajustamento ao mundo possui alguns traços
semelhantes aos que caracterizam o homem cordial.
Ao abordar o tópico do tradicionalismo na sociedade brasileira em Raízes do
Brasil, Robert Wegner chega a conclusões muito semelhantes às de Souza.
Segundo aquele autor, a racionalidade de dominação do mundo, atribuída por
Weber ao protestante calvinista, é marcada por uma tensão entre o indivíduo e o
mundo, tensão esta que orienta a sua ação no sentido de conquistar o mundo. Para
que esta conquista se torne possível, o indivíduo tem de passar por uma revolução
interior, na qual o seu self natural se amolda segundo a vontade do criador e
estabelece uma relação com o exterior alicerçada no domínio pela razão. Na
racionalidade de ajustamento ao mundo, a tenção entre o indivíduo e o mundo se
encontra ausente e, por conseguinte, a relação entre interioridade e exterioridade
calca-se na renúncia de qualquer tentativa de controle da segunda pela primeira.
Wegner argumenta que:
A esse último tipo de racionalismo, considerado por Weber como o mais próximo
da antítese daquele que surge com o protestantismo, é possível aproximar a
renúncia do português em modificar a face do mundo. Neste caso, no entanto, esta
renúncia e sua ausência de tensão não está associada a nenhum tipo de
comportamento ritualizado, como no caso do confuciano, e, nesse sentido, nosso
tradicionalismo corresponderia a uma acomodação ao mundo até mais radical, no
sentido de que, se nos dois casos a conduta é determinada a partir ‘de fora’,
enquanto o confuciano tem sua conduta determinada a partir de um conjunto de
regras minimamente ordenado, o português rotinizaria suas atividades apenas pela
adequação às circunstâncias exteriores.
28
No prefácio à segunda edição de Visão do Paraíso, Sérgio Buarque,
dialogando com um conjunto de autores norte-americanos, define a subjetividade
dos povos ibéricos contrapondo-a àquela dos colonos puritanos da América do
Norte e o faz através da análise da apropriação dos motivos edênicos em cada uma
delas. Enquanto os povos ibéricos alimentam a expectativa de achar o paraíso
terreal na geografia do novo continente, os puritanos propõem-se a construir,
através do seu trabalho em prol da glória divina, o Éden na “selva e deserto”
que
constitui as terras americanas:
28
WEGNER, R., A Conquista do Oeste., p. 36.
É por essa expressão que Sérgio Buarque de Holanda traduz o termo “wilderness” com que os
autores norte-americanos que tratam do tema da conquista do oeste e referem aos territórios ainda
não ocupados pelos colonos anglo-saxões e seus descendentes.
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Assim, se os primeiros colonos da América Inglesa vinham movidos pelo afã de
construir, vencendo o rigor do deserto e selva, uma comunidade abençoada, isenta
das opressões religiosas e civis por eles padecidas em sua terra de origem, e onde
enfim se realizaria o puro ideal evangélico, os da América Latina se deixavam
atrair pela esperança de achar em suas conquistas um paraíso feito de riqueza
mundanal e beatitude celeste, que a eles se ofereceria sem reclamar um labor
maior, mas sim como um dom gratuito.
29
O ascetismo puritano, tal como compreendido por Max Weber, que o
relaciona à noção de “dominação racional do mundo”
, funciona como o
contraponto da subjetividade ibérica apresentada por Sérgio Buarque. A idéia de
que, ao contrário do colonizador ibérico, o colono anglo-saxão ambiciona
construir o paraíso ao invés de simplesmente encontrá-lo, é compatível com a
descrição weberiana do puritano ascético que se crê ferramenta de um Deus
transcendente e, por conseguinte, trabalha com diligência e um exacerbado
autocontrole, dispondo da sua vocação e de seu saber especializado para impor ao
mundo as leis divinas.
A forma mentis ibérica está em acordo com a idéia de fruição do mundo,
idéia que pode ser oposta ao esforço diligente, dominador e construtor relacionado
ao protestantismo ascético. Portanto, em alguma medida, a subjetividade ibérica,
tal como apresentada em Visão do Paraíso, possui semelhanças com o tipo de
racionalidade que Weber atribui ao confucionismo: a racionalidade de
ajustamento ou adequação ao mundo.
Todavia, se a noção de ajustamento ao mundo é interessante para se pensar a
expressão da subjetividade típica do colonizador português o mesmo não pode ser
dito em relação à subjetividade do colonizador castelhano. Por outras palavras: se
a idéia de ajustamento pode ser relacionada ao “pedestre ‘realismo’”
30
e sobretudo
ao caráter plástico do povo lusitano, torna-se complicado compatibilizá-la com as
características do conquistador espanhol: o idealismo, a desenvolvida capacidade
de abstração, a atração pelo fantástico e a tendência de interagir com o mundo
lançando mão do cálculo que permite seu controle, dominação e transformação.
Assim como o colonizador puritano, o castelhano, longe de se ajustar ao
novo ambiente, busca impor-se sobre ele, conquistá-lo. A diferença está em que o
29
HOLANDAS. B., Visão do Paraíso, p. XVIII.
A expressão “rational mastery of the world” é contrastada ao “rational adjustment to the world”,
típico do racionalismo confuciano, por Max WEBER.
30
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. 2.
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32
puritano o faz a partir da observação e da experimentação deste ambiente, ao
passo que o castelhano ambiciona impor ao mundo um conjunto de idéias, valores
e formas muitas vezes alheio às possibilidades por ele oferecidas. Em certa
medida, o mundo a que o puritano anglo-saxão pretende se impor é dotado de
maior concretude do que o Novo Mundo que o colonizador castelhano toma como
tábula rasa, sobre o qual tenciona reconstruir com a maior fidelidade e
literalidade possível o Velho Mundo de que advém. Dizer que o Novo Mundo é
tomado como tábula rasa pelos castelhanos não significa de modo algum
defender a idéia de que eles assumiram uma atitude de total indiferença em
relação à sua natureza e aos grupos humanos que lá viviam antes da sua chegada.
Ao tratar dos métodos de conquista de Fernão Cortez, no último capítulo de Visão
do Paraíso, Sérgio Buarque afirma que:
A estratégia ‘global’ do que servira em sua empresa, fazendo rol dos caciques
que mandem na terra, indagando do número dos naturais, de seus ritos, vivenda,
qualidade e assento, tratando alianças proveitosas, tomando língua e guia de todos
os confins que existiam por descobrir, procurando saber todos os tesouros e
segredos de cada lugar, penetrando, enfim, até o coração da terra conquistada para
dali melhor estabelecer o seu domínio, será a dos diferentes caudilhos castelhanos
no Novo Mundo
31
Ao dirigir seu olhar para o Novo Mundo, os conquistadores castelhanos não
tinham a intenção de agregar nada a este mundo, nem mesmo de agregá-lo, como
novidade, ao Velho Mundo. Se o levavam em conta, era como estratégia,
instrumento, artifício para esmagá-lo em sua diferença e sobre ele expandir o
reino de Castela, e nele descobrir o Éden perdido e suas inúmeras riquezas, desde
há muito perseguidos.
Na sua empresa de conquista, o puritano quer de fato construir um novo
mundo de acordo com as leis divinas, com as quais o seu self já se encontra em
conformidade. O castelhano, diversamente, pretende estender o velho mundo
ibérico sobre o novo mundo americano. É nessa extensão que se encontra
conceptualmente fundamentada, ao menos nos primeiros anos da conquista e da
colonização espanhola, a sua idéia de império.
31
Ibid., pp. 387-388.
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33
2.4.
Plasticidade e Paradoxo
Em relação a Raízes do Brasil e Caminhos e Fronteiras, Visão do Paraíso
apresenta um argumento peculiar: a plasticidade portuguesa não se refere apenas à
capacidade de adaptação a uma nova geografia, a um novo clima, a novos hábitos,
enfim, a novas experiências, mas também à capacidade de adaptar experiência e
ideal, experiência e mito, experiência e fantasia, ainda quando cada um dos termos
da combinação sejam contraditórios entre si.
O sexto capítulo do livro, em que Sérgio Buarque apresenta formalmente o
seu argumento central — e é interessante notar que se trata do capítulo central
também na estrutura do livro — é intitulado “As atenuações plausíveis”. A
expressão sintetiza essa radical capacidade de adaptação dos portugueses, a qual
consiste em lidar com o paradoxo com o mínimo de tensão possível. O capítulo
trata das atenuações dos traços fantásticos dos motivos edênicos que os
conquistadores europeus almejavam identificar nas terras recém descobertas.
Essas atenuações permitiam a sobrevivência destes motivos ainda quando o desejo
de deparar-se com serras resplandecentes, amazonas, eldorados, fontes da
juventude era frustrado pela experiência real e cotidiana da vida nas terras
americanas.
A plausibilidade conferida a estes e outros motivos pela atenuação do seu
caráter maravilhoso e sobrenatural era suficiente para que os portugueses lidassem
com a natureza, as circunstâncias e as necessidades próprias do novo continente
de maneira mais realista do que os colonizadores castelhanos, sem que este
realismo jamais implicasse o processo de “desencantamento”
32
do mundo, a que
Max Weber alude para caracterizar o princípio da modernidade. Tanto que Sérgio
Buarque interpreta o realismo dos portugueses do Renascimento como traço
arcaico, um ranço da mentalidade medieval marcada pela ênfase no detalhe, no
episódico, no particular, no concreto, “em contraste com o idealismo, com a
fantasia e ainda com o senso de unidade dos renascentistas”
33
. O ato de nomear,
tal como se dá entre os colonizadores portugueses, de que se tratou anteriormente,
é, portanto, significativo para compreender que o realismo e a plausibilidade não
32
WEBER, M., Ciência e Política: duas vocações, p. 31.
33
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. 2.
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34
aniquilam o imaginário tradicional mas, ao contrário, garantem a sua
permanência. Para utilizar as expressões do autor, se são frustradas “a esperança e
a surpresa” de encontrar o paraíso terrestre no ultramar, o mito mantém-se vivo na
“lembrança” e no “costume”.
A relação entre mito e experiência ou, em outros termos, a ratificação do
mito pela experiência é conservada como horizonte de expectativa. A expressão
“horizonte de expectativa” foi tomada das categorias meta-históricas, através das
quais Heinhart Koselleck analisa as transformações nas concepções de tempo no
Ocidente, pois ela pode ser interessante para que se perceba de que forma se dá a
relação entre a expectativa gerada pelo mito edênico e a experiência da
colonização portuguesa. A idéia de que a expectativa de encontrar o paraíso
terrestre no Novo Mundo era conservada como um horizonte, e como tal era
inatingível, não constituía, entretanto, uma barreira à adaptação dos colonizadores
portugueses à realidade do Novo Mundo. Pelo contrário, constituía um estímulo a
essa adaptação. Segundo Heinhart Koselleck, a partir do fim da Idade Média e
começo do Renascimento, começa a se configurar um distanciamento entre
“campo de experiência” e “horizonte de expectativa”, distanciamento que é
característico dos Tempos Modernos. Até então, as sociedades européias
tradicionais, camponesas e artesãs, eram caracterizadas pelo fato de que as
expectativas de uma determinada geração eram alimentadas pelas experiências da
geração que a precedeu. A partir dos Tempos Modernos, as “expectativas que se
prolongavam para o futuro se desvinculavam de tudo aquilo que lhes poderiam ter
oferecido as experiências vividas até então”
34
. E Koselleck vai ainda mais longe:
não há apenas um distanciamento entre “campo de experiência” e “horizonte de
expectativa”, mas uma alteração constante na distância entre estas duas categorias.
É claro que Koselleck está se referindo ao legado tradicional de uma determinada
sociedade quando fala em “campo de experiência”. Mas é legítimo argumentar
que, para além da meta-historicidade da categoria de Koselleck, a própria noção
de experiência se transforma profundamente na era dos grandes descobrimentos
marítimos. A experiência passa incluir o novo, o inédito, o nunca antes
experimentado. Os portugueses do Renascimento acabaram por promover um
34
KOSELLECK, H., Le Futur Passé. Contribution à la sémantique des temps historiques, p. 319.
“(...) les attentes qui se prolongeaient dans le futur se détachaient de tout ce qu’avait pu offrir les
experiences vécue jusqu’alors.”
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35
duplo distanciamento. O distanciamento entre a experiência da vida no Novo
Mundo e a expectativa da vida no Novo Mundo — expectativa que incluía
encontrar nele o paraíso terrestre —; e, por conseguinte, o distanciamento entre a
experiência da vida no Novo Mundo e o campo de experiência tradicional — que
incluía a expectativa de se ser agraciado com a dádiva de encontrar o paraíso
terrestre.
Se entre os espanhóis a experiência parecia reiterar o mito, na América
portuguesa a experiência acabou por frustrar, em parte, as expectativas
relacionadas à combinação entre mito e realidade. Conquanto não menos afeitos
ao mito do que os espanhóis, atribuindo como eles um “valor literal”
35
às formulas
literárias que constituíam a tópica dos motivos edênicos, os colonizadores
lusitanos fizeram minguar a força do mito quando este se via confrontado com a
experiência do real. A atenuação não deve ser compreendida como um
arrefecimento da crença no mito, esta permanecia intacta, mas os portugueses
mostravam resistência em conjugar mito e experiência ou, por outras palavras,
resistência em viver rotineiramente o mito como fizeram os espanhóis.
A convivência da crença no mito com a adequação a uma experiência que
nega esta crença somente pode ser compreendida ao se notar que, no caso dos
colonizadores portugueses, o fato do Éden não ser encontrado nas terras
americanas é o próprio alimento do desejo, da expectativa de encontrá-lo. Isto
porque o realismo e a plasticidade que caracterizam a forma mentis lusitana
combinam-se com um terceiro aspecto: a expectativa e o desejo são, por sua
própria natureza, irrealizáveis, são pura aspiração.
Em um artigo intitulado “Aspiração e forma”, Georg Lukàcs define a
aspiração como um “estado” em que se experimenta, contraditória mas
simultaneamente, as sensações de proximidade e de afastamento, de estar unido a
algo de que se está para sempre separado. Por outras palavras, trata-se de uma
sensação de pertencimento a algo que não mais se possui, mas que se pretende
reencontrar:
“Eles consistem”, afirmou Schiller sobre os objetos da aspiração humana, “no que
uma vez fomos e no que haveremos de nos tornar uma vez mais”. Porém o
passado – ou seja, aquilo que se perdeu para nós – se transforma em valor porque
35
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. 178.
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36
criamos o que foi perdido para nós, um caminho e uma meta, saídos do seu nunca-
ter-existido. É desta forma que a aspiração se eleva para além da meta que
estabeleceu para si própria e é assim que deixa de estar ligada a sua própria meta.
36
A aspiração é um traço do caráter português — claramente manifesto no
milenarismo sebastianista — que se afina com o tipo de realismo muito peculiar
de que se tratou anteriormente. Um realismo muito diverso, e até mesmo
incompatível, com a racionalidade moderna que pretende representar
geometricamente um mundo desmistificado. O realismo português ocupa espaço
aberto pelo fosso intransponível entre um passado mítico, mas familiar, e um
futuro também mítico, visto que inalcançável, no qual este passado se encontra
projetado. A existência deste fosso é inerente ao estado de aspiração.
Em seu livro intitulado Longing. Narratives of the Miniature, the Gigantic,
the Souvenir, the Collection, Susan Stewart define os tipos de discurso em que a
aspiração é o elemento fundamental através dessa ligação entre passado e futuro:
“My point is (...) that the location of desire, or, more particularly, the direction of
force in the desiring narrative, is always a future-past, a deferment of experience in
the direction of origin and thus escathon, the point where narrative begins/ends,
both engendering and transcending the relation between materiality and
meaning.”
37
Nos relatos dos cronistas portugueses da era dos descobrimentos e dos
primeiros séculos de colonização analisados por Sérgio Buarque, os motivos
edênicos são a ponte entre o futuro e o passado, mas uma ponte imaginária, cuja a
construção nunca pode ser efetivada. O futuro e o passado são os dois termos de
uma equação cujas operações se estabelecem nas relações entre números reais e
imaginários, e cuja propriedade matemática não se sustenta na representação da
realidade física exterior. É assim que
esse mundo paradisíaco, fosse ele cristão ou pagão, permanecia invariavelmente no
passado, ou no futuro, ou no sonho, alheio e adverso à vida atual. Esquecidos de
que o próprio de todos os ideais é serem inatingíveis, de que o mínimo de
36
LUKÀCS, G. Soul and Form, 1980, pp. 92-93.
“‘They are’ said Schiller of the objects of human longing, ‘what we once were; they are what we
are to became once more.’ But the past – that which has been lost to us – has become a value
because we create what has been lost to us, a way and a goal, out of its never-having-existed; this
is how longing rises above the goal witch it has set itself, and this is how it ceases to be bound to
its own goal.”
37
STEWART, S. Longing, p. X.
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37
materialidade compatível com a existência na terra e no tempo já serviria para os
manchar e perder, não hão de faltar os que pelejam por desconhecer semelhante
estorvo.
38
Sem dúvida o Éden, como objeto de aspiração, impulsionou ações concretas
dos conquistadores portugueses. Sérgio Buarque relata, por exemplo, que o
fascínio renascentista pelas esmeraldas, calcado nas virtudes sobrenaturais a elas
atribuídas, e a convicção de que elas poderiam ser encontradas em abundância no
extenso sertão americano, estimulou a formação e o envio de algumas expedições
oficiais para o interior, ao longo do século XVI. Mas as conseqüências dessas
ações — ou seja, a própria colonização da América portuguesa — não foram a
realização dos seus objetivos, não foram a realização dos seus objetos de
aspiração. Nas palavras de Lukàcs: “a aspiração impulsiona os homens à ação e
aos acontecimentos, e não há ação ou acontecimento que seja digno o suficiente
de se tornar a realização da aspiração.
39
É por aspirarem a objeto inatingíveis que, no trato da realidade, os
portugueses da era dos descobrimentos são homens sóbrios. A sobriedade
portuguesa não é, para Sérgio Buarque, resultado de um ascetismo racional, mas,
ao contrário, de uma vida emocional intensa e desordenada:
Seria, em verdade, um retrato bem pouco fiel e até um retrato às avessas o que
procurasse apresentar esses portugueses como insensíveis ao apelo do mistério. Ou
que pretendesse discernir na relativa sobriedade com que se comportam, ao menos
seus viajantes e narradores quinhentistas, ante o espetáculo natural da terra, no seu
contentar-se freqüentemente com o evidente, o imediato ou o utilizável, alguma
congênita apatia. Não é, ao contrário, dos seus traços mais constantes, justamente
um fundo emotivo extremamente rico e que, por isso, mal atinge aquele mínimo de
isenção para poder objetivar-se nas representações fantásticas ou nas criações
miríficas, que vêm, por assim dizer, de um deslumbramento apaziguado?
40
A objetivação do fantástico e do mirífico entre os colonizadores portugueses
não é possível pois a aspiração é incompatível com a realização da forma. O
objeto da aspiração pode assumir uma forma, mas a aspiração jamais cria forma
no mundo, jamais concretiza a forma:
38
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. 186.
39
LUKÀCS, G., Soul and Form, p. 103. “Longing leads men to action and events, and no action or
event is worthy of becoming the fulfillment of longing.”
40
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. 179.
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38
“A aspiração é sempre sentimental — mas será que existe uma forma sentimental? Forma
significa extrair o melhor do sentimentalismo; na forma não há mais desejo nem solidão.
Alcançar a forma é alcançar a maior realização possível.”
41
A intensidade do fundo emotivo dos lusitanos constitui uma barreira à
geração de forma. Essa temática já se encontra de certa forma presente em Raízes
do Brasil. Um dos traços principais que definem a cordialidade brasileira é “um
fundo emotivo extremamente rico e trasbordante”
42
que, por conseguinte,
fundamenta os laços sociais em uma “ética de fundo emotivo”
43
, o invés de os
normatizar segundo uma ética neutra e impessoal fundada no raciocínio abstrato.
É o predomínio do fundo emotivo do “homem cordial” na sua vida social que
explica a aversão brasileira – aversão herdada dos nossos antepassados
portugueses – às relações sociais rigidamente ritualizadas, nas quais não há espaço
para intimidade. O ritual, que garante a polidez e a civilidade nas relações sociais,
é a expressão da supremacia do individual sobre o social e a soberania do
indivíduo é também a sua profunda solidão:
No ‘homem cordial’, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira
libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si
próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para
com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no
brasileiro — como bom americano — tende a ser a que mais importa. Ela é antes
um viver nos outros. Foi a esse tipo humano que se dirigiu Nietzsche, quando
disse: ‘Vosso mau amor de vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro’.
44
A solidão é o que deve ser a todo custo evitado pelo “homem cordial” que,
como seus antepassados portugueses, é também o homem da aspiração. O amor
— a forma mais típica da aspiração, segundo Lukàcs — é para Sócrates — o
filósofo da aspiração, também segundo Lucàks — a tentativa de nos esvaziar de
todo os estranhamento e nos preencher do espírito de familiaridade. A fábula
narrada por Aristófanes, de acordo com a qual no início dos tempos cada criatura
era duplicada, e a sua separação em dois seres distintos por Zeus, as condenou a
41
LUKÀCS, G., Soul and Form, p. 102. “Longing is always sentimental — but is there a thing as
a sentimental form? Form means getting the better of sentimentality; in form there is no more
longing and no more loneliness; to achieve form is to achieve the greatest possible fulfilment.”
42
HOLANDA, S. B., Raízes do Brasil, p. 147.
43
Ibid., p. 148.
44
Ibid, p. 147.
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39
busca infinita pela outra metade de si, representa exemplarmente a natureza desse
amor que é aspiração.
O estabelecimento de intimidade no âmbito de todo tipo de relação social, o
esforço por transformar todas as relações em laços semelhantes às que se
experimenta no seio da família — “laços de sangue e do coração”
45
—, é uma
tentativa de buscar a si no outro, de “viver nos outros”, de dar forma à aspiração e
de estar sempre em casa. Entretanto, afirma Lukàcs:
“A aspiração cria uma ligação entre aqueles que são diferentes entre si, mas ao
mesmo tempo destrói a esperança de que venham a se tornar um só. Se tornar um
só é voltar ao lar, e o desejo verdadeiro nunca teve um lar. O desejo constrói a terra
natal perdida através de vívidos sonhos sonhados no exílio supremo e o conteúdo
do desejo consiste na busca de caminhos que levem ao lar perdido. ”
46
A aspiração pelo lar perdido é também a aspiração pelo paraíso perdido. O
mito pagão da separação das criaturas em dois seres distinto e o mito cristão da
Queda são análogos no interior de uma mitologia da aspiração. A Queda é, nesse
sentido, o exílio do homem de sua terra natal, primeira, a essencial, a original.
A sobriedade portuguesa expressa a natureza irrealizável da aspiração. Mas
é essa mesma natureza irrealizável que mantém acesa a sua chama. Não há objeto
evanescente quanto se trata de um objeto de aspiração. É isto que torna os
portugueses incapazes de “apaziguar” o maravilhoso, tornando-o real. E é isto que
os leva, por outro lado, a tomar o próprio real como maravilhoso, maravilhoso em
sua imanência. Um maravilhoso imanente que não é identificado com as
maravilhas sobrenaturais. Por isso “parece raro que os loci amoeni literários,
derivados comumente de velhos motivos edênicos, venham a sobrepujar, no
deslumbramento desses navegantes [portugueses], a expressão de uma
sensibilidade mais direta ao espetáculo real.”
47
45
Ibid., p. 146.
46
LUKÀCS, G., Soul and Form, p. 92.
“longing makes a link between those who are unlike one another, but at the same time it destroys
the hope of their becoming one; becoming one is coming home, and true longing has never had a
home. Longing constructs its lost fatherland out of vivid dreams dreamed in ultimate exile, and the
content of longing is the search for ways that could lead to that lost home”
47
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. 179.
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40
2.5.
O “outro Peru”
Quando o conquistador Francisco Pizarro, a serviço da Coroa de Castela,
encontrou minas de prata na região do Peru, fortaleceu a crença de que a mítica
“serra resplandecente”
48
seria parte integrante da topografia do Novo Mundo. Os
portugueses nutriram ainda, por quase meio século, a esperança de que o Brasil
viesse a constituir um “outro Peru”, ainda mais favorecido em termos de
abundância de riquezas minerais por se localizar a leste do Peru, pois circulava
ainda a crença tradicional de que “o Oriente, participando melhor da Natureza do
Sol, é mais nobre do que o Ocidente”
49
. Frustrada esta esperança, e circulando
entre alguns a idéia de que a Providência favorecera deliberadamente os espanhóis
no que diz respeito aos metais preciosos, o caráter plástico dos lusitanos levou
alguns cronistas e funcionários da Coroa portuguesa a dissertarem sobre as
enormes vantagens de não se ter encontrado ouro e prata e, por conseguinte, ter-se
investido em outras vias para extrair riquezas do novo território, tais como a
produção de açúcar. A ênfase em uma atitude que se ajusta à dinâmica da
natureza, sem transforma-la ou aprimorá-la por meio de qualquer arte, faz-se deste
modo presente entre os colonizadores portugueses. A exploração das minas de
metais preciosos requereria o esforço da entrada para o interior e exploração do
sertão.
A apologia das riquezas proporcionadas pelas terras brasileiras como o pau-
brasil e o açúcar e a defesa da exploração destas riquezas, que são reais e
acessíveis, ainda que isto implicasse em abrir mão da busca pelo Eldorado ou
pelas serras resplandecentes, é fundamentada no topos edênico da “isenção de
todo o mister penoso e fatigante”
50
. Ao lado dos topoi que, nos textos medievais
sobre o Éden, aludem à temperança do clima — nem frio, nem quente — e à
longevidade dos seus habitantes, a liberação do trabalho e do esforço é, segundo
Sérgio Buarque, um dos mais citados pelos cronistas portugueses do
Renascimento quando se referem às possessões portuguesas na América.
48
Ibid., p. 83.
49
Ibid., p. 110.
50
Ibid., p. 185.
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41
De acordo com este autor, apenas durante o período da União Ibérica, entre
1580 e 1640, a metrópole investiu de forma consistente nas esperanças de
encontrar minas de metais preciosos no Brasil. De modo geral, todavia, a maior
parte dos motivos edênicos, na sua versão americana, migram dos territórios
castelhanos para os portugueses e são atenuados de seus elementos fantásticos
nesse processo migratório. E, segundo Sérgio Buarque, o único mito de origem
luso-brasisileira, o mito de São Tomé, modesto no que se refere aos seus traços
sobrenaturais e extraordinários quando em terras lusitanas, torna-se
progressivamente mais fantástico à medida que penetra mais e mais nos territórios
espanhóis. Até mesmo a indumentária de São Tomé torna-se mais incrementada e
adquire poderes miraculoso, ao entrar na América espanhola:
É curioso observar, entretanto, como, à medida que avança do oriente para o
poente, a imagem e a predicação do São Tomé americano se enriquece de novos e
mais fantásticos elementos. Para começar, andaria ele, no Brasil, geralmente
descalço, segundo o fazem crer as pisadas referidas em vários depoimentos, e
levava, se tanto, um só acompanhante, que poderia ser outro discípulo de Jesus ou
ainda seu próprio anjo da guarda. (...)
Já ao entrar no Paraguai, ele calça sandálias, a julgar pelas pegadasimpressas na
penedia vizinha a assunção, mencionada por Lourenço Mendonza e Antônio Ruiz.
Ao chegar ao Peru, já o encontram os índios usando sapatos semelhantes a
sandálias, mas de três solas, como os que deixou perto do vulcão de Arequipa,
depois de passar entre fumegantes lavas que escorriam como um rio caudaloso.
51
Quando integra, entretanto, o âmbito da aspiração, a plausibilidade é
sacrificada e o mito guarda toda a sua intensidade mágica. Dito de outro modo,
entre os portugueses, o mito mantém a potência do seu caráter fantástico enquanto
permanece fora dos limites dos seus territórios e da sua experiência. Nas palavras
de Sérgio Buarque, ao alimentar a fantasia de ver estendidas aos seus territórios as
graças concedidas às Índias de Castela, “o que o Brasil queria encontrar era o
Peru, não era o Brasil”
52
. Mas se pode dizer que, paralelamente ao Brasil
empírico, ao Brasil plausível do pau-brasil e do açúcar, os portugueses e seus
descendentes continuaram a alimentar a aspiração a um “outro” Brasil: o Brasil
das esmeraldas e das serras resplandecentes.
51
Ibid., p. 145.
52
Ibid., p. 119.
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3
Através e apesar da natureza
Eratóstenes diz que o clima é muito temperado debaixo do
círculo equinocial, e Avicena também. Esse sol equatorial
é muito elevado. Confirma-o Aristóteles, dizendo que é a
parte superior do mundo. E confirma-o ainda a
experiência.
(Visão do Paraíso, p. 201)
3.1.
As ambigüidades aparentes
Ao capítulo inicial de Visão do Paraíso Sérgio Buarque de Holanda dá o título de
“Experiência e Fantasia”. A leitura do seu texto permite interpretar este título de duas
formas distintas que, contudo, estão estreitamente relacionadas. Pode-se associar a
noção de experiência ao realismo e à plasticidade que definem o caráter lusitano e a
fantasia ao idealismo espanhol, para concluir que os portugueses dão prioridade à
experiência em detrimento da fantasia, enquanto seus vizinhos de península fazem
justamente o inverso. Uma interpretação mais aprofundada do que esta, mas que, no
entanto, não a exclui, aponta para a idéia de que as peculiaridades de cada um dos
colonizadores do Novo Mundo se vinculam às maneiras pelas quais eles combinam
experiência e fantasia.
Como ficou dito no capítulo anterior, entre os colonizadores portugueses, a
fantasia conserva sua potência desde que apartada da experiência e, quando se cruzam,
aquela é atenuada para melhor adaptar-se a esta; entre os espanhóis, não há contradição
entre a fantasia e a experiência, visto que a segunda confirma a primeira; entre os
colonizadores anglo-saxões, por fim, a experiência é submetida, não à fantasia — que só
ganha sentido em uma concepção mágica do mundo, a qual não encontra espaço na
religiosidade puritana —, mas aos valores religiosos interiorizados pelos indivíduos. De
acordo com este esquema, pode-se inferir que, à primeira vista, no processo de
secularização que caracterizou a Idade Moderna, os anglo-saxões saíram na frente,
seguidos pelos portugueses e que os castelhandos, atados ainda à uma visão mágica do
mundo, foram os últimos a completá-lo. Este tipo de hierarquização não faz, todavia,
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43
sentido algum na análise de Sérgio Buarque e é incompatível com a sua abordagem dos
processos históricos.
A migração do mito edênico se desenvolve, na obra de Sérgio Buarque, no tempo
e no espaço. Contudo, atravessando transversalmente esses dois níveis de
ressignificação, o temporal e o espacial, há uma esfera em que o sentido da migração é
dado pela inserção dos motivos edênicos em uma determinada forma mentis. E é
precisamente a compreensão dos traços que definem a forma mentis dos colonizadores
ibéricos que permite a Sérgio Buarque historiar a projeção das “visões” edênicas
medievais na geografia do Novo Mundo.
Sérgio Buarque promove a interação destes três níveis de ressignificação através
de uma enorme flexibilidade e dinamismo analítico e conceptual. Maria Odila Leite da
Silva Dias, em seu estudo sobre a obra historiográfica de Sérgio Buarque, insiste no
esforço deste autor em escapar, através de seu estilo narrativo, às formalizações e
esquematizações conceptuais, aos sistemas fechados de causalidades e à tirania dos
ismos, e alude à “ambigüidade de aparências em que se confundiam o arcaico e o
moderno” na sua obra.
53
Em Visão do Paraíso, Sérgio Buarque parece estar interessado não apenas na
ambigüidade de aparências, como também, e especialmente, na compreensão da íntima
relação e combinação de idéias aparentemente ambíguas. O seguinte trecho parece
elucidativo quanto à forma pela qual Sérgio Buarque, destrinchando ambigüidades
aparentes, faz interagir os três níveis em que se dá a migração do mito do Éden, quais
sejam: o temporal ou diacrônico, o espacial ou sincrônico e o das relações e
combinações de idéias e visões de mundo aparentemente contraditórias, presentes no
caráter de um mesmo povo:
O que, ao primeiro relance, pode passar por uma característica ‘moderna’ daqueles
escritores e viajantes lusitanos — sua adesão ao real e ao imediato, sua capacidade, às
vezes, de meticulosa observação, animada, quando muito, de algum interesse pragmático
— não se relacionaria, ao contrário, com um tipo de mentalidade já arcaizante na sua
época, ainda submisso a padrões longamente ultrapassados pelas tendências que
governam o pensamento dos humanistas e, em verdade, de todo o Renascimento?
54
No plano da diacronia, Sérgio Buarque parte dos motivos edênicos à época dos
descobrimentos e da colonização e caminha no sentido tanto das suas origens medievais
53
DIAS, M. O. L. S., Sérgio Buarque de Holanda, p. 15.
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44
os textos atribuídos à Lactâncio —, quanto no sentido que leva ao momento do seu
fenecimento, no século XVIII, quando:
Não só a supremacia crescente do saber racional ou empírico, mas também um caudal
maior de conhecimentos acerca das antigas terrae incognitae, fazem desbotar-se ou
alterar-se uma fantasia, herdeira de tradições milenares, que se infundiu nas almas dos
navegantes e de quantos homens largaram a Europa na demanda de um mundo melhor, ao
contato com os bons ares e boas terras do novo continente. E que, mesmo passado o
deslumbramento inicial, ainda se mantém longamente por força dos costumes e da
inércia, conseguindo sobrepor-se tranqüilamente aos primeiros desenganos.
55
No plano espacial, Sérgio Buarque busca compreender, a partir de uma
perspectiva comparativa, as especificidades que distinguem as representações do Éden
entre os diversos colonizadores do continente americano. É sobretudo o argumento
referente ao realismo português, manifesto nas “atenuações plausíveis” do mito edênico,
que orienta a análise sincrônica.
A compreensão dos significados do mito edênico no descobrimento e colonização
portuguesa da América somente é possível, todavia, quando os planos da sincronia e da
diacronia são entrelaçados na urdidura da narrativa de Sérgio Buarque pelo alinhavo de
um terceiro plano — aquele em que ganham sentido as ambigüidades aparentes entre o
arcaico e o moderno.
Em um artigo
56
sobre o método que informa Visão do Paraíso, Luiz Costa Lima
argumenta que a permanência entre os povos ibéricos, à época dos descobrimentos, de
uma forma mentis típica da Idade Média, em que vigora uma relação analógica, e não
descritiva e experimental, com a natureza, contribuiu para que se consumasse a
migração do mito do paraíso terrestre. Migração que, nas palavras de Sérgio Buarque,
aponta para uma “continuidade ininterrupta”
57
entre a Idade Média e o Renascimento.
O que de fato interessa a Costa Lima é identificar de que modo a tópica, tal como
estudada por Ernest Curtius no livro Literatura Européia e Idade Média Latina, é
apropriada por Sérgio Buarque como método na compreensão da migração dos motivos
edênicos.
A tópica floresceu, no fim da Antigüidade e durante a Idade Média, exercendo
uma função eminente no único gênero da arte retórica que restara então, o laudatório.
54
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso , p. 2.
55
Ibid., p. 25.
56
COSTA LIMA, L., Revista da USP.
57
HOLANDA, Visão do Paraíso, p. 231.
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45
Esta função era a de despertar no ouvinte os sentimentos de familiaridade, de
reconhecimento e identificação, tornando-o, assim, mais suscetível aos argumentos do
discurso. Os topoi são elementos móveis e independentes dentro do discurso, pois se
encontram presentes nos mais diversos discursos e seu significado transcende ao de
todos eles. São os lugares comuns (loci communes), que ressurgem recorrentemente nos
textos de todas as épocas. Segundo Curtius, a tópica sobreviveu à retórica uma vez que
“contém os mais variados pensamentos: os que podem empregar-se em qualquer
discurso e escritos em geral”
58
. Um topos remete a um conjunto limitado de
significados, emancipado do contexto em que foi criado e mantendo-se em grande
medida intacto nos diferentes contextos discursivos aos quais é integrado. Costa Lima
ressalta que, ao enfatizar a importância da tópica nas letras, no Ocidente, Curtius
pretendia proclamar a independência da literatura em relação à história.
Os motivos edênicos estudados por Sérgio Buarque funcionam como os topoi da
arte retórica: são elementos recorrentemente usados por oradores e poetas com o intuito
de persuadir àqueles a quem se dirigem, e que se mantêm os mesmos a despeito das
diferenças entre os textos e contextos nos quais se inserem. Costa Lima chama a
atenção, todavia, para a “discrepância”
59
de Sérgio Buarque em relação a Curtius.
Enquanto este encaminha seus estudos acerca da tópica no sentido de proclamar uma
certa trans-historicidade dos textos literários, aquele os utiliza como método que
fundamenta precisamente um texto de historiografia. Em outras palavras, Sérgio
Buarque historiciza os “seus topoi”. No prefácio à segunda edição de Visão do Paraíso,
o autor faz referência explícita aos estudos de Curtius e à apropriação historiográfica
que faz deles:
“(...) foi de grande serventia o recurso à Tópica, no sentido que adquiriu esse conceito,
tomado à velha retórica, desde as modernas e fecundas pesquisas filológicas de E. R.
Curtius, onde, conservando-se como princípio heurístico, pôde transcender aos poucos o
cunho sistemático e puramente normativo que outrora a distinguia, para fertizar, por sua
vez, os estudos propriamente históricos.”
60
Sérgio Buarque procura, portanto, apreender os motivos edênicos não apenas na
sua permanência para além do contexto histórico em que foram gerados, mas também
58
CURTIUS, E. R., Literatura Européia e Idade Média Latina, apud COSTA LIMA, L. Revista da USP,
p. 9.
59
COSTA LIMA, L., Revista da USP, p. 16.
60
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso. p. XX.
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46
nos diferentes tons que assumem no seu movimento migratório. Esses tons manifestam-
se sobretudo nos aspectos que diferenciam os colonizadores portugueses e espanhóis. Se
a ambos pode ser referida a continuidade do pensamento analógico que dificulta uma
representação geométrica do real, fundada nos princípios da observação e da
experimentação; se ambos, munidos da linguagem analógica, buscam e muitas vezes
crêem encontrar o Éden perdido nas terras do Novo mundo, a força dramática que os
castelhanos imprimem no mito é muito atenuada por seus vizinhos de península.
Há dois pontos fundamentais nesta análise de Costa Lima acerca da utilização por
Sérgio Buarque da tópica como método. O primeiro diz respeito a uma aproximação
inicial entre os dois povos hispânicos na medida em que ambos operam com a
linguagem analógica, ou seja, não estão inseridos na perspectiva epistemológica que
caracteriza os tempos modernos.
Antes de prosseguir, é conveniente explicitar o que se pretende significar ao se
referir à linguagem analógica e o que a distingue da linguagem descritiva, a qual se
tornou, a partir dos Tempos Modernos, o meio de expressão da relação epistemológica
entre o homem e o mundo. No pensamento analógico, o conhecimento do mundo pelo
homem se dá por meio de associações em que a tradição, oral ou escrita, assume o papel
de referencial. O “conhecimento” do mundo físico segundo a lógica das analogias é uma
releitura deste mundo. Uma releitura do que foi revelado por Cristo e fixado nas
Sagradas Escrituras; uma releitura dos sábios clássicos que prenunciaram, sem o saber,
essa revelação; uma releitura dos desdobramentos e interpretações da revelação; e,
enfim, uma releitura da releitura, que são os relatos dos viajantes que, em suas
peregrinações por terras distantes, se deparavam com seres extraordinariamente
maravilhosos, muitas vezes de uma monstruosidade maravilhosa, mas em grande
medida familiares, velhos conhecidos de relatos anteriores e narrativas de origem
remota.
Sérgio Buarque argumenta que uma interpretação precipitada e pouco rigorosa
dos relatos dos conquistadores ibéricos poderia facilmente incorrer no anacronismo de
identificar nas descrições da fauna e da flora do Novo Mundo “uma precisão que por
pouco se diria científica”
61
. No entanto, se estes relatos proporcionaram um
conhecimento justo e vultuoso da natureza americana e de seu caráter inédito, sua
intenção não era apreender essa natureza em sua concretude, em sua “carnalidade”,
61
Ibid., p. 275.
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47
senão no sentido se apropriar dos benefícios materiais por ela oferecidos. Tanto os
portugueses quanto os espanhóis viam a natureza “através e apesar da natureza”
62
.
Este “através” e este “apesar” tornavam possível o estabelecimento da analogia
entre os motivos edênicos que povoam os escritos antigos e medievais e as cartas que
orientavam os descobridores europeus e a natureza das novas terras, estranha em tantos
aspectos à natureza européia. Segundo Sérgio Buarque, o mito do paraíso terrestre é, de
forma esquemática, o resultado da composição de alguns temas do paraíso anterior à
Queda presentes no Gênese — “o perfeito acordo entre todas as criaturas, a feliz
ignorância do bem e do mal, a isenção de todo mister penoso e fatigante e ainda a
ausência da dor física e da morte”
63
—, de motivos greco-romanos relacionados à mítica
Idade de Ouro e de temas apocalípticos. É importante salientar que a idéia de analogia
entre a natureza do Novo Mundo e o paraíso terrestre não aponta para a imaterialidade
deste último ou para a sua utilização como metáfora. O paraíso que os povos europeus
aspiraram a encontrar e, muitas vezes acreditaram ter encontrado na geografia
americana, não era uma figura de linguagem, mas sim uma realidade física, material.
Se o Éden que portugueses e espanhóis aspiram a encontrar ou encontram no
Novo Mundo é físico, a natureza deste mundo é, por sua vez, apreendida
simbolicamente de acordo também com a lógica das analogias. Sérgio Buarque afirma
que assim foi desde a aurora do cristianismo e durante toda a Idade Média. E mesmo
entre os humanista, vigorava essa visão simbólica da natureza, visão que combinava
muito bem com a filosofia neoplatônica. A apreensão da natureza como símbolo é o que
permite que Deus se comunique com os homens. E quanto mais intensa for a presença
do sobrenatural, do antinatural e do estranho nas formas naturais, maior o poder
comunicativo do símbolo. Neste sentido, tanto a monstruosidade maravilhosa narrada
pelos viajantes medievais, quanto o maravilhamento provocado pelas forma naturais das
terras descobertas nos mares ocidentais são meios eficazes de comunicação entre o
humano e o divino, entre o terreno e o supra terreno, entre o tempus e a aeternitas. E o
próprio sentido que o símbolo assume na linguagem analógica permite uma certa
confusão entre o maravilhamento provocado pelo montruoso e o maravilhamento
provocado pelo inédito.
62
Ibid.
63
Ibid., p. 185.
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48
Cada animal, sem exclusão dos malignos, viciosos ou torpes na aparência ou nos hábitos,
mas principalmente os que por este ou aquele motivo parecem fugir ao comum, é como
um artigo do código moral que a natureza nos propõe, uma lição à humanidade, a fim de
que siga os caminhos do bem e se aparte dos erros que só poderiam levar a desdita eterna.
A própria serpente de que se serviu o demônio quando quis pôr a perder as primeiras
criaturas humanas, não deixa de significar a sabedoria e até a sensatez. (...)
Voltando-se sobre si mesma em circunferência, designa a serpente o curso do tempo ou
da eternidade.
64
O segundo ponto da análise de Costa Lima que vale a pena ressaltar se relaciona à
distinção histórica estabelecida por Sérgio Buarque entre portugueses e espanhóis:
aqueles promovem a atenuação dos elementos fantásticos que fundamentam a crença no
mito do Éden entre estes últimos, de modo a torná-lo plausível. A utilização da
linguagem analógica constitui, segundo Costa Lima, a marca da continuidade entre a
Idade Média e o Renascimento, linguagem esta que Sérgio Buarque identifica nas
narrativas dos povos ibéricos, ao longo dos séculos XV e XVI.
A princípio, estabelece-se aí um impasse. A linguagem analógica caracteriza tanto
os portugueses quanto os castelhanos. No entanto, em diversos momentos de seu texto,
o autor de Visão do Paraíso argumenta que a continuidade ente a Idade Média e o
Renascimento é o que caracteriza os portugueses em contraste com os castelhanos.
Traços aparentemente modernos, como o realismo e a priorização da experiência, são
apontados por Sérgio Buarque como indícios do arcaísmo lusitano, associados ao
pensamento escolástico e característicos da arte medieval, em contraposição ao
pensamento mágico e à fantasia que caracterizaram a cultura humanista do
Renascimento. Os espanhóis estariam por conseguinte mais adequados a uma visão de
mundo renascentista que os portugueses. Este argumento parece ser reforçado no último
capítulo de Visão do Paraíso, em que o autor recupera alguns temas por ele abordados
vinte anos antes, em Raízes do Brasil.
O primeiro destes temas refere-se à formação do Estados português. Sérgio
Buarque procura desvincular a primazia da formação do Estado centralizado em
Portugal e a precoce ascensão da burguesia ao poder da idéia de que os lusitanos teriam
sido também pioneiros no desenvolvimento de uma subjetividade moderna. A burguesia
mercantil portuguesa que chega ao poder com a Revolução de Avis não impõe suas
“virtudes ancestrais”, rompendo com os valores e o modo de vida tradicionais da
64
Ibid., p. 243.
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49
aristocracia. Muito ao contrário: essa burguesia, “envergonhada de si”, busca adequar-se
aos padrões de vida e pensamento da antiga nobreza.
“O resultado foi”, nas palavras de Sérgio Buarque, “esse estranho conluio de elementos
tradicionais e expressões novas, que ainda irá distinguir Portugal em pleno Renascimento,
posto a serviço da pujança da monarquia. Melhor se diria, forçando a comparação, que as
formas modernas respeitaram ali, em grande parte, e resguardaram, um fundo
eminentemente arcaico e conservador.”
65
O segundo tema se desenvolve através da comparação das formas de expansão e
colonização castelhana e portuguesa. A colonização do Novo Mundo pelos castelhanos,
conquanto marcada pelo espírito de reconquista e pela ambição de construir um império
nos moldes do Sacro Império Romano Germânico, acabou por fazer emergir uma nova
consciência imperial, já presente em Fernão Cortez e Felipe II. Sob a aparência
medieval, constituía-se um modelo de Império cujo conteúdo era já moderno.
A colonização portuguesa, por sua vez, a despeito de ter sido quase inteiramente
empreendida por um Estado pioneiramente centralizado — enquanto, na América
espanhola, a iniciativa de particulares teve um papel fundamental —, seguiu um modelo
eminentemente tradicional. O sistema de implantação de feitorias dispersas ao longo da
costa remonta à Antigüidade e era utilizado entre os navegadores genoveses, durante a
Baixa Idade Média.
O que se pretende desenvolver aqui não é, entretanto, um argumento
fundamentado na oposição entre um caráter espanhol renascentista e moderno e um
caráter português arcaico e medieval. Até porque esta oposição não se encontra presente
no texto de Sérgio Buarque. A dialética das ambigüidades aparentes, através da qual o
autor vai construindo seus argumentos, não se limita à simples associação de conceitos
aparentemente contraditórios, como, por exemplo, realismo, centralização e
conservadorismo ou fantasia, descentralização e modernidade. Se, neste último capítulo
de Visão do Paraíso, o autor insiste no ponto do conservantismo subjacente a expansão
imperial portuguesa, opondo-o à natureza inovadora do império colonial espanhol, o
próprio título do capítulo, “América portuguesa e Índias de Castela”, expõe o caráter
não dogmático e até mesmo instável do argumento. A não ser que se considere o título
irônico na sua relação com o conteúdo do texto, pode-se arriscar que, estando as
“Índias” associadas ao imaginário medieval da expansão marítima européia e sendo a
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50
“América” um símbolo da novidade obrada por esta expansão, Sérgio Buarque optou
por manter as ambigüidades entre o arcaico e o moderno não resolvidas e assim
evidenciar seus múltiplos desdobramentos. As aproximações e diferenciações entre as
formae mentis dos dois povos ibéricos são apresentadas pelo autor através de uma série
de características profundamente ambíguas que as mantém em uma posição móvel,
fronteiriça, em que traços arcaizantes e traços modernizantes se combinam de forma
específica e diferenciada em cada uma delas.
Talvez o impasse colocado anteriormente possa ser resolvido por uma observação
do próprio Sérgio Buarque quanto ao caráter não linear dos processos históricos. A
passagem de uma forma de representação analógica da realidade para uma
representação geométrico-descritiva se deu por idas e vindas, por combinações de
aspectos que parecem incongruentes aos olhos de quem já completou esta travessia:
Só a obstinada ilusão de que a capacidade de apreender o real se desenvolveu até os
nossos dias numa progressão constante e retilínea pode fazer-nos esquecer que
semelhante ‘retrocesso’ não se deu apenas na esfera da arte. Se parece exato dizer-se que
aquela ilusão foi estimulada e fortalecida pelo inegável incremento das ciências exatas e
da observação da Natureza, a contar do século XVI, é indubitável, no entanto, que nossa
noção da realidade só pôde ser obtida em muitos casos por vias tortuosas, ou mesmo por
escamoteações ainda que transitórias do real e do concreto.
66
A arte de fins da Idade Média foi marcadamente realista e nem por isso menos
sacra. E a retórica, a magia, a astrologia e a alquimia, que hoje, se não são associadas
diretamente à fantasia ou ao charlatanismo, ao menos passam longe da categoria de
estudos científicos, eram, no Renascimento, um modo de reagir ao império da lógica e
da dialética que dominavam o pensamento escolástico. Não se trata de uma mera
inversão de valores e categorias que associa, por uma lado, medievalismo e realismo e,
por outro, modernidade e fantasia. O pensamento renascentista abrigou tanto a
ortodoxia quanto a heterodoxia, tanto a linguagem analógica quanto a descritiva, tanto a
experiência quanto a fantasia. E, no interior do pensamento renascentista, a lógica
analógica, que predominou entre ambos os povos ibéricos, abrigou tanto as relações
realistas com o mundo empírico, quanto as relações com esse mesmo mundo dominadas
pela fantasia e pela imaginação.
65
Ibid., p. 165.
66
Ibid., p. 2.
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51
Sérgio Buarque conduz a sua análise da presença dos motivos edênicos no
imaginário dos colonizadores do Novo Mundo de modo a, em um primeiro plano,
identificar portugueses e espanhóis através de uma forma mentis ibérica, para em um
segundo plano matizar essa forma mentis. O argumento da diferença entre os
colonizadores portugueses e espanhóis se sustenta, não na contraposição entre o arcaico
e o moderno, mas na contraposição entre a plasticidade e o pragmatismo portugueses e
o idealismo espanhol.
3.2.
O Barroco: mito, razão e lábia
Os momentos em que, em diversos capítulos de Visão do Paraíso, Sérgio Buarque
se dedica à análise dos autores portugueses do Seiscentos são de grande interesse para
que se perceba de forma mais aguda as ambigüidades aparentes entre o arcaico e o
moderno. Isto ocorre por dois motivos. O primeiro consiste em que, nos textos do
Barroco, sobretudo nos do Padre Antônio Vieira, o mito não parece estar tão fortemente
sujeito às atenuação que o procuram tornar plausível. O segundo motivo é que, nesses
textos, há uma curiosa associação retórica entre razão, mito e lábia. Vamos por partes.
Segundo Sérgio Buarque, no século XVII, “a própria imagem do real só se faz
visível e, por isso, convincente e eficaz, quando se mova segundo os caprichos de uma
fantasia barroca”
67
. O Padre Antônio Vieira, por exemplo, dando uma forma mais
refinada ao mito sebastianista, pregava ressurreição de Dom João IV, em um futuro não
muito remoto. Além disso, através do procedimento analógico anteriormente referido,
“lia” alguns dos acontecimentos da sua época, passados nas terras portuguesas do Novo
Mundo, como realizações de passagens das Sagradas escrituras. Desse modo, pergunta-
se Sérgio Buarque,
“Se o prodígio pode, assim, implantar-se no próprio espetáculo cotidiano, se até os atos e
fatos mais comezinhos chegam a converter-se em signos ou parábolas, impregnando-se
de significações sobrenaturais, que dizer das coisas ocultas ou invisíveis, que apenas se
deixam anunciar por misteriosos indícios?”
68
Outro jesuíta português, o padre Simão de Vasconcelos, evocando São Tomás de
Aquino e a idéia de que Deus teria encravado o paraíso terrestre em uma zona
67
Ibid., pp. 177-178.
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52
temperada, abaixo da linha equinocial, defendia a sua localização no território da
América portuguesa, pois a acreditava dotada das quatro propriedades que o Éden
deveria possuir.
A primeira está nisto, que se há de vestir de verde, com erva, pasto e arvoredo de vários
gêneros. A segunda, que gozará de bom clima, boas influências do céu, do sol, da lua, das
estrelas. A segunda, que gozará de bons climas, boas influências do céu, do sol, da lua,
das estrelas. Que sejam abundantes suas águas em peixes, e seus ares em aves, e esta a
terceira propriedade, e a quarta, que produza todos os gêneros de animais e bestas da
terra. Tudo consta, a seu ver, do divino texto da criação do mundo, e por essas quatro
propriedades a deu por boa vontade o seu Divino Autor.
69
Entretanto, apesar de os textos barrocos carregarem de força expressiva a
experiência do mito, “a evocação do Paraíso Terrestre adquire, nesses casos, um valor
aparentemente menos literal do que literário”
70
. Ao utilizar a expressão “valor literário”,
Sérgio Buarque não pretende, contudo, afirmar que os autores portugueses da época do
barroco lançavam mão do mito em seus textos como um engodo retórico para persuadir
seu público.
Aliás, seis anos antes da primeira edição de Visão do Paraíso, Sérgio Buarque já
defende esta posição em um artigo publicado no Diário Carioca com o título “Razão e
Mito”. O autor contradiz os críticos que argumentam que os textos barrocos que
utilizam ferramentas racionais de persuasão para conferir verossimilhança ao mito
expressam a hipocrisia dos seus autores. No Seiscentos, a combinação entre persuasão e
hipocrisia não fazia sentido. Crer o contrário é cometer o pecado histórico do
anacronismo. Se, no século XX, o mito é “fabricado” racionalmente com fins utilitários,
no XVII, razão e mito se conjugam a serviço da verdade. Verdade que pode estar
contida no próprio mito uma vez que este resiste bravamente em meio ao
desenvolvimento do racionalismo moderno. Portanto:
“é preciso distinguir entre a lábia que se sustenta em ilusões ainda plausíveis, e outra, a
hipocrisia utilitária, que se ocupa nos nossos dias em forjar mitos. Ao tempo de Vieira as
ilusões passavam por eficazes, simplesmente porque pareciam verdadeiras, enquanto que
os mitos de hoje passam por verdadeiros, apenas porque parecem eficazes”.
71
68
Ibid., p. 178.
69
Ibid., p. 174.
70
Ibid., p. 178.
71
Id., O Espírito e a Letra. Estudos de Crítica Literária, 1996, p. 480.
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53
A lábia constitui, para os autores do barraco, um instrumento retórico que, posto a
serviço de uma argumentação racional, é capaz de promover o entendimento e a crença
na verdade contida nos textos sagrados. Era precisamente a lábia da retórica barroca que
permitia que razão e mito fossem conjugados sem “embuste ou hipocrisia”
72
.
Sérgio Buarque insiste no argumento que, como ficou dito, também está
presente em Visão do Paraíso de que o racionalismo que caracteriza o Ocidente
moderno não evoluiu de modo linear, permitindo que um autor do século XVIII, como
Vieira, seguisse “o caminho torto por onde o miraculoso pode casar-se com o lógico”
73
.
Assim, argumenta o autor,
O certo é que o racionalismo nascente, mas no entanto jactancioso e já cheio de
prestígio, não pudera, então, desalojar velhos e arraigados mitos, assim como a liberdade
íntima conquistada através do humanismo e da revolução científica não lograra sufocar as
exigências da ortodoxia. Em grande número de casos, o que ocorria era um enlace
extraordinário entre o vetusto e o anticonvencional, entre a rotina e a inteligência
inquisidora, suscitando um daqueles monstros híbridos, daqueles entes de razão, que
deixam confuso o historiador de hoje.
74
Se o casamento entre o miraculoso e o lógico, nos textos barrocos, deixa
explícito o caráter aparente da ambigüidade entre o arcaico e o moderno, a lábia com
que este casamento é ministrado põe em evidência o caráter retórico da associação entre
o miraculoso e a experiência rotineira. Não que se desacreditasse na possível ocorrência
de milagres. Contudo, em um autor como Vieira, o apelo ao milagre é menos a sua
transformação de objeto de aspiração em objeto de experiência, e mais um artifício de
estilo para tornar mais acessíveis as verdades essenciais e até certo ponto ocultas da fé,
as quais a experiência não pode revelar.
3.3.
O Éden interior e o Éden exterior
Como se procurou deixar claro no capítulo anterior, a diferença na forma como
cada um dos colonizadores do Novo Mundo relaciona experiência e fantasia depende
não somente da concepção de experiência e de fantasia de cada um deles, como também
da natureza da crença em cada um. Sérgio Buarque, no corpo do texto de Visão do
72
Ibid., p. 479.
73
Ibid., p. 480.
74
Ibid., p. 478-479.
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54
Paraíso, promoveu essencialmente a comparação entre portugueses e espanhóis, tendo
abordado a colonização da América do Norte pelos puritanos apenas no prefácio à
segunda edição da sua obra. Contudo, pode ser de grande valia tomar a manifestação da
crença na subjetividade puritana como parâmetro comparativo para uma melhor
compreensão dos elementos que fazem convergir e daqueles que fazem divergir as
visões de mundo dos dois povos hispânicos.
No que se refere à diferença de natureza da crença entre os colonizadores anglo-
saxões e os ibéricos, pode ser útil recorrer mais uma vez à distinção estabelecida por
Max Weber entre a racionalidade puritana e a racionalidade confuciana, em A Religião
da China. De acordo com Weber, um dos meios de medir o nível de racionalização de
uma religião é a verificação do seu grau de distanciamento em relação à magia. Neste
sentido, o protestantismo ascético atingiu o nível mais elevado de racionalização entre
todas as religiões. O confucionismo, por seu turno, conquanto se fundamente também
em um tipo específico de racionalidade, mantém a magia como um dos elos que
sustentam a relação entre homem e mundo. No ascetismo puritano, o mágico é
associado ao demoníaco, enquanto que, no confucionismo, o mágico é um meio de
redenção.
A ética confuciana, ética de ajustamento, de adaptação, abriga um âmbito de
negociação com o mundo que se encontra ausente na ética protestante. É através da
negociação que o confuciano reduz ao mínimo possível a tensão ética na sua relação
com o mundo exterior. O puritano jamais negocia com a realidade mundana: ele impõe
a esta realidade sua ordem e sua norma, que são a ordem e a norma divinas. Por
conseguinte, ele estabelece uma relação radicalmente tensa com o mundo.
Seria equivocado identificar o caráter dos povos ibéricos com o tipo de
racionalidade típica do confucionismo. O confuciano desenvolve um autocontrole —
não alicerçado em uma ética interiorizada, como é o caso do autocontrole puritano, mas
em regras exteriores, em uma liturgia, um cerimonial — que não caracteriza a
subjetividade hispânica. Contudo, alguns traços da racionalidade confuciana, tais como
descritos por Weber, podem ser apropriados para a caracterização do caráter dos
colonizadores ibéricos naquilo que ele se distingue e contrapõe ao caráter dos
colonizadores puritanos do norte do continente americano.
A transposição dos motivos edênicos para as terras do Novo Mundo representa,
em certa medida, a possibilidade de redenção pelo mágico. O proveito material que se
pode tirar do paraíso terrestre só contribui para reforçar o seu aspecto redentor
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manifesto no benefício que Deus concede a quem o encontra. Em diversos capítulos de
Visão do Paraíso, a idéia de uma ética fundamentada na negociação com o mundo se
faz presente por meio da conjunção entre crença mágico-religiosa e cobiça. Dissolve-se
desse modo a tensão entre desejo de riqueza e bem-estar mundanos e aspiração à
salvação eterna. Todos os esforços dos conquistadores empenhados na busca do
Eldorado, por exemplo, comportaram “aquela mescla de espiritualidade e riqueza, de
devoção e ambição, da religião do Cristo e do Culto do bezerro de ouro, que se acha à
base da demanda obstinada.”
75
.
A negociação e a dissolução da tensão entre ética e mundo apenas é possível
porquanto o paraíso terreal é concebido por portugueses e espanhóis como dom divino;
porquanto trata-se de um paraíso à espera de ser descoberto e não na necessidade de ser
construído. Tomando como paradigma a contraposição weberiana entre a ética
interiorizada do protestante ascético e a ética exterior que orienta a sociabilidade
confuciana, pode-se arriscar uma contraposição entre um “Éden interior” do colonizador
anglo-saxão, que deve ser imposto à hostil wilderness, e um “Éden exterior” — em que
o elemento mágico é fundamental — com que os colonizadores hispânicos almejam ser
agraciados.
Em um artigo em que procura salientar os diferentes significados que o paraíso
terrestre assume entre os colonizadores portugueses, espanhóis e anglo-saxões, Robert
Wegner
76
põe em evidência a associação da idéia de Éden entre os puritanos e o
conceito de wilderness, estabelecida pelo historiador norte-americano George H.
Williams, em seu livro Wilderness and Paradise in Christian Thought, publicado três
anos após a primeira edição de Visão do Paraíso. Após ter lido Visão do Paraíso,
Williams conclui que a noção de wilderness, utilizada pelos anglo-saxões para referir as
terras americanas ainda não ocupadas pelo homem branco, não se afina com a
concepção de um paraíso “só à espera de ser ganho”, corrente entre os povos ibéricos.
Para Williams, a wilderness comporta tanto um sentido negativo, de terra selvagem e
devastada que não conhece a palavra divina, quanto um sentido positivo de um local
que, apesar de ser vazio, e talvez por este motivo mesmo, foi escolhido por Deus para
que nele seja erigido o paraíso. Este duplo sentido da wilderness remontaria à Terra
Prometida ao povo hebreu, aludida no Velho Testamento.
75
Id., Visão do Paraíso, p. 38.
76
WEGNER, R., Nenhum Brasil Existe.
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56
No prefácio à segunda edição de Visão do Paraíso, escrito em 1968, Sérgio
Buarque faz referência à obra de Williams, sublinhando a importância que este autor dá,
como ele próprio o faz, às diferentes visões de mundo que nortearam a colonização das
Américas e aos diferentes significados atribuídos ao paraíso terrestre:
Segundo o Professor Williams, o fato de os sectários calvinistas, quando no primitivo
deserto ou selva plantaram seu jardim, e o dos católicos espanhóis e portugueses, quando
se viram atraídos pelo Eldorado em seu paraíso terreno, serem homens que deixaram o
Velho Mundo movidos por sentimentos profundamente diversos, haveria de os levar a
padrões de vida tão apartados uns dos outros que os efeitos destes marcam até hoje os
comportamentos contrastantes de seus netos neste continente.
77
A esse respeito, pode ser interessante recuperar os estudos de Henry Nash Smith
acerca dos pioneiros norte-americanos do século XIX, que fizeram reviver a noção de
wilderness para definir as terras a oeste que queriam conquistar. Segundo Smith, logo
após à guerra civil americana, a ocupação das regiões áridas a oeste era pouco
estimulada e a visão que os pioneiros tinham destas regiões era influenciada pelo mito
do deserto e a conseqüente idéia de que as populações que as ocupassem acabariam por
se barbarizar. Entretanto, a pressão inerente ao processo de expansão tornou forçosa a
ocupação das planícies áridas e o mito do deserto foi sendo aos poucos substituído pelo
mito do jardim e pela crença de que a presença humana traz consigo as chuvas e, por
conseguinte, a fertilidade da terra. Há uma clara associação entre o jardim mítico e a
atividade agrícola. O jardim não eram simplesmente as terras selvagens, mas sim o
resultado do cultivo, da domesticação e da ação civilizatória do homem sobre essas
terras. Os pioneiros norte-americanos, no século XIX, traziam o jardim interiorizado sob
a forma dos valores da civilização moderna, tal qual os puritanos que chegaram à Nova
Inglaterra, no século XVII, traziam interiorizado o Éden sob a forma dos valores
cristãos.
A interiorização do paraíso terrestre coaduna-se com uma visão de mundo em que
o indivíduo ocupa um papel preponderante e os vínculos comunitários são soldados
menos pela tradição e mais pelo imperativo que impulsiona cada indivíduo a realizar a
obra divina. O Éden dos puritanos jamais poderia ocupar o lugar de objeto de aspiração
pois sua realização é imprescindível. Na forma mentis puritana, não há conquista sem
esta realização. Tampouco esse Éden pode ser encontrado sob a forma de pedras
77
Ibid., p. XVI.
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57
preciosas, metais resplandecentes ou águas milagrosas, pois ele consiste no
preenchimento e submissão de um mundo vazio e selvagem através valores, princípios e
leis, dos quais a prosperidade material é apenas a conseqüência.
O Éden interiorizado dos colonizadores puritanos é compatível com a acepção
moderna de representação do mundo, caracterizada pela descrição objetiva da natureza,
precedida pela observação e pela utilização de métodos experimentais e sucedida pela
formulação de leis física gerais e abstratas que visam dar conta dos casos particulares.
Segundo Costa Lima, no livro Mímesis: desafio ao pensamento, esta acepção de
representação
significa a equivalência estabelecida, idealmente de modo geométrico, entre uma cena
empírica primeira e uma cena produzida e projetiva, i. e., capaz de reproduzi-la e, por
isso, tecnicamente dominá-la. É importante considerar que mesmo essa primeira acepção
não significa necessariamente a semelhança com o que representa (a representação
geométrica de um corpo não supõe a semelhança com a maneira como tal corpo é visto).
78
Este tipo de representação — que, para Costa Lima, adquire sua forma mais
acabada a partir da dessacralização da natureza por Descartes — substitui
paulatinamente, desde o século XVI, a lógica representacional calcada nas analogias,
em que a negociação com a realidade e a manipulação dessa realidade por artifícios
mágicos ainda encontram espaço preponderante.
Convém ressaltar que o papel central que a experiência empírica assume na
representação geométrica nada tem a ver com a priorização da experiência e o realismo,
nos quais os portugueses dos séculos XVI e XVII fundamentaram a colonização das
suas terras americanas. A priorização da experiência não pode ser compreendida como
indício de que os portugueses operavam com uma lógica experimental. A adesão à
experiência imediata que caracteriza os colonizadores lusitanos aponta para um tipo de
pragmatismo que vai de encontro à formulação de conceitos e sistemas abstratos. E a
abstração é indispensável na representação matemático-geométrica da realidade.
É importante assinalar, no entanto, que a ciência do Renascimento não operava
ainda com as generalizações e sistematizações que, mais tarde, vão caracterizar a
ciência moderna. Segundo Weber, em seu artigo “Ciência como vocação”, a ciência
renascentista era fundamentada em uma série de experimentações racionais que,
todavia, não iam muito além, em seus resultados, da produção de conhecimentos
78
COSTA LIMA, L., Mímesis, p. 98.
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58
circunscritos a situações empíricas específicas. O movimento seguinte, o da indução de
leis gerais e sistemas de leis a partir dos dados empíricos, não era ainda efetivado. Além
disso, o conhecimento experimental tinha como objetivo último, nesta época, não tanto
representar geometricamente o mundo imanente, mas acessar verdades que, à primeira
vista, estão nele ocultas. No seu princípio, a ciência experimental tinha como fim
conduzir o homem à “verdadeira natureza”, à “verdadeira arte”, ao “verdadeiro Deus”
79
.
Contudo, a experimentação racional destes começos da época moderna tornou-se o
“meio seguro de controlar a experiência, sem o qual a ciência empírica moderna não
teria sido possível”
80
. Portanto, embora os colonizadores portugueses, na sua relação
com a natureza, ficassem também atados à empiria, não se deve supor que eles
estabelecessem um relação científica experimental com o mundo. Há que se fazer a
distinção entre as noções de experiência e experimento.
Weber associa diretamente a constituição da ciência moderna, e, em
conseqüência, do saber experimental a ela inerente, bem como a especialização do
conhecimento, à subjetividade puritana e ao tipo de racionalidade que ela comporta:
“Tal conhecimento [conhecimento especializado] era o único caminho possível para se
Conhecer a glória de Deus e a Providência personificada na Sua criação. Por outro lado,
tal conhecimento serviu como um meio de dominar racionalmente o mundo e permitiu
que se cumprisse o próprio dever em honra de Deus.”
81
O saber experimental, compatível com a subjetividade puritana que está se
formando desde o século XVI, é essencialmente diferente do saber empírico dos
portugueses. Entre estes, a importância assumida pela experiência remete, antes de tudo,
a uma adesão imediata à realidade que é uma manifestação do caráter prático deste
povo. Isto os aproxima, mais uma vez, do tipo de racionalidade inerente ao
confucionismo em que, segundo Weber, “há rejeição ou falta de curiosidade intelectual
pelas coisas que não estão à mão e nem são imediatamente úteis.”
82∗∗
79
WEBER, Ciência e Política: duas vocações, p. 35.
80
Ibid., p. 33.
81
Id., The Religion of China, pp. 246-247.
“Such Knowledge [specialized expert Knowledge] was the only avenue to Knowledge of God’s glory
and the providence embodied in His creation. On the other hand, such knowledge served as a means of
rationally mastering the world in one’s and it enabled one to do one’s duty in honor of God.”
82
Ibid., p. 231.
∗∗
“there is the rejection or lack of intellectual curiosity about things not close at hand and immediately
useful.”
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59
Portanto, os portugueses do Renascimento, como homens de aspiração por
excelência, mantêm-se prisioneiros da empiria no sentido de que, a cada nova vez que a
experiência de um dado empírico contradiz a expectiva que se tinha dele, reacende-se
essa expectativa que é, então, dirigida para uma experiência futura. Este modo de lidar
com a experiência é bem diverso daquele através do qual Weber caracteriza a
intelectualização e racionalização crescentes da ciência moderna. Nesta, o predomínio
do cálculo, da previsão e da possibilidade de dominar o mundo é função, sobretudo, da
inexistência de um “poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa
vida”
83
.
Os ibéricos, portugueses e espanhóis, viam-se, ainda nos séculos XVI e XVII,
confrontados a todo momento com o imprevisível, com o acaso, com a alteração da
ordem “natural” das coisas por obra da Fortuna. Pois, para eles, “a ‘natureza’
alimentava-se do sobrenatural, tinha nele sua razão de ser e a sua meta final”
84
. E, no
caso dos portugueses, particularmente, a frustração das expectativas presentes só fazia
confirmar que, no futuro, a roda da Fortuna poderia girar a seu favor. Nesse sentido, a
forma mentis portuguesa apresenta traços do caráter aventureiro descrito por Georg
Simmel, principalmente nos traços que aproximam o aventureiro do jogador. O jogador
é capaz de perceber sentido na falta de sentido do azar. Do mesmo modo, o aventureiro
vive a aventura segundo o sentido e a necessidade inerentes a ela e inteiramente
independentes do sentido e da necessidade que fundamentam o curso ordinário de
acontecimentos da vida. O aventureiro lida com os aspectos obscuros e imponderáveis
da vida como se eles fossem dotados da transparência dos eventos que podem ser
calculados, previstos e dominados.
De modo geral, todos os povos que se lançaram à conquista e à colonização do
Novo Mundo estavam imbuídos do espírito de aventura. Esta é uma afirmação que
surge recorrentemente no texto de Sérgio Buarque. Entretanto, ao interiorizarem o
paraíso terrestre, ao “desmagicizarem” o mito, os colonizadores puritanos dissiparam o
seu caráter obscuro. Por conseguinte, eles não podiam lidar com a obscuridade do mito
como se ele fosse transparente simplesmente porque, ao transformarem o mito em um
valor ético, ele passa a ser dotado de uma real transparência. A obscuridade envolve
apenas a concessão ou a negação da graça divina, que determina o destino das almas dos
indivíduos na eternidade.
83
Id., Ciência e Política: duas vocações, p. 30.
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60
Entre os povos ibéricos, o destino dos homens na Terra é em si obscuro. Não
apenas a sua alma imortal e a sua existência na eternidade, mas também o seu corpo e a
sua existência mundana podem ser beneficiados pela graça providencial. A idéia de que
o acesso ao Éden é uma dádiva de Deus converte a busca por esse jardim sagrado em
uma espécie de jogo de azar, em uma aventura em seu sentido profundo. Para Simmel, o
aventureiro se coloca em uma posição a um tempo ativa e passiva ante o seu destino.
Essa combinação de atividade e passividade, de conquista e dádiva se encontra presente
de forma aguda em um gênero de aventura do qual Simmel trata extensamente: a
aventura amorosa. Na relação amorosa, se encontram presentes
“a força conquistadora e a aceitação impossível de ser imposta, o sucesso devido às
próprias faculdades e a dependência da sorte, que permite que um elemento imprevisível
e exterior a nós nos agracie.”
85
Nesse contexto, a busca do paraíso terrestre é, para os povos ibéricos, no princípio
da época moderna, uma relação amorosa entre o conquistador e a terra a ser
conquistada. No que se refere particularmente aos colonizadores portugueses, trata-se de
uma relação amorosa irrealizável, tal com é apresentada nos romances idílicos que,
segundo Lukàcs, constituem o gênero literário da aspiração por excelência.
84
HOLANDA, S. B., O Espírito e a Letra, p. 481.
85
SIMMEL, G., Sobre la Aventura, p. 30.
“la fuerza conquistadora y la aceptación imposible de imponer, el logro debido a las faculdades proprias
y la dependencia de la suerte, que permite que um elemento imprevisible e exterior a nosotros nos
agracie.”
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4
A flexibilidade tática
De que podem valer especulações desvairadas,
inquietas solicitudes e fantasias, bons ou maus
agouros, se indiferente a tudo isso, o mundo há de
seguir seu curso? (...) E é nesse fatalismo, tão alheio
à curiosidade universal dos humanistas, que em
grande parte se nutre um pensamento onde não
faltou, contudo, quem pretendesse vislumbrar
antecipações de Bruno e Bacon.
O mesmo realismo, que se diria antes uma
resignação ao real e ao imediato, essa cautelosa e
pedestre razão lusitana, que no humanismo anti-
humanista de João de Barros se contrapõe à
‘sandice erasma’, não devia soar mal à
generalidade daqueles marinheiros, aventureiros,
colonos, mercadores e cronistas portugueses e a seu
fastio de portentos e prodígios.
(Visão do Paraíso, p. 123)
4.1.
As ambigüidades essenciais
Se, em Visão do Paraíso, Sérgio Buarque de Holanda identificou na
plasticidade e no realismo dos colonizadores portugueses sinais da presença entre
eles de traços da mentalidade medieval, a tese central do livro não consiste, como
ficou dito no capítulo anterior, na contraposição entre o arcaísmo lusitano e a
modernidade castelhana. Vale a pena reiterar ainda uma vez mais que, se há uma
tese central no livro, é ela a de que as “visões” do paraíso projetadas no Novo
Mundo se manifestaram de maneiras muito diferentes entre portugueses e
espanhóis e que essa diferença pode ser compreendida por uma outra diferença,
aquela que resulta das especificidades das formas mentis de cada um destes dois
povos. A especificidade portuguesa é sobretudo o caráter plástico e a
especificidade espanhola consiste na alta capacidade de abstração, de lidar com a
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62
realidade empírica através da idealização dessa mesma realidade e, desse modo,
reconstruí-la artificiosamente.
Os adjetivos “plástico” e “idealista” — e outros mais que povoam o livro
de Sérgio Buarque com a função de construir o retrato mais fiel possível da
subjetividade dos colonizadores em questão — são aparentemente ambíguos
quando identificados de modo estanque com outros adjetivos e opostos a outros
tantos. Entretanto, estes adjetivos não são apenas aparentemente ambíguos, mas
essencialmente ambíguos, quando inseridos no contexto dos limites de uma
determinada subjetividade. Desse modo, a plasticidade portuguesa, manifesta
principalmente no ajustamento à experiência chã e imediata, embora, à primeira
vista, pareça um traço moderno, é, na verdade, um indício de tradicionalismo, se
contrastada com o idealismo tipicamente renascentista que caracteriza a forma
mentis castelhana. Por outro lado, essa mesma a plasticidade traz na sua definição
conceptual, que transparece no uso que Sérgio Buarque faz do termo, traços que
podem ser identificados em algumas das possibilidades de manifestação da
subjetividade renascentista.
O que se pretende aqui argumentar é que a tendência castelhana de
formular planos abstratos a priori não está tão mais próxima da importância que o
cálculo assume para o homem político da Renascença italiana, do que a
plasticidade portuguesa está próxima da flexibilidade que caracteriza o homem
para Pico della Mirandolla ou da capacidade de improvisação que desenvolvem
alguns personagens shakespearianos.
Com o intuito de melhor desenvolver este argumento, será necessário fazer
uma breve digressão que, por ora, deixará a análise do texto de Sérgio Buarque
em segundo plano, para se fixar nos conceitos de “improvisação” e
“flexibilidade”, utilizados por Stephen Greenblatt e Thomas Greene,
respectivamente, para caracterizar a subjetividade renascentista.
4.2.
A plasticidade empática
No artigo intitulado “The Flexibility of the Self in Renaissance Literature”,
Thomas Greene argumenta que uma das contribuições que a história da literatura
pode oferecer ao campo mais amplo da historiografia consiste na noção de
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63
flexibilidade referida à subjetividade renascentista. O termo Renascimento e o
adjetivo que o acompanha são imprecisos e, até certo ponto, inconsistentes, visto
que o período a que eles se referem não pode ser delimitado por um começo e um
fim definidos, que se remetem a um movimento que assumiu características muito
distintas nas várias partes da Europa, e que foi bastante afetado e alterado pela
Reforma protestante e pela Contra-Reforma católica. No entanto, a despeito da
imprecisão do termo, Greene acredita que este período ou movimento, referido
como Renascimento, pode ser compreendido, no que diz respeito às suas
continuidades e descontinuidades com o período medieval, através dos conceitos
de “flexibilidade” e “maleabilidade” do self .
Segundo Greene, o pensamento medieval, especialmente a apropriação
escolástica da filosofia aristotélica, concebia a natureza humana de forma
extremamente rígida. No coração desta concepção está a noção medieval de
habitus que, de acordo com São Tomás de Aquino, é o que conforma cada criatura
à sua própria natureza. O habitus é adquirido, mas nem por isso facilmente
alterável. Isto se dá porque, conquanto artificial, o habitus se encontra em
profunda conformidade com o que é natural em cada ser. E a natureza humana,
para o pensamento escolástico, é marcada pela imutabilidade. Assim sendo, o
homem, trazendo em si a marca do pecado original, que foi a causa da expulsão
dos seu primeiros antepassados do paraíso, não pode, por meios exclusivamente
humanos, emancipar-se desta herança que faz dele um ser decaído. E se é possível
distinguir, entre as criaturas humanas, aquelas que são virtuosas daquelas que são
dominadas pelo vício — distinção que se tornará ainda mais evidente com a
separação do joio do trigo quando do Juízo Final —, a transmutação de virtude em
vício, e sobretudo o movimento inverso, são irrealizáveis se os supomos o
resultado da vontade do próprio sujeito. Esta transmutação apenas pode se dar
com a interferência da vontade divina, da graça providencial.
A própria relação que os autores medievais e mesmo os cronistas das
conquistas ultramarinas do Quinhentos estabeleciam entre o Éden perdido em
algum ponto da terra, que poderia ser penetrado pelos netos de Adão e Eva, e o
paraíso original, aquele do qual Adão e Eva foram expulsos, revela bastante desta
rigidez medieval e do pouco espaço para a transformação que dela deriva. O
acesso ao paraíso terrestre, a fruição das suas delícias e riquezas, poderia em certa
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medida ser interpretado como uma transgressão do inexorável curso da vida
humana após a Queda.
Segundo Sérgio Buarque, grande parte dos autores medievais, embora
utilizando argumentos muito diversos e, por vezes, até mesmo contrários entre si,
defendem a existência material do paraíso terrestre. No entanto, a própria
necessidade de defesa denota a presença da incerteza. Além disso, havia todo um
debate acerca da possibilidade de se estabelecer a identificação entre o Éden e
mitos pagãos como o do horto da Hespérides e o das Ilhas Afortunadas. E, apesar
de ter sido rechaçada por grande parte do pensamento cristão por macular a
verdade revelada com as “mentiras” do paganismo, essa identificação não perdeu
de todo a sua força, pois ela de algum modo ratificava a materialidade do paraíso.
Isso porque mesmo que os autores que a rechaçavam, como Santo Isidoro de
Sevilha, nem por isso colocassem em questão a existência física do Éden, este era,
em grande parte dos textos, envolto em uma aura de inacessibilidade. O paraíso,
protegido por querubins dos pecados humanos, era por vezes representado como
um espaço cercado por uma muralha incandescente ou localizado em altitudes
inatingíveis que chegavam a tanger a esfera lunar. Todos os artifícios divinos que
serviam como meio de segregação do paraíso tinham a função de impedir que “o
santo lugar (...) fique aberto à carne ou ao espírito de desobediência e soberba”
86
dos homens.
Todavia, a tese da inacessibilidade era amplamente combatida, ainda no
período medieval, através de todo tipo de argumento. Mas mesmo entre os autores
medievais que se encontravam na linha de frente deste combate, e entre os seus
herdeiros do Quatrocentos que, como Cristóvão Colombo, procuravam endossar a
materialidade do paraíso pela experiência atual do mesmo, vigorava a certeza de
que, sem a interferência de Deus, o homem jamais poderia ter acesso a este lugar
simultaneamente terreno, angélico e divino. A descoberta e mesmo a conquista do
paraíso é, antes de mais nada, uma doação. Por outras palavras, o paraíso não é
meramente descoberto: ele é desvelado, ele é revelado. E é a mão da Providência
que suspende o véu, é o verbo divino que agracia o descobridor, dando a conhecer
o que havia sob ele.
86
HOLANDA, S. B., COSTA LIMA, Visão do Paraíso, p. 197.
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65
A graça constitui-se, assim, no elemento-chave de toda mudança, de toda
transformação. Ela é imprescindível para que o que se perdeu com a Queda, sejam
as virtudes, seja a vida de bem-aventurança no paraíso, possa ser de algum modo
restituído. Greene cita a diferença que São Boaventura estabelece entre as
concepções pagã e cristã do pecado e sua superação, para reiterar a necessidade da
graça entre os últimos:
“The Greek philosophers did not Know that sin is an affront to the divine majesty,
nor yet that it deprives our faculties of their power. They asserted therefore, that in
the performance of just acts a man might restore that justice which ... he had lost...
But Catholics... know well that sin offends God... And they concluded... that if free
will is to be saved from slavery to sin, grace is altogether necessary.”
87
Os portugueses e os espanhóis dos séculos XV e XVI acreditavam ainda na
imprescindibilidade da graça para a realização material do mito. Os povoadores
puritanos das Índias Ocidentais, ao contrário, tendo interiorizado o paraíso,
transferem para o indivíduo humano, organizado socialmente, a responsabilidade
pela sua realização material. Para estes, a realização do paraíso depende antes da
ação que da doação. Entretanto, os conquistadores ibéricos possuem já uma
concepção muito mais flexível de sua própria natureza, concepção que transparece
no modo como vão lidar com a dádiva recebida de Deus, no caso de uns, e com a
aspiração a essa dádiva, no caso dos outros.
Os colonizadores anglo-saxões acreditavam poder controlar o mundo e
submetê-lo à ordem divina por instrumentos humanos, da ciência e da vontade
humana. A sua alma, porém, já possui um curso fixo desde a eternidade, pois a
graça assume entre eles um papel também preponderante, na medida em que
operam com uma concepção platônico-agostiniana de predestinação. Se ao
homem é dado o poder de transformar o mundo no tempus, libertando-o da
interferência constante de Deus, a graça estabelece o destino das almas na
aeternitas, e este estabelecimento é imputado exclusivamente à impenetrável
ciência divina.
No capítulo em que trata das “visões” renascentistas do paraíso terrestre,
Sérgio Buarque deixa clara a diferença entre a abordagem calvinista da relação
entre o homem e o mundo e a abordagem “católica”. Ao contrário da “visão”
87
MARITAIN. Art and Scholasticism, apud GREENE, T. The Disciplines of Criticism. Essays in
Literary Theory, Interpretation and History, p. 244.
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edênica medieval que acaba por se tornar hegemônica, da qual se procura
expurgar o máximo possível as influências dos mitos da Antigüidade, as “visões”
do paraíso renascentistas, sobretudo aquelas projetadas na natureza do Novo
Mundo, seguem em grande medida o padrão dos textos antigos e a identificação
das novas terras e seus habitantes com as terras e os homens da Idade do Ouro é
quase unânime. A idéia da existência de uma Idade do Ouro, contudo, coaduna-se
bem com a fórmula medieval da corrupção a que natureza, mundo e homem
foram condenados pelo pecado original.
Sérgio Buarque contradiz a tese de Burckhardt, segundo a qual há uma
profunda descontinuidade entre Idade Média e Renascimento. Contudo, ao mesmo
tempo, acredita que a noção “continuidade ininterrupta” entre os dois períodos
não deva levar a um abatimento das diferenças entre eles. O autor procura
salientar, antes de tudo, a tensão renascentista entre a ainda forte idéia de
corrupção e o entusiasmo nascido de uma intensa fé na renovação e transformação
mundanas. O topos da roda da Fortuna e da instabilidade dos negócios humanos,
amplamente presentes nos textos de aurores do Renascimento, são bastante
representativos desta tensão. Ao enfrentamento destas questões não escapavam
nem ibéricos, nem anglo-saxões. Entre estes últimos, no entanto, a relação com a
Fortuna passa menos por qualquer tipo de negociação do que por sua submissão e
controle por meio da razão. “Bacon e seus sequazes”, escreve Sérgio Buarque,
“admitindo embora as vicissitudes das coisas, acham melhor não encarar de frente
a roda da sorte, que pode dar vertigem. Ou ainda que esperam do avanço do saber
um instrumento para luta e a vitória sobre as leis que presidem ao destino das
coisas mundanas”
88
Ainda que, para os ibéricos e latinos em geral, mesmo durante todo o
Renascimento, a submissão e o controle do mundo estejam menos garantidos e
a idéia medieval de corrupção das coisas mundanas continue viva, uma vez que é
inerente à própria crença na interferência da Fortuna na vida dos homens , a
noção renascentista de maleabilidade do self chega muitas vezes a se desdobrar
em uma maleabilidade do mundo e da natureza. Ainda segundo Sérgio Buarque:
O espetáculo, ou a simples notícia de algum continente mal sabido e que, tal como
a cera, se achasse apto a receber qualquer impressão e assumir qualquer forma,
88
HOLANDA, S. B., Visão do Paraíso, p. 237.
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suporta assim, entre muitos deles, as idealizações mais inflamadas. Idealizações
estas de que seria como um negativo fotográfico este nosso mundo entorpecido e
incolor, e em que parecia ganhar atualidade histórica a possibilidade de remissão.
Se isso é especialmente verdadeiro no caso de um Colombo, que por sinal julgava
próximo o fim do mundo, precisando mesmo que se daria no ano de 1656, nem
antes nem depois, não o deixa de ser nos outros navegantes que o antecederam ou
sucederam, como Cadamosto, Vespúcio, os dois Cabotos, até Verrazzano.
O processo mental que se encontra à base de semelhante atitude não é muito
diferente do que, em certas obras de imaginação, escritas aproximadamente pela
mesma época, opõe a uma degradação da Natureza e do mundo a nostalgia das
imagens idílicas.
89
É justamente a metáfora da cera, a escolhida por Thomas Greene para
caracterizar a subjetividade do homem do Renascimento. A tese de Greene é que a
literatura renascentista deixa transparecer, apesar de sua heterogeneidade, a
transformação que se opera na concepção de natureza humana e, por conseguinte,
na subjetividade dos homens dos séculos XV e XVI. É esta mesma
heterogeneidade que parece tornar ainda mais clara a tese do autor, pois a idéia de
que o homem não está preso em uma forma determinada pela sua natureza, pelo
habitus, pelo pecado original, somente podendo ser libertado dessa forma através
de um favor divino cede lugar a uma multiplicidade de maneiras de conceber a
maleabilidade do self.
Esta transformação pode ser resumida em uma fórmula de Erasmo de
Roterdã que, segundo Greene, pode ser considerada o moto do que ele chama de a
“revolução humanista”. De acordo com esta fórmula, o homem não é o ser
“nascido”, mas “formado”. Ao contrário dos outros seres criados, o homem não
possui uma forma determinada ao nascer e se encontra, durante toda a sua vida
terrena, em um incessante processo de formação. Por isso a educação passa a
assumir um novo e eminente papel, a partir do fim da Idade Média. A educação é
uma via imanente de transformação. E sua eficácia é função da flexibilidade do
sujeito, desse sujeito plástico, desse sujeito em formação, deste sujeito que se
trans-forma.
A manifestação desta flexibilidade e a natureza da transformação a ela
correspondente podem, entretanto, divergir bastante. Essas divergências são de
primordial importância para que, mais adiante, se possa compreender as
89
Ibid, p. 233.
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peculiaridades que distinguem os portugueses e os espanhóis da era dos
descobrimentos, mas que os definem como homens do Renascimento.
De forma esquemática, pode-se dizer que Greene identifica, entre os
autores renascentistas que analisa, dois modos básicos de se conceber a
maleabilidade do self: um horizontal e outro vertical. A Oração sobre a
Dignidade do Homem de Giovani Pico della Mirandola é o texto que representa,
por excelência, o primeiro tipo de flexibilidade. A exaltação da liberdade humana
e da capacidade do homem de se metamorfosear segundo seu próprio arbítrio
constituíram a forma mais aguda de oposição do pensamento humanista à rigidez
medieval, tanto àquela fundamentada na idéia de habitus da vertente do
aristotelismo tomista, quanto àquela que se baseia na noção de predestinação do
platonismo agostiniano.
Pico leva ao extremo a crença na mobilidade do self, ao afirmar que o
homem pode tanto elevar-se a ponto de compartilhar da dignidade divina, como
pode corromper-se a ponto de forjar para si uma natureza semelhante a dos
animais irracionais. A educação do homem, no âmbito desta concepção vertical de
formação do sujeito, constitui, portanto, um caminho privilegiado para alcançar
algum status de divindade. As disciplinas que constituíam a paideia humanista de
Pico — quais sejam: a ética, a dialética, a filosofia natural e a teologia — eram
tidas como degraus na escalada rumo a uma forma superior do ser.
É interessante notar que Greene chama a atenção para a inclusão da magia
nesta paideia humanista, sobretudo das práticas relacionadas à astrologia, ao
hermetismo e à cabala. A magia e aquele que estabelece um controle mágico do
mundo representam essa junção entre o natural e o sobrenatural, e por
conseguinte, a flexibilidade necessária para alterar a natureza das coisas. O
homem do Renascimento é um pouco mago de si mesmo: tal como o alquimista
que transforma em ouro materiais pouco nobres, ele pode transformar sua
natureza animal em algo próximo ao divino. Além disso, a importância da magia,
assim como da educação de um modo mais geral, põe em relevo um traço deste
homem do Renascimento, este homem dotado de livre-arbítrio, que é fundamental
para se pensar a diferença entre os colonizadores portugueses e os espanhóis: o
predomínio da arte em detrimento da natureza. O homem passa a dispor da arte
para transformar a si mesmo e converter-se em um Deus em miniatura.
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O exemplo mais claro de flexibilidade horizontal poder ser encontrado,
para Greene, em Petrarca. Nele, como em Pico, pode-se observar a ênfase no libre
arbítrio, no poder dado ao homem de escolher seu próprio destino, mais do que
isso, de escolher sua própria forma. Porém, este poder pode representar um grande
perigo, visto que pode levar à dispersão do sujeito que, ante as múltiplas formas
que pode assumir, muitas vezes acaba afastando-se do caminho que leva à escolha
ética. O homem de Petrarca é o ser capaz de encarnar uma enorme variedade de
papeis, variedade que pode ser um impulso para uma transformação vertical
ascendente, mas pode também acarretar em seu aprisionamento no interior da
própria instabilidade.
A Reforma protestante e a Contra-Reforma foram, para Greene, os dois
movimentos que subverteram ou combateram abertamente a idéia de um sujeito
flexível, capaz de, movido pela própria vontade, formar e reformar a si mesmo, ao
longo de sua existência terrena. A teologia luterana e calvinista, ao recuperar a
idéia agostiniana de predestinação, restringiu brutalmente a liberdade de um
homem cuja salvação dependia inteiramente da graça divina, e de uma graça
concedia previamente a sua existência terrena. A Contra-Reforma, por sua vez,
subverteu a noção de formação do self, ao concebe-la, não como resposta a
vontade do próprio sujeito, mas como obediência cega a vontade divina.
A flexibilidade do self está na base de uma outra característica que, de
acordo com Stephen Greenblatt, pode ser imputada como um dos traços soberanos
do sujeito ocidental moderno, qual seja a capacidade de improvisação. Esta
capacidade consiste, de um modo geral, na especial habilidade de lidar com o
imprevisível, submetendo-o a determinados propósitos, e de transformar dados da
realidade objetiva em uma narrativa, em um roteiro que sirva a estes propósitos.
A capacidade de improvisação foi forjada na época dos grandes
descobrimentos que resultaram da expansão ultramarina européia. A necessidade
de lidar com um mundo novo, o que inclui uma nova geografia e uma
multiplicidade de novas culturas, e estabelecer com este Novo Mundo uma
relação de dominação, e portanto de poder, embora não possa ser tomada como o
fator explicativo do desenvolvimento desta nova habilidade, pode ser muito útil
para sua compreensão. E ainda que a improvisação ante a alteridade que constituía
o Novo Mundo fosse se desse em graus e formas diferentes entre diversos povos
colonizadores, pode-se dizer que, mesmo uma explicação genética da colonização,
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há de levar em conta que o continente americano não era apropriado pelos
colonizadores europeus como mera tábula rasa, ou como cera informe, na qual
podiam sem mais reimprimir ou modelar o Velho Mundo. A diferença inédita
tinha de ser convertida em material de improvisação. E o foi, ainda que de formas
muito distintas, por portugueses e espanhóis.
Antes de entrar nestas distinções, entretanto, vale a pena tornar mais claro
o próprio conceito de improvisação, tal como apresentado por Greenblatt, e suas
implicações no contexto do mundo renascentista.
A capacidade de improvisação constituiu-se no bojo do processo de
formação da noção de individualidade, e, sem esta última, aquela não seria
possível. Isto sucede porque a improvisação diante do inesperado que constitui a
alteridade depende do estabelecimento de uma relação empática com o outro. Para
definir a natureza da capacidade de improvisação, Greenblatt lança mão do
conceito de “empatia”, que o sociólogo Daniel Lerner, no livro The Passing of
Traditional Society, acredita ser um dos traços distintivos da sensibilidade
ocidental moderna, em comparação com aquela das sociedades tradicionais. Tal
como Greene, Lerner argumenta que o sujeito moderno é dotado de uma
sensibilidade móvel que lhe confere uma elevada capacidade de adaptação. O
elemento-chave desta mobilidade psíquica é a empatia, que pode ser definida pela
capacidade de intelectualmente se ter acesso à experiência de um outro sujeito.
Em outras palavras, a empatia é a capacidade de “se colocar no lugar do outro”.
Lerner compreende a empatia como um traço positivo da modernidade
ocidental, o qual denota uma espécie de plasticidade generosa, muito pouco ou
quase nada presente nas sociedades tradicionais. Greenblatt concorda com o
sociólogo no que se refere ao papel central da empatia na subjetividade moderna e
a considera o instrumento fundamental da improvisação. Todavia, diverge de
Lerner quanto ao ponto de que a empatia é um traço exclusivamente positivo e
desenvolve seu próprio argumento no sentido de sublinhar o poder de
manipulação do outro pelo sujeito empático:
Professor Lerner is right to insist that this ability is a characteristically (thou not
exclusively) Western mode, present to varying degrees in the classical and
medieval world and greatly strengthened from the Renaissance onward; he
misleads only in insisting further that it is an act of imaginative generosity, a
sympathetic appreciation of the situation of the other fellow. For when he speaks
confidently of the ‘spread of empathy around the world,’ we must understand that
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he is speaking of Western power, power that is creative as well as destructive, but
that is scarcely ever wholly disinterested and benign.
90
Os argumentos de Lerner e Greenblatt expandem o conceito de
maleabilidade do self de Greene. Não se trata meramente mais de identificar um
entre dois tipos de flexibilidade, um vertical e outro horizontal. A capacidade
empática não ajuda os homens a se tornarem anjos ou deuses, nem a sua ausência
os corrompe em seres brutos. Tampouco a empatia promove uma constante
remodulação da sua subjetividade. Mais que vertical ou horizontal, a empatia é
responsável por uma maleabilidade fundamentada em um movimento de
transcendência centrífuga, de uma abertura do self para fora, para o outro. Isto
somente é possível na medida em que o sujeito empático concebe a si mesmo e ao
outro como uma narrativa; quando transforma suas histórias individuais em
narrativas e, dessa forma, pode apreender a si e ao outro como totalidades.
Para tanto é necessário que o sujeito empático não apenas perceba o outro
como indivíduo, mas também que tenha desenvolvida a capacidade de abstração
necessária para que, transcendendo as idiossincrasias próprias e alheias, possa
estabelecer um grau de identificação entre a sua própria narrativa e a narrativa do
outro. Um certo grau de identificação e mesmo de familiaridade em relação a
narrativa que constitui o outro é imprescindível para que se possa improvisar com
ela, para que se possa manipulá-la:
“If improvisation is made possible by the subversive perception of another’s truth
as an ideological construct, that construct must at the same time be grasped in
terms that bear a certain structural resemblance to one’s own set of believes”
91
Nos termos de Sérgio Buarque de Holanda, poder-se-ia dizer que a
improvisação consiste em estabelecer uma relação empática com a forma mentis
do outro, apreendendo-a como uma narrativa e reordenando seus elementos
narrativos a fim de os manipular de acordo com propósitos próprios. Apreendendo
o sistema de crenças do outro como ideologia e, em seguida, ficcionalizando o que
é real para este outro, o sujeito empático tem de se dispor a representar um papel,
encarnar o personagem em que o outro foi transformado, sem perder consciência
90
GREENBLATT, S., Renaissance Self-fashioning, pp. 227-228.
91
Ibid., p. 228.
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de si próprio. Ele tem, nas palavras de Greenblatt, de promover um divórcio entre
a língua e o coração
92
. Este movimento empático e o poder de improvisação dele
decorrente podem se dar em um indivíduo em relação ao outro ou em toda uma
cultura em relação à outra.
Segundo Greenblatt, Shakespeare foi um dos autores renascentistas que
representou com maior acuidade o poder de manipulação conferido pela
capacidade de improvisação. Esta capacidade e este poder, por certo, não são
estão presentes em todos os seus personagens. Mas esta desigualdade é justamente
o que permite a manipulação de uns por outros. São estes traços que permitem a
Iago, personagem da peça Otelo, conduzir a trama para um fim trágico.
Iago possui um caráter empático altamente desenvolvido. Ele concebe o
seu próprio self e o de todos os que estão a sua volta como narrativas e a
capacidade de abstração e de se colocar no lugar do outro, que caracterizam o
sujeito empático, conferem-lhe o poder de manipular o personagem de Otelo.
Otelo, por sua vez, também se concebe como uma narrativa, mas a sua condição
de mouro cristão torna-o extremamente rígido, incapaz de empatia. Iago percebe a
rigidez de Otelo, a inflexibilidade com que ele exulta os valores cristãos, para o
persuadir da infidelidade de Desdêmona, cujo desejo sexual pelo próprio marido
não é considerado por este como condizente com comportamento de uma mulher
cristã. Assim, a intriga de Iago somente é eficaz pois este é capaz de estabelecer
uma relação empática com Otelo e manipular a seu favor os elementos que
constituem a sua subjetividade.
O tipo de manipulação empreendido por Iago em relação a Otelo é, para
Greenblatt, análogo ao tipo de estratégia de que os primeiros colonizadores
espanhóis das Antilhas lançaram mão para manipular a seu favor o sistema de
crenças de grupos nativos a fim de explorar sua mão-de-obra.
Para sustentar seu argumento, Greenblatt recorre a um episódio narrado
em 1525 por Peter Martyr, em De orbe novo, acerca das estratégias, plenas de
improvisação, utilizadas pelos conquistadores espanhóis para convencer um grupo
indígena de uma ilha próxima à Hispaniola a embarcar nos navios castelhanos,
nos quais seriam levados para trabalhar como escravos nas minas. Acreditava-se,
entre estes indígenas, que após a morte a alma dos homens era purificada e em
92
Ibid., p. 228.
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seguida estava apta a desfrutar uma existência de delícias em uma ilha localizada
ao sul. Neste local, os homens poderiam, à medida que envelheciam, fazer-se
jovens novamente e assim desfrutar os prazeres paradisíacos das ilha por muitos
anos mais.
Os conquistadores espanhóis conseguiram persuadir os nativos de que
provinham desta ilha paradisíaca e de que poderiam retornar a ela, levando-os
consigo ainda em vida. Embora não tenham sido muito bem sucedidos em seus
propósitos finais pois, ao se darem conta de que haviam sido enganados, os índios
cometeram suicídio em massa, os espanhóis revelaram sem dúvida uma alta
capacidade de improvisação baseada em qualidades empáticas.
Eles foram capazes de apreender o tipo de cega obediência que esta
sociedade indígena apresentava em relação ao conjunto de mitos que formava seu
aparato religioso e tomá-lo como uma ideologia passível de manipulação. Foram
também capazes, através de um processo de abstração, de identificar os mitos
indígenas com os seus próprios mitos. A ilha, que era o destino das almas dos
índios após a sua morte, apresenta traços muito semelhantes ao paraíso terrestre
do imaginário europeu. O tema do rejuvenescimento, por exemplo, é bastante
semelhante ao motivo edênico da Fonte da Juventude que, de acordo com Sérgio
Buarque, foi um dos mais caros à imaginação dos conquistadores europeus.
4.3.
Natureza e Artifício
A princípio, a caracterização da flexibilidade do self identificada neste
novo homem do Renascimento parece rejeitar uma aproximação coerente com a
preponderância do concreto, do empírico, do imediato que se pode verificar na
subjetividade dos colonizadores portugueses.
A descrição que Sérgio Buarque faz da sobriedade e do realismo deste povo,
e o pendor para uma atitude naturalista que resulta destas características, não
parece muito afim à idéia de que, na ascensão do homem rumo à conquista da
dignidade divina, o artifício seja o mediador fundamental. Tanto no que se refere
às disciplinas tradicionais da educação humanística, quanto no que diz respeito ao
saber iniciático que permite o controle da natureza e a metamorfose de si que
tanto atraiu os neoplatônicos do século XV, como o saber dos alquimistas, dos
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74
seguidores de Hermes Trimegisto e dos praticantes das mnemotécnicas, a
exaltação da arte, em oposição à natureza, não se coaduna com a afirmação de um
cronista português do século XVI, segundo a qual a “experiência, ‘que é madre
das coisas, nos desengana e de toda dúvida nos tira’”
93
.
Coaduna-se ainda menos com a idéia de Sérgio Buarque de que a forma
como os portugueses colonizaram suas possessões no além-mar, como penetraram
nas novas geografias e nas novas culturas, se deu por meio de um constante
exercício de purificação que liberta a experiência do mágico:
A exploração pelos portugueses da costa ocidental africana e, depois, dos distantes
mares e terras do Oriente, poderia assimilar-se, de certo modo, a uma vasta
empresa exorcística. Dos demônios e fantasmas que, através de milênios, tinham
povoado aqueles mundos remotos, sua passagem irá deixar, se tanto, alguma vaga
ou fugaz lembrança, em que as invenções mais delirantes só aparecem depois de
filtradas pelas malhas de um comedido bom senso
94
Este trecho se encontra no primeiro capítulo do livro e é constantemente
reiterado até o seu fim. Contudo, a estrutura dialética da narrativa de Sérgio
Buarque que, muitas vezes se utiliza de um grande número de exceções ao
argumento central de modo a melhor confirmá-lo, relativiza a importância da
concretude da natureza para os portugueses. O caráter simbólico que a natureza
assumia no interior de uma estrutura mental baseada na analogia alicerçava a
convicção de que os elementos concretos do mundo natural eram apenas o ponto
de partida da escalada na direção de um mundo superior, o mundo do espírito.
Portanto, na forma mentis dos colonizadores portugueses, não era o artifício, mas
a adesão à natureza concreta, exorcizada da magia e do sobrenatural, que se
encontrava o meio de acessar o sobrenatural. Para eles,
“o mundo empírico, em sua baixeza, só vale na medida em que nos descobre os
degraus necessários para ascendermos, dentro dos limites humanos, até o
conhecimento das coisas invisíveis e, porque invisíveis, isto é, incorpóreas ou
espirituais, certamente mais digna de estima do que as riquezas, as comodidades, as
honrarias e todos os bens da Terra.”
95
93
Apud HOLANDA,S. B., Visão do Paraíso, p.5.
94
Ibid., pp.11-12.
95
Ibid., pp. 275-276.
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75
Esta forma de lidar com a natureza é classificada por Sérgio Buarque como
a apreensão simbólica das realidades aparentes e, entre os autores portugueses da
época, o padre Antônio Vieira foi quem a empregou mais abundantemente. No
caso deste autor, o acesso ao espiritual através do real e do concreto não se dá pela
manipulação artificial deste real, mas pelo emprego de um dos sentidos naturais
do homem, do “mais espiritual dos sentidos”
96
, qual seja a visão. Embora Vieira
se mostre muitas vezes reticente quanto ao poder mediador dos sentidos entre as
coisas terrenas e supraterrenas, em relação às potencialidades da visão, Sérgio
Buarque afirma que o pensamento do jesuíta não discrepa muito das idéias dos
humanistas neoplatônicos. Ele cita a afirmação de Pico della Mirandola, segundo
a qual “o que é o olho no mundo corpóreo é a mente no campo espiritual”
97
.
Também pode ter sido Vieira influenciado pelo humanista português Leão
Hebreu, segundo o qual, enquanto os demais sentidos apreendem apenas a parte
inferior do mundo corpóreo, a visão tem acesso à sua parte celeste. Além disso,
Sérgio Buarque argumenta que o próprio Inácio de Loyola reverenciava o papel
mediador da visão, que deveria ser integrada aos exercícios religiosos. Desse
modo, o autor de Visão do Paraíso afirma a inexistência de uma oposição
irreconciliável entre o pensamento humanista neoplatônico e o pensamento dos
seguidores de Santo Inácio:
não é forçada, como poderia parecer, a associação do pensamento jesuítico, tão
estreitamente vinculado ao aristotelismo e ao tomismo, com o pensamento
neoplatônico de certos humanistas. Pois ao menos neste ponto, o fundador da
Companhia parece conformar-se, segundo já observou um comentador moderno,
com certas correntes que surgem principalmente no Renascimento e tenderão a
favorecer a possibilidade de apreensão do espiritual pelos sentidos
98
A maleabilidade é, também entre os nosso colonizadores, um traço de
fundamental importância. E se no realismo dos portugueses do Quinhentos pode
ser reconhecida uma qualidade arcaica, a plasticidade que a ele se combina é o
próprio avesso da rigidez medieval. Não é por meio da manipulação mágica do
mundo que os colonizadores portugueses ascendem ao divino, mas a forma pela
96
Ibid., p. 276.
97
PICO DELA MIRANDOLA, G., Hepataplus, apud Ibid., p. 276.
98
Ibid., p. 277.
Sérgio Buarque faz referência nesta passagem ao livro Das Weltkonzil von Trient de Georg
Schreiber.
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qual se amoldam à natureza, às circunstâncias, à experiência inédita tem muito da
flexibilidade e capacidade de improviso do homem renascentista.
Não foram apenas os espanhóis que se mostraram capazes de estabelecer
uma relação empática com os mitos indígenas. Segundo Sérgio Buarque, todos os
povos conquistadores das terras americanas, os portugueses inclusive, construíam
a sua “geografia fantástica”
99
, traduzindo para os termos e temas adventícios, a
mitologia indígena. Para o autor, esta tradução apenas se fazia possível pois os
motivos edênicos presentes na tradição européia podiam ser considerados
verdadeiros arquétipos. Desse modo, a estrutura arquetípica desses motivos podia,
por um processo de abstração, ser emancipada dos detalhes peculiares que os
adornavam nas suas versões clássicas e medievais e ser identificada com mitos
dos nativos americanos. Esse é o caso, por exemplo, do mito das serras
resplandecentes:
“Na América, ao recolher dos indígenas vagas notícias sobre a existência de serras
ofuscantes, o adventício limitou-se, provavelmente, a transmudar, segundo sua
esperança ou cobiça, a matéria que nelas fulgia, fosse embora neve, quartzo ou
mica. A tão pouca se reduziria sua parte na elaboração e desenvolvimento ulterior
desse mito.”
100
A defesa que o padre Simão de Vasconcelos faz, no século XVII, de que o
Éden provavelmente se localizaria em terras brasileiras é, em parte, sustentada
pela idéia da existência de uma “fé comum” de vários grupos indígenas em torno
do mito do paraíso. Este mito fora, segundo o etnólogo Alfred Métraux,
responsável pela migração de tribos tupinambá e potiguara e também, de acordo
com Nimuendajú, dos Guarano-Apapocuava que, partindo do sul, se espalharam
pelo litoral leste do Brasil. Entre estes, é curioso notar, a descrição de uma “terra
sem mal”
101
que segundo uma versão se encontrava no céu, mas segundo uma
outra localizava-se na própria Terra, em algum ponto ao leste em muitos
pontos se assemelhava os tópicos relacionados ao Éden da tradição européia. Um
dos mais evidentes é o da “ausência de todo mister penoso e fatigante”, ao qual já
se fez alusão anteriormente:
99
Ibid., p. 83.
100
Ibid., p. 84.
101
Ibid., p. 172.
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77
A imortalidade, a ausência de dor e fadiga, o eterno ócio, pois que ali as enxadas
saem a cavar sozinhas e os panicuns vão à roça buscar mantimento, segundo
presunção já recolhida por Manuel da Nóbrega e Fernão Cardim, a abastança
extraordinária de bens terrenos, principalmente de opíparos e deliciosos manjares,
tais são os característicos mais constantes da terra “sem mal”, ou seja, do Paraíso
indígena. Impunha-se naturalmente o confronto com o Éden das Escrituras onde,
num horto de delícias cheio de árvores aprazíveis e boas para comida, o homem se
acharia não só isento da dor e da morte, mas desobrigado ainda de qualquer
esforço físico para ganhar o pão.
102
Essa semelhança aparente entre os mitos indígena e cristão levou dois
portugueses, em meados do século XVI, a acompanharem trezentos índios tupis
em uma migração ao Peru, onde, num dado momento, acreditaram que poderia
estar localizada a “terra sem mal”. Já entre os castelhanos, essa migração
estimulou a organização de diversas expedições à bacia amazônica em busca do
local paradisíaco.
O que ocorre é que, entre os portugueses, este movimento empático em
relação à mitologia indígena não funcionava como meio de ativar algum processo
que resultasse na realização do mito, ao contrário do que acontece entre os
espanhóis. Sem dúvida, a identificação entre os mitos indígenas e os motivos
edênicos da tradição adventícia depende da capacidade de abstração do detalhe,
do episódico, do particular. Entretanto, trata-se apenas da identificação de um
mito com outro mito, de fantasia com fantasia, de imaginário com imaginário. O
passo seguinte não é dado pelos portugueses: o passo que os levaria a identificar o
imaginário com o real, o mito com a natureza americana. Mas como se disse
anteriormente, quando se trata de lidar com a realidade, os colonizadores
portugueses assumem uma atitude pragmática em que o detalhe e o episódico
ganham enorme importância.
É, todavia, justamente nesse pragmatismo que reside a flexibilidade da
forma mentis portuguesa. É nessa enorme habilidade para se adaptar ao
circunstancial, sacrificando o cálculo, os ideais, os planejamentos excessivamente
rígidos, que os portugueses manifestam o seu caráter maleável. O tipo de
flexibilidade que caracteriza a subjetividade dos colonizadores portugueses está,
em certa medida, mais próxima da flexibilidade do Príncipe de Maquiavel do que
do novo homem de Pico.
102
Ibid., p. 173.
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78
Greene aloca Maquiavel em um conjunto de autores do Renascimento
italiano tardio que não mais compartilham do otimismo dos que participaram do
início do movimento. Para Maquiavel, a flexibilidade do homem não está em sua
natureza amorfa. Por sua própria natureza, o ser humano não pode alimentar a
expectativa de transcender sua condição de animal. Contudo, entre todos os seres
criados, o homem é o único dotado de razão. E se esta razão não o transforma em
um semideus, pode ao menos dotá-lo de uma flexibilidade tática que o permita
fazer um uso adequado das qualidades que se encontram presentes na sua própria
natureza animal. Trata-se de uma flexibilidade horizontal, mas que, ao contrário
do que teme Petrarca, não dispersa as energias humanas em uma variedade de
possibilidades de ser, nem o submete a uma constante instabilidade. A
flexibilidade que Maquiavel considera um dos traços fundamentais do bom
príncipe é aquela que proporciona o máximo de controle da natureza instável da
Fortuna.
Em Pico e Petrarca, a flexibilidade que marca a natureza humana, se bem
aproveitada, pode levar o homem a se transformar em um ser mais virtuoso, mais
próximo da virtude Divina. Estes autores operam ainda com uma concepção
clássica e cristã de virtude. A virtù de Maquiavel não se confunde com as virtudes
cristãs ou com as virtudes cardeais. Um príncipe de virtù deve, se as
circunstâncias impostas pela fortuna assim o exigirem, utilizar estratégias e
assumir comportamentos que contrariem a moralidade cristã e as virtudes
convencionais para conquistar e manter o Estado. Mas deve sempre dissimular,
criando uma aparência de virtude que corresponda à moral cristã.
De acordo com Quentin Skinner, em seu livro As Fundações do
Pensamento Político Moderno, Maquiavel rompe com a concepção agostiniana
segundo a qual a virtude é uma dádiva gratuita de Deus. Nessa nova concepção de
virtude vinculada à retórica, a virtude pode ser adquirida na experiência empírica
da vida humana, seja através da educação, seja através da atuação do homem na
vida pública. A relação entre virtude e ação completa a idéia de que a virtude é
uma qualidade adquirida pelo homem viril, o vir virtutis, capaz de se impor sobre
as investidas da fortuna, que enquanto mulher precisa e deseja ser dominada pelo
vir. A virtude deixa de ser exclusivamente o caminho da salvação após a morte
para se tornar também a via da conquista da fama, da honra e da glória no mundo
sublunar.
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79
É interessante notar que a descrição de Simmel da aventura amorosa
que, no capítulo anterior, foi comparada a aventura da conquista do Novo Mundo
pelos povos ibéricos se refere essencialmente essencialmente ao papel do
homem na relação. É nele que a experiência paradoxal da atividade e da
passividade, da conquista e da graça se configura como uma aventura:
O fato de que o homem atua como a parte impositiva, agressiva, lançada com
freqüência ao assalto, faz perder facilmente de vista o elemento devido ao destino
em toda vivência erótica, de qualquer tipo que seja, a dependência de algo
impossível de determinar de antemão, que escapa a qualquer obrigatoriedade. E
com isto nos referimos não apenas à dependência da aceitação da outra parte, mas a
algo mais profundo. (...) para além do que recebemos do outro, sempre como um
dom gratuito, há na fortuna amorosa como um portador mais profundo e
impessoal desse dom pessoal também um favor do destino, algo que recebemos
como uma graça outorgada por poderes invisíveis.
103
Para Maquiavel, mesmo o homem de virtù pode controlar apenas a metade
de seu destino, impondo-se apenas em parte à Fortuna. A outra metade permanece
à mercê das imprevisibilidades desta deusa caprichosa. E para não sucumbir ao
imprevisível, ele deve se adequar da melhor forma possível às circunstâncias que
a Fortuna coloca em seu caminho, ao invés de procurar submetê-las a qualquer
tipo de ideal transcendente.
Friedrich Meinecke, no livro La Idea de la Razón de Estado en la Edad
Moderna, afirma que a idéia de razão de Estado formulada por Maquiavel consiste
na conjugação entre naturalismo, racionalismo e voluntarismo. Na natureza,
estariam inscritas as necessidades do Estado e da vida política ditadas pelo arbítrio
da Fortuna. Ao príncipe, ou ao cidadão no caso das repúblicas, cabe agir
racionalmente em relação a essas necessidades, ainda que esta racionalização
implique a utilização de mecanismos contraditórios à moral e ao Direito Natural.
Mas para tanto é necessário que o governante tenha vontade de fazê-lo, vale dizer,
seja um homem de virtù.
103
SIMMEL, G. Sobre la Aventura, p. 31.
“El hecho de que el varón actúe como la parte premiosa, agressiva, lanzada con frecuencia al
asalto, hace perder fácilmente de vista el elemento debido al destino en toda vivencia erótica, de
cualquier clase que sea, la dependencia de algo imposible de determinar de antemano, que escapa a
cualquier oblidatoriedad. Y con esto nos referimos no sólo a la dependencia de la aceptación por la
outra parte, sino algo más profundo. (...) más allá de lo que recibimos del outro, siempre como un
don gratuito, hay en la fortuna amorosa como un portador más profundo e impersonal de esse
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80
O contexto espiritual do Renascimento italiano e o movimento de
secularização que o caracteriza promovem, segundo Meineck, a intensa
valorização da experiência, do mundo real em detrimento do mundo ideal. Isso é
válido, naturalmente, também para a experiência política. É uma época em que
aqueles que conduzem o Estado e detém o seu poder, sejam príncipes ou cidadãos
das repúblicas, operam na vida política através da razão de Estado, muitas vezes
sacrificando alguns dos valores da moral cristã. E foi justamente por levar a um
extremo, nunca antes alcançado, a valorização da experiência concreta, real, que
Maquiavel foi pode transformar a experiência de razão de estado na idéia de razão
de Estado.
No âmbito do pensamento político, Maquiavel foi o único capaz de fazê-lo
em sua época. Seus contemporâneos, embora vivendo a experiência da razão de
Estado, quando esta alcança o momento em que poderia ser formulada em
intelequia, ponto em que o conflito com a moral cristã alcançava os limites da
convivência, recuavam e se refugiavam no mundo do espírito. A imagem utilizada
por Meinecke é a de que, no limiar desse conflito, Maquiavel mergulha no abismo
da experiência para torná-la idéia. Seja por destemor religioso, seja por destemor
face à própria experiência, Maquiavel tem a coragem de dizer, de escrever, de
pensar a própria natureza.
Não se trata aqui, é claro, de tomar o pensamento de Maquiavel como o
paradigma da forma mentis dos colonizadores portugueses. O que se quer é
mostrar como, ainda que não compartilhem de um tipo de flexibilidade fundada
no artifício, ainda que não dados à grandes saltos de abstração — salto de
abstração que, aliás, Maquiavel deu exemplarmente a transformar experiência em
idéia —, a extremada valorização da experiência pelos portugueses também
encontra espaço na cultura renascentista.
Os portugueses apostaram o sucesso da sua empresa colonizadora em uma
espécie de flexibilidade tática que põe em primeiro plano as necessidades ditadas
pelo circunstancial, pelo episódico e pelo concreto. Nisso se aproximaram do
pensamento de Maquiavel. Nisso foram homens de virtù. Para tanto, exilaram o
mito no mundo ideal das aspirações. No texto de Sérgio Buarque, a natureza,
don personal también un favor del destino, algo que recibimos como uma gracia otorgada por
poderes imprevisibles.”
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ainda apreendida analógica e simbolicamente, é o elemento essencial através do
qual e para o qual se manifesta a flexibilidade portuguesa.
O fato de não transformarem a experiência em idéia ou de não
transformarem idéia em experiência não leva a concluir que os portugueses
manifestassem a rigidez do homem medieval. A sua flexibilidade foi, pelo
contrário, tão exacerbada que não os permitiu submeter a experiência à rigidez de
uma idéia. Idéia e experiência conviveram lado a lado, pouco se tocando, muitas
vezes se contradizendo. Mas precisamente a flexibilidade do caráter português
tornou possível incorporar essa contradição.
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Conclusão
No prefácio do livro Acreditavam os gregos em seus mitos?, Paul Veyne
conta que os Dorzé, um grupo de etíopes cristãos, acreditam que os leopardos são
animais cristãos que obedecem à liturgia da Igreja copta, respeitando inclusive os
dias de jejum. Porém, mesmo nos dias de jejum ritual, os Dorzé protegem suas
ovelhas da fome sangüinária dos leopardos. Eles acreditam que os leopardos são
cristãos e cumprem os jejuns da Igreja. E, simultaneamente, sabem, por
experiência, que os leopardos se alimentam todos os dias e que todos os dias suas
ovelhas correm o risco de serem devoradas. Esses etíopes apresentam, segundo
Veyne, um modo flexível de crer, tal como o das crianças que acreditam
simultaneamente que seus presentes de Natal são trazidos pelo Papai Noel e
comprados por seus pais.
Esse modo flexível de crer, que incorpora a contradição, está presente
também entre adultos no Ocidente moderno. É o modo como crêem os
portugueses do Renascimento. É um modo de crer perfeitamente compatível com
a ética católica, na medida em que pressupõe a negociação entre valores morais e
necessidades reais. Entre o dever ser e o ter de ser. A própria idéia católica de
expiação funciona como um meio de eliminar a incoerência da contradição. O
pecado é, em parte, expiado pela culpa. Culpa e pecado são expiados pela
confissão e o homem está livre para ser virtuoso ou pecar novamente.
Portugueses e espanhóis, na conquista do Novo Mundo, viram-se diante da
necessidade de incorporar, de alguma forma, a contradição entre a experiência da
tradição e a experiência inédita; entre os olhos e os ouvidos; entre ambição e
frustração; entre a língua e o coração; entre o além e o aquém; entre natureza e
virtude; entre natureza e artifício; entre a cobiça e a beatitude; entre o corpo e a
alma; entre a conquista e a graça; entre liberdade e destino; entre a aspiração e a
realização; entre o arcaico e o moderno; entre a experiência e a fantasia. Ambos
tiveram de ser flexíveis para incorporar a contradição. O que Sérgio Buarque de
Holanda argumenta, em Visão do paraíso, é que, entre os portugueses, a
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flexibilidade é dotada de um caráter plástico que permite levar a contradição ao
limite e ainda assim conviver com ela de forma coerente.
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