78
sentimento melancólico no Brasil instituiu-se, além da influência portuguesa, graças
a um conjunto de traços sombrios: pestes (sífilis, cólera, febre amarela),
transformações sócio-políticas turbulentas, condição de “inferioridade” brasileira
(caracterizadas pela difusão de idéias racistas), tristeza indígena (considerados bons
e maus selvagens e o próprio genocídio das tribos), tristeza dos negros
(intensificada pela escravidão), tristeza latino-americana (situação de dominação
frente aos países desenvolvidos), tristeza dos imigrantes. Toda essa conjuntura,
aliada à pobreza e à precariedade da condição humana, expressa uma visão
desanimada, pessimista e antiufanista do Brasil. Tal perspectiva, segundo Scliar,
aparece em Lima Barreto e Machado de Assis, já que a obra de ambos indica um
sentimento de tristeza diante de uma conjuntura social desfavorável à realização
plena dos sujeitos
72
. De acordo com a proposta de leitura desenvolvida neste
trabalho, a melancolia também caracteriza a produção literária de Caio Fernando
Abreu.
A discussão da melancolia como resultado de uma conjuntura social
desfavorável, proposta por Scliar, aliada às formulações conceituais de Benjamin,
Kristeva e Freud que permitem identificar nuances da postura de sujeitos
melancólicos, apresenta-se como um caminho para a compreensão da melancolia
em Caio Fernando Abreu. A obra do autor problematiza uma série de experiências
sociais calcadas em violência, repressão, opressão que evidenciam uma descrença
e uma insatisfação coletiva diante do contexto histórico e social brasileiro. Além
disso, os personagens do escritor apresentam traços que caracterizam uma postura
melancólica que está ancorada numa percepção singular acerca das experiências
sociais. Todos esses traços são indicativos da melancolia e são enfatizados pela
72
O autor analisa O alienista, de Machado de Assis, e Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima
Barreto. Nas palavras de Scliar, “Machado de Assis está nos falando do poder, da arbitrariedade. É o
poder que resulta de um suposto conhecimento. Mas este conhecimento – porque suposto – não dá
ao doutor Bacamarte qualquer segurança. Ao contrário, seu estado de espírito oscila constantemente
entre a onipotência e a impotência, entre a euforia e o desânimo. Ele crê na ciência, mas sabe que
ciência tem limitações – daí sua melancolia.” (2003, p. 217). A melancolia na obra de Lima Barreto é
apreendida pela postura do personagem principal da obra, que possui a ambivalência e a
instabilidade próprias dos sujeitos melancólicos: “Policarpo (...) evolui através de ciclos. Ciclos de
entusiasmo até extravagante se alternam com outros, de tristeza, de desânimo, de depressão – de
melancolia. Policarpo faz projetos mirabolantes, julga-se capaz de salvar o país; ou, ao contrário,
sente-se descrente de tudo. Instável como é, não consegue levar nada até o fim, derrotado tanto
pelas circunstâncias quanto pelo seu lado doentio.” (2003, p. 226). Os dois personagens são, para
Scliar, exemplares da perspectiva melancólica explorada na literatura brasileira, já que eles “revelam
descrença em relação ao Brasil, ao mundo”, tentam reagir, mas, ao fim e ao cabo, derrota-os a
melancólica situação brasileira. Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, e Macunaíma, de Mário de Andrade,
também são apontados como personagens que são portadores de melancolia.