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“Tudo vem correndo, tudo do mesmo jeito. A gente passa muita dificuldade.
Passa dificuldade... Porque o imperador
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mesmo é o que passa mais
dificuldade, porque tem folião
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que não pode ir pra casa. Não tem condições
de ir pra casa. Então ele tem de ficar lá em casa e você sabe... A situação
não está adequada de boa, né. (...) Então qualquer peso que sai lá, pra
gente fazer qualquer coisa, cai tudo em cima... É! Eu recebo tudo. Então o
“guia
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” tem de ser muito preparado” (Mestre Joaquim, dezembro de 2004).
Senhor Joaquim trabalha com construção civil, e, devido a incômodos adquiridos
pelo excesso de esforço físico, não pode mais exercer a profissão. Dona Lena,
sua esposa, com muito custo arrecada dinheiro fazendo serviços gerais para os
moradores da região. Seus filhos começaram a trabalhar desde cedo, atuando
como garis ou office-boys, empregos que, além de oferecer baixa remuneração,
lhes consomem grande parte do dia e da energia física. Apesar das dificuldades
financeiras, o pai procura incentivar seus filhos mais novos a concluírem o ensino
médio, matriculando-os nas escolas públicas da região.
Em seu terno, o senhor Joaquim atua como “mestre”, ou seja, um organizador que
dirige ou rege o terno durante a prática do ritual. Por várias vezes ouvi o mestre
Joaquim refletir sobre a situação socioeconômica dos integrantes do grupo. Como
exemplo disso, durante o ritual, enquanto percorríamos o trajeto por entre as
casas, víamos sempre um folião, apelidado de Sula, carregando um saco plástico
e correndo de um lado para o outro, para apanhar as latas de alumínio jogadas
pelas ruas e nos lixos e revendê-las para ferros-velhos.
Mestre Joaquim – “E como é que ele enxergou essa latinha? Assim mesmo
diz que é cego (enxerga mal), né? De noite enxergou lá. E diz que é cego”.
Sula – “Mas elas brilha”.
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Os foliões chamam de imperador o participante do grupo cuja função é ocupar-se com o lado
burocrático e econômico do terno. Retomaremos este tema de forma mais detalhada no capitulo 4.
Se o leitor julgar necessário, consultar página 162.
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Folião é o termo utilizado pelos próprios participantes da tradição para designar cada componente
do grupo, ou seja, aquele que participa como integrante de um terno de Folia de Reis.
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Os foliões utilizam o termo guia para designar a função assumida pelo folião cantor, o qual inicia e
escolhe os versos a serem executados pelo grupo. Ser o guia é ser aquele que irá guiar o canto,
ou seja, conduzir as seqüências de versos a serem cantados.