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inquestionáveis, seja pela via religiosa, como leis divinas, ou como leis naturais,
inerentes ao homem
14
.
Assim, ao seguir um preceito moral, o homem é visto como virtuoso, e da
virtude provém a felicidade – erro que Nietzsche compreende como confusão entre
causa e efeito. A moral como verdade intocável é suposta enquanto sendo um
direcionamento ao indivíduo – e à sociedade – e este, obedecendo seus preceitos,
certamente seria feliz – um virtuoso. Todavia, não é esta a intencionalidade inerente à
moral – trata-se, como afirmamos, de poder.
Todas essas morais que se dirigem à pessoa individual, para promover sua
‘felicidade’, como se diz – que são elas, senão propostas de conduta,
conforme o grau de periculosidade em que a pessoa vive consigo mesma;
receitas contra suas paixões, suas inclinações boas ou más, enquanto têm a
vontade de poder e querem desempenhar papel de senhor; pequenas e
grandes artimanhas e prudências, cheirando a velhos remédios caseiros e
sabedoria de velhotas; todas elas barrocas e irracionais na forma – porque
se dirigem a ‘todos’, porque generalizam onde não pode ser generalizado -,
todas elas falando em tom incondicional, tomando a si de modo
incondicional (NIETZSCHE, 2007, p.84).
Moral situa-se, assim, em todos os aspectos da vida; abarca as relações
humanas – o indivíduo, as instituições ... Trata-se, de pensarmos o fenômeno vida
como um fenômeno moral. “Moral, entenda-se, como a teoria das relações de
dominação sob as quais se origina o fenômeno ‘vida”
15
(Nietzsche, 2007, p.24).
A obediência foi até agora a coisa mais longamente exercida e cultivada
entre os homens, é justo supor que via de regra é agora inata em cada um a
necessidade de obedecer, como espécie de consciência formal que diz:
‘você deve absolutamente fazer isso, e absolutamente se abster daquilo’, em
suma, ‘você deve’ (NIETZSCHE, 2007, p.85).
14
É importante ressaltar que nos remetemos aqui à obediência enquanto submissão a normas tidas
como incondicionais. Todavia, releva situar que este é somente um viés possível de interpretação, uma
vez que se evidencia na filosofia de Nietzsche, também, o aspecto afirmativo da obediência enquanto
um imperativo da natureza, da luta entre os impulsos, como podemos verificar em Além do Bem e do
Mal (2007, p.77-78).
15
Percebe-se aqui que Nietzsche se refere ao fenômeno vida, isto é, as relações humanas no âmbito
cultural ou social, como fundadas pela dominação moral. Todavia, isto não significa que a vida seja
moral, ao contrário, a vida não pode ser avaliada, valorada, portanto, não é um fenômeno moral, ela é
antes critério de valoração (NIETZSCHE, 1976, p.18). Ver item 2.2, página 75.