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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
A PRÁTICA DO ENSINAR E DO APRENDER A FAZER
PESQUISA EM COMPONENTES CURRICULARES DE UM
CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA
JUDITE SCHERER WENZEL
Orientadora:
Profª Drª Lenir Basso Zanon
Maio/2007
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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
CURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
A PRÁTICA DO ENSINAR E DO APRENDER A FAZER
PESQUISA EM COMPONENTES CURRICULARES DE UM
CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA
JUDITE SCHERER WENZEL
Orientadora:
Profª Drª Lenir Basso Zanon
Label1
Texto apresentado para a Defesa Final
Data: 04 / 05 / 2007
Comissão Julgadora:
Profª. Drª. Maria do Carmo Galiazzi
Prof. Dr. Otavio Aloisio Maldaner
Prof. Dr. Milton Antônio Auth
Maio / 2007
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AGRADECIMENTOS
- à minha orientadora Lenir Basso Zanon, que durante esta caminhada sempre
recebeu a mim e ao meu trabalho, com disponibilidade, respeito e muita dedicação.
- ao Leandro, pelo acompanhamento, pelo incentivo e por me ajudar a concretizar
mais esta etapa de minha vida.
- aos meus pais, à minha irmã e demais familiares pela preocupação constante, pela
confiança depositada em mim e pelas palavras de incentivo durante toda a
caminhada.
- aos professores do Mestrado que sempre estavam dispostos a ajudar, em especial,
aos professores Dr. Otávio Aloisio Maldaner e Dr. Milton Auth pelas valiosas
contribuições na ocasião do exame de qualificação.
- ao grupo de bolsistas do GIPEC pela boa acolhida, pela companhia, pela amizade
e pela disponibilidade de ajuda.
- aos licenciandos que participaram da pesquisa, pelo seu empenho, sua
disponibilidade e atenção.
- aos meus companheiros de viagem a Ijuí, pelas conversas, pela companhia, pela
ajuda, pelas palavras de incentivo e pela amizade que foi sendo construída.
- à família da minha orientadora, que sempre me acolheu com muito carinho e
atenção em sua casa.
- enfim, agradeço a todas as pessoas, que de alguma maneira conviveram comigo
durante esta importante e muitas vezes difícil etapa de minha vida, pela sua
compreensão nas ausências, pela torcida e pelo amor transmitido.
- à CAPES pelo financiamento da pesquisa.
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RESUMO
O presente trabalho insere-se nas discussões, no âmbito educacional, quanto à
problemática da formação inicial docente, especificamente, da formação inicial de
professores de Química. A discussão traz o aprender a fazer pesquisa como uma
possibilidade para a superação do modelo de formação docente calcado na racionalidade
técnica. Parte-se do pressuposto de que para a melhoria da formação inicial docente é
necessário uma (re)construção histórica e cultural das concepções com base nas quais são
organizados os currículos e as práticas formativas, criando novos espaços interativos
pautados na inovação quanto a modelos de formação que ampliem a visão do ser professor
e do ensinar qmica. Nessa perspectiva, o referencial teórico tem como base, além do
apoio teórico da literatura que trata da pesquisa educacional do professor em formação, a
perspectiva histórico-cultural, cujo precursor é o psicólogo russo L. S. Vigotski, cujo princípio
central consiste na visão de que o desenvolvimento do individuo é resultado de um processo
mediado histórica e culturalmente, nas interações sociais, enfatizando o papel da linguagem
e da aprendizagem no desenvolvimento humano. Conta-se com apoio teórico de autores
que defendem o educar pela pesquisa na formação do professor, como Demo, Lüdke,
André, Maldaner, Galiazzi, Moraes, Ramos, Schnetzler, entre outros. São analisados
espaços curriculares que, ao longo da formação docente inicial, propiciam o aprender a
fazer pesquisa. A hipótese de investigação acredita na importância da inserção destes
espaços, e vê a participação do licenciando em cada etapa do fazer pesquisa como
participante na sua constituição como um professor que se torne pesquisador de sua
prática. Para isso foram realizadas análises documentais do Projeto do Curso de Química
Licenciatura, das Ementas Curriculares, dos Planos de Ensino dos Componentes
Curriculares acompanhados. Foram aplicados questionários e realizadas entrevistas semi-
estruturadas, gravadas em áudio e posteriormente degravadas, com licenciandos que
vivenciaram na sua formação inicial processos do aprender a fazer pesquisa. Também
foram analisados alguns relatórios finais de pesquisa elaborados pelos mesmos, com o
objetivo de qualificar a pesquisa por eles vivenciada. Os relatórios analisados constituem-se
no primeiro ensaio de pesquisa, na primeira prática do fazer pesquisa vivenciada pelos
licenciandos, em sua formação. Com o objetivo de verificar a prática do aprender a fazer
pesquisa em sala de aula foram acompanhadas aulas, com registros em caderno de campo,
para posterior análise. Inicialmente discute-se com o referencial teórico as limitações do
modelo de formação baseado na racionalidade técnica, que acredita ser o professor um
transmissor de verdades prontas, desconsiderando a complexidade da prática escolar,
partindo dessa problemática defende-se a inserção de espaços do fazer pesquisa como
propiciadores de um outro caminho de formação. Discute-se diferentes concepções de
professor pesquisador, bem como, de entendimentos sobre o que é pesquisa e sobre os
diferentes veis de pesquisa, numa visão que supera entendimentos simplistas de tais
práticas. Os resultados denotam uma multiplicidade de fatores envolvidos na prática do
ensinar e aprender a fazer pesquisa no âmbito da formação inicial, evidenciando a
importância da significação da linguagem específica, de instrumentos culturais, como a
linguagem (pela fala ou pela escrita) e a leitura, necessários de ser significados no fazer
pesquisa. Essa significação ocorre mediante necessárias mediações do professor
orientador, que é um pesquisador. São apontados e discutidos, também, limites e
potencialidades da prática no contexto acompanhado.
5
ABSTRACT
The present project takes part in the discussion, in the educational sphere, concerning the
problematic of teacher initial formation, especifiically chemistry-teacher initial formation. The
discussion tackles the researching learning as a possibility to overcome the based on technic
rationality teacher-formating pattern. We start with the supposition that to improve the
teacher initial formation it's necessary to (re)build cultural and historically the conceptions on
which the curriculum components and the formative practices are based, creating new
interactive spaces supported by an innovation in formation patterns so that the perception of
being a teacher and teaching chemistry is enlarged. In this perspective, the theoric reference
is concreted by the historical and cultural issue, whose precursor is L. S. Vigotski, apart from
the theoric support given by the literature related to the educational research of the teacher
in formation. Vigotski is a russian psychologist who has as main principle the assertive that
the individuals development results of a process controlled by history and culture in the
social interactions, emphasizing the role of language and learning in the human
development. The theorical support of authors who defend the teaching by research in
teachers formation, like Demo, Lüdke, André, Maldaner, Galiazzi, Moraes, Ramos,
Schnetzler, is counted on. Curricular spaces that give the opportunity to learn how to
research properly along the teacher initial formation are analysed. The investigation
hypothesis afirms the importance of allowing such spaces and hopes the participation of
each formating teacher in every phase of the reseaching process, becoming a teacher
reseacher of its own practice. Therefore, documental analysis were accomplished in the
Bachelor Degree Chemestry Course Project, in the Curricular Amendments and in the
Teaching Plans of Curricular Components. Questionnaires were aplied and semi-structural
interviews were made, recorded in audio and later derecorded, with bacheloring teachers
that experimented processes involving the research know-how in their teacher initial
formation. Also final relatories made by such interviewed people were analysed, aiming at a
qualification of the research experimented by them. These relatories make up the first
experience of research of the bacheloring, in its formation. With the objective of verifying the
practice of learning how to research in classroom, classes were watched, with latter register
in camp notebook for analysing. Initially, it is discussed with the theoric reference the
limitations of the formation pattern based on technic rationality, which shows the teacher as a
conveyor of finished facts. Considering the complexity in the teaching practice, we defend
the inclusion of the researching as opportunity to other formation ways. Different teacher-
researcher conceptions are discussed, like the understanding about what research is in fact,
different levels of research, and so on, in a point of view that overcome simple understanding
about such practices. The results show plenty of factors involving the teaching and learning
how to research in the initial formation, evidencing the importance of the especifical language
meaning, of cultural tools, as the language and the reading, necessary in the research
practice. The meaning becomes possible through mediations taken by the guide teacher,
who already is a researcher. Limits and potencialities of such practice are also discussed.
6
SUMÁRIO
Introdução
..............................................................................................................07
As Origens da Caminhada da Investigação ...........................................................07
Um Olhar para o Fazer Pesquisa no Cenário da Formação Docente Inicial...........09
O Contexto e os Caminhos Percorridos na Execução da Pesquisa .......................15
Cap 1. O Contexto Problemático da Formação Inicial de Professores
de Química .............................................................
.........................................27
1.1. Modelo de Formação Inicial Pautado na Racionalidade Técnica.................... 27
1.2. A Problemática da Desarticulação dos Saberes no Âmbito da Racionalidade
Técnica.............................................................................................................. 32
1.3. Caminhos em Busca de uma Nova Racionalidade Articuladora de
Saberes..............................................................................................................37
Cap 2. A Pesquisa Como Aliada na Formação Inicial de Professores ...............40
2.1. O Fazer Pesquisa como Caminho e a Constituição do Professor Pesquisador
em Formação Inicial........................................................................................41
2.2. De Qual Pesquisa Falamos? ..........................................................................50
2.3. A Busca por uma Qualificação do Fazer Pesquisa em Sala de Aula
.............56
2.4. A mediação do Outro no Ensinar e no Aprender a Fazer Pesquisa
...............64
2.5. A Apropriação dos Instrumentos Culturais do Fazer Pesquisa na Constituição
do Professor Pesquisador em Formação Inicial ...............................................66
Cap 3.
A Formação Inicial pela Pesquisa – Interlocuções no Âmbito
Prático do Contexto Investigado .............................................................
.75
3.1. Um Olhar ao Projeto Curricular do Curso Acompanhado................................75
3.1.1. O Fazer Pesquisa num Olhar para as Ementas Curriculares ......................80
3.1.2. Uma Análise dos Planos de Ensino dos Componentes Curriculares
Investigados ....................................................................................................81
3.2. Percepções dos Licenciandos sobre o Fazer Pesquisa Vivenciado................85
3.2.1. Percepções Gerais dos Licenciandos sobre o Aprender a Fazer Pesquisa..86
3.2.2. As Etapas do Fazer Pesquisa Vivenciadas pelos Licenciandos nos
Componentes Curriculares Acompanhados....................................................95
3.2.3. Os Limites do Fazer Pesquisa para os Licenciandos no Contexto
Investigado ......................................................................................................103
3.2.4. Contribuições da Prática do Fazer Pesquisa Vivenciada para a Formação
Docente ........................................................................................................107
3.3. Qualificação do Fazer Pesquisa, Partindo da Análise de Relatórios de
Pesquisa ..........................................................................................................114
3.4. Descrição de uma Prática do Aprender a Fazer Pesquisa ...........................120
Considerações Finais ...........................................................................................124
Referências ............................................................................................................129
7
INTRODUÇÃO
As Origens da Caminhada da Investigação
A presente pesquisa é decorrente de preocupações durante e, em especial,
ao final da minha formação inicial num curso de química licenciatura. Realizada em
uma universidade pública bastante tradicional e reconhecida, não esperava vivenciar
problemas que muito me angustiaram, devido a um grande distanciamento e
desarticulação entre as disciplinas de conteúdos específicos de química e as
‘pedagógicas’, como costumávamos chamar. As primeiras tinham uma maior carga
horária e, pelo seu maior nível de ‘cobrança em provas, eram mais valorizadas
pelos próprios acadêmicos, meus colegas, enquanto que as ‘pedagógicas’ ficavam
sempre em segundo plano. Talvez tal desvalorização fosse decorrente da falta de
abordagem sobre o ensino de química no âmbito das disciplinas pedagógicas, e
vive-versa, dificultando a participação e a compreensão das mesmas.
Vale ressaltar que uma das maiores dificuldades vivenciadas por mim e pelos
meus colegas foi na ocasião da realização do estágio curricular, apenas nos últimos
semestres do curso. Era visível e preocupante o distanciamento e a falta de
interação entre a universidade e a escola, de encontros sistemáticos que nos
possibilitassem formas de reflexão sobre as ões de planejamento e sobre nossas
primeiras práticas docentes, bem como, sobre os nossos próprios processos de
formação. Antes da prática em sala de aula, vivenciamos alguns momentos de
observação em sala de aula, porém, os mesmos não foram objetos de discussão, de
estudos e orientação, por isso, preocupávamo-nos com a precariedade da
contribuição de tais observações para a nossa formação docente inicial.
Em decorrência dessas dificuldades vivenciadas, passei, na graduação, a
buscar e fazer leituras sistemáticas sobre a formação docente. Vários referenciais
lidos abordavam a necessidade do professor pesquisador, crítico e reflexivo, de
novos modelos e novas práticas de formação inicial, mais direcionadas a contribuir
8
para a promoção das mudanças na educação escolar. As leituras propiciaram
questionamentos e idéias que começaram a inquietar-me sempre mais. Comecei a
defender a idéia de que para o professor se tornar um pesquisador de sua prática,
uma alternativa seria aprender a fazer pesquisa na sua formação inicial. Desta
idéia decorriam vários questionamentos: como a prática do fazer pesquisa na
graduação poderia contribuir para uma melhor formação docente inicial? Como
poderia ser essa prática de formação, diferente da por mim vivenciada? Seria melhor
em que sentido? Conseguiria superar as dicotomias que eu vivenciei? Como a
pesquisa contribuiria para a formação do professor pesquisador? Como ela poderia
ser trabalhada, inserida e articulada num currículo de formação de professores de
química? Que prática de pesquisa seria essa?
Esses são alguns dos questionamentos que me levaram a prosseguir nos
estudos no âmbito da educação, em nível de mestrado, e realizar uma pesquisa na
área da educação química, especificamente, quanto à pesquisa na formação
docente inicial. Para a continuidade dos estudos busquei o Programa de Pós-
Graduação em Educação nas Ciências da Unijuí. Durante a caminhada, os estudos
e reflexões propiciados ajudaram a enriquecer minhas concepções teóricas relativas
à formação docente inicial e à educação de modo geral. Ainda são amplos os
questionamentos e as inquietações que demandam aprofundamentos nos estudos e
nas investigações.
O que é apresentado neste trabalho resulta da investigação que desenvolvi
na perspectiva de apontar alguns caminhos que poderão servir aos cursos de
licenciatura como um todo, acenando para o desenvolvimento de uma formação
docente inicial menos tecnicista, sobre a qual passo a discorrer, a seguir, tendo a
prática do ensinar e do aprender a fazer pesquisa como alternativa de superação do
modelo de formação inicial por mim vivenciado.
9
Um Olhar para o Fazer Pesquisa no Cenário da Formação Docente Inicial
Os estudos e as preocupações com a formação de professores têm se
acentuado a partir da última década do século passado, o que está relacionado,
também, com as novas políticas educacionais, aliadas às reformas da educação
básica e universitária no país. Entre os anos de 1980 e 1990 houve um crescente
movimento de profissionalização do ensino, que repercutiu nas reformas da
formação dos professores. Pesquisas educacionais passaram a dar ênfase na
questão dos saberes e às competências na formação inicial de professores.
Segundo Laranjeira et al (1999), apud Borges e Tardif:
o novo referencial para a formação de professores reconhece que o docente
é um profissional; que a natureza do seu trabalho é definida em função do
entendimento de que o professor atua com e nas relações humanas; que a
gestão em sala de aula, tarefa que é de sua responsabilidade por
excelência, exige o confronto com situações complexas e singulares, cuja
solução nem sempre é dada a priori (BORGES, Cecília; TARDIF, Maurice,
2001, p.14).
Essas repercussões do movimento de profissionalização se prolongam nas
diferentes reformas em curso no Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394/96) propõe a Educação Básica com um caráter não
propedêutico e com uma visão mais rica de aprendizagem e desenvolvimento dos
educandos. Nos dizeres de Pereira, a visão de ensino articulada nesta Lei,
está alicerçada na concepção de desenvolvimento e aprendizagem como
processos, na idéia de que não se constroem conhecimentos significativos
de forma cumulativa e no pressuposto de que os conhecimentos se
produzem nas interações e vivências, em empreendimentos, na busca de
respostas às perguntas que os educandos se fazem (PEREIRA, 1999,
p.115).
Porém, o que se percebe é que as mudanças propostas nesta visão de
ensino, pouco chegam às salas de aula efetivamente. As propostas educacionais
vigentes, segundo Brasil (1999), são caracteristicamente de caráter apenas
propedêutico, preparatórias para séries e graus de ensino seguintes, numa visão
linear, conteudista e cumulativa de ensino, pouco se preocupando com a
necessidade de desenvolver uma educação voltada para a melhoria da convivência
e da qualidade da vida nas práticas sociais.
10
Ainda no âmbito da reforma educacional em andamento, as atenções
passaram a se voltar para Cursos de Formação Docente Inicial. Traçaram-se as
Diretrizes Curriculares Nacionais, aprovadas em 2001 pelo Conselho Nacional de
Educação, diretrizes que enfocam diferentes funções da Educação no meio social e
também o exercício profissional dos professores. Segundo as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em cursos de nível
superior,
as questões a serem enfrentadas na formação são históricas. No caso da
formação nos cursos de licenciatura, em seus moldes tradicionais, a ênfase
está contida na formação nos conteúdos da área, onde o bacharelado surge
como a opção natural que possibilitaria, como apêndice, também, o diploma
de licenciado. Neste sentido, nos cursos existentes, é a atuação do físico,
do historiador, do biólogo, por exemplo, que ganha importância, sendo que
a atuação destes como “licenciados” torna-se residual e é vista, dentro dos
muros da universidade, como “inferior”, em meio à complexidade dos
conteúdos da “área”, passando muito mais como atividade “vocacional” ou
que permitiria grande dose de improviso e auto-formulação do “jeito de dar
aula” (BRASIL, 2001, p. 13).
Essa problemática não é recente, e ela precisa ser vista em sua
complexidade, remetendo para discussões em torno do modelo formativo baseado
na racionalidade técnica que, apesar de criticado, ainda predomina, amplamente,
nos cursos de formação. Conforme refere Pereira (1999), a formação docente
constituída pela conhecida fórmula “3 + 1”, em que as disciplinas de natureza
pedagógica, cuja duração prevista era de um ano, justapunham-se às disciplinas de
conteúdo, com duração de três anos, na literatura educacional, é uma expressão
visível do modelo da racionalidade técnica. Nos dizeres de Schön:
a racionalidade técnica diz que os profissionais são aqueles que solucionam
problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados
para propósitos específicos. Profissionais rigorosos solucionam problemas
instrumentais claros, através da teoria e da técnica derivadas de
conhecimento sistemático, de preferência científico (SCHÖN, 2000, p. 15).
No modelo da racionalidade cnica, o docente é formado como um técnico
que executa determinadas tarefas mediante a aplicação de teorias produzidas fora
da prática, por grupos de especialistas, desconsiderando a complexidade e a
dinamicidade das relações entre teorias e práticas docentes. Decorrente desta
formação, o professor torna-se refém de livros didáticos, pois, não se considera um
sujeito capaz de participar da (re)construção de conhecimentos, predominando em
11
sala de aula um ensino baseado no modelo de ‘transmissão-recepção’, que pouco
contribui para a formação e o desenvolvimento dos estudantes.
Prevalece a visão de senso comum do ser professor. Acredita-se que para ser
professor basta dominar os conteúdos específicos da disciplina que vai ensinar e
usar algumas “técnicas pedagógicas”, teorias e técnicas produzidas fora dos
contextos práticos, a serem, depois, aplicadas na prática de sala de aula. Refoa-se
com isso a concepção de que “ensinar é fácil” e que, assim, qualquer um pode se
tornar professor, independente da sua formação, pois não se considera a
complexidade da prática escolar (Carvalho e Gil-Péres, 1993).
Concorda-se que o conhecimento específico da disciplina a ser ensinado pelo
professor é primordial para a ação docente, porém essa não é condição suficiente.
Os programas de formação docente inicial precisam ir além da aquisição de
conhecimentos específicos, superando as concepções de que os problemas
educacionais se reduzem a soluções técnicas, numa visão de aplicabilidade direta
da teoria, elaborada por outros, em qualquer prática de sala de aula.
A visão simplista do ser professor, na maioria dos cursos de formação inicial,
conforme Marcelo (1997), não é problematizada, permanecendo predominante nas
práticas pedagógicas dos futuros docentes como sendo algo natural e correto em
decorrência de toda a sua ‘formação ambiental’ ao longo da escolarização. Por isso,
para mudar as práticas educacionais, ainda vigentes, é necessário rever os espaços,
os modelos e as práticas de formação dos professores.
Em particular, neste trabalho, a atenção se volta para a formação inicial de
professores de Química, inserida num processo de formação docente continuada,
nunca reduzido à formação inicial de um curso de licenciatura. A idéia de formação
continuada supera, por outro lado, a visão simplista de que o aprender a ser
professor será apenas com a prática de sala de aula, reduzindo a atividade docente
em um saber fazer que reproduz modelos observados. Defende-se uma formação
continuada que busque uma articulação da prática com teorias que a iluminem e a
critiquem, nos dizeres de Pimenta e Lima:
12
o papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para a
análise e investigação que permitam questionar as práticas
institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas
próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações
sempre provisórias da realidade (PIMENTA e LIMA, p. 43, 2004).
Acredita-se na importância de ocorrer, na formação inicial de professores,
uma conscientização em relação à necessidade de sempre ir à busca de outros
conhecimentos, de um referencial teórico e de outras práticas. O Curso em
investigação propõe como caminho para a conscientização da necessidade da
formação continuada o aprender a fazer pesquisa desde o inicio da graduação, com
a perspectiva da formação de professores pesquisadores.
A literatura (Maldaner, 2003; Galiazzi, 2003; Moraes, 2002; Lüdke 2001;
André, 2001; Schnetzler 2000; Zeichner 2005; Perrenoud 1999; Tardif 2002) têm
apontado para a importância de instituir dinâmicas de organização curricular
articuladas por espaços de formação pela pesquisa, como alternativa para a
superação do modelo tecnicista de formação, pautado na racionalidade técnica. A
pesquisa vem sendo entendida, por alguns dos autores, como uma atividade de
‘aprender a aprender’, propiciando aos sujeitos recursos para argumentar, construir
e reconstruir conhecimentos. Segundo Galiazzi e Moraes:
a iniciativa de repensar e reestruturar a formação inicial de professores com
base no educar pela pesquisa, para poder atingir a melhoria de sua
qualidade, parte da convicção da necessidade de superar a aula
caracterizada pela simples cópia, transformando os licenciandos, de
objetos, em sujeitos das relações pedagógicas assumindo-se autores de
sua formação por meio da construção de competências de crítica e de
argumentação, o que leva a um processo de aprender a aprender
(GALIAZZI e MORAES, 2002, p. 238).
A falta de articulação de ensino e pesquisa na formação inicial docente é
apontada nos dizeres das Diretrizes Curriculares Nacionais, “a formação de
professores para os diferentes segmentos da escola sica tem sido realizada
muitas vezes em instituições que não valorizam a prática investigativa” (p. 19).
Percebe-se uma preocupação em relação à inserção e articulação do fazer pesquisa
na formação inicial de professores, no entanto, ainda são incipientes as iniciativas de
desenvolvê-la na prática, justificando-se, assim, a importância de promovê-la e
investigá-la, a exemplo do presente trabalho.
13
Exigências das reformas curriculares poderão vir a desdobrar-se em formas
mais amplas de superação do modelo da racionalidade técnica, cabendo aos cursos
de licenciatura redefinir sua organização de modo a proporcionar um repensar do
perfil do docente formado, não mais como um mero técnico aplicador de
conhecimentos externos a ele e ao seu trabalho, mas como sujeito da construção e
reconstrução do conhecimento. Novas proposições, orientações e regulamentações
estão sendo apresentadas, como é o caso da valorização da pesquisa do professor
em formação inicial, visando melhor responder à problemática da formação, na
perspectiva de superar problemas encontrados e denunciados nas pesquisas e no
cotidiano da sala de aula, a partir das próprias realidades vivenciadas e
problematizadas.
Toda essa preocupação com a formação docente inicial decorre da
complexidade do fazer docente num mundo em constantes transformações e
incertezas. Segundo André:
a tarefa do professor no dia-a-dia de sala de aula é extremamente
complexa, exigindo decisões imediatas e ações, muitas vezes
imprevisíveis. É extremamente importante que ele aprenda a observar, a
formular questões e hipóteses e a selecionar instrumentos e dados que o
ajudem a elucidar seus problemas e a encontrar caminhos alternativos na
sua prática docente. E nesse particular os cursos de formação têm um
importante papel: o de desenvolver, com os professores, essa atitude
vigilante e indagativa, que os leve a tomar decisões sobre o que fazer e
como fazer nas suas situações de ensino, marcadas pela urgência e pela
incerteza (ANDRÉ, 2001, p. 59).
O que se espera, portanto, é a criação de novos espaços e tempos formativos
que tendo a prática do fazer pesquisa como aliada, propiciem aos futuros docentes
habilidades decorrentes de tal prática, como selecionar problemas, de sua escola e
da sala de aula, que demandam pesquisa e, assim, poder produzir novos
conhecimentos profissionais, aliados à ousadia de questionar, de discutir e de
propor, responsavelmente, novos caminhos para o exercício profissional, bem como,
de se tornarem orientadores da pesquisa de seus alunos.
No presente estudo, com apoio da literatura mencionada, o processo de
formação inicial é entendido numa perspectiva de superação da formação vista
como um mero processo de repasse de determinados conhecimentos teóricos, de
14
superação da aula entendida como simples cópia; bem como, na superação da
visão simplista de que ser professor é equivaler-se a um técnico ‘repassador’ de
conhecimentos verdadeiros, externos a ele e a sua realidade escolar.
Neste sentido, o tema em estudo, é a formação inicial de professores de
química, especificamente, na qualificação de espaços do ensinar e do aprender a
fazer pesquisa, enquanto componente essencial à formação para o exercício
profissional, acreditando numa formação menos fragmentada, menos tecnicista,
numa problemática que pode vir a superar os descompassos postos pelo modelo da
racionalidade técnica. Partindo das necessidades de mudanças na formação inicial
de professores, apresenta-se resultados de um estudo de alguns Componentes
Curriculares em implantação, que propõem espaços do fazer pesquisa num Curso
de Licenciatura em Qmica que inicialmente se encontrava em fase de implantação
e teve sua aprovação no decorrer da pesquisa.
Focalizando o olhar para a prática do ensinar e do aprender a fazer pesquisa
no âmbito do contexto formativo investigado, o estudo esteve orientado pelos
seguintes objetivos:
- compreender como acontece a formação docente inicial nos espaços de
formação pela pesquisa propostos em componentes curriculares do programa de
formação inicial acompanhado;
- estudar como o fazer pesquisa ocorre no âmbito da formação inicial e se ele
auxilia os estudantes na construção/reconstrução de entendimentos quanto ao ser
professor;
- analisar o fazer pesquisa nos componentes curriculares acompanhados, de
como ele propicia interações e como elas contribuam na formação docente inicial;
- qualificar o fazer pesquisa realizado nos espaços curriculares investigados,
com atenção para a identificação e qualificação de etapas do fazer pesquisa e de
níveis de pesquisa atingidos;
15
- analisar a relação pedagógica entre professor e aluno, entre ‘orientador’ e
‘pesquisador’, neste ambiente do ‘educar pela pesquisa’, com atenção à participação
e aprendizado dos estudantes pela mediação do professor, num processo em que
os estudantes, tendencionalmente, passam de objetos a sujeitos interativos da
relação pedagógica;
- produzir compreensões quanto a como o aprender a fazer pesquisa nos
componentes curriculares co-participa na constituição dos licenciandos enquanto
professores pesquisadores em formação inicial.
São explicitados, a seguir, os caminhos percorridos no desenvolvimento da
investigação, frente aos objetivos mencionados, justifica-se a escolha metodológica.
Situa-se e caracteriza-se o contexto empírico do estudo e, ao final, apresenta-se a
organização geral do trabalho.
O Contexto e os Caminhos Percorridos na Execução da Pesquisa
Num primeiro momento, explicitei e procurei discutir as intenções da
pesquisa, o que eu pretendia buscar responder, o tema e os objetivos, percorrendo,
ainda na imaginação, caminhos desconhecidos e incertos. No entanto, havia um
estímulo e um grande desafio a minha frente, uma ansiedade e ao mesmo tempo
uma grande motivação em relação ao objeto de estudo da pesquisa em construção.
Isto, em decorrência da minha formação num curso de licenciatura em química,
como eu já referi. Acreditava ser o mestrado a oportunidade de colocar na prática as
minhas intenções, na perspectiva de contribuir para o entendimento e nas
discussões em torno do problema de pesquisa. Aos poucos, foi possível delinear
uma trajetória de trabalho e um caminho para a investigação.
O trabalho se caracteriza como uma pesquisa qualitativa (Lüdke e André,
1986) que, segundo Bogdan e Biklen (apud Lüdke e André, 1986, p. 11), “supõe o
contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está
sendo investigada, via de regra, através de um trabalho intensivo de campo”. Isso,
considerando uma característica bastante importante, frente à visão de que
16
o desenvolvimento do estudo aproxima-se a um funil: no início questões
ou focos de interesse muito amplos, que no final se tornam mais diretos e
específicos. O pesquisador vai precisando melhor estes focos à medida que
o estudo se desenvolve (LÜDKE, ANDRÉ, 1986, p.13).
No início da investigação havia uma amplitude de intenções e perspectivas,
tendo sido procedido ‘recortes’ de determinados rumos e caminhos. Muitas eram as
angústias e as questões relevantes, mas era necessário selecioná-las, focalizar o
olhar, delimitar o ângulo da visão.
A pesquisa de caráter qualitativo, organizada como estudo de caso, possui
características de descrição e interpretação da realidade investigada. O estudo de
caso segundo Lüdke e André, “é sempre bem delimitado, devendo ter seus
contornos claramente definidos no desenrolar do estudo” (p.17). Com base em
Goode e Hatt, as autoras colocam que “o caso se destaca por se constituir numa
unidade dentro de um sistema mais amplo (...) quando queremos estudar algo
singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher um estudo de caso”
(p.17).
Na execução da pesquisa, partiu-se de uma problematização inicial,
cerceando questionamentos que tiveram sua origem em leituras sobre a formação
docente inicial, em busca de melhor situar e compreender a modalidade de formação
que vivenciei durante a minha graduação. Eu buscava, na literatura, explicações
outras para as minhas angústias e decepções no decorrer do curso. O tema ‘educar
pela pesquisa’ ou “pesquisa educacional do professor em formação inicial” parecia
responder à minha demanda de investigar um contexto de formação inicial
diferenciado daquele que eu havia vivenciando. Isso orientou e dimensionou o meu
questionamento central: de que forma o ‘educar pela pesquisa’ pode contribuir para
a formação inicial de professores de química?
A partir desse questionamento geral, alguns focos de estudo e leitura vinham
associados a interlocutores teóricos que intermediavam os olhares, os interesses e
os caminhos em construção, orientando o âmbito empírico, a organização do estudo,
em busca de analisar uma prática, buscando subsídios e indícios junto a sujeitos de
pesquisa, com vistas a responder e compreender tal linha de questionamento: o
17
‘educar pela pesquisa’ contribui na formação inicial de professores de química? Em
quê contribui? De que forma, como? Para que contribui? Por quê?
As questões passaram a ser objeto de desdobramentos quanto aos
respectivos caminhos metodológicos, na medida em que estudos e atividades de
pesquisa iam se desenvolvendo ao longo da realização do trabalho. Como colocar
em prática a investigação? Logo, mantidos alguns contatos com a instituição local,
foram sendo explicitadas algumas idéias, concretizando-se a intenção de pesquisar
o âmbito de algum curso de química licenciatura que já teria iniciado um processo de
reforma curricular que contemplasse, de alguma forma, o ‘fazer pesquisa’ como
princípio da formação inicial. O interesse era o de desenvolver uma pesquisa em
contexto empírico sobre tal temática e, como eu estava cursando o Mestrado na
Unijuí, foi bastante fácil e ágil a certificação de que, nesta universidade, o Curso de
Licenciatura em Química havia sido objeto de um processo de reconstrução
curricular que contemplava a ‘pesquisa’ como um eixo importante da formação. A
nova Proposta Curricular encontrava-se em implantação, sendo que, na fase inicial
do meu trabalho, o Curso estava em processo de reconhecimento junto ao MEC.
Numa primeira etapa da pesquisa, foi, então, planejada e procedida uma
análise documental focalizando as características e a estrutura curricular do Curso,
em atenção a aspectos da reforma curricular em implantação. Observou-se que no
curso ‘novo’ havia vários componentes curriculares que, em sua denominação,
mencionavam o ‘educar pela pesquisa’. Frente ao interesse e ao foco da
investigação, exatamente no ‘educar pela pesquisa’, no aprender a ‘fazer pesquisa’,
buscou-se junto à Coordenação do Curso o acesso ao Projeto Curricular do mesmo,
às Ementas Curriculares, para proceder a uma análise em busca de uma visão e
compreensão iniciais, em sentido mais amplo, sobre o mesmo.
Assim, na etapa inicial da investigação, foi realizada uma análise documental
criteriosa, buscando, conforme referem Caulley, (apud Lüdke e André, 1986, p. 38)
“identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses
de interesse”. Guba e Lincoln, (apud Lüdke e André, 1986, p. 39) fazem um relato
das vantagens do uso de documentos. Segundo estes autores, os documentos são
18
fonte repleta de informações sobre a natureza do contexto que nunca deve ser
ignorada, independente dos outros métodos de investigação.
Verificou-se, a partir da análise da proposta do Curso, explicitada no Projeto
Político Pedagógico, haja vista a própria composição curricular e de algumas
ementas, que o Curso como um todo contempla uma boa articulação da formação
inicial ‘pela pesquisa’.
Uma revisão bibliográfica passou logo a orientar o processo da investigação,
a partir de uma busca teórica sobre o que é entendido como pesquisa no âmbito do
‘educar pela pesquisa’, de como se processa tal educar no contexto da sala de aula,
a exemplo de contribuições de autores como Demo (1998; 1999); Moraes (1998);
Moraes, Galiazzi e Ramos (1998); Marques (2001); Galiazzi (2003).
O apoio teórico dos autores acima mencionados permitiu identificar, entre
outros focos de interesse, categorizações prévias como a proposição da escrita, da
argumentação, da participação dos alunos e da comunicação/socialização da
pesquisa como elementos e fatores propulsores da prática do ‘fazer pesquisa’ em
sala de aula. Após estas leituras, partiu-se para a análise das Ementas Curriculares
do Curso, que permitiu identificar algumas disciplinas do Curso como sendo
articuladoras do ‘educar pela pesquisa’.
A partir dessa etapa (análise documental), a questão de pesquisa passou a
focalizar a seguinte configuração: como os novos espaços formativos que propõem,
em suas ementas curriculares, a prática do fazer pesquisa, estão se desenvolvendo
na prática do Curso? Como eles estão sendo percebidos e vivenciados pelos
estudantes do Curso?
No Curso são oferecidos vários Componentes Curriculares que, de acordo
com suas Ementas, abordam etapas do fazer pesquisa, mas dentre estes, alguns
ainda não foram cursados por nenhuma turma, pelo fato do Curso estar em processo
de implantação. Por outro lado, seria inacessível a análise de todos os
Componentes que propõem a prática do fazer pesquisa já cursados.
19
Isso levou a um novo afunilamento na busca de resposta à questão de
pesquisa, ‘recortando-a’ mais um pouco, para a seguinte formulação: como os
Componentes Curriculares “Pesquisa em Ensino de Ciências I” (PEC I) e Pesquisa
em Ensino de Ciências II” (PEC II), que propõem em suas Ementas a prática do
fazer pesquisa, estão se desenvolvendo? Como eles estão sendo percebidos e
vivenciados pelos estudantes do Curso?
Restringe-se, assim, o âmbito empírico da investigação a apenas dois dos
Componentes Curriculares que contemplam o ‘fazer pesquisa’ (PEC I e PEC II). O
critério de escolha considerou o fato de serem os primeiros Componentes cursados,
no Curso em implantação, cujas Ementas propiciam aos estudantes um contato com
a escola e que apresentam uma proposta segundo a qual os licenciandos participam
de todo o processo do fazer pesquisa na formação.
Considerou-se, também, o fato de serem Componentes cursados
recentemente pelos licenciandos do sexto semestre do curso. Assim, o estudo de
caso estava bem definido, visto que, dentre vários cursos de licenciatura em
química, escolheu-se um Curso, o da Unijuí (regime regular, campus Ijuí).
Feita essa delimitação, partiu-se para a análise dos Planos de Ensino dos
dois Componentes Curriculares, para verificar a organização da proposição do fazer
pesquisa e para se ter uma maior familiarização com os Componentes, seus
objetivos, atividades de ensino, procedimentos, recursos.
Tendo em mãos os resultados prévios da analise documental, partiu-se para a
análise da prática do fazer pesquisa no Curso. Decidiu-se aplicar questionários e
realizar entrevistas semi-estruturadas, visto que este tipo de entrevista permite que o
entrevistador faça as necessárias adaptações, a partir de um esquema básico e de
um instrumento orientador. Segundo Lüdke e André:
na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera
de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde.
Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não
imposição de uma ordem rígida de questões. (...) A grande vantagem da
entrevista sobre as outras técnicas é que ela permite a captação imediata e
corrente da informação desejada. (...) Enquanto outros instrumentos têm
20
seu destino selado no momento em que saem das mãos do pesquisador
que os elaborou, a entrevista ganha vida ao se iniciar o diálogo entre o
entrevistador e o entrevistado (LÜDKE e ANDRÉ, p.33 e 34, 1986).
Precisava-se definir os sujeitos que estavam vivenciando a prática do fazer
pesquisa, estudantes do Curso, que haviam cursado os Componentes Curriculares
em investigação. Eles seriam parceiros e colaboradores fundamentais para o
desenvolvimento deste trabalho.
A pergunta que surgia era: a quem entrevistar? Concluiu-se que, como o
Curso é novo, seria adequado fazer as entrevistas com estudantes que teriam
cursado um maior mero de disciplinas do Curso, ou seja, tendo uma maior
vivência no programa de formação como um todo.
Definido isso, faltava ainda configurar critérios de escolha e ‘características’
dos sujeitos de pesquisa. Decidiu-se buscar uma amostra heterogênea em relação
às condições da dedicação pessoal do estudante da turma ao Curso, ou seja, do
tempo disponível para os estudos. Optou-se então por uma amostra com três ‘tipos’
de sujeitos: (i) estudantes trabalhadores e, dentre estes, os que cumprem uma maior
carga horária de trabalho e que cursam um maior número de disciplinas, (ii)
estudantes bolsistas qualquer modalidade e (iii) estudantes com maior carga
horária disponível para os estudos, que se dedicassem o mais exclusivamente
possível ao Curso. Esses critérios foram considerados tendo em vista, também, o
fato de o Curso ser noturno.
Buscou-se a Coordenação do Curso a fim de conseguir uma relação dos
estudantes ingressos no primeiro ano do Curso em implantação, partindo-se, então,
para uma análise dos cadernos de registro (folhas de chamada do segundo
semestre de 2005) do Curso de Licenciatura em Química acompanhado, o qual
correspondia ao sexto semestre do Curso, isto é, ao semestre mais avançado e,
portanto, o semestre da primeira turma de ingresso no Curso novo.
A partir da análise das folhas de chamada, fez-se uma relação entre os
acadêmicos e os componentes curriculares. Conforme mostra o quadro a seguir, o
que se verificou foi que muitos estudantes estavam cursando apenas um ou dois
21
componentes curriculares do sexto semestre. Resolveu-se, então, selecionar
aqueles estudantes que estavam cursando um maior número de componentes
curriculares.
Quadro das matrículas dos acadêmicos nos componentes curriculares do semestre:
Para selecionar a amostra dos estudantes para a entrevista, foi entregue um
questionário, anexo I, que foi respondido, por escrito, pelos seis acadêmicos que
estavam cursando pelo menos três componentes curriculares. Este primeiro
questionário teve como objetivo saber a situação de cada estudante, verificar quais
os componentes curriculares cursados e especificamente, se haviam cursado
os Componentes selecionados para a investigação, saber sua disponibilidade de
tempo para os estudos, ou seja, se trabalha ou não, quantas horas. Enfim, foi um
levantamento do ‘perfil’ destes licenciandos, com vista a poder eleger os sujeitos de
pesquisa.
Acadêmicos
Físico
Química III
Química
Orgânica I
Química
Analítica
Quantitativa.
Pesquisa em
Ensino de
Química I
Prát. Pedag. VII:
Teorias do Ensino
de Ciências.
Jarbas X
Natália X X
José X X X X X
Maurício X X X
Júlia X X
Paulo X X X X X
Andressa X X
Maria X X
Larissa X X
Mateus X X
Fátima X X
Bruna X
Joana X X X X
Clara X X X X
Antonio X X
Ana X X X X
Viviane X
André X X
Augusto X
Sabrina X
Janaina X
Marina X X
Murilo X
Lara X
Fernanda X X
Laura X
22
Dos seis estudantes selecionados, cinco responderam e entregaram este
primeiro questionário. Destes cinco, um é bolsista de iniciação cienfica, uma é
secretária de escola, com uma carga horária de 40 horas semanais, uma é auxiliar
de laboratório com carga horária também de 40 horas semanais, um estudante com
total disponibilidade de tempo aos estudos, uma auxiliar de processamento de dados
com uma carga horária de seis horas semanais. De acordo com estes ‘perfis’ a
amostra é bem heterogênea corroborando com as características buscadas.
Antes de realizar as entrevistas com os sujeitos selecionados, foi enviado
mais um questionário (anexo II) para os cinco licenciandos selecionados, com
questões referentes ao Curso de Licenciatura como um todo, bem como, com uma
maior ênfase no entendimento dos sujeitos sobre ‘pesquisa’ e a percepção quanto
aos Componentes Curriculares PEC I e PEC II. Esses questionários foram
entregues, deixando um intervalo de uma semana para a devolução dos mesmos,
ficando cada estudante livre em escolher se respondia ou não ao mesmo.
Passada uma semana, começou-se a recolher os questionários. Dos cinco
estudantes, quatro o devolveram respondido. O estudante que não possuía
nenhuma atividade além de estudar, não respondeu ao questionário. Houve então
um repensar da amostra de licenciandos para as entrevistas. Como dos quatro
estudantes remanescentes dois possuíam a mesma carga horária de trabalho (40
horas), um era bolsista, e um com carga horária menor de trabalho (6 horas) decidiu-
se que destes, todos, se tivessem disponibilidade, iriam participar das entrevistas,
configurando assim, uma amostra heterogênea, conforme definido anteriormente.
Antes da execução das entrevistas, fez-se uma análise das respostas dos
questionários e, a partir dessa análise, foram elaborados os instrumentos, para a
realização das entrevistas semi-estruturadas. Os instrumentos (anexo III) possuíam
uma estrutura geral para todos os estudantes, porém, com algumas diferenças de
acordo com suas respostas anteriores, sendo passível de mudanças no decorrer da
conversa, em coerência com a modalidade de procedimento metodológico adotado.
Realizou-se as entrevistas semi-estruturadas junto a três estudantes, tendo
sido procedidos registros em áudio, seguidos de transcrição (degravação) das falas,
23
para servir de material empírico a ser usado na construção de resultados de
pesquisa. Um dos quatro estudantes ficou impossibilitado de participar no encontro
para a entrevista, pois começou a trabalhar com maior carga horária, e residia em
outra cidade, somente vindo a Ijuí nos horários das aulas, não tendo sido possível
marcar um horário compatível.
A análise das entrevistas, com a construção e discussão de resultados de
pesquisa foi mediada pelos objetivos e pressupostos do trabalho, em busca de
compreender como acontece a formação inicial pela pesquisa nos espaços
acompanhados, como o fazer pesquisa ocorre no âmbito da formação inicial e como
ele contribui na construção de entendimentos sobre o ser professor.
Os estudantes explicitaram dificuldades, percepções sobre o processo
vivenciado e contribuições do fazer pesquisa, bem como, sobre as etapas (os
passos) do fazer pesquisa e a relação pedagógica desse aprender.
Para qualificar, de maneira mais satisfatória, as etapas e o nível das
pesquisas desenvolvidas e, também, buscar um maior entendimento quanto ao uso
dos instrumentos culturais da pesquisa, de que forma eles compareceram no
processo de ensino e de aprendizagem do fazer pesquisa vivenciado, optou-se por
fazer uma análise, também, de produções escritas dos acadêmicos, no âmbito dos
Componentes Curriculares (PEC I e PEC II). Teve-se acesso aos relatórios finais de
pesquisa elaborados pelos mesmos licenciandos entrevistados. Foi analisado um
relatório final de pesquisa do Componente Curricular PEC I, visto que dois dos
licenciandos entrevistados, executaram toda a pesquisa, trabalhando num mesmo
grupo, tendo apresentado um relatório em conjunto.
Essa análise teve o objetivo de identificar o uso de instrumentos culturais do
fazer pesquisa, considerando, em especial, a escrita e o comparecimento de leituras.
Buscou-se analisar como o ‘outrocomparece na elaboração escrita do relatório de
pesquisa, com atenção a cada uma das etapas do fazer pesquisa vivenciado, desde
a construção da questão de pesquisa a a análise e validação dos resultados
construídos. O ‘outro’, aqui, é entendido, segundo Marques, como ‘vozes’
assimetricamente participantes no discurso escrito, oriundas da mediação do
24
professor, de referenciais teóricos (da literatura da área), dos sujeitos de pesquisa
(da realidade), articuladamente a voz dos próprios estudantes pesquisadores. A
análise objetivava, também, a partir do comparecimento e da presença do ‘outro’,
qualificar diferentes níveis atingidos na elaboração da mesma pesquisa.
A metodologia abrangeu repetidas leituras do relatório, buscando perceber e
analisar a qualidade da pesquisa desenvolvida. Foi analisada cada parte do
relatório, com o objetivo de identificar as diferentes interlocuções (as dos estudantes,
suas concepções e posições), as dos autores (literatura), a fala dos sujeitos de
pesquisa. Algumas eram ‘duvidosas’, que poderiam ser dos próprios estudantes ou
da literatura. Houve, também, um olhar para a preocupação quanto ao uso e a
significação da linguagem específica ao âmbito da ‘pesquisa’.
Numa etapa final de construção dos resultados, julgou-se importante inserir
um acompanhamento do ensinar a fazer pesquisa em sala de aula, para observar a
vivência do aprender a fazer pesquisa, em sua prática, com a realização de registros
em caderno de campo. Os registros foram realizados na oportunidade do Estágio de
Docência na Graduação. Foram acompanhadas as aulas do Componente Curricular
PEQ I (Pesquisa em Ensino de Química I), junto a uma outra turma de licenciandos,
visto que os licenciandos entrevistados haviam cursado esse Componente.
Algumas mudanças na semestralização do Curso fizeram com que o Componente
PEQ I fosse trabalhado antes de PEC I, conforme mostram os anexos IV e V,
sendo, portanto, a primeira prática do fazer pesquisa vivenciada pela referida turma,
assim como foi PEC I para os licenciandos entrevistados. Justifica-se o
acompanhamento das aulas de PEQ I, com a sua Ementa Curricular que traz as
mesmas proposições que as Ementas de PEC I e II, e também, pelo fato de o
professor de PEC I e II ser o mesmo de PEQ I. Com isso ampliou-se o campo
empírico da investigação que, nesta etapa, abrangeu um Componente Curricular
correlato e adicional.
Em síntese, os procedimentos metodológicos da investigação abrangeram, na
fase da coleta de informações: análise documental, aplicação de questionários,
realização de entrevistas semi-estruturadas com registros em áudio e posterior
degravação e, ainda, observações em sala de aula com registros em caderno de
25
campo. O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Unijuí, sendo aprovado como mostra o Parecer no Anexo VI.
Descreve-se, a seguir, sucintamente, a organização dos capítulos que
integram este texto, com uma síntese dos conteúdos de cada um.
No capítulo 1, que está subdividido em três picos, relata-se a problemática
da formação inicial docente de professores de ciências. Com base no referencial
teórico discute-se alguns limites da formação docente inicial inserida no modelo da
racionalidade técnica. Problematiza-se diferentes dicotomias e fragmentações de
saberes decorrentes desse modelo formativo. Atenção também é dada para visões
simplistas que predominam em relação ao conhecimento científico, numa visão de
ciência neutra e objetiva.
No capítulo 2, que está subdividido em cinco tópicos, aprofunda-se a
interlocução com teóricos que defendem o fazer pesquisa. O inicio do capítulo traz
uma breve explicitação do histórico em defesa da pesquisa como articuladora na
formação docente, com a idéia de professor pesquisador. Na segunda parte do
capítulo contextualiza-se e busca-se uma definição não simplista sobre o
entendimento de pesquisa e que é defendida ao longo deste trabalho. Com base em
Demo, Beillerot e Galiazzi aborda-se, na terceira parte do capítulo, uma
categorização de diferentes níveis, etapas de pesquisas. Finaliza-se o capítulo com
uma reflexão quanto à constituição do licenciando como um professor pesquisador
em formação inicial, mediante a internalização de instrumentos culturais utilizados no
decorrer do fazer pesquisa vivenciado, numa abordagem histórico-cultural.
No capítulo 3, a atenção se volta para a prática do ensinar a fazer pesquisa
no contexto formativo acompanhado. Na primeira parte são relatados resultados
construídos mediante análise documental, mostrando aspectos gerais da formação
pela pesquisa acompanhada. Diferentes espaços que contemplam a prática do fazer
pesquisa são identificados, no âmbito do Curso acompanhado, com foco em
aspectos dos Componentes Curriculares PEC I e II, suas Ementas Curriculares e
seus Planos de Ensino. Na segunda parte do capítulo, são trazidos relatos dos
licenciandos entrevistados em relação ao fazer pesquisa por eles vivenciado, com
26
atenção a categorias de pesquisa abrangidas. Na continuidade do capítulo, discute-
se a qualificação do fazer pesquisa no âmbito das PEC I e II, partindo dos resultados
da análise dos relatórios de pesquisa de licenciandos. E finaliza-se o capítulo com a
apresentação de resultados construídos mediante análise de registros em agenda
de campo, ao acompanhar as aulas de PEQ I, com o objetivo de explicitar a prática
do aprender a fazer pesquisa observada em sala de aula.
Em seguida são apresentadas algumas considerações quanto à importância
do comparecimento da prática do fazer pesquisa na formação docente inicial, com
base, nos resultados construídos e analisados, sendo trazidas questões que
continuam sem respostas e que poderão ser objeto de novas investigações.
27
CAP. 1 O CONTEXTO PROBLEMÁTICO DA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES DE QUÍMICA
Este capítulo está subdividido em três tópicos. Inicialmente, problematiza-se,
a partir de interlocuções com o referencial teórico que serve de apoio à investigação,
a temática da formação inicial de Professores de Química baseada no modelo da
racionalidade cnica, discutindo algumas limitações decorrentes de tal modelo, a
visão simplista do ser professor, a dicotomia entre teorias e práticas na formação, a
importância de se considerar implicações das relações pedagógicas entre professor
e aluno em salas de aula e quanto a visões epistemológicas de conhecimento
científico decorrentes desse modelo de formação e implicações para o ensino de
Química. O segundo tópico trata da problemática que diz respeito à desarticulação
entre saberes diversificados que integram a formação docente inicial. Dos
descompassos decorrentes da formação inicial calcada na racionalidade técnica, a
terceira parte do capítulo mostra caminhos para a formação docente inicial, um deles
o do aprender e vivenciar os passos da pesquisa.
1.1. O Modelo de Formação Inicial Pautado na Racionalidade Técnica
A raiz do modelo de formação docente que se tornou hegemônico nos Cursos
de Licenciatura pautados na racionalidade técnica está na revolução científica
iniciada no século XVI, tendo sido desenvolvido a partir das Ciências Naturais, e
estendido às Ciências Sociais emergentes do século XIX. Condições históricas
criadas, na racionalidade técnica, levaram a práticas curriculares que concebem e
28
veiculam os conhecimentos especializados de forma fragmentada, cumulativa e
linear (Maldaner, 2000 p. 74 e 77). É sobre essas características que se busca
refletir, para um repensar transformador da formação inicial, o que remete para
entendimentos sobre as origens de tal problemática, na busca de mudanças que
possam atingi-la em sua essencialidade mediante o reconhecimento crítico de seus
limites, pela reconstrução histórica e cultural de concepções com base nas quais são
organizados currículos e práticas formativas. A centralidade das atenções, nesse
repensar, está, pois, na promoção de mudanças que atinjam a racionalidade restrita
da qual decorrem as práticas curriculares que se tornaram convencionais na
formação docente inicial.
Um dos limites que têm sido objeto de críticas, nesse sentido, está na
organização dos currículos de formação profissional que tendem a dicotomizar ‘o
mundo acadêmico’ do ‘mundo da prática’, a universidade da escola. O docente é
‘formado’ distantemente do seu espaço de atuação profissional, com base em
modelos ideais de aluno, de escola e de professor, não coerentes com a realidade
escolar. Mc Dermott ressalta que
se os métodos de ensino não são estudados no contexto no qual serão
implementados, os professores podem não saber identificar aspectos
essenciais, nem adaptar estratégias instrucionais que lhes foram
apresentadas em termos abstratos à sua matéria específica ou a novas
situações (apud Schnetzler, 2000 p. 17)
.
Tal dicotomia entre teorias e práticas é problematizada nos dizeres de
Marques de que “não se pode, para a teoria e a prática, estabelecer lugares
distintos, nem no ensino escolar, nem no campo da atuação profissional”. Importa
articular teoria e prática, pesquisa e formação, universidade e escola básica, ao
longo de todo o curso da licenciatura, na dinâmica do currículo como um todo (1992
p. 87).
Ainda que os cursos contemplem vivências formativas em distintos lugares
sociais (universitário e escolar), a falta de articulação entre os aprendizados
desenvolvidos compromete a construção por parte dos futuros docentes, já na
formação inicial, de saberes constitutivos do exercício profissional. Tal problemática
foi por mim vivenciada na graduação, como referi. Tardif refere-se a uma
29
multiplicidade de saberes necessários para a prática escolar, entre estes, os saberes
da experiência, que, segundo o autor, compreendem as relações e interações que
os professores estabelecem com os demais atores no campo de sua prática, e em
relação às obrigações e normas de seu trabalho. A negligência no tratamento a
esses saberes na formação inicial “para alguns docentes é vivida como um choque,
o choque da ‘dura realidade’ dos grupos e das turmas” (Tardif; Lessard & Lahaye,
1991 p.229). Foi um tipo de impacto como esse que vivenciei em minha formação
docente inicial, conforme já referi.
No modelo da racionalidade técnica percebe-se, por outro lado, uma relação
dicotomizante e de estranhamento entre conhecimentos específicos de química e
conhecimentos didático-pedagógicos. Segundo Schnetzler,
a grade curricular da maioria dos cursos de licenciatura manifesta e enfatiza
dois caminhos paralelos, que não se aproximam sequer, um do outro,
durante os vários semestres, mas que vão se cruzar e se articular em
disciplinas de natureza tal como de Prática de Ensino, a de Didática
Específica e/ou de Instrumentação para o ensino. Isto significa que as
disciplinas de conteúdo específico, propriamente ditas, seguem seu curso
independente e isolado das disciplinas pedagógicas e vice-versa
(SCHNETZLER, 2000, p. 14).
A autora, considerando essa dicotomia, ressalta a ausência na formação
inicial de uma adequada “transformação pedagógica” dos conteúdos específicos de
química, dificultando aos licenciandos saber sobre ‘o que, como e porque’ ensinar
determinado conteúdo na educação básica, visto que o poderão ensinar os
conteúdos da mesma maneira como os aprenderam nas disciplinas de conteúdo
específico. Perrenoud (apud Schnetzler 2000 p. 18) define essa transformação
pedagógica, como “transposição didática”, ou seja, como uma articulação dos
conhecimentos de química com os conhecimentos de cunho pedagógico sobre o
processo de ensino e aprendizagem. Com base em Lopes (1997), adota-se a
expressão “mediação didática” que, segundo a autora, “é essencialmente um
processo de tornar assimilável, compreensível, implicando, necessariamente um
processo de (re)construção” (p.57).
Nesse sentido, as origens da formação criada a partir da racionalidade
técnica, no âmbito do paradigma moderno, podem ser remetidas ao paradigma
ontológico do saber, que se caracteriza pela ‘pedagogia da essência’, fundado na
30
visão de conhecimento como uma “verdade” que existe a priori, como algo
escondido na realidade física das coisas, a espera de ser descoberto de forma
objetiva, isenta de pré-concepções e interesses por parte do observador (Chalmers,
1993).
Marques (1992) critica o ensino concebido numa concepção metafísica, que
consiste em transmitir fielmente verdades aprendidas como imutáveis em que, por
outro lado, a aprendizagem é a assimilação passiva de verdades ensinadas, em que
“ensinar é repetir; aprender é memorizar. É decisivo o papel do professor,
insubstituível em sua qualidade de portador individual dos conhecimentos da
tradição cultural” (p. 551), prevalecendo um ensino denominado tradicional, no qual
predomina a fala do professor como detentor de verdades únicas. A sala de aula é
caracterizada pela cópia de conhecimentos mecanicamente memorizados pelos
alunos e ‘devolvidos’ na avaliação feita pelo professor. Esse ensino apenas
disciplinar e academicista forma sujeitos considerados, nesta racionalidade, como
sendo passivos e acríticos perante a sociedade. Os conteúdos não são relacionados
com o todo e, marcados pela separação entre teoria e prática, acarretam numa
simplificação e disjunção de saberes.
Concepções de Ciência, Racionalidade e Formação
Na racionalidade técnica, decorrente da lógica positivista, os conhecimentos
científicos são vistos como verdades descobertas, objetivamente, pelos cientistas, a
serem transmitidas aos estudantes, como se as leis e a ordem natural simplesmente
existissem e fossem imutáveis, a serem captadas de forma direta,
independentemente da subjetividade humana. Ensina-se com base na visão
aristotélica, segundo a qual, “a mente humana é como uma ‘tábua rasa’, um papel
em branco, onde serão impressas as sensações provenientes do mundo exterior”
(Salvatore, 1999, p.30).
Essas concepções de ciência e de conhecimento têm se refletido,
amplamente, nos programas de formação docente, sendo importante refletir sobre a
visão ainda dominante de um professor transmissor de conhecimentos repetitivos
que, ‘descobertos’ pelos cientistas, numa apriorística de conhecimento, são
31
transmitidos ao professor, e depois aos alunos da escola, numa via única de direção
e sentido, ou seja, numa visão em que o conhecimento do cientista, resultante da
impressão do objeto sobre o sujeito, é uma cópia fiel do real, sendo reproduzido na
formação do professor e no ensino escolar.
Quando o professor de ciências é visto como detentor de verdades a serem
digeridas pelos estudantes numa relação direta de correspondência com a realidade,
esse é um indício da visão positivista de uma ciência neutra, objetiva e cumulativa,
em que conhecimentos novos somam-se aos antigos de forma progressiva e
continuística. Essas concepções têm raízes no século XVII, com o empirismo e o
indutivismo, os quais são as bases do positivismo formulado no século XIX por
Comte, que incluiu as mesmas visões nas ciências sociais (Borges, 1996).
Tal visão da Ciência moderna, genericamente denominada de empirista e
positivista, tem sua raiz em Francis Bacon, que disse “se quisermos compreender a
natureza devemos consultar a natureza e não os escritos de Aristóteles” (Chalmers,
1993 p.23), que acreditava ser a experiência a única fonte confiável de
conhecimento, ocorrendo, objetivamente, de fora (do meio físico natural) para
dentro, independente das concepções do observador.
Desse modo de conceber a produção do conhecimento científico decorreu a
visão do único método válido, ‘o’ método indutivo de investigação científica (método
científico), o único que assegura a descoberta das verdades cienficas de maneira
fidedigna, neutra e objetiva, acreditando-se que um conhecimento para ser científico
deve ser objetivável, sem a interferência do sujeito, de seus interesses e pré-
concepções. Ou seja, a visão epistemológica dessa aceitação está na separação da
relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Segundo Chalmers:
a objetividade da ciência indutivista deriva do fato de que tanto a
observação como o raciocínio indutivo são eles mesmos objetivos.
Proposições de observação podem ser averiguadas por qualquer
observador pelo uso normal dos sentidos. A validade das proposições de
observação, quando corretamente alcançada, não vai depender do gosto,
da opinião, das esperanças ou expectativas do observador (CHALMERS,
1993, p. 35).
32
Nesta concepção, cada observador tem as mesmas potencialidades de visão,
independente dos seus interesses e de conhecimentos anteriores, e assim a partir
de uma observação ou de um experimento pode-se obter o conhecimento cienfico.
No entanto, como refere o mesmo autor (Chalmers, 1993), o que um observador vê,
isto é, a experiência visual que um observador tem ao ver um objeto, depende em
parte de sua experiência passada, de seu conhecimento e de suas expectativas.
Segundo Níaz:
as observações não podem ser tão objetivas, mas estão impregnadas pelo
referencial teórico do cientista. Uma das grandes falhas do positivismo é a
idéia de que o conhecimento existe sem a interação de um ser
cognoscente. Em outras palavras, o conhecimento existe para além do
cientista que, através de suas investigações objetivas, descobre as leis,
teorias e princípios de nossa realidade (apud Maldaner, 2003 p.103).
Crenças epistemológicas positivistas, mecanicistas e pragmáticas quanto à
produção da ciência e tecnologia estão presentes no meio científico, em especial,
entre os que ensinam Ciências Naturais e, assim, o círculo vicioso fica mantido
porque os ocupantes dos postos na produção e reprodução do conhecimento
científico e técnico são constantemente formados dentro da mesma crença
epistemológica (Maldaner, 2003). E, dessas concepções epistemológicas, decorrem
práticas amplamente criticadas no ensino e em Ciências, por isso a importância de
estudos que contribuam para sua re-construção.
Essa é uma problemática importante de ser compreendida e melhor
considerada nos contextos de formação docente, desde a formação inicial de
professores. No item que segue busca-se avanços na compreensão de como
saberes diversificados co-participam nos processos complexos da formação.
1.2. A Problemática da Desarticulação dos Saberes na Racionalidade Técnica
Um dos problemas dos cursos de formação docente inicial calcados na
racionalidade técnica está na carência de reflexões sobre crenças, saberes, teorias e
práticas que vão constituindo o futuro professor, de reflexões sobre o entendimento
sobre a natureza da ciência e do conhecimento científico e suas implicações no
ensino e na formação. Segundo Maldaner:
33
a reflexão epistemológica pode proporcionar uma visão mais ampla para o
que diz respeito a conhecimento, sujeitos em interação, currículo,
metodologia, ensino e aprendizagem em todos os processos do
desenvolvimento humano, que acontecem tanto nos processos educativos
formais e informais, quanto na pesquisa e nas reflexões filosóficas
(MALDANER, 2000 p. 61).
Sem essa reflexão, os docentes formados no âmbito da racionalidade
instrumental são constituídos como técnicos que, ao final de seus cursos de
licenciatura, vêem-se desprovidos de conhecimentos e de ações que lhes ajudem a
dar conta da complexidade escolar. Pois, na visão tecnicista de ensino, cabe-lhes
aplicar modelos e técnicas produzidos externamente à realidade escolar, elaborados
por ‘especialistas’, pouco contribuindo para o seu fazer docente. Segundo Schön
(2000), “a incerteza, a singularidade e os conflitos de valores, que são zonas
indeterminadas da prática, escapam dos cânones da racionalidade técnica” (p. 17).
O currículo de formação inicial calcado nessa racionalidade apresenta
dicotomias que, como referido, impedem que os licenciandos consigam
contextualizar os saberes docentes e articulá-los, em seu conjunto. Sendo assim, é
importante levar em conta que os futuros professores possuem uma relação de
exterioridade em relação aos saberes desenvolvidos em sua formação. Segundo
Guarnieri,
numa tentativa de superar o modelo da racionalidade técnica, as pesquisas
e os cursos de formação de professores precisam redirecionar as relações
entre teoria e prática, centrando as análises na prática docente, visto que a
profissão vai sendo constituída à medida que o professor articula o
conhecimento teórico-acadêmico. Muitas vezes o professor iniciante rejeita
os conhecimentos teóricos acadêmicos recebidos na formação por
dificuldades em aplicá-los (apud, NUNES 2001, p.35).
No âmbito do paradigma da racionalidade técnica, predomina a crença numa
ciência neutra e verdadeira, vista como única fonte confiável para a solução dos
problemas sociais, tornando os sujeitos submissos perante as novas ‘descobertas’
científicas. É necessário que a formação do professor o ajude a pensar sobre o
desenvolvimento técnico-científico da sociedade, que reflete conseqüências
diretamente na vida das pessoas, que propicia a difusão de informações de maneira
cada vez mais veloz, a exemplo de novos produtos lançados constantemente no
mercado, vistos como sendo melhores por serem ‘cientificamente comprovados’.
34
Chassot enfatiza a necessidade de os professores tratarem de imagens de Ciência,
desmistificando-as, bem como as relações entre Ciência e Tecnologia. Menciona
duas figuras que denomina “fada e bruxa”:
Não podemos ver na Ciência apenas a fada benfazeja que nos proporciona
o conforto no vestir e na habitação, nos enseja remédios mais baratos (...).
Ela pode ser - ou é - também uma bruxa malvada que programa grãos ou
animais que o fontes alimentares da humanidade para se tornarem
estéreis numa segunda reprodução (CHASSOT, 2003, p.104).
Cabe ao professor juntamente com seus colegas e estudantes uma análise
crítica de cada situação, buscando um ensino de Química significativo e socialmente
mais relevante, propiciando novas visões e ações no mundo social. Edgar Morin em
seu livro “Ciência com Consciência”, entre outros, ressalta a problemática e também
a ilusão desta visão de Ciência como sendo neutra, objetiva, ao referir que,
é preciso deixar de sonhar com uma ciência pura, uma ciência libertada de
toda ideologia, uma ciência cuja verdade seria tão absoluta como a verdade
“2 + 2 = 4”, isto é, uma ciência verdadeira” de uma vez por todas; pelo
contrário, é preciso que haja conflitos de idéias no interior da ciência, e a
ciência comporta ideologia. Todavia, a ciência não é uma ideologia pura e
simples porque animada pela obsessão da objetividade, estabelece um
comércio permanente com o mundo e aceita a validade das observações e
experimentações, sejam quais forem sua raça, cor, opiniões etc (MORIN,
2003 p. 150).
Na visão deste autor, os conhecimentos científicos são compreendidos como
construção humana, histórica, não neutra e nem linear, sujeitos a refutações e a
incertezas. E assim, segundo Morin, o desenvolvimento científico “determina o
desenvolvimento da sociedade ao mesmo tempo em que é determinado pela
organização desta mesma sociedade” (2003, p.126).
Apesar do paradigma da racionalidade técnica ainda estar presente na nossa
realidade, ele vem sendo objeto de críticas e se encontra em crise
praticamente um século, haja vista os próprios avanços nas ciências da natureza,
com Einstein, Heisenberg, no inicio do século XX. Novas concepções
epistemológicas precisam ser amplamente incorporadas e discutidas nos processos
de reconstrução da formação dos professores. Segundo Marques:
35
o incontestável progresso da ciência não é acúmulo de verdades, segundo
o critério da validação; nem é simples eliminação de erros, na crivagem da
falsificabilidade. Rompem-se as ilusões do caráter empiricamente unificado
do conhecimento e da realidade. Ampliando-se os espaços do
conhecimento, ampliam-se também as fronteiras do desconhecido, na
direção do infinitamente grande e do infinitamente pequeno, para além do
alcance dos homens e para o interior dos arcanos da subjetividade
(MARQUES, 1993 p.56).
Exige-se um professor que, a cada momento, tenha a postura de um
intelectual, de alguém que reflete criticamente, que compreende e atua para
transformar a sociedade para melhor, influindo, intencionalmente, na cultura, na
educação, na reconstrução da escola, do ensino e da aprendizagem. É primordial
que o professor de Química se perceba, enquanto educador
1
, como um agente
capaz de intervir na sociedade, com capacidade de argumentar e de empreender
mudanças, participando na reconstrução social pela reforma da educação escolar.
Nesse sentido, no dia-a-dia da prática escolar, tem-se, segundo Tardif, a
convivência com uma pluralidade de saberes envolvidos, que nem sempre é levada
em conta na formação inicial. A relação dos docentes com os saberes não se reduz
a uma função de transmissão dos conhecimentos já constituídos, e sua prática
integra diferentes saberes, com os quais mantém diferentes relações. O autor define
o saber docente “como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos
coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas,
dos currículos e da experiência” (2002, p. 36).
Segundo Tardif (2002), os ‘saberes da formação profissional’ o
caracterizados como um conjunto de saberes aliados às instituições de formação de
professores, entre estes, as ciências da educação e a ideologia pedagógica. Quanto
aos ‘saberes das disciplinas’, o autor os caracteriza como correspondentes aos
diversos campos do conhecimento, tal qual se encontram hoje integrados - sob a
forma de disciplinas - à universidade, no quadro de faculdades e departamentos
distintos. Em relação aos ‘saberes curriculares’, aponta que se apresentam
concretamente sob a forma de programas e planos educativos (objetivos, conteúdos,
métodos) que o professor deve implementar. os ‘saberes da experiência’ são
1
“alguém que educa em Química, isto é, faz com que a Química seja também um instrumento para
as pessoas crescerem” (CHASSOT, 1990,p.14).
36
produzidos nos âmbitos da experiência e são por ela validados, incorporando-se à
vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer
e de saber ser (p.36-38).
Em decorrência da formação baseada no modelo da racionalidade técnica a
relação dos professores com os saberes tem sido a de “agente de transmissão”, de
“depositário ou de objeto” de saberes, não de produtores de um saber ou de
saberes, constatando-se uma exterioridade do professor em relação aos saberes
curriculares e da formação profissional (Tardif; Lessard & Lahaye,1991 p.221).
A base curricular deste modelo, fundamentada apenas na lógica disciplinar,
linear e fragmentada estabelece uma separação entre a pesquisa (produção do
conhecimento), a formação (formação relativa a esses conhecimentos) e a prática
(mobilização dos conhecimentos), tendo-se assim uma divisão social do trabalho
docente, dicotomizando instâncias responsáveis pela “produção e legitimação” de
saberes (grupos de pesquisa, academia) das instâncias de “execução e aplicação”
(grupos de professores) de tais saberes. “Os educadores e os pesquisadores, o
corpo docente e a comunidade científica tornam-se dois grupos cada vez mais
distintos, destinados a tarefas especializadas de transmissão e de produção de
saberes sem nenhuma relação entre si” (Tardif, 2002, p. 35).
Em decorrência dessa formação o professor, na maioria das vezes, torna-se
refém dos livros didáticos, pois não se considera um sujeito capaz de participar da
construção de conhecimentos, visto que a sua formação com base neste modelo
estava centrada numa racionalidade tecnicista, segundo a qual o docente apenas
executa determinada tarefa imposta por um grupo de especialistas. Esse cenário
justifica a importância de se apostar, sempre mais, no desenvolvimento de novas
concepções, saberes e práticas docentes, no âmbito da formação inicial, de se
construir novos caminhos, capazes de romper com uma tradição difícil de superar.
37
1.3. Caminhos em Busca de uma Racionalidade Articuladora de Saberes
Após discutir algumas características da formação inicial pautada no modelo
racionalidade técnica e alguns problemas dela decorrentes, apontado para a
necessidade de mudanças que dinamizem reflexões sobre a natureza da ciência e a
formação de professores, a abordagem passa a tratar de alguns caminhos
alternativos, nessa direção.
Possibilitar aos estudantes em formação, e aos seus professores, discutir a
natureza dos conhecimentos integrantes da prática profissional docente, analisando
e refletindo criticamente sobre eles, é uma forma de buscar transformar, de alguma
forma, a realidade vigente, sendo primordial a conscientização de que a ciência não
é neutra, nem objetiva, mas uma construção humana, histórica e social. Bachelard
(1996) defende uma posição racionalista na qual, a ciência é vista como um objeto
socialmente construído, cujos critérios de cientificidade são coletivos e setoriais às
diferentes ciências, ou seja, ele defende a visão de ciência não como uma única
verdade, mas como uma criação humana. O autor propõe a ruptura epistemológica
com o real dado, com a percepção primeira, para que o conhecimento seja possível,
buscando-o através da reflexão, numa visão de ciência que traz a marca da
atividade humana, da atividade refletida, diligente, normatizante (Lopes, 1996).
Tal mudança epistemológica pode criar novas perspectivas e novos
significados para o ensinar e o aprender Química, sobre quem ensina e quem
aprende, superando o modelo tradicional de ensino por transmissão-recepção.
Compreender que o conhecimento químico/científico é uma construção humana,
histórica, não neutra nem linear e trazer isso para a formação inicial do professor
pode tornar o ensino de Química mais significativo, frente à realidade dos
educandos e das escolas, na sociedade contemporânea.
O modelo da racionalidade técnica, mecanicista e determinista, não favorece
a relação dialógica entre o real e os conceitos, nem estes entre si, pois dicotomiza a
relação entre o sujeito e o real, fragmentando e reduzindo o processo do
conhecimento. Segundo Morin:
38
o paradigma da simplificação (redução-disjunção) é insuficiente e mutilante.
Torna-se necessário um paradigma da complexidade que, ao mesmo tempo
disjunte e associe, que conceba os níveis de emergência da realidade sem
reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais (MORIN, 2005, p.55).
O mesmo autor defende uma racionalidade pautada num paradigma que
busca produzir conhecimento dentro do contexto, integrando os saberes, captando
“o que está tecido em conjunto”, numa superação da separação e da fragmentação
predominantes no modelo da racionalidade técnica (2005, p. 55).
Nesse sentido, em busca de uma formação que considere a complexidade e a
dinamicidade da prática docente, muitos estudos têm evidenciado a importância da
inserção da pesquisa na formação inicial como alternativa para a superação do
modelo da racionalidade técnica.
A partir da análise dos cursos de licenciatura e seus problemas argumento
em favor da pesquisa como instrumento de transformação na formação
inicial de professores, em razão de a pesquisa se sustentar no princípio
formativo, na construção de qualidade, na construção de conhecimento
mais complexo e na possibilidade de complexificação do entendimento
epistemológico sobre a ciência, o conhecimento científico e seu modo de
construção (GALIAZZI, 2003, p. 64).
É possível desenvolver uma formação docente na qual estudantes e
professores deixem de perceber a construção do conhecimento como um processo
linear, sem tropeços e erros. Mas, para isso, é necessário que eles se percebam
como agentes na produção de conhecimento, diminuindo a dicotomia entre
estâncias vistas como de produção de saberes e outras, vistas como de mera
execução e aplicação. Moraes e Ramos (apud Galiazzi, 2003 p. 56) apontam a
pesquisa em educação como contribuinte para o entendimento de aspectos
epistemológicos relacionados ao conhecimento profissional do professor.
A presente investigação aponta para a importância de, durante a formação
inicial, o licenciando desenvolver, pela vivência da pesquisa, um olhar crítico e
reconstrutivo da realidade do ensino e de aprendizagem escolar, para, assim,
ampliar a idéia de que para ser um ‘bom professor’ basta dominar os conhecimentos
específicos de química. Com Marcelo (1997) defende-se que, se essa visão
simplista de ser professor não for problematizada durante a formação inicial, ela
39
permanecerá predominante nas práticas pedagógicas dos futuros docentes, como
sendo algo natural e correto em decorrência de toda a sua formação ambiental ao
longo da escolarização.
O pensar numa reforma educacional tem remetido para a necessidade de
mudar o modelo ainda predominante nas instituições formadoras de profissionais,
em particular de professores, na maioria das vezes pautado na racionalidade
técnica, que fragmenta saberes e práticas, simplificando o fazer pedagógico
fundamentado numa mera reprodução/cópia. De acordo com Morin (2005), “a
dificuldade chave que revela o fracasso de todas as reformas sucessivas do ensino
é a de que não se pode reformar a instituição sem ter previamente reformado os
espíritos e as mentes” (2005, p.75) dos sujeitos que nela atuam.
Partindo dessas linhas problemáticas impostas pelo modelo da racionalidade
técnica, da visão de um ensino que torna os sujeitos meros reprodutores das
realidades, que apenas transmitem conhecimentos externos, busca-se
compreensões frente à hipótese básica desta investigação que remete para a
necessidade de se criar novos espaços interativos pautados na inovação da
formação docente inicial.
É nesse sentido que se defende, mediante a criação de novos espaços
formativos (como os propostos nos Componentes Curriculares investigados), a
instituição de uma formação inicial que, articulada pelo fazer pesquisa, torne o
licenciando capaz de participar ativamente na construção de seus próprios
conhecimentos profissionais, tornando-se participativo e crítico, na relação
pedagógica em sala de aula, construindo novas visões do ser professor, do ensinar
e do aprender, na interação com outros, contando, sistematicamente, com a
imprescindível ajuda de referenciais teóricos diferenciados.
Isso remete para a discussão trazida no capítulo que segue, que tratará,
especificamente, da pesquisa do professor em formação inicial, tema que se
constitui no foco de estudo da presente investigação.
40
CAP 2 A PESQUISA COMO ALIADA NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES
Este capítulo trata de concepções e interlocuções no âmbito da temática do
ensinar e do aprender a fazer pesquisa na formação inicial de professores. Dialoga-
se, inicialmente, com diferentes autores que defendem o fazer pesquisa articulando-
a na formação inicial docente, evidenciando-se a importância da prática na
constituição de sujeitos mais críticos e participativos, que se tornem pesquisadores
de sua prática. Na segunda parte do capítulo, são discutidas diferentes concepções
de pesquisa, em especial explicitando o entendimento de pesquisa defendido no
âmbito deste trabalho. Na terceira parte, busca-se propor meios de qualificar o
processo do fazer pesquisa do contexto acompanhado, contando-se com
intervenções teóricas. Na quarta parte, a atenção volta-se para diferentes
possibilidades de articular pesquisa e ensino ao longo da formação docente inicial e,
com base no referencial histórico-cultural a atenção se volta para a importância da
mediação do ‘outro’ no ensinar e aprender a fazer pesquisa. Ao final do capítulo
discute-se, com base na abordagem histórico-cultural, a significação dos
instrumentos culturais da pesquisa no âmbito da constituição do licenciando como
professor pesquisador em formação inicial.
41
2.1. O Fazer Pesquisa como Caminho e a Constituição do Professor
Pesquisador em Formação Inicial
O modelo vigente de formação docente, assim como de outra formação
profissional, está inserido em diferentes discursos e em diferentes práticas de ensino
que, sendo históricas, fazem parte de sociedades e são objeto de reformulações e
revisões, ao longo dos anos. A literatura da área de Formação de Professores
(Pimenta (2002); LüdKe (2001, 2001a, 2000); And(2001); García (1999) e outros,
tem criticado algumas abordagens em torno das metáforas relativas ao ‘ser
professor’, a exemplo do professor reflexivo, do professor pesquisador. Sobre as
metáforas do ‘ser professor’, Perez Gomes (1992) diz que “cada uma delas possui
uma determinada concepção de escola e de ensino; uma teoria do conhecimento, da
sua transmissão e aprendizagem; uma relação própria das relações entre teoria e
prática, entre a investigação e ação” (p. 96).
Gauthier e Tardif (1997) categorizam três dimensões do ser professor, a
primeira remetida ao século XVII denominada pelos autores, como saber tradicional,
na qual acreditava-se que para ser professor a pessoa deveria possuir um dom,
aliado ao modelo de docente de “um artesão cujo saber é fundado sobre a
experiência e uma tradição própria ao seu oficio” fundando-se a prática pedagógica
em crenças divinas. Na segunda, remetida aos meados do século XIX, o ser
professor se reduzia a um “técnico cujo saber fazer é fundado em uma técnica
rigorosa”. Acreditava-se na ciência como fonte da verdade única. A terceira, no
século XX, se aproxima dos dias atuais, e o modelo de docente é visto como um
profissional “cujo saber fazer é fundado sobre a reflexão antes durante e após a
ação” (p.39). Os autores remetem a importância de o professor ser percebido e
formado como profissional:
Conceber o docente como um profissional significa compreendê-lo como
alguém dotado de saberes e que, confrontado com uma situação complexa
na qual torna-se impossível utilizar estes saberes conforme eles deveriam
ser aplicados diretamente, deve, por conseguinte, deliberar, refletir sobre a
situação e decidir (GAUTHIER e TARDIF, 1997, p. 46).
A partir da consideração do professor como profissional, diferentemente da
concepção da prática docente como um mero ofício, pesquisas voltam-se para os
42
conhecimentos ou saberes docentes, tratados por vários autores (Tardif, 2000,
Gauthier, 1998 e outros), articuladamente a tematizações sobre as competências e a
identidade do professor (Perrenoud, 1993, 1999, Nóvoa, 1991, 1995) e sobre a
questão do professor pesquisador (Zeichner, 1993, 1997, 1998), sendo que, com
esta ênfase da pesquisa educacional, começam importantes reformas no âmbito da
formação docente (Lüdke 2001, p. 79 e 80).
A partir da década de 80 e com um crescimento nos anos 90, a pesquisa
sobre a formação do professor pesquisador tem crescido no âmbito educacional.
Segue um breve histórico, a partir de Lüdke (2001, 2001a, 2000), García (1999) e
outros autores, sobre concepções do ‘ser professor’ anteriores à assunção da
metáfora do professor pesquisador, e relacionadas com sua origem.
Em 1975, com o trabalho de L. Stenhouse na Inglaterra, sobre o
desenvolvimento de currículo, a concepção de professor passava a ser destacada,
pois o autor reivindicava para o professor uma posição de artista. Segundo
Stenhouse o professor deveria, através de experimentações, de ‘ensaios’ buscar
diferentes formas, estratégias, para melhorar o ensino. Também considerava o
professor um investigador, um profissional autônomo. Este autor é considerado um
dos pioneiros da investigação-ação. Na Inglaterra, Elliott (1993), expandindo as
idéias de Stenhouse, propõe a investigação-ação, como uma aliada para o
crescimento profissional do professor. Nesta mesma linha, Lüdke, destaca também,
os trabalhos de Carr e Kemmis (1986), com a análise da importância da dimensão
crítica no pensamento do professor.
Fiorentini et al. (1998) considerando as propostas e concepções de pesquisa-
ação de Stenhouse e Elliott ou Carr e Kemmis identifica semelhanças e
descompassos entre as propostas destes pesquisadores. Segundo o autor:
ambas atribuem como objetivo da pesquisa-ação a melhoria da prática
pedagógica, o desenvolvimento curricular centrado na escola, o
desenvolvimento auto-reflexivo na escola e na melhoria das condições para
o trabalho pedagógico investigativo. Entretanto embora, ambas valorizem as
questões ético-políticas que norteiam os fins da pesquisa-ação, a
concepção de Carr e Kemis diferencia-se da elliottiana ao vincular o projeto
de pesquisa-ação a um projeto político emancipador de sociedade (...)
Enquanto Carr e Kemmis defendem uma relação dialética entre teoria e
prática, isto é defendem “a unidade de uma teoria educativa com uma
43
prática educativa”, Elliott propõe a formação de
professores reflexivos a
partir da prática (FIORENTINI et al., 1998, p.329-330).
Outra abordagem da formação docente é a que tem Donald Schön, como
autor, ao propor a formação do practicum reflexivo. Schön (1992) traz uma crítica ao
modelo da racionalidade técnica no qual, “primeiro ensinam-se os princípios
científicos relevantes, depois a aplicação destes princípios, e por último, tem-se um
practicum cujo objetivo é aplicar à prática quotidiana os princípios da ciência
aplicada” (p.91). O autor (2000) defende um ensino prático reflexivo que traria a
aprendizagem através do fazer para o centro desse núcleo, não deixando o fazer
apenas para o final do currículo de formação (p.227).
Perez Gomes (1992) ressalta que para compreender a atividade do
profissional como um prático reflexivo deve-se considerar as três idéias centrais
propostas por Schön: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre
a reflexão na ação. Sendo o conceito de reflexão-na-ação um processo mediante o
qual os pticos, e nestes incluem-se os professores, aprendem através da análise e
interpretação da sua própria atividade.
Lüdke também destaca a obra de Schön, o Reflexive Practitioner, de 1983,
pois, segundo a autora é a partir daí que se difundiu a idéia de professor reflexivo.
Nos dizeres da autora:
a enorme difusão das idéias de Schön levou a toda a comunidade
educacional uma onda na direção da imagem de um professor mais ativo,
crítico e autônomo em relação às suas escolhas e decisões, contrariamente
àquela de aplicador de soluções prontas, emanadas de esferas externas,
sobretudo as marcadas com o selo da racionalidade técnica (LÜDKE,
2001a, p.30).
Em decorrência das idéias do professor reflexivo, iniciou-se o
desenvolvimento de idéias sobre ‘a pesquisa junto ao fazer docente’ e, assim, a
idéia do professor pesquisador. Lüdke (2001a) diz que, “o entusiasmo despertado
pelas idéias de Schön tem inspirado manifestações que aproximam muito as idéias
de reflexão e de pesquisa, a um ponto de quase propor uma unificação entre o
professor reflexivo e o professor pesquisador” (p.30). A autora enfatiza, porém, que
“nem todo o professor por ser reflexivo é também pesquisador, embora a recíproca
seja verdadeira”. E com base em Contreras, a mesma autora afirma que, a
44
atividade de pesquisa implica uma posição reflexiva, e, ambas, a reflexão e a
pesquisa, devem envolver um componente crítico” (2001a, p.31).
Lüdke (2001a, p. 31-33) faz uma breve explicitação em relação ao conceito de
reflexão, entendido por Contreras. Segundo a autora, ele aponta para a necessidade
da reflexão não ficar limitada à sala de aula. É preciso, segundo Contreras, remeter
um conteúdo crítico para o processo de reflexão, que abranja a realidade mais
ampla, todo o contexto, numa perspectiva transformadora. Para esse processo de
reflexão, Contreras defende ser a teoria uma aliada indispensável à transformação
da prática, o que também é defendido por Carr e kemmis (1986), além de outros
autores.
Neste sentido, Pimenta (2002), entre outros autores, aponta a necessidade de
superar a visão de uma reflexão como caráter individualista, isto é, “fruto de uma
reflexão em torno de si própria”, de se tornar um modismo, na crença de que a
reflexão possa ser suficiente para resolver os problemas da prática (p.22). A autora
traz diferentes concepções de reflexão, em especial, as diferenças nas propostas de
Schön e de Liston e Zeichner. Com base em Rocha, Pimenta diz que:
a reflexão desenvolvida por Schön aplica-se a profissionais individuais,
cujas mudanças que conseguem operar são imediatas: eles não
conseguem alterar as situações além das salas de aula. Zeichner e Liston
acreditam que Schön tinha consciência dessa limitação dos profissionais
reflexivos (PIMENTA, 2002 p. 22 e 23).
A mesma autora aponta que Liston e Zeichner “consideram que o enfoque de
Schön é reducionista e limitante por ignorar o contexto institucional e propor a prática
reflexiva de modo individual” (p. 23). Os autores mencionados, segundo Pimenta,
enfatizam que, apesar da prática do professor ser momentaneamente individual, ela
está inserida num contexto político, social e institucional, e que este contexto deve
estar presente na reflexão sobre a prática. Acredita-se que, apesar das limitações,
não se pode desconsiderar o importante mérito de Schön em criticar o modelo
tecnicista de formação, a dicotomia entre teoria e prática, e de propor a necessidade
de superar a visão do professor como um técnico que apenas executa tarefas.
Outros aspectos vêm enriquecendo suas críticas e novas abordagens enriquecem os
conhecimentos e proposições.
45
Voltando a atenção para a ‘formação pela pesquisa’, segundo André (2001)
“existe um consenso na literatura educacional de que a pesquisa é um elemento
essencial na formação profissional do professor” (p. 55). No Brasil, um dos autores
que propõe a indissociabilidade entre ensino e pesquisa é Pedro Demo (2005, 1999,
1996). Outros autores também evidenciam a importância das práticas de pesquisa,
como André, 2001; Galiazzi, 2003; Lüdke 2001, 2001a, 2000; Maldaner, 1999, 2003;
Moraes, 1998; Moraes, Galiazzi e Ramos, 1998, entre outros. Marli André (2001)
alerta para o risco de diferentes concepções do formar o professor pesquisador,
Para alguns, formar o professor pesquisador significa levar o futuro docente
a realizar um trabalho prático ou uma atividade de estágio, que envolve
tarefas de coleta e de análise de dados. Para outros significa levar futuros
professores a desenvolver e implementar projetos ou ações nas escolas. E
ainda os que se valem do prestígio comumente associado à pesquisa
para divulgar essa idéia como um novo selo, um modismo ou uma marca de
propaganda (ANDRÉ, 2001, p. 57).
A autora defende que é preciso examinar com cuidado a proposta de formar
professores pesquisadores, o a reduzindo nem a simplificando, mas também não
lhe atribuir soluções mágicas para os problemas educacionais.
Ramos (2000) expõe diferentes tipos de professor e de pesquisa que podem
ser atribuídos à expressão professor pesquisador. Segundo o autor, tem-se o
professor que pesquisa o conhecimento específico que ensina, e neste caso, apesar
do professor ser um pesquisador, um sujeito que participa da comunidade científica,
que produz conhecimentos específicos não realiza na sua sala de aula um ensino
diferenciado, não propõe a iniciação à investigação, realiza sua prática docente de
forma tradicional, repassando conhecimentos copiados. Este ‘tipo’ de professor
pesquisador é muito comum nas universidades, a atividade de pesquisa do professor
não propicia melhoras no seu fazer em sala de aula, sendo que a atividade docente
é vista como secundária, cabendo muitas vezes a bolsistas desempenhar esta
função. Nos dizeres de Ramos,
esses docentes enquanto entendem o seu próprio conhecimento como
produto de uma construção, constituído através de sua investigação,
percebem o conhecimento que ensinam como algo a ser transmitido, muitas
vezes sem espaço para qualquer questionamento (...) desvelando uma
contradição (RAMOS, 2000, p. 45).
46
Apesar de serem renomados pesquisadores, sua prática de sala de aula é
obsoleta e não contribui para uma aprendizagem significativa.
Outra categorização de professor pesquisador que Ramos referencia é o
professor que pesquisa a própria prática em sala de aula, tendo uma prática de
reflexão na ação buscando interagir com o coletivo, segundo Ramos:
isso têm grande importância, porque, muitas vezes, a aula que está
acontecendo na cabeça do professor não é a mesma aula que está ‘rolando’
no meio do grupo dos alunos. A pesquisa, o diálogo, a reflexão é que
podem nos mostrar a aula real e como podemos transformá-la e melhorá-la
(RAMOS, 2000, p.45).
O autor enfatiza a importância dessa prática de pesquisa por parte dos
professores, assinalando que ela deve acontecer com a participação de outros
professores, a fim de validar os resultados, bem como, de ser uma prática que
possibilite a problematização do fazer docente, buscando melhorias no fazer
pedagógico. Entende-se que o professor que pesquisa sua prática busca inovação,
seleciona conteúdos, constrói o seu material didático, busca referencial teórico que
possibilite uma melhor interpretação da sua prática.
Uma terceira definição de professor pesquisador considerada por Ramos é a
do professor que propõe atividades de pesquisa aos seus alunos, assume a
pesquisa em sala de aula como princípio didático. Este professor deve ser
pesquisador para poder orientar os estudantes nas diversas etapas da pesquisa e
assim se constituir um co-investigador do processo e reconstruir seus
conhecimentos pelas diferentes vivências no decorrer da experiência (2000, p.47).
Na presente investigação, ao defender-se a importância de a formação
docente inicial contemplar uma inserção da prática do aprender a fazer pesquisa,
acredita-se que tal formação contribua para a saída de professores pesquisadores
da formação inicial. O professor pesquisador defendido, no âmbito deste trabalho,
refere-se às duas últimas definições de professor pesquisador anteriormente
apresentadas. Assume-se, que o professor pesquisador deve ser um sujeito
interativo na construção e reconstrução de conhecimentos, um professor que não
seja apenas um transmissor de conhecimentos externos, que participe da sociedade,
47
que torne seu ensino mais significativo, que busque a constante melhora de sua
prática pedagógica de maneira autônoma, ou seja, em interação com o coletivo,
seus pares teóricos e práticos. Com os dizeres de Maldaner, defende-se que o
professor pesquisador é também um professor reflexivo e a reflexão na e sobre a
sua prática, com uma visão crítica, lhe permite ser um sujeito construtor de
conhecimentos:
aquele capaz de refletir a respeito de sua prática de forma crítica, de ver a
sua realidade de sala de aula para além do conhecimento na ação e de
responder, reflexivamente, aos problemas do dia-a-dia nas aulas. É o
professor que explicita suas teorias tácitas, reflete sobre elas e permite que
os alunos expressem o seu próprio pensamento e estabeleçam um diálogo
reflexivo recíproco para que, dessa forma, o conhecimento e a cultura
possam ser criados e recriados junto a cada indivíduo (MALDANER, 2003,
p.30).
Maldaner (2003), na defesa da pesquisa como aliada na melhoria da
competência profissional, explicita, com base em Schön, que na sala de aula não
situação-padrão para a qual possam-se aplicar soluções estudadas e delas abstrair
as condições reais. Nesse sentido, o autor, defende a necessidade de que o
professor seja capaz de observar, buscar respostas não evidentes à primeira vista,
entender o processo de ensino e aprendizagem em sua concretude, e assim, atuar
sobre o real, que é único e repleto de incertezas.
Com base em pressupostos como os apontados, considerando-se a
complexidade da problemática concernente à articulação da pesquisa à prática da
formação docente inicial, buscou-se investigar a articulação do fazer pesquisa em
Componentes Curriculares de um Curso de Licenciatura, enquanto possibilidade
para a constituição de professores pesquisadores. Acredita-se, com base no
referencial teórico de apoio, que a prática do fazer pesquisa durante a formação
inicial é contribuinte para a formação de novos professores que reajam às atuais
condições de trabalho, que busquem a melhoria para o seu fazer profissional, que
vejam a autonomia como conquista e a prática curricular como algo em constante
processo de reconstrução social, nas interações.
Sabe-se que em muitos espaços educacionais são precárias as condições
para a inserção da pesquisa no perfil profissional dos professores, devido às
48
condições de trabalho, a falta de apoio de material teórico, pouco tempo fora de sala
de aula, rotatividade de professores de uma escola para outra. Porém é importante
lembrar que apesar destas limitações, vários estudos têm evidenciado exemplos de
pesquisas realizadas por professores da escola básica (Lüdke 2001a, Maldaner
2003, Rosa 2000).
Parte-se da hipótese básica de que para o professor da escola básica saber
pesquisar e compreender a importância de pesquisar é primordial que ele vivencie
os passos do fazer pesquisa em situações reais, no âmbito de sua formação inicial
ou continuada, sendo essencial a sua participação em todo o processo do fazer
pesquisa. Neste sentido, em defesa da inserção do fazer pesquisa ao longo da
formação docente, Maldaner diz que,
se defendemos que os professores devem atuar como pesquisadores em
sua ação docente, porque diante de práticas complexas que exigem a
produção de saberes e conhecimentos na ação, a prática da pesquisa deve
estar presente, também, na formação inicial (MALDANER, 2003, p.91).
Na sua investigação, Lüdke (2001a) aponta que “a participação em uma
pesquisa em realização constitui a melhor preparação para o futuro pesquisador, em
todas as áreas” (p.42). A referida autora defende que é
necessário introduzir o futuro professor no universo da pesquisa, em sua
formação inicial e também na formação continuada, garantindo assim a
possibilidade de exercício do magistério de maneira muito mais crítica e
autônoma (LÜDKE, 2001a, p.51).
Esta perspectiva corrobora a hipótese da presente investigação, de ser a
vivência do fazer pesquisa na formação docente inicial um caminho para a
constituição de um profissional que seja capaz de atuar com maior competência em
sala de aula, reconhecendo as diferentes relações entre o seu fazer pedagógico e a
realidade social, também, sendo um sujeito capaz de construir e (re)construir
conhecimentos, sistematicamente, com abertura, nas interações com outros.
Segundo a reorganização da educação básica e profissional que está ocorrendo no
país, “competências são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor,
ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos,
situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer” (Brasil, 2001).
49
Nesse sentido, acredita-se que o professor iniciado na pesquisa durante sua
formação inicial terá maiores condições de realizá-la, posteriormente, na sua prática
docente, terá condições de no âmbito escolar delimitar questões que realmente
demandem e possam contar com a relevante contribuição da pesquisa. Acredita-se
que esse aprender a fazer pesquisa, vivenciado na sua formação,
permitirá que ele
crie em sua sala de aula um ambiente de pesquisa, vindo a ser um bom orientador
das pesquisas dos seus alunos
.
Gonçalves e Gonçalves (2000), ao tratarem da formação inicial de
professores, também enfatizam a importância da contribuição da participação dos
licenciandos no fazer pesquisa em Ensino de Ciências e Matemática, valorizando o
desenvolvimento da atitude da reflexão,
pois assim estarão sendo iniciados no processo de pesquisa, recebendo,
com isto, estímulo e competência para seus trabalhos futuros como
professores, podendo, então, investigar também suas próprias práticas, cujo
resultado os levará provavelmente, a uma reflexão constante de suas
atividades como educadores (GONÇALVES e GONÇALVES, 2000, p.123).
Por outro lado, para a prática da pesquisa se tornar relevante no processo de
formação é necessário, conforme Galiazzi (2003), que “os futuros professores
participem da pesquisa em todo o processo, que aprendam a compreender a ciência
como busca pelo conhecimento nunca acabado, sempre político, que precisa de
qualidade formal” (p.55). Com base nestes entendimentos, para o fazer pesquisa ao
longo da formação inicial ser significativo, não basta ao licenciando ter um simples
envolvimento com a pesquisa, nos dizeres de Perrenoud,
enquanto se formar os estudantes para a pesquisa fazendo-os recolher e
sistematizar dados em função de hipóteses de pesquisa para cuja definição
eles não contribuíram, se manterá a ilusão de que se forma pesquisadores
quando, na verdade, se treina técnicos (PERRENOUD, 1999, p.16).
É o envolvimento do licenciando em todo o processo, participando de cada
etapa do fazer pesquisa que contribui para a sua constituição como professor
pesquisador, sendo necessário que os licenciandos aprendam a buscar
conhecimentos, e a partir destes, a construir seus próprios argumentos, enriquecidos
por novos conhecimentos, que extrapolem suas anteriores teorias pessoais, bem
como, que aprendam a explicitar e escrever suas intenções de pesquisa, que
50
produzam e divulgam/validem resultados de suas investigações, no âmbito da sala
de aula e/ou fora, e que saibam orientar as pesquisas de seus alunos, não aceitando
trabalhos copiados mas que saibam incentivar o estudante a realizar leituras
significativas para que ele possa se posicionar e debater sobre um determinado
assunto, superando a prática da cópia.
É neste sentido, que se defende a importância do envolvimento dos
licenciandos em cada etapa do fazer pesquisa, a importância da articulação da
pesquisa ao longo da formação docente inicial, fazendo com que o licenciando
participe de cada passo da sua execução, enquanto elemento formativo fundante de
novos conhecimentos, concepções e práticas educativas.
Assim, o fazer pesquisa articulado à formação inicial de professores é visto e
investigado como caminho que contribui, significativamente, para a superação da
formação tecnicista baseada na racionalidade técnica, que torna o licenciando
parceiro do desenvolvimento, superando a posição de um sujeito que apenas
executa tarefas pré-determinadas, para a de sujeito, participante e ativo, ao longo de
sua formação. É nesse âmbito de compreensão que referendamos a potencialidade
de contribuições do fazer pesquisa para a superação do modelo de formação de
profissionais professores que saibam enfrentar os problemas buscando e
(re)produzindo conhecimentos e soluções, interagindo dinamicamente com seus
pares, com outros, com a literatura para, assim, responder aos desafios postos no
decorrer de sua formação e prática. Isso, a partir de interações em contextos
diversificados, considerando a relevante e imprescindível participação da pesquisa
do professor em formação inicial.
2.2. De Qual Pesquisa Falamos?
Ao buscar contribuições da prática do aprender a fazer pesquisa como
caminho para superar o modelo de formação inicial pautado na racionalidade
técnica, torna-se imprescindível clarificar o significado de ‘pesquisa’, de ‘pesquisar’,
explicitar de qual ‘prática de pesquisa’ o trabalho se refere. Assim, considerando a
51
importância de ampliar, com base em diferentes autores, o entendimento de
pesquisa e de pesquisar, a abordagem que segue busca explicitar tal entendimento.
Um dos teóricos nacionais, anteriormente referido, que aborda o “Educar pela
Pesquisa” é Pedro Demo. Na obra “Pesquisa princípio científico e educativo”, (1999)
o autor deixa clara sua posição de defesa em relação à pesquisa como sendo uma
proposta emancipatória
2
. Para o autor a pesquisa não pode ser vista como um
processo iluminado e restrito apenas para algumas pessoas. Em seus dizeres,
ressalta que “libertar a pesquisa do exclusivismo sofisticado não pode levá-la ao
exclusivismo oposto da banalização cotidiana mágica”. Acredita que é fundamental
criticar a separação artificial entre o ensino e a pesquisa (p.12).
Pesquisa é um processo que deve aparecer em todo trajeto educativo,
como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta
emancipatória. Se educar é, sobretudo motivar a criatividade do próprio
educando, para que surja o novo mestre, jamais o discípulo, a atitude de
pesquisa é parte intrínseca. Pesquisar toma contornos muito próprios e
desafiadores, a
começar pelo reconhecimento de que o melhor saber é
aquele que sabe superar-se (DEMO, 1999 p.16 e 17).
O autor defende a pesquisa como indissociável do ensino, dando novas
margens ao processo de ensino e aprendizagem. Nesta mesma obra Demo traz uma
distinção entre duas visões de pesquisa, uma considerada “pesquisa como princípio
científico e educativo”, que nos seus dizeres, faz parte integrante de todo o
processo emancipatório, no qual se constrói o sujeito histórico auto-suficiente, crítico
e auto-crítico, participante capaz de reagir contra a situação de objeto e de não
cultivar os outros como objeto”. E a outra “pesquisa como diálogo”, sendo esta vista
como “processo cotidiano, integrante do ritmo da vida, produto e motivo de
interesses sociais em confronto, base da aprendizagem que não se restrinja à mera
reprodução” (p.42 e 43).
A partir destas duas visões o autor conclui que “dialogar com a realidade
talvez seja a definição mais apropriada de pesquisa, porque a apanha como
2
Segundo o autor “emancipação é um processo histórico de conquista e exercício da qualidade de
ator consciente e produtivo. Trata-se da formação de um sujeito capaz de se definir e de ocupar
espaço próprio, recusando ser reduzido a objeto” (DEMO, 1999, p.78).
52
principio cienfico e educativo” (p.44). E com base em Franchi, 1988, complementa
que:
pesquisar não é somente produzir conhecimento é, sobretudo aprender em
sentido criativo. É possível aprender escutando aulas, tomando nota, mas
aprende-se de verdade quando se parte para a elaboração própria,
motivando o surgimento do pesquisador, que aprende construindo (DEMO,
1999, p. 44).
Neste sentido a prática do fazer pesquisa torna os sujeitos participantes do
processo de aprendizagem, enquanto reconstrução de significados, fazendo, assim,
com que o sujeito não absorva de forma passiva as informações, mas as analise
criticamente, expressando posicionamentos e desenvolvendo condições de
elaboração própria. Na obra “Educar pela Pesquisa”, Demo (2005) ressalta que a
educação pela pesquisa consagra o questionamento
3
reconstrutivo
4
, com qualidade
formal e política, e compreende a pesquisa como
atitude cotidiana em primeiro lugar, ou seja, capacidade de estabelecer o
questionamento reconstrutivo como propedêutica diária e da vida como tal,
com destaque para a qualidade política, e em segundo lugar, habilidade de
(re)construir conhecimento próprio para inovar (qualidade formal) e intervir
(qualidade política). (DEMO, 2005, p. 87).
Dessa forma, o autor acredita que a prática da pesquisa possibilita ao
professor ser um sujeito que se assuma como um educador, que através da
pesquisa construa e reconstrua conhecimentos e que participe da sociedade
buscando alternativas e assumindo-se como sujeito histórico e participativo. Galiazzi
(2003), com base em Demo, defende a pesquisa “como um processo de construção
de conhecimento, e que a sala de aula precisa ser espaço de vivência desse
processo” (p.61), defendendo a pesquisa como princípio educativo constituinte da
prática do educar.
Uma discussão muito presente na literatura educacional quanto a essa
temática consiste na diferenciação entre pesquisa acadêmica, vista como sendo
3
Segundo Demo, questionamento é compreendido como a superação da condição de objeto, para a
de sujeito que seja capaz de criticar e com base nesta crítica propor alternativas, com capacidade de
mudanças. (2005, p.10)
4
Reconstrução, conforme Demo, compreende-se como conhecimento inovador, sempre renovado,
sendo um conhecimento reconstruído, com interpretação própria, num sentido do aprender a
aprender (2005, p.11).
53
científica e a pesquisa do professor, vista como pesquisa escolar. Neste âmbito,
segue uma discussão sobre posições teóricas de alguns autores que problematizam
essa questão.
Demo (2002) defende a necessidade de desmistificação da pesquisa vista
como “fetiche acadêmico”, entendida como uma construção do conhecimento novo
como atividade rara e com um ambiente de neutralidade, numa visão de que
somente algumas pessoas são capazes de pesquisar. Este autor defende que a
pesquisa deve ser vista como um “desafio de reconstrução do conhecimento,
partindo do que se conhece refazendo o que está feito” (p.52). Criticando o
sentido mecanicista, de cópia o autor defende o sentido de transformação e
reconstrução.
Num outro texto o mesmo autor (2002) afirma ser preciso minimizar ou evitar
dois extremos de pesquisa, um que considera a pesquisa como algo sofisticado para
pesquisadores profissionais e o outro que considera a pesquisa como qualquer
coisa, fazendo desta idéia uma nova moda vazia, e reafirma novamente que uma
definição mínima para pesquisa “seria a de questionamento reconstrutivo” (p.112).
Ainda com relação a essa diferenciação entre pesquisa científica e escolar, Galiazzi,
com base em Cañal (1999) afirma que:
fazer pesquisa em sala de aula não é o mesmo que fazer pesquisa
científica, embora a qualidade dos resultados possa ser equivalente ou
mesmo uma pesquisa escolar possa chegar a ser científica, se percorrer o
processo de validação de uma comunidade científica. As finalidades do
conhecimento que está sendo construído são diferentes em um e outro
contexto, os problemas abordados são diferentes, porque o
desenvolvimento intelectual dos participantes é diferente, as exigências
sobre os significados também são diferentes (GALLIAZZI, 2002, p. 295).
A autora além de explicitar as diferenças, busca algumas aproximações no
fazer destes dois ‘tipos’ de pesquisa:
ambas ocorrem pelo questionamento de uma realidade, pela construção de
argumentos validados em uma comunidade, pela necessidade de clareza
na expressão das idéias, pelo rigor e sistematização, pela busca de
fundamentação teórica, pela análise de dados empíricos, pelo exercício da
escrita, pela comunicação dos resultados (GALIAZZI, 2002, p. 295).
Lüdke (2001a), ao investigar professores da educação básica que fazem
pesquisa, chama a atenção, a partir da “ambigüidade registrada em relação ao
54
conceito de pesquisa” de que “pesquisa é um conceito não consensual”. A autora
mostra que os professores ao definirem o seu entendimento sobre pesquisa
“parecem divididos entre uma pesquisa voltada para uma meta acadêmica e uma
outra voltada para a situação de sua prática como docentes” (p.37). Na continuidade
do texto, ela assim se posiciona:
é arriscado e simplificador aceitarmos para a pesquisa feita na escola
básica uma classificação exclusiva, pois ela poderia trazer consigo uma
conotação restritiva e limitadora, com prejuízo para o próprio conceito de
pesquisa e para a sua função de construção do conhecimento para os
problemas que pedem solução. (LÜDKE, 2001a, p. 39).
Neste sentido, André (2001a, p. 64) também assinala uma preocupação
quanto à contraposição entre “pesquisa acadêmica e pesquisa dos profissionais das
escolas, conhecimentos científicos e conhecimentos úteis à prática”. Com base nos
estudos de Huberman, afirma que, “a relação entre a pesquisa acadêmica e a
pesquisa dos profissionais da escola não deve ser vista de forma dicotômica, mas
como uma possível combinação, com benefícios para ambos os lados”. A referida
autora traz também um posicionamento quanto aos fins e a natureza dos
conhecimentos produzidos numa pesquisa. Diz que:
por um lado, os que consideram como principal objetivo da pesquisa a
produção de conhecimentos novos, obtidos através de procedimentos
sistemáticos e rigorosos de coleta e análise dos dados (Beillerot 1991;
Foster 1999). Há por outro lado, os que julgam a pesquisa educacional
irrelevante para o trabalho do professor e criticam-na por oferecer poucas
contribuições à melhoria da prática (ANDRÉ, 2001a,p. 64).
A mesma autora, ao continuar sua análise, afirma que entre posições
contrárias, um consenso quanto ao requisito de a pesquisa exigir rigor e
sistematização na coleta e análise de dados. Por outro lado, no sentido de romper
com a dicotomia entre a pesquisa acadêmica e a pesquisa do professor, Zeichner e
Pereira (2005) ao discutirem a pesquisa-ação, referem que:
em publicação anterior, Zeichner (1995) defende a necessidade de
suplantarmos a divisão entre a pesquisa dos educadores e a pesquisa
acadêmica em educação. O autor sugere três estratégias principais para
romper com essa separação: por meio do envolvimento dos profissionais
das escolas em discussões sobre o significado e a importância das
investigações desenvolvidas nas universidades e demais instituições de
pesquisa; por intermédio do desenvolvimento de projetos de pesquisa em
colaboração com os professores nas escolas em que velhos modelos
55
hierárquicos são realmente superados; e, finalmente, por meio do apoio a
projetos de pesquisa-ação desenvolvidos pelos educadores, levando muito
a sério o conhecimento produzido nesse processo. Zeichner lamenta o
isolamento entre os professores nas escolas e os acadêmicos nas
universidades e reafirma a necessidade da construção de alianças entre
eles para a melhoria da educação e, mais especificamente, do ensino, e
para a transformação social (ZEICNHER; PEREIRA, 2005).
Isso remete para a importância de se analisar todo o processo da pesquisa,
não apenas o seu produto, de não se ter a mera preocupação em rotular a pesquisa
como sendo científica ou não, alertando para a importância de ambas, possuindo
diferentes contextos, diferentes validações e diferentes funções, mas tendo,
também, alguns critérios em comum. O que deve prevalecer não é uma mera
comparação entre os dois processos de pesquisa, sendo importante desenvolver
parcerias entre ambos os tipos de pesquisadores, num intercâmbio de
conhecimentos.
No âmbito da presente investigação a hipótese básica traz, com o apoio
teórico anteriormente referido, um entendimento de pesquisa e de fazer pesquisa
como fator propiciador de uma aprendizagem e de uma formação mais significativas,
em que os sujeitos atuem como participantes interativos do processo pedagógico,
com capacidade de argumentar, na busca da reconstrução de conhecimentos,
contando com referenciais teóricos dinamicamente articulados na interpretação de
realidades, desenvolvendo adequadas formas de elaboração teórico-metodológica,
de análise cuidadosa de dados, construídos a partir da pesquisa empírica, aliada a
uma elaboração escrita sobre os resultados, com validação perante os pares
(colegas) e, se possível, junto à comunidade da respectiva área de conhecimento.
Tal concepção de formação supera o ensino baseado na racionalidade
técnica, supera a visão de sujeitos passivos na relação pedagógica. Com base no
referencial histórico cultural, pode-se afirmar com Góes (2000) que “o sujeito não é
passivo nem apenas ativo: é interativo” (p.25). A prática de formação pela pesquisa
mostra que é na interação com os outros que o sujeito participa e critica. Nesse
sentido as interações promovidas na prática do aprender a fazer pesquisa são vistas
como eixo central da formação pela pesquisa.
56
Em se tratando de uma realidade bastante complexa, para investigá-la,
buscou-se fundamentos na perspectiva de construir um caminho que ajudasse na
tentativa de buscar uma qualificação dos passos e dos níveis do fazer pesquisa,
conforme está expresso a seguir.
2.3. A Busca por uma Qualificação do Fazer Pesquisa em Sala de Aula
Já foi referida a polêmica em torno da dicotomia entre pesquisas ‘científicas’ e
‘escolares’. Sem buscar formas de cerceamento de tal polêmica, buscou-se, com
apoio principal em Beillerot, Galliazi e Demo, qualificar a ‘participação da pesquisa’
na formação docente inicial, tendo como base diferentes níveis de pesquisa
propostos por esses autores, objetivando-se organizar categorias de análise do fazer
pesquisa no contexto da formação inicial acompanhada.
Beillerot (2001) no texto “A ‘Pesquisa’: esboço de uma análise”, traduzido por
Lüdke (2001a), propõe uma definição do entendimento de pesquisa.
Trata-se de um esforço mental assim como de um esforço de ações,
significando com isso que se exclui da pesquisa aquilo que é encontrado
por acaso ou por intuição: nem toda descoberta poderá ser relacionada com
a pesquisa (BEILLEROT, 2001, p. 72).
Ao continuar sua definição de pesquisa e ao se perguntar “em qual condições
pode-se falar em pesquisa” (p.74), Beillerot propõe o reconhecimento de alguns
procedimentos, como sendo característicos de uma “pesquisa mínima”, ou uma
pesquisa de “primeiro nível”. Esses procedimentos são: “uma produção de
conhecimentos novos (critério 1); um procedimento de investigação rigoroso
(critério nº 2); uma comunicação dos resultados (critério nº 3)” (p. 74).
Conforme Beillerot estes são os critérios que precisam ser contemplados para
se atingir um nível mínimo de pesquisa. No âmbito da pesquisa do professor em
formação inicial, é importante que tais critérios sejam adequadamente
dimensionados, considerando-se o estágio do envolvimento dos sujeitos no
processo formativo.
57
Quanto ao primeiro critério, o ‘novo’, segundo o autor, consideraria o âmbito
de um determinado grupo, de uma comunidade familiarizada com o assunto. No
presente trabalho de investigação, este critério pode corresponder ao âmbito da sala
de aula, junto ao contexto de formação dos licenciandos, numa discussão com o
professor pesquisador e com os colegas. E num âmbito mais amplo, o “novo”, pode
ser definido pela comunidade da área de Educação em Ciências e de Educação
Química.
O segundo critério é importante de ser considerado, tendo em vista possíveis
dificuldades nas definições da organização teórico-metodológica da pesquisa, em
especial quanto aos procedimentos adotados desde a elaboração do projeto até a
execução dos demais passos da pesquisa.
Quanto ao terceiro critério o autor afirma que: “não haveria pesquisa caso não
houvesse o objetivo de comunicar” (p. 75).
Contudo, para uma pesquisa atingir um “outro nível”, ou para a pesquisa ser
considerada de “segundo grau”, Beillerot propõe, além dos três critérios acima
mencionados mais três critérios. O quarto introduz a dimensão de crítica e reflexão
sobre as fontes, os métodos e os modos de trabalho. O quinto critério proposto é
referente à sistematização de coleta de dados. E o sexto estabelece a presença de
interpretações enunciadas segundo teorias reconhecidas e atuais, permitindo a
interpretação dos dados.
Segundo este autor, as pesquisas de “segundo nível” são as vistas como de
grau “superior” ou “universitárias”, recaindo na posição social que distingue essas
das demais pesquisas (p.77). Nos dizeres de Beillerot:
não é cabível reservar o termo “pesquisa” apenas às investigações às quais
se aplica a totalidade dos critérios. Em compensação, as pesquisas não se
efetuam todas nas mesmas condições e não dão lugar às mesmas
produções (...) mas uma pesquisa que tivesse somente dois dos três
primeiros critérios não seria simplesmente uma pesquisa (BEILLEROT,
p.78, 2001).
58
Nesse sentido, a análise do ‘fazer pesquisa’ por parte dos licenciandos é
dimensionada, por exemplo, de forma a levar em conta o ‘lugar’ histórico-cultural em
que eles se encontram, em seus processos de aprendizagem e formação,
procurando não dimensionar o ‘nível’ de execução das pesquisas, cientes de que
elas podem ter alguns critérios bem sucedidos e outros nem tanto, como também
alerta Beillerot (p. 78).
Pedro Demo retrata uma outra visão em relação a níveis e etapas que
categorizam uma pesquisa. O autor afirma que:
é mister superar a visão unilateral de considerar como pesquisa apenas
seus estágios sofisticados, representados pelos produtos solenes do mestre
ou do doutor (...) Por outra, pesquisa não é qualquer coisa, papo furado,
conversa solta, atividade largada” (DEMO, 2005, p. 10),
Demo sistematiza alguns níveis de pesquisa. Em ordem crescente, como um
primeiro nível, o autor entende:
a Interpretação Reprodutiva, no sentido de tomar um texto e sintetizar de
modo a reproduzir com fidedignidade. A reprodução fidedigna contém
alguma criatividade, porque supõe pelo menos alguma forma de
interpretação (...) Uma cópia bem feita pode servir de primeiro passo, e não
ter outro sentido. Não sendo cópia literal, contém algo de interpretação,
que poderia aparecer pelo menos na capacidade de síntese (DEMO, 1996,
p. 40).
Em relação ao segundo nível, o autor o define como, Interpretação Própria”,
no sentido de ler um texto e conferir-lhe uma interpretação pessoal. Para o autor,
neste nível o sujeito busca dizer com as suas palavras, fazendo uma interpretação
ativa, com um tipo de leitura que discute o texto (1996, p.40).
Um terceiro nível Demo caracteriza como:
reconstrução, no sentido de tomar construção vigente como ponto de
partida e refazer sob o signo de uma proposta própria. Trata-se de
movimentar-se com autonomia no meio do que existe, ou de questionar o
que existe e repor proposta própria (DEMO, 1996, p.41).
Roque Moraes que também defende o ‘educar pela pesquisa’, afirma que
atingir o nível reconstrutivo constitui o objetivo suficiente para a pesquisa em sala de
59
aula, visto que a reconstrução pode encaminhar para produções mais autônomas,
para produções próprias (2002, p. 209).
O quarto nível definido por Demo é o da Construção, no sentido de tomar o
que existe como simples referência e abrir caminhos novos. Trata-se de ocupar
caminho científico próprio produtivo no contexto dos paradigmas”. (1996, p.42) E o
quinto nível, delineia-se, segundo o autor como Criação/Descoberta, no sentido da
introdução de novos paradigmas metodológicos, teóricos ou práticos. Trata-se de
negar fases anteriores, questionar radicalmente, opor-se frontalmente à existência
de paradigmas, perseguindo o novo como tal” (1996, p.42).
Ao propor o ‘educar pela pesquisa’ no âmbito da formação docente inicial
Galiazzi e Moraes (2002) enfatizam a transformação dos licenciandos, de objetos,
em sujeitos das relações pedagógicas, num processo de aprender a aprender, e
uma constante superação da aula copiada (p. 238).
Alguns autores propõem maneiras diferenciadas de articulação entre ensino e
pesquisa durante a formação. André (2001) propõe que,
uma delas é que a pesquisa se torne um eixo ou um núcleo do curso, ou
seja, que ela integre o projeto de formação inicial e continuada da
instituição, construído pelos seus participantes, levando em conta os
recursos e as condições disponíveis. Nesta perspectiva pode traduzir-se
numa organização curricular, em que as disciplinas e atividades sejam
planejadas coletivamente, com o objetivo de desenvolver habilidades e
atitudes de investigação nos futuros professores. Pode, além disso, traduzir-
se no uso da pesquisa como mediação, ou seja, que as disciplinas e as
atividades do curso incluam a análise das pesquisas que retratem do
cotidiano escolar, visando aproximar os futuros docentes da realidade das
escolas, levando-os a refazer o processo da pesquisa e a discutir sua
metodologia e seus resultados (ANDRÉ, 2001, p.61).
Galiazzi (2003) ao se perguntar “como usar a pesquisa nos cursos de
formação de professores?”, propõe alguns caminhos. A autora inicia discutindo a
problemática de que na maioria dos cursos de graduação o envolvimento dos alunos
com a prática do fazer pesquisa se limita a bolsas de iniciação científica, e que
poucos são os licenciandos com bolsas de iniciação científica. A autora também
remete para o fato destes bolsistas atuarem geralmente em pesquisas nas áreas de
60
Química, Física ou Biologia, e que pouco contribuem para a sua formação como
futuro professor (p.58).
Galiazzi defende que uma das maneiras de mudar o estado atual dos cursos
de licenciatura é a de possibilitar a oportunidade de pesquisa a todos os
licenciandos, e que seja incentivada a pesquisa na área de atuação profissional do
licenciando, ou seja, a pesquisa em educação.
A referida autora sugere algumas possibilidades para essa mudança. Uma
delas é a de que todo professor, independente de sua disciplina, faça pesquisa
relacionada com aspectos didáticos de sua sala de aula, para assim o aluno
aprender com o exemplo deste professor. Outra possibilidade está vinculada à idéia
de todos os estudantes atuarem em projetos de pesquisa em educação, e assim,
participarem das diferentes etapas do projeto de pesquisa atuando como
pesquisadores. E uma terceira alternativa proposta por Galiazzi é a de transformar
qualquer disciplina em ambiente de pesquisa, é fazer da pesquisa um modo de
aprender (p.59-60).
A presente investigação analisa espaços curriculares que contemplam a
segunda possibilidade proposta por Galiazzi, a de os alunos participarem em
projetos de pesquisa vinculados com o ensino, propiciando a todos os licenciandos a
vivência de fazer pesquisa, em todas as suas etapas, desde a elaboração do projeto
até a sua execução e validação. Segundo Galiazzi, as diferenças desta proposta
com as propostas que usualmente acontecem nas universidades estão no
entendimento do papel desempenhado pelo estudante.
Com esse entendimento ele participa do processo como pesquisador,
mesmo que iniciante, com possibilidade de argumentação e decisão em
todas as ações do projeto. O aluno participa de todas as etapas
desenvolvidas durante o seu vínculo a esse tipo de disciplina (GALIAZZI,
2003, p. 60).
É esse processo do fazer pesquisa vivenciado pelos licenciandos que é objeto
de estudo, nesta investigação, com atenção para percepções dos estudantes quanto
a sua posição enquanto sujeito participativo da relação pedagógica e no trabalho
61
como um todo. Busca-se um olhar para limites e contribuições desse modo de fazer
pesquisa no contexto acompanhado.
A prática do ‘educar pela pesquisa’ segundo Galiazzi e Moraes (2002) pode
ser compreendida como um “ciclo de questionamento, argumentação e validação
crítica”, os autores enfatizam também que o papel do professor neste processo é o
de mediador (p.242). Este ciclo, segundo os autores, pode ser organizado em
diferentes modos estruturais tanto pelo envolvimento da turma em um único projeto,
ou por vários projetos em grupos menores. No contexto acompanhado foram
executados vários projetos por pequenos grupos.
Num outro texto, Galiazzi, Moraes e Ramos (2002) explicitam mais
detalhadamente as ‘etapas’ do ‘educar pela pesquisa’ num ambiente de sala de
aula. Os autores discutem três momentos que, segundo eles, compõem o ciclo do
‘educar pela pesquisa’,
a pesquisa em sala de aula pode ser compreendida como um movimento
dialético, em espiral, que se inicia com o questionar dos estados do ser, do
fazer e conhecer dos participantes, construindo-se a partir disso novos
argumentos que possibilitam atingir novos patamares desse ser, fazer e
conhecer, estágios esses então comunicados a todos os participantes do
processo (2002, p.11).
Como primeiro momento os autores colocam o questionar, afirmando que a
pesquisa inicia com um problema, e assim afirmam um primeiro princípio de
pesquisa em sala de aula:
para que algo possa ser aperfeiçoado, é preciso criticá-lo, questioná-lo,
perceber seus defeitos e limitações. È isto que possibilita pôr em movimento
a pesquisa em sala de aula. O questionar se aplica a tudo que constitui o
ser, quer sejam conhecimentos, atitudes, valores, comportamentos e modos
de agir (GALIAZZI; MORAES e RAMOS, 2002, p.12).
Os autores afirmam ainda “que é importante que o próprio sujeito da
aprendizagem se envolva neste perguntar” (p.13). Assim é bom que seja o estudante
que questione, que traga o problema a ser pesquisado, por alguma angústia sua,
pelo seu conhecimento, pela sua vivência anterior. E ao questionar este
conhecimento buscar novas alternativas e, assim, segundo os autores, assumir a
sua condição de sujeito histórico, capaz de participar da construção da realidade.
62
Deixando de aceitar a realidade simplesmente tal como imposta por outros, pelo
discurso do grupo social em que estão inseridos (2002, p.14).
No segundo momento do fazer pesquisa em sala de aula Galiazzi, Moraes e
Ramos colocam como princípio que,
a pesquisa em sala de aula precisa do envolvimento ativo e reflexivo
permanente de seus participantes. A partir do questionamento é
fundamental pôr em movimento todo um conjunto de ações, de construção
de argumentos que possibilitem superar o estado atual e atingir novos
patamares do ser, do fazer e do conhecer (GALIAZZI; MORAES e RAMOS,
2002, p.16).
Este momento, segundo os autores, implica em diversas atividades como, ler,
discutir, argumentar, reunir dados para a análise e a interpretação, e isso, de acordo
com eles, pode ocorrer tanto em grupo como individualmente (2002, p. 17).
Quanto ao princípio do terceiro momento proposto, é dito que,
é importante que a pesquisa em sala de aula atinja um estágio de
comunicar resultados, de compartilhar novas compreensões, de manifestar
novo estado do ser, do fazer e do conhecer, o que contribui para a sua
validação na comunidade em que este processo está se dando. (GALIAZZI;
MORAES e RAMOS, 2002, p.19)
Segundo os referidos autores, a comunicação pode ser entendida em dois
momentos, num primeiro momento fica restrita para um pequeno grupo, como por
exemplo, a própria sala de aula, isso ainda no decorrer da execução da pesquisa. E
no segundo momento a apresentação dos resultados para uma comunidade mais
ampla, com apresentação do trabalho em eventos, publicações e assim, segundo os
autores, “possibilitar uma crítica por uma comunidade científica mais ampla” (p. 21).
Enfatizam, ainda, que os resultados do trabalho realizado não podem ser,
apenas, a publicação resultante, mas que,
na pesquisa em sala de aula, é muito mais importante destacar produtos
como a construção de habilidades de questionar, de construir argumentos
com qualidade e saber comunicar os resultados à medida que o
produzidos. Tudo isso expressa a qualidade de transformação dos sujeitos
que se envolvem no processo (GALIAZZI, MORAES e RAMOS, 2002 p. 21 -
22).
63
Percebe-se a importância dada ao envolvimento, à participação interativa de
cada sujeito no processo do fazer pesquisa. É com base nessa qualidade da
transformação dos sujeitos, que se acredita na hipótese de ser o fazer pesquisa na
formação inicial um caminho para buscar a melhoria do processo de ensino e
aprendizagem na formação docente inicial.
Tendo como base as diferentes etapas e níveis propostos pelos autores, bem
como o entendimento explicitado sobre pesquisa, buscou-se qualificar a pesquisa
desenvolvida nos Componentes Curriculares do Curso de Licenciatura, discutindo
em que medida ela contempla determinados níveis e etapas, a exemplo dos
aspectos que seguem:
- como o referencial teórico comparece e como ele ilumina o processo da
investigação (como cópia ou auxiliando na interpretação, numa relação de dialogo
transformador da realidade), desde a construção da questão de pesquisa, da
hipótese básica, até a definição dos procedimentos metodológicos, a elaboração dos
instrumentos, dos registros, a construção e análise dos resultados (rigor).
- a contribuição do sujeito em expressar entendimentos e posicionamentos
próprios iniciais, no âmbito do tema pesquisado, na busca de evidenciar
interpretações envolvendo reconstruções de conhecimentos, na perspectiva de
mudanças nas suas concepções iniciais (pesquisa como reconstrução de
conhecimentos);
- como os sujeitos de pesquisa comparecem nos textos elaborados, em especial,
na análise e discussão dos resultados (qual referencial teórico, categorias de
análise);
- como ocorre a comunicação dos resultados de pesquisa em sala de aula ou
junto à comunidade da área (pesquisa necessita ser divulgada).
Esses são exemplos de parâmetros que permitem qualificar o fazer pesquisa
vivenciado por licenciandos nos Componentes Curriculares acompanhados e que
64
servem de referência na construção de categorias de análise de resultados, nesta
investigação.
Segue uma abordagem em busca de fundamentar um outro aspecto
importante: a necessária mediação nos processos do ensinar e do aprender a fazer
pesquisa, com a qualidade remetida a tal aprender.
2.4. A Mediação do Outro no Ensinar e no Aprender a Fazer Pesquisa
Vários estudos referentes à formação inicial de professores vêm apontando a
inserção da pesquisa como forma de superação do modelo de formação baseado na
racionalidade técnica, como anteriormente referido. Galiazzi e Moraes (2002)
afirmam que “a qualidade da formação inicial de professores pode ser melhorada
com a integração da pesquisa no processo desta formação” (p. 237).
Maldaner (1999) expressa o seguinte entendimento do exercício da pesquisa:
o exercício da pesquisa é uma qualidade, eminentemente humana,
desenvolvida na cultura e na história humanas. Através dela o ser humano
criou instrumentos práticos e teóricos que lhe permitem agir e pensar de
uma certa forma sobre a natureza e obter respostas desejadas. Com ela
mudaram as relações dos homens com a natureza, mudou o homem e
mudaram as relações entre os homens. Porém como prática cultural e
histórica, a pesquisa não é uma herança biológica, assim como não são os
conceitos científicos e toda a prática científica e tecnológica. Elas devem ser
construídas e reconstruídas junto a cada indivíduo nos processos
educacionais (MALDANER, 1999).
O mesmo autor (2003) complementa que a pesquisa neste âmbito de
entendimento deve ter uma aprendizagem mediada, de maneira intencional, na
forma de ensino dentro de um currículo de formação (p. 91). Galiazzi (2003) também
corrobora com esta visão do fazer pesquisa afirmando que a pesquisa “é um produto
cultural que pode ser aprendido e desenvolvido na escola e outros espaços
pedagógicos” (p.142).
Com base neste entendimento, reafirma-se que o individuo, como é o caso do
professor em formação inicial ou continuada, não irá aprender a pesquisar, nem
compreender a importância de pesquisar, se ele não vivenciar a pesquisa em
situações práticas que lhe propiciem tal aprendizado, sendo essencial a sua
65
participação em todo o processo do fazer pesquisa, contando com a ajuda do ‘outro’
mais experiente. Isso remete para a discussão sobre a necessária mediação a ser
considerada na análise do aprender os passos do fazer pesquisa.
O aprendizado, conforme Vigotski (1998), consiste num “aspecto necessário e
universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente
organizadas e especificamente humanas” (p. 118). Segundo o mesmo autor, o
aprendizado
desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes
de operar somente quando uma criança interage com pessoas em seu
ambiente e quando em cooperação com os seus companheiros. Uma vez
internalizados esses processos tornam-se parte das aquisições do
desenvolvimento independente da criança (VIGOTSKI, 1998, p.118).
No entendimento de Vigotski, o aprender o se de forma passiva de ‘fora
para dentro’ como se acreditou durante muito tempo, no modelo da transmissão–
recepção, necessário de ser superado. Contando com apoio do referencial histórico-
cultural, assume-se que o aprender é um processo construído interativamente, de
forma dialética, em que todos se envolvam no processo coletivo, sendo importante
considerar, nele, a importância dos modos não simétricos de mediação de cada
sujeito. Nesta perspectiva, é importante considerar, também, que o conhecimento
não pode ser passado do professor para o aluno, de forma passiva, sendo
importante valorizar a visão de um envolvimento interativo num processo em que
tanto quem aprende quanto quem ensina sejam interativos, nas relações
pedagógicas não simétricas.
A orientação do professor no processo investigado, com base em Vigotski
(1998), é importante considerar a visão da imitação e da assistência como
propulsoras da aprendizagem. A imitação, defendida pelo autor o é entendida
como um processo simplista, puramente mecânico, de cópia e repetição, mas, sim,
no sentido de possibilitar a (re)constução do que é observado externamente pelo
sujeito. Referindo-se à imitação, Vigotski (2000) diz que, “para imitar, é preciso ter
alguma possibilidade de passar do que eu sei fazer para o que eu o sei” (p.328).
Para ele
66
o momento central para toda a psicologia da aprendizagem é a
possibilidade de que a colaboração se eleve a um grau superior de
possibilidades intelectuais, a possibilidade de passar daquilo que a criança
consegue fazer para aquilo que ela não consegue por meio da imitação
(VIGOTSKI, 2000, p.331).
Para Vigotski (1998), o fundamental da aprendizagem é aprender algo novo,
porque na sua perspectiva, uma aprendizagem eficiente cria e atua na “zona de
desenvolvimento proximal”
5
que “define aquelas funções que ainda não
amadureceram, mas que estão em processos de maturação” (p.113). Na prática do
aprender a fazer pesquisa o que se observa é que, no inicio, o licenciando aprende
os passos da pesquisa seguindo os modelos do professor que é um pesquisador,
porém, exige-se um envolvimento de cada licenciando de se impregnar no tema a
ser pesquisado, em torno do problema delimitado.
Considerando as considerações quanto à complexidade das etapas e dos
níveis do fazer pesquisa, o processo de ensinar e aprender tal fazer remetem para a
apropriação de necessários instrumentos culturais, bastante específicos. A temática
desenvolvida neste tópico passa a ter uma continuidade, a seguir, tratando, mais
especificamente, de tal apropriação e, contando, ainda, com o apoio do referencial
histórico-cultural.
2.5. A Apropriação dos Instrumentos Culturais do Fazer Pesquisa na
Constituição do Professor Pesquisador em Formação Inicial
A abordagem que segue refere-se à importância da significação e do uso de
instrumentos culturais bastante específicos, considerados fundamentais de serem
significados na prática do fazer pesquisa, para propiciar a constituição do licenciando
como professor pesquisador em formação inicial.
Os recursos culturais usados na educação escolar, como é o caso do
aprender a fazer pesquisa na formação inicial, precisam ser internalizados, e a
5
Zona de Desenvolvimento Proximal, segundo Vigotski é: a distância entre o vel de
desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e
o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação
de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (1998, p. 112).
67
internalização segundo Vigotski consiste na transformação de uma atividade externa
para uma atividade interna, de um processo interpessoal para um processo
intrapessoal. Smolka identifica a internalização,
como um construto teórico central na perspectiva histórico cultural, que se
refere ao processo de desenvolvimento e aprendizagem humana como
incorporação da cultura, como domínio dos modos culturais de agir, pensar
de se relacionar com outros, consigo mesmo, e que aparece como contrário
de uma perspectiva inativa naturalista ou inatista (SMOLKA, 2000, p.27 e
28).
No âmbito da perspectiva inatista o desenvolvimento e a aprendizagem
ocorrem independentes da influência e da interação com a cultura. Nessa
perspectiva, segundo Rego (2000), acredita-se numa “’essência humana’ a priori. O
mundo externo (os objetos, o grupo cultural) tem a reduzida função de subsidiar o
que está determinado previamente no indivíduo” (p. 96). Nesta visão o ensino e a
educação pouco contribuem para o desenvolvimento e a constituição do sujeito. A
mesma autora (Rego, 2000) traz uma crítica à visão inatista de constituição do
sujeito e, contrapondo-se a ela, assume, com base na abordagem histórico-cultural,
que:
o individuo se constitui através de suas interações socais, a partir das trocas
estabelecidas com seus semelhantes. (...) as funções psíquicas humanas
estão intimamente vinculadas ao aprendizado, à apropriação (por intermédio
da linguagem) do legado cultural de seu grupo (REGO, 2000, p. 106).
É assim, com esta perspectiva da constituição social do sujeito, com base em
Vigotski, que se assume a visão de que a cognição do sujeito e também o
desenvolvimento de suas características especificamente humanas acontecem na
interação mediada com o mundo sociocultural no qual o sujeito está inserido, com a
utilização de instrumentos e signos culturalmente produzidos e sistematicamente
mediados, nas interações com os outros. A mediação, conforme Pino (2000a), “é
toda a intervenção de um terceiro ‘elemento’ que possibilite a interação entre os
‘termos’ de uma relação” (p. 38). Vigostki (1998) representa esta relação num
esquema triangular:
68
Neste esquema triádico o terceiro ‘elemento’ referido por Pino está
representado pelo termo X, que consiste num estímulo auxiliar, um instrumento
cultural (constituído por signos) e que desempenha conexões (S-X, R-X) com
estímulos (S e R), conferindo à operação psicológica caminhos diferentes e formas
qualitativamente novas e superiores.
Com base nesta representação, os instrumentos culturais constituídos por
signos (termo X) são comparados, por Vigotski (1998), com os instrumentos
técnicos: “O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira
análoga ao de um instrumento no trabalho” (p.70).
Em outras palavras, Giordan (2006), com base em Vigotski, diz que “a
ferramenta psicológica recria e reorganiza toda a estrutura do comportamento, assim
como o instrumento técnico recria e reorganiza toda a estrutura das operações do
trabalho” (p. 27). Entende-se que, no âmbito do referencial histórico-cultural, o signo
relaciona-se com o âmbito do imaginário, do simbólico, do psicológico, enquanto que
o instrumento relaciona-se com as ações práticas dos sujeitos no meio social.
Vigotski inclui instrumentos e signos na mesma categoria “da atividade
mediada” (p. 71), sendo que, uma é técnica e a outra é semiótica. Nos dizeres de
Pino (2000) “é a criação dos mediadores semióticos que opera nas relações dos
homens com o mundo físico e social” (p.59). Quanto a essa dimensão dialética,
Giordan (2006), diz que “as interações do ser humano no ambiente social,
diferentemente dos outros animais, são duplamente mediadas, por instrumentos e
por signos” (p. 27). O mesmo autor complementa ainda que “por operar por dupla
mediação, o homem enquanto forma nova à natureza, confere significação à
forma nova, o que lhe permite transformar a si próprio” (p.36). E é a significação, nos
dizeres de Pino “que confere ao social sua condição humana, fazendo da
sociabilidade animal uma sociabilidade humana” (p.59).
R
X
S
69
Vigotski (1998) valoriza a importância de explicitar e considerar a diferença
entre signo e instrumento quanto à orientação do comportamento humano. Segundo
o autor, o uso do signo propicia aos homens mudanças no seu comportamento,
transformando-os dialeticamente e conduzindo–os “a uma estrutura específica de
comportamento que se destaca do comportamento biológico e cria novas formas de
processos psicológicos enraizados na cultura” (p.54), enquanto que, por sua vez, o
uso de instrumentos cnicos possibilita a ação do homem sobre o objeto. Nos
dizeres de Vigotski:
a função do instrumento é servir como um condutor da influência humana
sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve
necessariamente levar a mudanças nos objetos. (...) O signo, por outro lado,
não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio
da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é
orientado internamente (VIGOTSKI, 1998, p. 72-73).
Galiazzi (2003) enfatiza que nós, seres humanos, nos constituímos pelo uso
de ferramentas culturais. Ressalta que não são apenas ferramentas materiais
citando como exemplos canetas, computadores. Mas, sim, ferramentas semióticas,
que são produtoras de significados, entre elas, a autora cita “a linguagem, o signo, o
símbolo e o mito”. A autora diz ainda, que é “pela apropriação destas ferramentas
que o sujeito se insere e se transforma na sociedade”.
Com base nesses entendimentos, a atenção, na análise do aprender a fazer
pesquisa, volta-se, em especial, para a importância dos diferentes instrumentos
culturais importantes de serem significados no decorrer do fazer pesquisa, entre os
instrumentos ou ferramentas culturais utilizados pode-se dizer que assumem um
papel central a linguagem (pela fala, e/ou pela escrita) e a leitura. Segundo Galiazzi,
Moraes e Ramos,
a linguagem adquire papel essencial, pois é por meio dela que se pode
transmitir e construir significados e compreensões que permitem constituir o
conhecimento. É a linguagem que nos constitui e nos diferencia dos outros
seres vivos por sua característica de permitir ampliar, e ao mesmo tempo
conservar o conhecimento produtivo (GALIAZZI, MORAES e RAMOS, 2002
p. 89).
Os mesmos autores enfatizam, também, que ao aceitar a linguagem como
um instrumento de mediação para a apropriação e reconstrução do conhecimento,
70
assume-se que a diferença enquanto seres humanos dos demais seres vivos é
justamente a capacidade da construção de significados pela linguagem numa
“diversidade e complexidade de culturas e de suas manifestações” (p. 97). Os
autores também assumem que ao falar da educação pela pesquisa, crêem “nos
artefatos semióticos desenvolvidos pelos seres humanos como mediadores na
elaboração de conhecimento, pela negociação argumentativa de significados” (p.97).
Os usos dos instrumentos culturais anteriormente referidos propiciam,
portanto, a complexificação do conhecimento e a transformação dos processos
cognitivos do sujeito, ampliando a sua inteligência. Nos dizeres de Galiazzi:
se somos produtos da linguagem e da cultura, que se construiu pela
possibilidade de armazenar informações, e nisso a escrita desempenhou um
papel fundamental, podemos pensar que os recursos culturais como a
linguagem e a escrita formaram e continuam formando a percepção, a ação
e, na verdade, a consciência. Os recursos culturais, portanto,
desempenham um papel fundamental na cognição (GALIAZZI, 2003, p.96).
O escrever e o falar constituem modos de aprender interativos, pois
possibilitam ao sujeito o envolvimento em discussões, argumentando e defendendo
seus pontos de vista, e também a ouvir os colegas e o professor orientador,
buscando melhor compreender e reconstruir idéias, percepções e argumentações.
Requerem do sujeito uma posição de crítica perante as produções dos outros.
Também articulam a comunicação do aprendido/pesquisado, que pode ser por
escrito, em relatórios ou outras formas de comunicação.
As atividades propiciadas pela linguagem, escrita ou falada, corroboram com
uma definição de pesquisa abordada por Demo (1999) de ela ser vista como um
“diálogo inteligente com a realidade” aliada à essencialidade da comunicação.
Segundo o autor, “tem o que comunicar quem pesquisa e quem não pesquisa
apenas escuta a comunicação dos outros de forma passiva” (p.37 e 38). Concorda-
se com Demo quanto à importância da comunicação do que foi pesquisado, porém,
com base na teoria histórico-cultural amplia-se esta visão. O sujeito não é
considerado um receptor passivo nem um repetidor de informações externas. Ele é
sempre interativo no processo (Cf p. 53).
71
A abordagem histórico-cultural extrapola a visão da dimensão e da função
apenas comunicativa da linguagem nas interações sociais, valorizando o seu papel
constitutivo no desenvolvimento tipicamente humano. Com base nela, acredita-se na
importância da comunicação como propiciadora de interações transformadoras dos
sujeitos em seu meio. É na interação com os ‘outros’, através das trocas com seus
colegas, professores e demais pesquisadores da área, que o sujeito reconstrói seus
conhecimentos, (re)direciona suas buscas e aumenta a sua capacidade individual.
Pino (2000) diz que “a palavra dirigida ao outro produz efeito também naquele que a
pronuncia” (p.59) e assim a comunicação é constitutiva do sujeito, num duplo
sentido, para quem fala e para quem escuta.
Moraes (2002) enfatiza que a produção escrita “é uma das formas de os
sujeitos construírem a sua competência de argumentar e de assumirem sua
qualidade política de intervenção e transformação” (p.137). Nesta mesma direção,
Ramos, diz que:
a competência argumentativa é acompanhada pela competência lingüística.
A comunicação escrita, sendo mais complexa que a comunicação oral,
encerra conhecimentos mais consistentes da língua natural, fundamental
para a argumentação e para a constituição do sujeito (RAMOS, 2002, p. 46).
O exercício da escrita, segundo Vigotski (1998), não deve ser reduzido a uma
habilidade motora, mas sim considerá-la como ”um sistema particular de símbolos e
signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento
cultural da criança” (p. 140). Galiazzi (2003), com base em Wells, diz que a escrita é
mais abstrata do que a fala em três sentidos:
primeiro porque envolve um simbolismo do que foi escrito, que representa
palavras que também são símbolos; segundo porque o interlocutor está
fisicamente ausente; terceiro, porque a transmissão da mensagem se faz
através das palavras escolhidas pelo autor, mas gestos e entonações e
possibilidades de checar são impossíveis de acontecer (GALIAZZI, 2003, p.
97).
Marques (2001) corrobora com esta posição ao afirmar que as diferentes
relações transformadas entre a oralidade e a escrita “fazem da escrita algo muito
mais valioso do que se fosse ela simples decodificação da linguagem oral”. O
mesmo autor diz que a escrita é “um novo espaço de reconstrução social da
72
realidade, das personalidades e da cultura, em que a educação assume nova
relevância enquanto provocação de aprendizagens significativas” (p. 69). Neste
mesmo sentido, Rego (1995), com base em Vigotski, salienta que a escrita promove
modos diferenciados e mais abstratos de pensamento, de relacionamento com as
pessoas e com o conhecimento.
Marques (2001) enfatiza também que durante o escrever ocorrem
interlocuções de diferentes vozes, as quais “agitam, conduzem, animam, perturbam”
todo o processo do escrever. E é com esta amplitude de perspectivas, nesta
interlocução de diferentes vozes que, segundo o autor, a “abertura de novos
horizontes, construção de sabres novos”. Assim, a construção destes “novos
saberes” ocorre a partir dos saberes anteriores, numa reconstrução deles, na
desmontagem e na recuperação. E assim, os saberes de cada interlocutor e os
saberes do sujeito se fundem e se transformam, reformulam-se, num processo de
reconstrução (p. 26).
Este mesmo autor nos remete para um outro instrumento cultural do fazer
pesquisa, a leitura, afirmando que ”a escrita necessita ser lida e interpretada por
leitores surgidos da situação de falantes capazes de recitar, capazes de narrar” (p.
69). O exercício da leitura, segundo Demo (2005) não pode ser resumido a um
procedimento mecânico, “uma coisa é ler, tomando conhecimento do que está no
livro. Outra coisa é elaborar o que se leu, imprimindo interpretação própria” (p. 28).
Segundo Demo deve-se ter uma leitura sistemática com dupla finalidade, que
consiste em:
estar a par do conhecimento disponível, participar do fluxo cultural
constante, informar-se de modo permanente, e alimentar o processo de
formulação própria, de argumentar e contra-argumentar, questionar e
reconstruir (DEMO, 2005, p. 31).
Apropriar-se de leituras não se reduz a apenas cópia e transcrição do que foi
lido, mas a um diálogo com elas, usando palavras suas e re-escrevendo as leituras
conforme a sua interpretação. Nos dizeres de Demo:
uma coisa é manejar textos, copiá-los, decorá-los e reproduzi-los. Outra é
interpretá-los com alguma autonomia, para saber fazê-los e refazê-los. Na
73
primeira condição, o aluno ainda é objeto de ensino. Na segunda, começa a
despontar o sujeito com proposta própria (DEMO, 2005, p. 23).
Inicialmente, o aprendiz do fazer pesquisa pode até iniciar com a cópia de
textos, mas deverá progredir no sentido de construir interpretações e se posicionar
perante as leituras. Neste sentido, uma superação de sujeito que não participa
diretamente em sala de aula, para a de sujeito que participa do processo de ensino e
assim se constitui o professor pesquisador num processo de aprender reconstrutivo.
Reafirma-se, então, a visão de que a pesquisa possui uma linguagem
específica, aliada a pensamentos, conceitos e significados conceituais também
bastante específicos, impossíveis de serem construídos de forma direta pelos
sujeitos e, por isso, necessária de ser mediada, apropriada, significada e usada por
eles. Por exemplo, a concepção de ‘projeto de pesquisa’, com todas as partes que o
compõem - o problema de pesquisa, a hipótese básica, os objetivos, o tema, a
metodologia, o referencial teórico, as categorias prévias de análise - é uma, entre
outras concepções, que envolve significados socialmente produzidos.
Além do projeto, na pesquisa, outras etapas no ‘ritual’ bastante específico,
a exemplo de etapas de sua execução. Em especial, é importante valorizar, no
âmbito deste trabalho, aspectos do aprender a fazer pesquisa, relacionados com a
construção e análise dos resultados, considerando-se a perspectiva de uma
elaboração escrita qualificada, que se aproxime das exigências formais da
publicação/validação de resultados, dentro ou fora do âmbito da formação.
O professor do Componente Curricular, que é um pesquisador, dispõe de
vivências, conceitos e significações mais amplas do que os licenciandos, que são
iniciantes no fazer pesquisa. Portanto, conhecimentos que são necessários de
serem assimetricamente mediados e significados no decorrer dos aprendizados do
fazer pesquisa. Nesse sentido, com as contribuições de Vigotski (2000), em suas
abordagens sobre o desenvolvimento dos conceitos científicos, busca-se relações
com o desenvolvimento de conhecimentos sobre o fazer pesquisa.
Segundo o referido autor, os conceitos científicos são construídos, em sala de
aula, num movimento de “cima para baixo”, começando com uma definição verbal
74
com aplicações não espontâneas e posteriormente podendo adquirir um nível de
concretude impregnando-se na experiência (p.350). Remetendo essa visão para o
foco deste trabalho, infere-se que conhecimentos diversificados são dinamicamente
enriquecedores das interações dos sujeitos no contexto da sala de aula. Os sentidos
trazidos pelos estudantes são ampliados e transformados pelas mediações das
explicações do professor, sendo marcantes para o avanço do aprender na direção
de um significado mais geral.
Dando importância para a apropriação dos instrumentos culturais da
pesquisa, a análise dos relatórios finais de pesquisa, leva em conta a visão dos
instrumentos culturais anteriormente mencionados, quais sejam, a escrita, a fala e a
leitura, especificamente, no âmbito da explicitação dos diferentes passos do fazer
pesquisa, como o problema de pesquisa, a hipótese, os resultados etc. Buscaram-se
indícios, na análise do relatório, quanto ao comparecimento da mediação de tais
instrumentos culturais no aprender a fazer pesquisa vivenciado pelos estudantes.
O capítulo a seguir passa a apresentar e discutir resultados construídos no
processo da investigação, com base nos pressupostos teóricos anteriormente
explicitados.
75
Cap 3 A Formação Inicial pela Pesquisa - Interlocuções no Âmbito do
Contexto Prático Investigado
No presente capítulo é explicitada a vivência do aprender a fazer pesquisa no
âmbito do Curso acompanhado. Inicia-se por apresentar os resultados das análises
documentais do Projeto do Curso, das Ementas Curriculares e dos Planos de
Ensino. Na segunda parte do capítulo, com base na análise dos questionários e das
entrevistas realizadas com os licenciandos relata-se a vivência do fazer pesquisa
nos Componentes Curriculares acompanhados, com atenção para algumas
categorias de pesquisa. Na continuidade do capítulo discute-se os resultados da
análise dos relatórios finais de pesquisa dos licenciandos, objetiva-se a qualificação
da pesquisa executada por eles, quanto a modos de apropriação dos instrumentos
culturais do fazer pesquisa. E ao finalizar este capítulo traz-se os resultados obtidos
da análise dos registros do caderno de campo das aulas de PEQ I, num objetivo de
explicitar a prática do aprender a fazer pesquisa no âmbito de uma sala de aula.
3.1. Um Olhar sobre o Projeto Curricular do Curso Acompanhado
A análise documental do Projeto do Curso mostrou que a sua proposta
inovadora consiste na “preocupação com a formação do professor de Ciências e
Química ao longo de todo o desenvolvimento do Curso”. Também comparece no
referido Projeto que a formação “será orientada pela pesquisa nesses campos e pela
pesquisa executada pelos próprios estudantes em interação com os professores da
Licenciatura” (Projeto do Curso, p. 04).
76
O episódio recortado na apresentação do Curso denota que a preocupação
que permeia o Curso é a formação do professor, e que para melhoria da formação
inicial é proposto o fazer pesquisa junto aos licenciandos. Num outro momento do
Projeto isto fica mais evidenciado:
temos desenvolvido a pesquisa como prática formativa dos professores,
acreditando que isso possa produzir mudanças mais permanentes e
sólidas (p.08).
Decorre destes dizeres que o Curso assume a importância do fazer pesquisa
ao longo da formação docente inicial, corroborando assim com o campo empírico
que estava sendo buscado.
A análise mostrou que um aspecto destacado nos dizeres do Projeto do
Curso está relacionado à preocupação deste com a melhoria da formação docente,
e que, neste âmbito, foi criado
um grupo de professores e pesquisadores voltado especificamente à
formação dos professores e ao desenvolvimento de currículo no ensino de
ciências nas escolas em interação com os professores de ciências. É o
GIPEC-UNIJUÍ [Grifo nosso] (p.13).
O trecho transcrito denota que a criação de tal grupo tem como preocupação
específica a formação docente. Segundo o Projeto do Curso, a criação deste grupo
se justifica devido aos professores da área da Química, estarem
mais preocupados em transmitir conhecimentos específicos desses
campos necessários para os novos profissionais, mas distantes das
necessidades de formação de professores (p.13).
Este posicionamento remete para a problemática ainda persistente quanto à
dicotomia entre um grupo de professores que se preocupa ‘especificamente’ com a
formação do professor, de outro grupo, com preocupação em ensinar os conteúdos
específicos de Química, sem se preocupar diretamente com a formação docente. O
episódio mostra indícios de que a prática do Curso ainda denota resquícios de um
modelo baseado na lógica tecnicista de formação, remetendo para a importância de
articular alguns dos professores, aos quais cabe a formação ‘pedagógica’ com
outros, aos quais cabe a formação ‘específica’. O problema está na usual
77
desarticulação entre os dois grupos. Acredita-se que a necessidade de formação de
um grupo que se preocupe com a formação do professor como um todo, como é o
caso do GIPEC (Grupo Interdepartamental de Pesquisa sobre Educação em
Ciências) também pode ser visto como uma alternativa de caminho que busca a
superação da formação apenas tecnicista a qual supervaloriza os conhecimentos da
área específica.
Considerando a importância das investigações concernentes a este grupo de
docentes, o Projeto referencia que:
este grupo tem entre seus objetivos produzir um entendimento do que seja
a Educação Básica na formação dos adolescentes, vendo-a muito mais do
que um simples trampolim para a Educação Universitária (p.13).
A importância deste grupo, como refere o projeto, está na possibilidade de
ampliar concepções quanto ao aprender e o ensinar química numa superação do
modelo usual de ensino de ciências centrado na reprodução, cópia, memorização de
conteúdos escolares.
Outro aspecto do Projeto do Curso que, mediante análise, foi considerado
propulsor para a superação ao modelo tecnicista é o que diz respeito à importância
da articulação entre teoria e prática, concebendo uma formação inicial com vistas à
superação de um ensino tradicional, como mostram os dizeres do Projeto,
a dinâmica de organização curricular do Curso se configura através de
espaços - tempos instituídos e articulados pela pesquisa com vistas à
superação: do modelo apenas disciplinar de ensino e formação, da
desarticulação entre teoria e prática
(p.16).
Denota-se que a prática da pesquisa, articulada ao longo da formação é vista
como propulsora na superação de descompassos decorrentes da racionalidade
técnica, como a dicotomia entre teoria e prática. São esses alguns dos pressupostos
trazidos na hipótese deste trabalho e que se almeja investigar no contexto prático do
fazer pesquisa em Componentes Curriculares do Curso em questão.
Quanto ao perfil do profissional que o Curso se propõe a formar, de acordo
com os dizeres do Projeto, consiste num professor
78
com conhecimentos, habilidades, atitudes, posturas e comportamento
próprios do educador de Ciências no Ensino Fundamental e Química no
Ensino Médio (p.17).
A análise do Projeto mostrou, ainda, que há expectativa de que o profissional
egresso do Curso tenha vivenciado e incorporado características como:
domínio dos conteúdos, com metodologias de ensino adequadas, com
postura crítica sobre o ensino e a avaliação, com visão objetiva clara
dentro da Escola e da Sociedade, que tenha meios e condições para
contribuir de forma decisiva, na promoção de melhorias em vários
aspectos da vida do Homem, principalmente nos ligados ao meio
ambiente, à natureza, à alimentação, à saúde, à energia, à agricultura, à
tecnologia, com vistas à melhoria da qualidade da vida entendida como um
todo (p.18).
Entende-se que esta proposta de formação amplia e supera a visão simplista
de que para ser professor bastaria saber os conteúdos específicos que vai ensinar,
pois, considera que o professor não é um sujeito a par da sociedade, mas que se
encontra inserido nela, que é acima de tudo um cidadão, que precisa contribuir para
o desenvolvimento desta sociedade. Denota-se uma perspectiva da formação de um
profissional crítico, comprometido com o seu fazer social, que busque melhorias para
sua prática de ensino, que busque propiciar aprendizagens significativas, que se
atualize, que busque informações (Cf p.17-18). Esta proposta de formação referida
no Projeto do Curso corrobora com a perspectiva de formação de um professor
pesquisador em formação inicial.
A análise do Projeto do Curso mostrou ainda aspectos da organização
curricular, sendo que esta compõe quatro eixos de formação, que estão “articulados
entre si com vistas à formação plena do profissional (p 19). Quanto aos conteúdos
curriculares
de natureza científico-cultural, no projeto é dito que:
visam ao domínio dos conhecimentos científicos em cada área,
abrangendo os conteúdos necessários ao desenvolvimento das
competências exigidas para o exercício profissional (...) nestes estão
previstos os componentes da formação geral humanística os quais
possibilitam uma visão crítica da complexidade educacional possibilitando
a reelaboração de concepções de Tecnologia, Desenvolvimento,
Sociedade, Política e Cultura (p.19).
79
E quanto aos demais componentes é relatado que:
propiciam o conhecimento teórico das diferentes concepções sobre
temáticas da formação do professor, através de estudos, análises,
reflexões sobre teorias do conhecimento, da aprendizagem enfocando
aspectos pedagógicos, psicológicos, epistemológicos e metodológicos,
estruturantes do processo ensino aprendizagem. Visam, também articular
os diferentes componentes curriculares entre si, buscando a inserção dos
estudantes na realidade escolar (p. 20).
O Anexo IV mostra a organização geral do currículo e a semestralização do
Curso acompanhado. A análise da organização curricular mostrou que há propostas
que visam superar alguns aspectos decorrentes do modelo da racionalidade técnica.
Segundo Schnetzler os currículos deste modelo tendem a
separar o mundo acadêmico do mundo da prática. Por isso, procuram
propiciar um sólido conhecimento básico-teórico no início do curso, com a
subseqüente introdução de disciplinas de ciências aplicadas desse
conhecimento para, ao final, chegarem à prática profissional com os
estágios usuais de final de curso ( SCHNETZLER, 2000, p. 21).
A proposta de formação que decorre da análise da organização curricular e
dos dizeres do Projeto do Curso consiste numa busca de articulação universidade
escola que perpassa ao longo dos semestres, não apenas no final do Curso,
conforme mostra o trecho recortado:
a interação no espaço profissional e a formação pela pesquisa perpassam
o curso como um todo, desde o primeiro semestre, assim como a inserção
na universidade e no curso se prolonga até o seu final
(p. 22).
A preocupação da interação do licenciando no espaço escolar desde o inicio
do Curso evidencia aspectos de superação quanto à dicotomia entre teoria e prática
concernente ao modelo tecnicista de formação. No episódio acima descrito, também
é reafirmado a ‘formação pela pesquisa’ como elemento articulador da formação
docente inicial.
80
3.1.1 O Fazer Pesquisa num Olhar para Ementas Curriculares
Partindo da organização geral do currículo do Curso, e devido aos resultados
obtidos mediante a análise do Projeto do mesmo, que denotou ser a pesquisa um
eixo articulador do currículo perpassando ao longo de todos os semestres, em
diferentes componentes curriculares, realizou-se uma análise da Grade Curricular e
das Ementas Curriculares de todos os componentes do Curso.
O foco de investigação voltou-se para os espaços curriculares que
propunham a prática do fazer pesquisa. Tais espaços identificados foram analisados
quanto a como são articuladores do fazer pesquisa, com base nos critérios
propostos por autores e referidos, como Demo (1998; 1999); Galiazzi (2003);
Marques (2001); Moraes (1998); Moraes, Galiazzi e Ramos (1998).
No processo de análise foram identificados aspectos do fazer pesquisa em
diversos componentes curriculares, tendo sido mais explicitamente presentes os que
seguem:
- Seminário de I à V;
- Pesquisa e Formação;
- Pesquisa em Ensino de Química I e II;
- Pesquisa no Ensino de Ciências I e II;
- Trabalho de Conclusão de Curso.
Esses componentes, de acordo com as suas propostas, implicam a
participação dos licenciandos na busca de conhecimentos, numa visão diferenciada
de ensino. Corroboram com os dizeres de Moraes quanto ao educar pela pesquisa:
a educação pela pesquisa, superando as limitações da aula tradicional,
cópia da cópia, pretende a transformação dos alunos de objetos em
sujeitos da relação pedagógica, envolvendo-os individualmente e em
grupos em reconstruções e produções, atingindo uma nova compreensão
do aprender tanto para os alunos como para os professores (MORAES,
1998, p. 136).
Foi nesse sentido mais amplo, o da superação da aula tradicional ‘cópia da
cópia’, que os diferentes componentes curriculares foram selecionados como sendo
articuladores do fazer pesquisa, pois propõem nas suas ementas:
81
elaboração de relatórios, de memoriais buscando aliar a prática à teoria com
base no exercício do escrever, e da reflexão sobre o ensino;
desenvolvimento de projetos de pesquisas pelos próprios licenciandos;
tornando-os sujeitos participantes de todos os passos da realização da
pesquisa;
elaboração de artigos, resumos, apresentações com o objetivo de socializar a
pesquisa desenvolvida pelos diferentes grupos de estudantes;
em todas elas, de forma diferenciada, pode-se perceber a proposta de
participação dos alunos, da produção escrita, da leitura como mediadora do
processo de aprendizagem.
A análise das ementas mostrou também que os Componentes Curriculares,
Pesquisa em Ensino de Ciências I e II (PEC I e II) e Pesquisa em Ensino de Química
I e II (PEQ I e II) propõem que todos os estudantes executem projetos de pesquisa
em diferentes temáticas relativas ao ensino, participando de cada etapa de
execução da pesquisa. Corroboram a posição de Galiazzi (2003), de que uma das
formas de possibilitar uma articulação significativa da pesquisa ao longo da
formação consiste na proposta de todos os licenciandos atuarem em projetos de
pesquisa em educação e, assim, participarem das diferentes etapas desde a
elaboração e execução do projeto de pesquisa atuando como pesquisadores
iniciantes, argumentando e tomando decisões.
No entanto, como referido, esta pesquisa focalizou os componentes PEC I
e II. Posteriormente, incluiu PEQ I. A seguir, são apresentados aspectos da análise
dos Planos de Ensino, especificamente, dos Componentes Curriculares recortados,
compondo o campo empírico da investigação.
3.1.2. Uma Análise dos Planos de Ensino dos Componentes Curriculares
Investigados
Em decorrência dos resultados da análise das Ementas Curriculares, e
considerando a importância dada ao licenciando em participar de todas as etapas
dos processos do fazer pesquisa, com vistas à constituição de um professor
pesquisador em formação inicial, selecionou-se os Componentes Curriculares:
82
Pesquisa em Ensino de Ciências I e Pesquisa em Ensino de Ciências II para serem
investigados. A seguir são apresentados e discutidos resultados da análise dos seus
Planos de Ensino.
A análise mostrou que, apesar de serem dois Componentes Curriculares,
possuem vínculos de continuidade entre si. Nos dizeres dos Planos de Ensino
constituem uma unidade de formação que visa a ensinar a pesquisa como
processo formativo na Área de Ciências e em seu processo pedagógico.
Evidenciou-se que o objetivo principal destes Componentes é o “ensinar a
pesquisa como processo formativo”. A análise dos Planos de Ensino evidenciou que
os procedimentos realizados para este ensinar a pesquisa consistem na elaboração
e execução de um projeto de pesquisa, até a socialização dos resultados
construídos.
As atividades propostas no Componente Curricular de Pesquisa em Ensino de
Ciências I (PEC I) são:
elaboração do ‘Memorial sobre a Formação Escolar em Ciências’,
momento de reflexão sobre vivências anteriores e atuais no campo de
exercício da prática docente, construindo subsídios importantes para a
composição da problemática da pesquisa.
Decorre desta proposta de trabalho que os licenciandos partam da sua
vivência como estudantes, das suas memórias quanto a diferentes formas de ensino
de Ciências, suas dificuldades ou satisfações vivenciadas.
A elaboração do memorial consistiu num primeiro exercício de escrita
individual. Partindo deste memorial, os licenciandos, com a orientação do professor,
constroem suas propostas de pesquisa, como mostra o episódio que segue:
Partindo de seu próprio memorial sobre a formação anterior em Ciências, o
estudante da licenciatura será orientado a identificar problemas e possíveis
questões de pesquisa e para a elaboração de um projeto de pesquisa, que
será desenvolvido à medida que vai aprofundando a compreensão da Área
de Ciências e seus desdobramentos no ensino.
83
Tal atividade de escrita do memorial têm coerência com os dizeres das
Diretrizes Curriculares Nacionais quanto à
importância de experiências individuais, como a produção do memorial do
professor em formação, a recuperação de sua história de aluno, suas
reflexões sobre sua atuação profissional, projetos de investigação sobre
temas específicos (BRASIL, 2001, p. 42).
O exercício da escrita do memorial de cada licenciando é visto como
alternativa para a melhoria da formação docente. Acredita-se que ao escrever seu
memorial o licenciando busca refletir e problematizar diferentes concepções do ser
professor e do ensinar ciências decorrentes de toda a escolarização anterior.
É importante destacar do trecho anteriormente citado, os dizeres de que “o
estudante de licenciatura se orientado a identificar (...)”. Denota a importância
dada para a orientação do professor, desde o inicio das atividades no âmbito do
aprender a fazer pesquisa. O professor atua como mediador deste processo,
ajudando o licenciando a delimitar, de acordo com o seu memorial, um problema de
pesquisa e posteriormente a escolher um caminho de pesquisa. Reafirma-se, com
isso, que as diferentes etapas que constituem o fazer pesquisa necessitam ser
significadas junto aos estudantes que são iniciantes do fazer pesquisa através da
orientação do professor que já é um pesquisador.
A análise mostrou, ainda, que é a execução das diferentes etapas do fazer
pesquisa que compõe as atividades no decorrer do Componente Curricular:
Pesquisa em Ensino de Ciências I (PEC I). Nos dizeres do Plano de Ensino o que se
propõe é:
elaboração do projeto piloto da pesquisa sobre a realidade escolar em
Ciências; execução da parte empírica da pesquisa, em fase piloto, com a
elaboração dos registros referentes ao contexto escolar; construção,
análise e discussão de dados de pesquisa com construção de trabalhos
em forma escrita usando formatos e tecnologias recomendados para a
divulgação científica (resumos, artigos, apresentação na forma de pôsteres
e na forma oral, com uso de multimídias, incluindo o uso do projetor);
socialização de resultados preliminares da pesquisa no âmbito da
disciplina.
As atividades propostas no decorrer do Componente Curricular: Pesquisa em
Ensino de Ciências II (PEC II), são:
84
(re)elaboração do projeto da pesquisa sobre a realidade escolar, em
Ciências; execução da parte empírica da pesquisa com a elaboração dos
registros sobre o contexto escolar; atividades de interação com
professor(es) da escola - participantes na condição de sujeitos de pesquisa
visando mediar processos de construção de melhorias no ensino escolar;
construção, análise e discussão dos dados de pesquisa com a construção
dos trabalhos em forma escrita, incluindo formas de publicação de
resultados, usando formatos e tecnologias recomendados para a
divulgação científica (resumos, artigos, apresentação em forma de
pôsteres e na forma oral, com uso de multimídias, incluindo o uso do
projetor); socialização dos resultados da pesquisa dentro e/ou fora do
âmbito da disciplina.
As atividades propostas nos Planos de Ensino evidenciam que os dois
Componentes Curriculares propõem a execução das diferentes etapas do fazer
pesquisa por parte dos licenciados, uma de forma piloto, mais fechada para o âmbito
da própria disciplina e a outra com proposições de uma socialização mais ampla,
fora do âmbito do Curso. Estas etapas de execução serão discutidas
posteriormente, com atenção, também, para a produção decorrente deste processo
de pesquisa.
Um aspecto importante que decorre da análise do Plano de Ensino do
Componente PEC II foi a atenção dada à importância do comparecimento
sistemático do referencial teórico no fazer pesquisa, como mostra o trecho
selecionado:
os estudantes vivenciam processos de construção e análise de dados de
pesquisa mediante o uso de referenciais teóricos que permitem inseri-los
numa abordagem atual sobre a pesquisa em educação, na área.
Neste sentido Maldaner (2003) ressalta a importância de o professor já na sua
formação inicial ter contato com a pesquisa educacional. Nos dizeres deste autor, “o
professor está afastado das pesquisas educacionais porque o espaço não lhe foi
indicado em sua formação inicial e nem em sua formação continuada“ (p.89). Tem-
se uma atenção voltada para como pode ser percebida nas produções dos
estudantes a articulação entre os referenciais teóricos, as suas concepções e os
resultados empíricos da pesquisa por eles realizada.
85
O outro Componente Curricular PEQ I, incluído posteriormente para ser
investigado, propõe em sua ementa:
partindo do próprio memorial sobre a formação escolar em Química, uma
primeira tematização de pesquisa permitirá a aprendizagem da elaboração
de pequenos projetos de pesquisa. Esses projetos serão desenvolvidos na
forma de um projeto piloto até o seu relatório final, permitindo que cada
acadêmico sozinho e/ou em pequeno grupo siga todos os passos de
elaboração de uma pesquisa
.
A referida ementa mostra que a sua proposta de trabalho coincide com a
proposta desenvolvida em PEC I e II, sendo que PEQ I e II estão voltadas para a
formação para o Ensino de Química (no Ensino Médio), enquanto as PEC são
voltadas para a formação em Ciências (Ensino Fundamental). Mas as atividades
propostas são semelhantes.
6
Segue a apresentação e discussão de resultados a partir de percepções
expressas por licenciandos que vivenciaram o fazer pesquisa em estudo.
3.2. Percepções dos Licenciandos sobre o Fazer Pesquisa Vivenciado
Tendo sido aplicados os questionários, conforme mencionado, foram
planejadas e realizadas entrevistas semi-estruturadas com três licenciandos que
vivenciaram o fazer pesquisa nos Componentes Curriculares PEC I e PEC II. Com a
transcrição das fitas magnéticas (gravadas em áudio), aliada aos questionários,
foram produzidos importantes materiais empíricos. Seguem-se alguns resultados,
construídos mediante recortes procedidos nos materiais empíricos, articuladamente
à identificação das categorias de análise, abaixo citadas e caracterizadas, no âmbito
dos Componentes Curriculares PEC I e II.
(I) Percepções gerais sobre o aprender a fazer pesquisa
Nesta categoria os licenciandos expressam percepções gerais quanto ao
processo do fazer pesquisa vivenciado, estabelecendo relações com outros
6
PEQ I aconteceu antes de PEC I para a turma que foi acompanhada em sala de aula, como
mostram os anexos IV e V.
86
componentes curriculares, com atenção especial à relação professor-aluno, aos
conteúdos, à metodologia, à avaliação.
(II) Percepções sobre como foi e se foi realizado o fazer pesquisa
Nessa categoria, os licenciandos expressam diferentes percepções sobre
como foram, e se foram realizadas, diferentes etapas do fazer pesquisa propostas
nos respectivos Planos de Ensino.
(III) Percepções sobre limites vivenciados na prática do fazer pesquisa
Os licenciandos manifestam suas visões quanto a dificuldades ou limites por
eles percebidos e vivenciados, na prática do fazer pesquisa.
(IV) Percepções sobre contribuições dos Componentes para a formação
A atenção dos licenciandos volta-se para contribuições dos Componentes
investigados para a sua formação de professor, enquanto professor pesquisador.
Cada um destes aspectos é tratado, separadamente, a seguir.
3.2.1 Percepções Gerais dos Licenciandos sobre o Aprender a Fazer
Pesquisa
Na análise dos questionários e das entrevistas dos licenciandos
7
foram
procedidos recortes de suas respostas, representativos de suas visões sobre os
Componentes Curriculares PEC I e II enquanto espaços articuladores do fazer
pesquisa em sala de aula. No episódio que segue, a licencianda Joana justifica a
consideração de tais Componentes Curriculares como espaços de ‘formação pela
pesquisa’. No questionário, ela escreveu que:
L. Joana: não são aulas de conteúdos específicos, nem aulas com
atividades experimentais, mas aulas em que você discute, opina, busca
compreender melhor, analisar e pesquisar sobre a educação.
7
Os nomes utilizados no decorrer da análise são nomes fictícios, preservando assim, a identificação
dos sujeitos participantes da pesquisa.
87
A análise da escrita de Joana denota características da sua percepção em
relação a outras disciplinas do Curso. A licencianda remete o fazer pesquisa aos
componentes que discutem questões relativas à educação. De acordo com Joana
não são “aulas de conteúdos específicos” químicos e nem “aulas com atividades
experimentais”. Na oportunidade da entrevista, solicitou-se que Joana explicasse
melhor este seu posicionamento em relação às diferenças entre as disciplinas de
conteúdo específico, das aulas com experimentação, e as que abordam a educação:
L. Joana (...) a maior diferença é no conteúdo, porque estas, pedagógicas,
geralmente, quase nunca tem prova; a primeira coisa é só trabalho e
pesquisa. E nas atividades experimentais, laboratório, geralmente é
receita pega mistura (...) E disciplinas como Orgânica, Inorgânica é
conteúdo, não têm, é horrível aquilo.
Joana explicita a sua percepção quanto a diferenças nos conteúdos e nas
metodologias entre as disciplinas que abordam o fazer pesquisa das demais. A visão
expressa por Joana denota que, no âmbito de seu Curso de Licenciatura,
possivelmente, apenas nas disciplinas relacionadas com a educação teriam sido
vivenciadas práticas do fazer pesquisa, possibilitando espaços do ‘educar pela
pesquisa’ em sala de aula.
Joana aponta, também, diferenças quanto à avaliação, de ter ou não prova.
Em relação aos todos de avaliação, a licencianda Clara também se pronunciou
sobre a avaliação vivenciada nos Componentes Curriculares investigados. Em sua
entrevista, ela dizia que:
L. Clara (...) foi avaliado tudo, todo o processo porque a gente escreveu e
durante muito tempo você pesquisa e realmente é avaliado o conjunto, não
é em partes.
Os dizeres de Clara denotam um entendimento de que ocorreu uma avaliação
de todo o processo. Esta avaliação, numa sala de aula com pesquisa, corrobora com
a posição de Demo (2005) que destaca a importância da avaliação ser entendida
como um “processo constante de acompanhamento da evolução do aluno” (p. 37).
Este autor afirma, ainda, ser importante que o estudante tenha “a confiança de que é
avaliado pelo desempenho geral e globalizado” (p. 37), e assim, a avaliação deixa
88
de ser um ato isolado, e passa a ser algo natural envolvida no decorrer de todo o
processo.
Clara, ao caracterizar os Componentes Curriculares investigados como
espaços de ‘formação pela pesquisa’, escreveu, no questionário:
L. Clara: é preciso leituras, entrevistas, e construção de significados
próprios a partir dessas idéias. O que contribui muito para a nossa
formação.
Clara, expressou diferentes etapas vivenciadas no processo, como leituras, a
parte metodológica, a construção de resultados, de entendimentos próprios. Sua
manifestação denota uma visão importante sobre o fazer pesquisa, ao mencionar a
“construção de significados próprios a partir dessas idéias”. Retorna-se,
posteriormente, a essa ênfase, quanto às diferentes etapas do fazer pesquisa.
Uma escrita de Joana, no questionário, mostra a valorização da sua
participação nos Componentes,
L. Joana: foi de grande valia, pelo fato de aprender de outra maneira,
deixando de lado o modo tradicional.
Na oportunidade da entrevista, solicitou-se que explicasse melhor o seu
entendimento quanto ao modo tradicional de ensino e o vivenciado em PEC I e II.
Joana assim se expressou:
L. Joana: quanto ao modo tradicional é o professor na frente o aluno
sentado na classe escutando. Com a pesquisa a gente aprende muito
mais, porque tem dias que tu fica sentado na sala e não consegue prestar
atenção, fica só o corpo presente, na pesquisa não, tu te envolve, tu
consegue fazer.
Neste sentido, considerando a posição de Joana, percebe-se que a licencianda
vivenciou as interações na prática do fazer pesquisa, considerando tal prática mais
motivadora, sendo que, nos seus dizeres afirma que na aula com pesquisa “tu te
envolve, tu consegue fazer”. Esta licencianda denota uma posição de que nas aulas
do “modo tradicional”, há uma maior dificuldade de participação no processo de ensino
89
e aprendizagem. Joana também se posiciona quanto a sua experiência de aluna em
séries anteriores:
L. Joana (...) se tu começa desde a quinta, sexta série tendo uma
professora que te instigue a pesquisar, que faz perguntas, tu não vai
chegar na faculdade e ficar quieto. Isso é toda uma vivência.
Na fala de Joana percebe-se a sua conscientização, a partir de sua vivência e
da sua formação inicial, de que é preciso uma mudança nas práticas de sala de
aula. Ela sugere o fazer pesquisa no decorrer de toda formação escolar como
propiciador da formação de sujeitos mais participativos em sala de aula, superando
a visão de um aluno que apenas escuta. Não problematizar essas visões é algo que
dificulta as propostas de mudança na educação.
Na sala de aula com pesquisa prevalece tendencionalmente a participação do
estudante nas atividades, numa superação de sujeito que apenas ‘reproduz’, copia
para a de sujeito que participa interativamente e busca (re) construir. Portanto, é
válida a argumentação em favor de espaços do aprender a fazer pesquisa durante a
escolarização, em particular, durante a formação inicial docente e na importância da
participação dos licenciandos em cada etapa do fazer pesquisa.
Acredita-se, com base nos resultados construídos, que esta vivência é
importante na constituição do licenciando como um sujeito interativo da relação
pedagógica. E deve ser vista como contribuinte para a constituição de um professor
que se torne capaz de argumentar, de criticar, de expor a sua opinião, visto que
cultiva na sua formação inicial dimensões da crítica, da participação, alimentando o
processo de construção própria, de que não deve ser refém apenas das idéias dos
outros, mas que é capaz de construir seus próprios conhecimentos. Esta perspectiva
é salientada na fala do licenciando José:
L. José: estas disciplinas contribuíram bastante. Criam uma certa
consciência do estudante de questionar mais, tirar suas dúvidas (...)
Porque você vê que pode mesmo construir uma resposta.
90
A fala recortada denota que o licenciando passa a se considerar capaz de
construir conhecimentos ao vivenciar uma prática em sala de aula diferente da
tradicional, na qual é o professor que expõe o conhecimento e o aluno apenas
escuta. A fala do licenciando, de que estes componentes do fazer pesquisa “criam
uma certa consciência do estudante de questionar mais, tirar as suas dúvidas”,
remete para a afirmação de Demo (2005), de que numa sala de aula com pesquisa,
“é essencial desfazer a noção de ‘aluno’ como sendo alguém subalterno, tendente a
ignorante, que comparece para escutar, tomar nota, engolir ensinamentos” (p. 15).
Segundo o mesmo autor (2005) “é fundamental que se passe de objeto a
sujeito, implicando a participação plena do aluno, que, no fundo, deixa de ser aluno,
para tornar-se parceiro de trabalho” (p.12). Entende-se a posição de ‘parceiro’ numa
relação pedagógica que é assimétrica, onde, é importante considerar, também, que
o conhecimento não pode ser passado do professor para o aluno, de forma passiva,
sendo importante valorizar a visão de um envolvimento interativo num processo em
que tanto quem aprende quanto quem ensina sejam ativos, nas relações
pedagógicas não simétricas. No episódio que segue, transcrito a partir de uma das
entrevistas realizadas, um licenciando aponta a visão deste espaço do aprender a
fazer pesquisa como articulador de uma participação em que o sujeito é sempre
interativo:
L. José: (...) nestas disciplinas o professor ouve mais o que a gente fala,
porque a gente está com dúvidas. A gente vem com dúvida e a gente
pergunta para ele, ele tenta responder para a gente seguir a pesquisa.
Coisa que não é muito comum nas outras disciplinas, tipo, você fica um
pouco mais fechado.
Os dizeres mostram que o licenciando reconhece e explicita a sua percepção
quanto à diferença do seu próprio comportamento nos diferentes componentes
curriculares do Curso. Caracteriza a sua posição quanto à sala de aula com
pesquisa, como sendo um espaço interativo em que todos os sujeitos são
participativos, diferentemente das demais disciplinas do Curso que não trabalham
com o fazer pesquisa. É importante o licenciando conseguir se posicionar quanto as
diferentes práticas pedagógicas por ele vivenciadas, direcionar a atenção para a sua
própria formação docente. A licencianda Joana também expressou uma posição
nesse sentido:
91
L. Joana (...) em certas aulas você fica quieta, você só escuta, você não
consegue entender. Nestas [PEC I e II] todo mundo sabia o que estava
fazendo. Tinha o objetivo claro, que era o projeto. Tinha o assunto, trouxe
para sala de aula a realidade das escolas. Todo mundo opinou. Todos
perguntaram o que aconteceu na escola. Isso é legal!
A licencianda expressava-se, em tom incisivo, quanto à importância da
participação ativa dos estudantes que, cientes e aliados aos propósitos do ensino
vivenciado, são ativamente envolvidos no processo, tendo o que dizer, em cada
etapa do trabalho coletivo. O próprio estudante vai a cada etapa de realização da
pesquisa rediscutindo as teorias e os resultados, e isso possibilita a ele ter dúvidas e
questionamentos sobre o seu próprio trabalho. Também a participação de cada
licenciando aumenta. Isso, considerando, também que a prática do fazer pesquisa
foi vivenciada em grupos, portanto, há uma troca de idéias e de conhecimento
primeiramente entre os sujeitos do pequeno grupo e posteriormente uma discussão
com o grande grupo.
Nas entrevistas, outra licencianda expressou, ao caracterizar a vivência do
fazer pesquisa em sala de aula, a sua percepção quanto à relação professor-aluno,
valorizando a visão do professor que, de forma diferente, atua como um orientador,
como um mediador do processo.
L. Clara: (...) o professor deixou que a gente escrevesse com as nossas
palavras, que a gente desenvolvesse as nossas idéias, que a gente
aprendesse por si, mas, ao mesmo tempo, ele estava ali para mediar o
que estava certo ou errado. E nas outras disciplinas, muitas vezes,
simplesmente é colocado “isto é certo”, e a gente tem que aprender a
aceitar. É aquilo e deu. Não há esta mediação.
O uso, na fala da licencianda, das expressões ‘para mediar’ e ‘esta mediação’
denota que ela se apropriou, de alguma forma, de um importante conceito a ser
significado neste e noutros espaços da formação inicial de professores. Ela valoriza
uma visão quanto à autoridade do professor no processo de mediação em sala de
aula, diferenciando-a da relação de autoritarismo.
O referencial histórico-cultural chama a atenção para a importância de
compreender as interações dos sujeitos e, assim, desenvolvê-las de forma
consciente e intencionalmente construtiva, nos espaços de convivência como os das
92
salas de aula. Isso, considerando que é na relação com o outro, numa atividade
prática comum, que o sujeito se constitui e se desenvolve como ser humano. No
contexto formativo acompanhado, isso implica que é essencialmente na relação com
o professor do Componente Curricular como orientador, que os licenciandos passam
a se constituir como professores pesquisadores, na medida em que aprendem, pela
vivência, cada passo do fazer pesquisa na área da Educação em Ciências.
Esta interação, a possibilidade de aprender com o outro, da necessidade da
mediação e da imitação que extrapola a simples cópia, mas que, propicia a
reconstrução do que é observado externamente pelo sujeito. Este processo é
explicitado por uma fala de um licenciando ao referir-se à construção de categorias
de análise:
L. José: (...) o professor começou deu algumas dicas para nós de como
fazer categorização, que a gente não tinha muita idéia de como fazer. Foi
a primeira pesquisa mesmo. Ele deu um exemplo: ‘neste trecho fala disso
então pode fazer as seguintes categorias’, ‘e neste outro trecho tem tal
categoria’. Pronto, daí a gente pegou, leu tudo, categorizou. Conseguimos
algumas novas categorias, que o professor não tinha falado. Foi bem
difícil! Mas ele deu as orientações de como seguir.
Neste sentido, da importância do aprender a fazer pesquisa sob supervisão
de um professor pesquisador, Lüdke (2001a) diz que:
com o auxílio desse professor, pode-se assegurar a introdução do elemento
crítico, imprescindível em todas as fases da formação do futuro
pesquisador, seja no domínio da teoria, onde ele vai se familiarizar, com as
questões básicas pertinentes ao problema estudado, seja no campo da
metodologia, onde ele vai conhecer os recursos que o permitam escolher os
caminhos apropriados para enfrentar o desafio de construir conhecimentos
a respeito desse problema (LÜDKE, 2001a, p. 49-50).
É com a orientação do professor que os licenciandos aprendem a executar os
passos de uma pesquisa. Neste sentido, a licencianda Clara reconhece a
importância do auxílio do professor no decorrer do processo, como mostra o
episódio que segue:
L. Clara: no inicio parecia tudo muito difícil, quando o professor colocou
que nós iríamos fazer um projeto, e nós não sabíamos como fazer (...) No
momento em que a gente foi realizando, o professor foi ajudando e a gente
foi aprendendo e foi se motivando. No final o resultado foi de um trabalho
muito positivo.
93
Denota-se da fala da licencianda Clara que esse aprendizado não é simples e
exige a participação e o empenho de cada estudante e também do professor como
mediador no decorrer do processo. A fala da licencianda Joana corrobora com estas
considerações, como mostra o episódio que segue:
L. Joana: Foi difícil. Foi o primeiro projeto que a gente fez no curso.
Tivemos que re-elaborar duas ou três vezes, precisamos da orientação do
professor, que dava sugestões para melhorar. Mas na Pesquisa em
Ensino de Química, foi mais fácil.
Reafirma-se então que a prática do fazer pesquisa precisa ser ensinada,
precisa ser mediada por um professor que é um pesquisador, que saiba trabalhar
cada etapa de uma pesquisa, para assim auxiliar na constituição de novos
pesquisadores. Os dizeres de Joana de que no Componente Curricular Pesquisa em
Ensino de Química (PEQ), cursado posteriormente a PEC I e II, a execução do
projeto foi mais “fácil” corrobora com a concepção de aprendizagem proposta por
Vigotski de que aquilo que um sujeito pode fazer com assistência hoje, será capaz
de fazer sozinho amanhã (1998).
Ainda no âmbito de qualificar este fazer pesquisa vivenciado em sala de aula,
no decorrer dos Componentes Curriculares PEC I e II, a licencianda Clara assim se
expressou:
L. Clara: nessas disciplinas de PEC I e II a gente aprendeu a ler. Pesquisar
fez com que a gente criasse talvez um hábito até muitas vezes deixado de
lado (...) o escrever se tornou interessante, você começa a analisar, a
fazer críticas e no meio do processo você vai criando ânimo.
Clara, neste trecho, relata os diferentes instrumentos culturais usados na
prática do fazer pesquisa, o ler e o escrever. A análise da fala de Clara quando diz
que “a gente aprendeu a ler” evidencia a importância dada a esta vivência de leitura.
Sua posição denota, também, que não é qualquer leitura e nem qualquer modo de
ler que vai contribuir, mas que é a apropriação de leituras que se faz necessária ou
seja, a importância de aprender a dialogar com os diferentes referenciais teóricos e
assim, (re)construir suas idéias. Acredita-se que Clara, ao se referir ao ‘aprender a
ler’, se referiu a esse processo de leitura, num ambiente de argumentação e de
críticas. Clara em sua fala também mencionou a escrita como sendo participante da
94
prática do fazer pesquisa. Com base no referencial teórico, referenda-se a visão da
prática do escrever como instrumento cultural bastante específico que supera a
cópia, pois a sua prática requer do sujeito uma maior reflexão sobre o seu trabalho,
e possibilita que ao discutir com as diferentes vozes, que perpassam o processo da
escrita, o licenciando amplie e reorganize os seus conhecimentos.
A análise dos questionários e das entrevistas dos licenciandos, nesta primeira
categoria de pesquisa, que discute percepções dos licenciandos quanto à prática do
fazer pesquisa por eles vivenciada, mostrou que eles caracterizam os Componentes
PEC I e II como articuladores do fazer pesquisa em sala de aula, considerando-os
como espaços de ‘formação pela pesquisa’ numa relação que mostra diferenças
entre estes componentes curriculares de outros componentes.
Decorre também da análise dos questionários e das entrevistas a importância
dada, pelos licenciandos, ao comparecimento de uma relação pedagógica
assimétrica entre eles e o professor, que é um pesquisador, no aprender a fazer
pesquisa. Sem essa assimetria seria impossível esse aprendizado.
Outro ponto a ser destacado foi quanto à importância dada, pelos
licenciandos, ao seu posicionamento em sala de aula, reafirmando a concepção de
que a prática do fazer pesquisa propicia tendencionalmente a participação de cada
um no processo e que os estudantes passam de objetos a sujeitos interativos da
relação pedagógica. Acredita-se com base nos resultados obtidos, que foi possível
para os licenciandos produzirem compreensões quanto ao fazer pesquisa no
decorrer dos Componentes Curriculares investigados. E que esta vivência co-
participa na constituição dos licenciandos como professores pesquisadores.
O que segue traz resultados e discussões sobre as etapas do fazer pesquisa
no âmbito dos Componentes Curriculares analisados.
95
3.2.2. As Etapas do Fazer Pesquisa Vivenciadas pelos Licenciandos nos
Componentes Curriculares Acompanhados
No decorrer da entrevista foi solicitado, também, que os licenciandos
contassem, de uma maneira geral, o que lembravam dos Componentes Curriculares
PEC I e PEC II. Suas falas denotaram diferentes etapas do fazer pesquisa, por
exemplo, a elaboração escrita e execução do projeto, com todas as partes
envolvidas, as leituras, os processos de construção e análise dos resultados, as
formas de apresentação dos resultados.
As falas que seguem apresentam dizeres que denotam o comparecimento de
etapas da prática do fazer pesquisa por eles vivenciada. De acordo com José:
L. José: (...) É, a gente começou, e o professor trouxe textos que falavam
sobre epistemologia das ciências. Foram textos para a gente se situar,
começar a se envolver com ler alguma coisa diferente. Eram os primeiros
textos que a gente estava lendo que falavam sobre pesquisa mesmo. E
depois disso, a gente começou a escolher um projeto, que, tipo, foi por
escolha. Eu não me lembro se foram colocados no quadro os temas, mas
acho que fomos nós que levantamos alguns temas. E depois, foram
escolhidos os grupos. Depois, a gente começou a elaborar o projeto,
metodologia.
O inicio da fala remete para a prática de leitura, com o objetivo de iniciar os
estudantes no âmbito da pesquisa e ampliar seu entendimento sobre a prática do
fazer pesquisa. Em seguida, José se refere a “escolha” do projeto de pesquisa,
também referenciou a busca do tema de pesquisa e da metodologia. O licenciando
José ao descrever a prática de pesquisa vivenciada explicitou mais as primeiras
etapas do fazer pesquisa, bem como, aspectos que perpassam a prática do fazer
pesquisa, como a leitura e a escrita na elaboração do projeto e execução da
pesquisa. O licenciando não se posicionou, neste momento da entrevista, frente à
obtenção e a divulgação dos resultados da pesquisa.
Joana ao descrever a prática vivenciada, elucidou outros aspectos, como
mostram os dizeres que seguem:
96
L. Joana: os alunos escolheram o tema. O professor deixou livre a escolha
dos grupos, sem sorteio, cada um escolheu. Eu fiz em grupo. Éramos em
três. Cada um pesquisou, pegou material e sexta à noite a gente se
encontrava para elaborar. Mandava por e-mail. Todos colaboraram. A
gente apresentou na semana científica o trabalho de PEC II. Na I foi sobre
experimentação no ensino fundamental e na II do ensino médio.
As falas mostram a organização do grupo enquanto pesquisadores, com a
conclusão de que “todos colaboraram”, sendo este um dos propósitos do aprender a
fazer pesquisa, a importância da interação entre colegas, enquanto grupo
colaborativo. Joana, na sua fala, elucidou a apresentação da sua pesquisa na
“semana científica”, mostrando novamente a importância da socialização da
pesquisa para a sua constituão de pesquisadora. A licencianda também se referiu
ao processo de continuidade entre os Componentes Curriculares PEC I e II, como
foi discutido nos resultados da análise dos Planos de Ensino dos mesmos (item
3.1.2).
Segue o relato da Licencianda Clara sobre a prática do fazer pesquisa,
L. Clara: o que eu lembro é que foi feito grupo. A gente, primeiramente,
tentou lembrar do ensino fundamental, como que eram as nossas aulas
de ciências. A gente fez um memorial; este foi individual, e depois nos
grupos a gente escolheu um determinado assunto para pesquisar, para
fazer entrevista, para fazer um projeto piloto. neste projeto piloto cada
um escolheu um assunto. O assunto do meu grupo era sobre o livro
didático, que tem uma seqüência tradicional, e daí a gente foi pesquisar
primeiramente em várias fontes. E fomos, depois do projeto já pronto,
visitar uma escola e fazer entrevistas com professores de Ciências no
ensino fundamental, vimos também as bibliografias dos livros, de dois
livros que eram usados pelos professores, um era do Carlos Barros, outro
do Daniel Cruz. E a partir daí, a gente chegou a várias conclusões: que
ainda continuam sendo usados os livros didáticos com seqüências
tradicionais de conteúdos, de quinta a oitava série. Então, eu acho, assim,
que foi muito importante. Isso foi em Pesquisa do Ensino de Ciências I e
depois em Pesquisa do Ensino de Ciências II foi aprofundado aquele
assunto de PEC I. Então assim, foi muito interessante porque cada
assunto depois de discutido, do que cada grupo fez, a gente conseguiu ter
uma noção de várias coisas, (...) os outros grupos fizeram outros trabalhos
com os quais a gente pode também notar, descobrir coisas.
Clara na sua fala explicou mais detalhadamente algumas das etapas do fazer
pesquisa. A exemplo da escolha do tema de pesquisa, que, conforme seu
depoimento, ocorreu a partir da escrita do Memorial da formação escolar em
97
Ciências, no âmbito da PEC I. Partindo da escrita do Memorial, a escolha do tema
de pesquisa é decorrente da vivência do licenciando como estudante. Em grupos
(duplas ou trios), elegem um tema sobre algum ponto de sua vivência que lhes
chamou atenção, que foi problemático. E neste contexto, é possibilitado, ao
licenciando, buscar compreender diferentes práticas pedagógicas vivenciadas
contribuindo, assim, para a sua formação de professor.
Além da escolha do tema Clara esclarece os recursos metodológicos
utilizados para a obtenção dos dados de pesquisa, como a realização de entrevistas,
análise de livros didáticos. A mesma licencianda em sua fala ainda explicitou a
continuidade dos trabalhos em PEC I e II, e também mostrou que valoriza a
socialização de todas as pesquisas realizadas no contexto da sala de aula, conforme
seus dizeres: “os outros grupos fizeram outros trabalhos, com os quais a gente pode
também notar, descobrir coisas”.
Os depoimentos mostram que os licenciandos envolveram-se ativamente e de
forma organizada no desenvolvimento do fazer pesquisa, coerentemente com os
propósitos do Componente Curricular. Indícios evidenciam a vivência das diferentes
etapas, desde a identificação do tema e a elaboração do projeto até a execução e a
validação dos resultados, numa organização do ‘fazer pesquisa educacional’, na
formação, que pode ser relacionada com o ‘fazer pesquisa científica’, conforme
referido por Moraes (2002), com base em Demo:
cada aluno elabora uma pesquisa com marca científica; é organizado um
cronograma de fases evolutivas de produção e apresentação de trabalhos;
faz-se um questionamento e crítica públicos dos trabalhos; as aulas são
transformadas em suporte operativo da pesquisa (MORAES, 2002, p.206).
Relatos dos licenciandos, como os apresentados, corroboram a visão de que
tal prática é possível de ser desenvolvida na formação inicial, numa organização em
que, segundo Moraes, cada licenciando participa e executa cada uma das etapas do
fazer pesquisa. Acredita-se com base no referencial teórico abordado que ao
exercitar os passos da pesquisa, os licenciandos constroem, pela mediação, seus
próprios significados do que seja pesquisar, a partir dos registros de informações, da
construção de dados de pesquisa e da sua análise, com a ajuda de referenciais
98
teóricos aliados a leituras sistematicamente procedidas, na interação com o
professor orientador.
A partir dos relatos de cada licenciando, procurou-se, no decorrer das
entrevistas semi-estruturadas, aprofundar alguns dos aspectos percebidos sobre a
vivência do fazer pesquisa, por exemplo, como foi a participação do grupo, a
participação individual no decorrer do trabalho, como foi a escolha do tema de
pesquisa, as leituras, a definição e implementação da metodologia, a construção e a
interpretação dos dados com a construção de categorias de análise, a escrita e
outros.
Na oportunidade da entrevista, solicitamos aos licenciandos que explicassem
o porquê da escolha do assunto pesquisado, como foi, no grupo, a decisão sobre ‘o
que’ pesquisar. O licenciando José, que pesquisou sobre experimentação, assim se
expressou:
L. José: (...) acho que de alguma falha de nosso ensino, algum problema
que a gente achou que tinha que ter sido elaborado, aprendido melhor.
Experimentação, por exemplo, eu pouco tive no ensino médio, tive aqui na
universidade, e eu entendo que ela ajudou muito o meu aprendizado. Por
isso eu acho interessante pesquisar experimentação.
Denota-se, dos dizeres de José, que a escolha do tema de pesquisa partiu de
uma problemática por ele vivenciada quando aluno no ensino fundamental e médio.
Acredita-se que esta investigação será importante na sua constituição como
professor, ampliando seus conhecimentos quanto à experimentação no ensino de
química. A escolha dos temas de pesquisa, partindo de vivências dos estudantes,
possibilita aos licenciandos, pelo fazer pesquisa, na interação com outras teorias,
uma reflexão crítica e reconstrutiva do ser professor e do ensinar química.
O ensino do fazer pesquisa investigado abrangeu uma atividade, no decorrer
do Componente Curricular PEC I, que, segundo os licenciandos contribuiu para a
visualização do processo de uma pesquisa como um todo, desde a elaboração do
projeto até a escrita do relatório final. Os dizeres do licenciando José, que seguem,
descrevem essa atividade.
99
L. José: a gente pegou um artigo de pesquisa, de alguma revista e a gente
separou a metodologia, os objetivos, a justificativa, a conclusão daquele
referencial.
Como mostra a fala de José, a partir da leitura de um “artigo de pesquisa”, ou
seja, um artigo científico da área da Educação em Ciências, os estudantes
identificaram as partes constituintes da pesquisa, a exemplo dos objetivos, da
metodologia, entre outros aspectos.
Ficou clara, a partir de diversos depoimentos dos estudantes que, diante
dessa ‘situação real’ vivenciada no âmbito dessa atividade, foi possível aos
licenciandos, a partir de sentidos expressos e discutidos para cada etapa do fazer
pesquisa identificada no artigo em estudo, construírem significados e entendimentos
de conceitos específicos de tal prática. Neste sentido, o entendimento e a
significação de conceitos que compõe a compreensão do fazer pesquisa superam,
em muito, a fase da simples cópia e da memorização mecânica de certos conteúdos
e definições formais. Esta prática corrobora com a posição de Vigotski de que, no
processo de desenvolvimento humano, a significação dos conceitos,
requer o desenvolvimento de toda uma série de funções como a atenção
arbitrária, a memória lógica, a abstração, a comparação e a discriminação, e
todos esses processos psicológicos sumamente complexos não podem ser
simplesmente memorizados, simplesmente assimilados (VIGOTSKI, 2000,
p.246).
Inúmeros depoimentos dos licenciandos, alguns apresentados no âmbito do
presente trabalho, outros não, permitiram constatar que eles vivenciaram, na prática,
todas as etapas do fazer pesquisa já mencionadas. Identificaram o tema, elaboraram
o projeto, de forma organicamente apresentada, procederam aos registros de
informações, construíram, analisaram e apresentaram dados de pesquisa, em forma
escrita e oral. Não cabe, aqui, pela extensão deste trabalho, a descrição e análise,
com detalhes, de cada etapa vivenciada. Os dados apresentados a seguir denotam,
indiretamente, que todas as etapas foram realizadas, possibilitando chegar a um
término do processo de fazer pesquisa na formação inicial.
100
Quanto à etapa final da prática do fazer pesquisa, tratada (item 3.1.2) na
análise dos Planos de Ensino dos Componentes Curriculares, que se refere à
socialização e validação de resultados produzidos pelos licenciandos, o licenciando
José pronunciou-se como mostra a fala que segue:
L. José: A gente apresentou o projeto e os resultados aos colegas. O
projeto, na Pesquisa em Ensino de Ciências I e o projeto desenvolvido,
com as conclusões na Pesquisa de Ensino de Ciências II. A gente fez um
resumo, bem nas normas de publicação. Até a gente publicou! Apresentou,
mais adiante, num seminário de iniciação científica, e no EDEQ [Encontro
de Debates do Ensino de Química] a gente apresentou como pôster. Acho
que ficou bem bom, um trabalho bem construído. Gostei mesmo de fazer.
O depoimento denota a importância dada pelo licenciando às publicações,
apresentações e, também, para a construção de um artigo em formato publicável.
José explicita, em sua fala, que houve a apresentação das pesquisas para os
colegas, no âmbito da sala de aula, além da apresentação num ‘seminário de
iniciação científica’. Ou seja, houve a socialização no âmbito do Curso, da
universidade e, também, em âmbitos de fora, como foi o caso do EDEQ. Segundo
Galiazzi, Moraes e Ramos (2002), a sala de aula seria a comunidade mais restrita
em que a pesquisa ocorreu, e finalmente a apresentação em um evento científico,
seria uma comunidade mais ampla (p.20 e 21). Nesse sentido, Moraes diz que:
uma produção dentro do contexto de aula com pesquisa não pode limitar-se
à construção de novas compreensões num sentido individual ou de
pequeno grupo. Pela sua própria pretensão de cientificidade, necessita ser
colocada à crítica, necessita ser comunicada a um grupo maior para analise
e avaliação (MORAES, 2002, p. 212).
Acredita-se na importância desta vivência de socialização da pesquisa para a
constituição do licenciando como um sujeito que se perceba capaz de produzir
conhecimentos. Nesse sentido, Clara, que também apresentou seu trabalho no
EDEQ em forma de Pôster, disse na entrevista que:
L. Clara: é interessante porque no momento em que as pessoas passam e
vêem teu trabalho lá exposto, elas chegam, perguntam e você tem a
oportunidade de falar sobre o teu assunto pesquisado. E isso é bem
interessante.
Clara na sua fala, ao mesmo tempo em que afirma a importância da
socialização da pesquisa, aponta a importância da mesma como uma “oportunidade
101
de falar sobre o teu assunto pesquisado”. Com base no referencial histórico-cultural,
ao mesmo tempo em que fala da sua pesquisa, o licenciando, dialeticamente,
escuta, o que contribui no enriquecimento de seus conhecimentos e de sua
formação. Nas interações, ele internaliza signos e (re)constrói significados
conceituais. É nesse âmbito de entendimentos que se defende a importância da
interação com ‘outros’, desde a identificação do tema, no pequeno grupo, até a
socialização da pesquisa, dentro e fora do âmbito do Curso.
Sobre a interação com os colegas, na turma, a licencianda Joana se
pronuncia conforme segue:
L. Joana: sempre tu vai aprender alguma coisa com o teu colega, o outro
sempre vai ter alguma coisa para acrescentar para dizer. Se ele está
trabalhando na escola ele traz para o grupo a realidade da escola. E
individual tu fica com o teu pensamento.
A fala de Joana, também em outros depoimentos aqui não trazidos, mostra a
valorização das trocas de conhecimentos e de experiências ao longo da vivência dos
passos do fazer pesquisa acompanhado. O processo de aprender coletivo, que
acontece numa sala de aula com pesquisa denota o envolvimento de cada
participante, uma valorização da compreensão de um conhecimento nunca acabado,
sempre em reconstrução ao longo do andamento da pesquisa. Na sala de aula com
pesquisa prevalece, portanto, a participação do estudante nas atividades, numa
superação da posição de sujeito que apenas ‘reproduz’, copia mecanicamente para
a de sujeito que participa, interage e (re)constrói seus conhecimentos, com a ajuda
de outros.
Nesse sentido, a análise dos resultados construídos na presente investigação,
denota a importância da ‘interação com outros’, como fator de grande influência no
processo de cada etapa do fazer pesquisa; na interação dos licenciandos com o
professor orientador, com os colegas do pequeno ou do grande grupo, com os
professores de escola, com pessoas presentes no espaço da socialização dos
resultados, bem como com autores com os quais os estudantes “dialogam” na
construção de pressupostos teóricos. O licenciando José reconhece a importância
102
da interação com o referencial teórico no decorrer da realização da pesquisa,
afirmando que:
L. José: com eles a gente pode aprofundar mais. Lendo a gente pode ter
outras idéias (...) se a gente pegasse uma coisa somente nossa, a gente
não iria conseguir fazer uma pesquisa. se a gente pega um referencial,
a gente vai construindo mesmo, vai mais além.
Da fala de José percebe-se que a valorização do referencial teórico no fazer
pesquisa mostra uma posição quanto ao entendimento, por parte dos estudantes, do
que é fazer pesquisa. Subentende-se que para fazer uma pesquisa é preciso
dialogar com teorias, para ampliar seus conhecimentos, numa constante
reconstrução. Esta posição do licenciando corrobora com os dizeres de Moraes de
que:
o envolvimento em projetos de trabalhos e pesquisa permite aos
participantes um melhor conhecimento de si mesmos e do mundo,
estabelecendo relações significativas entre conhecimentos que já têm e
novos conhecimentos investigados (MORAES, 2002, p. 207).
A análise dos resultados desta categoria, que se refere às etapas do fazer
pesquisa analisado, mostrou aspectos da participação do licenciando nas mesmas.
Também mostrou que os licenciandos internalizaram de algum modo a linguagem
específica do fazer pesquisa, pois evidenciam nas etapas do fazer pesquisa a
construção do projeto, a escolha do tema de pesquisa, do referencial teórico, dos
objetivos, da socialização entre outros.
A análise denota também que os temas em estudo, partindo da formação
ambiental dos licenciandos enquanto estudantes de Ciências/Química possibilitam,
na interação com outros o professor orientador, os autores dos referenciais
teóricos construídos, os colegas, os sujeitos de pesquisa, os interlocutores na
socialização/validação da pesquisa a reflexão crítica sobre o ser professor e o
ensinar química.
Em seguida explicitam-se algumas limitações desta prática do fazer pesquisa,
as dificuldades vivenciadas pelos licenciandos no aprender a fazer pesquisa.
103
3.2.3. Os Limites do Fazer Pesquisa para os Licenciandos no Contexto
Investigado
A prática do ‘fazer pesquisa’ em sala de aula também é movida pela
dificuldade, pela resistência, pela insegurança. A licencianda Joana na entrevista
disse que uma das dificuldades foi, a de inicialmente não entender esta nova prática
de ensino:
L. Joana: no inicio acho que todos não entendiam, a primeira aula foi
complicado ele [professor] teve que explicar umas quantas vezes como
seria o trabalho, foi complicado.
Os dizeres de Joana mostram a ruptura e os entendimentos que devem ser
propiciados no âmbito de uma sala de aula com pesquisa, considerando-se que esta
prática de ensino é diferente da prática acostumada.
Neste âmbito de mudanças a dificuldade evidenciada pela licencianda Clara
foi a de entender a posição de aluno na prática do fazer pesquisa. Clara diz que na
prática do fazer pesquisa é
L. Clara: tu que tem que se monitorar, não é só ir à aula.
A fala de Clara denota a diferença percebida quanto à posição do aluno, que
no ensino tradicional permanece calado, recebendo o conteúdo por transmissão e
que na vivência do ‘educar pela pesquisa’ é preciso participar, fazendo leituras,
argumentando para, assim, reconstruir os seus conhecimentos. Neste sentido, não
basta “só ir à aula”, é necessário participar, interagir na sala de aula. Muitas vezes é
mais fácil e mais cômodo ficar na posição de sujeito que apenas assiste aula, sem
nenhum compromisso de participação efetiva. No âmbito da sala de aula com
pesquisa busca-se estudantes que discutem, que se envolvam no processo de
pesquisar, mas nem sempre a posição do estudante é essa. Com base na teoria
histórico-cultural acredita-se que um estudante mais introspectivo também pode se
envolver em cada etapa do fazer pesquisa, num nível de apropriação diferenciado.
Este âmbito muitas vezes é considerado como de dificuldades e de resistências.
104
Conforme Galiazzi et al “existe sempre uma tensão na apropriação de um novo
significado por um indivíduo ou grupo”, e com base em Wertsch, a autora argumenta
que “professores e alunos, enquanto resistem, apropriam-se, em níveis
diferenciados, dos significados do discurso que circula em aula” (2003, p. 236).
Portanto, esta resistência, ou a dificuldade encontrada por algum licenciando
em participar interativamente do processo de ensino e aprendizagem proposto numa
sala de aula com pesquisa, faz com que cada um, de forma diferenciada, se aproprie
desta prática do fazer pesquisa e se constitua ao longo do processo, como um
sujeito mais co-participativo e questionador. Vale ressaltar que, para os licenciandos,
estas foram as primeiras práticas do fazer pesquisa, e que ao longo do Curso terão
outras oportunidades de participar, executar uma pesquisa.
Foram apontadas outras dificuldades vivenciadas particularmente por cada
um dos licenciandos. Clara destacou que a sua dificuldade foi na escrita:
L. Clara: a principal dificuldade é escrever. Enquanto a gente es
realizando o projeto, não é tão difícil, mas no momento em que você
constrói o texto, é a parte mais difícil, porque você não sabe muitas vezes
como citar aquela determinada frase, determinado contexto. Então,
escrever é a parte mais difícil.
Mas a própria licencianda reconhece que este processo vivenciado no
decorrer do fazer pesquisa, apesar das dificuldades contribuiu para:
L. Clara: aprender a escrever melhor [e complementa dizendo], com
certeza eu posso dizer que agora eu escrevo bem melhor do que eu
escrevia antes.
Neste sentido, o licenciando José apontou como principal dificuldade
vivenciada, por ele, a criação de um diálogo entre o referencial teórico e a prática
pesquisada, diz que:
L. José: eu achei bastante dificuldade no referencial teórico de pegar as
metodologias e juntar com as análises, com os resultados das categorias e
fazer um negócio que desce uma liga, sabe. Tive bastante dificuldade
nesta parte.
105
Este diálogo entre o referencial teórico, o campo empírico e o pesquisador
será analisado com maior ênfase posteriormente (item 4,2) nos resultados da análise
do projeto de pesquisa.
No âmbito das dificuldades evidenciadas pelos licenciandos uma limitação
apontada pela licencianda Clara, no decorrer da sua entrevista, foi a da necessidade
de mais tempo para aprender e executar a pesquisa:
L. Clara: como os trabalhos são muitos, eu acho que teria que ter mais
tempo, mais encontros.
Os dizeres de Clara denotam uma limitação quanto à carga horária dos
Componentes, PEC I e II, no âmbito do Curso. O reduzido tempo de aula destes
Componentes, dificulta, segundo a licencianda, o aprendizado do fazer pesquisa.
Outra dificuldade apontada, por Joana, é o não seguimento de PEC I num
semestre e PEC II no outro, segundo a licencianda, geralmente falha de um ou
mais semestres, porém, não é o que se verifica no curso. Nos dizeres de Joana:
L. Joana: o problema é as turmas. Elas não abrem, porque geralmente não
fazem estas de pesquisa. Todo mundo pega mais as de Orgânica,
Inorgânica. Eles acham que estas são mais importantes, acham que é
essencial fazer estas e deixar as pedagógicas de lado.
A fala de Joana denota que uma predominância entre os próprios colegas
de Curso de uma visão simplista, de que para ser professor de química, basta saber
os conteúdos específicos de química, como os citados: “Orgânica, Inorgânica”. Esta
concepção, segundo Joana, é vista como um obstáculo para a abertura de turmas
nos componentes curriculares que não são específicos de química.
Assume-se uma posição de que os espaços do fazer pesquisa estão
conseguindo mudar a organização curricular baseada apenas no modelo tecnicista
de formação, porém, o que se percebe ainda, é uma desvalorização destes
Componentes em relação aos componentes específicos de química.
106
Neste âmbito curricular em que, apesar das mudanças, ainda prevalecem
resquícios do modelo baseado na racionalidade técnica, os licenciandos que
vivenciaram a prática do fazer pesquisa conseguem fazer críticas ao próprio Curso
de formação. Percebem a dicotomia que ainda persiste entre as disciplinas
específicas de química e as de pesquisa, como reforça a fala que segue:
L. Clara: essas disciplinas específicas de química, que trabalham
especificamente o conteúdo são aulas onde os professores ainda
continuam sendo professores tradicionais. Então eu acho que isso não tem
que ser separado, tipo, esta disciplina de pesquisa, onde a gente faz
pesquisa e aprende toda esta questão de método de aula, questão de
atitude, e no outro momento tu tem uma aula parece que totalmente
isolada, com outro método de ensino que tu aprende na teoria que não
deve ser. Então é bem contraditório (,,,) Eu acho que nas próprias
disciplinas de conteúdos específicos os professores deveriam atuar desta
forma, com pesquisa, de ter um método de ensino mais motivador, não ter
simplesmente aquela aula tradicional de passar o conteúdo e nós assimilar
e pronto.
Com base neste depoimento, que evidencia um contexto de dicotomias e
desvalorização, corroboramos com os dizeres de Galiazzi, que ao explicitar as
dificuldades do fazer pesquisa no âmbito de um Curso de Formação Inicial Docente
expõe que:
a grade curricular com o seu conjunto de disciplinas, o tempo que os alunos
gastam em assistir aulas ou mesmo os trabalhos solicitados aos alunos sem
que haja uma conexão entre disciplinas, mostra o entendimento dominante
da formação de professores e como nesse discurso, uma proposta com
ênfase na aprendizagem tem dificuldades de ser desenvolvida. É como o
sistema dominante e homogêneo resiste (GALIAZZI, 2003, p. 187).
Uma outra limitação que surge no decorrer do fazer pesquisa é a situação dos
alunos, haja vista este curso ser noturno e a maioria dos licenciandos trabalhar na
parte diurna. José que é bolsista de Iniciação Científica afirma que:
L. José: eu sou de Iniciação Científica, eu tenho um certo tempo de fazer
pesquisa, de me empenhar bastante, mas outros não, trabalham o dia
inteiro, fazem três, quatro disciplinas, tem poucas noites livres.
Clara que trabalha 40 horas semanais relata que:
L. Clara: Muitas vezes a gente não consegue achar muito tempo pra ler,
então tinha que ser no final de semana, ou algumas noites que eu não
tinha aula, mas é mais complicado do que se eu tivesse todo tempo livre.
107
A situação de Clara é a situação de grande parte dos acadêmicos,
principalmente de faculdades particulares e que procuram cursos noturnos por
trabalharem durante o dia. Com certeza uma situação difícil, nos dizeres de Demo,
talvez o problema mais difícil sejam os cursos noturnos, que representam ao
mesmo tempo, a chance para a juventude que trabalha durante o dia (...)
dificilmente se lê, maneja dados, procura material pertinente, elabora com
mão própria. A imagem do aluno cansado e que ainda vai enfrentar uma
viagem de volta, domina a cena, contribuindo tanto mais para que a
complacência seja preferida à competência (DEMO, 2005, p. 84).
Concorda-se com Demo, quanto à situação difícil dos estudantes que
trabalham num turno e que estudam no outro, porém, essa particularidade não
impediu que neste Curso de Química Licenciatura, de modalidade noturno, fossem
implantados diferentes espaços do fazer pesquisa. E que apesar das diferentes
restrições e dificuldades por parte da condição social dos licenciandos a pesquisa
está sendo posta em prática e resulta em trabalhos muito ricos propiciando uma
formação melhorada para estes licenciandos.
Apesar das limitações apresentadas no decorrer desta prática do fazer
pesquisa ela se constitui como uma oportunidade de diferentes crescimentos. Em
seguida serão apresentadas percepções dos licenciandos quanto a contribuições do
aprender a fazer pesquisa para a sua formação docente. Acredita-se que as
interlocuções com referenciais teóricos adequados, com o professor orientador, com
o contexto empírico investigado, vão constituindo o licenciando como um sujeito
mais crítico e argumentativo.
3.2.4 Contribuições da Prática do Fazer Pesquisa Vivenciada para a
Formação Docente
Licenciandos, ao falarem de seu Curso de Licenciatura, citavam o fazer
pesquisa como ponto positivo do seu Curso. O licenciando José, no questionário,
escreveu a percepção em relação ao Curso:
L. José: O Curso está voltado bastante para a pesquisa, quanto à
profissão de ser professor, e não preocupado apenas em aprender
química.
108
Na entrevista, o mesmo licenciando disse:
L. José: (...) eu acho que é um curso bem diversificado, comparando com
outras universidades que a gente sabe, acredito, já que tem bastante
envolvimento com a pesquisa no curso de graduação.
Percebe-se na fala de José o fazer pesquisa como sendo um diferencial, uma
característica do seu Curso de Graduação, bem como, ressalta a importância do
Curso estar voltado para a formação de professor, e denota-se ser a prática do fazer
pesquisa contribuinte para a formação docente.
Joana, ao caracterizar pontos negativos e positivos do Curso, explicita a
pesquisa como um ponto positivo para quem se forma como bacharel, expressando
uma visão simplista de quem pesquisa, da pesquisa servir apenas para o bacharel
em química e não para o professor,
L. Joana: O positivo, que é voltado bastante para pesquisa, isso ajuda para
o lado do bacharel porque, pesquisa no ensino de química, de ciências, a
gente aprendeu a fazer um trabalho bem elaborado. Eu não sei o que
ajuda para a licenciatura.
Mesmo tendo esta opinião, Joana busca explicitar possíveis contribuições
para a sua formação de professora. Conclui seu pensamento dizendo que, mesmo
num Curso de Licenciatura,
L. Joana: não se pode deixar de lado a pesquisa [e num outro momento
explicita que] (...) toda pesquisa por menor que seja contribui para a
formação.
A posição de Joana denota que a contribuição do fazer pesquisa para ela,
ainda não está bem evidenciado, sendo que, o primeiro episódio mostra que para a
licencianda a prática do fazer pesquisa contribui apenas para o bacharelado. Mas
num segundo momento retoma o fazer pesquisa como indispensável também para a
formação docente. Talvez Joana não tenha vivenciado com muita intensidade todo
este processo.
109
Clara, quanto à importância do fazer pesquisa para a sua formação disse que:
L. Clara: através da pesquisa a gente aprende muito, além do que não
simplesmente o conteúdo em si. Mas a gente aprende muito, porque a
gente tem que ir buscar e indo buscar fora você vê outras realidades, você
questiona outras coisas. Então, eu acho bastante produtivo (...). Nessas
disciplinas de pesquisa, a gente lendo e conversando em sala de aula e
fazendo entrevista com os próprios professores a gente tira conclusões
muito importantes para a nossa formação.
Por sua vez, a fala de Clara evidencia a importância do fazer pesquisa, como
sendo um processo “produtivo” e isso decorre, conforme Clara, a partir de leituras,
conversas em sala de aula e com professores de escola, novamente a importância
das interações com o referencial teórico, com os colegas, com o professor orientador
e com o contexto empírico pesquisado.
Neste sentido, a fala de Clara mostra a importância de a pesquisa estar
relacionada com professores atuantes, com práticas de ensino concretas,
diminuindo-se assim a dicotomia universidade escola. A posição desta licencianda
corrobora com os dizeres de Perrenoud (1993) de que não é qualquer tipo de
pesquisa que contribui para o processo de formação docente, para ter contribuição
estas investigações devem estar relacionadas às questões de ensino, do fazer
pedagógico.
Galiazzi tamm enfatiza a importância de nos cursos de licenciatura a
pesquisa ser em Educação, visto que esta será a área de atuação profissional do
licenciando (2003, p.59). Esta defesa da pesquisa estar relacionada com o ensino
também é encontrada nos dizeres das Diretrizes Curriculares Nacionais, “o foco
principal do ensino da pesquisa nos cursos de formação docente é o próprio
processo de ensino e de aprendizagem dos conteúdos escolares na educação
básica” (BRASIL, 2001, Parecer CNE/CP 9/2001, p.28).
Toda a vivência do fazer pesquisa amplia a visão do ser professor, pois,
propicia leituras na área da Educação Química, investigações em âmbitos práticos,
numa interação dos licenciandos com professores, escolas e diferentes realidades
educacionais, como mostra o episódio que segue:
110
L. Clara: estas pesquisas que a gente fez, abriu bastante o caminho de a
gente ver que a gente tem que tentar não ser aquele professor tradicional
que simplesmente quer colocar o conteúdo na cabeça dos alunos.
A fala de Clara, de que “a gente tem que tentar não ser aquele professor
tradicional” denota que a interação em contexto escolar propiciada pela pesquisa e a
reflexão mediada pelos referenciais teóricos e pelo professor do componente
curricular auxiliam na constituição de um olhar mais crítico do fazer docente e na
reconstrução da sua concepção quanto aos modelos de ensino e de professor, como
fica evidenciado no episódio que segue:
L. Clara: Saber o conteúdo, claro que é muito importante, que eu acho
que não é somente o que se precisa, porque ir para uma sala de aula
sabendo apenas o conteúdo qualquer um poderia ir, então não precisaria de
uma formação específica de licenciatura.
A fala de Clara denota a sua concepção de que para ser professor não basta
saber química. Denota uma superação da visão simplista, de senso comum, de que
ensinar é fácil. Com base em Marcelo (1998) assume-se que melhorar a formação
docente é buscar promover formas de reflexão quanto ao ser professor.
Nesse sentido, no âmbito da investigação, com base no referencial teórico é
primordial referendar a importância da pesquisa como aliada na formação inicial de
professores de Química enquanto propiciadora de ajudar na (re)estruturação de
concepções sobre o ser professor. Pois, submete a formação ambiental a uma
reflexão crítica, ampliando a “visão unilateral da docência” desenvolvida até o
momento (Gil Perez, 2000, p. 40). Dizemos com Galiazzi (2003) que, “o uso da
pesquisa contribui para a competência do professor (...) tornando possível a
superação de conhecimentos simplistas e de senso comum sobre o que é ser
professor” (p.55).
No ambiente de formação é primordial também uma reflexão epistemológica
sobre o conhecimento científico e suas implicações no ensino, superando a visão
tradicional de ciência, como neutra, a-histórica, imutável e verdadeira. Segundo
Moraes e Ramos (apud Galiazzi 2003, p. 56) “a pesquisa em Educação pode
contribuir também para o entendimento de aspectos epistemológicos relacionados
111
com a natureza da ciência”. Resultados denotam que a prática do fazer pesquisa
acompanhada contribuiu para uma visão crítica do conhecimento, de ciência. Nos
dizeres que seguem, José expressa uma percepção relacionada com essa dimensão
formativa, no âmbito da vivência dos passos do aprender a fazer pesquisa.
L. José: (...) é uma forma que nos faz entender que devemos sempre estar
nos qualificando, pesquisando, visto que os conhecimentos não o
prontos, acabados e isentos de interesse.
Resultados como esses permitem afirmar que a prática do fazer pesquisa
acompanhada contribuiu para o desenvolvimento de uma atitude reflexiva e de uma
visão mais crítica sobre o conhecimento e a ciência. No âmbito da formação inicial,
em particular, de professores de química é fundamental esta abordagem
epistemológica, para propiciar um ensino mais significativo, superando as crenças
quanto ao entendimento do que é ciência e sua cientificidade.
Nessa perspectiva, resultados da pesquisa corroboram a visão de que é na
vivencia com diferentes espaços e métodos educacionais que o licenciando vai
percebendo e construindo percepções quanto aos diferentes modos de ensinar,
constitutuindo-se um professor com maoir autonomia e abertura para participar
ativamente na reforma educativa necessária de ser concretizada nas práticas
escolares. Diferentes práticas e concepções pedagógicas passam a ser objeto de
discussão e reflexão, como mostra a fala do licenciando José:
L. José: (...) alguns professores exigem, são bem caxias, uma resposta
que seja mais ‘certinha’. Tem professores que não gostam que você
escreva um monte’ de coisas, querem uma coisa que seja aquilo mesmo,
não querem que você vá construindo, sabe.
A fala do licenciando Jodenota que em alguns espaços da sua formação
ele se sente inibido em expor as suas respostas, suas dúvidas, por causa do
professor, do método de ensino, dos limites postos em algumas disciplinas. Acredita-
se que o licenciando somente critica estes espaços de formação, acima referidos,
devido a sua vivência em componentes curriculares que propiciam um modo
diferente de aprendizagem. Também as leituras sobre diferentes modelos de
ensinar, e discussões propiciadas nestes espaços do fazer pesquisa vão
constituindo a posição do licenciando e o entendimento deste, frente ao processo de
112
ensinar e aprender. E assim, assume-se que o importante é o sujeito saber
diferenciar as práticas pedagógicas de maneira crítica, defendendo a sua posição a
partir das suas vivências, e buscar ampliar a sua participação nos diversos âmbitos
formativos.
Foram muitas as manifestações dos licenciandos que expressavam
contribuições do aprender a fazer pesquisa para a formação docente inicial,
extrapolando as anteriormente referidas. Além dessas, cabe colocar em destaque a
constituição do licenciando como um professor pesquisador em formação inicial que
denota um nível de desenvolvimento como um sujeito capaz de argumentar e
construir conhecimentos, mostrando indícios de superação da racionalidade técnica,
em detrimento da mera reprodução de proposições e saberes de fora.
Acredita-se que a vivência do fazer pesquisa no âmbito de um Curso de
Licenciatura deve ser vista como co-participativa para a constituição de um professor
que se torne capaz de pesquisar a sua prática, que saiba, no âmbito escolar,
delimitar questões que realmente demandam à pesquisa. Assume-se que este
aprendizado do fazer pesquisa na formação inicial de professores é que permitirá
que o professor crie na sua sala de aula um ambiente de pesquisa. A licencianda
Clara, na entrevista expressou a sua conscientização da importância de permanecer
pesquisando:
L. Clara: depois que a gente se formar com certeza não vai ter como não
continuar pesquisando, vai ser uma coisa assim quase que obrigatória
estar sempre constantemente informada (...) Eu acho que a pesquisa é
algo fundamental. Não tem como viver sem ela. Sendo professora vai ser
impossível viver a prática docente sem pesquisar.
Denota-se da fala de Clara que, ao vivenciar a prática do fazer pesquisa, o
licenciando “aprende que a atitude da pesquisa é um cotidiano, e que o professor
nunca está preparado suficientemente”, porque a pesquisa enseja a reconstrução
permanente da formação, ao longo da carreira profissional (Frizzo, p. 186, 1998). E
assim pode-se reafirmar que o professor em formação inicial ou continuada, não irá
aprender a pesquisar nem compreender a importância de pesquisar, se ele não se
apropriar dos diferentes instrumentos culturais do fazer pesquisa num processo
mediado por um orientador, que já é pesquisador.
113
Também os dizeres de Clara, da pesquisa ser constitutiva do professor, da
“impossibilidade da prática docente sem pesquisar”, corroboram com o entendimento
de Freire (1996) de que “em sua formação permanente o professor se perceba e se
assuma, por que professor, como pesquisador” (p.32). Neste sentido, outro
licenciando explicita a conscientização da necessidade da formação continuada
dizendo que,
L. José: as pesquisas fazem com que a gente sempre esteja em busca,
sabe, de procurar novas formas de ensinar, novos caminhos para seguir,
de nunca parar, de o pensar que agora estou formado e pronto, que
agora não preciso mais.
Corroborando a posição expressa pelo licenciando, defende-se, juntamente
com os dizeres de Maldaner (2003), a necessidade da “formação continuada como
inerente ao exercício profissional de professor, de complexidade crescente” (p.391).
José na sua fala evidencia que o fazer pesquisa no âmbito da formação inicial,
contribui para a conscientização da necessidade de sempre buscar teorias e práticas
novas, superando a visão simplista do ser professor, que apenas executa modelos
de ensino propostos por especialistas que se encontram fora do contexto escolar.
O aprender a fazer pesquisa contribui, conforme mostraram os depoimentos
dos licenciandos, para a formação de professores mais críticos e conscientes da
importância de pesquisar a sua prática. A análise das entrevistas mostrou, também,
que os estudantes evidenciaram a importância da mediação do professor no ensinar
e aprender os passos do fazer pesquisa, denotando que a prática do fazer pesquisa
precisa ser ensinada. Acredita-se que linguagens e conceitos são instrumentos
culturais que, em cada etapa do fazer pesquisa, precisam ser significados junto aos
estudantes, pela mediação do professor orientador. A importância dada a esta
mediação, no processo do aprender a fazer pesquisa, nos faz acreditar na
necessidade de se implantar em todos os cursos de formação inicial docente esta
prática a fim de possibilitar a atuação de professores pesquisadores em sala de aula,
pois o fazer pesquisa precisa ser ensinado e mediado por professores
pesquisadores.
114
Com o objetivo de qualificar a pesquisa realizada pelos licenciandos são
apresentados a seguir os resultados da análise dos relatórios de pesquisa dos
licenciandos entrevistados.
3.3. Qualificação do Fazer Pesquisa, Partindo da Análise de Relatórios de
Pesquisa
A análise do relatório levou em conta a visão dos instrumentos culturais
anteriormente mencionados, como a escrita, a fala, a leitura, especificamente, no
âmbito da explicitação dos diferentes passos do fazer pesquisa, na definição do
problema de pesquisa, da hipótese sica, a construção, análise e validação dos
resultados e outros. Buscou-se indícios, na análise do relatório, quanto ao
comparecimento da mediação de tais instrumentos culturais no aprender a fazer
pesquisa vivenciado pelos estudantes.
Assim, a atenção estava voltada para verificar como comparecem ‘diferentes
vozes’ na escrita do relatório da pesquisa. Vozes que, segundo Marques (2001), são
constituídas pelas teorias do autor, pelas teorias buscadas nas leituras e dos sujeitos
de pesquisa. Questionou-se sobre como, e até que ponto, os licenciandos teriam se
apropriado de discursos diversificados e como os estudantes “trazem” tal
apropriação em seus discursos, inserindo, de forma mais ou menos dialética, vozes
diversificadas na escrita do relatório da pesquisa.
Dialética, entendida, aqui, como uma forma de diálogo entre interlocutores
diversificados, com caráter transformador de conhecimentos, superando a mera
cópia ou a forma de justaposição de vozes, no âmbito do tema específico da
pesquisa. Com base em Machado pode-se dizer que “é no discurso e pelo discurso
que os conhecimentos são elaborados” (p.110) e com as palavras de Bakhtin, a
autora complementa que:
a consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo
organizado no curso de suas relações sociais. Os signos são alimento da
consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e Lea relete sua
lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação
115
ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a
consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, o sobra nada.
(BAKHTIN, apud MACHADO, 2000, p. 110).
Com essa compreensão e valorização da essencialidade da participação dos
signos e seus significados na constituição da consciência, da mente, dos sujeitos em
formação, o foco do olhar, na investigação, foi direcionado, especificamente, para a
forma de comparecimento da linguagem expressa pelos licenciandos, no sentido de
como ela denotava a apropriação de um discurso sobre um fazer bastante
específico, o do fazer pesquisa, de como a linguagem usada na elaboração do
relatório denotava compreensões sobre cada passo de tal fazer, incluindo o
problema de pesquisa, a hipótese, os objetivos, o referencial teórico, a descrição
metodológica, a execução da parte empírica da pesquisa, a construção e análise
dos resultados, as considerações. Ao entendermos a linguagem como constitutiva
do sujeito, consideramos que, ao longo da prática do fazer pesquisa, a significação
desta linguagem, aliada aos conceitos e aos significados a eles atribuídos, pode ter
sido apropriada de diferentes modos e diferentes níveis por parte de cada
licenciando, de acordo com sua dedicação à pesquisa, suas operações mentais, no
contexto, como referem os dizeres de Candela:
a construção de significados, em uma situação de interação entre muitos
indivíduos como é a sala de aula, é um processo complexo, desigual e
combinado, que evolui tanto para a construção de alguns significados
compartilhados como de outros também alternativos. No processo, são
aperfeiçoadas formas de comunicação. Mas aparecem também
incompreensões e construções paralelas (CANDELA, apud MACHADO,
2000, p. 103-104).
Aborda-se, a seguir, um resultado da análise de um dos relatórios finais da
pesquisa realizada no âmbito da PEC I, escrito por um grupo de três licenciandos
que vivenciou pela primeira vez cada etapa do fazer pesquisa, conforme referido
anteriormente. O título da pesquisa, constante no relatório analisado, é: “O Ensino
Experimental na Educação em Ciências Naturais”.
O relatório analisado contém um total de 31 páginas. Após a capa e a folha de
rosto (contra-capa), consta o Sumário, contendo os itens: Introdução p. 03; Capítulo I
– “Origem e Função da Experimentação no Ensino de Ciências Naturais” p.04;
Capítulo II “Experimentação no Ensino de Ciências Naturais Segundo Percepção
116
de Professoras e Organização de Livros Didáticos” p.08; Considerações Finais p.18;
Referências p. 20; Anexos p.22.
No relatório analisado, inicialmente, é apresentado o âmbito geral da
pesquisa, como referido na introdução do mesmo:
esta pesquisa traz uma análise da experimentação na educação em
Ciências Naturais, realizada por acadêmicos de licenciatura em química (p
03).
Ainda no primeiro parágrafo da introdução são apresentados os objetivos,
dando margem a uma certa ‘mistura de idéias’, uma vez que a mesma frase trata,
também, da metodologia da pesquisa, conforme segue:
tendo como propósito a análise de experiências de livros didáticos de
série e uma conversa com professores da mesma série com o objetivo de
sabermos quais as dificuldades que enfrentam no ato de ensinar ciências
(p. 03).
Também, neste trecho, uma certa desatenção quanto à especificidade ao
assunto enfocado que é o ensino experimental de ciências, e não o ensinar ciências
como um todo.
A hipótese, que se encontra na introdução, está formulada de uma forma
bastante clara e consistente, coerentemente com a pesquisa realizada:
Salientamos que a experimentação é uma atividade fundamental no ensino
de Ciências Naturais. Nesse sentido, nossa hipótese de pesquisa é de que
as escolas e os professores não dispõem das condições necessárias para
a realização de atividades experimentais, exigindo do professor uma boa
capacidade de improvisação. Além disso, os livros didáticos apresentam,
uma má estruturação, em que conceitos/conteúdos são separados por
áreas, ou seja dividem a disciplina de Ciências Naturais em Biologia,
Química e Física (p.03).
Ainda, na introdução, consta uma descrição sobre o que será tratado em
cada parte do relatório, situando o leitor, como mostra o recorte que segue:
segue breve fundamentação teórica sobre a experimentação e, finalmente,
descrevemos a análise de dados e a partir desta análise apresentamos
algumas considerações sobre as possibilidades de futuras pesquisas a
respeito deste assunto (p.03).
117
No capítulo I, é apresentada a fundamentação teórica. Uma explanação da
teoria, da problemática sobre o assunto a ser pesquisado. O referencial teórico
segundo os resultados da análise, foi considerado adequado, considerando-se,
também, o estágio da formação. Alguns problemas foram identificados quanto a sua
descrição, limitando-se a citações indiretas, sendo que algumas passagens denotam
a presença de trechos apenas transcritos de outros autores, mas que não estão
devidamente evidenciadas com aspas. Um exemplo é o trecho que segue:
(...) a experiência de sala de aula de cada professor é insuficiente para
mostrar que a crença de que a maioria dos alunos possa chegar à
conclusão correta a partir da experimentação, sem que algo tenha que ser
dito, é infundada (p.04).
A autoria destes dizeres está indicada após o parágrafo de forma indireta,
porém, parece que falta uma explicitação das palavras apenas transcritas da autora,
como é subentendido no trecho anterior. Ainda que compareçam episódios que
denotam dizeres, não próprios dos licenciandos e que, por isso, mereceriam ser
mais bem especificados quanto a sua autoria, a análise mostrou que ao longo do
referencial teórico, ocorre uma superação da simples cópia. Os licenciandos
posicionam-se e defendem as suas opiniões, como no episódio que segue:
(...) conforme nossas vivências/aprendizados, constatamos, que outra
grande carência é a má estruturação dos livros didáticos (...) (p.06).
A análise evidencia que os licenciandos não apenas copiam, mas se
posicionam, expressam pontos de vista decorrentes de suas vivencias, mas que
também é ‘iluminado’ por teorias a partir do que buscaram, leram e inseriram no
processo do fazer pesquisa. Isso remete à consideração do enriquecimento do
“discurso” que é portador de teorias, as pessoais e outras. Num outro momento,
dizem que,
definimos as experiências (atividades experimentais) na educação das
ciências naturais de fundamental importância para os alunos interagirem e
compreenderem o que aconteceu (...) Sabemos que, as aulas teóricas são
de difícil compreensão e fixação para os alunos (p. 06).
Ainda no âmbito do primeiro capítulo o tema da pesquisa se apresenta bem
explicitado e justificado mediante uma explanação teórica que aborda, de forma
118
fundamentada, a problemática do ensino experimental de ciências. Os licenciandos,
ao final deste capítulo que traz uma explanação teórica, referem que:
por tudo isso resolvemos desenvolver o tema de ensino experimental na
educação em Ciências Naturais para ser discutido, avaliado e analisado
pelo nosso grupo (p.06).
Nesse trecho além de reafirmarem o tema da pesquisa, justificam a pesquisa
realizada de uma forma adequada considerando o referencial teórico discutido
anteriormente.
Ainda no primeiro capítulo, apresentam a metodologia usada:
propomos analisar três livros didáticos de série utilizados nas escolas
públicas, pesquisando nesses a estruturação e a organização, ou seja,
verificando a existência de experimentos, como estão inseridos no assunto
abordado, a linguagem utilizada, e se apresentam sugestões de como
realizar os mesmos com materiais/equipamentos alternativos. Além disso,
realizamos uma entrevista/diálogo com três professoras de 8ª série do
ensino fundamental de escolas públicas (p.07).
Denota-se clareza quanto à explicitação da metodologia empregada. Num
outro momento, justificam a escolha do campo empírico para a coleta de dados,
como mostra o episódio que segue:
Escolhemos a 8ª série porque os livros didáticos utilizados são inseridos os
primeiros conceitos de Química e Física (...) (p.07).
O material empírico do trabalho, obtido mediante entrevistas com docentes e
a partir da análise dos livros didáticos, foi interpretado, no capítulo II, pelos
licenciandos, mediante a criação de categorias de análise, denotando bom nível de
elaboração enquanto pesquisa. Algumas das respostas obtidas nas entrevistas
foram transcritas no decorrer da interpretação.
A análise mostrou que o grupo buscou trazer o referencial teórico para
interpretar algumas posições das professoras entrevistadas, denotando o
comparecimento de um nível de interlocução, ainda que com caráter inicial,
considerando-se ser a primeira vivência do fazer pesquisa. Vale ressaltar que no
119
âmbito das análises os licenciandos novamente se posicionam, como mostra o
episódio:
Percebemos que se faz necessária uma formação continuada dos
professores, para que estes possam evoluir e desenvolver/construir aulas
diferentes que busquem o interesse dos alunos (...) Acreditamos tamm
que a deficiência das atividades experimentais em Ciências Naturais na
série não é culpa dos livros didáticos, pois, analisamos três e constatamos
que várias experiências com linguagem bem acessível e com
ilustrações que facilitam na hora de fazer um experimento (p.15).
Denota-se, com a análise, que este posicionamento dos licenciandos é
iluminado pela literatura, sendo que estas problemáticas foram discutidas no capítulo
I quando apresentaram o referencial teórico. Também um contraste com os seus
resultados obtidos mediante a investigação dos livros didáticos com algumas
perspectivas teóricas abordadas, numa posição de que se constituíram
pesquisadores, visto que possuem uma posição que supera a cópia de resultados
anteriores.
Nas “Considerações Finais (p. 18)”, os licenciandos acrescem novo estágio de
interpretação dos resultados, utilizando o referencial de forma implícita. Subentende-
se que a interpretação é decorrente das teorias estudadas, mas não são referidas de
maneira explicita.
Vale destacar que as considerações expressas denotam a visão de que
pesquisa é algo nunca acabado, sempre em reconstrução. Os licenciandos trazem
uma proposta de continuidade para a pesquisa mediante outros caminhos:
poderíamos abranger mais desenvolvendo a pesquisa com escolas de
outros municípios (...) realizando entrevistas com alunos, com ênfase nas
aulas experimentais, se os mesmos aprendem como são realizadas (p.19).
E finalizam a escrita do relatório novamente se posicionando, de forma bem
articulada, no contexto da pesquisa realizada.
reconhecendo que a atividade experimental é de fundamental importância
no ensino de Ciências Naturais, acreditamos que elas devem ser muito
bem planejadas e organizadas para proporcionar aos alunos um
desenvolvimento integral e dinâmico (p.19).
120
Denota-se que este posicionamento é decorrente de toda a pesquisa
realizada, das interlocuções teóricas, práticas, das reflexões propiciadas. Acredita-se
que esta visão os vai constituindo e, prospectivamente, quando atuarem como
docentes vão estar cientes da problemática do ensino experimental e da importância
da sua sistematização e investigação.
A análise e a interpretação do relatório de pesquisa evidenciaram vários
pontos em que os licenciandos se posicionam, em que superam a simples pia.
Denota-se que os seus pontos de vista são fortemente influenciados pela sua
vivência como alunos, mas principalmente pela reflexão desta vivência propiciada ao
longo da sua pesquisa, pelas leituras realizadas e pelas mediações, orientações do
professor em sala de aula.
O grupo de licenciandos, como mostrou a análise do seu relatório de
pesquisa, usou no decorrer da escrita do relatório a linguagem específica da
pesquisa. Diferentes conceitos foram por eles significados e inseridos de maneira
criativa ao longo do seu relatório. Foram-se constituindo como professores
pesquisadores, pois se apropriaram em diferentes níveis da linguagem específica da
pesquisa: definiram um problema de pesquisa, delimitaram um tema, apresentaram
os objetivos da pesquisa, construíram a hipótese de pesquisa, propuseram caminhos
metodológicos para a execução da investigação, aliaram-se a teorias do seu
referencial teórico e buscaram interpretar, num diálogo, mesmo que ainda
insuficiente, os dados empíricos obtidos na prática.
3.4. Descrição de uma Prática do Aprender a Fazer Pesquisa.
Acompanhou-se as aulas do Componente Curricular: Pesquisa em Ensino de
Química I, PEQ I, com licenciandos do terceiro semestre do Curso. Os encontros
eram nas quintas feiras com inicio as 19h30min e término às 10h30min, iniciaram no
dia 04 de maio até o dia 29 de junho. O acompanhamento no decorrer dos encontros
objetivou a análise quanto ao ensinar e o aprender a fazer pesquisa neste âmbito de
formação. Apresenta-se a seguir, uma narrativa sucinta sobre a prática
acompanhada, elaborado a partir dos registros que foram procedidos no caderno de
campo.
121
Para o trabalho a turma foi dividida em grupos, e cada grupo escolheu um
assunto para pesquisar. Paralelamente foi solicitado que os estudantes começassem
a buscar referenciais teóricos do seu assunto de pesquisa. E já no segundo encontro
foi efetuado um ‘ensaio’ de escrita sobre o assunto. Nesta prática ficou evidenciada
a grande dificuldade dos licenciandos em escrever, ou seja, em superar a simples
cópia.
Num outro encontro, o professor ensinou as partes ‘fundamentais’ de um
projeto de pesquisa. Com a participação dos estudantes foi construído o tema Geral
das pesquisas relacionado ao ensino de química: “Aprendizagem de conceitos
básicos para produzir pensamento químico sobre o mundo”. A justificativa e a
delimitação do tema ficou a cargo de cada grupo (explicitar sobre o assunto, que
conceito que irá pesquisar). Em cada explicação da etapa da pesquisa, do projeto, o
professor problematiza a visão do ensino de química, do ser professor de química e
traz também para os estudantes diferentes sugestões de referenciais bibliográficos
para serem lidos no decorrer da pesquisa. As diferentes partes constituintes de um
projeto foram discutidas em sala de aula, como a metodologia, os objetivos, a
construção das categorias de análise, todos sempre com exemplificações.
Nessa aula os estudantes foram participativos e questionavam bastante, pois
esta prática do ‘fazer pesquisa’ para a maioria estava sendo vivenciada pela primeira
vez. Também se observava uma ansiedade e várias dúvidas surgiam no decorrer do
processo.
Em seguida, cada grupo começou a elaborar, organizar o projeto de pesquisa,
o professor sempre orientando cada grupo, muitas dúvidas, os estudantes
questionam, buscam saber o que será feito. Num dos encontros, de
encaminhamento do projeto, foi solicitado que cada grupo construísse o seu
problema de pesquisa e suas questões de pesquisa. Muitas dúvidas neste momento,
uma pergunta que predominou no âmbito da sala de aula, de modo geral: ‘o que é
um problema de pesquisa’? Novamente foi fundamental a participação do professor,
que explicou, indo de grupo em grupo. Acompanhou-se a explicação num grupo.
Para este grupo o problema de pesquisa era um conjunto de questões, estas muitas
vezes nem relacionadas ao tema de pesquisa. O professor eno explicou que o
122
problema de pesquisa deve estar relacionado ao tema geral de pesquisa, se
restringindo ao problema específico de cada grupo. O professor auxiliou então o
grupo, na construção de um problema, o qual deveria ser ampliado pelo grupo. Em
seguida, juntamente com os estudantes, o professor co-participou na elaboração das
questões de pesquisa. Outra vez aqui o apoio do referencial histórico-cultural é
importante na análise dos resultados da investigação. Percebe-se claramente a
importância e a necessidade da ajuda do professor orientador, da mediação
realizada por ele para o aprender a fazer pesquisa. Fica evidenciado que o fazer
pesquisa precisa ser ensinado, ninguém nasce sabendo fazer pesquisa.
Os estudantes perguntaram então, se deveriam responder essas questões
para colocar no projeto: “já tenho que responder estas perguntas para colocar no
projeto?”. Percebe-se que ainda não está bem definido, para os licenciandos, a
distinção entre o projeto de pesquisa, a sua finalidade, e a execução da pesquisa
propriamente dita. Assim, verificam-se diferentes dificuldades e a importância de
cada etapa do ‘fazer pesquisa’ ser aprendido pela mediação de um pesquisador
experiente, e a necessidade da significação de cada etapa, da linguagem específica
que compõe a prática do fazer pesquisa.
No decorrer dos encontros foram sendo desenvolvidas categorias de análise
para as respostas das questões, e também discussões sobre o andamento da
pesquisa, e a entrega do projeto. No último encontro em sala de aula, sendo que os
encontros posteriores seriam para orientação, fora da sala de aula, a atividade
proposta foi a de que cada grupo apresentasse um artigo científico relacionado com
a Educação Química, no qual, deveriam ser identificados os objetivos, o tema, o
problema e a metodologia.
A maior parte dos grupos conseguiu identificar as partes de um relato de
pesquisa, mostrando o seu entendimento quanto ao problema, objetivos,
metodologia. Um grupo apresentou um relato de experiência e não uma pesquisa,
mas foi bastante válida essa apresentação, por exemplo, permitindo a percepção de
diferenças entre um relato de pesquisa e um relato de experiência.
123
Ficou evidenciada certa frustração’ de um grupo, quanto à atribuição da nota
do final do semestre. Esse tipo de preocupação, simplista, da avaliação decorre de
toda a escolaridade, suscitando a visão de que o importante é ‘tirar’ uma nota boa e
passar de ano. O professor explicitou aos licenciandos a importância da
apresentação, como indicativo de diferenças do que é validado como pesquisa, com
todas as partes identificadas nos relatos de pesquisa, diferentemente de um relato
de experiência. A continuidade da pesquisa se prolongaria durante o período de
férias de julho, com a entrega do relatório de pesquisa até o final de agosto, tendo
ficado bem explícito que este primeiro ensaio de pesquisa teria continuidade no
Componente Curricular PEQ II.
As observações refoaram a visão de que o aprendizado do fazer pesquisa
não pode ser visto como algo simples, pois exige a participação ativa e o empenho
de cada estudante e do professor como mediador no decorrer de todo o processo.
Ficou evidenciado que a aprendizagem da pesquisa é possível somente com a
orientação de um professor pesquisador experiente. É com a mediação dele que os
licenciandos aprendem a desenvolver os passos de uma pesquisa.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos resultados construídos e com o diálogo com os referenciais
teóricos, são apresentadas, a seguir, algumas considerações relativas ao trabalho
realizado, buscando enfatizar a importância do comparecimento do ensinar e do
aprender a prática do fazer pesquisa na formação inicial docente. Na medida em que
se conclui um trabalho de investigação, surgem novas questões, como as trazidas,
posteriormente, e que apontam para novos processos de investigação.
O trabalho desenvolvido chega a um termo de conclusão trazendo
contribuições para as discussões acerca da problemática da formação inicial
docente, no âmbito da necessidade de (re)discutir os modelos de formação nas
licenciaturas, a partir da análise de um novo caminho de formação que, tendo a
prática do ensinar e do aprender a fazer pesquisa como foco de formação, consegue
mostrar contribuições para a superação do modelo tecnicista, tão criticado no âmbito
educacional.
A literatura da área tem alertado que superar um modelo formativo
institucionalizado tanto tempo não pode ser visto como uma tarefa cil nem
simples, sendo importante evitar posturas imediatistas que desconsideram a
complexidade das práticas e das mudanças e, por outro lado, evitar posturas
continuísticas pautadas na alienação, acomodação ou resistência a mudanças. A
prática investigada mostrou indícios de superação de algumas das dicotomias e
limitações do modelo tecnicista. São apresentados a seguir alguns pontos
considerados importantes, decorrentes da construção e análise de resultados a partir
do contexto formativo investigado.
Inicialmente a preocupação voltava-se para modos como o fazer pesquisa
poderiam participar da formação, em um curso de licenciatura, e como este fazer
contribuiria para uma melhora na formação docente. No Curso de Licenciatura em
Química da UNIJUÍ, encontrou-se indícios de espaços do fazer pesquisa, e a
construção dos resultados ao longo do trabalho mostrou que, no decorrer da
formação inicial, os licenciandos vivenciam e aprendem os passos do fazer
pesquisa.
125
A discussão com o referencial teórico, sobre o entendimento de pesquisa, e
sobre o que é considerado como pesquisa, ainda que, sem um consenso, defende-
se, no âmbito deste trabalho, com base em alguns autores, (i) que uma pesquisa
precisa partir de um problema e que este seja rigorosamente investigado, (ii) que a
investigação deve ser orientada por um referencial teórico adequado, que permita
construir conhecimentos e (iii) que haja uma comunicação dos resultados
produzidos, passo esse considerado, pelos licenciandos, bastante relevante e
indispensável no fazer pesquisa.
Na prática do fazer pesquisa acompanhada ficou evidenciada, a importância
da orientação do professor, em todo o processo, haja vista, ter sido as primeiras
práticas de pesquisa vivenciadas pelos licenciandos. Partindo dos resultados,
afirma-se que para saber pesquisar e para entender a importância desta prática, ela
precisa ser ensinada e aprendida. Cada etapa do fazer pesquisa precisa ser
mediada pelo professor orientador, que é um pesquisador. Instrumentos culturais
que perpassam a prática do fazer pesquisa precisam ser significados junto aos
licenciandos, incluindo a linguagem (escrita e falada) e a leitura.
A prática acompanhada em sala de aula mostrou que é necessário ensinar ao
licenciando o exercício da elaboração escrita, no sentido da superação de uma
simples cópia. De fazer com que o licenciando busque por diferentes referencias
teóricos e que ele construa um texto que inclua a dimensão da interpretação, com
posicionamentos e argumentações, num diálogo com diferentes ‘vozes’ em
interação. Para isso também ficou evidenciada a importância da prática da leitura,
em especial, de uma leitura com caráter dialógico, transformador dos discursos em
construção. É importante salientar que, ao vivenciar a prática do fazer pesquisa, o
licenciando passa a conhecer e a dialogar com referenciais teóricos, no caso, da
área de Educação em Ciências/Química. Com isso, ele, em sua formação inicial,
vivencia um estágio de inserção em tal comunidade, remetendo para a crença de
que, em sua posterior prática docente, ele continuará buscando interagir com tais
referenciais.
Outro aspecto importante é a percepção, no decorrer da análise dos
resultados, de que os projetos de pesquisa vivenciados proporcionaram uma
126
interação do licenciando com o contexto escolar, com professores ou estudantes. A
elaboração e execução dos projetos de pesquisa, relacionados com o Ensino de
Ciências/Química, propiciam aos licenciandos importantes momentos de reflexão
quanto ao ser professor, quanto ao aprender e ensinar química, contribuição que
também pode ser atribuída aos ricos momentos de socialização e discussão dos
resultados das pesquisas desenvolvidas a partir de algum contexto escolar.
Resultados construídos denotam que a inserção da prática do ensinar a fazer
pesquisa e do aprender a pesquisar no âmbito de espaços como o acompanhado,
num período de um semestre, não é fácil, nem simples. Porém resultados mostram
que tal prática é capaz de iniciar os licenciandos nos diferentes passos do fazer
pesquisa, ensinar a eles a construção de um projeto de pesquisa, a execução de
cada passo, a construção e análise de resultados, a elaboração escrita de relatórios,
a divulgação, cabendo salientar que, durante o Curso de formação, vários
componentes curriculares corroboram com a prática do fazer pesquisa, e assim, o
licenciando tem a oportunidade de evoluir em cada prática formativa vivenciada.
Ainda que tenham sido inseridos espaços do aprender e do ensinar a fazer
pesquisa, percebeu-se, em algumas falas dos licenciandos que ainda a articulação
entre componentes curriculares do Curso é precária ou inexistente, em especial,
quanto aos que trabalham com pesquisa e com a formação específica em química.
Ao finalizar este trabalho, para mim, como pesquisadora, permanece a
sensação de que ele não chegou ao fim. Não se tratava, em nenhum momento, de
se pretender emitir algum juízo quanto ao Curso de Formação, contudo, indícios
mostram que os espaços acompanhados acenam para a perspectiva de uma
superação, em situação real, quanto à formação tecnicista que se tornou
convencional. Com base nisso, acredito, prospectivamente, na potencialidade de
uma ampliação da prática do fazer pesquisa para outros componentes curriculares,
ou ainda, para uma maior articulação entre componentes curriculares do Curso,
superando possíveis dicotomias, ainda persistentes. Em atenção a exigências
postas pelo próprio desafio de realizar a investigação, a pesquisa não abrangeu um
olhar para o Curso em sentido mais amplo, nem buscas de informações mais amplas
quanto às origens da nova proposta curricular, tendo em vista à premência de se ter
127
um olhar focalizado, na pesquisa, restrito a alguns componentes, que, ainda,
precisaram ser selecionados.
Uma questão importante comparece no âmbito da problemática abordada:
como sea prática e quais serão as concepções e posturas destes licenciandos,
em suas futuras atividades profissionais em contexto escolar? Com base neste
trabalho, a partir dos referenciais teóricos e dos resultados construídos, acredita-se
que, com a vivência do fazer pesquisa acompanhada, o licenciando estará muito
mais bem preparado para se tornar um professor pesquisador em sua prática, visto
que teve uma iniciação do fazer pesquisa e já foi percebendo a força e a importância
dessa prática para construir conhecimentos, criar abertura para mudanças, para
continuar produzindo e divulgando resultados de pesquisas e reflexões sobre as
práticas, buscando e produzindo avanços sistemáticos em sua formação intelectual
e profissional. Para este licenciando, será mais próximo e mais fácil buscar e usar
referenciais teóricos, no âmbito da área, pois ele teve, ao longo de sua formação
inicial, o contato e a interação transformadora com a literatura da área de formação.
Ao final, alguns questionamentos retornam, acenando para a continuidade da
pesquisa e do estudo sobre uma problemática o recorrente. Um caminho que eu
pretendia seguir, mas não o fiz, é realizar entrevistas com professores orientadores
que atuam nos componentes PEC I e II e PEQ I e II, em busca de respostas para
indagações como: como percebem e caracterizam estas práticas do fazer pesquisa?
Como qualificam a participação do licenciando na construção e reconstrução de
conhecimentos? Quais as principais dificuldades observadas e como são
enfrentadas, tanto no âmbito de sala de aula como no curso como um todo? Qual a
mudança ‘pedagógica’ percebida, em relação à superação do ensino ‘tradicional’? ;
Como a prática do fazer pesquisa se relaciona com a perspectiva da superação do
modelo educacional de formação, vigente na racionalidade técnica? Como a prática
de ensinar a fazer pesquisa contribui na formação profissional enquanto docente
universitário? A prática possibilita reflexões sobre o ser professor formador? Quais?
Como?
Enfim, reafirma-se que resultados da investigação mostraram a importância
da contribuição do fazer pesquisa, desenvolvido em níveis qualificados na formação
128
inicial de professores. Ao mesmo tempo, inúmeras indagações persistem em aberto,
corroborando a importância do objeto em estudo continuar articulando novas
investigações, em busca de compreensões com implicações cada vez mais capazes
de contribuir na concretização das reformas educativas amplamente discutidas e
buscadas, no país.
129
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134
ANEXO I
Prezado (a) aluno (a) de Química Licenciatura da Unijuí.
Ao preencheres este questionário estarás colaborando com uma pesquisa que
está sendo desenvolvida aqui na Unijuí, no Mestrado em Educação nas
Ciências.
- Perfil dos Acadêmicos da Turma de Química Licenciatura que estão cursando
componentes (de 3 a 5) curriculares oferecidos durante o sexto semestre do curso.
01. Dados de Identificação:
Nome:
Data de Nascimento:
Residência (município):
a) Você mora no interior ou na cidade?
02. Tipologia do Curso do Ensino Médio (profissional, magistério...) e ano de
conclusão.
3.0 Você exerceu alguma atividade profissional? ( ) sim ( ) não
Se sim qual?
3.1 E atualmente qual você exerce? E qual a carga horária desta atividade?
4.0 Você exerceu ou exerce atividades de ‘extensão’ (bolsista iniciação científica;
monitor; estagiário...)? ( ) sim ( ) não
Se sim qual?
4.1 Em que período do curso?
4.2 E qual a carga horária semanal desta atividade?
5.0 Você se dedica exclusivamente ao curso, aos estudos? ( ) sim ( ) não
6.0 Assinale com “X”, independente de ter sido aprovado ou não:
135
Componente Curricular
Já Cursei
Estou
Cursando
Não
Cursei
Não Lembro
Seminário III
Prática Pedagógica VII: Teorias
do Ensino de Ciências
Pesquisa em Ensino de Química II
Prática Pedagógica VI: Pesquisa
em Ensino de Ciências II
Prática Pedagógica V: Pesquisa
em Ensino de Ciências I
Prática Pedagógica IV:
Didática Geral
Seminário II
Prática Pedagógica III : Estrutura
e Funcionamento da Educação
Básica
Pesquisa em Ensino de Química I
Prática Pedagógica II: Psicologia
da Aprendizagem e
Desenvolvimento
Prática Pedagógica I:
Fundamentos Teóricos e Práticos
em Ciências
Pesquisa e Formação
Seminário I
Obrigada pela sua colaboração.
Judite Scherer Wenzel Mestranda do Programa de Pós Graduação da Unijuí
Mestrado em Educação nas Ciências
136
ANEXO II
FIDENE/UNIJUÍ – Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências
Projeto: “A Pesquisa como Aliada na Formação de Professores de Química”
1. Procure descrever, resumidamente, sobre o que o levou a escolher este Curso de
Graduação, sobre possíveis motivos que influenciaram na sua escolha.
1.1 De uma maneira geral, quais eram as suas expectativas, quando você ingressou
no Curso?
1.2 E quais as suas percepções ou expectativas sobre curso, hoje?
2. Em termos gerais, o que é “pesquisa” para você?
3. No seu Curso de Graduação, você percebe a existência, ou não, de espaços de
formação “pela pesquisa” (disciplinas, vivências)?
3.1 Se sim, quais?
3.2 Porque você os caracteriza como espaços de formação “pela pesquisa”?
4. De acordo com o primeiro questionário respondido, você cursou os
componentes curriculares Pesquisa em Ensino de Ciências I e II”.
Especificamente sobre eles, responda:
4.1 Segundo sua percepção, no decorrer destes componentes curriculares foram
desenvolvidos possíveis ‘processos de educar pela pesquisa’?
4.2 Se sim: quais processos foram esses?
4.3 Comente sobre a sua participação em tais processos.
Prezado(a) acadêmico(a),
Ao responder as questões abaixo, você estará participando novamente na
pesquisa acima referida, que analisa espaços de formação inicial de professores,
no âmbito da Licenciatura de Química da Unijuí. Partes de suas respostas
poderão ser transcritas e usadas na dissertação, porém você não será
identificado, uma vez que serão atribuídos nomes fictícios para os sujeitos
colaboradores de pesquisa: apenas a pesquisadora saberá da autoria das
respostas. Espero novamente poder contar com a sua importante contribuição.
Coloco-me ao inteiro dispor para esclarecer possíveis dúvidas ou atender
solicitações. Caso necessário você pode utilizar o verso da folha, ou uma folha
em anexo, para completar suas respostas.
Judite Scherer Wenzel
Mestranda do Programa de s Graduação em Educação nas Ciências da Unijuí
137
4.4 Procure caracterizar (qualificar) tal vivência de “formação pela pesquisa”?
4.5 Do seu ponto de vista, o que funcionou bem nas duas disciplinas (o que você
considera pontos positivos)? Por que?
4.6 E, segundo sua percepção, o que não funcionou bem? Por que? Comente
possíveis dificuldades, ou insatisfações que você percebeu ao longo destes
componentes curriculares.
4.7. Você pode descrever outros aspectos sobre como foram desenvolvidas as
atividades (o que foi feito, como foi feito) nestes componentes, por exemplo, como
você percebeu o envolvimento/participação da turma, do professor, ou outros?
4.8. Expresse como você percebeu/percebe possíveis contribuições desses dois
componentes curriculares (PEC I e PEC II) para a sua formação de ser professor(a)
de química. Procure justificar ou argumentar sua resposta.
4.9. Se você tiver mais alguma opinião, em relação a estes componentes
curriculares, ou sobre a sua formação no decorrer do Curso, por favor, descreva-a.
138
ANEXO III
Modelo Geral de entrevista:
Primeiro me apresento, e inicio a conversa. Comento que tenho interesse, também,
em comentar ou solicitar algum esclarecimento sobre as respostas do questionário.
E esclarecer que irei fazer algumas perguntas, mas que o licenciando poderá
comentar outras coisas, se for de seu interesse.
Questão introdutória/geral.
01. Dando inicio a nossa conversa gostaria que você comentasse um pouco sobre
alguns aspectos (alguns pontos) gerais em relação ao curso de Química
Licenciatura.
- Quanto aos pontos que você considera como positivos no curso, procure
lembrar e comentar um pouco sobre eles, quais são, por que, etc.
- E agora, comente sobre os pontos que você considera negativos. (Por que?)
- refletindo, especificamente, sobre como está acontecendo a sua formação
(como futuro professor de química), como você percebe possíveis contribuições do
Curso? Se sim, quais? Por que? Comente, ou explique, melhor, ou um pouco mais.
- Você teria alguma sugestão que possa vir a melhorar o seu curso, nesse
sentido? O que você acha/gostaria que poderia ter sido diferente (do como foi)?
Questão 2- No questionário quando perguntamos se você percebia ou não a
existência de espaços de “formação pela pesquisa” no seu Curso de Graduação,
você respondeu que sim, citando as disciplinas de PEC I e II, PEQ I e II, teorias no
ensino de Ciências.
- Na sua opinião, o que você diria sobre as demais disciplinas que você cursou,
quanto a elas talvez também trabalharem desta forma (“com pesquisa”)? ... Por que?
Questão 3- Gostaria que você falasse, agora, especificamente, sobre as disciplinas
PEC I e II.
- Sobre como ocorreu o desenvolvimento da disciplina, no seu questionário, você se
referiu a produções de textos, artigos, pesquisas, produção de aulas, seminários.
Tente recordar e contar/comentar sobre como foi a produção destes textos destas
pesquisas, o que funcionou bem, dificuldades, etc.
- Houve etapas? Comente sobre cada etapa.
- Comente um pouco sobre a organização dos trabalhos, como foi em grupo ou
individual?. Funcionou bem? Teve momentos de trabalho individual
? (Se sim, foi
mais/menos do que em dupla?) Como foi a sua participação durante a pesquisa?
139
Comente sobre possíveis vantagens ou desvantagens, do seu ponto de vista, tanto
quanto a esse trabalho individual ou em dupla. Por que?
- Teve a elaboração de um projeto? Quem elaborou o projeto? Como acontecia
isso?
- Como foi a escolha do tema a ser pesquisado?
- Quem escolheu, como foi a decisão sobre a metodologia e parte empírica?
Comente sobre as entrevistas, onde e quem entrevistar, como foi o contato com
professores na escola, dificuldades, etc.
- E sobre as leituras? Como eram buscadas e escolhidas? (comente sobre a
possível importância de referenciais teóricos na pesquisa desenvolvida).
- Quem construiu e como foi a construção e análise dos dados?
- E sobre a produção escrita possibilitada pela pesquisa. Que tipo de produção
(relatório, texto ...)? Quem escreveu? Como foi a organização para isso?
- E como foi a apresentação (divulgação) de resultados? Quem apresentou? Para
quem? Como você se sentiu? Isso contribuiu de alguma forma? Por que? (em
relação à pesquisa, a sua formação)
- Você no decorrer destas disciplinas, desta execução dos projetos teve algumas
dificuldades? Procure lembrar.
- E o que para você funcionou bem?
- Você percebeu algum progresso individual ou no grupo como um todo, que você
atribuiria a essa experiência/vivência de pesquisa?
- Para finalizar, expresse sua percepção quanto a como você se sentia, em sentido
geral, durante a realização das atividades. Fazia-as sentindo-se mais movida pela
“obrigação” de fazer as tarefas? Eram momentos “chatos, ruins”? Por que? Ou
momentos “gostosos, prazerosos” (quanto a fazer as tarefas)? Por que? Havia
alguma motivação ou engajamento seu, nos trabalhos, quem sabe, pela perspectiva
de alcançar resultados? Em que sentido?
Questão 4. Você teria alguma outra coisa a dizer? Sobre a pesquisa na formação?
Sobre PEC I e II? Sobre relações com a sua formação no Curso?
- ‘Alguma outra sugestão, no sentido de contribuir, especificamente, para estes dois
componentes curriculares (lembrando que o Curso está sob processo de
implantação/mudança e que suas contribuições seriam bem vindas)’.
140
ANEXO IV
1.4- ORGANIZAÇÃO GERAL DO CURRÍCULO E SEMESTRALIZAÇÃO DO
CURSO (dos licenciandos entrevistados)
Semestre Componentes Curriculares Cr. Carga
Horária
Química em Situações Prática
Fundamentos de Matemática 1
Química Geral I
Recursos de Informática na Formação Profissional
Sociedade, Política e Cultura 1
Seminário I
04
04
04
04
04
01
60h
60h
60h
60h
60h
15h
Total 21 315h
Biologia 1
Química Geral II
Física I
Prática pedagógica I: Fund. Teóricos e Prat. Em Ciências
Pesquisa e Formação
04
04
04
05
04
60h
60h
60h
75h
60h
Total 21 315h
Cálculo Integral e Diferencial I
Física II
Prática Pedagógica II: Pesquisa em Ensino de Ciências I
Química Inorgânica I
Estatística para Química
Ciências I
04
04
04
04
02
02
60h
60h
60h
60h
30h
30h
Total 20 300h
Cálculo Integral e Diferencial II
Ciências II
04
04
60h
60h
141
Físico Química I
Química Inorgânica II
Pesquisa em Ensino de Ciências II
Seminário II
Pesquisa em Ensino de Qmica I
04
04
1
1
60h
75h
15h
15h
Total 20 300
Estr. e Func. Do Ensino Básico
Físico química II
Psicologia e Desenvolvimento Humano
Química Analítica Qualitativa
Química Inorgânica Experimental I
Biologia Humana e Saúde
04
04
06
04
02
03
60h
60h
60h
60h
30h
30h
Total 22 330h
Teoria do Ensino de Ciências
Físico Química III
Química Orgânica I
Química Analítica Quantitativa
Pesquisa em Ensino de Qmica II
Tecnologia e Meio Ambiente
03
04
04
02
02
01
60h
60h
60h
30h
30h
90h
Total 22 330h
Química Orgânica II
Química Analítica Instrumental
Química Biológica I
Teorias e prop. do Ensino de Química
Didática Geral
Mineralogia
Seminário III
04
02
04
03
04
03
01
60h
30h
60h
60h
75h
30
15
142
Total 22 330h
Química Orgânica Experiemental
Est. Sup. No Ens. Fundamental
Metodologia do Ensino de Química I
Química Biológica II
Seminário IV
Microbiologia
Formação Desenv. Brasileiro
Pesquisa em Ensino de Qmica
02
04
02
04
01
03
60h
60h
30h
60h
15h
45h
Total 20 300
Análise Orgânica I
Est. Sup. Química Ensino Médio
Fundamentos de Biotecnologia
Toxicologia I
Química Ambiental
Trabalho de Conclusão de curso
Seminário V
Metodologia do Ensino de Química II
04
04
03
02
04
04
01
60h
60h
45h
30h
60h
60h
15h
Total 20 330
Total Cr. 188 2820h
143
ANEXO V
1.4- ORGANIZAÇÃO GERAL DO CURRÍCULO E SEMESTRALIZAÇÃO DO
CURSO (da turma acompanhada em sala de aula)
Semestre Componentes Curriculares Cr. Carga
Horária
Química em Situações Prática
Fundamentos de Matemática
Química Geral I
Recursos de Informática na Formação Profissional
Sociedade, Política e Cultura
Seminário I
04
04
04
04
04
01
60h
60h
60h
60h
60h
15h
Total 21 315h
Biologia
Química Geral II
Física I
Prática Pedagógica I: Fund. Teóricos e Prat. Em Ciências
Pesquisa e Formação
04
04
04
05
04
60h
60h
60h
75h
60h
Total 21 315h
Cálculo Diferencial e Integral I
Física II
Prática Pedagógica II: Psicologia da Aprend. e Desenvolvimento
Química Inorgânica I
Estatística para Química
Pesquisa em Ensino de Química I
04
04
04
04
02
02
60h
60h
60h
60h
30h
30h
Total 20 300h
Cálculo Diferencial e Integral II
Prática Pedagógica III : Estrutura e Func. da Educação Básica
04
04
60h
60h
144
Físico Química I
Química Inorgânica II
Seminário II
Mineralogia
04
05
01
02
60h
75h
15h
30h
Total 20 300
Físico química II
Química Analítica Qualitativa
Estágio curricular supervisionado I: Ensino de Ciências I
Prática Pedagógica IV : Didática Geral
Prática Pedagógica V : Pesquisa em Ensino de Ciências I
Biologia Humana e Saúde
04
04
06
04
02
02
60h
60h
90h
60h
30h
30h
Total 22 330h
Físico Química III
Química Orgânica I
Química Analítica Quantitativa
Pesquisa em Ensino de Qmica II
Prática Pedagógica V I : Pesquisa em Ensino de Ciências II
Estágio curricular supervisionado II: Ensino de Ciências II
04
04
04
02
02
06
60h
60h
60h
30h
30h
90h
Total 22 330h
Química Orgânica II
Química Analítica Instrumental
Química Biológica I
Tecnologia e Meio Ambiente
Estágio curricular supervisionado III: Ensino de Ciências III
Prática Pedagógica V II: Teorias do Ensino de Ciências
Seminário III
04
02
04
04
05
02
01
60h
30h
60h
60h
75h
30h
15h
Total 22 330h
145
Estágio curricular supervisionado IV: Ensino de Química I
Química Biológica II
Seminário IV
Formação e Desenvolvimento Brasileiro
Pesquisa em Química III
Microbiologia
06
04
01
04
02
03
90h
60h
15h
60h
30h
45h
Total 20 300
Análise Orgânica
Estágio curricular supervisionado V : Ensino de Química II
Fundamentos de Biotecnologia
Toxicologia I
Química Ambiental
Prática Pedagógica VIII: Trabalho de sistematização do curso
Seminário V
04
04
03
02
04
04
01
60h
60h
45h
30h
60h
60h
15h
Total 22 330
Total Cr. 190 2850h
146
ANEXO VI
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo