Senti-me desditosíssimo por ter começado tão mal e mergulhei cegamente numa
dissertação sobre peças francesas. Ela falava pouquíssimo, sempre com a mesma voz
baixa e musical, parecendo receosa de que alguém a estivesse escutando. Senti-me
apaixonadamente, estupidamente enamorado e a indefinível atmosfera de mistério que a
cercava excitava, a mais não poder, a minha curiosidade. Quando ela se retirou, logo após
o jantar, perguntei-lhe se poderia visitá-la. Hesitou um momento, olhou em redor para ver
se alguém estava perto de nós e depois disse:
«Sim; amanhã a um quarto para as cinco».
Roguei a Madame de Rastail que me desse informações a respeito dela; mas tudo
quanto pude saber é que era uma viúva, morando numa bela casa em Park Lane e, como
naquele momento um desses cientistas cacetes começasse uma dissertação a respeito de
viúvas, para exemplificar a sobrevivência dos matrimonialmente mais ajustados, despedi-
me e fui para casa.
No dia seguinte cheguei pontualmente a Park Lane, no momento exato, mas o
mordomo disse-me que Lady Alroy tinha acabado de sair. Dirigi-me ao clube, bastante
desiludido e confuso e, depois de muito refletir, escrevi-lhe uma carta, perguntando-lhe
se me seria permitido tentar a sorte em alguma outra parte. Por vários dias não recebi
resposta, mas afinal chegou-me às mãos um bilhetinho, dizendo-me que estaria ela em
casa no domingo, às quatro e com este extraordinário pós-escrito: «Por obséquio não
torne a escrever para mim aqui; explicar-lhe-ei, quando o vir». No domingo, recebeu-me
e mostrou-se perfeitamente encantadora. Mas quando me despedia, pediu-me que, se
alguma vez tivesse ocasião de escrever-lhe de novo, dirigisse a minha carta para «Sra.
Knox, aos cuidados da Biblioteca Whittaker, Rua Verde». «Há motivos - disse ela - pelos
quais não posso receber cartas em minha própria casa».
Durante toda a temporada via-a amiudadas vezes e a atmosfera de mistério sempre
se manteve em torno dela. Às vezes pensava que se achava ela em poder de algum
homem, mas parecia tão inabordável que não podia acreditar naquilo. Era realmente
difícil para eu chegar a qualquer conclusão, pois ela era como um desses estranhos
cristais que a gente vê em museus e que são, num momento, claros, e em outro, turvos.
Por fim, decidi-me a pedi-la em casamento. Senti-me doente e cansado daquele
incessante segredo que impunha a todas as minhas visitas e às poucas cartas que lhe
enviei. Escrevi-lhe para a biblioteca, perguntando-lhe se podia ver-me na segunda-feira
seguinte, às seis horas. Respondeu que sim e senti-me transportado ao sétimo céu. Estava
apaixonado por ela, a despeito do mistério, pensava então... em conseqüência dele, vejo
agora. Não; era a mulher mesma que eu amava. O mistério perturbava-me, enlouquecia-
me. Porque o acaso fez-me descobrir a pista?
- Descobriu-a então? - exclamei.
- Receio que sim - respondeu. - Julgue você por si mesmo. Quando chegou a
segunda-feira, fui almoçar com meu tio e cerca das quatro horas encontrava-me em
Marylebone Road. Meu tio, como você sabe, mora em Regent's Park. Queria alcançar