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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CALICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DAS
SOCIEDADES IBÉRICAS E AMERICANAS
MESTRADO
IURI GOMES RAMOS
A ESTRELLA DO SUL E OS INIMIGOS DA FÉ CATÓLICA: 1862 a 1867
Profa. Dra. Sandra Maria Lubisco Brancato
Orientadora
2008
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IURI GOMES RAMOS
A ESTRELLA DO SUL E OS INIMIGOS DA FÉ CATÓLICA: 1862 a 1867
Dissertação apresentada como requisito parcial
a obtenção de grau de Mestre, pelo Programa
de Pós-Graduação em História das sociedades
ibéricas e americanas da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Profa. Dra. Sandra Maria Lubisco
Brancato
Porto Alegre
2008
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R143 Ramos, Iuri Gomes,
A Estrella do Sul e os inimigos da fé católica: 1862 a 1867 /
Iuri Gomes Ramos. -- Porto Alegre: Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, 2008.
131 f. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Sandra Maria Lubisco Brancato.
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, 2008.
1. Estrella do Sul. 2. Igreja Católica – História – 1862-1867.
3. Liberalismo. 4. Política Riograndense. 5. Religiosidade.
I. Brancato, Sandra Maria Lubisco. II. Título.
A Ari e Sueli Gomes as pessoas que marcam a minha hisria.
Rosaura, José Roberto e Igor a família que eu amo.
A Angela por ser o que é na minha vida, te amo.
AGRADECIMENTOS
A CAPES pela concessão da bolsa de Mestrado, sem a qual não seria possível realizar
o curso e dar continuidade às minhas pesquisas.
A Profa. Dra. Sandra Maria Lubisco Brancato meu muito obrigado pelo rigor e
franqueza quando necessário e pela compreensão e o tempo que me dispôs durante o período
deste curso.
Aos meus professores do PPGH da PUCRS. Agradeço pelas bem aproveitadas aulas.
Aos funcionários da PUCRS Carla Helena e Davi por toda atenção e competência.
Meus agradecimentos!
A minha família, tios, primos muito obrigado por todo carinho e dedicação que sempre
recebi desde a Graduação até o término deste Mestrado.
Ao profº Sérgio, diretor da Escola Adventista de Santa Maria, por ter entendido e me
liberado para poder fazer o Mestrado em Porto Alegre. O meu grande abraço!
Ao profº Anderson e profa. Roseli, diretores do Colégio Adventista de Porto Alegre.
Meu muito obrigado porque em três anos de trabalho conseguiram entender as dificuldades
em se estudar e trabalhar ao mesmo tempo.
Ao profº Pasini, diretor do Instituto Adventista Paranaense, onde trabalho, meu muito
obrigado pela ajuda na reta final, dando tranilidade para poder terminar de escrever o
trabalho.
Aos meus professores da UNIFRA onde tudo começou. Muito obrigado por terem me
ensinado o valor da pesquisa e a dedicação que sempre tiveram em seus trabalhos.
Aos meus colegas de graduação, principalmente Carla Barbosa e Ana Paula
Marquesini Flores por terem me ajudado no início dessa pesquisa. Meu sincero obrigado!
A professora Eliane Colussi e ao professor Astor, muito obrigado pelo incentivo ao
tema da pesquisa.
Ao Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana na pessoa de sua funcionária Vanessa
Gomes de Campos. Sem a sua atenção, a pesquisa ficaria bastante comprometida.
Meu muito obrigado aos funcionários do Instituto Histórico Geográfico por terem
tirado algumas dúvidas ao longo da pesquisa.
Aos meus alunos, que foram muitos, no decorrer desse estudo, obrigado pela
compreensão.
A professora Angela Ribeiro Vidal Cypriano Ramos pela Assessoria Lingüística, seu
trabalho foi muito importante.
Ao Igor por toda ajuda tecnológica.
Ao meu pai, José Roberto Ramos, por ter me ajudado a me manter em Porto Alegre e
pela melhor viagem de estudo que já tive na minha vida.
A professora e mãe Rosaura por nunca ter desistido de ver esse trabalho pronto.
À Deus por ter me dado saúde e condições de acabar essa pesquisa.
RESUMO
O confronto de idéias entre o Liberalismo, o catolicismo e as instituições protestantes
no Rio Grande do Sul no século XIX foram objeto desta pesquisa. Para tanto, foi utilizada a
hipótese do agendamento como ferramenta teórica para a organização documental que neste
caso foi o Semanário A Estrella do Sul, primeira publicação oficial da Diocese de Porto
Alegre. Esse Semanário possibilitou perceber as estratégias utilizadas pela Igreja Católica
para manter o poder e o espo político-religioso que lhe pertencia, tendo em vista o recorte
hisrico que compreende esta pesquisa entre os anos de 1862 a 1866. Nesse sentido será
analisado três grandes agendamentos: o protestantismo no Rio Grande do Sul, a necessidade
da formação de um clero romanizado e a política rio-grandense. Neste último agendamento
percebeu-se os aliados e os inimigos da Igreja Católica através da publicação do Semanário. A
Estrella do Sul foi um veículo importante no contexto de defesa do espaço da Igreja Católica
no Rio Grande do Sul, porém, não havia sido feito ainda um estudo mais sistemático da obra.
Através deste trabalho, os aspectos referentes à religiosidade católica através da A Estrella do
Sul foram contemplados, marcando assim, um espaço de luta por poder entre a Igreja Católica
e seus inimigos na segunda metade do século XIX, no Rio Grande do Sul.
ABSTRACT
The confrontation of ideas between Liberalism and Catholicism, and also between
them and Protestants institutions was the object of this research. In order to help this study it
was utilized the agenda setting hypothesis as a theoretical tool to make a documentation
organization that in this case was the weekly A Estrella do Sul, the first official publication of
the Diocese of Porto Alegre , capital city of Rio Grande do Sul. This weekly enabled us to
realize the strategies used by the Roman Catholic Church to keep the power and political-
religious position that belonged to it, having in mind a historical stretch between 1862 and
1866. In this sense three major agendas will be analyzed: Protestantism in Rio Grande do Sul,
the necessity to form a Roman Clergy and the policy of Rio Grande do Sul. In this last agenda
we could perceive the allies and enemies of the Roman Catholic Church by the publication of
the weekly. A Estrella do Sul was an important vehicle in the defense context of the position
of the Roman Catholic Church in Rio Grande do Sul although, a systematic study has not
been done yet. Through this study, the aspects with regard to the catholic religiosity through A
Estrella do Sul were contemplated, beginning thus a struggle for power between the Roman
Catholic Church and its enemies during the second half of the 19
th
century, in Rio Grande do
Sul.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1 D. Sebastião Dias Larangeiras..............................................................................17
Imagem 2 Assinatura de D. Sebastião Dias Larangeiras ......................................................18
Imagem 3 Brasão de D. Sebastião Dias Larangeiras ............................................................18
LISTA DE SIGLAS
AHCMPOA – Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre
IHGRS – Instituto Hisrico e Geográfico do Rio Grande do Sul
SURIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................11
CAPÍTULO 1.....................................................................................................................22
1 O PROTESTANTISMO E A ESTRELLA DO SUL .................................................22
1.2 O LIVRE-PENSAMENTO.....................................................................................31
1.3 IGREJA CATÓLICA E OS PROTESTANTES......................................................33
1.4 A IGREJA CATÓLICA E A MAÇONARIA..........................................................40
CAPÍTULO 2.....................................................................................................................45
2 A POLÍTICA E A ESTRELLA DO SUL...................................................................45
2.1 RAÍZES DA RELAÇÃO ESTADO E IGREJA NO BRASIL.................................45
2.2 O PROGRESSO.....................................................................................................47
2.3 A CONDIÇÃO DO CLERO NACIONAL..............................................................51
2.4 DESCASO E OSTRACISMO ................................................................................56
CAPÍTULO 3.....................................................................................................................70
3 ASSEMBLÉIA PROVINCIAL DO RIO GRANDE DO SUL E A IGREJA
CATÓLICA....................................................................................................................70
3.1 DISCURSOS..........................................................................................................70
3.3 OS DISCURSOS E O BISPO.................................................................................84
3.4 DISCURSO E A RELAÇÃO DO ECONÔMICO COM O RELIGIOSO................93
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 108
LOCAIS DE PESQUISA, REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS112
Locais de Pesquisa........................................................................................................ 112
Referências Documentais............................................................................................. 112
Referências Bibliográficas ........................................................................................... 113
ANEXOS .......................................................................................................................... 117
ANEXO 1 – INTRODUÇÃO DA A ESTRELLA DO SUL.................................... 118
ANEXO 2 – ÍNDICE DO PRIMEIRO ANO DA A ESTRELLA DO SUL .............119
ANEXO 3 – ÍNDICE DO SEGUNDO ANO DA A ESTRELLA DO SUL .............123
ANEXO 4 – PRIMEIRO NÚMERO DO ANO TRÊS DA A ESTRELLA DO SUL128
ANEXO 5 – PRIMEIRO NÚMERO DO ANO QUATRO DA A ESTRELLA DO
SUL........................................................................................................................129
INTRODUÇÃO
Na obra “O Brasil Monárquico Declínio e Queda do Império”, Roque Spencer M. de
Barros faz a seguinte menção ao clero nacional:
desde os tempos pombalinos até as vésperas da questão religiosa, não se distinguia,
com raras exceções por qualquer demonstração de ortodoxia. Mas freqüentadores
das letras francesas do que das latinas, mais versadas na literatura profana do que
nas obras pias, muitos de nossos clérigos estavam saturados dos ideais iluministas,
das reivindicações democráticas e liberais da Revolução Francesa.
1
A informação do autor citado desenvolveu em mim uma curiosidade a cerca do tema
tratado. Partindo do pressuposto colocado por Barros, busquei as fontes que respaldariam a
idéia que defendo em um local determinado: o Rio Grande do Sul. Essa busca partiu dos anos
que cursei a graduão na UNIFRA em Santa Maria, onde comecei a pesquisar sobre a
influência da Igreja Católica na região Platina. Em Passo Fundo, no curso de Pós-
Graduação, entrei em contato com o tema da pesquisa da professora Eliane Colussi. A mesma
fazia menção a um semanário A Estrella do Sul publicado pela Diocese de Porto Alegre
que se encontrava no arquivo histórico da Cúria Metropolitana dessa mesma cidade. O
referido arquivo possibilitou-me a pesquisa das edições do Semanário publicadas entre 1862 e
1867 bem como o arquivo do Instituto Histórico Geográfico.
Quando ingressei no mestrado em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, tive a oportunidade de ter um contato mais próximo com o citado Semanário e
então me deparei com um fato inusitado: aquelas primeiras idéias que me fizeram pesquisar
sobre a religiosidade e sua ligação com o liberalismo não conferiam com o material que
estava em minhas mãos. Isso porque percebi que na A Estrella do Sul, publicada uma vez por
semana para a sociedade católica no Rio Grande do Sul, a religiosidade proposta era contrária.
Essa nova visão a respeito do Semanário me fez analisá-lo mais sistematicamente por
encontrar uma das raras exceções que Roque Spencer M. de Barros faz referência no texto
1
BARROS, Roque Spencer M. de. Vida Religiosa. IN HOLANDA, Sérgio Buarque de; CAMPOS, Pedro
Moacyr. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
4 v, p. 321.
12
acima e por se tratar de uma exceção que não havia sido estudada de uma forma mais
sistemática através da historiografia rio-grandense.
A sistematização dessa leitura foi realizada em duas etapas. Primeiramente através de
uma leitura flutuante, para em seguida levantar os principais temas ou campos propostos pela
publicão. Para essa análise, foi necessário analisar as principais características do
Semanário. O mesmo tinha como cabeçalho a seguinte inscrição: “Revista Consagrada aos
interesses da religião sob os auspicios do Exm. Rev. Sr. D. Sebastião Dias Larageira, Bispo
do Rio Grande do Sul”; nesse cabeçalho fica evidente, desde o início de cada uma das
publicações, a função do mesmo e seu responsável. Ainda no cabeçalho havia o valor da
assinatura anual, que era de dez mil réis por ano. O Semanário tinha oito páginas por edição e
essa estrutura foi fixa até o ano de 1866. O recorte cronológico dessa pesquisa foi necessário
porque no último ano, 1866-1867, não houve a mesma reincidência de artigos que se
adequassem à pesquisa.
A diagramação do Semanário geralmente ganhava uma introdução, também chamada
de parte oficial, que servia como um editorial de assuntos considerados importantes por seu
responsável, D. Sebastião Larangeira. Geralmente os artigos analisados nessa pesquisa foram
retirados dessa parte do semanário. Em seguida, havia a seção romance, histórias com moral
religiosa, publicadas por partes, durante várias semanas. Essas histórias eram selecionadas
para atender aos interesses de quem as publicava. A próxima era a seção de Variedades, seção
flutuante, pois apesar de não aparecer em todos os exemplares do semanário, em
determinados anos, aparecia com mais freqüência. A seguir vinha o expediente do bispo que
tratava das atividades semanais do mesmo. Por último o noticiário, que servia para informar
aos leitores o que acontecia na Província. Aparecem também, bem mais esparsamente,
poesias, anúncios, declarações, necrologia e proviria.
Vale lembrar que o Semanário foi escrito no século XIX e, portanto, diferenças na
grafia. Essas diferenças foram respeitadas nas citações.
O objetivo da A Estrella do Sul fica evidente desde sua primeira edição, já que
indicava que iria combater “o mal gangrenoso da sociedade”. No decorrer desse trabalho,
perceber-se-á qual era “o mal gangrenoso da sociedade” que visceralmente iria ser combatido
pela Igreja e como este processo aconteceu através das páginas da A Estrella do Sul.
13
Para entender como ocorreu o processo de luta da A Estrella do Sul contra os inimigos
da católica é necessário fazer uma breve retrospectiva histórica da religiosidade no Rio
Grande do Sul.
Desde o início de sua história, a Igreja Católica se fez presente através da figura dos
jesuítas que tinham interesses na região. No Rio Grande do Sul, a preação de gado, as lides do
campo e a necessidade de colonizar para povoar fez do povo rio-grandense, segundo Isaia
“um tipo humano capaz de enfrentar as vicissitudes de uma época de incerteza e de revelar-
se funcional aos interesses da coroa.”
2
É importante ressaltar que esse tipo humano era
extremamente militarizado decorrente da necessidade de defesa fronteiriça da província de
São Pedro do Rio Grande do Sul, dos estrangeiros platinos.
A guerra e o apego às armas era uma constante na vida do rio-grandense, o que fazia
que esse se tornasse um ser um tanto indolente à rotina, e como diz Isaia “capaz de pouco
influir sobre a domesticação de seus hábitos”.
3
Esse fato proporcionou a esse homem o
endurecimento às questões religiosas. Segundo Cardoso:
a ausência da observância de rígidos princípios axiológicos como norma de conduta
marcou sobremaneira a formação do ethos mental” do homem rio-grandense,
colocando-o fora do controle que pudesse exercer uma instituição como a Igreja
Católica. Em outras palavras, tratava-se de uma existência estruturada na
formação histórica do Rio Grande do Sul pelo recurso à violência e à falta de
respeito às normas formalmente estabelecidas.
4
Essas regras impostas pela Igreja tinham um agravante: vir de uma diocese distante, a
do Rio de Janeiro. Isso fazia com que as regras o fossem cumpridas com a devida
2
ISAIA, Arthur César. Catolicismo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998,
p. 30.
3
ISAIA, Arthur César. Catolicismo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998,
p. 32.
COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria Gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Editora UPF, 2003
4
CARDOSO apud ISAIA, 1998, p. 32.
14
fiscalização. Para deixar a situação cada vez mais complexa, as visitas pastorais do Bispo
foram efetivadas, pela primeira vez no Rio Grande do Sul, no ano de 1818, pelo Bispo José
Caetano da Silva Coutinho. Nesse episódio, o mesmo, além de fazer sua função de Bispo e
analisar as questões referentes à religiosidade de seu rebanho, fez uma análise da condão
religiosa do Rio Grande do Sul dizendo ele que, nesse momento, não detectou o pensamento
que incentivava os processos de independência e a formação dos estados nacionais na
América hispânica, como vemos a seguir:
Apesar da vida de provação continuada o tenho descoberto o mais leve indício,
nem nos pequenos, nem nos grandes de que êstes portuguesês estejam tocados da
mania francêsa, ou da mania castelhana, que ambas se têm manifestado o
desgraçadamente nos portuguêses do Rio da Prata, que por isso estão hoje
desolados, e perdidos. Posso assegurar na augusta presença de V. A. R. que o nome
destes maus vizinhos castelhanos é tão aborrecido como as suas más opiniões e
desordens revolucionárias. E o sentimento geral que tenho visto e ouvido, desde o
General até ao mais pequeno vassalo, é uma certa impaciência de os não deixarem ir
lançar para além do Rio da Prata esta canalha inquieta e apoderar-se de suas belas,
mas quase desertas campinas.
5
Porém, praticamente duas décadas depois, estourava, no Rio Grande do Sul, a
Revolução Farroupilha, um movimento que lutava por uma maior atenção do poder central às
necessidades da província e, principalmente, ressaltava os ideais liberais, sendo esses
adaptados à realidade rio-grandense.
Outra visita pastoral que esteve presente no Rio Grande do Sul foi realizada pelo
Bispo do Rio de Janeiro, D. Manuel de Monte Rodrigues de Araújo e pelo nego Jo
Annio da Silva Chaves. Vale lembrar que esse foi o ano do término da Revolução
Farroupilha. Nesse momento se cogitava a possibilidade da criação de um bispado na
província do Rio Grande do Sul. Politicamente, após a Revolução Farroupilha, segundo Helga
Piccolo:
como efeito imediato, após o seu término, seguiu-se um período de prostração das
atividades de cunho político-partidário, o que era gico após quase dez anos de
5
Transcrição da visita pastoral do Bispo José Caetano Coutinho à Madre de Deus da Vila de Porto Alegre
retirado do arquivo histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
15
lutas. A Assembléia Legislativa Provincial era um ajuntamento amorfo de homens
mais propensos ao conservantismo. A indefinição político-partidária caracterizou os
anos de 1847/48. Não ocorrendo discussões polêmicas, desafiadoras, apesar de um
ou outro pronunciamento onde estavam presentes críticas ao governo central.
6
Ainda conforme Helga Piccolo, seguindo uma corrente do poder central, foi elaborado,
no Rio Grande do Sul, a formação do partido conservador, então chamado Saquarema. Essa
organização, nessa província, fez com que houvesse uma nova organização dos liberais, então
chamado Luzias. Cada um em seus arcabouços ideológicos, a partir de 1849, podia ser
detectado no pronunciamento da Câmara dos Deputados. O domínio dos Saquaremas duraria
até a década de sessenta onde, a partir dessa data, o Partido Liberal
7
começava a impor-se na
província. Este assunto será abordado no capítulo 3 desse trabalho e versasobre a relação
política entre Igreja e Assembléia Provincial.
No campo religioso, como citado, se fazia necessária a formação de um bispado no
Rio Grande do Sul. Apesar de esse fato ter sido discutido por vários anos, em outubro de
1847, de acordo com Arlindo Hubert,
o Ministério dos Negócios da Justiça passou suas instruções ao encarregado e
plenipotenciário do império Luís Murtinho de Lima Álvares e Silva para solicitar da
Apostólica as Bulas de ereção do Bispado do Rio Grande do Sul. Numa
audiência com o Santo Padre, que estava de posse da carta que o imperador D.
Pedro II lhe escrevera a 7 de outubro, recebeu bem o encarregado e mandou
encaminhar o projeto para a Congregação dos Negócios Extraordinários, com a
ordem que “o mais depressa possível se dê lugar aos atos, que devem
necessariamente preceder à ereção do Bispado em apreço”. Infelizmente, o
documento do governo tinha diversas lacunas, o que veio retardar a concretização do
projeto.
8
Em 1853 é declarada a ereção do novo bispado. A diocese foi oficialmente instalada
em três de julho do mesmo ano e tinha como seu primeiro Bispo D. Feliciano José Rodrigues
6
PICCOLO, Helga Iracema Landgraf (Org.). Coletânea de discursos parlamentares da Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,
1998, v. 1, p. 12.
7
O Partido Liberal Progressista defendia a descentralização governativa.
8
RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, vol. II, p.
186.
16
Prates. Nota-se que, em um primeiro momento, o bispado é erigido de forma bastante
precária. As paróquias eram deficitárias em recursos, principalmente na região da campanha,
e boa parte desses recursos, para que a situão melhorasse, teria que vir do Estado porque
está se falando de um momento em que o padroado era uma prática utilizada pelo governo
imperial para manter o controle sobre a Igreja nacional.
Esse padroado tinha como princípio fazer da Igreja uma espécie de braço burocrático
do Estado, pois além de fazer o serviço de cunho espiritual que lhes era peculiar, ainda fazia o
registro de batismo, casamento, óbito e outros serviços que auxiliavam o Estado, sendo esses
serviços pagos pelo mesmo. Devido este fator, o imperador, que nesse caso era Dom Pedro II,
passava a intervir em questões antes inerentes apenas à Igreja e ao Papa. Relacionado a esse
fator, será abordada a relação entre a Igreja Católica e o Protestantismo no Rio Grande do Sul,
tendo em vista que a província teve forte colonização alemã trazendo preceitos religiosos
distintos do catolicismo e será abordado no primeiro capítulo.
Outra situação que abordaremos é a condição do clero no Rio Grande do Sul durante a
temporalidade escolhida, 1862 a 1866. Conforme analisamos anteriormente, esse estudo
versará sobre a exceção do caso rio-grandense com relação a sua situação religiosa e os rumos
que a religiosidade no Rio Grande do Sul seguirá, tendo em vista o contexto imperial. Após a
morte do primeiro Bispo, D. Feliciano, o Rio Grande do Sul teve um período de vacância no
bispado que durou de 1858 a 1861. Um dos principais feitos de D. Feliciano foi abrir, com
recursos próprios, segundo Arlindo Rubert, o seminário com tendências tridentinas na diocese
rio-grandense, apelando para a iniciativa do clero e dos diocesanos. Para o Rio Grande do Sul
o seminário seria de suma importância, pois, como veremos no capítulo dois, havia a falta de
sacerdotes na província. Durante os anos de vacância, o bispado ficou sob a responsabilidade
do padre Juliano Faria Lobato. Este, através de uma procuração, tomou posse da diocese no
dia 16 de fevereiro de 1861 em nome de D. Sebastião Dias Larangeiras.
Para compreender o processo que envolveu esse trabalho foi necessário pesquisar a
figura de D. Sebastião, pois o mesmo foi o responsável pelo objeto documental dessa
pesquisa, A Estrella do Sul. D. Sebastião tomou posse da Diocese com apenas 40 anos e
permaneceu Bispo do Rio Grande do Sul até os 68 anos, idade em que faleceu. A
personalidade dele aparecerá através de praticamente todos os momentos do objeto
17
pesquisado. Isso porque, geralmente, as escolhas e os recortes dos artigos publicados, e que
foram analisados, eram feitos por ele.
Imagem 1 D. Sebastião Dias Larangeiras
Fonte: RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998, p. 201.
18
Imagem 2 Assinatura de D. Sebastião Dias Larangeiras
Fonte: RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998, p. 208.
Imagem 3 Brasão de D. Sebastião Dias Larangeiras.
Fonte: RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1998, p. 206.
19
Uma das questões que ficará bastante clara no decorrer do trabalho é que um dos
fatores de luta ou de embate ideológico entre D. Sebastião e os inimigos da católica estava
relacionado ao Liberalismo. Nesse contexto histórico, a Igreja Católica e o Liberalismo não
compactuavam com os mesmos pensamentos, pelo contrário, a Igreja via no Liberalismo a
fonte das mudanças que eram nocivas à sociedade calica devido à liberdade religiosa e à
separação entre Estado e Igreja. Esse confronto vinha de muito tempo, como veremos no
fragmento a seguir, onde Bobbio ressalta que:
As guerras de religião, possibilitando a afirmação da liberdade religiosa, são o berço
da liberdade moderna; todos os clássicos do Liberalismo se mantêm fiéis a esta
reivindicação da liberdade ética do homem. Locke, indo mais adiante, reivindica, no
campo político, a autonomia da lei moral ou “filosófica” em relação à lei civil, ou
seja, do poder espiritual do juízo moral que é atribuição da opinião pública.
9
Nesse sentido, pode-se notar que o fator de individualidade no quesito escolha
religiosa, não estaria ligado à oficialidade desta em relação ao Estado, ou seja, não era
necessário que a religião do rei fosse a religião do povo. Desta forma a religião católica sairia
perdendo, pois a união altar e trono sempre foi favorável à Igreja Católica.
Dentro do século XIX, percebendo que os tempos eram outros, muitos dirigentes
políticos aderiram às monarquias nacionais que, de certa forma, faziam com que preceitos do
antigo regime se ligassem a preceitos liberais para poder resistir aos novos tempos, tempos
esses marcados por processos revolucionários de cunho liberal e, conforme cita Bobbio:
Temos assim os monárquico-liberais que, na firme defesa do ideal monarquista,
admitiam formas limitadas de representação política; os liberal-nacionais que, por
identificarem a causa nacional com a liberal, perdiam freqüentemente o significado
liberal de uma organização federativa ou subordinavam a liberdade à unidade
nacional; os católicos (ou os protestantes) liberais que, contra os clericais antiliberais
e os anticlericais s vezes liberais), defendiam a separação entre Igreja e Estado; os
liberal-democratas que, contra uma visão limitativa do Liberalismo, encarado como
mera garantia dos direitos individuais, salientavam o momento da participação
democrática na direção política do país.
10
9
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. São Paulo:
Editora UNB, 2004, v. 2. 701.
10
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. São Paulo:
Editora UNB, 2004, v. 2, p. 688.
20
É justamente a separação do Estado e da Igreja e a democratização do Estado Liberal
que a Igreja vai combater no processo dessa pesquisa. A cada menção do termo Liberalismo,
ao longo do trabalho, leia-se o conceito citado. Demonstrar-se-á também que o processo do
pensamento liberal partiu de um sistema macro para um sistema micro, pois o trabalho tratará
também da entrada do ideário da Europa para o Brasil e do Brasil para o Rio Grande do Sul.
Outra questão a ser abordada na pesquisa é a falta de importância dada à figura de D.
Sebastião pela historiografia brasileira, apesar desse ter sido um dos grandes líderes da
resistência católica frente às idéias liberais.
Tendo em vista as fontes para a formulação deste trabalho e os campos elaborados, a
leitura flutuante foi sistematizada através da hipótese do agendamento, ou agenda setting.
Segundo Antonio Hohlfeldt essa hipótese foi elaborada pelos professores Maxwell E.
McCombs e Donald L. Shaw. De acordo com Hohlfeldt a primeira diferenciação vem pelo
nome, hipótese, e não pela utilização de teoria simplesmente, isso porque para ele,
teoria é um paradigma fechado, um modo acabado e, nesse sentido, infenso às
complementações ou conjugações, pela qual traduzimos uma determinada realidade
segundo um certo modelo. Uma hipótese, ao contrário, é um sistema aberto, sempre
inacabado, adverso ao conceito de erro característico de uma teoria. Assim, uma
hipótese não se pode jamais agregar um adjetivo que caracterize uma falha: uma
hipótese é sempre uma experiência, um caminho a ser comprovado e que, se
eventualmente não der certo naquela situação específica não invalida
necessariamente a perspectiva teórica.
11
Dentro da hipótese do agendamento, se elaboram alguns pressupostos que, segundo
Hohlfeldt, seriam:
a) o fluxo contínuo de informação;
b) os meios de comunicação por conseqüência influenciam sobre o receptor não a
curto prazo como as antigas teorias pressupunham, mas sim a médio e a longo
prazo;
11
. HOHLFEDT, Antonio. Hipóteses Contemporâneas de Pesquisas em Comunicação. IN: HOHLFEDT,
Antonio; MARTINO, Luiz C e FRANÇA, Vera Veiga (Orgs.). Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e
tendências. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, p. 189.
21
c) os meios de comunicação embora não sejam capazes de impor o que pensam em
relação a um determinado tema, como desejava a teoria hipodérmica, o capazes
de, a médio e longo prazos influenciar sobre o que pensar e o que falar, o que motiva
o batismo dessa hipótese de trabalho.
12
Nesse sentido, utilizando os pressupostos anteriormente citados, percebe-se que no
caso da A Estrella do Sul, o fluxo de informações foi contínuo. Analisou-se um acervo de
quatro anos do jornal e uma periodicidade relevante para a aplicação dessa hipótese. Ainda
com relação à periodicidade foi utilizado o termo Semanário devido à freência de sua
publicão - semanal. Perceber-se-á também que os assuntos levantados: os inimigos da
católica, a formação do seminário para a formação de um clero católico ligado a Roma e os
discursos na Câmara dos Deputados, foram constantes.
Outro aspecto importante do agendamento da A Estrella do Sul, que será analisado,
serão as estratégias utilizadas pela Igreja para atender suas intenções como formadora de
opinião a cerca de seus aliados e de seus inimigos e como esta, ao longo do tempo, construiu
esse meio de influência. Por último, veremos como se demonstrou esse retorno do que pensar
e falar através dos discursos da Câmara dos Deputados.
12
HOHLFEDT, Antonio. Hipóteses Contemporâneas de Pesquisas em Comunicação. IN: HOHLFEDT, Antonio;
MARTINO, Luiz C e FRANÇA, Vera Veiga (Orgs.). Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências.
Petrópolis: Editora Vozes, 2001, p. 190 e 191.
CAPÍTULO 1
1 O PROTESTANTISMO E A ESTRELLA DO SUL
“Somos espectadores de uma luta
entre o bem e o mal, entre a virtude e o
erro, entre Deus e o homem, e mudos não
ficaremos”
13
Assim inicia, em sua introdução, A Estrella do Sul, em 1862. A idéia citada percorrerá
as páginas do Semanário até o final de suas publicações. A base do agendamento proposto
pela A Estrella do Sul é demonstrar a tradição católica como sendo a forma certa de se encarar
a religiosidade e apontar os inimigos da fé através de um veículo público. Esse veículo
deixa bem claro qual é o posicionamento da Igreja de Pedro
14
tendo em vista assuntos
referentes à sociedade católica, sua espiritualidade e à política que envolve os privilégios da
Igreja como uma Instituição oficial do Estado.
Muitos são os posicionamentos teóricos para se estudar cientificamente o fenômeno
religioso. Segundo Hermann, para:
Durkheim toda religião é uma cosmologia e, como fator essencial de organização e
funcionamento das sociedades primitivas, seria a base de toda a vida social; para
Weber uma forma entre outras dos homens se organizarem socialmente; para
Gramsci um tipo determinado de visão de mundo que se situa entre a filosofia
(religiosidade dos intelectuais) e o folclore (religiosidade popular), não desligando-
se, portanto, das estratégias de poder que organizam diferentemente as sociedades;
para Lévi-Strauss, baseando-se no “pensamento selvagem”, a religião pode ser
definida como uma humanização das leis naturais, um antropomorfismo da
natureza”; para Freud uma ilusão coletiva cujos objetivos é dominar o sentido de
impotência que todo o homem experimenta frente a forças hostis; para Eliade a
referência primordial, o sistema de mundo das sociedades tradicionais, berço
privilegiado do “homo religiosos”. Portanto, seja através da sociologia, da
13
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo de Porto Alegre, ano I, n. 1, 5 out. 1862, p. 1.
14
Algumas vezes a Estrella do Sul se refere à Igreja Católica como Igreja de Pedro.
23
fenomenologia, da antropologia, da política ou da psicanálise, segundo seus autores
clássicos, a religião se definia entre uma dicotomia entre o sagrado e o profano,
inscrita numa racionalidade em cuja proposta além de descritiva e classificatória,
pouco se detinha na busca de explicações para o sentido específico das diversas
formas de manifestações do que consideram o fenômeno religioso”.
15
Dentro dessa diversidade de abordagens teóricas, a que será utilizada como fio
condutor para perceber o fenômeno religioso no Rio Grande do Sul é a ligação do político e
do religioso. Claro que para entender esse fenômeno, em alguns momentos, ter-se-á que aliar-
se às áreas citadas anteriormente para ter uma visão geral do processo religioso, pois o mesmo
se vincula a outras áreas como: a filosófica, a psicológica e a econômica, demonstrando
assim, a organização social e suas ramificações com as tendências políticas da época.
O método de abordagem documental será o agendamento, uma técnica utilizada para
sistematizar o trabalho com fontes referentes à imprensa, para perceber como a mídia propõe
certos assuntos. Esta pesquisa verificará como foi feita a defesa da Igreja Católica percebendo
como essa mensagem chega à população, construindo assim, uma opinião pública alinhada ao
seu pensamento religioso.
1.1 O PROTESTANTISMO E O MAL GANGRENOSO DA SOCIEDADE
A luta entre protestantes e católicos vem desde o período do Renascimento em que os
católicos perderam a hegemonia religiosa na Europa Ocidental. Esse fator fez com que os
católicos tivessem mais um inimigo dentro da cristandade. Pom, os protestantes geralmente
detinham o poder econômico de uma burguesia, e muitas das doutrinas pregadas pelos seus
líderes vão lutar arduamente para que o catolicismo deixasse seu território, como aconteceu
na Inglaterra com os Anglicanos e Puritanos; nos principados da Alemanha com os Luteranos;
com os Huguenotes franceses e outras denominações criadas na América.
15
Herman, Jacqueline. História das Religiões e Religiosidades. IN: Cardoso, Ciro Flamarion; Vainfas, Ronaldo
(orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997. p. 337.
24
Em todas essas situões a Igreja vinha lutando, desde o Concílio de Trento, para
que não houvesse o crescimento dessas denominações dissidentes, e conforme a introdução do
capítulo, utiliza algumas estratégias para isso.
A Estrella do Sul, envolta nesse contexto, vai elaborar uma postura de defesa dos
ideais católicos bem como a necessidade de apontar os seus inimigos. Uma das principais
preocupações desse semanário, em seus primeiros anos de publicação, foi demonstrar para a
sociedade sul-rio-grandense a periculosidade em dar ouvido a essas doutrinas dissidentes da
Igreja Católica.
O ataque, principalmente à religião luterana, foi muito forte devido ao fato de existir
imigrantes alemães que confessavam essa religião. Em seu primeiro número A Estrella do Sul
publica um artigo intitulado “O Culto do Diabo”. Nesse artigo, o semanário faz uma ligação
entre os escritos de Proudhon, sua referência a Satanás e também uma alusão ao fundador do
luteranismo, onde escreve:
Passemos a Lutero, o herói da liberdade de pensar. Ele se revolta contra o papado, e
sujeita-se a Lúcifer; recusa as bulas de Roma, e recebe os oráculos do inferno. E por
ele mesmo que conhecemos seus freqüentes entretenimento com Satanás, e é ele
quem nos diz como, depois de uma discussão com o príncipe das trevas se decide
abolir o Santo Sacrifício do Altar. Na realidade, Proudhon não foi mais que um
plagiário e sua invocação ao demônio se acha desde muitos séculos nas obras do
grande novador.
16
Nessa mesma citação A Estrella do Sul continua fazendo alusão a líderes fundadores
de outras denominações protestantes. Sempre utilizando a “demonização” como forma de
agendamento, ou seja, mostrando aos seus leitores que toda igreja que saiu do berço primeiro
da Igreja Católica tem uma ligação com o Diabo, demonstrando, desse modo, a nocividade de
questionamento pela comunidade de certos dogmas da Igreja.
Um ponto a ser analisado na citação anterior, era o fato do redator colocar que a idéia
de abolir o sacrifício do Altar teria sido uma idéia satânica. Sendo assim, o leitor seria
16
Auden Vida de Lutero, tomo I, p. 558 IN: A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul, Ano
I. n. 2, 2 outubro, 1862, p. 12.
25
influenciado a pensar que tudo que fugisse dos dogmas propostos pela Igreja teria uma
ligação com o Mal.
Continuando seu ataque às outras denominações, A Estrella do Sul argumenta que o
apóstolo do libertalismo na Suíça, Zwinglio, o reformador de Zurique, aboliu a superstição da
presença real, ou seja, o corpo e o sangue de Cristo, na Eucaristia, eram reais e não
representavam os mesmos. Como podemos perceber, mais um dogma da Igreja Católica.
Segundo o artigo, ele próprio declara que foi o demônio que lhe forneceu argumentos em
apoio à sua tese; e fala das familiaridades das relações que tinha com o espírito das
trevas.”
17
Vê-se aqui que novamente a Igreja, representada pela A Estrella do Sul, vai defender
os seus dogmas questionados pelos protestantes, colocando essas teorias como Mal e tendo
uma ligação com o poder das trevas. Portanto, não cabe aqui analisar se realmente Zwinglio
falou que a sua tese teria sido influenciada pelo poder das trevas. Porém, este é o
agendamento que o Semanário vai elaborar para influenciar os seus leitores, demonstrando
assim, onde estava o acerto e o erro.
Fazendo uma análise mais aprofundada desse agendamento, percebe-se que poderia se
utilizar a teoria do Monologismo de Bakhtin
18
onde o discurso é autoritário, não dá margem
ao embate das idéias, o que seria o Dialogismo. Percebe-se o discurso da Igreja como
Monológico, pois os dogmas são colocados como indiscutíveis e a crítica a esses dogmas
também. Se avaliarmos de acordo com Delumeau, na obra: História do Medo no Ocidente, a
reforma protestante:
fez triunfar em uma parte da Europa a discordância na fé, assim como a ruptura com
a comunhão hierárquica. Além disso, ela pôs em circulação as noções subversivas de
“livre exame” e de “sacerdócio universal” que podia fazer de cada cristão o juiz de
sua fé. A lógica dessas tomadas de posição, deveria conduzir a uma desvalorização
17
BOSSEUT, Jacques. História das variações. livro II. IN: A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio
Grande do Sul. Ano I. 14 dez. 1862, p. 35.
18
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Aucitec, 1999.
26
da heresia e um abrandamento da atitude do Estado diante das diversidades
doutrinárias.
19
Como se observa na citação de Delumeau, pode-se dizer que era justamente contra
esse abrandamento da vio herética pelo Estado e pela sociedade, que A Estrella do Sul
estava utilizando o medo, ligado ao conceito de demonização, como forma de agendamento.
Assim como Delumeau aponta que a reforma protestante fez com que noções subversivas na
noção da Igreja Católica como livre exame” e o “sacerdócio universal, A Estrella do Sul
também vai indicar esta “confuo doutrinária como ponto determinante no que diz respeito
à desagregação dos protestantes dizendo que a igreja protestante não é uma:
Os protestantes o divididos entre si até sobre os artigos mais importantes e mais
essenciaes. Os luteranos reconhecem uma só pessoa em Jesus Cristo; Calvino e Beza
admitem duas, como Vestoario.
Calvino diz que Deos é o autor do peccado; os luteranos dizem que isto é um erro
abominável; Luthero affirma que o Christo, segundo a humanidade, está em todos os
lugares; Zuinglio e Calvino negão.
Luthero acha na Escritura trez Sacramentos; o baptismo, a eucharistia e a penitencia;
Calvino admite os dois primeiros, rejeita a penitencia, e admitte a ordem rejeitada
por Luthero.
Zuinglio nega a penitencia e a ordem, e reconhece o baptismo e a eucharistia etc.
Onde se acha, pois a unidade no meio de opiniões tão divergentes?
João Jacques Rousseau faz a seguinte pintura dos ministros protestantes. Elles não
sabem o que acredio, nem o que querem, nem ainda o que dizem. Se se lhes
pergunta si Jesus Christo é Deos, não ousão responder; se se lhes pergunta que
mystérios admittem, o ousão responder. O interesse temporal é a única cousa, que
decide de sua fé. Não se sabe nem o que acreditão, nem o que não acreditão, não se
sabe mesmo o que fingem acreditar; a única maneira de estabelecer sua é
atacando a dos outros.20
O estratagema utilizado nesse caso é a confusão doutriria. O agendamento feito pelo
semanário vai abordar a base das várias doutrinas que fazem parte do movimento protestante,
mostrando assim que esse movimento é totalmente desagregado e confuso. Para isso, o
semanário vai usar os primeiros anos do movimento no século XVI, seus idealizadores e a
divergência entre eles. Se analisarmos a realidade protestante desse período, não era interesse
dos dissidentes protestantes terem uma unidade de pensamento, pois conforme o pensamento
19
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente – 1300-1800. Trad. Maria Lucia Machado. 4. Ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 401.
20
A Igreja Protestante não é uma. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul.. Ano I. n. 12,
14 dez. 1862, p. 87.
27
luterano, por exemplo, a interpretação da Bíblia era livre, abrindo precedente para essas várias
tendências religiosas.
Porém, um ponto exposto pela A Estrella é visível no período do século XVI: o forte
apego das igrejas protestantes ao poder político. Essa questão específica fica presente no
momento em que Lutero propõe a sujeição da Igreja ao Estado. Para a época, essa teoria teve
um caráter revolucionário, pois durante a Idade Média e a Idade Moderna, Igreja e Estado
estiveram juntas, contudo, em esferas diferentes. Essa assertiva vai ser discutida com mais
profundidade no capítulo que abordaa ligação entre Estado e Igreja.
Verificando o término da citação, fica evidente que esses ataques à Fé, foram, no
passado, sofridos pela Igreja Católica e continuavam sendo no século XIX, um problema a ser
combatido, conforme é dito no início deste capítulo “o mal gangrenoso e progressivo, que
corrompe este corpo”.
Outro mal que corrompe o corpo da Igreja Católica no Brasil, é o numero de
propaganda feita pela igreja protestante. Essa propaganda, segundo o semanário, é realizada
de forma indireta através de historietas de fundo religioso. Na citação a seguir, temos um
exemplo de como é tratado esse tipo de propaganda:
O caminho perdido – Eis o titulo d’um livrete inserto na folhinha religiosa de
Laemmert, em que, sob o véo de ridícula historieta, se pretende plantar a mais
refinada heresia sobre as ruínas d’uma crença do quase sessenta séculos; d’uma
crea que sementada no coração do homem de sair das mãos do Criador, fizera
desde então parte da natureza, e fora como a pedra de toque do coração humano, e
pela qual se chamara a imagem de Deos; em que, sob especiosas apparencias, se
tenta destruir a mesma palavra divina, e tradição de desoito séculos (...) Nessa
folhinha, acorbertado pela veneranda effigie do Soberano Chefe da Igreja, o
magnânimo pontífice Pio 9º, para melhor illudir os incautos, e pouco instruídos na
doutrina catholica, transparece o veneno do mais refinado protestantismo no
romance ou legenda O caminho perdido -, mistiforio de inépcias e sem saborias
que ella transcreve.
21
O agendamento proposto é alcançado através de um paralelo entre a tradição milenar
da Igreja Calica e sua fonte sagrada com as inovações obtidas pelo homem, ou seja, as
21
O caminho perdido. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 16. 25 jan. 1863,
p. 21.
28
religiões protestantes. Nesse caso, o ponto principal é a tradição, fazendo com que o leitor
perceba a grandiosidade de uma Instituição através da História, não dando assim, ouvido a
propagandas o recentes e nocivas à sociedade católica trazendo o desagregamento da
mesma.
Mas não foi apenas a literatura romanceada e as propagandas que ganham uma
sutileza subversiva em suas informações. Outro ataque veemente feito pela A Estrella do Sul é
contra as ditas Bíblias truncadas” que estão chegando ao Brasil por intermédio dos
protestantes. Essas Bíblias, em relação às Bíblias católicas, não possuem certos livros, e têm
algumas alterações de tradução sendo consideradas pelo semanário, Bíblias falsas, como
demonstra o artigo do Arcebispo da Bahia Dom Manoel Joaquim da Silveira:
Obedecendo ao preceito de Apostolo S. Paulo imposto á todos os Bispos na pessoa
de seu discípulo S. Timotheo de Vigiar, trabalhar em todas as cousas fazer a obra
de um Evangelista, e cumprir com o seu ministério apenas chegou aos nossos
ouvidos, que nesta cidade se andavão vendendo Bíblias falsas, e livrinhos contra a
Religião, os quais pella belleza da impressão, pelo pequeno formato, e módico preço
erão vendidos com muita facilidade por um homem, que quando se lhe oppunha
alguma duvida sobre os livros, que offerecia, declarava, que os vendia com
autorisação nossa, e assim tinha iludido a muitos incautos, foi o nosso primeiro
cuidado examinar, se o facto era verdadeiro: e inteirado infelismente de que assim
era; no intuito de desfazer sem demora o embuste, e ardil empregado, e de prevenir
os males, que delles podião resultar, ordenamos aos Reverendos Parochos desta
Capital, que estivessem de sobreaviso contra os erros, que contém essas Bíblias
mutiladas, e adulteradas, e mais livros, que os inimigos da Religião Catholica o
ceso de espalhar com o fim de induzir á seguir as suas falsas doutrinas, ou de pelo
menos instillar-lhes no animo a duvida, que em matérias de Fé approxima da
heresia, o que para os inimigos do Catholisismo é uma grande vantagem, e se
abstivessem por bem de sua salvão de possuir, o de ler essas Bíblias, e esses
livros, em que os erros se insinuão de um modo subtil de mistura com a própria
verdade.
22
Segundo a estrutura da informação, a campanha contra as Escrituras adulteradas
ganhou caráter nacional. Percebe-se assim, que o agendamento utilizado para o leitor mina,
primeiramente, a doutrina protestante mostrando historicamente que as bases desse
movimento eram controvertidas, e, por isso, não valeria a pena aderir ou dar ouvido ao
proselitismo religioso anunciado pelos protestantes.
22
Carta Pastoral do Exc. Rev. Arcebispo da Bahia. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do
Sul. Ano I. n. 16. 25 jan. 1863, p. 122.
29
Depois de uma profunda análise das ditas Bíblias adulteradas ou truncadas, o autor do
artigo vai desenvolver, em vários números das publicações da A Estrella, argumentos que
possibilitem ao leitor perceber as fraudes cometidas pelos protestantes, autores, segundo o
Arcebispo, de uma heresia. Nessa primeira citação não uma reação explícita aos
reformadores, porém, no mesmo número de edição do semanário vai haver um ataque direto à
conduta desses quanto a sua propaganda, e principalmente ao que está sendo feito com as
Bíblias e quais os seus objetivos:
Exposição da doutrina da Igreja Catholica sobre as materias de controversia por
Bossuet, - que no Rio de Janeiro fizera um Magistrado Brasileiro, diz o seguinte,
que julgamos opportuno repetir, como partindo de uma fonte tão pura quanto
respeitavel. – “Eis aqui – amados Filhos – a face horrível, com que o Protestantismo
procura representar o Culto Catholico, não so nos seus livros, e tractados polemicos,
como tambem nesses “ligeiros escriptos,” que com diversas e especiosas
denominações se o “arteiramente distribuido de envolta com as Biblias
truncadas,” e manipuladas nas officinas dessas famosas sociedades, que os seus
proprios escriptores são forçados á confessar que se “encaminhão á propagar um
vasto systema de indifferença fatal aos verdadeiros interesses do Evangelho; e que
hão sido organisados sobre um plano incompativel com a pureza do christianismo, e
perigoso para a unidade da Fé, tão instantemente recommendada por Jesus Christo, e
seus apóstolos.
As Sociedades biblicas não tem cessado de publicar Bíblias, umas inteiras, outras
truncadas; as inteiras sem erros, e sem elles tambem algumas truncadas, e somente
com falta de livros assim do antigo como do novo Testamento , e nisto é que está o
artifício, a astucia, e o laço occulto para delle apanhar os incautos: a maior parte
destas Bíblias truncadas achão-se adulteradas, e cheias de erros, que professão as
Seitas, que dellas se servem, e as fazem publicar.
A Bíblia, que aqui se tem posto à venda por preço infimo, e se tracta de espalhar,
traduzida em vulgar pelo padre João Ferreira A. d’Almeida, e Ministro pregador do
Sancto Evangelho em Batavia, terra dos protestantes, esta com o antigo Testamento
truncado; falo-lhe os seguintes livros de Tobias; de Judith; os capítulos 11, 12,
13, 14, 15 e 16 do livro de Esther; os livros da Sabedoria e do Ecclesiastico, que se
não deve confundir com o do Ecclesiastes, que é um outro livro inteiramente
differente; a profecia de Baruch; a Oração de Azarias e o Hymno dos trez Meninos,
isto é, do verso 24 do capitulo 3º de Daniel ate ao verso 90, e os versos 98, 99 e 100
do mesmo Capitulo, sendo os versos, que se leem no Capitulo de Daniel desta
Bíblia de João Ferreira A. d’Almeida de 24 á 30 os de 91 á 97 da Vulgata latina; os
Capítulos 13 e 14 do mesmo propheta Daniel; e os dous livros dos Machabeos.
23
A tradução de João Ferreira de Almeida foi a primeira feita para o português conforme
a obra A Bíblia e a sua História”
24
de Miller e Huber, editada pela própria Sociedade
23
Bíblias Mutiladas, Bíblias Falsificadas. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I.
n. 16. 25 jan. 1863, p. 123.
24
MILLER, Stephen M. e HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história – o Surgimento e o Impacto da Bíblia.
Barueri, Sociedadeblica do Brasil, p. 226.
30
Bíblica. Almeida traduziu o Novo Testamento direto do original grego. Nascido no ano de
1628, em Portugal, converte-se ao protestantismo em 1644, sendo ordenado ao ministério na
Igreja Reformada Holandesa em 1656. Foi missionário em algumas partes do mundo como:
Ceio, sul da Índia, e Java. Faleceu em 1691 sem conseguir acabar a tradução do Velho
Testamento, que foi terminada por seu colega Jacojus Akker, e teve sua publicação em 1753.
Essa ainda é, até os nossos dias, a tradução mais utilizada no meio protestante, porém, revista
e atualizada.
Outra tradução que vai ser editada no Brasil é a versão do Padre Annio Pereira de
Figueiredo que traduziu a Bíblia a partir da vulgata, entre os anos de 1772 e 1790. Essa
tradução foi publicada no Brasil em 1864, período de publicação da A Estrella do Sul. As
notas dessa Bíblia, segundo Miller e Huber, foram condenadas por Roma pelo forte apego
condescendente em dizer que os reis poderiam interferir em assuntos inerentes a questões
religiosas, problema este que o Brasil estava passando no período do Império com o
Padroado.
Segundo várias manifestações feitas pela A Estrella do Sul, esse ponto específico, o
Padroado, tinha como característica a abertura política imperial às tendências liberais ou
também chamadas de livre-pensamento. Esse pensamento assolava a Europa fazendo com
que Estados interferissem em assuntos religiosos, inclusive permitindo que houvesse certas
aberturas para religiões protestantes, mesmo sendo essas nações oficialmente católicas.
É contra essa abertura política que o semanário vai lutar, trabalhando assim, através da
imprensa, instigando o leitor, atras do agendamento utilizado, a pensar na luta política entre
católicos e protestantes, não estritamente na esfera político-religiosa, mas sim empregando a
para demonstrar o bem católico e o mal protestante, evidenciando a raiz divina de um e a
demoníaca da outra. Essa construção ideológica foi muito usada pela Igreja desde muito
tempo, por pensar a salvação dentro da tradição católica.
Esse aspecto que lida com a censura de pensamento feito pela Igreja também é
descrito por Delumeau, segundo ele, “A instituição da censura previa um pouco em toda
parte e a compilação dos índices de livros proibidos inscrevem-se no mesmo contexto
31
inquietação de diante da escala da heresia e de sua crescente difusão pela imprensa.”.
25
Conforme o pensamento de Delumeau, quanto mais heresia, mais a necessidade de censura.
A Estrella do Sul, como veículo da imprensa no Rio Grande do Sul, censura o
pensamento da cristandade quando este for contrário ao da Igreja Católica. É justamente por
isso que a linha editorial vai ser contra a política liberal e contra o Padroado como ligação do
Estado com a Igreja. Isso porque a política liberal dificultava o controle da Igreja dando
liberdade religiosa, infiltrando, assim, pensamentos doutrinários que concorriam com o
catolicismo. Em contra partida, o Padroado relaxava ao bro secular decisões que minariam a
pureza doutrinária da Igreja, pois as determinações religiosas não seriam dadas apenas pelo
Papa, mas também pelo Rei, e esse poderia ter inclinações favoráveis às religiões de outras
posões doutrinárias. Porém, essa luta da A Estrella do Sul contra o Padroado é uma questão
paradoxal, pois quando a Igreja precisa demonstrar a sua legitimidade como Igreja oficial ela
não se importa em utilizar o Padroado para respaldar essa posição.
1.2 O LIVRE-PENSAMENTO
Segundo Fernando Catroga
26
, o termo “livre-pensamentosurgiu pela primeira vez na
Inglaterra para caracterizar alguns discípulos da Royal Society de Londres. Esses pertenciam
ao anglicanismo liberal, tendência muito criticada pela A Estrella do Sul, assim como seu país
de origem, por seu posicionamento político-religioso. Essa escola inglesa era também
seguidora do pensamento deísta, e tinha como princípio a tolerância religiosa e a separação do
Estado e da Igreja. Essa tendência ganha características do racionalismo kantiano. Dentro de
um caráter mais densamente filosófico, Catroga aponta que as religiões históricas são
criticadas pelo fundamento do conhecimento ético, levado à efeito por Kant.
É importante notar que o livre pensamento, como o nome já diz, prezava pela
liberdade de pensar e a individualidade de escolhas. Esse pensamento vai se alastrar pela
25
DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente – 1300-1800. Trad. Maria Lucia Machado. 4. Ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 400.
26
CATROGA, Fernando. O livre-pensamento contra a Igreja. A evolução do anticlericalismo em Portugal
(século XIX – XX). In. Revista História das Iias. Porto Alegre: Sinodal, 2001, v. 22.
32
Europa chegando também aos países católicos pelos seus intelectuais, movimentando a
discussão da separação entre Estado e Igreja Católica e a elaboração de uma burocracia laica
desvinculada do regalismo, que imperou nas nações oficialmente católicas do século XIX.
Essas teorias filosóficas vão chegar ao Brasil principalmente por intelectuais que foram
estudar na Europa, onde esses tinham o contato com a ideologia liberal.
O século XIX foi marcado por profundas mudanças com relação à secularização da
sociedade. Difundia-se, em boa parte da sociedade ocidental, um espírito liberal que
incorporara as principais reivindicações do Iluminismo do século XVIII, ou seja, de liberdade,
igualdade e fraternidade. Esses ideais, colocados em prática pela Revolução Francesa de
1789, garantiam a liberdade e os direitos democráticos por meio de uma constituição que
limitando os poderes do monarca, desse voz ao povo.
O liberalismo que vai chegar ao Brasil tem seus ideais adaptados à realidade brasileira,
pois, mesmo que houvesse uma abertura na política nacional com relação à questão liberal
dentro do Primeiro Império, além da divisão dos poderes entre Legislativo, Executivo e
Judiciário, tinha-se o poder moderador. Esse poder dava uma governabilidade maior ao
Imperador, pois o mesmo poderia intervir em outros poderes, e até mesmo na Igreja. Percebe-
se assim que ao se consolidar o liberalismo no Brasil, o mesmo está passando por um
processo de despotismo esclarecido.
Os chamados padres liberais, segundo Matos
27
, confessavam um liberalismo teórico e
às vezes, inconseqüente. Havia mais um ideário do que um plano orgânico de ação. Não
como negar que o clero ocupava um lugar de destaque na política: dos cem deputados da
Assembléia de 1823, quase um quarto era eclesiástico.
Durante a época do Império, vemos surgir duas tendências reformistas da Igreja em
franca oposição ideológica. De um lado o movimento que pode ser chamado de regalista,
nacionalista e liberal, dirigido por um grupo muito ativo e expressivo do clero paulista entre
os anos de 1826 e 1842 em direção a formação de uma Igreja nacional. Do outro lado os
clérigos ligados a Roma respeitando as diretrizes do Concílio de Trento. Seus integrantes
27
MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando Pela História da Igreja: uma orientação para iniciantes.
Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1996.
33
propunham uma Igreja mais centralizada com nítidas compreensões doutrinárias e
disciplinárias. Alguns dos seus mais destacados representantes foram: Dom Romualdo
Annio de Seixas, arcebispo da Bahia; Dom Antônio Ferreira de Souza, bispo de Mariana;
Dom Joaquim de Melo, bispo de São Paulo, e Dom Annio de Macedo Costa, bispo do Pará.
Todos esses bispos são ferrenhos defensores da ligão com Roma. Eles aparecem citados
algumas vezes na A Estrella do Sul e Dom Sebastião Larangeiras, que é o editor da Estrella,
mantém um contato bem estreito principalmente com o bispo da Bahia e o bispo do Pará,
mostrando assim que a linha editorial da A Estrella do Sul era ligada ao clero que privilegiava
o contato com Roma.
Usando o pressuposto de que esse clero liberal estava aceitando outras tendências,
como os protestantes, e que o clero ligado a Roma não podia demonstrar esta fragmentação
entre o clero nacional e o clero romano, este preferiu atacar o protestantismo, pois essas
concepções religiosas, que já assediavam o Brasil desde o período da colônia, ganhavam força
para alcançar sua entrada no cenário nacional brasileiro. Por esse motivo a Igreja Católica
estava perdendo sua hegemonia político-religiosa e também seus fiéis.
1.3 IGREJA CATÓLICA E OS PROTESTANTES
A constituição de 1824 previa que os não católicos teriam liberdade de culto desde que
fosse praticado em lugar privado, sem aparência externa de templo, atendendo o bom número
de protestantes que vão entrar no Brasil, a partir de 1810, com a vinda da família real e
também com a abertura dos portos às nações amigas. Porém, onde mais se intensificou a
entrada de protestantes no Brasil foi em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, e em São Leopoldo,
Rio Grande do Sul. Os dois casos tiveram imigração alemã.
Em geral, o protestantismo não pretendia angariar para si novos adeptos, mas sim
ganhar fator de unidade cultural, para que os colonos se sentissem unidos pela fé trazida de
sua terra natal.
34
Por volta de 1850, a presença protestante no Brasil, conforme Matos
28
, ganha impulso
com a chegada dos missionários voltados à propagão de suas convicções religiosas. No
período em que A Estrella do Sul é publicado, além dos luteranos, temos no Brasil a Igreja
Congregacional que foi primeiramente estabelecida pelo doutor Robert Raid Kaley, médico
amigo de Dom Pedro II. Em 1855 ele criou uma escola dominical em Petrópolis, e três anos
depois, fundou a Igreja Evangélica Fluminense, núcleo da Igreja Evangélica Congregacional
Cristã do Brasil.
Outra denominação religiosa que chegou ao Brasil no período do Império, em 1859,
foi a Igreja Presbiteriana, com Ashbel Green Simonton. No Rio de Janeiro foi fundada a
primeira igreja Presbiteriana em 1862, ano de início da A Estrella do Sul. Esta tornou-se a
denominação que mais rapidamente se expandiu no século XIX, em particular na província de
São Paulo. Seu primeiro pastor brasileiro foi o ex-sacerdote católico José Manoel da
Conceição. O presbiterianismo criou uma extensa rede de ensino, fundando, entre outros, a
Escola Americana em São Paulo, hoje Universidade Mackenzie. É nesse sentido, atacando o
fundador dessa igreja, que A Estrella do Sul utilizou o sistema de colocar todas as pessoas que
contradiziam os preceitos religiosos da Igreja Católica, como ligadas ao demônio, pois um
dos fundadores da igreja Presbiteriana é Calvino que, ao lado de Lutero, foi muito criticado
pela A Estrella do Sul.
A Igreja Metodista, que se fixou também no Rio de Janeiro em 1867, se instalou nas
cidades e sua base de expansão foram os colégios com novas tendências pedagógicas, o que
foi muito bem aceita na elite comercial brasileira. O missionário metodista Daniel Parish
Kidder foi o primeiro correspondente da Socidade Bíblica Americana. Justamente contra essa
sociedade, que a Igreja Católica, alertada pelo bispo da Bahia, lutou contra as Bíblias
truncadas ou mutiladas.
Com relação à abertura religiosa feita pelo Império, A Estrella do Sul se posicionou
veementemente contra essa situão. A linha editorial do semanário começa a publicar trechos
de pronunciamentos no plenário da Assembléia Provincial do Rio Grande do Sul. Esses
pronunciamentos demonstravam o conflito entre forças políticas que apoiavam essa nova
28
MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando Pela História da Igreja. Belo Horizonte: Editora O Lutador,
1996.
35
condição religiosa que entrava no Brasil, e aqueles que se mantinham fiéis às determinações
da Igreja tendo a mesma como oficial do Estado. A seguir, temos um desses discursos feitos
por Sr. Barcellos, deputado alinhado à oficialidade da fé católica:
Sr. presidente, pouco direi na questão, porque alem de não estar habilitado para
entrar no essencial della que foi trasido á casa, accresce que o acho inconveniente.
Limitar-me-hei, pois, Sr. presidente a argumentar, com a letra e espírito de nossa
Constituição; e o faço, posto que tivesse tenção de votar silencioso: porque o
nobre deputado achou-me em contradicção á vista do meu procedimento...
O “Sr. Martins: - Contradicção não: pelo menos grande egoísmo.
O Sr. Barcellos: - ainda peior; mas eu mostrarei que não é egoísmo nem
contradicção.
Diz a nossa Constituição, Sr. Presidente, no artigo 179§ o seguinte: (lê) Ningm
pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado, eo
offenda a moral publica. Tendo disposto no art 3º - A Religião Catholica
Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras
Religiões serão permittidas com o seu culto domestico, ou particular em casas para
isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
Vemos, pois, Sr. Presidente, que a nossa Constituição, respeitando em grande parte
os princípios tão brilhantemente sustentado pelo nobre deputado acerca da liberdade
religiosa, estabelecendo a do Estado, permittiu todas as outras; determinou
positivamente que todas ellas fossem permittidas, e que ningm podesse ser
perseguido por motivos de religião, não offendese a moral publica. Mas, Sr.
Presidente senão está na protecção que o Estado deve dar á Religião Catholica
Apostólica Romana a distincção principal que a Constituição faz entre ella e as
outras religiões; em que consistirá essa differença? Como é que nós poderemos
chamar a Religião Catholica Apostólica Romana Religião do Estado, uma vez que
todas as outras são permitidas, e a nação as subvenciona da mesma maneira que o do
Estado?
29
A grande questão discutida no discurso do Sr. Barcellos remonta o problema da
oficialidade da Igreja Católica pensada por ele como sendo a única a ser publicamente
cultuada no Brasil, devido o fato de ser ela a Igreja oficial e de que as outras igrejas deveriam
ficar na clandestinidade e principalmente não serem subvencionadas pelo Estado. Essa
discussão aconteceu porque havia um projeto de lei para ajudar os colonos protestantes a
terem um pastor que pudesse atendê-los nas questões religiosas na colônia. Visivelmente, o
Sr. Barcellos foi um dos nomes que defendeu a Igreja e seu espaço para que o Estado não
viesse a fazer concessões contrárias à Constituição de 1824, aqui no Rio Grande do Sul.
29
Discurso do Sr. Barcellos. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 9. 30 nov.
1862, p. 66 e 67.
36
Se ponderarmos o contexto geral em que esse fato foi elucidado, percebe-se,
nitidamente, que havia uma luta de forças não apenas no âmbito religioso, mas também no
meio político. Em um dos pronunciamentos feitos na Assembléia, e publicados pela A
Estrella do Sul, um dos deputados vai dizer que os colonos que eram protestantes também
pagavam impostos, portanto, o Estado tinha como obrigação ajudá-los no que diz respeito às
questões religiosas, assim como os católicos também recebiam esses direitos. Segundo Dreher
esses:
protestantes eram tolerados mas inelegíveis e passíveis de prisão caso fizessem
propaganda do seu credo, os protestantes viram-se confrontados com a situão de
serem de fato cidadãos de segunda categoria. Como obter carta de identidade se o
catolicismo era a religião oficial e se seu batismo seria reconhecido? A solução
mais simples foi, muitas vezes pressionar os imigrantes para que se tornassem
católicos.
30
Justamente devido o fato dos protestantes terem que se tornar católicos, que A Estrella
do Sul vai mostrar que os protestantes que voltam à fé católica, nada mais fazem do que voltar
novamente ao seio do cristianismo verdadeiro. Ainda segundo Dreher, os problemas dos
protestantes aqui no Brasil, especificamente no Rio Grande do Sul, não acabavam por aí.
Além de não terem registro civil, a única maneira de conseguirem um matrimônio válido, era
realizá-lo na presença de um sacerdote católico. Aquele que não fizesse isso viveria em
concupiscência e seus filhos seriam considerados ilegítimos, e conseqüentemente, não
herdariam seus bens. Casando-se na presença de um sacerdote abjuravam a fé. Conforme o
autor, o casamento protestante foi finalmente definido por lei, decreto de 21 de outubro de
1865, e exigiu que filhos de matrimônios mistos fossem realizados na Igreja Católica.
Se avaliarmos o contexto da época, mesmo com essa cláusula, de acordo com Dreher,
concorda-se que “esse decreto foi um avanço pois permitia que os não católicos casassem
perante um pastor e sua união tivesse todos os direitos civis que o Império atribuía a um
casamento católico.”
31
30
DREHER, Martin N. População Rio-Grandense e Modelos de Igreja. Porto Alegre: Edições: Sinodal, 1998,
p. 25.
31
DREHER, Martin N. População Rio-Grandense e Modelos de Igreja. Porto Alegre: Edições: Sinodal, 1998,
p. 26.
37
Muitos foram os artigos publicados pela A Estrella do Sul sobre o casamento misto e a
relação com o protestantismo e o relaxamento por parte do Estado, que de acordo com o
Semanário:
De há muitos annos que o protestantismo busca implantar-se e propagar-se no
Brasil; e diz-nos a philosophia da historia que, não podendo elle vencer o povo pelas
armas, dos huguenotes e dos batavos, tem buscado conquistar o governo pelas
artimanhas da colonização.
E o governo tem sido conquistado pelo protestantismo, graças ás doutrinas do
regalismo, professado por quase todos os nossos ministros, deste ou daquelle outro
matiz político.
Não ainda muito, um ministro da coroa, por influencia do protestantismo, propoz
o casamento civil, que não é hoje lei do estado, graças á voz enérgica de dous ou três
Prelados, que protestarão altamente contra essa lei subversiva da paz das famílias, e
da dignidade do contracto matrimonial. s vemos, com profunda magoa,
levantarem-se no Brasil e com dinheiro dos catholicos, casas de oração para
protestantes; em quanto as nossas velhas matrizes desabam em ruínas; e no budget
do estado se paga a ministros protestantes côngruas superiores ás dos nossos
parochos.
Nós vemos que, em quanto os nossos frades por ahi se anniquilão, missionários
protestantes, affrontando a Religião do estado e as próprias leis do Paiz, pregam
publicamente suas heresias, espalhão seus livros perversos, em que se combatem
não jámente os cânones da disciplina ecclesiastica, mas até os pprios dogmas da
Religião: e esses missionários do erro são escutados pelas bayonetas da policia
contra a indignação publica.
32
Isso representava um perigo muito grande para a Igreja Católica, pois permitia que o
protestantismo se infiltrasse no seio das famílias, em sua maioria católicas, aumentando, dessa
forma, o proselitismo religioso. Esse fato recebeu um tratamento muito especial por esse
Semanário:
Examinando pois com cuidado todos os factos dos povos desde seo berço, a
Estrella do Sul conseguirá provar, que a felicidade para o homem o se encontra
senão no seio da religião catholica, e que as doctrinas destes fingidos apóstolos, por
toda parte por onde passão, derramão sangue e só deixão ruínas, oppressão e
desgraças, sendo-lhes o caminho da paz desconhecido; que estas doctrinas pregadas
contra a Igreja, são falsas (indignas) e heréticas; causão desordens no estado, levão o
pranto no seio das famílias; plantão a anarchia; aterrorisão os fracos; abalão as
consciências e são contrarias as leis e consituiçoens que regem os povos.
33
32
Protestantismo no Brasil I. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 13. 03
jan. 1886, p. 98.
33
Introdução. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 1. 5 out. 1862, p. 3.
38
Devido o fato dessa dita “desordem” é que Dom Sebastião Larangeiras, bispo do Rio
Grande do Sul, vai à região de colonização alemã. Larangeiras se preocupou muito com essa
região, pois, por ser um ultramontano não aceitava que entre suas responsabilidades
espirituais, ou seja, entre seu rebanho, tivesse um focoo grande do protestantismo.
Dentro da abordagem que foi dada ao livre pensamento e ao protestantismo, na visão
da A Estrella do Sul, esses dois temas são colocados no mesmo contexto, pois não haveria a
oportunidade de sua entrada, principalmente no Brasil, assim como foi no mundo, ou pelo
menos sua ampliação, se não fosse pelo pensamento liberal. Então, liberalismo e
protestantismo são encarados como sinônimos pela A Estrella do Sul, porém, um no âmbito
político e filosófico e o outro, o protestantismo, em seu braço religioso.
Segundo Pimentel
34
falando sobre esse período na Europa, especificamente em
Genebra, é feito o Congresso Internacional pela Paz, iniciativa tomada por antigos inimigos
da Igreja. Entre eles estavam os protestantes, os livre-pensadores presididos por Garibaldi, um
notório anticlerical e anticatólico. Ousaram estar também nessa reunião os padres liberais
Gratry e Jacinto, agregando-se e formando a Associação dos Amigos da Democracia e da
Liberdade, cujo encargo principal seria construir uma confederão de democracias livres ou
Estados Unidos da Europa.
O contexto abordado na Europa também pode ser detectado no Rio Grande do Sul,
pois, segundo A Estrella do Sul:
O Simples exame do corpo social manifesta claramente em todas as suas partes o
mal gangrenoso e progressivo, que corrompe este corpo. O Homem despreza a
crea em Deus; escuta doutrinas perversas; atende o interesse de um instante como
a única e suma idéia que o regula.
35
O medo de A Estrella do Sul era que esse pensamento se alastrasse. É justamente
tentando conter esse mal gangrenoso que se estendia, que vão ser feitas as críticas. Primeiro,
defendendo a tradição da Igreja Católica, uma instituição milenar. Segundo, demonizando
34
PIMENTEL, Mesquita. O Liberalismo Ontem e Hoje. Petrópolis: Vozes, 1951, p. 61, v. 23
35
Introdução. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 1. 5 out. 1862, p. 1.
39
tudo o que fosse contrário à mesma, utilizando também o seu poder ideológico para fazer com
que seus fiéis se mantivessem no seio da Igreja e não aderissem ao proselitismo religioso dos
protestantes e às tendências políticas dos liberais.
O agendamento, transmitido pela A Estrella do Sul, foi muito lido, ou seja, ela
minou a base de seus inimigos, transferindo para eles os problemas religiosos demonstrando
assim a unidade da Igreja Calica e a confiabilidade dessa Instituição. Essa técnica fica
evidente, pois, em um peodo de oito meses, do dia 14 de dezembro de 1862 a 16 de agosto
de 1863, houve dezessete artigos referentes à religiosidade católica e às ditas novas
concepções religiosas, leia-se: protestantismo e sua relação com a Igreja. Nesses dezessete
artigos não estão contabilizados os pronunciamentos da Câmara dos Deputados sobre a
relação protestante e a política da província. Esse estilo de agendamento seabordado no
terceiro capítulo.
Analisando quantitativamente esse período perceberemos que são dois artigos por mês
sem contar os pronunciamentos da Câmara que versam sobre o assunto: relação política e
religiosidade. Levando em conta que A Estrella do Sul é um periódico semanal, teremos uma
boa relação de agendamentos sobre esse assunto.
Dentro do agendamento geral desse capítulo os inimigos da católica e o mal
gangrenoso da sociedade - a relação da Igreja Católica com outros credos, além do
protestantismo, também se faz presente. A tática utilizada pela Igreja para trazer a
descredibilidade destes foi a demonização dos contrários à fé católica. Essa tica era usada
como meio de defesa de seu espaço político e social, como abordado anteriormente. No
decorrer dos anos, em suas páginas, percebemos que os ataques a essas instituições passam de
um caráter subjetivo para um caráter objetivo e bastante palpável, exemplo disso foi o artigo
publicado na A Estrella do Sul pelo Papa Pio IX, o grande adversário no campo religioso e
social da maçonaria no mundo. Nesse artigo, Pio IX ressalta a necessidade dos fiéis se
manterem alerta com relação a essa sociedade secreta, como se examina a seguir.
40
1.4 A IGREJA CATÓLICA E A MAÇONARIA
Pio IX, no artigo referido na seção anterior, ressalta a necessidade dos fiéis se
manterem alerta com relação à maçonaria:
Allocução do Sanctissimo Padre Pio IX no ultimo consistorio celebrado em Roma
<<Veneraveis irmãos.
<<Entre as numerosas machinações e artificios com que os inimigos do nome
christão teem ousado atacar a Egreja de Deos, pretendendo abala-la e sitia-la por
meio de esfoos, na verdade superfluos, deve, sem duvida contar-se essa sociedade
perversa de homens, vulgarmente chamada maçônica, que contendo-se de principio
nas trevas e na obscuridade, conseguio depois manifestar-se á luz do dia, para ruina
da religião e da sociedade humana.
<< Desde que os nossos predecessores, os Pontífices Romanos, fieis ao seo officio
pastoral, descobriram as suas traições e fraudes, só pensaram em que não deviam
perder um momento em combater, com a sua auctoridade, e sem ferir, fulminar com
uma sentença condemnatoria, essa seita de aspirações criminosas, e que é adversaria
das causas sanctas e publicas.
<<O nosso predecessor Clemente XII, pelas suas lettras apostolicas, proscreveo e
reprovou aquella seita, e dissuadio todos os fieis não só de se associarem a ella, mas
de a promoverem e animarem, de qualquer maneira que fosse, attendendo que
similhantes actos eram castigados com a pena de excommuno, a qual póde ser
levantada pelo Pontífice.
<<Benedicto XIV confirmou pela sua constituição esta justa e legitima sentença de
condemnação, e o deixou de exhortar os principes soberanos catholicos a que
consagrassem todas suas forças e toda sua solicitude na repressão d’aquella seita tão
immoral, e a que defendessem a sociedade contra o inimigo commum.
36
Novamente, assim como ocorreu com o protestantismo, a maçonaria ganha o mesmo
grau de periculosidade para a sociedade católica sendo também utilizado o sistema de
demonização para trazer à tona a criminosa atuação dessa sociedade para com os preceitos
católicos. Porém, a maçonaria tem um agravante, por ser secreta, era mais difícil de ser
detectada no meio social diferente do protestantismo que brigava para ter seu culto público.
No campo do agendamento, percebe-se que a imposição da demonização para tentar
manter o domínio da atenção dos fiéis foi utilizada por vários assuntos no decorrer do
processo das publicações feitas pelo Semanário. Ainda sob a maçonaria, fica presente que
36
Allocução do Sanctissimo Padre Pio IX no ultimo consistorio celebrado em Roma. A Estrella do Sul. Porto
Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 10. 10 dez. 1865, p. 81 e 82.
41
durante a história do Rio Grande do Sul ela teve um papel político bastante forte. É
importante ressaltar que o Semanário se posiciona claramente contra a maçonaria apenas em
um artigo. Contudo, esse artigo foi publicado a partir dos escritos do Papa elevando-o a um
grau de importância ainda maior. Nesse contexto, percebemos que por vários artigos essa
relação entre Igreja e Maçonaria é presente, porém, não é dado o nome específico e direto de
maçonaria, mas sim ressaltando os pressupostos liberais.
Segundo Colussi, “desde a Independência e do primeiro império, a participação deles
na vida política ocorria com naturalidade, de tal forma que muitos padres assumiram
posturas liberais, o que facilitava uma aproximação com a maçonaria”
37
. Nesse caso,
evidencia-se que uma parcela da sociedade sacerdotal católica ligada ao clero nacional tinha
uma proximidade com a maçonaria e devido este fato, era necessário que os órgãos defensores
da Igreja se pronunciassem, o que vai ser feito pela A Estrella do Sul. No terceiro capítulo,
aprofundando um pouco mais esse assunto, ficará evidente que D. Sebastião, nos anos
posteriores ao fim da publicão da A Estrella do Sul, foi um árduo inimigo da maçonaria no
Rio Grande do Sul, porém este não é o foco privilegiado neste trabalho.
A técnica do agendamento, em relação à maçonaria, mostra que mesmo as críticas
sendo bastante subjetivas, pelo menos um artigo foi claramente exposto contra essa sociedade
secreta. Além disso, fica evidente que esse agendamento estava dentro de outro maior que
ressaltava os inimigos da calica. Perceberemos assim, que o problema entre a Igreja
Católica e a maçonaria não ficava estritamente no campo ideológico, mas sim, no campo
político, como veremos abaixo:
<<Prouvera a Deos que esses monarchas houvessem prestado attenção ás palavras
do nosso antecessor! Prouvera a Deos que em questão de tal importancia houvessem
procedido mais energicamente. Não teriamos, de certo, nem tambem nossos paes,
que deplorar tantos movimentos sediciosos, tantas guerras incendiarias, que pozeram
toda a Europa em fogo, nem tantos males amargos que provaram e ainda hoje
provam a Egreja.
<<Mas estando longe de extinguir-se o furor dos máos, Pio VII, nosso predecessor,
ferio de anathema uma seita de origem recente, o carbonarismo, que se tinha
propagado principalmente na Italia; e Leão XII, inflammado do mesmo amor pela
salvação das almas, condemnou, pelas suas lettras apostolicas, não as sociedades
secretas que mencionamos, mas tambem quaesquer outras, sem distinção de nomes,
que conspirassem contra a Egreja e poder civil, e prohibio-as a todos os fieis, sob a
gravissima pena de excommunhão.
37
COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria Gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Editora UPF, 2003, p. 368.
42
<<Todavia, estes esforços da Apostolica não tiveram o exito que se esperava. A
seita maçônica de que fallamos não foi vencida nem aniquilada; pelo contrario tem-
se de tal maneira desenvolvido, que n’estes dias o difficeis, campeia ella por toda a
parte, com impunidade, levantando com altivez a fronte audaciosa.
<<Temos, portanto, pensado que nos devemos occupar novamente d’este assumpto,
tendo em vista que, talvez pela ignorancia dos criminosos manejos que se agitam
clandestinamente, poderia surgir a falsa opinião de que a natureza d’essa sociedade é
inoffensiva, e de que essa instituição não tem outro fim mais do que socorrer os
homens, e ir em seo auxilio na adversidade, e de que a egreja de Deos nada tem a
temer com essa sociedade.
<<Quem não comtudo quanto essa opinião está longe de ser verdadeira? Que
quer para si essa associação de homens de todas as crenças, de todas as religiões?
Para que servem essas reuniões clandestinas, e esse juramente tão rigoroso, que os
iniciados prestam, e que os obriga a nada revelarem do que possa dizer respeito á
associação? Para que serve essa atrocidade inaudita de penas e castigos a que se
sujeitam os iniciados no caso de faltarem á jurada? Por certo deve ser impia ou
criminosa a sociedade que assim foge do dia: <<O que procede mal, diz o apostolo,
aborrece a luz.>> Quanto são differentes d’essa associação, as piedosas sociedades
de fieis, que florescem na egreja catholica! N’ellas não ha reticencias, não ha
obscuridades: a lei que as rege é clara para todos; claras são tambem as obras de
caridade que practicam segundo a doctrina do Evangelho.
<<Assim, não podemos ver sem dor que sociedades catholicas d’essas, tão salutares
e beneficas para excitar a piedade e auxiliar os pobres, tenham sido aggredidas e
mesmo destruidas em alguns logares, em quanto, pelo contrario, é favorecida, ou
pelo menos consentida a tenebrosa sociedade maçonica, o inimiga da Egreja de
Deos, tão perigosa até para a segurança dos reinos!
38
A relação da política brasileira com a maçonaria já vinha de longa data. Essa relação
fica evidente, por exemplo, na disputa entre os dois partidos no período imperial o
Conservador e o Liberal. Geralmente os políticos liberais tinham um forte apelo maçônico. Na
hisria rio-grandense também é clara a importância da maçonaria na Revolução Farroupilha.
Um dos pontos relevantes da citação acima é a luta de Pio IX contra os carbonários, uma
sociedade italiana que teve um importante papel na unificação desse país e que também
influenciou de certa forma a política rio-grandense, pois no processo da Revolução
Farroupilha houve a influência de Giuseppe Garibaldi, um conhecido carbonário que lutou
juntamente com os farrapos contra o poder central da coroa brasileira.
Outro ponto importante do texto é sobre a desconfiança da Igreja Católica com relação
a essas sociedades por serem sociedades secretas. Esse fator trazia dificuldade à Igreja na
análise delas, que nesse período os membros dessas sociedades dificilmente expunham
publicamente os detalhes internos das mesmas. Nesse caso, a Igreja agenda que se fosse algo
bom não precisaria ficar secreto e que se era secreto era porque algo errado estava sendo feito
38
Allocução do Sanctissimo Padre Pio IX no ultimo consistorio celebrado em Roma. A Estrella do Sul. Porto
Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 10. 10 dez. 1865, p. 81 e 82.
43
e por isso poderia existir uma ligação com os poderes das trevas. Por esses motivos os fiéis
deveriam se afastar dessas sociedades que tinham como princípio destruir a Igreja Católica.
Prosseguindo a citação:
<<Veneraveis irmãos, experimentamos o maior pezar e amargura, vendo que
algumas pessoas, quando se tracta d’esta seita reprovada segundo as constituições de
nossos predecessores, se mostrem tão frouxas, quase avassalladas, quando n’um o
grande negocio as exigencias das suas funcções e do seo cargo determinavam que
mostrassem a maior actividade.
<<Se essas pessoas pensam que as constituições apostolicas, publicadas sob pena
d’anathema, contra as seitas occultas e seos adeptos e fantores, o teem nenhuma
força nos paizes onde as ditas seitas são toleradas pela acutoridade civil, essas
pessoas estão seguramente n’um grandissimo erro.
<<Como sabeis, veneraveis irmãos, já temos reprovado e reprovamos hoje de novo e
condemnamos a falsidade d’essa doctrina. O poder supremo, poderá
effectivamente, para apascentar e dirigir o rebanho universal, que na pessoa do
bemaventurado Pedro, os Pontifices Romanos acceitaram de Christo, e o poder
supremo que devem exercer na Egreja, depender do poder civil, ou poderiam por
qualquer razão ser constrangidos e violentados por elle?
<<N’estas circumstancias, com receio de que homens imprevidentes e a mocidade se
deixem perder no principio; e com receio de que o nosso silencio não auxilio ao
erro, resolvemos, veneraveis irmãos, levantar a nossa voz apostólica. E confirmando
aqui, perante vós, as constituições dos nossos predecessores, pela nossa auctoridade
apostólica, reprovamos e condemnamos essa associação maçonica e as outras
sociedades da mesma especie, que, embora sendo de fórma differente, tendem para o
mesmo fim, e conspiram aberta ou clandestinamente contra a Egreja e os poderes
legítimos, e queremos que as citadas sociedades sejam havidas por proscriptas e
reprovadas por s, sob as mesmas penas que as que estão especificadas nas
constituições anteriores dos nossos predecessores, e isto para todos os fieis em
Christo, de qualquer condição, cathegoria, dignidade, e por toda a terra.
<<Agora nos resta, para satisfazer aos votos e á solicitude do nosso paternal
coração, advertir e excitar os fieis que se tiverem associado a seitas d’esta natureza,
a que devem obedecer a mais sabias inspirações e abandonar esses funestos
conciliabulos, para que não sejam arrastados no abysmo da vida eterna.
<<Quanto aos outros fieis, cheio de solicitude pelas almas, exhortando-as com força
a que se guardem contra discursos pérfidos de sectários, que, sob apparencia
honesta, estão inflammados de odio ardente contra a religião de Christo e a
auctoridade legitima, e que só teem um pensamento unico: derrubar todos os direitos
divinos e humanos; fiquem sabendo que os filiados em taes seitas são como esses
lobos que Christo, Senhor Nosso, predisse deverem vir, cobertos de pelles de
cordeiro, para devorarem o rebanho; fiquem sabendo que são do numero d’aquelles,
cuja sociedade e acesso de tal modo nos prohibio o apostolo, que elegantemente
prohibio que sequer lhe disséssemos: Ave (Deos te salve). Permitta Deos, rico de
misericórdia, ouvindo as preces de nós todos, que com o auxilio da sua graça, os
loucos voltem á razão, e os homens illudidos entrem no caminho da justiça! Permitta
Deos, que depois do castigo dos homens pervertidos que, por meio das sociedades
acima mencionadas, se entregam a actos impios e criminosos, a Egreja e a sociedade
humana possam ver-se desaffrontadas algum tanto de males o numerosos e
inveterados!
<<Para que os nossos votos sejam ouvidos, oremos tambem á nossa intercessora
juncto de Deos clementissimo, á Sanctissima Virgem, sua mãe immaculada desde o
nascimento, á qual foi dado esmagar os inimigos da Egreja e os monstros do erro;
imploremos egualmente a protecção dos bemaventurados apóstolos Pedro e Paulo, a
cujo glorioso sangue se consagrou esta cidade.
44
<<Confiamos em que, com o seo auxilio e intercessão, alcançaremos mais
facilmente o que pedimos á bondade divina.>>
39
Se analisarmos a concepção de crime e de erro, exposta a partir da citação acima,
perceberemos que essas duas palavras estão relacionadas negativamente às sociedades que são
contrárias às concepções da vida religiosa católica, ou seja, são criminosas e erradas todas as
seitas, religiões, sociedades secretas que estavam fora do seio da Igreja, isto é, há acerto e
só há salvação se as pessoas estiverem dentro do seio da Igreja Católica Aposlica Romana e
que nada mais traz a verdade, senão ela.
Dentro da concepção geral desse agendamento, percebe-se que era necessário fazer
dos leitores pessoas fiéis aos preceitos católicos, alertando a estes os problemas que poderiam
advir das novas tendências religiosas e de condutas morais proclamadas nos meios seculares
da sociedade. O retorno desse agendamento ficará mais evidente nos pronunciamentos dos
políticos na Câmara dos Vereadores, no terceiro capítulo, pois perceberemos o que estava
sendo cogitado na elite política do Rio Grande do Sul referente à religiosidade.
39
Allocução do Sanctissimo Padre Pio IX no ultimo consistorio celebrado em Roma. A Estrella do Sul. Porto
Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 10. 10 dez. 1865, p. 81 e 82.
45
CAPÍTULO 2
2 A POLÍTICA E A ESTRELLA DO SUL
Este capítulo se propõe a aprofundar o estudo da relão Estado e Igreja no Brasil,
abordando o posicionamento da A Estrella do Sul referente a essa relação. Vale lembrar
também que a sistemática do agendamento proposto segui esta linha de pensamento: A
Estrella do Sul é um agente comunicador oficial da Igreja Católica, e, portanto, exalta sua
defesa, ficando bem presente assim que a mesma, sempre que necessário, faça uso de suas
linhas para demonstrar fidelidade aos seus ideais.
2.1 RAÍZES DA RELAÇÃO ESTADO E IGREJA NO BRASIL
Para compreender a relação entre Estado e Igreja no Brasil, no período do Segundo
Império, é necessário retornar aos últimos momentos do período colonial e à herança que
Portugal relegou o Brasil nesse período através de políticas de modernização do Estado, a
partir do Movimento da Ilustração na Europa. Na relação construída entre Estado e Igreja no
decorrer da História brasileira, percebe-se que o Estado e a Igreja Católica em Portugal, em
boa parte dos momentos históricos, estiveram juntos devido o fato de Portugal ser
notoriamente uma nação católica, e, portanto, ter uma relação estreita com a Santa Sé, mesmo
que em certos momentos essas relações ficassem estremecidas.
Um desses momentos aconteceu quando o Marquês de Pombal tomou a frente dos
negócios da coroa portuguesa. Esse político, notoriamente adepto do refreamento do poder da
Igreja, tenta balizar os poderes do Estado, da Igreja e suas relações. Isso porque dentro da
relação entre Estado e Igreja várias ideologias pairavam no período de Pombal, como por
exemplo, o Galicanismo, que segundo Azzi,
46
passou a ter uma influência mais significativa na política religiosa de Portugal,
reforçando-se, por conseguinte, o espírito regalista. Na realidade, o regalismo como
concepção teórica e prática de uma vinculação mais forte da Igreja local ao poder do
Estado mediante maior independência com relação à Santa , não foi exclusivo na
época pombalina, estando presente aliás, em outras nações.
40
Fica evidente assim que tanto o Galicanismo quanto o Regalismo eram práticas
características do despotismo esclarecido e vão chegar ao Brasil na forma do padroado real.
Porém, é importante ressaltar que essa construção ideológica teve um tempo de duração muito
extenso. No que se refere a essa questão, principalmente em Portugal, o Regalismo e o
Galicanismo tiveram dois nomes que se destacaram, sendo eles: Gerson e Antônio Pereira de
Figueiredo. Este, segundo Azzi,
nascido em 14 de fevereiro de 1725, Pereira de Figueiredo estudara inicialmente
com o jesuítas. Após um período num mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra,
transferiu-se para a Congregação do Oratório em Lisboa. Os religiosos desse
instituto eram então, considerados os mais avançados expoentes da cultura
eclesiástica lusitana. Teólogo e Canonista dotado de rara erudição, Pereira de
Figueiredo publicou já em 1752 um novo método de gratica latina onde se
questiona o todo de ensino jesuístico. Suas obras de cunho teológico e jurídico
foram da maior imporncia para os novos rumos da Igreja luso-brasileira.
A obra mais importante de Antonio Pereira de Figueiredo, a respeito das relações
entre o poder régio e a Santa Sé, tem como título.” (De Suprema Regum).
As teses nas quais defende o poder dos reis sobre o clero constitui a mais importante
obra do direito público a esse respeito.
41
Pereira de Figueiredo baseia-se também nos escritos de Gerson que visavam à divisão
do poder entre Estado e Igreja. Essas idéias estavam de acordo com o pensamento pombalino.
Devido esse aspecto, essa ideologia foi bem aceita pelo Estado vigente de Pombal. É
importante ressaltar que A Estrella do Sul faz também uma crítica a Antônio Pereira
Figueiredo, pois a tradução da Bíblia para o Português da Vulgata Latina feita por ele estava
entrando no Brasil. O posicionamento do semanário ligado a Roma não aceitava que um
teólogo que tinha uma ligação muito estreita com o Regalismo pudesse produzir a tradução da
Bíblia e que esta pudesse ser disseminada no Brasil, pois, segundo o Concílio Tridentino, a
40
AZZI, Riolando. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal. São Paulo: Edições Paulinas, 1991, p. 137.
41
AZZI, Riolando. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal. São Paulo: Edições Paulinas, 1991, p. 138 e
141.
47
Bíblia deveria ficar sob posse dos sacerdotes e não deveria circular nas mãos dos fiéis. Desta
forma, a atuação de Pereira de Figueiredo contradizia as determinações do Concílio. Além da
Bíblia ele teve uma produção bastante extensa relacionada aos assuntos religiosos.
A Igreja Católica, em contrapartida, se declarará contra esse posicionamento político
devido o confronto do liberalismo e do catolicismo. Essa relação entre o Estado português e a
Igreja Católica, que estava estremecida, chega ao Brasil, a partir de 1908, com a família
real. Esse estremecimento é ainda mais preocupante que nesse momento os resquícios da
Revolução Francesa estão assolando a Europa com as idéias de cunho liberal desafiando o
poder da Igreja, pois na expansão de Napoleão, o mesmo faz do Papa seu refém.
2.2 O PROGRESSO
Um tema muito explorado pelo agendamento da A Estrella do Sul foi a relação do
progresso e do espaço do clero no Brasil, e suas trocas com a Igreja Católica mundial.
A partir de 1815, Roma tenta novamente restabelecer a oficialidade de seu Estado e
passa a ser uma grande opositora do liberalismo e tinha medo de toda e qualquer situação de
avanço, evolução ou novidade. Esse assunto é de tanta importância para o momento histórico,
que mesmo tendo passado quase cinqüenta anos, ganha um grau de relevância, pois é
publicado, na A Estrella do Sul, um artigo referindo-se ao progresso e sua temeridade em
relação ao mesmo.
Porem, dirão ainda os philosophos modernos, nós temos, com especialidade cem
annos, feito vastos progressos nas sciencias physicas e moraes, na agricultura, nas
artes, na política, na literatura, emfim estamos mais civilisados, isto é, mais longe do
estado de selvageria do que nossos paes. Tudo isto é muito fácil de dizer: vejamos
onde está o verdadeiro progresso. Nós não desconhecemos que as sciencias exactas
e physicas tenhão-se adiantado muito, porém nos ternão ellas mais felizes, mais
religiosos do que outr’ora? Acabamos de fallar da principal invenção de nossos dias,
do vapor, que tem como causado uma revolução no mundo. Esta descoberta não tem
servido por ora senão para fazer-nos viver muito menos que nossos paes, e
multiplicar nossos trabalhos, preoccupações, assim como nossas anciedades e penas
emfim ella nos arruína mais depressa, porque esta agitação continua das viagens
rápidas, de um commercio gigantesco, de emões que succedem ás reflexões
calmas dos espíritos de outr’ora nos tornão incapazes de gozar: o instrumento cujas
cordas estão sempre e violentamente estendidas não póde durar muito tempo. Assim
48
é claro que entre as classes industriaes e commerciaes, para as quaes o vapor tem
feito as maiores maravilhas, hoje muito menos longevidade que entre os
agricultores e trabalhadores dos campos. Todas estas bellas invenções de maquinas
que se apresentão tão orgulhosamente em as nossas exposições universaes, o teem
alongado a vida humana, nem diminuído a pobreza e a miria das massas, nem
produzido maior paz e harmonia na sociedade – ao contrario ellas tem sido a origem
de algumas fortunas colossaes e creado no commercio esta insaciável concurrencia
que tem destruído a boa fé e facilitado immensa fraudes nas altas regiões da finança
e tornado quase todos os commerciantes insignes monopolistas pela falsificação
espantosa de todos os viveres! Havenisto progresso ou decadência. A resposta é
fácil.
42
Percebe-se no início do texto que o mesmo está se referindo principalmente à
realidade européia de progresso já que esse processo no Brasil teve uma evolução mais lenta.
O autor prossegue:
A medecina tem feito progressos segundo elles dizem. Porém não será certo que ella
ainda não conseguio prolongar a vida e diminuir o numero das moléstias? E será
preciso provar que não há hoje sciencia em que se encontre maior numero de
princípios oppostos e incertos? Vêde a guerra encarniçada que fazem os
homeopathas e allopathas.
A moral tem feito progressos. Não o negamos formalmente. Os povos ainda os mais
adiantados são os mais immoraes. Vede a Inglaterra que se gaba de marchar á frente
do progresso material, onde está a sua moral? Não paiz no mundo onde a classe
do povo seja mais ignorante, mais embrutecida pelo roubo e pela intemperança. E’
na Inglaterra, na Escócia e na Prússia que o divorcio legal tornou-se uma instituição
do Estado, e os jornaes nos apresentão todos os dias a espantosa lista dos
infanticídios que se cummettem nestes paizes tão civilisados, apezar do rigor com
que as leis procurão reprimil-os
Se se julga do progresso da moral na frança pelas publicações que sabem em
multidão dos prelos, não se deve concluir que o paganismo e seu horrível cynismo
tornão-se os mestres neste paiz onde não só se imprimem e se lêem as obras as mais
obscenas e as mais fastidiosas que se succedem com uma admirável rapidez, pom
ainda livros que atacão sem pudor todas as doutrinas do christianismo e a própria
pessoa do seo divino Fundador? E’ verdade que o mal não reina ainda com soberano
domínio, porque alli existem homens sábios, virtuosos e christãos que trabalhão com
maior esforço para pôr um dique á torrente destruidora.
Que diremos da política? Ella chama annexações o roubo de reinos e províncias,
habilidade as invasões armadas sem declaração de guerra, sabia diplomacia as
hypocrisias e traições a preço de dinheiro. A política moderna tem mudado a
significação de muitas palavras que nossos paes tão simples julgavão comprehender.
Um homem que combate por sua tria e seo legitimo soberano é chamado
facinoroso, o pirata que reduz tudo a fogo e sangue para revolucinar um paiz, é
chamado heroe. A virtude não passa de fanatismo, os ministros do Senhor são
clericaes, vis comediantes, são artistas! Sim há progresso em tudo isto como há
progresso na arte da guerra na Arica e na Europa odeia-se com mais
cordialidade, disputa-se com mais sabedoria, mata-se com mais sciencia e em muito
maior escala do que outr’ora. Ah! Estamos em progresso, estamos mui civilisados, e
nossos paes não o erão.
Temos dito bastante para provar nossa these: o progresso que é tão apregoado e
gabado nos jornaes e outros escriptes, é uma verdadeira decadência, nenhum homem
42
O Progresso. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 4. 25 out. 1863, p. 26.
49
de senso de illudir-se acerca do estado actual do mundo que pareceria
prognosticar o iniceo de seo próximo fim, se não existissem nos thesouros da divina
misericórdia immensos recursos contra o mal que deploramos, e uma esperança
certa de que todo este mal é uma crise passageira.
43
Fez-se necessário transcrever em sua totalidade o artigo “O Progresso, pois esse traz
uma riqueza de detalhes sobre alguns pontos importantes referentes à época em que foi
escrito. Isso porque primeiro, o artigo faz uma alusão reflexiva acerca dos últimos cem anos
da história, o que nos remeteria ao movimento Iluminista até os dias em que o artigo foi
escrito; e também porque o artigo demonstra uma riqueza de detalhes do ponto de vista da A
Estrella do Sul e sua percepção de mundo, deixando claro que nem sempre o progresso é
benéfico para a sociedade. Faz-se necessário lembrar que esse semanário, desde suas
primeiras páginas, demonstra sua posição de baluarte da tradição do povo católico, e, como
citado anteriormente, a Igreja nesse processo histórico teria uma aversão a todo tipo de
avanço.
Outra análise a ser feita é que esse discurso tem algumas divisões: a primeira delas é
sobre a concepção de ciência da época, que, segundo o autor do semanário, estava muito
avançada. Porém, segundo ele, essas mudanças alteravam a conduta das pessoas e, por
conseqüência, trazia consigo mudanças sociais.
A segunda divisão, ainda dentro da questão social, é sobre os avanços referentes ao
Direito, como por exemplo, o divórcio. Esse aspecto demonstra que algumas nações não
estavam em conformidade com a tradição da Igreja já que não eram, em sua totalidade,
oficialmente católica. O artigo ainda deixa claro que estar em conformidade com a tradição da
Igreja tinha como sinônimo ser cristão, que na concepção do autor, cristianismo e
catolicismo são os únicos sinônimos possíveis.
E, como última divisão, a conclusão feita pelo autor com relação à política, foco
principal deste capítulo. O artigo propõe que muitas mudanças feitas dentro dessa área são
nocivas à sociedade e como vimos em outros artigos no capítulo anterior, propõe um
retorno à tradição da Igreja.
43
O Progresso. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n 4. 25 out. 1863, p. 26 e
27.
50
A busca incessante por essa tradão tem sido constante no diálogo entre Estrela do
Sul e seus leitores, especificamente com relação a questão do progresso. Fazendo uma análise
da conjuntura da época, percebe-se que as nações que lucravam muito com esse progresso
eram de confissão protestante, ou que, o liberalismo estava, na linguagem da A Estrella do
Sul, “corrompendo” o Estado. Outra questão importante relacionada a esse assunto é que esse
progresso também era incentivado pela burguesia, em muitos casos protestantes, e, se não
fossem, eram liberais. Ou seja, extrapolavam as características de uma classe que era
coajudadora da igreja, pois é nesse contexto, ou contra essa classe social, que a Igreja teve
muitos problemas durante o século XIX na Europa. Foi também essa classe que deu um
solavanco, assim como os imigrantes, no processo de entrada das igrejas protestantes no
Brasil.
O agendamento aqui proposto, referente a essas questões é: progresso é sinônimo de
perda de poder porque o poder da Igreja estava na tradição, e, portanto, esses avanços, tanto
na política quanto na economia, tendem a ser encarados ou transmitidos como nocivos à
sociedade católica.
A relação entre Estado e Igreja continua a ser construída nesse sentido, demonstrando
assim uma dicotomia: a Igreja pretendia manter-se na tradição de ser a oficial do Estado e, por
outro lado, o Estado abria precedentes para que avanços com relação à questão religiosa
fossem feitos
44
. Enquanto na Europa o medo obsessivo da Igreja com relação ao liberalismo
se fazia presente, tanto no campo político, como no religioso, segundo Beozzo,
No Brasil, o impulso era em sentido contrário: os condenados livres franceses eram
a literatura mais procurada pelas poucas pessoas de cultura, e principalmente pelo
44
Após a declaração da Independência do Brasil, modificaram-se as circunstancias e o relacionamento oficial
com Roma. O primeiro problema foi o reconhecimento da Independência, assunto que Roma procedia com muita
cautela, com medo de melindrar os reis “católicos” e a Inglaterra; é verdade que o caso do Brasil não era o
mesmo dos outros países da Arica uma vez que não se rompia com o governo dinástico, podendo ser
considerado como uma briga de família. Depois de reconhecida a separação dos dois reinos, nasceu a idéia de
manter, por economia, uma só nunciatura, embora sem decidir onde seria a residência do núncio.
Finalmente foram encaminhadas as providências para o estabelecimento de uma nunciatura no Rio; apareceram
então, dificuldades que demonstram a distância que separava o pensamento de Roma ao Brasileiro.; Pedro I ora
mostrava e declarava que não via utilidade da presença de um núncio do Brasil como representante do Papa,
bastando que representasse os estados pontifícios; ora exigia que a nunciatura fosse de primeira classe para o
parecer que o Brasil era inferior a Portugal, França e Áustria.
Houve também problemas econômicos: Roma queria que a nunciatura fosse financiada pelo governo brasileiro.
Pedro I dizia não ser possível IN: BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina.
Petrópolis: 1992, p. 79 e 80.
51
clero. A autonomia do poder civil em assuntos religiosos e a independência dos
bispos com relação ao papa, com o qual, se consideravam em de igualdade na
qualidade de sucessores diretos dos apóstolos, eram defendidas com naturalidade
por bispos brasileiros anteriores ao movimento de romanização. Livros condenados
por Roma se admitiam como texto de ensino em seminários.
Era quase nulo o relacionamento do catolicismo brasileiro com o papa e a cúria
romana pois sob o regime do padroado todos os assuntos eclesiásticos eram tratados
e resolvidos pelos órgãos do governo, principalmente pela mesa de consciência e
ordens.
45
Para não perder o “estatus quoque o dirigente da nação recebeu durante os últimos
momentos antes do Império pelo padroado, Dom Pedro I, relativamente, rompe com Roma e
abre a possibilidade da formação de um clero nacional. Nesse clero, o Imperador continuaria
dirigente temporal do Estado e líder da Igreja no Brasil e ganharia atribuições que antes eram
inerentes aos bispos e ao Papa.
46
Essa relação entre a política e a formação liberal do clero
nacional fazia que as fileiras do clero nacional fossem, cada vez mais, preenchidas com a
Ilustração do que com a Romanização.
2.3 A CONDIÇÃO DO CLERO NACIONAL
O clero nacional no século XIX caracterizava-se por ser diversificado em suas
ideologias. Sendo assim, encontramos várias tendências ideológicas que compuseram um
cenário religioso que por muitas vezes, devido à região e formação intelectual dos sacerdotes
que compunham esse cenário nacional, eram muito diversos.
A título de organização, trabalharemos com três ramificações ideológicas formadoras
da característica geral do clero nacional do século em questão, que o: clero conservador,
clero nacional ou episcopal e clero romanizado.
45
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: 1992, p. 77.
46
Para entender a pouca atividade pastoral dos bispos, é preciso ter em mente as limitações das funções
episcopais no regime do padroado; sua missão de reger a Igreja era quase nula pela interferência do poder civil; o
que deles principalmente se esperava era que mantivessem a disciplina do clero e pregassem ao povo a
obediência. Nomeação de párocos, controle de devões e manifestações religiosas, construções de igrejas e
capelas, fundação e associações e irmandade, eram assuntos que escapavam em grande parte a sua jurisdição. IN:
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: 1992, p. 81.
52
O clero conservador tem sua raiz numa concepção religiosa luso-brasileira em que os
bispos e a hierarquia da Igreja seguiam o poder constituído. Caracteristicamente, o bispo
atendia ao poder constituído. Este poder era uma emanação de Deus e fazia parte de uma
tradição milenar da Igreja remontando a teoria do Direito Divino dos Reis e, portanto, os
sacerdotes deveriam respeitar esse poder e fazer tudo quanto necessário para que ele fosse
mantido, principalmente pela ação da Igreja. Segundo Azzi, um dos maiores expoentes desse
clero conservador foi D. Romualdo Seixas, arcebispo da Bahia. Esse arcebispo, um
antiliberal, lutou politicamente no Primeiro Reinado pelo celibato e pelos bens das ordens
religiosas. Em uma segunda fase, teve atividades estritamente pastorais. Ainda citando Azzi,
“D. Romualdo destacou-se não apenas pela ação pastoral como também pela orientação
doutrinal que imprimiu à Igreja no Brasil. Durante o século XIX suas oposições são citadas
com freqüência por outros bispos brasileiros como normativas.”
47
A ligação de D. Romualdo Seixas com o Rio Grande do Sul vem através de D.
Sebastião, pois foi D. Romualdo que o ordenou e o liberou para fazer seus estudos em Roma.
Nota-se assim, que D. Romualdo teve influência na postura sacerdotal e ideológica na vida de
D. Sebastião.
A segunda fonte ideológica proposta para um vislumbre do clero nacional era o clero
episcopal, também chamado de clero nacional. Este tem uma conduta notoriamente vinda da
Europa, característica esta que remonta o século XVIII e os estudos de Zeger Bernard Van
Espem. Ele, como conhecedor profundo da história do cristianismo, elabora a teoria de que
nos primeiros tempos da Igreja cristã havia um colegiado de bispos de direitos iguais a todos
sem primazia do bispo de Roma. Essa teoria foi publicada na Universidade de Coimbra as a
reforma pombalina.
Conforme Azzi
48
quem teria trazido essa doutrina episcopal ao Brasil foi Annio de
Figueiredo citado anteriormente. Ela elaborava uma emancipação dos episcopados
nacionais com relação à primazia de Roma e era aceita entre os bispos do Brasil antes da
reforma de romanização.
47
AZZI, Riolando. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal. São Paulo: Edições Paulinas, 1991, p. 162.
48
AZZI, Riolando. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.
53
A doutrina episcopal visou a centralização nacional a partir de uma ligação com o
partido conservador favorável a uma monarquia conservadora. De acordo com Beozzo, “todo
esse processo a Igreja o acompanha, quase sempre como espectador. Porém, os objetivos de
centralização, uniformização, autoridade forte, legalidade se harmonização perfeitamente
com os objetivos que a Igreja de então se propunha em sua estrutura eclesiástica.”
49
É dessa
forma que se abre precedente à formação de um clero nacional centralizado na figura do
Império, e aos poucos, distanciado de Roma.
Percebe-se uma nítida inclinação a um processo de aproximação com Roma a partir do
início das publicações da A Estrella do Sul. Essa romanização deve-se à tentativa de retorno
às bases tradicionais da hierarquia da Igreja.
Ligado a um clero romanizado surge o semanário A Estrella do Sul. De cunho
informativo, mas também ideológico esse veículo oficial da Igreja Católica no Rio Grande do
Sul, ideologicamente, realizará um agendamento que mostra a necessidade de mudança no
que diz respeito aos parâmetros religiosos no Brasil, ou seja, lutar-se-á para a volta da Igreja
Católica brasileira ao seio da Santa Sé. Verifica-se assim, que esse jornal, para o contexto em
que foi publicado, mesmo tendo cunho tradicional, era reacionário no sentido de fazer valer a
tradição mesmo que esta não estivesse sendo respeitada já há algum tempo no Brasil.
Quando se fala em romanização dentro do cenário calico político-religioso no Brasil,
geralmente se demonstra que os defensores dessa idéia ficavam principalmente na Bahia, no
Pará e alguns autores citam também o estado de São Paulo. Pouco ou quase nada se escreve
sobre a ligação do Rio Grande do Sul nessa mesma luta. Isso é um tanto estranho, pois
durante sete anos a Igreja publicou um jornal de caráter oficial nesse estado, A Estrella do Sul;
jornal esse nitidamente antiliberal que abordava assuntos que antecederam as lutas mais
agudas entre a Igreja Católica e o Liberalismo no Brasil, que vão acontecer na década de
1870. O posicionamento do clero brasileiro em favor de uma ligação com Roma era mantido
através de uma farta correspondência entre A Estrella do Sul, e principalmente entre o bispo
da Bahia e do Pará.
49
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: 1992, p. 150.
54
Esse antiliberalismo, proposto pela Estrela do Sul, de certa forma, tinha também uma
visão não muito favorável ao padroado, nesse contexto, os dois poderiam ser considerados
sinônimos. Isso se devia à formação teológica de seu editor, Dom Sebastião Larangeiras, que
desde o início de seu sacerdócio teve sempre uma relação estreita com os defensores da
romanização do clero, até por ter acabado seus estudos doutorais em direito canônico em
Roma. Indiretamente, o Papa Pio IX influenciou o perfil ideológico do bispo do Rio Grande
do Sul, pois o mesmo foi sagrado bispo pelo próprio Papa, na Capela Sistina, evento que
nunca havia acontecido na história do Brasil. Por isso, Dom Sebastião Larangeiras passa a ser,
dentro da Igreja Católica no Brasil, uma referência entre o país e Roma porque, de acordo
com Beozzo:
A formação teológica dos bispos era marcada pela mentalidade regalista e jancenista
vigente a Universidade de Coimbra onde muitos deles estudaram. Era comum, entre
eles, a aceitação da autoridade absoluta do rei em assuntos religiosos e da
necessidade da aprovação prévia do rei para a validade de documentos emanados de
Roma.
50
A estratégia utilizada pela A Estrella do Sul será, no caso político, enaltecer os
defensores da Igreja dentro e fora do clero e criticar quando os poderes dela forem
desrespeitados. A relação Estado e Igreja em um estudo mais sistemático, nesse momento,
começa com uma reflexão com relação à situação do clero no Brasil e sua ligação com o
Estado.
O Brasil, que caminha rapidamente para o progresso e civilisação; o Brasil que já
dispõe uma magistratura illustrada; o Brasil que professa finalmente a Religião do
Martyr do Golgotha, se tem um clero, parece viver mergulhado nas trevas,
esquecido de sua alta missão; se vive não é conhecido, se é escurecido, através de
escuro véo, não preenche, ou o desempenha com dignidade e independência as
sagradas funcções de seu augusto ministério!
51
50
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: 1992, p. 82.
51
A Posição do Clero no Brasil I. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n 1. 4
out. 1863, p.7.
55
No primeiro fragmento do artigo, “A posição do clero Brasileiro I”, o redator faz
novamente uma crítica ao progresso. O progresso aqui está ligado às inovações feitas pelo
Estado com relação a uma abertura do mesmo nos assuntos religiosos citados, influenciado
pelo liberalismo e pela posição do Padroado referente à função da Igreja dentro do Estado.
O artigo segue analisando que essa condição do clero, no Brasil, está fazendo com que
o mesmo se encontrasse em: “uma verdade triste, porém é preciso confessar; o clero
Brasileiro, não sabemos porque fatalidade, se vai como que desanimando e succumbindo aos
golpes da censura, da critica do indifferentismo, da irreligiosidade do século!.
52
Nesse caso,
a censura e a crítica a que se refere o texto, está relacionada aos políticos liberais e ao Estado,
pois o mesmo, decorrente da prática do Padroado, restringiu certos direitos inerentes ao clero
e a incisiva ação do Papa, que nesse momento, passa às mãos do Imperador.
Essa crítica feita pela A Estrella do Sul esem conformidade com a crítica que a
Igreja Católica em Roma está fazendo à sociedade num contexto universalista. Pio IX, em
1864, lança o sílabo, um documento que trazia as controvérsias com relação à organização da
Igreja no século XIX. Segundo Matos
53
, este labo foi exaltado pelos conservadores e o
mesmo foi utilizado como arma pelos anticlericais. Juntamente com o sílabo foi publicada a
Ensíclica “Quanta Cura
54
que foi, segundo o autor, um complemento do sílabo:
Na Encíclica “Quanta Cura” o assinalados esses perigos, fruto das “nefastas
maquinações dos maus” que “prometendo liberdade, quando na realidade são
escravos do mal, trata de destruir, com suas opiniões capciosas e escritos
perniciosos, os fundamentos da religião católica e da sociedade civil: de arrancar do
seu meio toda virtude e justa; de depravar todos os corações; de separar os
incautos, sobretudo a juventude pouco experiente, da reta norma dos costumes sãos,
prendê-los nas malhas do erro, e arrancá-los, desta forma, ao seio da Igreja
Católica”. Em seguida, o papa apresenta o elenco dos erros monstruosos e os
condena explicitamente: o naturalismo; a liberdade de consciência e de culto; os
52
A Posição do Clero no Brasil I. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n 1. 4
out. 1863, p.7.
53
MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja: uma orientação para iniciantes.
Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1996.
54
A Encíclica “Quanta Cura” foi publicada em oito de dezembro de 1864.
56
princípios democráticos na constituição política das nações; a exclusão a Igreja do
domínio familiar e escolar...
Todas e cada uma das opiniões e perversas doutrinas, explicitamente especificadas
neste documento, por Nossa autoridade apostólica, reprovamos, proscrevemos e
condenamos. Queremos e mandamos que os filhos da Igreja as tenham, todas, por
reprovadas, proscritas e totalmente condenadas.
O documento que acompanha a Encíclica trazendo o título de Syllabus Errorum,
classifica as proposições em quatro grandes blocos: as filosofias modernas
(naturalismo; racionalismo, indiferentismo); a ética leiga, com referência especial ao
matrimônio; as relações Igreja-Estado (separatismo dos dois poderes); a liberdade de
consciência, de culto, de imprensa e de opinião.
A 80ª tese é particularmente sintomática para o teor de todo o documento: É absurdo
afirmar que “O Pontífice Romano pode e deve conciliar-se e transigir com o
progresso, com o Liberalismo e com a Civilização moderna”
55
Fazendo um paralelo entre os escritos do jornal no ano posterior à publicação da
Encíclica, percebe-se que grandes similaridades entre o escrito de Roma e os escritos da A
Estrella do Sul. Similaridades estas que vão desde o estilo da escrita até as críticas feitas à
sociedade contemporânea pontuando, novamente, questões como o progresso e o Liberalismo.
Esse assunto norteou os escritos do semanário no ano de 1865 demonstrando assim que este
semanário estava engajado em pronunciar seu apoio à postura da Igreja referente a estes
assuntos.
2.4 DESCASO E OSTRACISMO
Outro agendamento proposto pela A Estrella do Sul é o descaso e o esquecimento pelo
qual está passando o clero no século XIX. Se analisarmos a estrutura abordada pela mesma,
perceberemos que, a princípio, ela demonstra um clero arredio em sua ligão com Roma e,
estando o poder nas mãos desse clero liberal, o mesmo está em uma estrutura contrária
proposta pela A Estrella do Sul. De um lado temos o clero nacional e sua política
centralizadora das decies também de cunho religioso e de outro o clero romanizado que
respeita a hierarquia tradicional da Igreja.
55
MATOS, Henrique Cristiano José. Caminhando pela história da Igreja: uma orientação para iniciantes.
Belo Horizonte: Editora O Lutador, 1996, p. 105.
57
Segundo Beozzo
56
, a condição do clero no século XIX era caracteristicamente pobre,
e, com algumas exceções, o descaso para com as coisas da Igreja era algo permanente. As
côngruas pagas aos sacerdotes eram muito poucas. Então, o Estado, através do padroado
sendo o provedor dessas ngruas, fazia com que cada vez mais o clero entrasse em um
processo de auto-depreciação, como veremos a seguir:
Com a centralização do clero nacional e o domínio que o mesmo exercia entre os
sacerdotes, A Estrella do Sul, na tentativa de demonstrar a passividade do clero nacional,
escreve:
Mas, a ruína do clero, o abandono, e desperezo á que se acha infelizmente votado é
sem duvida devido ao desanimo á frieza da própria classe, que se apresenta sem
estimulo, e decidida disposição para se expor aos mais peniveis trabalhos da vida,
para arrestar as injurias e affrontas d’esses degenerados ou pretendidos philosophos,
que peregrinos na romagem da vida, vagabundos na sociedade, parecem querer
ensinar aos mestres, penetrar os segredos da sciencia, dar lições de moral, e religião.
Sim, hoje entre nós não uma classe mais esquecida, menos respeitada, senão
desprezada, como a do clero!...
57
No decorrer da citação, mesmo fazendo uma reflexão introspectiva, o autor acha
espaço para praticar uma crítica à função dos sacerdotes funcionário público dentro da
sociedade brasileira estimulado pela condição filosófica vigente no Brasil. Relata também as
críticas que a Igreja vem recebendo mesmo tendo de realizar um trabalho, que na visão dela,
não era de sua jurisdição, ou seja, o agendamento construído é que a Igreja não tem a função
de ser um funcionário do Estado e que mesmo sacrificando-se em fazer um serviço que não é
seu, recebe cticas por isso.
Porém, a análise mais incisiva com relação ao Estado estava por vir:
Examinem-se os princípios de moral, e religiosidade; observe-se o respeito aos
Ministros da Religião, aos Príncipes da Igreja, ás cousas sanctas, á casa do Senhor,
ao próprio Deos, e facilmente poder-se-há conhecer o medonho abysmo, que nos
ameaça; os furacões e precipícios, que se nos apresentão pela falta de religião,
obscuridade dos seus sacerdotes; pela indifferença a recepção dos sacramentos, e
56
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: 1992.
57
A Posição do Clero no Brasil I. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 1. 4
out. 1863, p.8.
58
desprezo dos meios pela Providencia destinados para moralidade das famílias, para
uma educação pura e limada, para socego e paz da sociedade.
Hoje, porém, já não é possível que o clero brasileiro, mudo e quedo, soffra a ultima
expressão de abandono e menoscabo, sem que levante a voz e dê um écho, que
retumbe de um á outro ponto do Brasil, e vá responder nas regiões do orbe catholico,
para que o mundo conheça a falta de religião no Brasil, devida á surda perseguição
feita aos Ministros do altar, que condennados á um circulo inteiramente limitado em
sciencias Theologicas, ou, para melhor dizer, votados á ignorância, vêem-se como
que impossibilitados de chegarem á consecução do seu fim! Grande e pequeno,
sábio e ignorante, qualquer se julga competentemente habilitado para notar as faltas
do sacerdote, observar os seos erros! Como exigir do clero brasileiro conhecimentos,
illustrão, sciencia? Como querer encontrar um clero delicado, de perfeita
educação, honesto e nobre, quando os nossos fidalgos, os nossos sábios, os nossos
grandes Estadistas, são os primeiros em afastar da Igreja os seus filhos na mais tenra
idade tractando os Ministros da Religião com indifferença, como cousa abjecta e
inútil, á cuja classe se não póde com nobreza pertencer? Qual a importância que ao
estado ecclesiastico liga á nossa aristocracia?
58
Nesse Agendamento o posicionamento de Larangeiras é muito claro, não é dado ao
clero condições que possibilitassem fazer deste, parte de uma elite social e intelectual, pois
lhes falta preparo, investimento e pessoas que permitissem que ele exercesse seu papel com
dignidade. Acontecerá então, nesse momento, um esforço mútuo entre alguns bispos no Brasil
para que houvesse uma melhora na preparação sacerdotal, preparando-os também para o
momento histórico que estavam vivendo. Contudo, havia um grande problema, como fazer
com que a formação fosse mais eficaz se, segundo Beozzo
59
, as escolas formadoras não eram
sérias. Esse era o pensamento de alguns bispos no Brasil.
Será então elaborada uma tentativa de reforma no que diz respeito ao papel dos
seminários proposto por: D. Antônio Viçoso, D. Romualdo Seixas, D. Macedo Costa, D. Luis
Annio dos Santos e D. Joaquim de Melo. Beozzo não coloca na lista o nome de D.
Sebastião Larangeiras como um dos grandes remodeladores dessa ação reformadora mesmo
que, no ano de 1864 e 1865, faça menção à reforma dos seminários.
Este historiador faz alusão ao seminário do Rio Grande do Sul apenas a partir de 1872
quando cita a prometida concluo do seminário rio-grandense, que esse seria um dos
maiores do país. Porém, além da grandeza física, D. Sebastião contribuiu grandemente para o
fomento da discussão sobre a reforma do papel dos seminários em seu jornal.
58
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 1. 4 out. 1863, p. 8.
59
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: 1992.
59
Outra referência feita ao Rio Grande do Sul, e especificamente a Larangeiras, é a do
episódio em que o mesmo teve que prestar esclarecimento sobre os motivos de colocar em
paróquias, sacerdotes estrangeiros em vez de brasileiros. O autor ainda afirma que D.
Sebastião foi categórico ao assegurar que o assunto não era da competência da Assembléia
Legislativa, e sim da autoridade religiosa. Ao não aceitar a interveão do Estado em assuntos
restritos à organização e à hierarquia da Igreja, fica evidente o perfil político de Larangeiras.
Respectivo a esse assunto ainda, o agendamento proposto está preparando espo para
a reivindicação da formação de um seminário mais eficiente em sua função formadora, pois se
analisarmos a colocação de Beozzo, fica presente que por necessidade, muitas vezes, como
foi dito, tinha que se utilizar sacerdotes estrangeiros pela diminuição do mero de padres
nacionais no Rio Grande do Sul. Beozzo
60
coloca como se fosse uma opção de D. Sebastião
utilizar a mão de obra estrangeira, quando na verdade, percebe-se nos escritos da A Estrella
do Sul a necessidade dessa mão de obra estrangeira que muitas vezes era de procedência
duvidosa trazendo problemas para o clero gcho.
Na organização de um clero fiel fazia-se necessário que o dirigente do mesmo tivesse
dados que possibilitassem montar o perfil de seus correligionários desde a base, os estudos do
seminário, até o controle das entradas de bibliografias impróprias para que a formação do
clero fosse romanizada não sendo contaminada com os escritos da filosofia mundana, como
fica claro no trecho abaixo:
Como respeita ella as cousas sanctas, a religião, os seus Ministros? Qual a potestade
brasileira que, como catholica, e filha da Igreja de Deos, começa a educação dos
seus filhos pelo temor e amor de Deos, pelo respeito a Religião e aos seus Ministros,
mostrand-lhes os innumeraveis benefícios, que d’ahi resultão, ensinando-lhes a
grandeza e sanctidade do magistério, alimentando-os, creando-os n’esses princípios
tão suaves, tão consoladores, de tanta esperança, de tanta vida?
Ah! Jamais essa alta e diplomática mocidade ouvio dos lábios maternos uma
linguagem tão pura, tão viva, que despertasse vocações ainda adormecidas pelo
somno dos primeiros dias da vida!
E, pois, se assim é que vai crescendo o Brasil, sustentando-se apenas em um culto
artificial, e se esta rica parte do mundo é governada por esses homens, que o
guiados por um mão exemplo em matéria de religião, desde os primeiros instantes
de sua educação, ensinados na desobediência nos sacerdotes do Senhor, no desprezo
de suas funcções, e na detestação da classe; como é que o clero brasileiro poderá ser
60
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: 1992.
60
attendido, e respeitado, como conhecedor de sua missão; homens de posição, quando
tudo se lhe recusa, e em tudo é votado á completa obscuridade; quando em todo o
Império senão encontra uma faculdade perfeitamente montada para a instrucção do
clero, dos soldados de Jesus Christo, dos executores da Lei Divina e Ecclesiastica,
dos Juizes, dos Ministros, dos Príncipes da Igreja?
61
Fazendo uma ponte com o governo episcopal de Dom Sebastião sobre esse período da
hisria do Rio Grande do Sul pouco se tem escrito. Larangeiras lutou muito para que
houvesse aqui um seminário que desse conta da demanda de formação de um clero de
qualidade. Em um dos poucos escritos sobre ele, padre Arlindo Rubert
62
comenta que no final
de sua vida, Dom Sebastião, ao ser interpelado pelo imperador sobre os sacerdotes de sua
diocese que poderiam ser promovidos a altas “dignidades eclesiásticas”, respondeu:
Esta diocese possue, na verdade, distintos sacerdotes por sua virtude e ilustração,
alguns dos quais estão empregados no exercício do ministério paroquial e de outros
cargos da sua administração que junto a mim têm prestado relevantes serviços à
Igreja, mas o seu clero é muito diminuto e não pode por isso satisfazer às suas
necessidades sempre em almento
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Rubert cita que Dom Sebastião sugeriu ao imperador que fosse procurar em outras
dioceses auxiliadas mais efetivamente pelo governo imperial. O bispo a entender que se o
clero era de qualidade, era por seus méritos próprios, pois a ajuda para isso não chegava do
império e, se chegava, era insuficiente, como se evidencia no trecho abaixo:
O que se não tem feito para bem educar e instruir nas leis pátrias aquelles, em cujas
mãos tem de ser depositado a administração de paiz, a execução de suas leis, a
segurança individual e publica, o socego e tranqüilidade da nação?
Como, querida pátria, delicioso e fértil Brasil, tendes dado aos vossos filhos, aos
Ministros de vossa religião, vosso apoio; aos sacerdotes de vosso Deos uma
educação o imperfeita, sem princípios, sem eschola, sem mestres, e quereis filhos
delicados, illustrados sacerdotes, sábios Ministros junto aos vossos altares! Oh!
Inqualificável exigência, requintada injustiça, rematada ingratidão "... Os meios, a
força, o poder, tudo está nas mãos d’esses homens indifferentes á religião, que com
desprezo encarão um sacerdote; e parecem até abominar a classe; esses homens que,
61
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 1, 4 out. 1863, p. 8.
62
RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.
63
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 1, 4 out. 1863, p. 8.
61
assim educados sem religião, não se dignão se quer por compaixão melhorar a sorte
do seu clero, que forçosamente é obrigado a ignorar os mysterios das sciencias
theologicas, á excepção de um ou outro, que só pela grandeza de sua intelligencia, e
agudeza de seu espírito faz considerável progresso, e admirável figura em sua
classe!64
Novamente é explicitado que o clero, que está sendo depreciado neste momento por
parte do Estado, está fazendo sua parte em buscar qualidade para poder suprir, na sociedade, a
falta de sacerdotes que demonstrem ilustração e que versem profundamente as questões
teológicas. Contudo, devido a uma política educacional que muitas vezes fugia aos cânones da
Igreja, o Estado tratava o clero de forma pejorativa fazendo com que ele cada vez mais
entrasse no ostracismo. Isso porque o problema não era apenas a falta de vagas nos seminários
e sim a procura pela carreira de sacerdote, que ao passar do tempo, passa a ser desprestigiada.
Em seu agendamento, A Estrella do Sul propõe que nos tempos em que ter um
sacerdote na família trazia estatus havia muitos representantes de várias famílias dentro do
clero, sendo estas abastadas ou não. Mas essa característica ficou em um passado que a classe
eclesiástica tinha estatus social. No momento em que esta reflexão é escrita, o estatus da
Igreja está em baixa e por esse motivo:
Uma vocação da qual os paes afastão geralmente os filhos é sem duvida a do estado
ecclesiastico e religioso para o sexo masculino e do estado religioso para o sexo
feminino. Aos olhos de uma certa classe de pessoas a entrada destas sanctas
carreiras é uma verdadeira immolação. Um pae e uma mãe, em sua estranha
sensibilidade trajarão lucto todos os dias de sua vida. Para elles está morto o filho
que veste o habito do ministério sacerdotal; e morta a filha logo que toma o véo das
Virgens do Senhor. Não acontecia assim quando a igreja era rica, poderosa, e
honrada; quando ella offerecia aos ultimogenitos das grandes casas a perspectiva de
opulentas abadias, grandes benefícios, uma larga parte nas honras e no poder nos
conselhos da nação. Todas as classes, sem exceptuar as mais elevadas, rivalisavão
então em zelo para fornecer seo contingente ao alistamento da milícia sancta. Nós
confessaremos francamente que no ponto de vista puramente humano, o sacerdócio
promette aos seos aspirantes mais cruzes do que prazeres, e não lhes apresenta hoje
motivo algum que lisonjeie a ambição mundana. Porém mesmo como elle é, e
precisamente porque elle é tal, o terá motivos para tentar a ambição de uma
família christã?
65
64
Posição do Clero Brasileiro II A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 1, 11
out. 1863, p.15.
65
A vocação religiosa. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 11, 13 dez.
1863, p. 86 e 87.
62
Salvo alguns exageros colocados no fragmento, o autor demonstra a realidade do
caráter religioso no Brasil. A partir da seqüência de citações que veremos a seguir, fica
presente que o agendamento fará com que o leitor sinta que o clero nacional está sendo vítima
de um processo de desvalorização cuja raiz está na política e principalmente numa atuação do
liberalismo.
A vitimização da Igreja será um fator a ser frisado em rios pronunciamentos da A
Estrella do Sul, principalmente no ano de 1865. A forma utilizada para demonstrar isso foi o
desinteresse dos jovens pela carreira eclesiástica, pois para D. Sebastião Larangeiras foi muito
penoso manter o seminário episcopal, principalmente, porque em alguns momentos não havia
procura pelo mesmo. Essa vitimização acontece, pois não existiam condições econômicas de
dar boa qualidade aos estudos do Seminário. Esse acontecimento não era exclusivo do Rio
Grande do Sul, mas da maioria dos seminários do Brasil. Por isso, a qualificação desses
futuros sacerdotes ficava ameaçada, pois, segundo Beozzo,
Não se exigia muita preparação para a ordenação sacerdotal. Alguns mosteiros e
conventos mantinham ainda algum programa de estudos; nos semanários
conservava-se a tradição de humanidades introduzida pelos jesuítas. Cuidava-se bem
da linguagem pois a oratória era muito importante no exercício do ministério, e
muitos apreciavam os bons pregadores. De conhecimentos teológicos o que se pedia
era pouco: bastava o conhecimento do catecismo de Montpellier e do Manual
Teológico de Lion, ambos jansenistas e condenados por Roma.
Não era próspera a situação dos seminários, embora todos reconhecessem sua
utilidade.
66
Era muito comum alguns seminários fecharem pela falta de alunos ou por questão
financeira, como vai acontecer no Seminário de Mariana, em 1811, e o de Porto Alegre. Fica
evidente assim que a preocupação da A Estrella do Sul é justificável, pois faz parte da política
do padroado brasileiro o descaso com a formão do sacerdócio como visto em citação
anterior.
Muitos dos sacerdotes que queriam ampliar seus conhecimentos tinham que sair do
Brasil para estudar em Roma, como aconteceu com D. Sebastião. A qualidade do clero
gaúcho, que anteriormente foi descrito em um diálogo entre D. Pedro II e D. Sebastião,
66
BEOZZO, José Oscar. História Geral da Igreja na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 88.
63
poderia ter sua raiz na formação estrangeira que recebiam, pois Larangeiras conseguiu, para
muitos de seus seminaristas, auxílio a fim de que fizessem seu doutorado em Roma, como ele
o fez.
Um fato que vem à superfície histórica é a reforma dos seminários, no sentido de
moralizar esse ensino. O objetivo era que o Império abrisse oportunidade de reformas a fim de
que os bispos, quando necessário, pudessem complementar as cadeiras sicas do seminário
com matérias que julgavam importantes. Porém, essa complementação seria patrocinada pelas
próprias mitras. Contudo, o dinheiro que as mitras dispunham para o pagamento era
insuficiente para que as cadeiras complementares pudessem ser efetivadas. Esse fato
demonstrava que o clero brasileiro, nesse momento, além de passar por problemas de
identidade, e essa identidade estava ligada dentro da função da sociedade, passava também
por problemas financeiros como informa o trecho a seguir:
Pois bem, Senhor, o que faz o Decreto de 22 de Abril? Em vez de satisfazer a estas
necessidades palpitantes do ensino ecclesiastico, fornecendo aos Bispos os
convenientes meios para alargarem os programmas escholares de seus Seminários;
em vez de tirar estes tão importantes estabelecimentos da triste penumbra em que
ainda se acham e dar-lhes o desenvolvimento que as promessas do illustrado
Governo de V.M I., as exigências da epocha e as aspirações generosas de nossa
mocidade tornavam necessário; no inverso, supprime a cadeira de Grego, a de
Exegese bíblica, a de Direito Natural e Eloqüência Sagrada estabelecidas no
Seminário da Bahia, e de língua indígena estabelecida no do Pará, e em todos os
Seminários do Império, a de Geographia que Malte-Brun chamou com razão irmã e
emula da historia, e cujo conhecimento faz parte da educação litteraria do ínfimo
empregado de qualquer repartição publica; ficando assim os nossos pequenos
Seminários, como se no artigo 1º do Decreto mal dotados com uma cadeira de
Latim, Francez, Rhetorica e Philosophia!
O mesmo governo comprehendeu perfeitamente que não podiam cifrar-se nisto os
conhecimentos litterarios do Clero brasileiro, tanto assim que accrescentou estas
palavras: Fica entendido que, além destas cadeiras, os Bispos poderão crear as que
julgarem convenientes sendo subsidiadas pelas rendas da mitra. Eu o sei, Senhor,
se com a minguada côngrua de 3000/000 por mez que tem os Bispos do Brazil,
côngrua inferior aos ordenados e emolumentos de muitos empregados subalternos
das Repartições do Estado, eu não sei se com essa mesquinha e vergonhosa côngrua,
unida a alguns rendimentos insignificantes do cartório ecclesiastico poderão os
Bispos preencher essas lacunas deixadas pelo Governo no ensino do Seminário,
tendo elles aliás todos os dias tantos pobres que soccorrer, tantas pias obras que
alimentar e tantos encargos inevitáveis que satisfazer. As rendas da mitra! Senhor,
pela minha parte confesso ingenuamente a V. M. I. que o sei o que isto seja. O
que sei é que freguezias nessa corte que rendem seis vezes mais que a mitra do
Pará, e creio que em muitos Bispados do Brazil as cousas correrão pouco mais ou
menos pela mesma conta.
67
67
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 7, 15 nov. 1863, p. 50.
64
A conclusão desse artigo demonstra uma realidade muito importante da Igreja no
Brasil. Além de ser multifacetada (possuir um clero romanizado e um clero nacional) por não
ter uma unidade ideológica dentro do seio da Igreja, o fator econômico apresenta também a
realidade de uma Igreja que poderia atender às determinações da reforma dos seminários por
ter uma arrecadação generosa em algumas regiões do Brasil e, em outras, passaria a ser
utópica por sua pobreza.
Portanto, cobra-se de um clero a ilustração e não dá a ele condições financeiras para
que possa montar uma estrutura que possibilite essa realidade, como mostra a citação abaixo:
Que affectação, que impostura insupportavel Apellidão-se catholicos, dizem
professar a verdadeira religião; exigem dignos Ministros, e entretanto condemnão-os
á ignorância, negando desapiedadamente, e com todo cynismo os meios de
instrucção!... Esses de quem e exclusivamente depende o progresso literário e
melhoramento scientifico do clero se furtão á esse sagrado dever, ás mais simples
reclamações para um fim tão justo quão honesto e vantajoso á uma sociedade
legitimamente constituída, como o da illustração dos Ministros da religião do
Estado; e o povo simuladamente finge respeitar, não por força de suas convicções, e
sim por apparencias ou meras considerações nas mais criticas circunstancias da
vida!68
Para que não acontecesse essa crítica à formação intelectual dos sacerdotes, já em
1859 pelo primeiro bispo do Rio Grande do Sul, D. Feliciano José Rodrigues Prates, é
formado o seminário episcopal da província do Rio Grande do Sul que contava com novas
cadeiras. Cria-se também o lugar do reitor e vice-reitor; as novas cadeiras eram:
1º) Gramática e Língua Latina
2º) Francês e Geografia
3º) Filosofia Racional e Moral
4º) Retórica e Eloqüência Sagrada
5º) História Sagrada e História Eclesiástica
6º) Teologia Dogmática
7º) Teologia Moral
8º) Canto Gregoriano e Liturgia
69
68
A posição do clero no Brasil. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 2, 11
out. 1863, p. 15.
69
RUBERT, Arlindo. História da Igreja no Rio Grande do Sul.. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 219. v. II.
65
Analisando as cadeiras propostas na formação do seminário episcopal, percebe-se que
além das matérias de cunho religioso havia também a preocupão em formar um sacerdote
interessado nas questões sociais como o aspecto geográfico e histórico da nação.
Outra análise feita pela A Estrella do Sul é sobre a necessidade que a sociedade de
então tem em reformar a Igreja. Porém, essa necessidade, segundo o semanário, deveria ser
implantada na sociedade, pois não bastava a Igreja ser reformada se os meios sociais em que
essa Igreja estava inserida também não o fossem. É apontado assim, que a sociedade está indo
para um rumo de descrédito geral e está utilizando a Igreja Católica como bode espiatório
para mascarar os problemas sociais do momento, conforme a citação abaixo:
Entre nos infelizmente o Parocho é um empregado publico de segunda ordem, a
quem se recorre no ultimo extremo, e quando já a mão do Senhor os tem ferido, e
não para receber o balsamo consolador, o remédio efficaz á sua afflicção, mas sim
para satisfazer o luxo e prejuízo do século! A impiedade lavra por toda parte: o
indifferentismo cresce de dia em dia; os ímpios desafião a paz da Igreja, e a
linguagem da épocha é a mania de reforma; reforma no clero secular; reforma nas
Ordens Religiosas, cousa inútil ao Estado, atria? Sim, reformemos toda esta
classe ignorante, e immoral, e seremos bons christãos! Que argumento fútil e pueril,
que pensamento extravagante! O esposo infiel, o filho desobediente, o pai cuja vida
desregrada serve de escândalo ás famílias, e de perdição da sociedade; os
magistrados, injustos, o moroso empregado, todos exigem, todos reclammão, todos
se julgão habilitados para reformar o clero: eis portanto sua triste posição; eis a
melindrosa condição em que se achão os Minsitros de Jesus Christo no Brasil!...
Feridos por todos em sua honra e honestidade, cobertos de injurias e affrontas;
ameaçados de uma reforma, que deve ser esperada por aquelles, em cujos
semblantes se encarnada a deslealdade, a inconstância, a falta de moralidade e
religião, a practica de reprováveis costumes; repellidos da sociedade; sentenciados á
ignorância como empregados blicos da classe mais baixa, da ultima esphera, sem
consideração nem estima; desprezados em summa por aquelles que devo-lhes
estender a mão, e conserval-os na attitude própria de sua dignidade, de uma classe
livre e independente, cuja missão e mais sublime, mais sancta que outra qualquer, de
Ministros do altar tornão-se fieis servidores do Estado, sem nome, sem prestigio,
sem futuro, sem dignidade!...
Tudo promette uma reforma illegal, e criminosa; os ímpios nos cercão; a
perseguição se desenvolve contra a Igreja; mas nada nos amedronta; cumprão-se as
palavras do Divino Mestre – Ego mitto vos sicut uves inter lupos – sigamos
impávidos sobre as fluctuosas ondas de tanta impiedade; atravessemos esses vastos
campos de tão cerrada incredulidade; defendamos a nossa causa, a causa de Deos, e
a victoria será nossa; nada há perder se não a vileza com que se nos recebe...
70
70
A Posição do Clero no Brasil. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 2, 11
out. 1863, p. 15.
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Essa citação constrói um agendamento que mesmo em meio ao turbilhão de
pensamentos e críticas, a Igreja continuará firme em seus prositos e sua função, que não era
apenas a de um funcionário público, mas ganhava assim, um caráter mais elevado, que era
manter-se fiel aos preceitos iniciais do evangelho e principalmente ser defensor de uma
realidade já esquecida na sociedade brasileira.
Essa busca incessante faz com que o clero se sinta um grupo remanescente dentro da
sociedade brasileira e dentro da própria Igreja, pois falamos aqui em um clero romanizado em
uma Igreja com pensamento pluralizado sobre a fuão dos sacerdotes na sociedade.
É por isso que vai haver uma luta pela posse ideológica da influência dos sacerdotes
que virão, ou seja, ter-se-á a necessidade de buscar o controle da formão dos sacerdotes
dentro dos seminários. O clero não aceitava que o Estado pudesse intervir tão profundamente
dentro dessa formação, dizendo até mesmo quem poderia ou não lecionar nesses seminários.
Para Larangeiras isso era uma humilhação, pois não se dava autonomia à formação de
sucessores à própria classe, o clero. Esse jogo de interesses aumentou a animosidade entre o
clero e o Estado, principalmente daqueles bispos que não aceitavam uma intervenção tão
profunda do Estado no seio da Igreja. No texto abaixo, a Igreja condena o decreto que
normatiza a ação do Estado dentro dos seminários:
Apresentada a S. M. o Imperador pelo Bispo do Pará acerca do Decreto nº 3.075 de
22 de Abril ultimo que uniformisa os estudos das cadeiras dos Seminários
Episcopaes subsidiadas pelo Estado.
Enfim, Senhor, o Decreto fere e humilha o Clero da maneira a mais injusta na
pessoa dos professores dos Seminários.
Fere-o, e humilha-o primeiramente porque sendo esses professores pela natureza
mesma de seu ministério empregados ecclesiasticos escolhidos e nomeados pelos
seos Prelados entre os membros mais conspícuos do clero para dirigirem, sob os
olhos dos mesmos Prelados, a obra a mais importante, mais capital que se acha á
cargo da solicitude pastoral, são pelo Decreto resvalados á condição de meros
empregados públicos ou funccionarios do Estado, sujeitos como os empregados das
alfândegas e das Secretarias á jurisdicção immediata do governo, e podendo ser por
elle destituídos mediante uma simples communicação feita aos Prelados de que o
convém continuem a leccionar; como vem expresso no Art.º 8º do Decreto.
Fere-o, e humilha-o porque priva o ensino religioso da liberdade e independência
que deve ter em um paiz catholico e livre. Que arma formidável póde vir a ser nas
mãos de um ministro prevenido este Artº do Decreto? Eu faço justiça ao espírito
religioso do actual ministro; infelizmente, porém, suas optimas disposiçõeso
empenham o futuro, e elle de ter um succesor, que não partilhe seus sentimentos
para com a Igreja e abuse do poder discrecionario que lhe é concedido por esse
artigo para comprimir a liberdade do ensino catholico garantida pela nossa
constituição política. Supponhamos que se levantem questões graves, como já tantas
67
vezes tem acontecido, entre o Sacerdócio e o Império; que o governo civil esteja
vivamente empenhado na admissão de uma dessas medidas que vão oppor-se
diametralmente aos direitos inalienáveis da Igreja; quem o vê, Senhor, que um
ministro tem no art. 8º um meio expedito de comprimir e fazer calar o ensino
orthodoxo dimittindo o professor que de alto de sua cadeira ou da imprensa ousar
tomar a defesa d’aquelles sagrados direitos? Que se o governo teve sómente em
vista prevenir no Seminário algum ensino ou procedimento contrario á Religião e á
moral publica, como não attendeu que os Prelados, juizes natos da doutrina e dos
costumes, são mais interessados que ninguém em mantel-os puros, e que fora fazer-
lhes a mais sangrenta injuria suppôr que podesem tolerar taes escândalos nos seus
Seminários. Como não attendeu q os Bispos seriamos os primeiros a suspender e
dimittir, se necessário fosse, o professor dyscolo, não em virtude do artigo do
Decreto, mas em virtude do poder, que nos foi dado do alto, de manter illese o
deposito da doutrina e da moral, sobre tudo nesses pios asylos onde se formam os
que são chamados á herança do Senhor?
Não fallarei na injuriosa suspeita d’inhabilidade que o Decreto fez pairar sobre todo
o professorado ecclesiastico do Império parecendo sujeitar a exame os professores
actuaes, apenzar de haverem quase todos por muitos annos, alguns acom notável
distincção, percorrido a árdua e modesta carreira do ensino publico. Felizmente uma
declaração ministerial que recebo ao escrever estas linhas declara que não é este o
sentimento do Decreto, e nem podia ser, Senhor, pois fora lançar-se das altas
religiões officiaes mais um desar sobre o pobre Clero do Brazil, o que, estou
convencido, não está nem nas paternas intenções, nem nos interesses bem
entendidos do Governo V. M. I.
71
Para a época, essa disputa pelo poder é relevante principalmente no que diz respeito ao
futuro da posição do clero dentro da política brasileira. A fiscalização proposta era importante
para o Estado porque dizia respeito ao perfil pretendido de seu clero. Através de uma política
centralizadora era necessário que esse clero se mantivesse fiel ao seu Estado. Em
contrapartida, a Igreja Católica tentava buscar espaço no seminário através de grupos de
bispos voltados à romanização. Sendo assim, essa concorncia será muito acirrada, pois
quem detivesse o controle do seminário, possivelmente teria o controle da postura da Igreja
dentro do Estado.
Especificamente citando sobre o seminário do Rio Grande do Sul, D. Sebastião
Larangeiras faz a seguinte colocação: o Estado não deveria impor aqui nessa província as
determinações, pois:
Decreto nº 3.075 de 22 de Abril
Cumprindo responder á circular de V. Exc., datada de 12 de Maio ultimo, relativa ás
medidas propostas outr’ora ao Governo pelo Exm. Sr. Bispo de Pernambuco, já
fallecido, D. José Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho, tendentes a conhecer da
71
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II. n. 8. 22 nov. 1863, p. 58 e 59.
68
aptidão dos pretendentes ás ordens sacras, tenho a honra de informar a V. exc., que
estas medidas, e ainda mais do que nellas se contém, de a muito são postas em
execução nesta Diocese, e observadas escrupulosamente.
Acha-se estabelecido no Seminário Diocesano o internato perfeito; porquanto,
logo que entrei na administração da Diocese, aboli o externato que ainda para alguns
alumnos se dava, como contrario á educação ecclesiastica que sempre seria com elle
imperfeita, pois que a experiência tem manifestado que aos Sacerdotes educados no
século, em regra geral, sempre faltou o zelo e piedade tão necessárias no exercício
do sancto ministério; assim pois, os moços que fazem actualmente neste Seminário
os estudos preparatórios e theologicos são todos internos.
para serem admittidos ás sagradas ordens, a medida que devo passar de uma a
outra, os poucos á quem as tenho conferido, forão examinados synodalmente em
todas as disciplinas do curso theologico estabelecido no Seminário, segundo o
Decreto de 8 de Janeiro de 1859, que subvenciona as respectivas cadeiras, alem dos
costumados exames do fim de cada anno lectivo, nos quaes derão sempre provas
satisfactorias de aproveitamento.
A’ exemplo pom do que observei na Europa, feito o exame geral das matérias do
curso estabeleci um exame parcial, para cada grão de ordem até o Presbyterado, de
um tractado de theologia moral, afim de obrigar de alguma maneira os ordenados a
estudarem ou repassarem mais accuradamente cada um dos tratados, na parte
Sacramental, daquella disciplina mais necessária para a administração dos
Sacramentos; e assim tem-se praticado.
Já vê portanto V. Exc., que se tem feito a este respeito mais que, nas actuaes
circumstancias deste Bispado, se poderia fazer, attento o pequeno numero de filhos
da Província, que se tem dedicado ao estado ecclesiastico, dos quaes só tenho
ordenado quatro, que finalisarão o seu curso, depois de minha chegada, além de dois
de Sancta Catharina, que retirarão-se para sua Província, e um do Rio de Janeiro,
que está empregado no serviço da Câmara Ecclesiastica, os quaes foo também
alumnos deste Seminário, e por mim promovidos á ordens.
Dos filhos da Província que ordenei, somente dois requererão concurso, e são
actualmente Parochos collados; outros que em meu tempo obtiverão cura d’almas
concorrendo á diversas Igrejas, o de outros Bispados, em cujos Seminários fizerão
o curso theologico que nelles se dá; e quando com Cartas Dimissoriaes forão
admittidos á exercer aqui o sancto ministério, soffrerão previamente um exame, afim
de se conhecer de suas habilitações.
Em geral os estudos do clero no Brasil são imperfeitos, e ainda mais a sua educação
ecclesiastica, que deve ser baseada na piedade e na consciência da sanctidade do
Sacerdócio, que jamais se pode assas incutir nos ânimos dos jovens levitas as
quaes faltando, improficuos serão aquelles estados, por mais fortes que sejão. Sobre
este assumpto tenciono levar com a possível brevidade, por intermédio de V. Exc.,
um memorial á Presença de S. M. o Imperador. 72
Percebe-se assim o caráter político de D. Sebastião. Sendo ele um sacerdote com alto
grau de romanização não aceitava a imposição total do Estado dentro de aspectos inerentes à
questão espiritual. Mesmo concordando ser a Igreja Católica oficial do Estado, o bispo fazia
distinção entre o poder do Estado e o poder da Igreja, tendo assim, uma relativa unidade entre
o trono e o altar, havendo a necessidade de separar as funções espirituais das temporais. Isso é
marcante quando o mesmo, no decorrer das citações feitas pela A Estrella do Sul, não aceita
que o sacerdote seja um mero funcionário do Estado. Ele achava que o clero estava numa
72
Ofício ao Exc. Sr. Ministro do Império. A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano II.
n. 12. 20 dez 1863, p. 90.
69
posão superior a isso, mesmo que na condição política do Império isso não acontecesse.
Esse fator levaa Igreja a um ataque sistemático e organizado às intenções do Estado no
momento em que o mesmo não entendia essas relações.
D. Sebastião foi um árduo defensor da posição do clero dentro do Estado. Clero este
com aspirões mais elevadas. Também poderíamos dizer que D. Sebastião mesclou a
tradição romana com os preceitos tradicionais do arcebispo de seu início do episcopado, D.
Annio Seixas. Essa mescla fica evidente, pois Larangeiras não rompe totalmente com a
ligação Estado e Igreja. Contudo, não aceita que essa relação seja absoluta e nem mesmo que
ela fosse superior à relação que a Igreja nacional tinha com a Igreja romana.
O agendamento deste capítulo está ligado ao processo histórico da relão entre o
Estado luso-brasileiro, a Igreja nacional e a Igreja romana. Esse agendamento fazia com que o
leitor tivesse um panorama geral da situação do clero no Brasil. Claro que essa situão
deveria ser favorável ao clero ideologicamente ligado a Roma, pois várias foram as formas de
demonstrar que os outros perfis ideológicos do clero nacional não eram coerentes com suas
funções. O Estado, neste agendamento, fica muitas vezes como provedor displicente, não
fazendo suas atribuições.
Outro aspecto a ser percebido neste agendamento é que segundo A Estrella do Sul, o
antagonista da realidade da Igreja, no momento imperial, é a posição liberal infiltrada nos
meandros da política e sorrateiramente promove a descredibilidade do clero perante a
sociedade.
Dentro do fator social, D. Sebastião faz uma crítica à sociedade de então, agendando
que a mesma perdeu interesse pela vida sacerdotal e o incentiva mais seus filhos a entrarem
em uma vida, que segundo ele, era santa. Isso demonstrava que essa sociedade, dita católica,
muitas vezes era motivada pelo estatus social, pois quando o clero dava condições de
asceno e prestígio, o tratamento da sociedade a seus representantes era um, e no momento
em que o clero se encontrava em baixa, o tratamento passou a ser de descaso e de humilhação.
Fica evidente assim, que a seqüência de agendamento mostrou as raízes do problema
político no Império, bem como seus reflexos com relação à questão social do clero perante a
política e a sociedade, construindo assim um contexto de humilhação vivido pelo clero.
CAPÍTULO 3
3 ASSEMBLÉIA PROVINCIAL DO RIO GRANDE DO SUL E A IGREJA
CATÓLICA
Conforme citado nos catulos anteriores, a publicação de discursos da Assembléia
Provincial do Rio Grande do Sul foi constante, principalmente nos quatro primeiros anos da A
Estrella do Sul. Muitos foram os assuntos abordados, contudo, o principal fio condutor que
levava esses discursos às páginas da A Estrella do Sul era a relação entre a política gaúcha e a
Igreja Católica.
Nesse capítulo, veremos que na política rio-grandense existiam dois grupos bastante
distintos: aqueles que defendiam ferrenhamente os ideais católicos, o espaço da Igreja no Rio
Grande do Sul e suas relações com a política desse Estado e aqueles que defendiam o
liberalismo como ideologia política, bem como a restrição do espaço da Igreja na política do
Rio Grande do Sul.
3.1 DISCURSOS
Dentro do ponto de vista do agendamento proposto pela A Estrella do Sul, os discursos
eram utilizados para mostrar à comunidade católica seus representantes no meio político, bem
como os contrários às idéias católicas ou ao espaço católico no Rio Grande do Sul. Pela
utilização de discursos da Câmara dos Deputados, foi necessário utilizar citações longas,
que a interrupção das mesmas prejudicaria a compreensão.
A importância desse capítulo se da no sentido de vislumbrar as idéias referentes à
religiosidade extra A Estrella do Sul, ou seja, o ponto de vista dos políticos rio-grandenses
referentes à religiosidade, tendo em vista que religião e política, naquele momento, como
mencionado, estão unidos no Brasil e que esse vislumbre das idéias políticas por deputados e
71
não por padres, faz parte da estrutura do agendamento. Este nos permite perceber como as
opiniões lançadas pelo veículo oficial da Igreja, que era A Estrella do Sul, têm sua
repercussão no meio público, além de evidenciar que o Semanário, ao publicar os discursos da
Assembléia, mantém as questões que lhe interessavam bem enfocadas.
O primeiro agendamento nesse contexto é o culto público e o relatório que permite
perceber como estava a condição do clero no Rio Grande do Sul no início das publicações da
A Estrella do Sul. Isso prova que os acontecimentos religiosos deveriam passar pela tutela do
Estado como perceberemos a seguir:
Trecho do relatório apresentado á Assembleia Provincial pelo Exm. Sr, Presidente
da Provincia.
Culto Publico
A Igreja Rio-Grandense vai sentindo os beneficos effeitos da zelosa administração
de seu digno Prelado, e suas necessidade que o podem ser completamente
satisfeitas, o irão sendo gradualmente.
Tenho prestado o auxilio que cabe em minhas attribuições para que o culto divino
seja celebrado com a devida decencia, mandando satisfazer as requisições de
paramentos e alfaias para as freguezias mais necessitadas, com o que já se tem
despendido a somma de 3:799$562 reis.
Esperão-se outros paramentos e alfaias encommendadas para as Matrizes N.S. da
Conceição de Viamão, Anjos da Aldêa e Soledade.
Estão providas de Parochos collados de 19 freguezias, de encommendados 36 e
vagas 15.
Resentindo-se o Bispado da falta de Sacerdotes acaba o Governo Imperial, sob
proposta do Prellado, de antorisar, por Aviso expedido pelo Ministerio do Imperio
em 30 de Julho p.p a nomeação de Sacerdotes extrangeiros; para Parochos
encommendados em falta de nacionaes; ficando porém taes nomeações dependentes
de approvação do mesmo Governo.
73
Fica visível no discurso anterior que o Estado, mesmo sendo provedor das
necessidades da Igreja, não consegue suprir de material humano suas paróquias. Percebe-se,
nesse discurso, que são quinze as vagas para sacerdotes, ou seja, um déficit no quadro da
Igreja demonstrando que as idéias referentes ao seminário, o que já foi demonstrado no
capítulo anterior, estão corretas, já que a grande intenção do prelado era suprir, através da
formação do seminário, essas vagas com sacerdotes que haviam passado por sua tutela. Essa
publicão prepara o terreno para o próximo discurso referente ao seminário episcopal:
73
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. 12 out. 1862, p. 10.
72
Seminario de São Feliciano
O numero dos alumnos que frequentão as differentes aulas do Seminário Episcopal é
actualmente de 16, estando matriculados na aula de Latim 12, Francez e Geographia
6, Inglez 3, Rhetorica 3, Philosofia 3, Moral 2, Theologia dogmatica 3, Canto
Gregoriano e Lithurgia 16.
A differença que se nota entre o numero de alumnos matriculados nas diversas aulas,
provem de que cada um d’elles frequenta mais de uma aula.
Desde 1853, data da fundação do Seminario, até hoje, tem recebido ordens sacras
desoito individuos, sendo com Demissorias em Sede Vaccante 4. Os desoito são: -
Brasileiros 17, inclusive 1 naturalisado, e estrangeiro 1.
Ainda não se deu principio ao edificio para o Seminário, que continua em um predio
particular, existindo para essa obra a quantia de vinte oito contos de reis, producto
da subscripção promovida pelo fallecido Bispo.
A principal difficuldade para se levar a effeito a edificação do Seminario esta na
falta do terreno, cuja compra absorveria talvez a referida quantia.
Pende de decisão vossa o pedido que o Exm. Prelado fez o anno passado do terreno
que foi do finado Commendador Israel Soares de Paiva, e hoje é proprio provincial.
Se elle fosse cedido para a dita edificação, teria a Província direito quase perfeito
para tambem lhe ser cedido o proprio nacional de que acima fallei.
S. Exm. Revm. tambem pede um auxilio pecuniario para poder admittir no
Seminario certo numero de moços pobres que queirão dedicar-se ao estado
ecclesiastico, á exemplo do que já se pratica em algumas Provincias do Imperio,
visto como os seis dos actuaes Seminaristas são sustentados à custa da caixa pia do
Bispado, alem de outro que á expensas da mesma caixa cursa na Europa os altos
estudos ecclesiasticos, e um que paga meia pensão, o que tem motivado não serem
outros aceitos por deficiencia de meios, posto que a mensalidade fixada seja
modica.
74
A eloqüente petição está em consonância com o primeiro discurso. O agendamento
proposto nesse sentido é que há necessidade de sanar um problema antigo no Rio Grande do
Sul, a falta de sacerdotes. Constata-se também que praticamente o número de vagas que se
tem no Rio Grande do Sul para sacerdotes é o número de inscritos no seminário e devido a
grande preocupação da formação desses é necessário que o seminário tenha um prédio próprio
com condições de formar jovens que estejam interessados na vida religiosa.
A grande luta de D. Sebastião era formar um clero nacional. Para isso, como já
citamos no segundo capítulo, seria necessário utilizar cada vez menos sacerdotes estrangeiros.
Como o liberalismo estava se alastrando pelo mundo, o prelado não poderia arriscar o seu
rebanho e colocar entre os seus comandados sacerdotes que poderiam ter essa formação. Se
essa formão fosse feita sob sua tutela, esse teria mais segurança de saber com que tipo de
sacerdote estava lidando.
74
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. 12 out. 1862, p. 10.
73
3.2 OS DISCURSOS SOBRE PROTESTANTISMO E O CLERO NACIONAL E OS
PADRES ESTRANGEIROS.
Como já escrito no primeiro capítulo, uma das grandes discussões políticas publicadas
na A Estrella do Sul foi alusiva à entrada na pauta de discussões da Câmara a necessidade do
auxílio do Estado às colônias de imigração existentes no Estado. Essa discussão tinha um
fundo político, pois entrava no campo da oficialidade constitucional da Igreja Católica, sendo
ela a instituição religiosa oficial do Estado em oposição às outras religiões que entraram no
Brasil e no Rio Grande do Sul decorrentes da imigração, como já citado.
Entretanto, um ponto a ser ressaltado é que além desse assunto ser discutido no campo
político, fatores econômicos ganharam um ponto de destaque nesse embate político. Isso
porque para os representantes da Igreja era inadmissível que um Estado católico
subvencionasse da mesma forma que os sacerdotes, pastores protestantes que dessem auxílio
espiritual às colônias. É evidente que a preocupação nesse sentido era a igualdade não apenas
no âmbito político de obtenção de espaço, como também no campo econômico pela
subvenção desse Estado, conforme fica esclarecido na citação abaixo:
Discurso do Sr. Dr. Bitencourt pronunciado na Assembleia Legislativa desta
Província acerca do projecto de Lei, que manda subvencionar pastores protestantes
para as colonias.
O Sr. Bitencourt: - Sr. presidente, não sou tambem, como disse o nobre deputado o
Sr. Silvera Martins, padre, não estou tambem por consequencia preparado para
entrar nessa discussão. Tinha-me limitado a presenciar a discussão e esperava ouvir
ainda a opinião competente na materia de alguns de nossos collegas para poder
firmar a resolução em que estava de votar contra a materia, vendo porem que se vai
encerrar a discussão, e que das opiniões competentes dos q’ considero profissionaes
apenas uma se manifestou, não tenho remedio senão occupar um pouco a attenção
da casa para manifestar-lhe a maneiro porque entendo a questão, que se discute, e a
maneira por que tenho de votar nella. Parodiando o illustre deputado, a que me
referi, V. Exc. me permittira que eu diga que, porque sou catholico romano, porque
creio na santidade desta religião, e tambem porque sou filho de um paiz cuja lei
fundamental adoptou exclusivamente como sua a religião catholica romana,
tolerando apenas as outras dissidentes, é que eu não voto pelo projecto que esta em
discussão.
Senhores, ainda quando se podesse demonstrar com os immensos recursos da
intelligencia dos illustres advogados do projecto, que elle é constitucional, ainda
quando elles me podessem convencer de que adoptando-se as disposições que nelle
se contem, nós não iremos animar uma religião que é opposta a nossa, ainda assim,
74
Sr. Presidente, o meo voto seria contra o projecto, que esta em discussão, por o
considerar summamente inconveniente e perigoso.
75
O perigo a que o deputado Bittencourt remete era justamente o de financiar algo
contrário às intenções da Igreja e o de prejudicar a relação entre a Igreja Católica e esse
Estado. Ainda com relação ao discurso, nota-se que o primeiro grupo se forma, os que
defendem a Igreja e suas intenções na Câmara. O grupo daqueles que prejudica o espaço da
Igreja atendendo as necessidades de outras comunidades religiosas será abordado em outro
momento.
Um dos grandes aliados do grupo defensor da Igreja era o deputado Bittencourt.
Segundo Colussi, “José Bernardino da Cunha Bittencourt era um verdadeiro porta voz dos
posicionamentos e vontades do bispo, católico convicto, este, ao lado daquele, foi um
combatente ferrenho do liberalismo.”
76
Ainda nesse contexto, Colussi analisa que as
diferenças de pensamento político e ideológico indicavam a cristalização de um confronto no
campo das idéias e que, posteriormente, os grandes protagonistas desse embate seriam os
maçons e a Igreja Católica, porém, em uma década posterior.
Continuando a análise da citação, o deputado Bittencourt, de forma enfática,
demonstra que a subvenção do Estado, na vio dele, era inconstitucional e que o direito de
ter sacerdotes subvencionados pelo Estado era apenas dos católicos. Ele ainda afirma que se
os protestantes quisessem esse direito, eles, com recursos próprios, deveriam subvencionar
esse serviço. Fica evidente também nesse trecho que o deputado Bittencourt declara que ser
católico é ser um cidadão que recebe o retorno do Estado, e que, por outro lado, não ser
católico, ou seja, protestante, significava receber as penalidades ou privações de não
compartilharem das oficialidades do Estado, conforme podemos observar abaixo:
Sr. Presidente, é preciso que cada um de nós nesta casa se lembre de que falla em
um paiz, e mais particularmente em uma provincia, em q’ um grande numero de
individuos das muitas colonias que temos, aceita e segue a religião protestante; é
preciso que cada um de s se lembre, que pela maneira porque temos discutido a
questão, pela maneira por que temos declarado necessaria e absoluta a tolerancia
75
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 10. 7 dez. 1862, p. 75 77.
76
COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria Gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Editora UPF, 2003, p. 391.
75
religiosa ou a liberdade dos diversos cultos, nós o fazemos mais do que acoroçoar
a crusada que já se tem levantado do protestantismo contra o catholicismo do
protestantismo que vive á espreitar a occasião de ensinuar-se em todos os animos.
Srs., basta que se leia os artigos de um jornalico alemão que é redigido e sustentado
por individuos da seita protestante, e q’ se publica nesta cidade para se ver o
protestantismo tratar de alçar o collo, que elle vai ao ponto de querer absorver o
catholicismo pretendendo (louca vaidade) regenerar por meio da propaganda esta
acanhada e definhada raça, (como elles dizem) de catholicos existentes no Rio
Grande do Sul. Que mais acoroamente querem os nobres deputados que advogão
a adopção do projecto, que maior animação querem dar á semelhante idea, à
semelhante seita, do que mandar subvencionar os seos pastores, isto é, os advogados
natos de sua seita pelos cofres publicos? Nem com isto, isto é, com a negação do
subsidio nós inhibimos aos que seguem o protestantismo de que tenhão seus
pastores, o que queremos é que os tenhão unicamente pelos exforços proprios, pelos
proprios recursos. Sr. presidente, tem-se-nos taxado a nós, que combatemos o
projecto de pouco liberaes em materia de religião. Nós somos liberaes perante a
constituição e na forma da constituição, que é a lei suprema do estado, e a
constituição, que á respeito da religião dissidente apenas estabelece que a religião
catholica apostolica romana seja a religião do estado, nos impõe o limite da
liberdade que a qui devemos ter em semelhante materia, quando legislamos sobre
ella.”
77
O Sr. Bittencourt utiliza a prerrogativa constitucional para ratificar o seu
posicionamento, pois para ele o espaço da Igreja não deveria ser desrespeitado pelo Estado
sendo ele mesmo provedor dessa Igreja e subvencionar um grupo contrário a ela, pareceria
incoerente.
Um Sr. Deputado: - A subveão não é dada à religião, é dada á lavoura do paiz.
O Sr. Bitencourt: - Eu não posso apreciar devidamente a distincção que o honrado
deputado, que acaba de dar-me e aparte, quiz fazer, entre a subvenção á religião, ao
pastor e que faz parte de uma colonia. Srs., como é que se sustenta a religião, como
é que se acoroçoa; como se mantem uma religião? E’ subvencionando-a e dando-lhe
os meios de progredir. E para isso eu creio que nenhum outro meio se pode
empregar com mais vantagem, nem melhores resultados póde trazer. A subvenção
n’este caso é reconhecimento official do protestantismo.
Sr. presidente, não sou professional em jurisprudencia: qualquer expressão portanto
ou qualquer argumentação, que quizesse empregar no sentido de mostrar a
inconstitucionalidade do projecto, poderia ser taxada por certo de temeridade, mas,
Srs., sem entrar nos areanos da interpretação juridica, e antes guiando-me
unicamente pelo bom senso, por aquellas regras de grammatica que me ensinão á
interpretar uma disposição positiva da lei eu não posso deixar de enxergar, ainda
apezar dos muito brilhantes argumentos, apresentado pelos illustres defensores do
projecto, que ele é inconstitucional. O que diz a constituão do estado, o que faz
ella quando trata de materia religiosa? Reconhece como religião única a catholica
romana, permitte porem a existencia de todas as outras; porem recomenda que sejão
exercidas em casas particulares e sem forma exterior de templo...
Um Sr. Deputado: - E assim ha de ser exercido.
77
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 10. 7 dez de 1862, p. 75 - 77.
76
O Sr. Bitencourt: - Mas assim não tem sentido exercido, e se não tem assim sido
exercido sem as disposições do projecto, o que acontecerá quando este projecto for
transferido em lei?
E porque vejo que o protestantismo não recua é que entendo que não devemos
acoroçoal-o para que elle não tome mais largas proporções, que podem trazer graves
resultados á nossa sociedade.
Senhores, quando eu vejo um administrador de provincia se prestar a ir lançar a
primeira pedra de uma casa de oração evangelica, que contra a recommendação da
constituição, tem a forma exterior de templo, e isto aqui mesmo na capital no meio
de uma populão catholica: quando eu vejo que o podemos acoroçoar á que outros
abusos se pratiquem, se este projeto passar transformando-se em lei, não posso na
occasião em que nos achamos deixar de protestar em muito bom som, que me
opponho à adopção d’este projecto, bem como á tudo quanto for tendente a
acoroçoar semelhante crusada que de ser fatas as crenças de nossa descendencia.
Srs., ou somos catholicos, ou não somos, ou somos constitucionaes, ou não somos.
Se somos catholicos e como catholicos temos uma constituão que nos
recommenda essa religião, não acoroçoemos officialmente, e por meio do dispendio
dos cofres publicos, a existencia de uma seita, que nãoé opposta à nossa religião,
mas que de mais a mais tenta absorvel-a desmoralisando-a. Ou se o não somos,
adoptemos então o projecto que se discute. Sr. presidente, qual, ou de que meios de
hora em diante lançarão mão os catholicos romanos para reduzir os colonos a
conversão á nossa religião, quando elles adquirem com esta lei, esse grande
argumento de que nós acoroçoamos a sua seita por meio da subvenção para resistir?
O resultado de tudo isto, Sr. presidente, será que de ora em diante as poucas familias
catholicas, que existem no centro da colonisação, em lugar de se manterem na
crea de sua religião, hão de ser absorvidas pelo protestantismo que acoroçoado
por esta forma não hesitará ante meio algum para prosperar e fazer proselytos.
Explicado por esta forma o meu voto contra o projecto, eu não tomarei mais tempo á
assembleia, debatendo a questão para outra face encarada pelos que me
precederão.
78
Mesmo com toda essa retórica o artigo foi votado. Segue o discurso:
Entra em discussão o art. 2º, vem à mesa, é lido, apoiado, e entra conjunctamente em
discussão a seguinte emenda:
Supprimão-se as palavras – caracter sacerdotal. – Néri.
O Sr. Barcellos: - Pedi a palavra, Sr. presidente, unicamente para pedir ao nobre
deputado, autor da emenda que se discute, que se digne de explicar-me como fica o
art., supprimindo-se as palavras de que trata a mesma emenda; se é bastante para ser
pastor em condicões vantajosas provar regularidade de conducta e morigeração de
costumes.
Até agora dizia o art. que o pastor devia provar caracter sacerdotal, regularidade de
contuda etc.; mais agora desejo ser esclarecido sobre a utilidade de retirar as
primeiras palavras, ficando as outras que são acessorias. Parece-me que se devia
exigir que todos que fossem para as colonias tivessem boa morigeração.
Eu voto contra o art., mas desejava ser esclarecido quanto à emenda.
79
78
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 10. 7 dez de 1862, p. 75 - 77.
79
Ibidem.
77
Por mais que o Sr. Barcellos tenha exposto seu posicionamento a respeito da
subvenção do Estado aos sacerdotes protestantes, o projeto é aprovado. A aprovação do
projeto representa uma derrota da Igreja Católica na política rio-grandense.
Ainda dentro da reflexão sobre a luta política entre católicos e protestantes,
demonstra-se necessário fazer um adendo à questão dos sacerdotes nacionais e estrangeiros
dentro da Igreja Católica. Esse foi um assunto muito debatido pela A Estrella do Sul, desde o
início de sua publicação até o seu final.
Havia uma necessidade, por parte de D. Sebastião, da formação de um clero fiel às
intenções que ele almejava para a Igreja Calica no Rio Grande do Sul. Preferencialmente
dentro dessas intenções não estava incluído a atuação de sacerdotes que não fossem formados
a partir da vigilância do bispo. Esse fato fica evidente no decorrer de uma leitura mais
sistemática do Semanário. A discussão ganhou as páginas da A Estrella do Sul através de um
discurso da Câmara dos Deputados em que o Sr. Bitencourt defende o posicionamento de D.
Sebastião, conforme veremos a seguir:
Sessão em 26 de março de 1863.
Discurso do Sr. Dr. Bitencourt.
(Continuação do numero 30)
O Sr. Bitencourt: - Desafio o honrado deputado á que nos mostre, que um
estrangeiro naturalisado tenha o cupado alguns d’esses logares de preferencia aos
filhos do paiz em identicas circumstancias. Se o honrado deputado entrasse
despreoccupado sem paixão nesta questão com facilidade podia verificar que são os
filhos do nosso ainda moderno seminario, estes jovens sacerdotes que ainda não tem
a experiencia desejável e necessaria que tem sido aproveitados para irem parochiar
as diversas freguezias da provincia, e então renderia comigo homenagem ao
illustrado Prelado pelo espírito de justiça e rectidão com que nesses provimentos
sempre tem guiado.
Não tem pois havido protecção a nenhum estrangeiro, para com elles tem havido
apenas tolerancia e justiça e o aproveitamento de seus serviços. Os estrangeiros que
existem aqui, com mui raras excepções, são os que já existião no tempo do fallecido
Bispo, de gloriosa memoria, o Sr. D. Feliciano; tem vindo um ou outro padre da
congregação de Jesus, mas estes quasi sempre tem servido nas gratuitamente e
outros com pequenos estipendios da população a quem vão soccorrer de pasto
espiritual, fazendo com isto grandes serviços á religião e ao paiz.
Ainda ha pouco tempo achava-me no palácio episcopal, quando veio o superior
d’esses padres declarar a S. Exc. Revm. Que podia satisfazer ao pedido que o Sr.
Presidente da provincia fazia instantaneamente de mandar um padre para a colonia
de Sancta Cruz, porque dos dois que erão recem chegados á capital um d’elles estava
prompto a ir parochiar aquella colonia visto que fallava o allemão. Qual dos nossos
78
padres estaria nas mesmas condições de bem servir como este?... Qual d’elles pedio
ou prestou se a ir para aquelle logar?
No entanto cumpre declarar que a iniciativa para esta nomeação não veio do Sr.
Bispo, era solicitação instante do Sr. Presidente da provincia, a quem tinhão chegado
reclamações muito repetidas e justificadas dos catholicos daquella colônia que não
tinhão alli quem lhes ministrasse o pasto espiritual.
A’ vista d’isto não resalta á toda a luz a injustiça que o honrado deputado irrogou ao
nosso illustrado Bispo, que lhe empresta a má qualidade de perseguidor e parcial?...
Sem duvida alguma.
O Sr. Ávila: - Eu teria prazer em ser convencido de injusto.
80
Mesmo tendo um exemplo da imparcialidade do bispo para com as questões do
privilégio de nacionais em detrimento dos estrangeiros, verifica-se que no decorrer do
capítulo anterior, capítulo sobre o seminário episcopal, esse privilégio dos nacionais é
percebido facilmente:
O Sr. Bitencourt: - Pois necessita de mais provas para convencer-se?! Não que a
injustiça vertida n’uma accusação sem ser acompanhada de factos á uma autoridade
de tal importancia póde transviar e desmoralisar a opinião entre nós acarretando
grandes inconvenientes?!...
Senhores, quando é que a colonisação soffreo alguma cousa por funccionarem nas
colonias os padres estrangeiros mandados pelo Sr. Bispo?
O Sr. Ávila dá um aparte.
O Sr. Bitencourt: - Não temos padres nacionaes que fallem o allemão, quaes então
divião ser os que para alli fossem mandados? Na falta dos primeiros podia-se deixar
a população catholica sem sacerdotes e entregue a pastores protestantes?...
Sr. Presidente, é precizo desconhecer-se o carcter de que está revestido o Prelado
diocesano para se lhe fazer um crime do facto de empregar elle todos os meios para
desenvolver o espirito religioso. O que é o Bispo entre nós? É o representante da
autoridade ecclesiastica, é o ministro mais graduado da nossa religião: o que deve
fazer elle, quaes suas obrigões? não é, por todos os meios licitos, sustentar e
afervorar o espirito religioso?
Contrariou S. Exc. Alguma vez esse principio, n’esta posição, nas attribuições que
tem, e n’estas obrigações que desempenha? constou, ou alguem pôde provar
que elle pregasse a intolerancia religiosa? Só com divagações o accusão, e não com
factos.
(Ha diversos apartes.)
Não ha sacerdote, Sr. Presidente, posso dizel-o com inteira verdade, que admitta
mais a tolerancia religiosa do que o actual Sr. Bispo Diocesano; o que elle não quer,
e não deve querer, assim como todos nós que somos catholicos, é a absorpção do
catholicismo pelo protestantismo; elle é que não quer, nem deve querer é admittir a
tolerancia religiosa levada a tal ponto que se confunda com as seitas que existem na
população allemã. Semelhante tolerancia seria criminosa, pois que contrariaria a
religião do estado, que a consituição determina em um de seus artigos seja a religo
catholica e apostolica romana a unica admittida no estado, e que as outras serão
sómente toleradas....
81
80
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 31. 10 maio 1863, p. 245 - 247.
81
Ibidem.
79
Demonstrando que o Prelado era um sacerdote tolerante para com os padres
estrangeiros, o deputado Bitencourt sempre se remete à lei e à oficialidade da Igreja Católica.
Repetidas vezes isso aconteceu nos pronunciamentos em assuntos diversos e em momentos
diversos. Dentro desse agendamento, podemos observar que o sentido legitimador dessa lei
demonstrava-se um porto seguro para respaldar os argumentos propostos pelo principal
defensor da Igreja na Câmara dos Deputados. Às vezes, mesmo tendo argumentos para
defender-se, o melhor argumento era a lei do Estado, como fica evidenciado no que segue:
Um Sr. Deputado: - Ha completa tolerância na nossa constituição.
O Sr. Bitencourt: - .... em casas particulares sem forma exterior de templo; e tanto a
constituição quer que a religião catholica seja a unica do estado, que admitte a
tolerancia nas outras e exige que não tenhão culto externo.
E qual é o acto pelo qual se possa demoonstrar que o Sr. Bispo tem contrariado estes
principios, fazendo com isso mal á colonisação?
O Sr. Ávila: - Havemos discutir esse ponto.
O Sr. Bitencourt: - Empraso ao nobre deputado para que me mostre um unico acto
d’essa qualidade. Se é aquelle que foi attribuido a S. Exc. pela imprensa de
contrariar as pretenções de um padre allemão em uma das linhas da colonia de S.
Leopoldo, mal avisado andará quem delle se prevaleça, porque estará muito longe da
verdade. Demais este facto de nenhuma fórma prova um acto de intolerância, porque
o padre que se dizia perseguido por S. Exc. Revm. era um padre catholico, ou que
como tal se denominava; era estrangeiro tambem, e por tanto está fora da accusação
que se faz de só pôr ao lado aos padres brasileiros. Com a força de vontade que
empregou para retirar aquelle padre d’aquelle logar S. Exc. Fez o que devia para
sustentar a moralidade d’aquella colonia, fez um verdadeiro serviço á colonisação e
á religião, porque o padre era um padre atrabiliario, e mal intencionado, que o
fazia mais do que levar a descrença ao meio daquelles catholicos entre os quaes
vivia; a descrença sim, porque nada mais poderoso para simentar a descrença
religiosa no espírito do povo, do que os actos immoderados, a immoralidade, e a
licença do ministro que prega uma religião cujos dictames e preceitos não exercita.
Pensa o nobre deputado, ou julga que este facto é contra a colonisação, que a
repressão que se fez a esse parocho por parte da autoridade ecclesiastica foi um mal?
Nada mais contra a colonisação do que a conservação daquelle padre naquelle logar,
nada mais inconveniente para a religião do estado, para a salvação d’aquellas almas
catholicas do que a permanencia de semelhante padre n’aquelle logar, porque era o
elemento da discordia entre todos os padres catholicos, que para ali ião.
Tive occasião, Sr. Presidente, quando se ventilara a questão da conveniência de
continuar ali esse padre, que teve em seu favor representações de protestantes, de ver
cartas delle dirigidas ao honrado Sr. Bispo, e não hesito em declarar á casa que a sua
linguagem a respeito do Brasil era a mais indigna e revoltante que se póde proferir; á
nós os brasileiro que o tinhamos hospedado com bondade, e acolhido com distincção
tractava de <víboras bilíngües e raça degenerada > e ameaçava de transtornar a
colonisação por meio de escriptos, se o illustrado Sr. Bispo o creasse ali uma
freguezia para se incartar nella. E’ um padre destes, que espanca um menino a
ponto de deixal-o por morto, e que depois como desculpa declara ao Sr. Bispo que o
argúe sobre o facto, havel-o espancado porque padece de molestia de figado que lhe
dá frenesins que não póde dominar, que se deve tolerar? Nestas circumstancias
deveria o Sr. Bispo consentir que continuasse semelhante padre a administrar os
sacramentos áquella parte da população catholica? de-se chamar a isto
intolerancia, mal á colonisação, perseguição? Com a retirada daquelle padre, repito,
o Sr. Bispo prestou á colonisação e á moralidade o maior serviço que podia prestar.
80
A accusação que se basea n’este facto e que occupei-me com ella por ser o cavallo
de batalha dos accusadores, é improcedente e injusta.
82
O fragmento acima respalda a teoria anterior de que havia a necessidade do bispo
conhecer, detalhadamente, a formação de seus sacerdotes. O mesmo não era possível com os
estrangeiros. Nesse caso, o possível mal causado por estes, por menor que fosse seu tempo de
atuação, poderia ser de extrema nocividade. No caso das colônias, esse cuidado era
importante por ser esta uma região extremamente tensa pela diversidade religiosa. Esse
assunto vai receber um viés de ofensa pessoal às características de governo sacerdotal do
prelado, como se verifica a seguir:
Disse ainda o honrado deputado que S. Exc. Revm. queria plantar entre nós o
ultramontanismo. Provou acaso esta proposição? Mas vejamos o que é o
ultramontanismo? E’ uma porção de homens da mesma religião que descordavão em
certas disposões disciplinares e por isso dividirão-se em dous grupos, estando um
delles além dos Alpes...
O Sr. Ávila: - O ultramontanismo, é o absolutismo.
O Sr. Bitencourt: - E’ engano do honrado deputado, os ultramontanos tiveo
semelhante nomeada na idade media por estarem além dos Alpes, e serem contrarios
a certos pontos de disciplina. Como, pois, se diz que S. Exc. Revm. quer plantar o
ultramontanismo? Que significação se quer dar á esta palavra entre nós? O
ultramontanismo é a religião catholica, e ser catholico é ser ultramontano com
Montalembert que nem por isso deixa de ser um dos sustentaculos da liberdade. Mas
ultramontanos não é o que disse e pensa o honrado deputado; e que fosse, pergunto
em que facto, porque acto traduzido em palavras ou por escripto manifestou S. Exc.
Revm. se quer a lembrança de trazer estas questões para a sua diocese?
E’ preciso não accusar sem provas.
Eu que tenho acompanhado com interesse todos seus actos posso declarar ao
honrado deputado que o que elle quer é administrar a sua diocese e prover a religião
como ella deve ser, zelando-a e fazendo-a respeitar e não deixando sem repressão os
delictos que por ahi havião, praticados pelos próprios sacerdotes, no que o faz
pouco; mas ainda assim, Sr. Presidente, no empenho de regenerar o clero da
província como ironicamente se exprimiu o honrado deputado elle tem sido tão
humanod quanto prudente, tão sabio quanto providente, tão digno quanto póde e
deve ser digno um ministro de Jesus Christo.
83
Realmente D. Sebastião era ultramontano. Poucas vezes, no Semanário, tivemos uma
acusação tão clara à condição ideológica do bispo por parte de um dos deputados da Câmara.
82
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 31. 10 maio 1863, p. 245 - 247.
83
Ibidem.
81
O ultramontanismo, segundo Isaia correspondia a uma centralização sob a égide de Roma,
culminando com a proclamação do dogma da infalibilidade papal”
84
, em outras palavras, o
clero ligado à Roma descrito no segundo capítulo.
O mais interessante é que o deputado Ávila, um dos deputados que pertence ao grupo
de oposão ao bispo, faz uma colocação utilizando o termo ultramontano de forma pejorativa,
ligando o ultramontanismo ao absolutismo. Nesse momento histórico, da história do Brasil e
do mundo, ligar o ultramontanismo à ptica política absolutista era trazer dúvida às intenções
da Igreja no Brasil, Igreja essa ligada a Roma, pois os políticos liberais, nesse momento,
clamavam por liberdade e essa liberdade viria do liberalismo político e econômico.
Era justamente por esse motivo que ficou declarado explicitamente o confronto entre
Igreja Católica e liberalismo. Um defendia a tradição tanto política como religiosa e o outro
defendia o progresso e a liberdade religiosa, como fica claro na obra “Maçonaria Gaúcha”,
onde Colussi declara: no Rio Grande do Sul, outros ingredientes aceleraram esse confronto,
novamente o bispo deveria se debater com a resistência dos liberais e maçons contra a vinda
de padres estrangeiros para a província...”
85
. Colussi cita Balén:
“para suprir a parte espiritual dos imigrantes, [a Igreja Católica] necessitava de
sacerdotes e teve de aceitar não poucos estrangeiros. Em abril de 1873, publicara o
governo um decreto facultando aos bispos poder em dar ordens sagradas aos clérigos
que fossem necessários ao serviço da Igreja, mas declarava competir as assembléias
conceder licença e fixar o número de candidatos que podiam ser admitidos nas
ordens religiosas até parecia estar o bispo em país acatólico embora nação e Igreja
estivessem unidas por concordata. Na assembléia provincial eram comuns os
protestos e pedidos de informações de deputados sobre assuntos de administração
eclesiástica.”
86
As petições administrativas de informações de atividades do clero acabam acirrando
ainda mais as relações entre a política secular e as intenções da Igreja, que muitas vezes a
84
ISAIA, Arthur César. Catolicismo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998,
p. 21.
85
COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria Gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Editora UPF, 2003, p. 392.
86
BALÉN apud COLUSSI, 2003, p. 392.
82
política intervinha em assuntos restritos a ela. Essa intervenção acontecia até mesmo na
escolha de quem poderia receber as ordens sacras da Igreja.
Para que o espaço político da Igreja não fosse mais ofendido, o Semanário, através dos
ataques ao protestantismo e aos que eram a favor desses, serão efetivados, como vimos nesse
capítulo e também no primeiro capítulo. É importante ressaltar que o espaço aqui perdido não
ficava apenas no âmbito econômico, como foi citado, mas sim sobre influência da
comunidade.
A partir desse momento, a Igreja Católica não reinava mais sozinha no acesso à
religiosidade dentro da política porque outras denominações haviam conquistado esse espaço.
Para a Igreja, esse fato era bastante preocupante. Devido este fator, era necessária a atuão
não apenas no âmbito espiritual, mas também no campo político.
Os pronunciamentos feitos dentro do agendamento - catolicismo e protestantismo - se
prolongaram por muitas semanas. Esse retorno é o que dava uma visão do que estava
acontecendo fora do âmbito da Igreja, o que enriquece essa pesquisa, uma vez que dentro da
técnica do agendamento é necessário entender quais são as repercussões que o assunto
agendado provoca nos leitores em geral.
Para ampliar este agendamento fez-se necessário sistematizar o estudo em outros anos
de publicação para averiguar se a luta entre protestantismo e catolicismo se ampliou. Nota-se
que no ano de 1866 as tenes exacerbaram-se em torno do casamento civil e da emigração,
temas esses relacionados ao conflito, como citamos anteriormente. O casamento civil foi
um ponto determinante para que os defensores do protestantismo tivessem espaço para que os
imigrantes conseguissem seu registro de casamento e, desta forma, obter um enlace
matrimonial legal, pois muitos deles, por serem protestantes, não possuíam esse registro.
Outro ponto a ressaltar foi a entrada mais efetiva dos imigrantes na vida política
riograndense através da discussão da elegibilidade dos mesmos e, por conseqüência, o
possível acesso dos protestantes à política do Rio Grande do Sul. Para os católicos, isso era
inadmisvel, seria perder muito espo dentro da política, como veremos a seguir:
83
Senado
Sessão em 17 de Maio de 1866.
Presidencia do Sr. Visconde de Abaeté.
Emigração e casamento civil.
O Sr. Zacarias: - Ninguem contesta que a emigração seja uma necessidade
indeclinavel do paiz: todo o esforço tendente a satisfaze-la merece louvor.
As reuniões de nacionaes e estrangeiros, em Janeiro e Fevereiro deste anno, afim de
promover meios de chamar a emigração para o Brasil, deram em resultado um
projeto de estatutos que pende de approvação do governo, se é que o foi
approvado.
Essa sociedade merece de todos os Brasileiros sinceros louvores; os seos membros,
nacionaes e estrangeiros, bem merecem do paiz; porém nem por isso a empreza
projectada deixa de suscitar apprehensões, sobre as quaes o orador deseja chamar a
attenção do governo imperial.
Além da reforma de algumas leis nossas que realmente são defeituosas, e de
algumas novas medidas que a associação lembrou, e com as quaes não está o orador
de concordar, ha tres pontos essenciaes sobre que versa a sua propaganda:
a suppressão de toda a differença entre o cidadão natural e o naturalisado, isto é, a
plena elegibilidade deste para as funcções legislativas; a perfeita validade do
casamento civil sem dependencia de intervenção da auctoridade ecclesiastica; a
inteira liberdade dos cultos.
Estas aspirações exigem indeclinavelmente a reforma da constituição; isto é, tocam
no que tem de mais melindroso a politica do paiz, e com o elastério, que se lhes quer
dar, fariam degenerar a emigrão em absorpção, dando s, a pretexto d favorecer
a emigração, um exemplo que ainda nenhum paiz deo.
Mas não estando em discussão projecto algum relativo a este assumpto, não é licito
entrar em amplos desenvolvimentos a respeito das reformas que se pretendem; e é
por isso que apenas indica essas tendencias de propaganda, chamando sobre ellas a
attenção do governo.
87
Essas reformas seriam extremamente nocivas ao catolicismo porque afetariam a base
do controle da Igreja sobre seus membros, ou seja, o controle de quem poderia participar da
política. Nesse caso seriam os políticos de origem católica e a possível entrada dos
protestantes, o registro religioso com efeito civil feito pela Igreja e a oficialidade estatal da
Igreja.
87
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 38. 24 jun. 1866, p. 297.
84
3.3 OS DISCURSOS E O BISPO
Acredita-se que a elite riograndense e os políticos tinham acesso aos escritos da A
Estrella do Sul até mesmo pelos ataques que na Câmara eram deferidos ao bispo. Além disso,
todas as paróquias recebiam A Estrella do Sul e através dessa via o semanário podia ser
conhecido, como veremos a seguir:
Assembleia Provincial de S. Pedro do Sul
Sessão em 26 de março de 1863
Discurso do Sr. Dr. Bitencourt
O Sr. Bitencourt: - Sr. presidente, preciso primeiro que tudo escoimar-me de uma
imputação injusta que me fez o nobre deputado, meu companheiro de lado, que
fallou em primeiro lugar nesta questão quando asseverou á casa, que se tinha
adiantado alguma cousa contra o procedimento do distincto Prelado Diocesano, ra
por ter sido provocado por mim. V. Exc. estava n’essa cadeira e devia ter visto,
assim como toda assembléa que o nobre deputado pretendeo demonstrar, que a
acção malefica do Sr. Bispo Diocesano sobre a sociedade, hia desvirtuando o
espirito de religião dos seus habitantes, é que eu dei alguns apartes em opposição
que fez com que o nobre deputado se lançasse no mar das recriminações, trazendo-
nos para corroborar sua opinião o facto que se deo na freguezia de Jaguarão, com a
irmandade do SS. Sacramento, quando foi annullada a eleição da mesa que ali teve
lugar.
Não fui por consequencia eu o provocador, ferido, como amigo e como cidadão,
sentido de que, de labios tão autorisados, como os do nobre deputado sahissem
palavras que de alguma forma manifestavão, atacavão mesmo a autoridade moral do
digno Prelado que nós devemos ser os primeiros á zelar.
O Sr. Avilla: - Elle deve-a zelar primeiro que ninguém.
O Sr. Bitencourt: - ....eu não podia deixar de protestar com alguma energia mas sem
inconveniencia contra aquellas palavras, que se erão a expressão de uma opinião não
tinhão para mim fundo de verdade e de justiça.
Não tendo sido á vista d’isto o provocador, e escoimado da accusação que se me fez,
verei se posso tambem sustentar, apezar de profano na materia, os principios que tão
luminosamente forão trazidos á casa, quer pelo parecer que está em discussão, quer
por um de seus illustres autores, que faltou em primeiro lugar.
88
Fica evidente que o posicionamento do bispo do Rio Grande do Sul o era uma
unanimidade, pelo contrário, recebia críticas contundentes, e estas críticas vinham
acompanhadas da perda do espaço político. Além disso, a grande briga entre o Estado e a
posão do prelado acontecia se conhecer o limite dos deveres do Estado e do bispo. Essa
88
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 27. 12 abr. 1863, p. 212 - 214.
85
linha divisória era bastante tênue e tensa, visto que muitas vezes o Estado intervinha nas
atitudes do clero, como já vimos no segundo catulo.
Todavia, essa intervenção também se deu através de pronunciamentos na Câmara dos
Deputados. A citação a seguir sedividida em três partes para um melhor entendimento. A
primeira discorrerá sobre a autoridade do bispo como prelado diocesano; a segunda sobre a
autoridade dada pela Igreja mundial para as atitudes do prelado e a terceira fará uma ligação
de fatos que ocorreram no Brasil e no Rio Grande do Sul referente às atitudes eclesiásticas e
de seus prelados. Os comentários serão feitos no decorrer dessas três divisões:
Sr. presidente, que aos bispos compete influir na divisão ecclesiasticas das
freguezias de suas dioceses, é ponto que modernamente tenho visto contestar-se
n’esta casa; não há um unico canonista moderno de nota, não um unico destes
vaes sabios que tem illustrado a Igreja com seu nome, seu talento e seus escriptos,
não uma unica opinião desses jurisconsultos abalisados que tem conhecimentos
especiaes da mateia, que tenha contestado aos Bispos o direito de intervir nas
divisões ecclesiasticas das freguezias de suas dioceses.
Isto, Sr. presidente, prova-se por uma inducção muito facil de comprehender-se; e
por argumentos singelos que estão ao alcance de todos; nem é preciso remontar-se
aos tempos primitivos do christianismo para saber-se donde dimana o poder dos
Bispos; a história infallivel nas sua apreciações poderia servir-nos de socorro, mas
della não precisamos para o caso.
O Sr. Néri: - Ah! pobre história.
O Sr. Bitencourt: - Sr. presidente, quem rege a Igreja ou as questões religiosas
pertencentes á Igreja ao meio da sociedade civil? Quem é o competente para tudo o
que diz respeito á negócios ecclesiasticos em uma diocese? Qual é a unica pessoa
competente para isso? Dizem os canones e as leis canonicas que é o Bispo. Se o
Bispo pois, é o unico competente para julgar das questões religiosas da sua diocese,
d’aquillo que é de sua administração espiritual, como é que se póde negar-lhe a
competencia de intervir na divisão ecclesiastica de uma freguezia de sua diocese? Os
fieis nas suas freguezias estão ligados á seus parochos, a seus curas de almas por
laços quasi que indissoluveis, direi mesmo idissoluveis; para pois fazer-se uma
divisão ecclesiastica é preciso quebrar-se este laço á certa porção de fieis que tem de
passar á ser regidos por outro parocho em outra freguezia, e para fazer isto é
competente o poder ecclesiastico.
E tanto é assim, Sr. Presidente, e tanto isto é reconhecido mesmo entre nós pelas leis
do imperio e pelo proprio governo geral, que por decretos e avisos dos ministérios
os mais liberaes do paiz, em épochas diversas se tem recommendado aos delegados
do poder executivo que não sanccionem leis sobre creações de freguezias e por
consequencia sobre as respectivas divisões ecclesiasticas sem ouvir primeiro a
opinião do Prelado Diocesano.
89
Observa-se, com todos os argumentos já apresentados nessa pesquisa, que a briga
entre a Igreja e o Estado se dava no decorrer do processo político nas situões em que o
89
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 27. 12 abr. 1863, p. 212 - 214.
86
Estado não ratificava as críticas feitas pelo Sr. Bitencourt à política riograndense. Na vio do
mesmo, assuntos como a divisão de freguesias e outros eram respaldados pelas leis do
império como um acordo entre o Estado e a Igreja, porém, esse “acordo” ia até as intenções
do prelado, pois essas deveriam ser respeitadas. Entretanto, esse “acordo” não estava sendo
respeitado no Rio Grande do Sul trazendo transtorno, porque no pensamento dele, o “acordo”
era uma ofensa, uma vez que havia leis maiores que a do Estado que respaldavam as
atitudes do bispo na criação de novas freguesias ou na divisão das antigas. Essas leis eram
respaldadas pela Igreja mundial, como vemos a seguir:
Mas pergunto eu, para crear-se uma freguezia não é preciso que se tirem terrenos de
outra e assim se estabeleça uma nova divisão? Sem duvida: e para que se tirem esses
terrenos é preciso desaggregar-se do parocho a que perencião uma porção de fieis,
uma parte do povo que pertencia á aquella freguezia. Ora que os fieis que estavão
n’aquella freguezia o poderá formar uma outra desaggregando-se de seu parocho
sem a interferencia do poder ecclesiastico, é facto que está sanccionado pelas leis
canônicas, pelo Concilio do Trento, que o imperio reconhece como lei do estado, e
senão se póde desaggregar esta porção de fieis de um parocho para dar a outro, o que
se segue, Sr. Presidente, é que isto só póde fazer aquelle que é competente para isso,
e aquelle que é competente para isso, dizem as leis canônicas, e ninguem póde
contestar, é o Prelado Diocesano....
90
Demonstra-se aqui um impasse, pois a discussão entre os aspectos regionais da
religião entra em confronto com os aspectos mundiais. Se analisarmos, esta é uma das bases
do agendamento do Semanário; fazer uma ligação do regional com o global dentro da questão
religiosa para demonstrar que os que lutavam pela religiosidade regional não estavam
sozinhos no mundo e, principalmente, que não estavam sozinhos no Brasil. Esta preocupação
fazia sentido porque, até mesmo no Brasil, muitos religiosos lutaram pelo espaço e pela
autonomia da Igreja nas decisões inerentes às queses religiosas, como percebemos na
citação abaixo:
O Sr. F. Barreto: - A questão não está neste caso, aqui não se trata de tirar terras.
O Sr. Bitencourt: - O nobre deputado vai instituir uma freguezia ou no passo do
Rozario, ou no do Saican? Para estabelecer-se esta freguezia é preciso dar-lhe
limites, fazer a sua divisão; estes terrenos estavão ou o estavão pertencendo a
outras freguezias? Dizem que estavão quando se creou a freguezia primitiva, mas
pergunto eu, quando se creou essa freguezia attendeo-se a estas circumstancias e
houve a intervenção do Prelado?...
Um Sr. Deputado: - Consentio em ambas.
90
Ibidem
87
Outro Sr. Deputado: - Consentio em uma capella e não em uma freguezia.
O Sr. Néri: - O nobre deputado o Sr. Bitencourt está transcordado.
O Sr. Bitencourt: - Não estou tal transcordado, eu quero primeiro ventilar o
principio, quero dar minha opinião sobre se os Bispos são competentes para intervir
na divisão ecclesiastica das freguezias, esta foi a these que estabeleci. A concessão
que existe é para uma capella simples, e esta preciza de limites, porque não adquire
jurisdicção propria, está em tudo sujeita á jurisdicção da Matriz.
Mas, Sr. Presidente, negão os nobres deputados que haja direito nos Bispos, para
depois de marear-se uma divisão aqui n’esta assembléa, negar o seu assentimento á
creação de freguezias ou novas divisões ecclesiasticas.
Senhores, se a questão por ser ecclesiastica não bastasse por si para demonstrar
esse direito, virião em nosso apoio factos identicos reconhecidos por autoridades
competentes.
No arcebispado da Bahia, creio que em Sergipe d’El-Rei, foi posta á concurso uma
parochia; diversos sacerdotes se apresentarão a ella e de entre os que o fizerão
melhor o fallecido arcebispo fez a sua proposta que enviou ao governo propondo um
dos concurrentes. O governo entendendo para si que nenhum daquelles sacerdotes
que se tinhão apresentado ao concurso e que tinhão merecido ser apresentados pelo
respectivo Prelado era digno, escolheo um outro e mandou ao arcebispo que o
empossasse e collocasse na freguezia, que tinha sido objecto do concurso. O
Arcebispo cuja illustração e prudencia jamais alguem contestou, cuja autoridade
n’estas materias sempre foi respeitada pelos homens eminentes do paiz, negou-se ao
cumprimento de semelhante ordem porque desconheceo no governo competencia
bastante para que transtornando as leis canônicas, podesse ordenar que elle
collocasse um parocho n’uma freguezia de sua diocese; e deixou a freguezia vaga
por muitos annos até que veio um outro ministerio que concordou em que elle tinha
razão e mandou prover a freguezia depois de novo concurso, precedendo propostas
do Prelado.
Um facto identico houve em Minas e em Pernambuco; pergunto, poderá tambem
accusar-se de imprudente e liviano o sabio e venerando Arcebispo da Bahia?
Não é uma autoridade que impõe, não é uma opinião que todos s o podemos
deixar de aceitar sem offensa de sua illustração e capacicade?...
91
A Estrella do Sul influenciou o pensamento desse representante do clero no momento
de sua citação, pois inúmeras vezes ele cita o Arcebispo da Bahia como um aliado na luta de
D. Sebastião pelo espaço da Igreja no Brasil. Dessa forma vemos o retorno do agendamento
proposto pelo Semanário na voz de um de seus representantes deixando claro assim as
intenções do agendamento proposto pela Igreja e sua influência no pensamento daqueles que
tinham acesso a ela.
O Sr. Ávila: - Não se offende á illustração, nem á capacidade de alguem porque uma
ou outra vez seo concorda com a sua opinião.
O Sr. Bittencourt: - Nestas materias, os mestres e suas opiniões é que nos devem
servir de pharol para guiar-nos, e dirigir-nos por entre os escolhos da sciencia de
direitos e não guiarmo-nos por nós mesmos querendo instituir um novo direito, um
novo dever. Sr. Presidente, eu não quero saber se o Sr. Bispo fez ou não fez bem,
teve ou o teve razão para negar o seu assentimento á transferencia da capella ou
freguezia no passo do Rozario, para o passo de Saican, mas o que é verdade e que
91
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 27. 12 abr. 1863, p. 212 - 214.
88
ninguem lhe póde contestar com razão é, que elle tinha o direito de fazel-o, e se
tinha o direito de fazel-o e o deo as razões porque assim procedeo, nem por isso
póde merecer a pecha de imprudente que lhe atirou o nobre deputado.
Na minha opinião elle o tinha que dar mais razão da sua falta de annuencia a
transferencia, desde que primeiro que tudo tinha de pugnar pelo direito que lhe
tinhão desconhecido. E tanto S. Exc. Revm. estava em seo direito, que em quanto
elle não instituir a parochia canonicamente, ella não terá existencia legal; é assim
que o governo e as nossas leis reconhecem o direito da intervenção dos Bispos
quando não considerão e mandão a seus delegados na provincia que não considerem
uma freguezia constituída legalmente para prehencher todos os fins civis e politicos
como sejão a qualificação, eleição etc, emquanto os Bispos as não instituirem
canonicamente e proverem de parochos.
Se pois são as nossas leis que lhe reconhecem a autoridade de sua intervenção como
é que s, cujas attribuições são limitadas, queremos desconhecer-lhe esse direito,
que lhe dá o Concilio de Trento, que é admittido como lei do estado?
Senhores, eu o quero entrar na questão da conveniencia ou não conveniencia da
remoção da freguezia em questão, mas o que é, verdade é que se dermos attenção á
representação da camara de Alegrete que foi enviada o anno passado á esta casa, em
que se derão os motivos porque com justiça não devia ser removida esta freguezia
do passo do Rozario para Saican; ainda por esse motivo seremos obrigados á dar
razão á recusa do Prelado para essa transferencia.
Sr. Presidente, se o nobre deputado que primeiro fallou n’esta questão, tem este
facto e o que se deo em Jaguarão e Cachoeira para mostrar com a paixão com que
fallou, que o illustre Prelado Diocesano, que felizmente governa a Igreja Rio-
Grandense quer, reclamando o cumrprimento d’um direito qtem, a perturbação da
sociedade por certo que não conseguio o seo fim, e então não me resta mais nesta
occasião do que felicitar ao illustre accusado de que para provar-se semelhante
cousa só se tinhão factos d’esta natureza.
92
Na citação anterior, o deputado Bittencourt faz a defesa da legitimidade da Igreja ou,
mais propriamente, do bispo. Essa defesa era necessária, pois muitos ataques pessoais foram
aferidos à D. Sebastião. Muitas vezes o mesmo demonstrou-se de forma intransigente como
defensor do espaço da Igreja e de sua função como Prelado. O próprio deputado argumenta
sobre a discussão a esse respeito, o que poderia ou não fazer o bispo, mesmo estando prevista,
de antemão nos cânones da Igreja e por conseqüência do Estado, suas funções.
Nesse aspecto existem discordâncias, pois as leis do Estado, neste momento histórico,
não estavam mais em total sintonia com as da Igreja, devido ao liberalismo. Esse fator trouxe
discórdia, uma vez que o liberalismo adaptado ao Estado brasileiro trouxe certas rupturas
entre a Igreja e o Império.
A luta de interesses entre os políticos contrários ao bispo e os defensores do mesmo se
prolongam em vários discursos, desde esferas mais amplas, como no caso dos sacerdotes
nacionais e estrangeiros com relação ao ultramontanismo, como em reivindicações de
92
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mudanças de párocos ou permanência destes em suas paróquias. Nota-se assim, que as várias
esferas da relação - Igreja e Estado - estavam sendo tratadas nesses discursos, como veremos
abaixo:
Assembléa Provincial de S. Pedro do Sul
Sessão em 26 de Março de 1863.
Discurso do Sr. Dr. Bitencourt.
(Continuação do numero 29)
O Sr. Bitencourt: - Sei bem, eu só trago isso para demonstrar que o proprio conselho
d’estado considerou que as irmandades não tinhão direito de fazer o que quizessem,
que erão apenas coadjuvadoras dos parochos; e tanto são ellas apenas coadjuvadoras
dos parochos que em apoio desta opinião vem as disposições das leis canonicas que
determinão que nenhuma eleição de irmandade seja valida em quanto não for
approvada e publicada pelo parocho. Epreciso pois que a eleição seja assignada
pelo parocho, é preciso que elle a approve, e que a publique na missa conventual
para ter validade.
Todas as eleições que não tem sido feitas nestas circumstancias tem sido
consideradas nullas; se pois as irmandades sem o concurso dos parochos não podem
tornar validas as suas eleições, segue-se que validas não podião ser consideradas
pelo Sr. Bispo Diocesano, que é autoridade superior, as eleições feitas na matriz de
Jaguarão, que não não tinhão sido nem approvadas nem presididas pelo parocho,
como tinhão sido objecto de representações em que se demonstravão grandes
nullidades.
A’ isto leva mesmo a crer o facto que ali se deu por occasião dessa eleição.
Alguns irmãos da irmandade do SS. Sacramento reunirão-se, e sem constituirem a
mesa que estava funccionando...
O Sr. Ávila: - A mesa é quem se reunio, menos o provedor e o parocho.
O Sr. Bitencourt: - Não se reunio o provedor nem o parocho, reunirão-se alguns
irmãos que apenas o erão a 4 dias, e reunidos fizerão uma mesa a que não assistio, e
para a qual o foi convidado o parocho.
O Sr. Ávila: - A questão é se o Bispo tem direito de annular uma eleição?
93
Novamente segue o agendamento das intenções do bispo como pessoa responsável em
deter as decisões religiosas na província. O discurso segue examinando a liberdade de
questionamento do bispo. Muitas vezes esse questionamento foi utilizado para barrar as
intenções do prelado com relação a sua influência dentro da religiosidade no Estado, bem
como a relação dessas decisões com aparente luta entre o liberalismo e o catolicismo no Rio
Grande do Sul. Referente aos possíveis conflitos criados a partir do relacionamento entre
Estado e religião, segue-se o discurso:
93
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 30. 3 maio 1863, p. 236 - 238.
90
O Sr. Bitencourt: - Tem razão, vamos de novo ventilar isto. O nobre deputado há de
concordar que é necessario haver harmonia entre a administração da irmandade e o
parocho para poder prover-se o culto externo, desde que falta essa harmonia
necessariamente rompe-se o equilibrio, cada um faz o que lhe apraz determinando
semelhante desharmonia conflictos, conflictos que trazem máos resultados e que a
autoridade ecclesiastica deve evitar que appareção. A eleição tinha sido feita
tumultuariamente e indo o Sr. Bispo em visita á freguezia, ou tendo representações
contra a eleição, (no que não estou bem certo), deo provimento, como pela
constituição synodal, que está de accordo com as disposições das ordenações,
Concilio de Trento etc. etc., lhe compete, annullando a eleição.
(Ha diversos apartes.)
O Sr. Ávila: - Cumprio o seu dever.
O Sr. Bitencourt: - O conflicto tinha-se dado entre o parocho e a irmandade, a
autoridade competente para resolvel-o era o Bispo, para o Bispo pois tinha sido
interposto o recurso, o qual uzando da attribuição que tem, deo-lhe provimento.
E’isto o que determina o titulo 62 52 das ordenações que passo a ler lê)
Porém se os provedores tiverem provido sobre as ditas obras pias primeiro que os
Prelados, por o conhecimento ser do foro mixto, e haver logar a prevenção, cumprir-
se-ha o que os ditos provedores tiverem mandado. E sendo passado o termo, que
tiverem dado aos administradores, mordomos e officiaes, para cumprirem as ditas
obras pias estando ainda por cumprir, não impedirão aos Prelados prover n’isso,
como acima dito é, nem lhe impedirão poderem em todo tempo visitar os ornamento
e cousas dedicadas ao culto divino. E a mesma maneira teo os provedores quando
acharem que os Prelados tem primeiro provido nas ditas obras pias...
Vê-se daqui que aquelle que chega primeiro, examina e o provimento, e que o
outro tem obrigação de respeitar aquelle provimento. Isto diz a ordenação que é lei
do estado; continuarei: (lê)... E esta determinação se entenderá nos hospitaes,
albergues, capellas, confrarias e logares pios, que não forem da nossa immediata
protecção... etc. etc.
O Sr. Ávila: - O que quer dizer com isto?
O Sr. Bitencourt: - Que é nos artigos das ordenações, que são leis do imperio, que é
na constituição synodal que foi mandada cumprir-se por uma lei, como se fosse lei
do estado, que é apoiado nas disposições de diversos Concilios e especialmente no
de Trento, Sens, e Norbona, cujas doutrinas tem sido aceitas e respeitadas pela Igreja
universal, e pelo que como disse, ensina Barbosa no seu tractado de direito
ecclesiastico, que encontro a competencia dos Bispos para proverem a tudo que diz
respeito ao culto divino, e por consequencia dar ou negar a validade da eleição da
mesa de uma irmandade, mesa de que depende a boa ou execução das
disposições do compromisso tendente ao culto divino.
Tenho sido tão interrompido que pouca ordem posso conservar nestas observações,
farei no entanto o esforço para não deixar de responder aos argumentos que forão
trazidos pelo honrado deputado.
94
O deputado Bittencourt, mais uma vez, remete-se à oficialidade de direito do bispo em
intervir em todo e qualquer assunto referente à espiritualidade e à santificação das coisas da
Igreja. Ele também faz uma crítica a outros organismos que poderiam intervir nesse assunto,
como é o caso dos provedores do Estado que poderiam interferir em assuntos da Igreja.
O mesmo deputado dá a entender que o bispo poderia legislar sobre esses assuntos,
como veremos no caso do pároco de Jaguarão que é considerado incompetente por uma
94
Ibidem
91
parcela da sociedade. Essa discussão ganha voz nos discursos da Câmara pelo grupo contrário
às atividades do bispo:
Aventei por exemplo, Sr. Presidente, a opinião, que foi confirmada pelo nobre
deputado o Sr. Néri, quando o honrado deputado negava a capacidade do parocho de
Jaguarão, de que tinha excellentes informações do mesmo; informações que vejo
que forão exactas visto que n’esta questão elle ainda uma vez demonstrou que o
era digno sacerdote, que sabia cumprir com os deveres, mas tinha o
descernimento preciso para ser parocho de uma freguezia importante como é a de
Jaguarão. A maneira digna porque elle se portou appellando em todas as questões
para a autoridade legitima, que elle conhecia e devia respeitar, é uma prova
exuberante de sua moderação, e são qualidades que fazem corroborar a opinião que
manifesta a seu respeito, embora não o conhecesse.
Um Sr. Deputado: - Que é homem sabio.
O Sr. Bitencourt: - Não é homem sabio, mas que é um homem que tem a illustração
precisa para ser parocho d’aquella freguezia, e ao mesmo tempo que tem bastante
instrucção para exercer o seu ministerio, o que lhe tem grangeado a opinião da
freguezia em seu favor.
O Sr. Ávila: - Já que sou obrigado, hei de explicar certas minuciosidades, mas o que
lhe posso afiançar desde é que isso é falso.
O Sr. Bitencourt: - O nobre deputado com a sua expressão – falso – me faz estender-
me mais do que pretendia e abusar da paciencia da assembléa.
Vozes: - Pelo contrario, teremos muito gosto de ouvil-o.
O Sr. Bitencourt: - Eu terei necessidade, para contrariar esse falso que o honrado
deputado acabou de pronunciar, de ler á assembléa um voto, entre outros que aqui
tenho, de gratidão derigido pela irmandade do SS. Sacramento em Jaguarão áquelle
parocho.
O Sr. Ávila: - A irmandade do Bispo.
O Sr. Bitencourt: - Eu não sei de quem é a irmandade, mas as assignaturas que ali
vem que podem dizer se são u não dignas de fé.
O Sr. Ávila: - Peço-lhe que não aceito essas informações porque são muito
suspeitas,o da mesa que o Bispo mandou eleger.
O Sr. Bitencourt: - São da mesa que foi convocada muito legalmente para se fazer a
eleição na forma do compromisso, e é essa a mesa do Bispo? Se o é, é uma mesa
seguramente legal, porque é a que foi eleita pelos respectivos irmãos.
95
As atividades de cunho espiritual do bispoo novamente questionadas. Nesse caso, o
deputado Ávila a entender que o bispo utilizou de quando manteve o pároco de
Jaguarão em suas atividades sacerdotais. Continua a citação:
O Sr. Ávila: - A primeira foi feita pelos irmãos, mas a segunda foi feita pelos
delegados do Sr. Bispo.
O Sr. Bitencourt: - Sr. Presidente, eu não estava preparado para esta discussão, tive
necessidade de mandar buscar estes documentos (mostrando um masso de papeis)
fora da assembléa, desde que vi que o honrado deputado dirigia-se a entrar n’esta
questão com animo deliberado de atacar as attribuições do Exm. Bispo, por isso não
95
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 30. 3 maio 1863, p. 236 - 238.
92
estranhe a assembléa que eu tenha difficuldade em encontrar os documentos de que
caro, sómente para mostar que o aventei uma proposição falsa quando declarei
que tinha o parocho por bom sacerdote e intelligente.
O Sr. Ávila: - Eu declaro que votarei pelo adiantamento da discussão para ter a
satisfação de ouvir o nobre deputado. (Crusão-se mais apartes.)
O Sr. Bitencourt: - Eis aqui achei o documento a que me referi: (lê) Illm. Revm. Sr.
Em sessão d’esta data, foi presente á mesa da irmandade do Sanctissimo
Sacramento da matriz d’esta cidade, o officio de V. S. de 26 do corrente mez,
exigindo que a mesa declare: 1º Se em alguma occasião V. S. offendeo á irmandade,
quer por escripto, quer por palavras: Se tem prohibido o exercicio das funcções
religiosas da irmandade: Se tem usurpado direitos parochiaes que não lhe
competissem; e finalmente se durante 2 annos e 6 mezes que tem parochiado esta
freguezia, a irmandade tem despendido alguma cera para o altar do Sanctissimo
Sacramento.
E resolveo a mesa responder satisfatoriamente á V. S. quanto ao 1º: que nunca V. S.
offendeo á irmandade ou seja por palavras ou por escripto ou por outro modo
qualquer.
Ao que nunca V. S. prohibio á mesma irmandade o livre exercicio das suas
festividades e mais actos religiosos.
Ao que nunca V. S. exigio, directa ou indirectamente da irmandade, direitos
parochiaes que não lhe competissem, e lhe fossem devidos, segundo a tabella, pelos
actos celebrados pela irmandade; e que nunca V. S. usurpou á irmandade. E
finalmente que nunca a irmandade pagou, e nem V. S. exigio o importe de cera que
V. S. tem supprido ao altar do Sanctissimo Sacramento durante o tempo que V. S.
tem parochiado esta freguezia etc. João Antonio de Moura e Cunha, provedor.
Manoel Rodrigues Pereira Lima Junior, servindo de secretario.
Declaro ao honrado deputado que não conheço nenhum d’estes signatarios...
O Sr. Ávila: - E eu declaro que nenhum é irmão .
O Sr. Bitencourt: - ....mas sou obrigado a dar-lhes fé, porque são reconhecidos pela
autoridade competente, um como provedor e outro como apto para servir
interinamente de secretario da irmandade; não sei de nada que denote que estes
homens facão aqui o papel de embusteiros; mas quando assim se pudesse suppor eu
tinha ainda para apoiar este voto de adhesão da mesa da irmandade do Sanctissimo
Sacramento de Jaguarão, uma porção de documentos de igual natureza, e das outras
irmandades alli crectas, documentos com que o vigario instruio a resposta que teve
de dar, quando foi mandado ouvir pelo Exm. Sr. Bispo, contra a accusação que se
lhe fez em uma representação; tenho por exemplo um documento da câmara
municipal, tenho outro de tão grande numero de cidadãos de Jaguarão que parece
que quase por elles se de dizer que toda população de Jaguarão ahi está
contemplada.
96
Podemos ver, no excerto acima, uma das bases de sustentação do prelado diocesano:
os cidadãos a favor das intenções do Bispo. Esses defendiam as intenções do prelado em
ratificar a defesa do pároco que recebia os ataques da comunidade contrários a ele.
Novamente o bispo respalda sua ação ao demonstrar que esse era o papel dele, ou seja,
defender, quando necessário, seus comandados.
Aqui estão estes abaixo assignados tamm em favor do parocho, que tem as
seguintes assignaturas (lê:
96
Ibidem
93
Presidente da camara, Domingos Rodrigues Pereira.
Vereador, Cypriano Amaro d’Avilla da Silveira.
Vereador, Antonio Bernardino Vargas.
Vereador, Theodoro Teixeira de Mello.
Commendador, João Rodrigues Barboza... alguns destes conheço, e são caracteres
respeitaveis e distinctos da província (apoiados), como é este Sr. Tenente coronel
Astrogildo Pereira da Costa e o Sr. José Luiz Corrêa da Câmara, de quem sempre
tenho ouvido e mais favoravel juizo (apoiados) assim como do Sr. commendador
João Rodrigues Barboza, e outros cujos nomes deixo de ler para o fatigar a
assembléa, todas estas assignaturas, algumas das quaes são tão autorisadas, indicão
que aquellas do provedor e do secretario da irmandade do Sanctissimo o
verdadeiras, que pelo menos attestão a verdade do que ellas affirmarão, porque os
elogios que fazem ao parocho o quase idênticos, e não se obtem semelhantes
elogios sem se merecer a adhesão de tão grande numero de cidadãos.
97
O deputado Bittencourt, na citação acima, demonstrou através de documentação que
D. Sebastião não havia utilizado de má para fazer com que o pároco de Jaguarão
permanecesse em seu cargo. Confirmou também que pessoas influentes na sociedade
riograndense estavam a favor das intenções do bispo indicando que por mais que o prelado
recebesse ataques no âmbito político existia uma base de sustentação para suas realizações
religiosas.
3.4 DISCURSO E A RELAÇÃO DO ECONÔMICO COM O RELIGIOSO
As rupturas políticas que causaram certa discórdia na política religiosa do Rio Grande
do Sul também se refletiam no campo econômico, o que fica evidente no escrito de alguns
historiadores que versam sobre esse assunto. Isso porque no início da diocese do Rio Grande
do Sul, o descaso, a má conservação das Igrejas e a falta de pessoal era muito grande. Muitas
vezes o apoio que deveria vir do Estado era barrado na Câmara dos Deputados porque muitos
acreditavam que era desnecessário investimento em tal área. Isso fica evidente na citação a
seguir:
PROJECTO DE LEI Nº 14
A Assembléa Legislativa da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul
Decreta:
97
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 30. 3 maio 1863, p. 236 - 238.
94
Artigo Fica autorisada desde ja a despesa de 3:000$00rs, para reparos da Igreja
Cathedral, e compra de alfaias, e paramentos para a mesma Igreja.
Art. 2º Esta quantia será entregue á irmandade do SS. Sacramento, e Madre de Deos
para a despender de accordo com o vigario da freguezia, prestando contas á fasenda
provincial.
Art. Ficão revogadas as disposições em contrario. Sala das sessões 17 de
Novembro de 1860. – José Candido Gomes.
Vem a mesa he lida e apoiada à seguinte emenda: ao art. 1º que está em discussão:
Em vez, de trez contos, diga-se cinco contos. – Pederneiras.
O Sr. Pavão: - Sr. Presidente, admiro a generosidade e grandeza d’alma com que o
nobre deputado autor da emenda propoz mais dois contos do que a quantia que era
pedida no projecto originario.
E admira-me tanto mais, quanto um argumento de quantia tão notavel não devia ser
apresentado por simples projecto, sem algum reparo ou algumas palavras que o
justificassem.
Eu creio que o signatário do projecto, quando pedio a quantia de trez contos, teria
tomado informações succintas sobre o estado em que se achava a Cathedral e da
quantia necessaria para os reparos de que carecia; não sei pois porque hoje se pede o
augmento de mais dons contos, quando he certo que as matrizes da maior parte das
povoações se achão em pessimo estado.
O Sr. P. da Rosa: - Apoiado; não ha duvida nenhuma.
O Sr. Pavão: - Eu não quero, Sr. Presidente, que a Cathedral da capital da provincia
tenha luxo, quando nas matrizes das povoações da campanha se vê um quadro
inteiramente opposto, quero, que em vez desse luxo, se dê-o estrictamente
necessario em bem dessas povoações esquecidas; por isso voto contra o augmento.
(Muito bem.)
O Sr. Pederneiras: - Sr. Presidente, o houve generosidade nem grandeza d’alma da
minha parte, em pedir mais dois contos, não para o luxo da igreja, (apoiados), porem
para os seus reparos.
O meu nobre collega e amigo o Sr. Dr. Pavão de ter muitas vezes passado pela
frente da Cathedral, e se reparou para ella, eu desejava que me dissesse se o estado
que ella apresenta he digno de uma capital como esta.
98
O descaso e a oposição eram tal, que até mesmo na capital da província havia
problemas em relão à conservação dos prédios da Igreja. O interessante é que na petição do
deputado Pederneiras, o mesmo deixa claro que o pedido por reparamentos e alfaias o era
para o luxo ou para a ostentação das Igrejas, mas sim para a melhoria dos defeitos e dos maus
tratos a que estes pdios estavam recebendo. Desde 1848 não havia sido feita uma reforma
no prédio da capital, demonstrando assim, falta de preferência da Igreja em relação às outras
freguesias do interior.
Porém, o deputado Pavão faz o seguinte questionamento: se no início do projeto foi
pedido três contos de réis e o signatário do projeto deveria conhecer as necessidades da igreja,
não se devia dar mais do que o necessário, até mesmo porque havia outras igrejas que
deveriam ser ajudadas. Nesse caso, o deputado Pavão queria uma justificativa concreta para o
98
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 12. 21 dez. 1862, p. 92 e 93.
95
aumento de dois contos de réis. Percebe-se que o desenrolar dessa justificativa segue abaixo
com o discurso do Sr. Bittencourt:
O Sr. B. de P. Alegre: - Eu não tenho sciencia do estado das outras igrejas da
provincia e não tenho culpa de que esse estado não tenha sido attendido; aos nobres
deputados que conhecem essas igrejas e sabem o seu estado he, a quem compete
reclamar providencias.
O Sr. P. da Rosa: - E donde virá o dinheiro?
O Sr. Pederneiras: - O nobre deputado sabe que quando he preciso fazer sacrificios,
elles se fazem, e os nobres deputados tem muito bons recursos para procurarem
satisfazer essas necessidades.
(Trocão-se mais apartes.)
Desde 1848 que esta igreja não tem soffrido a menor compostura: mas hoje ha
urgente necessidade desses reparos e d’essas obras de que trata o projecto, porem os
trez contos nelle pedidos não satisfarão taes necessidades.
O Sr. B. de P. Alegre: - Apoiado.
O Sr. Pederneiras: - ... e desde que essa obra he de necessidade, estou certo que os
meus nobres collegas não votarão contra ella.
O Sr. P. da Rosa: - Somente para os reparos he mais justo.
O Sr. Bitencourt: - Sr. Presidente, tenho sido membro desta casa ha alguns annos e
sou uma das melhores testemunhas de que ella sempre em todos os seus orçamentos
tem accudido as necessidades do culto á todas as freguezias de fora da capital.
O Sr. Pavão: - A todas?
O Sr. Bitencourt: - A todas que tem sido possivel; não tem por tanto esta assembléa,
com ose diz attendido de preferencia as igrejas que se achão collocadas na capital
(apoiados); por consequencia foi menos justo o meu illustrado collega o Sr. Dr.
Pavão quando pareceu enchergar na adopção do projecto uma preferencia decidida
pelas igrejas da capital, ao passo que deixavamos no olvido todas as outras igrejas
do centro que reclamão igualmente melhoramentos identicos.
99
É importante ressaltar que nessa época não se tinha uma catedral e que a necessidade
da mesma, segundo ele, era pelo status de se ter uma catedral na sede do bispado. O aumento
do valor do projeto prolongou a discussão já que o objetivo não seria apenas a reforma da
igreja matriz e sim melhoramentos para torná-la uma catedral digna da sede diocesana, como
veremos na seqüência do discurso do Sr. Bittencourt:
Cingindo-me à materia em questão, não hesito em declarar á casa que vou votar pela
emenda e ainda mesmo por alguma outra que se apresentar augmentando a quantia;
porque Srs., acaba de ser creado o cabido para a provincia, e na capital não temos
um edifício capaz para servir de cathedral, não temos um templo digno e com as
accommodações precizas para elle poder funccionar; entretanto que já tem sido
nomeadas pelo governo imperial algumas de suas dignidades, e que elle tem
necessidade de ter uma igreja onde possa convenientemente funccionar.
Não havendo outra igreja senão a matriz desta freguezia, que serve de cathedral,
para um tal effeito, e na ose prestando ella a elle pelo acanhamento com que foi
99
Ibidem
96
construida, tem absoluta necessidade de melhoramentos, de reparos que a colloquem
nas condições de convenientemente servir ao objecto a que he destinada.
(Apoiados.)
Demais, um dos nossos illustrados companheiros, que he o vigario da freguezia,
melhor nos poderá informar e para sua informação appello se com effeito estas
proposições são ou não verdadeiras.
Ainda uma outra razão impera em meu espirito em apoio da emenda e vem a ser:
que quando a assemblea tem attendido com quantias sufficientes para prover de
alfaias e de paramentos a todas as freguezias do interior da provincia, tem deixado
em olvido até agora a esta igreja que pela especialidade do serviço a que se presta,
tem hoje urgencia de ser attendida; mesmo porque...
O Sr. Néri: - E’ uma verdade.
O Sr. Bitencourt: - ... he justamente a igreja aonde não ha paramentos dignos de se
apresentarem nas solenmnidades religiosas.
Por consequencia, achando menos justa a censura do honrado Sr. 2º secretario, e
pelas razões que tenho resumidademtne expendido, eu aproveito a occasião para
declarar que voto não pela emenda que augmenta a quantia designada no
projecto, como por alguma outra que eleve ainda um pouco mais essa quantia.
(Apoiados.)
100
Através do projeto em questão e dos discursos feitos no decorrer da sessão, percebe-se
nitidamente que sempre havia um grupo para deter as intenções da Igreja. Geralmente esses
discursos faziam parte da A Estrella do Sul para demonstrar que assim como havia pessoas a
favor do espaço da Igreja, havia também pessoas contra.
Qual seria a leitura de um fiel ao ler esse discurso? Este, certamente, ficaria a
questionar a rao do Estado não manter dignas as casas de culto, o que era seu papel. É dessa
forma que o Semanário pretendia amarrar o seu agendamento proposto e como falamos, o
retorno desse agendamento dava-se na voz dos defensores da Igreja na Câmara dos deputados.
Esse retorno fica visível no momento em que o deputado Bittencourt elucida os
espaços do Estado e da Igreja em seu discurso. Dentro desse agendamento fica claro que ele
não era contra a intervenção do Estado, desde que o Estado fiscalizasse questões inerentes ao
Estado. O posicionamento dele fica aparente quando questionado pelo deputado Ávila sobre
as possíveis críticas ao presidente da província e diz que as questões provinciais devem ser
resolvidas pelo presidente da província. Nesse sentido, inclui-se também as questões ligadas
ao pagamento da burocracia do Estado, como veremos a seguir:
100
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 12. 21 dez. 1862, p. 92 e 93.
97
O artigo 10 do acto addicional diz: - Compete as mesmas assembléas legislar: - no
parágrafo - Sobre creações, suppreses e nomeações para os empregos
municipais e provinciaes e estabelecimentos dos seus ordenados.
São empregos municipaes e provinciaes (diz mais adiante o mesmo parágrafo todos
os que existem nos municipios, e provincias, á excepção dos que dizem respeito á
arrecadação e dispendio das rendas geraes, ás repartições do governo e da marinha e
dos cargos de presidente da provincia, Bispos e membros das relações etc. etc.
O Sr. Avila: - Ainda não pude comprehender o nobre deputado.
O Sr. Bitencourt: - Sedefeito da minha intelligencia, que nunca n’estas materias
me deixa exprimir de maneira a que o nobre deputado me possa comprehender. A’s
vezes só entendemos o que queremos.
O Sr. Ávila: - Pela theoria do nobre deputado nem ao presidente da provincia
podemos censurar.
O Sr. Néri: - Apoiado.
O Sr. Bitencourt: - O presidente da provincia tem funcções puramente provinciaes, é
um delegado do poder executivo geral; assim como é o poder executivo entre nós da
provincia; e como tal responsável a esta casa pelos seus actos mas os Bispos, que
são os chefes da Igreja, que é aliás uma sociedade inteiramente soberana,
independente e diversa da sociedade civil, que incerra em si o poder legislativo e
executivo, que estão para igreja, sociedade espiritual, como os monarchas para a
sociedade civil, não podem estar sujeitos á alçada desta casa; e realmente eu o
comprehendo que um corpo como este, que é puramente temporal, com attribuições
puramente temporaes e limitadas seja apto para entrar na averiguação dos actos do
poder espiritual; quando estes actos se restringem ao que é da exclusiva
administração espiritual.
101
De forma bastante irônica o deputado Bittencourt, carregado de uma ideologia
arraigada aos preceitos ultramontanos, defende a autonomia da Igreja como se fosse um poder
paralelo ao do Estado, pois a burocracia que diz respeito à Igreja deveria ser resolvida pelo
bispo. Nota-se que a discussão começou devido fatores econômicos e acabou sendo discutida
no campo ideológico. Apesar disso, essa discussão o foi restrita ao campo econômico, mas
não ter ajuda financeira implicava em perda de espaço político, que o Estado era provedor
da Igreja. Esse embate no campo político-religioso é percebido na citação abaixo quando
Bitencourt diz que a casa em questão não tinha jurisdição no campo espiritual:
O Sr. Ávila: - Dá um aparte.
O Sr. Bitencourt: - Isto provém da confusão com que os nobres deputados
pretendem considerar os Bispos como funccionarios subalternos...
O Sr. Ávila: - Não apoiado.
O Sr. Bitencourt: - ... sujeitando-os e os seus actos á soffrer discussão n’esta
assembléa, que não tem poder algum sobre elles.
O Sr. Ávila: - Então já acha excepção.
O Sr. Bitencourt: - Quando no exercício das attribuições, que lhe a jurisdição no
fôro externo elle póde affectar algum dos artigos da constituição, sim Sr., concedo a
excepção, porém em termos e pelos meios consagrados em lei, mas fora d’estes
casos não conheço competência na assembléa para resolver nada sobre os seus actos.
O Sr. A. Alves: - E as conveniencias publicas?
101
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 12. 21 dez. 1862, p. 92 e 93.
98
O Sr. Bitencourt: - As couveniencias publicas estão submettidas ao direito, e tendo
em vistas os principios de direito que rege esta materia, não há conveniência que nos
possa dar um direito que não temos.
O Sr. Ávila: - E’ destruivel a proposição do nobre deputado.
O Sr. Bitencourt: - Não duvido, e até acredito porque o diz o nobre deputado, e
mesmo porque n’estes casos nunca tenho tido a felicidade de exprimir-me de
maneira que seja comprehendido pelo nobre deputado. (Ha mais apartes.)
O Sr. Presidente: - Peço aos nobres deputados que não interrompão o orador, eu não
posso consentir n’estes dialogos.
O Sr. Bitencourt: - Sr. Presidente, se até agora julguei pesada e difficil a tarefa de
que me encarreguei quando me propuz entrar n’esta discussão, de incompetência da
assemblea para tractar dos actos do virtuoso Prelado, o mesmo me não acontece
quando eu me proponho responder ás accusações que por motivo do seu
requerimento o nobre deputado o Sr. A. Alves lhe fez hontem.
Se tracto de apreciar o final do discurso do honrado deputado para responder-lhe
convenientemente, se ao mesmo tempo para combinar com aquelle final do discurso
encaro os pedidos contidos no seu requerimento, hontem apresentado, fico perplexo,
sem saber a que deva dar resposta, porque não sei qual foi o verdadeiro fim que teve
o nobre deputado em vista quando o apresentou; desde que no final do seu discurso
elle declarou que seu fim era mostrar que havião conventos na província e os
males que de taes estabelecimentos resultavão.
O Sr. A. Alves: - Está enganado, o meu fim é outro.
O Sr. Bitencourt: - Eu argumento com as proprias palavras do nobre deputado de
que tomei apontamento, mas acceito todas rectificações que o nobre deputado julgar
a proposito fazer agora, porque não desejo, nem preciso emprestar-lhe palavras ou
principios que não tenha emittido.
O Sr. A. Alves: - O meu é obter esclarecimentos para poder fazer um juizo a respeito
da administração ecclesiastica da provincia.
O Sr. Bitencourt: - Aproveito-me de sua retificação, e respondendo-a direi que se o
fim do nobre deputado era ter esclarecimentos para formar o seu juizo á respeito da
administração ecclesiastica da provincia, então Sr. Presidente, permitta-me o
honrado deputado que o acoime de imprudente e leviano, porque sem esses
esclarecimentos elle não podia com criterio fazer as imputações que constão do seu
discurso, e o nobre deputado não tinha esclarecimentos sufficientes para fazer um
juizo certo a respeito da administração ecclesiastica da provincia...
102
Dentro da luta acirrada da jurisprudência da administração do Prelado, o Sr.
Bittencourt questiona as palavras do deputado Ávila demonstrando a contradição do
pensamento deste, uma vez que a entender que utilizou idéias escusas e não confirmadas
para abalar a imagem de D. Sebastião. Essa contradição fica aparente quando Bittencourt
declara que se o colega deputado não tinha confirmação dos dados emitidos sobre a
administração do bispo, que o mesmo não pronunciasse de forma ferina questionamentos
levianos.
Parece que o Dr. Bitencourt estava sempre munido de bons argumentos para a defesa
do clero. Claro que A Estrella do Sul tinha interesse em apresentar sempre os dlogos que
102
Ibidem
99
seus defensores obtinham êxito na defesa de seus interesses, nunca colocando
pronunciamentos que o posicionamento de seu defensor não tivesse sucesso.
Fica evidente também nessa citação, a técnica do agendamento, ou seja, não era
interesse da Igreja que seus defensores não conseguissem defender seus negócios, até mesmo
porque as publicações eram claramente tendenciosas, sempre para o lado da Igreja.
Percebemos isso no decorrer da citação:
O Sr. A. Alves: - Alguns tenho, mas preciso de mais estes para ficar mais seguro.
O Sr. Bitencourt: - .... então não podia encarregar-se de fazer as graves accusações
que dirigio ao Prelado Diocesano, a quem eu esperava e a quem todos devião
esperar porque não tem motivos para procedimento diverso que elle viesse aqui
render as homenagens de reconhecimento e de gratidão que lhe deve.
O Sr. Ávila: - Eu o esperava tal.
O Sr. Bitencourt: - Se o nobre deputado, repito, não estava convenientemente
esclarecido, isto é, não tinha conhecimento dos actos do illustre Prelado para fazer
d’elles um juizo seguro foi leviano e imprudente em vir trazer accusações, para
apoiar as quaes não trazia uma unica prova, ou um unico facto que lhe servisse de
prova.
O Sr. A. Alves: - Apenas os que se apontão com o dedo.
O Sr. Bitencourt: - Eu tomei nota dos factos que apresentou o nobre deputado e
prometto-lhe que não hei de deixar de responder-lh’os categoricamente assim como
heide ter occasião de mostrar-lhe que nem elle tinha sciencia de facto algum com
que podesse provar a sua asserção, e nem mostra ter inteiro conhecimento dos factos
que apresentou para fundamentar o seu requerimento dos quaes construio apenas um
castello de cinzas que se desmorona ao mais leve sopro da verdade.
103
De forma impetuosa o deputado defensor da Igreja encerra seu discurso
desmoralizando os argumentos de seu colega sobre as dúvidas das boas intenções do Prelado.
Esses embates ideológicos demonstrados nessas linhas formam as principais
características do governo episcopal de D. Sebasto Larangeiras, um sacerdote que escolheu
posicionar-se a favor de Roma, nitidamente ultramontano e que lutou com todas as suas armas
para defender os interesses da Igreja contra os inimigos da fé católica. Para isso não mediu
esfoos nem meios para atingir seus objetivos. Travou batalhas tanto no campo espiritual
como no campo político. Fez muitos inimigos e teve muitos companheiros fiéis em sua causa
no Rio Grande do Sul, no Brasil e no mundo. Sua luta no campo político e na defesa do
espaço econômico da Igreja não terminou com o fim da A Estrella do Sul.
103
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano I. n. 12. 21 dez. 1862, p. 92 e 93.
100
Ao contrário do critério utilizado para formular esse capítulo, os discursos da Câmara,
publicados pela A Estrella do Sul, serão referidos como resposta à luta apresentada no
primeiro capítulo contra os inimigos da fé católica, luta esta também transcrita no Semanário.
Esse fato desencadeou um projeto para defender o clero nacional da ação de bispos mal
intencionados. O artigo citado serviu como resposta aos dois deputados que encabeçaram esse
projeto.
Duas palavras aos Srs. Deputados Corrêa das Neves e Viriato.
Sob este titulo lê-se no Jornal do commercio da Corte o seguinte:
<<Lemos com a devida attenção o projecto offerecido á Câmara dos Srs. Deputados
na sessão do do corrente pela respectiva Commissão Ecclesiastica, de que são
membros os Srs. Corrêa das Neves e Viriato; projecto que tem por fim, como dizem
seos illustres signatarios, proteger os sacerdotes brasileiros contra o arbitrio e
precipitação de bispos suspeitosos ou mal aconselhados.
<<SS.EExcs. foram levados a formular esse projecto pela representação que
dirigiram áquella augusta Camara ts cônegos da cathedral do Rio Grande do Sul,
suspensos ex informa conscientia e indefinidamente pelo Exm. Bispo daquella
Diocese.
<<Com effeito, nada mais justo do que cortarem se abusos; e o acto legislativo que
ponha os mais estimáveis sacerdotes ao abrigo da intriga, do crime e da injustiça de
um julgamento precipitado e occulto, parece-nos de palpitante necesidade. Mas,
serão por ventura injustas e precipitadas todas as suspensões ex informata
conscientia? A revogação do art. e seos paragraphos do Decreto de 28 de Março
de 1857 não será também um abuso do poder civil arrancando aos Bispos uma de
suas mais importantes attribuições, qual a do exercício do poder gracioso, poder este
que lhes compete como regentes da Egreja (Act. Apost. 20 e 28), poder mais amplo
e mais irresponsável ainda que o de todos os príncipes da terra, pois que se o
pactua pelas conveniencias politicas, nem póde ser coagido por força alguma deste
mundo (Constituição política do Imperio art. 65)?
<<Não somos apologistas do arbitrio, nem podemos negar que elle exista e em
muito grande escala na egreja brasileira; mas, attribui-lo á pretendida imperfeição de
suas leis, que são as leis da egreja universal, seria a maior das injustiças se não fora
uma heresia. Sempre assistida do Espirito Sancto, esta egreja nada quer, nada
decreta que não seja em proveito manifesto de seos filhos. Sua ductibilidade
admiravel a faz cosmopolita. Na Africa, como na Europa, no Japão, como no meio
da nação mais liberal, no reinado do mais sabio dos monarchas, como nos tempos do
mais ferrenho despotismo em que pareceo á illustrada Commissão que foi celebrado
o Concilio Tridentino, a digna filha do Céo ostentou-se sempre o modelo da
legislação a mais branda, mais suave, mais sancta, mais perfeita.
<<Faltando da maneira porque os Bispos devem proceder na correcção de seos
subditos, esse Concilio assim se exprime em um seculo de despotismo e ignorância,
como se figuram os signatários do projecto em questão:
104
104
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 41. 15 jul. 1866, p. 324 - 326.
101
Novamente deparamo-nos com o agendamento da legitimidade. Esta atuação da Igreja
buscava legitimar suas ações através das leis canônicas que respaldavam sua atuação. Nesse
caso, fica claro que as ofensas, na visão da Igreja, feitas pelos deputados da província, há
muito tempo estavam se acumulando. Portanto, deveriam ter respostas, que desde 1862
encontramos pronunciamentos ofensivos ao papel da Igreja, e principalmente a seu bispo, D.
Sebastião.
A Estrella do Sul, tendo como fundo esse contexto, coma a fazer uma análise sobre
a questão da arbitrariedade para que o leitor perceba que esse tipo de conduta não era pprio
apenas da Igreja Católica, sendo ela mesma vítima das arbitrariedades do governo, como
veremos a seguir:
<< O mesmo sacrosancto, ecumenico e geral Concilio Tridentino, legitimamente
congregado com assistência do Espirito Sancto, presidindo nelle os mesmos Legado
e Nuncio da Sé Apostólica, intentando estabelecer algumas cousas que pertencem á
jurisdição dos Bispos, para que elles, conforme o decreto da sessão proxima, tanto
de mais boa vontade residam nas egrejas que lhes ão commettidas, quanto mais fácil
e commodamente poderão governar seos subditos e mantê-los em honestidade de
vida e costumes: primeiramente entende os deve avisar de que se lembrem que são
pastores e não algozes; e que devem presidir a seos subditos, não como quem os
domina, mas como quem os ama, como irmãos e filhos; e que trabalhem com
exhortações e admoestações pelos apartar de cousas illicitas, para que se não vejam
obrigados a castiga-los com as devidas penas como a delinqüentes. E se succeder
que os súbditos por fragilidade humana pequem alguma vez, devem observar aquelle
preceito do Apostolo argüindo-os, rogando-os, reprehendendo-os com toda a
bondade e paciencia; pois muitas vezes mais obra para com reprehensiveis a
benevolência do que a auctoridade, a exhortação do que a communicação, a
caridade do que o poder. E se a graveza do delicto necessitar de ser punida, neste
caso se deve ajuntar a mansidão com o rigor, a misericórdia com a justiça, a
brandura com a severidade; para que a disciplina saudável e necessaria aos povos se
conserve sem aspereza, e os que forem corrigidos se emendem; ou não querendo
emendar-se, com o exemplo saudável de seo castigo os mais se desviem dos vicios.
(Conc. Trid. Sess. 13 ds Reform. C.1º)>>
105
Conforme a citação acima, o bispo remeteu-se aos problemas referentes à
governabilidade episcopal dizendo que é necessário tomar atitude para conservar o seu
rebanho na retidão dos princípios da Igreja. Porém, mostra também que às vezes é necessário
tomar atitudes para que os sacerdotes que se desviavam do caminho pudessem primeiro
receber a compreensão da Igreja, pois todos pecam e todos erram, contudo, junto com a
compreensão vem a justiça e suas penalidades, principalmente se os problemas internos se
105
Ibidem.
102
tornarem públicos. É papel do bispo, respaldado pela Igreja, agir para separar os maus
exemplos. Continua a citação:
<<Ora, podem os Srs. Signatários do projecto que nos occupa acharem em codigo
algum do mundo, entre o povo mais moderno e civilisado do universo, nada mais
sabio, mais prudente, mais humanitario e liberal? Como, pois pensam SS. Excs. que
o Concilio de Trento legislou para tempos e paizes inferiores aos em que felizmente
vivemos cujo systema penal funda-se na citação, audiencia e provas publicas?
Acaso ignoram SS. EExcs. que, apezar de vivermos em um paiz eminentemente
livre, muita gente póde e deve de ir para a cadêa, ainda sem citação, sem audiência e
provas publicas?
<< E se não se de concebr ordem publica sem se dar á auctoridade competente
esse poder de prisão preventiva: como negar á auctoridade ecclesiastica o único
meio que tem ella de evitar o escandalo, fazendo que padres suspeitos de crimes
gravissimos se abstenham das funcções sanctas do altar?
<<Supponhamos que o padre A, é accusado de homicidio: porque razão não ha de o
seo Bispo priva-lo administrativamente do exercicio das ordens, até que, convencido
de sua innocencia ou culpabilidade, restitua-lhe o credito abalado ou imponha-lhe as
penas canônicas? Revogado, porém, como querem os Srs. Corrêa das Neves e
Viriato, o art. e seos parographos do Decreto de 28 de Março de 1857, que valor
terá o procedimento do Bispo contra aquelle de seos subditos que, justamente
suspenso, recorrer de seo despacho e achar protectores doceis que o duvidem
guardar para as kalendas gregas o exame do negocio? Quem não sabe que os
recursos nestes casos tem effeito suspensivo, e que este obtido, está o padre como
quer? E o que ficará sendo então o Bispo?
106
É evidente, nesse trecho, que o bispo não se eximiria de sua função de julgar, se
necessário, através das leis canônicas, os padres em questão. Segundo ele, era essa sua função,
e se isso não fosse feito ele não estaria desempenhando o papel que lhe fora outorgado pela
Igreja, e prossegue:
<< Talvez nos perguntem: os Bispos não podeo tambem, a titulo de suspeitos,
suspender administrativamente e por tempo indefinido os padres que não lhes
merecerem sympathias, ou aquelles a respeito dos quaes prevaleceram as más
informações ou a intriga? A isto respondemos com Van Espen, que, apezar de todo o
seo Galicanismo, diz o seguinte no tractado de Censuris Ecclesiasticis, cap.
parágrafo 3º: << Ordinarium ilaque adversus censuras injustas hodiernum
remedium est appellatio ad superiorem.>>
E quem dirá que no exercicio de suas funcções sublimes tenham os Bispos outro
superior além do Metropolita, do Primaz, do Patriarcha, do Papa, etc. a quem volve
o negocio com effeito apenas devolutivo, e que menos apaixonado, suspeitoso e mal
aconselhado acaba por fazer justiça a quem merece: Oh! E quão benigna e
providente não se mostra ainda aqui a egreja? Quantas vezes não vemos nós em
paizes eminentemente liberaes jazer um pobre homem mezes e annos encarcerado
era immundas enxovias, sem que se lhe ultime o respectivo summario?...
106
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 41. 15 jul. 1866, p. 324 - 326.
103
<<Voltemos, porém, ás razões que motivaram o projecto offerecido pelos Srs.
Corrêa das Neves e Viriato. Dizem SS. EExcs.: <<Por uma intelligencia forçada que
dão alguns canonistas ao cap. da sessão 14º da reforma do Concilio Tridentino
entendem elles que os Bispos tem ampla jurisdicção de suspenderem de ordens e dos
officios annexos aos beneficios, aos clerigos, por delictos ecclesiasticos, e como
pena ecclesiastica, sem estarem adstrictos a forma alguma de processo, por crime
occulto, cuja prova seja difficil e possa trazer infâmia ou escandalo.>> E’ pena que
os Srs. Corrêa das Neves e Viriato não dissessem quaes os canonistas que assim
pensam, quando é certo que o cap. da sessão 14º da reforma do referido Concilio
nunca se prestou a similhante intelligencia.
107
A crítica feita pelos signatários sobre a falta de fontes apresentadas era uma forma de
recriminar o papel do bispo como juiz das questões eclesiásticas. Em contrapartida, o bispo
tentava trazer incredulidade ao posicionamento teórico dos mesmos, que faltavam a esses
as fontes. Muitas vezes esse agendamento foi utilizado para trazer vida em relação aos
críticos da Igreja, como já vimos em atuações e discursos anteriores na Câmara. Dando
continuidade a seu artigo, D. Sebastião segue em suas colocações:
<<Esse capitulo tem duas disposições muito distinctas: a primeira tracta do exercicio
de attribuições graciosas (poder moderador), que competem aos Bispos como
dispensadores dos favores celestes. <<Cum honestius, o suas proprias palavras, ac
tutius sit subjecto, debitam Prepositis obedientiam impendendo, in inferiori
ministerio deservire, quam cum prepositorum scandalo, graduum alliorum appetere
dignitatem; ei, cui ascensus ad sacros ordines a suo Prelato ex quacumque causa,
eliam ob occultum crimem quomodolibet, eliam extrajudicialiter fuerit interdictus,
nulla contra ipsius Prelati voluntatem concessa licentia de se promoveri
faciendo.>>
<<Eis aqui, temos a primeira parte do referido capitulo. Ella tracta do caso de
interdicto, lançado pelo Bispo, ainda extrajudicialmente, aos sujeitos que não lhe
parecerem dignos de receberem ordens. E havepoder algum do mundo que possa
obrigar a um Bispo, conscio de seos deveres, a conferir ordens a taes indivíduos?
Seria isto tão fácil e posvel como obrigar um representante da nação a votar a favor
de medidas que lhe parecerem injustas ou nocivas á sua patria.
<<A outra parte do capitulo falla da suspensão de ordens recebidas. Ahi não é
preciso, nem se póde subentender o extrajudicialiter da primeira parte, separada por
um ponto e virgula, que quer dizer alguma cousa. Esta segunda parte assim se
exprime: <<Qui a suis ordinibus seu gra ibus, vel dignitalibus ecclesiasticis fuerit
suspensus, nulla contra ipsius Prelati volunlalem concessa licentia de se ad priores
ordines, gradus et dignitutes sive honores restitutio suffragetur.>>
<< Já vimos que as suspensões são impostas ou preventivamente, como na
hypothese acima figurada, ou por delictos provados, e neste caso ellas nunca se dão
sem processo e audiência do réo, e então desapparece a necessidade de revogar-se o
art. 2º e seos paragraphos do decreto de 28 de Março de 1857, decreto aliás
muitissimo bem pensado, pois que, sem apadrinhar a tyrannia, incompativel em um
paiz livre como o nosso, restitue aos Bispos catholicos como devem ser tambem os
nossos, a liberdade de acção que lhes convém e é necessaria, de que os privou o
celeberrimo decreto de 19 de Fevereiro de 1838.
107
Ibidem.
104
<<E’ esta, senhores, a disciplina da egreja, da qual nenhum inconveniente póde
resultar ás nações livres, nem mesmo á mais despoticamente governada, em quanto
se não pensa que para as funcções sanctas do episcopado serve qualquer páo de
larangeira, ou algum máo capellão de soldados, que commummente não sabe o que
quer nem o que faz. Porém, para taes deslocações sociaes, como para outras muito
boas cousas que por ahi se tem feito, o vale o projecto dos Srs. Corrêa das Neves e
Viriato, nem há possibilidade alguma de remedio.>>
Transcrevemos com prazer este bello artigo, cujas doutrinas abraçamos com
algumas restricções, entre as quaes avulta a de dizer o seo auctor o seguinte: -
<<Não se póde negar que elle exista (o arbitrio), e em muito grande escala na egreja
brasileira.>> Se o illustrado escriptor do artigo se refere aos Bispos brasileiros, até
hoje não sabemos onde, ou acerca de que, o arbitrio se tenha dado por parte d’elles.
Temos procurado lembrar-nos de um só, dado nestes ultimos tempos, e não podemos
achar; seria bom que se apontasse algum exemplo dos muitos, afim de que os
Prelados brasileiros se cohibam.
108
O arbítrio, ou falta desse, foi o prelúdio das discuses da questão religiosa no Brasil.
Nessas discussões, alguns bispos mantendo-se fiéis à determinação de Roma tiveram
posicionamento contrário à Igreja nacional. Por conseqüência, foram suas ações consideradas
arbitrárias, culminando com a prisão de alguns deles, como é o caso do bispo de Olinda e o
bispo do Pará. Esses dois estavam em total sintonia com as idéias de D. Sebastião. Muitas
vezes essa ligação foi evidenciada através de cartas reproduzidas na A Estrella do Sul. Segue
o texto:
Approvamos tambem muito o conselho que ao Governo, para que tenha todo
cuidado em chamar sómente para as funcções sanctas do Episcopado a sacerdotes
dignos, como parece que é um o illustre auctor do artigo; e não como tem feito
nomeando ahi a algum máo capellão de soldados e a qualquer pão de larangeira,
madeira revessa que não serve para obra alguma que della queiram fazer, muito
menos para estatua que se move e leva-se para qualquer parte ao talante do
estatuário; madeira ruim com a qual gastam tempo e trabalho os ope arios quando a
querem ageitar a seo modo quebrando e fazendo torcer as ferramentas; que não se
verga com duas razões ao sopro dos ventos; e que afinal se deve deixar de parte
porque com ella não se poderá fazer obra que preste ou agrade ao gosto apurado do
tempo. Para uma boa estatua procure-se madeira branda e macia, que na ode muito
que fazer, ainda ao mais inexperiente trabalhador. O mal está feito, agora é emendar
a mão para o futuro.
Com tudo a larangeira, com quanto não se amolde á toda figura e jeito, é arvore que
dá bôa sombra, se bem tenha espinhos que podem ferir os que estão debaixo d’ella e
não se conservam nos limites que lhe são marcados, estrepando mesmo gravemente
aos que em lucta desordenada esbarram n’elles com violencia; é arvore que, sendo
bem cultivada, e regada a tempo hábil e previdente jardineiro, póde dar fructos uteis
e agradaveis a todos, cujo paladar não esteja estragado pelas especiarias e acipipes
modernos, não obstante alguma pedrada que lhe atire por ahi qualquer garoto
sabendo o que quer e o que faz.
109
108
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 41. 15 jul. 1866, p. 324 - 326.
109
Ibidem.
105
D. Sebastião acaba o artigo de forma bastante metafórica. Nessa última citação,
compara sua atuação não como uma estátua que é parada e inerte, mas sim como uma árvore
de Laranjeira, fazendo alusão a seu sobrenome, e diz que quando bem tratado, trata bem os
seus, pom, ataques são combatidos com ataques, momento em que fala dos espinhos. Os
garotos mencionados na metáfora representam os signatários do projeto que tentavam barrar a
legitimidade das ações do bispo no Brasil.
O agendamento proposto nesse capítulo utiliza o meio oficial da Igreja, A Estrella do
Sul, para demonstrar quem eram seus aliados no meio político através dos pronunciamentos
da Câmara dos deputados. Nessas fontes, percebemos um embate incansável entre os políticos
liberais e os defensores da Igreja. De um lado os políticos liberais, contrários ao
posicionamento da Igreja, porque, segundo eles, esse posicionamento era arbitrário. Do outro
lado, os defensores da Igreja protegiam seu espaço e suas intenções como patrona dos cânones
sagrados e da legitimidade eclesiástica do bispo.
Para tal, o Semanário demonstrou claramente quem eram seus inimigos: protestantes e
políticos que questionavam as posições do bispo querendo justificativa para suas ações, e
também aqueles que tentavam barrar o avanço da Igreja fazendo com que ela passasse
dificuldades financeiras, uma vez que essas dificuldades não eram atendidas por seu grande
provedor o Estado – trazendo um relativo empobrecimento tanto físico como de pessoal. Foi
nesse sentido que o agendamento exaltou seus fiéis defensores e tentou execrar seus
questionadores e seus acusadores.
Toda essa atuação teve como ponto central a figura de D. Sebastião. Esse Prelado foi
fundamental para entender a figura do sacerdote na questão religiosa que assolou o Brasil a
partir de 1872, ou seja, dez anos após o início da publicação do jornal que defendia os
interesses da religião católica no Rio Grande do Sul. Segundo Colussi, “era o início da
explicitação das diferenças de pensamento político-ideológico pprio do período, quando se
anunciava a cristalização de um confronto no campo das idéias do qual os principais
protagonistas foram entre 1872 e 1875 a maçonaria e a Igreja Católica.
110
110
COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria Gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Editora UPF, 2003, p. 392.
106
Fica evidente na A Estrella do Sul que o terreno da luta ideológica estava sendo
preparado durante algum tempo. As intenções do clero ligado a Roma estavam sendo
explicitadas algum tempo, como vimos na A Estrella do Sul, por sua vez, D. Sebastião
estava em plena consonância com as intenções da Igreja ultramontana no Brasil e no mundo.
Fazendo uma reflexão acerca de suas intenções, percebemos que o regional e o global, dentro
da Igreja Católica, estavam sendo muito bem relacionados pelo Semanário. Essa relação,
muitas vezes, serviu de base para demonstrar o peso das intenções da Igreja, no Rio Grande
do Sul.
Esse agendamento demonstrou que A Estrella do Sul não estava sozinha em sua luta
contra o liberalismo. Assim como o Estado liberal tinha seus representantes, a Igreja tinha os
seus. Todavia, no último ano que essa pesquisa alcança, 1866, A Estrella do Sul começa a
demonstrar um espírito levemente conciliatório através de um artigo publicado com o título:
A união da Igreja e do Estado.
Neste artigo D. Sebastião parece entender levemente que os tempos estavam mudando
e principalmente que a Igreja estava em fase de mudaa. Se analisarmos a história do
catolicismo, perceberemos que a Igreja Católica sempre teve capacidade de flexibilidade o
que proporcionou a ela a permanência no poder por tantos séculos, como veremos a seguir:
A união da Egreja e do Estado.
O Estado tem necessidade da Egreja, unica capaz de sustentar a moral publica e
privada; e a Egreja tem necessidade do Estado para assegurar o pacifico exercicio de
seo culto e de suas virtudes. Porque se não ha de convir francamente neste escambio
de serviços? Porque se o ha de proclamar á luz do dia esta alliança necessaria á
ambos?
Si se quer que a Egreja salve a sociedade, é-lhe necessária a inteira liberdade não
sómente de sua doctrina, mas de suas instituições, de sua vida publica e de sua acção
social.
A paz entre a Egreja e o Estado será facil no dia em que o Estado ver que seos
interesses são identicos com os da Egreja, e procurar, de accordo com ella, realisar o
maior bem possível. Para operar esta revolução, não é preciso mudança de
instituões, nem mudança de governo: basta uma mudança de espirito. Em vez de
olhar as instituições catholicas como inimigos a vigiar e a conter, saiba-se
reconhecer nellas auxiliares seguros e dedicados.
A revolução lisongêa os governos; com a condição porém que a seja perseguida;
ella pede a liberdade para todos, com tanto que se a recuse aos catholicos, e,
segundo a eloqüente expressão do principe de Broglie, ella invoca a liberdade de
consciencia, sem ter nem uma veia de liberdade, nem uma fibra de consicencia.
Para a liberdade illimitada do bem, como para a repressão rasoavel e moderada dos
excessos do mal, os interesses da Egreja e do Estado são os mesmos. Não é por
demais bastante a sua união intima para fazer frente aos furacões do seculo XIX.
107
Estamos hoje em um momento solemne. Entre nós, o scisma está gasto, o
protestantismo está gasto, o gallicanismo está gasto, as corporações e as
aristocracias estão gastas, a dynastica e a liberal estão gastas. A revolução
mesma não é mais aquella joven fada que, não ha muito ainda, encantada todos os
corações; como a digna avó que Michelet lhe achou na idade media, é uma velha
feiticeira, enrugada, decrépita, reduzida á tenebrosas maquinações. Convencidos de
impotencia, os princípios de 1789 estão ainda de , como um d’esses ídolos
carunchosos, que um ultima nuvem de incenso encobre ao justo despreso da
multidão. Elles tiveram com tudo esta vantagem, impellindo o erro aos seos ultimos
limites, de trazer o homem forçosamente á verdade que elles negavam. Sua ultima e
suprema formula á verdade que elles negavam. Sua ultima e suprema formula é a
separação quimerica da Egreja e do Estado, que conduziria a ambos á sua ruina, si
não os reunisse logo em uma alliança mais estreita e mais intima que nunca. Assim,
depois de haver tudo destruido e de a sim mesmo se ter destruido, os principios de
1789 não nos deixam nenhuma outra alternativa mais que de reedificar tudo sobre a
base christã, ou senão de recair na barbaria e na escravidão pagã. Keller, Deputado á
Assembléa Franceza.
111
Mesmo D. Sebastião sendo um fiel antiliberal, publica esse artigo de Keller, deputado
francês, que demonstra o que seria a desastrosa separação do Estado e da Igreja. Ressalta
também que todos, liberais, protestantes e Igreja estavam desgastados devido às revoluções
liberais que aconteceram no século XIX. O mesmo não abria mão em dizer que tudo
poderia ser resolvido através da volta das intenções do Estado ao seio da Igreja.
Ao fazer uma análise da história, percebemos que essa volta era praticamente
impossível porque esta ligação, com o passar do tempo, perdeu força. A liberdade religiosa
ganhou vulto a partir da Laicização do Estado. Porém, a luta da Igreja em defesa de seu
espaço chega aos nossos dias, mesmo ficando evidente as várias adaptações realizadas para
isso. O liberalismo venceu essa disputa, porém a Igreja permaneceu irredutível até quando
pôde, através de sacerdotes que não entendiam Estado sem Igreja e Igreja sem Estado, como
D. Sebastião.
111
A Estrella do Sul. Porto Alegre: Bispo do Rio Grande do Sul. Ano IV. n. 43. 29 jul. 1866, p. 340 e 341.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do estudo sistemático do Semanário A Estrella do Sul, percebeu-se algumas
questões importantes para compor uma parte da historiografia riograndense referente ao
estudo da religiosidade no Rio Grande do Sul, sua relação com o Estado e a utilização da
mídia de massas para a formação de opinião. Geralmente esses três campos são vistos de
forma separada, não dando uma abordagem que possibilite essas relações no Rio Grande do
Sul. Não são muito numerosas as obras que versam sobre esta relação, o que não acontece em
outras regiões do Brasil.
Quando percebi nas fontes a figura de D. Sebastião e A Estrella do Sul, vi que a
exceção apontada no início do trabalho no que se refere à atuação do liberalismo dentro da
Igreja Católica e à falta de reação da Igreja a essa ideologia poderia trazer uma relevância ao
estudo da religiosidade no Rio Grande do Sul.
Neste estudo verificou-se o pesado confronto entre a Igreja Católica e os movimentos
aliados ao Liberalismo, pois mesmo que não fossem abertamente liberais, esses movimentos
eram colocados no mesmo grupo ideológico. Dentro da análise sobre o protestantismo notou-
se que o agendamento utilizado foi a demonização. Essa demonização servia para influenciar
o pensamento dos católicos e demonstrar a malignidade e a estratégia que o diabo utilizava
em desviar seus fiéis do caminho considerado correto, trazendo medo ao clero do possível
desvio dos caminhos da Igreja.
Evidenciou-se também que, a princípio, os protestantes não faziam proselitismo para
aumentar suas fileiras no Brasil. Pom, no decorrer do tempo, esse fato foi modificado, pois
os protestantes tentaram negociar, politicamente, ajudas estatais que pudessem atender a seus
propósitos religiosos, como por exemplo, a subvenção de pastores para atendersuas
necessidades. Isso denotaria uma perda de espaço político, social e ideológico muito grande
para a Igreja Católica, e através da demonização, conforme citado, foi combatida.
Não foram apenas os protestantes os considerados inimigos da católica, como se
pode verificar trabalhando com o agendamento. Em menor escala estavam os maçons, que de
109
forma sutil, eram citados como sendo propagadores de idéias contrárias as da Igreja e por isso
entraram para o rol dos inimigos da fé.
Outro ponto largamente discutido na A Estrella do Sul foi a formação de um
Seminário que fosse eficaz na produção de sacerdotes fiéis a D. Sebastião, um ultramontano, e
conseqüentemente fiel a Roma através da figura do Papa. Nesse caso percebemos uma luta
ideológica que transcendia os limites do Rio Grande do Sul e do Brasil e tinha como raiz a
Europa, o que demonstrava a desagregação ideológica pela qual passava a Igreja no Brasil
tendo nitidamente a influência de dois tipos de clero: o clero nacional, ligado ao padroado real
e ao império, e o clero romanizado, voltado a Roma. A luta e a resistência a este clero, que
muitas vezes devia mais obrigação ao imperador que ao Sumo Pontífice, foi extremamente
combatida pela A Estrella do Sul, evidenciando assim, a exceção, que nas primeiras ginas
dessa pesquisa, foi ressaltada.
Através do seminário, D. Sebastião queria ter um controle maior da formação de seus
comandados, pois havia uma necessidade muito grande de sacerdotes no Rio Grande do Sul
nesse período. Tal falta era resultado do desinteresse dos jovens em exercer carreira
eclesiástica, devido desmoralização da classe, fator esse, motivo de luta para D. Sebastião. A
necessidade de moralização do clero se fazia presente, pois, aos poucos, o espaço político e
religioso era tomado pelos inimigos da católica, devido essa desmoralização. Para reverter
o espaço perdido, era necessária uma retomada do antigo prestígio da Igreja que, segundo
D. Sebastião, esta instituição era confiável, era sinônimo de estabilidade e era respaldada por
centenas de anos no poder. É por esse motivo, que, muitas vezes, ele criticou a sede pelo
progresso, pois dizia que nem sempre o progresso era benéfico para a sociedade.
O liberalismo foi o fator aglutinador para perceber quem seriam os inimigos da Igreja
no Rio Grande do Sul. Nesse sentido, a estratégia empregada, foi a utilização do descrédito
dos ditos inimigos da católica. Com relação ao protestantismo, a descredibilidade
aconteceu desde seus reformadores, por meio da Reforma Protestante, até a entrada de Bíblias
utilizadas por eles e que davam entrada no Brasil por meio da Sociedade Bíblica. Percebe-se
assim, que a tática da descredibilidade foi profunda, pois são praticamente trezentos anos de
hisria que respaldam a análise do erro. Erro este, insistentemente demonstrado pela Estrella
do Sul através dos artigos publicados.
110
Dentro do ponto de vista teórico, para efetivar a hipótese do agendamento, era
necessário perceber o retorno da influência midiática, feita pelo Semanário, aos seus leitores.
Contudo, o trabalho com fontes do século XIX, nesse pressuposto, fica bastante
comprometido devido à dificuldade em entrevistar pessoas que pudessem demonstrar essa
influência. Porém, como estamos trabalhando com uma hipótese, e esta, como foi dita na
Introdução desse trabalho, parte de uma flexibilidade de uma abertura de possibilidades e por
isso, uma hipótese, e não uma teoria, percebeu-se que havia uma saída para este problema.
Em meio às publicações da A Estrella do Sul havia pronunciamentos feitos na Câmara dos
Deputados e nestes, era ressaltado o retorno das atividades da Igreja naquela época, ou seja, a
elite riograndense tinha um contato com esses escritos, tanto que esses pronunciamentos eram
publicados na A Estrella do Sul. Tendo em vista esse fator, muitos dos embates políticos,
feitos na Câmara dos Deputados, poderiam ser motivados pela influência desse Semanário,
isto é, tem-se assim, o retorno do que pensar e por que pensar que a hipótese nos apresenta.
Com relação aos pronunciamentos como fonte do que se pensava naquela época e o
retorno que possivelmente era dado através da leitura da A Estrella do Sul, fica evidente que
os confrontos ideológicos entre conservadores e liberais eram bastante acirrados na Câmara
dos Deputados, formando dois grupos. O primeiro grupo, os conservadores, tinha como
principal base de luta a utilização da Constituição de 1824. Esta fazia menção à Igreja
Católica como Igreja oficial do Estado. Por esse motivo deveria ser a única, mesmo que na
própria Constituição fossem mencionadas outras religiões, condicionando sua existência a não
ocorrência de cultos públicos como também a falta de identificação dos seus templos. Sendo
assim, esses defensores foram árduos representantes de D. Sebastião nessa esfera política. O
segundo grupo, os liberais, muitas vezes foram criticados tanto pelos representantes da Igreja
como pelo próprio Semanário por compactuarem com a relativa liberdade religiosa que estava
se espalhando pelo Brasil e também por uma sutil apologia à separação Estado e Igreja.
Esses dois grupos antagônicos travaram verdadeiras batalhas ideológicas, sendo seu
principal campo a retórica parlamentar. Claro que A Estrella do Sul publicava os embates
vencidos pelos seus defensores mostrando, mais uma vez, como se aplicava a prática da
descredibilidade, pois, se o leitor tivesse contato apenas com o Semanário, acharia que a
Igreja nunca perdera.
111
Em síntese, através da hipótese do agendamento foi possível analisar, através deste
instrumento teórico sistemático, que A Estrella do Sul teve êxito em sua defesa aos nones
milenares da Igreja Católica. Esse veículo foi eficaz no sentido de influenciar a opinião elitista
da época com seus artigos. Mesmo que estes o fossem muito bem aceitos por uma parcela
da sociedade, parcela essa ligada ao Liberalismo, A Estrella do Sul conseguiu fazer com que a
perda de espaço da Igreja fosse discutida nos meios políticos. Sendo assim, este trabalho
alcançou seus objetivos demonstrando assim que, através da A Estrella do Sul, a Igreja
Católica efetivou uma reação contra os veículos que faziam com que a mesma perdesse
espaço político e conseqüentemente espaço social. Embora a figura de D. Sebastião o tenha
sido devidamente lembrada pela historiografia nacional como um dos representantes da defesa
do espaço da Igreja, esse trabalho, de certa forma, contribui para suprir essa lacuna.
LOCAIS DE PESQUISA, REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS E
BIBLIOGRÁFICAS
Locais de Pesquisa
Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre – Porto Alegre – R.S.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – R.S.
Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Sul Porto Alegre – R.S.
Referências Documentais
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Porto Alegre, AHCMPOA. Ano I. Semanal, 1862-1863.
A Estrella do Sul: Periódico Consagrado aos Interesses da Religião. Porto Alegre: Bispo de
Porto Alegre, AHCMPOA. Ano II. Semanal, 1863-1864.
A Estrella do Sul: Periódico Consagrado aos Interesses da Religião. Porto Alegre: Bispo de
Porto Alegre, AHCMPOA. Ano III. Semanal, 1864-1865.
A Estrella do Sul: Periódico Consagrado aos Interesses da Religião. Porto Alegre: Bispo de
Porto Alegre, AHCMPOA. Ano IV. Semanal, 1865-1866.
A Estrella do Sul: Periódico Consagrado aos Interesses da Religião. Porto Alegre: Bispo de
Porto Alegre, IHGRS. Ano V. Semanal, 1866-1867.
Transcrição da visita pastoral do Bispo José Caetano Coutinho à Madre de Deus da Vila de
Porto Alegre retirado do arquivo histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
113
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ANEXOS
ANEXO 1 – INTRODUÇÃO DA A ESTRELLA DO SUL
ANEXO 2 – ÍNDICE DO PRIMEIRO ANO DA A ESTRELLA DO SUL
ANEXO 3 – ÍNDICE DO SEGUNDO ANO DA A ESTRELLA DO SUL
ANEXO 4 – PRIMEIRO NÚMERO DO ANO TRÊS DA A ESTRELLA DO SUL
ANEXO 5 – PRIMEIROMERO DO ANO QUATRO DA A ESTRELLA DO SUL
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