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da festa. Chamou-a para dançar. Ela resistiu um pouco; parecia assustada, surpresa
mesmo com aquele convite, mas ele insistiu e ela acabou por ceder. Dançaram e
conversaram bastante. Maria parecia uma moça de família, morava ali perto, um
pouco antes da entrada do Ó, quase na rua do cemitério. No meio da conversa, lá
pela terceira música, a moça deu um pulo e disse:
– Êita; tenho que ir por causa da hora!
– É cedo, disse o rapaz, um pouco decepcionado.
Afinal, gostara da menina. Ela tinha algo estranho, às vezes parecia distante,
mas ainda assim, tinha um jeito especial. Ela insistiu que deveria ir, porque tinha que
chegar em casa antes da meia noite, de todo jeito. Para convencê-la a ficar mais,
Antônio propôs o seguinte:
– Tome aqui o meu relógio. Fique com ele no braço. Você controla a hora de ir.
Ela aceitou. Também gostara de Antônio; bom moço, bem apessoado,
trabalhador. Dançaram mais, conversaram mais, até que chegou a hora de ir, perto
de meia noite. Antônio ainda insistiu um pouco, mas Maria disse que não tinha jeito,
que tinha que ir e ia mesmo. Ele tentou beijá-la, mas ela não deixou. Ele pediu para
levá-la em casa. A pé mesmo, ali pertinho. Ela recusou. Ele insistiu, ela continuou
negando. Ele acabou desistindo, porque começou a sentir algo estranho nela. Não
era uma irritação, mas uma certa angústia, quase agressiva. Parecia que ela estava
fazendo algo errado, e que tinha realmente que ir embora. Na saída, chovia bastante,
e ele lhe ofereceu uma capa de chuva. Na despedida, de propósito, ele deixou que
ela levasse o seu relógio, como se tivesse esquecido. Era um motivo pra que ele
voltasse a vê-la. Antes de ir, ela tirou do vestido uma pequena foto três por quatro, e
deu a ele. Despediram-se. Ela logo sumiu na chuva, coberta com a capa.
Na manhã seguinte, Antônio resolveu ir à casa de Maria. Sabia onde era
porque ela lhe dissera na noite anterior. Chegando a casa, bateu e esperou
alguns
minutos. Apareceu uma senhora com um aspecto muito triste, abatida.
– Bom dia, senhora. Vim aqui pra falar com Maria, sua filha.
– Que é isso moço! Que brincadeira é essa. Isso não se faz com uma mãe.
Minha filha morreu no ano passado, atropelada por um caminhão. Ontem fez
um ano da morte dela. O senhor não conheceu a minha filha.
Perturbado, Antônio disse que não era possível, que dançara com Maria na
noite anterior. A senhora ficou nervosa e disse-lhe que fosse ao cemitério, ali mesmo
no fim da rua, e procurasse por Maria. Antônio ficou perplexo e resolveu ir ao
cemitério. Era perto e nada lhe custava. Em menos de dez minutos, procurava entre
jazigos, algo com o nome da moça. Passaram-se vinte minutos e nada. De repente,
um vento muito frio chegou em suas costas, do nada. Virou-se em direção ao vento e
se deparou com uma lápide, com uma foto da moça, igual à que trazia na mão. Em
cima do túmulo, jogados, seu relógio e sua capa de chuva. O nome da morta: Maria.
Essa é uma história verídica. Foi-me contada há cerca de vinte anos, por uma
senhora hoje falecida.
Voltando ao folheto O homem que beijou uma alma, a poetisa Maria Godelivie,
inicialmente, descreve o personagem masculino:
Oscar era bonitão
E sabia conversar,
Andava sempre arrumado
Gostava de prosear
Olhava para as meninas
Já querendo desfrutar
Apesar de responsável
Com a família e o lar
Não perdia ocasião
Pra das festas desfrutar
Sem que a esposa soubesse
Que estava a farrear.