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Brasília, Fevereiro 2007
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Apresentação ................................................................................................................... 003
Introdução ........................................................................................................................ 004
Capítulo 1 - Meios para a Democracia ..............................................................022
Diálogo Relevante
....................................................................................031
Da comunicação à política .....................................................................048
Capítulo 2 - Suportes para o desenvolvimento ..............................................063
Lógicas da regulação
.............................................................................. 074
Tecnologias e inovações na mídia .........................................................093
Regulamentação no Brasil e no mundo ............................................ 099
A construção do modelo regulatório brasileiro ..................................106
Capítulo 3 - Defesa do interesse público ..........................................................117
Modelos em Debate
................................................................................127
Breve panorama das experiências internacionais .............................151
O diálogo possível ....................................................................................153
Trajetória da regulação no Brasil ........................................................168
Capítulo 4 - A mídia em pauta .............................................................................179
Soluções em potencial
.............................................................................190
Bibliografi a .......................................................................................................................214
Ficha Técnica ....................................................................................................................225
Sumário
A partir da compreensão das potencialidades dos meios de comunicação para alavancar a democracia, o
desenvolvimento e os direitos humanos, nas últimas décadas diversas instituições – no plano internacional
e também no Brasil – passaram a elaborar estratégias de interlocução com a mídia, com o objetivo de con-
tribuir para o aprimoramento e efetividade do trabalho jornalístico.
É nesse âmbito que se insere a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), organização criada em
1993 e que, entre outras ações, regularmente monitora e analisa a atenção dedicada pelos principais veículos
impressos brasileiros às temáticas relevantes para a agenda social – com destaque para aquelas pertinentes
ao universo infanto-juvenil. Por meio das diversas análises de conteúdo já produzidas pela organização,
torna-se posvel perceber alguns dos motivos ou contextos que in uenciam as atuais tendências do trabalho
jornalístico em nosso País.
Os resultados desse trabalho são centrais também para o desenvolvimento das demais estratégias da ANDI,
as quais buscam mobilizar e quali car a imprensa no que se refere à cobertura das poticas públicas sociais.
Possíveis respostas
Não é difícil elencar algumas hipóteses que contribuem para explicar o cenário da mídia brasileira contem-
porânea. A formação dos pro ssionais que atuam na área, o contexto social, político e econômico no qual o
setor está inserido e os per s dos dirigentes das empresas de comunicação – além das políticas públicas que
regulam a atividade midiática – são algumas das variáveis que não podem ser desconsideradas.
Seja por interesse teórico-conceitual, seja por razões pragmáticas, portanto, é cada vez mais central
compreender as políticas – não somente governamentais, mas também as que envolvem outros setores
– formatadas com o objetivo de garantir que a mídia desempenhe, a contento, a função que lhe foi
destinada nas atuais democracias.
Essa é uma empreitada que conta com uma importante peculiaridade. Embora muitos estudos, tratados e
legislações debatam Políticas Públicas de Comunicação – e a despeito de toda a relevância desses conteúdos,
produzidos pelos mais diferentes atores – resta ainda uma enorme lacuna na compreensão sobre o compor-
tamento da imprensa quando o foco noticioso são as comunicações e sua relação com o fortalecimento dos
processos democráticos, no âmbito da contemporaneidade.
A ANDI compreende que buscar suprir essa lacuna, assim como debater eventuais respostas às indagações
apontadas anteriormente, é um movimento fundamental no âmbito dos estudos sobre as coberturas jorna-
lísticas. E não é por outra razão que, em parceria com a Fundação Ford, coordenou a pesquisa que constitui
o pano de fundo para as discussões veiculadas nas próximas páginas.
É importante destacar que o presente documento representa ainda uma versão preliminar e, nesse sentido,
está aberto a críticas e sugestões dos leitores. A proposta é que os conteúdos apresentados possam ser ainda
mais enriquecidos com posveis contribuições de cidadãos, cidadãs e instituições interessados em fomentar
o debate sobre as Políticas Públicas de Comunicação.
A MÍDIA COMO ELA É
Veet Vivarta
Secrerio Executivo - ANDI
Ely Harasawa
Secreria Executiva Adjunta - ANDI
Introdução
1
AUTO-REFLEXÃO
Os meios de comunicação desempenham hoje funções essenciais à consolidação
das sociedades democráticas. Diante de tal relevância, torna-se decisivo também
o debate sobre os diferentes mecanismos que contribuem para a regulação das
atividades da própria mídia. E, ao mesmo tempo, investigar como essa discussão
YHPVHQGRWUDWDGDSHODLPSUHQVD7UD]HUUHVSRVWDVSDUDHVVHGHVDÀRIRLXPGRV
objetivos da pesquisa que apresentamos ao longo das próximas páginas.
- Introdão -
Os meios de comunicação comprovadamente têm sido compreendidos como engrenagens centrais
no ordenamento do debate público acerca das mais distintas questões. As conquistas tecnológicas
dos últimos séculos – principalmente, o advento da radiodifusão – deram ainda mais amplitude
a tal percepção. Não é por outra razão que as empresas de comunicação de massa passaram a ser
vistas como um “quarto poder” na esfera política.
Tal importância, do ponto de vista do jornalismo,  cou patente quando se compreendeu que à
imprensa – em suas diferentes plataformas – caberia desempenhar alguns papéis fundamentais
para o pleno desenrolar da Política. Dentre eles, levar informações contextualizadas aos diferentes
blicos, agendar o debate em torno dos temas vitais para as sociedades nos quais estão inseridos
e garantir que as várias instituições democráticas – especialmente governos – sejam responsivas
perante as demais.
Nesse cenário – tão relevante quanto complexo – impõe-se uma interrogação essencial: como a
mídia, um dos guardiões da democracia, guarda a si mesma? Desvendar os principais aspectos
dessa questão é o objetivo do presente estudo, coordenado pela ANDI, em parceria com a Fun-
dação Ford. Tendo como base uma amostra de textos jornalísticos veiculados ao longo de 2003,
2004 e 2005 acerca das chamadas Políticas Públicas de Comunicação (PPC), o trabalho busca
descrever e analisar como 53 jornais de todas as unidades da federação, além de quatro revistas
de circulação nacional, se comportam quando os temas em destaque em suas páginas remetem
a questões referentes ao próprio universo das comunicações.
Esta Introdução traz o per l geral da cobertura jornalística sobre o assunto, bem como os procedimen-
tos metodológicos utilizados para a elaboração da investigação. Sempre nos valendo, como pano de
fundo, dos dados da pesquisa, no primeiro catulo traçaremos algumas das principais relações entre
mídia e democracia. No segundo, são abordadas questões relacionadas à infra-estrutura necessária à
operação dos meios de comunicação – pontuando-se temas como regulação, concessões e propriedade.
Já no terceiro capítulo, estarão em foco algumas discussões acerca da regulação dos conteúdos. Por
m, voltaremos a apresentar alguns dados mais gerais coletados pelo estudo.
Introdução
5
A atuação da imprensa – e dos meios de comunicação de maneira geral –
sempre esteve fortemente conectada, ao longo dos últimos séculos, aos processos
de consolidação das sociedades democráticas. Exatamente por isso, a existência
de meios livres de informação e expressão passou a ser, historicamente, um dos
principais fundamentos na quase totalidade das denições de democracia. No
início do século XIX, omas Jeerson, um dos responsáveis por lançar as bases
do modelo democrático nos Estados Unidos, chegou a armar que se, em um
dado momento, as sociedades tivessem que escolher entre possuir governos ou
imprensa, deveriam optar pela última.
A armação do líder norte-americano trazia, em suas entrelinhas, a concepção
que décadas depois também viria a ser reiterada no Brasil pelo jurista Ruy Bar-
bosa: “de todas as liberdades, é a da imprensa a mais necessária e mais conspícua;
sobranceia e reina sobre as demais. Não por outra razão, ganhou força nos últi-
mos anos, entre diferentes teóricos, a idéia de que a mídia, mais do que um ator
relevante da democracia, representaria em tese um “quarto poder”.
Cabe ressaltar que tal dimensão atribuída à mídia tem relação direta com a po-
tencial função social que ela passou a desempenhar nas sociedades contemporâ-
neas. Dentre os diversos e possíveis papéis exercidos pelos meios de comunica-
ção, poderíamos destacar o seu dever de levar informações contextualizadas para
a população, a capacidade de inuenciar a denição dos temas centrais da agenda
pública e a atuação no monitoramento e no controle social dos atores políticos.
Dessa forma, ao constituírem-se nos principais mediadores do debate público,
inuenciando diretamente a construção do imaginário social sobre as diferentes
questões em discussão, os meios de comunicação de massa não podem prescin-
dir de cumprir com responsabilidades que perpassam outras instituições da vida
democrática, como atuarem com transparência e serem responsivos perante a
sociedade.
A mídia no espelho
Tal princípio se aplica porque a mídia, assim como qualquer outra instituição,
nem sempre consegue representar um papel isento no debate público. É por isso
que a evolução do projeto democrático, nos últimos séculos, levou ao desenvol-
vimento uma série de regulamentações, que estabelecem os critérios e os limites
legais para a atuação dos meios de comunicação – a exemplo do que também
ocorre com o Estado e o Setor Privado. Entre as diferentes políticas de regulação
voltadas às empresas de mídia – as quais serão abordadas ao longo da presen-
te publicação – poderíamos citar, a título de ilustração, o controle público das
concessões de radiodifusão, a classicação indicativa dos conteúdos de cinema e
televisão e o direito de resposta.
Por outro lado, é importante ter em mente que os marcos regulatórios não são
estáticos – a ppria evolução da sociedade e, no caso especíco da comunica-
ção, os acelerados avanços tecnológicos, lavam a uma necessidade de constante
atualização/adequação de seus parâmetros. O que envolve, certamente, debates e
negociações entre as diversas partes interessadas.
Artigo 19
Declaração Universal
dos Direitos Humanos
Todo o homem tem direito à liberdade
de opinião e expressão; este direito inclui
a liberdade de, sem interferências, ter opi-
niões e de procurar, receber e transmitir
informações e idéias por quaisquer meios,
independentemente de fronteiras.
Introdução
6
Este processo, inerente ao próprio cenário democrático, vem a colocar, entre-
tanto, um desao de grandes proporções para a mídia: como cumprir de forma
adequada sua função social – reportar, informar, discutir – em situações nas
quais os interesses do próprio setor estão em jogo?
Será que a imprensa brasileira, enquanto uma das guardiãs da democracia, vem
conseguindo abordar de forma objetiva questões relacionadas aos seus próprios
deveres e responsabilidades? De que maneira e em que medida as empresas do
setor priorizam informar seus públicos sobre os temas que dizem respeito ao
universo das comunicações? Procurando desvendar algumas das possíveis res-
postas a tais questionamentos, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância
(ANDI) e a Fundação Ford elaboraram um estudo inédito, que procura enfocar
o tratamento editorial dispensado aos temas das Políticas Públicas de Comuni-
cação por 53 jornais impressos (representando todos os estados brasileiros) e
por quatro revistas de circulação nacional. A pesquisa analisou uma amostra de
1.184 textos jornalísticos, publicados entre 2003 e 2005, que traziam conteúdos
relacionados ao foco temático principal (os principais resultados do estudo, bem
como informações sobre a metodologia utilizada, estão descritos na página 18).
Mesmo estando centrado na radiograa da atuação de apenas um dos atores do
cenário comunicacional – a imprensa –, o presente trabalho possibilita revelar
as diferentes óticas e abordagens construídas pela mídia em relação ao seu pró-
prio campo de atuação. Move esse esforço investigativo a percepção de que as
políticas de comunicação somente passarão a fazer parte, de maneira mais am-
pla e efetiva do jogo político nacional se – e quando – vierem a integrar, com um
mínimo de transparência e imparcialidade, a ppria agenda jornalística.
A m de melhor compreender a relevância do debate sobre as Políticas Públicas
de Comunicação no atual contexto das sociedades democráticas, é preciso revi-
sitar, ainda que brevemente, algumas das principais potencialidades dos meios
de comunicação historicamente analisadas pelos cientistas sociais: agendamen-
to e enquadramento do debate público, construção das informações e controle
social do Poder Público.
O primeiro aspecto diz respeito ao poder que a mídia possui de interferir – a
partir daquilo que veicula ou omite – nos temas que estarão no topo da lista de
prioridades dos decisores, formadores de opinião e, muito freqüentemente, da
sociedade como um todo.
Com a rápida expansão e diversicação de suas áreas de atuação – em grande
parte, em função do processo de reconhecimento dos direitos humanos de ci-
dadãos e cidadãs ocorrido nas últimas décadas – os Estados nacionais se vêem
diante da necessidade de denir prioridades de ação, entre os diferentes deman-
das colocadas cotidianamente na esfera pública. Mesmo os mais desconados
AS FUNCIONALIDADES DA MÍDIA
E AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Introdução
7
analistas do alcance proposto pelas teorias de agenda setting, hoje concordam
que a focalização mais intensa da mídia em determinados temas colabora para
sua inclusão na pauta de decisões.
Desse modo, a freqüência com que a imprensa reporta os diferentes assuntos
impõe-se como um dos fatores de interferência na de nição das políticas públi-
cas – apesar de não ser o único e, em muitos casos, estar longe de ser o principal.
Questões que afetam de forma direta a vida dos eleitores, por exemplo, acabam
por ser pouco in uenciadas pelo volume de informações trazido pelo noticiário:
por mais que a mídia insistisse em não cobrir o campo da saúde, os eleitores
iriam continuar demonstrando aos seus representantes que este é um assunto
central em suas vidas.
Recortes da realidade
A in uência da mídia no agendamento dos temas públicos não ocorre, entre-
tanto, de maneira homogênea. Os diferentes processos de construção das infor-
mações, bem como os diversos tipos de enquadramentos que podem ser dados
a um determinado assunto, também interferem diretamente na forma como ele
será compreendido pelo público – e, consequentemente, na força que ele terá
(ou não) nos espaços de debate. Dessa forma, o tipo de abordagem midiática
conferido a um tema pode in uenciar distintas etapas na construção de signi-
cados por parte dos possíveis atores envolvidos na formulação de uma certa
política pública.
No caso do jornalismo, isso  ca evidente quando analisamos o maior desta-
que atribuído a certas temáticas, muitas vezes em detrimento de outras mais
relevantes para o conjunto da sociedade. No contexto da imprensa brasileira, o
foco da cobertura é centralmente dispensado às questões relacionadas à política
partidária, legislativa e presidencial – assuntos que, em geral, ocupam espaços
exclusivos e permanentes dos jornais. Nesse cenário, fatos como a troca de mi-
nistros, as negociações entre parlamentares e os interesses setoriais envolven-
do “políticos pro ssionais, por exemplo, têm atenção garantida, dado que são
entendidos como elementos do que se pode chamar de política. Com isso, via
de regra, acaba por receber uma atenção secundária o debate sobre os aspectos
mais abrangentes das políticas públicas – como ilustração, poderíamos men-
cionar o acompanhamento mais sistemático de suas várias etapas (deliberação,
formulação, implementação, monitoramento, avaliação).
De outro lado, quando buscamos analisar os focos temáticos, parece bem deli-
mitada a idéia de política econômica, que também conta com destaque garanti-
do e editorias exclusivas nos principais veículos do País. Entretanto, as demais
políticas públicas, não raro, deixam de ser reconhecidas como sendo do univer-
so cognitivo e de signi cados da própria política. Ou seja, ganham diferentes
espaços nos meios e são mais ou menos entendidas como “políticas” a depender
do jornalista encarregado da reportagem e das personagens que compõem o
fato a ser noticiado.
. A teoria do agendamento foi inicialmente desenvolvida por McCombs e Shaw (1990).
2 . Para entender as condições que interferem na forma do agendamento, veja artigo de Stuart Soroka (a referência completa está disponível na
Bibiogra a, na página 219).
O estudo conduzido pela
ANDI em parceria com a
Fundação Ford demonstra
que apenas 0,3% dos textos
se vale da expressão “Políti-
cas Públicas de Comunicação, ou simi-
lares, na abordagem de temas relevantes
para o amplo universo das comunicações.
Por outro lado, 11,8% do material traz a
expressão “mercado, sugerindo que o
assunto é mais fortemente tratado pela
perspectiva do business.
Introdução
8
Assim, a violência só passa a ser entendida como uma questão de política pú-
blica na medida em que deixa os cadernos policiais e as personagens da notícia
são membros dos executivos estaduais, municipais ou federais diretamente en-
volvidos nas políticas de segurança pública. Ou ainda, quando são entrevistados
especialistas que se dedicam ao tema, tratando-o como um fenômeno social,
cultural e político. De resto, o assunto continua sendo explorado fortemente
desde um viés factual – um crime que o indivíduo X cometeu contra o indivíduo
Y, por exemplo. Mas onde ca a política nessa forma de ofertar a notícia?
Controle social
Diferentes fases no desenvolvimento de uma política pública demandam o co-
nhecimento de variados níveis de informação – estatísticas, legislações, posições
de atores diversos, melhores práticas. A mídia é um potencial investigador e
fornecedor destas informações, inclusive conferindo voz a fontes alternativas e
contestadoras de dados ociais.
Além disso, em regimes democráticos, toda política pública supõe que os ato-
res por elas responsáveis devem demonstrar algum grau de accountability. En-
tretanto, esta característica é tão mais crível quanto mais externos ao processo
forem os atores responsáveis por exercer esse controle. Desde as discussões tra-
vadas pelos Federalistas para a constituição da democracia norte-americana, a
imprensa é entendida como uma das principais instituições de controle social
dos governos eleitos, assim como de outros setores da vida pública que também
devem ser “monitorados” (ONGs, empresas, etc.). Nesse sentido, o acompanha-
mento não apenas do lançamento ocial de projetos, mas de sua continuidade,
da idoneidade em sua execução e de seus resultados é – ou deveria ser – tarefa a
ser conduzida com anco pelos prossionais da notícia.
Políticas Públicas de Comunicação?
Esse longo preâmbulo oferece consistência, essencialmente, a duas premissas. A
primeira, de que a mídia – em suas diferentes formas – é um ator relevante para
a sociedade contemporânea e, portanto, também deve ser responsiva (accounta-
ble) e passível de controle democrático. A segunda, de que as comunicações são
um tema central para os Estados Nacionais e, desta forma, deveriam ser objeto
de Políticas Públicas especícas.
A partir dessas reexões, poderíamos retomar algumas perguntas centrais para
a presente publicação: como o mesmo jornalismo que contribui para o controle
social das políticas públicas e para o agendamento dos temas que ganharão des-
taque na esfera pública se comportará quando a mídia passa a ser o centro das
atenções? Em outras palavras, como os guardiões guardam a si mesmos?
É na busca de respostas para tais indagações que nos moveremos ao longo das
próximas páginas.
Introdução
9
Qualquer que seja a organização em foco, certamente não devemos considerar
tarefa fácil a produção e publicação de informações transparentes e acuradas
acerca de seus próprios temas e atividades. Não é de se estranhar, portanto, que
quadro similar venha a ser observado no contexto dos meios de comunicação
de massa. Por outro lado, seria ingênuo deixar de reconhecer o claro diferencial
presente nas empresas jornalísticas quando comparadas com as de outros seg-
mentos: elas têm como objetivo maior a geração de notícias informativas – e de
efetiva credibilidade – sobre os mais diversos aspectos da realidade, o que não
ocorre com as demais.
Assim seria de se esperar que a cobertura jornalística dedicada pela imprensa
às temáticas de seu próprio campo de interesse contivesse um nível razoável de
acuidade e de pulso investigativo.
Os dados que se seguem, entretanto, denotam que a mídia brasileira costuma
falar de si mesma de uma maneira seletiva, deixando de lado temas espinhosos,
porém de central relevância para o desenvolvimento das democracias contem-
porâneas. O que nos leva a deduzir que, ao eleger os meios de comunicação
como peças centrais do sistema de construção das informações públicas, os re-
gimes democráticos acabaram por moldar um grande desa o: como estimular
a re exão sobre esse importante ator social, se é ele mesmo o responsável por
mediar a troca de signi cados no âmbito da esfera pública?
Veículos pesquisados
A observação atenta dos per s dos veículos que mais e menos publicaram tex-
tos acerca das Políticas Públicas de Comunicação (PPC) – e temas congêneres
– apresenta-se como uma primeira medida importante de que os interesses em
jogo nesse debate interferem diretamente no desenho das tendências observa-
das na cobertura jornalística.
A amostra de três anos coletada pela ANDI permite identi car que a cobertu-
ra global dos mais diferentes temas associados às comunicações (ver palavras-
chave utilizadas para a seleção dos textos, na página 19) está muito aquém da
relevância da instituição mídia para os regimes democráticos, conforme desta-
camos anteriormente. O estudo aponta a média de 0,19 textos publicados por
cada jornal diariamente – ou seja, somente a cada cinco dias os diários publica-
ram um artigo, coluna, editorial, entrevista ou matéria sobre o campo temático
analisado.
Quando focalizamos as revistas – veículos para os quais estamos trabalhando
com o universo total de conteúdos publicados no período – alcançamos a média
de 0,43 textos/semana ou praticamente um a cada 15 dias. Se subtrairmos dessa
conta o semanário Carta Capital – que deu maior destaque à cobertura sobre as
políticas de comunicação –, essa média se altera para um texto ao mês.
PERFIL GERAL DA COBERTURA
De maneira geral, os meios de comunicação brasileiros ainda dedicam uma
atenção seletiva e parcial aos temas mais polêmicos das Políticas Públicas
de Comunicação – como a regulação de conteúdo e a propriedade cruzada.
Reverter essa tendência é um desa o central para a consolidação da demo-
cracia no País
Introdução
10
Diante disso, cabe imaginar um cenário em que qualquer outra instituição cen-
tral para a democracia – o Executivo, por exemplo – contasse com uma cober-
tura de proporções similares. Não é difícil deduzir as conseqüências.
Do ponto de vista do debate nacional a situação é, porém, um pouco menos
grave. Isto porque, ao contrário do que apontam outras análises conduzidas pela
ANDI, os veículos de maior inuência – Correio Braziliense, Folha de S. Paulo,
Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e O Globo – são responsáveis por parcela
signicativa da cobertura: 22% do total (e 28,3% se consideramos apenas os
diários). Em média, cada um destes veículos contribuiu com 4,4% dos textos
da amostra, enquanto os jornais regionais caram com média de 1,12%. Já as
duas publicações especializados em economia – Gazeta Mercantil e Valor Eco-
nômico – responderam por 2,1% cada, em média. Cabe assinalar que, no recorte
referente aos jornais nacionais, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo foram
responsáveis por quase 66% do material analisado. Já as revistas representaram
22,4% da mostra total, sendo que uma delas – Carta Capital – reuniu mais de
50% desses textos.
Interesses cruzados
Outro dado relevante explicitado pelo estudo diz respeito aos veículos que in-
tegram grupos de comunicação detentores de outras mídias – tevês, rádios,
jornais, revistas, Internet. Eles tendem a publicar bem menos textos sobre as
políticas de comunicação do que os concorrentes com perl oposto. Vale olhar
os números: jornais ou revistas cujas empresas também possuem estações de
televisão, respondem por 1,47% do material publicado, em média. Os que estão
sob grupos que contam com concessões de rádio são responsáveis cada um por,
em média, 1,61%. Já os que não possuem nem rádio nem televisão contribuem,
em média, com 6,2% da cobertura.
Os veículos cujos grupos não detêm concessões de radiodifusão são os que, pro-
porcionalmente, menos atrelaram suas coberturas – em 70,4% dos casos – a
fatos especícos ocorridos no período, como a discussão sobre o Conselho Fe-
deral de Jornalismo (CFJ), a Agência Nacional do Cinema e Audiovisual (Anci-
nav) e a expulsão do jornalista Larry Rother. Esta postura denota uma cobertura
mais sólida e constante sobre as PPC, menos reativa ao factual. Já nos veículos
pertencentes a grupos de radiodifusores, a percentagem de textos que não reme-
tem aos casos mais marcantes ocorridos no período cai para 56%. Além disso, a
proporção da presença de opiniões divergentes (19,7%) nos textos dos não-ra-
diodifusores também é superior à média geral da pesquisa (15,7%). Além disso,
esses veículos cobrem duas vezes mais questões ligadas à infra-estrutura das
comunicações e 2,75 mais vezes as relações entre mídia e política.
Tomemos alguns exemplos ilustrativos. Dentre os grandes jornais, O Estado de
S. Paulo (com 7,8%) publicou 2,6 vezes mais conteúdos que O Globo – mem-
bro de uma holding com um leque de negócios comunicacionais bastante mais
signicativo do que os do Grupo Estado. Na comparação envolvendo as revis-
tas, a publicação Carta Capital também veiculou 2,6 vezes mais textos do que
a Época. Fora do eixo Rio-São Paulo a situação é ainda mais complexa, pois as
históricas conexões entre representantes políticos e a propriedade dos meios de
comunicação acabam por reduzir o foco das coberturas jornalísticas sobre as
Introdução
11
PPCs. Enquanto o jornal A Tarde, de Salvador, foi responsável por 2,7% do total
de textos pesquisados, o concorrente próximo, Correio da Bahia – pertencente a
um grupo político local, bem como a uma holding comunicacional – contribuiu
com somente 0,8%.
Assim, os dados parecem apontar para o fato de que veículos não envolvidos
diretamente com grupos políticos e/ou não pertencentes a holdings que detém
propriedade cruzada de outras mídias acabam por publicar mais sobre as polí-
ticas de comunicação. Mas quais seriam os possíveis motivos para esse cenário?
Os interesses imediatamente envolvidos e, logo, a diculdade de enveredar jor-
nalisticamente por assuntos que frequentemente contrariam as práticas adota-
das por suas empresas parecem ser algumas das hipóteses com maior probabi-
lidade de serem vericadas empiricamente, no que se refere ao comportamento
dos jornais e revistas que integram as holdings ou mantêm relação estreita com
grupos políticos.
VEÍCULOS POR CATEGORIA
%
Jornais de Inuência Nacional 260 22,0
Jornais Regionais 609 51,4
Jornais Ecomicos 50 4,2
Revistas 265 22,4
Total 1.184 100,0
VEÍCULOS PESQUISADOS
Veículos por
Categoria
Veículos % dentro da
categoria especíca
% no total de
textos analisados
Jornais de Inuência
Nacional
O Estado de S. Paulo - São Paulo 35,4 7,8
Folha de S. Paulo - São Paulo 30,8 6,8
O Globo - Rio de Janeiro 13,5 3
Jornal do Brasil - Rio de Janeiro 10,4 2,3
Correio Braziliense - Distrito Federal 10 2,2
Total 100 22
Jornais Regionais A Gazeta - Mato Grosso 5,9 3
Hoje em Dia - Minas Gerais 5,6 2,9
Jornal do Commercio – Pernambuco 5,4 2,8
A Tarde - Bahia 5,3 2,7
Estado de Minas - Minas Gerais 4,9 2,5
O Liberal - Pa 4,8 2,4
Introdução
12
O Liberal - Pa 4,8 2,4
Diário Catarinense - Santa Catarina 4,3 2,2
Diário do Nordeste - Ceará 3,9 2
O Povo - Ceará 3,9 2
Zero Hora - Rio Grande do Sul 3,4 1,8
A Notícia - Santa Catarina 3,4 1,8
O Estado do Maranhão – Maranhão 3 1,5
Diário do Amazonas – Amazonas 2,6 1,4
Diário da Manhã - Goiás 2,6 1,4
O Popular - Goiás 2,6 1,4
Diário de Pernambuco – Pernambuco 2,6 1,4
Jornal de Brasília - Distrito Federal 2,5 1,3
Diário de Cuiabá - Mato Grosso 2,3 1,2
Folha de Londrina - Paraná 2,3 1,2
A Gazeta - Espírito Santo 2,1 1,1
O Norte - Paraíba 2,1 1,1
Correio da Bahia - Bahia 1,6 0,8
Meio Norte - Pia 1,6 0,8
Jornal da Tarde - São Paulo 1,5 0,8
A Gazeta - Acre 1,3 0,7
Diário do Pará - Pará 1,3 0,7
O Dia - Rio de Janeiro 1,3 0,7
Correio do Povo - Rio Grande do Sul 1,3 0,7
Tribuna do Norte - Rio Grande do Norte 1,1 0,6
Jornal do Tocantins - Tocantins 1,1 0,6
Gazeta de Alagoas - Alagoas 0,8 0,4
A Crítica - Amazonas 0,8 0,4
Diário do Amapá - Ama 0,8 0,4
Correio da Paraíba - Paraíba 0,8 0,4
O Dia – Pia 0,8 0,4
O Rio Branco - Acre 0,7 0,3
Diário da Tarde - Minas Gerais 0,7 0,3
Correio do Estado - Mato Grosso do Sul 0,5 0,3
Diário de Natal - Rio Grande do Norte 0,5 0,3
Diário da Amazônia - Rondônia 0,7 0,3
O Estadão do Norte - Rondônia 0,5 0,3
Folha de Boa Vista - Roraima 0,7 0,3
Correio de Sergipe - Sergipe 0,3 0,2
Tribuna de Alagoas - Alagoas 0,2 0,1
Brasil Norte - Roraima 0,2 0,1
Total 100 51,4
Introdução
13
Jornais Econômicos
Gazeta Mercantil - São Paulo 54 2,3
Valor Ecomico - São Paulo 46 1,9
Total 100 4,2
Revistas
Carta Capital 49,7 11,1
Veja 19,6 4,4
Época 19,2 4,3
IstoÉ 11,7 2,6
Total 100 22,4
Períodos analisados
O gráco abaixo permite armar que não há regularidade temporal na cober-
tura da imprensa sobre as Políticas Públicas de Comunicação. Ou seja, falta de-
dicação cotidiana ao tema. Assim, boa parte do material pesquisado resulta de
momentos especiais, quando casos sintoticos conseguiram mobilizar a aten-
ção das redações. O último trimestre de 2003 foi povoado pela denúncia de que
o apresentador do programa Domingo Legal, do SBT, levara ao ar dois supostos
membros da entidade criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), em uma
falsa entrevista; a farsa foi desmascarada dias depois. O terceiro trimestre de
2004 contou com duas relevantes discussões: o debate dos projetos de criação da
Ancinav e do CFJ – ambos oresceram e foram enterrados no mesmo período.
Já o terceiro e o quarto trimestre de 2005 foram perpassados pela discussão do
sistema de Televisão Digital a ser implantado no Brasil (outras informações sobre
estes casos serão apresentadas nos próximos capítulos da presente publicação).
Nenhuma dessas pautas, por mais relevantes que sejam, podem ser identicadas
como debates gerais acerca do universo comunicacional – caso, por exemplo, da
regulação de conteúdos ou de propriedade. Nesse sentido, os fatos excepcionais
destacados ao longo do período analisado não só acabaram correspondendo
por parte signicativa da cobertura, mas também imprimiram uma certa lógica
à mesma. Temas como renovação de concessões, o cumprimento das regras das
concessões pelas emissoras de rádio e televisão, a situação da radiodifusão co-
munitária, dentre tantos outros que poderiam povoar o cotidiano do noticiário,
se zeram bem menos presentes.
DISTRIBUIÇÃO DOS TEXTOS POR TRIMESTRE
Introdução
14
Distribuição geográca da amostra
Uma outra forma de verificar o equilíbrio ou desequilíbrio da cobertura so-
bre as Políticas Públicas de Comunicação é a análise da distribuição dos tex-
tos segundo a localidade sede dos veículos pesquisados. Os dados denotam
uma forte concentração – a maior já verificada em pesquisas realizadas pela
ANDI – em São Paulo. Os diários paulistas reúnem um volume de textos
desprorcional ao restante da amostra quando comparado aos demais estados
– ali, a relação entre o número de diários e de material publicado é quase sete
vezes superior à média geral por unidade da federação.
Nesse sentido, ainda que a região Nordeste conte com mais jornais pesquisados,
por abrigar um número maior de estados, acabou por car sub-representada. Um
dos fatores que possivelmente explicam este cenário diz respeito à elevada vin-
culação dos diários da região com grupos políticos locais – limitando, assim, o
interesse dos proprietários por esse tipo de discussão.
TEXTOS POR UF DO
VEÍCULO
UF %
AC 1,0
AL 0,5
AM 1,8
AP 0,4
BA 3,5
CE 4,1
DF 3,5
ES 1,1
GO 2,7
MA 1,5
MG 5,7
MS 0,3
MT 4,1
PA 3,1
PB 1,5
PE 4,1
PI 1,3
PR 2,8
RJ 5,9
RN 0,8
RO 0,6
RR 0,4
RS 2,4
SC 4,0
SE 0,2
SP 19,5
TO 0,6
NACIONAL(Revista) 22,4
Total 100
TEXTOS POR REGIÃO
DO VEÍCULO
Região %
S 9,2
SE 32,3
NE 17,6
N 7,9
CO 10,6
NACIONAL(Revista) 22,4
Total 100
Uma outra forma de vericar a distribuição geográca da amostra reside na
análise de quais localidades são reportadas pelos textos pesquisados. Esse tipo
de leitura dos dados trouxe resultados igualmente relevantes e, em certo senti-
do, indicadores de desequilíbrio: 82,8% do material focalizam uma determinada
localidade geográca – ou seja, reportam fatos que se passam em algum lugar
especíco. O restante (17,2%) trouxe conteúdos relacionados a temas mais con-
ceituais vinculados às Políticas Públicas de Comunicação.
Dentre os que se centram em alguma localidade, 79% se detêm exclusivamente
na realidade brasileira, 7,2% focam o cenário internacional e 13,8% relacionam
os dois universos. Faz sentido supor que a experiência internacional foi pouco
aproveitada pela mídia nacional ao discutir as PPC – a quase totalidade das de-
mocracias mais avançadas apresenta desenhos regularios para as comunica-
ções bastantes mais consolidados do que o nosso, o que poderia se converter em
rica fonte de experiências (e pautas) para as discussões sobre esse assunto.
Por outro lado, quando a mídia se centra na realidade brasileira, na maioria das
vezes (80%) fala do país como um todo, sendo os 20% restantes destinados a
cobrir o contexto das regiões, estados e municípios. Tal panorama denota uma
desvinculação da discussão da comunicação com as questões locais e, portanto,
com a vida cotidiana dos cidadãos e cidadãs.
Comunicação por quem e para quem?
Essa perspectiva é reforçada, de forma preocupante, por outros dados: em 82,2%
dos textos analisados não há a mais remota menção aos cidadãos e cidadãs, que
cotidianamente se relacionam com a mídia.
Quando observamos os tímidos 17,8% de artigos, editoriais, colunas, entrevistas
e reportagens em que a população é mencionada de alguma forma, descobrimos
que, na maioria dos casos (56,4%), ela aparece como “consumidora. Em 28%,
é identicada com expressões como telespectador, ouvinte, assinante, leitor, in-
ternauta – ângulos diferenciados da idéia de consumidores. Apenas em 15,6%
dos textos pesquisados a população recebe seu título republicano, de cidadãos e
cidadãs – e em nenhum caso lhe é conferida a categoria de “sujeitos de direitos
e deveres. Essa postura acaba por reforçar a perspectiva do negócio e de uma
relação empresa-cliente, semelhante às demais encontradas nos mais variados
Introdução
15
mercados. Entretanto, é central lembrar que estamos trabalhando com um bem
bastante diferenciado – a informação – e, em muitos casos, com empresas con-
cessionárias de um bem público, o espectro eletromagnético. Nesse sentido, a
negação de uma terminologia vinculada aos direitos e à cidadania deve ser ob-
servada com redobrada atenção.
Como conseqüência dessa postura, temas relevantes para populações especí-
cas – como as relações entre mídia e infância (8,4%), questões de gênero (1,6%),
raça/etnia (1,9%), pessoas com deciência (0,6%) e direitos humanos em geral
(4,6%) – foram agendados em um volume aquém do que seria de esperar-se em
um País com as características do nosso.
Televisão comercial: o centro das atenções
As Políticas Públicas de Comunicação englobam setores tão amplos como os da
televisão e do rádio, os quais podem, adicionalmente, ser comunitários, estatais
ou privados. A clara determinação da Constituição de 1988 para que fossem
estruturados três sistemas de comunicação – o público, o estatal e o privado –,
bem como as diferenças não desprezíveis entre tevê comercial e tevê educativa,
por exemplo, indicam a pertinência de se oferecer espaços especícos para re-
exões sobre esses distintos formatos de mídia.
A despeito desse contexto complexo, o tratamento dispensado pelas redações
às PPC focaliza, sobretudo, a televisão comercial. Importantes setores, como
jornal, rádio e cabo, são objeto de cobertura jornalística em uma proporção
bastante menos signicativa. Já em relação às diferentes formas de proprieda-
de dos sistemas, as mídias educativas, comunitárias e institucionais recebem
pouca atenção, se comparadas ao sistema privado/comercial.
De um lado, a imprensa escrita se coloca em uma posição cômoda de atri-
buir relevância jornalística a um veículo “concorrente”: a televisão. Nesse
sentido, não nos soa como mera coincidência a constatação de que jornais
pertencentes a grupos que também detém concessões de televisão cobrem
significativamente menos a temática. De outro, a pouca pluralidade da re-
flexão travada quanto aos sistemas comunicacionais possíveis impede a for-
mação de uma agenda mais ampla: a discussão acerca da potencialização do
acesso e do alcance de sistemas comunitários, universitários, institucionais
e educativos é central para a chamada democratização das comunicações
– tema que parece caminhar na contramão dos interesses privados que do-
minam o setor.
Vale ressaltar, nalmente, que as variáveis criadas para contabilizar os segmen-
tos e sistemas mencionados eram de múltipla escolha, ou seja, mesmo quando
os textos se valiam da menção a duas ou mais categorias, tal fato era capturado
pela pesquisa.
Introdução
16
SEGMENTOS OU SETORES MENCIONADOS
Segmento %
Televisão 59,0
Jornal 18,6
Rádio 18,6
Internet 14,5
Cinema 13,9
Publicidade/Propaganda 9,0
Outros segmentos de telecomunicações (celulares, etc) 7,6
Cabo 5,0
DTH 1,9
MMDS 0,8
Outros 4,4
Mídia e/ou comunicação em geral 17,5
* Variável de múltipla escolha, logo os resultados podem somar mais de 100%
SUBDIVISÕES DOS SISTEMAS PÚBLICO, ESTATAL E PRIVADO
Sistema %
Privado/Comercial 59,0
Estatal 7,5
Educativo 3,7
Comunitário 2,9
Institucional (Tvs legislativas, Tvs governamentais,
TeleSur, etc.)
1,8
Cultural 1,2
Universitário 0,6
Segmentada: Religiosas 0,5
Segmentada: Sindicais 0,3
Outros 0,3
Não foi possível identicar 20,7
Não se aplica 12,1
* Variável de múltipla escolha, logo os resultados podem somar mais de 100%
O que se vê na TV?
Como observamos, a cobertura sobre o universo das comunicações ainda é
fortemente concentrada na televisão. Essa constatação, entretanto, não revela
aspectos relacionados aos temas centralmente abordados pelos textos jornalísti-
cos. Assim, de quais assuntos os diários e revistas estão tratando quando priori-
zam questões sobre a Televisão e sobre o sistema privado de comunicação?
Introdução
17
Novamente, estamos diante de uma expressiva limitação nos debates condu-
zidos pela imprensa: as questões de conteúdo – qualidade, por exemplo – são
responsáveis por mais de 50% da cobertura. Por certo, os temas aí encontrados
são altamente relevantes para o espaço público brasileiro. Entretanto, são tam-
bém a ponta de um iceberg bastante mais profundo e complexo. Questões de
fundo, como as relações com a política (4,6%), a democracia (1,8%) e o poder
(0,3%), são amplamente negligenciadas pelo noticiário. O mesmo acontece com
aspectos estruturais e regulatórios – concentração da propriedade, sistema de
concessões, dentre outros – que também aparecem com percentuais bastante
inferiores (11,7%). Em síntese, há um forte desequilíbrio na composição dos
conteúdos jornalísticos sobre as PPC e os temas relevantes da comunicação.
Desequilíbrio, não é demais relembrar, vericado no âmbito de uma atenção
editorial já reduzida, em comparação à relevância da temática. Se quisermos
fazer uma analogia com a cobertura de violência, seria possível armar que os
textos analisados trazem o factual (o crime), mas avançam pouco na análise do
contexto, dos fenômenos, das causas, das Políticas.
Em um cenário como esse, terminamos diante de uma baixíssima capacidade de
agendamento de temas absolutamente centrais para uma discussão sobre o per-
l do sistema midiático brasileiro e para subsidiar as eventuais mudanças que se
façam necessárias. Não se fala de educação para a mídia (0,4%), de lei geral da
comunicação de massa (0,3%), da propriedade dos meios de comunicação por
políticos e familiares (0,4%), da conguração da propriedade do setor (0,3%). Es-
tará o jornalismo desempenhando o seu papel de watchdog das Políticas Públicas
– nesse caso as de Comunicação – em uma cobertura com tais características?
QUAL DOS SEGUINTES GRANDES TEMAS É, CENTRALMENTE, MENCIONADO
Foco Central %
Questões de conteúdo (de entretenimento, jornalístico e publicitário) 594 50,2
Questões estruturais, de mercado e regularias (exceto regulação do conteúdo) 139 11,7
Questões tecnológicas 139 11,7
Horário Eleitoral 71 6,0
Mídia e Política 54 4,6
Propriedade intelectual 36 3,0
Direitos e liberdades 23 1,9
Mídia e Democracia 21 1,8
Questões gerais da comunicação 19 1,6
História da comunicação e/ou de um dos setores/segmentos/sistemas 18 1,5
Discussão geral de um dos setores/segmentos/sistemas 16 1,4
Questões da burocracia estatal relacionada às comunicações 16 1,4
Questões prossionais e sindicais 9 0,8
Educação e comunicação 5 0,4
Lei geral de comunicação 6 0,3
Mídia e Poder 3 0,3
Outros 17 1,4
Total 1.184 100,0
Introdução
18
O objetivo nal desta análise estava em compreender como a imprensa escrita
trabalha temas que são relativos à própria atividade midiática, em diversas esferas
– do jornalismo, do negócio da comunicação, da tecnologia, das relações com o
Estado, das políticas públicas, do entretenimento, dentre outros. Para isso, nossa
primeira tarefa foi denir um conjunto de palavras-chave que nos permitissem
obter a amostra – ou o universo, para o caso das revistas – mais dedigna possível
de textos jornalísticos sobre a temática publicados no período em foco, que cobriu
de 2003 a 2005 (veja a lista de palavras-chave no quadro da próxima página).
Qualquer conteúdo que contasse com, pelo menos, uma das palavras denidas
foi selecionado pelo sistema de buscas utilizado. Além disso, a identicação de
um texto pelo sistema não implicava que ele fosse necessariamente considerado
pela presente pesquisa. Foram eliminados materiais com o seguinte perl:
Cartas de leitores.
Textos com menos de 500 caracteres.
Textos que mesmo contendo uma das palavras-chave não estivessem versando
sobre um dos assuntos de interesse da investigação. Por exemplo, muitos conteú-
dos traziam o termo “censura, mas utilizado em um outro contexto temático. Nes-
te caso, eram desconsiderados através de nosso processo de triagem do material.
A maioria das expressões-chave denida foi considerada ipsis literis pelo sistema
de buscas. Já expressões acompanhadas do sinal (+) indicavam que o texto deveria
conter as duas palavras, mesmo que não lado a lado. Expressões acompanhadas
do sinal (-), por sua vez, indicavam que deveriam ser capturados todos os textos
exceto aqueles que contivessem a palavra identicada com essa marcação.
Além disso, vale ressaltar, a despeito de sua importância – dado o foco central da
presente análise – não se tratou de assuntos como “novas tecnologias” e todo o am-
plo universo das telecomunicações e da Internet, a não ser que os mesmos estives-
sem correlacionados com as questões que abordamos aqui. Por exemplo: quando
focalizada a propriedade cruzada de empresas de telefonia e radiodifusão, o texto foi
considerado em nossa amostra; entretanto, se a atenção estivesse exclusivamente na
relação de uma empresa de telefonia com seus clientes, o material seria descartado.
Método de análise
No caso dos jornais, para a denição de uma amostra passível de análise, traba-
lhou-se com o método de seleção de conteúdos conhecido como Mês Composto:
para cada um dos anos considerados – 2003, 2004 e 2005 – foram sorteados 31
dias aleatoriamente, observando-se a representatividade dos meses do ano (meses
com 31 dias contavam com mais unidades na amostra do que aqueles com 28 ou
30 dias) e dos dias da semana (buscou-se obter um volume semelhante de segun-
das, terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos). Assim, nosso quadro
amostral contou com 93 dias. Já para as revistas, em função do volume mais redu-
zido de conteúdos a serem analisados, foi considerada a totalidade dos textos.
Os veículos foram escolhidos com o objetivo de permitir comparação com outras
análises conduzidas anteriormente pela ANDI. Nesse sentido, elegeu-se quatro re-
vistas semanais de circulação nacional e dois dos principais veículos de cada unida-
de da federação – sendo que estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais
acabaram contando com mais de dois representantes, dada a importância dessas
localidades para o debate nacional.
PARA ENTENDER A PESQUISA
Introdução
19
1
9
Palavras-chave selecionadas pela pesquisa
Expressões gerais
1. comunicação de massa
2. comunicação e desenvolvimento
3. comunicação para o desenvolvimento
4. comunicação pelo desenvolvimento
5. comunicação social
6. concentração da propriedade
7. concessionários de rádio
8. concessionários de TV
9. conglomerados de comunicação
10. conglomerados de mídia
11. controle do conteúdo
12. democratização da comunicação
13. democratização da mídia
14. empresa jornalística
15. empresas de comunicação
16. empresas de mídia
17. espectro eletromagnético
18. grupos de mídia
19. horário eleitoral
20. horário partidário
21. indústria cultural
22. mídia e democracia
23. mídia e política
24. MMDS
25. padrão brasileiro + HDTV
26. padrão brasileiro + televisão digital
27. políticas de comunicação
28. políticas públicas de comunicação
29. proer da mídia
30. propaganda eleitoral na TV
31. propaganda eleitoral no rádio e TV
32. propriedade cruzada
33. propriedade da mídia
34. propriedade dos meios de comunicação
35. propriedade horizontal
36. propriedade vertical
37. rádio comunitária
38. rádio digital
39. rádio pirata
40. radiodifusão
41. rádios comunitárias
42. rádios piratas
43. televisão comunitária
44. televisões comunitárias
45. concessão + conquista
46. concessão + outorga
47. regulação + conteúdo
48. regulação + mídia
49. regulação + televisão
50. renovação + concessão
51. sistema brasileiro + HDTV
52. sistema brasileiro + televisão digital
53. sbtvd
54. TV digital
55. TV educativa
56. TV pública
Direitos e liberdades
57. direito a voz
58. direito de antena
59. direito a comunicação
60. direito a expressão
61. direito de comunicação
62. direito de informação
63. direito do autor
64. direito humano à comunicação
65. liberdade de expressão
66. liberdade de informação
67. liberdade de opinião
68. propriedade intelectual
69. censura
Legislação
70. art. 220
71. art. 221
72. art. 222
73. art. 223
74. art. 224
75. código brasileiro de telecomunicações
76. lei 10359
77. lei 10597
78. lei 4117
79. lei 8977
80. lei 9472
81. lei 9612
82. lei de comunicação eletrônica de massa
Introdução
20
83. lei de imprensa
84. lei do cabo
85. lei da TV a cabo
86. lei geral de telecomunicações
Questões de conteúdo
87. baixaria + televisão
88. código de conduta + TV
89. classi cação indicativa
90. padrão globo de qualidade
91. produção independente – (menos) grávida
92. produção regional
93. proibição da propaganda
94. proibição da publicidade
95. propaganda dirigida às crianças
96. publicidade destinada às crianças
97. publicidade dirigida às crianças
98. publicidade infantil
99. qualidade da programação televisiva
100. regionalização da produção
101. regionalização da programação
102. restrição da publicidade
103. restrição da propaganda
Organizações
104. Agência Nacional de Telecomunicações
105. Agência Nacional do Cinema e do Audio -
visual
106. Associação Brasileira das Emissoras Públi-
cas, Educativas e Culturais
107. Associação Brasileira de Emissoras de Rá-
dio e Televisão
108. Associação Brasileira de Produtores Inde -
pendentes de Televisão
109. Associação Brasileira de Radio-
difusão Comunitária
110. Associação Brasileira de Radiodifusão e
Telecomunicações
111. Associação Brasileira de Radiodifusores
112. Associação Brasileira de Televisão
Universitária
113. Associação Brasileira de TV por
Assinatura
114. Comitê Gestor da Internet
115. Conselho de Auto-Regulamentação
Publicitária
116. Conselho de Comunicação Social
117. Conselho Federal de Jornalismo
118. Ética na TV
119. rum do Audiovisual e do Cinema
120. rum Nacional pela Democratização
da Comunicação
121. Ministério das Comunicações
122. Quem Financia a Baixaria é Contra a
Cidadania
123. ABEPEC
124. ABERT
125. ABPI
126. ABRA
127. ABRATEL
128. ABTA
129. ABTU
130. Anatel
131. ANCINAV
132. CJF
133. CONAR
134. Federação Nacional dos Jornalistas
135. FENAJ
136. FNDC
137. Intervozes
Com palavras-chave, dias e veículos de nidos, um processo de busca eletrônica
selecionou um conjunto de textos que, após um processo de triagem manual,
resultou nos 1.184 que foram efetivamente analisados pelo presente estudo.
Com o universo delineado, um instrumento de pesquisa, contendo as principais
categorias a serem investigadas, foi construído. Um grupo de classi cadores foi
treinado em seu manuseio, viabilizando a aplicação a cada um dos textos. O
instrumento estava estruturado, em linhas gerais, da seguinte forma:
1. Identi cação do material: variáveis que permitiam extrair informações bá-
sicas de cada um dos textos (veículo, cidade, data, título).
2. Segmentos e sistemas: nesse momento, buscou-se veri car a quais segmentos (te-
levisão, rádio, etc.) e setores (privado, estatal, educativo) os textos se remetiam.
3. Foco geográ co: esta seção do instrumento teve por objetivo capturar as
localidades retratadas pelo material analisado.
Introdução
21
4. Foco central: o principal tema discutido pelo texto pesquisado era identi ca-
do nesta seção do formulário de análise de conteúdo. Posteriormente, alguns
temas contavam com um segundo nível de detalhamento. Eram eles: horá-
rio eleitoral, mídia e democracia, mídia e política, mídia e poder, questões de
conteúdo, questões de infra-estrutura e questões tecnológicas. As questões de
conteúdo e as tecnológicas ainda passavam por um nível adicional de análise.
5. Enquadramento do foco: com o foco central delimitado, os classi cadores
passaram a identi car a principal perspectiva sob a qual esse determinado
assunto foi reportado pelos textos (individual, governamental, da sociedade
civil ou temático eram algumas das possibilidades).
6. Perspectiva governamental: esse enquadramento passava por uma análise
mais detalhada.
7. Casos especí cos: 12 casos ocorridos no período analisado mereceram uma
atenção particular da  cha de classi cação. Foram eles:
a. Adoção de um padrão brasileiro de TV digital
b. Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav)
c. Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania
d. Conselho Federal dos Jornalistas (CFJ)
e. Classi cação indicativa
f. Empréstimos à mídia pelo BNDES
g. Expulsão do jornalista Larry Rother
h. Fechamento de rádios comunitárias
i. Gugu Liberato (caso PCC)
j. Lei da mordaça
k. Projeto de regionalização da programação
l. Regulamentação/proibição da publicidade de bebidas alcoólicas
8. Censura e liberdade de expressão e de imprensa: um detalhamento da co-
bertura que mencionava ao menos um desses conceitos também foi possível
a partir da  cha de classi cação elaborada.
9. Questões gerais: uma série de aspectos binários (presença ou ausência) era
checada pelos classi cadores através do formulário desenhado (gênero, raça/
etnia, responsabilidade social empresarial, eleições ou tratamento dispensa-
do à população eram algumas das categorias presentes).
10. Questões jornalísticas: atores mencionados nos textos; fontes de informação;
formas de inclusão na pauta; nível de contextualização; menção a causas, soluções
e conseqüências e os tipos de texto jornalístico fecham o instrumento de pesquisa.
As  chas de classi cação preenchidas foram transpostas para uma base de da-
dos que permitiu a emissão de freqüências consolidadas e cruzamentos funda-
mentados em hipóteses prévias. Este material é o objeto de nossa avaliação, a
partir da metodologia de Análise de Conteúdo.
A de nição das palavras-chave e do questionário foi acompanhada por quatro
consultores contratados pela ANDI especialmente para colaborarem com a pre-
sente investigação (veja seus per s na pág. 221)
1
. Adicionalmente, de posse dos
dados, eles prepararam três papers. Estes materiais serviram de referência para
a peresente publicação, trazendo informações teórico-conceituais e análises dos
dados acerca dos seguintes eixos de discussão: “Mídia e Democracia, “Mídia e
Regulação da Infra-estrutura” e “Mídia e Regulação do Conteúdo.
Análise de conteúdo
AANDI utiliza o método de análise de
conteúdo para avaliar distintos aspectos
da cobertura jornalística. Essa metodolo-
gia busca quanti car as características de
determinados conteúdos de forma objeti-
va e sistemática – no caso desta pesquisa,
os textos jornalísticos. Ou seja, em seu
dia-a-dia, a agência traça a radiogra a de
cada notícia publicada sobre Infância e
Adolescência, a partir dos elementos vi-
sivelmente presentes na sua construção.
Esse tipo de análise não se preocupa em
identi car a intenção de quem envia a
mensagem, a forma como cada pessoa re-
cebe essa mensagem, ou ainda o que essa
mensagem possa signi car (tais questões
exigem outros métodos de pesquisa para
a sua compreensão). Por meio desse ins-
trumento, isto sim, é possível traduzir os
diferentes elementos presentes no texto
em dados numéricos, viabilizando que
sejam medidos e comparados.
Repercussão
A pesquisa dia e Políticas Públi-
cas de Comunicação buscou repercutir,
junto a especialistas e a pro ssionais de
alguns dos principais veículos de comu-
nicação do País, os dados gerados pela
investigação realizada. Nesse sentido,
é importante esclarecer que, por repre-
sentarem um dos maiores conglomera-
dos de comunicação no Brasil, a ANDI
procurou ouvir também a opinião das
Organizações Globo em relação aos re-
sultados da pesquisa, mas, no entanto, a
empresa preferiu não se manifestar.
1. Agradecemos ao jornalista Mauro Malin, do Observatório da Imprensa, pelos seus perspicazes e frutíferos alertas sobre algumas possibilidades
de análise dos dados dessa investigação. Lembrando, como de praxe, que quaisquer equívocos são de nossa inteira responsabilidade.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
22
MEIOS PARA A DEMOCRACIA
Muito se fala sobre o papel dos meios de comunicação de massa como
instrumentos para a garantia da Democracia e para o aperfeiçoamento das
instituições típicas do Estado de Direito. Mas será mesmo que eles têm
cumprido essa função?
Para responder a essa pergunta, que norteia a presente publicação, é preciso, em um primeiro
momento, colocar em discussão as diversas concepções de “democracia” e suas interfaces com a
dia. É isso o que se buscou construir neste capítulo. Inicialmente, serão analisadas interpre-
tações de diferentes autores no que se refere à democracia. Esse conceito, como se verá, adquiriu
natureza e amplitude distintas e, por vezes, opostas, dependendo de quem o interpretou.
A seguir, buscamos focalizar o debate nos meios de comunicação de massa e em sua relação
com o cenário democtico, priorizando alguns de seus componentes mais imediatos – como a
discussão sobre as liberdades de expressão e de imprensa. Tal conexão diz respeito não apenas
ao papel de  scalização que a mídia assume – ou deveria assumir – no contexto das demo-
cracias contemponeas, como também ao uso que dela buscam fazer distintos atores sociais,
principalmente aqueles ligados ao espaço político.
A relação entre meios de comunicação e democracia, espera-se, acontece, também no âmbi-
to das empresas jornalísticas e no conteúdo de suas programações e publicações. Assim, será
analisado, neste e nos próximos capítulos, como a discussão democrática se re ete no material
veiculado pela mídia.
- Capítulo 1 -
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
23
Poucas palavras no contexto político parecem ter tantos signi cados e re-
presentar tantos cenários quanto “democracia” e suas derivações (democrático,
democratizar etc.). Presente nos discursos de agentes das mais diversas posições
ideológicas, o conceito adquire contornos distintos a depender da linha de pen-
samento de quem o defende.
É importante assinalar, de início, que a idéia de uma sociedade democrática nem
sempre teve valor positivo. Na Grécia Antiga, havia quase um consenso contrário
à democracia entre os pensadores políticos, fato sinalizado na obra de Platão.
Assim como na Antiguidade, em outros momentos históricos os governos que
eram legitimados, ao menos em tese, pela maioria da população adulta continu-
aram sendo objeto de oposição das elites. Na Europa, até o  nal do século XIX, o
sufrágio universal – então tido como símbolo máximo do triunfo da democracia
– chegou a ser entendido como uma ameaça às liberdades civis, em especial ao
direito à propriedade, que a tradição liberal acreditava ser a base de todos os
outros direitos e liberdades. Na primeira metade do século XX, quem estivesse
à esquerda clamava pela “ditadura do proletariado, enquanto a direita temia a
incorporação das massas à política e articulava a alternativa fascista. Entre esses
dois extremos, experiências mais ou menos autoritárias ou democráticas, nor-
malmente instáveis, revezavam-se no Ocidente.
Primazia do modelo democrático
Após a Segunda Guerra Mundial, a idéia de democracia passou a conduzir dife-
rentes modelos de organização política ao redor do mundo. Esse tipo de regime
político alcançou tal grau de consenso – ao menos no plano discursivo –, que não
seria exagerado dizer que ele venceu a “batalha das idéias” ou, como defendido
pelo cientista político norte-americano Francis Fukuyama, com a efetiva expan-
são das democracias em todo o mundo, teríamos chegado, já na década de 1990,
ao “ m da história.
Nesse contexto, ser reconhecido como democrático passou a ser uma preocu-
pação de diferentes países, mesmo que o adjetivo não se re etisse na realidade.
Pelo rótulo de “democracias populares” passaram a ser intitulados os regimes
comunistas, liderados pela União Soviética, ao mesmo tempo em que os Esta-
dos Unidos apoiavam ditaduras em diversos continentes sob a alegação de uma
necessária “defesa da democracia. O coronel Muamar al-Gada referiu-se ao re-
gime líbio como “democracia islâmica. Já o general e presidente da República
Ernesto Geisel chegou a a rmar que o Brasil viveu, sob a égide do regime militar,
uma “democracia relativa.
Os exemplos deixam claro como o conceito vem, ao longo dos últimos anos,
agregando valor a discursos muitas vezes contraditórios aos próprios princípios
da democracia. Em face de tantas versões do termo, não há possibilidade no ce-
nário político contemporâneo de não ser democrata – tal posição seria, conforme
já ressaltamos, suicida para qualquer ator político. Uma das possíveis perguntas
A pesquisa realizada pela
ANDI com apoio da Funda-
ção Ford aponta que 1,8%
do material analisado enfoca
temas que dizem respeito à relação entre
Mídia e Democracia – tais como controle
social dos meios, democratização da co-
municação e regulação. Adicionalmente,
9,7% dos textos mencionam a expressão
democracia – ainda que sem trazer, ne-
cessariamente, uma abordagem concei-
tual. No caso das revistas, uma única pu-
blicação – Carta Capital – reuniu todos
os textos que traziam como enfoque a
discussão sobre a relação entre os meios
de comunicação e o regime de democrá-
tico de governo. Já entre os jornais, ape-
sar de não haver essa concentração do
debate em um único veículo, o destaque
cou por conta do diário carioca O Glo-
bo, responsável por 1/5 dos textos. Vale
destacar que o tema Mídia e Democracia
compõe 1,5% da cobertura dos jornais e
2,6% das revistas.
1.Vale lembrar que, à época, o sufrágio universal era, na verdade, restrito. Estariam habilitados para votar apenas os homens alfabetizados,
considerando-se limites especí cos de idade.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
24
a serem feitas diante dessa falta de rigor seria: de qual democracia estamos fa-
lando? Em paper preparado especialmente para esta pesquisa, o doutor em ci-
ências sociais e professor da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel
resume esse impasse:
Democracia na prática
Independentemente das inúmeras nuances que caracterizam esse debate – as
quais estarão sendo, em maior ou menor medida, apontadas nas pximas pági-
nas –, é inegável que os acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais
que tiveram lugar nos séculos XIX e XX, tanto no contexto interno das diferen-
tes nações, como no seio da comunidade internacional, solidicaram a presença
de regimes democráticos no mundo. Da mesma forma, passou a ganhar força
entre os países o conjunto de elementos institucionais que caracterizam esses
mesmos regimes, a despeito de todas as discordâncias no campo conceitual e
das disputas ideológicas.
Parâmetros como a divisão de poderes, a armação de direitos civis – entre eles
a liberdade de imprensa e expressão – e políticos, a realização de eleições regu-
lares, o fortalecimento dos mecanismos de controle (accountability) do próprio
Estado e, para não sermos exaustivos, a garantia da atuação plena de algumas
instituições não estatais, sendo a mídia talvez uma das mais centrais, acabaram
por compor um conjunto de elementos bastante comum na constituição das
democracias contemporâneas, especialmente as ocidentais.
Certamente, dada a distância não desprezível entre os anseios ideais dos pais da
democracia (o que deveria ser) e as formas que esses regimes adquiriram na prá-
tica (o que é), não cessaram – e dicilmente cessarão – as preocupações com o
aperfeiçoamento dos modelos existentes. Não por outra razão, ao longo dos úl-
timos dois séculos, por exemplo, as mulheres passaram a votar, os mecanismos
de controle sobre os governos se multiplicaram, os direitos foram ampliados
e os sistemas de votação modicados – fatos que apontam para o movimento
contínuo de aprimoramento das formas democráticas de governo.
Tal contexto não mostra-se diferente quando é a mídia que está no centro desse
debate. A importância histórica da imprensa na consolidação das democracias
ocidentais, assim como os contornos que o sistema midiático foi ganhando ao
longo do tempo – uma de suas características atuais é a concentração de poder
nas mãos de pouquíssimas corporações transnacionais de comunicação –, sur-
gem como foco recorrente dos estudos sobre o tema. Não são poucos os teóricos
da democracia – embora tenhamos ainda um número deles aquém do desejável
– que passaram a manifestar a preocupação em entender a centralidade do papel
desempenhado pela mídia no jogo democrático.
Terceira onda
No livro A terceira onda, o cientista
político Samuel Huntington dene o sur-
gimento de um novo ambiente no qual a
democracia expande sua presença. Iden-
ticando etapas especícas de crescimen-
to da democracia ao longo da história,
o autor defende que a queda do regime
salazarista em Portugal, no ano de 1974,
marca o início do terceiro grande ciclo de
democratização – a terceira onda. Segun-
do Huntington, o movimento em direção
à democracia foi global, atingindo o sul
da Europa, a América Latina, a Ásia e o
bloco soviético. A título de exemplo, em
1974 de dez nações sul-americanas, oito
tinham governos considerados não-de-
mocráticos. Já em 1990, nove destes pa-
íses escolhiam democraticamente seus
governos.
Democracia é um conceito em disputa. Com a vigência do Estado Demo-
crático de Direito e, por conseguinte, com pleno funcionamento de insti-
tuições que lhe são características (como é o caso do processo eleitoral),
há uma ampla percepção de que a democracia está funcionando, e todo
o restante se torna acessório. Quando se entende a democracia como algo
mais, é preciso romper com essa visão minimalista da democracia, tanto
no jornalismo, quanto nas ciências sociais.
Fim da história
O cientista político Francis Fukuyama
defendeu, nos anos 1990, a tese de que a
história caracterizada pela luta entre regi-
mes políticos defensores de distintas for-
mas de organização da sociedade – como
o socialismo e o comunismo – teria che-
gado ao m com a hegemonia do modelo
democrático. Ainda segundo Fukuyama, a
constatação empírica de que as democra-
cias não entram em guerra entre si seria
uma comprovação da prevalência de tais
regimes, o que, dentre outros motivos,
explicaria o modelo a ser inevitavelmente
adotado pelas diferentes nações. Por cer-
to, o Choque das Civilizações – para uti-
lizarmos o termo cunhado pelo também
cientista político norte-americano Samuel
Huntington –, evidenciado pelos aconteci-
mentos posteriores aos ataques terroristas
de 11 de setembro de 2001, veio a enfra-
quecer o argumento de Fukuyama.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
25
De fato, em outros regimes políticos, acabam sendo altamente restritas as possi-
bilidades comunicativas. Por outro lado, não há democracia sem comunicação,
característica que, hoje, está fortemente atrelada ao contexto das empresas de
mídia. Diante de tal constatação, é importante reconhecer que o desenvolvimen-
to de um processo de re exão sobre Políticas Públicas de Comunicação implica
compreender as interfaces desse debate com a discussão sobre a democracia
– precisamente as questão que iremos abordar no presente catulo.
Segundo o assinalado no quadro anterior por Norberto Bobbio e os demais or-
ganizadores do Dicionário de Política, a construção e a problematização da idéia
de democracia são tão longevas quanto as formulações sobre cidadania e políti-
ca estruturadas pelos gregos. No entanto, conforme anuncia o título desta seção,
buscaremos enfocar nossa abordagem sobre tais conceitos às re exões que fo-
ram desenvolvidas a partir do século XX. Tal reducionismo histórico tem uma
razão de ser: é exatamente nesse período que os meios de comunicação de massa
passam a mostrar-se, inequivocamente, centrais para o debate democrático.
Um dos pontos de partida para o melhor entendimento da discussão contempo-
rânea sobre democracia pode ser o livro Capitalismo, socialismo e democracia,
publicado em 1942 pelo economista austríaco Joseph Schumpeter. Em três breves
A democracia segundo
Norberto Bobbio
No livro Dicionário de Política, publicado em
1983, os autores Norberto Bobbio, Nicola Mat-
teucci e Gianfranco Pasquino buscam de nições
acerca de diversos conceitos ligados ao Estado.
O próprio Bobbio foi o responsável pelo verbete
democracia, reconhecendo nele a con uência
de três teorias:
a) a teoria clássica, divulgada como teoria aris-
totélica, das três formas de Governo, segundo a
qual a Democracia, como governo do povo, de
todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que
gozam dos direitos de cidadania, se distingue da
monarquia, como Governo de um só, e da aristo-
cracia, como governo de poucos;
b) a teoria medieval, de origem romana, apoiada
na soberania popular, na base da qual há a con-
traposição de uma concepção ascendente a uma
concepção descendente da soberania conforme
o poder supremo deriva do povo e se torna re-
presentativo ou deriva do príncipe e se transmite
por delegação do superior para o inferior;
c) a teoria moderna, conhecida como teoria de
Maquiavel, nascida com o Estado moderno no
contexto das grandes monarquias, segundo a
qual as formas históricas de governo são essen-
cialmente duas: a monarquia e a república [...] e
o governo genuinamente popular era chamado,
em vez de Democracia, de República.
Conclui Bobbio: “O problema da democracia,
das suas características, de sua importância ou
desimportância é, como se vê, antigo. Tão anti-
go quanto a re exão sobre as coisas da política,
tendo sido reproposto e reformulado em todas
as épocas.
TEORIA CONTEMPORÂNEA
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
26
capítulos, ele revisa diferentes concepções da teoria democrática e uma de suas
principais conclusões acaba por apontar para uma contradição possivelmente
existente nesse tipo de regime político: a suposta incapacidade das massas para
o autogoverno e, mesmo, para o acompanhamento sistemático dos governantes
eleitos. Na opinião do economista, a percepção tradicional da democracia falha
ao sugerir que as pessoas comuns estão interessadas nas questões públicas. Ao
contrário, defende Schumpeter, o processo eleitoral ocorre, essencialmente, de
maneira irracional, fruto da apatia e da desinformação.
No início da década de 1940, a visão do autor havia sido alimentada por uma
pesquisa empírica do também austríaco Paul Lazarsfeld e sua equipe. Depois
de realizar entrevistas com eleitores de uma pequena cidade de Ohio, Estados
Unidos, sobre a decisão de voto nas eleições presidenciais de 1940 – que deram
o terceiro mandato a Franklin D. Roosevelt –, Lazarsfeld e seus colaboradores
concluíram que poucos cidadãos envolviam-se efetivamente com a política.
A grande maioria dos votantes não conhecia sucientemente, nem pretendia
conhecer, os programas dos candidatos ou os problemas nacionais para fazer
uma escolha consciente.
Em paralelo às conclusões publicadas por Lazarsfeld, Schumpeter passa a ima-
ginar outra doutrina da democracia, que seria empírica, realista e adequada à
situação dos países ditos democráticos. Neles, os cidadãos ativos e o “governo
do povo” são substituídos pelo processo eleitoral competitivo. Com isso, para
o economista austríaco, a democracia deve ser vista como um regime em que
os governantes são escolhidos por meio da concorrência pelos votos dos cida-
dãos. Contudo, ele conclui que a eleição tem um caráter meramente ritual, já
que não é decidida por eleitores preocupados – eles votam de forma aleatória
e, por isso, ao votar, não estão indicando que tipo de governo, de leis ou de
políticas almejam, pois não possuem preferências em relação às questões pú-
blicas. Em outras palavras, a obra de Schumpeter pavimenta denitivamente
um entendimento formal ou procedimental da democracia, não mais funda-
mentado no alcance do bem comum rousseauniano, mas calcado em um me-
canismo institucional de escolha de representantes.
A partir da obra de Schumpeter, emergem várias correntes teóricas que se
propõem a discutir a democracia tomando como linha de base os referenciais
por ele inaugurados. Para o cientista político italiano Giovanni Sartori, essas
novas visões passam a estabelecer uma divisão entre as teorias “prescritivas
da democracia – coloridas de utopia e, no limite, irrelevantes para o debate
político efetivo – e as “empíricas” ou “realistas, herdeiras de Schumpeter e que
acreditam retratar o mundo tal como ele é.
Soberania da vontade popular?
Ainda que as observações de Schumpeter respaldem-se em dados empíricos
e análises cotidianas, avalizar sua teoria, de forma ampla, é aceitar a redução
da democracia a esse arranjo institucional, assim como o processo de natu-
ralização do comportamento mecânico dos cidadãos na política e a pretensa
neutralidade de suas decisões. O professor da UnB Luis Felipe Miguel reete
sobre essa contraposição:
Não é desprezível o percen-
tual de textos (11,1%) que es-
tabelecem uma relação entre
a discussão acerca das comu-
nicações e o tema mais amplo das elei-
ções, destaca o estudo Mídia e Políticas
Públicas de Comunicação. Entretanto, a
maioria (50%) dos conteúdos analisados
sobre essas questões está associada ao ho-
rário eleitoral gratuito e um volume pra-
ticamente inexpressivo tem por objetivo
discutir propostas dos candidatos para as
Políticas Públicas de Comunicação.
O bem comum
Segundo o economista austríaco Joseph
Schumpeter, a losoa da democracia do
século XVIII – altamente inuenciada
pelo pensador iluminista Jean-Jacques
Rousseau – sustentava que o objetivo úl-
timo dos regimes democráticos era cons-
tituir um sistema decisório capaz de al-
cançar o bem comum. Este bem comum,
segundo Schumpeter, consistia em algo
indecifrável, “aprovado” pela vontade
comum ou vontade geral e correspondia,
grosso modo, “ao interesse, bem-estar ou
felicidade comuns, tal como foi enuncia-
do séculos antes pelo pelo próprio Rous-
seau. Para ele, esta chamada doutrina
clássica da democracia, é absolutamente
falha, dentre outros motivos porque não
existiria algo como o bem comum de to-
dos: “para diferentes indivíduos e grupos,
o bem comum provavelmente signica
coisas muito diversas, destaca o pensa-
dor.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
27
Quando Schumpeter diz que a democracia é isso, ele nega liminarmente
a possibilidade de aproximação da democracia real com o ideal democrá-
tico, seja pela ampliação da autonomia coletiva na vida cotidiana, seja
por meio de instrumentos que qualicam os eleitores a uma melhor inter-
locução com seus representantes, garantindo que as decisões dos últimos
respondam com mais ecácia aos interesses dos primeiros. No entanto,
é possível pensar que os ‘desvios’ no comportamento do cidadão comum
em relação àquilo que a teoria democrática tradicional preconiza – sua
apatia, desinteresse e desinformação – são efeito (e não causa) de uma es-
trutura política que desestimula a participação popular. Se minha parti-
cipação carece de efetividade, se não posso intervir a não ser com um voto
que se perde entre milhões de outros, então é lógico que meu investimento
pessoal na atividade política será pequeno, se não inexistente.
De acordo com Schumpeter, assim como outros autores que compartilham das
idéias do austríaco, o problema da ampliação da participação popular na políti-
ca não está em questão, porque a ausência dos cidadãos e cidadãs comuns é um
benefício a ser preservado. Ele acredita que a atividade de governo demanda
competências próprias e deve ser de responsabilidade exclusiva dos que estão
preparados para ela. A “interferência externa” atrapalha. Assim, a democracia
teria um valor puramente instrumental: ela serve para gerar um governo legíti-
mo. Haveria um trade-o – constatado também por outros cientistas políticos,
como Giovanni Sartori, Samuel Huntington e Robert Dahl – entre o aumento da
participação popular e a eciência da ação de governar. De maneira geral, mais
participação redundaria em menos governabilidade.
É central ter em conta que esse entendimento da democracia como um método
de seleção de representantes legítimos – em geral, por meio de eleições peri-
ódicas, livres e justas (com todas as ressalvas que estes conceitos necessitam)
– ainda compõe o principal elemento da teoria democrática contemporânea. É o
que ca claro na breve ilustração da teoria schumpeteriana que vimos anterior-
mente e também é reforçado por dois outros importantes pensadores do século
passado: o já mencionado cientista político Robert Dahl e o economista Antony
Downs. A despeito dos pontos-fracos que essa percepção dominante tenha, vale
sublinhar que, mesmo aí, como veremos, a mídia desempenha – positiva ou
negativamente – um papel central. Compreender, portanto, os parâmetros que
constituem essas visões acerca da democracia passa a ser condição indispensá-
vel para entender como os meios de comunicação interferem nesse processo.
Fator informação
Para o cientista político norte-americano Robert Dahl, “uma das diculdades
que todos devem enfrentar é que não existe uma teoria democrática – existem
apenas teorias democráticas. Este é um de seus principais alertas antes de apre-
sentar um conjunto de considerações acerca do signicado da democracia em
dois trabalhos bastante conhecidos: Um Prefácio à Teoria Democrática e, poste-
riormente, Poliarquia.
Se na teoria construída por Schumpeter ca claramente de fora do debate a pos-
sibilidade de qualquer tipo de controle dos cidadãos sobre os seus líderes, para
Dahl – no que poderíamos considerar um aprimoramento das teses schumpe-
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
28
terianas – a prestação de contas ao eleitorado seria uma característica central das
eleições periódicas. Tal concepção, entretanto, acabaria por perder espaço, mais
tarde, em uma nova leitura de seu modelo, realizada no livro Poliarquia.
Assim como Schumpeter, o pensador norte-americano também arma que o
processo inicial da vida democrática segue sendo a disputa eleitoral. Ao reetir
sobre essa questão, o autor insere uma outra discussão: a idéia de que, para fa-
zerem suas escolhas, todos os indivíduos devem possuir informações idênticas
acerca das forças políticas que se apresentam para o pleito. E mesmo reconhecen-
do que a potencial existência de um monopólio nos processos informativos acaba
por ser um fator de limitação de seu modelo, Dahl insiste na existência de uma
simetria no acesso de todos à informação como condição essencial.
Além disso, ainda que o pprio autor saliente a diculdade em se atingir tal
situação – e em vericar-se objetivamente como ela foi alcançada –, essa ree-
xão aparece em sua obra de maneira completamente abstrata e distante de suas
implicações práticas. Ou seja, não há menção acerca de como essa informação é
produzida, quem a produz ou como a opinião pública (o eleitorado) se informa.
Diante dessa lacuna, mesmo reconhecendo a relevância central do problema da
informação e da liberdade de expressão para a democracia, a teoria de Dahl aca-
ba por não avançar na análise de como a operacionalização dessas condições
pode ser alcançada. Aparentemente, o cientista político tende a assumir a tese de
que por meio da livre concorrência, como também assinalou Schumpeter ao co-
mentar o papel da propaganda, garantir-se-ia um regime democrático tal como
concebido por ele. Não há, em momento algum, a discussão sobre como os meios
de comunicação podem interferir (positiva ou negativamente) nessa equalização
das informações e na efetiva garantia da liberdade de expressão. Apenas se men-
ciona que não pode existir monopólio na emissão da mensagem, sequer havendo
uma referência explícita à mídia.
Conceito de incerteza e relevância dos meios
Contemporâneo de Dahl, o economista norte-americano Anthony Downs
também trouxe importantes contribuições para o pensamento sobre a demo-
cracia, entre as quais podemos ressaltar o detalhamento mais abrangente que
construiu sobre o papel desempenhado pela informação nas democracias con-
temporâneas. Mesmo reforçando basicamente a mesma premissa analisada pe-
los teóricos citados anteriormente – ou seja, a centralidade e as condições do
processo eleitoral –, Downs acabou por agregar às reexões sobre os sistemas
políticos conceitos relacionados à teoria da escolha racional formulada pelos
pensadores da micro-economia.
Nesse sentido, a discussão quanto ao conceito de incerteza defendido pelo autor
– ou seja, o nível de conança, razão, conhecimento contextual e informação dos
cidadãos e cidadãs ao fazerem suas escolhas políticas – pode nos levar, ainda que
implicitamente, a uma argumentação quanto à possível inuência dos dissemi-
nadores de informação (incluindo a mídia) no processo político. Logo, a incerte-
za e a possibilidade de persuasão do eleitorado, por meio de diferentes graus de
distribuição de informação, pode alterar os resultados do processo eleitoral – e,
portanto, do jogo democrático. No entanto, ao contrário de Dahl, Downs parece
acreditar que isso não seja um problema, mas sim parte do sistema.
Poliarquia
Em livro publicado originalmente em
1971, Robert A. Dahl apresenta o con-
ceito de “poliarquia, termo que viria a
se incorporar no jargão da ciência polí-
tica e exercer enorme inuência sobre as
análises posteriores. Por entender que os
regimes existentes no “mundo real” en-
contram-se muito distantes de estarem
plenamente democratizados, o autor opta
por não os classicar como democracias,
mas sim como poliarquias. “As poliar-
quias podem ser pensadas então como
regimes relativamente (mas incompleta-
mente) democratizados, ressalta Dahl.
Para tanto, dois fatores fundamentais são
considerados sobre tais formas de gover-
no: 1) são regimes que foram substancial-
mente popularizados (elemento medido
pela oportunidade de cidadãos adultos
votarem em eleições) e 2) liberalizados
(fator avaliado a partir do grau de opor-
tunidades disponíveis para a oposição
política competir na disputa por apoio
popular e cargos públicos). Quanto mais
presentes forem esses dois parâmetros,
mais próximas do ideal democrático es-
tarão as poliarquias.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
29
Em sua reexão acerca dos sistemas de informação e dos custos que eles impli-
cam, por exemplo, Downs apresenta análises relevantes para o entendimento
do papel dos meios de comunicação – e da ppria informação – para a demo-
cracia. Para o autor, um sistema racional de informações exige que os meios
de comunicação sejam plurais e, mais do que isso, que os conteúdos por eles
distribuídos também sejam diversicados. Aliás, este seria um dos maiores pro-
blemas das democracias contemporâneas, visto que há uma concentração sem
precedentes dos meios de comunicação de massa e, portanto, da mensagem que
é transmitida à opinião pública.
Por m, vale ressaltar que um elemento central perpassa a argumentação de
Shumpeter, Dahl e Downs: a democracia é vista como um método de seleção
de representantes, mais ou menos complexo a depender do autor. Ao mesmo
tempo, a informação é tratada a partir de uma perspectiva altamente abstrata
e, logo, desvinculada dos pontos que dizem respeito à sua produção, no âmbito
das sociedades contemporâneas. Nesse sentido, nos inuentes modelos de de-
mocracia cunhados por esses pensadores, a mídia ainda desempenha, se tanto,
um mero papel coadjuvante.
Outros olhares
Na linha oposta a Schumpeter, diversos pensadores imaginam uma teoria da de-
mocracia que preserve seus valores originais: igualdade, participação e, sobre-
tudo, “autonomia coletiva, ou seja, o envolvimento de todos e todas na geração
das normas que regem a vida em comum. Tais propostas, via de regra, abarcam
a ampliação dos espaços de participação na vida cotidiana e a expansão da de-
mocracia para além do voto.
Segundo classicação sugerida pelo cientista político norueguês Jon Elster, a
concepção dominante da democracia seria a das “teorias da escolha racional,
que teria Schumpeter como um de seus mais signicativos expoentes. Nesse
modelo, como já discutimos anteriormente, o processo político é instrumental,
restringindo-se a uma forma de denição das escolhas individuais na esfera pri-
vada. Por essa ótica, o exercício da política se resumiria, portanto, a encontrar a
melhor maneira de canalizar os diferentes interesses em jogo.
Em oposição a essa linha de pensamento, haveria, ainda segundo Elster, duas
grandes alternativas contestadoras: a democracia deliberativa e a democracia
participacionista.
Democracia deliberativa
Para os defensores da corrente deliberativa – como os pensadores Jürgen Ha-
bermas e Joshua Cohen –, a democracia é um processo de escolhas políticas que
se dá por meio da deliberação de todos aqueles que serão afetados por essas de-
cisões. As preferências políticas dos indivíduos, portanto, não seriam denidas
privadamente, nem antecipadamente, mas sim por meio da interação ocorrida
no âmbito do espaço público. Partindo dessa lógica, o conceito de democracia
deliberativa toma como referência um parâmetro ideal – a existência de uma
esfera pública na qual se dariam a comunicação face-a-face e o “livre debate
entre iguais.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
30
As críticas a esse modelo apontam, por um lado, para a impossibilidade prática
da existência de tal forma de debate público em sociedades extensas e populosas
como as contemporâneas. Por outro, ainda que fosse realizável, o modelo con-
teria nuances relacionadas às desigualdades existentes entre os diferentes atores
participantes. O cientista político Luis Felipe Miguel aponta:
Por m, como lembra Elster, freqüentemente o tipo de consenso defendido é
impossível de ser atingido: “mesmo assumindo-se um tempo ilimitado para a
discussão, acordos unânimes e racionais não necessariamente serão alcançados.
A despeito das críticas e limitações desse modelo, a questão de fundo que ele co-
loca – a importância da deliberação de todos e todas para a tomada de decisões
– não é desprovida de relevância; ao contrário. Adicionalmente, ainda que os
autores identicados com esse modelo tendam para níveis de abstração teóricos
muito elevados, a interação dos meios de comunicação com tal forma de denir
a democracia é praticamente imediata. Não é possível deliberar sem comunicar.
Entretanto, como alcançar a cooperação de meios de comunicação privados para
um tal processo deliberativo passa a ser parte do enigma não decifrado pelos
defensores dessa proposta.
Democracia participativa
Já para os “participacionistas” – como a inglesa Carole Pateman e o canadense
C. B. Macpherson –, o modus operandi democrático conta com a possibilidade
de crescimento humano dos partícipes. Isto é, a inclusão de todos nos processos
decisórios permitiria o desenvolvimento individual e, por conseguinte, coletivo.
Os autores enfocam a baixa participação nos regimes eleitorais como um pro-
blema a ser enfrentado, sinalizando para a possibilidade de aprimoramento da
representação por meio da qualicação política dos cidadãos comuns. Assim,
como reforça Elster, para os participacionistas a meta da política é a transforma-
ção e educação de seus participantes. Ou seja, o processo político é compreendi-
do como um m em si mesmo, pois acarretaria na formação cidadã daqueles que
dele tomam parte e não como um método para alcançar outros objetivos.
A democracia participacionista se insurge contra a rígida separação entre Esta-
do e sociedade civil e defende a implantação de mecanismos democráticos nos
espaços da vida cotidiana, notadamente bairros, escolas, locais de trabalho e fa-
mílias. Os participacionistas não contestam o fato de que a maioria das pessoas,
na maior parte do tempo, são apáticas, desinformadas e desinteressadas – como
pressupõe Shumpeter –, mas ressaltam que há condições em potencial de que
todos exerçam um papel ativo na discussão e gestão dos negócios públicos. Se-
gundo Carole Pateman:
Da mesma maneira que a igualdade formal nas eleições, proclamada pela
máxima liberal ‘um homem (ou uma mulher), um voto’, não garante pa-
ridade de inuência potica, o mero acesso de todos à discussão é insu-
ciente para neutralizar a maior capacidade que os poderosos têm de
promoverem seus próprios interesses.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
31
Ao contrário dos defensores da democracia deliberativa, os participacionistas
avançam rumo à de nição de um modelo institucional que seja efetivamente im-
plementado. Contudo, são recorrentes as críticas que incidem sobre a di culdade
de aplicação de um sistema no qual as decisões mais importantes seriam tomadas
em pequenos fóruns próximos aos cidadãos. Os processos de tomada de decisão
em nível local revelaram historicamente diversas di culdades, como a in uência
das relações interpessoais, o poder dos de nidores da agenda de discussões e a
inibição na expressão das divergências.
A participação popular, no entanto, pode ser positiva, visto que amplia a igual-
dade política, tende a impedir a dominação de certos grupos sociais, fortalece
o sentimento de cidadania, produz solidariedade e desenvolve, nos indivídu-
os, competências que eles aplicarão para além da ppria política. Ela implica,
principalmente, dar voz e poder às maiorias hoje alijadas – exceto no momento
eleitoral – do processo político. Vale assinalar que também essa defesa dos par-
ticipacionistas – ainda que muitos deles não incluam uma visão particular do
segmento midiático – demanda compreender as maneiras de se garantir meca-
nismos de envolvimento e direito à voz, considerando a atual con guração dos
meios de comunicação. Como se pode imaginar, a comunicação comunitária e o
os diferentes usos da Internet – as mobilizações contra a reunião da Organização
Mundial do Comércio em 1999 e as novas formas de jornalismo cidadão são
alguns exemplos – podem ser úteis a esses propósitos, ainda que não su cientes
para transformações em larga escala.
Uma vez estabelecido o sistema participativo (e é este um ponto da maior
importância), ele se torna auto-sustenvel porque as qualidades exigidas
de cada cidadão para que o sistema seja bem-sucedido são aquelas que
o próprio processo de participação desenvolve e estimula; quanto mais o
cidadão participa, mais ele se torna capacitado para fazê-lo.
Conceitos importantes no
debate sobre a democracia,
a deliberação e a participa-
ção ainda encontram pou-
co re exo na discussão que os veículos
brasileiros promovem sobre as Políticas
de Comunicação. O estudo realizado
pela ANDI com apoio da Fundação Ford
aponta que 4,6% dos textos trazem men-
ção a esses termos.
Como vimos, muitas são as teorias e modelos que buscam explicar o que seja
democracia” e “ser democrático. O professor do departamento de Governo da
London School of Economics, David Held, em seu livro Models of Democracy
sugere a existência de 12 diferentes modelos de democracia, os quais permitem
que esse tema seja abordado de forma razoavelmente distinta e até mesmo anta-
gônica, a depender da maneira de estruturação do conceito adotada.
Por isso mesmo, nosso objetivo não é tecer uma extensa revisão dos entendi-
mentos antigos e novos acerca dessa discussão tão importante para as sociedades
humanas. Segundo o que relatamos, a apresentação de algumas das principais
DIÁLOGO RELEVANTE
Independentemente da de nição que se adota para o conceito de democra-
cia, um fator central não deve ser relegado: a relação entre os diferentes sis-
temas democráticos de governo e o papel dos meios de comunicação. Com-
preender as nuances dessa interface é elemento central de nossas re exões
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
32
perspectivas sobre a democracia tem por objetivo maior pavimentar caminho
para estabelecer relações entre esta idéia e o papel dos meios de comunicação
de massa.
As seções anteriores já adiantaram um elemento central na percepção das rela-
ções entre mídia e processo democrático, ao menos quando estamos nos refe-
rindo às construções conceituais existentes: os teóricos da democracia, não raro,
ignoram – ou remetem para um plano absolutamente lateral – as correlações
entre este sistema e os meios de comunicação. Esta, em si, já é uma constatação
de elevada relevância, quando levamos em conta que a ausência de uma proble-
matização do tema pode redundar em subestimá-lo ou, no limite, alijá-lo dos
espaços de debate acerca da questão mais ampla da democracia.
A despeito da baixa presença da mídia como uma variável relevante em muitos
dos modelos de democracia analisados, o que estamos defendendo na presente
publicação é que as conexões entre esses dois elementos existem e, mais do que
isso, não são laterais.
A força dos “novos” meios
Foi principalmente com o fortalecimento da imprensa, a partir dos séculos
XVIII e XIX, que a mídia começou a ser observada – ainda que não sistematica-
mente – como protagonista do processo democrático. Com o advento do rádio e
da televisão, já em períodos mais recentes da história, os meios de comunicação
passaram a ter maior amplitude na análise de diferentes estudiosos da democra-
cia. Isso não signica, contudo, que reexões sobre tais aspectos já não estives-
sem de alguma forma presentes nesse debate. A importância da opinião pública,
da liberdade de expressão – e, de maneira mais abrangente, das comunicações
– é tão antiga quanto a ppria discussão acerca da democracia, ainda que nes-
ses outros tempos a mídia não contasse com a mesma relevância de hoje.
O professor britânico David Held fala, por exemplo, de como a facilidade de
circulação de notícias nas comunidades gregas clássicas contribuiu para a soli-
dicação da democracia direta. Platão, em A República, ressalta a importância
da opinião pública. No entanto, podemos armar que o discurso que inaugura,
como marco histórico, a defesa da liberdade de expressão e imprensa é, como
veremos adiante, a Areopagítica, publicado em 1644 por John Milton.
É signicativo notar, portanto, que mesmo tendo sido objeto de atenção dos
pensadores da política ao longo dos tempos, é somente com a possibilidade da
comunicação de massa que as sociedades passam a, efetivamente, considerar a
inuência desse ator em sua organização política, social e cultural. Como arma
uma parte signicativa das teorias sobre a mídia, um “Quarto Poder” surge na
equação tradicional de poderes e forças políticas. A liberdade de imprensa tor-
na-se então vital para a sustentabilidade da democracia – como arma o pensa-
dor Stuart Mill, no seu livro Sobre a Liberdade, este é um assunto que não precisa
mais ser discutido, pois já é um dado, uma pré-condição.
Assim, embora possa ser vista como um elemento abstrato das diferentes teorias
sobre o modelo democrático, a liberdade de expressão acaba por se materializar
em seu beneciário mais visível: os meios de comunicação. Nesse sentido, as
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
33
diversas questões relativas ao triângulo democracia, liberdade de expressão e
imprensa/mídia passam a se con gurar como um dos principais focos da re e-
xão acerca da relação entre comunicação e os processos democráticos.
Visão instrumental
Apesar das claras de ciências existentes no debate intelectual e político sobre
a relação entre os meios de comunicação e a democracia, essa é uma tendência
que vem se transformando nos últimos anos. Exemplo disso é que importan-
tes instituições de avaliação dos rumos de regimes democráticos no mundo já
consideram hoje, em suas metodologias, o grau de pluralidade e liberdade dos
meios de comunicação como uma das variáveis para avaliar se determinada na-
ção é mais ou menos democrática. Caminham nesta direção, organizações como
a Freedom House , adeptas de uma formulação de democracia que poderia ser
considerada como uma expansão do conceito mínimo adotado pelos pensado-
res do mainstream.
No campo do debate teórico, um dos pensadores que avançou em relação às aná-
lises construídas por estudiosos como Schumpeter, Dahl e Downs, foi o cientista
político italiano, radicado nos Estados Unidos, Giovani Sartori. Ainda que acredi-
te – como seus antecessores – que a competição natural do mercado por si só já se-
ria su ciente para assegurar a manutenção do pluralismo de opiniões e a liberdade
de expressão nas democracias, Sartori é o único a explicitar o quanto os meios de
comunicação são importantes na construção da opinião pública, elemento que
por sua vez é fundamental na condução do processo democrático. Um problema
inerente a essa corrente, no )ntanto, como ressalta o professor de ciência política
da UnB, Luis Felipe Miguel, no artigo “Um ponto cego nas teorias da democracia:
os meios de comunicação, é o tratamento da mídia – quando ocorre – como sim-
ples provedora de informação. Não há aí, segundo Miguel, uma análise do sistema
midiático como efetivo construtor de realidades.
Da mesma forma, defensores dos modelos deliberativos e participacionistas –
descritos anteriormente – também acabam por subestimar o peso dos meios de
comunicação no contexto das democracias contemporâneas. Para os defensores
do modelo deliberativo, mais do que os meios de massa, a comunicação face-a-
face acaba sendo defendida como principal modo de acesso à informação. Já no
caso dos que preconizam o conceito de uma democracia participativa, a acen-
tuação do sentimento de comunidade e da educação pela participação acaba
também por negligenciar a importância de intermediários, como os meios de
comunicação e os próprios representantes políticos.
As duas correntes revelam, portanto, lacunas no mesmo ponto: o de desconsi-
derarem um dado irrefutável da realidade – de que a mídia existe e é por meio
dela que uma parcela signi cativa da interação comunicativa das sociedades
contemporâneas acontece.
2. Organização não governamental sediada nos Estados Unidos que há vários anos elabora um ranking internacional, com todos os países
independentes do globo. Este ranking indica como está o grau de liberdade (democracia) nessas nações, classi cando-as em livres, parcialmente
livres e não-livres.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
34
Estabelecendo as interconexões
Há autores, entretanto, que dedicam especial atenção às relações entre a mídia
e a democracia. O professor de política da Universidade de Westminster, em
Londres, John Keane, por exemplo, dedicou-se a escrever um livro com foco
exclusivo no tema: Media and democracy. Para ele:
Por sua vez, em seu livro Sobre a televisão, o sociólogo francês Pierre Bourdieu
utiliza fartos exemplos para analisar – a partir da estrutura do processo de pro-
dução televisiva, dos mecanismos de mercado e das características dos jornalis-
tas – o “perigo” ao qual a mídia expõe a “vida política e a democracia. Um de
seus argumentos centrais está relacionado ao que seria uma necessidade ineren-
te à consolidação de uma democracia efetiva: o espaço conferido pela mídia aos
diferentes atores sociais deveria ser equânime, o que hoje não se verica.
O cientista político Giovanni Sartori, já numa fase de crítica mais contundente,
desenvolve a hipótese de que a exposição constante à televisão e, portanto, a uma
comunicação centralmente realizada por meio da imagem, poderia provocar – e
estaria, efetivamente, provocando – uma transformação na própria natureza do
homo sapiens. Uma educação pela imagem televisiva diminuiria a capacidade
de compreensão e, por conseguinte, de discussão de conceitos abstratos (como
democracia), em muitos casos centrais à atividade política.
A essas argumentações especícas somam-se outras possibilidades de interação
dos meios de comunicação com a democracia: o grau de proximidade com os
políticos prossionais, o poder de interferência no processo eleitoral, a imprensa
como garantidora da accountability dos governos e, também, como denidora
da agenda pública. Tais temas serão tratados de maneira mais aprofundada nas
próximas seções do presente capítulo.
Por certo, um conjunto de outras discussões deriva do reconhecimento de que
a comunicação social assume especial relevância nos regimes democráticos. As-
sim, por exemplo, a garantia de uma mídia mais plural pela regulação da pro-
priedade no setor é objeto de discussão no Capítulo 2 e as formas de assegurar a
accountability da própria mídia são debatidas no Capítulo 3.
Nesse sentido, não se deve ter a falsa impressão de que é limitado o conjunto
de autores e abordagens teóricas que defendem as profundas relações entre a
mídia e a democracia. Como veremos nas pximas páginas e capítulos, todos
os estudiosos, pensadores, ativistas e instituições que serão mencionados par-
tem, grosso modo, dessa premissa. Entretanto, o que se buscou sublinhar a
o momento é que parte signicativa dos responsáveis pela edicação da idéia
contemporânea de democracia – e mesmo os seus críticos – acabam por colocar
os meios de comunicação em segundo plano e, às vezes, em plano algum.
O assunto da democracia e da mídia deverá sempre permanecer em aber-
to e controverso. A luta por uma mídia democrática é um projeto em
curso sem soluções denitivas.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
35
As relações entre mídia e democracia – aspecto cen-
tral para a compreensão das Políticas Públicas de
Comunicação – receberam reduzido espaço na co-
bertura dedicada pela imprensa escrita entre 2003 e
2005. Apenas 1,8% da amostra trouxe a abordagem
dessas questões.
Ao analisarmos esse pequeno volume de artigos,
editoriais, colunas e matérias, é possível perceber
uma maior preocupação dos veículos com a necessi-
dade de democratização dos meios de comunicação
– cerca de metade dos poucos textos que enfocaram
a relação entre mídia e democracia aborda essa ques-
tão. A importância dos meios para a democracia e
as discussões em torno do controle social da mídia,
conforme indica a tabela abaixo, também tiveram
destaque.
Vale chamar a atenção para o fato de que temas
de fundamental relevância para os debates na área
foram totalmente negligenciados: accountability e
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: MÍDIA E DEMOCRACIA
controle democrático dos meios, instituições que
atuam em defesa da democratização da comunica-
ção, pluralização dos meios, pluralização das vozes
e regulação como risco à democracia não tiveram
uma única menção. Já a discussão sobre a necessida-
de de regulação como instrumento para garantia da
democracia contou com um único texto.
Diante desse cenário, vale relembrar o fato de que a
centralidade da mídia no contexto dos regimes de-
mocráticos funciona como uma via de mão dupla:
os meios podem contribuir seja para o avanço, seja
para o retrocesso do estado de direito. Daí a neces-
sidade de que a imprensa, conforme já ressaltamos,
não se furte a incluir, no rol de suas preocupações
cotidianas, a discussão sobre aspectos relacionados
ao próprio papel que desempenham no âmbito das
modernas democracias ocidentais – tal como o faz
em relação ao Estado, à escola ou à Igreja.
SOBRE MÍDIA E DEMOCRACIA, A DISCUSSÃO CENTRALMENTE TRAÇADA SE REFERE A*
Democratização dos meios de comunicação 42,9%
Importância dos meios de comunicação para a democracia 28,6%
Controle social dos meios de comunicação 23,8%
Necessidade de regulação dos meios para a garantia da democracia 4,8%
Accountability dos meios de comunicação 0,0%
Controle democrático dos meios de comunicação 0,0%
Instituições que atuam em defesa da democratização dos meios de comunicação 0,0%
Pluralização dos meios de comunicação 0,0%
Pluralização das vozes nos meios de comunicação 0,0%
Regulação dos meios como risco à democracia 0,0%
Características editoriais
Essa escassa cobertura, restrita a 1,8% dos 1.184 tex-
tos analisados, a rigor forçaria uma única conclusão
acerca do tratamento dispensado ao tema mídia e
democracia: a pauta é totalmente ignorada, isto é,
não constitui foco de interesse para a imprensa. Não
obstante, investigar alguns dados internos a esse re-
corte temático, com todas as ressalvas necessárias,
permite traçar a seguinte especulação: supondo que
o espaço dedicado à questão crescesse, porém man-
tendo o per l que hoje possui, quais seriam os prin-
cipais elementos levados em conta pela imprensa na
construção desse debate?
Tal exercício permite reconhecer que, embora dimi-
nuta a cobertura das relações entre mídia e demo-
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
36
cracia apresenta um per l editorial bastante diferen-
ciado do restante da amostra. Enquanto 75,6% do
material analisado é composto por reportagens – os
demais 24,4% são artigos, colunas, editoriais e en-
trevistas –, os textos especí cos sobre mídia e demo-
cracia trazem uma distribuição diferenciada: nada
menos de 47,6% refere-se a conteúdo opinativo.
Numa leitura mais aprofundada, é possível detectar
que tal con guração editorial contribui para uma
maior quali cação na abordagem do tema. Enquan-
to na amostra geral 76,1% dos textos não avançam
além de uma simples contextualização do fato ou
questão em foco, no caso do material sobre mídia e
democracia esse percentual reduz-se para 57,1%.
Estes conteúdos também destoam das médias gerais
quanto à principal perspectiva atribuída ao tema co-
berto. Na análise global, 4,5% do material traz como
destaque a ótica da sociedade civil organizada e, em
17,2%, um enquadramento temático-conceitual. Já
no recorte mídia e democracia, os percentuais so-
bem, respectivamente, para 28,6% e 38,1% – dado
que permite apontar uma maior participação de ato-
res sociais no debate.
Como contraposição aos regimes autoritários de diversos matizes, as primeiras
experiências de democracia, ainda em Atenas, já se preocupavam com a liber-
dade de expressão dos indivíduos, segundo apontado anteriormente. Entendia-
se, já naquele período, que o livre pensar e, mais do que isso, a manifestação
dessas idéias, não deveria ser cerceada. Essa compreensão encaixa-se no rol de
condições fundamentais para a garantia de um regime que se diferenciava das
monarquias, autocracias e oligarquias.
Na democracia ateniense, todos os cidadãos da pólis podiam debater e votar
qualquer assunto de interesse geral: guerra e paz, impostos, cultos ou obras pú-
blicas. A democracia grega promoveu o uso da palavra como fundamento da
política. “O ser político, o viver numa pólis, signi cava que tudo era decidido
mediante palavras e persuasão, e não através de força ou violência, a rmou a te-
órica política Hannah Arendt. A própria de nição aristotélica do humano como
ser vivo dotado de palavra” expressa a importância primordial do discurso na
Grécia Antiga.
No m da Idade Média, a transmissão de informação e de conteúdos simbólicos
ampliou-se de modo estrondoso, revolucionando a organização da vida coti-
diana. Essa transformação foi possível graças à invenção da imprensa de tipos
móveis, em meados do século XV. A máquina de Johann Gutenberg marcou
uma nova era – textos e livros puderam se espalhar e se multiplicar por toda a
Europa. E não só livros: no século XVII, começaram a surgir os primeiros jor-
nais regulares de notícias.
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SEUS LIMITES³
3. As discussões sobre liberdade de expressão e de imprensa aqui travadas foram retiradas, em grande medida, dos livros Mídia e Direitos
Humanos, produzido em 2006 pela ANDI, Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Unesco; e Classi cação indicativa: construindo a cidadania
na tela da tevê, publicado também em 2006 pela ANDI e pela Secretaria Nacional de Justiça / Ministério da Justiça, com apoio da Fundação Avina
e da Save the Children Suécia.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
37
Nesse contexto, um grande marco na armação da liberdade de expressão e
imprensa se deu a partir do pensador inglês John Milton. Em discurso célebre,
o político britânico sintetizou uma das defesas mais contundentes desse direito
civil, que, depois, estaria presente, de forma semelhante, na Declaração dos Di-
reitos do Homem e do Cidadão, instituída com a Revolução Francesa: “Dai-me
a liberdade para saber, para falar e para discutir livremente, de acordo com a
consciência, acima de todas as liberdades.
Com o aparecimento das primeiras publicações periódicas, o debate sobre a li-
berdade de imprensa se amplia. Em meados do século XVIII, o pensador esco-
cês David Hume defendia que uma imprensa livre poderia despertar o espírito
do povo e refrear as ambições da Corte. Para ele, a tentativa de restringir a liber-
dade de imprensa impõe custos tão grandes e uma “violação tão descarada” da
liberdade, que seria o último esforço de um governo despótico: “A liberdade da
Bretanha terá desaparecido inteiramente quando tais tentativas forem coroadas
com êxito.
John Stuart Mill, importante pensador do século XIX, também ressaltou a re-
levância da liberdade de imprensa para as sociedades, em manifestação que se
tornaria famosa: “É de se esperar que tenha chegado o tempo em que não se
faz necessária defesa alguma da ‘liberdade de imprensa’ como uma das garan-
tias contra os governos tirânicos e corruptos. Assim, a construção dos Estados
liberais – ainda que não necessariamente democráticos – passou a estar inti-
mamente conectada à capacidade de assegurar os direitos civis, dentre os quais
destacava-se a liberdade de expressão e também de religião. O pensador, adi-
cionalmente, propôs um avanço para a idéia de tolerância às posições políticas
divergentes ao propor o combate à opressão pela maioria, que pode impor uma
tirania da opinião e do sentimento predominantes.
Princípio básico da democracia
Com a invenção dos sistemas eleitorais, além de uma nova perspectiva para os
problemas de escala da democracia direta, também se conseguiu trazer mais
concretude ao debate acerca da liberdade de expressão e imprensa que, confor-
me vimos até aqui, eram abordados muito amplamente. Os regimes democrá-
ticos passaram, paulatinamente, a ser o sistema adotado pelos Estados liberais.
Nesse contexto, a liberdade de expressão e de imprensa eram vistas como funda-
mentais para a garantia da democracia eleitoral (ou indireta).
São várias as funções da liberdade de expressão para a garantia de uma demo-
cracia indireta mais vigorosa. Uma delas é permitir que o eleitor tenha acesso a
informações relevantes para tomar sua decisão sobre quem ocupará os postos
de representação popular. Em outras palavras, a liberdade de expressão é funda-
mental para que os conitos políticos se apresentem ao eleitorado.
Outra função está relacionada com o fato de a imprensa ser vista como parte
do sistema de freios e contrapesos inerente à experiência democrática – como
defendiam, em especial, os federalistas norte-americanos. Disto resulta que
não há accountability (responsabilização) efetiva por parte dos governantes
eleitos sem liberdade de expressão e sem uma imprensa livre. Em outros ter-
Areopagítica
Em 1644, o parlamentar inglês John
Milton profere diante do Parlamento da
Inglaterra o primeiro discurso moderno
acerca da liberdade de imprensa. O con-
teúdo, considerado obra seminal sobre o
assunto, tem sido, segundo a introdução
feita pelo poeta e diplomata Felipe Fortu-
na à edição brasileira do livro, “exaltado
como o texto mais radical sobre a inutili-
dade da censura, a defesa apaixonada da
circulação de todas as idéias e a neces-
sidade de tolerância religiosa. O nome
Aeropagítica” é uma referência direta ao
Areópago grego, já que o parlamentar se
dirige a sua própria assembléia.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
38
mos, esse tipo de liberdade contribui para que um mau governo não
consiga ser tão mau assim. É o chamado controle social dos governos
pelas mãos da imprensa (veja discussão sobre o papel de watchdog da
mídia, na página 54).
Um terceiro aspecto, conforme nos alerta o lósofo alemão Jürgen Ha-
bermas, é que a construção de uma esfera pública de discussões, ele-
mento central para o aprimoramento da democracia, só é possível em
um ambiente de liberdade de expressão e de imprensa. Ou seja, segundo
esta perspectiva, teremos uma democracia tão mais consolidada quanto
mais freqüentes, densos e plurais forem os debates acerca dos temas de
interesse público.
Direito à voz
Contudo, por mais que a liberdade de expressão seja crucial à democra-
cia, é preciso questionar o que de fato representa esse conceito. A crença
na censura estatal como a principal inimiga da liberdade de expressão é
natural à ascensão da ordem liberal, exemplicada pela Areopagítica, de
John Milton. A censura governamental nunca é uma ameaça denitiva-
mente vencida, mas, nas democracias liberais, ela encontra fortes empe-
cilhos para se estabelecer – seja eles dispositivos legais, seja a resistência
quase unânime da opinião pública.
Assim, se de um lado são necessários mecanismos regulatórios para var-
rer a censura dos regimes constitucionais adotados pelas democracias
contemporâneas – a m exatamente de se garantir a liberdade de ex-
pressão e de imprensa –, de outro, cada vez mais, torna-se evidente a ne-
cessidade de se estabelecer marcos legais que regulamentem o exercício
dessas liberdades. Isso signicaria, em linhas gerais, a existência de mo-
delos regulatórios voltados para a atuação dos meios de comunicação
de massa. Tais questões, no entanto, não são foco do presente catulo e
serão aprofundadas na discussão sobre regulação apresentada ao longo
dos Capítulos 2 e 3 desta publicação.
Por ora, cabe destacar que nos contextos em que o exercício das liberda-
des de expressão e imprensa ocorre em um cenário no qual prevalecem
os meios de comunicação de massa, um dos potenciais problemas que
podem surgir passa a ser a ausência, no debate público, de uma maior
diversidade de vozes. Isso porque diversos atores importantes terminam
encontrando sérias diculdades em ganhar visibilidade nos espaços mi-
diáticos. Da mesma forma, o direito humano à comunicação acaba se
tornando restrito em função da limitada pluralidade dos próprios meios
– limitação essa que, note-se bem, não deriva, necessariamente, de uma
decisão política dos controladores das empresas de mídia, mas é resul-
tante de uma falha inerente do sistema. Até o advento e amplo uso das
tecnologias digitais, eram poucos, tecnicamente falando, os que pode-
riam operar uma mídia massiva.
Tendo em mente esses limites, não se pode deixar de armar que, na de-
mocracia, a liberdade de expressão não pode ser entendida como mera
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
39
liberdade negativa (“ninguém me proíbe de falar”); ela se fortalece apenas quan-
do associada ao direito positivo de participação na esfera pública, questão na
qual a mídia ocupa um papel central. Segundo arma a jornalista Bia Barbosa,
do Coletivo Intervozes, no artigo “Sociedade e comunicação democráticas, não
basta contarmos com liberdade de expressão, nem com o acesso a uma vasta
gama de fontes de informações, é preciso atuar contra as diferenças ecomicas,
sociais e políticas – e, acrescentamos, técnicas – que fazem tão poucos terem
condições de serem produtores e difusores de informação. Desse modo, aumen-
tar signicativamente os pólos de produção e difusão da informação, elevando
a diversidade de discursos na esfera pública, é um importante caminho para a
democratização das comunicações.
A partir dessa perspectiva, portanto, fenômenos como a concentração da capa-
cidade de difundir informações devem ser encarados como uma ameaça tão im-
portante à liberdade de expressão quanto a censura governamental. A situação
é particularmente crítica no rádio e na televisão (leia mais sobre essa questão
no Catulo 2). Diversos autores compartilham deste ponto de vista. André de
Godoy Fernandes, em sua dissertação de mestrado Televisão no Brasil: a Cons-
tituição Federal de 1988 e o controle da programação televisiva, cita uma análise
do jurista Fábio Konder Comparato sobre a questão: “nesses [meios], apenas os
detentores das licenças para exploração dos canais de radiodifusão possuem ple-
na liberdade de manifestação do pensamento e de opiniões; os demais membros
da coletividade, não. Resta-nos perguntar: será que o cerceamento do direito
de voz não é uma forma muito mais agressiva de “censura” do que a regulação
democrática do conteúdo?
Liberdade para poucos
Por um lado, pode-se dizer, como vimos acima, que a liberdade de expressão no
Brasil hoje, grosso modo, é a liberdade das empresas de comunicação. Ou seja,
os únicos atores na sociedade brasileira que não têm impedimentos para expor
seus interesses no horário nobre são os proprietários de empresas de radiodifu-
são e empresas de mídia em geral (leia mais sobre essa discussão no Capítulo 2).
Por outro lado, se um dos objetivos do controle da propriedade e do conteúdo
dos meios de comunicação é garantir que a sua função primordial – a consoli-
dação do sistema democrático – se dê da melhor forma imaginável, a regulação
desses meios pode e deve incluir instrumentos que permitam uma maior plura-
lidade de vozes. O que poderia ser assegurado por meio da desconcentração da
propriedade, da implementação do direito de antena (garantia a grupos sociais
e políticos signicativos do acesso aos meios de comunicação social, constituin-
do-se efetivamente em meio legítimo de representação pública na mídia), do
fortalecimento dos meios de comunicação comunitários, da produção indepen-
dente, da regionalização dos conteúdos – todas essas, exemplos de ações regu-
latórias que assegurariam tal pluralidade e, por conseguinte, uma liberdade de
expressão mais ampla.
Como arma o lósofo Renato Janine Ribeiro no artigo “O poder público au-
sente: a TV nas mãos do mercado, não se trata de reduzir ou coibir a liberdade.
Os dados da pesquisa reali-
zada pela ANDI e Fundação
Ford demonstram que, a des-
peito da sua relevância, a de-
mocratização da comunicação ainda não
consegue se tornar tema da pauta políti-
ca. Em reunião para a análise dos resul-
tados do estudo, Luiz Egypto, editor do
site Observatório de Imprensa, arma:
O que me chama a atenção é o descom-
promisso das empresas ao tratarem da
desconcentração da propriedade e do
papel que elas exercem no contexto das
liberdades e da democracia. No caso da
radiodifusão, por exemplo, o fato de a
atividade acontecer a partir de uma
concessão pública – sujeita a normas
constitucionais – não é apresentado
como informação pela cobertura jorna-
lística. Faz-se necessário colocar mais
luz nessas questões, pois é fundamental
para a sociedade discutir políticas pú-
blicas de comunicação.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
40
A pesquisa coordenada pela
ANDI revela que os movi-
mentos que lutam pela de-
mocratização das comuni-
cações têm encontrado di culdade em
tornar públicas as suas reivindicações.
No Brasil, esse é o caso, por exemplo, do
rum Nacional de Democratização da
Comunicação (FNDC) que, nas 1.184
matérias analisadas pelo estudo, apare-
ce como protagonista apenas duas vezes
– ambas notas curtas em jornais de ex-
pressão local. Além disso, é citado nove
vezes de maneira lateral. Vale assinalar
que na maior parte dos casos o Fórum
aparece associado não à discussão sobre
a democratização do acesso à mídia (seu
foco central de atuação), mas à campa-
nha contra a “baixaria” na televisão, ini-
ciativa da qual é integrante.
Trata-se, isto sim, de notar que tal liberdade é exercida por poucos – ba-
sicamente em função do capital de que dispõem – e que ela constitui um
dispositivo de controle destes poucos sobre o grande público.
Regulação democrática
Em contraponto a esse acesso por poucos aos meios de informação, um
controle democrático do sistema de radiofusão incluiria, por exemplo,
mecanismos de proteção dos direitos de minorias políticas (inclusive
crianças e adolescentes) e, vale reiterar, de promoção da manifestação
do maior número de vozes possível. Tal desenho regulario traria des-
de ações efetivas por parte do Estado (regulamentos, sanções, aparatos
institucionais) até a formação de grupos institucionalizados para atuar
junto aos veículos de comunicação em iniciativas de advocacy.
A Constituição Federal de 1988, porém, é dúbia no que se refere à liber-
dade de expressão e à possibilidade de democratização da comunicação.
De um lado, explicita a proibição a qualquer forma de restrição a esse
tipo de liberdade; de outro, proíbe monopólios e oligopólios no setor,
abrindo espaço para o pluralismo. Sobre essa questão, é necessário res-
saltar que monopólios e oligopólios, em tese, não representam automa-
ticamente uma obstrução da liberdade de expressão. Contudo, podem
contribuir para restringi-la, na medida em que di cultam o acesso de
outros atores ao mercado da radiodifusão. Assim, a Constituição Fe-
deral avança pouco no que se refere a esse ponto, como ca claro no
quadro abaixo.
As determinações da Constituição
Federal de 1988
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem dis-
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos ter-
mos seguintes:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, cientí ca e de comunicação, indepen-
dentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o di-
reito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XIV - é assegurado a todos o acesso à infor-
mação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício pro ssional;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a cria-
ção, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qual-
quer restrição, observado o disposto nesta Cons-
tituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que
possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no
art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de na-
tureza política, ideológica e artística.
§ 5º - Os meios de comunicação social não po-
dem, direta ou indiretamente, ser objeto de mo-
nopólio ou oligopólio.
§ 6º - A publicação de veículo impresso de co-
municação independe de licença de autoridade.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
41
Além disso, como aponta a jornalista Bia Barbosa, os principais artigos da
Constituição Federal relativos à Comunicação Social permanecem sem regu-
lamentação – entre eles, o que impediria o oligopólio dos meios de comuni-
cação (artigo 220) e o que criaria exigências mínimas de programação para
as emissoras de rádio e televisão (artigo 221). A ausência de regulamentação
também atinge o artigo 223, que estabelece o princípio da complementaridade
entre os sistemas público, privado e estatal na radiodifusão – isso resulta, hoje,
no fato de as emissoras de rádio e televisão serem majoritariamente controla-
das por empresas privadas.
Eugênia Augusta Fávero é Procuradora da República e
atua na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão
no Estado de São Paulo. Nesta entrevista, ela discute
os caminhos para a população lutar por seus direitos
de comunicação.
É possível citar casos em que as ações de cidadãos in-
terferiram nos abusos da mídia, defendendo assim
seus direitos de comunicação?
Existem várias situações em que as denúncias e recla-
mações dos cidadãos, bem como a iniciativa do Minis-
tério Público e da própria Secretaria Nacional de Justiça,
trouxeram algum resultado, normalmente relacionado
ao horário de veiculação de programas. Vale citar os ca-
sos que  caram lembrados como “o sushi do Faustão” e
a banheira do Gugu, além de algumas novelas que não
puderam ser exibidas antes de determinado horário e de
certos telejornais proibidos pela Justiça de expor de for-
ma vexatória a identidade e imagem de pessoas conside-
radas autoras de delitos.
Um caso que se tornou emblemático, pelo resultado rá-
pido e pronto obtido junto à Justiça, foi a ação civil pú-
blica proposta pelo Ministério Público Federal em face
do SBT, em razão de uma entrevista forjada com pessoas
que se diziam integrantes do PCC. Nessa ação foi conce-
dida liminar determinando a suspensão de uma das edi-
ções seguintes do programa, com caráter inibitório.
Por que o debate sobre os direitos de comunicação das
crianças e adolescentes ainda engatinha no Brasil?
A nosso ver esse debate existe, mas não ganha espaço na mí-
dia porque ela própria não tem interesse nisso. Ao contrário,
sempre se dá muito espaço às críticas a qualquer iniciativa
que possa trazer algum resultado efetivo a esse debate.
Como devemos encarar o risco de censura, quan-
do se trabalha o processo de regulação do conte-
údo televisivo?
Este é o argumento mais utilizado pelas organizações
para recusarem debater o assunto – e concordamos
que deve ser considerado, porque ninguém quer de
volta a censura. Ao Ministério Público, por exemplo,
cabe adotar as medidas necessárias contra qualquer
ato de censura, porque ela é constitucionalmente
proibida. No entanto, não podemos esquecer que a
Constituição não deu às emissoras liberdade total,
pois, ao mesmo tempo em que ela garante no artigo
220 que a manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação “não sofrerão qualquer res-
trição, acrescenta a frase “observado o disposto nes-
ta Constituição. E ela ppria prevê como limites o
direito de resposta, a inviolabilidade da intimidade,
da vida privada, da honra, da imagem das pessoas, a
preferência por  nalidades educativas e o respeito aos
valores éticos e sociais da pessoa e da família, tudo
isso no artigo 221.
Dessa maneira, a defesa de tais princípios constitucio-
nais, através dos meios jurídicos cabíveis, não implica
em censura, porque censura e acesso à Justiça não se
confundem. Se outro for o entendimento, a Constitui-
ção seria contraditória ao vedar a primeira e admitir o
segundo. Para se trabalhar o processo de regulação do
conteúdo televisivo, basta então que ele  que restrito
aos limites previstos na Constituição Federal, sempre
com observância do devido processo legal. Assim,
não haverá o menor risco de se voltar ao tempo dos
empastelamentos” das redações.
Eugênia Fávero
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
42
Controle não é censura
Da mesma forma que ocorre em relação ao controle da propriedade e da pos-
sibilidade de oligopólios – no sentido de garantir maior diversidade de vozes
– há outro elemento que também carece de regulação: os conteúdos veiculados
pelos meios. Aqui, é recorrente a confusão entre controle e censura, apesar de
lólogos como Antonio Houaiss denirem a palavra “controle” como sinônimo
de “regulação” – não por outro motivo, fala-se em “controle social”, “contro-
le constitucional, “controle democrático. Até mesmo o vocábulo “regulação
– associado ao estabelecimento de regras, leis, regimes institucionais que, se
constituídos no bojo de um sistema democrático, não poderiam ser vistos como
autoritários – é freqüentemente associado à censura no Brasil de hoje. Regula-
ção democrática ou regulação dentro dos princípios do Estado Democrático de
Direito são alguns dos pleonasmos utilizados para se deixar claro que o objetivo
de determinada política regulatória não é o estabelecimento de uma prática de
censura dos meios de comunicação. Essa linha de argumentação também é de-
fendida pelo professor de comunicação da USP e da Cásper Líbero, Laurindo
Leal Filho, na entrevista da próxima página.
Há, certamente, um componente político-ideológico no uso desses conceitos.
A censura da programação televisiva é uma atitude, própria dos regimes de ex-
ceção, que visa a impedir a livre circulação de conteúdos que possam atentar
contra os interesses do grupo dominante. Em outras palavras, os regimes au-
toritários não se valem do expediente da censura para a proteção ou promoção
dos direitos humanos de quem quer que seja: a censura é um instrumento de
auto-proteção dos atores que a praticam.
Nesse sentido, a regulação de conteúdos que possam contrariar os direitos de
crianças, adolescentes, mulheres, grupos religiosos, classes econômicas menos
favorecidas, pessoas com deciência, dentre outras minorias políticas, não pare-
ce se encaixar no sentido atribuído à palavra “censura” descrito acima.
Decisões governamentais e judiciais tomadas recentemente no Brasil provoca-
ram alarme em diferentes setores quanto à ameaça ao direito à liberdade de
expressão e, por complemento, de imprensa. Fatos de alcances e origens diversas
foram, com maior ou menor grau de consenso, condenados sob um mesmo
argumento: o de que contribuiriam para a restrição das liberdades de expressão
e imprensa. Entre eles estão: a tentativa de expulsão de um jornalista estrangei-
ro que havia escrito matéria desagradável ao presidente da República; atitudes
e normativas de distintos escalões do governo federal para com a imprensa; a
proposta de criação de um Conselho Federal de Jornalismo; o projeto de estru-
turação de uma Agência Reguladora do Audiovisual; as restrições judiciais a in-
formações jornalísticas que desabonavam cidadãos; assassinatos de jornalistas;
e a própria decisão de redenição do modelo de Classicação Indicativa (veja
mais sobre Regulação de Conteúdo no Capítulo 3).
Ao analisarmos cada um destes fatos, contudo, ca evidente que a utilização de
um mesmo argumento – o da violação dos direitos à liberdade de expressão e
imprensa – para condenar a todos eles só pode advir do desconhecimento, ou
do uso desvirtuado, dos princípios que constituem tais direitos.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
43
43
Laurindo Lalo Leal Filho é professor da Universidade
de São Paulo e da Fundação Cásper Líbero. É tam-
bém autor de vários livros, sendo o mais recente A
TV sob controle – A resposta da sociedade ao po-
der da televisão.
Na sua opinião, entre os mecanismos de con-
trole social dos meios de comunicação, quais
são mais e cazes?
Antes é preciso fazer uma divisão entre meios im-
pressos e eletrônicos. Os impressos, embora pres-
tem serviço público, trafegam em canais privados,
então têm independência. São regulados apenas
pela Constituição e pelas leis. Já a radiodifusão
ocupa o espaço público, através de concessões or-
ganizadas pelo Estado. Aí temos uma necessidade
maior de controle social, para o qual não existem
mecanismos institucionalizados. Não contamos
com nenhuma lei que dê conta disso. Então o que
resta é o Ministério Público.
As ações do MP se concentram em que área?
São principalmente sobre o conteúdo. Não há uma
questão mais ampla de controle social. Se as con-
cessões fossem outorgadas a partir de um projeto
de canal, de linha e programação, o Ministério das
Comunicações teria como acompanhar a execução
deste projeto. É assim que funciona nos países mais
democráticos. É um contrato; se não for cumprido,
pode ser rescindido. No Brasil, se faz uma confusão
neste debate entre controle social e censura.
Sobre as experiências de outros países, o que
tem se mostrado mais e ciente?
Na mídia impressa, o que existe é a auto-regulação.
Na eletrônica, são os conselhos e órgãos reguladores.
Praticamente todos os países da Europa Ocidental
têm um, que cumpre papel de intermediário entre a
sociedade e as concessoras e trata de questões como
a concentração, os processos de concessões, a publici-
dade e a produção independente.
O fato dos meios impressos trabalharem num
espaço privado elimina a necessidade de serem
monitorados socialmente?
De forma alguma. Precisaríamos de órgãos mais efe-
tivos de acompanhamento. Mas os próprios veículos
nunca estiveram dispostos a abrir este espaço. E aí o
país ca refém porque, embora atinjam uma popula-
ção relativamente pequena, eles produzem desdobra-
mentos concretos nos outros meios, como o rádio.
Mas, numa sociedade capitalista, o que falta – e aí o
Estado deve agir – é uma concorrência real. No Bra-
sil há três grandes jornais praticamente com a mesma
linha editorial. As tentativas de esquerda não tiveram
como se sustentar. Aí seria fundamental o apoio pu-
blicitário público para a manutenção desses veículos.
Por que a mídia não cobre suas pprias ativi-
dades?
Há uma arrogância muito grande nas famílias que
controlam os meios; uma arrogância de classe. Eles
se julgam porta-vozes da sociedade e totalmente
imunes a qualquer tipo de crítica sobre o trabalho
que fazem, a ponto de nem precisarem falar sobre
isso. Os meios de comunicação só admitem o con-
fronto quando estão dialogando com outro veículo,
no “mesmo nível, e não com o leitor ou com outros
setores da sociedade.
Não há autocrítica?
Não. Se há, é internamente. Exceção seja feita ao
ombudsman da Folha de S. Paulo. Mas, mesmo as-
sim, a crítica ali é feita de forma limitada. Uma crí-
tica mais consistente deveria ser feita por organis-
mos externos. Mas onde vão repercutir o trabalho
se os jornais não dão espaço? Por isso, a opção é
ter veículos alternativos grandes, que dêem vazão
Laurindo Leal Filho
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
44
a uma pluralidade maior. A Internet acaba cum-
prindo esse papel, mas não é suficiente porque
continua restrita a poucas pessoas. Já a televisão
discute tudo, mas é absolutamente insensível e im-
permeável a qualquer tipo de análise, enquanto a
população fica num lugar de telespectadora passi-
va. Com a concentração, o problema é mais sério.
Por pertencerem a grandes corporações, nem os
jornais abrem espaço para a crítica da tevê. Isso é
um perigo para a democracia.
Há caminhos para pressionar uma mudança?
O caminho é a pressão popular combinada com ini-
ciativas políticas. O poder público pode abrir cami-
nhos para que a sociedade passe a ter uma visão mais
crítica dos meios. Este é o papel indutor de um Estado
democrático. Historicamente, chegamos a um qua-
dro em que o capitalismo não resolve. Ao contrário,
o mercado tende a se atro ar cada vez mais. Como a
sociedade se informa pela tevê, se impede que essas
pautas sejam colocadas. Então só há uma forma de
conter o capital, que é a ação do Estado. Mas podemos
ter certeza: qualquer iniciativa neste sentido vai ter,
como contrapartida da mídia, o argumento da censu-
ra e do cerceamento à liberdade de imprensa. Essa é a
luta que se trava hoje na nossa sociedade.
A discussão acerca das inter-relações entre mídia
e democracia deve levar em consideração dois
importantes conceitos: liberdade de expressão e
censura. No período analisado, é considerável a
presença de tais conceitos na cobertura dedica-
da às questões comunicacionais: 14,9% dos textos
mencionam o termo censura e 10,7% a liberdade
de expressão ou de imprensa. Em 33,5% dos casos
que citam censura – ou em 46,46% dos que abor-
dam liberdade de expressão – os dois conceitos
aparecem de forma integrada.
Mesmo em outras pesquisas temáticas coorde-
nadas pela ANDI o espaço que tais questões re-
cebem não é desprezível. Em investigação sobre
como a mídia cobre assuntos relacionados aos di-
reitos humanos – realizada em parceria com a Se-
cretaria Especial de Direitos Humanos e a Unesco
–,  ca patente que os direitos com maior destaque
nos jornais brasileiros, no ano de 2004, foram a
liberdade de expressão e a de imprensa.
Como teremos a oportunidade de apontar mais
adiante, no âmbito da pesquisa realizada pela
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: QUESTÕES RELACIONADAS À
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA
ANDI e Fundação Ford, a presença dos termos cen-
sura, liberdade de expressão e de imprensa nos tex-
tos analisados, em diversos casos, acabou por não
oferecer uma visão mais abrangente dessas questões.
Dentre os vários direitos conectados à idéia mais
ampla da comunicação, por exemplo, os direitos à
liberdade de expressão e à liberdade de imprensa –
freqüentemente utilizados de forma intercambiável,
ainda que distintos – são em muitos momentos mais
mencionados do que os direitos à informação ou do
que o direito à voz, por exemplo. Estes últimos, a
despeito de sua inegável relevância, estão pratica-
mente ausentes da cobertura.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
45
DIREITOS OU LIBERDADES CENTRALMENTE MENCIONADOS PELO TEXTO
Liberdade de expressão e de imprensa 10,7%
Direito de informação 1,7%
Direito do autor 1,1%
Liberdade de informação 0,5%
Direito a comunicação 0,2%
Direito a expressão 0,2%
Direito a voz 0,1%
Não há menção 85,6%
Presença interessada
Como destacado, debater censura e liberdade de ex-
pressão é uma atitude de inegável valor jornalístico
e relevância para a compreensão do papel e do con-
texto no qual se inserem os meios de comunicação
de massa nas democracias contemporâneas.
Entretanto, não foi esse o comportamento da mí-
dia escrita ao fazer a abordagem de temas vincu-
lados às comunicações. Focalizando a cobertura
que utiliza os conceitos de liberdade de expressão
ou de imprensa, é possível constatar que 60% do
material têm como preocupação central alguma
ameaça governamental a tais liberdades.
É indiscutível, por certo, a grande importância de
uma cobertura com este perfil – afinal, estamos
no rol das chamadas “democracias recentes. Por
outro lado, atrai a atenção que apenas um texto –
ao longo de três anos – estabeleça relações entre a
proteção do direito à liberdade de expressão fren-
te à proteção de outros direitos fundamentais.
Além disso, somente dois textos propõem um de-
bate histórico em torno da questão e três outros
apresentam o conceito de liberdade de expressão
e de imprensa. Em uma cobertura com tais ca-
racterísticas, termina extremamente reduzida a
possibilidade de se agendar um debate qualifica-
do em torno do assunto. Assim, é indevidamente
minimizada sua importância, além do que, não
raro, a cobertura acaba sofrendo de um enfoque
ideológico e enviesado.
Situação semelhante ocorre com os conteúdos
que mencionam a expressão “censura. Em 42,1%
do material analisado, o termo aparece como ca-
racterística ou conseqüência de determinada ação
governamental. Questões importantes – como
o conceito de censura (três textos) e o potencial
desvirtuamento que a evocação do termo traz
para algumas discussões regulatórias (também
três) – ficaram praticamente ausentes do debate
no triênio analisado. Já a remissão a uma pers-
pectiva histórica da censura – 8% do material que
utiliza a expressão – não foi desprezível.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
46
A MENÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO SE DÁ,CENTRALMENTE,
NO SEGUINTE CONTEXTO:
Como ameaçada por determinada ação governamental 59,1%
Como ameaçada por determinada ação de outros atores 4,7%
Como conseqüência (fortalecimento) de determinada ação de outros atores 4,7%
Como ameaçada por determinada ação da mídia 3,9%
Como conseqüência (fortalecimento) de determinada ação da mídia 3,1%
Como conseqüência (fortalecimento) de determinada ação governamental 2,4%
Há uma discussão conceitual ao redor do tema 2,4%
Há uma discussão histórica 1,6%
Vis-à-vis outros direitos fundamentais 0,8%
Não foi possível identi car 17,3%
*Do total de textos, 10,7% trazem a idéia de liberdade de expressão ou de imprensa.
QUANTO AO USO DO TERMO CENSURA, A REFERÊNCIA SE DÁ, CENTRALMENTE,
NO SEGUINTE CONTEXTO:
Como característica de determinada ação governamental 27,3%
Como conseqüência de determinada ação governamental 14,8%
Há uma discussão histórica 8,0%
Contrário à censura 6,3%
Como característica de determinada ação de outros atores 4,5%
Como característica de determinada ação da mídia 4,0%
Como sendo evitada por determinada ação governamental 3,4%
Como sendo evitada por determinada ação da mídia 2,8%
A partir de sua utilização equivocada em um determinado debate (ou seja, o termo é
evocado em situações nos quais não cabe inseri-lo)
1,7%
Dentro da constatação de rejeição de determinados grupos (ou da população) à censura 1,7%
Há uma discussão conceitual ao redor do tema 1,7%
Como conseqüência de determinada ação de outros atores 1,1%
Como sendo evitada por determinada ação de outros atores 1,1%
Favorável à censura 1,1%
Como conseqüência de determinada ação da mídia 0,6%
Dentro da constatação de apoio de determinados grupos (ou da população) à censura 0,6%
Não foi possível identi car 19,3%
* Do total de textos, 14,9% se valem da expressão censura.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
47
Parâmetros editoriais
O material jornalístico que abordou idéias de li-
berdade de expressão e censura apresenta caracte-
rísticas gerais bastante similares. Concentra-se, por
exemplo, em um foco bastante especí co: cerca de
70% desses textos se ocupam de questões de con-
teúdo. Já a associação a outros aspectos relevantes
– como regulação ou mídia e democracia – se deu
em apenas 6% desse conjunto.
A inclusão dos dois conceitos na pauta também
apresenta uma característica em comum: a iniciati-
va da própria imprensa. Os textos que mencionam
tais termos foram, em percentual signi cativo, fruto
de espaços que, via de regra, dependem da deter-
minação de postos de direção dentro do jornal. No
que se refere à censura, 31,3% do material analisado
têm essa origem, número que cresce para 36,2% no
caso da liberdade de expressão. Aparecem em segun-
do lugar, respectivamente, ações governamentais e
eventos na área (congressos, conferências, prêmios
e outras ações).
Vale a pena também observar quantitativamente como
essa elevada porcentagem de textos vinculados à ini-
ciativa dos veículos re ete-se na tipologia do material
jornalístico. Comparativamente a outros temas pes-
quisados pela ANDI, esses dois assuntos foram foca-
lizados em maior volume pela via de artigos, colunas,
editoriais e entrevistas: 40% dos casos, em média.
TIPO DE TEXTO JORNALÍSTICO
Tipo de texto
Palavra-chave
Censura Liberdade de
Expressão
Matérias 63,1% 58,3%
Artigos assinados 13,1% 16,5%
Colunas ou notas de colunas
assinadas
11,4% 7,1%
Entrevistas 7,4% 7,9%
Editoriais 5,1% 10,2%
*Do total de textos, 14,9% mencionam censura e 10,7% liberdade de expressão ou de imprensa.
Fatos especí cos e contextualização
É preciso destacar a tendência dos jornais em asso-
ciar os termos censura e liberdade de expressão a
casos particulares ocorridos no período analisado.
Assim, a censura esteve vinculada aos debates sobre
o projeto de lei de criação do Conselho Federal de
Jornalismo (13,6%), à classi cação indicativa (8,5%)
e à expulsão do País do jornalista Larry Rother, do
New York Times (6,3%). Já a liberdade de expressão
aparece nas discussões sobre o CFJ (28,3%), a Agên-
cia Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav)
(8,7%) e a expulsão de Rother (7,9%).
Os textos trouxeram fontes externas para corrobo-
rar sua argumentação: 50% dos que se valem da ex-
pressão censura e 59% daqueles que mencionam a li-
berdade de expressão citam legislações especí cas.
11,4% e 9,4%, respectivamente, apontam como fonte
de informação principal um especialista ou técnico.
Ainda no que se refere às fontes, vale ressaltar que,
no caso do material com a expressão censura, 10,8%
das principais vozes ouvidas eram do Setor Privado,
número que salta para 23,6% quando focalizamos os
conteúdos com a idéia de liberdade de expressão. E
apesar das polêmicas que envolvem os dois concei-
tos, cerca de 20% dos textos trazem opiniões diver-
gentes – percentual elevado se consideramos a média
geral da pesquisa, porém aquém do esperado para
uma discussão com esses contornos.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
48
No cenário político, principalmente em períodos eleitorais, a liberdade de ex-
pressão e de imprensa ganham maior relevo e sua ligação com a democracia
torna-se ainda mais evidente. O discurso político não ocorre em um vácuo so-
cial. O seu valor está diretamente ligado ao papel desempenhado por quem o
produz. Nesse sentido, um político com um amplo cabedal de votos, um líder
sindical capaz de mobilizar milhares de trabalhadores e um empresário com
poder sobre investimentos de milhões de dólares têm, por exemplo, peso muito
superior ao do cidadão comum. A força de seus discursos depende, porém, da
capacidade de atingir a audiência, aspecto intimamente ligado ao nível de aten-
ção que os meios de comunicação irão lhes dedicar.
Diante desse contexto,  ca evidente que a mídia não é um conjunto de canais
passivos de transmissão de informação, mas sim um ambiente que exige um
reposicionamento por parte dos agentes políticos – forçados a adaptar suas es-
tratégias à nova situação em que se desenrola a disputa pela audiência. O termo
estratégias, aqui, não tem caráter absoluto, ou seja, não signi ca a adequação
automática a um padrão único de comunicação; diz respeito, isso sim, aos mo-
vimentos que os agentes fazem, de acordo com suas trajetórias anteriores e das
posições que pretendem alcançar, diante de um campo marcado por inovações.
Reconhecer esses – e outros – problemas não implica considerar inviabilizada a
participação mais ampla da sociedade. Ao contrário, o que se torna evidente é a
necessidade de buscar alternativas para que a diversidade de atores sociais seja
assegurada, mesmo que o regime democrático ainda esteja organizado segundo
pressupostos mais conservadores, ou seja, de acordo com as teorias procedi-
mentais da democracia citadas anteriormente.
Nessa busca, a desvinculação entre as decisões dos governantes e a vontade po-
pular é problema dos mais importantes. O principal mecanismo para garantir
que os representantes levem em conta as preferências da sociedade é a realização
periódica de eleições. A votação é o momento tanto da autorização, quando
o povo delega seu poder decisório a um grupo menor de pessoas, quanto da
accountability, quando a população analisa a prestação de contas de seus repre-
sentantes e dá seu veredicto, premiando-os (ou a seu partido) com a reeleição
ou punindo-os com a derrota.
Em suma, pode-se dizer que o eleitor precisa estar provido de informações pre-
cisas sobre quem são os candidatos, quem os apóia, quais são as suas trajetórias e
as suas propostas, qual foi o comportamento dos representantes eleitos no man-
dato anterior, assim como quais os desa os a serem enfrentados, as alternativas
possíveis e suas conseqüências.
DA COMUNICAÇÃO À POLÍTICA
As diferentes visões teóricas e conceituais que compõem o debate sobre a de-
mocracia e, em especial, sobre suas relações com a mídia, ganham contor-
nos concretos no exercício cotidiano da Política. É o que passamos a debater
nas próximas páginas
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
49
Sem dispor de todas as informações consideradas necessárias para a opção polí-
tica, o indivíduo passa a depender de instrumentos e instituições externos a ele
para que possa, ao menos, embasar melhor sua escolha. Além disso, depende de
mecanismos para realizar a scalização do cenário político, fruto, em parte, das
decisões coletivas tomadas no processo eleitoral. Nesses pontos reside a impor-
tância da mídia, questão que será discutida a seguir.
Espaço de mediação
Devido às características inerentes das sociedades contemporâneas (impossibi-
lidade de contato direto e constante entre eleitores e eleitos, volume exacerbado
de informações que necessitam ser sistematizadas e “lidas para público media-
no, por exemplo), a mídia ocupa um lugar central na comunicação e na relação
pública entre representantes, representados e grupos de interesse.
Vale esclarecer que ao utilizarmos o termo “mídia” estamos nos referindo aos
processos comunicativos que ocorrem no espaço público – e dirigem-se a uma
pluralidade de receptores –, sofrem algum tipo de intermediação técnica, apre-
sentam assimetria entre emissores e receptores e implicam distância no espaço
e/ou tempo entre emissão e recepção. A mídia inclui, portanto, as emissoras
de rádio e de tevê (aberta ou paga), jornais, revistas, livros, sowares, cinema,
home-video, out-doors, malas diretas e outras formas de propaganda, websites,
entre outros.
De forma esquemática, é possível considerar a importância política dos meios
de comunicação de massa a partir de cinco aspectos:
1. A mídia é a principal provedora de informações para que os cidadãos se si-
tuem no mundo social.
2. Ela é a principal difusora dos discursos dos candidatos à liderança política.
3. Em conjunto, os dois primeiros aspectos geram um terceiro – o fato de que boa
parte da ação política se dirige à mídia.
4. Os meios desempenham um papel signicativo nas trocas comunicativas no
seio da própria elite política.
5. Por m, a mídia, ao mesmo tempo em que interfere no processo de formula-
ção da agenda pública (teoria de agenda-setting) debatida no dia-a-dia, realiza a
scalização (ou deveria realizar) dos atores do cenário político (função de wa-
tchdog ou “cão de guarda”).
O jornalismo como sistema perito
Em relação ao primeiro ponto, vale lembrar que, nas sociedades contemporâne-
as, o provimento de informações sobre o mundo é função de sistemas especí-
cos, dentre os quais aqueles que constituem o jornalismo. Dito de forma sintéti-
ca, o trabalho jornalístico consiste em recolher informações dispersas (por meio
de repórteres), “empacotá-las” em meios especícos (jornal, rádio, televisão e
outros) e, enm, distribuir o produto nal a uma audiência diversicada.
É interessante trazer para esse debate a categoria de “sistema perito” (expert
system) criada pelo sociólogo inglês Anthony Giddens. Trata-se de um sistema
marcado pela competência técnica especializada, do qual as pessoas em geral se
servem, mas sem serem capazes de compreender seu funcionamento ou avaliar,
A pesquisa conduzida pela
ANDI aponta que somente
três dos 1.184 textos trazem
uma discussão sobre um
tema especialmente relevante para as so-
ciedades contemporâneas: o poder que
os meios de comunicação exercem sobre
o público. Por m, vale ressaltar que to-
dos esses textos enfocavam a realidade
de outros países – publicadas pelo Diário
Catarinense, Estado de Minas e Folha de
São Paulo, as matérias passavam ao largo
das questões brasileiras.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
50
de antemão, sua ecácia. Assim, o sistema perito exige, da parte de seus clientes
ou consumidores, a conança em sua competência especíca. É o caso do jorna-
lismo: sem credibilidade, as informações providas pela mídia perdem relevância.
Quando se viaja em um avião, por exemplo, torna-se implícita a conança dos
passageiros nos saberes especializados de engenheiros e mecânicos. Essa conan-
ça ampara-se em experiências anteriores ou de outras pessoas, que voaram e che-
garam ao destino. Em se tratando de jornalismo, na maior parte das vezes, essa
possibilidade de replicação de experiências pregressas não existe. A conança em
um determinado noticiário não se dá pela vivência, mas graças a noticiários con-
correntes, que apresentam conteúdo similar.
Diante de tal análise, podemos dizer que a crença depositada na cobertura jor-
nalística pelo consumidor de informações pode ser dividida em três elementos.
Primeiro, na escolha acertada, entre a innidade de eventos que ocorrem a cada
dia, de quais mereceriam ser alçados à condição de “fatos jornalísticos. Depois,
dentre os eventos eleitos, na correta formatação dos elementos a serem noticia-
dos, considerados limites de tempo e de espaço (framing). Por m, a conança na
veracidade – conceito que varia conforme o receptor da informação – dos fatos
relatados. A imprensa possui, assim, uma espécie de monopólio quanto à seleção
e conguração das notícias, que acabam sendo apresentadas como “a” realidade.
Impactos no discurso político
Os veículos de comunicação de massa, em especial os meios eletrônicos – prin-
cipalmente, a televisão –, impõem fortes transformações às formas do discurso
político, o que aponta para o segundo dos cinco tópicos mencionados anterior-
mente. Conhecedores da centralidade de tais meios na difusão das informações,
os agentes políticos adaptam suas ações, não raro, às demandas que passam a ser
colocadas pela mídia. E não apenas os modos do discurso político são inuen-
ciados – retórica, gestual, tom de voz, temáticas, etc. –, como também toda a
estratégia política sofre transformações.
Isso faz com que os agentes políticos acabem incorporando novos critérios de
ação e decisão, passando a medir o seu comportamento público em consonância
com a lógica jornalística – e, muitas vezes, do entretenimento –, na expectati-
va de alcançar o impacto desejado. Cria-se, então, uma performance midiática,
cujos efeitos foram estudados pelo psicólogo e professor Alexander Todorov, da
Universidade de Princeton. Em um trabalho realizado sobre esse tema em 2005,
o especialista ressalta que, inconscientemente, as pessoas tendem a associar as-
pectos físicos com traços de caráter – o que, é claro, não se justica na prática:
“Decidimos rápido demais se uma pessoa tem as características que julgamos ser
importantes – como competência e empatia – mesmo sem termos trocado uma
só palavra com ela.
Nesse sentido, outras duas variáveis derivam da ação dos meios de comunicação.
Uma é a velocidade na apresentação dos conteúdos. Qualquer aprofundamento
da argumentação causa estranheza em um público acostumado com uma progra-
mação linear e pouco afeita a mudanças de linguagem. A outra é a diluição do
público, visto que o discurso atinge uma audiência heterogênea e indeterminada.
Fala-se para habitantes do campo e da cidade, de uma e de outra região, mulheres
e homens, jovens e velhos, ricos e pobres.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
51
Inuência nas escolhas do público
A forte correlação entre a maneira pela qual os candidatos políticos se apre-
sentam nos meios de comunicação e a credibilidade que lhes é conferida pelo
público também foi foco do estudo elaborado por Todorov. Na ocasião, o pes-
quisador desenvolveu testes nos quais um grupo de cidadãos deveria opinar so-
bre a competência dos políticos levando em conta somente alguma imagem de
cada um deles.
O resultado aponta que mesmo as pessoas que tiveram mais tempo para dar
sua opinião e repensar sobre elas – agregando outros fatores para fazer esco-
lhas – mantiveram seu parecer inicial, o que leva a crer que as decisões são
tomadas mais pela imagem do que pela ponderação. Além disso, a maioria
dos políticos tidos como exemplares nessa avaliação correspondem aos que
realmente foram eleitos.
Diante de sinais como esses e compreendendo o papel dos meios de comuni-
cação na contemporaneidade, os atores do cenário político passam, portanto,
a dirigir suas ações diretamente à mídia – terceiro aspecto dos tópicos citados
acima. A manutenção e o desenvolvimento de uma carreira política se torna-
ram, em grande medida, uma questão de gestão da visibilidade. Não faz sentido
tentar “aparecer a todo custo, mas é importante manter o máximo de controle
sobre o que deve se tornar visível – e de que forma – e sobre aquilo que precisa
permanecer oculto.
Pode-se dizer, assim, que a difusão dos meios eletrônicos de comunicação trans-
formou o funcionamento da política, em especial das democracias eleitorais. O
cientista político francês Bernard Manin fala, esquematicamente, na passagem
da democracia dos partidos para a democracia da audiência. A intermediação
entre líderes e povo deixa de ter nos partidos seu canal principal – eles passam
a ser substituídos pelos meios de comunicação. De certa forma, portanto, os
meios eletrônicos acabam por exigir a preponderância dos líderes sobre os par-
tidos ou quaisquer outros movimentos coletivos, já que esses últimos só podem
aparecer na mídia corporicados em seus porta-vozes.
O entendimento dessa realidade deve conduzir, segundo Manin, a duas estra-
tégias complementares: uma – na verdade composta por várias possibilidades
– seria tentar reverter radicalmente tal tendência; a outra, estaria na criação de
mecanismos capazes de equilibrar a disputa pelo poder, favorecendo um jogo
mais equânime. Nesse contexto, saídas como o direito de antena (veja infor-
mações sobre essa questão no Capítulo 3) e uma variação dele, como o Horário
Eleitoral Gratuito, devem ser levadas em conta.
O fator educação
Uma percepção liberal dessa realidade indicaria que tal conguração da política
– e de outras facetas da vida social emolduradas também pela mídia – pode
ser altamente relativizada, ou seja, seus potenciais impactos negativos podem
ser minimizados, a partir de um “uso” crítico dos meios de comunicação pelos
cidadãos e cidadãs.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
52
É importante notar, neste ponto, uma característica especíca do Brasil e de
outros países da América Latina: a combinação entre a grande penetração da
mídia eletrônica de massa e a deciência do sistema de educação. Nos países
ditos desenvolvidos, o alcance dos meios eletrônicos é gigantesco, mas a escola-
ridade é alta e o analfabetismo quase inexistente – cenário que, em tese, amplia
a capacidade crítica da sociedade.
Embora o panorama educacional no Brasil tenha apresentado melhorias signi-
cativas na última década – houve queda substancial da taxa de analfabetismo
e, ao mesmo tempo, aumento regular da escolaridade média e da freqüência
escolar (taxa de escolarização) – há ainda muito a avançar. Dados do Instituto
Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE) apontam a existência, em 2004, de
15,7 milhões de analfabetos absolutos. Segundo a Síntese dos Indicadores So-
ciais do IBGE, naquele ano 24,4% da população não possuía sequer a 4ª série
completa. Adicionalmente, supõe-se que uma parcela bastante elevada de bra-
sileiros – alguns dados chegam a estimar 60% – possa ser composta por analfa-
betos funcionais.
Ainda que diversos indicadores relativos à educação, além dos citados acima,
tenham melhorado e que a Constituição Federal assegure o voto do analfabeto
– implicitamente reconhe-
cendo que ele dispõe da ca-
pacidade crítica necessária
para participar do processo
eleitoral –, não se pode mi-
nimizar o efeito potencial
da mídia no Brasil. Face
ao cenário marcado pelas
deciências educacionais,
torna-se difícil que premis-
sas presentes no argumento
liberal (não regular, deixar
a mídia como está) – tais
como o “controle remo-
to é a melhor regulação,
“busque fontes alternativas
de informação,questione
as mensagens dos meios
– possam, de fato, serem
usadas no melhor interesse
dos cidadãos e cidadãs.
Retroalimentação
Outro ponto relevante nesse contexto, como apontado anteriormente, é que
os meios de comunicação são um instrumento de difusão de informações no
seio da própria elite política. Os debates políticos são acompanhados pelo pú-
blico, mas seu pleno signicado muitas vezes só é compreendido por aqueles
que fazem parte do jogo. Para os líderes políticos, o debate por meio da mídia
representa também um comprometimento público (com propostas, posições e
barganhas), o que lhe dá um sentido diferente em relação às discussões travadas
a portas fechadas.
O Horário Eleitoral Gratuito
para os partidos políticos é
uma das soluções encontra-
das para tentar minimizar as
diferenças de poder existentes entre os
candidatos no acesso à mídia. O assunto
foi foco de um percentual não desprezível
de textos ao longo do período analisado
(6%), segundo a pesquisa desenvolvida
pela ANDI e Fundação Ford. Os resulta-
dos do estudo mostram, entretanto, que
a imprensa pouco avançou rumo a uma
cobertura menos burocrática do assunto.
Maior atenção foi dada a aspectos como
tempo de exibição e estratégias dos par-
tidos, enquanto a regulação do horário, o
nanciamento dos programas ou a refor-
mulação da legislação eleitoral caram
praticamente ausentes. A importância
do horário eleitoral para a democracia
e a isenção scal concedida às emisso-
ras – a qual faz o horário gratuito para
os partidos, mas não para o contribuinte
– sequer foram mencionadas.
SOBRE O HORÁRIO ELEITORAL, A DISCUSSÃO CENTRALMENTE
TRAÇADA SE REFERE A:
Estratégias políticas dos partidos, valendo-se do tempo no horário eleitoral 28,2%
Elementos de serviço (anúncio do início do horário eleitoral
pelo TSE, por exemplo)
21,1%
Decisões e contestações judiciais sobre o horário eleitoral 15,5%
Tempo destinado aos partidos 12,7%
Financiamento e custo do horário eleitoral 9,9%
Regulamentação do horário eleitoral 9,9%
Extinção do horário eleitoral 1,4%
Reformulação do horário eleitoral 1,4%
Importância do horário eleitoral para a democracia 0,0%
Isenção scal das emissoras em função do horário eleitoral 0,0%
* Do total de textos, 6% focalizaram o horário eleitoral
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
53
Em artigo publicado na Revista Brasileira de História, o cientista político Luis
Felipe Miguel lembra que, atualmente, costuma-se imaginar a política como um
jogo de bastidores, invisível ao grande público, e a cena política como um grande
palco, utilizado, de forma explícita, para distrair os espectadores. Essa distinção,
como lembra o autor, é relativa em função de pelo menos quatro motivos:
1. A passividade política da sociedade precisa ser produzida (em muitos ca-
sos pela própria mídia, em outros por atores do meio político).
2. Às vezes, a sociedade não se mantém passiva, irrompendo no cenário e
manifestando suas demandas em graus distintos.
3. A sociedade, em última análise, decide quem exercerá o poder em regimes
democráticos.
4. O público não é indiferente ao que ocorre nos bastidores.
Em palestra que se tornou clássica nos meios políticos, o ex-presidente dos Esta-
dos Unidos Woodrow Wilson reconheceu essa relativização. Ele lembra que, em
um regime democrático, é bem mais difícil organizar a Administração Pública
do que em uma monarquia, já que isso só pode ser feito mediante a instrução e
a persuasão da opinião pública – canalizada, em tese, pelos meios de comunica-
ção. E conclui: “Onde a opinião pública existe, ela deve governar. (...) Quem qui-
ser promover uma mudança em conformidade com a Constituição deve primei-
ramente educar os cidadãos para que eles queiram a mudança. Daí a relevância
de se compreender quem ou o quê contribui – e como – fundamentalmente para
a formação da opinião pública.
Duas potencialidades dos meios de comunicação, historicamente analisadas pe-
los cientistas sociais das mais diferentes áreas, são de especial relevância para o
processo democrático, especialmente quando estamos focalizando o desenvol-
vimento das políticas públicas: sua capacidade de agendamento e de controle
social dos atores políticos, especialmente aqueles encarregados de comandar as
diferentes esferas do poder público.
De Maxwell McCombs e Donald Shaw, em 1972, a John Kingdon, em 2003,
diversos pensadores têm demonstrado que os meios de comunicação exercem
enorme in uência na construção da agenda pública. De acordo com o célebre
aforismo de Bernard C. Cohen, a mídia “may not be successful much of the
time in telling people what to think, but it is stunningly successful in telling its
readers what to think about
4
. O pensamento resume a idéia básica acerca da
capacidade da imprensa de interferir, a partir daquilo que ela publica e/ou omi-
te, nos temas que estarão no topo da lista dos decisores.
Com a rápida expansão das possíveis áreas de interferência do Estado – dilatação
em muito relacionada com o reconhecimento de diferentes ordens de direitos
AGENDA PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO
4 A mídia “pode não ser bem sucedida, a maior parte do tempo, em fazer com que as pessoas pensem de determinado modo, mas ela é
extremamente bem sucedida em fazer com que o público pense sobre determinados assuntos”.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
54
aos cidadãos e às gerações futuras – foi se tornando cada vez mais urgente a
necessidade de denir prioridades entre as demandas que são cotidianamente
colocadas na esfera pública. Mesmo os mais desconados analistas do alcance
proposto pelas teorias do agendamento hão de concordar que, se uma escolha
é necessária e se um ou mais critérios de eleição devem ser utilizados, a focali-
zação mais intensa da mídia em determinados temas colaborará para a inclusão
ou retirada de um assunto da pauta pública. Além disso, a freqüência com que a
imprensa reporta determinados temas é mais um dos elementos que contam na
formatação das políticas públicas.
Apesar disso, é importante ressaltar que essa não é a única condição a interferir
nas decisões políticas. Conforme já vimos, questões que, por exemplo, afetam
constantemente e de forma direta a vida dos eleitores acabam por serem pouco
inuenciadas pelo volume de informações trazido pelo noticiário: por mais que
a mídia insista em não cobrir saúde, os eleitores vão continuar demonstrando
aos seus representantes que este é um tema central em suas vidas.
Controle social
Por m, toda política pública, em regimes democráticos, supõe que os atores por
elas responsáveis devem demonstrar algum grau de accountability. Entretanto, quão
mais externos ao processo forem os atores responsáveis por exercer esse controle,
maior credibilidade ganhará a iniciativa. A imprensa, desde as discussões travadas
pelos Federalistas para a constituição da democracia norte-americana, é entendida
como uma das principais instituições de controle social dos governos eleitos. Nesse
sentido, o acompanhamento, não apenas do lançamento ocial de projetos, mas de
sua continuidade, da idoneidade em sua execução e de seus resultados é – ou deveria
ser – tarefa a ser conduzida com anco pelos prossionais da notícia.
Portanto, ao mesmo tempo em que participa da construção da agenda pública,
a mídia tem o dever de scalizar o Estado e a Administração Pública. De acordo
com os jornalistas norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel, a liberdade
de imprensa dá a esse ator, em tese, a natureza de voz independente, responsável
por monitorar a inuência de instituições com elevado diferencial de poder na
esfera pública. Esse papel foi chamado por diversos autores, dentre os quais o
professor da London Metropolitan University, Mark Wheeler, de “cão de guarda
do público” (watchdog) – metáfora que indicaria o potencial da mídia em alertar
a sociedade sobre equívocos, e também acertos, dos governos.
Diante dessas constatações e aliando as funções de construção da agenda pú-
blica e de scalização, o especialista alemão Kunczik vai além. Para ele, o jor-
nalismo exerce o papel de grupo de pressão legítimo no tocante aos processos
de tomada de decisão coletiva, característica ainda mais evidente em países
em desenvolvimento. Por seu peso no jogo político, as empresas do setor tor-
nam-se capazes de forçar determinada alternativa na agenda pública ao abrir
espaço editorial à pressão da sociedade ou ao exercer tal pressão a partir de
seus próprios interesses.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
55
Ao mesmo tempo em que se defende uma maior participação popular nos
processos políticos, é importante notar que nos dias de hoje os cidadãos se
sentem cada vez menos representados pelas instituições políticas, o que se
expressa em crescente abstenção eleitoral, erosão das lealdades partidárias e
manifestações de alheamento ou cinismo. Isso passou a ser chamado de “crise
da representação política democrática” e, certamente, não se restringe ao cír-
culo mais evidente de poder, ou seja, o governo.
Como reexo dessa crise, tentativas de reforma do sistema eleitoral ou das re-
gras que regem a vida partidária são insucientes. Se a representação política
na Era da Informação, para nos valermos da expressão cunhada por Manuel
Castells, inclui mecanismos de identicação discursiva entre eleitores e can-
didatos – ou seja, aqueles assimilam, utilizam e redenem o que estes dizem
por meio da mídia – qualquer busca de uma representação aprimorada deve
enfrentar a questão dos meios de comunicação.
A mídia é um espaço privilegiado de disseminação das diferentes perspectivas
e projetos dos grupos em conito na sociedade, conforme assinalado ao longo
deste capítulo. Ou seja, os meios de comunicação ocupam uma função central
no cenário político ao apresentar os distintos segmentos em disputa na esfera
pública, permitindo que o cidadão – em sua condição de decisor último dos
regimes democráticos – tenha acesso aos valores, argumentos e fatos que de-
nem as correntes políticas em competição e possa, assim, formar sua própria
opinião. Isso signica, ainda, scalizar o governo e a oposição, independente-
mente de quem ocupe seus postos centrais.
Se isso é verdade, quaisquer pretensões de aprimoramento dos regimes demo-
cráticos devem almejar como condição prévia a diversicação dos conteúdos
veiculados pela mídia. A idéia de pluralismo, nesse contexto, pressupõe a dis-
seminação das visões de mundo associadas às diferentes posições da socieda-
de, centrais à fundamentação das opções políticas.
Perl dos prossionais e lógica de mercado
Diferentes motivos podem ser apontados para a pouca diversidade de vozes e
opiniões registrada nos meios de comunicação, mas dois devem ser ressaltados:
a origem social dos prossionais da mídia e a estrutura de propriedade das em-
presas. Quanto aos prossionais, têm a capacidade de conferir à sua perspectiva
sobre a sociedade uma visibilidade sem igual, fazendo com que seja percebida
como a única possível. Isso não signica armar que os prossionais da mídia
possuem as mesmas posições ideológicas ou comungam sempre dos mesmos
valores, o que é evidentemente incorreto. Eles ocupam, contudo, uma posição
semelhante no espaço social, fruto de trajetórias similares, de padrões comuns
de socialização (nas universidades e nas empresas) e, em função disso, termi-
nam reetindo o mundo de forma equivalente.
REPRESENTAÇÃO EM CRISE
Conceito de pluralismo
Segundo o Dicionário de Política, de
Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e
Gianfranco Pasquino, na política, histori-
camente o conceito de pluralismo se re-
fere à defesa de um modelo de sociedade
composto por vários grupos ou centros
de poder, mesmo que em conito entre
si. Esses agrupamentos têm a função de
limitar, controlar e contrastar o centro
do poder dominante, geralmente iden-
ticado com o Estado. Nas democracias
modernas, a sociedade civil e as diversas
formas de associativismo aparecem como
importantes agentes na garantia de um
cenário político mais plural.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
56
Já entre os grupos de comunicação, há uma similaridade evidente: são todas
empresas, isto é, com interesses próprios e bem denidos voltados para a ma-
nutenção de uma ordem capitalista. Por essa razão, as corporações de mídia
tendem, de maneira geral, a dar pouca visibilidade às posições que colocam em
xeque a estrutura básica do sistema, como o modo de produção e a divisão do
trabalho. Da mesma forma, acabam dicultando o avanço de demandas que in-
cidam contra seus interesses pessoais (leia-se: de seus proprietários) e, mais do
que isso, formam grupos de pressão para fazer valer suas vontades. Tais ações
em defesa de seus interesses seriam mais do que legítimas e não deveriam causar
espécie, não tivesse este ramo particular do Setor Privado, entre suas funções
inerentes, exatamente a ampliação dos debates acerca dos modelos possíveis de
estruturação das sociedades.
A ação desses grupos de pressão – os lobbies – é uma característica típica da
democracia. Agindo de forma transparente ou velada, com apoio maciço de
congressistas ou não, os diferentes interesses organizados tentam fazer com que
suas demandas sejam atendidas pelo Estado. Não se deve esquecer, contudo, que
a forma de ação desses grupos depende, em muitos cenários, da existência de
marcos legais que explicitam claros limites – o que ocorre nos Estados Unidos,
por exemplo. Na inexistência de legislação apropriada para esse m, por outro
lado, abre-se um vácuo para a ação pouco transparente e, logo, menos sujeita
a controles externos (e legítimos), advinda do poderio econômico e de lobbies
naturalmente dotados de maior força no cenário político.
A raposa e o galinheiro
Esse é precisamente o caso da mídia no Brasil. Ainda que tenha entre suas res-
ponsabilidades explicitar as demandas da sociedade na esfera pública e estimu-
lar o pluralismo, a imprensa opta, não raro, por priorizar os interesses empre-
sariais do setor, resultado, como se discutirá adiante, da ausência de barreiras a
essa prática. Assim, nem explicita demandas, nem procede à scalização.
Em entrevista à ANDI, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações
entre 2004 e 2005, Paulo Lustosa, chegou a argumentar:
Para além das indubitáveis assimetrias de poder entre a sociedade civil orga-
nizada e o lobby estruturado das empresas de comunicação – o que diculta,
em muito, a exeqüibilidade da proposta exposta pelo ex-secretário –, há uma
questão de fundo intrinsecamente conectada ao o condutor desta publicação:
se é verdade que a mídia propulsiona os principais debates públicos e políticos,
a ação da sociedade no sentido de exigir transformação na forma de organização
do sistema midiático ca extremamente limitada, pois o assunto, se depender da
voz das empresas de comunicação, raramente estará na pauta.
A sociedade organizada deveria pressionar os congressistas – por meio de
seus grupos de pressão, os seus lobbies – para acelerar a denição desses mar-
cos regulatórios, capazes de estabelecer a operação de aspectos diversos, como
infra-estrutura, monopólio, estímulo à competição, acesso democrático aos
meios de comunicação, etc. O Congresso Nacional vai agir motivado pela
sociedade. Já os ministérios irão estimular no que diz respeito ao conteúdo.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
57
Principalmente no que se refere à radiodifusão, esse lobby é evidente há décadas,
já tendo se contraposto, inclusive, ao pprio Presidente da República, como
expõe o artigo abaixo.
57
A promulgação do Código Brasileiro de Telecomu-
nicações (CBT), em 1962 – assim como o cenário
de discussões públicas que antecedeu sua aprova-
ção –, representa um capítulo central na história
da radiodifusão brasileira. Fruto de uma longa ne-
gociação entre militares, especialistas, empresários
e parlamentares, o CBT atendia diretamente às rei-
vindicações dos radiodifusores e outros segmentos
da área de telecomunicação, que exigiam uma legis-
lação mais condizente com a realidade do setor. No
entanto, longe de defenderem um mecanismo que
assegurasse a ampliação dos protagonistas em cena
no negócio da radiodifusão, a principal preocupação
dos empresários era reforçar antigos privilégios, ga-
rantindo o fortalecimento dos atores já envolvidos
no promissor “mercado” de telecomunicações.
Um dos resultados da mobilização em torno da apro-
vação do marco legal e do embate que se sucedeu entre
os interesses do setor público e do privado foi o forta-
lecimento da organização do empresariado, cuja atua-
ção ocorria, até então, de forma difusa e descentraliza-
da. A fundação da Associação Brasileira de Emissoras
de Rádio e de Televisão (Abert), em 27 de novembro
de 1962, trouxe em sua gênese o desejo dos empresá-
rios em evitar que o Estado tivesse a maior presença
na regulação da radiodifusão brasileira, como defen-
dia o então presidente da República, João Goulart.
Antigas reivindicações
Em meados do século XX, o setor de radiodifusão
ressentia-se de um marco legal que levasse em con-
sideração as inovações tecnológicas implementadas
pelos meios de comunicação no Brasil. Desde 1931,
quando o governo de Getulio Vargas promulgou um
primeiro decreto para tratar do rádio, muito havia
mudado. As emissoras de rádio já haviam se  rma-
do como principais meios de comunicação, levando
informações aos pontos mais distantes do País. A te-
levisão chegara ao Brasil, tendo se expandido e alcan-
çado o interior. Da mesma forma, a telefonia também
se encontrava em processo de desenvolvimento, mas
ainda se deparava com obstáculos face à profusão dos
diferentes sistemas adotados nos estados.
Diante desse contexto e a partir da forte articulação
dos diversos atores sociais ligados à área, foi protoco-
lado no Senado Federal, em 1953, o Projeto de Lei nº
36 – posteriormente registrado na Câmara dos Depu-
tados como Projeto de Lei nº 3.549/57 – que criava o
digo Brasileiro de Telecomunicações. Lançado com
a proposta de regulação dos serviços de telecomuni-
cações do País (o que incluía a radiodifusão), o novo
marco legal, no entanto, não era preciso em relação aos
critérios para distribuição de concessões de emissoras
de rádio e de televisão, nem em relação à punição de
eventuais infrações. No que se refere ao primeiro pon-
to, não estabelecia diretrizes claras para as concessões,
deixando a cargo do Poder Executivo decidir quais se-
riam os bene ciários e por que seriam agraciados; em
relação ao segundo, assim como ocorreu em marcos
legais da mesma época, fazia uso de termos subjetivos,
tais como ”insu ar a rebeldia, “fazer propaganda de
processos de subversão” e “ofender a moral familiar,
pública ou os bons costumes” – os quais evidenciam
servir de justi cativa para eventuais punições. Técnico
em sua essência, o CBT não estipulava limites rígidos
para as diferentes formas de preenchimento das fre-
qüências utilizadas pelos radiodifusores – e restrições
ao número de emissoras comandadas por uma mesma
entidade, por exemplo, só viriam a ser estipulados pelo
decreto-lei nº 236 de 1967.
O Código Brasileiro de Telecomunicações e a ação dos empresários
Octavio Penna Pieranti*
Paulo Emílio Matos Martins**
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
5858
A análise do quadro revela que 55,77% dos vetos do
Presidente da República voltavam-se à defesa (ou am-
pliação) das competências da Administração Pública
– e, principalmente, do Poder Executivo – no tocante
às telecomunicações e à radiodifusão. Os vetos, nesses
casos, opunham-se naturalmente aos interesses da ini-
ciativa privada. Em relação aos constantes da primeira
categoria, Competências de ministérios e outros órgãos,
pode-se apontar o seguinte exemplo (a razão exposta
pelo presidente João Goulart está precedida pelo texto
nal do Código Brasileiro de Telecomunicações):
Veto: Parágrafo único do artigo 53
Os vetos ao CBT
Pouco mais de um ano e meio antes de ser derrubado
por um golpe militar, o presidente da República, João
Goulart, voltou-se ao marco legal, que tramitava já há
nove anos no Congresso Nacional. O exame resultou
em 52 vetos, cujas características podem ser sintetiza-
das nas categorias estabelecidas na tabela abaixo.
VETOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
JOÃO GOULART AO CBT
Categoria Número de Vetos
Competências de ministérios e
outros órgãos
16 (30,77%)
Fortalecimento do Presidente da
República
13 (25,00%)
Imprecisão do texto do CBT 11 (21,15%)
Con ito com outros marcos legais 8 (15,38%)
Outras 4 (7,70%)
Total 52 (100%)
Fonte: Elaboração dos autores
Texto: Se a divulgação das notícias falsas houver re-
sultado de erro de informação e for objeto de desmen-
tido imediato, a nenhuma penalidade  cará sujeita a
concessionária ou permissionária.
Justi cativa: A veracidade da informação deve ser ob-
jeto de exame antes da divulgação da notícia, não sen-
do justo que alguém transmita uma informação falsa,
com todos os danos que daí podem decorrer, inclusive
para a segurança pública, sem sujeição a qualquer pe-
nalidade. A apreciação da boa ou má fé da divulgação
cará a cargo da autoridade competente ou do Poder
Judiciário, se for o caso.
Já em relação à segunda categoria, Fortalecimen-
to do Presidente da República, pode-se destacar o
exemplo abaixo:
Texto: Os prazos de concessão e autorização serão de 10
(dez) anos para o serviço de radiodifusão sonora e de 15
(quinze) anos para o de televisão, podendo ser renova-
dos por períodos sucessivos e iguais, se os conces-
sionários houverem cumprido todas as obrigações
legais e contratuais, mantido a mesma idoneidade
técnica,  nanceira e moral, e atendido o interesse
blico (art. 29 X).
Justi cativa: O prazo deve obedecer ao interesse
público, atendendo a razões de conveniência e
de oportunidade, e não  xado a priori pela lei.
Seria restringir em demasia a faculdade conce-
dida ao Poder Público para atender a superiores
razões de ordem pública e de interesse nacional o
alongamento do prazo da concessão ou autoriza-
ção, devendo  car ao prudente arbítrio do poder
concedente a  xação do prazo de que cogita o
inciso vetado.
Veto: Artigo 33 § 3º
A resposta do Congresso Nacional
No Congresso Nacional, a sessão de 27 de novembro
de 1962, na qual seriam analisados os vetos de João
Goulart ao CBT, foi iniciada com uma novidade. Na
manhã daquele dia, foi fundada a Associação Brasi-
leira de Emissoras de Rádio e de Televisão (Abert).
Até aquele ano, os empresários de mídia reuniam-
se em associações estaduais e em um sindicato das
empresas proprietárias de meios de comunicação de
massa. A criação da Abert refletia uma mobilização
resultante dos próprios debates acerca do Código
e, posteriormente, em oposição aos vetos de Jan-
go. Posicionavam-se, em conjunto, contrariamente
ao fortalecimento da presença do Estado na radio-
difusão brasileira.
Entre os que se dedicaram à formação de um grupo
de pressão contrário aos vetos do presidente esta-
vam personagens de destaque no cenário político
(ou que viriam a sê-lo), radialistas e especialistas
em radiodifusão. Nos dois últimos grupos, encon-
travam-se, por exemplo, José de Almeida Castro,
rio Ferraz Sampaio e Enéas Machado de Assis
(que, por sua vez, já participara das discussões no
Congresso Nacional como especialista em radio-
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
59
difusão). Em relação ao primeiro grupo a lista é
extensa. Antônio Abelin já exercera mandato de
vereador em Santa Maria, Rio Grande do Sul. João
Calmon, representante dos Diários Associados,
logo voltaria a freqüentar os mesmos corredores
do Congresso Nacional, cenário no qual, em fins
de 1962, liderou o movimento dos empresários: se
elegeria deputado federal e, na década seguinte,
senador da República. Clóvis Ramalhete se torna-
ria ministro do Supremo Tribunal Federal e Nagib
Chede conquistaria vaga de deputado.
A aprovação do Código ocorreu em duas reuniões
do Congresso Nacional – a segunda, em 28 de no-
vembro, dia seguinte à primeira. Nelas, cada um
dos vetos de João Goulart foi derrubado, um a um,
em votação nominal, o que sugere a despreocupa-
ção dos votantes com a possível má-impressão que
a sociedade e seus eleitores poderiam ter quanto a
suas manifestações.
Em síntese, a aposta de Jango em sua força política
no Parlamento havia sido claramente frustrada pela
associação entre diversos parlamentares e grupos em-
presariais. Esses últimos demonstraram forte capaci-
dade de articulação na defesa de suas propostas, con-
solidando uma histórica predisposição para a defesa
de privilégios coletivos.
Passados quase 45 anos de sua promulgação, o Có-
digo Brasileiro de Telecomunicações continua vi-
gente, ainda que vários de seus artigos tenham sido
revogados, dentre os quais os unicamente relativos
às telecomunicações, agora reguladas pela Lei Geral
de Telecomunicações de 1997. A manutenção do an-
tigo código em um cenário muito diverso daquele
existente à época de sua promulgação demonstra a
resistência dos interesses do empresariado e sua for-
ça como grupo de preso – a nal, nenhum governo
conseguiu levar à frente, desde então, novas tentati-
vas de regulação da radiodifusão.
* Pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV)
** Professor Titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV)
Ao longo do presente catulo  caram claras algu-
mas das principais relações entre mídia e política,
especialmente em países com características políti-
co-partidárias e históricas próximas às brasileiras.
Nesse sentido, mesmo que adotemos uma de nição
minimalista de democracia – aos moldes do que de-
fendem Schumpeter ou Dahls, por exemplo –, um
equilíbrio do cenário de disputa eleitoral e de dispu-
ta mais ampla de poder requer relações mais trans-
parentes (e devidamente reguladas) entre o mundo
da política partidária e o mundo das empresas de
comunicação.
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: INVESTIGANDO AS DIFERENTES
RELAÇÕES ENTRE MÍDIA E POLÍTICA
Os resultados da pesquisa desenvolvida pela ANDI
e Fundação Ford, demonstram que, de maneira ge-
ral, a imprensa negligencia esses temas. Dentre todo
o conjunto de textos publicados no triênio anali-
sado, 4,6% estabelecem relações entre a mídia e a
política, percentual que não pode ser considerado
pouco signi cativo. Entretanto, cerca de 60% desse
material discute as ingerências da política na mídia
– e não o contrário.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
60
SOBRE MÍDIA E POLÍTICA, A DISCUSSÃO CENTRALMENTE TRAÇADA SE REFERE A*:
Ingerência da política na mídia 31,5%
Ingerência da mídia na política 25,9%
Utilização política dos meios de comunicação 18,5%
Relação de políticos com os meios de comunicação 13,0%
Propriedade de meios por políticos e/ou familiares 9,3%
Di culdades de regulamentação dos meios pelo con ito de interesses existente entre o
exercício da política e a propriedade de meios por políticos
1,9%
* Do total de textos, 4,6% abordam as relações entre a mídia e a política.
Tratamento editorial
Tal como na cobertura sobre mídia e democracia,
encontramos algumas peculiaridades na atenção
dedicada às interfaces entre mídia e política. Um
primeiro elemento a chamar atenção é o fato de
que – ao contrário dos demais temas – estas rela-
ções foram, sobretudo, pauta de revistas, especial-
mente na Carta Capital (responsável por 65,5% das
matérias de semanários que discutem as relações
entre mídia e política).
Outro elemento de destaque é a maior contextualiza-
ção conferida ao assunto, quando comparada à média
geral: 44,5% dos textos trouxeram um debate pautado
além do contexto mínimo. Por  m, é relevante sublinhar
que o tema mídia e política apresenta a segunda maior
proporção de textos com conteúdos que remetem a uma
realidade estrangeira (29,2%) – ocorrência in uenciada,
em muito, pelo que acontecia na Itália durante o triênio
analisado (o então primeiro-ministro do país era um
poderoso empresário de meios de comunicação).
Formando imagens
A depender, portanto, do lobby praticado pelos empresários e do foco de seus
interesses, os meios de comunicação de massa podem se constituir em um dos
principais impulsionadores das democracias contemporâneas – ou também em
um dos principais pontos de estrangulamento. Como dizia, na década de 1920,
o pensador conservador Walter Lippmann: nós agimos tendo em vista não a re-
alidade que nos cerca, mas “as imagens em nossas cabeças. A mídia é a principal
fonte para a produção de tais imagens e seu impacto sobre as opções políticas
não pode, portanto, ser ignorado.
A atenção não deve se restringir apenas ao jornalismo – segmento da comuni-
cação responsável pelo provimento de informações factuais sobre o mundo –,
cuja in uência nos processos políticos de curto prazo é evidente. É importante
reconhecer que os outros produtos difundidos pela mídia, freqüentemente en-
globados sob o rótulo de “entretenimento, também possuem importância polí-
tica. Eles igualmente são vetores de visões de mundo e de valores que o público
consome, contribuindo assim para moldar as formas pelas quais os indivíduos
se compreendem e se situam na sociedade.
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
61
Muitas das reexões teóricas acima construídas remetem à mídia em geral, exa-
tamente por entender que diferentes produtos – como jornalismo e entreteni-
mento – compõem este sistema de inuências (positivas e negativas) sobre os re-
gimes democráticos. Entretanto, é inegável que em diversos momentos o debate
concentrou-se no jornalismo: primeiro, porque esse é um dos públicos-alvos da
presente publicação; segundo, porque em muitos casos discussões como a do
agendamento podem ser transpostas para uma reexão sobre entretenimento (é
o caso da idéia de merchandising social) e, por m, porque o debate ao redor das
questões mais gerais de conteúdo, especialmente as de entretenimento, ganha
especial atenção no Capítulo 3.
Autonomia do público
É fundamental destacar aqui, também, a constatação de que os indivíduos não
são passivos e, por isso, podem interpretar de diversas maneiras as informações
que lhes são transmitidas. No entanto, devemos lembrar que a possibilidade de
diferentes leituras não elimina os efeitos da seleção de informações realizada
pelos meios de comunicação. Ou seja, o público vai reinterpretar o conteúdo e
aplicar a ele outros padrões de decodicação, mas o fato de que o conteúdo é
um, e não outro, não pode ser considerado irrelevante para o resultado. Não es-
tamos defendendo, portanto, a existência de dualismos primários, como “mídia
onipotente/receptor impotente” ou “receptor onipotente/mídia impotente.
A situação se agrava pela tendência à concentração dos meios de comunicação
e pela falta de regulação do conteúdo, temas que serão discutidos nos próximos
capítulos. Diante da evidente relevância política da mídia e da grande concen-
tração existente neste mercado no Brasil, seria de se imaginar que a democrati-
zação da comunicação fosse um ponto relevante da agenda política. Em geral,
isso não ocorre. Na amostra das matérias analisadas para esta pesquisa, confor-
me vimos, não mais do que 7% do total relacionam, como temática central, a
mídia com os aspectos de democracia, poder e política.
Com a mídia não se discute
Vale aqui lembrar, ainda, a preocupação central do cientista político alemão
Claus Oe: entender como o Estado capitalista agia em favor da burguesia. Isso
por mais que seus dirigentes em geral não fossem burgueses, dependessem de
um eleitorado no qual os burgueses eram uma ínma minoria e até tomassem
decisões que, no curto prazo, chegavam a contrariar as preferências expressas
pelos diferentes setores da burguesia.
Em síntese, é possível dizer que uma das respostas para a questão de Oe reside
no monopólio privado sobre as decisões de investimento. Para existir, o Esta-
do depende do recolhimento de impostos, sensível às oscilações da atividade
econômica, que por sua vez é determinada pelo nível de investimento do Setor
Privado. Mesmo que haja ausência de qualquer conexão entre os governantes e
o empresariado, na visão de estudioso alemão o Estado capitalista é obrigado a
introjetar os interesses da burguesia a m de garantir um ambiente favorável à
manutenção de níveis elevados de investimento produtivo. O professor da UnB
Luis Felipe Miguel conclui:
Capítulo 1 | Meios para a Democracia
62
Uma vez no governo, opta-se, via de regra, por utilizar dos muitos recursos dis-
poníveis para obter uma cobertura simpática dos principais veículos, em vez de
se tentar modicar o sistema de comunicação de massa. Verbas publicitárias
estatais, concessões de canais, nanciamento público para empresas e mesmo
acesso à informação são alguns dos instrumentos de barganha de que os gover-
nos dispõem para negociar com a mídia. A tentativa de apoiar novos grupos,
devotados ao governo, é menos comum, já que mais passível de críticas: esse
foi o caso, por exemplo, da cadeia de jornais Última Hora, do jornalista Samuel
Wainer (beneciado por empréstimos de bancos ociais com juros baixos), lan-
çada para dar sustentação a Getúlio Vargas e que desencadeou uma campanha
de oposição veemente por parte dos veículos dominantes.
Assim, de um lado, o Estado impõe – ou, pelo menos, tem à sua disposição me-
canismos para impor – um viés à atuação dos meios de comunicação. De outro,
esses não só participam ativamente do cenário político, como também restrin-
gem debates relacionados à estrutura do setor de mídia no Brasil. No centro
dessa relação, está a democracia. Ao reconhecermos que a mídia correlaciona-se
fortemente com a consolidação e com o desenvolvimento dos regimes democrá-
ticos, ainda que com problemas, regular sua estrutura e seu conteúdo passou a
ser preocupação de todos os países. Esses e outros pontos serão debatidos nas
páginas a seguir.
Uma situação similar, mutatis mutandis, ocorre na relação dos políticos
com os meios de comunicação de massa. No mundo contemporâneo, a
visibilidade pública é condição necessária para o sucesso de qualquer
projeto político – e ela depende fortemente do acesso à mídia. Hostilizar
os meios é uma aposta de alto risco, sendo mais prudente incorporar
seus interesses fundamentais e evitar mexer com eles.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
63
SUPORTES PARA O DESENVOLVIMENTO
A infra-estrutura de Comunicações constituiu um campo estratégico de uma
nação. Não por acaso, o processo de construção dos marcos regulatórios nessa
área sempre foi um foco de disputa entre interesses públicos e privados.
No amplo contexto de discussão sobre as Políticas Públicas de Comunicação e a regulação da
mídia, uma pauta merece especial atenção: a queso da infra-estrutura. Ao contrário do que
se pode pensar inicialmente, mais do que um tema exclusivamente técnico ou tecnológico, esse
é um debate cujas implicações também devem ser pensadas sob o prisma da inclusão e da
exclusão social.
Re etir sobre o tema exige aprofundar a análise sobre o papel do Estado na regulação do setor.
Da mesma forma, não é possível pensar a Comunicação – tanto o acesso a ela, quanto a sua
promoção – sem considerá-la como um direito de todos os cidadãos e cidadãs.
Em um cenário marcado pelos interesses do mercado, essa ótica dos direitos é muitas vezes
relegada ao segundo plano. Estudos recentes apontam a tendência de supercentralização do
processo de produção e transmissão de informações nas mãos de um reduzido número de ato-
res. Seja no âmbito internacional, seja no caso do Brasil, essa é uma característica marcante do
setor comunicacional.
Nas páginas a seguir, para fundamentar a leitura dos dados resultante da análise Mídia e Po-
líticas Públicas de Comunicação, buscou-se construir um breve histórico desse processo. Além
dos aspectos já mencionados, focalizamos temas fundamentais, como os avanços tecnológicos
na área e os marcos regulatórios de infra-estrutura no plano nacional e internacional, assim
como as peculiaridades do contexto brasileiro.
- Capítulo 2 -
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
64
Aatividade dos meios de comunicação de massa sempre esteve conectada
ao desenvolvimento tecnológico. Os papiros egípcios, a prensa de Gutenberg, o
rádio, a tevê e a internet são alguns dos exemplos que poderiam demonstrar como
os aprimoramentos técnicos, longe de serem neutros e isentos, geram impacto
direto – social, cultural, político e econômico – no contexto de uma determina-
da sociedade. Como veremos ao longo deste capítulo, a infra-estrutura que dá
suporte à mídia e os conteúdos que são produzidos e veiculados por meio dela
constituem dois elementos superpostos – porém distintos – no debate sobre as
políticas públicas de Comunicação.
Numa analogia com as ferramentas da informática, poderíamos armar que a
infra-estrutura representa o hardware – ou seja, o equipamento ou suporte físico
– necessário para que os conteúdos (soware) sejam exibidos e executados. Nesse
caso, mais do que envolver somente as questões de cunho técnico, como as fre-
qüências do espectro eletromagnético e as novas tecnologias, a discussão sobre o
hardware da comunicação reúne também aspectos políticos e econômicos, tais
como a existência ou não de propriedade cruzada e os modelos de constituição do
capital das empresas de mídia.
Nesse contexto, é necessário destacar que, longe de pretender constituir cate-
gorias estanques na análise do complexo cenário das Políticas de Comunica-
ção, o que se propõe na presente publicação é apontar as principais especifi-
cidades dos mecanismos regulatórios da infra-estrutura (foco deste capítulo)
e do conteúdo (tema abordado no Catulo 3), além de estudar as interfaces
existentes entre os mesmos.
Antes, porém, de adentrarmos diretamente no assunto deste catulo, vale relem-
brar que o estabelecimento de regulações por parte do Estado sobre atividades
privadas não é novo e tampouco se restringe ao campo das comunicações.
Padronização de pesos e medidas, impostos, leis trabalhistas são todos elementos
componentes dos marcos regulatórios desenhados pelos Estados Nacionais nos
últimos séculos e que regem diretamente as mais diversas atividades levadas a
cabo pelo Setor Privado. Empreendimentos regulatórios mais particulares tam-
bém não podem ser lidos como novidade; a primeira agência reguladora de que se
tem notícia é a Interstate Commerce Commission, nos Estados Unidos, em 1887.
Algumas décadas mais tarde, nos anos 1930, durante o regime do New Deal, sob
o comando do presidente Franklin D. Roosevelt, foram criadas inúmeras agências
reguladoras de setores especícos, dentre elas a Federal Communications Com-
mission (FCC), responsável pela regulação das comunicações.
Como se verá, a construção de um ambiente regulatório para os inúmeros tipos
de atividade econômica tem sido uma constante na relação do Estado para com as
empresas, sobretudo aquelas que apresentam características particulares, direta-
mente relacionadas às chamadas falhas de mercado (são monopólios ou oligopó-
lios, são dotadas de um diferencial de poder, etc.), como cará claro adiante.
Complexidade em pauta
No campo das ciências políticas, uma conhecida teoria arma que a sociedade
é soberana – ou, na terminologia dos teóricos, a “principal” – e o Estado é o seu
agente. Isto signica que, nas democracias representativas, a sociedade torna-se
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
65
o soberano último de tudo aquilo que o Estado permite ou prbe, concede ou
cancela, regulamenta ou desregulamenta. Por meio do processo eleitoral, como
discutimos no capítulo anterior, os cidadãos e cidadãs eleitores delegam aos re-
presentantes escolhidos a tarefa de conduzir os “negócios” públicos, tendo como
parâmetro a Constituição e as leis.
Nesse diálogo entre sociedade e Estado, um conjunto de regras – simples ou
complexas – é constituído para organizar a vida pública, a partir de mecanismos
por meio dos quais os indivíduos e as instituições passam a se relacionar. Tome-
mos como exemplo a arrecadação de impostos: a sociedade autoriza o Estado a
estabelecer um sistema de taxação sobre ela própria a  m de que os entes estatais
possam funcionar – visto que se julga importante que eles existam. Nesse caso,
os políticos eleitos produzem as leis que de nem o sistema de tributação e au-
torizam um órgão estatal – no Brasil, a Receita Federal – a executar a cobrança
junto à sociedade. Dessa forma, entre o Estado e a sociedade, no que diz respeito
à tributação, estão, numa visão simpli cada, a legislação, os funcionários e a
estrutura da Receita.
Com o sistema de comunicações, entretanto, a questão é um pouco mais com-
plexa. Diversos são os atores envolvidos nos diferentes processos que vão da
produção à recepção dos conteúdos veiculados pela mídia. Há todo um sistema
governamental focado nesse segmento – compartilhado por diversos entes es-
tatais distintos e, muitas vezes, independentes (STF e Congresso, por exemplo).
Há, ainda, os empresários do setor, os trabalhadores e as diferentes associações
ligados à área de atuação dos meios, entre outros agentes.
A própria sociedade não se con gura como um corpo homogêneo e vai além de
eleitores e espectadores. De maneira geral, é composta, por exemplo, por orga-
nizações sociais e instituições de estudo e pesquisa que também podem interfe-
rir na complexa rede estatal-privada que constitui o setor das comunicações.
Questionamentos relevantes
Diante dessas re exões, é signi cativo esclarecer que, mesmo sendo marcado
por complexidades em sua constituição, o sistema de comunicações é passível
de regulação da mesma forma que o são outros setores estratégicos sociedade.
Ou seja, tal sistema não deve, necessariamente, ser excluído de um processo
regulario amplo. Nesse sentido, vale aprofundar a investigação sobre as razões
que a nal, fazem as democracias representativas, tal como as conhecemos hoje,
dedicar especial atenção à regulação das comunicações.
Do ponto de vista teórico e do debate sobre a democracia, algumas respostas
para esse questionamento já foram apresentadas no catulo anterior. Um con-
junto adicional de colocações, no entanto, pode ajudar a tornar o cenário ainda
mais claro. Uma delas seria revelar qual o grau de impacto que este sistema com-
plexo de comunicações exerce, nos mais diferentes sentidos, sobre a socieda-
de. À medida que estes supostos impactos se aprofundam, tende também a ser
ampliado o interesse da sociedade soberana (ou “principal”) em cobrar de seus
representantes (ou “agentes”) que algo seja feito para que potenciais in uências
negativas possam ser evitadas.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
66
Por outro lado, é também bastante razoável imaginar que qualquer setor da eco-
nomia que venha a ser regulado pelo Estado não se comportará de forma passiva
diante do processo de regulação. Poderá ter maior ou menor sucesso em suas rei-
vindicações, contudo certamente as fará – quase sempre, no sentido de assegurar a
regulação menos prejudicial possível a seus interesses (isto é, um marco legal que
não implique aumento de custos ou diminuição de lucros). No extremo, importa
a essa discussão avaliar a potencial capacidade do sistema de comunicações em
evitar as regulamentações desejadas pela sociedade. O que deve incluir necessa-
riamente a análise dos recursos que detém para in uenciar a sociedade a  m de
que ela ppria deixe de almejar algum tipo de regulamentação.
Em suma, uma questão fundamental na contemporaneidade é: qual o poder que
o sistema de comunicações tem para mudar as preferências da sociedade e as dos
próprios governantes? No fundo, a necessidade ou não de regular qualquer setor
e a intensidade desta regulação estão condicionados à resposta a esta pergunta.
Quanto maior o poder de um determinado segmento, maior a necessidade de um
sistema regulario. Nesse caso, estamos nos referindo tanto aos sistemas imple-
mentados pelo Estado, como também àqueles desenvolvidos diretamente pela so-
ciedade e pelas próprias empresas, por meio de modelos auto-regulatórios, como
as iniciativas de Responsabilidade Social Corporativa.
No contexto especí co dos meios de comunicação, esse potencial poder de inter-
ferência pode ser manifestado de diversas formas: desde um aumento exagerado
de mensalidades no sistema de televisão a cabo, passando pela divulgação de uma
falsa entrevista com um grupo criminoso, até a in uência na eleição de um deter-
minado presidente da República. Certamente, para cada manifestação equivocada
do poder da mídia que se busca conter – ou para cada ação desejada que se procu-
ra incentivar – diferentes instrumentos regularios devem ser instituídos.
Informação é poder
A idéia de poder tem grande relevância para entendermos os movimentos em-
brionários que deram forma às sucessivas regulações da comunicação ao longo
dos últimos séculos. É central ter em conta que os atores em condições – políticas,
militares, culturais, econômicas, etc. – de perpetrar controles de quaisquer tipos
sobre determinados membros ou setores da sociedade não tiveram maiores pudo-
res em fazê-lo sempre que se sentiram ameaçados em sua posição.
Esse tipo de compreensão sobre as relações de poder em curso na sociedade, ajuda
a esclarecer os motivos pelos quais a mídia sempre esteve – desde a Antiguidade
– sob olhares atentos dos centros de poder político. É o que explica o professor
de sociologia da Universidade de Princeton e ganhador do Prêmio Pulitzer, Paul
Starr, em sua obra e Creation of the Media:
A mídia tem uma relação tão direta com o exercício do poder que se torna
impossível entender o seu desenvolvimento sem que tenha a Política total-
mente em conta, não simplesmente no uso que se faz da mídia, mas nas
escolhas constitutivas que são feitas acerca da mídia.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
67
Na de nição de Starr, tais “escolhas constitutivas” dizem respeito àquelas deci-
sões que “criam o ambiente material e institucional dos diferentes campos da ati-
vidade humana. Em seu trabalho, o professor relata como, ao longo da história,
as organizações políticas se ocuparam em interferir nos meios de produção de
informação e conhecimento. Nesse sentido, a conhecida idéia de que “informa-
ção é poder” contribui para que se compreenda também porque a mídia, desde
seus primórdios, tem sido objeto de regulações por parte dos agentes políticos.
Por outro lado, uma idéia também importante para o entendimento do atual
cenário dos meios de comunicação está relacionada ao que o economista Dou-
glas North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, denominou path depen-
dence – conceito que poderia ser traduzido como “dependência da história. Ou
seja, as características que determinado sistema – a mídia ou toda uma nação,
por exemplo – apresentam na contemporaneidade dependem diretamente das
escolhas institucionais e dos caminhos traçados no passado. Como defende o
professor Paul Starr:
Diante de tais análises,  ca evidente que entender os marcos regulatórios em
vigência hoje implica compreender, ainda que minimamente, a história da re-
gulação da mídia.
Mecanismos regularios
As diferentes formas de se conceituar o setor de comunicação – provedor de
informação jornalística, provedor exclusivo de entretenimento ou concessioná-
rio de serviço público ponto-a-ponto (caso do telégrafo e da telefonia) – levou,
ao longo da história, a um conjunto diferenciado de modelos regulatórios. Há,
nesse sentido, uma diversidade de mecanismos que podem ser utilizados para se
organizar ações dos atores políticos em relação à mídia.
No caso da infra-estrutura, as regulações do espectro eletromagnético, dos
diferentes formatos de mídia ou da convergência de tais formatos podem ser
apontadas como possíveis meios de se estabelecer um controle público. Mas há
outras formas, muitas das quais ainda em uso nas diversas nações: o sistema
de impostos, a política antitruste, a de nição do custo do papel, a formação de
centros de pesquisa em tecnologia das comunicações, por exemplo.
Veja-se, como ilustração, que a consolidação de uma imprensa diária somente
foi possível com o desenvolvimento de um outro componente fundamental das
comunicações: os correios. Da mesma forma, o telégrafo e, mais tarde, a telefo-
nia permitiram o fortalecimento de um jornalismo que focalizasse, com a agili-
dade necessária, outros temas para além dos domésticos. Na verdade, o central
nessa discussão é perceber, conforme assinalado, que as decisões do passado
in uem na con guração do presente.
Leis e regulações são freqüentemente tenazes porque as burocracias e as
organizações privadas são construídas sobre as bases de seus pressupostos
e desenvolvem um interesse na sua perpetuação. (...) Em momentos de
mudança, uma queso típica é a forma como, se for o caso, o Estado
traduzirá as regras e políticas referentes a um velho meio para regras e
políticas voltadas a um novo.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
68
O Estado, nesse sentido, pode fomentar o desenvolvimento das comunicações
ou retardá-lo, a depender dos interesses em jogo; pode ampliar o leque de atores
no sistema ou reduzi-lo; pode agir diretamente, con gurando-se em mais um
dos agentes comunicadores; ou pode transferir responsabilidades, atuando ape-
nas como um observador do mercado. Como se deve imaginar, esses variados
formatos de atuação podem ser identi cados na constituição da mídia ao longo
dos séculos em diferentes países.
Não é recente na história a idéia de que a informação e o conhecimento – su-
postamente, os principais capitais gerados pela mídia – podem ser privatizados
e, portanto, são passíveis de serem controlados, da mesma forma como ocorre
com o direito à propriedade. Como nos lembra o professor de história da cultura
da Universidade de Cambridge, Peter Burke, em seu livro Uma história social
do conhecimento, “a idéia de comercializar o conhecimento, por exemplo, é pelo
menos tão antiga como a crítica de Platão aos so stas por esta prática. A idéia do
conhecimento como propriedade (possessio) foi formulada por Cícero. Segundo
Burke, a primeira lei de patentes foi aprovada em Veneza no ano de 1474 e, nos
idos de 1709, uma lei de Direito Autoral já vigorava no Reino Unido.
Poderíamos relembrar ainda que desde a introdução da imprensa no continente
europeu por Guttemberg, representantes da monarquia e da Igreja, para nos
atermos aos dois atores mais relevantes na época, já estavam alertas com as pos-
sibilidades – positivas e negativas – do novo meio.
No século XV, lembra Burke, o principal jornal periódico francês era estatal. Já o
professor Paul Starr relata que, em 1538, o rei Henrique VIII determinou que os
livros somente poderiam ser publicados na Inglaterra caso as editoras tivessem
uma licença do governo britânico. Por trás dessas decisões, estava a intenção
dos donos do poder de controlar os novos meios de produção e distribuição
de informações. Para tanto, mesmo que os governos europeus da época ainda
assumissem a posse de tais instrumentos de comunicação, não raro passou-se a
adotar como estratégia a centralização de sua propriedade nas mãos de poucos.
Em vários países, as companhias de impressão deveriam obrigatoriamente se
xar nas capitais. O elevado custo de produção (maquinário, papel, etc.) não
permitia uma rápida pluralização da propriedade no setor e, com uma ajuda do
Estado, monopólios e oligopólios privados, atrelados aos interesses políticos,
foram fomentados
1
. Além disso, o forte controle que existia à época em relação
aos conteúdos impressos acabou por gerar um mercado paralelo de manuscri-
tos. Tal fato por si só é um indicativo de que os problemas de propriedade exis-
tentes hoje – e também algumas soluções, como a constituição de uma mídia
alternativa – estão longe de serem inéditos.
Nesse contexto,  ca claro como o estabelecimento dos direitos de propriedade
passou a ser um importante instrumento para o controle de um determinado
setor. No caso da mídia, um modelo em que a propriedade dos meios de co-
1. O  orescimento do capitalismo e, portanto, de empresas privadas de diversos ramos garantiu
também a consolidação do mercado de anunciantes, o que diminuiu, em muito, a dependência
que a imprensa nascente tinha em relação aos Estados
CAMINHOS HISTÓRICOS
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
69
municação é integralmente estatal pode, por exemplo, di cultar que mensagens
contrárias aos detentores momentâneos do poder político sejam tornadas públi-
cas. Da mesma forma, podemos falar de outros modelos possíveis: um sistema
totalmente liberal, acerca do qual nenhuma regulação se aplica; um sistema auto-
ritário, no qual o Estado não necessariamente detém a propriedade, mas controla
com mão-de-ferro os atores; e uma economia de mercado regulada, na qual a
propriedade é privada, porém o Estado estabelece, dentro de parâmetros consti-
tucionais, regras e sistemas comuns para os diversos atores.
O uso do espectro eletromagnético
Até o  nal do século XIX, as iniciativas voltadas para a regulação da comunicação
eram restritas à mídia impressa, principal meio de circulação rápida de informa-
ções. Com o advento do rádio, no entanto, uma nova questão ganhou a atenção
dos atores políticos: o uso do espectro eletromagnético. Em 1906, uma confe-
rência internacional culminou no primeiro International Wireless Agreement
(Acordo Internacional de Radiofrequência). De acordo com o professor Starr, as
constantes interferências nas freqüências – provocadas pela ausência de regula-
ção e pelo uso concomitante das ondas do rádio por militares, companhias priva-
das e rádio-amadores – passaram a ser um motivo de especial preocupação.
Com a Primeira Grande Guerra, e principalmente a partir dos anos 1920, novos
passos foram dados em relação à qualidade das transmissões via rádio. Nos EUA,
na década de 1940, o meio já havia superado a imprensa escrita como o principal
veículo de informação. A partir desse contexto, tanto lá como na Europa, os deci-
sores públicos tiveram que de nir mais claramente os direitos de propriedade do
espectro eletromagnético. Tais decisões acabaram por impactar diretamente todo
o sistema midiático construído a partir das décadas que se seguiram.
No caso dos países europeus, em meados do século XX duas formas de proprie-
dade pública do espectro passaram a ser adotadas – geralmente contando com
impostos e taxas para  nanciamento do setor. No modelo escolhido pela França,
que poderia ser chamado de estatal, a concessão das freqüências  cava a cargo do
próprio governo, vinculando a decisão sobre quem teria o direito de usá-las ao
grupo político eleito no momento. Já na Inglaterra, um órgão público indepen-
dente – a BBC – passou a ser o responsável pela gestão do espectro.
Outros modelos também foram desenvolvidos. O Canadá já havia optado, naquele
momento, por estabelecer um sistema híbrido – no qual o uso do espectro eletro-
magnético é dividido de maneira praticamente equânime entre governo e Setor
Privado. Os Estados Unidos, ao contrário, optaram por uma inovação: o trusteeship
model – formato em que o Estado con a às empresas o uso do espectro, a partir de
concessões públicas. Os norte-americanos poderiam ter estabelecido um sistema
de leilão de parcelas do espectro, cujo direito de posse passaria, então, a ser daque-
les que pagassem o maior preço. Preferiram, no entanto, criar um sistema operado,
quase totalmente, pelo Setor Privado – cabendo ao Estado somente o papel de co-
ordenar o órgão regulador responsável por conceder as freqüências.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
70
Nos EUA, a primeira legislação regulando a radiodifusão data de 1912. No en-
tanto, somente com uma nova lei, em 1927, o governo daquele país inaugurou
sua agência reguladora – a Federal Radio Commission (FRC) –, que passaria en-
tão a cuidar da outorga das licenças. O processo para a elaboração da lei de 1927
foi bastante interessante, tendo contado com quatro conferências nacionais para
debater o tema. Alguns anos depois, em 1934, uma nova legislação – o Com-
munications Act – transferiu a atividade de regulação (inclusive a telefonia e o
telégrafo) para a Federal Communications Commission, órgão que substituiu a
FRC e até hoje é responsável por essa tarefa, como veremos mais à frente.
Permanências históricas
Pesquisa conduzida por Simeon Djankov, Caralee McLiesh, Tatiana Nenova, do
Banco Mundial, e Andrei Shleifer, da Universidade de Harvard, sobre a pro-
priedade dos meios de comunicação – televisão e jornais – em 97 países mostra
que, na atualidade, os sistemas de propriedade continuam seguindo a divisão
inaugurada sete décadas antes: propriedade dos Estados ou propriedade priva-
da. Segundo os pesquisadores, a con guração encontrada nesse setor permite
prever, inclusive, características poticas mais amplas de cada país:
BBC
Em 1922, os fabricantes de rádio britâni-
cos pressionavam as autoridades para que
estimulassem um sistema de radiodifusão
mais abrangente, a  m de impulsionar as
vendas de aparelhos. Sob a regulação do
sistema de Correios, os fabricantes foram
convidados a formar um monopólio para
a emissão de conteúdo, por meio do Rá-
dio. Estava criada a British Broadcasting
Company (BBC),  nanciada com dinhei-
ro público e subordinada aos Correios,
ainda que sendo um monopólio privado.
Em 1927, o governo britânico estatizou
o órgão, que passou a se chamar British
Broadcasting Corporation, constituindo-
se como um ente independente diante do
controle governamental.
Tendo estabelecido o percentual da propriedade estatal da mídia, nós,
primeiro, perguntamos: em quais países a propriedade governamental da
mídia é mais elevada? Encontramos que ela é mais elevada em países que
são mais pobres, têm um número mais alto de regimes autocráticos, e uma
elevada participação de propriedade estatal na economia como um todo.
Esses resultados colocam dúvidas sobre a proposição de que a
propriedade estatal da mídia serve a  ns benevolentes.
Vale ressaltar que as nações da Europa Ocidental despontam
como um complicador para esta análise – um ponto fora da cur-
va. A opção desses países por uma mídia fortemente pública, ain-
da que não governamental, nos primórdios da radiodifusão em-
purram sua correlação público/privado para patamares bastante
distintos daqueles veri cados nas Américas – ao mesmo tempo,
igualmente distantes da elevadíssima propriedade estatal consta-
tada na África, Ásia e Oriente Médio (regiões alvo do comentário
tecido pelos autores no parágrafo acima).
Da mesma forma, a de nição dos sistemas nacionais de comu-
nicação também sofre in uência direta dos acordos internacio-
nais desse setor. É o que a rma o professor de sociologia da
Universidade de Princeton, Paul Starr, em seu livro e Crea-
tion of the Media:
RELAÇÃO ENTRE O PERCENTUAL DA AUDIÊNCIA
DE TEVÊ E O TIPO DE PROPRIEDADE
Região
Propriedade
estatal
Propriedade
privada
África 85% 15%
Américas 11% 85%
Ásia e Pací co 70% 30%
Oriente Médio e África
do Norte
94% 6%
Europa Central e do Leste 53% 46%
Europa Ocidental 55% 45%
Fonte: Pesquisa realizada por Simeon Djankov, Caralee
McLiesh, Tatiana Nenova, do Banco Mundial, e Andrei Shlei-
fer da Universidade de Harvard (os dados são de 1999 e 2000,
a pesquisa foi publicada em junho de 2001).
Quanto mais uma dada sociedade está amarrada à economia mundial,
mais provavelmente movimentos constitutivos [das comunicações] vão sur-
gir a partir de mudanças nos regimes internacionais de comunicação – isto
é, das normas e políticas institucionalizadas em diferentes tipos de acordos
internacionais, tais como aqueles que governam o sistema de propriedade
intelectual, telecomunicações e o espectro eletromagnético.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
71
Os marcos internacionais iniciais no setor de telecomunicações começam a ser
elaborados a partir de meados do século XIX. Em 1865, foi rmado o primeiro
acordo internacional para a operação dos telégrafos; em 1885, para a telefonia;
e, em 1906, a atividade do rádio passou a ser regida por normas mundiais. Al-
gumas décadas depois, em 1932, a União Telegráca Internacional, após reu-
nião envolvendo várias nações em Madrid, Espanha, se transforma em União
Internacional de Telecomunicações, passando a abarcar os diferentes temas
correlacionados a este setor.
Outro texto internacional relevante nesse contexto é a Declaração Internacio-
nal dos Direitos Humanos que, em 1948 consolidou, em seu artigo 19, o direi-
to à liberdade de expressão e o direito à informação, aspectos centrais para as
comunicações (veja íntegra do artigo na página 05). Posteriormente, inúmeras
convenções, pactos e tratados também passariam a sublinhar a relevância des-
tes temas. Em muitos desses documentos, a mídia não só é mencionada como
também vem a ser apontada como uma instituição central para a garantia da
democracia e do desenvolvimento.
Um importante marco histórico no debate internacional foi, certamente, o
relario nal da Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da
Comunicação, da Unesco – publicado em 1980 e ocialmente intitulado Um
mundo e muitas vozes. O documento, elaborado com a participação de emi-
nentes pesquisadores de 16 nacionalidades, traça uma aguda radiograa do
cenário comunicacional do mundo, já apontando preocupações quanto aos
impactos das tecnologias da informação no contexto sócio-econômico e cul-
tural, bem como as tendências de concentração da propriedade.
As conclusões apontadas no texto – que acabou cando conhecido como Rela-
tório MacBride, numa alusão ao então presidente da Comissão Internacional,
o jurista e prêmio Nobel da Paz Sean MacBride – estavam longe de ser um
consenso entre os países, principalmente pelo fato de sinalizarem a impor-
tância de se discutir os aspectos políticos e a dimensão pública dos meios de
comunicação. Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, não raticaram o
documento da Unesco e, em uma atitude de represália, suspenderam as co-
laborações nanceiras à instituição. Segundo o pesquisador em comunicação
Emile G. McAnany, da Universidade do Texas (EUA), na mesma época da pu-
blicação do Relatório MacBride, os países centrais – especialmente EUA e Ja-
pão, mas também França e Alemanha – viam a exportação de bens e serviços
de comunicação e também de novas tecnologias como atividades estratégicas
para o crescimento de suas economias.
Ainda hoje, os pesquisadores da área armam ser atuais as análises, reexões
e sugestões apontadas pelo Relatório em relação à realidade da mídia no mun-
do contemporâneo. Amadou-Mahtar M’Bow – ex-diretor geral da Unesco,
escreve na introdução do documento:
UM MUNDO E MUITAS VOZES
Mas essas são apenas algumas das virtualidades de uma época em
que se pode fazer tanto o melhor quanto o pior. Essas virtualidades
só serão realizadas na medida em que se resista à tentação de colocar
os meios de comunicação de massas a serviço de interesses limitados e
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
72
Política e desenvolvimento
Em sua radiogra a sobre a situação da comunicação no planeta, o Relatório co-
loca em primeiro plano a questão política. Como enfatizou o presidente da Co-
missão Internacional, Sean MacBride, a interconexão entre os problemas funda-
mentais da comunicação e as estruturas sócio-econômicas e culturais explicariam
o caráter altamente político de que se revestem de nitiva e inevitavelmente os
problemas de comunicação, daí sua importância primordial nos planos nacional
e internacional. Em outro momento, o Relario a rma, explicitamente:
Os signatários do documento também manifestavam apreensão quanto ao pos-
sível impacto das novas tecnologias nesse contexto, destacando a possibilidade
de que elas provocassem maior rigidez do sistema de comunicações, ampliando
possíveis defeitos ou falhas de funcionamento:
O texto da Unesco reconhecia ainda que as questões relacionadas à infra-estrutura
necessitavam ser tratadas como elementos centrais à elaboração de qualquer po-
lítica na área de Comunicação. Os fatores a serem considerados deveriam incluir
tanto os canais para a transmissão das mensagens, quanto os meios criados para
produzi-las. Na concepção defendida pelo organismo internacional, o processo
de regulação das comunicações de um determinado país estaria diretamente re-
lacionado aos seus objetivos e políticas de desenvolvimento, visto que essa é uma
área de grande importância estratégica.
Tal relevância  ca ainda mais evidente quando notamos que, via de regra, a cons-
tituição da infra-estrutura necessária para a operação dos meios de comunicação
– principalmente, aquela relacionada à radiodifusão, à telefonia e a outros sis-
temas de transmissão de dados – exige expressivos investimentos estatais. Nos
países periféricos, a ação do Estado nessa área seria, de acordo com a Unesco,
ainda mais importante: muito freqüentemente, trata-se do principal ator no que
se refere à criação da infra-estrutura necessária – seja em função da carência de
recursos oriundos do setor empresarial no que diz respeito aos investimentos, seja
por questões ideológicas.
de transformá-los em novos instrumentos de poder, justi cando assim
atentados contra a dignidade humana e agravando as desigualdades
que já existem entre as nações e dentro de cada uma delas. Isso também
dependerá da medida com que se tente impedir que as tendências para
a concentração dos grandes meios de informação reduzam cada vez
mais o campo da comunicação interpessoal e acabem destruindo a mul-
tiplicidade de vias, tradicionais ou modernas, através das quais cada
indivíduo possa exercer o seu direito à liberdade de expressão.
Não é possível entender a comunicação, considerada globalmente, se
omitirmos suas dimensões políticas. A potica – no sentido nobre da
palavra – não pode ser dissociada da comunicação.
Ao estabelecer redes cada vez mais poderosas, homogêneas e centrali-
zadas, corre-se o risco de acentuar a centralização das fontes sociais de
comunicação, de fortalecer com isso as desigualdades e os desequilíbrios
e de aumentar o sentimento de irresponsabilidade e de impotência dos
indivíduos e da coletividade.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
73
A comunicação sob a ótica dos negócios
Desde a elaboração do Relatório MacBride até anos mais recentes, no entan-
to, novos contextos passaram a de nir a agenda do setor de comunicações, in-
clusive nos países em desenvolvimento. A Organização Mundial do Comércio
(OMC) – que iniciou suas atividades em 1995, em substituição ao Acordo Geral
de Comércio e Tarifas (GATT) – veio alterar substancialmente a realidade do
comércio internacional. Em relação a nosso debate, inseriu uma nova perspecti-
va, segundo a qual a radiodifusão deveria ser considerada um serviço – eximin-
do-a, em grande medida, das especi cidades estratégicas que historicamente lhe
haviam sido designadas.
Ao contrário da Unesco – que em muitos casos, por ser um organismo voltado
à educação e à cultura, teve que entrar em con ito com as organizações de
mídia e com alguns Estados nacionais –, a OMC ganhou a simpatia do Setor
Privado ao defender que as comunicações deveriam estar sujeitas às lógicas de
mercado. Segundo a rma o professor aposentado da UnB e especialista nesse
setor, Venício A. de Lima, no artigo “Globalização e Políticas Públicas no Bra-
sil, este novo contexto é fortemente caracterizado pela crescente importância
dos global players – empresas transnacionais – e pela conseqüente pressão,
principalmente sobre as nações em desenvolvimento, para a abertura desse
nicho mercadológico.
Portanto, dessa perspectiva torna-se claro que a mídia, mais do que um ator
isolado no contexto da globalização, é uma das operadoras desse processo – seja
propagando valores e acelerando mudanças, seja intensi cando-o diretamente,
em função do movimento de fusão de grupos de comunicação, que leva à cons-
tituição de mega-empresas no setor. Não deve causar surpresa, portanto, o fato
de que os mecanismos de regulação de propriedade dos meios de comunicação
seja uma das pautas de negociações regionais e mundiais de comércio – em par-
ticular com o surgimento de fóruns globais de negócios, como a ppria OMC.
Nessa condição, as iniciativas e os interesses da agenda dos grandes grupos de
comunicação passariam a reunir um enorme peso político. Vale recordar que
com o declínio da indústria tradicional, aquelas voltadas aos bens culturais tor-
naram-se uma fonte primária para lucros corporativos. Para se ter uma idéia da
forte articulação política que sustenta os interesses dos gigantes da comunicação
basta registrar que a OMC passou a supervisionar diretamente as iniciativas de
liberalização dos negócios audiovisuais, de privatização das telecomunicações e
de abertura dos mercados de imprensa por todo o mundo.
Visão privatista
Foi nesse contexto que, em setembro de 2003, durante o encontro da Organiza-
ção Mundial do Comércio em Cancun, no México, os representantes de negócios
norte-americanos propuseram a expansão do poder da OMC sobre os meios de
comunicação e a cultura. Os Estados Unidos defendiam a sujeição dos Serviços
de Comunicação e Audiovisuais – setor que inclui  lmes, rádio, televisão, vídeo
e produções musicais, além dos serviços de distribuição de mídia, como satélite
e cabo – a regras do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços. Entretanto, na
opinião da CRIS, organização não-governamental criada em 2001 com o obje-
tivo de debater o direito à comunicação, a proposta sobrepunha-se ao processo
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
74
LÓGICAS DA REGULAÇÃO
A compreensão sobre o processo de constituição dos diferentes modelos regu-
latórios da mídia contribui para iluminar os possíveis mecanismos públicos
a serem adotados pelo Brasil na atividade de regulação da infra-estrutura
democrático. Caso adotada, enfraqueceria leis nacionais e subverteria as regu-
lações de interesse público ao redor do mundo, pois levaria à constituição de
mecanismos comerciais que favoreceriam a privatização, por meio da venda de
todos os serviços públicos.
A investida para que os negócios relacionados ao universo da mídia pasassem
a  car vinculados à órbita da poderosa OMC esbarrou, contudo, na resistência
de alguns países, entre os quais se destaca a França. A inclusão dos Serviços de
Comunicação e Audiovisuais no Acordo Geral acabou por não acontecer, pois
as nações contrárias às medidas lutaram para que os meios de comunicação
permanecessem no âmbito da “exceção cultural, possibilidade também prevista
no acordo.
Mas ainda que a OMC não tenha conseguido inserir a mídia na negociação, com
o aumento do signi cado econômico da propriedade intelectual, o sistema global
de administração nessa área terminou deixando de privilegiar as dimensões do in-
teresse moral e público e passou a enfatizar, mais e mais, os interesses privados dos
detentores dessa propriedade. “Hoje, esses donos não são mais autores e composi-
tores individuais que criam produtos culturais. E sim corporações transnacionais
produtoras culturais, aponta o pesquisador holandês Cees J. Hamelink.
Não poderíamos deixar de mencionar nesse debate o papel desempenhado pela
União Européia. A necessidade de se uniformizar na região, na medida do pos-
sível, as regulações e os padrões acerca dos mais diferentes assuntos – dentre
eles as comunicações – trouxe uma série de desa os aos países europeus. Nesse
sentido, os marcos regulatórios elaborados pela Comissão Européia constituem
uma pauta importante na discussão sobre as Políticas Públicas de Comunicação.
Mais do que isso, as re exões no âmbito da União Européia permitem alcan-
çar, em muitos temas – inclusive este –, um patamar mais elevado de debates e,
logo, de políticas efetivamente desenhadas e implementadas. Ao contrário do
que ocorre com muita freqüência no espaço nacional, as pressões das empresas
nas decisões da Comissão acabam tendo menos poder – abrindo espaço, assim,
para exigências mais austeras.
O cenário de mudanças em relação ao nível de intervenção do Estado no setor de
comunicações – marcadamente no início dos anos 1980 – é também rescaldo de
um contexto mais amplo de transformações. Tais acontecimentos são operados
em meio à passagem do modelo batizado de Bem-Estar Social – consolidado no
pós-Segunda Guerra Mundial e cuja característica principal é o atendimento de
diversos direitos sociais do cidadão – para a visão de Estado Mínimo, que defende
a redução dos custos de manutenção do aparelho estatal, assim como dos gastos
e investimentos sociais. Seguindo essa segunda lógica – que passou a ser deno-
minada de neoliberal – o Estado passa a ter um reduzido nível de intervenção
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
75
econômica, tanto na produção de bens e serviços quanto na regulação das relações
econômicas, na linha do que idealizadamente propuseram as administrações de
Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e de Margaret  atcher, na Inglaterra.
Diante de um novo contexto ideológico, ganha força a idéia de que os ato-
res do mercado seriam os mais eficientes para promover o desenvolvimento
da economia e, conseqüentemente, o bem-estar da sociedade. Nas nações
do então chamado Terceiro Mundo, os países ricos propunham o fomento
das atividades empresariais, para que essas, por meio do capital auferido,
se tornassem capazes de assumir o suprimento das demandas da sociedade
por produtos e serviços antes produzidos pelo Estado. Isso pressupõe, por
exemplo, a passagem das empresas antes operadas pelo Poder Público para
o comando da iniciativa privada, principalmente para as corporações com
sede nas nações desenvolvidas.
Apesar da hegemonia, nas últimas décadas, da idéia de um Estado mínimo, não
resta dúvida de que no campo da infra-estrutura comunicacioanal a atuação es-
tatal continua a ter um papel central. Nesse contexto, ela é necessária tanto para
demarcar a liberdade de ação das entidades públicas e privadas do setor, como
para ordenar o contexto econômico e operacional em que elas atuam. É também
importante na regulação dos conteúdos veiculados pela mídia, tema que será
abordado no pximo capítulo do presente documento.
Os papéis do Estado
Há diferentes formas de atuação do poder público no processo de regulação das
atividades relacionadas à infra-estrutura e aos serviços de informação e comu-
nicações. Agindo por meio de planos, estratégias, priorizações e fomentando in-
vestimentos públicos e privados, o Estado pode assumir posicionamentos diver-
sos e simultâneos, a depender do contexto econômico, político e tecnológico:
1. Estado Proprietário – disponibiliza à população espaços como biblio-
tecas e centros de documentação; é o gestor do espectro eletromagnético
– considerado internacionalmente um bem público a ser administrado – e
possui emissoras de rádio e televisão, diretamente exploradas por órgãos
estatais especí cos.
2. Estado Promotor – formula e implementa as políticas, os planos e as estra-
tégias públicas para o desenvolvimento do setor. Além disso, faz investimen-
tos na infra-estrutura e concede incentivos e subvenções.
3. Estado Regulador –  xa regras de instalação e operação de infra-estruturas
e serviços, com o intuito de que sejam eliminados os desequilíbrios e as in-
certezas prejudiciais aos investimentos e à atuação empresarial, assim como
à ação das organizações públicas.
Esta não se trata, no entanto, de uma categorização estanque das formas de atu-
ação estatal. Entre os dois extremos mencionados acima – Estado Proprietário e
Estado Regulador – há diversas gradações possíveis, como se veri ca no próprio
contexto histórico descrito anteriormente, bem como na análise do cenário atual.
Assim, na África, por exemplo, há países nos quais até mesmo a mídia impressa
é de propriedade estatal. Por outro lado, há nações – caso dos EUA – no qual
o Estado desempenha sobretudo uma função regulatória. A maioria das nações,
contudo, encontra-se em algum ponto situado entre esses dois modelos.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
76
No que se refere especi camente ao terceiro papel descrito há pouco, o de regu-
lador, a atuação estatal busca constituir, gerir e viabilizar um conjunto de meca-
nismos de organização e controle, legitimados pelos necessários marcos legais.
Isso faz com que a ação reguladora esteja sujeita ao permanente confronto de in-
teresses políticos e econômicos, tanto entre grupos distintos da sociedade, como
entre tais grupos e o próprio Estado.
No contexto especí co da Comunicação, cabe ressaltar ainda que o processo
de regulação está intimamente ligado à promoção e preservação do Estado De-
mocrático de Direto – ou seja, a concentração do mercado, a fragilidade da le-
gislação e a ausência de capacidade de intervenção por parte do Estado podem
resultar em prejuízos ao pluralismo e aos direitos fundamentais, tais como a
liberdade de expressão. A partir dessa visão,  ca evidente que a ação reguladora
está, em um cenário ideal, diretamente relacionada à relativa autonomia do Es-
tado – isto é, ao grau de liberdade de que ele dispõe e aos meios pelos quais são
estabelecidos os limites e as formas de controle dessa liberdade.
Da mesma forma, há também o risco de se incorrer no que seria a outra face
dessa moeda, ou seja, a possibilidade de que, sob a justi cativa das exigências
regularias, o Estado atue de forma autoritária – implementando políticas
abusivas e não-republicanas de controle dos meios de comunicação. Nesse
sentido, conforme ressaltamos no Capítulo 1, não se deve confundir a regu-
lação democrática e legítima que deve ser levada a cabo pelos órgãos estatais
com possíveis práticas de censura, ainda que o limite entre essas duas formas
seja muitas vezes tênue. A vigilância por parte da ppria imprensa – assim
como pela sociedade civil organizada de maneira geral – é fundamental para
que a regulação das comunicações se mantenha dentro dos princípios estabe-
lecidos pelos regimes democráticos e pelas diretrizes acordadas no âmbito da
comunidade internacional.
Ao contrário do que ocorre com a cobertura de
outras políticas públicas, o tratamento editorial
dispensado pelas redações às iniciativas na área
da comunicação confere amplo espaço ao Se-
tor Privado (19,6%) – ainda que dedique maior
atenção aos governos (32,7%). É reduzida, no en-
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: A PRESENÇA DO ESTADO NA PAUTA
tanto, a perspectiva de outros importantes atores
da cena pública brasileira, como as organizações
da sociedade civil (4,5%), os partidos políticos
(1,7%), as instituições de ensino/pesquisa (1,8%),
os sindicatos (0,6%) e os organismos internacio-
nais (0,8%).
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
77
Entre os textos que focalizam a atuação dos
governos (32,7%), não é desprezível o percen-
tual dos que apresentam questões orçamen-
tárias: 20,4%. É importante ressaltar que 93%
do material que traz como destaque os agentes
governamentais está concentrado no governo
federal. A despeito da relevância desse ator, tal
cenário deixa uma enorme interrogação quan-
to à participação de governadores e prefeitos
– ou seja, a política local – nas discussões per-
tinentes ao universo midiático.
Ao aprofundar a análise na cobertura centra-
da no governo federal, vale destacar que essa é
dedicada muito mais a atores especí cos (mi-
nistérios, por exemplo) do que a políticas pú-
blicas. Nesse contexto, 3,6% dos textos abor-
dam o processo de implementação de políticas
e 0,5% fala de avaliação e monitoramento. A
pouca presença de um debate mais amplo
sobre as ações públicas,  ca também eviden-
te quando notamos que 67% do material que
focaliza os governos se refere a um órgão es-
pecí co e somente 4,7% trazem informações
baseadas em uma ótica mais abrangente das
políticas públicas.
FOCO CENTRAL – PERSPECTIVA DE ABORDAGEM
Governamental 32,7%
Setor Privado 19,6%
Legislativo 8,6%
Individual 6,7%
Judiciário 4,6%
Organizações da Sociedade Civil 4,5%
Instituições de ensino e pesquisa 1,8%
Partido Político 1,7%
Ministério Público 1,4%
Organismos Internacionais 0,8%
Sindicatos 0,6%
Temática/conceitual 17,2%
A comunicação como bem público
Dois conceitos têm contado com presença garantida no debate sobre a
regulação democrática operada pelo Estado no âmbito das Comunica-
ções: o de Bem Público e o de Serviço Público. O primeiro é usualmente
de nido como um benefício a ser utilizado por todos – caso dos acervos
das bibliotecas, dos arquivos públicos e dos sinais que carregam infor-
mação utilizando o espectro eletromagnético. Já o segundo corresponde
à atividade considerada de interesse geral por uma coletividade e, como
tal, é empreendida pelo Estado. Em conseqüência disso, seu uso deve ser
permitido gratuitamente ou por preços e condições não-discriminatórios,
razoáveis e justos. Podem ser enquadrados nesse escopo os serviços pos-
tais, de radiodifusão, de telefonia e de energia elétrica, que contam com
a possibilidade de serem explorados privativamente, terem os preços de
tarifas controlados e serem submetidos a obrigações especí cas, como a
universalidade da prestação do serviço.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
78
Bens Públicos
Para Inge Kaul, diretora área de estudos sobre
desenvolvimento do Programa das Nações Uni-
das para o Desenvolvimento (Pnud), a melhor
forma de compreender o que é um bem público
consiste em observar o que ele não é, ou seja, um
bem privado. Em artigo publicado no Le Monde
Diplomatique (junho de 2000), Inge Kaul explica
que os bens privados são marcados por algumas
características:
• São excludentes – isto é, sua propriedade pode
ser transferida ou, em outras palavras, seu uso
pode ser exclusivo de uma pessoa ou grupo me-
diante negociação no mercado.
• Possuem proprietários claramente estabelecidos.
• Tendem a ser rivais – ou seja, uma vez consu-
midos não podem ser usufruídos por outrem.
A especialista, também responsável pelo projeto
Global Public Goods, do Pnud, ressalta que os
bens públicos possuem propriedades inversas:
não são excludentes (ou seja, sua propriedade
não é trivialmente transferida no mercado ou seu
uso não pode ser limitado a um dado indivíduo);
sua propriedade não é facilmente determinada
(isto quando o é) e o consumo por um indivíduo
não impede o consumo por outro (logo, tais bens
não são rivais ou indivisíveis).
Um exemplo do que seja bem público é o ar
puro: ele, em tese, não pode ser comercializado,
sua propriedade não é claramente de nida, e o
consumo por uma determinada pessoa não im-
pede o dos demais.
Uma di culdade intrínseca a este tipo de bem
está em como garantir que sejam providos ade-
quadamente. Por isso, via de regra, são alvo de
forte regulação estatal, em muitos casos são pro-
vidos e/ou operados diretamente pelo Estado ou
são objeto de concessões públicas.
Tais atividades governamentais costumam seguir, histórica e universalmente,
três regras de funcionamento:
1. Continuidade.
2. Mutabilidade ou adaptação – signi cando a exigência de uma melho-
ra contínua do serviço, em função da avaliação das necessidades e do
progresso tecnológico.
3. Igualdade de todos os cidadãos no acesso.
Em paper especialmente produzido para esta pesquisa, o professor da Universi-
dade Federal da Bahia (UFBA) Othon Jambeiro lembra que, tradicionalmente,
o serviço público não era entregue à iniciativa privada, nem submetido às leis
de mercado:
O Estado assumia diretamente sua responsabilidade ou, no máximo, o con-
cedia a empresas públicas, mantendo-as subsidiadas e sob regime jurídico
especial. Com a onda mundial de privatização, entretanto, estes serviços
não têm escapado à mercantilização, sendo crescentemente apropriados
privadamente, transformados em mercadorias e submetidos às leis do mer-
cado internacional, mantendo-se sobre eles relativo controle, através de
agências reguladoras.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
79
No que se refere à Comunicação, a regulação de seus serviços e atividades tem
sido justi cada pelo argumento de que o interesse público é alcançado mais
efetivamente por meio de atividade  scalizadora do que pelo princípio liberal
de não-interferência do Estado. Assim, exige-se a regulação para evitar não só
a anarquia no uso da informação e dos processos comunicacionais, mas tam-
bém para impedir que interesses privados de grupos especí cos prevaleçam
frente aos da sociedade, di cultando ou mesmo impedindo a diversidade e
uma desejável competição política.
Em alguns países, o processo regulatório limita-se, principalmente, a estabe-
lecer disposições que assegurem diversidade de fontes (opções de canais) e de
tecnologias (radiodifusão aberta ou por assinatura). Além disso, como será
observado no decorrer deste catulo, a regulação da infra-estrutura está liga-
da, também, à de nição sobre normas acerca da propriedade dos meios.
No caso do Brasil, como cará claro, os governos têm agido neste campo de
várias maneiras, destacando-se entre elas o questiovel uso de critérios mar-
cadamente políticos na concessão de freqüências para a exploração da radio-
difusão comercial.
A prevalência da ótica neoliberal
Em várias nações, por força dos processos de privatização de praticamente to-
dos os serviços e atividades do setor de Comunicações, o debate sobre o tema
tem sido travado a partir dos referenciais teóricos e conceituais da concepção
predominante – a neoliberal. De acordo com esse modelo, o Estado deveria
xar-se numa posição de não-interferência, cuidando apenas de desobstruir o
caminho a ser trilhado pelo Setor Privado. Eventualmente, em algumas ques-
tões técnicas – como é o caso da atribuição de freqüências –, lhe caberia tam-
bém zelar para evitar con itos que impeçam a operação das empresas.
Os pesquisadores norte-americanos David Kelley e Roger Donway explicam
que, seguindo essa ótica, o espectro eletromagnético deveria ser de nido e
protegido da mesma maneira que é, por exemplo, a propriedade privada da
terra. Dessa forma, conforme defendem os autores, os direitos relacionados ao
espectro seriam reconhecidos para uso e controle exclusivo de faixas eletro-
magnéticas em áreas geográ cas delimitadas – o que abriria a possibilidade de
compra, venda ou subdivisão do espectro. Na opinião de Kelley e Donway, re-
gulamentos e controles governamentais, ao invés de estimularem a integridade
pro ssional, fazem uso do medo e, mesmo quando não atuam como a censura,
empregam normas arbitrárias e procedimentos burocráticos, em conformida-
de com o poder de coerção do Estado.
Em outra vertente, há ainda quem acredite que a regulamentação governa-
mental não só fracassa na consecução de seus objetivos, como também produz
resultados opostos aos esperados. Empresas e grupos de interesse corrompe-
riam agências reguladoras (teoria da captura), usariam seus poderes para ex-
cluir competidores e elevar os preços dos serviços, atrasariam propositalmente
a introdução de inovações e não corrigiriam suas próprias falhas.
Temáticas centrais para uma
adequada cobertura jorna-
lística da infra-estrutura do
setor das comunicações são
totalmente negligenciadas pelos meios
noticiosos, revela o estudo Mídia e Políti-
cas Públicas de Comunicação. De acordo
com o levantamento, questões como pro-
cesso de concessões (1,6%) e a renovação
ou revogação de concessões (0,6%), além
da regulação mais ampla do setor (1,6%)
são pontos que recebem uma atenção la-
teral no tratamento editorial dispensado
ao tema.
A investigação conduzida
pela ANDI aponta também
que 1,3% dos textos debate
temas relacionados às fusões,
aquisições e joint ventures – processos
que têm caracterizado o setor das Co-
municações nos últimos anos. Segundo
a pesquisa, 1,4% das matérias estabelece
algum tipo de associação com o fenôme-
no mais amplo da globalização.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
80
Vale ressaltar que entre os modelos totalmente estatais (a exemplo de pa-
íses totalitários) e os totalmente liberais (apenas existentes em um cená-
rio imaginário) encontramos inúmeras tentativas de regulamentação das
comunicações, com maior ou menor presença do Estado a depender do
sistema adotado. Como veremos na seqüência, mesmo nações altamente
liberais, como é o caso dos Estados Unidos, adotam regimes regulatórios
complexos – os quais, na ptica, impõem uma série de limites constitu-
cionais e democráticos à atuação das empresas de comunicação.
Como vimos, a ação reguladora por parte do Estado, ao incidir sobre a
infra-estrutura e sobre as tecnologias que a ela se relacionam, direciona-
se também ao mercado e ao estabelecimento de regras para uma saudável
concorrência entre os atores desse setor – aspecto essencial, de acordo
com seus adeptos, para o oferecimento de melhores serviços à sociedade.
Ironicamente, no campo das Comunicações, o princípio da competição
como provocadora de benefício à sociedade é desaado pela própria ló-
gica neoliberal. O pesquisador norte-americano Ben Bagdikian chama a
atenção para uma tendência de concentração de propriedade neste setor,
marcada pela formação de cadeias e oligopólios. Tal tendência remonta,
pelo menos, às últimas décadas do século XX: de acordo com o autor,
de 1983 a 1991 diminuiu de 50 para 23 o número de organizações que
controlavam a mídia de massa nos Estados Unidos. Já em 2006, Robert
McChesney, presidente da organização não-governamental Free Press,
aponta para apenas cinco corporações exercendo esse controle.
O professor da UnB Luis Felipe Miguel, em paper produzido para o pre-
sente estudo, ressalta a extensão desse processo:
Os conglomerados de empresas de informação e comunicação podem ser
analisados a partir de três tendências inter-relacionadas, conforme de-
nem os pesquisadores norte-americanos Joseph Dominick, Barry Sher-
man e Gary Copeland, no livro Broadcasting, Cable and Beyond:
MOVIMENTO DE CONCENTRAÇÃO
A tendência à concentração, que é própria de qualquer ramo de
atividade na economia capitalista, encontra sua expressão maior
na transversalidade, que gera um mercado de mídia restrito a cor-
porações globais gigantescas que controlam emissoras de TV de
sinal aberto e pagas, emissoras de rádios, editoras de jornais, re-
vistas e livros, estúdios de cinema, gravadoras de discos, distribui-
doras de home-video, casas de soware, provedores de internet...
A isto se soma a chamada “convergência tecnológica”, em que se
fundem empresas de mídia, indústrias eletnicas e companhias
telefônicas, ou seja, geradores de conteúdo, fornecedores de equipa-
mentos e distribuidores de informação. Em suma, cada vez menos
rmas produzem as mensagens simbólicas consumidas por bilhões
de pessoas em todo o mundo.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
81
1. Integração Vertical – estimulada pela desregulamentação e competição em
um crescente mercado mundial, ligando, em um mesmo conglomerado, des-
de corporações internacionais até empresas locais.
2. Globalização do Mercado de Informação e Comunicação – com produtos
simbólicos marcados por um caráter fortemente internacional.
3. Privatização – caracterizada pela predominância de interesses privados.
Agentes da globalização
O que torna o debate sobre os meios de comunicação e as tecnologias de infor-
mação um tema central para a democracia é o fato deles serem, como já dito
anteriormente, tanto resultado do processo de globalização, quanto o principal
responsável por esse modelo ter conseguido se impor tão rapidamente. Seria im-
pensável construir o mundo globalizado, conforme ele se con gura na atualidade,
sem os avanços tecnológicos no campo da comunicação. Não é por acaso que o
sociólogo Manuel Castells intitulou a sua obra sobre a globalização de Sociedade
em Rede. Conforme a rma o estudioso, todas as ondas de globalização da história
da humanidade foram animadas por inovações no campo da comunicação ou
dos transportes.
No cenário contemporâneo, para sobreviver na era da globalização – marcada
por vultosas movimentações de recursos  nanceiros, produção e circulação de
bens e serviços em mercados transnacionais, operações em ritmo de alta com-
petitividade – as empresas passaram também a se fundir, constituindo grandes
conglomerados. Aquilo que já havia ocorrido no setor de petróleo e na indús-
tria automotiva, começou a impactar da mesma maneira o universo da cultura
e do entretenimento.
Uma ressalva importante a ser feita diante dessas análises é que não há razão
para considerar a globalização e as novas tecnologias da informação como sen-
do necessariamente boas ou más, para usarmos uma linguagem maniqueísta. Na
verdade, tais fenômenos tem o potencial de contribuir para a ampli cação e mul-
tiplicação, em escala planetária, dos diferentes signos culturais. Apenas a título
de exemplo, poderíamos mencionar a bem-sucedida experiência do fotógrafo
italiano Oliviero Toscani. Valendo-se dos recursos utilizados pela campanha pu-
blicitária da loja de roupas Benetton – catálogos, anúncios e outdoors espalhados
por vários pontos do globo –, Toscani conseguiu, com suas imagens provocativas,
chamar a atenção em diversos países para temas de caráter mais político, como a
guerra, a violência urbana, os preconceitos raciais e a exclusão social.
A iniciativa da empresa italiana, no entanto, pode ser considerada uma exceção
à lógica predominante do Setor Privado: quanto maior for a empresa, maiores
são os investimentos e menores as possibilidades de apostar em propostas que
envolvam doses consideráveis de experimentação, de inovação, de expressão das
diferenças e de respeito à pluralidade – o lucro, aparentemente, é colocado como
prioridade zero. Nesse sentido, do ponto de vista da produção cultural, a tendên-
cia dominante nos conglomerados é bastante clara: privilegia-se soluções conser-
vadoras, de padronização e homogeinização.
Apesar de indispensáveis na
discussão acerca das políti-
cas públicas de comunicação,
temas como a concentração
de propriedade ainda não são foco de
atenção por parte da imprensa brasileira.
De acordo com a investigação conduzi-
da pela ANDI com apoio da Fundação
Ford, exíguos 0,1% dos textos aborda a
concentração da propriedade no setor
das comunicações e 0,3% reporta à con-
guração da propriedade das empresas
da área.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
82
Diante desse contexto de uniformização dos conteúdos, ao contrário do que se
poderia esperar, as grandes corporações têm enfrentado barreiras regulatórias
cada vez mais  uidas e menos exigentes – seja no plano internacional, seja nos
nacionais. Com isso, as ações de regulação implementadas pelos países vão per-
dendo capacidade de impor limites de respeito à diversidade, às singularidades
culturais ou às diferenças regionais encontradas na sociedade.
Fues, aquisições e joint ventures
É possível avaliar as atuais perspectivas de transformação no cenário internacio-
nal dos meios de comunicação a partir de uma análise da realidade dominante
nos Estados Unidos. Metade dos grandes conglomerados tem sua sede em ter-
ritório norte-americano e todos os demais mantém ali operações extremamente
signi cativas. Um dos mais atentos estudiosos desse panorama, Robert W. Mc-
Chesney, aponta no artigo “Children, Globalisation and Media Policy”, publi-
cado no livro Children, Young People and Media Globalisation, da Unesco, que
o foco das iniciativas desses grupos empresariais está em ampliar o potencial
de crescimento de seus públicos. Em outras palavras, isso signi ca a busca por
mercados promissores, via de regra estrangeiros, uma vez que o norte-america-
no está cada vez mais saturado.
O debate público em torno do tema foi fortemente impulsionado, em 2001, pela
criação do conglomerado AOL/Time-Warner, a maior de todas as fusões que já
haviam ocorrido até àquele momento, tanto do ponto de vista  nanceiro – a ne-
gociação envolveu um montante de cerca de US$ 165 bilhões de dólares – quan-
to do estrutural. O mega-grupo atua praticamente em todos os tipos de mídia:
rádio, televisão aberta e paga, cinema, música, internet. Além da produção, con-
trola também boa parte da distribuição  nal de seus conteúdos, contando, por
exemplo, com provedores de banda larga.
A tabela a seguir, publicada pelo semanário britânico e Economist, na sua edi-
ção de 23 de maio de 2002, ainda que desatualizada em relação aos movimentos
mais recentes do setor – como a fusão entre Sky (Grupo News Corporation) e
Directv – ajuda a ilustrar essa tendência de concentração observada entre as
corporações da mídia.
Hegemonia informativa
Estudos demonstram que 90% da pro-
dução cultural que os adolescentes nor-
te-americanos assistem, escutam ou lêem
é oriunda de grandes conglomerados de
comunicação daquele país.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
83
Parece bastante lógico, portanto, que o rumo tomado pelo sistema de mídia fa-
vorece diretamente a ausência de maior pluralismo na produção de informações
e, logo, contribuir para reduzir a diversidade do debate democrático. Por meio
das atuais mega-fusões, um conjunto reduzido de grandes grupos empresariais
tem dominado o mercado mundial de comunicação, alcançando poder e força
superiores a de muitos Estados nacionais
A frase atribuída ao presidente da Disney Corporation, Michael Eisner, pelo
documentário Mickey Mouse Monopoly – Disney, Childhood & Corporate Power,
oferece uma ilustração de parte dos riscos que a cidadania pode estar correndo
com um mercado midiático cada vez mais dominado por corporações com ele-
vado grau de poder:
A hegemonia mercadológica do setor de mídia, entretanto, não tem passado in-
cólume às críticas dos diferentes atores sociais. Documentários como o mencio-
nado acima e outros – e Corporation, por exemplo – têm procurado discutir
o problema. Além disso, ONGs como Sustainability e Free Press preocupam-se
cada vez mais com a questão e campanhas internacionais como a CRIS – Com-
munication Rights in the Information Society e a Stop Big Media também vêm
desenvolvendo estratégias para lutar contra esse cenário.
Falta de diversidade na imprensa
Outro aspecto fundamental nesse debate diz respeito à concentração ocorrida
especi camente na área da imprensa escrita, tema enfocado pelas re exões do
pesquisador espanhol, radicado na Colômbia, Jesus Martin-Barbero. Em seu
livro El O cio del Cartógrafo, Barbero contempla a relação entre os meios de
OS SETE GRANDES CONGLOMERADOS NOS ESTADOS UNIDOS
Empresa Portal de
Internet
Te l e v is ã o
Aberta
Te l e v is ã o
Paga
Empresa
de Tele-
comuni-
cação
Produção
de Filmes
Produção
de Tevê
Música Editora Parques
Te má ti co s
Rádio
Time Warner XXX X XXX X
Viacom XX X X XXX
Vivendi Universal XXXXXXXX
News Corp. XX X X X
Disney
XX X X XXX
Bertelsmann
XXXXX
Sony
XXX
(*) O quadro foi publicado originalmente na revista inglesa e Economist (23 de maio de 2002).
(**) Não há consenso entre os pesquisadores sobre o número de grandes conglomerados; a maioria das análises, entretanto, utiliza um
mero que varia de 5 a 7 corporações.
Nós não temos obrigação de fazer história. Nós não temos obrigação de
fazer arte. Nós não temos obrigação de ter um posicionamento. Produzir
lucro é o nosso único objetivo
3
.
3. “We have no obligation to make history. We have no obligation to make art. We have no obligation to make a state-
ment. To make money is our only objective.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
84
comunicação e o poder, entre a informação e o poder e, nalmente, entre as
inovações tecnológicas e o poder. No texto, o estudioso argumenta que a própria
evolução da imprensa desmascarou o mito de que existiriam modelos neutros e
universais de operá-la. Nos dias de hoje, assinala ele, a ideologia constitui não só
a forma, mas também a matéria-prima da informação, já que de uma imprensa
que era política em sua origem passamos hoje à primazia, sobretudo, das práti-
cas de cunho essencialmente publicitário.
Para Barbero, o processo de concentração parece incontrolável, destruindo em-
presas e provocando fusões compulsórias. A degradação é notável na qualidade
da informação, acredita ele, o que imprimiria uma monotonia tanto na voz das
grandes agências internacionais quanto na de cada diário que a reproduz em
vários pontos do mundo.
Os dados são reveladores. Dos anos 1930 até hoje, o número de diários e revistas
foi reduzido a quase 35% do original na Europa e nos Estados Unidos. A França
passou de 415 diários em 1892 para 203 em 1946. Na Suécia, desde 1947 tem
desaparecido um periódico a cada três existentes. Na Itália, de 1946 a 1973 o
número de jornais havia sido reduzido de 140 para 87. O processo é ainda mais
claro nos Estados Unidos, onde o número de diários passou, entre 1914 e 1967,
de 2.580 a 1.710, ainda que a tiragem global tenha aumentado de 22 milhões
para 60 milhões de exemplares no mesmo período. Somente em Nova York, dos
25 diários em circulação no princípio do século, restavam apenas quatro em
1967. Além disso, o número de jornais norte-americanos dominados por gran-
des cadeias passou, entre 1909 e 1960, de 62 a 560 (veja mais dados no artigo “Os
exemplos de lá e de cá”, na página 90).
Em todo esse processo, inovações tecnológicas como a introdução do linotipo
e da computação foram, segundo Barbero, justicativas determinantes para o
acirramento da concentração. Elas não apenas modernizaram a dimensão téc-
nica de composição dos jornais, mas também impactaram toda a lógica de pro-
dução das empresas, a partir de uma abordagem mercantil cada vez mais domi-
nada pelo império da publicidade:
A concentração mundial congura um cenário que também se reproduz no âm-
bito regional. Na América Latina, atualmente encontramos três grandes conglo-
merados de comunicação, os quais, em muitos casos, estão também associados
aos maiores grupos internacionais.
De acordo com o pesquisador argentino Sílvio Waisbord, no estudo Latin Ame-
rica media in a global era, podemos classicar os produtores/exportadores de
conteúdo audiovisual da região em três grupos principais: o de grandes pro-
dutores/exportadores, no qual gura o caso de conglomerados encontrados no
Brasil (Globo), México (Televisa) e Venezuela (Cisneros); o de médios produto-
res/exportadores, no qual se enquadra o caso de grupos encontrados na Argen-
tina, Chile, Colômbia e Peru; e o de modestos produtores, os quais praticamente
não exportam, sendo o caso de Uruguai, Paraguai e demais países.
A publicidade impõe um modelo frente ao qual a diferença entre infor-
mação e propaganda, entre notícia e opinião, tende a converter-se em
mera rerica.
CONCENTRAÇÃO REGIONAL
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
85
Meios Grupo Globo Grupo Cisneros Grupo Clarín
Te l e v is ã o
Rede Globo
Venevisión, Chilevisión, CCN
(Caribe), Carocal (Colômbia)
Canal 13
TV à Cabo
Globocabo GTC Multicanal
DTH TV
Sky DirecTV, Via Digital Direct Tv
Vídeo
Globo Vídeo Videomovil
Rádio
Rede Globo Radio Chile Radio Mitre, FM 100
Gravadoras
Som Livre Rodven
Jornais
O Globo Clarín
Revistas
Editora Globo AGEA
Agências de Notícias
Agência Globo DyN
Produção de Filmes
Globo Filmes Cinematik Patagonik
Fundões
Fundação Roberto
Marinho
Promoção
Vas gl o
Distribuição de televisão
Globo Internacional Proartel
Televisão nos EUA
Univisión Univisión, Galavisión
Outras Indústrias
Culturais
Propaganda, Edição,
Merchandising,
Marketing, Pesquisa
Pay-TV
Pay-TV, TyC Esportes,
Papel Prensa Pesquisa
de Marketing
Telecomunicações
CTI (celular e telefonia
xa)
Internet
Globo.com AOL, Eccelera, El Sítio
Cidade Internet,
Cidade Digital
* Fonte: 50 Years of Media Concentration in Latin America, de Guillermo Mastrini, e Martin Becerra.
O mercado de comunicação no Brasil
De acordo com Celso Augusto Schroeder, coordenador executivo do Fórum Na-
cional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Brasil é um dos países
com maior grau de concentração de propriedade na área de televisão em todo
o mundo. Parte desse quadro é resultado de uma estagnação do marco legal do
setor. Enquanto outras nações dedicaram um conjunto de esforços nos últimos
anos à regulação da radiodifusão, a legislação brasileira  cou extremamente de-
fasada – ainda hoje somos regidos por uma lei datada de 1962.
A televisão é no Brasil o meio mais forte em relação a todas as mídias, o que
não acontece em outros países. Aqui, 70% de todo o  nanciamento publicitário
é dirigido à tevê. Historicamente, ela foi bene ciada. E isso fez com que se hiper-
tro asse, aponta Schroeder. Para ele, a primazia das emissoras de tevê acaba por
limitar os conteúdos produzidos no país. “Hoje temos apenas quatro ou cinco
produtoras. E tudo isso ocorreu porque não houve regulamentação.
Em 2002, o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) realizou
um amplo mapeamento das empresas que operavam no setor de comunicação
no Brasil. Longe de ser uma novidade, o resultado encontrado con rma a exis-
tência de um cenário em que prevalece a concentração de propriedade e a au-
sência de pluralismo.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
86
De acordo com o Epcom, seis redes privadas nacionais de televisão controlam,
por meio de 138 grupos a liados, outros 668 veículos – entre tevês, rádios e jor-
nais. Por mais que a legislação tenha estabelecido tímidas tentativas de garantir
um maior número de atores nesse mercado, somam-se às 296 emissoras de tevê
existentes no país outros 372 veículos de comunicação. O estudo revela ainda
um cenário marcado pela propriedade cruzada, ou seja, a possibilidade de que
os mesmos grupos empresariais sejam proprietários de diferentes tipos de mídia
(outras discussões sobre o contexto da comunicação no Brasil serão apresenta-
das mais adiante).
* Número de veículos inclui os casos de dupla a liação às Cabeças-de-Rede
Fonte: http://www.fndc.org.br/arquivos/donosdamidia.pdf (Relatório Epcom)
Relações pouco transparentes
Em pesquisa realizada para o site Observatório da Imprensa, o sociólogo Vení-
cio A. de Lima constata a freqüente ligação entre o Poder Legislativo e o empre-
sariado do setor de mídia. Segundo ele, em 2003, dos 51 membros da Comissão
de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados
– responsável por apreciar pedidos de outorgas e de renovações de concessões de
emissoras de radiodifusão – 16 eram sócios ou diretores de 37 concessionárias.
Em 2004, o número caiu para 15 membros, participantes de 26 concessioná-
rias. Na legislatura que se encerrava em 2006, pelo menos 51 dos 513 deputados
(quase 10%) e 27 dos 81 senadores (33,33%) eram diretores ou sócios de empre-
sas concessionárias no âmbito da radiodifusão. Se forem acrescidos a esses, os
casos de emissoras de parentes, amigos, correligionários e eventuais “laranjas
de políticos, os números tendem a aumentar consideravelmente.
Para o jornalista Luiz Egypto, editor-chefe do site, o resultado da pesquisa não
surpreende, já que a existência de parlamentares direta ou indiretamente ligados
a concessionários desse serviço público era uma suposição já levantada pela prá-
tica do trabalho no Congresso. Nesse sentido, a investigação só teria comprova-
do empiricamente o que já se conhecia.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
87
Na opinião de Egypto, a alteração desse cenário depende essencialmente de dois fa-
tores. O primeiro seria a manutenção de iniciativas da sociedade civil organizada que
atuam na área – tais com o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor),
o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Coletivo Inter-
vozes, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e a Rede Nacional de
Observatórios da Imprensa (Renoi), entidade composta por diversas instâncias com
atuação no monitoramento da mídia. O segundo aspecto, ainda mais importante,
está na inclusão quali cada dessa discussão na agenda pública brasileira, de forma a
esclarecer a população sobre a importância que a política de concessões de radiodifu-
são tem na vida dos cidadãos.
Ao avaliar o mesmo tema, Celso Schroeder, do FNDC, a rma que o poder des-
mesurado das emissoras de televisão chega a interferir diretamente na vida de-
mocrática do País. Na visão de Schroeder, outro ponto crítico está no fato das
empresas de comunicação não apresentarem publicamente seus balanços, inicia-
tiva que o FNDC tem defendido como uma medida de transparência:
O empoderamento dos fortes?
A Federação Internacional de Jornalismo (FIJ) tem levantado um alerta para o
fato de que os efeitos negativos da concentração dos meios de comunicação sobre
a vida democrática podem se estender para todas as nações nas quais atuam os
grandes conglomerados. Nesse sentido, é possível “globalizar” a questão colocada
por Aidan White, secretário-geral da FIJ:
Mais do que isso, conforme temos visto, o avanço das indústrias transnacio-
nais de comunicação sobre o planeta e a ameaça de homogeneização cultural
é um problema na ordem do dia. Tal cenário vem sento alvo de análise e de
recomendações desde o já mencionado Relario MacBride, que apontam
serem os meios de comunicação transnacionais capazes de exercer uma in-
fluência capital sobre as idéias e as opiniões, sobre os valores e os estilos de
vida e, por conseguinte, sobre a evolução, para o bem ou para o mal, de todas
as sociedades.
Nesse sentido, a seus proprietários ou responsáveis caberia uma responsabilidade
especial, tendo a sociedade o direito de insistir para que a assumam, defendia o
relario da Unesco. Segundo o documento, um requisito prévio e indispensável
é que o público possa conhecer as estruturas de propriedade dos meios de comu-
nicação social. O estudo avançava ainda mais nessa discussão e propunha duas
medidas relacionadas às políticas de comunicação com o objetivo de contribuir
para salvaguardar a democracia e fortalecer a independência nacional, tanto nos
países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento:
Congressistas são proprietários, governantes são proprietários ou são eleitos
pela televisão. Esse poder exorbitado, sem nenhum tipo de controle, termina
deixando de ser um quarto poder para assumir claramente as características
de primeiro poder. Esta situação não é concebível, pois esvazia a sociedade da
própria capacidade de fazer política.
Se a mídia européia tiver um futuro mesmo remotamente conectado com
sua tradição em vigiar o exercício do poder político e corporativo e como
um provedor de informações de qualidade, a questão da concentração deve
entrar na agenda de discussão.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
88
A primeira é que algumas restrições à concentração dos recursos podem ser
de interesse público; a segunda, é que caberia formular algumas normas, di-
retrizes, ou um código de ética, relativo às atividades das companhias trans-
nacionais, para velar para que não descuidem ou não ponham em perigo os
objetivos nacionais e os valores sócio-culturais dos países que as acolhem.
A esse respeito, a Comissão sobre as Empresas Transnacionais das Nações
Unidas deveria dedicar atenção especial às implicações das atividades dessas
empresas nos campos da comunicação, da informação e da cultura.
Tema central na compreen-
são do novo contexto de glo-
balização que marca o setor
de mídia no Brasil, a abertura
do mercado das comunicações ao capital
estrangeiro é abordado por 0,8% dos tex-
tos analisados pelo estudo realizado pela
ANDI com apoio da Fundação Ford.
Nem mesmo o estudo, que já apresentava um teor crítico, escapou de obser-
vações ácidas de analistas também preocupados com a questão. Na época, o
escritor colombiano Gabriel Gárcia Márquez e o então Diretor Executivo do
Instituto Latino-Americano de Estudos Internacionais, o chileno Juan Soma-
via – ambos membros da ppria Comissão McBride – lograram acrescentar
um anexo ao Relatório, comentando que em diferentes partes do documento da
Unesco veri cava-se uma tendência a “glori car” as soluções tecnológicas que
podem ser dadas aos problemas contemporâneos da comunicação:
Em síntese, a integração do sistema de comunicação dos países em desenvolvi-
mento ao sistema global de mídia comercial tende a tornar ainda mais agressiva
a pressão pelo lucro. Para Robert W. McChesney, as entrelinhas se tornam cla-
ras: o sistema das corporações de mídia é politicamente conservador, porque
os grandes conglomerados são bene ciários da estrutura social existente nos
países. E qualquer grande mudança no que se refere à propriedade ou às rela-
ções sociais – particularmente as que reduzem o poder de negócio – é vista com
hostilidade por essas empresas.
Queremos destacar que a promessa tecnológica não é neutra, como também
não está isenta de todo sistema de valores. As decisões em semelhante campo
têm enormes conseqüências poticas e sociais. A sociedade deve estabelecer os
instrumentos necessários para avaliar as diversas possibilidades a seu alcance.
Concentração fora da
pauta brasileira
O professor da UnB Murilo César Ra-
mos aponta que é latente a diferença de
comportamento entre os meios de co-
municação brasileiros e os estrangeiros
no que diz respeito à cobertura da con-
centração de mídia: “Olhando os jornais
do exterior, minha hipótese é que as edi-
torias têm espaço para tratar da mídia
como business, como negócio da eco-
nomia. No Brasil não há esse interesse,
ninguém se expõe.
88
Alberto Dines
O jornalista Alberto Dines vem realizando um tra-
balho fundamental de monitoramento crítico da
mídia por meio de sua atuação no sítio Observató-
rio da Imprensa e no programa semanal homônimo
na tevê. Nessa entrevista, ele fala sobre concentra-
ção dos meios e as potenciais saídas para o debate,
de maneira geral bloqueado pela mídia.
Diante da insensibilidade da mídia ao debate so-
bre concentração da propriedade, que caminhos é
possível vislumbrar para dar visibilidade pública a
tema tão relevante para a sociedade?
O assunto é muito relevante – para os especialistas.
O leitor médio não está sensibilizado para o proble-
ma da concentração da mídia. Ele está preocupa-
do com o salário, com o desemprego, não vai dar
atenção a um problema político que não está no seu
universo. O problema precisa ser discutido nas es-
feras capazes de perceber a sua relevância – a esfera
política, econômica, acadêmica. Entretanto, quando
o assunto é baixaria na televisão, o assunto toca o
círculo de interesses do cidadão médio – que tem  -
lhos e netos, e que percebe o grande vazio cultural
da nossa tevê. Misturar qualidade da programação
com a questão da concentração dos meios confunde
o cidadão médio.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
89
A proibição de propriedade cruzada de jornais e
emissoras de televisão ou de rádio – como ocorre
em vários países – impediria essa situação de so-
negação de informação e debate no Brasil?
Claro. Nos Estados Unidos, que são o paraíso do
mercado, a Federal Communication Comission, em-
bora tenha retrocedido em muitas exigências, conti-
nua bastante rigorosa. Se conseguirmos chegar, pelo
menos, ao padrão americano já seria muito bom. As
restrições e controles adotados nos EUA, se aplicados
no Brasil, promoveriam uma revolução.
Qual o teor da proposta que encaminhou ao Conse-
lho de Comunicação do Congresso Nacional, quan-
do era membro do mesmo?
Apresentei uma proposta, no primeiro mandato dos
CCS (2002-2004), aprovada por unanimidade, para
incluir a questão da concentração na agenda perma-
nente do Conselho. Foi uma grande viria o reco-
nhecimento de que temos um problema chamado
concentração da mídia, já que um grupo de conse-
lheiros ligados às entidades patronais negava a exis-
tência do problema. Portanto, o debate em si já é um
fantástico avanço. Mas essa discussão precisa acon-
tecer em determinadas esferas para que seja e caz.
Não adianta levar o tema para a rua, para a esquina.
No ambiente do Conselho terá enorme repercussão.
E no plenário do Congresso maior ainda.
Como esse assunto vem sendo tratado no Congresso?
De forma lamenvel, eu diria até criminosa. Um
congressista pode ter um jornal ou revista porque
veículos impressos são livres, não estão sujeitos a
qualquer regulamentação. Jornais como a Folha de
S. Paulo e O Estado de S.Paulo periodicamente de-
nunciam os parlamentares que também são donos
de empresas de mídia eletrônica – estas, sim, obri-
gadas a registro e acompanhamento–. É preocupan-
te o número de deputados e senadores que são, ao
mesmo tempo, empresários de rádio e TV. Mas, na
qualidade de parlamentares comprometidos com
uma ilicitude não estão interessados em alterar o
status quo. Configurado um conflito de interesses
estes parlamentares poderiam perder a concessão
ou o mandato. O parlamentar que está represen-
tando o povo não pode ser um beneficiário de uma
concessão da outorgada pelo povo.
Reações ao controle
Nos Estados Unidos, a decisão da Federal Comunication Comission (FCC) –
órgão regulador – de permitir as mega-fusões no setor de comunicação chegou
a provocar o posicionamento de um dos maiores jornais do país, o e New
York Times, que publicou um texto crítico à decisão. “Um congresso apático e
uma maioria displicente da FCC têm deixado de proteger nosso acesso a uma
variedade de notícias, pontos de vista e entretenimento, a rmou o diário. O
gancho para a discussão foi a proposta de compra feita em 2004 pela Comcast
(uma grande empresa que atua na área de TV por assinatura) à Disney, um dos
maiores conglomerados norte-americanos.
O texto do New York Times desacreditava Michael Powell, então presidente da
FCC, que fora ao Senado americano prometer um “escrutínio implacável e ri-
goroso” da proposta. “O eufemismo entorpecedor do recém-permitido controle
de cima para baixo do entretenimento e da informação é uma ‘integração verti-
cal, a rma o jornal, exempli cando que, na Filadél a, “a Comcast não é apenas
proprietária da equipe de basquete, mas também dona do estádio e do canal que
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
90
lma as partidas assim como é dona da linha que conduz o sinal para os domicí-
lios do estado” (veja mais sobre o sistema regulatório norte-americano na página
103 e no artigo do cientista político Guilherme Canela, abaixo).
Na opinião do pesquisador James Curran, professor da área de comunicação
da Goldsmiths University of London, graças a fusões e alianças de empresas de
mídia, muitas companhias estão agora ligadas a setores nucleares do capital in-
dustrial e  nanceiro. Para ele, essa relação representa dois graves problemas:
1. Aumenta o poder de uma elite capitalista sem representatividade, que pas-
sa a controlar a distribuição de informações e idéias numa escala sem prece-
dentes na história da humanidade.
2. Enfraquece os processos competitivos que anteriormente – de maneira
limitada, mas ainda sim importante – tornavam a relação entre tais empresas
relativamente mais transparente.
Por outro lado, por mais que os conglomerados de mídia impliquem o enfraque-
cimento da ação reguladora do Estado, essa sobrevive e se faz necessária. Não se
pode ignorar o importante papel da identidade cultural e sua vinculação à idéia
de nação – a qual, mesmo distante do que chegou a signi car há algumas déca-
das, ainda representa uma referência crucial para os indivíduos. Em conseqüên-
cia, como resultado da articulação, inclusive no nível internacional, de correntes
políticas, ideológicas e culturais, temos tanto uma forte reação à uniformidade
cultural quanto um processo de rea rmação da singularidade de cada país.
90
Eno nós chegamos a uma encruzilhada e há dois
caminhos que podemos seguir. Um conduz a mais
concentração e a uma erosão de diversidade em nos-
sos mercados locais. O outro mantém as restrições de
propriedade racionais para permitir as empresas de
mídia locais controlarem e disseminarem notícias e
informações localmente relevantes, assim como uma
programação que é exclusivamente adequada para as
comunidades para as quais estas empresas se dirigem.
O trecho acima é parte de um in amado discurso
do senador Fritz Hollings, proferido em 17 de julho
de 2001. A fala de Hollings foi dirigida aos membros
da Comissão de Comércio, Ciência e Transporte do
Senado americano, durante as audiências públicas
realizadas por aquela comissão para discutir a revi-
são das regras de controle de propriedade que seria
levada a cabo pela Federal Communications Com-
mission (FCC) dois anos mais tarde.
Uma pequena digressão. A lei que regula o sistema de
comunicações dos Estados Unidos (incluindo as tele-
comunicações) é o Communications Act, de 1934. É
este diploma legal, por exemplo, que institui a FCC,
apresentando sua con guração e suas atribuições.
Em 1996, após vários anos de audiências públicas,
o Congresso americano aprovou uma nova lei geral
de comunicações, o Telecommunications Act, a qual
modi ca, em vários pontos, a legislação original.
No momento da redação do Telecomunications Act,
os congressistas perceberam que, dada a velocidade
das alterações no mundo das comunicações, era ne-
cessário pensar, institucionalmente, revisões periódi-
cas de alguns pontos da nova legislação. Nesse sentido,
para casos como as regras que limitam a propriedade,
há previsão de que a agência reguladora tenha que fa-
zer revisões bi-anuais do texto legal.
4. Artigo originalmente publicado no sítio Observatório da Imprensa em 29 de junho de 2004.
Os exemplos de lá e de cá
4
Guilherme Canela*
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
9191
Contudo, apesar do mandato legal – de proceder as
revisões – ser da agência, o Poder Legislativo, repre-
sentante máximo dos interesses dos cidadãos, não
se alija do processo. Nos dois anos que antecedem
cada revisão, as comissões pertinentes do Parlamen-
to conduzem uma série de audiências públicas com o
intuito de veri car se uma revisão é necessária e, em
caso a rmativo, qual a magnitude desta revisão.
É neste contexto que surge o discurso do senador
Hollings. Como muitos devem saber, apesar dos in-
amados apelos do parlamentar, dois anos mais tar-
de a FCC decidiu, em meio a muita polêmica, abran-
dar as restrições, de nidas pelo Telecommunications
Act, referentes aos controles de propriedade.
A decisão da FCC
Em 2 de junho de 2003, os conselheiros da FCC,
presididos pelo republicano Michael Powell,  lho
do então secretário de Estado Colin Powell – e, mais
importante do que isto para o caso, ex-membro do
Conselho de Administração do Grupo AOL-Time
Warner –, decidiram abrandar uma série de restri-
ções que visavam diminuir a concentração de pro-
priedade dos meios de comunicação, estabelecidas
pela lei de 1996.
É importante entender o contexto no qual a decisão
foi tomada. Em primeiro lugar, uma série de fusões
e aquisições foram responsáveis, na última década, e
em escala planetária, pelas maiores corporações de
comunicações da história – e, em alguns casos, as
maiores corporações, considerados todos os ramos
de atividade. Tais fusões conduziram a um cenário
no qual, estima-se, 90% de tudo que um norte-ame-
ricano lê, ouve ou vê seja produzido por apenas seis
grandes conglomerados de mídia.
Em segundo lugar, dado o poder de in uência de tais
conglomerados, setores do Judiciário daquele país
começaram a expedir sentenças favoráveis à revoga-
ção das proibições de 1996, mesmo antes da decisão
da FCC. Em terceiro, o governo republicano de Ge-
orge W. Bush (o mesmo que nomeou Powell para a
presidência da FCC) estava às voltas com uma guerra
(a do Iraque) acerca da qual era necessário construir
um consenso – para o que necessitaria, e muito, da
colaboração dos órgãos de mídia. Colaboração esta
que, ao menos em um primeiro momento, obteve.
A despeito dos veementes protestos de grupos de in-
teresse, de parte da mídia impressa e de importantes
fatias do Congresso, o cenário era aparentemente fa-
vorável para que uma decisão pelo abrandamento das
restrições ao controle de propriedade fosse tomada.
Favorável, talvez, pelo desconhecimento por parte da
maioria dos cidadãos acerca do que realmente esta-
va em jogo na decisão que seria tomada pela agên-
cia. Desconhecimento este em muito produzido pelo
completo desinteresse dos meios de comunicação em
noticiar o que estava na pauta da FCC naquele dia 2
de junho de 2003. Pesquisa realizada nos dias seguin-
tes à decisão revelou que 72% dos norte-americanos
sequer haviam ouvido falar no tema.
As principais alterações feitas pela FCC foram estas:
• Aumentou de 35% para 45% o percentual de re-
sidências com televisão a que podem chegar os si-
nais de uma estação.
• Acabou com a limitação de propriedade cruzada
(televisão/jornais) nas cidades médias e grandes.
• Diminuiu as restrições para que um mesmo gru-
po domine mais de um canal de televisão na mes-
ma localidade.
Os potenciais impactos de tal decisão eram grandes.
Em 1996, quando da aprovação do Telecommunica-
tions Act, que aumentou de 25% para 35% o share de
residências com televisão que poderia ser atingido por
uma mesma estação, houve 185 aquisições de estações
de televisão. Naquele mesmo ano!
Os primeiros reveses
Apesar da maioria dos cidadãos não ter tido conheci-
mento do que foi decidido naquele 2 de junho, os in-
teresses fortemente organizados de grupos de consu-
midores não deixaram que a decisão se tornasse fato
consumado. Não sem protestar.
Devido aos contornos democráticos do processo deci-
sório da agência – o que não se pode negar – e à orga-
nização dos grupos de interesse, tanto de empresários
como de cidadãos, a discussão do tema extrapolou os
limites da burocracia da FCC. Durante os 20 meses de
discussão que antecederam a decisão  nal, a agência
recebeu 520.000 comentários acerca da revisão que
teria lugar no dia 2 de junho 2003.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
92
Imediatamente após a decisão, os grupos de interesse
contrários conseguiram que a Justiça barrasse parte
daquilo que havia sido decidido. O Congresso ame-
ricano também se manifestou. Já em 20 de junho de
2003, o Comitê de Comércio do Senado revogou as
decisões mais importantes tomadas pelo órgão.
Além de ser um resultado da pressão popular, a deci-
são dos parlamentares também se baseava na percep-
ção da própria realidade. A concentração dos meios
de comunicação nos Estados Unidos efetivamente se
constitui em problema grave. Logo, o abrandamento
de restrições só tenderia a cristalizar um status quo
preocupante: 80% dos jornais, no ano 2000, estavam
nas mãos de cadeias de mídia (eram 1,4% em 1900);
três cadeias de rádio controlam 70% do mercado e
quatro redes de televisão controlam 75% do mercado.
O empresário Ted Turner, a quem não podemos atri-
buir um título de defensor da não-concentração da
mídia, chegou a declarar, por ocasião da decisão da
FCC, que:
A possibilidade de aquisição do Grupo Disney pelo
maior grupo de televisão a cabo americano apenas
acirrou o debate, o qual nunca deixou de ser intenso.
Ponto para a democracia
Nas linhas acima, podemos colher diferenças impor-
tantes entre o cenário de discussão sobre as questões
regularias relativas ao setor das comunicações, nos
Estados Unidos e no Brasil, ou seja, estabelecer as dis-
paridades encontradas lá e cá.
Em primeiro lugar, a diferença mais evidente e talvez
mais importante, é que aquele país discutiu e apro-
vou uma forte atualização de sua lei geral para o se-
tor de comunicações em meados dos anos 1990. Tal
processo de reformulação do setor ocorreu, no  nal
da década de 1980 e início da de 1990, em diversos
países e está amplamente relacionado não só com as
reestruturações empresariais que se veri caram, mas
também com as modi cações tecnológicas – as quais,
diga-se, permitiram que a onda de convergências ti-
vesse lugar.
Assim foi lá: o código de 1934 foi reestruturado e,
concordemos ou não com resultado, procurou-se,
em 1996, dar conta da nova realidade. Cá, ainda es-
tamos com um código de 1962, em muito regulado
por um decreto do regime ditatorial.
Em segundo lugar, a constatação da existência de
um processo de revisão previsto em lei. Não há
situações consolidadas. Se o setor é dinâmico, é
preciso que a legislação também seja dinâmica. Tal
dinamismo não implica necessariamente que algo
seja revisto a cada dois anos, mas que haja re exões
e discussões. É possível não mudar nada, é possí-
vel diminuir as restrições, é possível aumentar as
restrições. O essencial, porém, é que os interesses
con itantes tenham a possibilidade de debater
o assunto ao longo dos dois anos que antecedem
o período de revisão. E isto efetivamente ocorre,
conforme pudemos veri car com as menções ao
debate travado pelo senador Hollings.
Já no Brasil... Cabe perguntar se um processo plu-
ral como este seria possível em um Congresso (e até
mesmo em um ministério) onde aqueles que deve-
riam trazer pluralidade ao debate são interessados
de primeira hora na manutenção do status quo. É
importante lembrar que muitos deputados e sena-
dores estão umbilicalmente conectados a empresas
de comunicação pelo país afora. Certamente, a isen-
ção dos congressistas americanos foi um dos fatores
que permitiu a revogação da decisão da agência.
Em terceiro, lá há uma agência reguladora a qual,
apesar do deslize nesta decisão especí ca, traz a pos-
sibilidade de uma discussão independente de inte-
resses políticos. Se houver erro, lá, como vimos, há
um sistema de “checks and balances para corrigi-lo.
Cá, entretanto, nem uma coisa nem outra.
Um quarto aspecto é que lá os grupos de interesses
organizados são fortes e vão além dos grupos de em-
presários. Aqui, esse é um movimento que começa a
se fortalecer.
Por  m, mesmo que o Brasil adotasse o sistema de
restrições con gurado pela decisão branda da FCC,
ainda sim teríamos uma mídia menos concentrada
do que aquela que temos hoje. Lá, há preocupação
com as a liadas, com a programação local, com a
representação das minorias. E cá? O que há?
A crescente concentração do controle de empre-
sas que produzem e distribuem informação li-
mitará o debate público, inibirá novas idéias e
fechará as pequenas empresas de comunicação.
* Guilherme Canela é mestre em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP)e coordenador de Relações Acadêmicas da Agência
de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI).
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
93
TECNOLOGIAS E INOVAÇÕES NA MÍDIA
Além de abrangerem o cenário político, as transformações observadas
no setor de comunicações também registram evidentes mudanças no
contexto tecnológico, no âmbito do que se convencionou chamar de So-
ciedade da Informação.
Ao longo dos últimos anos, as constantes evoluções nas tecnologias que dão su-
porte à área da comunicação contribuíram para transformar a forma de atuação
da mídia nas diferentes sociedades. Nesse sentido, foram cruciais a expansão
e a convergência de três tecnologias, referências para a operação de quaisquer
serviços comunicacionais:
• Telemática.
• Informática.
• Micro-eletrônica.
Por meio de avanços nessas áreas, tornou-se possível, de acordo com o sociólo-
go espanhol Manuel Castells, a estruturação de redes virtuais na sociedade, por
meio das quais dados e informações passaram a preencher os  uxos de interação
entre indivíduos e grupos sociais. Esse conjunto de  uxos, segundo Castells, tem
impacto direto sobre a própria conformação do Estado.
A característica essencial das redes de telecomunicações é a capacidade de trans-
mitir simultaneamente – por meio de sinais eletrônicos – voz, imagens, dados,
grá cos, música, textos e outros conteúdos. Essa infra-estrutura aperfeiçoou-se
a tal ponto que permite acomodar os serviços de redes inteligentes, particular-
mente os que requerem intensa interatividade e imagem de alta de nição. Nos
últimos anos do século XX, em função tanto da centralidade que essas redes
ganharam no âmbito do desenvolvimento econômico quanto da expressiva dis-
tância que essa nova con guração colocava entre o desenho das comunicações
de ontem e de hoje, nos mais diversos países sua regulação demandou alterações
nos marcos legais e na infra-estrutura.
Em meio a esse cenário, a indústria da informática assume crucial importância,
dela dependendo atualmente todas as atividades produtivas, bem como a difu-
são de mensagens sobre os mais diversos produtos. O desenvolvimento da tele-
mática – a junção dos mecanismos de telecomunicações com a informática – in-
cluiu as telecomunicações nesse rol, já que os so wares e hardwares impõem-se
como mecanismos de central relevância na gestão de processos informacionais
e comunicacionais.
Já a partir do terceiro pilar destacado – a micro-eletrônica – são gerados produ-
tos essenciais à operação dos serviços de informação e comunicação, que podem
ser agrupados em quatro categorias:
1. Transmissores – ligam os terminais de telecomunicações entre áreas locais,
regiões e países. Consistem em três diferentes tipos de tecnologia: cabos, ra-
dioemissores e satélites.
2. Comutadores – conectam os terminais de entrada e saída de informa-
ções e implementam as instruções gerenciais associadas aos serviços de
rede inteligente.
Questões tecnológicas re-
lacionadas a inovações do
setor midiático – tais como
televisão digital e os avanços
e possibilidades proporcionados pela
introdução de novas tecnologias – são o
foco central de 11,7% dos textos analisa-
dos pela pesquisa realizada pela ANDI.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
94
3. Ter minais – rádio, televisor, computador, telefone, ou seja, artefatos por
meio dos quais circulam informação, tanto em termos de geração, quanto de
captação, armazenamento, seleção e difusão.
4. Suportes materiais de informação –  tas, disquetes, CDs, DVDs, etc.
Em termos de funcionamento, essa infra-estrutura subordina-se, nos níveis
nacional e mundial, às políticas públicas e também às estratégias empresariais
– construídas por organizações domésticas de cada país ou por meio de institui-
ções internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), União
Internacional de Telecomunicações (UIT), Banco Mundial e outras agências do
sistema das Nações Unidas.
O desa o para os Estados Nacionais, nesse contexto, passa a ser adequar suas
estratégias próprias de desenvolvimento às exigências e contornos do ambiente
internacional. No que se refere à mídia e às indústrias da cultura, essa complexi-
dade é ainda mais ampla, pois devemos levar em conta que este é um setor com
grande in uência no nível de informação e conhecimento de uma determinada
sociedade, conforme discutimos no Capítulo 1.
No campo das novas tecnologias, um dos debates que têm marcado recentemen-
te o setor de telecomunicações no Brasil está relacionado à implementação do
sistema digital de televisão. Longe de ser uma discussão exclusivamente técnica,
a introdução da TV digital tem mobilizado interesses diversos, tanto do ponto
de vista da abertura de novos mercados, como da expectativa de democratiza-
ção da transmissão dos conteúdos televisivos.
A polêmica se explica pelas novas possibilidades que o sistema traz para o setor
de radiodifusão e pelo impacto das diferentes escolhas que poderão ser feitas
pelo País. No sistema analógico atual, cada emissora precisa de 6MHz do es-
pectro para transmitir sua programação. Com o surgimento da tecnologia di-
gital, passa a ser possível transmitir som e imagem em melhor qualidade e de
modo mais otimizado, ocupando um espaço menor do espectro. Dessa forma,
os 6MHz que só comportam a veiculação de uma programação analógica pode-
rão carregar até oito programações digitais.
Se houver mudanças na tecnologia de transmissão do sinal, deve-se pro-
mover uma conseqüente redistribuição da faixa dos 6MHz, multiplicando
os canais e possibilitando a entrada de novos programadores no espectro,
especialmente os de caráter público, defende o grupo Intervozes – Coletivo
Brasil de Comunicação Social.
Primeiras pesquisas
No Brasil, as pesquisas em torno da nova tecnologia ganharam força em 1998,
por iniciativa da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que já naque-
le ano estabeleceu um convênio com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento
em Telecomunicações (CPqD). O objetivo seria apontar caminhos para a futura
escolha tecnológica a ser feita pelo País.
TV DIGITAL: UMA PAUTA POLÊMICA
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
95
Alguns anos depois, em dezembro de 2003, o governo brasileiro editou o Decre-
to Presidencial 4.901/03 criando o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD).
O artigo 1° do Decreto de ne os princípios do SBTVD – que, dentre outros
aspectos, prevê a pesquisa em torno de tecnologias brasileiras e a consolidação
de uma indústria nacional na área. A operação da nova tecnologia deveria então
considerar diversos objetivos, entre os quais vale destacar:
Em paralelo à criação do SBTVD, a partir de 2003 o governo também promoveu
a abertura de uma série de editais para pesquisas a serem feitas por consór-
cios de universidades, centros de pesquisa e empresas, com recursos do Funttel
(Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações) e gerência
da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). A Fundação CPqD foi contra-
tada com a responsabilidade de gerenciar a realização dos estudos e formatar o
relatório  nal com os resultados, cuja primeira versão foi entregue ao Ministério
das Comunicações em 2006.
Modelo nacional ou estrangeiro?
Para os defensores do desenvolvimento de um padrão nacional para a TV Digi-
tal, o desenvolvimento tecnológico da indústria brasileira, a possibilidade de ga-
nhos com a cobrança de royalties pelas invenções nacionais e a inclusão do País
em um setor estratégico para o desenvolvimento econômico mundial estariam
entre as vantagens alcançadas.
Em contrapartida, a opção de adoção de um dos padrões já existentes também
esteve no horizonte de discussão do tema. A avaliação se concentrou em três
modelos dominantes: o padrão norte-americano – ATSC (Advanced Television
System Comitee); o europeu – DVB (Digital Video Broadcasting); e o japonês
– ISDB (Integrated Services Digital Broadcasting).
Empresas de telefonia x radiodifusores
Em jogo nessa de nição, entretanto, estão interesses comerciais con itantes. De
um lado, as empresas de tevê defendia o padrão japonês, que permitiria veicu-
lar a mesma programação com de nições de imagens diferentes (alta de nição,
standard e TV móvel). Assim, um mesmo conteúdo seguiria ocupando o espec-
tro, podendo ser também veiculado por meio de dispositivos móveis, como ce-
lulares e outros equipamentos. “Podemos a rmar que o sistema ISDB-T, desen-
volvido no Japão, com os aperfeiçoamentos criados pelos cientistas nacionais, é
o único sistema que garantirá, gratuitamente, a todos os brasileiros os benefícios
I - promover a incluo social, a diversidade cultural do País e a língua pá-
tria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da
informação;
II - propiciar a criação de rede universal de educação à distância;
III - estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de
tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de
informação e comunicação;
IX - contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de
comunicações;
XI - incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e
serviços digitais.
Diferentes padrões
EUA
ATSC (Advanced Television Systems
Committee) é a associação formada por
aproximadamente 140 empresas das áreas
de radiodifusão e fornecedores de equi-
pamentos eletrônicos que representam o
padrão norte-americano da TV digital. O
sistema privilegia as transmissões em alta
de nição e também a interatividade.
Europa
DVB (Digital Video Broadcasting) é um
consórcio de aproximadamente 270 em-
presas de radiodifusão e fornecedores de
equipamentos europeus. Fazem parte em-
presas como Nokia e Siemens e redes de
televisão como BBC (Inglaterra). O sis-
tema privilegia a programação múltipla,
o que é visto como oportunidade para as
empresas de telecomunicação, interessa-
das em novos canais de conteúdo.
Japão
ISDB (Integrated Service Digital Bro-
adcasting) foi o padrão defendido pelas
grandes redes de TV brasileiras. Elas ale-
gam que essa tecnologia melhor atenderia
aos requisitos de alta de nição, além da
portabilidade e mobilidade em 6 MHz.
Ao privilegiar a alta de nição, contudo, o
sistema pode di cultar a entrada de no-
vos concorrentes (novos canais de TV).
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
96
da televisão digital, diz comunicado assinado pelas TVs Band, Cultura, Rede
Globo, Record, Rede TV, Rede Vida, SBT, Rede 21, CNT e Rede Mulher, veicu-
lado nos principais jornais do país em março de 2006.
Já as empresas de telecomunicação, principalmente na área da telefonia, preten-
dem utilizar o espectro da TV na transmissão de conteúdo para recepção móvel.
Para os representantes do setor, o padrão europeu DVB seria a melhor opção,
pois não permite a transmissão de diferentes qualidades de imagem por um
mesmo canal, impedindo a entrada das tevês na transmissão pelos celulares. As
ligações entre empresas como Nokia, Siemens, Philips,  omson e Alcatel com
o DVB também explicam a opção das teles pelo modelo europeu.
Já para organizações da sociedade civil, ambos os lados não atendiam às ex-
pectativas de democratização: “Os sistemas DBV e ISDB podem ser utilizados
para defender dois diferentes modelos de negócios. Nenhum dos dois, contudo,
democratiza as comunicações brasileiras, argumentou o coletivo Intervozes.
Outro ponto bastante discutido em relação ao padrão a ser adotado é a questão
da alta de nição (high de nition). A transmissão em alta de nição, que me-
lhora substancialmente a resolução da imagem, acaba reduzindo a capacidade
do espectro eletromagnético de abarcar um número maior de canais. A opção
pela alta de nição tem atraído as empresas de tevê, que temem a expansão e
diversi cação dos produtores de conteúdo. “Não faz sentido que a TV livre e
gratuita  que condenada ao atraso tecnológico e impedida de oferecer televi-
são de alta de nição, de graça, ao povo brasileiro, diz o comunicado assinado
pelas emissoras.
O Decreto 5.820/06
Em meio à fortes divergências em torno da de nição do modelo a ser adotado,
em 29 de junho de 2006 o presidente Lula assinou o Decreto 5.820/06 que im-
planta o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (VHF e UHF).
Segundo o documento, o Brasil opta pela adoção da tecnologia japonesa ISDB:
A escolha do padrão japonês, declaradamente o defendido pelas redes de tevê
aberta, gerou diversas críticas por parte de representantes da sociedade civil.
Segundo informações divulgadas pelo Instituto de Estudos e Projetos em Co-
municação e Cultura (Indecs), o teste realizado entre as três modulações então
existentes – norte-americana, européia e japonesa – não foi considerado con-
clusivo, nem mesmo pela Anatel, que o havia encomendado. “Como o atual De-
creto também não possui uma exposição de motivos (como seria comum nestes
casos), resta a dúvida sobre quais motivos levaram à escolha do ISDB japonês,
questiona o Indecs.
Outro ponto polêmico do Decreto é a “consignação” de uma faixa extra de es-
pectro para cada emissora (geradora e retransmissora) existente. A  gura da
Art. 5º - O SBTVD-T adotará, como base, o padrão de sinais do ISDB-T,
incorporando as inovações tecnológicas aprovadas pelo Comitê de De-
senvolvimento de que trata o Decreto nº 4.901, de 2003.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
97
consignação pressupõe que se trata do mesmo serviço prestado pela TV analó-
gica, que agora demandaria uma faixa extra para continuar a ser oferecido. Na
prática, contudo, o Decreto permite que novas outorgas sejam dadas aos atu-
ais radiodifusores sem que a decisão passe pelo Congresso Nacional. “Se cada
emissora receber uma outorga nova não haverá espaço para novos canais de TV
durante o processo de transição, pelo menos nas áreas metropolitanas de São
Paulo e Rio de Janeiro, a rma o texto do Indecs.
Ainda que o decreto, por ora, apresente a opção pelo padrão japonês, muitas in-
de nições ainda marcam a implantação da nova tecnologia. O texto não de ne,
por exemplo, quais tecnologias nacionais serão incorporadas nem como será
a política industrial que tornará possível a TV digital no Brasil. Além disso, o
decreto não determina se – e como – haverá transferência de tecnologia e quais
os critérios para pagamento de royalties.
Atualmente, foi criado um fórum que reúne empresários e pesquisadores para
discutir a normatização técnica da implantação brasileira. O cialmente, o fó-
rum ainda não entregou suas recomendações.
As questões tecnológicas ocuparam espaço não des-
prezível (11,7%) entre os temas centralmente dis-
cutidos pela imprensa brasileira na cobertura sobre
Políticas Públicas de Comunicação.
Nesse quesito, a pauta da mídia impressa foi ampla-
mente estruturada por uma discussão especí ca, que
dominou parte das atenções do setor de Comunica-
ções no triênio: a de nição do padrão de televisão
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: AS QUESTÕES TECNOLÓGICAS
digital. O tema representa 65% de toda a cobertura
acerca das questões tecnológicas, seguido por de-
bates relativos aos avanços e possibilidades abertos
com a introdução de novas tecnologias (20,9%). Por
outro lado, aspectos como a inclusão digital (7,9%)
e os desa os ocasionados pelas novas tecnologias
(2,2%) demonstram ser menos interessantes para os
meios impressos.
TEMAS A QUE SE REFERE A DISCUSSÃO SOBRE QUESTÕES TECNOLÓGICAS*
Televisão digital 64,7%
Avanços e possibilidades proporcionados pela introdução de novas tecnologias 20,9%
Inclusão digital 7,9%
Desa os ocasionados pelas novas tecnologias 2,2%
Outros 4,3%
*Do total de textos, 11,7% discutem questões tecnológicas.
Debate restrito
A cobertura jornalística sobre a escolha de um pa-
drão de televisão digital centrou-se, de nitivamen-
te, na pertinência da adoção, ou não, de um sistema
nacional para esta tecnologia. De uma maneira ou
de outra, cerca de 85% desses textos focalizam o as-
sunto.
Entretanto, a imprensa perdeu uma oportunidade
ímpar de municiar a esfera pública de discussões
com um mapa mais claro sobre questões relevantes
para a área – ou seja, de aspectos que vão além das
minúcias tecnológicas características deste tipo de
temática. Dentre eles, poderíamos assinalar os inte-
resses envolvidos nesse bilionário negócio (4,5%), a
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
98
efetiva prioridade de se adotar um ou outro padrão de televisão digital (3,4%) ou, mesmo, as principais
características dos padrões em disputa (2,2%).
CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DA COBERTURA SOBRE TEVÊ DIGITAL*
Desenvolvimento de um padrão nacional 41,6%
Adoção de um padrão nacional em face da adoção de padrões internacionais 30,3%
Descrição das possibilidades proporcionadas por este tipo de tecnologia 16,9%
Viabilidade de um padrão nacional 13,5%
Tamanho do mercado e retorno esperado 5,6%
Interesses envolvidos 4,5%
Prioridade em se adotar um padrão de tevê digital, considerando-se os temas na
ordem do dia da política nacional de comunicações
3,4%
Características dos padrões existentes 2,2%
Outros 3,4%
* O somario dos percentuais não equivale a 100%, pois esse item da pesquisa permite mais de uma
marcação por matéria. Do total de textos, 11,7% trabalham questões tecnológicas e, destes, 64,7% abor-
dam a televisão digital.
As vozes do debate
Embora a televisão digital tenha sido, ao longo do
período pesquisado, um debate pautado por demar-
cadas e claras divergências, uma análise mais detida
da cobertura denota um material com poucas vozes
e opiniões diferenciadas.
O Ministério das Comunicações (33,8%) – com po-
sição claramente exposta ao longo do embate – e as
empresas e associações empresariais (26,6%) foram
fontes primárias em mais de 60% dos textos analisa-
dos. Já a sociedade civil organizada esteve presente,
nessa condição, em 1,4% dos textos.
Adicionalmente, ainda que 42,4% do material trou-
xesse mais de uma fonte, apenas 12,2% contava com
opiniões divergentes. A título de comparação, cabe
ressaltar que pesquisa conduzida pela ANDI sobre
o tema dos transgênicos – outro assunto fortemente
polarizado – constatou que 36% dos textos traziam
visões divergentes.
PRINCIPAL FONTE OUVIDA PELOS TEXTOS QUE ABORDARAM QUESTÕES TECNOLÓGICAS
Ministério das Comunicações 33,8%
Empresas não estatais 15,8%
Associações 10,8%
Universidades 7,9%
Executivo Federal 3,6%
Especialistas/Técnicos 2,9%
Anatel 2,2%
População 2,2%
Organizações da Sociedade Civil 1,4%
Ministério da Cultura 0,7%
Executivo Municipal 0,7%
Outros conselhos (exceto Tutelares e de Direitos da Infância e Adolescência)* 0,7%
Empresas estatais 0,7%
Outros 4,3%
o foi possível identi car as fontes consultadas 12,2%
* Os conselhos Tutelares e de Direitos não foram ouvidos como fonte.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
99
REGULAÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA DE
MÍDIA NO BRASIL E NO MUNDO
O histórico da regulação de infra-estrutura no Brasil sempre foi marcado
pela lentidão e pela concessão de privilégios ao Setor Privado. Nesse ce-
nário, acabam ficando em segundo plano as reivindicações da sociedade
civil por um sistema mais democrático, aos moldes do que já ocorre em
outros países.
Ainda atual, o tema da regulação da infra-estrutura de mídia no Brasil passou a
ganhar maior importância com o debate sobre a implementação de um sistema
de Televisão Digital. Para o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo
Alexandre Faraco, as discussões sobre essa questão não podem perder de vista
perspectivas relacionadas ao pluralismo e ao desenvolvimento nacional. Nesse
sentido, Faraco defende que a construção do modelo regulatório considere os
seguintes aspectos:
• Limites à propriedade de emissoras, considerando não apenas a mera
propriedade formal sobre as empresas do setor, mas o controle de fato
sobre elas.
• Limites à participação total de cada agente na audiência, em cada setor.
• Obrigatoriedade a todos os agentes privados da área de distribuir progra-
mação não  nanciada por meio de verbas vindas da publicidade, produzi-
da por organizações públicas ou comunitárias e  nanciadas com recursos
de um fundo para o qual contribuiriam as pprias empresas.
• Limites à propriedade cruzada entre companhias de radiodifusão e ou-
tros meios de comunicação.
• Controles internos exercidos por meio de conselhos de composição pluralista.
Entretanto, esses são pontos radicalmente opostos à realidade observada
historicamente no Brasil – cujos marcos reguladores, no âmbito da radio-
difusão, são determinados pelo atraso em sua promulgação. Com isso, o
Estado acaba tendo que lidar com grupos de interesse previamente cons-
tituídos, sofrendo pressões e passando a absorver os direitos adquiridos
por tais atores, cuja operação já acontecia mesmo diante da ausência da
legislação necessária.
Por certo, as re exões acerca do que foi e do que pode vir a ser a regulação do
setor no Brasil não devem prescindir da compreensão do que vem ocorrendo,
nesse âmbito, no contexto internacional. Antes de aprofundarmos, portanto, o
debate sobre o cenário nacional, vale destacar algumas das experiências em cur-
so em outras nações.
ALEMANHA
Dois sistemas foram estabelecidos na Alemanha para garantir o pluralismo e
a diversidade na radiodifusão: um sistema “interno” de parâmetros a serem
seguidos pelo setor público e uma estrutura regulatória “externa, estabelecendo
que os canais privados também se atenham a esses mesmo parâmetros.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
100
As atividades dos dois setores se complementam na medida em que as de ci-
ências de mercado, inerentes à atividade do Setor Privado, podem ser supridas
pelo Setor Público. Tal posicionamento leva à diversidade de canais que se tem
na Alemanha, situação diferente à encontrada em muitos países da Europa.
A regulação dos meios de comunicação alemães prevê limites de propriedade
para as empresas de radiodifusão – não mais baseando-se no número de canais
ou de emissoras que detêm uma determinada empresa, mas sim na potencial
audiência controlada por cada um dos operadores de radiodifusão. Assim, se
uma empresa veicula programas que abarcam mais de 30% da audiência anual,
entende-se que essa empresa apodera-se de considerável poder de opinião. Tal
companhia não poderá adquirir novas licenças para veiculação de outras produ-
ções, tampouco participação em outras empresas do setor.
ARGENTINA
Na Argentina, a responsabilidade de promover o serviço de radiodifusão, con-
ceder licenças para a transmissão, supervisionar conteúdos e levar a cabo a clas-
si cação dos conteúdos dos programas é do Comitê Federal de Radiodifusão
(Comfer), constituído como autarquia federal desde 1981.
A direção do Comfer é composta por um presidente e seis outros funcionários
designados pelo Poder Executivo nacional para cumprir um mandato de três
anos prorrogáveis. Os funcionários devem representar as Forças Armadas, a Se-
cretaria de Informação Pública e a Secretaria de Comunicação. O comitê conta
ainda com um representante das emissoras de rádio e outro das de televisão.
O Comfer orienta suas ações pela Lei Nacional da Radiodifusão – publicada
em 15 de setembro de 1980 – que estabelece em seu artigo 5º que os serviços
de radiodifusão devem colaborar para “a elevação da moral da população, bem
como com o respeito à liberdade, à solidariedade social, à dignidade das pes-
soas, aos direitos humanos, pelas instituições da República, com o respaldo à
democracia e com a preservação da moral cristã.
A Lei de ne também que pessoas físicas e jurídicas estabelecidas na Argentina
podem se candidatar a concessões de emissoras de rádio e tevê. Até 2005, no
entanto, esse direito não era estendido à cooperativas e associações sem  ns
lucrativos. Naquele ano, a reformulação da legislação abriu espaço para esses
atores, possibilitando, ao menos teoricamente, que se limitasse o processo de
consolidação de monopólios comerciais na área de radiodifusão.
Os requisitos para se obter a concessão dos serviços de radiodifusão são:
• Ser argentino nato ou naturalizado com mais de 10 anos de residência
no país.
• Ser maior de idade.
• Ter qualidade moral, idoneidade cultural e capacidade patrimonial
comprovada.
• Não ter vinculação jurídica, societária ou de qualquer espécie com em-
presas jornalísticas ou de radiodifusão estrangeiras.
• Não ser magistrado, legislador, funcionário público civil ou militar.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
101
As concessões têm um prazo de 15 anos, sendo que, no caso das estações de
radiodifusão instaladas em área de fronteira ou de fomento, o prazo pode ir
até 20 anos. Esses intervalos podem ser prorrogados uma única vez, por dez
anos, devendo o interessado efetuar o pedido com pelo menos 30 meses de
antecipação do vencimento da licença. O Comitê Federal de Radiodifusão
deve apresentar sua decisão até quatro meses depois da formulação do pedi-
do. Dezoito meses antes do vencimento do prazo originário da licença, ou de
sua prorrogação, o Poder Executivo realizará uma concorrência pública para
outorga de uma nova licença, em relação à qual terão preferência os atuais
concessionários.
Enquanto o Poder Executivo deve administrar as freqüências e controlar os
serviços de radiodifusão, outorgando concessões para a prestação do serviço
e estabelecendo restrições ao uso e oferta do mesmo, o Comfer habilita o
serviço após avaliar o projeto, inspecionar as instalações e aprovar a nome-
ação dos diretores da concessionária. As agências de publicidade contatadas
pela concessionária devem estar registradas no Comfer, que por sua vez é
encarregado de administrar os fundos provenientes dos impostos pagos pe-
las emissoras.
Não existem limites de propriedade na Argentina. No entanto, há uma disposi-
ção da legislação que restringe a concentração regional por um mesmo proprie-
tário de emissoras de rádio e de tevê.
BÉLGICA
Nesse país, na área da comunidade lingüística francesa (valã), a autorização para
a exploração privada de serviço de rádios locais é dada pelo Conselho de Rádios
Locais, por dois anos, com a possibilidade de renovação, podendo ainda ser re-
vogada a qualquer momento caso sejam desrespeitadas as regras estabelecidas.
Além disso, as rádios locais não podem ter intuito lucrativo, nem serem explo-
radas por empresa comercial. As rádios nacionais são todas públicas.
O detentor do direito de uso da concessão deve preencher requisitos como:
• Visar preponderantemente ao progresso social, cultural, cívico e à educação.
• Dedicar-se de forma especial à informação e ao lazer local.
• Favorecer o acesso de antena aos cidadãos e às suas organizações culturais,
religiosas e políticas.
• Ser independente de qualquer grupo pro ssional e político.
• Realizar ao menos uma vez ao ano uma assembléia aberta ao público para
propiciar o encontro entre os responsáveis pela rádio e seus ouvintes.
No caso da radiodifusão televisiva, a exploração pelo Setor Privado foi aberta
em 1987 para as comunidades valã e  amenga – que formam o país. A lei  a-
menga, especi camente, exige que 51% do capital da empresa exploradora do
serviço seja  amengo.
Nas duas partes do país, há conselhos que  scalizam a atividade e velam pela ética
na programação: o Conséil Supérieur de l’Audiovisuel e a Comission d’Éthique
na região valã, e os Conséil des Médias e de la Publicité, na região  amenga.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
102
Semelhante à Grã Bretanha, o sistema blga é  nanciado pelo pagamento anual
de uma taxa pelos proprietários de aparelhos de televisão, mas também conta
com receita proveniente de publicidade.
CANADÁ
O sistema canadense é misto, sendo as emissoras públicas, reunidas em redes
nacionais, todas ligadas à Canadian Broadcasting Corporation e o Setor Privado
formado por uma rede nacional e uma série de emissoras independentes de âm-
bito regional. As emissoras privadas são  nanciadas inteiramente por publicida-
de, já as públicas podem receber recursos de várias fontes. Existe, também, uma
grande quantidade de estações comunitárias de radiodifusão. Ressalte-se ainda
que a tevê a cabo nesse país tem uma grande abrangência: 80% dos domicílios
dispõem do serviço.
Assegurar que as disposições legais estejam presentes na prática das emissoras é
uma das tarefas da Canadian Radio-Television and Telecommunication Comis-
sion (CRTC) que reúne ainda as seguintes responsabilidades:
• Outorgar as licenças para o exercício de radiodifusão comercial e de te-
levisão a cabo.
• Regular e  scalizar os sistemas de radiodifusão e telecomunicações.
• Controlar o conteúdo da programação das emissoras de radiodifusão no que
se refere às cotas de programas de origem canadense, imagens ofensivas e obs-
cenas, respeito a minorias, pluralidade de pontos de vista e publicidade.
• Aplicar as sanções devidas.
• Estabelecer medidas para proteger crianças e adolescentes da programação ina-
dequada, propor alternativas positivas e promover a educação sobre a mídia.
CHILE
No Chile, o Conselho Nacional de Televisão é responsável por zelar pelo bom
funcionamento dos serviços de televisão, exercendo a vigilância e a  scalização
sobre os conteúdos e imagens. Esses conteúdos, por lei, devem respeitar os va-
lores morais e culturais do país, a dignidade das pessoas, a proteção da família,
o pluralismo, a democracia, a paz, a proteção do meio ambiente e a formação
espiritual e intelectual da infância e da juventude.
O Conselho, de nido como um serviço público autônomo, é descentralizado
e composto de personalidade jurídica e patrimônio pprios. Possui 11 inte-
grantes: um conselheiro indicado pelo Presidente da República e dez designados
pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, devendo, em seu conjun-
to, apresentar uma composição pluralista.
É o Conselho que deve outorgar, modi car e cassar as concessões de tevê aberta,
bem como se pronunciar sobre a transferência, cessão, arrendamento ou ou-
torga do direito de uso destes canais. Desde 1992, as concessões têm um prazo
de 25 anos e só podem ser conferidas a empresas jurídicas. É possível renovar a
concessão, no entanto o processo de licitação é sempre reaberto aos interessa-
dos. Em caso de empate, terá preferência o antigo concessionário. Os requisitos
da licitação devem ser objetivos e a escolha se dá de acordo com a proposta téc-
nica que garanta a melhor qualidade de transmissão e conteúdos.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
103
ESTADOS UNIDOS
As diretrizes da radiodifusão nos Estados Unidos foram estabelecidas pelo
Communication Act em 1934. Esta legislação criou, conforme relatado ante-
riormente, a Federal Communication Comission (FCC) – entidade composta
por cinco comissões, cujos dirigentes são indicados pelo presidente dos Estados
Unidos e aprovados pelo Senado. Para ser membro da FCC é necessário ser
cidadão norte-americano, não ter interesse  nanceiro em empresas de comuni-
cação e exercer o cargo em regime de dedicação integral.
A FCC tem como competência regulamentar as comunicações por rádio, televisão,
Internet, satélite e a cabo, concedendo licenças de rádio e televisão, renovando-as
e eventualmente cassando-as. Cabe ainda à FCC a supervisão do correto uso das
estações, além do monitoramento de questões acerca do conteúdo transmitido.
Não é da alçada da FCC a administração da parte do espectro utilizada para a
comunicação dos vários departamentos e órgãos civis e militares do governo
federal, cabendo à National Telecommunications and Information Adminis-
tration esse controle. Por outro lado, as questões relativas ao poder econômico
e à prevenção de formação de cartéis  cam sob responsabilidade da Federal
Trade Commission.
As licenças são concedidas por um prazo de oito anos para quaisquer serviços
de radiodifusão e a FCC tem uma política de expectativa de renovação. Se o
concessionário prestou um serviço que atendeu à conveniência, à necessidade
e ao interesse público e não incorreu em violações sérias – prestar declarações
falsas, fraudar contas – di cilmente não terá sua licença renovada
Vale observar que os processos de renovação e de cassação têm forte partici-
pação popular, prevista em lei. Qualquer indivíduo pode escrever à Comis-
são apresentando uma queixa com relação à emissora. E, além disso, conta
ainda com a possibilidade de apresentar uma petition to deny, ou seja, razões
de mérito público para que aquela licença não seja renovada ou para que
seja cassada.
O Estado norte-americano encontra nos pressupostos de ampla liberdade de ex-
pressão e na do “mercado de idéias
5
o caminho para garantir a multiplicidade e
diversidade na área de radiodifusão. Para obter êxito nessa tarefa, são aplicadas
três políticas diversas. A primeira procura fomentar o “localismo, dando prefe-
rência aos proprietários que estejam engajados na gerência da estação e conhe-
çam os problemas e interesses locais. A segunda impõe limites à propriedade
e ao controle dos meios de comunicação de massa, evitando a concentração
econômica no setor. E por  m, a terceira estratégia tem por objetivo limitar
a in uência predaria da programação das redes nacionais no contexto geral
da radiodifusão.
O interessado em obter licença deve, entre outras características, ser cidadão
norte-americano, demonstrar honestidade, ter capacidade  nanceira de cons-
5. O conceito de market place of ideas envolve o entendimento de que a verdade e o interesse pú-
blico são amplamente bene ciados em função da competição das mais diversas idéias e dos mais
variados assuntos, por mais impopulares que possam ser.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
104
truir e de manter sua emissora por 90 dias e demonstrar que é capaz de cum-
prir as exigências técnicas impostas pela FCC.
O Telecommunications Act, de 1996, proíbe, por exemplo, que uma emissora
de televisão aberta possua ou controle uma rede de televisão a cabo na mesma
área de difusão. Restringe também a possibilidade de que um determinado
grupo econômico possua ou controle ao mesmo tempo um jornal e uma emis-
sora de rádio ou televisão na mesma localidade. A partir dessa regra, o mesmo
grupo econômico pode controlar no país 24 emissoras de televisão, 30 emis-
soras de rádio AM e 30 emissoras de rádio FM. Além disso, qualquer rede de
televisão está proibida de atingir audiência maior que 35% do total nacional.
Há ainda limites de propriedade de estações de rádio por pessoa ou entidade.
Não existe, por outro lado, proibição de propriedade cruzada no que se refere
à tevê a cabo. Ou seja, operadores desse serviço podem ter jornais impressos
ou prestar o mesmo serviço por outra empresa na mesma localidade, sendo
permitida também a concentração de propriedade dos canais à cabo para as
redes de tevê.
A atividade das redes é controlada de maneira a propiciar um relacionamento
saudável entre as a liadas, garantir um aproveitamento igualitário e proporcio-
nal do horário nobre, assegurando que produções realizadas internamente pela
rede não ultrapassem 40% da programação.
FRANÇA
A regulação do setor conta com três atores principais: o Governo, que dese-
nha as políticas de radiodifusão; o Parlamento, que aprova leis e controla o
nanciamento das emissoras públicas; e o Conséil Supérieur de l’Audiovisuel
(CSA), autoridade administrativa independente. Criada em 1989, o CSA tem
como atribuições assegurar a igualdade de tratamento, a independência e a
imparcialidade da radiodifusão, o pluralismo, a liberdade de concorrência, o
monitoramento da qualidade dos programas e o desenvolvimento de cultura
audiovisual baseada na língua francesa.
Cabe ainda ao Conselho proceder às concessões e autorizações para a explora-
ção do serviço de radiodifusão. É esse órgão que controla o cumprimento das
obrigações legais previstas para o setor, embora não possua poder mais amplo
de regulamentação. Entretanto, pode estabelecer regras e recomendações e,
além disso, é freqüentemente consultado pelos órgãos legislativos, a Assem-
bléia Nacional e o Senado.
Em caso de inobservância das obrigações legais, é o CSA que aplica as sanções
às empresas – desde advertência até a cassação da concessão ou autorização,
passando pela suspensão e multa. Ressalta-se que o poder de sanção aos canais
públicos só passou a ser previsto a partir de 1994.
A França possui uma legislação rigorosa no que tange à concentração dos ve-
ículos de comunicação social. Há restrições no plano regional e local. Além
disso, uma mesma pessoa ou grupo de pessoas está proibido de acumular mais
de duas das seguintes situações:
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
105
• Ser titular de uma ou mais autorizações relativas ao serviço de televisão aberta.
• Ser titular de uma ou mais autorizações relativas ao serviço de radiodifusão so-
nora que permitam atingir uma população de 30 milhões de pessoas.
• Ser titular de uma ou mais autorizações de áudio e vídeo que permitam atingir
uma população de 6 milhões de habitantes.
• Publicar ou controlar uma ou mais publicações cotidianas de informação políti-
ca ou geral que representem mais de 20% do mercado nacional de publicações de
mesma natureza.
No que se refere especi camente à televisão aberta, a lei francesa proíbe ainda a
qualquer pessoa ou grupo de pessoas acumular:
• Duas concessões de canais de televisão aberta nacional ou um canal nacional e
outro regional ou local.
• Mais de duas autorizações para a exploração de serviço de televisão por satélite.
• Autorizações de exploração de canais de televisão que atinjam uma população
superior a 6 milhões de habitantes.
• Duas autorizações que permitam a cada uma explorar um canal de televisão
aberta, mas atingindo, total ou parcialmente, uma mesma zona geográ ca.
A publicidade é também rigidamente controlada no país, seguindo padrões esta-
belecidos pela União Européia.
HOLANDA
O sistema de radiodifusão televisiva do país é inteiramente público sem, no en-
tanto, ser estatal. As concessões são dadas a associações de ouvintes e telespecta-
dores e são custeadas pelo pagamento de taxas pelos proprietários de aparelhos
de televisão. Recentemente, aceitou-se a inclusão de publicidade na programação,
sendo esta rigorosamente controlada.
As transmissões são divididas entre as associações civis, em proporção direta ao
seu número de associados. As rádios funcionam praticamente nos mesmos mol-
des que a televisão, porém existem emissoras controladas pela iniciativa privada.
JAPÃO
As concessões de radiodifusão são outorgadas às empresas por três anos, renová-
veis, desde que sirvam ao interesse público, mediante o cumprimento de critérios
rigidamente de nidos em lei.
A principal representante do setor público é a Nippon Hoso Kyokai (NHK) que
detém cinco canais de televisão e três de rádio, todos de alcance nacional. Além
disso, ela provê serviço de transmissão internacional e de rádio e televisão por
Internet. As estações privadas têm a incumbência das transmissões de alcance re-
gional e não podem transmitir nacionalmente. O setor público é em parte  nan-
ciado pelo pagamento de taxas pelos proprietários de aparelhos de tevê, sendo
vedada a publicidade. Já as empresas privadas podem veicular publicidade dentro
do limite de 18% do tempo total de transmissão.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
106
REINO UNIDO
O O ce of Communications (Ofcom) é a agência reguladora que monitora,
scaliza e regulamenta as questões relativas ao conteúdo e à infra-estrutura
da radiodifusão e telecomunicações no Reino Unido. Foi criado em 2003 pelo
Communications Act e reúne hoje todos os órgãos anteriormente responsáveis
pela regulação e a defesa do consumidor no que se refere aos serviços de co-
municação: o O ce of Telecommunications (O el), a Broadcasting Standards
Commission (BSC), a Independent Television Commission (ITC), a Radio Au-
thority e a Radiocommunications Agency (RA).
O sistema britânico de radiodifusão é citado comumente como exemplo mun-
dial de bom funcionamento do sistema público. A empresa responsável pela
radiodifusão pública é a British Broadcasting Corporation (BBC). A produção e
a distribuição do conteúdo de radiodifusão são  nanciadas por uma taxa anual
paga à BBC pelos proprietários de aparelhos de televisão, que assim recebem
o direito de captar o sinal aberto. A  scalização do pagamento dessa quantia é
feita rigorosamente, garantindo a credibilidade do sistema.
No Reino Unido, autoridades locais, organismos políticos e entidades religiosas
não podem ser concessionárias de radiodifusão. Adicionalmente, empresas com
licenças de tevê aberta não podem obter autorização para operar cabo. Por  m,
o controle acionário das televisões abertas deve permanecer com investidores
daquele país.
A CONSTRUÇÃO DO MODELO
REGULATÓRIO BRASILEIRO
Baseado em uma legislação extremamente defasada, o modelo regulatório
brasileiro segue contribuindo para manter um cenário de concentração de
propriedade e uso potico das concessões de radiodifusão. Transformar essa
realidade é ainda o grande desa o do setor de Comunicações
A primeira transmissão de rádio no Brasil ocorreu em 1922. Já a legislação inicial
regulamentando o setor foi promulgada somente no primeiro governo de Getu-
lio Vargas (decretos nº 20.047, de 1931, e nº 21.111, de 1932). Naquela época, a
radiodifusão era utilizada como um instrumento de propaganda estatal. Desde
aquele período, contudo, a lógica do marco regulatório nacional esboçava os
mesmos princípios que ainda hoje estão presentes, ou seja, a atividade estaria
voltada primordialmente ao interesse nacional e a objetivos educacionais.
Com o rádio consolidado nas capitais e no interior do País – e a televisão ex-
pandindo-se há mais de 12 anos – foi promulgada, em 1962, a Lei nº 4.117,
conhecida como Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). O processo de
aprovação da legislação, como vimos no Capítulo 1, foi marcado por constante
pressão dos empresários e políticos ligados à radiodifusão e seus dispositivos
continuam válidos até o presente. Assim o cientista político Guilherme Canela
avalia o cenário legal neste setor:
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
107
Na falta de uma regulamentação atualizada, o que temos é um emaranhado
de leis, decretos, portarias e normatizações. Esta confusão jurídica e o cater
ultrapassado de nossa legislação acabaram por concretizar uma situação de
vazio regulatório. Com um código de 1962 – cujo principal decreto regulador
é do regime militar – e uma Lei de Imprensa também do referido período (esta
com vários artigos inconstitucionais, dadas as menções explícitas à censura),
há um consenso acerca da inaplicabilidade de diversos artigos das legislações
citadas, de modo que em se tendo leis que não podemos utilizar, na verdade
não temos lei nenhuma. Essa espécie de mercado livre, onde tudo é permitido,
acaba sendo muito interessante para aquelas empresas com um longo histó-
rico de direitos adquiridos no setor (e, portanto, de posições cristalizadas);
porém, mostra-se extremamente nocivo para a sociedade como um todo.
Ao Código Brasileiro de Telecomunicações, somaram-se posteriormente o de-
creto-lei nº 236, de 1967, que estabeleceu frágeis limites à posse de emissoras de
radiodifusão; o capítulo da Comunicação Social na Constituição Federal; a Lei
do Cabo; o decreto 2108 de 1996, capitaneado pelo então Ministro Sérgio Motta,
e que trouxe algumas inovações interessantes no tocante à regulamentação do
serviço da radiodifusão comercial; a Lei Geral de Telecomunicações (que exclui
a radiodifusão e revoga dispositivos do CBT no tocante à telefonia); a Lei das
Rádios Comunitárias, e, desde junho de 2006, o decreto nº 5820, que trata da
Televisão Digital.
A pesquisa Mídia e Políticas
Públicas de Comunicação
aponta a presença relevante
de fontes documentais (35%)
na cobertura jornalística, percentual
diferenciado, em comparação à média
das análises de mídia já realizadas pela
ANDI. Esse cenário se deve, em parte, à
já mencionada profusão de normas que
regulam (ou desregulam) o setor – via
de regra, há uma ampla pulverização
dos diplomas legais mencionados pelos
jornalistas. Nesse sentido, marcos legais
centrais para a discussão mais aprofun-
dada do tema, como a própria Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos,
são negligenciados.
FONTES DOCUMENTAIS DAS MATÉRIAS*
Projetos de Lei e Propostas de emendas constitucionais 11,3%
Constituição Federal 6,1%
Decisões Judiciais 1,8%
Lei Geral de Telecomunicações (LGT) 0,8%
Estatuto da Criança e do Adolescente 0,8%
Legislação de Outros Países 0,8%
Tratados e Convenções 0,8%
Lei das Rádios Comunitárias 0,6%
Código de Defesa do Consumidor 0,6%
Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) 0,3%
Declaração Universal de Direitos Humanos 0,3%
Lei do Cabo 0,2%
Outras leis nacionais 12,5%
Outras leis internacionais 0,3%
Outras fontes documentais %5,1%
Não cita legislação 65,4%
* O somatório dos percentuais não equivale a 100%, pois esse item da pesquisa permite mais de
uma marcação por matéria.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
108
A necessidade de integração dos marcos legais
Na opinião do professor Murilo César Ramos, da UnB, é vital às Políticas Públicas
de Comunicação a promulgação de um marco regulador que consolide a legis-
lação existente, visto que o atual cenário constitui um ambiente pouco propício
para a congruência de interesses da sociedade civil, das empresas e do Estado.
No artigo “Agências Reguladoras: a reconciliação com a política, Ramos critica a
tentativa de dar um aspecto puramente técnico ao debate sobre as Comunicações.
Em 1997, face à privatização das empresas telefônicas e à necessidade de esta-
belecimento de um novo modelo regulador, o governo federal criou a Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel). Foi aventado à época, inclusive, que o
órgão substituiria o Ministério das Comunicações. Dessa forma, a Anatel faria
com que os critérios políticos dessem lugar aos técnicos. Assim, comenta o pro-
fessor Murilo César Ramos:
Apesar disso, o Ministério das Comunicações não só não foi extinto, como se-
gue na posição de principal órgão responsável pela infra-estrutura do setor de
radiodifusão. Dessa maneira também permanece como uma das pastas mais
disputadas pelos partidos políticos em qualquer troca de postos no Poder
Executivo federal. Isso se explica pelo seu papel importante no que se refere à
regulação da radiodifusão, fundamentalmente no encaminhamento de temas
como renovação de outorgas, e na definição de novas questões como a televi-
são digital, por exemplo.
As de ciências observadas no Brasil também ao longo dos últimos anos, no que
se refere ao sistema de regulação dos meios de comunicação – como, por exemplo,
o seu descompasso com os ditames democráticos e com as evoluções tecnológicas
– foram decisivas para atual con guração do setor de radiodifusão. Ainda hoje,
o modelo brasileiro é marcado por um forte clientelismo – no qual as concessões
acabam sendo usadas como moeda de troca entre governos e correligionários –,
seguindo uma tendência também observada em outros países, segundo levanta-
mentos realizados nessa área.
Em estudo que se tornou uma referência nessa discussão, os pesquisadores Da-
niel Hallin, da Universidade da Califórnia, e Stylianos Papathanassopoulos, da
Universidade Nacional de Atenas, comparam as realidades latino-americana e do
sul da Europa no que diz respeito ao clientelismo político dos meios de comuni-
cação de massa. Os pesquisadores reconhecem que os cenários possuem pontos
coincidentes, favorecendo a existência de práticas comuns: níveis baixos de cir-
culação de jornais, instrumentalização da mídia privada, politicização da radio-
(...) tentou-se criar um ente estranho, despolitizado, ‘técnico e aparti-
dário’, como se fosse possível separar política de governo de política de
agência ‘independente’; separar política executiva de política regulató-
ria. Ao que consta de especulações do período, essa separação deveria
ter sido ainda mais radical com a extinção do Ministério das Comuni-
cações, fundido a um genérico Ministério da Infra-estrutura, deixando
para a Anatel a condução quase total da política setorial.
Um único texto, entre aque-
les analisados pelo estu-
do conduzido pela ANDI,
menciona a possibilidade de
ampliação dos poderes da Agência Na-
cional de Telecomunicações (Anatel),
de modo a que o órgão passasse a deter
atribuições mais contundentes para com
a radiodifusão. Ainda de acordo com o
levantamento, apenas dois textos abor-
dam a possibilidade de criação de um
órgão regulador especí co para o setor
de radiodifusão.
O CENÁRIO BRASILEIRO E O CLIENTELISMO
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
109
difusão pública e da regulação da radiodifusão e desenvolvimento limitado do
jornalismo como pro ssão. Segundo os autores, essas características podem se
modi car, porém as possíveis transformações – acompanhadas de um processo
de redemocratização nos mais diversos setores – ocorrem de forma lenta.
Como destaca a pesquisadora Suzy dos Santos (veja artigo na página 113), no
Brasil a instrumentalização é mais comum na mídia regional. Da mesma forma,
o cientista político Guilherme Canela ressalta a participação de grupos políticos
na mídia regional como essencial para a compreensão da estrutura de poder no
cenário das Comunicações no Brasil:
O Brasil é um país cuja história foi e é – ainda que aqui não haja consenso
– marcada por uma das práticas mais nocivas ao bom desenvolvimento
da Potica (assim mesmo com P maiúsculo) e, por conseguinte, do Estado
enquanto o principal organizador da vida em sociedade: a promiscuidade
entre o público e o privado. Notem bem, não estamos falando de relações
transparentes, legais e necessárias entre o Estado e os agentes privados,
muito bem vindas para uma melhor construção da Nação; estamos fa-
lando da dominação imoral e/ou ilegal do aparelho estatal por interesses
próprios de uns poucos grupos.
Ainda que se constitua em
tema indispensável para a
compreensão do cenário das
Comunicações no Brasil, é
praticamente nula a presença de textos
que abordam a propriedade de meios
por políticos e/ou oligarquias locais
(0,4%), ressalta a investigação realiza-
da pela ANDI com apoio da Fundação
Ford. Tal resultado era esperado mesmo
antes da realização da pesquisa, visto
que muitos dos veículos analisados en-
quadram-se nessa característica, o que
torna, no mínimo, difícil uma cobertura
imparcial da questão.
Código Brasileiro de Telecomunicações
de 1962
Art. 38.
Nas concessões e autorizações para a exe-
cução de serviços de radiodifusão serão observados,
além de outros requisitos, os seguintes preceitos e
cláusulas:
(...)
Parágrafo único. Não poderá exercer a função de di-
retor ou gerente de empresa concessionária de rádio
ou televisão quem esteja no gozo de imunidade parla-
mentar ou de foro especial.
Constituição Federal de 1988
Art. 54.
Os Deputados e Senadores não poderão:
I - desde a expedição do diploma:
a)  rmar ou manter contrato com pessoa jurídica de
direito público, autarquia, empresa pública, socieda-
de de economia mista ou empresa concessionária de
serviço público, salvo quando o contrato obedecer a
cláusulas uniformes;
b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remu-
nerado, inclusive os de que sejam demissíveis “ad
nutum, nas entidades constantes da alínea anterior;
II - desde a posse:
a) ser proprietários, controladores ou diretores de
empresa que goze de favor decorrente de contrato
com pessoa jurídica de direito público, ou nela exer-
cer função remunerada;
b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis
ad nutum, nas entidades referidas no inciso I, “a”;
c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer
das entidades a que se refere o inciso I, “a”;
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou
Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabeleci-
das no artigo anterior;
Lei 8977 de 1995 (Lei do Cabo)
Art. 9º Para exercer a função de direção de em-
presa operadora de TV a Cabo, a pessoa física não
poderá gozar de imunidade parlamentar ou de
foro especial.
A legislação e a participação de
políticos na radiodifusão
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
110
Fim de festa
A história do clientelismo e uso político das concessões das emissoras de rádio
e televisão foi levantada por Paulino Motter, em sua dissertação A batalha invi-
sível da Constituinte: interesses privados versus caráter público da radiodifusão no
Brasil. Segundo levantamento do autor, o governo José Sarney outorgou 1.028
concessões de rádio e tevê no curto período de sua posse (1985) até a aprovação
da nova Constituição (1988) – quando as concessões saem da alçada do Poder
Executivo e passam a ser atribuição do Congresso Nacional.
A utilização das concessões como moeda de troca política pode ser compro-
vada, segundo Motter, se notarmos que 539, ou 52% das concessões, foram
distribuídas nos últimos nove meses da Constituinte, em  ns da década de
1980, o que o autor chamou de “clima de  m de festa. Outro dado importante
é o fato de que dos 91 constituintes que receberam pelo menos uma concessão
de rádio ou tevê, 92,3% votaram a favor do presidencialismo e 90,1% a favor
do mandato de cinco anos, certamente os temas mais caros aos interesses da-
quele governo. Este processo, portanto, reforçou duas tendências estruturais
da mídia eletrônica no Brasil:
1. Predomínio das redes nacionais de televisão e dos grandes conglomerados
privados de mídia.
2. Ampliação da presença de grupos políticos regionais no controle das emis-
soras de rádio e televisão.
Conforme já ressaltado anteriormente, tais acontecimentos históricos geraram
uma enorme di culdade para o debate político-institucional e público acerca das
políticas públicas de comunicação, especialmente aquelas vinculadas à radiodifu-
são. O fato de parte não desprezível das empresas de mídia brasileiras ser domi-
nada por políticos com mandatos nos poderes Legislativo e Executivo, certamente
contribui para restringir a probabilidade de que esses mesmos políticos realizem
um debate isento sobre o tema, condição prévia para a alteração do status quo.
Em vários momentos ocorre situação semelhante nas democracias e as institui-
ções de garantia de accountability dos políticos eleitos, dentre as quais a impren-
sa, entram em ação, buscando denunciar e reverter o quadro adverso eventual-
mente constatado. São freqüentes as matérias, artigos e editoriais críticos sobre a
bancada desse ou daquele setor (a “bancada da bala, por exemplo) estar atuando
para a não alteração do status quo. Veja-se que, segundo os dados da pesquisa
realizada pela ANDI e pela Fundação Ford, raramente o mesmo ocorre quanto
o tema são as Políticas Públicas de Comunicação. A hipótese que pode explicar
essa constatação é a de que, em muitos casos, a bancada da radiodifusão está
também composta por muitos proprietários de veículos cujos textos foram ana-
lisados pela presente investigação.
Altos e baixos
Por um lado, conforme temos visto, é inegável que a situação brasileira, no que
tange a uma regulação democrática e avançada dos meios de comunicação, não
pode ser considerada das mais confortáveis (para nos valermos de um eufemis-
mo) – especialmente diante das incontáveis mudanças que assolaram o setor
nas últimas décadas. Por outro, as páginas precedentes alinhavaram um con-
junto não desprezível de possibilidades para modernizar, com ganhos para toda
a sociedade, o aparato legal e burocrático que hoje (des)ordena o campo das
comunicações no País.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
111
A análise acerca de questões estruturais, de mer-
cado e regularias – aspectos centrais para as
demais discussões do setor de Comunicações –
aponta, de um lado, que há um forte desequilíbrio
na presença desses temas na cobertura (11,7%),
especialmente quando comparado a questões de
conteúdo (50,2%).
Por outro lado, é possível observar a tendência dos
jornais em abordar tais assuntos a partir do viés da
comunicação enquanto negócio. É interessante aten-
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: INVESTIGANDO AS QUESTÕES
ESTRUTURAIS, DE MERCADO E REGULARIAS
tar, por exemplo, que eles são os mais abordados pe-
los jornais ecomicos (34%) e que o Setor Privado
é, proporcionalmente, o ator mais vinculado a es-
sas questões. Por  m, o estudo realizado pela ANDI
aponta que dentre os aspectos mais freqüentemente
abordados nesse eixo, estão o  nanciamento do Bndes
às empresas de mídia, a crise  nanceira do setor e as
dimensões do mercado.
Voltamos a enfatizar que o nó górdio da questão resume-se a uma incrível seqüên-
cia de interrelações pouco aconselháveis entre o público e o privado. Nossos
meios de comunicação não raro são de propriedade de políticos com mandatos
e encontram-se cada vez mais concentrados. Assim, acumulam uma capacidade
crescente de in uência na política, conquistando elevado poder de barganha
junto aos poderes constituídos. Naturalmente, acabam por ser pouco ou nada
regulados e quase sempre omitem as re exões sobre Políticas de Comunicação
da agenda midiática – e, por conseqüência, da própria esfera social mais ampla.
Ao m e ao cabo, portanto, logram manter um status quo que, por de nição,
satisfaz apenas aos interesses cristalizados.
Desatar esse nó górdio não é tarefa de pequena envergadura – e envolve, sem
dúvida, diversos fatores. Vale mencionar alguns deles: uma atuação mais contun-
dente dos poucos veículos que ainda não se enquadraram nessa rede de interesses
difíceis de serem contidos; um reconhecimento de que o jornalismo de qualidade
não pode se curvar perante disputas de poder que em nada contribuem para a
democracia; uma decisiva adoção da agenda da Responsabilidade Social Empre-
sarial pelos grupos de comunicação; um maior e mais plural engajamento da
sociedade civil na discussão e uma boa dose de aprendizado com a experiência
internacional. Tudo isso a  m de garantir a regulamentação dos princípios que,
pasmem, nossa Constituição já oferece desde 1988.
O próximo catulo, focado na análise de conteúdo, voltará a sublinhar essas pos-
síveis saídas para o labirinto onde nos encontramos. O Catulo 4, por sua vez,
salientará, paralelamente a comentários mais especí cos sobre a cobertura acerca
das Políticas Públicas de Comunicação, um conjunto de elementos para a rede-
nição de nosso marco regulatório para o setor, trazendo como pano de fundo
a necessidade – aqui e alhures – de contar-se com uma mídia de caráter público
forte, como elemento de contraponto aos interesses privados também em jogo.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
112
TEMAS COBERTOS QUANDO AS QUESTÕES ESTRUTURAIS,
DE MERCADO E REGULARIAS ERAM O FOCO*
Concessão/outorgas em geral 13,7
Dimensões do mercado 13,7
Regulação do setor 13,7
Financiamento do Bndes às empresas de comunicação 12,9
Crise  nanceira da mídia 10,8
Fusões, aquisições e joint ventures 10,8
Capital estrangeiro 7,2
Fechamento de rádios comunitárias 6,5
Revogação de concessões/outorgas 4,3
Con guração da propriedade do setor 2,2
Criação de uma agência regulatória especí ca para o setor 1,4
Ampliação das atribuições da Anatel 0,7
Concentração da propriedade do setor 0,7
Exportação da programação 0,7
Renovação de concessões/outorgas 0,7
*Do total de textos, 11,7% trabalharam as questões estruturais, de mercado e regulatórias.
O Bndes e as empresas de mídia
Em 2003, o setor de comunicação pleiteou junto ao
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (Bndes) linhas de crédito especiais na ten-
tativa de sanear uma dívida que chegava a R$ 10
bilhões. Nunca antes, na história do Brasil, tantas
empresas de mídia recorreram, juntas, aos cofres
públicos, ainda que várias tenham sido individual-
mente ajudadas por governos nas últimas décadas.
Nunca, também, uma crise desse tamanho no setor
havia se tornado pública.
Nos anos anteriores, as empresas de mídia haviam
aproveitado a cotação baixa do dólar para investir
na modernização de suas estruturas. Com a dispa-
rada da moeda norte-americana a partir de 2002, as
dívidas cresceram e se tornaram virtualmente im-
pagáveis. Além disso, no que se refere à mídia im-
pressa, diminuía o mercado: a circulação de revistas,
entre 2000 e 2002, caiu de 17,1 milhões para 16,2
milhões de exemplares por ano e a de jornais, de 7,9
milhões para 7 milhões de exemplares por dia. Na
mesma época, caiu também – em R$ 200 milhões
– o bolo publicitário compartilhado por todos os
meios de comunicação. A crise no setor signi cou
uma redução de 17 mil empregos, de acordo com o
Ministério do Trabalho.
O presidente do Bndes à época, Carlos Lessa, tor-
nou público o pedido de empréstimo e resolveu
debatê-lo no Congresso Nacional. Numa das audi-
ências abertas à sociedade, o coordenador-geral do
rum Nacional pela Democratização da Comuni-
cação (FNDC), Celso Schröder, declarou: “Ao eleger
o Bnde como único agente público envolvido no
encaminhamento da solução do problema, mesmo
que involuntariamente o governo está contribuindo
para anular o espaço político de discussão de um
tema que vai muito além do simples endividamento
de empresas e que poderia apontar para um projeto
nacional na área das Comunicações. Questionou-
se, ainda, a capacidade dos meios de comunicação
manterem independência, caso contassem explicita-
mente de recursos públicos para se sustentarem.
Em 2004, o Bndes chegou a acenar com um em-
préstimo bem inferior ao valor pretendido pelas
empresas. Somando-se essa proposta com a má re-
percussão das negociações junto à opinião pública,
as empresas optaram por coletivamente recusar a
ajuda do banco. Assim o programa de auxílo, que
chegou a ser comparado ao Programa de Estímulo
à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Fi-
nanceiro Nacional (Proer), não foi adiante.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
113113
A expressão coronelismo eletrônico transpõe muito
do imaginário popular que tem perpetuado a mito-
lógica  gura do coronel como um líder local de des-
taque, normalmente proprietário rural, sustentado
pelos pilares do mandonismo e do  lhotismo político.
Nos estudos da comunicação, a efervescência das sub-
jetividades, dos aspectos microscópicos e cibernéticos
da área contribuíram para a consolidação desta mito-
logia. Muito se disse sobre ser um fenômeno relativo
a muito poucas cidades nordestinas que estaria supe-
rado pela globalização e pelas tecnologias digitais de
comunicação. Na última década do Séc. XX, as idéias
da interconexão generalizada e da presença maciça
das global players no País faziam do coronelismo uma
imagem ultrapassada, incompatível com a nova socie-
dade que se delineava.
O contexto brasileiro
O problema é que o Brasil às vezes é “do contra” e a
nossa estrutura de comunicações foi se distanciando
dos modelos internacionais mais conhecidos. Hoje é
consenso que os estudos focados na globalização e nas
tecnologias não conseguem explicar alguns pontos
que opõem o ambiente brasileiro ao ambiente global,
dominado pela digitalização e pela  exibilidade do
mercado internacional, tais como:
a) o detalhamento das lógicas clientelistas que trans-
formou veículos de comunicação locais e regionais
em moeda política no jogo federal;
b) o deslocamento, na regulação do setor, da centra-
lidade do interesse privado, em detrimento do inte-
resse público, para a centralidade do interesse polí-
tico e/ou religioso, local ou regional, em detrimento
do interesse econômico global ou nacional;
c) a esdrúxula separação das velhas e novas tecno-
logias de comunicação em ambientes regulatórios
distintos (radiodifusão no âmbito do Ministério
das Comunicações, e comunicações
1
no âmbito da
Agência Nacional de Telecomunicações); e,
d) a ausência de transparência sobre a estrutura de
propriedade e de a liação da radiodifusão nacional.
Do que se trata?
Neste ambiente, o coronelismo eletrônico cons-
titui, ao nosso ver, elemento fundamental para
a compreensão da especificidade do sistema de
comunicações brasileiro. Chamamos de coro-
nelismo eletrônico ao sistema organizacional da
recente estrutura brasileira de comunicações,
baseado no compromisso recíproco entre poder
nacional e poder local, configurando uma com-
plexa rede de influências entre o poder público e
o poder privado dos chefes locais, proprietários
de meios de comunicação. Considera-se, portan-
to, o que o coronelismo eletrônico é a transpo-
sição para o ambiente das comunicações de uma
discussão consolidada na historiografia nacional:
o coronelismo. Toma-se por referência central,
o clássico Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor
Nunes Leal.
O primeiro trabalho, de natureza acadêmica, a
adotar o termo coronelismo eletrônico foi a mo-
nogra a de Célia Stadnik, intitulada A hipótese do
fenômeno do “Coronelismo eletrônico” e as ligações
dos parlamentares federais e governadores com os
meios de comunicação no Brasil (1991). Embora os
trabalhos adotando esta idéia tenham se tornado
mais freqüentes, ainda é relativamente pequeno o
número de pesquisadores a tratar o assunto. Se  -
zermos uma busca na Plataforma Lattes, que cadas-
tra os currículos dos pesquisadores brasileiros no
portal do CNPq, o sistema apresenta apenas doze
pesquisadores em cuja produção cientí ca apare-
ce a expressão “coronelismo eletrônico. Natural-
mente, sabemos que nem todos os pesquisadores
têm currículo na Plataforma Lattes, mas como ele
é obrigatório na solicitação de  nanciamento nas
agências públicas nacionais, o sistema é uma boa
medida para perceber a expressividade de um tema.
A título de comparação, um fenômeno mais ‘hype
como, por exemplo, “jornalismo online” aparece na
produção de 129 pesquisadores.
O fenômeno do Coronelismo Eletrônico
nos estudos de comunicação
1. A divisão opera uma separação conceitual entre televisão aberta, compreendida pela radiodifusão, e televisão por assinatura, compre-
endida junto com os demais serviços como Internet e telefonia. Há ainda outra separação que é a retirada do cinema da compreensão de
meios de comunicação e a sua estratégica colocação no âmbito do Ministério da Cultura/Agência Nacional do Cinema.
Suzy dos Santos
*
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
114
114
Mesmo com poucos pesquisadores, o debate sobre o
fenômeno tem amadurecido. Destacando-se as análi-
ses de Alex Pereira Moura, Fábio Piva Pacheco, Isra-
el Bayma, Jane Márcia Lemos da Luz, Maria Érica de
Oliveira Lima, Mônica Kasaker, Paulino Motter, Rei-
naldo dos Santos, Sérgio Capparelli e Venício Artur
de Lima, entre outros. A maior parte destes trabalhos
consiste de árduo trabalho empírico de denúncia das
diversas redes de clientelismo e apadrinhamento que
constituem a recente história da radiodifusão no País.
Quem se interessa em ter uma idéia, mesmo que
vaga, da estrutura de distribuição das comunicações
no país tem de lidar com um enigma similar aos en-
frentados pelas personagens de literatura policial. As
informações públicas são pulverizadas entre diversos
arquivos, sistemas e portais; arquivos em formatos
de difícil manipulação, com informações imprecisas,
dados desatualizados e erros de registro. Os esforços
de investigação empírica ainda demandam buscas de
registros em juntas comerciais, em ferramentas online
e nos jornais locais, entre outros, na tentativa de esta-
belecer as conexões internas da extensa rede informal
de compadrio que dá sustentação ao sistema de radio-
difusão brasileiro.
Caminho a perseguir
Assim, a urgência da denúncia dessas práticas conde-
náveis e, muitas vezes, ilegais, trouxe embutida a au-
sência de re exão acerca da natureza e da constituição
desta conceituação. Não se pretende, aqui, diminuir o
valor das análises empíricas sobre a estrutura econô-
mico-política das comunicações no Brasil. Pelo con-
trário, acreditamos que o manejo de dados quantita-
tivos e de documentos primários é fundamental para
evitar o desvio da realidade material perceptível em
muitas análises baseadas unicamente em abstrações
ou em modelos importados.
Falta, todavia, uma trilha. Primeiramente porque,
apesar do esforço necessário para o levantamento,
a preparação e a apresentação de dados, é nítida a
ausência de escopo teórico na produção em comu-
nicação que dê conta do fenômeno. Também por-
que adaptações apressadas dos conceitos originais
correm o risco de resultar em noções tão enviesadas
quanto aquelas nas quais freqüentemente acusamos
a fuga da realidade.
As sutilezas do conceito
Quando da morte de Victor Nunes Leal, em 1985,
José Murilo de Carvalho já apontavao perigo de [o
‘Coronelismo...] se tornar o clássico muito citado e
mal lido. Na adaptação do coronelismo para o coro-
nelismo eletrônico os temores do autor chegam perto
de ser con rmados. Por se tratar de assunto pouco
discutido dentro dos cursos de graduação e pós-gra-
duação em comunicação, há uma série de equívocos a
descaracterizar a riqueza da análise original de Leal.
Parte da descaracterização do coronelismo deve-se à
apropriação errônea da expressão pelo senso comum.
Percebe-se, na gramática do tema, um entendimen-
to de que o su xo ‘ismo’ forma a ação originada no
nome próprio, logo, coronelismo seria o sistema que
designa as ações dos coronéis. Derivado desse, o co-
ronelismo eletrônico comportaria as ações dos coro-
néis nos meios eletrônicos de comunicação.
Essa concepção retira do coronelismo a natureza
de sistema, atribuída por Leal, além de fundir, sem
qualquer distinção, coronel e coronelismo. Há quem
estenda a conceituação mais ainda, transformando o
exercício do poder em coronelismo. Em muitos tra-
balhos, nota-se, também, di culdade para entender
quem é o coronel de quem fala Leal em ‘Coronelis-
mo... e o que de niria este ator no cenário comunica-
cional brasileiro.
A adaptação apressada primordial é a que se repor-
ta ao coronel eletrônico como toda personagem que
simultaneamente exerce mandato eletivo e é proprie-
tária de meios de comunicação. Por derivação, seria
como reportar ao coronel como qualquer proprietário
rural exercendo mandato eletivo. Não há sustentação
para esta a rmativa na obra de Leal nem em qualquer
bibliogra a de referência sobre o coronelismo.
Para observar a  delidade autoral, a ruptura com essa
habitual noção generalista deve estar na raiz da aná-
lise que pretenda a adoção do coronelismo eletrônico
na gramática comunicacional. Já no capítulo primei-
ro de ‘Coronelismo...’ se encontra a negação do cará-
ter absoluto ao coronel. Embora a expressividade da
atividade rural no Brasil da Primeira República fosse
incontestável, o coronel poderia ser um burocrata,
comerciante, pro ssional liberal ou até um padre.
Nem precisaria deter cargo eletivo. O que caracteriza
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
11511
5
v
o coronel é, em resumo, o status de comando numa
determinada região.
O coronel e as eleições
A propriedade de meios de comunicação pode ser
considerada potente instrumento de força eleitoral,
contudo, o raio de ação do coronel é diferenciado do
de um radiodifusor que conquista votações expressi-
vas. Não se pode incluir na mesma categoria  guras
como Antonio Carlos Magalhães e Hélio Costa apenas
porque ambos são radiodifusores que exercem man-
datos eletivos e ocuparam o cargo de Ministro das
Comunicações. Eles desempenham papéis diferentes
no sistema de coronelismo eletrônico. Ainda que se
perceba traços clientelistas em ambas atuações públi-
cas, embora participem da mesma rede de compadrio
que tem dado forma ao que chamamos de coronelis-
mo eletrônico, não há um ‘Helismo’ ou um ‘Costis-
mo’ atuando como che a política, arbitragem social
e fonte de coerção em Minas Gerais. Se os candidatos
apoiados por Hélio Costa perdessem as eleições para
governador e senador, a manchete do dia seguinte no
jornal de Barbacena di cilmente seria “Clima de de-
cepção predomina entre os eleitores
2
.
O que não é coronelismo
É também usual a confusão entre mandonismo e co-
ronelismo, como se fossem dois nomes para o mesmo
fenômeno. Essa pode ser a degeneração mais nociva
à análise já que induz à  gura do coronel como um
senhor absoluto, quase mitológico, que inverte a or-
dem conceitual. O coronelismo se inscreve como um
momento particular do mandonismo, como disse José
Murilo de Carvalho, no artigo Mandonismo, corone-
lismo, clientelismo: uma discussão conceitural, “exata-
mente aquele em que os mandões começam a perder
força e têm de recorrer ao governo. Mandonismo,
para Victor Nunes Leal e para José Murilo de Carva-
lho, é mais abrangente, ocorre em diversos momentos
e diversos lugares, se aproxima mais da idéia de caci-
quismo, por exemplo.
Outra descaracterização conceitual está na expressão
coronel eletrônico. Não há razão evidente para inserir
os meios de comunicação, ou a propriedade deles, na
gura do coronel. A propriedade de veículos de co-
municação é, isto sim, parte do controle dos meios
de produção, característica fundamental daquilo que
queremos de nir como um sistema de coronelismo
eletrônico. Logo, não é o coronel que é eletrônico,
mas o coronelismo. A natureza mutante do coronel
é largamente reconhecida. A morte de Francisco
Heráclio do Rego, coronel Chico Heráclio, em 1974
não extinguiu a espécie. O coronel já existia antes do
coronelismo e continuou a existir depois dele. Ele
certamente passou por metamorfoses modernizan-
tes, mas se mantém através da rede de compadrio e
a liação que nasce no ambiente municipal, mas tem
forte base de sustentação em Brasília. E segue sendo
simplesmente coronel, não coronel eletrônico nem
neocoronel nem cibercoronel.
Na adaptação do coronelismo, para atender às ne-
cessidades da análise do fenômeno comunicacional
brasileiro, é necessário corrigir uma última idéia
errônea: a de que o coronelismo é prática contí-
nua que apenas se atualiza a partir da inserção dos
meios de comunicação. Diferente do que dissemos
com Capparelli, em 2002, o coronelismo não con-
tinuou sob novas bases. Há um vácuo no sistema
de permuta entre os poderes locais e federais no
período compreendido entre o Estado Novo e a di-
tadura militar. A suspensão de eleições por Getúlio
Vargas e pelos militares eliminou o voto como mo-
eda de troca. É inegável também que a urbanização
operou um nível maior de democratização e cida-
dania no país. Se os coronéis seguiram existindo,
estiveram em posição diretamente subordinada em
relação ao poder federal.
A discussão continua
A retomada semântica que propomos aqui atém o
coronelismo eletrônico a um período histórico se-
melhante àquele estudado por Leal, um momento
de transição entre dois modelos políticos: a ditadu-
ra e a democracia. Só se pode falar em coronelismo
eletrônico a partir de 1985 quando rádio e televisão
se transformaram em moeda do Governo Federal
que reforçava o poder de chefes municipais e regio-
nais. Da mesma forma que acreditou-se que o voto
2. Correio da Bahia, online, 02 out. 2006.
Disponível em: <http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador/noticia.asp?codigo=113559>.
Capítulo 2 | Suportes para o desenvolvimento
116
v
secreto poria  m ao coronelismo, acreditamos hoje
que a democratização da sociedade e o amplo acesso à
informação, proporcionado pela pulverização tecno-
lógica, podem acabar com o coronelismo eletrônico.
As recentes derrotas eleitorais de  guras como Antô-
nio Carlos Magalhães e José Sarney foram apontadas
como mais um  m do coronelismo. Novamente pa-
rece que estamos a tratar de um fenômeno esgotado.
Falou-se que Lula, assim como falou-se que Vargas no
século passado, eliminava o papel intermediário do
líder local como benfeitor que fazia a ponte entre o
município e o Governo Federal. Contudo, ausência
de revisão das políticas de comunicação em vigor,
bem como a continuidade de uma expressiva par-
cela de deputados e senadores legislando em causa
própria, ainda justi cam a relevância de análises
mais aprofundadas sobre coronelismo eletrônico.
*. Pesquisadora Associada Adjunta no Laboratório de Políticas de Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade de Brasília, com bolsa recém-doutora da Fundação Ford e apoio à pesquisa do CNPq. suzysant[email protected]m.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
117
DEFESA DO INTERESSE PÚBLICO
Não é recente a atuação do Estado brasileiro em relação à regulação
democrática dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação. No
período pós-redemocratização do País, no entanto, foram poucos os avanços
registrados nessa área. A resistência de alguns setores, principalmente os
vinculados à própria mídia, contribui fortemente para a estagnação do
modelo regulatório
Há uma linha divisória entre censura e regulação de conteúdo. Entretanto, a freqüente sobre-
posição desses dois conceitos, principalmente no discurso de atores ligados aos meios de comu-
nicação, acaba tendo um efeito paralisante – hoje constituindo-se em um dos principais fatores
a impedir que se avance na construção de um sistema regulatório democrático mais condizente
com o atual cenário da mídia nacional.
Um primeiro passo para a quali cação desse debate é, certamente, compreender melhor o pro-
cesso histórico de formulação das iniciativas de controle público do conteúdo da mídia. No Bra-
sil, as primeiras ações do Estado nessa área foram implementadas durante o governo Vargas,
sendo que alterações de per s variados ocorreram durante o regime militar e, posteriormente,
no período da redemocratização.
O presente capítulo traz uma breve abordagem desse contexto, além de apontar as efetivas
possibilidades de avanço no que se refere à regulação dos conteúdos. Nesse sentido, procurou-se
enfatizar ainda diferentes experiências no campo da responsabilização da mídia, cujos resulta-
dos vêm assegurando maior participação da sociedade civil no monitoramento das produções
dos meios de comunicação, bem como um diálogo mais efetivo entre telespectadores, ouvintes,
leitores, internautas e empresas.
Diante desse contexto, espera-se deixar claro nas páginas a seguir como as questões relativas ao
conteúdo – e suas possíveis implicações – complementam o debate trazido pelo capítulo ante-
rior e contribuem para aprofundar as re exões sobre a regulação de mídia no Brasil. Balizam
estas discussões diversos dados relativos à cobertura que a imprensa vem dedicando à temática
do conteúdo.
- Capítulo 3 -
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
118
A reflexão mais conceitual sobre as inter-relações entre a mídia e os
regimes democráticos, bem como as discussões mais objetivas acerca das
possibilidades e da pertinência de se regular a infra-estrutura das comu-
nicações acabam por recair sobre um novo campo de debate: o da regula-
ção do conteúdo veiculado pelos meios de comunicação. Isso explica, de
certo modo, a ppria organização desses temas ao longo dos capítulos da
presente publicação.
Na ampla diversidade de análises já construídas sobre o cenário midiático, as
interpretações sobre o impacto dos meios de comunicação no comportamento
de sociedades e indivíduos sempre se  zeram presentes. Seja partindo do princí-
pio de que o público encontra-se em posição de total subserviência à mensagem
dos meios, seja postulando uma condição oposta, de absoluta independência de
cidadãos e cidadãs na relação com a mídia, as mais diversas discussões, pesqui-
sas e mesmo legislações produzidas acabaram mirando como um de seus alvos
preferenciais a questão do conteúdo veiculado.
A título de exemplo: no âmbito do jogo democrático, quando uma análise con-
centra-se nos mecanismos por meio dos quais os eleitores serão informados, o
tema central, ao  m e ao cabo, resume-se aos conteúdos veiculados pelos meios
de comunicação. Da mesma forma, quando se defende a existência de um con-
texto de desconcentração da propriedade dos meios, o objetivo  nal é a plurali-
dade de conteúdos e de vozes.
Como já discutido no capítulo anterior, o processo regulatório da infra-es-
trutura, apesar de gerar um efeito direto na regulação de conteúdo, acaba por
não contemplar plenamente os inúmeros aspectos da questão. Nesse senti-
do, costumam ser constituídos marcos legais específicos – bem como ações
conduzidas pela sociedade civil organizada e pela própria mídia – que visam
tratar prioritariamente dos conteúdos produzidos. E é exatamente este o fio
condutor do presente capítulo.
Faces de um mesmo tema
Antes de avançarmos nas re exões diretamente associadas ao debate sobre o
conteúdo, é importante destacar a co-relação entre este tema e as questões que
já discutimos anteriormente. Por isso, não seria redundante a rmar que a efeti-
vidade dos regimes democráticos está fortemente conectada ao cardápio de te-
máticas, idéias e pontos de vista que terminam sendo veiculados – ou deixados
de lado – pelos meios de comunicação de massa, dada a centralidade desse ator
social na contemporaneidade. Da mesma forma, qualquer política de regulação
da infra-estrutura no campo das comunicações só ganha sentido – do ponto de
vista mais amplo – a partir do momento em que também vislumbre, entre suas
diretrizes, as potenciais implicações relacionadas ao âmbito do conteúdo.
Poderíamos, portanto, ressaltar que estamos falando aqui de uma via de mão-
dupla. Se, por um lado, as interações entre mídia e democracia, assim como os
parâmetros de uma regulação da infra-estrutura, re etem-se em alterações no
campo do conteúdo; de outro, como vimos, esses dois blocos de debate aborda-
dos anteriormente também são afetados por aspectos inerentes ao avanço dos
mecanismos regulatórios direcionados às mensagens que mídia veicula.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
119
No entanto, para que possamos prosseguir com sucesso em nossas re exões,
mesmo tendo em conta as sinergias entre as diversas faces do debate sobre as
políticas de comunicação, torna-se necessário aprofundar as questões especí -
cas que dizem respeito à discussão sobre o conteúdo.
Ângulos diversos
A primeira e talvez mais evidente característica das iniciativas de regulação de
conteúdo refere-se à grande repercussão alcançada por essa pauta na esfera pú-
blica, como os pprios dados da investigação conduzida pela ANDI e Funda-
ção Ford demonstram. As discussões alimentadas por jornais, rádios e, especial-
mente, pela televisão chamam, de maneira singular, a atenção dos decisores, dos
formadores de opinião e da ppria opinião pública de maneira geral. Podemos
enumerar algumas explicações para tal cenário:
a. Enquanto o conteúdo é, mal ou bem, acessado por uma camada mais am-
pla da população, por sua vez as implicações relativas às origens e ao poder
desse conteúdo (mídia e democracia) e o pano de fundo do complexo sis-
tema que permite sua produção e veiculação (infra-estrutura) conseguem
mobilizar um número bastante mais restrito de interlocutores.
b. Em decorrência disso, é signi cativamente mais fácil emitir opiniões, juí-
zos de valor e até mesmo realizar estudos empíricos sobre o conteúdo – numa
analogia com a conhecida máxima sobre o futebol no Brasil, poderíamos
dizer que qualquer cidadão e cidadã tem uma posição de nida sobre aquilo
que é veiculado pelos meios de comunicação.
c. Também como conseqüência desse contexto, dissemina-se com facilidade
a noção de que os conteúdos têm o potencial de afetar diretamente – nos
mais diferentes sentidos – a vida cotidiana dos indivíduos. Por outro lado,
o estabelecimento de vinculações entre o dia-a-dia e as demais questões de
políticas públicas de comunicação não se dá de maneira automática.
d. Por serem visivelmente mais freqüentes na sociedade os casos relacionados
ao debate sobre o conteúdo, as próprias empresas de mídia se encarregam de
valorizar essas discussões – seja promovendo suas próprias produções, seja
criticando o que é realizado pelos seus concorrentes. De maneira geral, a
análise sobre o conteúdo permite particularização – o que não tem lugar em
uma re exão sobre temas mais abrangentes, como por exemplo o da proprie-
dade cruzada. A título de ilustração, poderíamos dizer que o erro cometido
pelo programa do apresentador Gugu Liberato, ao transmitir a falsa entrevis-
ta do grupo criminoso PCC, foi somente do SBT, enquanto o debate sobre o
controle de propriedade atinge, hipoteticamente, a todas as empresas.
e. Por  m, as re exões relacionadas ao âmbito do conteúdo são as mais usualmen-
te associadas à recorrente polarização entre censura e liberdade de expressão. Tal
tendência acaba por fortalecer essa discussão na esfera pública, já que, via de regra,
tende a atrair para si o foco do debate acerca das diversas formas de regulação.
Em segundo lugar, diferentemente do que ocorre com as questões apontadas
nos capítulos anteriores, a regulação dos conteúdos se constitui em um univer-
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
120
so temático extremamente amplo, que abarca um conjunto muito diverso – até
mesmo incongruente – de objetos e preocupações. De um lado a pluralidade de
mensagens emitidas (jornalísticas, de serviços de entretenimento, publicitárias
– para  carmos nas mais óbvias), e de outro a diversidade de públicos e interes-
ses, geram um caleidoscópio de problemas – e potenciais soluções – vinculados
à re exão sobre o conteúdo.
Nesse contexto, uma terceira característica dos sistemas regularios dos conte-
údos dos meios de comunicação estaria relacionada à própria multiplicidade de
aspectos envolvidos. Ou seja, quando estamos discutindo conteúdo, podemos
nos referir a questões de diferentes ordens, como produção independente, re-
gionalização da programação, direito de resposta, existência de um ombudsman,
cartas de leitores, direito de antena, conselhos de imprensa, impactos na forma-
ção de crianças e adolescentes – entre outras tantas.
Além disso, no caso da regulação de conteúdo nos deparamos com um cenário
bastante complexo do ponto de vista dos atores envolvidos e das possíveis ini-
ciativas existentes. Ao contrário das discussões sobre a relação entre a mídia e os
regimes democráticos e sobre a área de infra-estrutura – nas quais o Estado tem
um papel preponderante –, quando o conteúdo está em pauta, a auto-regulação
e o envolvimento da sociedade civil organizada e dos indivíduos também pas-
sam a ocupar uma posição de destaque.
Colcha de retalhos
Diante de tais particularidades, é inegável que o debate sobre o conteúdo, a des-
peito dos esforços na direção oposta, acaba por sofrer do que poderíamos cha-
mar de uma “síndrome da colcha de retalhos” – ou seja, torna-se muito difícil
discutir o tema sem passar por questões das mais diversas ordens e que, em
muitos casos, não aparentam ter relação evidente. Assim, não é de estranhar que
as próprias re exões apresentadas nas páginas a seguir acabem por acompanhar,
de certa forma, essa mesma lógica.
Em primeiro lugar, procuramos abordar, muito brevemente, o contexto histórico
mais geral sobre o debate em torno dos processos regulatórios de conteúdo. Em
seguida, apresentamos – baseados em exemplos relacionados, principalmente,
à realidade brasileira – algumas das possibilidades de regulação que podem ser
levadas a cabo pelo Estado, pelo Setor Privado, pela sociedade civil organizada
e pelos próprios indivíduos. Por  m, na última seção deste capítulo, buscou-se
resgatar o histórico dos modelos regulatórios de conteúdo no Brasil.
Um rápido passeio rumo ao passado é especialmente relevante para a discussão
sobre a regulação de conteúdo. Por um lado permite acessar um aprendizado
importante para a compreensão do contexto atual e também para o desenho das
estratégias futuras nessa área. Por outro, traz à tona um alerta central quanto a
um risco já citado anteriormente nesta publicação: não raro, a tentativa de regu-
lar o conteúdo acaba por desaguar na obscura prática da censura.
A pesquisa realizada pela
ANDI com apoio da Funda-
ção Ford aponta que 1,5%
dos textos discute central-
mente a história da comunicação em
seus diferentes ângulos. A investigação
também retrata que 2,5% do material
analisado tece re exões acerca da ativi-
dade jornalística. Em outras palavras, a
cobertura que os meios noticiosos pro-
movem sobre sua própria atividade ain-
da é pouco expressiva. Como veremos,
há uma concentração maior nas questões
de entretenimento.
BREVE HISTÓRICO
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
121
Mesmo que já tenhamos destacado em outros momentos as diferenças funda-
mentais entre censura e regulação democrática das comunicações, não pode-
mos deixar de relembrar que, desde tempos muito remotos, a produção de con-
teúdo foi objeto dos mais diferentes tipos de controle, perpetrados por atores
igualmente diversicados. Vale ainda recordar que, na maioria das vezes, esses
controles – que se estenderam até um passado não tão distante – consistiam em
censurar prévia ou posteriormente as mensagens que desagradavam, por razões
variadas, aos seus controladores. Tudo isso, em uma clara demonstração da im-
portância que sempre foi conferida aos meios de comunicação nas disputas de
poder presentes em todas as sociedades.
Conforme já citado no Capítulo 2, a máxima de que conhecimento é poder sem-
pre levou, ao longo da história, à existência de um controle estrito do uxo de
informações. No Egito antigo, por exemplo, os escribas eram mantidos muito
próximos do imperador, relata o professor da Universidade de Princeton, Paul
Starr. Segundo ele, “por medo do poder que outros poderiam adquirir contra
elas, as elites governantes freqüentemente buscaram “manter o conhecimento
secreto, limitar a discussão pública, e controlar a religião, educação e a ciência
de tal forma a evitar que aqueles envolvidos com essas atividades se apoderas-
sem de informações e idéias perigosas. Nesse contexto, o historiador brasileiro
Nelson Werneck Sodré arma:
Ao comentar como o processo de controle passou a ser intensicado a partir da
invenção da imprensa, o professor da Universidade de Cambridge, Peter Burke,
relata que muitas das informações discutidas até então eram “altamente sigilo-
sas. Ele completa:
O controle dos meios de difusão de idéias e de informações – que se veri-
ca ao longo do desenvolvimento da imprensa, como um reexo do desen-
volvimento capitalista em que aquele está inserido – é uma luta em que
aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e
política, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações. Ao lado des-
sas diferenças, e correspondendo ainda à luta pelo referido controle, evolui
a legislação reguladora da atividade da imprensa. Mas há, ainda, um traço
ostensivo, que comprova a estreita ligação entre o desenvolvimento da im-
prensa e o desenvolvimento da sociedade capitalista. (...) A ligação dialética
é facilmente perceptível pela constatação da inuência que a difusão im-
pressa exerce sobre o comportamento das massas e dos indivíduos. O traço
consiste na tendência à unidade e à uniformidade. Em que pese tudo o que
depende de barreiras nacionais, de barreiras lingüísticas, de barreiras cultu-
rais – como a imprensa tem sido governada, em suas operações, pelas regras
gerais da ordem capitalista, particularmente em suas técnicas de produção e
de circulação –, tudo conduz à uniformidade, pela universalização de valo-
res éticos e culturais, como pela padronização do comportamento.
Por essas e outras razões, estava em operação um sistema de controle ou
censura. Em Veneza, por exemplo, o acesso aos arquivos era estritamente
controlado. O próprio doge não era autorizado a entrar sozinho nos arqui-
vos. Só os membros do Senado tinham essa permissão e só membros do Co-
legio podiam remover documentos. Para evitar a tentação de ler os papéis
sob sua guarda, supunha-se que o zelador do arquivo fosse analfabeto.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
122
Por certo, o sistema mais reconhecido de censura da mídia, àquela altura, foi
implantado nos anos 1.500 pela Igreja Católica. O Índex, catálogo de obras proi-
bidas, foi utilizado pela Inquisição para condenar muitos “hereges. A Igreja, en-
tretanto, não se constituía em caso isolado. Na Inglaterra, conforme já havíamos
ressaltado, os livros somente podiam ser publicados mediante registro prévio
e era crime dar publicidade às discussões do Parlamento. Da mesma forma, o
governo português proibiu a publicação de mapas que descrevessem a costa da
África, temeroso de que suas conquistas  cassem expostas.
Salto histórico
Já nos primórdios dos meios de comunicação de massa, no entanto, juntamente
com a rigorosa  scalização dos conteúdos distribuídos, fortaleceu-se também a
idéia de que o controle autoritário da informação não era inerente à dinâmica
social. Em 1644, como vimos no primeiro capítulo, John Milton fez um enfático
discurso no Parlamento inglês defendendo a liberdade de expressão, fato que  -
cou marcado como um dos primeiros registros desse movimento de resistência.
A temática voltaria a ganhar corpo quase cem anos depois com o movimento
iluminista e, já no século XIX, por meio de pensadores como John Suart Mill.
A introdução de diversas formas de censura pelos Estados conheceu períodos de
maior e de menor intensidade desde então. Em muitos casos, como já discutimos,
Estados totalitários assumiram o completo controle dos meios de comunicação,
impedindo fortemente a circulação de quaisquer informações produzidas por ou-
tras fontes. Em outros momentos, o material veiculado era regulado por meio de
uma análise prévia de órgãos públicos – e vale lembrar que mesmo em democra-
cias mais consolidadas, movimentos como o macartismo tiveram lugar.
Em análise apresentada no artigo “E Lord Jones morreu – discurso por contro-
le democráticos ao poder dos meios de comunicação, o jurista pernambucano
José Paulo Cavalcanti Filho aponta algumas possíveis formas de censura:
Com a consolidação das democracias, principalmente desde a Revolução Ame-
ricana, acabou por se fortalecer um processo de validação de uma série de di-
reitos civis e políticos, dentre eles a liberdade de expressão e de imprensa. A
censura nas suas con gurações mais explícitas, em muitos contextos nacionais,
foi sendo afastada de nitivamente por constituições mais a nadas aos novos
princípios da universalização de direitos.
Isso não signi ca, no entanto, que os governos deixaram de se preocupar com os
conteúdos veiculados pela mídia. O desenvolvimento de formas de regulação sin-
tonizadas aos novos pressupostos constitucionais assegurou que o  m da censu-
ra não representasse uma lacuna legal, mas a consolidação de modelos coerentes
com o regime democrático.
Macartismo
O movimento macartista soma-se ao
rol de episódios históricos marcados por
algum tipo de perseguição ideológica.
Em plena vigência da Guerra Fria (anos
1950), o senador norte-americano Jose-
ph McCarthy  cou famoso por patrulhar
intensamente todos aqueles que julgava
adeptos do socialismo e do comunismo,
inclusive nos meios de comunicação. In-
teressantemente, a atuação do jornalista
Edward Murrow, da rede CBS, foi central
para desestabilizar as ações de McCarthy.
A disputa entre Murrow e McCarthy foi
recentemente retratada no  lme Boa noi-
te, Boa sorte.
... a censura primitiva, do censor o cial e sua tesoura; “a musa da autocensura”,
como a ela se referia George Steiner; a censura econômica, a partir indistinta-
mente do empresariado ou dos governos (com distribuição de publicidade, pri-
vilégios tributários e créditos o ciais); e especialmente a censura dos donos da
notícia [por meio da qual] os jornais, as rádios e as televisões dizem sempre (ou
quase sempre) o que seus proprierios querem (ou permitem) que se diga ...
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
123
O conteúdo em discussão
Do mesmo modo que os mecanismos de controle, a objetividade jornalística
também está, há séculos, na pauta de discussão de pesquisadores e da sociedade.
Em 1861, Karl Marx já denunciava que os jornais londrinos não representavam
a opinião popular, e sim a voz dos políticos que lhes asseguravam determinados
benefícios. Generalizando o cenário indicado por Marx, poderíamos a rmar
que os interesses representados variam de acordo com o contexto histórico, po-
lítico, econômico, social e cultural especí co de cada região. Tal relativização,
na verdade, justi caria o fato de que a representação de interesses é, em parte,
condicionada aos mecanismos que o Estado utiliza em seu relacionamento com
as empresas jornalísticas – mecanismos estes que derivariam da correlação de
forças encontrada na sociedade.
A despeito dessa constatação, não se pode deixar de apontar que as iniciativas de
controle governamental dos meios de comunicação de massa – notadamente a
radiodifusão, em períodos mais recentes – quase sempre estiveram baseadas no
conceito de “interesse público” e não na explicitação dos interesses subliminares
em jogo. Apesar das entrelinhas de tal processo, foi a partir dessa concepção
mais nobre que se construiu, na regulação tradicional das comunicações, a jus-
ti cativa para o controle dos conteúdos pelo Estado. A consolidação dessa idéia
mais abrangente de regulação teve um grande impulso, no contexto do Estado
de Bem Estar Social, com a defesa da liberdade de escolha individual em relação
ao conteúdo e também com a criação de condições igualitárias de acesso aos
diferentes meios.
A partir do século XX, sete objetivos podem ser enumerados, de acordo com
o professor da UFBA Othon Jambeiro, para justi car a intervenção estatal no
processo regulatório (veja mais informações no quadro da página seguinte):
1. Assegurar a liberdade de informação.
2. Proteger a propriedade intelectual.
3. Regular o intercâmbio de serviços.
4. Regular as comunicações de massa.
5. Regular as telecomunicações.
6. Regular a indústria e os serviços de informação.
7. Garantir o acesso público às informações que sejam essenciais ao exercício
da cidadania.
Historicamente, os serviços de telefonia e transmissão de dados consagra-
ram-se como monopólio estatal – exceto nos Estados Unidos – e o processo
regulario passou a ser desenvolvido, principalmente, a partir de questões
relacionadas à sua estrutura física. Três princípios gerais serviram como pi-
lar a essa regulação:
1. Acesso universal (common carriage).
2. Interconexão.
3. Controle de preços (tarifas não discriminatórias).
Por ser reconhecido como questão estratégica para as políticas de desenvolvi-
mento dos diferentes países, o controle desses serviços estava ligado à ppria
segurança do Estado.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
124
O controle de conteúdo, conforme ressaltamos, apresenta características mais
complexas e está fortemente veiculado à plataforma de transmissão e ao tipo
de conteúdo. Assim, as mensagens transmitidas via telefonia raramente são
reguladas pelo Estado, sendo entendidas como um tema privado. O mesmo
não ocorre, segundo já salientado, com os conteúdos veiculados pela mídia
(impressa e audiovisual).
Na mesma direção, há diferenças na regulação de jornalismo, publicidade e
entretenimento. Em relação ao primeiro, objetiva-se proteger a veracidade da
informação e a possibilidade de transmissão da mesma pelos pro ssionais de
imprensa – por meio da garantia das liberdades de expressão e de imprensa e do
sigilo à fonte. Dessa forma veda-se explicitamente qualquer tentativa de censura
prévia e, por conseguinte, de restrições ao livre  uxo da informação.
Já em relação à publicidade, um dos objetivos centrais dos mecanismos regula-
tórios é proteger a sociedade dos malefícios, não explícitos, que podem ser cau-
sados por determinados produtos – no Brasil, a Constituição Federal estabelece
restrições à veiculação de comerciais de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos,
medicamentos e terapias, por exemplo. A propaganda de armas é expressamente
proibida e muitos elementos referentes à publicidade são regulados pelo Código
do Consumidor.
Por fim, no que se refere ao entretenimento, a regulação também prima por
almejar proteger a sociedade, principalmente, naquilo que diz respeito à po-
pulação infanto-juvenil e às demais minorias políticas. No primeiro caso,
um dos instrumentos mais comuns é a classificação indicativa de programas
de televisão, espetáculos e filmes. No segundo, um bom exemplo está nas
iniciativas que estabelecem punições aos conteúdos que manifestam precon-
ceitos raciais, religiosos ou de opção sexual – esse formato já começa a ser
aplicado no Brasil, conforme descreve o quadro “João Kleber e o Direito de
Resposta, na página 163.
Conceitos relevantes
Interesse público – O pesquisador Edward
Banfield, em seu livro Politics, Planning and
the Public Interest – escrito em co-autoria com
Martin Meyerson e publicado em 1955 – de-
fine “interesseblico” como algo que serve
aos fins de todo o público, ao invés de apenas
a determinados setores. Entretanto, o conceito
traz um problema intrínseco em sua definição.
Se, por um lado, é pertinente diferenciar o “in-
teresse do público” do “interesse público, há
que se constatar a dificuldade em apontar-se
de forma acurada o que venha a ser “interesse
público. O que, em cada tema posto, deve ser
identificado como sendo de tal interesse? E o
que não deve? Quem tem o poder de oferecer
tal definição? Como se chega a ela? Estas são
algumas questões relevantes nesse debate – e
cujas respostas não são triviais. Como exem-
plo, podemos estabelecer um paralelo com
uma discussão semelhante, relacionada à pro-
moção e defesa dos direitos da criança e do
adolescente. A Convenção sobre os Direitos da
Criança, da ONU, salienta que as mais distin-
tas questões devem ser sempre resolvidas “no
melhor interesse da criança. Mas, nesse caso,
surge o questionamento: como chegar a tal
melhor interesse”? Fica a interrogação e, com
ela, o aviso de cautela ao se abordar a questão.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
125
Liberdade de informação – Pressupõe
que o acesso e o direito à informação sejam as-
segurados de maneira plena a todos e todas. É
considerada um direito fundamental desde a
primeira seção da assembléia da ONU, em 1946,
assim como está presente no artigo 19 da Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos de 1948
(a íntegra do artigo está na página 05). Para isso,
o Estado deve estimular a criação e a gestão de
instrumentos voltados ao livre e equilibrado  u-
xo de informação, facilitar sua circulação e refor-
çar sua contribuição para o desenvolvimento da
economia, da política, da ciência, da tecnologia,
da cultura e das artes. A liberdade de informação
também é pressuposto para a democracia. A po-
pulação tem o direito de avaliar as ações de seus
líderes e estabelecer o debate sobre elas. Para tan-
to, cidadãos e cidadãs devem ser capazes de ter
acesso à performance dos governantes, o que de-
pende do  uxo de informações sobre o estado da
economia, políticas sociais e outros assuntos de
seu interesse. Também é fundamental no com-
bate à corrupção, podendo o jornalismo inves-
tigativo e as ONGs utilizarem esse direito para a
scalização dos governos.
Fortalecimento da cultura nacional
Implica a adoção de políticas públicas es-
pecíficas para bibliotecas, arquivos e museus,
radiodifusão, cabodifusão, difusão via satéli-
te, jornalismo, publicidade, assim como para
a indústria fonográfica, cinematográfica e
editorial. Muitos governos, preocupados com
os efeitos da globalização na cultura local e
a perda da identidade, estabeleceram, por
exemplo, cotas para a linguagem e produção
original na radiodifusão (Canadá e França
contam com este tipo de exigência legal para
programação em língua francesa).
Universalização de serviços postais e de
telecomunicações
– Signi ca criar condições
para que toda a sociedade tenha acesso aos pa-
râmetros prioritários desses serviços, quando
necessário, por preços módicos e eventualmente
subsidiados. No caso das telecomunicações no
Brasil, a universalização é de nida pela Lei Geral
de Telecomunicações (Lei 9472/97):
Protão à Propriedade Intelectual – É a
garantia, pelo Estado, de direitos autorais e eco-
nômicos sobre patentes e obras de indivíduos e
empresas. Segundo o sítio da World Intellectual
Property Organization (WIPO), a propriedade in-
telectual se refere às produções da mente humana:
trabalhos literários, artísticos e símbolos, nomes,
imagens e designs utilizados no comércio. A pro-
priedade intelectual é dividida em duas categorias:
1) Propriedade industrial – Invenções, pa-
tentes, marcas comerciais, design industrial.
2) Copyright – Trabalhos artísticos e lite-
rários (como romances, poemas, peças,
lmes, trabalhos musicais, desenhos, pin-
turas, fotogra as, esculturas e desenhos ar-
quitetônicos). Incluem ainda o direito dos
artistas sobre suas performances, dos pro-
dutores sobre suas gravações e dos radiodi-
fusores por seus programas de rádio e tevê.
Art. 79. A Agência regulará as obrigações de
universalização e de continuidade atribuídas
às prestadoras de serviço no regime público.
§ 1º Obrigações de universalização são as que
objetivam possibilitar o acesso de qualquer
pessoa ou instituição de interesse público a
serviço de telecomunicações, independente-
mente de sua localização e condição sócio eco-
nômica, bem como as destinadas a permitir
a utilização das telecomunicações em serviços
essenciais de interesse público.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
126
Radiodifusão sob o olhar do Estado
No que se refere à radiodifusão, independentemente do modelo adotado – pú-
blico, estatal ou comercial –, a distribuição e o conteúdo eram (e continuam sen-
do, na maioria dos casos) fortemente controlados pelos Estados. Essa regulação
foi permeada por critérios culturais, econômicos e políticos, baseando-se em
princípios diversos das telecomunicações e mais próximos à lógica já aplicada à
imprensa. O professor da UFBA Othon Jambeiro analisa:
De acordo com o pesquisador argentino Alejandro Piscitelli, o interesse cen-
tral do Estado na radiodifusão está ligado à natureza educacional e cultural dos
serviços. O objetivo desses meios seria a transmissão de conhecimentos dirigi-
dos a públicos particulares em situações históricas especí cas. Essa capacidade
doutrinária” da radiodifusão tende a torná-la interessante a qualquer governo.
Dominique Wolton, em seu livro Elogio do Grande Público, apresenta argumen-
tação parecida.
Ao longo da história, portanto, as lideranças políticas, notadamente as de
cunho autoritário, descobriram que o conteúdo transmitido pelos meios
de comunicação eletrônicos e audiovisuais poderia ser um excelente ins-
trumento de propaganda. Essa percepção foi bem definida pelo ex-ditador
argentino Juan Domingo Perón, em um discurso de 1953: “Podemos dirigir
certas pessoas pela persuasão, dando o exemplo, e outras pela polícia, re-
primindo-as. Quando forem capazes de conduzir 90% dos argentinos pela
persuasão e os 10% restantes pela polícia, vocês obterão um êxito. Mas se
forem obrigados a conduzir 90% da população utilizando a polícia e só 10%
pelo exemplo, vocês terão fracassado.
O uso do conteúdo não se restringe às ditaduras latino-americanas. Antes de
Perón, o regime nazista já se esmerara em mostrar ao mundo, pelas telas do
cinema, suas conquistas e intenções, incentivando  lmes como Triunfo da Von-
tade (1936) e O Judeu Süss (1940). De outro lado, Hollywood respondia com O
Grande Ditador (1940) e, nas décadas seguintes,  lmes que re etiriam o ameri-
can way of life. Esse modelo seria exportado para todo o mundo não apenas pelo
cinema, mas, também, por rádios, televisões e pela publicidade.
Na primeira metade do século XX, a radiodifusão – dada a essa grande ca-
pacidade “doutrinária” no campo político – acabou por favorecer também
Histórica e universalmente, os sistemas regulatórios desenvolvidos para go-
vernar a indústria da tevê têm derivado diretamente dos instrumentos le-
gais e aparatos burocráticos que os Estados-nações criaram para tratar com
a Imprensa. Na medida em que novas tecnologias deram origem a novos
meios de comunicação de massa – o cinema, depois o rádio, em seguida a
tevê – aqueles instrumentos e aparatos foram conseqüentemente adaptados,
muitas vezes para permitir que se pudesse continuar a policiar e controlar
a mídia. Os sistemas regulatórios evoluíram em seguida para evitar danos
morais, regular a relação trabalhista entre empregados e proprietários dos
meios, prevenir excessiva concentração de poder, licenciar freqüências de
dio e tevê, e – particularmente nas democracias liberais da Europa oci-
dental e nos Estados Unidos – garantir formas de competição econômica
su ciente para frustrar o estabelecimento de monopólios.
O termo “radiodifusão
aparece em 62,5% do total
de textos pesquisados na
análise realizada pela ANDI
com apoio da Fundação
Ford, indicando uma forte tendência de
concentração da cobertura nesse campo
especí co das comunicações. Jornais, ci-
nemas e sistemas de televisão a cabo, por
exemplo, dividem o restante da cobertura
com os textos mais gerais sobre um tema
(ou seja, que não identi cam um deter-
minado segmento).
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
127
a disseminação da ideologia capitalista e a mobilização da opinião pública
na busca do consenso social. No campo econômico, contribuiu diretamente
para a criação de um mercado para os equipamentos de recepção e funcio-
nou como poderoso instrumento de marketing para os bens de consumo de
massas no Ocidente.
Paralelamente a essa expansão, novos desenhos passaram a ser estabelecidos no
âmbito das políticas regulatórias da radiodifusão – desde modelos integralmen-
te estatais até mecanismos de auto-regulação implementados pelo Setor Priva-
do, passando ainda pelo monitoramento direto via sociedade civil.
Sempre que se discute regulação de conteúdo, independentemente do meio a
transmiti-lo, parte-se do pressuposto de que devem ser tomados todos os cui-
dados para que os dispositivos elaborados não resultem em censura – ou seja,
a de nição explícita, por autoridades especí cas, daquilo que pode ou não ser
divulgado. Conforme ressaltamos anteriormente, essa permanente vigilância é
válida quando acontece sob o prisma da democracia, no entanto, não raro, mes-
mo governos democraticamente eleitos, como é o caso da gestão do presidente
Luís Inácio Lula da Silva, acabam cometendo seus deslizes nessa seara (ver caso
Larry Rother, na página seguinte).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 corrobora esse ponto, proibindo, in-
clusive, a exigência de licenças especiais para meios de comunicação impressos.
No caso do conteúdo transmitido por jornais, revistas e pela Internet tem-se
geralmente optado pelo estabelecimento de ações punitivas quando acontecem
excessos. No que tange à radiodifusão, porém, abre-se um espaço mais contun-
dente para a regulação de conteúdo, visto que as emissoras operam um recurso
escasso, administrado pelo Estado – as freqüências eletromagnéticas – e, em
contrapartida, devem respeitar o interesse público.
Nesse sentido, é aceitável, como prevê a Constituição, que delas se exija, por
exemplo, a exibição de programas educativos, culturais, regionais e independen-
tes, estimulando e dando voz à pluralidade de atores. Como veremos, a inexis-
tência de legislação que regulamente os dispositivos constitucionais, no entanto,
tem prejudicado a regulação de conteúdo também no âmbito da radiodifusão.
Mesmo assim, autoridades como a Procuradora da República Eugênia Fávero
acreditam que a Constituição Federal, a Lei de Imprensa, a Lei da Ação Civil
Pública e o Código do Consumidor, combinados, representam um arcabouço
jurídico su ciente para se promover a defesa dos direitos do cidadão em relação
à mídia.
MODELOS EM DEBATE
Não existe fórmula única na constituição dos mecanismos regulatórios dos
conteúdos veiculados pela mídia; as experiências em curso no Brasil e em
outros países, bem como a análise de casos concretos de regulação, contri-
buem para a avaliação das diferentes possibilidades
A discussão sobre conteúdo
é o tema central de 50,2%
dos textos analisados pela
pesquisa Mídia e Políticas
Públicas de Comunicação
Esse número é quase cinco vezes mais
elevado do que aquele veri cado pelo
segundo maior foco temático, referente
à abordagem das questões tecnológicas
(11,7%). Vale também mencionar que
jornais e revistas acabaram cobrindo os
aspectos de conteúdo em proporções pra-
ticamente equivalentes.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
128
O jornal norte-americano e New York Times pu-
blicou, em maio de 2004, uma reportagem em que
acusava o Presidente da República Luiz Inácio Lula
da Silva de abusar do álcool. Na ocasião, o Palácio
do Planalto reagiu com indignação, desmentindo
as informações. Larry Rother, correspondente do
NYT no Brasil, passou a ser conhecido em todos
os círculos de debate do País e, na maioria deles, foi
fortemente criticado.
De vilão, o jornalista passou à vítima nos dias se-
guintes. Quando tudo parecia concluído com o
desmentido o cial, o Poder Executivo anunciou
que cassaria o visto temporário de trabalho de Lar-
ry Rother, obrigando-o a deixar o País. A medida
foi recebida pela mídia como uma agressão ina-
ceitável à liberdade de imprensa. “O assunto teria
morrido na segunda-feira, se o governo brasileiro,
por intermédio do porta-voz André Singer, não
divulgasse uma nota agressiva na noite anterior,
dando à reportagem e ao seu autor uma impor-
tância que não tinham, recorda Ricardo Kotscho,
na época secretário de Imprensa e Divulgação da
Presidência da República, no livro Do golpe ao
planalto: uma vida de repórter.
Depois do desgaste com a medida denunciado
pelo governo, achou-se uma saída para o pro-
blema. Por meio de seus advogados, Rother la-
mentou “os constrangimentos” causados por sua
reportagem e o governo considerou essa declara-
ção um pedido de desculpas, aceitando não mais
cancelar o visto do jornalista. “O Presidente deu
o caso por encerrado numa demonstração de ge-
nerosidade, que é uma tradição republicana dos
presidentes brasileiros, concluiu o ministro da
Justiça, Márcio  omaz Bastos.
Diferentes protagonistas
O histórico da regulação dos conteúdos midiáticos pelos Estados Nacionais em
geral e pelo Estado Brasileiro, em particular, deixa claro a vinculação entre a
garantia constitucional da liberdade de expressão e a existência de dispositivos
que permitam uma atuação dentro dos parâmetros democráticos. Nesse senti-
do, vale retomar o texto constitucional brasileiro que, em vários aspectos, se as-
semelha a outros ordenamentos jurídicos. Veja-se que no artigo 220, transcrito
no quadro da pxima página, a garantia da liberdade de expressão é explícita,
porém vem acompanhada de uma ressalva importante: “observado o disposto
nesta Constituição.
O próprio artigo traz, em seu parágrafo único, importantes elementos vincula-
dos à regulação de conteúdo – os quais mereceriam legislação especí ca. Adicio-
nalmente, questões como o direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade,
da vida privada, da honra e da imagem, bem como a rejeição total do racismo e
a prioridade absoluta destinada a crianças e adolescentes são assegurados pela
Carta de 1988.
Ou seja, o primeiro ator com posição de protagonismo na regulação dos conteúdos
é o Estado Nacional e ele exerce essa função por meio de um conjunto bastante
diversi cado de procedimentos. Direito de resposta, classi cação indicativa, progra-
mação independente e regional são algumas das possibilidades que serão abordadas
ao longo das próximas páginas. Também discutiremos, ainda que brevemente, a ex-
periência levada a cabo por outras nações no que tange à regulação de conteúdo.
O caso Larry Rother aconte-
ceu durante o período ana-
lisado pela presente inves-
tigação. De todos os textos
pesquisados, 2,7% tinham
como tema central o episódio. Desses,
75% expuseram um posicionamento
contrário à decisão do governo, 34,4%
se valeram da expressão “censura, 40%
mencionaram o conceito “liberdade de
expressão” e 56% eram material opinativo.
Vale destacar que em nenhum caso houve
a exposição de opiniões divergentes.
O governo e a expulsão de um jornalista
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
129
Art. 220. A manifestação do pensamento, a cria-
ção, a expressão e a informação, sob qualquer for-
ma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer res-
trição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa
constituir embaraço à plena liberdade de informa-
ção jornalística em qualquer veículo de comunica-
ção social, observado o disposto no art. 5º, IV, V,
42 X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza
política, ideológica e artística.
§ 3º Compete à lei federal:
I - regular as diversões e espetáculos públicos, ca-
bendo ao poder público informar sobre a natureza
deles, as faixas etárias a que não se recomendem,
locais e horários em que sua apresentação se mos-
tre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à
pessoa e à família a possibilidade de se defende-
rem de programas ou programações de rádio e
televisão que contrariem o disposto no art. 221,
bem como da propaganda de produtos, práticas
e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao
meio ambiente.
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas
alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias
estará sujeita a restrições legais, nos termos do
inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre
que necessário,advertência sobre os malefícios
decorrentes de seu uso.
§ 5º Os meios de comunicação social não podem,
direta ou indiretamente, ser objeto de monopó-
lio ou oligopólio.
§ 6º A publicação de veículo impresso de comu-
nicação independe de licença de autoridade.
No âmbito das possibilidades regulatórias, podemos considerar ainda, conforme
salientamos previamente, a constituição de modelos de auto-regulação – inicia-
tivas nas quais o próprio mercado de ne os parâmetros de sua atuação. Como
exemplo desses mecanismos, poderíamos apontar as ações de Responsabilidade
Social Empresarial, a função de ombudsman, a implementação de Códigos de
Ética, dentre outros. Vale assinalar, entretanto, que tal forma de controle ga-
nha sentido apenas quando estamos tratando da regulação de conteúdo, mas é
praticamente inviável se o que está em debate é a concessão do uso do espectro
eletromagnético, necessariamente uma atribuição estatal.
Nos anos recentes, complementarmente, passou a se consolidar uma terceira
teoria, que busca articular a atuação do estado, das empresas e da sociedade civil
no âmbito da regulação da mídia. Tal formato taz em sua concepção a idéia de
que, como a rma Claude Jean-Bertrand, em seu livro O arsenal da democracia,
a qualidade pode originar-se da combinação de mercado, lei e ética. Solução
tríplice para um problema capital.
Nesse contexto, alguns mecanismos também têm sido criados por movimen-
tos sociais, pela mídia dita alternativa e até mesmo pelos próprios meios de
comunicação tradicionais. A eles se somam espaços antigos, como os desti-
nados às cartas dos leitores, a artigos de crítica de conteúdo e aos códigos de
ética pro ssionais. Juntos, esses mecanismos constituem o que hoje se con-
vencionou chamar Media Accountability Systems (MAS). “Para entendermos a
O que diz a Constituição
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
130
qualidade da representação política, temos que também considerar a esfera da
responsabilização da mídia, ou a prestação de contas da mídia sobre suas ati-
vidades, arma o jornalista e pesquisador Mauro Porto no artigo “e news
media, civil society, and accountability: toward a new paradigm in communi-
cation for development.
Na opinião de Claude Jean-Bertrand, os MAS representariam quaisquer meios
de melhorar os serviços de mídia oferecidos ao público. O conceito abrange,
segundo o autor, cerca de 60 instrumentos que já foram aplicados e se espera
que mais alternativas sejam desenvolvidas no futuro. “Esses sistemas são um
misto de controle de qualidade, serviço ao consumidor, educação contínua e
muito mais – não apenas, decerto, auto-regulamentação. Aos cidadãos, os MAS
devolvem os direitos humanos que a casta dos prossionais de mídia costuma
conscar”, arma.
Vale assinalar, por fim, que a triangulação entre regulação estatal, auto-re-
gulação e as iniciativas elaboradas por indivíduos e pela sociedade civil or-
ganizada deve ser observada com cautela. Conforme amplamente detalhado
no livro Classificação Indicativa: Cidadania na Tela da Tevê, publicado pela
ANDI e o Ministério da Justiça, a auto-regulação corre o risco de ser abando-
nada pelas empresas quando a escolha entre cumprir os preceitos auto-regu-
latórios e optar por elevar a lucratividade estiver em jogo. Da mesma forma,
a sociedade civil organizada possui recursos limitados para a execução de
um acompanhamento amplo e abrangente. Isto para não mencionarmos, em
ambos os casos, a ausência da possibilidade de sanção. Feitas essas ressalvas,
porém entendemos que a complementação das três formas de regulação de-
mocrática do conteúdo é pertinentes e pode trazer bons resultados.
Nas democracias, a mídia se constitui, ao mesmo tempo, como uma indús-
tria, um serviço público e, para diversos autores, um quarto poder político.
E é exatamente dessas múltiplas faces que surgem a maioria de suas poten-
cialidades e problemas. Segundo Claude Jean-Bertrand, essa tríplice nature-
za gera a associação conflituosa entre cidadãos, jornalistas, proprietários e
dirigentes políticos.
O controle de conteúdo parece ter se tornado uma espécie de calcanhar de Aqui-
les da discussão regulatória no Brasil. O espectro da censura tem sido invocado
por muitos atores – especialmente aqueles ligados às empresas de mídia – a
qualquer sinal de reabertura da discussão sobre a regulamentação do setor. Ge-
ralmente, nesse tipo de debate, utiliza-se como base de argumentação o que está
explicitado pelo artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal de 1988, cujo texto
preconiza que nada pode afetar a liberdade de expressão – o que, como vimos,
constitui uma meia-verdade.
De fato, ainda estão muito vivos nos corações e mentes de boa parte dos forma-
dores de opinião e dos decisores os 20 anos de vigência do regime autoritário,
A pesquisa Mídia e Políticas
Públicas de Comunicação
aponta para o fato de que
nenhum dos textos anali-
sados focaliza, em especial,
formas de accountability dos meios de co-
municação. Adicionalmente, instituições
que há mais de uma década se dedicam a
tal tarefa no País – como a própria ANDI
e o Observatório da Imprensa – não com-
puseram o rol de fontes primárias loca-
lizadas no material, situação também ve-
ricada no que diz respeito ao Conselho
de Comunicação Social. Já o Fórum Na-
cional pela Democratização da Comuni-
cação (FNDC) gura em três textos como
fonte principal.
ESTADO E MECANISMOS DE
RESPONSABILIZAÇÃO
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
131
que varreram a liberdade de expressão, opinião e informação do cenário
brasileiro. Isso não deveria ser utilizado, porém, como pretexto para en-
cerrar, antes mesmo de começar, a discussão sobre a necessidade de im-
plementar novos – e democráticos – instrumentos de regulação.
Liberdade para todos
Para avançarmos em nossas re exões, portanto, é fundamental retomar-
mos rapidamente a discussão aprofundada no Capítulo 1, distinguindo
dois conceitos aparentemente semelhantes: a liberdade de expressão indi-
vidual e a liberdade de expressão que se dá por meio dos meios de comu-
nicação de massa.
Evidentemente, no Brasil, qualquer pessoa pode compartilhar sua vi-
são de mundo publicamente sem ser encarcerada por isso. Os grupos
antagônicos da sociedade podem, por exemplo, expor suas idéias em
seus sítios na Internet e criticar seus opositores. Contudo, na realida-
de, a liberdade de expressão está associada à amplitude do discurso de
quem a detém. Ter liberdade de expressão no horário nobre, em rede
nacional de televisão, é muito diferente de ter liberdade de expressão
subindo em um banco da praça.
Nesse cenário, passa a ser desejável que os processos de regulação de con-
teúdo englobem princípios que tenham justamente o objetivo de garantir
a liberdade de expressão de grupos diversos, aumentando a representação
da sociedade nos meios de comunicação.
Ao longo do triênio analisado na pesquisa conduzida pela ANDI, por
exemplo, uma série de iniciativas voltadas, direta ou indiretamente, a
esse objetivo foram debatidas no País. Temas como a criação do Con-
selho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do
Audiovisual, a votação do Projeto de Lei sobre a Regionalização da
Programação e a elaboração de uma política pública de Classificação
Indicativa somam-se a questões mais gerais, como o Direito de Res-
posta e o Direito de Antena.
Nas páginas a seguir, abordaremos, ainda que minimamente, as dis-
cussões que foram travadas em torno dessas propostas. Vale lembrar,
entretanto, que o fio condutor entre elas é a forte relação que todas
mantêm com a regulação estatal e seu objeto de maior interesse: os
conteúdos midiáticos.
Órgão independente
Um dos elementos cruciais na discussão sobre as Políticas Públicas de
Comunicação no Brasil é a necessidade de harmonizar e centralizar a re-
gulação do setor em um único órgão. Hoje, pelo menos, Ministério das
Comunicações, Ministério da Justiça, Ministério da Cultura, Congresso
Nacional e Anatel dividem diferentes atribuições no tocante à regulação
das comunicações.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
132
Em diversas democracias, uma agência reguladora independente – no sentido de
que seus dirigentes possuem mandatos  xos e não coincidentes com o do Presi-
dente da República, além de orçamentos minimamente garantidos – é a respon-
sável por operacionalizar a regulação do setor, inclusive podendo aplicar sanções.
É o caso das já mencionadas Federal Communications Commission (FCC), dos
EUA, e Federal O ce of Communications (Ofcom), do Reino Unido.
A discussão sobre esse tipo de modelo já encontra alguma repercussão entre os
próprios meios de comunicação. Em editorial publicado no dia 12 de fevereiro
de 2007, ao comentar a política de Classi cação Indicativa levada a cabo pelo
Ministério da Justiça, o diário Folha de S. Paulo conclui:
A única iniciativa mais consistente neste sentido foi elaborada pela equipe do en-
tão ministro das Comunicações, Sérgio Motta, que pretendia transformar a Ana-
tel em Anacom, agência que seria responsável por toda a regulação das telecomu-
nicações, da radiodifusão e dos correios. Tal alteração demandaria a discussão de
uma nova legislação para o setor, uma espécie de Lei Geral das Comunicações, o
que, como comentamos, avança a passos lentos.
Para o Brasil, uma discussão como esta é especialmente relevante quando se ob-
serva as fortes pressões políticas exercidas pelas empresas de mídia. Muitas delas,
segundo o que já apontamos anteriormente, de propriedade de políticos com
cargos no Legislativo e no Executivo.
Direito de resposta
A não adoção de uma agência reguladora independente para o setor, contudo, não
impede a discussão e o potencial avanço de outras políticas públicas pertinentes
para a regulação democrática do conteúdo. É o caso do Direito de Resposta.
Historicamente associado ao início da liberdade de imprensa, o instrumento do
direito de resposta esteve presente nas mais diversas legislações ao redor do mun-
do. Há, basicamente, duas categorias principais de direito de resposta – ex ante
e ex post. Ou seja, anteriormente à veiculação de determinado conteúdo ou na
seqüência da veiculação de alguma a rmação acerca das qual haja discordância.
Quanto ao primeiro caso, vale conferir a recomendação do Editorial Guidelines,
documento produzido pela emissora inglesa BBC:
O estudo Mídia e Poticas
Públicas de Comunicação
releva que somente 0,2%
dos textos trouxe uma dis-
cussão sobre a necessidade
de uma agência reguladora especí ca
para o setor. Foram dois textos, um vei-
culado pelo Correio Braziliense e outro
pela Folha de S. Paulo.
Nessa trilha da classi cação indicativa, será preciso aumentar a credibi-
lidade da equipe de especialistas que sugere aos cidadãos os horários e as
faixas etárias adequadas. O modelo atual – um departamento vinculado
ao Ministério da Justiça – não é a melhor resposta a tal necessidade. Se
sempre haverá subjetividade nesse tipo de arbitragem, tanto pior se ela
car à mercê do governo de turno (e das constantes mudanças a que um
ministério está sujeito).
Uma burocracia federal aunoma – nos moldes de uma agência regula-
dora – teria mais chances de conquistar a con ança do público telespec-
tador.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
133
O direito de resposta ex ante acaba por se con gurar em premissa para a exe-
cução do bom jornalismo. “Ouvir o outro lado, portanto, deveria ser elemento
inerente ao exercício pro ssional. Por isso mesmo, é visto como decorrência de
uma atitude vinculada à prática individual do pro ssional da imprensa ou como
uma determinação das empresas jornalísticas, caso do exemplo acima.
Já o direito ex post, é assegurado, via de regra, por meios legais. Muitos países,
possuem legislação especí ca garantindo tal direito e, nesse sentido, sublinhan-
do que o mesmo não entra em choque com a liberdade de imprensa ou de ex-
pressão das empresas – isto é, caso o direito seja concedido a um determinado
indivíduo ou grupo, os meios são obrigadas a veicular a resposta.
Em muitas nações, vale destacar, o marco legal não é su cientemente claro e as
decisões acabam sendo invariavelmente remetidas ao Poder Judiciário. No caso
brasileiro, a Constituição de 1988 prevê o direito de resposta como pressuposto
da liberdade de informação, referente a quaisquer veículos de comunicação so-
cial. A regulamentação do direito, contudo, ainda é feita pela Lei de Imprensa de
1967, fato que limita a plena utilização do mecanismo, dado que este diploma
legal foi sancionado durante o regime militar e, por isso, apresenta um claro
ranço autoritário, de censura e, logo, inconstitucional.
1
3
3
Direito de resposta em outros países
A utilização do direito de resposta ao redor do mundo segue estruturas mais ou menos institucionalizadas.
Neste quadro apresentamos alguns exemplos referentes a países europeus.
Quando fazemos a rmações sobre erros cometidos, injustiças ou incom-
petências, ou apresentamos críticas fortes e danosas a indivíduos ou insti-
tuições, aos criticados deve ser concedido odireito de resposta, ou seja a
oferta de uma oportunidade justa de responder às alegações antes de sua
transmissão.
A pesquisa desenvolvida
pela ANDI, com o apoio da
Fundação Ford, demonstra
que somente 0,1% dos tex-
tos abordou centralmente
o Direito de Resposta. Ou seja, esse ins-
trumento de proteção dos direitos de
indivíduos e instituições em relação aos
possíveis equívocos cometidos pela mídia
acabou  cando de fora da cobertura, no
triênio pesquisado.
O que diz a Constituição
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, ga-
rantindo-se aos brasileiros e aos estran-
geiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...)
(...) V - é assegurado o direito de res-
posta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou
à imagem;
Ps Modelo adotado
Alemanha
Cada estado da República Federativa possui uma Lei de Imprensa, que obriga jornais e outros peri-
ódicos a publicarem respostas de pessoas afetadas por alegação ou fato publicado. A seção 11 destas
leis exige que as respostas sejam na mesma fonte, com a mesma proeminência e sem exceder o tama-
nho do artigo original – sendo restritas à correção dos fatos. Quem solicita o direito tem três meses
para a requisição e os editores que se recusarem a cumprir voluntariamente podem ser compelidos
a veicularem o direito pelas cortes civis.
Áustria
No caso da mídia impressa, o direito de resposta ao sujeito vítima de uma a rmação incorreta é ga-
rantido pelo Pressegesetz de 1922. Já o Mediengesetz de 1981 estendeu o mesmo para toda a mídia
eletrônica.
Dinamarca
O Conselho de Imprensa Dinamarquês, fundado em 1964, introduziu o direito através do Artigo 41
da Lei de Responsabilidade da Mídia, de 1992. O direito agora opera de acordo com o as Regras so-
bre Ética da Imprensa, adotado pelo Parlamento Dinamarquês em acordo com a União Nacional dos
Jornalistas Dinamarqueses, para casos de incorreção factual. Os pedidos podem ser feitos até quatro
semanas após a publicação e os editores têm quatro semanas para cumprir a decisão.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
134
Espanha
Segundo a Lei Ordinária 2/84, qualquer pessoa diretamente afetada pela publicação de informações
incorretas ou danosas pode requerer, seja na mídia impressa ou radiodifusão a veiculação da versão
correta, sem comentários e com o mesmo destaque dado à informação original. Em caso de não
cumprimento pode-se evocar ação de corte para determinar que tipo de correção é apropriada.
Finlândia
Desde a Lei de imprensa de 1919, todos que conseguirem demonstrar que o material publicado é in-
correto ou ofensivo têm o direito de demandar igual espaço para correção. Hoje em dia, a regulação
é operada pelo Conselho de Meios de Comunicação de Massa, criado em 1968.
França
Desde a Lei de Liberdade de Imprensa, de 1881, o direito é garantido para qualquer um que for men-
cionado ou tenha sido alvo de clara alusão na imprensa, sendo o artigo difamario ou não. O artigo
13 permite que uma pessoa (física ou jurídica) exerça o direito de resposta, que deve ser do mesmo
tamanho e fonte que o artigo ofensivo. Jornais diários devem responder dentro de três dias e outros
periódicos, na edição seguinte. A reposta não pode violar o direito de outros ou atacar a integridade
do jornalista.
Grécia
A cláusula 5 do artigo 14 da Constituição Grega confere direito de resposta a todos os cidadãos
que considerarem alguma publicação ou transmissão por rádio ou tevê incorretas, além de obrigar
o meio ofensor a providenciar uma retratação integral e imediata ou espaço para a defesa da parte
ofendida. Isso também permite a lei prescrever a maneira pela qual o direito de resposta é exercido.
Holanda
Ainda que não haja o direito na legislação, desde 1992 o Código Civil e o Código de Ação Legal têm
reconhecido um direito à reparação de incorreções factuais. Cabe às Cortes decidir como a correção
deve ser operacionalizada.
Noruega
Qualquer um que seja afetado diretamente pela publicação de uma incorreção factual pode deman-
dar uma reparação dentro de um ano, de acordo com a Seção 30 do Código Penal. As cortes podem
(mas raramente o fazem) impor multas pelo não cumprimento – e se uma queixa é aceita, a seção
430a requer publicação com destaque do resultado do julgamento.
Suécia
Não há direito de resposta na legislação, mas existe de fato, como resultado da prática estabelecida
pela Lei de Liberdade de Imprensa e a operação do ombudsman da Imprensa e do Conselho de Im-
prensa – que inclui representação dos empregados e jornalistas das organizações. O ombudsman
media as disputas nas quais não há o cumprimento por parte dos meios, sendo que as respostas são
dadas com destaque su ciente para assegurar que os leitores sejam informados sobre a divergência.
Fonte: Adaptado de Right of Reply in Europe. Estudo de Mike Jempson para MediaWise (fevereiro de 2005).
http://www.mediawise.org.uk/ les/uploaded/Right%20of%20reply%20in%20Europe.pdf
Nuances do processo
Apesar de à primeira vista,  car a impressão de que não há maiores polêmicas
em torno da discussão sobre o direito de resposta, essa não é a verdade. De um
lado, como se pode imaginar, em várias situações as empresas jornalísticas têm
interesses próprios a defender, furtando-se, não raro, em observar o direito de
resposta ex ante.
De outro, no caso do direito ex post, sempre há a argumentação, por parte das
empresas, acerca de uma suposta ingerência dos órgãos reguladores do Estado
– ou do Poder Judiciário – quando oestes optam por conceder espaço nos jor-
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
135
nais, rádios, televisões e outros meios para resposta de indivíduos ou institui-
ções que tenham se sentido ofendidos, de alguma forma, por informações pre-
viamente veiculadas. Nesse sentido, com muita freqüência as empresas resistem
fortemente à concessão desse direito – uma das táticas mais comuns é estender
por anos a  o os processos na Justiça, o que pode levar à situação esdrúxula de
o direito ser concedido, porém em um momento em que a resposta já poderia
ter perdido o seu sentido.
Não por outra razão, as legislações estrangeiras mencionadas acima não se preo-
cupam somente com a concessão de um direito de resposta em abstrato, mas em
especi car os detalhes da operacionalização desse direito. Assim, o intervalo de
tempo máximo para a concessão, a equivalência de espaço, tipo de fonte e desta-
que em relação à informação originalmente publicada são algumas das questões
que acabam por compor o marco legal acerca deste tema.
Direito de antena
No debate sobre a democratização dos meios de comunicação, uma outra pos-
sibilidade regulatória que vem ganhando, a cada dia, mais adeptos é o chama-
do Direito de Antena. A iniciativa busca assegurar aos diversos grupos sociais
e políticos – minorias, partidos, organizações da sociedade civil, por exemplo
– formas de participação na programação dos meios de comunicação.
As legislações espanhola, portuguesa e holandesa já contemplam, com aborda-
gens diferenciadas, o direito de antena. “A exemplo de outras formas de promo-
ção da responsabilidade social da mídia [o direito de antena] supera a via de
sentido único, e transforma a comunicação numa via de mão-dupla entre emis-
sores e receptores; entre público, pro ssionais e empresários, observa Fernando
Paulino, autor de uma tese de mestrado sobre o tema, defendida no Departa-
mento de Comunicação da Universidade de Brasília.
No Brasil, somente os partidos políticos têm efetivamente o direito de antena,
pois são amparados pela legislação eleitoral. Ressalte-se, a esse respeito, que a
classe política vê com muitas reservas propostas de participação popular sobre
os quais não pode exercer controle algum. A inovação do direito de antena apa-
receu, pela primeira vez, na Constituição portuguesa de 1976, referendado no
artigo 40. O jurista Fábio Konder Comparato, no texto “É possível democratizar
a televisão?”, publicado no livro Rede Imaginária - Televisão e democracia, foca-
liza a questão:
“(...) O direito de antena, se bem organizado, pode levar a uma autêntica
educação política das massas (...) Aliás, a superação da via de mão única nas
relações de comunicação – dos Poderes Públicos – ou dos controladores de
emissoras de televisão, em relação ao povo, mas não deste em relação àqueles
– deve desembocar no verdadeiro teste da vida democrática, que é o contro-
le popular das ações dos governantes”. Na vigente Constituição espanhola
também se regulamenta o direito de antena nos seguintes termos: (art. 20,
alínea 4) “a lei regulará a organização e o controle parlamentar dos meios
de comunicação dependentes do Estado ou de qualquer entidade pública e
garantirá o acesso aos ditos meios dos grupos sociais e poticos signi cativos,
respeitando o pluralismo da sociedade e das diversas línguas da Espanha”.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
136
1
3
6
Direito de antena e liberdade de expressão
Luis Felipe Miguel*
Um dos traços característicos mais importantes dos re-
gimes democráticos, ao lado da realização de eleições
periódicas para o provimento dos cargos públicos, é a
vigência de um conjunto de direitos e liberdades indi-
viduais, entre os quais se destaca a liberdade de expres-
são (e sua correlata, a liberdade de imprensa). Entendi-
da em sua forma mais plana, a liberdade de expressão
indica que não existe nenhuma autoridade capaz de
coibir a manifestação de idéias, de opiniões, de fatos
ou da criação artística.
A defesa da liberdade de expressão tomou forma, ini-
cialmente, como uma luta contra a censura do Estado
e da Igreja – cujos marcos  losó cos são a Areopagíti-
ca, de John Milton, no século XVII, e Sobre a liberda-
de, de John Stuart Mill, no século XIX. Hoje, embora
permaneçam tensões aqui e ali, o preceito da ausên-
cia de censura estatal sobre a informação, a opinião
e a expressão artística vigora em todos os países com
instituições formalmente democráticas. Mas também
se percebe com clareza que a ausência de censura não
basta. Abolido o controle político, permanece o con-
trole ecomico sobre a expressão.
De fato, todos somos livres para dizer o que bem en-
tendamos. Mas a efetividade social de um discurso
depende de sua capacidade de atingir uma quanti-
dade de receptores. Nas sociedades de massa, essa
capacidade não está dada naturalmente. São neces-
sários determinados meios técnicos que, por sua vez,
exigem elevado investimento financeiro. Em suma,
é possível gritar na praça pública, mas o que possui
repercussão social é uma transmissão televisiva em
rede nacional, via satélite. A liberdade de expressão
vigora como “liberdade negativa” (ausência de coer-
ção), não como “liberdade positiva” (garantia de seu
usufruto verdadeiro por todos). Todos podem falar,
mas poucos são escutados.
Espaços para grupos sociais
O que ocorre, então, é que um pequeno grupo de con-
glomerados da mídia é capaz de prover a maior parte
dos conteúdos simbólicos e informativos de que os ci-
dadãos e cidadãs dependem para se situarem no mun-
do. Sobretudo a partir dos anos 1990, uma onda de
fusões internacionais restringiu ao mínimo o número
desses grupos. Via de regra, eles agem em diferentes
setores – televisão, cinema, mídia impressa, indústria
fonográ ca, rádios etc. Muitas vezes, estão ligados en-
tre si por diversos negócios comuns e possuem enlaces
com outros setores da economia (no Brasil, a situação
não é muito diferente, exceto pelo domínio inconteste
de um único conglomerado) O resultado é o empo-
brecimento brutal da diversidade de pontos-de-vista
presentes no discurso da mídia.
As muitas respostas a essa situação incluem medidas
de fortalecimento da mídia não-comercial (emissoras
públicas, isentas da pressão do mercado) ou não-pro-
ssional (emissoras comunitárias), bem como tentati-
vas de restrição à oligopolização do mercado de mídia
(limites à propriedade). Um dos caminhos mais inte-
ressantes é o chamado “direito de antena, que consiste
basicamente na cessão obrigatória de espaços na mí-
dia para que diferentes grupos sociais apresentem seus
próprios discursos.
Agendas alternativas
O direito de antena combate o poder da mídia em
duas esferas cruciais e complementares. Primeiro,
propicia que os grupos por ele bene ciados apresen-
tem uma agenda alternativa – isto é, tematizem de-
terminadas questões como sendo de interesse público
(a maior demonstração do poder de agendamento da
mídia é a ausência quase total do problema do con-
trole da informação na pauta política). Em segundo
lugar, amplia o leque de enquadramentos das ques-
tões agendadas, permitindo que diferentes explica-
ções dos problemas e propostas de solução se colo-
quem em seus próprios termos.
Um exemplo familiar de direito de antena é a propa-
ganda partidária no rádio e na televisão brasileiros
– um espaço para que os partidos apresentem sua
visão da realidade e seu programa, mas que tende a
ser transformado num palanque eleitoral precoce, a
serviço de candidaturas especí cas. No caso brasilei-
ro, apenas os partidos ganham o espaço, mas existem
experiências diferentes. Em Portugal, organizações
da sociedade civil são bene ciadas, mas os progra-
mas são veiculados somente nas emissoras públicas.
Outra experiência são os canais de acesso público na
televisão a cabo estadunidense, que estão à disposi-
ção de qualquer grupo ou mesmo cidadão (a Lei do
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
137
Fairness Doctrine
Uma outra alternativa regulatória factível constitui-se na  xação, em lei, da res-
ponsabilidade dos meios de comunicação como promotores da esfera pública
– incluindo as obrigações de tratar das questões controversas de interesse pú-
blico e de dar espaço às posições divergentes. Um exemplo conhecido de regra
legal com este objetivo é a Fairness Doctrine, implementada pelos Estados Uni-
dos. Adotada em 1949, a legislação foi revogada pouco menos de 40 anos depois,
como parte do esforço desregulador do governo Reagan. Na época, defendia-se
que a Fairness Doctrine engessava a imprensa, levando-a a evitar a cobertura
política. Para o analista de mídia Robert Entman, contudo, a revogação da dou-
trina acelerou a degradação da cobertura jornalística, sobretudo na televisão.
A Fairness Doctrine foi editada pela Federal Communications Commission
(FCC) com o objetivo de garantir, no âmbito do jornalismo televisivo e radio-
fônico, a aplicação da teoria democrática da Primeira Emenda à Constituição
norte-americana. Com a medida, a FCC buscou evitar os efeitos tendenciosos
de decisões tomadas pelas emissoras de rádio e televisão orientadas por interes-
ses puramente comerciais. De acordo com a Fairness Doctrine, eram obrigações
das empresas de radiodifusão:
1. Dispensar um percentual razoável de tempo da programação para a cober-
tura de fatos e questões controvertidas de interesse coletivo.
2. Oferecer razoável oportunidade para a apresentação de pontos de vista
contrastantes sobre tais fatos e questões, de modo a proporcionar ao ouvin-
te ou telespectador o conhecimento das diversas versões e opiniões sobre
o assunto.
3. Garantir o direito de resposta a candidatos em campanha política que
tivessem recebido críticas ou sofrido ataques pessoais em matérias ou edi-
toriais hostis.
Cabo brasileira prevê algo similar). A sucessão de
programas bizarros e de grande precariedade técni-
ca, no entanto, afugenta os espectadores.
Garantia de eqüidade
O que é valioso no direito de antena é o entendimento
– cristalino, ainda que implícito – de que os meios
de comunicação, numa democracia, devem expressar
com um mínimo de eqüidade as diversas perspectivas
sociais existentes e dar voz aos diferentes interesses
em con ito na sociedade.
Mas não se trata de uma panacéia. Devido a sua
competência técnica, a mídia tradicional tende a
receber maior legitimidade por parte da audiência
e, portanto, medidas que garantam seu controle e
a dispersão da propriedade continuam sendo in-
dispensáveis. Além disso (e principalmente), como
é inimaginável dar a cada cidadão o acesso aos
meios, torna-se necessário determinar quais gru-
pos devem gozar do direito de antena, o que é uma
complexa decisão política.
* Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais, professor
do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília
(IPOL-UnB) e pesquisador do Conselho Nacional de Desen-
volvimento Cientí co e Tecnológico (CNPq). É autor de ts
livros e dezenas de artigos em revistas cientí cas do Brasil e
do exterior, tendo como temas principais de investigação a
relação entre mídia e política e a teoria da democracia.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
138
A análise Mídia e Políticas
Públicas de Comunicação re-
força a necessidade de uma
re exão semelhante aquela
relativa à Fairness Doctrine
para o caso brasileiro. A pesquisa consta-
tou que 15,7% dos textos analisados apre-
sentam opiniões divergentes. Apesar de
ser um percentual reduzido, se conside-
rarmos que o foco temático do presente
estudo diz respeito a um tema polêmico,
este valor está acima do veri cado em
outras pesquisas conduzidas pela ANDI,
como pode ser constatado pela tabela
abaixo (a exceção é o caso da cobertura
sobre organismos transgênicos).
PRESENÇA DE OPINIÕES DIVERGENTES NAS COBERTURAS SOBRE
POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS
Pesquisa Período analisado Volume de textos Citação de Opiniões
Divergentes
De ciência 2002 262 4,2%
Desenvolvimento
Humano e Social
08/2001 a 07/2002 716 11,2%
Direitos Humanos 2004 1315 11%
Drogas 08/2002 a 07/2003 595 8,4%
Educação
2004 3976 10,3%
Saúde da Criança
2002 993 7%
Saúde do Adolescente
2001 670 5,2%
Tabaco e Álcool
2001 239 6,7%
Trabalho Infantil
2002 652 6,6%
Transgênicos
2004 244 36,5%
Mesmo com a existência de uma legislação na área, ficava em aberto, en-
tretanto, o ponto crucial da formação da agenda da mídia, ou seja, quais
controvérsias mereceriam cobertura. Embora a Fairness Doctrine estivesse
implantada, as emissoras continuavam guiando-se por aquilo que Daniel
Hallin chamou de “controvérsia legítima, que respeitava os limites da ideo-
logia hegemônica.
Questões cruciais – como o papel do complexo industrial-militar –  cavam per-
manentemente fora da agenda e, portanto, também do noticiário. Assim, vozes
muito desviantes – fora do establishment político – não eram contempladas pelo
preceito de dar espaço às posições divergentes. A lei acabava por se adequar ao
jogo político norte-americano, buscando garantir uma disputa mais equilibrada
entre os dois grandes partidos.
O principal mérito de uma me-
dida semelhante à Fairness Doc-
trine não está, portanto, em sua
capacidade de tornar a mídia to-
talmente imparcial – meta que,
na realidade, não se pode atingir.
Está, sim, em afirmar uma vonta-
de política em relação aos meios
de comunicação, deixando claro
o seu caráter de serviço público,
no qual a busca pelo lucro deve
estar subordinada ao interesse
da cidadania.
Em síntese, uma norma do tipo
da Fairness Doctrine defende que
o uso da concessão pública para
bene ciar pontos de vista parti-
culares é incorreto. Nesse sentido,
vale lembrar as palavras do juiz Byron White, da Suprema Corte dos Estados
Unidos, em 1969, quando da interpretação à Primeira Emenda à Constituição:
“É o direito dos espectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da
radiodifusão, que é soberano. A liberdade de expressão se estabelece, portan-
to, para bene ciar o público – isto é, os cidadãos –, que deve ter acesso à uma
ampla gama de informações.
Produção Independente
Outro mecanismo destinado à garantia de maior diversidade nos conteúdos
midiáticos acontece no âmbito das tevês. Como forma de fomentar a par-
ticipação dos diferentes segmentos sociais na programação das emissoras,
muitos países adotam mecanismos de incentivo às produções independen-
tes. No Brasil, as redes produzem quase a totalidade da programação, como
podemos ver no caso das minisséries, novelas e programas da Rede Globo,
para citar um único exemplo. O presidente do Congresso Brasileiro de Ci-
nema, Geraldo Moraes, acredita que é preciso, no caso brasileiro, separar a
transmissão do conteúdo. “A produção independente e regionalizada oferece
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
139
o caráter democrático para a televisão. É preciso fazer do canal de TV a es-
trada transmissora para a sociedade, em toda a sua representatividade.
Segundo o economista da UFRJ Alex Patez Galvão, em vários países euro-
peus a cadeia televisiva é separada em produção, distribuição e exibição. A
maior parte da programação exibida é produzida fora da rede. Na França,
por exemplo, o percentual de produção independente das tevês abertas varia
entre 75% e 100%. Desde 1990, de acordo com Galvão, a União Européia
passou a estabelecer a obrigatoriedade de veiculação de conteúdos produ-
zidos no continente, além de adotar medidas voltadas ao fortalecimento da
produção independente. Isso resultou, em 1997, em uma norma do parla-
mento Europeu chamada “Televisão sem Fronteiras. A diretiva afirma que
os países europeus devem assegurar que as redes de radiodifusão exibam
conteúdo audiovisual europeu – o que não inclui notícias, esportes, televen-
das, etc. – na maior parte do tempo de transmissão e que seja reservado à
produção independente ao menos 10% do tempo de programação transmi-
tido ou 10% do orçamento destinado à programação.
Há países que de nem percentuais pprios de veiculação de produções inde-
pendentes. Na Itália e na Holanda, por exemplo, as tevês devem abrir 20% de sua
programação às produções independentes. Já no Reino Unido, esse percentual é
de 25%, tanto para a BBC quanto para as redes abertas privadas. O economista
Alex Galvão ressalta que vários países exigem ainda que as emissoras destinem
parte de sua grade à programas produzidos na língua local – o percentual varia
de 25% a 50% em nações como Espanha, Portugal, Holanda, Grécia, França,
Noruega, Reino Unido e Comunidade Francesa na Bélgica.
O exemplo da Alemanha
A partir de 1997, o Rundfunkstaatsvertrag – tratado en-
tre os Estados que integram a federação alemã – estabe-
leceu um novo modelo regulatório para a radiodifusão
alemã. O documento, entendido como um tratado entre
os diferentes estados que compõem a federação alemã,
incentivou alterações tanto na regulação da infra-estru-
tura do setor, quanto no que se refere ao conteúdo.
Segundo ressalta o doutor em Direito Alexandre
Ditzel Faraco, no texto “Difusão do conhecimento e
desenvolvimento: a regulação do setor de radiodifu-
são, além da mudança nos parâmetros para a con-
centração empresarial nos meios de comunicação de
massa, citada no Capítulo 2, o tratado alemão de ne
outras restrições voltadas a garantir o pluralismo da
mídia que, caso não sejam atendidas, podem resultar
na cassação das licenças da emissora, sem qualquer
indenização para o empresário.
Uma das possibilidades para o estímulo ao pluralis-
mo é a obrigatoriedade de transmissão, por parte das
grandes emissoras, de programação independente. A
duração dessa programação deverá ser de, pelo me-
nos, 260 minutos semanais (média de 37 por dia).
Desse total, 75, no mínimo, deverão ser transmitidos
em horário nobre – das 19h às 23h30. O responsável
pela programação não poderá estar vinculado, de ne-
nhuma forma, ao dono da emissora.
A desvinculação entre produtor e emissora não é su-
ciente para o Rundfunkstaatsvertrag, na medida em
que a qualidade da programação não pode ser garan-
tida pela intervenção do Estado. Para esse  m – e no
que se refere às empresas acusadas de concentração –,
o documento prevê a criação de comitês de progra-
mação, possibilitando o controle interno da qualidade
das produções transmitidas.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
140
O especialista defende que o estabelecimento de um novo marco regula-
tório de regionalização no Brasil deve contemplar, entre outras coisas, o
acesso da produção independente às grades de programação das emissoras
abertas e fechadas e a diversidade da programação. “Além disso, é necessá-
rio que o princípio estruturador do acesso da população brasileira a pro-
dutos audiovisuais realizados no país, ocorra no maior número possível de
mídias, conclui.
Para o ex- senador Saturnino Braga, o Congresso Nacional tem pela frente o
desafio de fortalecer a ponte entre parlamento e sociedade no campo da co-
municação e da produção audiovisual brasileira. Segundo ele, o Congresso
dispõe de vários instrumentos para participar dessa discussão, como a Frente
Parlamentar pela Cultura, a Comissão de Cinema e Audiovisual do Senado e
o próprio Conselho de Comunicação Social, instâncias que vêm debatendo,
além dos aspectos técnicos, o conteúdo da nossa programação. “É preciso
repensar as formas de produção de conteúdo e incrementar a parceria entre
o cinema e a televisão, dando maior espaço a produção independente, berço
de idéias ricas e criativas, essenciais para um meio de comunicação reconhe-
cidamente influenciador da formação intelectual e cultural dos jovens.
Programação regionalizada
No Brasil, o Projeto de Lei nº 256/91, de autoria da então deputada federal Jan-
dira Feghali (PCdoB/RJ), tramita há 15 anos no Congresso Nacional. A inicia-
tiva tem como objetivo regulamentar o inciso III do artigo 221 da Constituição
Federal, dispondo sobre a programação regional e independente das emissoras
de radiodifusão.
Caso aprovado, 30% da programação das emissoras, veiculada entre 7h e 23h
deverá ser composta de produção regional, sendo 15% de programas que valo-
rizem a cultura e a arte nacionais e 15% jornalísticos. Em 2003, o PL foi  nal-
mente aprovado na Câmara e enviado ao Senado Federal. Em 10 de outubro de
2006 foi entregue ao senador Sérgio Zambiasi (PTB/RS), que deverá relatá-lo na
Comissão de Educação.
Para o jornalista Gabriel Priolli, presidente da Associação Brasileira de Tele-
visão Universitária (ABTU) e da Televisão América Latina (TAL), o resultado
do quadro de concentração de conteúdo – que tenta ser revertido por projetos
como o da ex-deputada Jandira – é um só: “na totalidade do País – exceção
feita às cidades do Rio de Janeiro e São Paulo –, os telespectadores têm pouco
acesso à informação jornalística e às manifestações artísticas e culturais de
suas próprias cidades e/ou regiões, pela carência de oferta desses conteúdos
televisivos”, a rma em documento enviado ao Conselho de Comunicação So-
cial em março de 2003. Para Priolli, os brasileiros que não são paulistas ou
cariocas não estão satisfeitos com o fato de verem muito mais tevê proveniente
de fora de suas regiões. “Querem as suas tradições, a sua cultura, as suas for-
mas de expressão, o seu sotaque e os seus personagens no ar”,  naliza.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
141
Jandira Feghali
É médica, foi eleita Deputada Estadual Constituinte
em 1986 e exerceu mandato de Deputada Federal de
1991 a 2006. É autora do projeto de lei 256/1991, que
regulamenta a Constituição Federal no artigo referen-
te à regionalização da programação cultural, artística,
e jornalística e à produção independente nas emissoras
de rádio e tevê.
Em que medida seu projeto de lei relacionado à
regionalização da produção modi caria o pano-
rama da radiodifusão no Brasil contemporâneo?
A regionalização é um instrumento fundamental para
as alterações do conteúdo na tevê aberta. A democrati-
zação que buscamos é impossível de ser feita sem que
ocorra a regionalização da produção artística e cultu-
ral, principalmente, quando está em debate o modelo
de exploração da tevê digital, que, por ser polêmico,
vai exigir muita mobilização.
Que mudanças ele traria?
A versão original do projeto determinava a exibi-
ção da produção regional nas emissoras de rádio e
tevê entre 7h e 23h. O aprovado estabelece veicula-
ção entre 5h e meia-noite. O número de horas para
a exibição de programas regionais varia de acordo
com número de domicílios atendidos pela emissora.
Para lugares com mais de 1,5 milhão de domicílios
com aparelhos de tevê, a emissora terá de veicular
programação regional por 22 horas semanais. Em
regiões com total entre 500 mil e 1,5 milhão de apa-
relhos, serão 17 horas e nas regiões com menos de
500 mil domicílios com aparelhos de tevê, serão
10 horas de programação regional. Além disso, o
projeto de lei prevê que, do total reservado à pro-
dução independente, pelo menos 40% deverão ser
destinados à apresentação de documentários, obras
audiovisuais de ficção e de animação, incluindo te-
ledramaturgia, e até 5% à apresentação de obras au-
diovisuais de publicidade comercial.
Ao que atribuir a lenta tramitação do projeto
no Congresso?
O projeto foi apresentado em 1991 e desde então en-
frenta muitas resistências entre as grandes emissoras
de tevê. Em função disso, a tramitação da matéria se
alonga durante todos estes anos, apesar das inúmeras
tentativas de acordo em torno do texto.
As emissoras regionais, potencialmente interessa-
das no projeto, se manifestam a favor do mesmo?
E as produtoras independentes, organizações que
produzem conteúdos audiovisuais, etc?
Todos estes setores estão empenhadas na aprovação do
projeto de lei da regionalização, participando inclusive
de diversos atos em prol da matéria.
Como fazer para mobilizar as populações locais
ao redor de algo tão signi cativo?
As entidades envolvidas na matéria têm dado excelente
contribuição nesse sentido, em função de sua proximi-
dade com a comunidade local e produtoras indepen-
dentes. Naturalmente, boa parte da sociedade brasileira
não tem conhecimento sobre o tema ou mesmo da ne-
cessidade de se regulamentar o art. 221 da Constituição
Federal. Por isso precisamos ampliar ao máximo esse
contingente de apoiadores.
Uma maior ênfase no fato de que muitos países
– mais democráticos do que o nosso – possuem
regulamentação semelhante não seria um ar-
gumento importante a ser utilizado no de-
bate público?
Durante a análise feita pelo Conselho de Comunicação
Social do Congresso Nacional, foram realizadas algu-
mas audiências e, nelas, pudemos tomar conhecimento
da legislação nos principais países do mundo. Nesse es-
tudo, constatamos o atraso de nossa situação jurídica. A
ausência da regulamentação gera grandes distorções no
sistema de radiodifusão no País.
Devemos ainda acreditar na aprovação do
seu projeto?
Claro que sim. Tenho trabalhado arduamente para que
isso ocorra o mais brevemente.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
142
Ao longo dos três anos ana-
lisados pela pesquisa coor-
denada pela ANDI, o tema
da regionalização teve uma
razoável presença no notici-
ário, em grande parte potencializada pela
discussão do projeto apresentado pela de-
putada federal Jandira Feghali. De todo o
material pequisado, 14,4% discutem, mes-
mo que lateralmente, a vinculação entre a
comunicação e as questões regionais, cul-
turais ou locais. Num movimento mais tí-
mido, 3,5% dos textos que abordam ques-
tões de conteúdo focalizam de maneira
central a regionalização da programação e
1,9% a programação independente.
SOBRE A PROGRAMAÇÃO INDEPENDENTE E/OU REGIONAL,
A DISCUSSÃO CENTRALMENTE TRAÇADA SE REFERE A*
Importância e características dos temas 31,3%
Projeto da Deputada Jandira Feghali (PL-256/1991) 28,1%
Política governamental para o setor 18,8%
Direitos Humanos 12,5%
Financiamento
9,4%
* 50,2% dos textos trabalham questões de conteúdo e, destes, 5,4% remetem a aspectos
especí cos da regionalização da programação e da programação independente.
Conselho de Comunicação Social
Assim como a questão da regionalização da programação, a efetiva instalação do
Conselho de Comunicação Social no Congresso Nacional é outra determinação
constitucional estabelecida pelo capítulo da Comunicação que vem encontran-
do di culdades para sair do papel.
Durante a Assembléia Nacional Constituinte, um grupo liderado pela deputada
e jornalista Cristina Tavares lutou pela aprovação de um conselho com poderes
normativos e coercitivos no que se refere às Comunicações no País. O conselho
outorgaria concessões,  scalizaria a atitude das emissoras de radiodifusão e de
imprensa e zelaria pelos preceitos defendidos nos artigos 220 e 221 da Constitui-
ção Federal. Não aprovada a proposta inicial, o novo Conselho de Comunicação
Social, tal como previsto no artigo 224 da Carta Magna de 1988, foi constituído
como órgão auxiliar do Congresso Nacional, responsável pela elaboração de pa-
receres, recomendações e estudos solici-
tados pelo Poder Legislativo.
Três anos depois da promulgação do do-
cumento, a lei nº 8.389 (de 30 de dezem-
bro de 1991), deu origem ao Conselho.
Tratava-se de órgão marcado por uma
composição plural, formada por repre-
sentantes patronais e das categorias pro-
ssionais envolvidas com a área, além de
cinco representantes da sociedade, civil,
democratizando o debate sobre o setor.
Sua falta de prerrogativa para intervir na
regulação das Comunicações, no entanto, acabou por limitar suas ações. “Em
sua proposta inicial, o Conselho tinha poderes para realizar concessão de canais
de rádio e televisão e para cassar concessões, explica o jornalista Carlos Chagas,
presidente do Conselho em sua primeira composição, “mas acabou reduzido a
um órgão consultivo. Não foram os deputados propriamente que rejeitaram esse
conselho. Quem rejeitou foram os donos dos meios de comunicação, entenden-
do que o Conselho poderia representar uma interferência em seus negócios.
Embora o texto legal que o criou tenha sido resultado de consenso entre os
vários segmentos envolvidos com o setor, a instalação do Conselho foi siste-
maticamente obstruída por manobras de bastidores que atendiam à pressão da
grande mídia, contrária à sua instalação. Apesar de incorrer em óbvia ilegali-
dade, já que a ppria lei que o criou determinava sua instalação em até 90 dias
após sua promulgação, o Congresso Nacional só procedeu à eleição dos mem-
bros do Conselho mais de dez anos depois, em junho de 2002. A constituição
do órgão, entretanto, só foi viabilizada graças a um acordo que condicionava a
sua instalação ao atendimento de uma demanda das emissoras, relacionada à
aprovação da Medida Provisória que tornava possível a abertura das empresas
ao capital estrangeiro.
Em novembro de 2004, o Congresso Nacional escolheu a composição do segundo
mandato do Conselho de Comunicação Social. “Deputados e senadores referenda-
ram uma composição desequilibrada para os pximos dois anos de trabalho, pro-
testaram, em nota, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço),
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
143
o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a Executiva Nacional dos Estudantes de
Comunicação Social (Enecos), a Federação Interestadual dos Trabalhadores em
Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert) e a Federação Nacional dos Jornalis-
tas (Fenaj). Até hoje o cenário não mudou: os representantes das empresas continu-
am a ser a maioria na composição do conselho.
Nova classi cação indicativa
A classi cação indicativa dos conteúdos audiovisuais também se enquadra no
rol de propostas regularias apresentadas pela Constituição de 1988. Entretan-
to, nesse caso, a história da implementação da política revela um relativo êxito:
ao menos o assunto, em alguns momentos, ganhou as páginas dos jornais e con-
duziu as empresas a um debate público com o governo e com a sociedade civil
organizada. No período do fechamento da presente publicação – fevereiro de
2007 – essa discussão recebeu ainda maior destaque na agenda pública, a partir
da publicação pelo Ministério da Justiça de portaria rede nindo as normas para
o novo modelo de classi cação adotado pelo Brasil.
A classi cação indicativa é um instrumento regulatório que tem como objetivo
apontar quais conteúdos audiovisuais são apropriados ou inapropriados para
crianças e adolescentes, de acordo com suas faixas etárias e com seu contexto
biopsicossocial. No Brasil, um sistema de classi cação da programação foi cria-
do após a entrada em vigor da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e
do Adolescente.
Nos últimos anos, o governo vem discutindo a necessidade de aperfeiçoar o
modelo de classi cação adotado pelo País e, para isso, tem procurado fomentar
o debate público sobre a questão. Nesse contexto, em 2006, após um proces-
so de discussões públicas sobre o tema envolvendo órgãos estatais, empresas
de comunicação, universidades e organizações da sociedade civil organizada, o
Ministério da Justiça apresentou, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, as
bases de um novo sistema de classi cação.
Direitos humanos e diálogo com a sociedade
Fundamentada no paradigma dos direitos humanos, a proposta busca cons-
tituir-se em uma ferramenta de diálogo com a sociedade – especialmente
com os pais, as crianças e os adolescentes –, a respeito do conteúdo midiá-
tico a que somos submetidos diariamente. Assim, longe de constituir uma
ameaça à liberdade de expressão – discurso adotado por diversas emissoras
–, a classificação indicativa busca ser um aliado na garantia do direito à in-
formação de qualidade, assim como na construção de uma sociedade mais
crítica e consciente. “Não é controle, não é censura. É informação qualifi-
cada sobre a produção audiovisual, resume o Diretor do Departamento de
Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justi-
ça, José Eduardo Elias Romão.
De acordo com o Ministério da Justiça, a sinalização de conteúdos audio-
visuais especialmente interessantes e adequados – assim como dos inade-
quados – para determinados segmentos populacionais tem dois objetivos
primordiais: oferecer à sociedade a possibilidade de escolha consciente da
programação a qual se pretende ter acesso; e proteger os direitos de todos os
O levantamento realizado
pela ANDI com apoio da
Fundação Ford demonstra
que somente 0,3% dos tex-
tos menciona o Conselho
de Comunicação Social.
O estudo revela ainda que
3,1% de todos os textos
analisados discutem de
maneira central questões
relacionadas à Classi cação
Indicativa de conteúdos audiovisuais. O
dado, observada a amplitude das temá-
ticas pesquisadas, ressalta a importância
conferida ao tema. Interessante notar
que na cobertura destinada ao assunto
em fevereiro de 2007, ou seja fora do al-
cance da presente pesquisa, houve uma
nítida diferenciação entre matérias ela-
boradas por jornais ligados às emissoras
de televisão – claramente contrárias à
Classi cação Indicativa – e por veículos
impressos sem essa característica – com
matérias mais plurais.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
144
cidadãos e cidadãs, em especial os das chamadas minorias políticas, recorte
social no qual crianças e adolescentes ocupam posição de destaque.
Resultados
Um dos resultados efetivos dessa discussão foi a publicação, em julho de 2006,
da portaria 1.100. A norma regulamenta o exercício da classi cação indicativa
de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema,
vídeo, DVD, jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e congêneres.
Já em fevereiro de 2007, o MJ também regulamentou, com a publicação da
portaria 264/07, a classificação indicativa dos conteúdos de tevê no País.
Apesar de atender às proposições colhidas durante a consulta pública, a me-
dida acabou por gerar um polêmico debate, em muito motivado pelas críti-
cas manifestadas por emissoras privadas insatisfeitas com a nova política. Os
fundamentos conceituais e normativos dessa proposta foram apresentados
no livro Classificação Indicativa – Construindo a Cidadania na Tela da Tevê.
Direitos do telespectador
Lançada em dezembro de 2006, a publicação Classi-
ficação Indicativa – Construindo a Cidadania na Tela
da TV é fruto de uma parceria entre Ministério da
Justiça, Agência de Notícias dos Direitos da Infância
(ANDI), Save the Children Suécia e Fundação Avi-
na. A obra é apresentada em três idiomas – portu-
guês, inglês e espanhol – e busca debater a prática da
classificação amparada por diferentes perspectivas
metodológicas (medicina, psicologia, sociologia, ci-
ência política, direito comparado).
O material – fruto de uma extensa análise bibliográ ca
e colaboração de diversos especialistas no tema – mar-
ca a atuação do Estado como agente de informação na
garantia de meios e cazes para a regulação democrá-
tica sobre o acesso a conteúdos audiovisuais. Para isso,
utiliza como pano de fundo para esse debate uma lei-
tura aprofundada da realidade socioeconômica brasi-
leira, bem como do contexto nacional referente à regu-
lação dos meios de comunicação. Nesse sentido, o livro
descreve o ambiente regulatório das telecomunicações,
assim como as principais características do setor de co-
municações de nosso País, vis-à-vis os marcos legais de
outras democracias.
Na obra estão presentes também debates acerca de
como os conteúdos audiovisuais são absorvidos e in-
terpretados pelo público a ser protegido – compre-
ensão indispensável na discussão sobre classificação
indicativa. A publicação debate ainda os impactos da
programação audiovisual (principalmente a de rádio
e tevê) sobre crianças e adolescentes e examina a ex-
periência internacional na área de regulação.
Segundo o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bas-
tos, Classificação Indicativa – Construindo a Cidada-
nia na Tela da TV resulta do equilíbrio entre o di-
reito à liberdade de expressão e o dever de proteção
absoluta à criança e ao adolescente. “A obra faz mais
do que registrar os desafios e as conquistas vividos
por pessoas e instituições comprometidas com a re-
alização da Constituição Federal. Ela conta parte da
história de redemocratização do País, destaca.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
145
V-CHIP
Em 2001, o governo brasileiro aprovou a lei 10.359,
que estabelece a obrigatoriedade de aparelhos de
televisão fabricados a partir de sua vigência con-
terem um dispositivo eletrônico – conhecido como
V-CHIP. Desenvolvido por Tim Collings, da uni-
versidade canadense Simon Fraser, em Vancou-
ver, o mecanismo permite aos pais ou responsá-
veis bloquearem programações que apresentam
conteúdos considerados inadequados. Para tan-
to, os programas necessitam ser objeto da Clas-
sificação Indicativa.
Segundo especialistas, mesmo com algumas limita-
ções, o V-CHIP pode ser uma estratégia relevante
se adotada em conjunto com outras medidas. Con-
tudo, a lei que demanda a introdução da tecnologia
no cenário brasileiro já sofreu duas alterações a fim
de prorrogar os prazos que os fabricantes de televi-
sores têm para começar a produzir aparelhos com
esta configuração. Em tese, a indústria eletrônica já
deveria, desde o dia 30 de junho de 2004, ter ini-
ciado a produção de aparelhos contendo o V-CHIP.
Essa foi a data limite estabelecida pela lei 10.672/03,
que alterou o prazo inicial definido pela legislação
anterior. No entanto, diversas propostas legislativas
foram apresentadas no sentido de prorrogar pela ter-
ceira vez a data para instalação do V-CHIP nos apa-
relhos de tevê do País.
Dentre estas propostas, a mais significativa foi a Me-
dida Provisória 195 de 29 de junho de 2004, editada
um dia antes de encerrado o prazo anteriormente es-
tabelecido. Tal MP alterava a data limite para 31 de
outubro de 2006, porém foi integralmente rejeitada
pelo Congresso Nacional, o que nos leva à situação
esdrúxula de ter como prazo legalmente estabelecido
o já vencido 30 de junho de 2004. Os fabricantes, por
sua vez, seguem sem incluir o dispositivo nos apare-
lhos que produzem.
Outros projetos de lei
São inúmeros os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que
visam alterações no marco regulatório brasileiro acerca das comunicações.
Uma análise detida dos mesmos, fora do alcance do presente texto, permiti-
ria elaborar e sistematizar um rol de propostas pertinentes para o setor, bem
como compreender quais são os parlamentares e partidos que centralmente
se interessam pela questão. Algo semelhante foi feito pelo cientista político
Guilherme Canela no artigo “Históricos e Perspectivas: Uma Análise da Le-
gislação e dos Projetos de Lei Sobre Radiodifusão no Brasil”, o qual, entre-
tanto, exige uma atualização.
Apenas como ilustração, poderíamos mencionar o Projeto de Lei nº 110 de
1995, de autoria do senador Pedro Simon (PMDB/RS), que previa a criação
obrigatória, nas emissoras de radiodifusão, de um serviço de atendimento
ao público, centrado na figura do ombudsman. Em 29 de janeiro de 1999, a
proposição foi arquivada ao final da legislatura. Ainda assim, em entrevista
reproduzida a seguir, o senador ressaltou o avanço, no que se refere à Co-
municação Social, promovido pela Constituição Federal e pelos debates no
Congresso Nacional: “Eu destacaria especialmente três iniciativas: a criação
da Subcomissão Permanente de Cinema, Teatro, Música e Comunicação So-
cial; a instalação do Conselho de Comunicação Social; e a importante expe-
riência dos canais legislativos, que propiciam a aproximação das instituições
com a opinião pública.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
146
A pesquisa Mídia e Poticas
Públicas de Comunicação re-
vela que, de todo o material
analisado, 35% mencionam
algum tipo de legislação,
sendo que 1/3 desses textos se referem a
projetos de lei e propostas de emenda à
Constituição.
Outra iniciativa que merece atenção é o Projeto de Lei nº 3232 de 1992, do então
senador Josaphat Marinho (PMDB/BA), prevendo a criação de uma nova Lei
de Imprensa, em substituição à atual de 1967. Em 2 de setembro de 1997, foram
publicados os pareceres das comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação
e Informática (CCTCI) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJR),  -
cando o projeto pronto para ser inserido na ordem do dia. Há nove anos, no
entanto, a proposta aguarda votação.
1
4
6
Pedro Simon
O senador Pedro Simon é um dos mais ativos par-
lamentares no debate e no encaminhamento de
questões relacionadas aos meios de comunicação.
Ele foi o relator do Relatório Radio e TV no Brasil
– diagnósticos e perspectivas, produzido em 1997,
no Congresso Nacional.
Qual sua avaliação sobre a atuação do Congresso
Nacional na área de regulação dos meios de co-
municação? Que fatores ou interesses impedem
ou di cultam o avanço de questões essenciais a
serem enfrentadas, como concentrão da pro-
priedade, regionalização da programação, en-
m, a própria regulamentação do Capítulo da
Comunicação Social na Constituição Federal?
É inegável que o Parlamento brasileiro já avançou
muito na discussão de temas e aprovação de medidas
relacionadas à democratização dos meios de comu-
nicação. Eu destacaria especialmente três iniciativas:
a criação da Subcomissão Permanente de Cinema,
Teatro, Música e Comunicação Social; a instalação
do Conselho de Comunicação Social; e a importante
experiência dos canais legislativos, que propiciam a
aproximação das instituições com a opinião públi-
ca. Iniciativas dessa grandeza ampliam o debate em
torno de grandes temas e instrumentalizam o Par-
lamento para lidar com as delicadas questões que
envolvem a mídia. É preciso registrar, também, que
o Congresso Nacional aprovou um texto constitu-
cional competente, abrangente e completo, no que
se refere à Comunicação Social. O capítulo que trata
do tema prevê, por exemplo, a proibição de que os
meios de comunicação constituam objeto de mono-
pólio ou oligopólio; e exige que as programações de
televisão respeitem, de um lado, os valores éticos e
morais da família e, de outro, priorizem a promo-
ção da cultura nacional e regional. Infelizmente,
nem todos esses princípios estão regulamentados,
nem todos eles são respeitados. Acredito, sem dúvi-
da, que deveria haver uma maior mobilização para
aprovação das medidas legislativas que tratam des-
ses temas. O Parlamento brasileiro deve priorizar
essas discussões pela importância que a mídia tem
na vida brasileira.
Na sua visão, quais as questões mais prementes
a serem discutidas e incluídas em uma eventual
nova lei de comunicação de massa?
Vivemos em um mundo em que os meios de co-
municação assumem, cada vez mais, o papel de
mediadores das relações sociais. Especialmente a
televisão, que chega a ser considerada por alguns
estudiosos como verdadeira matriz de valores, su-
perando nessa função a própria família, a escola,
a Igreja, até mesmo os partidos políticos. Estudos
recentes revelam que as crianças do mundo intei-
ro passam, em média, três horas diárias em frente
à tela da televisão. Ou seja, gastam com a televisão
pelo menos 50% mais tempo do que em qualquer
outra atividade não-escolar, incluindo a elaboração
de deveres de casa, convívio com a família e amigos
ou leitura. A verdade é que, ao dominar amplamente
o cotidiano das crianças, a televisão transformou-se
no principal fator de socialização. Assim, eu desta-
caria a importância do debate sobre a influência da
televisão sobre os pequenos e jovens.
Que tipo de informação, que tipo de mensagem
as nossas crianças e os nossos jovens estão re-
cebendo através da televisão? Que impacto as
cenas de violência exibidas na televisão e nos
vídeos podem ter sobre estes cidadãos em for-
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
147
mação? Qual a responsabilidade dos poderes pú-
blicos, da sociedade e dos próprios meios de co-
municação nessa questão?
Esse tema ganhou ainda maior relevância com a entre-
vista do dramaturgo Sílvio Abreu, à revista Veja, em
julho do ano passado. Nela, o autor de novelas infor-
ma sobre pesquisa encomendada pela rede Globo que
nos obriga a uma profunda reflexão. Ele constata que,
de uns tempos para cá, houve uma mudança drástica
na mentalidade dos telespectadores das novelas. Para
as pessoas consultadas, principalmente donas-de-
casa, é válido utilizar de todos os meios para vencer
na vida, mesmo se condenáveis, como enganar, roubar
e corromper. A maioria já não se torce mais pelos ‘mo-
cinhos’ e ‘mocinhas, considerados agora uns chatos e
fracassados. Vemos que os valores morais e os princí-
pios da dignidade e decência na relação com o pxi-
mo, estão em processo de desintegração, a julgar pelo
resultado da pesquisa da emissora. O Senado deverá
fazer essa reflexão e já convidamos o dramaturgo para
um debate sobre o assunto.
O Parlamento brasileiro não pode mais retardar uma
ampla discussão sobre a televisão brasileira. Ao lado
de temas como educação, saúde, trabalho e tantos ou-
tros que, tradicionalmente, são debatidos no Congres-
so Nacional, precisamos dedicar atenção urgente ao
conteúdo que a mídia oferece às crianças e jovens.
Quais os efeitos da concentração dos meios de
comunicação no Brasil?
O rápido desenvolvimento de novas tecnologias de
comunicação, a possibilidade de convergência en-
tre mídias clássicas de informação e entretenimen-
to (como o rádio, a televisão e até mesmo o jornal)
com as telecomunicações e a informática - mais
especificamente o computador como suporte a um
sem número de novas aplicações - tornam a questão
da propriedade dos meios de comunicação um pro-
blema cada vez mais complexo. De olho no atraente
mercado multimídia, que abre a possibilidade de no-
vos negócios, os grandes conglomerados de comuni-
cações nacionais e internacionais se expandem para
conquistar o Brasil, o segundo mercado potencial
das comunicações em todo o mundo, atrás apenas
da China. Observa-se, por exemplo, o controle das
operadoras e programadoras de tevê por assinatura
pelos grandes e tradicionais grupos de comunica-
ção do País, além do que se chama de concentração
vertical da propriedade, ou seja, o controle por um
único grupo dos processos de produção, veiculação,
comercialização e distribuição de programas de te-
levisão. Acredito que precisamos estar atentos para
que esse novo cenário possa ser regulamentado, prin-
cipalmente, no caso da televisão, com salvaguardas
que resguardem o direito da população brasileira a
uma programação de qualidade.
CASOS EMBLEMÁTICOS
No período analisado pelo estudo coordenado pela ANDI em parceria com a
Fundação Ford, como vimos, alguns episódios ocorridos no Brasil foram espe-
cialmente ilustrativos para o debate proposto na presente publicação. Tratamos
previamente, por exemplo, da tentativa de expulsão do jornalista Larry Rother,
do projeto de lei acerca da regionalização da programação, da bem-sucedida
proposta de aprimorar a regulação referente à classi cação indicativa e, no Ca-
pítulo 2, de situações como a possibilidade não concretizada de concessão de um
empréstimo, via Bndes, às empresas de comunicação.
A seguir, analisaremos três outros fatos ocorridos no triênio pesquisado e que
permitem re exões importantes não somente quanto à regulação dos conteú-
dos midiáticos, mas também quanto à cobertura jornalística direcionada a tais
casos. Longe de nos aprofundarmos em análises de mérito mais especí cas dos
exemplos citados, a proposta é revelar as nuances do debate sobre as Políticas
Públicas de Comunicação, bem como do comportamento da imprensa diante
dessas questões.
Merece destaque o fato de
que somente quatro dos
1.184 textos analisados pela
pesquisa coordenada pela
ANDI abordam discussões acerca de
uma potencial Lei Geral de Comunica-
ção de Massas.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
148
O sepultamento do Conselho Federal de Jornalistas
Em abril de 2004, a direção nacional da Federação Nacional dos Jornalistas (Fe-
naj) e os presidentes dos sindicatos estaduais foram recebidos, no Palácio do
Planalto, pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Uma de suas
principais reivindicações era o envio ao Congresso Nacional de um projeto de
lei parado há mais de uma década no Ministério do Trabalho, criando o Conse-
lho Federal e os conselhos regionais de Jornalistas.
O Conselho tinha por objetivo “orientar, disciplinar e  scalizar o exercício da
pro ssão de jornalista. Além disso, pretendia “zelar pela  el observância dos
princípios de ética e disciplina da classe” e “colaborar com o aperfeiçoamento
dos cursos de jornalismo e comunicação social com habilitação em jornalismo.
Quatro meses após o encontro, o presidente Lula assinou o projeto de lei e o
enviou ao Congresso Nacional.
Prontamente, a grande mídia manifestou-se contrária à iniciativa do Poder
Executivo, alegando que se tratava de uma tentativa de recriar a censura prévia
no País. “A Record não aceita nenhuma espécie de controle. Já tem sua ética,
uma programação voltada à família. Não tem de assinar nada, porque já exis-
tem leis, como a Lei de Imprensa e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que
punem excessos. E não vai dar nenhuma sugestão [ao governo]. A sugestão
é aplicar a lei vigente, disse Dennis Munhoz, presidente da rede, em alusão
também ao projeto que previa a criação da Agência Nacional do Cinema e do
Audiovisual (Ancinav).
Na época, o ex-secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da Repú-
blica, Ricardo Kotscho, resumiu os argumentos na defesa do projeto de lei: “O
objetivo central da criação do CFJ – a exemplo do que há muito ocorre com
advogados, médicos, economistas e outras categorias – é exatamente defen-
der a dignidade e a ética exigidas no exercício da pro ssão, para garantir à
sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns
pro ssionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço
dos seus interesses.
Em 15 de dezembro de 2004, o Congresso Nacional rejeitou o projeto de lei em
votação simbólica, já que sua derrubada havia sido acordada previamente em
troca da aprovação de outras medidas. O relator do projeto, Nelson Proença
(PPS-RS), concessionário de emissoras de rádio no Rio Grande do Sul, pediu
a rejeição da proposta: “A atividade jornalística é intrinsecamente agressiva aos
interesses de quem tem as suas mazelas expostas por matéria publicada. Mas
isso é socialmente legítimo, saudável e essencial à democracia.
A tentativa de criação da Ancinav
Também em 2004, o Ministério da Cultura acenou com um projeto de lei para a
criação de uma nova agência nacional, a Ancinav, voltada à regulação do cine-
ma e das emissoras de televisão aberta e por assinatura. A Agência Nacional de
Cinema (Ancine) seria extinta. Novamente, a mídia – principalmente televisiva
– voltou a acusar o governo, assim como  zera em relação ao Conselho Federal
de Jornalistas, de tentar implantar a censura prévia no Brasil. Um dos principais
alvos era o artigo 43 do documento, que confere à agência o poder de “dispor
A investigação levada a cabo
pela ANDI, com o apoio da
Fundação Ford, denota que
7,5% dos textos pesquisa-
dos dedicaram-se a debater a potencial
criação do CFJ. A discussão, raramente,
atendeu o princípio básico de apresentar
os dois lados em disputa: 64% dos textos
trouxeram inequívoca e exclusivamente
posicionamentos contrários ao projeto e
4,5% ofertaram aos leitores um material
com opiniões favoráveis e contrárias na
mesma proporção. Em 66% dos casos, as
opiniões vieram pela voz de uma fonte
de informação, sendo que enquanto as
empresas e suas associações foram ouvi-
das em 15% das matérias, os sindicatos
de jornalistas e a federação da área foram
consultados em 2,2%.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
149
sobre a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da progra-
mação” das emissoras de televisão.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) reagiu fortemente,
por meio de seu presidente, à época, José Pizani: “Nossa posição é de não assinar
termo algum, o qual consideramos indiscutível. Defendemos a auto-regulamen-
tação.” O cineasta Cacá Diegues, em artigo publicado no jornal O Globo, acusou
o projeto de ser “redutor, xenófobo e autoritário.
Reunidos, o Sindicato da Indústria do Cinema e Audiovisual (Sicav), do Rio
de Janeiro, os sindicatos dos distribuidores do Rio e de São Paulo, a Associa-
ção Brasileira de Operadoras de Multiplex (Abraplex), a Federação Nacional
de Empresas Exibidoras Cinematográ cas (Feneec) e a Associação Brasileira
de Cinema (Abracine) também protestaram, em nota coletiva: “Entendemos
que os princípios e fundamentos da lei em questão podem conduzir a um
dirigismo centralizador estatal sobre o conteúdo e a dinâmica das relações
econômicas do setor”.
O Ministério da Cultura chegou a cogitar a retirada do polêmico artigo 43
da proposta de criação da Ancinav. Queremos eliminar um foco de mal-
entendidos e começar a discussão em bom tom, declarou o secretário-exe-
cutivo do ministério, Juca Ferreira. O jornalista Luis Nassif reconheceu que
o projeto de lei não previa o controle de conteúdo, e sim a verificação de
quais produtos se enquadravam nos dispositivos constitucionais, identifi-
cando a nacionalidade de seus responsáveis em consonância com os limites
estipulados para o capital estrangeiro nos meios de comunicação. “A missão
de uma política para a área deveria ser a de criar estímulos para que novos
produtores culturais surjam no País e que as atuais emissoras se voltem para
o mundo – como exportadoras de produtos de entretenimento. A função da
política pública é abrir espaço para o novo. Se se limitar a ser um consenso
do velho, o novo jamais nascerá, lembrou.
Face à pressão da iniciativa privada, o governo não chegou a encaminhar o pro-
jeto de lei ao Congresso Nacional.
Ficção e jornalismo: o Caso Gugu-PCC
Outro caso emblemático nesse debate foi protagonizado por um programa do-
minical brasileiro. Em meio a disputas ferrenhas pela audiência, o apresentador
Gugu Liberato veiculou uma entrevista com falsos integrantes da facção crimi-
nosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em seu programa Domingo Legal,
transmitido pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), no dia 7 de setembro
de 2003. Durante a entrevista, os dois supostos membros do PCC ameaçaram
diversas personalidades públicas e apresentadores de outras emissoras. A farsa
foi desmontada por meio de uma denúncia e os pprios advogados da facção
garantiram que os entrevistados não pertenciam ao grupo criminoso.
Depois da repercussão contrária à iniciativa do Domingo Legal, o Ministério das
Comunicações multou o SBT em R$ 1.792,53, algo em torno de sete salários
mínimos vigentes no Brasil em 2004. O valor torna-se ainda mais irrisório se
comparado aos US$ 600 milhões em publicidade recebidos anualmente pelo
A pesquisa Mídia e Políticas
Públicas de Comunicação
constatou uma diferença
fundamental entre a cobertu-
ra do CFJ – diretamente relacionada aos
interesses da mídia impressa – e da An-
cinav. Esta foi radicalmente mais plural
do que aquela – lembrando que a investi-
gação analisou apenas os jornais impres-
sos. Do material analisado que abordava
diretamente a questão da Ancinav, 56%
apresentava ou somente posições favo-
ráveis ou somente contrárias. Em cerca
de 33% dos textos a abordagem trazia,
concomitantemente, posições contrárias
e favoráveis à proposta. Entretanto, no-
vamente, veri cam-se diferenças entre
os veículos no tocante a sua inserção em
grupos empresariais mais amplos, com
interesses diretos no cinema e no au-
diovisual. Enquanto o semanário Carta
Capital, dentre as revistas, respondeu
por 70,6% dos textos que discutiam ma-
joritariamente a Ancinav, a Época foi
responsável por 5,9%. Entre os jornais,
enquanto a Folha de S. Paulo contribuiu
com 11,8% do material sobre Ancinav e
O Estado de S. Paulo com 10,3%, O Globo
foi responsável por 2,9%.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
150
SBT, de acordo com dados da pesquisa Os Donos da Mídia. Ao expedir a multa,
o próprio Ministério admitiu que o valor era simbólico, mas esclareceu ser o
limite máximo que o governo podia estipular. Em parecer sobre o caso, o órgão
argumenta que a emissora descumpriu o artigo 53 do Código Brasileiro de Te-
lecomunicações, que trata do abuso ao exercício da liberdade de expressão, in-
correndo em ofensa à moral familiar ou dos bons costumes e veiculando notícia
falsa, com perigo para a ordem pública, ecomica e social.
Em acordo com a Justiça do Estado de São Paulo, Gugu aceitou doar R$ 750
mil a instituições de caridade, indicadas pelo Ministério Público, para escapar
dos processos cível e criminal. Em junho de 2006, prescreveram os crimes pelos
quais o apresentador e outros cinco acusados respondiam e a ação, que corria na
2ª Vara Criminal de Osasco, foi arquivada.
De acordo com a análise ca-
pitaneada pela ANDI, com
apoio da Fundação Ford,
2,4% dos textos pesquisados
retrataram com destaque
o caso da falsa entrevista veiculada pelo
programa Domingo Legal. Vale assinalar
que 28,6% das fontes ouvidas pelos jor-
nais, para esse episódio, eram vinculadas
ao Ministério das Comunicações e 35,7%
ao Ministério Público.
As questões relativas à publicidade representam 4,7% da cobertura global
sobre Políticas Públicas de Comunicação e 9,4% daquela sobre questões
de conteúdo. O tema é espinhoso para as empresas de comunicação, visto
que a publicidade é a sua principal fonte de renda; logo, cobrir o setor é
trabalhar com os interesses diretos de um de seus stakeholders mais rele-
vantes. Mesmo assim, não se pode dizer que, isoladamente, a cobertura
sobre o tema foi desprezível.
O tratamento editorial dispensado à questão concentrou-se na proibição
e/ou regulação da publicidade para um setor especí co – a maioria das
matérias se remeteu ao de bebidas alcoólicas. Vale destacar que discus-
sões importantes – como a da publicidade infantil ou a da publicidade
governamental –  caram de fora ou tiveram cobertura menos expressiva.
Dada a abrangência das temáticas abordadas por essa investigação, não
aprofundaremos, ainda que minimamente, a discussão sobre a publicida-
de e sua regulação – o que, de forma nenhuma, indica que este é um tema
de menor relevância, devendo  gurar no rol de preocupações acerca das
políticas de comunicação.
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: PUBLICIDADE NO FOCO
SOBRE A PUBLICIDADE, A DISCUSSÃO
CENTRALMENTE TRAÇADA SE REFERE A*
Proibição da publicidade de um setor especí co 41,1%
Disputa entre empresas em razão da publicidade 28,6%
Publicidade governamental 19,6%
Regulamentação da publicidade de um setor especí co 10,7%
* 50,2% dos textos trabalham questões de conteúdo e, destes, 9,4% remetem a questões
especí cas da publicidade
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
151
BREVE PANORAMA DAS
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
Assim como acontece no caso da infra-estrutura, os modelos de regulação
de conteúdo adotados em outros países podem contribuir para re etir sobre
os limites e avanços registrados no marco regulario brasileiro; a seguir,
apresentamos um rápido retrato de algumas experências internacionais
Como vimos no Capítulo 2, as experiências levadas a cabo em outras nações cons-
tituem uma importante referência para as re exões sobre os modelos regulatórios
adotados no Brasil. Nesse sentido, a proposta da presente seção é apenas oferecer
algumas informações complementares. Além disso, é signi cativo destacar que, por
ocasião do estudo sobre a regulação internacional acerca da classi cação indicativa
– realizada pela ANDI e pelo Ministério da Justiça, com apoio da Save the Children
Suécia e da Fundação Avina – elementos relevantes dos marcos legais que tratam
dos conteúdos audiovisuais já foram discutidos. O debate compõe todo o Capítulo 5
do livro Classi cação Indicativa: Cidadania na Tela da Tevê.
Mesmo assim, vale relembrar que dentre as principais formas de regulação de-
mocrática dos conteúdos audiovisuais se encontram:
• A classi cação indicativa dos programas, que atrela conteúdos inadequados
e adequados a horários nos quais os mesmos podem ou não ser exibidos e a
faixas etárias para os quais são desaconselháveis ou especialmente recomenda-
dos (países como Alemanha, Argentina, Austrália, Holanda, Nova Zelândia,
Portugal e Suécia possuem legislações com essas características).
• A exigência de programação em língua local (ocorre em nações como Fran-
ça e Canadá) ou de conteúdos produzidos nacionalmente (presente em vá-
rios membros da União Européia).
• A demanda para o respeito à programação independente e regional (o caso da
Alemanha, apresentado na página 139, é um dos exemplos mais interessantes).
• A garantia do Direito de Resposta.
• A estipulação do Direito de Antena.
• O  nanciamento de programação de qualidade (proposta, por exemplo, do
Childrens Act estadunidense).
• A proteção dos direitos de minorias políticas (um caso emblemático é o da
legislação sul-africana).
• O monitoramento sistemático da programação e seus conteúdos (como
ocorre com o Conselho Nacional de Televisão do Chile).
• A forte regulação da publicidade (veri cada, por exemplo, na proibição da
publicidade infantil em nações como Suécia, Noruega, Itália, Irlanda, Grécia,
Dinamarca ou Bélgica).
O interesse público no mundo anglo-saxão
Em muitos países, prevaleceu, no momento da constituição dos seus marcos
regulatórios, uma clara a alusão ao interesse público. Nos Estados Unidos,
depois de um período inicial da radiodifusão sem regulamentação especí-
fica, o Congresso editou o Radio Act, em 1927, que criava a Federal Radio
Commission (FRC), agência reguladora com poderes de outorga e fiscaliza-
A pesquisa conduzida pela
ANDI demonstra que 17,4%
dos textos analisados focali-
za experiências e realidades
exteriores àquelas veri cadas no Brasil.
Entretanto, tais textos seguem a mesma
lógica do restante da cobertura: concen-
tram-se, sobretudo, em questões de con-
teúdo (49%) e, em alguma medida, nas
questões tecnológicas (16%).
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
152
ção do setor. Em 1928, a FRC divulgou um documento em que associava as
outorgas ao interesse público, em conformidade com o disposto no ato de
sua criação. Após apresentar alguns critérios prioritários (qualidade técni-
ca, distribuição justa dos diferentes tipos de serviço prestado, evitar dupli-
cidade de programas, tipos de programação e publicidade, dentre outros),
a FRC concluía:
Como o número de canais é limitado e o número de pessoas querendo
oferecer radiodifusão é muito maior do que o que pode ser acomodado, a
comissão deve determinar dentre os candidatos anteriores quais vão, se li-
cenciados, melhor servir ao público. Em alguma medida, talvez, todos ofe-
recem mais ou menos serviços. Porém, aqueles que oferecem menos devem
ser sacri cados em função daqueles que oferecem mais. A ênfase deve estar
primeiramente no interesse, na conveniência e na necessidade do público
ouvinte, e não no interesse, na conveniência ou na necessidade do radiodi-
fusor ou do anunciante.
No Reino Unido, uma análise da imprensa entre os anos de 1947 e 1949,
apresentada ao Parlamento pela Royal Commission on the Press, apontou
as indicações das funções sociais que deveriam ser aplicadas aos meios
de comunicação, especialmente no tocante à garantia de uma informação
equilibrada sobre as opções políticas diferenciadas em disputa no proces-
so eleitoral, oferecendo, ademais, as condições – através do trabalho noti-
cioso – para que o eleitorado pudesse acompanhar e vigiar o desempenho
dos governantes.
Na década seguinte ao debate travado no parlamento britânico, o sistema
de televisão também passou a responder pelas mesmas responsabilidades já
atribuídas à imprensa escrita e ao rádio. O precoce surgimento da televisão
comercial na Inglaterra, se comparado com os outros países europeus, pode
ser apontado como uma das causas para o rígido controle sobre esse meio
de comunicação. É possível dizer que o sistema britânico foi o modelo que
melhor garantiu o status de serviço público com múltiplos instrumentos de
proteção aos interesses dos consumidores, o que ocorreu desde 1954, com o
Television Act.
1
52
Alguns exemplos
Canadá - O Broadcasting Act, em vigor desde 1991,
é o instrumento legal que de ne os princípios orien-
tadores da programação de tevê no Canadá. O docu-
mento estabelece, entre outros elementos, que ela deve
ser variada e abrangente, além de equilibrar informa-
ção, esclarecimento e entretenimento para homens,
mulheres e crianças de todas as idades, interesses e
gostos. A programação também deve seguir os códigos
concernentes à veiculação de conteúdos violentos, à re-
presentação dos papéis sexuais e à publicidade dirigida
à criança e ao adolescente, cujos critérios são conside-
rados na de nição da Classi cação Indicativa.
Estados Unidos - Em caso de desrespeito às regras
de regulação de conteúdo (Classi cação Indicativa,
por exemplo), a FCC pode emitir advertências, cobrar
multas ou cancelar licenças. Para isso, o cidadão deve
reclamar ao serviço de atendimento, tendo de gravar
Multa recorde
Em 2007, o órgão regulador norte-
americano, Federal Communications
Commission (FCC), aplicou uma multa
de US$ 24 milhões – a mais alta estabe-
lecida pelo organismo contra uma em-
presa – à Univisión, maior cadeia de te-
levisão hispânica dos Estados Unidos. A
emissora sofreu a sanção por transmitir
telenovelas como programas educativos
para crianças, esclareceu o presidente da
FCC, Kevin Martin. Nos Estados Unidos,
as emissoras de tevê devem cumprir uma
cota mínima semanal de programação
educativa.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
153
a exibição que considera inadequada e enviar a  ta à
agência. Cabe ressaltar que as mudanças implementa-
das a partir dos anos 1990 estão amplamente conecta-
das a decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos,
sempre em relação aos limites da Primeira Emenda,
que versa sobre liberdade de expressão. A penalidade
mais comumente utilizada é a aplicação da multa. Ou-
tra penalidade de efeitos ecomicos também utiliza-
da é a renovação da licença por período de tempo mais
curto. A sanção mais grave é a privação do concessio-
nário do direito de operar, seja pela cassação da licença
ou por sua não renovação.
Holanda - No que se refere ao conteúdo, a auto-regu-
lação das empresas de radiodifusão convive com a re-
gulação pública. O Instituto Holandês de Classi cação
dos Meios Audiovisuais (Nederlands Instituut voor de
Classi catie van Audiovisuele Media – Nicam), surgi-
do em 1999, é o responsável pela regulação. Ele é com-
posto por representantes de todas as áreas em que atua:
cinema, tevê, vídeo, DVD e jogos eletrônicos. No caso
da televisão, inclui representantes das emissoras públi-
cas e também das privadas.
Japão - É exigência legal que existam Conselhos
Consultivos dentro das empresas para a fixação de
padrões de qualidade para a programação. Esses
Conselhos zelam por parâmetros estabelecidos em
lei, tais como imparcialidade das notícias, não dis-
torção na veiculação de noticiários, apresentação de
todas as possíveis visões de questões controvertidas,
não perturbação da segurança pública, garantia das
boas maneiras e da moral.
Reino Unido – As prestadoras de cabo e satélite de-
vem transmitir todos os canais abertos nacionais. Além
disso, os canais 3 e 5 da televisão aberta devem veicular
ao menos 25% da programação em categorias especí -
cas (por exemplo, destinada a pessoas com de ciência).
O canal 3 regional deve contar com, no mínimo, 65%
do tempo anual de transmissão destinado à programa-
ção de origem do pprio canal.
O DIÁLOGO POSSÍVEL
Apesar de ainda pouco freqüente, o debate entre Estado, empresas de co-
municação e sociedade civil vem se ampliando; nesse contexto, começam
a ganhar força iniciativas independentes da ação estatal na regulação dos
meios de comunicação. Bons exemplos são as ações de Responsabilidade
Social Empresarial e os observatórios de mídia
Um debate cada vez mais presente na esfera pública, no que diz respeito à
relação das empresas de comunicação e os públicos interessados em suas
atividades, tem sido a auto-regulação. A histórica desconfiança frente as re-
gulações estatais – justificada ou não – acabou potencializando reflexões
acerca dos mecanismos não diretamente vinculados à atuação regulatória
do Estado.
Isso não ocorre, contudo, somente na área das Comunicações. Ao contrá-
rio. A Responsabilidade Social Empresarial (RSE), conforme a configura-
ção que o tema vem ganhando na contemporaneidade, é um fenômeno que
atinge todos os setores da atividade econômica privada. O pano de fundo
dessa discussão já foi amplamente traçado pela ANDI em outra publica-
ção, realizada em parceria com o Instituto Ethos, intitulada Empresas e im-
prensa: pauta de responsabilidade. Um dos capítulos do livro é inteiramente
dedicado às diversas faces do tema Responsabilidade Social das Empresas
de Comunicação.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
154
Além disso, também no livro Classicação Indicativa: Cidadania na Tela da
Tevê , citado anteriormente, retomamos o debate da auto-regulação como uma
das possibilidades de promoção e proteção dos direitos de cidadãos e cidadãs
em relação aos conteúdos televisivos.
Para avançarmos em nossa análise, vale ressaltar alguns do principais pontos
dessas discussões:
• A auto-regulação, em geral, e a Responsabi-
lidade Social, em particular, não podem ser
descartadas apressadamente como possibi-
lidades disponíveis para a regulação das co-
municações. Defendemos, ao contrário, que
elas devem compor um rol de ações comple-
mentares à regulação estatal e à vigilância da
sociedade civil organizada e dos cidadãos e
cidadãs individualmente.
• As empresas de comunicação devem estar
atentas a uma série de obrigações comuns a
quaisquer empresas (respeito aos funcioná-
rios e suas famílias, ao meio ambiente, etc.).
Porém, os seus principais produtos – como é
o caso da informação e do entretenimento – merecem especial atenção e
devem ser o principal foco das ações de RSE e auto-regulação. Nesse sentido,
por mais relevante que seja a ação de uma empresa de comunicação, por
exemplo, na doação de alimentos para pessoas que estejam passando fome,
não é este tipo de atuação que pode ser identicado como compondo um
efetivo programa de RSE.
• É preciso estar atento a esses elementos e, especialmente, a um pon-
tencial trade-off que, não raro, se faz presente na observação empírica da
realidade. Trata-se de uma encruzilhada diante da qual as empresas, com
freqüência, se encontram: caso o respeito aos princípios auto-regulató-
rios signifiquem redução de lucratividade, por que caminho seguiriam?
Em outras palavras, por mais interessantes que sejam as ações, elas pre-
cisam ter continuidade e não devem ficar submetidas às oscilações dos
interesses das companhias.
• É preciso ainda reconhecer que existem numerosos exemplos de atividades
desenvolvidas por empresas de comunicação que podem ser rotulados de
auto-regulação e RSE, muitas delas com inegável impacto na produção de
conteúdo: adoção de códigos de ética e até mesmo de manuais de redação
que tragam compromissos que vão além do estilo; implementação do cargo
de ombudsman; merchandising social via programação de entretenimento;
dentre outras possibilidades.
Antes de apresentarmos as potenciais formas de atuação da sociedade civil or-
ganizada e dos cidadãos e cidadãs, discutiremos a seguir alguns desses modelos
auto-regulatórios.
A Responsabilidade Social
Empresarial foi mencionada
em 0,8% dos artigos, edito-
riais, colunas, entrevistas e
matérias analisados pelo estudo elabora-
do pela ANDI. O baixo percentual mere-
ce ainda maior atenção quando constata-
da a elevada presença do Setor Privado
no material pesquisado: 72%, distribuí-
do conforme a tabela abaixo.
COMO O SETOR PRIVADO E AS ASSOCIAÇÕES SETORIAIS
O RETRATADOS NOS TEXTOS
Mencionados 32,5%
Consultados 9,7%
Responsabilizados 3,5%
Cobrados 0,5%
Elogiados
0,1%
Desculpabilizados/desresponsabilizados
0,2%
Têm uma ação sendo analisada, descrita ou divulgada
25,5%
Não aparecem
28,0%
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
155
Espaços compartilhados
Como vimos, as democracias têm na mídia, especialmente na de massa, um
de seus atores principais – condição que dá aos veículos de comunicação um
irrefutável papel de centralidade nos processos políticos. Diante desse ce-
nário, conforme ressaltado anteriormente, a questão a ser analisada é como
compatibilizar mídia e democracia – ou seja, qual deve ser o desenho de um
sistema de comunicação que trabalhe a favor da ampliação do pluralismo no
debate público, da participação popular, da igualdade política e da autono-
mia coletiva.
A solução, vale destacar, é sempre provisória e aproximada. Entretanto, parte
da re exão passa pelo debate acerca da responsabilidade dos meios de comuni-
cação na atual sociedade. As ações nesse sentido não se encerram, contudo, em
uma única providência. Ao contrário, envolvem um conjunto de medidas, que
começam na discussão acerca da propriedade de empresas de comunicação e
chegam à quali cação do público – dotando-o de um senso crítico mais apurado
para o recebimento das informações.
Em artigo, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Martins da
Silva e o professor do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB)
Fernando Paulino lembram que a responsabilização social da mídia é di-
ferente de censura e auto-censura. Segundo eles, com a mediatização do
espaço público, tornou-se necessário criar mecanismos para resguardar a
sociedade. Assim, soma-se uma nova alternativa ao setor, que já dispunha
de duas (a livre atuação da imprensa, marco do pensamento liberal, e a
permanente interferência estatal, típica de regimes autoritários): a busca de
espaços compartilhados
Elementos para uma mídia socialmente responsável
O relatório Good News and Bad – The Media, Corporate Social Responsibi-
lity and Sustainable Development, lançado em 2002 pela ONG SustainAbi-
lity, apresenta alguns caminhos a serem trilhados pelos veículos de comu-
nicação na direção de uma prática socialmente responsável. O documento,
construído a partir de entrevistas com mais de 50 integrantes de veículos
de grande mídia e imprensa local, além de ONGs, empresários e gover-
no, lança um olhar sobre o papel da imprensa na construção da agenda da
responsabilidade social e do desenvolvimento sustentável. Além disso, o
estudo aponta como os profissionais da mídia cobrem esses temas e traz
uma lista de dez recomendações em relação à governança da mídia, à res-
ponsabilização, à transparência e à confiança do público. Confira os prin-
cipais pontos citados:
Governança – As empresas de mídia poderiam se pautar pelos
mais altos modelos de governança corporativa, adotando as segui-
ntes práticas:
1) Veri car – no nível de diretoria – se o equilíbrio entre interesse público
e as demandas comerciais está sendo estrategicamente revisado, devida-
mente administrado e publicamente divulgado.
2) Revisar seus objetivos, alvos e sua performance de acordo com as prin-
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
156
cipais normas de governança (incluindo o Pacto Global da ONU, os Prin-
cípios Globais Sullivan e a SA 8000) e os critérios de Investimento Social
Privado (ISP).
Responsabilização – Devido à enorme influência que a mídia exer-
ce na opinião pública, no interesse público e, em última instância, no
comportamento público, é importante que os proprietários e os diretores
de veículos de comunicação estejam comprometidos com os mais ele-
vados níveis de responsabilização. Na prática, isso significa que esses
atores deveriam:
3) Considerar o cumprimento das leis, regulamentações e normas da in-
dústria como o mínimo para a boa governança – e comprometerem-se,
sempre que possível, com padrões superiores a esse mínimo.
4) Adotar e divulgar normas de conduta ética e regras claras sobre os seus
valores e princípios corporativos.
5) Engajar-se freqüentemente com importantes stakeholders, garantin-
do que políticas e processos inclusivos sejam adotados corretamente
nos negócios.
Transparência – Para uma indústria cujo principal serviço público
é trazer à luz práticas desonestas e a corrupção em todos os níveis da
sociedade, e influenciar governos e empresários de forma a que dêem
explicações aos cidadãos, as empresas de mídia devem aos seus stakehol-
ders e à sociedade o compromisso de serem excepcionalmente transpa-
rentes. Particularmente, elas deveriam:
6) Promover liderança, em termos de responsabilização quanto à tri-
ple bottom line, examinando suas próprias ações e as relatando.
7) Tornar público o nome de todas as empresas nas quais o grupo
de mídia tem participação acionária e todas as influências a que
está sujeito.
8) Declarar sua política editorial – tanto a geral quanto aquela sobre
questões específicas – e suas ligações políticas.
9) Ser transparente em relação a qualquer tipo de fontes de fundos
que poderiam influenciar o conteúdo editorial e de programação
incluindo seus mais importantes anunciantes, patrocinadores e
subsídios de produção;
10) Relatar regularmente as atividades de lobby, diretas e indiretas,
ainda em elaboração ou já realizadas.
Confiança – É princípio básico que o Desenvolvimento Sustentável
será alcançado mais rapidamente, de forma mais eficiente e mais efetiva,
quando existirem altos níveis de capital social – em particular, a con-
fiança. Atualmente, contudo, os baixos índices de confiança da popula-
ção em relação à indústria da mídia convivem de forma incômoda com
o crescimento de seu poder e influência.
Triple bottom line
O conceito de triple bottom line refere-
se à adoção de novas posturas corporati-
vas comprometidas com questões sociais
e ambientais, para além do objetivo de
obter lucro, comum às empresas. Tema
central para a considação de práticas sus-
tentáveis das corporações, o triple bottom
line está relacionado com a aliança entre
prosperidade econômica, qualidade do
meio ambiente e eqüidade social.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
157
Oded Grajew
Ex-assessor especial do Presidente da República, Oded
Grajew é presidente do Conselho Deliberativo do Insti-
tuto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
O que signi ca a questão da responsabilidade
social para os meios de comunicação de massa?
A responsabilidade social das pessoas, das empresas e
organizações trata da postura ética. E ética, no fundo,
signi ca “como devo agir, como pessoa ou organiza-
ção. É um conceito universal. Muito simpli cadamen-
te, signi ca medir o efeito das suas ações sobre as pes-
soas e só levar adiante ações que sejam positivas neste
sentido, porque qualquer coisa que a gente faz tem im-
pactos. O mesmo vale para os meios de comunicação.
A natureza especial dessa atividade demanda
indicadores diferenciados para avaliar a res-
ponsabilidade social dos meios?
Quanto mais poder uma empresa tem, com mais res-
ponsabilidade deve agir, porque suas ações atingem
um número maior de pessoas. É o caso dos meios de
comunicação. Eles causam impacto na vida das pes-
soas, na medida em que moldam comportamentos e
agendam prioridades. Compare: no dia 11 de setembro
de 2001, quando três mil pessoas foram brutalmente
assassinadas em Nova Iorque, os meios de comunica-
ção divulgaram muito o caso. Mas praticamente ne-
nhum veículo disse que, naquele dia, 30 mil crianças
com menos de cinco anos tinham morrido de fome no
mundo. Ou seja, a mídia pauta a sociedade pelo que
ela vai se interessar. Sempre há uma seleção do que se
vai divulgar e como divulgar. Há sempre uma escolha.
E isso tem um grande impacto.
É possível fazer essa escolha sendo socialmen-
te responsável?
Claro. Os meios de comunicação de massa têm que
praticar a responsabilidade social de duas formas. Pri-
meiro, têm funcionários, compram produtos, pagam
impostos, têm relações com o governo, com o meio-
ambiente. É preciso avaliar de quem a empresa compra
os produtos, se usa trabalho infantil, que materiais uti-
liza, como se relaciona com a comunidade, com o uso
dos recursos naturais. Neste sentido, é igual a qualquer
empresa. Do outro lado, há a responsabilidade perante
o público que “consome” esses meios, com a qualida-
de da informação que veiculam. Assim como a ética, a
responsabilidade social não pode ser pela metade. Não
adianta dizer “vou ser socialmente responsável com o
meu funcionário” e com o resto eu não me importo. Do
mesmo jeito que não adianta fazer matérias fantásticas
de mobilização pelos direitos humanos, se a empresa
sonega impostos, joga lixo no rio. A responsabilidade
social é global.
Na sua opinião, os meios de comunicação de
massa, de uma forma geral, têm demonstrado
responsabilidade social?
Ainda pouco. Nas políticas internas, na aplicação de in-
dicadores, pouquíssimos fazem relatórios de responsa-
bilidade social, ou seja, que abordem todas as relações
da empresa – e não somente a  lantropia. Apesar de te-
rem avançado, também há problemas sérios na questão
trabalhista, no registro em carteira, no pagamento dos
impostos. Por outro lado, tem crescido o engajamento
no sentido de melhorar a vida da comunidade. Hoje há
muito mais jornais que abordam as questões sociais e
da infância. A imprensa também teve um papel impor-
tante na questão do combate à corrupção.
Como a sociedade civil pode cobrar responsabi-
lidade social dos meios de comunicação?
Alguns veículos têm seção de crítica interna ou om-
budsman. A sociedade pode tanto se dirigir a esses es-
paços ou a seções de “cartas do leitor”. São espaços de
certa forma limitados e muitos meios de comunicação
ainda não os oferecem aos leitores e telespectadores. Se-
ria importante ampliá-los.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
158
Ombudsman
A criação do cargo de ombudsman (ou ouvidor) ainda é uma iniciativa pouco
comum nos principais meios de comunicação brasileiros. Folha de S. Paulo,
pioneira em 1989, O Povo (de Fortaleza), Jornal da Cidade (de Bauru, São
Paulo), TV Cultura, Radiobrás, Rádio Bandeirantes (de São Paulo) e o por-
tal Universo Online já contam ou contaram com um pro ssional cuja tarefa
principal é receber reclamações, criticar o material veiculado e estabelecer um
canal com o público.
Apesar de pouco disseminado no Brasil, dispor de um ombudsman já é uma
prática antiga em alguns países. O Yomiuri Shimbun, de Tóquio, foi o primeiro
periódico a constituir um comitê de ombudsmen, em 1951. Três décadas depois,
em 1980, já havia sido criada a Organization of News Ombudsmen, entidade
que nasceu com o objetivo de congregar os pro ssionais da área e que atualmen-
te reúne mais de 60 pro ssionais de meios de comunicação de todo o mundo,
localizados, em maior número, nos Estados Unidos e na Europa.
Uma experiência alternativa, porém dotada de lógica parecida com aquela que
rege a idéia do ombudsman, na área de monitoramento e responsabilização da
mídia foi promovida pelo jornal O Povo, de Fortaleza, entre 2000 e 2005. A idéia
original era a criação de uma instância que congregasse os leitores do diário e
viabilizasse semanalmente uma discussão entre eles e os jornalistas. Segundo a
diretora de redação à época, Ana Márcia Diógenes, os “runs O Povo” tinham
como objetivo “criar um espaço de re exão focado na questão social, quali can-
do o debate e dando maior visibilidade aos atores sociais.
Cada edição do fórum reunia cerca de cem pessoas, muitas das quais adolescen-
tes, e cinco entidades representativas da sociedade civil organizada. Os debates
eram pautados por essas entidades – o que, claro, é uma limitação, porém ine-
gavelmente mais interessante do que se o jornal não estivesse sequer escutando
um conjunto reduzido de organizações – e rendiam, a cada semana, pelo menos
duas matérias nos jornais. Não raro, os temas tratados estavam ligados à infân-
cia e à adolescência.
1
58
Plínio Bortolotti
Formado em jornalismo pelas Faculdades Integradas
Alcântara Machado (Fiam-SP), Plínio Bortolotti é pro-
fessor universitário e tem experiência em jornalismo
impresso, rádio e assessoria de imprensa. Desde 2005,
desempenha a função de ombudsman do jornal cearen-
se O Povo
Como você avalia o atual cenário para a cons-
tituição dos ombudsmen em veículos brasilei-
ros? Os jornais Folha de S. Paulo e O Povo
contam com essa experiência. Entretanto, por
que a questão parece não ter avançado para
outros veículos?
Três motivos principais costumam ser apontados como
di cultadores da disseminação do cargo em mais veí-
culos informativos: 1) a arrogância das empresas e dos
jornalistas, que são refratários à crítica, têm problemas
para exercer a autocrítica e di culdade em corrigir er-
ros; 2) a descrença na e cácia da função, por isso con-
siderada desnecessária; 3) a di culdade de se criar nas
empresas um ambiente de independência e autonomia
para que o ombudsman possa trabalhar. Ou seja, pare-
ce que os jornais temem a transparência que cobram
de outros setores da sociedade. Há também a alegação
de que os custos  nanceiros não compensam a manu-
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
159
tenção do cargo, mas creio que essa seja apenas uma
desculpa, já que o dispêndio é baixo, a levar-se em con-
sideração os benefícios proporcionados
Como a presença do ombudsman pode alavan-
car a inclusão das Políticas Públicas de Comu-
nicação na pauta dos veículos?
De forma geral, a imprensa recusa-se a olhar para si
mesma de forma crítica. Mas acho que esse é um de-
bate que diz respeito a todos – e não apenas aos es-
pecialistas –, portanto, se ele ganhar precedência na
sociedade, os jornais se verão obrigados a abordá-lo.
A existência do ombudsman em uma empresa é uma
prova que ela está mais aberta ao escrutínio público,
portanto acho que esses jornais estarão mais aptos a
trabalhar com o assunto.
Códigos de ética
Outro instrumento de responsabilização essencial para as inciativas de auto-
regulação da ptica jornalística, assim como da programação de entreteni-
mento, têm sido os códigos de ética da profissão e das empresas. Tais meca-
nismos tendem a variar de acordo com seu alcance, podendo ser adotados
por veículos (como no caso emblemático do Washington Post), por seto-
res específicos de atividade (caso da entidade norte-americana Associated
Press Managing Editors), ou mesmo por órgãos nacionais ou internacionais
(como o Conselho de Imprensa Alemão ou a Federação Internacional dos
Jornalistas, respectivamente).
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) também pos-
sui, desde 1993, um Código de Ética, que trata principalmente das questões de
conteúdo. O documento, contudo, além de não fazer parte da prática das emis-
soras, praticamente não foi divulgado pela associação – nem mesmo na página
web da Abert é possível encontrá-lo. No livro Classi cação Indicativa: Cidadania
na Tela da Tevê, ele é reproduzido integralmente.
Dentre os fundamentos básicos que orientam a formulação dos códigos de ética,
segundo Claude-Jean Bertrand, estão elementos clássicos como a busca da ver-
dade, o direito à informação, a defesa da liberdade de expressão e o respeito pela
pessoa humana. Se, por um lado, um grupo de códigos se caracteriza pela enun-
ciação destes princípios, por outro há uma segunda categoria que busca detalhar
a relação entre tais princípios e a atividade prática dos pro ssionais. Nesse sen-
tido, este instrumento pode permitir desde a apresentação de formulações bem
gerais, como “o jornalista tem o dever de respeitar a verdade” (Declaração de
Munique), até de orientações especí cas como “no caso de informações sobre
temas médicos, convém evitar uma apresentação sensacional, capaz de originar
temores ou esperanças infundadas nos leitores” (do mesmo texto alemão).
De acordo com a pesquisa
dia e Políticas Públicas de
Comunicação, escassos 0,2%
dos textos mencionaram a
existência de um Código de Ética Jorna-
lística. Isto pode denotar uma falha gra-
ve no discurso das empresas, já que elas
costumam a rmar estarem amplamente
empenhadas em estratégias de auto-re-
gulação e, portanto, seriam contrárias à
desnecessária” regulação estatal.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
160
A MÍDIA NO FOCO DA SOCIEDADE CIVIL
A partir do processo de redemocratização do País, abriu-se espaço para que
novos atores, principalmente aqueles ligados aos movimentos organizados da
sociedade civil, também passassem a discutir as questões relacionadas à re-
gulação dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação. Livres de um
contexto político repressivo, universidades, organizações sociais e outros gru-
pos organizados passaram a empreender iniciativas voltadas para o controle
social da mídia.
Como a mídia discute seus próprios temas de forma restrita, também é li-
mitada a percepção da sociedade acerca da importância desse setor e, con-
seqüentemente, da necessidade de um debate aprofundado a seu respeito.
Em entrevista para este livro, o ex-ombudsman da TV Cultura, Bernardo
Azjemberg, destaca a relevância da participação da sociedade nesse contex-
to: “O debate tem de ganhar espaço nas diversas esferas de funcionamento
da sociedade para além da própria mídia (Congresso, academia, ONGs etc),
de modo a fazer com que ela se veja, de certa maneira, levada a abordá-lo,
também, no seu próprio espaço. Muitas vezes a imprensa se move apenas
sob pressão)”.
Uma hipótese para a ausência da viabilização desse diálogo no contexto
dos próprios meios é o despreparo de seus profissionais para lidar com o
tema. Bernardo Ajzemberg defende que cabe aos dirigentes dos meios de
comunicação a tarefa de estimular o debate nas redações e oferecer recicla-
gem aos jornalistas. Dessa forma,
eles poderiam atualizar-se sobre
tais assuntos, tomando como base
fatos concretos.
O professor da UnB Luis Feli-
pe Miguel, em artigo publicado
na Revista Brasileira de História,
constata que a mídia também não
é ator presente nas pesquisas aca-
dêmicas desenvolvidas no âmbito
das Ciências Políticas. Nessa área,
segundo o texto, ela permanece
ignorada ou menosprezada, em
detrimento de modelos em que só
os poderes formais, os partidos e,
quando muito, as forças armadas,
os sindicatos e a burguesia têm es-
paço. Já na história política, via de
regra, os meios de comunicação
aparecem somente como fontes
documentais. A ausência desse de-
bate reflete-se nos currículos dos
cursos de graduação dessas áreas,
nos quais a mídia como ator do
meio político não se faz presente.
Somente 0,5% dos textos
analisados pelo estudo con-
duzido pela ANDI aponta
para o fato de haver uma di-
culdade intrínseca da mídia noticiosa
em discutir a si própria e ao mundo mais
amplo da comunicação, ao qual está co-
nectada.
A análise mostra também
que o Poder Executivo apa-
rece de forma predominante
nos textos analisados, dado
que não destoa de estudos anteriores
sobre outros temas já realizados pela
ANDI. Por outro lado, a presença do Se-
tor Privado é substancialmente superior
quando comparada às outras pesquisas e
a do Poder Legislativo também alcança
proporção acima da média. Já a Socie-
dade Civil Organizada contou, compa-
rativamente, com uma das participações
menos signicativas.
ATORES PRESENTES NOS TEXTOS*
Poder Executivo
Ministério das Comunicações 12,6%
Ministério da Cultura 9,3%
Secom 3,2%
Demais órgãos do Executivo 60,6%
Agências
Reguladoras
Anatel 7,1%
Ancine 3,7%
Poder Legisativo
Legislativo 30,4%
Conselho de Comunicação Social 0,3%
Sistema de Justiça
Judiciário 17,5%
Ministério Público 6,3%
Defensoria Pública 0,1%
Outros
Setor Privado 72,0%
Universidades e Instituições de Pesquisa 17,1%
Sociedade Civil Organizada 12,5%
Sindicatos e Federações 8,7%
Organizações Internacionais 4,8%
Advogados 4,7%
Conselhos de Direitos e Tutelares 2,5%
Movimentos Populares e Sociais 1,9%
*O somatório dos percentuais não equivale a 100%, pois esse item
da pesquisa permite mais de uma marcação por matéria.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
161
Instrumentos de responsabilização
Mesmo tendo claras as dificuldades expostas acima, é importante salientar
que a Sociedade Civil Organizada acabou por desenvolver um conjunto de
mecanismos que, se bem aplicados e implementados, podem se constituir
em um elemento complementar no complexo jogo da regulação dos conte-
údos midiáticos.
Esses instrumentos, conforme vimos, têm sido denominados de Media Ac-
countability Systems (MAS) ou sistemas de responsabilização da mídia, em
uma tradução que não consegue explicitar plenamente o signi cado do que
está em jogo.
A idéia de accountability, caríssima às democracias tal como as conhece-
mos hoje, salienta que instituições nas quais a sociedade deposita elevada
confiança – como os governos, por exemplo – devem estar sob constante
vigilância e, como decorrência, necessitam continuamente prestar contas a
essa mesma sociedade.
Algo semelhante estaria em jogo quando a instituição em foco são os meios de co-
municação. Depositária de uma elevada con ança das sociedades democráticas
– por exemplo, na aposta de que colabora fortemente na garantia da accountability
dos governos – a mídia também deve ser objeto de permanente vigilância.
É com esse objetivo que os marcos regulatórios estatais são desenvolvidos. Como
complemento às legislações nacionais, a Sociedade Civil, em diversos países e
contextos, passou a implementar seus próprios instrumentos de monitoramento
e cobrança dos atores midiáticos. Alguns deles são apresentados a seguir.
Conselhos de imprensa
O primeiro conselho de imprensa foi criado na Suécia, em 1916, mas essas ins-
tâncias só se multiplicaram em outras nações a partir dos anos 1960. O auge des-
se processo ao redor do mundo esteve ligado, em larga medida, ao exemplo bri-
tânico – o Press Council, constituído em 1953. No  m do século XX, conselhos
de imprensa já estavam operando nos países mais diversos, como Áustria, Aus-
trália, Islândia, Chile, Turquia e Tanzânia. Segundo o estudioso francês Claude-
Jean Bertrand, com exceção de algumas nações latinas, todas as democracias in-
dustrializadas têm, ou tiveram, um conselho como esse. Bertrand aponta alguns
traços comuns de tais mecanismos:
Os conselhos de imprensa, contudo, são encontrados sob as mais diversas estruturas,
variando inclusive no que se refere a presença ou não dos proprietários, pro ssionais
e usuários entre seus membros. Segundo o pensador francês, entretanto, o que ca-
racteriza os conselhos em termos de suas funções principais é a ausência do governo
na composição do órgão. Aqueles que incluem o governo têm como “única missão
amordaçar a imprensa, e não devem ser considerados como MAS, ressalta o autor.
Todos visam preservar a liberdade da imprensa contra as ameaças diretas
e indiretas por parte de um governo. Esforçam-se para ajudar a imprensa
a assegurar suas funções na sociedade – e obter-lhe assim o apoio da opi-
nião pública no seu combate pela independência.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
162
Idealmente, segundo Bertrand, os conselhos de imprensa deveriam também  s-
calizar as estruturas de propriedade da mídia e a política de comunicação do
país. Contudo, têm se dedicado, freqüentemente, a duas missões básicas:
1) Ajudar a imprensa no combate ao adversário tradicional de sua liberdade
(o governo e sua burocracia) – esta função é, em certa medida, garantida
pelo alerta à opinião pública em relação aos abusos do poder do Estado.
2) Tentar forçar a imprensa a prestar contas ao público – ação que diria res-
peito aos abusos da própria imprensa. Esta segunda função, contudo, ocor-
re com maiores di culdades, já que as reclamações dos usuários, ainda que
numerosas, são habitualmente fúteis e, com muita freqüência, não dão conta
seja dos danos causados pela mídia, seja do impacto, a longo prazo, resultan-
te da omissão ou da distorção.
Sociedade Civil como observatório
No Brasil, instâncias de monitoramento têm funcionado, muitas vezes, no âm-
bito dos chamados observatórios de mídia. Em 1995, foi criado o Instituto Gu-
tenberg e, em 1996, o Observatório da Imprensa (OI), ambos com o objetivo de
acompanhar criticamente as atividades dos meios de comunicação no Brasil.
Nascido como sítio na web, o Observatório da Imprensa, por exemplo, conta
atualmente com uma versão televisiva transmitida semanalmente pela Rede
Pública de Televisão, além de um programa de rádio diário, transmitido pela
Cultura FM de São Paulo, rádios MEC AM e FM do Rio de Janeiro, e rádios
Nacional AM e FM de Brasília.
Sobre a importância de organizações de monitoramento de mídia, o editor-che-
fe do OI, Luiz Egypto de Cerqueira, declarou em entrevista para esta pesquisa:
Outro exemplo de organização voltada para um monitoramento sistemático da
atuação jornalística é o da ppria Agência de Notícias dos Direitos da Infância.
Criada em 1993, a ANDI tem entre seus objetivos o acompanhamento e análise
do comportamento editorial da imprensa brasileira. Como já destacado na Apre-
sentação da presente publicação, o monitoramento de mídia realizado perma-
nentemente pela ANDI colabora para o estabelecimento de um canal de diálogo
mais consistente com os pro ssionais da imprensa. A partir daí, torna-se possível
estimular uma cobertura de maior qualidade acerca da agenda social brasileira,
especialmente dos temas relevantes para a infância e adolescência.
Desde março de 2000, o trabalho desenvolvido pela ANDI ganhou um reforço ex-
pressivo com a criação da Rede ANDI Brasil – que reúne atualmente 11 entidades de
todas as regiões brasileiras. O êxito alcançado pela Agência impulsionou ainda a cria-
ção, em setembro de 2003, da Rede ANDI América Latina – articulação que conta
hoje com 13 organizações em diferentes países das Américas do Sul e Central.
Quanto mais se perceberem observados, mais os meios de comunicação
tenderão a a nar os controles de qualidade sobre as mensagens que produ-
zem e disseminam. Na outra ponta, o aprimoramento do senso crítico dos
observadores e observadoras, aliado ao exercício do diálogo, estimulará a
cidadania a uma participação mais ativa no processo da comunicação.
RENOI
Em 2005, diversos observatórios bra-
sileiros passaram a integrar uma rede,
a Rede Nacional de Observatórios de
Imprensa (Renoi). Fazem parte da as-
sociação 18 instituições de dez estados,
responsáveis, atualmente, por 19 projetos
empreendidos por 37 pesquisadores.
Apesar da histórica ten-
dência de fortalecimento
de sua partipação na esfera
pública, a Sociedade Civil
Organizada está presente
em somente 12,5% dos textos analisa-
dos pelo estudo Mídia e Políticas Públi-
cas de Comunicação.
Responsabilização da Mídia
Segundo Claude-Jean Bertrand, pro-
fessor emérito do Instituto Francês de
Imprensa da Universidade de Paris II,
a experiência desenvolvida pela ANDI
poderia ser aplicada por diversos outros
países. “Eu acredito que a sobrevivência
da humanidade está ligada à dissemina-
ção da democracia, e a democracia não
pode existir sem um jornalismo de qua-
lidade. A ANDI é um e ciente e muito
original sistema de responsabilização da
mídia, a rma.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
163
João kleber e o “direito de resposta
Em 2005, o programa Tarde Quente, exibido pela Rede
TV! e apresentado por João Kleber, era um dos líderes
no ranking da campanha “Quem  nancia a baixaria é
contra a cidadania” – o apresentador era constante-
mente acusado de incitar a violência contra negros,
mulheres e homossexuais.
Diante das posturas reveladas no programa, um
conjunto de instituições da sociedade civil, junta-
mente com o Ministério Público Federal, recorre-
ram à Justiça e exigiram – valendo-se dos preceitos
jurídicos voltados para o controle dos equívocos
jornalísticos, já citados anteriormente – o seu di-
reito de resposta. O Poder Judiciário acatou as rei-
vindicações sociais e determinou que a emissora de
tevê assegurasse a veiculação, com o mesmo desta-
que, de conteúdos que valorizassem os segmentos
ofendidos. A decisão judicial acabou por se consti-
tuir em uma importante jurisprudência no campo
da regulação de conteúdo.
Durante mais de um mês, entre dezembro de 2005 e
janeiro de 2006, a Rede TV! teve que exibir, no horário
antes ocupado por João Kleber, um programa intitula-
do “Direitos de Resposta. O material também resultou
do acordo  rmado com ONGs que haviam pedido na
Justiça a cassação da concessão da emissora. O enten-
dimento é que o programa Tarde Quente violava o in-
teresse público e a diversidade nacional, princípios que
constitucionalmente a radiodifusão deve respeitar.
A Justiça determinou que a Rede TV! pagasse R$
200 mil para a produção dos programas (que fica-
riam a cargo das ONGs) e R$ 400 mil de indenização,
a serem depositados no Fundo Federal de Direitos
Difusos, destinado a financiar projetos de direitos
humanos em todo o Brasil. Nas diversas edições
do “Direitos de Resposta, portanto, o telespectador
pôde assistir uma série de conteúdos gerados a partir
de uma perspectiva ampliada de cidadania, produzi-
dos pelos movimentos sociais. “A sociedade saiu vi-
toriosa e o programa fez uma discussão qualificada,
em um formato agradável e com ótimo retorno do
público, concluiu o Procurador da República Sergio
Suiama. A audiência média do “Direitos de Respos-
ta” ficou entre um e dois pontos no Ibope (sobre o
assunto, veja também a entrevista com o procurador
Sérgio Suiama, na página seguinte).
A baixaria no centro da pauta
Outra experiência que vem obtendo êxito no monitoramento dos meios de co-
municação brasileiros é a campanha “Quem  nancia a baixaria é contra a cida-
dania, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Depu-
tados, em parceria com entidades da sociedade civil. Utilizando-se de diferentes
estratégias, a iniciativa busca promover o respeito aos Direitos Humanos e à
dignidade do cidadão nos programas de televisão produzidos no País.
Uma das ações promovidas no âmbito da campanha é a elaboração de um
ranking dos programas que violam, de forma recorrente, as convenções interna-
cionais assinadas pelo Brasil, os princípios constitucionais e também a legislação
relacionada à proteção dos Direitos Humanos e da cidadania. Periodicamente,
o ranking é tornado público, com o objetivo de desestimular os anunciantes a
adquirirem espaços publicitários que bene ciem essas produções.
Além da pressão junto ao mercado de anúncios, a campanha também colhe de-
núncias de abuso feitas pela sociedade por meio de um canal de contato exclusivo.
Cerca de 2,1 mil denúncias foram registradas de 30 de abril a 01 de dezembro de
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
164
2006, segundo sistematização da campanha – e chegam a mais de 30 mil, des-
de que a ação teve início, em novembro de 2002. As reclamações referem-se à
discriminação racial, de gênero, por religião e por orientação sexual; ao estímulo
precoce à sexualidade infantil e infanto-juvenil; à apologia e à incitação ao crime,
inclusive à prática da tortura, do linchamento e de outras formas de violência.
Outra ação importante promovida foi a instituição do “Dia Nacional contra a
Baixaria na TV”, em outubro de 2004, com a proposta de promover a cons-
cientização da população em torno dos debates sobre a qualidade da progra-
mação televisiva. Em sua primeira edição, a estratégia adotada foi incentivar
os brasileiros a desligarem os aparelhos de televisão entre as 15h e 16h de um
domingo, como sinal de descontentamento em relação ao conteúdo veiculado
pelas emissoras. Já nas edições mais recentes, os organizadores da iniciativa pas-
saram a veicular – na TV Nacional, TV Câmara e TV NBR – uma programação
especí ca sobre temas relacionados à ética, qualidade e diversidade na tevê. Em
2006, o foco principal de discussões foi a questão da publicidade para crianças
e adolescentes.
O psicólogo Ricardo Moretzsohn, um dos coordenadores da iniciativa, a rma
que um dos pontos determinantes para o impacto alcançado é o fato das ativi-
dades funcionarem como espaço de regulação social no que concerne aos con-
teúdos da programação televisiva:
Segundo Moretzsohn, ao enfocar sua abordagem nas temáticas relacionadas à
ética e aos direitos humanos, a campanha ganhou con abilidade e credibilidade
diante da sociedade. “Considero que a metodologia adotada pela campanha seja
assertiva, tanto pelo fato de recebermos as denúncias dos cidadãos e divulgar-
mos o ranking, como também – e, talvez, principalmente – por envolvermos
diretamente os anunciantes, já que a parte mais sensível do empresariado é o
próprio bolso, conclui Moretzsohn
A discussão de conteúdo, sob a perspectiva da ética e dos direitos humanos,
consegue englobar os mais diversos temas. De maneira geral, as pessoas come-
çam a reconhecer a programação considerada como baixaria e têm se preocu-
pado com isso, criando assim uma identi cação com a campanha. Hoje, cerca
de 90% dos lares brasileiros recebem o sinal aberto de tevê – e, exatamente por
isso, esse assunto já está muito presente no cotidiano. O mesmo não acontece
com os temas ligados a outros elementos das Políticas Públicas de Comuni-
cação, que ainda são áridos para o cidadão comum – como a questão das
concessões de radiodifusão e debates sobre o marco regulatório do setor.
Segundo os dados da pesqui-
sa Mídia e Políticas Públicas
de Comunicação, das notícias
que discutiram qualidade
da programação, 39% enfocaram dire-
tamente a campanha “Quem  nancia a
baixaria é contra a cidadania. Dos textos
que mencionam a iniciativa, 42% emi-
tem posicionamentos exclusivamente
favoráveis, 2% são totalmente contrários
e 47% não apresentam posicionamento.
Os demais trazem opiniões favoráveis e
contrárias em um mesmo texto.
64
Sérgio Suiama
Sérgio Gardenghi Suiama, é Procurador Regional dos
Direitos do Cidadão em São Paulo e foi dos respon-
sáveis pela ação que assegurou o direito de resposta
de organizações da sociedade civil diante das ofensas
cometidas pela Rede TV!
O Ministério Público Federal pode atuar como
uma espécie de monitor ou  scalizador do siste-
ma de radiodifusão?
O Ministério Público atua em tudo aquilo que diz respei-
to à garantia de direitos constitucionais e à proteção de
interesses sociais e coletivos. A comunicação diz respeito
à toda a coletividade, assim como os conteúdos veicu-
lados. Neste caso, não podemos atuar como um censor,
Resistência da Mídia
O coordenador da Campanha, Ricar-
do Moretzsohn, lembra que as próprias
emissoras de tevê não vêm repercutindo
as ações realizadas pela articulação. “Ainda
que tenha obtido destaque na mídia im-
pressa – e um exemplo disso é que alguns
jornais de circulação nacional publicam
nosso ranking – um dado importante é que
a campanha não aparece na tevê, a não ser
nas emissoras públicas. A mídia continua
resistente em discutir a própria mídia.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
165
mas para garantir os princípios que estão na Constitui-
ção, assim como para dirimir eventuais con itos entre a
liberdade de expressão e os outros direitos garantidos na
lei. No caso das violações de direitos humanos pratica-
das pela mídia, quando recebemos uma denúncia – pe-
las Comissões de Direitos Humanos, pelos movimentos
da sociedade civil e por um cidadão qualquer –, nossa
questão é ver se há de fato a violação e estudar que me-
didas podemos tomar para que isso deixe de acontecer e
para que haja algum tipo de reparação à sociedade.
Como o MP age em relação às empresas con-
cessionárias que não cumprem as obriga-
ções constitucionais?
Se a violação for comprovada, pedimos algum tipo de
reparação por dano moral coletivo à sociedade. Nos
casos de reiteração, é possível pedir que aquele conteú-
do deixe de ser veiculado e, eventualmente, a cassação
da concessão da emissora. Mas a solução mais interes-
sante é pedir direito de resposta coletivo ou contra-
propaganda, para garantir que o telespectador tenha
acesso aos dois lados e forme sua opinião a partir do
confronto de idéias. Para isso, ou a emissora aceita
espontaneamente fazer um termo de ajustamento de
conduta (TAC) ou podemos entrar com uma Ação Ci-
vil Pública pleiteando essas coisas todas.
De que forma a sociedade civil pode se manifes-
tar junto ao MP, caso não esteja de acordo com as
manifestações das emissoras de radiodifusão?
A sociedade não depende do Ministério Público para
ter uma atuação em termos de proteção coletiva a di-
reitos humanos na mídia. A lei da Ação Civil Pública
permite que qualquer associação regularmente consti-
tuída ingresse com uma ação. Caso pre ra, a sociedade
pode se dirigir ao Ministério Público, e aí o formalismo
é evitado para que o acesso à Justiça seja garantido ao
maior número de pessoas. No caso da comunicação,
essa ponte se faz com o Ministério Público Federal,
porque a radiodifusão é um serviço público federal.
Como o MP entende os limites da liberdade
de expressão?
Cada procurador tem autonomia para decidir, no caso
concreto, se há ou não violação. O importante é deixar
claros alguns parâmetros, e o principal é a estrita ob-
servância aos direitos constitucionais. O MP não pode
se arvorar ser defensor de uma certa visão de morali-
dade particular. Outro critério é o da ponderação en-
tre valores jurídicos em jogo. A liberdade de expressão
está ao lado de valores com os quais, eventualmente,
pode entrar em colisão. Temos que analisar no caso
concreto e julgar qual aspecto deve prevalecer. Este é o
desa o. Infelizmente a intolerância e a intransigência
das emissoras e das empresas de publicidade têm atra-
sado este debate no Brasil, na medida em que se recu-
sam a discutir qualquer tipo de controle social. Ne-
cessariamente, elas têm que se dispor a discutir aquilo
que está na Constituição, os princípios que devem
orientar as atividades dos meios de comunicação.
O MP tem questionado a estrutura de proprieda-
de dos meios de comunicação eletrônicos, visto
que esses, de acordo com a Constituição, não po-
dem ser alvo de oligopólio ou monopólio?
A atuação ainda é muito incipiente, mesmo que se tenha
muito pra fazer. A Constituição de ne como um dos
fundamentos da República o pluralismo político, de-
clara que o Brasil é um Estado democrático de Direito,
prevê uma série de princípios que devem ser garantidos
pelos meios de comunicação e garante a plena liberdade
de informação e de opinião. Na medida em que a es-
trutura monopolizada dos meios prejudica todos esses
direitos, não podemos deixar de lado o problema da es-
trutura. Aí o Ministério Público não só pode como deve
agir. O que precisamos é encontrar a forma de canalizar
isso adequadamente.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
166
As re exões e discussões sobre os conteúdos mi-
diáticos, especialmente no que diz respeito às suas
formas de regulação, são, sem dúvida, de central
relevância para o debate mais amplo em torno das
Políticas Públicas de Comunicação. Os conteúdos de
entretenimento, jornalísticos ou publicitários – para
nos atermos aos mais evidentes – são o produto  nal
da atividade comunicativa, ou seja, aquilo que será
apresentado aos mais diferentes públicos e, portan-
to, capazes de in uenciar de distintas formas as so-
ciedades nas quais estão sendo veiculados.
Por essas e outras razões, a cobertura da imprensa
acerca de temas que podem estar alocados sob o am-
plo universo das questões de conteúdo é de igual im-
portância. Nesse sentido, vale registrar que a cobertu-
ra sobre tais assuntos representou 50,2% do material
sobre Políticas Públicas de Co-
municação analisado pela ANDI;
sendo eqüitativamente distribuí-
do entre os jornais de alcance na-
cional e regional e as revistas.
É preciso sublinhar, entretan-
to, que a despeito da relevância
das diversas questões associa-
das à regulação de conteúdo,
cabe ainda à imprensa brasileira
assumir o desa o de abordar,
de maneira mais equilibrada,
tópicos também importantes
como a regulação da estrutura
(concessões, aspectos relativos
à propriedade) e os parâmetros
teórico-conceituais (como as
relações com a democracia e os
direitos humanos). A nal, são
exatamente tais temas que com-
põem o pano de fundo para os
problemas e potencialidades
identi cados quando focaliza-
mos as questões relacionadas
UM OLHAR SOBRE A COBERTURA: REGULAÇÃO DO CONTEÚDO
A DISCUSSÃO CENTRALMENTE TRAÇADA
SOBRE CONTEÚDO SE REFERE A*
Qualidade da programação 23,7%
Criação e papel da Ancinav 11,8%
Episódios jornalísticos especí cos (p. ex., caso
Larry Rother)
11,8%
Publicidade 11,3%
Censura e/ou lei da mordaça 9,4%
Classi cação indicativa 6,4%
Atividade jornalística em geral 6,2%
Regionalização da programação 5,1%
Decisões judiciais 3,5%
Regulação do conteúdo 2,2%
Programação independente 2,0%
Proteção aos direitos das minorias políticas 1,9%
digo de ética das televisões 0,7%
V-CHIP 0,3%
Direito de resposta 0,2%
Outros 3,0%
ao conteúdo. Por outro lado, é necessário destacar
que, quando tratam do conteúdo, 40,1% dos textos
remetem a um programa especí co (Domingo Le-
gal ou uma novela, por exemplo). Tal opção denota
uma particularização excessiva e, logo, baixa densi-
dade quanto a re exões capazes de contribuir com
uma política pública para a área.
Qualidade na berlinda
A qualidade da programação televisiva, de uma
maneira mais geral, é o assunto individualmen-
te mais trabalhado pelos veículos pesquisados
(23,7% do material que discute conteúdo). Os
episódios particulares da criação da Ancinav e
do CFJ também estiveram, como vimos, no cen-
tro da pauta.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
167
Nos textos analisados, ain-
da está aquém do desejável
a associação entre as dis-
cussões sobre conteúdo e as
re exões mais amplas sobre
Direitos Humanos (7,6%), questões de
gênero (3%), raça/etnia (2,5%) e pessoas
com de ciência (1%). A nal, é central a
importância da comunicação para o res-
peito (ou não) desses mesmos direitos.
Vale lembrar também que esses percen-
tuais se referem aos 50,2% de textos que
abordaram questões de conteúdo.
Por outro lado, temas centrais para a garantia de um conteúdo mais plural,
democrático e respeitador dos direitos humanos e dos ditames da Cons-
tituição Federal foram lateralmente abordados. Exemplos dessa limitação
são revelados pelo reduzido foco em questões como regionalização da pro-
gramação (3,5%); decisões judiciais (2,2%), a regulação do conteúdo en-
quanto tema em si (2%), programação independente (1,9%), proteção aos
direitos das minorais políticas (0,7%) e V-CHIP (0,3%), dentre outras.
Vale destacar, por outro lado, um resultado que pode ser considerado po-
sitivo, no caso do debate sobre a qualidade da programação: as discussões
em pauta nos jornais não estiverem restritas à questão dos conteúdos de
cunho sexual e/ou violento, geralmente preponderantes quando o assunto
em foco é o trabalho da mídia.
Outra característica que merece reconhecimento: apenas 12,5% dos textos
que focalizam a má qualidade da programação buscam apresentar uma jus-
ti cativa para tanto (como, por exemplo, dizer que os programas são ruins
porque esse é o “o gosto” da audiência) – geralmente, quando isso ocorre,
acaba sendo apontada a responsabilidade das empresas. Por outro lado, há
uma presença ainda limitada de material que reporta a “boa qualidade” da
programação, abordagem que poderia contribuir para disseminar a re e-
xão sobre as formas mais efetivas de aprimorar as produções midiáticas.
SOBRE A QUALIDADE DA PROGRAMAÇÃO, A DISCUSSÃO
CENTRALMENTE TRAÇADA SE REFERE A*
Campanha quem  nancia a baixaria é contra a cidadania 39,0%
Baixa qualidade em geral 24,1%
Efeitos da programação (violência, por exemplo)
sobre a população
10,6%
Elogio à qualidade 9,2%
Sexualidade, sexo, erotização e nudez 5,7%
Punição por desvios de conduta 4,3%
Violência 2,8%
Índices de audiência 1,4%
Guerra pela audiência 0,7%
A Voz do Brasil 0,7%
Outros 1,4%
* 50,2% dos textos trabalham questões de conteúdo e, destes, 23,8% remetem a
aspectos especí cos sobre a qualidade da programação.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
168
TRAJETÓRIA DA REGULAÇÃO NO BRASIL
Debates conceituais, experiências internacionais e episódios relativos ao
conteúdo da programação audiovisual no Brasil foram o pano de fundo
de nossa jornada até aqui. A observação mais detalhada de como o Esta-
do Brasileiro regulou os conteúdos comunicacionais ao longo da história
conclui o Capítulo
Por tradição, o Brasil sempre adotou com rapidez os novos inventos que pas-
saram a surgir no campo da comunicação. Foi assim já em 1876, quando Dom
Pedro II, ao se deparar com o telefone, disparou a frase: “Meu Deus, isto fala!”.
Além da telefonia – operada no País um ano após a apresentação pública do pri-
meiro aparelho telefônico –, o rádio e a televisão, bem como outras tecnologias
mais recentes, a exemplo da Internet, difundiram-se amplamente no território
brasileiro poucas décadas depois de se tornarem conhecidas no mundo.
Segundo os pesquisadores do Laboratório de Pesquisa de Comunicação da Uni-
versidade de Brasília, Murilo César Ramos e Suzy dos Santos, em paper produzi-
do especialmente para esta pesquisa, a posição de vanguarda brasileira é acom-
panhada por diversas características singulares do cenário nacional. A primeira
é a intensa regulamentação a partir de 1931, quando os serviços de radiodifusão
passaram a ser alvo de marcos legais especí cos, já norteados pelo forte controle
estatal e pelo modelo privado de exploração.
Outra característica da radiodifusão nacional, destacam os autores, é a relação
de intimidade estabelecida entre os diversos governos e os concessionários de
rádio e televisão, como destacamos no catulo anterior. “Uma in uência recí-
proca pela qual os chefes do poder executivo outorgam as concessões a partir de
critérios privilegiadamente políticos – o chamado clientelismo – e os proprie-
tários de veículos escolhem ministros e ditam as regras que vão regulamentar o
setor”, ressaltam.
A centralização do poder sobre as outorgas de radiodifusão na  gura do chefe
de Estado con gura uma espécie de marco fundador das comunicações no Bra-
sil. Ela aparece no primeiro ato normativo do setor – o Decreto 20.047, de 1931
(regulamentado pelo Decreto 21.111, de 1932) – e permanece praticamente
inalterada por mais de meio século, até que em 1991 se estabelece uma política
de licitações nas concessões públicas.
De acordo com Murilo Ramos e Suzy dos Santos, entre as décadas de 1930 e
1960 os meios de comunicação de massa começam a ser implantados na Améri-
ca Latina – principalmente no Brasil e na Argentina – seguindo a lógica de “aos
amigos tudo; aos inimigos a lei. “Aos veículos de propriedade do Estado ou às
concessões que bene ciavam as correntes políticas governamentais eram des-
tinadas a propaganda política o cial, a renovação das concessões e o incentivo
scal. Já os meios de comunicação não o cialistas eram tratados com práticas
restritivas, como a censura, a cassação ou suspensão das operações e a prisão de
pro ssionais do ramo, destacam.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
169
Distintos elementos contribuem para uma relação mais ou menos próxima en-
tre empresas de comunicação e agentes políticos. A professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ana Paula Goulart Ribeiro identi ca cinco
categorias de dependência dos meios de comunicação em relação ao Estado:
1. O sistema de concessões públicas.
2. O controle o cial das cotas de papel e outros insumos básicos
à comunicação.
3. Financiamentos, isenções  scais e subsídios.
4. Fiscalização governamental das atividades de comunicação.
5. Publicidade governamental.
A era Vargas
O interesse em formar uma identidade nacional – voltada à cultura popular – e
em manter a vida política do País sob seu controle, especialmente a partir do Es-
tado Novo (1937), fez com que Getúlio Vargas controlasse de perto toda a pro-
dução para rádio, cinema, imprensa e, no seu último governo, televisão. Além da
relação pxima com proprietários de mídia, notadamente o jornalista Samuel
Wainer, Getúlio in uenciou autores, diretores, roteiristas, jornalistas, locutores
e, principalmente, os artistas de rádio.
Como mote para isso, nos seus primeiros anos de atuação o governo Vargas já
demonstrava preocupar-se com a relação entre a educação, a cultura e o cinema.
O tema começou a ser abordado no plano legal em abril de 1932, por meio do
decreto 21.240, em cujo preâmbulo se de ne que “a exemplo dos demais países,
e, no interesse da educação popular, a censura dos  lmes cinematográ cos deve
ter cunho acentuadamente cultural. Esse decreto também apresenta a de nição
do caráter educativo e algumas limitações, conforme o trecho abaixo:
De acordo com o estudo
conduzido pela ANDI com
apoio da Fundação Ford,
1,4% dos textos jornalísticos
busca aprofundar discussões
em torno das potenciais e efetivas ingerên-
cias da política na mídia. Tal fator eviden-
cia que, a despeito da histórica constatação
de simbioses pouco republicanas entre mí-
dia e políticos pro ssionais, este segue não
sendo um tema presente na cobertura.
Art. 7º
§ 3º Serão considerados educativos, a juízo da comissão não só os  lmes
que tenham por objeto intencional divulgar conhecimentos cien cos,
como aqueles cujo entrecho musical ou  gurado se desenvolver em torno
de motivos artísticos, tendentes a revelar ao público os grandes aspectos da
natureza ou da cultura.
Art. 8º
Será justiçada a interdição do  lme, no todo ou em parte quando:
I – Contiver qualquer ofensa ao decoro público.
II – For capaz de provocar sugestão para os crimes ou maus costumes.
III – Contiver alusões que prejudiquem a cordialidade das relações com
outros povos.
IV – Implicar insultos à coletividade ou a particulares, ou desrespeito a
credos religiosos.
V – Ferir de qualquer forma a dignidade nacional ou contiver incitamentos
contra a ordem pública, as foas armadas e o prestígio das autoridades e
seus agentes.
§ 1º A impropriedade dos  lmes para menores será julgada pela Comissão
tendo em vista proteger o espírito infantil e adolescente contra as sugestões
nocivas e o despertar precoce das paixões.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
170
Em um primeiro momento, ainda durante o Governo Provisório, a regulação
de conteúdo na indústria cultural baseou-se principalmente em critérios mo-
rais. Nesse âmbito está a proibição de trechos musicais, anedotas ou palavras em
linguagem imppria, de acordo com o artigo 6º, parágrafo único, do decreto
24.655, de 11 de julho de 1934. Esse é, também, o primeiro marco em que apare-
cem normas referentes ao conteúdo da programação da radiodifusão.
A partir da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em
1939, o governo Vargas intensi cou práticas autoritárias e, conseqüentemente,
um controle mais estrito das questões políticas abordadas pelos meios de comu-
nicação de massa. Data dessa época o surgimento do programa Hora do Brasil,
obrigatório até hoje e fundamental, especialmente naquele momento, para o re-
alce da imagem do Presidente da República.
70
Marcos regulatórios do
período Vargas
Criação do DIP –
Decreto-lei Nº 1.915, 27/12/1939
Art. 2º – O D.I.P. tem por  m:
n) proibir a entrada no Brasil de publicações estran-
geiras nocivas aos interesses brasileiros, e interditar,
dentro do território nacional, a edição de quaisquer
publicações que ofendam ou prejudiquem o crédito do
país e suas instituições ou a moral;
Art. 5º – O D.I.P. será dirigido por um Diretor Geral
– padrão R, em comissão, de livre escolha e nomeação
do Presidente da República.
Regimento do DIP –
Decreto Nº 5.077, 29/12/1939
Art. 1º – O Departamento de Imprensa e Propaganda
(D.I.P.), [...] é diretamente subordinado ao Presidente
da República e tem a seu cargo a elucidação da opinião
nacional sobre as diretrizes doutrinárias do regime, em
defesa da cultura, da unidade espiritual e da civilização
brasileira, cabendo-lhe a direção de todas as medidas
especi cadas neste regimento.
Art. 6º – À Divisão de Divulgação compete:
a) a elucidação da opinião nacional sobre as diretrizes
doutrinárias do regime em defesa da cultura, da uni-
dade espiritual e da civilização brasileira;
b) interditar livros e publicações que atentem contra o
crédito do país e suas instituições, e contra a moral;
c) combater por todos os meios a penetração ou disse-
minação a qualquer idéia perturbadora ou dissolvente
da unidade nacional;
d) fornecer, aos estrangeiros e brasileiros, uma concep-
ção mais perfeita dos acontecimentos sociais culturais e
artísticos da vida brasileira.
Art. 7º – À Divisão de Radiodifusão compete:
c) fazer a censura prévia de programas radionicos e
de letras para serem musicadas.
Imprensa e propaganda –
Decreto-lei 1.949, 30/12/1939
Art. 1º – Aos jornais e quaisquer publicações pe-
riódicas cumpre contribuir, por meio de artigos, co-
mentários, editoriais e toda a espécie de noticiário,
para a obra de esclarecimento da opinião popular em
torno dos planos de reconstrução material e reergui-
mento nacional.
Art. 5º – As agências telegrá cas e os correspondentes
estrangeiros são obrigados a fornecer cópia autenticada
de todas as notícias e informações remetidas para o ex-
terior por via telegrá ca ou postal.
Art. 10º – Fica sujeita à aplicação de penalidade a
transgressão ou inobservância de instruções o ciais ve-
dando, por motivo de interesse público, a divulgação de
determinados assuntos, fatos, acontecimentos ou medi-
das administrativas.
Art. 11º – É passível de punição a publicação de notí-
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
171
cias ou comentários falsos, tendenciosos ou de intuito
provocador, induzindo ao desrespeito e descrédito do
país, suas instituições esferas ou autoridades represen-
tativas do poder público, classes armadas ou quando
visem criar con itos sociais, de classe ou antagonis-
mos regionais.
Art. 15º – Não será permitida a exibição do  lme que:
IV - for capaz de provocar incitamentos contra o regi-
me vigente, a ordem pública, as autoridades constitu-
ídas e seus agentes;
VII - ferir, por qualquer forma, a dignidade ou o inte-
resse nacionais;
VIII - induzir ao desprestígio das forças armadas.
Art. 31º – Poderá ser excluída da autorização para
exibir um filme, determinada região do território
nacional, onde, por circunstâncias ou condições
locais, essa exibição possa ser contrária ao inte-
resse público.
Art. 49º – §2º O D.I.P. negará a licença se o filme
a ser exportado contiver vistas desprimorosas para
o Brasil, estiver mal fotografado ou não recomendar
a arte nacional no estrangeiro, ou ainda se conti-
ver vistas de zonas que interessem à defesa e segu-
rança nacionais.
Art. 65º – Durante os ensaios gerais os artistas são
obrigados a cumprir rigorosamente as determina-
ções do D.I.P., tanto em relação ao texto da peça em
ensaio como em relação a indumentária, aos gestos,
marcações, atitudes e procedimento no palco.
Art. 79º – Não serão absolutamente permitidas re-
presentações e execuções sob forma de improviso.
Art. 131º – Será aplicada punição às empresas
jornalísticas:
e) quando  zer direta ou indiretamente campanha dis-
solvente e desagregadora da unidade nacional;
f) quando provocar animosidade, descrédito ou desres-
peito a qualquer autoridade pública;
i) quando  zer a propaganda política de idéias estran-
geiras contrárias ao sentimento nacional.
Art. 134º – Para os efeitos deste decreto-lei no que
for aplicável, inclusive as penalidades estabelecidas,  -
cam equiparadas aos jornais as estações emissoras ra-
diotelefônicas.
O advento da televisão
Com o surgimento da televisão no Brasil, a regulação dessa nova mídia passou a
ser implementada com base no modelo norte-americano. A portaria nº 692, de
1949, já havia versado sobre a tevê e, no ano seguinte, o primeiro canal estava no
ar. Mas só em 1952 o decreto nº 31.835 passou a de nir as normas gerais para
essa atividade.
O documento não fez referência ao conteúdo, porém planejou a divisão, em ter-
mos quantitativos, do número de canais por 186 municípios. Além disso, con-
dicionou o setor nacional à indústria de equipamentos norte-americanos, bem
como determinou, de forma transiria, facilidades de importação das peças
necessárias à adaptação dos receptores já existentes e estabeleceu os prazos para
a TV Tupi adaptar seu sistema de transmissão.
O decreto nº 31.835 especi cou claramente a inspiração no modelo norte-ame-
ricano consagrado pela Federal Communications Commission (FCC). Ficaram
de fora, contudo, o estabelecimento de uma agência reguladora independente
e as restrições à propriedade cruzada, pontos nucleares do modelo. Vejamos o
trecho a seguir:
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
172
Disposições preliminares: [...] 3 - este pado terá como base: d) nos de-
mais detalhes será idêntico ao chamado padrão americano adotado pela
Federal Communications Comission.
Capítulo I: 1 - O serviço de televisão no Brasil será executado de acordo
com as normas de engenharia, referentes às estações radiodifusoras de tele-
visão, da Federal Coomunications Commission (Standards Good Enginee-
ring Pratice Concerning Television Broadcasting Stations). Serão também
obedecidas, em tudo o que for aplicável, as regras propostas pela mesma
Comissão, em 21 de março de 1951, referentes aos padrões e à atribuição
e distribuição de canais de VHF e UHF nos EE.UU. (Proposed VHF-UHF
Rules, Standards and Allocations). 2 - Estas normas são a seguir detalha-
das nos pontos que merecem maior divulgação [...]
Normas Gerais: 1 - Serão estabelecidas pela CTR, sempre que a seu juízo
sejam aplicáveis ao caso brasileiro, as exigências e especi cações minucio-
sas e longamente explanadas, nas normas de boa engenharia da Federal
Communications Comission, sobre televisão [...]
Quadro de distribuições de canais VHF, observações: 1 - As distâncias
adotadas para a separação dos transmissores foram as recomendadas
pela FCC.
O regime militar e a regulação de conteúdo
No que tange às telecomunicações, até o início do regime militar havia em todo
o Brasil mais de 1.200 empresas do setor, operando em sistemas nem sempre
compatíveis. A partir da década de 1970, o governo decidiu estatizar as empre-
sas de telefonia, unidas no Sistema Telebrás, viabilizando com isso as transmis-
sões em rede nacional da televisão brasileira. Nesse mesmo período, começaram
a se consolidar as grandes redes de tevê privadas no País.
A Rede Globo tem sido apontada como o principal grupo bene ciado por esta
política de integração nacional, tendo começado a operar em 1965 e a funcionar
em rede em 1969, quando estreou o Jornal Nacional. No campo estatal, o Sis-
tema Telebrás alcançou altos índices de desenvolvimento e tornou-se uma das
empresas mais lucrativas do Estado. Os pesquisadores Sérgio Capparelli, Murilo
César Ramos e Suzy dos Santos ressaltam a ligação entre esse modelo e a estra-
tégia de desenvolvimento adotado pelo regime:
Os militares brasileiros priorizaram alguns setores estratégicos da economia,
investindo em infra-estrutura para o desenvolvimento industrial acelerado
e fortemente controlado. As telecomunicações estavam entre esses setores
estratégicos e foram fortemente privilegiadas. Durante os primeiros perío-
dos militares, entre 1965 e 1972, foram criados a Embratel, o Ministério das
Comunicações e o Sistema Telebrás, possibilitando a implantação de uma
so sticada infra-estrutura de telecomunicações que ligaria os quatro cantos
do País, inicialmente por uma rede de microondas, complementada depois
por salites nacionais e, mais tarde, também por extensas ligações físicas por
bras ópticas. Esses investimentos do Sistema Telebrás favoreciam, no campo
da comunicação de massa, a formação de redes de televisão nacionais.
De acordo com a análise re-
alizada pela ANDI, a Rede
Globo é mencionada em
3% do material jornalísti-
co pesquisado. Tal percentagem não
contabiliza a menção a outras empre-
sas/atividades da holding, assim como
a programas específicos da emissora,
como o Jornal Nacional, por exemplo.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
173
O controle rígido dos meios de comunicação não alterou substancialmente as
diretrizes de regulação estabelecidas nos governos de Vargas. Mantendo o Có-
digo Brasileiro de Telecomunicações, promulgado em 1962 e até hoje principal
marco regulador da radiodifusão no País, assim como suas regulamentações, os
governos militares investiram em auto-promoção e práticas repressivas – po-
tencializadas pela Lei de Imprensa de 1967, ainda em vigor (veja trechos das
legislações desse período no quadro abaixo).
O Código Brasileiro de Tele-
comunicações é mencionado
em apenas três dos 1.184 tex-
tos analisados pela pesquisa
Mídia e Políticas Públicas de Comunicação.
Extratos coercitivos da legislão
do período militar
De nição dos critérios da censura prévia e de
telenovelas – Portaria nº 6 – 16/01/67
[...] Considerando que a inexistência de critério classi-
cador e seletivo para a liberação de programas dessa
natureza sujeitaria o público a in uências muitas vezes
nefastas à sua formação moral, cultural e cívica;
Considerando virem algumas estações de rádio difun-
dindo notícias sensacionalistas, que envolvem, sem
qualquer prova, personalidades, quer do mundo po-
lítico, quer social, com graves abalos ao patrimônio
moral dessas pessoas, resolve [...]
Normas para a gravação de programas
cômicos – Portaria nº 27 – 05/06/68
[...] § 1º Na encenação de programas cômicos, para
efeito de gravação em  ta magnética, será facultado o
ingresso do público, a critério da emissora responsável.
§ 2º A encenação a que se refere o parágrafo anterior
será assistida por um Censor Federal [...]
Crimes contra a Segurança Nacional e
penalidades – Decreto-Lei n. 510 – 20/03/69
Art.14 –
Divulgar por qualquer meio de comunica-
ção social, notícia falsa, tendenciosa ou fato verdadeiro
truncado ou deturpado, de modo a indispor ou tentar
indispor o povo com as autoridades constituídas. Pena:
detenção de 3 meses a 1 ano.
Art.39 – Constituem propaganda subversiva:
I – a utilização de quaisquer meios de comunicação
social [...] como veículos de propaganda de guerra psi-
cológica adversa ou de guerra revolucionária [...] Pena:
detenção de 6 meses a 2 anos.
Art.41 – Incitar à ptica de qualquer dos crimes pre-
vistos neste Decreto-lei, ou fazer-lhes a apologia ou a
dos seus autores. Pena: detenção, de 1 a 2 anos. Pará-
grafo Único. A pena será aumentada de metade, se o
incitamento, publicidade ou apologia é feito por meio
de imprensa, radiodifusão ou televisão.
Art.67 – O Ministro da Justiça, sem prejuízo do dis-
posto em leis especiais, poderá determinar investiga-
ções sobre a organização e o funcionamento das em-
presas jornalísticas, de radiodifusão ou de televisão,
especialmente quando a sua contabilidade, receita e
despesa, assim como a existência de quaisquer fatores
ou in uências contrárias à Segurança Nacional [...]
Participação de ouvintes através de ligações tele-
nicas – Portaria nº 716 – 09/10/73
[...] I – Proibir que as emissoras de rádio e televisão, em
todo o território nacional e em qualquer horário, exceto
domingos e feriados nacionais, admitam a participação
de ouvintes e telespectadores na respectiva programa-
ção através de ligações telefônicas.
II- Permitir a irradiação das conversações telefônicas
estabelecidas de acordo com o item anterior, somente
após gravadas e selecionadas as gravações.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
174
O CONTEXTO DA REDEMOCRATIZAÇÃO
O processo de reformas que de niriam o arcabouço institucional da Nova Re-
pública contou com um importante passo dado durante o governo do presidente
José Sarney: a alteração do status do Congresso eleito em 1986 para uma Assem-
bléia Constituinte, que seria responsável pela aprovação da nova Constituição.
Com a Carta Magna, alterações signi cativas foram promovidas no marco re-
gulatório do setor de radiodifusão, como a extinção da censura, a criação do
Conselho de Comunicação Social como órgão auxiliar e a exigência de que as
outorgas de concessão de radiodifusão passassem a ser aprovadas pelo Congres-
so Nacional. Essa transição, no entanto, esteve limitada pela manutenção de um
sistema político no qual os interesses dos proprietários de empresas do setor de
comunicação foram assegurados, dada a força de seu lobby.
Conforme lembra o jornalista e pesquisador Mauro Porto, ainda que a Constituinte
tenha gerado, por parte de setores da sociedade, uma grande expectativa quanto à de-
mocratização das políticas de comunicação e ao rompimento com uma estrutura au-
toritária e monopolista, durante a presidência de Sarney os principais atores políticos
estavam intimamente ligados à mídia – e em especial à TV Globo – e constituíram
entraves a tais processos.
O “coronelismo eletrônico” – como  caram conhecidas as práticas clientelísticas
que aliavam oligarquias locais e empresas de mídia – alcançou novos patamares
no governo Sarney. Segundo o cientista político Paulino Motter, as pressões e
cooptações do Poder Executivo na Constituinte agiram não apenas no sentido
de bene ciar políticos que se tornaram “novos concessionários, mas também
com vistas a ampliar o poder dos já poderosos “antigos concessionários. A ban-
cada dos proprietários de emissoras de rádio ou televisão na Constituinte reuniu
146 parlamentares, ou 26,1% dos encarregados de elaborar a nova Carta.
No processo de formulação do documento, a subcomissão de Ciência, Tecnologia
e Comunicação teve, como presidente, o deputado Arolde de Oliveira (PFL-RJ) e,
como relatora, a deputada Cristina Tavares (PMDB-PE). Extremamente polarizada,
a subcomissão foi a única a não enviar seu relatório, alvo de inúmeras discordâncias,
para a Comissão de Sistematização. Foi crucial para o não envio do relatório a atu-
ação da bancada formada pelos empresários de radiodifusão. O embate é bem ilus-
trado pela dicotomia veri cada entre o presidente da comissão (um radiodifusor) e
a relatora (uma jornalista engajada na luta pela democratização das comunicações).
O poder das empresas na disputa pode ser apontado, por exemplo, no total enfra-
quecimento do per l do Conselho de Comunicação Social, que de uma agência re-
guladora passa a um órgão consultivo.
Entretanto, a luta organizada pela democratização das comunicações no Brasil
acabou se fortalecendo sobremaneira com o processo constituinte, o que, em si,
já foi um ganho para as décadas seguintes.
Era da televisão
A demonstração do poder político arregimentado pela mídia é dada também na
primeira eleição direta após a ditadura, em 1989. Fernando Collor de Melo, eleito
naquele pleito, tinha sua própria origem política vinculada ao setor. O então can-
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
175
didato pertencia à família proprietária da maior parte dos veículos de comunica-
ção do estado de Alagoas e venceu uma eleição que foi denominada, por alguns
especialistas, como a da “era da televisão” – ou seja, o contato com o eleitorado
perde o caráter direto ou mediado por instituições tradicionais (como os partidos
políticos), e passa a ocorrer prioritariamentente por meio da mídia. “Nos primei-
ros 15 anos de redemocratização no Brasil, a mídia foi ator chave no processo
político, destaca Mauro Porto. Segundo ele, a eleição de Collor teve como contex-
to a consolidação de uma poderosa indústria cultural nacionalmente integrada,
dominada pela televisão em geral, e pela TV Globo em particular.
Por outro lado, embora sejam importantes as ressalvas em relação ao poder das
empresas de Comunicação e dos lobbies instaurados no âmbito da Constituinte,
é preciso destacar os avanços obtidos na nova Constituição Federal. O capítulo
referente à Comunicação Social é o primeiro texto legal da história do País em
que se pode perceber o conceito de “interesse público” no sentido democrático.
E, como apresentado no primeiro catulo da presente publicação, o artigo 220
proíbe a promoção da censura, bem como condena oligopólios (como já vimos,
essa alteração, porém, esbarra em inde nição crucial, visto não  car claro o que
o Estado entende como oligopólio no mercado de comunicação).
Limitações graves, entretanto, estendem-se até os dias de hoje. Um exemplo é
o fato de não ter sido aprovada a legislação que regulamenta o artigo 220, §
5º, bloqueando assim iniciativas que viessem impedir a concentração no setor
– seja em redes de emissoras, seja por meio da propriedade cruzada.
A ex-secretária nacional de Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso,
Elizabeth Sussekind, analisa a lógica comercial como obstáculo ao atendimen-
to do interesse público: “A grande mídia tem preocupações de meras empresas
comerciais, esquecendo que exploram um serviço público e que há signi cativo
interesse social no que implementam. O ponto nevrálgico de toda essa questão
é o interesse comercial, o imperativo do mercado.” A ênfase no aspecto econô-
mico voltou a  car clara na batalha pela aprovação da emenda constitucional
que permitiu a entrada do capital estrangeiro nas empresas de mídia, questão
mencionada no capítulo anterior.
O anacronismo da legislação vigente
Vale relembrar, neste ponto, que mesmo com as mudanças promovidas a partir
da Constituição de 1988, o ordenamento jurídico do país permanece pratica-
mente inalterado no que diz respeito às telecomunicações. De 1962 a 1967, três
governos haviam promovido uma profunda reformulação dos marcos regulató-
rios da comunicação de massa no Brasil. Se, à época, as mudanças re etiam as
preocupações e anseios dos atores envolvidos com o setor, hoje estão ultrapassa-
das em relação ao contexto da redemocratização e à legislação advinda dele. No
entanto, mesmo defasadas, tais legislações ainda permanecem vigentes.
Os marcos legais em questão foram promulgados em um país no qual a tevê a
cores era um sonho ainda distante, a formação de redes nacionais de televisão
engatinhava, o rádio não atingia todos os municípios e o aporte de capital estran-
geiro nas empresas de Comunicação era expressamente proibido – até mesmo
mudanças na composição acionária e no estatuto das empresas de radiodifusão
De acordo com a pesquisa
dia e Políticas Públicas de
Comunicação, a Constitui-
ção Federal de 1988 é a legis-
lação individualmente mais mencionada
pela mídia impressa, marcando presença
em 6,1% dos textos pesquisados.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
176
e de telecomunicações deveriam ser aprovadas pelo governo, de acordo com o
artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações.
O decreto-lei 236 de 1967, o primeiro a estabelecer um limite para conces-
sões de radiodifusão para um mesmo grupo, previa punições para o inci-
tamento da desobediência às leis, o ultraje da honra nacional, a veiculação
de propaganda de guerra ou de processos de subversão, a ofensa moral, o
insulto aos Poderes da República e a colaboração na prática de rebeldia. Por
sua vez, a Lei de Imprensa proíbe propagandas de guerra e de processos de
subversão da ordem, estabelece parâmetros para a definição de responsáveis
pelas matérias jornalísticas e do direito de resposta e torna obrigatório o
registro para publicações impressas (mantendo, conseqüentemente, a cate-
goria de “publicações clandestinas”).
Parâmetros e punições como os descritos torna-
ram-se anacrônicos a partir da redemocratiza-
ção. Face à sua necessária subordinação à Cons-
tituição Federal, esses marcos legais passaram
a ser aplicados de forma limitada, tornando-se
inócuos para algumas situações. Tal contexto
acaba por abrir brechas para a não-regulação e
para a impunidade em determinadas circunstân-
cias, graças à inexistência de legislação compatí-
vel com o regime democrático.
A importância da regulamentação
Em 1995, foi instalada no Senado Federal a Co-
missão Especial para Rádio e TV, presidida pelo
senador Pedro Simon (PMDB-RS). De acordo
com o parlamentar, já nesse período um dos focos do debate entre os mem-
bros da comissão dizia respeito exatamente aos aspectos de conteúdo. “O Par-
lamento brasileiro não pode mais retardar essa discussão. Ao lado de temas
como educação, saúde, trabalho e tantos outros que, tradicionalmente, são de-
batidos no Congresso Nacional, precisamos dedicar atenção urgente ao con-
teúdo que a mídia oferece às crianças e jovens, afirmou em entrevista para a
presente publicação.
A Comissão obteve o resultado não desprezível de estimular um debate plural,
inclusive com os proprietários, sobre as diversas questões em jogo ao longo des-
ta publicação. Entretanto, daí não passou.
A Constituição Federal de 1988 acenou com avanços consideráveis na re-
gulação do conteúdo no Brasil, como, por exemplo, o estímulo à produção
independente e regionalizada, a promoção da cultura nacional e regional e
as restrições de publicidade ligada a produtos prejudiciais à saúde. A ine-
xistência de uma legislação que regulamente esses dispositivos constitu-
cionais, contudo, acaba por atribuir aos avanços de 1988 o mero papel de
postulados teóricos, sem a necessária aplicação. É crucial, nesse sentido,
a aprovação de projetos de lei que torne obrigatória a execução dos dita-
mes constitucionais.
O estudo sobre a cobertu-
ra da mídia impressa acer-
ca das Políticas Públicas de
Comunicação apresenta um
percentual bem superior aos das de-
mais análises especiais já conduzidas
pela ANDI no que se refere à presença
do Poder Legislativo como fonte de in-
formação. A Câmara Federal, o Sena-
do da República, a Câmara Distrital, as
Assembléias Legislativas dos estados e
as Câmaras de Vereadores – bem como
seus representantes e diversos órgãos
– são mencionados, consultados e/ou co-
brados em 30,4% do material analisado,
conforme aponta a tabela abaixo.
COMO O PODER LEGISLATIVO É RETRATADO NOS TEXTOS
Mencionado 14,9%
Consultado 2,4%
Responsabilizado 0,4%
Cobrado 0,6%
Elogiado
0,1%
Desculpabilizados/desresponsabilizado
0,0%
Têm uma ação sendo analisada, descrita ou divulgada
12,0%
o aparece
69,6%
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
177
A falta de diálogo entre mídia, Estado, sociedade civil e academia no que se
refere à regulação dos próprios meios de comunicação é constante na histó-
ria do Brasil. Há, contudo, pelo menos uma exceção notável e exemplar: a
negociação que envolveu esses atores no processo de elaboração das normas
presentes na Lei do Cabo, de janeiro de 1995. As demais regulamentações
a respeito da ppria televisão por assinatura foram elaboradas por meio
de decretos, sem discussão pública, nem votação no Congresso Nacional.
A ausência de debates culminou na existência de serviços de televisão com
regulamentações distintas: Serviço de Radiodifusão de Sons e Imagens (in-
cluindo a atividade ancilar das retransmissoras) e Serviços de Televisão por
Assinatura (veja nota ao lado).
Em 1988, o Presidente da República José Sarney assinou o decreto nº 95.744,
cuja atribuição era regular o serviço especial de televisão por assinatura (TVA).
A medida, porém, tinha um sério limitador: referia-se à licença de apenas um
canal em um sistema no qual a inovação tecnológica sugeria fortemente a reu-
nião de canais em grandes pacotes.
Era preciso buscar uma alternativa. A primeira empreendida foi a Portaria 250
do Ministério das Comunicações, que disciplinava a distribuição de sinais de
televisão por meios físicos – naquele momento, o Cabo. Dado o evidente pro-
blema legal decorrente dessa regulação por uma frágil portaria ministerial, no-
vas licenças foram suspensas em 1991 até que se promulgasse um marco legal
denitivo para o setor.
No mesmo ano, o secretário das Comunicações do governo federal promoveu
uma audiência pública em Brasília para receber sugestões para o marco legal
em processo de formulação. Um grupo de professores e estudantes do Departa-
mento de Comunicação da UnB e representantes de associações de jornalistas,
radialistas e artistas denunciaram a reunião como instância voltada à simples
legitimação de um novo decreto sem participação da sociedade civil. Exigiam,
então, que o novo marco regulatório fosse uma lei, discutida e aprovada pelo
Congresso Nacional.
A ação dos manifestantes resultou no ressurgimento do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC) – instância que, ainda com outro
nome, já desempenhara papel importante na década de 1980 – e na transferên-
cia do debate para o Congresso Nacional. O movimento passou, então, a defen-
der o controle público dos novos meios, a não intervenção do Estado no que se
refere a esse controle e o m dos favorecimentos de interesses particulares no
processo de concessão, submetendo ao Congresso Nacional um projeto de Lei
do Cabo ainda em 1991.
No ano seguinte, uma comissão composta por representantes de empresas es-
tatais, entidades de classe, associações de empresários e universidades come-
çou a se reunir para examinar o projeto. A partir de uma colaboração entre
os representantes do FNDC e da Telebrás, foram incorporados também como
bandeiras do movimento os conceitos de redes individuais e públicas e de par-
ticipação da sociedade. Em outubro de 1994, a Lei do Cabo, modicada em
relação ao projeto do FNDC, foi aprovada pelos líderes dos dezoito partidos
EXPECTATIVAS DE MUDANÇA
Os sistemas de Televisão
no Brasil
Serviço de Radiodifusão de Sons
e Imagens – de livre recepção a todos
os cidadãos e cidadãs brasileiros que
disponham de um aparelho televisor,
é também conhecido como tevê aber-
ta. Inclui o serviço oferecido pelas re-
transmissoras.
Serviços de Televisão por Assina-
tura – têm a recepção do sinal restrita
àqueles que pagam para recebê-lo.
Estes são considerados pela Consti-
tuição serviços de telecomunicações
e não de radiodifusão, e hoje são re-
gidos por diferentes normas. São eles:
Especial de Televisão por Assinatura
– TVA, TV a Cabo, Distribuição de
Sinais de TV/Áudio por Assinatura
via Satélite – DTH, Especial de Dis-
tribuição de Sinais Multiponto/Mul-
ticanal – MMDS.
Há ainda uma outra divisão, a categoria
educativa, presente nos dois serviços
de tevê.
O sistema de televisão por
cabo é abordado em 5% dos
textos analisados pela inves-
tigação realizada pela ANDI
com apoio da Fundação Ford.
Capítulo 3 | Defesa do interesse público
178
na Câmara dos Deputados e, em dezembro, no Senado, sendo sancionada em
6 de janeiro de 1995.
Anos recentes
Face à tônica de fragmentação e de ausência de um diálogo permanente entre
os diversos atores envolvidos com as Comunicações, não se observam avanços
no sentido de se pensar uma regulação de conteúdo que agregue, por exemplo,
cinema, televisão, indústria grá ca, musical e publicidade. Na mesma linha, re-
formas do Código Brasileiro de Telecomunicações e a formulação de uma Lei
de Comunicação de Massa não têm se consumado, ainda que clamadas, vez ou
outra, isoladamente pelos diversos atores.
Vale destacar que a partir de dezembro de 1996, as outorgas para geradoras de
televisão comercial passaram a ser concedidas depois de licitação e consulta ao
Congresso Nacional. O decreto 2.108/96, elaborado durante a gestão do Ministro
das Comunicações Sérgio Motta, trouxe propostas interessantes na avaliação das
novas concessões, como o percentual de programação jornalística, educativa, re-
gional e independente oferecido por cada candidato à concessão no momento da
entrega dos projetos que seriam avaliados pelo Ministério e pelo Congresso.
A distribuição dos canais retransmissores e das geradoras de televisão, com  ns
exclusivamente educativos, entretanto, ainda são, prerrogativa do Presidente da
República e do Ministro das Comunicações.
Em 1998, vale destacar, foi sancionada a lei da radiodifusão comunitária que, a
despeito das justi cadas reclamações do movimento, permitiu incluir o tema de
maneira mais de nitiva na agenda pública nacional.
Tudo por fazer
Nota-se, assim, que, por mais que o Estado tenha incidido sobre a regulação de
conteúdo e de infra-estrutura dos meios de comunicação de massa nas décadas
anteriores, ainda não conseguiu estabelecer, após a promulgação da Constitui-
ção Federal de 1988, instâncias efetivamente democráticas de monitoramento e
responsabilização da mídia.
Via de regra, as poucas tentativas dos diferentes governos nesse sentido têm
sido repelidas pelos próprios meios de comunicação, sob a alegação de que essa
prática corresponderia à censura. Sem que o Estado tenha obtido sucesso nesse
âmbito, as iniciativas mais interessantes levadas adiante nascem e limitam-se às
estruturas dos próprios meios de comunicação de massa ou a entidades da so-
ciedade civil, com alcance evidentemente restrito, ainda que fundamental.
Os elementos abordados até aqui, inclusive as possibilidades regulatórias efe-
tivamente disponíveis no cenário internacional estão longe de esgotar as com-
plexas discussões sobre o tema. Apesar disso, acreditamos que estes conteúdos
podem potencialmente contribuir para uma reformulação da pauta jornalística
acerca das Políticas Públicas de Comunicação. Sempre tendo-se em vista a ne-
cessidade e relevância de uma ampliação quantitativa e qualitativa da cobertura
promovida pela mídia impressa brasileira.
Problemas da concessão
de tevês educativas
Um setor totalmente obscuro no que
diz respeito à in uência da política sobre
a concessão de veículos de comunicação
é o das tevês educativas. Ao contrário das
concessões de tevês comerciais – que con-
forme destacado anteriormente passam a
depender de licitação pública – as emis-
soras educativas ainda são distribuídas
gratuitamente pelo Executivo. Este fato
faz com que políticos continuem rece-
bendo indiretamente concessões de tevês
e rádios educativas, por meio de funda-
ções que só existem no papel.
Segundo levantamento da Folha de S.
Paulo, publicada em 2006, no governo
Fernando Henrique Cardoso, 239 rádios
FM e 118 tevês educativas foram criadas
em oito anos, sendo que pelo menos 13
fundações bene ciárias eram ligadas a
deputados federais. A prática se mantém
no governo Luiz Inácio Lula da Silva, sen-
do que até junho de 2006, com três anos
e meio de governo, 110 emissoras educa-
tivas foram aprovadas (29 televisões e 81
rádios). Destas, pelo menos sete conces-
sões de tevê e 27 rádios educativas foram
dadas a fundações ligadas a políticos.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
179
A MÍDIA EM PAUTA
Com um material jornalístico mais contextualizado do que aquele registrado
pela ANDI em diversas outras análises sobre a cobertura da agenda social
brasileira, o tratamento editorial dispensado pelas redações às Políticas
Públicas de Comunicação tende a priorizar as perspectivas do Governo e do
Setor Privado
Traçado o amplo e complexo cenário que envolve o debate sobre as Políticas Públicas de Co-
municação (PPC), iremos neste último capítulo apontar os principais elementos jornalísticos
presentes na cobertura do tema.
Um primeiro aspecto que chama a atenção no material analisado diz respeito à grande presen-
ça, na pauta da imprensa brasileira, de dois atores sociais especí cos: Governo e Setor Privado.
O resultado se destaca, principalmente, quando o comparamos aos dados de outros estudos
conduzidos pela ANDI em relação às diferentes temáticas da agenda social do País.
No caso do noticiário sobre as PPC, diferentemente do que temos encontrado em pesquisas
anteriores, as organizações da sociedade civil, os especialistas, os conselhos de poticas pú-
blicas, os organismos internacionais – entre outros setores – acabam  cando em um segundo
plano na discussão, que permanece fortemente centrada nas relações que envolvem poder
público e empresas de comunicação.
Por outro lado, também sob uma ótica comparativa,  ca evidente que os textos apresentam um
per l ligeiramente mais contextualizado, o que nos possibilita vislumbrar perspectivas otimis-
tas acerca do possível aprimoramento da cobertura.
Da mesma forma, há no conteúdo pesquisado uma maior presença de menções à legislação e a
estatísticas e de opiniões divergentes. Vale também destacar a existência de um elevado percen-
tual de material opinativo na amostra – editoriais, artigos, colunas e entrevistas representam
25% da cobertura. Entretanto, dada a complexidade do tema, bem como a reconhecida disputa
política que circunscreve parte das discussões relativas a esta agenda, ainda estamos distantes
de um tratamento editorial que, de fato, ofereça à esfera pública um debate amplo e plural.
Nunca é demais lembrar que apesar de a mídia representar um ator central nas democracias,
ainda sofremos com uma escassez histórica, no que se refere a estudos com per l similar ao
que agora apresentamos. Tal ausência no âmbito das pesquisas em comunicação torna parti-
- Capítulo 4 -
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
180
cularmente difícil compreender a quantas anda a cobertura sobre a temática em outros países
ou mesmo em outros setores midticos (como a televisão, por exemplo). Diante de tal cenário,
entender como a mídia fala de si mesma ganha ainda mais relevância.
Por m, para entrarmos no âmbito das soluções, apresentamos neste último capítulo duas propos-
tas relacionadas à reorganização da regulação dirigida às comunicações. A primeira, elaborada
por um dos consultores da presente pesquisa, traz um conjunto de sugestões para a construção de
um modelo regulatório nacional. A outra consiste em um documento sobre o tema, aprovado em
janeiro de 2007 pelo Conselho de Ministros da Europa. Ambas trazem referências essenciais para
avançarmos na elaboração de Políticas de Públicas de Comunicação mais a nadas aos preceitos
democráticos e à atual realidade da mídia brasileira.
Conforme assinalamos ao longo da presente publicação, mesmo reconhe-
cida como uma instituição central na construção e consolidação das democra-
cias contemporâneas, a mídia é um ator cuja atuação ainda é objeto de tímidas
re exões no âmbito da esfera pública. Tal constatação  ca ainda mais evidente
quando analisamos o comportamento editorial da imprensa em relação às Polí-
ticas Públicas de Comunicação.
Nesse contexto, seria interessante compreendermos se essa percepção – válida
no caso dos 53 jornais e 4 semanários brasileiros, pesquisados pela ANDI com o
apoio da Fundação Ford – também se aplica à mídia internacional. No entanto,
como a rmamos na abertura deste capítulo, ainda é restrito o número de estu-
dos que buscam identi car como os meios noticiosos cobrem temas do interesse
direto das empresas de comunicação.
No artigo “Covering democracy’s forum: canadian press treatment of public
and private broadcasting, os pesquisadores canadenses do observatório de
mídia NewsWatch Canada, Scott Uzelman, Robert Hacket e Jackie Stewart
foram taxativos em reconhecer que “poucas pessoas estudaram a cobertura
da mídia noticiosa acerca de temas midiáticos. Para chegar a tal conclusão
os autores realizaram uma extensa busca em bases de dados que usualmente
abrigam resultados de pesquisas comunicacionais, entre elas o Social Science
Abstracts (1983-2004), o Communication Abstracts (1977-2004) e o Sociologi-
cal Abstracts (1963-2005).
Ainda de acordo com o estudo canadense, mesmo entre as investigações que de
alguma forma discutem a cobertura jornalística sobre assuntos midiáticos, há
uma concentração na chamada metacobertura – isto é, nos estudos que buscam
analisar a atuação da imprensa na cobertura de um determinado tema.
Metacobertura
De acordo com o pesquisador Frank
Esser, no ensaio “‘Metacoverage’ of me-
diated wars: framing the news media and
military news management in the Gulf
war coverage of 1991 and 2003”, a meta-
cobertura é de nida como “matérias so-
bre os papéis da mídia noticiosa (incluin-
do os atores, as práticas, os padrões, os
produtos e as organizações midiáticas)”
em relação à determinada cobertura.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
181
Outras pesquisas
Mesmo diante da reconhecida escassez de pesquisas nessa área, vale ressaltar
as principais conclusões de dois dos estudos existentes. Muitas dessas análises
estão conectadas a reexões já trazidas pela presente investigação ou que ainda
serão apresentadas ao longo deste capítulo.
Uma primeira leitura nos mostra que a idéia central esboçada até aqui tam-
bém está presente em pesquisas conduzidas em outros países. Ou seja, tam-
bém ca patente nos trabalhos internacionais a percepção de que cobertura da
mídia impressa acerca de temas do universo da comunicação acaba por deixar
de lado questões espinhosas para os grandes empresas de comunicação, ao
focar com maior destaque apenas os assuntos relacionados aos seus próprios
interesses de mercado.
Tome-se como exemplo as principais conclusões da já mencionada pesquisa
conduzida por Uzelman, Hackett e Stewart sobre a mídia canadense:
Um estudo acerca da cobertura de três revistas norte-americanas, levada a
cabo pelo professor Sanghee Kweon, da universidade Southern Illinois, nos
EUA, ressalta as mudanças observadas na cobertura sobre fusões envolven-
do empresas de mídia, a partir do avanço dos grandes conglomerados. O
estudioso afirma:
Em ambas as investigações mencionadas, há uma explícita preocupação dos
autores em relação a uma questão abordada nos capítulos anteriores: pro-
blemas da maior relevância no atual cenário midiático – como por exemplo,
concentração da propriedade, propriedade cruzada, proteção e ampliação da
diversidade e da pluralidade de vozes – requerem um debate público mais
aprofundado e sistemático, com vistas ao melhoramento das pprias polí-
ticas públicas voltadas para o setor. Nesse contexto, o desafio que se coloca
é saber como fazer isso em um cenário no qual um dos principais propul-
sionadores do debate possui interesses diretos, e poucas vezes transparentes,
nessa discussão.
Em geral, nós descobrimos que a Canadian Broadcast Corporation [a
empresa pública] e a radiodifusão pública em geral tiveram mais chances
de receber algum tipo de cobertura do que o Setor Privado. Mais além,
tanto a radiodifusão pública quanto privada tenderam a receber mais
cobertura positiva do que negativa. Enquanto a radiodifusão pública é
considerada como um objeto de debate político, a radiodifusão privada
tende a ser naturalizada como um conjunto de empresas comerciais cujo
papel e função na sociedade democrática são relativamente ignorados.
Em linhas gerais, os resultados deste estudo sugerem que a mídia noticiosa
favoreceu a cobertura de fusões. Aquelas que envolviam as empresas de mí-
dia, especialmente, contaram com cobertura mais favorável do que outros
tipos de fusões.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
182
Experiência brasileira
A despeito da relevância das comparações elaboradas pelos estudos interna-
cionais citados, é preciso ressaltar que eles distanciam-se em diversos aspec-
tos do estudo conduzido pela ANDI no Brasil, pelo menos em relação aos
seguintes fatores:
1) A investigação sobre a imprensa brasileira conta com uma amostra sig-
nicativamente mais abrangente – foram 57 veículos analisados, ao longo
de 3 anos.
2) O escopo de temas pesquisados é igualmente mais amplo.
Além desses aspectos, cabe apontar que os parâmetros jornalísticos avaliados
também são mais numerosos. E é exatamente a análise de algumas dessas espe-
cicidades do trabalho da imprensa que serão enfocadas nas reexões apresen-
tadas a seguir.
Durante o período analisado pelo estudo coordenado pela ANDI (2003-2005),
mais de dois terços da cobertura sobre Políticas Públicas de Comunicação foi
gerada a partir de quatro fatores claramente denidos: o primeiro deles diz res-
peito aos conteúdos produzidos como resposta a ações dos governos (22,6%)
– um exemplo nesse sentido é a polêmica em torno da proposta de criação da
Ancinav; um segundo está na cessão dos espaços opinativos dos jornais (co-
lunas, editoriais, artigos de opinião) para que a questão seja abordada, o que
ocorre em 17,4% dos casos; outro aspecto está relacionado à repercussão de
eventos da área (10,3%); e, por m, há uma forte tendência a produzir pautas
sobre o tema em função de interesses diretos do Setor Privado (9,6%).
Por outro lado, diante de tal panorama, é importante observarmos as dife-
rentes questões que não estão em evidência no noticiário, análise que nos
possibilita perceber as lacunas ainda existentes no trabalho da imprensa. É o
caso das demandas e ações da sociedade civil como um todo e, mais especi-
ficamente, da repercussão de pesquisas, materiais investigativos e reivindi-
cações dos movimentos pela democratização das comunicação – temas que
raramente são identificados como geradores da cobertura.
De maneira geral, como apontamos anteriormente, a atenção dedicada pela mí-
dia impressa brasileira às Políticas Públicas de Comunicação é fortemente con-
centrada na atuação de dois atores sociais: Governo e Setor Privado. Em 40% dos
textos, há uma evidente identicação da pauta com fatos relacionados a esses
setores. A despeito de sua relevância para as discussões sobre o tema, tal focali-
zação do noticiário – ou, por outro viés, a sua falta de diversicação – acaba por
representar um aspecto de limitação do debate público.
TENDÊNCIAS DA PAUTA
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
183
COMO SE DEU A INCLUSÃO NA PAUTA
Forma de inclusão %
Demandas e ações dos governos 22,6
Por iniciativa da própria imprensa (espaços opinativos) 17,4
Repercussão de eventos especícos ligados à área (congressos, seminários, etc.) 10,3
Demandas e ações do Setor Privado 9,6
Campanhas 4,5
Repercussão de histórias individuais 3,1
Acompanhamento do andamento de um programa/projeto previamente lançado 3,0
Repercussão de outras pesquisas/relarios 2,9
Anúncio do lançamento de um novo programa, política, projeto 2,4
Demandas e ações da sociedade civil (ONGs, fundações, etc.) 2,4
Repercussão de outras mídias 1,4
Por iniciativa da própria imprensa (matéria investigativa) 1,4
Demandas e ações da população 0,8
Repercussão de fatos marcantes/relevantes 0,8
Repercussão de pesquisas realizadas pelas universidades 0,7
Demandas e ações sindicais 0,6
Demandas e ações dos organismos internacionais 0,6
Denúncias 0,5
Divulgação dos procedimentos ou dos resultados de avaliação de
projetos/programas/políticas
0,1
Demandas e ações dos movimentos pela democratização das comunicações 0,1
Repercussão de boas práticas 0,1
Não foi possível fazer a aferição 14,6
Total 100,0
A importância do contexto
A presença ou não de elementos que contribuam para uma maior contextu-
alização do material publicado pelos jornais é outro aspecto que merece des-
taque em nossa análise. Nesse quesito, ao mesmo tempo em que notam-se
avanços signicativos na cobertura – comparativamente a outros estudos já
realizados pela ANDI –, cam também evidentes algumas lacunas que ainda
precisam ser trabalhadas.
É importante lembrar, entretanto, que o problema central da cobertura das políti-
cas de comunicação não é tão marcadamente a ausência de contextualização, mas
sim o fato de o tema ser pouquíssimo coberto pelos jornais. Além disso, a atenção
da imprensa se concentra fortemente nas questões de conteúdo – as quais depen-
dem do fortalecimento de debates anteriores, como é o caso da concentração da
propriedade e da garantia de um órgão regulador independente para o setor.
Dentre os avanços que merecem maior atenção em relação ao nível de con-
textualização do material analisado, podemos citar a expressiva menção a
legislações, jurisprudências e outras fontes documentais: 35% dos textos
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
184
ABRANGÊNCIA E NÍVEL DE
ABORDAGEM DO ASSUNTO
Nível %
Factual 19,0
Contextual 57,1
Contextual explicativo 11,1
Avaliativo 12,4
Propositivo 0,4
Total 100,0
mencionam algum documento com essas características.
Além disso, vale frisar que 50% das matérias que abordam
as legislações não se limita a simplesmente a mencioná-las,
trazendo também um aprofundamento da discussão acerca
do documento em foco.
Adicionalmente, é importante indicar como um dado positivo
da cobertura a presença de um volume representativo de men-
ções à Constituição Federal (6,1%) e a projetos de lei e propos-
tas de emenda constitucional acerca de temáticas pertinentes
ao setor (11%). Por outro lado, no entanto, o Código Brasileiro
de Telecomunicações (0,3%) e as legislações de outros países
(0,8%) ganham pouco destaque nos textos jornalísticos, o que
acaba por limitar debates importantes, como a revisão do marco jurídico na-
cional e a comparação entre a realidade brasileira e a de outros países (veja
tabela à página 107)
De quem é a responsabilidade?
A apresentação de causas, conseqüências e soluções relativas aos assuntos le-
vantados pela mídia noticiosa, ao longo do triênio analisado, também traz per-
centuais mais signicativos do que aqueles vericados em outras investigações
conduzidas pela ANDI sobre temáticas da agenda social brasileira.
Segundo a pesquisa Mídia e Políticas Públicas de Comunicação, 29,6% dos textos
mencionaram causas, 19,4% soluções e 10,1% conseqüências. A análise da pre-
sença desses elementos na cobertura é relevante na medida em que possibilita
identicar a quem os textos atribuem a responsabilidade pelas questões expos-
tas. Em outras palavras, podemos armar que a abordagem das causas e soluções
acaba por assegurar aos leitores uma visão mais abrangente sobre os problemas
apontados, ao indicar os atores que são responsáveis por originar tais problemas
ou, ao contrário, por solucioná-los.
O fato é que, mesmo que observemos percentuais maiores do que os identica-
dos em outras análises coordenadas pela ANDI, ainda há uma forte ausência de
debates acerca de causas e soluções no âmbito das políticas de comunicação. Isto
porque 70% dos textos não traz fatores causais e 80% deixa de apontar possíveis
formas de se solucionar as questões em pauta. Cabe ressaltar que, mesmo não
sendo estritamente necessária a presença desses elementos em 100% dos textos,
a sua ausência representa um aspecto limitador do noticiário, já que acaba por
restringir a identicação dos atores que devem estar envolvidos no desenho e
equacionamento das PPC.
Nesse sentido, ao analisarmos o perl dos textos que indicam causas e soluções,
mais uma vez notamos a tendência de polarização mencionada anteriormente.
Dentre os principais responsáveis pelas causas abordadas, os governos são citados
em 28,9% das vezes e o Setor Privado, em 36%. Já em relação às soluções, esses
percentuais são de 44,8% e 12,2%, respectivamente. É importante perceber que,
mesmo sendo uma temática com forte viés legislativo, os parlamentares e o Judici-
ário – somando-se aí o Ministério Público – ainda ganham pouco espaço.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
185
Se no caso das causas e soluções os atores citados pela mídia são, sobretudo,
institucionais, em relação às conseqüências há uma inversão de papéis – os indi-
víduos passam a ser o foco das atenções. Sociedade em geral, famílias, cidadãos
e cidadãs em particular e prossionais da comunicação aparecem em cerca de
60% dos casos nos quais há apresentação de conseqüências.
Avanços tímidos
Se na apresentão de fontes documentais e no debate sobre
causas, soluções e conseqüências vericam-se avanços na
cobertura jornalística, comparativamente a outros temas, há
por outro lado tendências que indicam fortes limites a uma
contextualização mais ampla das políticas de comunicação
pelo noticiário.
Nos capítulos anteriores foi sinalizado que a relação entre as
PPC e os grupos populacionais especícos acabou passando,
com freqüência, ao largo da cobertura. As menções a ques-
tões de gênero (1,6%), raça/etnia (1,9%) e temas envolvendo
pessoas com deciência (0,6%) foram estatisticamente inex-
pressivas. Um aspecto que chama a atenção nesse contexto é
o maior espaço destinado à população infanto-juvenil (8,4%),
resultado de discussões importantes para a garantia de seus
direitos – caso do debate sobre a Classicação Indicativa, por
exemplo. Cabe ainda destacar que 7,3% do material conse-
guiu trazer uma abordagem mais abrangente sobre aspectos
políticos, econômicos e sociais das questões em pauta.
QUEM SÃO OS PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS
PELAS CAUSAS APONTADAS
Atores %
Setor Privado 36,0
Governo 28,9
Prossionais da comunicação 8,0
Políticos 3,4
Sociedade em geral 3,4
Indivíduos 3,4
Legislativo 2,9
Judiciário 1,7
Sociedade civil organizada 1,1
Famílias 0,6
Ministério Público 0,3
Autoridades reguladoras 0,3
Outros 0,6
Não foi possível identicar 9,4
Total 100,0
QUEM SÃO OS PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS
PELAS SOLUÇÕES APONTADAS
Atores %
Governo 44,8
Setor Privado 12,2
Sociedade civil organizada 9,6
Legislativo 8,3
Sociedade em geral 5,2
Judiciário 3,9
Prossionais da comunicação 3,0
Famílias 2,2
Indivíduos 2,2
Ministério Público 1,3
Políticos 1,3
Sistema de formação de prossionais 0,9
Outros 2,6
Não foi possível identicar 2,6
Total
100,0
*19,4% dos textos mencionam soluções.
AS CONSEQÜÊNCIAS “ATINGEM
FUNDAMENTALMENTE QUAL DOS
SEGUINTES ATORES
Atores %
Indivíduos 24,2
Prossionais da comunicação 20,8
Sociedade em geral 18,3
Setor Privado 9,2
Políticos 5,8
Famílias 2,5
Governo 1,7
Autoridades reguladoras 1,7
Não foi possível identicar 15,8
Total
100,0
*10,1% dos textos mencionam conseqüências.
*29,6% dos textos mencionam causas.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
186
Além disso, outro elemento relevante para a construção de informações contextuali-
zadas é a apresentação de dados estatísticos que exprimem, de forma mais concreta,
os parâmetros norteadores das discussões em pauta. Na cobertura sobre as PPC,
16% dos textos mencionaram alguma informação estatística, na maioria das vezes
originadas de pesquisas conduzidas pelo Setor Privado ou por institutos de sonda-
gem de opinião. Um dos efeitos de tal resultado é que os grupos de pesquisa sobre
temas ligados à área das comunicações, bastante consolidados nas universidades e
em outras instituições brasileiras e estrangeiras, estiveram sub-representados entre
as fontes estatísticas consultadas.
Outro indicador associado a esses índices mostra que a maioria dos textos não
menciona mais de uma fonte estatística (90% dentre aqueles que apresentam
algum dado numérico) e que 30% dos que trazem informações estatísticas preo-
cupam-se em construir algum tipo de comparação entre os dados.
ESTATÍSTICAS/DADOS CENTRALMENTE MENCIONADOS
Fontes estatísticas %
Diferentes níveis dos
poderes públicos
Ministério das Comunicações 5,3
Governo Federal 4,2
Ministério da Cultura 3,2
Secom 2,6
Anatel 2,6
Legislativo 2,6
Poder Judiciário 1,1
Ministério Público 0,5
Outros Institutos de Sondagem de Opinião (Ibope, Sensus, etc.) 15,8
Empresas privadas 14,7
Instituições de Pesquisas Governamentais (IBGE, IPEA, etc.) 3,2
Universidades estrangeiras 3,2
Universidades nacionais 2,6
Organismos Internacionais 2,1
ONGs 2,1
Especialistas e pesquisadores da área (estrangeiros) 1,1
Dieese 0,5
Especialistas e pesquisadores da área (nacionais) 0,5
Outra 8,9
Não foi possível identicar 23,2
Total
100,0
*16% dos textos mencionam estatísticas.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
187
A força da opinião
Uma parte expressiva da cobertura sobre as Políticas Públicas
de Comunicação entre 2003 e 2005 foi composta por um mate-
rial opinativo bastante volumoso – 25% dos textos analisados
foram publicados em espaços como editoriais, artigos e colu-
nas. Isso cou evidente especialmente na atenção dedicada a
alguns casos que tiveram lugar durante o período em foco (CFJ
e Ancinav, por exemplo). Por outro lado, não se pode deixar de
mencionar que 75% dos conteúdos eram de caráter essencial-
mente informativo.
Esse perl do noticiário sugere, entre outras conclusões, que as
direções dos jornais acabam por abrir espaço para discussões que
demarquem posições a respeito das PPC. O que não signica, no
entanto, que esteja sendo assegurado pelas empresas um maior
esclarecimento sobre as diferentes questões concretas em jogo.
Quem fala?
Quando analisamos quais são as fontes primárias ouvidas pelos jornalistas, no-
vamente vem a tona uma das principais tendências observadas na cobertura, ou
seja, a concentração da discussão no âmbito do governo e das empresas – e, no
outro lado da moeda, a conseqüente desvalorização da sociedade civil como voz
relevante nesse debate.
Tal conguração da cobertura poderia até fazer sentido em países com uma
sociedade civil desorganizada e sem expressão no conjunto das reexões sobre
as diferentes temáticas sociais. Como explicitamos nos capítulos anteriores, esse
não é, no entanto, o quadro observado no Brasil. Pelo contrário. Desde os con-
tundentes debates contra a censura durante a ditadura, passando pelas severas
críticas às relações pouco republicanas de algumas emissoras com o regime mi-
litar, até o processo de aprovação da Constituição Federal, fortaleceu-se no País
um diversicado leque de instituições e pessoas que vem debatendo o tema da
democratização das comunicações.
Nesse sentido, cabe averiguar com mais clareza os motivos que levam os jornais
e revistas a sistematicamente desconsiderarem esses atores centrais para a qua-
licação da pauta. Duas hipóteses poderiam ser apontadas: primeiro, as organi-
zações da sociedade civil e especialistas que trabalham a questão das PPC não
tem alcançado êxito ao dialogar com os meios jornalísticos; segundo, há uma
recusa sistemática de parte das empresas em dar voz a organizações que atuem
em relação a essa temática.
Por m, cabe ressaltar que cerca de 38% dos textos trazem mais de uma fonte de
informação e somente 16% oferecem opiniões divergentes – resultado que ca
distante do esperado, principalmente quando lembramos que estamos falando
de um debate com tamanha polarização e complexidade.
TIPO DE TEXTO
Tipo %
Matérias/reportagens 19,0
Colunas ou notas de colunas assinadas 57,1
Artigos assinados 11,1
Entrevistas 12,4
Editoriais 0,4
Total 100,0
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
188
PRINCIPAL FONTE OUVIDA PELA MATÉRIA
Fontes %
Poder Executivo Executivo Federal 5,4
Ministério das Comunicações 5,4
Executivo Estadual 1,0
Ministério da Cultura 1,0
SECOM 0,7
Anatel 0,3
Executivo Municipal 0,2
Sub-total 18,1
Empresas e associações
de empresários
Empresas não estatais 9,3
Associações 6,0
Sub-total 15,3
Universidades e
especialistas
Especialistas/Técnicos 7,3
Universidade 4,5
Sub-total 11,8
Poder Legislativo Legislativo Federal 5,8
Legislativo Estadual ou Distrital 0,3
Legislativo Municipal 0,3
Sub-total 6,4
Poder Judiciário Judiciário 3,7
Ministério Público 1,4
Sub-total
5,1
Conselhos, Organizações
da Sociedade Civil
e representações de
trabalhadores
Organizações da Sociedade Civil 2,9
Sindicatos e federações de trabalhadores 1,3
Conselhos 0,3
Movimentos sociais 0,3
Sub-total 4,8
Outros Empresas estatais 1,8
Líderes religiosos 0,1
População 0,8
OIs – (Organismos Internacionais) 0,5
Outros 10,7
Não foi possível identicar as fontes consultadas 24,7
Total 100,0
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
189
1
89
Ana Paula Sousa
Ana Paula Sousa é subeditora de Cultura da revis-
ta Carta Capital, veículo no qual vem se dedican-
do nos últimos anos à cobertura sobre as políticas
de comunicação
De acordo com a pesquisa realizada pela ANDI,
a revista Carta Capital é o periódico que mais
cobre temas ligados às Políticas Públicas de
Comunicação no Brasil. Na sua opinião, a que
se deve o menor interesse dos demais veículos
em relação a esse assunto?
Duas razões imediatas me vêm à cabeça quando
penso sobre essa questão. A primeira é que esse é
um tema complexo e que escapa de uma editoria
especí ca. Se um jornalista de política vai escre-
ver sobre o assunto, talvez não perceba as ques-
tões culturais envolvidas. Já um jornalista de cul-
tura pode deixar passar as questões econômicas.
Poucas pessoas são especializadas e têm paciên-
cia para lidar com essa temática. Geralmente, é
uma cobertura na qual é preciso ouvir dezenas
de pessoas para que se consiga escrever com pro-
priedade. Nas revistas semanais, por exemplo,
acho que ninguém conhece a fundo o assunto.
A outra razão é que quase todos os veículos têm in-
teresses envolvidos nessa discussão, o que acaba di -
cultando que o assunto seja abordado objetivamen-
te. O jornal Estado de S.Paulo, por exemplo, pode até
cobrir o tema, mas irá levar em consideração o fato
de ter uma rádio e uma emissora de televisão que
não consegue colocar no ar porque a Net [empresa
de TV a cabo que pertence às Organizações Globo]
não deixa. A Editora Abril também está diretamen-
te envolvida, por causa da TVA. Da mesma forma,
basta ver como o debate sobre a TV digital foi feito
de forma enviesada, já que a maior parte dos atores
envolvidos tinham interesses em jogo.
No Brasil, tal fenômeno é agravado pela falta de
regulamentação, mas acho que essa é uma ten-
dência mundial. Os conglomerados de mídia são
imensos e o jornalismo é só uma pecinha neste
cenário. Acaba  cando sitiado por esses outros
interesses. Então, como discutir dentro do jornal
e da tevê aquilo que diz respeito ao contexto das
póprias empresas de mídia? Nos deparamos com
um impasse. Talvez daí decorra a falta de preparo
do jornalista. Mas, mesmo que o pro ssional es-
teja preparado, todas essas questões que apontei
o levarão a trabalhar “cheio de dedos.
Há algum tipo de quali cação especí ca para
os jornalistas que trabalham nessa cobertura?
Não, isso acaba sendo feito na raça mesmo. Para
cobrir a área de cultura, ainda há como se preparar
um pouco. Mas, nesse caso, o central é exercer o
ofício de repórter da melhor maneira possível. Um
bom pro ssional, se for sério e tiver paciência, pode
ir aprendendo. Mas é muito mais difícil, por exem-
plo, fazer matéria sobre TV digital do que sobre
outros temas. É preciso entender todas as questões
tecnológicas, além de ler e ouvir muitas pessoas.
Ao que se deve o interesse da revista Carta Ca-
pital em relação a esse assunto?
Acredito que aqui, por não termos relação com
nenhum grande conglomerado de mídia, não há o
medo de atingir algum interesse. Ou seja, não há
outros interesses envolvidos, então isso nos dá li-
berdade de tratamento ao tema. Algumas vezes, as
sugestões de pauta partem dos próprios repórteres.
Mas a revista foi percebendo que nenhum veículo
cobre sistematicamente o assunto, então este é um
espaço que a Carta Capital conseguiu ocupar.
As coberturas feitas pela revista já resultaram
em alguma transformação nas empresas do se-
tor ou no cenário político?
De maneira direta, não. O que sinto é que uma
reportagem da Carta Capital, somada à matéria
de outro veículo, à ação de uma organização da
sociedade civil e ao discurso de um deputado,
por exemplo, tem o potencial de gerar uma mo-
bilização da sociedade. Isso pode deixar o dono
de uma emissora de tevê menos confortável.
Claro que acabamos repercutindo mais do que
a Internet, porque somos um veículo impresso,
mas só acredito no poder de in uência da revista
somado a outras iniciativas. É uma corrente.
Você escreve sobre políticas de comunicação
de uma perspectiva da cultura. Por que este
enfoque especí co?
Não precisa ser teórico para saber que os ve-
ículos de comunicação de massa formam a
identidade do País. O poder da mídia pode
ser questionado, limitado, mas o que se faz na
tevê brasileira está diretamente relacionado à
cultura. Toda cultura brasileira é assolada pe-
los meios de comunicação. Se tivéssemos uma
mídia que oferecesse um pouco mais de es-
paço para a cultura independente, a situação
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
190
SOLUÇÕES EM POTENCIAL
Mesmo havendo o risco de parecer excessivamente redundante, nos parece
necessário concluir a presente publicação trazendo para o debate duas propos-
tas de estruturação de um marco regulatório para o setor de comunicações.
Tanto o artigo do professor Luis Felipe Miguel, da Universidade de Brasí-
lia (UnB), quanto as recomendações do Conselho de Ministros da Europa,
apresentados a seguir, discutem elementos já abordados ao longo deste do-
cumento. No caso das propostas do especialista da UnB, a possibilidade de
redundância é ainda mais previsível, já que as proposições abordadas por ele
constam de um paper produzido com exclusividade para a ANDI com o obje-
tivo de subsidiar as re exões tecidas ao longo das páginas anteriores.
Apesar disso, não há dúvida de que ambos os textos não apenas oferecem interessan-
tes caminhos para avançarmos nesse debate, como o fazem de forma bastante objeti-
va. Daí a razão de havermos optado por utilizá-los como fecho de nossa publicação.
Nesse sentido, vale lembrar também que a expectativa da ANDI – que contou com
o valioso apoio da Fundação Ford nessa empreitada –, é de que esta publicação
tenha fortalecido a re exão sobre algumas questões centrais para a maior quali -
cação da cobertura jornalística sobre as Políticas Públicas de Comunicação:
• A importância de que o tema passe a ser abordado sob distintas perspectivas.
• Os caminhos que podem ser adotados pela cobertura jornalística para
que a discussão sobre as PPC sejam inseridas na agenda pública.
• A identi cação dos pontos de avanço – e também dos limites – encontrados
no tratamento editorial dispensado pela imprensa brasileira ao assunto.
Todos esses aspectos estão articulados com a idéia, já discutida nos catulos
anteriores, de que a mídia precisa ser considerada, de nitivamente, como par-
te central da esfera pública de discussões – o que inclui intensi car a cobertura
jornalística sobre ela. Por sua vez, sem fortalecermos a presença dos meios de
comunicação na agenda da sociedade – e, conseqüentemente, nas políticas pú-
blicas levadas a cabo pelo Estado brasileiro – continuaremos com uma lacuna
de enormes proporções em nosso inacabado processo de redemocratização.
provavelmente seria diferente. Mas essa não é
a realidade.
Quais seriam, na sua visão, as possíveis for-
mas de se garantir uma uma cobertura mais
ampla do tema “mídia, especialmente das
Políticas Públicas de Comunicação?
Essa é um pergunta difícil de responder. Não
acho que seja uma deficiência da sociedade
civil, mas uma barreira que existe na ppria
mídia. Talvez esta seja uma visão idealizada,
mas na minha opinião a sociedade civil até faz
muito. Se não fossem algumas dessas entida-
des que atuam nessa área, talvez eu não tivesse
feito várias matérias sobre o tema. Sempre que
precisei, todas foram da maior eficiência, sou-
beram trazer informações qualificadas. Além
disso, os boletins especializados em políticas
de comunicação nos mantém atentos também.
Na verdade, foram esses movimentos e organi-
zações que me “obrigaram” a cobrir a temática.
Quando entrei aqui não tinha a menor inten-
ção de falar disso, mas fui sensibilizada e aca-
bei me interessando pelo assunto .
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
191
1
91
Elvira Lobato
Elvira Lobato é repórter da Folha de S. Paulo na sucursal
do Rio de Janeiro e nos últimos anos tem se especializado
na cobertura das Políticas Públicas de Comunicação
A pesquisa realizada pela ANDI aponta a Folha de
S. Paulo como o segundo jornal que mais cobre te-
mas ligados às Políticas Públicas de Comunicação.
Há algum tipo de incentivo por parte do jornal
para que esse seja um tema pautado?
Posso falar da minha experiência pessoal. Passei a
cobrir sistematicamente o setor de telecomunica-
ções em 1994, quando o Brasil vivia um momento de
preparação para as privatizações. Naquele momento,
havia um grande interesse das organizações de mí-
dia em entrar nessa área – era um setor de reserva e,
nesse sentido, houve pressão para abrir os mercados.
A própria Folha integrou num consórcio de empre-
sas que pleiteavam concessões de telecomunicação,
na chamada Banda B. Esse era, portanto, um tema
que passou a interessar ao jornal, que foi pioneiro ao
cobrir o assunto a partir da ótica do interesse político
e dos negócios. Gradualmente, isso foi se estendendo
à cobertura sobre as comunicações e a mídia de ma-
neira geral.
E qual é hoje a orientação editorial da Folha em re-
lação a essas temáticas?
Este é um assunto que interessa muito à Folha, que
ela trata com destaque, principalmente, quando tra-
ta-se de um trabalho produzido a partir da investi-
gação da equipe de reportagem. Sempre houve sina-
lização da direção para que déssemos relevância ao
tema. Começamos com a divulgação do cadastro de
concessionários de radiodifusão. Na época, era tabu
falar nesse assunto. Nossa idéia era descortinar essa
questão e com isso abrimos um novo horizonte de
trabalho – começamos a ver, por exemplo, que as
concessões estavam em nome de laranjas, que havia
um predomínio de políticos, que as empresas não
respeitavam os limites de concentração. Ficou claro
que era algo sistematicamente desrespeitado. Com
o passar do tempo, outros jornais se interessaram e
começaram a acompanhar a bancada da mídia no
Congresso. Passou a haver uma  scalização maior e o
assunto se consolidou.
Há algum programa de treinamento especí co
do jornal voltado para os pro ssionais que co-
brem esse tema?
Não, nenhum veículo hoje tem esse tipo de ini-
ciativa. É um trabalho de investigação jornalística.
Veja o exemplo das concessões do espectro eletro-
magnético. Quando o Fernando Henrique Cardo-
so foi eleito, disse que acabaria com o uso político
das concessões. Mas, a exemplo dos governos an-
teriores, também as usou como moeda de troca,
só que dessa vez isso ocorreu no âmbito das tevês
e rádios educativas. Nesse caso, as concessões são
dadas a fundações e descobrir quem está por trás
é um trabalho grande. Isso depende muito da ex-
periência que você adquire, até conseguir montar
este mosaico.
Como você não tinha uma formação especí ca
oferecida pelo jornal, como buscou se quali car
sobre esses temas?
Foi um aprendizado construído na prática. Nesse
processo, conheci muita gente preparada, geral-
mente pessoas do campo do direito. Para mostrar
o que estava errado, era preciso conhecer mais
profundamente a legislação do setor. Acabei por
adquirir experiência em outras áreas também. Ti-
nha como hábito pesquisar as juntas comerciais e
estudar os contratos, por exemplo. Numa ocasião,
descobrimos uma irregularidade na venda de uma
concessão de tevê a cabo. A sede da empresa estava
no Uruguai e a lei dizia que tinha que estar no Bra-
sil. Isso mostra como essa é uma área que exige um
acompanhamento de perto.
Na sua opinião, por que ainda há na imprensa
brasileira uma cobertura tímida sobre as Políti-
cas Públicas de Comunicação, como revela o es-
tudo coordenado pela ANDI?
Primeiro, porque esse é um assunto complexo, que
envolve o próprio negócio do jornal e, muitas ve-
zes, os interesses diretos do seu patrão. Além dis-
so, é preciso ter domínio do tema e credibilidade
para cobrí-lo, já que há leitores capacitados nessa
discussão. Outro aspecto é que o acesso as fontes
de informação é difícil, pois trata-se de público que
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
192
não dá entrevistas com freqüência. Um setor em que
não há muita transparência e as empresas geralmen-
te não são de capital aberto. Quando o Sérgio Motta
começou a privatizar as telecomunicações, a meta
era fazer isso no primeiro ano e, no segundo, elabo-
rar uma nova Lei Geral para o setor de comunicação
de massa. Até hoje isso não saiu. Isso deixa claro que
a política do setor é não haver uma política. Em to-
das as iniciativas que buscou-se implementar, como
foi a questão da TV digital, não havia interesse das
empresas para que o processo fosse em frente. O
interesse é postergar o debate e evitar a regulação.
Essas são questões que acabam por inibir o trabalho
jornalístico em relação às políticas públicas, fazendo
com que grande parte da cobertura se restrinja ao
debate sobre conteúdo.
As reportagens feitas pela Folha sobre as políticas
de comunicação já conseguiram contribuir para
alguma mudanças no setor de mídia ou na própria
Administração Pública?
Acho que houve pequenas conquistas, mas uma
grande vitória pode ser destacada. Hoje você entra
na página do Ministério das Comunicações e o ca-
dastro das concessões de radiodifusão está lá. A Fo-
lha cobrou muito isso do governo federal e o Miro
Teixeira [ministro das Comunicações à época] foi
sensível à questão. Claro que o problema não se re-
solveu por completo, porque o cadastro disponível
está atrasado. Mas esse já foi um passo importante.
Na sua opinião, quais estratégias podem ser leva-
das a cabo a  m de estimular uma cobertura mais
ampla do setor de comunicações?
Inicialmente, é preciso dizer que a imprensa brasi-
leira não tem o hábito de cobrir a si própria. Uma
das causas desse silêncio pode ser a não-exposição
dos con itos de interesse das empresas, já que esta-
mos falando de grandes conglomerados de mí-
dia. Basta ver como o jornal O Globo cobriu a
questão da TV digital. A TV Globo era uma das
grandes interessadas nesse tema. Eu via como os
colegas que trabalham em veículos que tinham
interesses de mercado  cavam constrangidos na
cobertura do assunto. Eles tinham que pisar em
ovos. Nesse sentido, o ideal seria cobrir mídia da
mesma forma que cobrimos hoje o setor do pe-
tróleo ou dos bancos, por exemplo. Mas há ainda
uma distância grande para chegarmos a isso.
Por outro lado, mecanismos de monitoramento
da cobertura também poderiam auxiliar nes-
se processo de estímulo a uma cobertura mais
abrangente. O ombudsman acaba sendo um dife-
rencial importante, porque é um espaço de crítica
da mídia e cobrança de transparência por parte
da empresa. Hoje, vejo que já temos uma cober-
tura mais quali cada do que a que tínhamos há
alguns anos atrás, mas o que impede uma mu-
dança de fato é a postura das próprias empresas,
que não se vêem como um setor a ser coberto.
As reportagens feitas pela Folha neste âmbito
já causaram mudanças no setor de mídia ou na
própria Administração Pública?
Acho que houve pequenas conquistas, mas uma
grande vitória pode ser destacada. Hoje você en-
tra na página do Ministério das Comunicações e
o cadastro das concessões de radiodifusão está lá.
A Folha cobrou isso muito do governo e o Miro
Teixeira [Ministro das Comunicações durante do
governo Lula] foi sensível à questão. Claro que o
problema não se resolveu por completo, porque
o cadastro disponível está atrasado. Mas foi um
passo importante.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
193
1
9
3
Alternativas na pauta
Admitida a centralidade da comunicação e da
mídia de massa na prática potica, torna-se ne-
cessário buscar alternativas. Qual seria, a nal, o
desenho de um sistema de comunicação que tra-
balhasse a favor da ampliação do pluralismo no
debate público, da participação popular, da igual-
dade política, da autonomia coletiva – en m, da
democracia?
A solução é sempre provisória e aproximada. Não
consiste numa única providência; pelo contrário,
engloba um conjunto de medidas, que começa na
desconcentração da propriedade de empresas de
comunicação – o que permanece dentro da lógica
da concorrência mercantil e da utopia liberal do
“livre mercado de idéias” – e chega na quali cação
do público, dotando-o de um senso crítico mais
apurado para a leitura das informações que con-
some (o movimento chamado, nos países de língua
inglesa, de media literacy).
Algumas vias de enfrentamento do problema são
discutidas brevemente abaixo:
Importância política da mídia e
a conseqüente regulação
Isto significa fixar, na lei, a responsabilidade
dos meios de comunicação como promotores
da esfera pública, incluindo as obrigações de
tratar das questões controversas de interesse
público e de dar espaço às posições divergentes.
Um exemplo conhecido de regra legal com este
objetivo é a Fairness Doctrine estadunidense.
Adotada em 1949, em resposta a escândalos de
manipulação de notícias, foi derrogada pou-
co menos de 40 anos depois, como parte do
esforço desregulador do governo Reagan. Na
época, argumentava-se que a legislação enges-
sava a imprensa, levando-a a evitar a cobertura
política; sem a Fairness Doctrine, haveria mais
material jornalístico, com maior qualidade. No
entanto, segundo analistas da mídia nos Esta-
dos Unidos, a revogação da doutrina acelerou
a degradação da cobertura jornalística, sobre-
tudo na televisão .
É claro que, mesmo com a existência de legis-
lação, permanece em aberto o ponto crucial
da formação da agenda – quais controrsias
mereceriam cobertura. E, nos Estados Unidos
da Fairness Doctrine, as emissoras continua-
vam se movendo no campo daquilo que Daniel
Hallin chamou de “controvérsia legítima, que
respeitava os limites da ideologia hegemônica.
Questões cruciais, como o papel do complexo
industrial-militar, estão permanentemente fora
da agenda e, portanto, também do noticiário;
vozes muito desviantes, fora do establishment
político, não eram contempladas pelo preceito
de dar espaço às posições divergentes. Enfim, a
lei se adequava ao jogo político estadunidense,
buscando uma disputa mais equilibrada entre
os dois grandes partidos.
Uma aproximação brasileira à Fairness Doctri-
ne era a regra, presente em boa parte das leis
eleitorais, que obrigava o tratamento iguali-
tário aos candidatos pela mídia. Também era
considerada uma camisa-de-força, que impe-
dia o bom andamento do trabalho jornalístico
por exigir uma atenção exagerada aos candi-
datos por pequenos partidos, em geral oportu-
nistas em busca de espaço ou tipos excêntricos,
e enfrentava a oposição dos grupos de mídia.
A partir das eleições de 1998, o dispositivo foi
suprimido da legislação eleitoral.
É claro que o pequeno enraizamento dos par-
tidos brasileiros e a proliferação das chamadas
“legendas de aluguel” geram problemas para
a aplicação de uma legislação deste tipo. Por
outro lado, fixar uma fronteira entre “grandes
e “pequenos” sempre terá algo de arbitrário,
além de representar uma violação da norma
democrática de dar chance às minorias para
que se tornem maiorias.
1. Robert Entman – Democracy without citizens: media and the decay of American politics. Oxford: Oxford University Press,
1989; Ben Bagdikian – e media monopoly. Boston: Beacon Press, 1997.
Luis Felipe Miguel*
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
194
94
O principal mérito de uma medida semelhante
à Fairness Doctrine não está em sua capacida-
de de gerar milagrosamente a imparcialidade
da mídia, coisa que, de fato, não consegue fa-
zer. Está em a rmar uma vontade política em
relação aos meios de comunicação, em  rmar
claramente seu caráter de serviço público, em
que a busca do lucro deve estar subordinada ao
interesse da cidadania.
Mesmo estando em mãos privadas, a atividade de
mídia não pode  car submetida à pressão da cega
busca do lucro. Trata-se de um serviço público
com determinadas obrigações, uma das quais é
servir como espaço de informação e discussão
das questões com relevância social. Não importa
se, do ponto de vista do mercado, é mais provei-
toso ocupar o tempo com trivialidades, circos de
horrores ou vendas por telefone. É obrigação da
mídia promover o debate público.
Em segundo lugar, uma norma do tipo da Fair-
ness Doctrine sustenta que a utilização da con-
cessão pública para bene ciar pontos de vista
particulares é incorreta. A rma-se que Assis
Chateaubriand teria dito a um de seus repórte-
res: “Se você quer ter opinião, compre uma re-
vista. Para o magnata da mídia, o direito de pro-
priedade vem em primeiro lugar; na sua revista
(ou jornal ou televisão), ele faz publicar o que
ele quer. No entanto, nos meios de comunicação
mais ainda do que em outros setores, é necessário
subordinar tal direito ao interesse social. Não se
imagina, é claro, que seja possível eliminar toda a
margem de arbítrio dos controladores da mídia.
Mas se pode exigir, ao menos, o compromisso da
eqüidade na cobertura jornalística.
Por vezes, qualquer tentativa de  xação deste
tipo de compromisso é apresentada como um
atentado à liberdade de expressão, que passa a
ser confundida com o arbítrio dos proprietários
das empresas. Na verdade, trata-se de um medi-
da que visa a concretização de tal liberdade. Vale
lembrar as palavras do juiz Byron White, da Su-
prema Corte dos Estados Unidos, em 1969, in-
terpretando a Primeira Emenda: “É o direito dos
espectadores e ouvintes, não o direito dos con-
troladores da radiodifusão, que é soberano
2
. A
liberdade de expressão se estabelece para bene -
ciar o público, isto é, os cidadãos, que devem ter
acesso à mais ampla gama de informações.
Desconcentrar a capacidade de
produzir informação
Políticas nessa direção representam um passo
além da mera imposição de uma legislação que
preconize a eqüidade. A resposta para o pro-
blema da concentração da informação é similar
ao de qualquer outra concentração de poder:
trata-se de limitá-lo através do próprio poder
(no nosso caso, da própria informação), como
Montesquieu e David Hume diziam já no século
XVIII. Em outras palavras, é necessário destruir
o monopólio da informação, o que se faz apenas
com uma autêntica pluralidade de fontes – e, me-
lhor ainda, com a diminuição do fosso que separa
produtores e consumidores de informações.
A resposta liberal padrão é que este pluralismo já
é obtido através do mercado competitivo. Trata-
se de uma evidente falácia; ninguém de boa fé e
em sã consciência acreditaria que os Marinho,
os Frias, os Mesquita e os Civita representam a
pluralidade da sociedade brasileira. O mercado,
em primeiro lugar, nunca é tão competitivo: ele
tende à concentração, como Marx já mostrava
e as economias capitalistas comprovaram. Esta
lei vale para a comunicação tanto quanto para
outros ramos industriais. Em segundo lugar, o
mercado homogeneíza, no ramo da comuni-
cação até mais do que em outros, pois a busca
pela audiência leva à repetição das fórmulas de
sucesso – coisa que qualquer espectador da TV
aberta sabe, por experiência própria. Por  m,
o mercado exclui. Exclui todos os que não têm
condições para ingressar ou permanecer nele. E
com isso, no caso que aqui interessa, ele exclui
alternativas no jogo político, por excluir infor-
mações, valores e visões de mundo. Numa pala-
vra, por construir uma hegemonia.
Já foi visto, acima, que a concentração atinge
transversalmente os diferentes meios de infor-
2. Apud Timothy Cook – Governing with the news: the news media as a political institution. Chicago:  e University of Chi-
cago Press, 1998, p. 179.
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
195
1
95
mação. Novos meios, como as publicações multi-
mídia, as televisões por assinatura ou a internet,
seguem o mesmo caminho. Embora seja verdade
que vivemos uma era de múltiplas fontes de in-
formação, é bem menos verdade que tenhamos
nelas uma multiplicidade de discursos. Este é um
dado grave para quem almeja uma ampliação
(ou aprofundamento) da democracia.
A realidade é que o mercado não é capaz de ga-
rantir a descentralização dos meios de comuni-
cação, antes empurra-os na direção contrária.
Seria necessária uma decisão política, que con-
siderasse um tal estado de coisas incompatível
com o exercício da democracia e determinasse
medidas de desconcentração. Isto signi ca, em
primeiro lugar, a pulverização da propriedade de
empresas de comunicação, uma medida que ain-
da permanece dentro da lógica liberal da com-
petição mercantil.
Seria preciso dividir os grandes grupos de mí-
dia, proibindo o controle de mais de um órgão
de comunicação pela mesma empresa na mesma
cidade, dissociando a produção da difusão de
programas de televisão (isto é, incentivando as
produtoras independentes) e assim por diante.
Também seria necessário – no caso brasileiro,
em particular – moralizar as concessões para
funcionamento de emissoras, despartidarizando
o processo e introduzindo um controle efetivo,
que vincule a permanência da concessão ao efe-
tivo provimento das tarefas de serviço público
quanto a educação, cultura e informação.
Dissociar a capacidade de
produzir informação do
controle do poder ecomico
Por mais importante que seja, a desconcentração
da propriedade da mídia não enfrenta o fato de
que os controladores dos meios de comunicação
mantêm interesses fundamentais em comum,
derivados de sua condição de proprietários
privados. A construção de uma verdadeira plu-
ralidade deve passar pela desvinculação entre
controle da mídia e poder econômico – distri-
buindo tal controle entre os diversos grupos
sociais, de forma a gerar um pluralismo real de
conteúdos. A de nição de quais são esses grupos
sociais relevantes, no entanto, está longe de ser
consensual. Mesmo assim, a abertura de espaços
para movimentos sociais e políticas de quotas
que bene ciem minorias poderiam ser experiên-
cias interessantes de descentralização do poder
de emissão de discursos, que gerariam idéias so-
bre novos modelos de gestão da mídia. Mas são
propostas politicamente irrealistas, vinculadas
a um círculo vicioso: a própria concentração da
mídia impede que a necessidade de sua desmon-
tagem integre a agenda política.
Ainda assim, existem experiências positivas que
buscam ampliar, para os grupos subalternos, a
capacidade de prover informações – isto é, o usu-
fruto da liberdade de expressão enquanto liber-
dade positiva. São instrumentos como o direito
de antena, que reserva tempo na mídia comercial
para que movimentos sociais e organizações da
sociedade civil veiculem suas posições. Ou for-
mas de jornalismo comunitário, incluindo rádio
e televisão comunitários. Nenhum destes disposi-
tivos está livre de problemas, em especial o risco
de aparelhamento por grupos fechados. Além
disso, sem formas de suporte público, como re-
cursos técnicos e materiais, tais experiências es-
tão quase que com certeza fadadas ao fracasso.
Controlar a publicidade comercial
Como premissa é importante reconhecer que
os efeitos da publicidade comercial sobre a es-
fera pública, sobre os padrões de sociabilidade
e sobre a ppria democracia são extremamente
relevantes. Ferramenta indispensável para a re-
produção do capitalismo atual, proporcionando
a demanda necessária à expansão econômica
que desloca os problemas e contradições do
sistema, a publicidade promove o consumo
como atividade humana primordial, isto é, o
insulamento na esfera privada, a passividade e
o individualismo – todos comportamentos con-
trários ao exercício da cidadania e à participa-
ção política. Mais do que isto, o discurso publi-
citário tende a monopolizar o espaço público,
seja garantindo sua primazia (pensemos no es-
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
196
1
9
6
3. Sobre o papel da publicidade no capitalismo atual, ver André Gorz – Métamorphoses du travail: quête du sens. Critique de la
raison économique. Paris: Galilée, 1998. Para a necessidade imperiosa de expansão econômica, István Mészaros – Para além do
capital: rumo a uma teoria da transição. Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p. 176. A colonização do espaço público pela
publicidade é ilustrada na interessante reportagem de Naomi Klein – Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido.
Rio de Janeiro: Record, 2002.
4. Torben Vestergaard e Kim Schrøder – A linguagem da propaganda. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 194.
5. Daniela Santiago e Rousiley C. M. Maia – “Entre o mercado e o fórum: o debate anti-tabagismo na cena midiática. Paper
apresentado no XIV Encontro Anual da Compós. Niterói, 2005.
6. Um total de 29 matérias da amostra aborda o banimento ou regulamentação de publicidade de algum setor da economia.
A maior parte delas se refere a bebidas alcóolicas. Nenhuma sobre a propaganda dirigida ao público infantil. Um complica-
dor, no caso brasileiro, é que um dos principais porta-vozes dos direitos das crianças, no cenário público, é hoje a Fundação
Abrinq, vinculada historicamente a um setor – a indústria do brinquedo – que não tem interesse em colocar o problema da
publicidade para crianças em pauta.
tatuto diferenciado dos outdoors “legais” e das
pichações “vândalas”), seja impondo-se como
padrão de enunciação dominante
3
.
Como fonte principal de renda da mídia comer-
cial, a publicidade permite um barateamento dos
produtos, com jornais diários sendo vendidos a
preço ín mo ou televisão “grátis” (embora o con-
sumidor pague na outra ponta, uma vez que os
custos da propaganda estão embutidos nos bens
e serviços que compra). Mas submete os veícu-
los à sua lógica; eles passam a ter como objetivo,
como disse certa vez Régis Debray, vender um
público aos anunciantes. Mesmo quando a mítica
muralha da China” entre a redação e o setor co-
mercial permanece de pé, a perspectiva de obter
publicidade contamina decisões editoriais – é o
que explica que seja mais fácil um jornal manter
um caderno dedicado a automóveis, por exem-
plo, do que a educação ou saúde pública. No que
se refere ao entretenimento, é sabido que  lmes e
programas de televisão são adequados à expecta-
tiva de merchandising.
Pelos próprios  ns a que se destina, o discurso
publicitário possui um caráter eminentemente
manipulativo – a rigor, a própria expressão
propaganda enganosa” é um artefato ideológi-
co, que elude o fato de que toda propaganda
precisa ser, em alguma medida, enganosa. Na
busca de uma adesão fácil, sem arestas, do pú-
blico, a publicidade tende a reproduzir os pre-
conceitos deste mesmo público. Assim – e uso a
propaganda comercial brasileira como exemplo
–, proliferam representações estereotipadas das
mulheres, dos idosos, dos habitantes das dife-
rentes regiões do país, enquanto outros grupos,
como os negros, quase não aparecem. O reforço
do preconceito é, muitas vezes, sutil, estando
fora do alcance de qualquer regulamentação
(ainda mais quando se dá ao setor o privilégio
de se “auto-regulamentar”). A tal ponto que, há
cerca de 30 anos, uma pesquisa na Dinamarca
sugeriu, como única solução possível para isso,
que se proíba toda e qualquer representação de
seres humanos em anúncios
4
.
A permanência do discurso publicitário em
quase todos os espaços sociais, apesar de seus
reconhecidos efeitos danosos, já indica a im-
portância que ele possui no sistema econômico
vigente. É possível ver as restrições à propaganda
de cigarro como uma vitória da esfera pública
discursiva contra uma indústria poderosa, como
fazem alguns
5
. Mas é um exemplo que demons-
tra, ao contrário, a força da defesa do “direito” de
publicidade, que resistiu por décadas e ainda re-
siste, mesmo com os reconhecidos malefícios aos
consumidores e o elevado custo social do fumo.
Outro caso sensível é o da propaganda dirigida
às crianças, que exigiria forte regulamentação,
quando não o banimento puro e simples
6
. Sub-
jaz à discussão um discurso que equivale publi-
cidade e liberdade de expressão, com restrições
à primeira sempre prejudicando a segunda. É
uma equivalência que, em última análise, torna
a liberdade de expressão integralmente depen-
dente do poder econômico.
Em suma, a publicidade, na qualidade de prin-
cipal sustentáculo da mídia, contribui para o
entrelaçamento entre produção de informação
e poder econômico; e, por sua influência so-
bre o público, incentiva padrões de comporta-
mento que são nefastos à participação política
democrática. Há muito tempo ela se despiu de
sua função original, de dar a público a existên-
cia de bens e serviços, adquirindo um caráter
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
197
1
97
manipulativo. Se a idéia de uma sociedade
sem publicidade comercial parece demasiado
utópica, ao menos é possível pensar em regulá-
la, de maneira a evitar alguns de seus efeitos
mais deletérios e reduzir sua influência nos
meios de comunicação.
Gerar um setor forte e independente
de radiodifusão pública
Um setor de radiodifusão pública forte, indepen-
dente das pressões governamentais e do merca-
do, cumpre um papel importante, provendo um
espaço de mídia que não está submetido (ou, ao
menos, submetido de forma tão direta) aos im-
perativos do mercado. Mas para isso deve contar
com fontes claras e seguras de  nanciamento.
Não pode depender nem da boa vontade dos
governantes de plantão para liberarem verbas no
orçamento, nem do mercado publicitário. Num
caso,  caria refém do poder político; no outro,
do poder econômico.
O fortalecimento do setor público de mídia se
opõe tanto ao modelo de monopólio estatal, que
imperou na Europa durante bom tempo, quanto
ao modelo liberal, que delega toda a responsabi-
lidade às “forças do mercado, hoje hegemônico.
O controle pelo Estado leva, no extremo, à instru-
mentalização da comunicação pelo grupo domi-
nante; ou, ao menos, ao consórcio entre os grupos
que integram o establishment político. O mercado
reduz informação e cultura a elementos da disputa
pela audiência (ou, melhor, pelas verbas publici-
tárias), o que leva à padronização dos conteúdos e
à tendência a tratar o público como consumidor,
e não cidadão. Em ambos os casos,  ca compro-
metida a pluralidade de vozes, isto é, determina-
dos grupos da sociedade e determinadas posições
no espectro político têm negada ou restringida a
possibilidade de difusão de seu discurso.
São muitas as alternativas para o  nanciamento
das emissoras públicas. A aceitação de publici-
dade comercial é a pior delas, pois tende a equi-
parar as emissoras públicas às privadas, colo-
cando-as na disputa pelo público a todo custo. A
proposta de cobrança de taxas dos proprietários
de aparelhos de rádio e TV (como ocorre, por
exemplo, na Inglaterra, para sustentar a BBC)
parece antipática, já que se imagina que a mídia
comercial é “grátis” – na verdade, não é, já que
todos nós pagamos pelos anúncios, que encare-
cem os produtos que consumimos em 10% ou a
mais. Mas é possível  xar a receita das emissoras
públicas como o percentual da arrecadação de al-
gum imposto ou, então, cobrar uma taxa da verba
publicitária da mídia comercial. O importante é
gerar independência para a radiodifusão pública,
permitindo que ela se torne a guardiã dos valores
pro ssionais consubstanciados nas idéias de ob-
jetividade jornalística e de qualidade cultural.
O risco, por outro lado, é que a radiodifusão
pública, ancorada em sua independência política
e  nanceira, torne-se presa de sua própria ad-
ministração – uma burocracia autonomizada,
que não presta contas nem ao público, pois não
depende da audiência, nem aos representantes
eleitos. É necessário buscar mecanismos institu-
cionais que introduzam algum grau de respon-
sabilidade social, sem comprometer a autonomia
da radiodifusão pública; por exemplo, com con-
selhos diretivos que contem com representantes
de múltiplos grupos sociais.
Fica claro, do exposto aqui, que o modelo mais
apropriado à democracia exige uma pluralidade
de formas de propriedade da mídia – um setor
comercial regulado, um setor público forte, um
setor comunitário apoiado pelo Estado. Cada um
destes setores representa uma forma diferente
de produção de informação; em todos, devem
atuar mecanismos que promovam a pluralidade
(a regulação que impede a concentração da pro-
priedade, o pluralismo “interno” que o manda-
mento pro ssional da imparcialidade jornalística
incentiva, a diversidade de grupos sociais a serem
incentivados a gerar informações); em conjunto,
eles proporcionariam um ambiente informacio-
nal mais democrático.
Redução da distância entre produtores
e consumidores de informação
Este sexto ponto, um passo à frente em relação
ao terceiro (dissociação entre poder econômi-
co e capacidade de informar), parece ainda
mais utópico. Entretanto, os meios técnicos
para isto já estão disponíveis – como mostram
experiências pioneiras de rádios e mesmo tele-
visões comunitárias. A internet permite sonhar
Capítulo 4 | A comunicação na agenda da mídia
198
até mesmo com a completa dissolução da fron-
teira entre quem produz e quem consome in-
formações: todos seríamos repórteres e leitores
de um grande jornal virtual. Mas é claro que
a tecnologia não representa uma solução; ela
pode ser apropriada de muitas e diferentes for-
mas. Bertolt Brecht via potencialidades eman-
ciparias no rádio; imaginava uma espécie de
assembléia popular permanente, com todas as
casas dotadas de emissores e receptores. Na
verdade, o rádio foi usado de forma a refor-
çar a passividade e o estatuto de consumidor
de informação. Ao que tudo indica, este é tam-
bém o destino traçado para a internet.
Não existem soluções fáceis na tarefa de criar
uma comunicação de massa mais própria a um
ambiente democrático. Por um lado, seria ne-
cessário inverter a tendência à concentração da
mídia, pulverizando-a em unidades menores,
mais próximas dos consumidores e, na medi-
da do possível, que os envolvessem. Por outro,
talvez fosse preciso romper com um dogma libe-
ral básico – que reconhece apenas indivíduos
na sociedade – e redistribuir os meios de co-
municação entre diferentes grupos representa-
tivos. Seja como for, a questão do controle da
informação não pode mais permanecer fora da
pauta daqueles que lutam por sociedades mais
democráticas e igualitárias.
É algo que inclui a conjugação de novas e ve-
lhas mídias para gerar a produção de infor-
mação em nível local – rádios e televisões de
curto alcance, redes noticiosas alternativas,
jornais murais ou de pequena circulação, com
impressão caseira. São empreendimentos rela-
tivamente baratos, dada a recente populariza-
ção de equipamentos como câmaras de vídeo,
transmissores de rádio ou impressoras laser,
mas que dependem de coletividades organiza-
das (ou, ao menos, de um grupo de ativistas),
com disposição para investir em procedimen-
tos que reduzam a distinção entre produtores
e consumidores de informação. (Um aporte
de recursos públicos, em valores na verdade
bastante baixos, permitira uma explosão
de experiências deste tipo.) Existem inú-
meras iniciativas neste sentido, nem sempre
bem sucedidas.
Elas sofrem com a concorrência da grande mídia,
que produz uma programação mais “atraente, e
com o risco permanente de “aparelhamento” por
grupos político-partidários. A presença de um
pro ssional (jornalista), ou um grupo deles, em
meio aos amadores também é problemática. Pre-
sente, o pro ssional tende a acumular poder e tu-
telar os outros envolvidos, dada sua competência
especí ca superior. Ausente, obriga o grupo a,
muitas vezes, “reinventar a roda. O resultado  -
nal  ca mais tosco e, portanto, menos “legítimo
para um público acostumado com os padrões da
grande mídia.
Da mesma forma como os fóruns locais ou
setoriais de discussão não eliminariam a re-
presentação política, o jornalismo comunitário
não representaria o fim da mídia profission-
al. Parte de sua importância também está no
caráter educativo de que se reveste, permitin-
do a experiência dos mecanismos de produção
da notícia – cujo desconhecimento está, em
grande medida, na raiz do poder simbólico ex-
ercido pelos órgãos de imprensa .
Em suma, a busca da solução para o desafio da
democratização da comunicação se posiciona
contra o pretenso realismo conservador dos
que reificam as relações socais atuais, apre-
sentando-as como emanações de uma essên-
cia humana. Mas também não pode ceder ao
utopismo escapista ou à fantasia preguiçosa de
que a tecnologia cumprirá o papel dos homens
e mulheres, transformando a sociedade. A uti-
lização criativa de novos e velhos meios, a luta
cotidiana pela ampliação do pluralismo das
visões de mundo transmitidas pelos órgãos de
comunicação e o empenho na “alfabetização
midiática” da população não vão eliminar, por
si sós, as desigualdades políticas (muito me-
nos as econômicas), nem geram “conquistas
que se estabelecem de uma vez por todas. Mas
podem contribuir no processo lento, contra-
ditório e sempre inacabado da busca de uma
democracia mais digna de seu nome.
* Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais e professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
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Em 31 de janeiro de 2007, o Conselho de Ministros da Europa – organismo decisório máximo
do Conselho da Europa, compostos pelos Ministros de Relações Exteriores de todos os Estados-
membros da União Européia – tornou pública uma Declaração e duas Recomendações direta-
mente conectadas à con guração de Políticas Públicas de Comunicação e, logo, de um marco
regulatório europeu para o setor.
A Declaração reforça a necessidade de proteger o papel dos meios de comunicação nas de-
mocracias, ressaltando porém o contexto de concentração da propriedade. As recomendações
ressaltam a necessidade de promover o pluralismo e a diversidade nos conteúdos midiáticos e a
centralidade da mídia pública na sociedade da informação.
Diante da relevância das decisões da União Européia para a comunidade internacional e, adi-
cionalmente, do reconhecido compromisso de seus Estados-Membros com a democracia e a
liberdade de expressão, entendemos ser altamente relevante reproduzir a íntegra dos docu-
mentos supramencionados ao  nal deste documento. Mantivemos o texto original em língua
inglesa, enquanto espera-se a tradução o cial para o português.
REGULAÇÃO DA MÍDIA NA PAUTA DA UNIÃO EUROPÉIA
Declaration of the Committee of Ministers on protecting the role of the
media in democracy in the context of media concentration
(Adopted by the Committee of Ministers on 31 January 2007 at the 985th meeting of the
Ministers’ Deputies)
e Committee of Ministers,
Reiterating that media freedoms and pluralism are vital for democracy, given their essential
role in guaranteeing free expression of opinions and ideas and in contributing to peoples’ e ec-
tive participation in democratic processes;
Recalling the need, in the context of democratic processes, for diverse views to be expressed
and presented to the public and for genuine and lively political debate on matters of general
interest, helping people to be better or more fully informed in the context of their democratic
participation, as well as the crucial role of the media in achieving these aims and in the functio-
ning of a democratic and participatory public sphere;
Recalling, in this context, the Committee of Ministers’ Declaration on the freedom of expres-
sion and information of April 1982, its Recommendation No. R (99) 15 on measures concer-
ning media coverage of election campaigns and its Declaration on freedom of political debate
in the media of February 2004;
Noting that globalisation and concentration leading to the growth of multinational, including
European, media and communications groups are fundamentally changing the media landsca-
pe and bringing about opportunities in respect, for example, of market e ciency, diversi ca-
tion of o er and consumer-tailored content, but also the ability to support media outlets which
do not turn a pro t,  nance start-up costs of new media outlets and create jobs;
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Noting, however, that these changes also pose challenges in particular as regards preserving
diversity of media outlets in small markets, but also in respect of the existence of a multiplicity
of channels for the expression of plurality of ideas and opinions and to the existence of adequate
spaces for public debate in the context of democratic processes;
Aware, in this context, that a plethora of media outlets in a situation of strong media concen-
tration does not by itself guarantee a diversity of sources of information or that various ideas or
opinions can be expressed and presented to the public;
Concerned that media concentration can place a single or a few media owners or groups in a
position of considerable power to separately or jointly set the agenda of public debate and sig-
ni cantly in uence or shape public opinion, and thus also exert in uence on the government
and other state bodies and agencies;
Conscious that the above-mentioned position of power could potentially be misused to the
detriment of political pluralism or the overall democratic process;
Aware also that the concentration of media ownership can entail con icts of interest, which
could compromise editorial independence and the medias important role as public watchdog,
and noting the importance of editorial statutes in this respect;
Concerned that policies designed to promote solely the competitiveness of media systems and
market e ciency, tending to reduce ownership-related restrictions, can ultimately be detrimen-
tal to the common interest if, as a result, there are no longer su cient independent and autono-
mous channels capable of presenting a plurality of ideas and opinions to the public, in order to
ensure the existence of adequate space for public debate on matters of general interest;
Mindful of the necessity to preserve those channels and a pluralistic public sphere, in the inte-
rest of democracy and democratic processes;
Conscious of the opportunities o ered by the development of new communication services
and of phenomena such as multimedia, alternative media, community media and consumer-
generated content on the Internet, but aware also that their opinion-shaping impact is o en
dependent upon their content being carried in or reported by mainstream media;
Recalling also the Committee of Ministers’ Declaration on human rights and the rule of law in
the Information Society of May 2005, which notes that information and communication tech-
nologies provide unprecedented opportunities for all to enjoy freedom of expression, but also
pose many serious challenges to that freedom, such as state and private censorship;
Noting that it emerges from Article 10 of the European Convention on Human Rights and the
relevant case law of the European Court of Human Rights that, as ultimate guarantors of plura-
lism, states should take positive measures to safeguard and promote a pluralist media landscape
to serve democratic society;
Acknowledging, in this respect, that most democratic societies, which are based on the rule of
law, have adopted measures to sustain, promote and protect media pluralism, including throu-
gh market regulation comprising competition law and, where appropriate, sector-speci c rules
taking into account democratic principles and values;
Recalling also the Committee of Ministers’ Recommendations No. R (94) 13 on measures to
promote media transparency, No. R (99) 1 on measures to promote media pluralism, No. R
(96) 10 on the guarantee of the independence of public service broadcasting and
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on the independence and functions of regulatory authorities for the broadcasting sector, and
its Declaration on the guarantee of the independence of public service broadcasting in member
states of 27 September 2006,
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Alerts member states to the risk of misuse of the power of the media in a situation of strong
concentration of the media and new communication services, and its potential consequences
for political pluralism and for democratic processes and, in this context:
I. Underlines the desirability for e ective and manifest separation between the exercise of
control of media and decision making as regards media content and the exercise of political
authority or in uence;
II. Draws attention to the necessity of having regulatory measures in place with a view to
guaranteeing full transparency of media ownership and adopting, if appropriate and having
regard to the characteristics of each media market, with a view to preventing such a level of
media concentration as could pose a risk to democracy or the role of the media in demo-
cratic processes;
III. Highlights the usefulness of regulatory and/or co-regulatory mechanisms for monito-
ring media markets and media concentration which, inter alia, permit the competent au-
thorities to keep abreast of developments and to assess risks, and which could permit them
to identify suitable preventive or remedial action;
IV. Stresses that adequately equipped and  nanced public service media, in particular pu-
blic service broadcasting, enjoying genuine editorial independence and institutional auto-
nomy, can contribute to counterbalancing the risk of misuse of the power of the media in a
situation of strong media concentration;
V. Stresses that policies designed to encourage the development of not-for-pro t media can
be another way to promote a diversity of autonomous channels for the dissemination of
information and expression of opinion, especially for and by social groups on which mains-
tream media rarely concentrate.
Recommendation of the Committee of Ministers to member states on
media pluralism and diversity of media content
(Adopted by the Committee of Ministers on 31 January 2007 at the 985th meeting of the Ministers
Deputies)
e Committee of Ministers, under the terms of Article 15.b of the Statute of the Council of Europe,
Considering that the aim of the Council of Europe is to achieve greater unity between its mem-
bers for the purpose of safeguarding and promoting the ideals and principles which are their
common heritage and fostering economic and social development;
Recalling Article 10 of the Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Fre-
edoms (ETS No. 5), which guarantees freedom of expression and freedom to receive and impart
information and ideas without interference by public authority and regardless of frontiers;
Recalling its Declaration on the freedom of expression and information, adopted on 29 April
1982, which stresses that a free  ow and wide circulation of information of all kinds across
frontiers is an important factor for international understanding, for bringing peoples together
and for the mutual enrichment of cultures;
Recalling its Recommendation on the independence and functions of regulatory authorities for
the broadcasting sector and its Explanatory Memorandum, which stress the importance of the
political,  nancial and operational independence of broadcasting regulators;
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Recalling the opportunities provided by digital technologies as well as the potential risks related
to them in modern society as stated in its Recommendation on measures to promote the demo-
cratic and social contribution of digital broadcasting;
Recalling its Recommendation No. R (99) 1 on measures to promote media pluralism and its
Recommendation No. R (94) 13 on measures to promote media transparency, the provisions of
which should jointly apply to all media;
Noting that, since the adoption of Recommendations No. R (99) 1 and No. R (94) 13, important
technological developments have taken place, which make a revision of these texts necessary in
order to adapt them to the current situation of the media sector in Europe;
Having regard to its Declaration on cultural diversity, adopted on 7 December 2000, and to
the provisions on media pluralism contained in the European Convention on Transfrontier
Television (ETS No. 132);
Bearing in mind the provisions of the UNESCO Convention on the protection and promotion
of the diversity of cultural expressions, adopted on 20 October 2005, which proclaim the sove-
reign right of states to formulate and implement their cultural policies and to adopt measures
to protect and promote intercultural dialogue and the diversity of cultural expressions, in parti-
cular, measures aimed at enhancing the diversity of the media including through public service
broadcasting;
Rea rming that media pluralism and diversity of media content are essential for the functio-
ning of a democratic society and are the corollaries of the fundamental right to freedom of
expression and information as guaranteed by Article 10 of the Convention for the Protection of
Human Rights and Fundamental Freedoms;
Considering that the demands which result from Article 10 of the Convention for the Protec-
tion of Human Rights and Fundamental Freedoms will be fully satis ed only if each person is
given the possibility to form his or her own opinion from diverse sources of information;
Recognising the crucial contribution of the media in fostering public debate, political pluralism
and awareness of diverse opinions, notably by providing di erent groups in society – including
cultural, linguistic, ethnic, religious or other minorities – with an opportunity to receive and
impart information, to express themselves and to exchange ideas;
Recalling the importance of transparency of media ownership so as to ensure that the autho-
rities in charge of the implementation of regulations concerning media pluralism can take in-
formed decisions, and that the public can make its own analysis of the information, ideas and
opinions expressed by the media;
Rea rming that, in order to protect and actively promote the pluralistic expressions of ideas
and opinions as well as cultural diversity, member states should adapt the existing regulatory
frameworks, particularly with regard to media ownership, and adopt any regulatory and  nan-
cial measures called for in order to guarantee media transparency and structural pluralism as
well as diversity of the content distributed;
Recalling that the e orts expected from all member states in this  eld should take into account
the necessary editorial independence of newsrooms, the stakes, risks and opportunities inhe-
rent to the development of new means of communication, as well as the speci c situation of
each of the audiovisual and written media that these measures a ect, whether it be print and
on-line press services, or radio and television services, whichever platforms are used for the
transmission;
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Bearing in mind that national media policy may also be oriented to preserve the competiti-
veness of domestic media companies in the context of the globalisation of markets and that
the transnational media concentration phenomena can have a negative impact on diversity of
content,
Recommends that governments of member states:
i. consider including in national law or practice the measures set out below;
ii. evaluate at national level, on a regular basis, the e ectiveness of existing measures to pro-
mote media pluralism and content diversity, and examine the possible need to revise them
in the light of economic, technological and social developments on the media;
iii. exchange information about the structure of media, domestic law and studies regarding
concentration and media diversity.
Recommended measures
I. Measures promoting structural pluralism of the media
1. General principle
1.1. Member states should seek to ensure that a su cient variety of media outlets provided
by a range of di erent owners, both private and public, is available to the public, taking
into account the characteristics of the media market, notably the speci c commercial and
competition aspects.
1.2. Where the application of general competition rules in the media sector and access re-
gulation are not su cient to guarantee the observance of the demands concerning cultural
diversity and the pluralistic expressions of ideas and opinions, member states should adopt
speci c measures.
1.3. Member states should in particular envisage adapting their regulatory framework to
economic, technological and social developments taking into account, in particular, the
convergence and the digital transition and therefore include in it all the elements of media
production and distribution.
1.4. When adapting their regulatory framework, member states should pay particular atten-
tion to the need for e ective and manifest separation between the exercise of political au-
thority or in uence and control of the media or decision making as regards media content.
2. Ownership regulation
2.1. Member states should consider the adoption of rules aimed at limiting the in uence
which a single person, company or group may have in one or more media sectors as well as
ensuring a su cient number of diverse media outlets.
2.2.  ese rules should be adapted to the size and the speci c characteristics of the national,
regional or local audiovisual media and/or text-based media market to which they would
be applicable.
2.3. These rules may include introducing thresholds based on objective and realist cri-
teria, such as the audience share, circulation, turnover/revenue, the share capital or
voting rights.
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2.4.  ese rules should make it possible to take into account the horizontal integration phe-
nomena, understood as mergers in the same branch of activity – in this case mono-media
and multi-media concentrations –, as well as vertical integration phenomena, that is, the
control by a single person, company or group of some of the key elements of production,
distribution and related activities such as advertisement or telecommunications.
2.5. Furthermore, member states should review on a regular basis the established thresholds
in the light of ongoing technological, economic and social developments in order not to
hinder innovations in the media  eld.
2.6. Whether they are, or are not, speci c to the audiovisual and written media, the authori-
ties responsible for the application of these rules should be vested with the powers required
to accomplish their mission, in particular, the power to refuse an authorisation or a license
request and the power to act against concentration operations of all forms, notably to divest
existing media properties where unacceptable levels of concentration are reached and/or
where media pluralism is threatened.  eir competences could therefore include the power
to require commitments of a structural nature or with regard to conduct from participants
in such operations and the capacity to impose sanctions, if need be.
3. Public service media
3.1. Member states should ensure that existing public service media organisations occupy a
visible place in the new media landscape.  ey should allow public service media organisa-
tions to develop in order to make their content accessible on a variety of platforms, notably
in order to ensure the provision of high-quality and innovative content in the digital envi-
ronment and to develop a whole range of new services including interactive facilities.
3.2. Member states should encourage public service media to play an active role in promo-
ting social cohesion and integrating all communities, social groups and generations, inclu-
ding minority groups, young people, the elderly, underprivileged and disadvantaged social
categories, disabled persons, etc., while respecting their di erent identities and needs. In
this context, attention should be paid to the content created by and for such groups, and to
their access to, and presence and portrayal in, public service media. Due attention should
also be paid to gender equality issues.
3.3. Member states should invite public service media organisations to envisage the intro-
duction of forms of consultation with the public, which may include the creation of advi-
sory structures, where appropriate re ecting the public in its diversity, so as to re ect in
their programming policy the wishes and requirements of the public.
3.4. Member states should adopt the mechanisms needed to guarantee the independence of
public service media organisations vital for the safeguard of their editorial independence
and for their protection from control by one or more political or social groups.  ese me-
chanisms should be established in co-operation with civil society.
3.5. Member states should de ne ways of ensuring appropriate and secure funding of public
service media from a variety of sources – which may include licence fees, public funding,
commercial revenues and/or individual payment – necessary for the discharge of their de-
mocratic, social and cultural functions.
4. Other media contributing to pluralism and diversity
Member states should encourage the development of other media capable of making a con-
tribution to pluralism and diversity and providing a space for dialogue.  ese media could,
for example, take the form of community, local, minority or social media.  e content of such
media can be created mainly, but not exclusively, by and for certain groups in society, can pro-
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vide a response to their speci c needs or demands, and can serve as a factor of social cohesion
and integration.  e means of distribution, which may include digital technologies, should be
adapted to the habits and needs of the public for whom these media are intended.
5. Access regulation and interoperability
5.1. Member states should ensure that content providers have fair access to electronic com-
munication networks.
5.2. In order to promote the development of new means of communication and new platfor-
ms and reduce the risk of bottlenecks that block the availability of a broad variety of media
content, member states should encourage a greater interoperability of so ware and equip-
ment, as well as the use of open standards by the manufacturers of so ware and equipment
and by the operators of the media and the electronic communications sectors.
5.3.  is result should be obtained by means of improved co-operation between all interes-
ted parties, supported, if necessary and with the aim of not hindering innovation, by the
relevant authorities.
5.4. Member states should ensure that their regulatory bodies and other relevant authorities
have the necessary skills in order to assess how economic and technical developments will
a ect the structure of the media and their ability to perform their cultural role.
6. Other support measures
6.1. Member states should take any  nancial and regulatory measures necessary to protect
and promote structural pluralism of audiovisual and print media.
6.2.  ese measures may include support and encouragement aimed at facilitating the digi-
tal switchover for traditional broadcast media, and, where appropriate, the digital transition
for print media.
II. Measures promoting content diversity
1. General principle
Pluralism of information and diversity of media content will not be automatically guaranteed
by the multiplication of the means of communication o ered to the public.  erefore, member
states should de ne and implement an active policy in this  eld, including monitoring proce-
dures, and adopt any necessary measures in order to ensure that a su cient variety of informa-
tion, opinions and programmes is disseminated by the media and is available to the public.
2. Promotion of a wider democratic participation and internal diversity
2.1. Member states should, while respecting the principle of editorial independence, encou-
rage the media to supply the public with a diversity of media content capable of promoting
a critical debate and a wider democratic participation of persons belonging to all commu-
nities and generations.
2.2. Member states should, in particular, encourage the media to contribute to intercultural
and inter-religious dialogue, so as to promote mutual respect and tolerance and to prevent
potential con icts through discussions.
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To this end, member states should:
on the one hand, encourage the media to adopt or strengthen a voluntary policy promoting
minorities in their internal organisation in all its branches, in order to re ect society’s diverse
composition and reinforce social cohesion;
on the other hand, in order to take into account the emergence of new means of communica-
tion resulting from dynamic technological changes, consider taking actions in order to promo-
te digital media literacy and to bridge the so-called “digital divide.
3. Allocation of broadcasting licences and must carry/must o er rules
3.1. Member states should consider introducing measures to promote and to monitor the
production and provision of diverse content by media organisations. In respect of the bro-
adcasting sector, such measures could be to require in broadcasting licences that a certain
volume of original programmes, in particular as regards news and current a airs, is produ-
ced or commissioned by broadcasters.
3.2. Member states should consider the introduction of rules aimed at preserving a pluralis-
tic local media landscape, ensuring in particular that syndication, understood as the centra-
lised provision of programmes and related services, does not endanger pluralism.
3.3. Member states should envisage, where necessary, adopting must carry rules for other
distribution means and delivery platforms than cable networks. Moreover, in the light of the
digitisation process - especially the increased capacity of networks and proliferation of di-
erent networks - member states should periodically review their must carry rules in order
to ensure that they continue to meet well-de ned general interest objectives. Member states
should explore the relevance of a must o er obligation in parallel to the must carry rules so
as to encourage public service media and principal commercial media companies to make
their channels available to network operators that wish to carry them. Any resulting measu-
res should take into account copyright obligations.
4. Support measures
4.1. Support measures for the creation, production and distribution of audiovisual, writ-
ten and all types of media contents which make a valuable contribution to media diversity
should be considered. Such measures could also serve to protect and promote the diversity
of the sources of information, such as independent news agencies and investigative journa-
lism. Support measures for media entities printing or broadcasting in a minority language
should also be considered.
4.2. Without neglecting competition considerations, any of the above support measures
should be granted on the basis of objective and non-partisan criteria, within the framework
of transparent procedures and subject to independent control.  e conditions for granting
support should be reconsidered periodically to avoid accidental encouragement for any me-
dia concentration process or the undue enrichment of enterprises bene ting from support.
5. Raising awareness of the role of medias
5.1. Member states should support the training of media professionals, including on-going
training, and encourage such training to address the role that media professionals can play
in favour of diversity. Society at large should be made aware of this role.
5.2. Diversity could be included as an objective in the charters of media organisations and
in codes of ethics adopted by media professionals.
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III. Media transparency
1. Member states should ensure that the public have access to the following types of informa-
tion on existing media outlets:
– information concerning the persons or bodies participating in the structure of the media
and on the nature and the extent of the respective participation of these persons or bodies
in the structure concerned and, where possible, the ultimate bene ciaries of this participa-
tion;
– information on the nature and the extent of the interests held by the above persons and
bodies in other media or in media enterprises, even in other economic sectors;
– information on other persons or bodies likely to exercise a signi cant in uence on the
programming policy or editorial policy;
– information regarding the support measures granted to the media;
– information on the procedure applied in respect of the right of reply and complaint.
2. Member states should prompt the media to take any measures which could allow the public
to make its own analysis of information, ideas and opinions expressed in the media.
IV. Scienti c research
1. Member states should support scienti c research and study in the  eld of media concentra-
tion and pluralism and promote public debate on these matters. Particular attention could be
paid to the e ect of media concentration on diversity of media content, on the balance between
entertainment programmes, and information and programmes fostering the public debate, on
the one hand, and on the contribution of the media to intercultural dialogue on the other.
2. Member states should support international research e orts focused on transnational media
concentration and its impact on di erent aspects of media pluralism.
Recommendation of the Committee of Ministers to member states on
the remit of public service media in the information society
(Adopted by the Committee of Ministers on 31 January 2007 at the 985th meeting of the Ministers
Deputies)
e Committee of Ministers, under the terms of Article 15.b of the Statute of the Council of
Europe,
Considering that the aim of the Council of Europe is to achieve a greater unity between its
members for the purpose of safeguarding and realising the ideals and principles that are their
common heritage;
Recalling the commitment of member states to the fundamental right to freedom of expression
and information, as guaranteed by Article 10 of the Convention for the Protection of Human
Rights and Fundamental Freedoms;
Recalling the importance for democratic societies of a wide variety of independent and auto-
nomous media, able to re ect the diversity of ideas and opinions, and that new information
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and communication techniques and services must be e ectively used to broaden the scope of
freedom of expression, as stated in its Declaration on the freedom of expression and informa-
tion (April 1982);
Bearing in mind Resolution No. 1 on the future of public service broadcasting adopted at the
4th European Ministerial Conference on Mass Media Policy (Prague, December 1994);
Recalling its Recommendation No. R (96) 10 on the guarantee of the independence of public
service broadcasting and its Recommendation
Rec(2003)9 on measures to promote the demo-
cratic and social contribution of digital broadcasting, as well as its Declaration on the guarantee
of the independence of public service broadcasting in the member states (September 2006);
Recalling Recommendation 1641 (2004) of the Parliamentary Assembly of the Council of Eu-
rope on public service broadcasting, calling for the adoption of a new major policy document
on public service broadcasting taking stock of recent technological developments, as well as
the report on public service broadcasting by the Parliamentary Assembly’s Committee on Cul-
ture, Science and Education (Doc. 10029, January 2004), noting the need for the evolution
and modernisation of this sector, and the positive reply of the Committee of Ministers to this
recommendation;
Bearing in mind the political documents adopted at the 7th European Ministerial Conference
on Mass Media Policy (Kyiv, March 2005) and, more particularly, the objective set out in the
Action Plan to examine how the public service remit should, as appropriate, be developed and
adapted by member states to suit the new digital environment;
Recalling the UNESCO Convention on the protection and promotion of the diversity of cul-
tural expressions (October 2005), which attaches considerable importance to, inter alia, the
creation of conditions conducive to diversity of the media including through public service
broadcasting;
Conscious of the need to safeguard the fundamental objectives of the public interest in the
information society, including freedom of expression and access to information, media plura-
lism, cultural diversity, and the protection of minors and human dignity, in conformity with the
Council of Europe standards and norms;
Underlining the speci c role of public service broadcasting, which is to promote the values of
democratic societies, in particular respect for human rights, cultures and political pluralism;
and with regard to its goal of o ering a wide choice of programmes and services to all sectors
of the public, promoting social cohesion, cultural diversity and pluralist communication acces-
sible to everyone;
Mindful of the fact that growing competition in broadcasting makes it more di cult for many
commercial broadcasters to maintain the public value of their programming, especially in their
free-to-air services;
Conscious of the fact that globalisation and international integration, as well as the growing ho-
rizontal and vertical concentration of privately-owned media at the national and international
levels, have far-reaching e ects for states and their media systems;
Noting that in the information society, the public, and especially the younger generations, more
and more o en turn to the new communication services for content and for the satisfaction of
their communication needs, at the expense of traditional media;
Convinced therefore that the public service remit is all the more relevant in the information
society and that it can be discharged by public service organisations via diverse platforms and
an o er of various services, resulting in the emergence of public service media, which, for the
purpose of this recommendation, does not include print media;
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Recognising the continued full legitimacy and the speci c objectives of public service media in
the information society;
Persuaded that, while paying attention to market and competition questions, the common in-
terest requires that public service media be provided with adequate funds for the ful lment of
the public service remit as conferred on them;
Recognising the right of member states to de ne the remits of individual public service media
in accordance with their own national circumstances;
Acknowledging that the remits of individual public service media may vary within each mem-
ber state, and that these remits may not necessarily include all the principles set out in this
recommendation,
Recommends that the governments of member states:
i. guarantee the fundamental role of the public service media in the new digital environ-
ment, setting a clear remit for public service media, and enabling them to use new technical
means to better ful l this remit and adapt to rapid changes in the current media and tech-
nological landscape, and to changes in the viewing and listening patterns and expectations
of the audience;
ii. include, where they have not already done so, provisions in their legislation/regulations
speci c to the remit of public service media, covering in particular the new communication
services, thereby enabling public service media to make full use of their potential and espe-
cially to promote broader democratic, social and cultural participation, inter alia, with the
help of new interactive technologies;
iii. guarantee public service media, via a secure and appropriate  nancing and organisa-
tional framework, the conditions required to carry out the function entrusted to them by
member states in the new digital environment, in a transparent and accountable manner;
iv. enable public service media to respond fully and e ectively to the challenges of the in-
formation society, respecting the public/private dual structure of the European electronic
media landscape and paying attention to market and competition questions;
v. ensure that universal access to public service media is o ered to all individuals and social
groups, including minority and disadvantaged groups, through a range of technological
means;
vi. disseminate widely this recommendation and, in particular, bring to the attention of
public authorities, public service media, professional groups and the public at large, the
guiding principles set out below, and ensure that the necessary conditions are in place for
these principles to be put into practice.
Guiding principles concerning the remit of public service media in the information
society
I.  e public service remit: maintaining the key elements
1. Member states have the competence to de ne and assign a public service remit to one or
more speci c media organisations, in the public and/or private sector, maintaining the key ele-
ments underpinning the traditional public service remit, while adjusting it to new circumstan-
ces.  is remit should be performed with the use of state-of-the-art technology appropriate for
the purpose.  ese elements have been referred to on several occasions in Council of Europe
documents, which have de ned public service broadcasting as, amongst other things:
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a) a reference point for all members of the public, o ering universal access;
b) a factor for social cohesion and integration of all individuals, groups and communities;
c) a source of impartial and independent information and comment, and of innovatory and
varied content which complies with high ethical and quality standards;
d) a forum for pluralistic public discussion and a means of promoting broader democratic
participation of individuals;
e) an active contributor to audiovisual creation and production and greater appreciation
and dissemination of the diversity of national and European cultural heritage.
2. In the information society, relying heavily on digital technologies, where the means of con-
tent distribution have diversi ed beyond traditional broadcasting, member states should ensu-
re that the public service remit is extended to cover provision of appropriate content also via
new communication platforms.
II. Adapting the public service remit to the information society
a. A reference point for all members of the public, with universal access o ered
3. Public service media should o er news, information, educational, cultural, sports and en-
tertainment programmes and content aimed at the various categories of the public and which,
taken as a whole, constitute an added public value compared to those of other broadcasters and
content providers.
4.  e principle of universality, which is fundamental to public service media, should be addres-
sed having regard to technical, social and content aspects. Member states should, in particular,
ensure that public service media can be present on signi cant platforms and have the necessary
resources for this purpose.
5. In view of changing user habits, public service media should be able to o er both generalist
and specialised contents and services, as well as personalised interactive and on-demand servi-
ces.  ey should address all generations, but especially involve the younger generation in active
forms of communication, encouraging the provision of user-generated content and establishing
other participatory schemes.
6. Member states should see to it that the goals and means for achievement of these goals by
public service media are clearly de ned, in particular regarding the use of thematic services and
new communication services.  is may include regular evaluation and review of such activities
by the relevant bodies, so as to ensure that all groups in the audience are adequately served.
b. A factor for social cohesion and integration of all individuals, groups and communi-
ties
7. Public service media should be adapted to the new digital environment to enable them to ful-
l their remit in promoting social cohesion at local, regional, national and international levels,
and to foster a sense of co-responsibility of the public for the achievement of this objective.
8. Public service media should integrate all communities, social groups and generations, in-
cluding minority groups, young people, old persons, the most disadvantaged social categories,
persons with disabilities, while respecting their di erent identities and needs. In this context,
attention should be paid to the content created by and for such groups, and to their access to,
and presence and portrayal in, public service media. Due attention should be also paid to gen-
der equality issues.
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9. Public service media should act as a trusted guide of society, bringing concretely useful kno-
wledge into the life of individuals and of di erent communities in society. In this context, they
should pay particular attention to the needs of minority groups and underprivileged and di-
sadvantaged social categories.  is role of lling a gap in the market, which is an important
part of the traditional public service media remit, should be maintained in the new digital
environment.
10. In an era of globalisation, migration and integration at European and international levels,
the public service media should promote better understanding among peoples and contribute
to intercultural and inter-religious dialogue.
11. Public service media should promote digital inclusion and e orts to bridge the digital divi-
de by, inter alia, enhancing the accessibility of programmes and services on new platforms.
c. A source of impartial and independent information and comment, and of innovatory
and varied content which complies with high ethical and quality standards
12. Member states should ensure that public service media constitute a space of credibility and
reliability among a profusion of digital media, ful lling their role as an impartial and indepen-
dent source of information, opinion and comment, and of a wide range of programming and
services, satisfying high ethical and quality standards.
13. When assigning the public service remit, member states should take account of the pu-
blic service medias role in bridging fragmentation, reducing social and political alienation and
promoting the development of civil society. A requirement for this is the independent and
impartial news and current a airs content, which should be provided on both traditional pro-
grammes and new communication services.
d. A forum for public discussion and a means of promoting broader democratic partici-
pation of individuals
14. Public service media should play an important role in promoting broader democratic deba-
te and participation, with the assistance, among other things, of new interactive technologies,
o ering the public greater involvement in the democratic process. Public service media should
ful l a vital role in educating active and responsible citizens, providing not only quality content
but also a forum for public debate, open to diverse ideas and convictions in society, and a pla-
tform for disseminating democratic values.
15. Public service media should provide adequate information about the democratic system
and democratic procedures, and should encourage participation not only in elections but also
in decision-making processes and public life in general. Accordingly, one of the public service
medias roles should be to foster citizens’ interest in public a airs and encourage them to play
a more active part.
16. Public service media should also actively promote a culture of tolerance and mutual unders-
tanding by using new digital and online technologies.
17. Public service media should play a leading role in public scrutiny of national governments
and international governmental organisations, enhancing their transparency, accountability to
the public and legitimacy, helping eliminate any democratic de cit, and contributing to the
development of a European public sphere.
18. Public service media should enhance their dialogue with, and accountability to, the general
public, also with the help of new interactive services.
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e. An active contributor to audiovisual creation and production and to a greater appre-
ciation and dissemination of the diversity of national and European cultural heritage
19. Public service media should play a particular role in the promotion of cultural diversity and
identity, including through new communication services and platforms. To this end, public
service media should continue to invest in new, original content production, made in formats
suitable for the new communication services.  ey should support the creation and production
of domestic audiovisual works re ecting as well local and regional characteristics.
20. Public service media should stimulate creativity and re ect the diversity of cultural acti-
vities, through their cultural programmes, in  elds such as music, arts and theatre, and they
should, where appropriate, support cultural events and performances.
21. Public service media should continue to play a central role in education, media literacy and
life-long learning, and should actively contribute to the formation of knowledge-based society.
Public service media should pursue this task, taking full advantage of the new opportunities
and including all social groups and generations.
22. Public service media should play a particular role in preservation of cultural heritage.  ey
should rely on and develop their archives, which should be digitised, thus being preserved for
future generations. In order to be accessible to a broader audience, the audiovisual archives
should, where appropriate and feasible, be accessible online. Member states should consider
possible options to facilitate the accomplishment of such projects.
23. In their programming and content, public service media should re ect the increasingly
multi-ethnic and multicultural societies in which they operate, protecting the cultural heritage
of di erent minorities and communities, providing possibilities for cultural expression and ex-
change, and promoting closer integration, without obliterating cultural diversity at the national
level.
24. Public service media should promote respect for cultural diversity, while simultaneously
introducing the audience to the cultures of other peoples around the world.
III.  e appropriate conditions required to ful l the public service remit in the
information society
25. Member states should ensure that the speci c legal, technical,  nancial and organisational
conditions required to ful l the public service remit continue to apply in, and are adapted to,
the new digital environment. Taking into account the challenges of the information society,
member states should be free to organise their own national systems of public service media,
suited to the rapidly changing technological and social realities, while at the same time remai-
ning faithful to the fundamental principles of public service.
a. Legal conditions
26. Member states should establish a clear legal framework for the development of public servi-
ce media and the ful lment of their remit.  ey should incorporate into their legislation provi-
sions enabling public service media to exercise, as e ectively as possible, their speci c function
in the information society and, in particular, allowing them to develop new communication
services.
27. To reconcile the need for a clear de nition of the remit with the need to respect editorial
independence and programme autonomy and to allow for  exibility to adapt public service
activities rapidly to new developments, member states should  nd appropriate solutions, invol-
ving, if needed, the public service media, in line with their legal traditions.
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b. Technical conditions
28. Member states should ensure that public service media have the necessary technical re-
sources to ful l their function in the information society. Developing a range of new services
would enable them to reach more households, to produce more quality contents, responding to
the expectations of the public, and to keep pace with developments in the digital environment.
Public service media should play an active role in the technological innovation of the electronic
media, as well as in the digital switchover.
c. Financial conditions
29. Member states should secure adequate  nancing for public service media, enabling them to
ful l their role in the information society, as de ned in their remit. Traditional funding models
relying on sources such as licence fees, the state budget and advertising remain valid under the
new conditions.
30. Taking into account the developments of the new digital technology, member states may
consider complementary funding solutions paying due attention to market and competition
questions. In particular, in the case of new personalised services, member states may consider
allowing public service media to collect remunerations. Member states may also take advan-
tage of public and community initiatives for the creation and  nancing of new types of public
service media. However, none of these solutions should endanger the principle of universality
of public service media or lead to discrimination between di erent groups of society. When
developing new funding systems, member states should pay due attention to the nature of the
content provided in the interest of the public and in the common interest.
d. Organisational conditions
31. Member states should establish the organisational conditions for public service media that
provide the most appropriate background for the delivery of the public service remit in the
digital environment. In doing so they should pay due attention to the guarantee of the editorial
independence and institutional autonomy of public service media and the particularities of
their national media systems, as well as organisational changes needed to take advantage of new
production and distribution methods in the digital environment.
32. Member states should ensure that public service media organisations have the capacity and
critical mass to operate successfully in the new digital environment, ful l an extended public
service remit and maintain their position in a highly concentrated market.
33. In organising the delivery of the public service remit, member states should make sure that
public service media can, as necessary, engage in co-operation with other economic actors,
such as commercial media, rights holders, producers of audiovisual content, platform operators
and distributors of audiovisual content.
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CONSULTORES TEMÁTICOS
Luis Felipe Miguel
Luis Felipe Miguel é doutor em Ciências Sociais, professor do Instituto de Ciência
Política da Universidade de Brasília (IPOL-UnB) e pesquisador do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Cientí co e Tecnológico (CNPq). É autor de três livros e dezenas
de artigos em revistas cientí cas do Brasil e do exterior, tendo como temas principais
de investigação a relação entre mídia e política e a teoria da democracia.
Murilo César Ramos
Murilo César Ramos é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de
Brasília (UnB), onde coordena o Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom),
grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação. Graduado em Jorna-
lismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), tem Mestrado e Doutorado pela
Universidade de Missouri-Columbia, EUA. Seu principal trabalho na área de políticas
de comunicação é o livro Às Margens da Estrada do Futuro: comunicações, políticas
e tecnologia (http://www.unb.br/fac/publicacoes/murilo). É sócio da Ecco – Estudos e
Consultoria de Comunicões
Othon Jambeiro
Othon Jambeiro é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Mestre em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Dou-
tor em Comunicação pela Politécnica Central de Londres, atual University of West-
minster, com pós-doutorado também em Comunicação pela Universidade de Brasília
(UnB). É professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisador 1-C
do CNPq, tem realizado estudos e pesquisas na área de Políticas de Informação e Co-
municação, com ênfase em Economia Política das Comunicações. Publicou dezenas
de artigos e vários livros no campo da Indústria Cultural, Regulação de Radiodifusão,
Comunicação e Poder e Políticas de Comunicação. Seus trabalhos mais recentes estão
voltados para o exame da relação entre tecnologias de informação e comunicações,
cidadania e democracia, tendo como objeto de estudo políticas públicas de metrópoles
contemporâneas.
Suzy dos Santos
Suzy dos Santos é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Univer-
sidade Federal da Bahia (UFBA). Sua tese, intitulada “Uma convergência divergente: a
centralidade da TV aberta no setor audiovisual brasileiro” foi agraciada com o Prêmio
Intercom 2005 (melhor trabalho defendido em 2004 na categoria Doutorado), conce-
dido pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Desde
julho de 2005 é pesquisadora associada, com bolsa recém-doutor da Fundação Ford,
no Laboratório de Políticas de Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Co-
municação da Universidade de Brasília (UnB).
225
FICHA TÉCNICA
Realização
ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância
Apoio
Fundação Ford
Supervisão Editorial
Veet Vivarta
Coordenação de Pesquisa e Conteúdo
Guilherme Canela
Edição
Adriano Guerra
Consultoria de texto
Octavio Penna Pieranti
Produção e Reportagem
Aline Falco, Ana Cláudia Costa, Ana Flávia Flôres, Ana Néca, Bia Barbosa, Camilla Valada-
res, Daniel Gonçalves, Daniela Rocha, Fábio Senne, Fernando Zarur, Magda Dias, Marília
Mundim, Rilton Pimentel, Severino Francisco, Viviane Danin e Yara Aquino.
Colaboradores da reunião de Análise de Mídia
Geraldinho Vieira, Graciela Selaimen, Luiz Egypto, Railssa Alencar e Rui Nogueira
Consultores Temáticos
Prof. Dr. Luis Felipe Miguel
Prof. Dr. Murilo César Ramos
Prof. Dr. Othon Jambeiro
Profa. Dra. Suzy dos Santos
Clipagem Eletrônica
brica de Idéias
Triagem do Material Clipado
Fábio Senne
Consultoria Estatística
Assistentes de pesquisa: Denise Caputo, Diana Barbosa, Fábio Senne, Kátia Cristine Campos
Sens e Rafael Abreu Oliveira
Processamento de dados: Wilson Rizzo
Digitação: Diana Barbosa e Márcia Barbosa
Projeto Grá co e Diagramação
André Tunes
As opiniões e idéias contidas no texto não re etem, necessariamente, os posicionamentos dos
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