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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
SETOR DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO EM GESTÃO DO TERRITÓRIO
MARCELO BARRETO
A PRODUÇÃO CAMPONESA E O MONOPÓLIO DO TERRITÓRIO PELO
CAPITAL: ESPACIALIDADES DISTINTAS NA EXTRAÇÃO DA ERVA-MATE NA
REGIÃO DA FLORESTA COM ARAUCÁRIA DO PARANÁ
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia, Curso de
Mestrado em Gestão do Território da
Universidade Estadual de Ponta Grossa,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre.
Orientação:
Prof
a
Dr
a
Cicilian Luiza Löwen Sahr
PONTA GROSSA
JUNHO DE 2008
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Ficha Catalográfica Elaborada pelo Setor de Processos Técnicos BICEN/UEPG
Barreto, Marcelo
B273p A produção camponesa e o monopólio do território pelo capital : espacialidades
distintas na extração da erva-mate na região da Floresta com Araucária do Paraná /
Marcelo Barreto. Ponta Grossa, 2008. 93f.
Dissertação (Mestrado em Geografia – Gestão do Território), Universidade Estadual de
Ponta Grossa.
Orientadora: Profa. Dra. Cicilian Luiza Löwen Sahr
1. Produção camponesa. 2. Erva-mate. 3. Monopolização do território. 4. Renda da
terra. 5. Floresta com Araucária. I. Löwen Sahr, Cicilian Luiza. II. Universidade
Estadual de Ponta Grossa. Mestrado em Geografia. III. T.
CDD: 633.77
1
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2
Aos meus pais: Wilson e Telma,
os quais sempre me incentivaram na trajetória que procurei seguir.
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer à profa. Dra. Cicilian Luiza Löwen Sahr,
pela desafiadora oportunidade de me propor pesquisar os Faxinais e a produção da
erva-mate. De forma carinhosa a agradeço também por fazer parte do meu
crescimento enquanto pesquisador.
Agradeço à CAPES pelo fornecimento de dois anos de bolsa para a realização
da pesquisa e ao CNPq e Fundação Araucária pelos recursos fornecidos para os
trabalhos de campo e apresentação em eventos.
Ao Curso de Pós-Graduação em Geografia – Mestrado em Gestão do
Território.
Ao Mário Sérgio, amigo e neste momento colega, à sua esposa Rilka e seus
filhos Laura e Lucas pelo carinho e pela generosa hospitalidade quando da minha
vinda para Ponta Grossa.
Aos camponeses da Floresta com Araucária, os quais tive o privilégio de
conhecer. Destaco entre eles o Sr. Amaro do Faxinal Marmeleiro de Cima, que
ofereceu sua casa e me acompanhou nas entrevistas durante uma semana de
estadia.
As indústrias de mate: Baldo, Glória, São Mateus, Vier e Leão Jr. e ao
SINDIMATE (Sindicato das Indústrias do Mate do Estado do Paraná) pela
disponibilidade de tempo para a realização de entrevistas e fornecimento de dados.
Ao casal de amigos Helena e Jaime, por terem colocado sua casa em São
Mateus do Sul à minha disposição durante a permanência nesta cidade para a
aquisição de dados e visitas às fábricas.
Ao amigo Gerson (de Curitiba), que sempre esteve disposto a me receber
quando das necessidades de ir à capital para levantamento de dados.
Ao prof. Luiz Alexandre Gonçalves Cunha pelas conversas, sempre muito
proveitosas sobre a questão da formação do território na região do Paraná
Tradicional e à profa. Andréa Paula dos Santos pelas valiosas colocações postas na
defesa da qualificação.
A Andrea Tedesco, pelo carinho, pela paciência e compreensão dessas
minhas ausências nos momentos finais da pesquisa.
4
Aos amigos: Wladimir, Tiago, Carla, Cristina, Lia, Andreza, Jeanine, Vagner,
Márcio, Almir e Éderson, por compartilhar momentos de reflexão em torno do
pensamento crítico. Certamente a convivência com estes vale de grande
oportunidade para o nosso crescimento intelectual.
5
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade propor uma compreensão sobre a produção
camponesa na região da Floresta com Araucária do Paraná na atualidade, mais
precisamente aquela inserida nos moldes do Sistema Faxinal. A organização
camponesa dos Faxinais consolidou-se em meados do século XIX, quando a
atividade econômica de produção da erva-mate tomou grandes proporções no
estado. Neste período surgiram no litoral e nos arredores de Curitiba várias
unidades industriais de beneficiamento da erva-mate. Essas indústrias adquiriam
desses camponeses a erva-mate primariamente beneficiada como matéria prima
para alimentar a sua produção, voltada para o mercado externo. Com a crise dessa
atividade, na década de 1930, devido ao aumento da atividade ervateira na
Argentina, que era o maior mercado para o mate brasileiro, essas comunidades de
Faxinais começaram a se organizar em torno de cooperativas. As cooperativas do
mate na região perduraram até meados da década de 1980, quando veio uma nova
crise, provocada pelo fechamento do mercado uruguaio. Quando a produção do
mate retomou seus níveis significativos, as indústrias ervateiras optaram por uma
realocação das suas plantas fabris. Agora junto à matéria prima, no Centro-sul do
Paraná. A partir desses momento, as fábricas passaram a adquirir dos camponeses
não mais erva-mate beneficiada de forma artesanal em suas comunidades e sim a
folha verde para o beneficiamento total dentro do processo industrial. Dessa forma,
retirou-se das mãos dos camponeses a possibilidade da obtenção de renda. Com a
aquisição da folha verde e não da beneficiada, o capital industrial ervateiro encontra
possibilidades de se reproduzir em terras camponesas por meio da monopolização
do território. Dessa forma, distintas espacilalidades acabam sendo criadas em
território faxinalense. Por meio do processo de luta e resistência na terra, os
Faxinais não se dissolvem e continuam se reproduzindo como camponeses até os
dias atuais.
Palavras-chave: Produção camponesa, erva-mate, monopolização do território,
renda da terra, Floresta com Araucária.
6
ABSTRACT
The present work aim to propose a comprehension about the peasantry production
on the Araucaria Forest region of Parana nowadays, precisely the one known as
Faxinal System. The Faxinais peasantry organization consolidated on the half part of
the XIXth century, when the economical activity of the mate herb production started
to increase on the state. Among this period, several manufacturing industrial units
started to appear next to the coast and around the city of Curitiba. Those industries
used to obtain from those peasants the mate herb primary manufactured as raw
material to feed their production faced to overseas market. Due to this activity crisis,
during the dacade of 1930, provoked by the increase of the mate herb production in
Argentina, the biggest market for the brazilian mate herb, those faxinais communities
started to orginize into several cooperatives. The mate cooperatives on the region
lasted till the half of the 80`s, when a new crisis took place, this time provoked by the
closure of the uruguaian market. Whe the mate herb production reestarded its
productin with significative levels, the mate herb industries decided to realocate their
manufacturing plants. This time, together with the raw material on the Center-south
of Parana. From this time on, those factories did no obbtained the pimary
manufactured mate herb from the peasants anymore, but the green leaf for the total
manufacturing inside the industrial process. This way, it was retired from peasantry
hands the possibility of the obbtainance of income. With the accsition of the green
leaf and not primary manufactured, the mate herb industrial capital finds a possibility
of reproduction in peasantry lands through the territory monopolization. This way,
distincts spatialities are been created on the Faxinals territory. Through the process
of fighting and resistance on their land, the Faxinais do not dissolve and keep
reproducting as peasants till nowadays.
Key words: Peasantry production, mate herb, territory monopolization, land income,
Araucaria Forest.
7
LISTA DE FOTOGRAFIAS
FOTO 1 - ERVAL EM MEIO ÀS ARAUCÁRIAS NO FAXINAL PARANÁ ANTA GORDA..... 30
FOTO 2 - VISTA DO CRIADOURO COMUNITÁRIO: AO FUNDO (TERRENO
DESCAMPADO) ENCONTRAM-SE AS TERRAS DE PLANTAR; FAXINAL
MARMELEIRO DE CIMA....................................................................................... 36
FOTO 3 - LOCAL UTILIZADO PARA SECAR FEIJÃO NO CRIADOURO COMUNITÁRIO
FAXINAL MARMELEIRO DE CIMA.......................................................... ............ 36
FOTO 4 - CRIANÇA SECANDO FUMO................................................................................ 41
FOTO 5 - PONTE DE ACESSO AO MUNICÍPIO DE SÃO MATEUS DO SUL (BR-476),
SOBRE O RIO IGUAÇU........................................................................................ 60
FOTO 6 - BARCO A VAPOR "PERI", UTILIZADO NO TRANSPORTE DA MADEIRA E DA
ERVA-MATE, ENTRE OUTROS PRODUTOS..................................................... 60
FOTO 7 - GALPÃO ABANDONADO, RELACIONADO AO ANTIGO PORTO EM SÃO
MATEUS....................... ......................................................................................... 61
FOTO 8 - CARROÇÃO RUSSO, UTILIZADO NO TRANSPORTE DE IGUARIAS,
PRINCIPALMENTE A ERVA-MATE...................................................................... 62
FOTO 9 - TRABALHADOR TEMPORÁRIO EFETUANDO A PODA DA ERVA-MATE NO
FAXINAL MARMELEIRO DE BAIXO..................................................................... 70
FOTO 10 - CONDUÇÃO DOS PONCHOS CARREGADOS DE FOLHA VERDE ATÉ O LOCAL
ONDE O CAMINHÃO SE ENCONTRA ESTACIONADO. FAXINAL MARMELEIRO
DE BAIXO............................................................................................................. 70
FOTO 51 – BARBAQUÁ INATIVO LOCALIZADO NO FAXINAL MARMELEIRO DE BAIXO.. 73
FOTO 12 - INTERIOR DO BARBAQUÁ, COM A IMAGEM DA CANCHA............................... 73
FOTO 13 - CASA DO SR. NICOLAU, COM A ERVA-MATE PLANTADA............................... 75
FOTO 14 - CARIJO INDUSTRIAL........................................................................................... 80
FOTO 15 - UNIDADE DE BENEFICIAMENTO INDUSTRIAL DA ERVA-MATE..................... 80
FOTO 16 - PILHA DE ERVA-MATE CANCHEADA EM PROCESSO DE DESCANSO.......... 82
FOTO 17 - VIVEIRO DE MUDAS DE ERVA-MATE................................................................ 84
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES, TABELAS E GRÁFICOS
FIGURA 1 – FLUXO ESQUEMÁTICO DA PRODUÇÃO DA ERVA-MATE NA REGIÃO DA
FLORESTA COM ARAUCÁRIA DO PARANÁ...................................................... 78
FIGURA 2 – MAPA DO ESTADO DO PARANÁ - MUNICÍPIOS COM UNIDADES INDUSTRIAIS
DE BENEFICIAMENTO DA ERVA-MATE: 2007.................................................. 87
TABELA 1 – ESTADO DO PARANÁ: NÚMERO DE FAXINAIS, ÁREA DO CRIADOURO E
NÚMERO DE FAMÍLIAS POR MUNICÍPIO NAS MESO-REGIÕES CENTRO-SUL,
SUDESTE E METROPOLITANA DE CURITIBA.................................................. 39
GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE PRODUZIDA ANUAL DA FOLHA VERDE DA
ERVA-MATE SEGUNDO ESTADOS DA REGIÃO SUL DO BRASIL (EM
TONELADAS......................................................................................................... 66
GRÁFICO 2 - PRODUÇÃO DA FOLHA VERDE DA ERVA-MATE SEGUNDO MESO-REGIÕES
DO ESTADO DO PARANÁ, 2004......................................................................... 67
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................11
2 O CAMPESINATO E OS FAXINAIS........................................................... 17
2.1 REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A PRODUÇÃO CAMPONESA NO
BRASIL....................................................................................................... 17
2.2 A ORGANIZAÇÃO CAMPONESA DOS FAXINAIS NA FLORESTA COM
ARAUCÁRIA DO PARANÁ......................................................................... 29
3 A CONSOLIDAÇÃO DAS FORÇAS PRODUTIVAS E A FORMAÇÃO DO
TERRITÓRIO NA REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS / FLORESTA COM
ARAUCÁRIA............................................................................................... 45
3.1 A FORMAÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA REGIÃO DOS CAMPOS
GERAIS / FLORESTA COM ARAUCÁRIA: DAS FAZENDAS DE POUSO
ÀS PROPRIEDADES EXTRATIVAS.......................................................... 47
3.2 A ATIVIDADE ERVATEIRA E O DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS NA REGIÃO DA FLORESTA COM ARAUCÁRIA DO
PARANÁ..................................................................................................... 56
4 A EXTRAÇÃO E O BENEFICIAMENTO DA ERVA-MATE NA ATUALIDADE:
DOS FAXINAIS À INDÚSTRIA ERVATEIRA..............................................64
4.1 A PRODUÇÃO DA ERVA-MATE NO PARANÁ.......................................... 65
4.2 A PRODUÇÃO DA ERVA-MATE NA REGIÃO DA FLORESTA COM
ARAUCÁRIA............................................................................................... 68
4.3 AS EMPRESAS E AS ESTRATÉGIAS PARA GARANTIR A AMPLIAÇÃO
DE SEUS CAPITAIS................................................................................... 79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 89
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 91
10
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho vem se desenvolvendo a partir de algumas questões
levantadas a respeito da produção camponesa no Paraná na atualidade, mais
precisamente daquela localizada na porção do Estado onde se encontram os
fragmentos das Florestas Mistas
1
com a presença da Araucária.
Esta porção do Estado, que abrange as meso-regiões classificadas pelo
IBGE (2004) como Centro-sul e Sudeste paranaense, tem suas características
singulares por apresentar uma forma de organização camponesa única, conhecida
como Sistema Faxinal. Os Faxinais se encontram nesta região por mais de 200
anos, produzindo e reproduzindo suas relações através do extrativismo vegetal da
erva-mate, da madeira e do pinhão; a criação de animais à solta para o consumo
interno e a policultura alimentar, tanto para o comércio como para o próprio
consumo.
A erva-mate (Ilex paraguariensis St. Hil.) é uma planta cujo ambiente
natural de ocorrência é bastante restrito, limitando-se apenas ao sub-bosque da
Floresta com Araucária. Sua presença em grandes quantidades constitui os ervais
nativos. Alguns desses ainda podem ser encontrados remanescentes nos
fragmentos restantes da Floresta com Araucária. Esta planta é de grande
importância econômica, pois a sua folha, depois de beneficiada, é utilizada para a
elaboração de vários produtos, entre eles, o mate para o chimarrão, cujo consumo é
difundido em países como Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, além do Brasil.
A ocupação das Florestas Mistas do Centro-sul paranaense, em meados
do século XIX, esteve intimamente ligada à extração da erva-mate e da madeira.
Com o declínio do tropeirismo, as fazendas de pouso e invernagem das tropas, nas
regiões campeiras, começaram a entrar em colapso e a busca de uma nova
atividade se fez necessária, o que levou a atividade de extração e beneficiamento da
1
Para efeitos dessa pesquisa, não há distinção entre os termos Florestas Mistas do Centro-sul e
Floresta com Araucária. Ambas referem-se à porção do Estado do Paraná sob domínio da formação
Floresta Ombrófila Mista conforme será explicitado mais adiante.
11
erva-mate a ocupar lugar de destaque no cenário econômico do Paraná a partir de
meados do século XIX. Assim, a região da Floresta com Araucária do Paraná
passou a ter grande importância econômica para o estado.
Os Faxinais são exemplos dessas comunidades que se beneficiaram com
a extração da folha verde da erva-mate no período em que esta atividade foi de
grande importância econômica na região. Mesmo não sendo mais a extração e o
beneficiamento da erva-mate de grande importância econômica na atualidade, os
Faxinais permanecem nas florestas produzindo e reproduzindo suas relações. A
extração da folha verde ainda é feita. Além de fonte de matéria prima para as
indústrias ervateiras estabelecidas nesta região, a erva-mate também é fonte de
renda complementar para as famílias faxinalenses. Algumas das empresas que
beneficiam essa matéria prima são ligadas ao grande capital, com grandes somas
de investimentos neste setor, tendo a produção também voltada para a exportação.
A indústria ervateira, ao adquirir a matéria prima dos pequenos produtores,
incorpora a produção camponesa ao seu modo de produção por meio dos
atravessadores. Estes atravessadores são autônomos. Nos períodos de safra da
erva-mate eles passam nas comunidades para negociar a compra da folha verde
com os camponeses. Em alguns casos, esses atravessadores são funcionários da
própria indústria, em outros, eles têm uma empresa própria que oferece serviço de
poda e transporte para as empresas.
Apesar do auge da produção da erva-mate ter perdurado por quase um
século no Estado do Paraná, da segunda metade do século XIX ao início do XX,
esta não se mostra apenas como um resíduo da história na atualidade. A atividade
de extração e beneficiamento da erva-mate no Paraná permanece com níveis
significativos de produção até os dias atuais.
A produção da erva-mate na região aparece, assim, como uma relação
datada na história. No presente momento, ela reflete a complexidade da relação
entre os faxinalenses e a indústria do mate. Apreender a evolução do tempo nos
Faxinais é perceber que a erva-mate faz parte de uma teia de relações sociais que
12
não se limita somente a estes, e que se constrói com o movimento da história.
Assim, o tempo não dissolve as relações, mas as inovam
2
.
O presente trabalho orienta-se na identificação dessas relações que
permeiam a vida dos faxinalenses na atualidade. Tais relações expressam-se
através de confrontos travados no âmbito político e econômico, tanto internamente
como externamente às comunidades.
O que se verifica na produção da erva-mate são temporalidades
desencontradas e coexistentes. Desencontradas porque não se produz mais erva-
mate como até aproximadamente 20 anos atrás nos Faxinais. Coexistentes porque a
extração da erva-mate nos Faxinais permanece e resiste até a atualidade, mesmo
com a incorporação de novas culturas que representam fonte de renda para os
faxinalenses, como a do fumo.
Neste sentido, objetiva-se compreender quais os interstícios dessa relação
- entre os Faxinais e a indústria do mate - com base na monopolização do território
pelo capital. Para garantir que o capital se reproduza de forma ampliada, ele
incorpora relações não-capitalistas de produção ao seu modo
3
. O capital não se
territorializa, mas monopoliza o território através da extração da renda da terra e da
monopolização do produto da força de trabalho camponesa
4
. Essa forma se
evidencia em vários exemplos na agricultura brasileira, em terras onde predomina a
produção não-capitalista. Assim, o contato do modo capitalista de produção com
forças alheias à sua lógica, como no caso dos camponeses, acaba produzindo um
emaranhado de relações que passam a se configurar a partir dessas duas frentes de
avanço: territorialização e monopolização do território. Ambos os casos têm sido
observados nos Faxinais do Centro-sul do Paraná em pesquisas recentes
5
. As
2
“Não há reprodução de relações sociais sem uma produção de relações ... No interior de cada
sociedade e no interior de cada um agita-se a efervescência dessa coexistência de modos, mundos,
relações, concepções que não são contemporâneos. Ou, a contemporaneidade da superfície não
corresponde à idade do que coexiste” (LEFEBVRE apud MARTINS 1996a, p. 22-23).
3
Autores como Shanin (1980), Moura (1986), Martins (1996b), Oliveira (1999) e Paulino (2006)
defendem a tese de que o campesinato, mesmo se reproduzindo de forma não capitalista, recria suas
relações no modo capitalista de produção.
4
Esta ocorrência se dá mais precisamente no instante da extração da matéria prima.
5
Hauresko (2005) e Schuster (2006).
13
preocupações postas nesta pesquisa, porém, referem-se mais ao segundo caso, em
que esse território, produzido por relações camponesas, acaba sendo monopolizado
através da sujeição da renda da terra ao capital.
Pergunta-se, portanto, quais as razões que levam os Faxinais a manterem
sua estrutura organizada como camponesa na atualidade? Se de fato são
camponeses, como vem se dando o processo de luta e resistência frente ao avanço
do capitalismo no campo? A produção da erva-mate aparece como um elo da
relação entre os Faxinais e a indústria capitalista, sendo que aqueles se constituem
como fornecedores da matéria prima folha verde para estes. Toma-se como desafio
não somente identificar, no universo faxinalense, os fragmentos temporais, mas
relacioná-los à luz de um movimento histórico mais amplo.
Entende-se, assim, que relações sociais e concepções de meio são
construídas a partir da atuação dos seres humanos sobre a natureza na
necessidade social de se suprir as suas carências. Assim cada ser humano
modifica, revoluciona a sociedade e revoluciona-se enquanto ser social criando
novas possibilidades na produção da sua existência; torna-se produtor do seu
próprio destino, mas ao mesmo tempo se faz refém dele, a ponto de não mais ter
poder sobre a plataforma na qual se edificou. Através do tempo o ser humano se
transforma e transforma o seu meio, “modifica, edifica a sua humanidade, agindo
sobre as condições naturais e sociais de sua existência, as condições propriamente
econômicas” (MARTINS, 1996a p. 19). Na essência estão as relações sociais de
produção - elas são sociais porque independem da vontade individual dentro do
processo produtivo.
O trabalho de campo foi realizado em vários Faxinais nas regiões Centro-
sul e Sudeste do Paraná, nos municípios de Prudentópolis, Rio Azul e Rebouças.
Porém, elegeram-se três comunidades em que o trabalho se aprofundou, com um
tempo de permanência na localidade no período da extração da erva-mate, para a
realização das entrevistas, coleta de dados e apreensão da cadeia produtiva da
erva-mate na sua etapa extrativa. São eles os Faxinais Marmeleiro de Cima e
14
Marmeleiro de Baixo, no município de Rebouças e o Faxinal Paraná Anta Gorda em
Prudentópolis. A fim de se compreender a cadeia produtiva da erva-mate como um
todo e também de se obter informações a respeito das estratégias de algumas
empresas ligadas ao ramo da erva-mate - principalmente aquelas que apresentam
grandes somas de investimentos, foram feitas visitas a algumas plantas industriais
nos municípios de Fernandes Pinheiro, Irati e São Mateus do Sul, todas elas
localizadas próximas aos Faxinais.
As reflexões desenvolvidas em torno da problemática em investigação
foram estruturadas em três partes. Na primeira parte do trabalho são tratadas
questões referentes às bases que levaram à consolidação de uma classe
camponesa na região das Florestas Mistas com a presença da Araucária, conhecida
como Faxinais, e também a lógica de sua organização e as relações com o mundo
externo. Nessa parte, os Faxinais pesquisados são descritos nas suas totalidades.
Também é feito um resgate quanto à sua situação histórica na formação da estrutura
fundiária do Paraná.
Na segunda parte, busca-se analisar o processo de configuração do
território da erva-mate no Paraná, levando-se em conta o recorte espacial da
pesquisa. Neste sentido, procura-se, através do resgate histórico, identificar os
diferentes momentos da produção da erva-mate e da consolidação dos Faxinais.
Por último, na terceira parte, pretende-se compreender a lógica do
movimento do capital no campo frente à produção camponesa através da
monopolização da força de trabalho. Portanto, busca-se elucidar as relações entre
estrutura produtiva e força de trabalho, vinculadas à erva-mate, resgatando os seus
segmentos desde os Faxinais até o produto industrializado ofertado ao comércio na
atualidade.
15
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio
Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?
(Utopia; letra e música de José Afonso)
16
2 O CAMPESINATO E OS FAXINAIS
Algumas comunidades agrárias da região Centro-sul do estado do Paraná,
conhecidas como de Faxinais, estão ligadas as formas específicas de uso da terra.
Tais formas, representadas pelo uso coletivo das terras, na qual a criação de
animais se dá livremente sem a presença de cercas, não encontra semelhança em
outras partes do país. A forma de organização interna, composta pela divisão entre
os criadouros comunitários e as terras de plantar, faz parte de um conjunto de
relações cujo principal fundamento está na produção para a garantia de reprodução
da condição na qual os faxinalenses se encontram.
Nesta parte, procura-se abordar as principais correntes que tratam da
organização camponesa diante das transformações da sociedade no mundo
contemporâneo, juntamente com a desmistificação da idéia de que estes
camponeses estão passando por um processo de transformação em pequenos
capitalistas. Posteriormente serão tratados os Faxinais dentro da sua lógica interna
de recriação dentro do modo capitalista de produção.
2.1 REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A PRODUÇÃO CAMPONESA NO BRASIL
Para compreender os camponeses no Brasil se faz necessário,
primeiramente, entender os camponeses como uma classe que compõe a sociedade
capitalista moderna. Mesmo sendo os camponeses organizados em torno de uma
estrutura produtiva cujo objetivo não é a acumulação de capital, estes se encontram
inseridos no modo capitalista de produção. Dessa forma, parte-se do princípio que o
capitalismo, cujas relações produtivas estão calcadas na separação dos detentores
do capital e dos detentores da força de trabalho na sua essência, também incorpora
agentes sociais inseridos em uma organização produtiva não-capitalista, como no
caso dos camponeses (MARTINS, 1996b). Portanto, o campesinato vem
representar uma classe social única, ligada à propriedade da terra, que não se
17
identifica, nem com os detentores do capital, nem com os detentores da força de
trabalho, mas inserida em relações de produção cujo fim é a acumulação do capital.
Esta forma de se entender os camponeses (a partir da sua recriação no
modo capitalista de produção) não é compactuada por todos os representantes nas
esferas do pensamento social e econômico. Seguindo a idéia que o modo
capitalista de produção está dividido em apenas duas classes (patrões e
empregados), torna-se difícil inserir o campesinato nos moldes sociais do mundo
moderno. O que se faz, de acordo com esse pensamento, é colocar os camponeses
como um resíduo da história, em vias de desaparecimento. Adeptos dessa corrente
estão ligados a autores clássicos como Karl Kautsky e Maurice Dobb que discutem o
fim do campesinato quando o feudalismo entrou em declínio na Europa. Ambos os
autores afirmam que o campesinato tende a desaparecer quando suas forças
produtivas entram em contato com o modo capitalista de produção - que o
camponês, ao produzir para o mercado, acaba concorrendo com a indústria urbana,
de maior competitividade, o que provoca assim a sua dissolução.
Uma das afirmações de Kautsky (1980) é de que “o capital se apodera da
agricultura, revolucionando-a, subvertendo suas antigas formas de produção e de
propriedade, criando a necessidade de novas formas” (pp. 29-30). Quando a
indústria urbana avança para o campo, esta penetra no interior da sociedade
camponesa, fornecendo seus produtos a preços mais baixos. “A superioridade da
indústria urbana se tornou tão grande, em muitos domínios que deu aos produtos da
indústria camponesa o caráter de artigos de luxo” (p. 31).
A concorrência entre os produtos artesanais de origem camponesa e os
manufaturados pela indústria urbana, vendidos por preços mais em conta, levou
aquela produção à ruína, visto que uma troca era necessária para que se garantisse
a sobrevivência de cada artesão. Dessa forma, a indústria urbana tirou do camponês
a supremacia de sua indústria e, conseqüentemente, provocou a dissolução da sua
forma de organização (cuja produção de gêneros era basicamente voltada para o
consumo próprio) e interrompeu a troca estabelecida com os senhores feudais. A
18
partir do momento em que os senhores feudais passaram a não consumir mais
produtos de origem camponesa, o camponês se tornou cada vez mais dependente
do mercado e, conseqüentemente, necessitando de dinheiro para suprir suas
necessidades.
De acordo com Maurice Dobb (1980), a agricultura camponesa teve um
forte incremento com a presença do capitalismo. Os camponeses se subdividiram
em duas classes distintas: uma composta por agricultores que passaram a arrendar
suas terras e que se tornaram capitalistas do campo, e outra de camponeses que se
empobreceram e acabaram se tornando proletários.
Entre eles se desenvolveu um setor importante de camponeses mais ricos
ou pequenos proprietários, que, ao prosperarem, aumentavam seus campos
por arrendamento ou comprando terras, tornando-se eventualmente
usuários com relação a seus vizinhos mais pobres e transformando-se em
fazendeiros de grandes posses que se apoiavam no trabalho assalariado
recrutado em meio às vítimas dos cercamentos dos campos ou aos aldeões
mais pobres (DOBB, 1980 p.131).
Diante da exposição desses dois autores percebe-se que o capitalismo
subjuga formas mais tradicionais de produção e implanta o seu modo baseado em
apenas duas classes distintas: os detentores do capital e os detentores da força de
trabalho. O que aparece, de acordo com estas interpretações, é que duas das
causas do desaparecimento do campesinato europeu estão ligadas a esses fatores
principais: de um lado a concorrência com a produção capitalista (KAUTSKY, 1980),
do outro a diferenciação, que daria origem a duas classes antagônicas – os
camponeses enriquecidos (capitalistas) e os camponeses empobrecidos
(proletários), como exposto por Dobb (1980). Dessa forma, dentro do mundo
capitalista os camponeses acabam por não ter lugar definido e se tornam
assalariados ou pequenos empresários, ambos inseridos no sistema.
É fato que essas interpretações foram elaboradas sob a influência cada
19
qual de sua época. Toda carga ideológica envolvida para a sistematização das
idéias teve como referência o momento histórico por qual passava cada autor. A
Questão Agrária de Kautsky foi escrita em um período em que havia muitas opiniões
divergentes dentro de um único pensamento, como era na social-democracia alemã.
Porém, não se deve descartar as idéias contidas nessas obras, pois elas constituem
valiosa contribuição para a formação do pensamento contemporâneo. Neste caso,
cuidados devem ser tomados quanto à forma como se processa a interpretação
dessas idéias e a transposição delas para uma realidade atual.
Outra interpretação é a de que os camponeses não se proletarizam, e
estabelecem pequenas empresas familiares nos moldes da chamada “agricultura
familiar”. Seguindo este caminho, encontram-se autores como Ricardo Abramovay.
Este aponta para uma polarização da sociedade como um todo (detentores dos
meios de produção e detentores da força de trabalho) e afirma que os camponeses
formam sim uma classe, porém não inserida no modo capitalista de produção e que
não compõe a sociedade capitalista contemporânea. Portanto, se o capitalismo se
desenvolve através da submissão de todas as esferas da vida social à sua condição
atomizada, ele acaba por eliminar dessa mesma sociedade a produção familiar de
origem camponesa.
Partindo de leituras da obra de Marx (O Capital), Abramovay (1998)
reafirma que não existe a noção de solidariedade e companheirismo que se
expressa através das relações de compadrio, típicas de sociedades camponesas
quando a produção é conciliada, tanto para o mercado quanto para o próprio
consumo.
O produtor mercantil tem sua existência cindida por sua dupla condição de
só poder satisfazer seus interesses quando se volta para o outro: não,
porém, num processo de colaboração direta e imediatamente social, mas no
20
mercado. O que caracteriza a socialidade no mundo das mercadorias é
exatamente a divisão contida em cada produtor – e em seus respectivos
produtos – entre sua natureza particular e seu caráter social (p. 33).
A polarização, desenvolvida por Marx e que aparece na obra de
Abramovay (1998), nada mais é que a fixação de um sistema produtivo calcado em
uma diferenciação social entre os produtores. De um lado o trabalho abstrato como
condição para a reprodução social (no caso da classe operária) e do outro a classe
burguesa, cuja posse dos meios de produção leva também à posse do trabalho,
transformando este em mercadoria.
É na falta do controle racional das relações de dependência criadas entre
os homens para garantir a reprodução da vida que o trabalho assalariado aparece
como forma quase única que permite a manutenção da condição social. O salário,
portanto, é fruto de uma relação, mediada pelo capital, e criada para a manutenção
de um sistema em que o controle direto da produção não cabe àquele que produz.
Aparece, assim, no meio agrário, um sujeito coletivo, responsável pela produção
social, mas preso pela sua submissão a proprietários privados.
A partir do momento em que se cria o trabalho coletivo, ligado à
propriedade comum da terra e dos meios de produção, o trabalhador resolve as
contradições da sua classe - instaura-se uma nova relação, baseada na “cooperação
consciente e voluntária entre os indivíduos”, porém oriunda do próprio
desenvolvimento capitalista.
Neste sentido, o trabalho acaba tendo um duplo caráter, sendo privado e
social ao mesmo tempo, expresso em uma contradição que permeia a divisão da
sociedade baseada em duas classes antagônicas.
É na polarização dada pelo duplo caráter da própria socialidade no mundo
das mercadorias que se encontra a redução a apenas duas das classes em
luta para a formação de um mundo novo.
Se este é o empreendimento, de fato não tem sentido, em tal plano de
análise, estudar qualquer outra forma de organização social, senão em sua
relação com o desenrolar da tragédia e, portanto, sob este prisma, nada
21
mais lógico que os camponeses, quando mencionados, apareçam como
espécie fatalmente condenada à diferenciação, e conseqüentemente à
eliminação total (pp. 34-35).
Dessa forma, com base em suas interpretações de Marx, Abramovay
(1998) não nega a existência de unidades familiares de produção inseridas no
capitalismo, porém, não as considera como camponesas, pois a submissão ao
sistema leva à diferenciação, em que o trabalho familiar se confunde muitas vezes
com o individual numa produção voltada exclusivamente para o mercado. Esses
produtores familiares tornam-se, por vezes, micro-empresários e acabam
transformando suas propriedades em pequenos empreendimentos.
O estabelecimento de unidades familiares de produção ligadas diretamente
ao capital, que Abramovay (1998) afirma, provém de interpretações que ele faz
sobre o advento dessas pequenas propriedades como decorrente do fim do
campesinato em países europeus e nos Estados Unidos. Porém, Martins (1986) já
salientava sobre o problema de transpor concepções de outras realidades históricas
para adequar e explicar o meio rural brasileiro. Acontece, dessa forma, que “o
destino do camponês brasileiro passa a ser concebido através de um entendimento
estrangeiro do destino de camponês” (p. 23).
Ora, diferenças existem quando se faz comparações com o camponês
europeu, por exemplo. Este tem suas origens no feudalismo, em que a submissão
era perante o senhor feudal, na qual era desenvolvida uma relação cujo fim não era
o acúmulo de riquezas em forma de capital. No caso brasileiro, os camponeses
apareceram já submetidos a um fazendeiro ou senhor de engenho, ligado a um
processo mercantilista nos moldes da acumulação primitiva do capital no período
colonial. As novas relações que se estabeleceram quando se iniciou o processo de
colonização do Brasil já nasceram sob a égide do modo capitalista de produção.
Fato este diferente de relações que se consolidaram na Europa em um momento
histórico pré-capitalista.
Assim, encontra-se uma outra forma de compreender o processo de
22
avanço do capitalismo no campo no Brasil, em que os camponeses não
desaparecem nem pela via da diferenciação, nem pela via da transformação em
proletários, mas se recriam no modo capitalista de produção.
Para ir de encontro a esta afirmação, tem-se como ponto de partida a
compreensão do camponês na atualidade a partir da sua lógica de reprodução e os
conflitos travados com forças alheias ao seu modo de produção, enquanto seres
sociais, produtores e reprodutores do espaço. Assim afirma Shanin (1980):
O camponês deve ser compreendido ... através da investigação das
características do estabelecimento rural familiar camponês, tanto internas
quanto externas, isto é, suas específicas reações e interações com o
contexto social mais amplo (p. 52).
A produção camponesa não é voltada exclusivamente para o mercado. Na
necessidade de obterem renda complementar para a aquisição de bens essenciais
que garantam sua reprodução, os camponeses destinam parte da sua produção ao
comércio. A comercialização do excedente aparece como uma necessidade para
adquirir utensílios que faltam às condições essenciais à manutenção da sua vida,
como vestimentas e ferramentas de trabalho. Portanto, tudo que se recebe em
dinheiro como decorrente da venda de mercadoria excedente é trocado novamente
em mercadoria para que sejam atendidas as necessidades para a reprodução da
sua condição. A propriedade da terra, neste caso, funciona como um instrumento de
garantia dessa produção e, portanto, da reprodução camponesa. O trabalho
empregado neste caso é familiar. Em alguns casos existe a contratação de força de
trabalho alheia à família, para a qual o pagamento pode ser feito ora com parte da
produção, ora em dinheiro, ora com trabalho.
Essas relações, existentes entre os próprios camponeses, não são
tipicamente capitalistas por duas razões. Primeiro porque o trabalho não é
executado por funcionários assalariados, mas sim por pessoas da mesma família ou
da própria comunidade numa relação de compadrio. Segundo porque o detentor
23
dos meios de produção, que é este pequeno proprietário camponês, também é o
detentor da força de trabalho empregada no seu próprio meio. Assim, a força de
trabalho não aparece como uma mercadoria no sentido capitalista, pois esse
detentor dos meios de produção não precisa de desprendimento de capital para a
contratação da mesma.
O fruto do trabalho camponês aparece como de usufruto do próprio
camponês e a troca que ele estabelece com o mundo externo capitalista, seja pela
venda e compra de mercadorias, representa uma forma de manutenção da sua
condição, sem a necessidade de obter o lucro.
Conforme observado por Paulino (2006):
Enquanto na agricultura capitalista, a mercadoria primordial dos
trabalhadores é a força de trabalho...nas unidades camponesas a inserção
dos trabalhadores não se dá nesses mesmos moldes, pois o que eles têm a
oferecer não é a mercadoria força de trabalho, mas a renda camponesa da
terra (p. 29-30).
Neste caso, Paulino (2006) se refere ao fato de que o camponês não extrai
para si a fração da mais valia correspondente à renda da terra, pois o que interessa
a ele não é a obtenção do lucro visando o acúmulo de riquezas.
Nestes moldes, aumento da produção não significa aumento de
investimentos na busca do lucro, mas sim melhoria na condição de vida. Dessa
forma, os camponeses deixam esta renda para as indústrias que adquirem seus
produtos numa relação estabelecida através da troca. Daí pode-se compreender
quando alguns autores afirmam que o camponês paga à sociedade inteira para
poder produzir os alimentos que esta consome (OLIVEIRA, 1986).
Acontece, portanto, nessa relação, a monopolização da força de trabalho
camponesa. Os capitalistas, ao irem para o campo, se apropriam da força de
trabalho camponesa e, conseqüentemente, não causam a sua dissolução, mas sim
a manutenção da sua forma de reprodução. Isto faz com que os camponeses se
insiram no sistema, porém mantendo a sua lógica de produção. Isto se dá pelo fato
24
de eles não demandarem custos na contratação da força de trabalho e de não
extraírem a renda da terra, pois retiram dela apenas o suficiente para garantir a sua
reprodução, tanto para o próprio consumo como para o comércio. Neste caso, na
produção camponesa a terra tem um “valor de uso”, diferente da produção
capitalista propriamente dita, em que ela aparece como um investimento para se
obter mais lucro.
Como é observada por Oliveira (1997), a produção do capital não é fruto de
relações puramente capitalistas, seja por meio do capital ou do trabalho assalariado,
ela envolve também relações não-capitalistas. Quanto ao desenvolvimento do modo
capitalista de produção no campo, este acontece pela sujeição da renda da terra ao
capital, tanto através da compra da terra para exploração ou venda, como pela
subordinação da força de trabalho camponesa. “O fundamental para o capital é a
sujeição da renda da terra, pois, a partir daí, ele tem as condições necessárias para
sujeitar também o trabalho que se dá na terra” (OLIVEIRA, 1997).
Os capitalistas acabam extraindo a renda camponesa da terra em forma de
mercadoria (OLIVEIRA, 1986). Os casos mais comuns de renda camponesa
aparecem quando existe a meação, por exemplo, ou seja, o proprietário cede parte
de suas terras para o meeiro plantar. Na hora da colheita este destina parte da sua
produção ao proprietário como pagamento por ter utilizado suas terras. Mesmo
levando-se em conta a generosidade da safra, divide-se meio a meio a produção.
Uma outra renda é em produto, que pode ser subdividida em duas formas.
Uma quando o proprietário cede somente a terra e o trabalhador (meeiro) entra com
o trabalho, os insumos e as ferramentas. Outra quando o proprietário fornece tudo
(insumos e ferramentas) e até adianta parte em dinheiro, para depois abater os
gastos com a safra.
Um exemplo que pode ser notado no Centro-sul do Paraná é no processo
de extração da erva-mate. Os pequenos produtores rurais, na figura dos
faxinalenses, extraíam a erva-mate anualmente em seus ervais. O proprietário do
erval era o camponês, todo o trabalho de cuidado com a planta e a poda ficava por
25
conta desse pequeno produtor. A folha verde extraída desses ervais era vendida
aos atravessadores e posteriormente às indústrias
6
. O valor contido no produto
folha verde é o valor da força de trabalho no momento da extração da mesma.
Porém, conforme será explicitado mais adiante, verifica-se atualmente que esses
camponeses estão deixando de empregar sua força de trabalho diretamente na
produção da erva-mate, o que faz com que a extração dessa renda mude suas
formas, mas continue a mesma.
A renda da terra em produto se configura como a essência do processo de
monopolização do território pelo capital. Porém, uma outra forma de sujeição da
força de trabalho camponesa aparece quando se institui o trabalho acessório.
Moura (1986) assim afirma:
A extensão do capitalismo no campo não se dá simplesmente pelo advento
de relações de produção baseadas na compra e venda da força de trabalho
– portanto, na expropriação dos meios de produção do camponês. Na
verdade o capitalismo se estende no campo quando se institui a
propriedade capitalista da terra. A renda territorial capitalizada vincula
imediatamente a atividade produtiva camponesa aos requisitos da
reprodução ampliada do capital e às leis do mercado. O camponês passa a
se vincular ao movimento do capital, na condição de produtor de
mercadorias ou ao mesmo de trabalhador para o capital industrial, mesmo
que continue habitando sua parcela da terra (p. 64-65).
A sobrevivência dos camponeses não depende do trabalho acessório, mas
sim da preservação dos seus meios de produção. O trabalho acessório existe
quando o camponês percebe que este se faz necessário nos casos em que as
lavouras estão fracas ou quando os trabalhos empregados nas mesmas não
garantem rendimentos suficientes para suas necessidades. Quando os ganhos
podem ser maiores no trabalho fora da unidade de produção, a família reduz as
atividades internas ao mínimo (CHAYANOV apud PAULINO, 2006).
Paulino (2006) comenta:
6
Conforme observado em campo, este processo acontece até os dias atuais, em alguns casos.
26
Não é exatamente a limitação da atividade interna imposta pela escassez
dos meios de produção que leva os camponeses a deixarem a unidade ou
realizarem trabalhos acessórios e sim a possibilidade de obterem ganhos
maiores com o mesmo esforço físico (p. 49-50).
Ao determinar que o assalariamento temporário é inerente ao camponês e
não causa a sua proletarização, entende-se que só é capitalista aquele que explora
o trabalho alheio em prol da acumulação de capital.
Para Oliveira (1997), o trabalho acessório aparece como condicionado ao
trabalho familiar:
Deve-se ter claro que o assalariamento em áreas em que conjunturalmente
seja possível o aumento da renda diferencial nas mãos do camponês (que
pode constituir-se em trabalho acessório do próprio camponês), pode
tornar-se permanente através da presença dos trabalhadores temporários
(p. 59).
É através da força de trabalho familiar que o camponês se recria,
mecanismo esse no qual o trabalhador não está desassociado do seu trabalho, ou
seja, o trabalho não é tido como uma mercadoria posta à venda a serviço do capital.
O trabalho familiar é a condição para que o camponês seja dono dos seus meios de
produção na qual a propriedade da terra se constitui como garantia. A partir dessa
relação, articulam-se outras formas de trabalho como o assalariado, ajuda mútua e
parceria como garantia para a reprodução da condição camponesa. Portanto, é a
partir da família e do trabalho familiar que se constitui esse emaranhado de relações
que precisa, em alguns momentos, tomar outras feições para a manutenção da
hegemonia camponeses nas relações de produção.
Um exemplo notado em campo no Faxinal Marmeleiro de Cima foi com
relação à colheita da batata em fazendas vizinhas. Muitas vezes, tem-se esse
trabalho como uma forma de desarticulação das comunidades, pois o trabalho
assalariado passa a tomar cada vez mais espaço na pauta produtiva da
comunidade, porém, percebe-se que ele se processa apenas nos períodos de safra.
27
Após a colheita esses trabalhadores retornam para cultivar cada qual a sua própria
roça.
Dessa forma, uma questão que se coloca, é a de como inserir a produção
familiar camponesa, descrita acima, nos moldes pré-estabelecidos da agricultura
familiar, como foi definido por Abramovay (1992).
O termo agricultura familiar, segundo Bombardi (2003), foi introduzido na
década de 1990 para designar o quão os agricultores estão inseridos no mercado. A
autora aponta que, muito mais do que uma definição conceitual, o termo agricultura
familiar é tratado ideologicamente como um modo mais avançado de se produzir no
campo e o campesinato com algo ultrapassado, fadado ao desaparecimento.
Se tomarmos o território como categoria de análise, faz-se uma grande
diferença falar em campesinato ou em agricultura familiar,
fundamentalmente porque a questão das relações sociais se configura
como essenciais. Trabalhar com o conceito de camponês ... significa
entender o camponês inserido no modo capitalista de produção. É possível
compreender como o campesinato não só perdura, mas se reproduz no
interior do capitalismo. Esse processo de reprodução do campesinato no
modo capitalista de produção se dá exatamente pela necessidade que o
próprio capital tem de relações que não são capitalistas para o seu
desenvolvimento. Se não se enxergam as relações não é possível ver uma
unidade territorial sendo forjada, quanto mais compreendê-la (p. 111).
Entende-se, de acordo com a afirmação de Bombardi (2003), que o
momento da análise se processa a partir das relações estabelecidas entre seres
sociais naquilo que se tem de essencial no processo de reprodução de uma
sociedade. A partir daí configura-se o território. Dessa forma, a autora reforça a
idéia de que a diferença entre agricultura familiar e produção familiar de origem
camponesa só é percebida quando se busca compreender a reprodução dessas
formas na sua essência, no seu interior.
Ao adentrar-se à lógica de reprodução de ambas as formas de agricultura,
percebe-se que diferenças existem no plano conceitual, ou seja, na forma de
enxergá-las - na essência elas têm a mesma origem. Dessa forma, ao entender-se
28
as unidades familiares de produção, cria-se uma idéia de que os camponeses, com
seus laços de solidariedade e companheirismo em uma forma de produção cujo
objetivo é a reprodução da vida enquanto comunidade e não individual, representam
algo ultrapassado e uma outra forma de organiação produtiva familiar, com a
estrutura interna de produção voltada totalmente para o mercado, na qual se cria
uma total dependência do capital como um modelo de desenvolvimento.
Assim, o sentido de luta, na produção camponesa, se expressa
cotidianamente naquela cujo fim é a garantia do ser social, do ser coletivo e da vida.
Muitas vezes, conforme observado, essa luta acaba sendo incorporada a interesses
mais de cunho monetário do que social, mas não deixa de lado o seu fim, o seu
objetivo.
É neste sentido que a forma de organização camponesa dos Faxinais será
tratada a seguir – na organização da sua estrutura interna e na relação com formas
organizacionais externas.
2.2 A ORGANIZAÇÃO CAMPONESA DOS FAXINAIS NA FLORESTA COM
ARAUCÁRIA DO PARANÁ
A Floresta com Araucária corresponde a uma formação do bioma Mata
Atlântica conhecida como Floresta Ombrófila Mista. Esta formação, que pode ser
encontrada tanto no Planalto da Serra da Mantiqueira em Minas Gerais quanto na
região serrana do Rio Grande do Sul, tem uma característica singular por
apresentar, dentre outras espécies nativas em sua paisagem, a Araucária.
O Estado do Paraná, que apresenta ambiente propício para esta formação,
teve originalmente 37% do seu território ocupado pela Floresta Ombrófila Mista no
período colonial, o que correspondeu a uma área total de 73.780 km² espalhados
pelos três Planaltos Paranaenses (MAACK, 1981). Atualmente, esta área encontra-
se reduzida e corresponde a um total de 1.600 km², com alguns poucos fragmentos
encontrados nos dois primeiros Planaltos, mais precisamente nas regiões Centro-sul
29
e Sudeste do estado (IPARDES, 2007). Atribui-se a redução dessa área à atividade
predatória da extração de espécies nativas dessa floresta para o comércio da
madeira, como a Araucária e a Imbuia. Esta atividade se estendeu por todo o Sul do
Brasil, do fim do século XIX a meados do século XX.
Contrapondo-se à extração da madeira, outra atividade de grande
importância econômica para o Paraná, que ganhou força no início do século XIX, é a
extração da folha verde da erva-mate. A extração da erva-mate é uma atividade
cujo principal fundamento está na preservação da floresta, pois os ervais nativos
dependem dela para se desenvolver, principalmente da Araucária. Esta espécie
proporciona sombreamento à erva-mate, que se apresenta em um estrato inferior.
Assim, atribui-se em parte à erva-mate o fato de haver remanescentes da Floresta
com Araucária no Paraná, na atualidade (foto 1).
FOTO 6 - ERVAL EM MEIO ÀS ARAUCÁRIAS NO FAXINAL PARANÁ ANTA GORDA
FONTE: MARCELO BARRETO, 2007
Foi neste período (século XIX), como decorrente da extração da folha
verde da erva-mate, que se intensificou a ocupação das florestas mistas do Centro-
sul. Habitantes de diferentes lugares, sobretudo de origem camponesa, formaram
30
diversas comunidades na região, em diferentes períodos. Foram os agregados das
antigas fazendas de pouso e invernagem dos Campos Gerais, em meados do século
XIX, e os imigrantes, principalmente os de origem eslava (poloneses e ucranianos),
os que mais contribuíram para o aumento do número de comunidades rurais que já
existiam nesta floresta. Em outras situações, houveram também camponeses
fugidos tanto da Guerra do Contestado (1912-1916) como da Revolução Federalista
(1893-1895), que não só se integraram às comunidades existentes em diferentes
localidades, mas que deram origem a outras novas comunidades
7
.
Existem diversas interpretações sobre a origem dos Faxinais. Autores
como Chang (1988) entendem o Sistema Faxinal como uma forma de organização
camponesa específica da região Centro-sul do Paraná, cuja consolidação esteve
relacionada à extração da erva-mate no século XIX. A extração da erva-mate nas
florestas era consorciada com a pecuária (graúda e miúda), pois a cria ajudava no
pasto da área, o que poupava o trabalhador na hora de fazer o roçado para manter
os ervais livres de outras espécies de menor porte que poderiam comprometer o seu
pleno desenvolvimento. Quando se incrementou a agricultura nessas áreas, surgiu
a necessidade de cercar os animais, porém mantê-los à solta para continuarem com
a tarefa do roçado.
Dessa forma, as cercas não delimitavam propriedades individuais dentro
da floresta e sim contemplavam propriedades contíguas em um mesmo espaço, o
que levava a uma forma comunal de uso da terra, pois todos integrantes da
comunidade acabavam tendo o direito de usufruto dessas propriedades - formava,
assim, o criadouro comunitário. A construção e a manutenção das cercas eram
tarefas de todos os membros da localidade em que cada um era responsável pela
parte da cerca que correspondia à sua parcela de terra.
O criadouro aparecia como uma vantagem. Primeiro porque, apesar da
propriedade ser particular, seu uso para a criação dos animais era coletivo - apenas
7
Citado por Nerone (2000), o exemplo de um Faxinal que se formou com camponeses fugidos da
Revolução Federalista, que culminou com o episódio do Cerco da Lapa, e provenientes deste
município, foi o Faxinal Lapeano em Rebouças. Atualmente este Faxinal não existe mais.
31
no caso dos ervais e outras espécies vegetais que era de usufruto do proprietário de
cada terreno. Outra vantagem era que, pelo fato de as cercas serem construídas
coletivamente, configurava-se dentro das comunidades um princípio de
solidariedade, fundada sobre interesses mútuos.
O criadouro comunitário era de usufruto também dos que apareciam como
agregados sem terra que contribuíam com a sua força de trabalho pelo direito de
criar seus animais. Do outro lado, para os fazendeiros, essa contribuição não
significava desprendimento de capital, pois a posse da terra aparecia como moeda
de troca quando se necessitava um determinado serviço.
Outra interpretação acerca da origem dos Faxinais é encontrada em
Nerone (2000). Em um resgate histórico, que vai além do elaborado por Chang
(1988), esta autora procura identificar a configuração dos Faxinais a partir das
missões jesuíticas espanholas que se estabeleceram em terras paranaenses no
século XVI. Essas missões, provenientes de Assunção, avançaram por grande
parte do Paraná por meio do contato com os índios Guaranis e a fundação de
Reduções Jesuíticas. No Paraná, houve cerca de treze Reduções, em uma área
que abrangeu todo o oeste do estado e estendeu-se até as proximidades de Ponta
Grossa (NERONE, 2000).
A vida comunitária era o principal fundamento na organização das
Reduções. O uso das terras era coletivo e o gado era criado em regime de
compáscuo
8
. Cada família tinha o direito de ter seu próprio plantio, depois de
cumpridas as exigências comunitárias. No interior das Reduções extraía-se também
a erva-mate sendo que esta representava grande fonte de renda para a
comunidade. O principal mercado nesta época (século XVI) era formado pelos
espanhóis que se encontravam na bacia do rio da Prata e que já consumiam a erva-
mate na forma de chimarrão. Esta forma de organização das Reduções, cujas
bases estão na Península Ibérica e que foram trazidas pelos jesuítas espanhóis,
8
Juridicamente, o regime de compáscuo representa uma convenção em que vários proprietários de
terras estabelecem que os animais de todos podem pastar em propriedades comuns.
32
serviu de embrião para a origem dos Faxinais (NERONE, 2000).
A forma de organização comunitária encontrada nas Reduções Jesuíticas
do século XVI tem respaldo na vida dos Faxinais até a atualidade. Nerone (2000)
identifica cinco pontos nos Faxinais, semelhantes ao encontrado nas Reduções
Jesuíticas:
...a forma comunitária de vida, o uso comunal da terra para a criação de
animais no criadouro comum, as atividades econômicas de subsistência e a
coleta da erva-mate. As funções de Alcaide e corregedor [nas Reduções]
correspondem, respectivamente, as de inspetor municipal e inspetor policial
(de quarteirão) (p. 54).
Diante da interpretação de ambas as autoras (CHANG, 1988 e NERONE,
2000), percebe-se que a diferença está no plano da análise. Nerone (2000) procura
identificar as bases da organização camponesa dos Faxinais numa perspectiva
cultural - a partir de um modelo cujas origens estão na Península Ibérica e que foram
trazidas pelos Jesuítas espanhóis no século XVI. Em uma outra perspectiva, Chang
(1988) estabelece um momento na história que foi marcante para que se
estabelecessem os Faxinais que foi quando a erva-mate se tornou produto de grande
valor econômico no Paraná, a partir de meados do século XIX. Chang (1988) não
nega que já havia camponeses de origem cabocla habitando as florestas antes do
século XIX. Porém, aponta que a organização em torno do criadouro comunitário se
tornou mais atrativa (no plano econômico) a partir da necessidade de se manter os
ervais para usufruto por meio de uma atividade extrativa, já que a erva-mate era um
produto de grande importância econômica neste período.
Sua formação [Faxinais] está associada a um quadro de condicionantes
físico-naturais da região e a um conjunto de fatores econômicos, políticos e
sociais que remonta de forma indireta aos tempos da atividade pecuária dos
Campos Gerais no século XVIII, e mais diretamente à atividade ervateira na
região das matas mistas no século XIX (p. 13).
33
É provável que a forma de organização camponesa dos Faxinais teve suas
origens nas Reduções Jesuíticas, visto que são bastante nítidas as semelhanças
entre ambas as comunidades. Porém, os apontamentos de Nerone (2000) são
compreendidos como uma relação social que teve seu momento na história. Estes
passaram por muitas modificações ao longo do tempo, com a incorporação de novos
costumes e que ocasionaram em modificações dentro da estrutura interna das
comunidades.
Vários foram os episódios na história do Paraná que influenciaram na
organização interna do sistema produtivo e social dos Faxinais. Entre eles estão as
bandeiras paulistas do século XVII. Estas marcaram a ocupação de origem
portuguesa na região, as quais, além da busca de índios para o trabalho cativo,
deixaram também, em cada lugar por onde passaram, a sua cultura e a sua forma
de sociabilidade, já consolidadas, cuja origem remete à mistura dos índios com os
portugueses, conhecida como cultura caipira (CÂNDIDO, 2003).
Outro episódio que também deixou sua marca na organização interna das
comunidades faxinalenses foi a vinda dos imigrantes no fim do século XIX que
trouxeram os seus costumes da terra de origem, principalmente os poloneses e
ucranianos e que se adaptaram ao Sistema Faxinal da mesma forma que
incorporaram suas formas específicas de socialização e técnicas de trabalho na
lavoura.
É fato que uma organização em torno dos criadouros comunitários e das
terras de plantar ganhou força a partir da ocupação das florestas do Centro-sul e
Sudeste em busca dos ervais nativos. Conforme explicitado, nos criadouros
comunitários a terra é de propriedade particular, porém o seu uso é coletivo. Todos
os integrantes da comunidade podem criar seus animais livremente. Nos criadouros
não foi feita a derrubada da floresta durante o período em que este encontrou seu
pleno desenvolvimento. As terras de plantar são usadas individualmente onde se
encontram as lavouras que costumam ficar nas imediações dos criadouros
comunitários (foto 2). Essas lavouras, que compõem culturas como do milho e do
34
feijão, são destinadas ao abastecimento do mercado. Apenas uma parte fica para
atender às necessidades básicas do faxinalense (alimentação humana e animal).
Nestes casos, tem-se o trabalho familiar e o sistema de parcerias (puxirão)
como principal nexo de coesão dentro da estrutura produtiva interna dos Faxinais,
juntamente com o uso coletivo da terra. O princípio de solidariedade se expressa
dentro de uma lógica em que a figura do ser humano passa a ter mais valor do que a
dos objetos materiais. A secagem do feijão nos Faxinais Marmeleiro de Cima e
Marmeleiro de Baixo é um exemplo de uso comunal da terra integrado ao trabalho
familiar na atualidade. O feijão é plantado individualmente nas terras de plantar.
Posteriormente a secagem acontece em um terreno localizado no criadouro
comunitário onde o uso é coletivo, cada família tem o direito de utilizar o secador
após a colheita (foto 3). Existe também, próximo as comunidades, um galpão
pertencente à Associação dos Pequenos Agricultores do Município de Rebouças da
qual os Faxinais também fazem parte. Para dar maior visibilidade aos seus produtos
no mercado, a Associação criou uma marca de nome “Alimento Sagrado”, na qual o
diferencial está em uma produção ligada à substituição de agrotóxicos.
35
FOTO 7 - VISTA DO CRIADOURO COMUNITÁRIO: AO FUNDO (TERRENO DESCAMPADO)
ENCONTRAM-SE AS TERRAS DE PLANTAR; FAXINAL MARMELEIRO DE CIMA
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
FOTO 8 - LOCAL UTILIZADO PARA SECAR FEIJÃO NO CRIADOURO COMUNITÁRIO
FAXINAL MARMELEIRO DE CIMA
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
36
Como pode ser observado na foto 2, o criadouro comunitário do Faxinal
Marmeleiro de Cima, no município de Rebouças, apresenta cercas no seu interior.
Denominadas de feixes pelos camponeses, essas cercas acabam limitando o
acesso de animais dentro do criadouro e as propriedades acabam tendo
características meramente particulares, descaracterizando, assim, os Faxinais como
um exemplo de uso comunal da terra. Elas aparecem como fator de contradição
dentro do Sistema, pois a fração cercada do criadouro acaba deixando de ser de uso
comunal para se tornar de uso exclusivo de seu proprietário. Se um integrante da
comunidade se dá o direito de cercar suas terras, os outros também podem fazer o
mesmo. São várias as razões que levam o proprietário a cercar suas terras, desde a
necessidade de aumentar o plantio individual até o arrendamento e venda das
terras.
Segundo o Sr. Amaro, faxinalense do Marmeleiro de Cima, a invasão da
grande propriedade no criadouro ocorre quando o faxinalense arrenda suas terras
para o grande agricultor confrontante. Além disso, aquele vai trabalhar na lavoura
nas suas próprias terras arrendadas. Com o desenvolver do tempo, esta terra acaba
sendo vendida para o grande proprietário.
Esta forma representa uma das causas de desestruturação do Sistema,
que levou ao desaparecimento de vários Faxinais, principalmente na década de
1990. Um caso que ocorreu no Marmeleiro de Cima, observado em trabalho de
campo realizado em julho de 2006, foi a venda de terras dentro do criadouro
também a interessados provenientes do meio urbano com a finalidade de lá
estabelecer chácara de lazer. Neste caso, o cercamento das terras acaba dando
espaço a uma outra finalidade, alheia aos interesses da comunidade, às vezes mais
próxima de uma realidade urbana do que do campo.
A diminuição do criadouro comunitário leva a conseqüências desastrosas
para as comunidades. De acordo com Chang (1988), o avanço das forças
capitalistas no campo aparece como fator principal de desarticulação do Sistema
Faxinal através da “superação de uma forma mais tradicional de produção por uma
37
mais moderna, tecnificada e racionalizada dentro da lógica de acumulação
capitalista”. Tal processo tem como ponto de partida o cercamento do criadouro,
tanto para uso individual como para venda de terra a terceiros. Nestes casos, o
próprio proprietário acaba se desligando da comunidade.
Um exemplo estudado por Schuster (2006) foi com relação ao Faxinal
Saudade Santa Anita, no município de Turvo. Até a década de 1980, este Faxinal
estendia seu criadouro comunitário por aproximadamente 13.300ha. Atualmente o
criadouro conta com aproximadamente 754ha.
Entre os episódios que marcaram a trajetória do Saudade Santa Anita ao
longo do tempo, está a modernização da agricultura, implantada na região a partir da
década de 1970. Com a modernização, apareceu no entrono do Faxinal uma forma
de agricultura voltada para o agronegócio, criação de empresas agrícolas e
cooperativas. A expansão do agronegócio não encontrou limites e acabou
avançando em áreas pertencentes ao Faxinal na qual foi implantada uma nova
forma de organização produtiva. Dentre as atividades que mais contribuíram para a
redução da área do criadouro no Saudade Santa Anita, estão a plantação de soja,
milho e o reflorestamento de Pinus.
Segundo levantamento realizado por Marques (2004), existe atualmente no
Paraná, cerca de 45 Faxinais, sendo que em cada um deles a estrutura produtiva se
encontra organizada nos moldes do uso coletivo das terras (criadouro comunitário)
(tabela 1). A área total das terras que aparecem como sendo de Faxinais no estado
é de 26.189 hectares e desse total, 14.491 correspondem somente aos criadouros
comunitários. Até meados do século XX, existiram pelo menos 152 Faxinais que
ocuparam um quinto do território paranaense. Dentre os Faxinais que
desapareceram no decurso do tempo, 56 estão desativados, mas ainda preservam a
paisagem da Floresta com Araucária. Os 52 restantes estão totalmente extintos e a
vegetação natural foi derrubada para dar lugar a outras atividades agrícolas,
algumas delas ligadas às grandes plantações de soja (MARQUES, 2004).
38
MUNICÍPIO NÚMERO DE
FAXINAIS
ÁREA TOTAL
DO
CRIADOURO
(ha)
NÚMERO DE
FAMÍLIAS
PRUDENTÓPOLIS 11 5.346 1.245
TURVO 2 858 120
PINHÃO 1 18 13
REBOUÇAS 5 1.117 456
IRATI 4 1.107 180
RIO AZUL 4 1.039 221
MALLET 1 65 12
INÁCIO MARTINS 2 544 77
BOA VENTURA DE SÃO ROQUE 2 532 55
PONTA GROSSA 1 180 56
IPIRANGA 1 12 4
IMBAÚ 1 30 35
SÃO MATEUS DO SUL 2 86 47
ANTÔNIO OLINTO 1 1.200 151
MANDIRITUBA 5 2.180 435
QUITANDINHA 2 157 295
TOTAL 45 14.471 3.402
TABELA 1 – ESTADO DO PARANÁ: NÚMERO DE FAXINAIS, ÁREA DO CRIADOURO E NÚMERO
DE FAMÍLIAS POR MUNICÍPIO NAS MESORREGIÕES CENTRO-SUL, SUDESTE E
METROPOLITANA DE CURITIBA
9
FONTE: ADAPTADO DE MARQUES, 2004
Segundo Cunha (2003), a dissolução dos Faxinais esteve ligada a um
projeto de modernização influenciada por três vetores exógenos. O primeiro deles
levou a cabo o projeto de incentivo à expansão das plantações de soja, que colocou
uma forma de produção calcada nos moldes da chamada agricultura moderna no
mesmo meio em que se encontravam os Faxinais. Em segundo lugar está o projeto
de desenvolvimento rural, o PRÓ-RURAL, implementado na década de 1980, que
fornecia créditos para fomentar a referida modernização da agricultura. No terceiro
caso, o projeto de industrialização concentrada em Curitiba, ligado ao grande capital,
deixou setores industriais da pequena produção regional voltados para um segundo
9
A tabela acima tem como finalidade demonstrar a distribuição dos Faxinais no Paraná. A área
referente às terras de plantar não aparece pelo fato de haverem famílias que habitam o criadouro e
fazem parte da comunidade, mas que não possuem terras no Faxinal.
39
plano, principalmente aqueles encontrados no interior do estado.
Esses planos de desenvolvimento, implantados no meio agrário
paranaense, influenciaram no pensamento local que colocava os Faxinais como um
modelo de produção atrasado e que atravancava o processo de desenvolvimento.
Tal carga ideológica, baseada na industrialização da agricultura como forma única
que levaria ao desenvolvimento, influenciava, inclusive, o pensamento de
representantes da esfera do poder municipal em certas localidades.
A paisagem típica das florestas e das formas de sociabilidade
apresentadas pelos Faxinais acaba se fragmentando pelo avanço de práticas
ligadas ao mundo moderno. Muitas vezes, o próprio Sistema se conforma com tais
práticas, alheia à própria forma de organização interna. Dessa forma, surgem
territorialidades diversas no interior de cada comunidade, cuja finalidade está mais
ligada a fatores externos do que internos.
Um exemplo é a produção do fumo. Hauresko (2005), ao pesquisar
famílias de lavradores ucraino-brasileiros em Faxinais no município de
Prudentópolis, por meio de uma análise qualitativa das realidades das famílias,
procurou compreender como vem se dando o processo de mudanças sociais e
estruturais frente à integração da produção familiar com as indústrias fumageiras.
Como decorrente dessa integração, observa-se um processo de desarticulação.
Segundo constatado pela autora foram identificados dois tipos de produção nessas
comunidades: uma voltada para fora e integrada com o sistema capitalista e
totalmente dependente, como no caso do fumo, e outra de subsistência que constitui
um espaço de liberdade social.
40
Neste sentido, Hauresko (2005) afirma que:
A inserção da atividade com o fumo desestrutura não necessariamente a
família na sua composição, pelo contrário, apóia-se em muitos casos nas
forças adicionais, como crianças e velhos, todavia, perturba o sistema
integrado de decisões familiares. Quem manda agora no contexto da família
é a própria empresa fornecedora de insumos que igualmente garante o
pagamento da colheita (p. 5)
Este fato tem sido observado em trabalhos de campo que têm sido
realizados no Faxinal Taquari dos Ribeiros, no município de Rio Azul por um grupo
de pesquisadores dedicados ao estudo dos Faxinais. O fumo não impede que as
famílias deixem de plantar para o próprio consumo. Por outro lado, ele é
responsável pela inserção de um emaranhado de relações na localidade em que o
tempo de trabalho se estende para outras horas, inclusive a de descanso, visto que,
a secagem do fumo requer a permanência desse trabalhador junto ao secador por
um período de mais de 24 horas. Foi observado também que esse trabalho envolve
todos os membros da família (foto 4).
FOTO 9 - CRIANÇA SECANDO FUMO
FONTE: LUIZ ALMEIDA, 2007
41
Neste caso, verifica-se outra frente de avanço do capital em terras
camponesas, mais precisamente na forma de monopolização do território.
Com o intuito de conter o avanço desse processo e de preservar os
Faxinais, foi conquistado, no ano de 1997, o reconhecimento, frente ao Governo do
Paraná, do modo de produção auto-sustentável conhecido como Sistema Faxinal
com a lei 3.446/97. Esta lei considerou os Faxinais como Áreas Especiais de Uso
Regulamentado (ARESUR), o que possibilitou a inclusão dos mesmos no Sistema
Estadual de Unidades de Conservação. Dessa forma, os municípios que possuem
Faxinais dentro de seus limites podem receber, pela Lei do ICMS Ecológico (Lei
Complementar n° 59/91), o repasse de verba pelo Estado proveniente da
arrecadação do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias).
Na maioria dos casos, estes recursos chegam até às prefeituras, mas
muito pouco se destina aos Faxinais em forma de benefícios para as comunidades,
conforme apontam Löwen Sahr & Cunha (2005). Estes autores acreditam que,
mesmo com o reconhecimento do Sistema Faxinal como ARESUR e o incentivo do
ICMS Ecológico, o processo de avanço das forças capitalistas em suas terras acaba
não sendo contido e chamam para a necessidade de se pensar uma forma de
atuação nos Faxinais a fim de garantir a preservação de suas especificidades.
No âmbito nacional também existem resistências quanto ao pleno
reconhecimento dos povos tradicionais. Almeida (2005) indica que o reconhecimento
jurídico-formal dos povos tradicionais, pelo fato de romper com a invisibilidade social
caracterizada historicamente entre essas formas de apropriação dos recursos
naturais, e a ameaça de transformações na então arcaica estrutura agrária brasileira
acaba esbarrando nos limites da vontade política. Dessa forma, tais transformações
provocariam efeitos diretos sobre a reestruturação formal do mercado de terras,
revisão de cadastros rurais e recenseamentos agropecuários.
Tais formas de uso comum designam situações nas quais o controle dos
recursos básicos não é exercido livre e individualmente por um determinado
grupo doméstico de pequenos produtores diretos ou por um de seus
42
membros. Tal controle se dá através de normas específicas, combinando
uso comum de recursos e apropriação privada de bens, que são acatadas,
de maneira consensual, nos meandros das relações sociais estabelecidas
entre vários grupos familiares, que compõem uma unidade social. Tanto
podem expressar um acesso estável à terra, como ocorre em áreas de
colonização antiga, quanto evidenciam formas relativamente transitórias
características das regiões de ocupação recente. Tanto podem se voltar
prioritariamente para a agricultura, quanto para o extrativismo, a pesca ou
para o pastoreio realizados de maneira autônoma, sob forma de cooperação
simples e com base no trabalho familiar (ALMEIDA, 2005).
A territorialização, para Almeida (2005), é um fator de identificação dos
laços solidários de ajuda mútua. Essa não é uma identificação com a terra, pois ela
passa a ser, muitas vezes, ligada à apropriação temporária dos recursos. Assim, a
territorialidade se forma muito mais pela solidariedade do que pelo apego a terra.
Muitas vezes o acesso aos recursos se dá pela solidariedade oriunda do conflito
com processos externos e situações de extrema adversidade. A partir disso,
Almeida (2005) coloca que a noção de tradicional não se limita apenas ao aspecto
histórico e incorpora as identidades coletivas redefinidas situacionalmente numa
mobilização continuada.
Conforme observado, o aumento de unidades produtivas camponesas nas
Florestas do Centro-sul paranaense se deu pela procura dos ervais nativos, que
eram abundantes na região. A organização camponesa dos Faxinais teve sua
consolidação neste período (Século XIX). Acredita-se que a identidade com a terra
parte do princípio de acordos consensuais estabelecidos entre os integrantes das
comunidades em que a extração da erva-mate aparece como fator primordial dentre
as atividades produtivas por eles realizadas.
Neste sentido, será feito posteriormente uma resgate histórico a respeito
formação da estrutura fundiária e o desenvolvimento da região frente a produção da
erva-mate no fim do século XIX.
43
Só posso, pois, compreender as determinações mais profundas
das formas de campesinato que se desenvolveu no Brasil no
período colonial e, sobretudo a sua exclusão social, econômica
e política, se compreendo que ela se determinava
fundamentalmente pelo trabalho escravo e só num segundo
plano pela forma de propriedade da terra que decorria da
escravidão
(José de Souza Martins)
...como decorrência das próprias condições em que se
desenvolveu a grande propriedade fundiária no Brasil, houve
que conciliar, dentro dela, dois princípios reguladores da
atividade econômica que são essencialmente opostos: produção
direta de meios de vida e produção de mercadorias.
(Maria Sylvia de Carvalho Franco)
44
3 A CONSOLIDAÇÃO DAS FORÇAS PRODUTIVAS E A FORMAÇÃO DO
TERRITÓRIO NA REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS / FLORESTA COM
ARAUCÁRIA
Ao se referir as passagens em destaque na página anterior, entende-se
que a estrutura social e econômica no Brasil Colonial tinha sua base fundamentada
na relação senhor-escravo. Quem não fosse senhor e quem não fosse escravo
estava excluído do processo social e produtivo no período colonial
10
. Uma camada
grande de mestiços e índios que havia se formado desde a chegada dos
portugueses na América não tinha lugar definido na estrutura agrária que ora se
formava.
Outra questão que os autores tratam nesta passagem é o fato de que não
era na propriedade da terra que a economia colonial se recriava e sim no comércio
de escravos. Foi a partir da escravidão que se derivou a forma de propriedade da
terra, ou seja, o tamanho da propriedade no Brasil Colonial era proporcional ao
número de escravos que cada senhor dispunha.
Durante o período em que vigorou o sistema de concessão de terras para
os senhores através das sesmarias, estas só cabiam por lei a quem fosse de origem
portuguesa. Os demais não podiam ser proprietários e tinham que se conformar
como agregados. Esta forma se processou até o ano de 1822, quando caiu o
regime de sesmarias e foi instituída a Lei de Terras em 1853.
Com a criação da Lei de Terras, cada um que se dizia dono de uma
quantidade de terras podia registra-la como sendo de sua propriedade. De acordo
com a Lei de Terras, as maiores propriedades couberam àqueles herdeiros dos
grandes senhores.
O agregado, no período colonial, nada mais era do que um posseiro, que
se encontrava habitando e produzindo na terra antes da mesma ser requerida por
10
Neste sentido o negro escravo também era um excluído socialmente, pois ele era considerado um
objeto, uma coisa. Ele entrava no sistema produtivo como uma mercadoria, comprada pelo senhor
para ser posta para produzir.
45
alguém. Quando chegava um senhor (sesmeiro) e se dizia requerente de uma
determinada porção de terras onde se encontravam alguns posseiros, estabelecia-
se uma relação de troca entre ambos, ou então estes eram expulsos, conforme a
vontade do senhor.
Esta relação se processou de diferentes formas Brasil Colonial. Nas
Fazendas de Café do Vale do Paraíba, por exemplo, esses posseiros trabalhavam
na abertura da mata para o plantio dos cafezais, em troca recebiam o direito de
plantar e habitar as terras dos senhores. Já na Zona da Mata Nordestina eles
trabalhavam mais na roça, produzindo gêneros agrícolas tanto para o próprio
consumo como para o consumo do senhor.
Apesar das diferenças, era comum ser observado que o escravo só
entrava quando estas fazendas já estavam prontas para produzir, ou seja, quanto o
processo de abertura da mata para a implantação da agricultura já havia sido
concluído. A partir daí, o trabalho escravo acabava sendo empregado diretamente
na produção de mercadorias. Este fato se dava pela razão de que o escravo
representava para o senhor um investimento, um desprendimento de capitais antes
da sua mercadoria (escravo) ser posta para produzir, portanto deveria exercer um
trabalho que gerasse lucro imediatamente, para o fazendeiro poder amortecer seus
investimentos.
Nas fazendas dos Campos Gerais essa relação não foi diferente. A força
de trabalho escrava, ociosa com o declínio da mineração no planalto de Curitiba,
acabou sendo escoada para as fazendas dos Campos Gerais. Dessa forma, busca-
se, através do resgate histórico, compreender como se deu o desenvolvimento das
forças produtivas no Paraná a partir do século XVIII. Entende-se que a formação da
estrutura fundiária dos Campos Gerais/Floresta com Araucária está ligada ao
tropeirismo e a extração da erva-mate.
Acredita-se que foi a partir da atividade de extração da erva-mate que essa
região passou a apresentar índices significativos de desenvolvimento. Porém a
46
estrutura fundiária permanecia com a característica do período colonial brasileiro -
representada pelo binômio latifúndio-minifúndio, na qual a grande propriedade era
sitiada pela pequena.
3.1 A FORMAÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA NA REGIÃO DOS CAMPOS
GERAIS / FLORESTA COM ARAUCÁRIA: DAS FAZENDAS DE POUSO ÀS
PROPRIEDADES EXTRATIVAS
A intensificação da ocupação e a consolidação das forças produtivas na
região dos Campos Geral se deram a partir das fazendas de criação de muares que
abasteceram principalmente os mercados de Curitiba e Paranaguá. Estes mercados
se formaram a partir da extração do ouro de aluvião no século XVII. A extração do
ouro de aluvião perdurou por pouco tempo (de 1650 a 1750) e começou a entrar em
declínio com a descoberta deste metal precioso nas Minas Gerais, no século XVIII.
Foi a partir de uma nova demanda para os mercados que ora se formavam,
tanto nas Minas Gerais como em São Paulo e no Nordeste do Brasil, que as
atividades produtivas se reergueram nos Campos Gerais. Dessa vez não eram mais
as fazendas de criação que predominavam nas regiões campestres do Paraná, mas
sim as de pouso e invernagem das tropas
11
. A necessidade de quantidades cada
vez maiores de mulas para o transporte de mercadorias no Sudeste e no Nordeste
do país fez com que aumentasse a demanda por esses animais, que eram criados
no rio Grande do Sul. Dessa forma, para serem conduzidas até o mercado
consumidor, era necessário um trajeto que se estendia desde Viamão, no Rio
Grande do Sul até a Feira de Sorocaba, em São Paulo
12
.
Os Campos Gerais, por oferecer ambiente propício à condução das tropas,
passou a ser de grande atratividade para a formação das fazendas de pouso e
11
As regiões campeiras que predominavam no Paraná eram as de Palmas, Guarapuava e Ponta
Grossa (Campos Gerais).
12
Com a intenção de aumentar o povoamento nos pampas gaúchos e de efetivar a integração dessa
região ao restante do país, o governo português proibiu a criação de mulas para o transporte nas
fazendas nos Campos Gerais.
47
invernagem. Na maioria das vezes, vastas porções de terras eram requeridas,
principalmente por interessados oriundos e de São Paulo e posteriormente por
tropeiros enriquecidos. Estas fazendas se configuravam como grandes
propriedades que se estendiam pelos campos, e também incorporavam algumas
porções das florestas do Centro-sul. Cativa era a força de trabalho empregada
nestas fazendas (IANNI, 1988).
A utilização de escravos nas fazendas é apontada por Ianni (1988) por
duas razões. A primeira é que a mão-de-obra escrava ociosa gerada com o fim da
mineração representava um ônus para os seus detentores. Tal força de trabalho
precisava ser escoada para algum lugar. Verificou-se assim que as fazendas de
invernagem estavam em ascensão no século XVIII e estas acabaram assimilando
essa força de trabalho proveniente das minas do Primeiro Planalto e do Litoral.
Outra razão se deve ao fato das extensas áreas de campos possibilitarem
ao trabalhador livre de não ficar retido na fazenda e povoar outras áreas, já que este
tinha a liberdade de possuir a sua força de trabalho.
A inversão de capitais em dado setor da produção, bem como de força de
trabalho escrava ou de trabalhadores autônomos, algumas vezes resultou
de deslocamentos de um para outro setor. Da mesma forma que a
mineração, ao decair, possibilitou a transferência de homens e cabedais
para a pecuária, quando o mercado do mate expandiu-se, por sua vez, ao
lado de novos recursos investidos nessa indústria, uma parcela proveio das
fazendas. Esses setores fundamentais, em conseqüência, dinamizaram a
produção de gêneros agrícolas, possibilitando inclusive a exportação de
excedentes que, a seu turno, atraíram posteriormente alguns recursos.
Essa constitui a direção central do processo de integração econômica da
comunidade, apoiada no trabalho cativo (p.106).
Nesta passagem, Ianni (1988) coloca a importância do trabalho escravo
não só para as fazendas de pouso e invernagem, mas também para a economia do
Paraná como um todo. Encontra-se também nesta passagem que o emprego de
capitais em uma determinada atividade se fazia com recursos provenientes da
atividade anterior, juntamente com a força de trabalho, predominantemente escrava.
Percebe-se que ao lado das grandes atividades, aparecia também uma
48
produção de gêneros agrícolas. Esta produção, cuja finalidade era para atender o
consumo interno das grandes fazendas, tinha o excedente destinado ao mercado
externo.
Ao defender que a economia colonial era baseada na circulação e não na
produção de mercadorias, Martins (1996b) coloca essa necessidade (de manter o
escravo nas fazendas) como não sendo a do senhor, do dono da fazenda, mas
daquele que se beneficiava com o comércio de escravos. O trabalho escravo não
era uma necessidade da produção interna, mas do tráfico. Era no comércio que a
economia colonial encerrava seu capital - não para beneficiar a colônia, mas para
manter a aqueles ligados a esta a atividade (comércio de escravos).
A economia colonial não se define apenas pelo primado da circulação, mas
também pelo fato de que o próprio trabalhador escravo entra no processo
como mercadoria. Portanto, antes de ser o produtor direto, ele tem que ser
objeto de comércio. Por isso, tem que produzir lucroantes de começar a
produzir mercadorias e não apenas depois. Pode-se, pois, dizer que, na
economia colonial, o processo de constituição da força de trabalho é
regulado antes de mais nada pelas regras do comércio (p. 14-15).
Neste sentido, mesmo sendo a economia dos Campos Gerais
fundamentada na produção para manter outras atividades na própria região e
posteriormente em outras localidades no Brasil Colonial, esta estava ligada
diretamente a processos econômicos exógenos como o tráfico de escravos. Assim,
manter o escravo nas fazendas de pouso e invernagem representava um grande
negócio, não para o fortalecimento da economia local, mas para o traficante de
escravos.
Conforme identificado por Chang (1988), havia três classes de
trabalhadores compondo a estrutura social agrária dos Campos Gerais: uma
formada por trabalhadores escravos ligados diretamente à produção, outra
composta por uma população livre, estabelecida nos campos em pequenas
propriedades voltadas para a produção de gêneros alimentícios ao lado dos
latifúndios e uma terceira formada pelos agregados que não eram proprietários.
49
Estes agregados viviam da produção de gêneros alimentícios. Chang
(1988) chega a classifica-los como “famílias pobres mais ou menos independentes,
que se agregavam às fazendas. Formavam suas moradas em lugares convenientes
e trabalhavam na terra por contratos verbais de foro ou parceria agrícola” (p. 21).
Essa categoria representava a maioria da força de trabalho empregada na
coleta da erva-mate na época, que se encontrava nas florestas. Os agregados não
tinham o trabalho nas fazendas de gado como fonte principal de renda; eles
recorriam às fazendas no período de entre safra da folha verde da erva-mate, o que
lhes garantiam a renda complementar.
A atividade pecuária dos Campos Gerais deu origem a uma estrutura
fundiária concentrada, assentada no binômio latifúndio-minifúndio como decorrente
da concessão de sesmarias aos fazendeiros descendentes diretos de portugueses e
possuidores de uma quantidade suficiente de escravos.
No início do século XIX, as fazendas de pouso e invernagem dos Campos
Gerais entraram em crise. De acordo com Serra (1992), várias foram as razões para
o declínio das fazendas tropeiras. Dentre elas estão: o esgotamento de terras de
campo para a pecuária, perda dos mercados do Rio de Janeiro e São Paulo e
concorrência com o transporte ferroviário. Acredita-se também que o fim da
mineração nas Minas Gerais também contribuiu para o declínio da atividade tropeira,
visto a demanda de mulas para esta atividade havia decaído.
O processo de ocupação nessa região, que ainda se efetivava, passou a
tomar outra direção, rumo às florestas. A partir desse momento, a extração da erva-
mate, que já era uma atividade econômica existente na região, passa a ganhar
grandes proporções com o aumento da demanda nos países platinos
13
. Um novo
tipo de fazenda apareceu com esta atividade, não mais aquela sustentada pela
relação senhor-escravo, mas ainda marcada pela concentração de terras.
13
Um fator que contribuiu para o aumento dessa demanda foi a Guerra do Paraguai. O Paraguai era
o maior exportador de erva-mate da América do Sul. Seu maior mercado era o platino (Argentina,
Uruguai e Chile). Como o país foi totalmente devastado pela guerra, o Paraguai perdeu esse
mercado para o Paraná.
50
O fato de as florestas na região contarem com a presença de ervais em
abundância não havia a necessidade da derrubada da mata para a formação das
fazendas. Dessa forma, recursos foram poupados para dar início às atividades
nessa nova fazenda que se formava, tanto na preparação da área como no plantio
da erva-mate, visto que a própria natureza já havia se encarregado desta tarefa.
Outra forma de o grande proprietário não necessitar de desprendimento de
capitais foi na contratação da força de trabalho. Pelo fato da extração da folha verde
ser sazonal, o escravo tornou-se uma mercadoria muito cara, cujos custos para
mantê-lo superavam o da produção. Por outro lado, existia força de trabalho
temporária abundante na região, tanto na presença dos agregados das fazendas
como de pequenos proprietários camponeses que já se encontravam nas florestas e
careciam de trabalho para complementarem suas rendas.
Com o fim da escravidão no Brasil, esses trabalhadores livres, na figura
dos agregados que ocupavam a terra sem serem juridicamente proprietários dela,
não se ligaram diretamente à produção. A imigração veio substituir o escravo.
Assim, uma economia baseada na circulação ainda se manteve, mesmo
modificando a estrutura das relações de produção. Acabaram existindo dois tipos de
trabalhadores livres: o agregado e o imigrante, a diferença estava na forma
qualitativa de trabalho.
Martins (1978) coloca que:
O migrante transformou-se na cara mercadoria de um grande negócio que
envolvia bancos poderosos, companhias de navegação, ferrovias,
agenciadores e traficantes de todo o tipo, grandes empresas de comércio
humano ... A política de imigração assumiu, em nosso país ... uma feição
dúplice: era apresentada ... como um programa de colonização, de criação
de uma camada de pequenos proprietários, quando, porém, a ênfase
qualitativa e quantitativa no recrutamento e localização dos imigrantes
estava, na verdade, na formação de um contingente de mão-de-obra para
as grandes fazendas...Em suma, a pequena propriedade dos projetos de
colonização não decorreu de transformações econômicas e sociais que
tornassem difícil a sobrevivência do latifúndio; ela surgiu, na verdade, como
complemento deste, como a nova condição de reprodução da grande
51
lavoura. A pequena lavoura emergiu geográfica ou institucionalmente
sitiada pela grande propriedade (p. XI).
No Paraná a imigração veio fortalecer a estrutura fundiária baseada na
relação latifúndio-minifúndio que se formava no interior das florestas. O camponês,
de origem européia, que passou a habitar a região da Floresta com Araucária,
esteve ligado ao modo capitalista de produção como produtor de gêneros
alimentícios e matéria prima, mesmo se reproduzindo como não-capitalista. Neste
sentido, a apropriação camponesa da terra foi oriunda da própria necessidade de se
manter a acumulação de capital devido à crise do trabalho escravo.
No fim do século XIX e início do XX intensificou-se a imigração no Paraná.
Estes imigrantes (principalmente os de origem polonesa) acabaram incorporando
entre suas atividades a extração da erva-mate, concentrando-se mais na região do
Vale do rio Iguaçu (CHANG, 1988). Após saldar as suas dívidas com a vinda para o
Brasil, este imigrante, acumulava dinheiro com a venda de excedentes e aplicava na
compra de mais terras como uma forma de garantir a sua reprodução. A terra
representava para eles uma forma de ascensão econômica; dessa forma eles
ingressavam na atividade ervateira como pequenos proprietários e como
trabalhadores.
Como afirma Cunha (2003):
A inserção do imigrante na economia ervateira ocorria, justamente, no
momento em que essa economia crescia vigorosamente. Dessa forma, o
imigrante beneficiou-se de um certo dinamismo que se observou nas
regiões ervateiras. Nesse contexto eles passaram por um processo de
diferenciação social. (p. 55)
A erva-mate se constituía num produto de caráter extrativo, não requeria
desprendimento de capitais, nem para a formação do erval, nem para a derrubada
da mata como requeria o café, por exemplo. Dessa forma, a distinção entre as
classes que usufruíam os ervais era condicionada estritamente à propriedade da
terra. Percebe-se que o acesso a terra era condição fundamental para deter os
meios de produção nesta atividade.
52
A formação de uma força de trabalho empregada na poda e sapeco da
folha verde distinguia justamente no quesito propriedade da terra. Havia uma
categoria representada pelos colhedores de erva constituída pelos agregados. O
consumo próprio destes era submetido aos períodos de safra, pois os pagamentos
eram baixos e não dispunha de recursos para formar a própria roça. Trabalhavam
também como contratados nas lavouras e em alguns casos arrendavam terras para
plantar. Havia também uma segunda categoria representada pelos pequenos
proprietários de terra que se dedicava à agricultura de subsistência nos períodos de
entressafra. Estes já eram proprietários de alguns ervais e percebe-se que a
extração e o beneficiamento da folha verde através do trabalho familiar constituía
renda complementar. Durante a entressafra, estes vendiam a sua força de trabalho
a terceiros.
O emprego da força de trabalho familiar na poda e beneficiamento da erva
levava à diferenciação entre os pequenos proprietários. Alguns acumulavam
recursos com o comércio da erva e compravam mais terras. Este fato possibilitava
que eles incorporassem a força de trabalho de agregados e camaradas além da
familiar, porém ainda se enquadravam na categoria de unidades familiares de
produção de origem camponesa.
O fato de as florestas do Centro-sul presenciarem maior número de
pequenas propriedades, se comparado aos Campos Gerais, não significava que
estes estabelecimentos constituíam a única forma de ocupação nesta região. Nas
florestas também existiram os latifúndios com a estrutura interna marcada pela
relação senhor-agregado. Neste sentido, Chang (1988) demonstra:
Estes fazendeiros ou seus ascendentes requeriam a concessão da posse
de grandes extensões de terra, através da lei de sesmarias. Parte deles era
gente que lidava com gado e internava as tropas de passagem pelas matas.
A partir da metade do século passado (século XIX), quando ocorria a
inflexão da atividade ervateira sobre a pecuária, as fazendas passaram aos
poucos a dedicar-se à extração do mate, para a qual eram naturalmente
privilegiadas (p. 20).
Essa relação entre o senhor e o agregado se consubstanciava no sentido
53
que a sazonalidade do corte da erva permitia a não contratação de trabalhadores
permanentes. Os agregados realizavam a poda. No período de entressafra, estes
tinham a tarefa de fazer o roçado. Em troca os agregados recebiam do senhor o
direito de habitarem a sua propriedade.
Nos períodos da poda, famílias inteiras dirigiam-se aos ervais. Muitos
levavam todos os utensílios necessários para permanecerem nos ervais por dias.
Eles faziam a poda, abriam a clareira no mato para acondicionar as folhas podadas
e montavam o carijo para fazer o sapeco (secagem preliminar das folhas). Depois
estas eram quebradas e organizadas em feixes. Após o término do serviço naquele
erval, a família recebia pelo quilo do feixe produzido e dirigiam-se a outro erval.
Outra relação que também se constituía nas grandes propriedades era por
empreitada. Toda a produção, desde a poda até o beneficiamento, era feita no
interior da propriedade por terceiros e o fazendeiro ficava com uma percentagem da
produção. Nesta forma, o fazendeiro não fazia nada e transferia toda a
responsabilidade da produção ao empreiteiro.
A necessidade de o agregado arrendar terras, principalmente nos períodos
de entressafra, se verificava pela pouca quantidade das mesmas da qual dispunha
para o roçado e também pela limitada mão-de-obra. Estes agregados e pequenos
produtores, cuja propriedade não passava dos 05 hectares, recorriam sempre aos
médios e grandes proprietários. A renda, neste caso fixa, se processava através do
pagamento em espécie com 60 mãos de milho (equivalente a 768 kg) e 100 kg de
feijão por alqueire. Se a safra do ano não rendesse esta quantia, o pagamento
acumulava para o ano seguinte. Mesmo sendo essa produção correspondente a
uma pequena parcela do montante total, o risco era muito elevado, o que constituía
um ônus considerável para as famílias (CHANG, 1988).
A falta tanto do maquinário para apoio como de recursos para a
contratação dos camaradas, limitava a lavoura apenas à força de trabalho familiar, o
que limitava também a renda familiar. Dessa forma, para complementar essa renda
era necessária a venda da força de trabalho através do assalariamento temporário.
54
Os proprietários das grandes fazendas podiam extrair duas formas de
renda: aquela paga em espécie por parte dos agregados e a renda da extração da
erva-mate nos períodos da safra. Porém, a extração do mate era a fonte principal
dentro da grande propriedade no período do auge da produção. A agricultura em
pequena escala era uma fonte secundária.
Dessa forma, se faz necessário ter em mente que não eram todas as
camadas de classe que se beneficiavam diretamente com a extração e o
beneficiamento primário da erva-mate. O momento da extração da folha verde
constituía uma parte da cadeia produtiva desse produto em que muito pouco valor
se agregava. A maior parte dessa pequena riqueza concentrava-se ainda nas mãos
dos grandes proprietários de terras. Tais afirmações encontram eco em Cunha
(2003): “pode-se afirmar que o espaço urbano beneficiou-se muito mais da
economia ervateira do que o espaço rural” (p. 56).
Neste sentido, busca-se, a seguir, compreender como se processou a
concentração desse capital na esfera da circulação e do beneficiamento secundário
dessa mercadoria.
55
3.2 A ATIVIDADE ERVATEIRA E O DESENVOLVIMENTO DAS FORÇAS
PRODUTIVAS NA REGIÃO DA FLORESTA COM ARAUCÁRIA DO PARANÁ
A economia nos países coloniais sempre foi caracterizada pela exportação
de matérias primas. Embora as colônias fossem dependentes da metrópole, suas
regiões exportadoras se encontravam em constante concorrência entre si. Tal fato
levava as mesmas a produzirem em quantidades superiores às suas demandas
reais, quando legitimadas pela concorrência, o que resultava em crise devido à
abundância do produto no mercado. Conforme demonstrado por Padis (1981), a
dinâmica de uma determinada atividade econômica numa região era marcada pela
expansão da atividade, seguida pela estabilidade e, por último, assistia-se ao seu
declínio.
Dentro dessa interpretação foi proposto por Padis (1981) duas formas
distintas de atividade econômica no Brasil enquanto colônia de Portugal. No primeiro
caso, a atividade econômica antecessora não fornecia elementos para a formação
da atividade econômica subseqüente. Exemplos assim são notados no caso da
cana-de-açúcar que teve seu auge no Nordeste no século XVII e a mineração nas
Minas Gerais no século XVIII. A outra forma é marcada pela transferência de renda
e emprego da atividade antecessora para a que a segue. Um exemplo notável foi o
café em São Paulo que formou o pano de chão para o desenvolvimento da já
existente atividade industrial no Estado.
A ocupação do território, principalmente nos países coloniais, foi movida
fundamentalmente pela atividade econômica (PADIS, 1981). Ainda de acordo com o
mesmo autor, aconteceram duas formas distintas de ocupação no Brasil. Uma
ligada à subsistência, com uma economia fechada voltada para atender às
necessidades de um determinado grupo localizado e, portanto, não voltado às
exportações, e outra cuja economia esteve ligada aos estímulos externos, com
níveis de produção e renda suficientes para capacitar a importação.
56
O auge da produção da erva-mate no Paraná foi de 1855 a 1928. O Estado
era o maior produtor no país. O mercado que a erva-mate encontrava nesta época
era muito abundante. Com investimentos de capitais oriundos da extração do ouro e
da pecuária, a indústria do mate encontrou oportunidade para se desenvolver. A
extração e o beneficiamento da erva-mate paranaense encontraram possibilidades
para se desenvolver internamente e conquistar mercados, tanto o nacional como o
platino e até o europeu.
Apesar da produção da erva-mate no Paraná nos séculos XIX e início do
XX ter sido voltada para abastecer o mercado externo, ela não se configurou como
uma produção colonial tradicional vinculada à metrópole, conforme descrito por
Padis (1981). Diferente da cana-de-açúcar no século XVII e do ouro no século XVIII,
a atividade de extração e beneficiamento da erva-mate no Paraná originou e
desenvolveu-se com capitais oriundos da própria economia interna à região.
Economia esta representada pela extração do ouro e pela pecuária que tiveram seus
períodos de auge e depois enfrentaram uma grande queda. Conforme observado
por Ianni (1988), houve uma intensa migração de capitais provenientes da extração
do ouro:
...os primórdios da expansão da economia do mate coincidem com um
período em que Paranaguá e Curitiba começam a sofrer o impacto da
decadência da mineração ... A canalização da força de trabalho e capitais
para a extração, preparo e comércio da congonha (erva-mate), entretanto, é
em boa parte o resultado da liberação desses fatores da produção (p. 52).
Era na região da Floresta com Araucária, que se estendia por grande parte
do Segundo Planalto Paranaense, onde se encontravam os grandes ervais nativos
que abasteciam os engenhos de moagem. Estes engenhos, em um primeiro
momento concentravam-se em Paranaguá, próximos ao porto. Posteriormente, ao
fim do século XIX, eles se transferiram para Curitiba.
Neste período, a indústria do mate, voltada para o mercado externo,
contribuiu com níveis significativos para a economia paranaense. Conforme observa
57
Costa (1995), o empresário e industrial ligado ao beneficiamento da erva-mate
Ildefonso Pereira Correia, o Barão de Cerro Azul, percebeu a ascensão da economia
ervateira na época e investiu na incorporação de novas tecnologias no processo de
soque e moagem da erva, proporcionando assim numa revolução dentro do setor.
Esta ocorrência não só deu visibilidade à economia paranaense no cenário
nacional e mesmo internacional, como também promoveu uma concentração de
serviços na cidade de Curitiba no início do século XX, ocasionando assim num
processo acelerado de urbanização naquela cidade. Ao mesmo tempo que a
indústria do mate aumentava seus níveis produtivos, constituía-se também,
paralelamente, na mesma localidade, uma economia voltada para o fornecimento de
insumos para essa indústria.
No mesmo período em que os engenhos incorporavam a força hidráulica e
a vapor com a substituição do trabalho escravo para o assalariado, a poda, de
acordo com Ribeiro (1989), ficava por conta de caboclos que eram agregados aos
grandes proprietários ou dispersos em terras devolutas. A partir da segunda metade
do século XIX o imigrante europeu também passou a contribuir neste processo.
Cabe ressaltar que a indústria do mate contou com a utilização simultânea
da força de trabalho livre e escrava. Conforme apontado por Pereira (1997), a
indústria ervateira não seguiu o modelo de industrialização brasileira, como
decorrente da substituição as importações.
A burguesia industrial do mate, tal como veio a se constituir, não pré-existia
à sua indústria. Ela formou-se no mesmo processo em que se formaram os
produtores rurais do mate e os jornaleiros fabris dessa indústria ... coube à
burguesia do mate o reordenamento econômico da sociedade paranaense
em torno do trabalho livre e do livre-mercado, com todas as conseqüências
que isso acarretou. (p. 74)
Neste período (meados do século XIX), havia no Paraná uma aristocracia
ligada às fazendas dos Campos Gerais e uma burguesia emergente composta pelos
industriais do mate. O embate se travava no plano de formação de cada uma
dessas sociedades. Enquanto nos Campos Gerais as relações remetiam ao período
58
do Brasil Colonial, com a manutenção da força de trabalho escrava e a fazenda
como o centro da vida social, o meio urbano tornava-se cada vez mais atraente para
a reprodução do capital corporificado na pessoa dessa burguesia ervateira que se
encontrava em ascensão.
Neste sentido, é importante notar que todo capital produzido com a
extração e o beneficiamento da erva-mate no Paraná encerrava nas mãos dessa
burguesia, pois ela estava ligada ao beneficiamento e ao comércio desse produto.
A extração da erva-mate e da madeira abriu caminho para investimentos
também em infra-estrutura na região: a Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, para
levar o produto em quantidades maiores até o porto, a Estrada de Ferro São Paulo-
Rio Grande, que passava pelas regiões produtora, e a hidrovia no rio Iguaçu.
A implantação da hidrovia apareceu como uma alternativa ao transporte
ferroviário que tinha elevados custos para a condução da erva-mate. Neste período
(até a década de 1940) o rio Iguaçu, mais precisamente no trecho entre União da
Vitória e Porto Amazonas era navegável e conduzia principalmente a erva-mate e a
madeira.
Um dos maiores portos ao longo deste percurso era o de São Mateus do
Sul, que recebia a erva-mate de toda a região para embarcar nos barcos a vapor
(fotos 5 e 6). E, uma das empresas que se beneficiaram com este transporte foi a
Leão Júnior, que construiu galpões para a estocagem da erva-mate em São Mateus
e investiu na compra de vários barcos. Com a implantação da hidrovia, São Mateus
do Sul tornou-se um grande centro ervateiro com a instalação de pequenas
unidades de beneficiamento e estocagem de erva-mate (foto 7). Várias foram as
companhias de navegação que instalaram que instalaram escritórios no município,
como a Lloyd Paranaense, Portes e Cia. e Venâncio e Cia. A cidade contava
também com estaleiros compostos por mão-de-obra especializada em armação e
montagem dos barcos à vapor (BACH, 2006).
59
FOTO 5 - PONTE DE ACESSO AO MUNICÍPIO DE SÃO MATEUS DO SUL (BR-476), SOBRE O RIO
IGUAÇU FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
FOTO 6 - BARCO A VAPOR "PERI", UTILIZADO NO TRANSPORTE DA MADEIRA E DA ERVA-
MATE, ENTRE OUTROS PRODUTOS
14
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
14
Atualmente o Vapor Peri encontra-se em exposição próximo à entrada de São Mateus do Sul nas
margens do rio Iguaçu.
60
FOTO 7 - GALPÃO ABANDONADO, RELACIONADO AO ANTIGO PORTO EM SÃO MATEUS
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
O meio de transporte utilizado para a condução da erva-mate a partir de
Porto Amazonas era o carroção (foto 8). Esses carroções, cujas técnicas de
construção foram trazidas pelos russos de origem alemã que se estabeleceram nas
margens do rio Volga no século XVIII e depois vieram para o Paraná, representavam
um meio muito utilizado na região para o transporte de vários produtos. Consolidou-
se, assim, uma outra classe de trabalhador no sistema produtivo da erva-mate – a
dos carroceiros. Estes contribuíram para ligação dos mais distantes rincões do
Paraná às regiões mais prósperas. Um outro caminho que havia se estabelecido
para a exportação da erva-mate foi por Foz do Iguaçu, na qual seguia-se de carroça
em um trajeto que durava aproximadamente trinta dias
15
.
15
Segundo Bach (2004) esse tempo de viagem era a partir do município de Palmeira, no qual
contava-se sessenta dias para ir até Foz e voltar.
61
FOTO 8 - CARROÇÃO RUSSO, UTILIZADO NO TRANSPORTE DE IGUARIAS,
PRINCIPALMENTE A ERVA-MATE
FONTE: BACH, 2004
Em um estudo que procura relacionar a influência da Estrada de Ferro São
Paulo–Rio Grande - no seu trecho entre Ponta Grossa e União da Vitória - com o
desenvolvimento da região, Luz (2006) coloca que a erva-mate, no período aurífero
da sua produção, contribuiu para a existência e a manutenção desta Estrada:
A ferrovia e a erva-mate compactuavam um crescente desenvolvimento
econômico na região ... O avanço da economia do mate aliado à
construção da ferrovia propiciou o incremento populacional na região e o
desenvolvimento de um mercado interno de alimentos ... Nesta conjuntura
socioeconômica, algumas cidades localizadas ao longo da linha Ponta
Grossa–União da Vitória, tiveram papel de destaque, como por exemplo, o
município de União da Vitória. Inserido no ciclo da erva-mate, este local
ressaltou-se na sua produção e comercialização, além de proporcionar uma
socialização do trabalho, criando indústrias de embalagem para o transporte
do produto. (p. 117)
Entre as causas que levaram à queda da produção da erva-mate no
Paraná a partir da década de 1930, está a produção do café no Novo Oeste
Paulista, que ganhou grande expressão com investimentos de capital estrangeiro.
Posteriormente, o próprio Norte do Paraná, com uma nova frente de colonização no
62
estado, foi incorporado à cafeicultura. Neste sentido, o mate, como produto de
consumo nos mercados europeu, platino e até mesmo nacional, acabou perdendo
seu dinamismo para o café. Este capital estrangeiro, proveniente da Inglaterra, com
suas grandes somas de investimentos na cafeicultura em terras brasileiras, criou um
hábito internacional para o consumo da bebida, que se espalhou por várias regiões
no mundo inteiro. Tal evento fechou as portas para a expansão do consumo da
erva-mate.
A extração e o beneficiamento da erva-mate trouxeram para o Paraná um
desenvolvimento que levou à urbanização da cidade de Curitiba, a ampliação da
rede urbana na região do Paraná Tradicional (região da Floresta com Araucária) e a
construção das linhas férreas: São Paulo-Rio Grande e a Curitiba-Paranaguá. A
extração da madeira também foi uma atividade que se desenvolveu junto com a
erva-mate, seu período áureo sucedeu ao da erva.
A estrutura fundiária que se formou no interior das Matas Mistas do Centro-
sul esteve intimamente ligada às grandes fazendas dos Campos Gerais. Tanto os
agregados como os imigrantes, que trabalharam diretamente com a extração da
folha verde, reforçaram uma estrutura agrária que já havia se formado no século
XVIII, tendo por base a relação latifúndio-minifundio. Porém, essa relação
aconteceu de forma única no interior das Matas Mistas – apesar de ter havido
grandes fazendas nesta região houve também uma concentração de pequenas
propriedades que se formaram com a atividade ervateira e com a vinda do imigrante.
Os Faxinais são um exemplo delas. A extração e o beneficiamento da erva-mate
permitiu, assim, que essas pequenas propriedades desenvolvessem dentro de
relações produtivas calcadas nos moldes camponeses. Esta atividade será melhor
explicitada na parte seguinte.
63
4 A EXTRAÇÃO E O BENEFICIAMENTO DA ERVA-MATE NA ATUALIDADE:
DOS FAXINAIS À INDÚSTRIA ERVATEIRA
A atividade ervateira envolve distintas etapas no processo produtivo. Cada
uma delas é marcada por um emaranhado de relações na qual entra em jogo uma
complexa rede de interesses, cujo objetivo final da produção não é o mesmo dentre
os atores envolvidos nesse processo produtivo. A partir dos trabalhos de campo foi
possível identificar e apreender parte dessa complexidade em que muitas vezes o
sucesso de uns corresponde ao embate e o atravancamento do desenvolvimento
produtivo de outros.
A matéria prima que abastece a indústria ervateira é a folha verde da erva-
mate. O ponto de partida para o desvendamento dessas relações é a afirmação,
conforme exposto na primeira parte, de que o capital, para se reproduzir de forma
ampliada, avança territorialmente sobre locais onde prevalece a produção não-
capitalista (OLIVEIRA, 1999; MARTINS, 1996b).
Dessa forma, objetivou-se, nos trabalhos de campo, compreender o
sistema produtivo da erva-mate numa perspectiva temporal (como era esse trabalho
há vinte anos atrás e como é hoje) através das entrevistas com os camponeses da
Floresta com Araucária do Paraná. Esses camponeses são representados pelos
faxinalenses das comunidades Marmeleiro de Cima e Marmeleiro de Baixo em
Rebouças e Paraná Anta Gorda em Prudentópolis. Ao todo foram realizadas
entrevistas qualitativas com 16 (desesseis) famílias, cuja produção é de origem
camponesa, que possuem em suas propriedades a erva-mate nativa.
Quanto às indústrias ervateiras, foram feitas entrevistas com os
responsáveis pelas instalações e visitas às linhas de produção. Foram visitadas 06
(seis) empresas: Leão Jr. em Fernandes Pinheiro; Mate Laranjeiras em Irati (atual
Águia); Indústria de Mate Glória em Rebouças e as ervateiras Vier, Baldo e São
ateus no município de São Mateus do Sul. Procurou-se nas entrevistas delimitar o
64
raio de atuação dessas empresas no que tange à aquisição da matéria prima – se a
negociação era direta com os produtores, se haviam atravessadores ou se a própria
indústria enviava suas equipes para realizar a poda nas pequenas propriedades.
Procurou-se também verificar quais atividades de beneficiamento que se faziam no
interior das instalações fabris e onde ficava a sede da empresa.
A produção da erva-mate envolve três fases principais até a elaboração do
produto final: a poda (extração da folha verde), o beneficiamento primário
(cancheamento) e o beneficiamento secundário (moagem), na qual participam três
atores distintos: o produtor, o atravessador e a indústria. Em cada fase da produção
agrega-se mais valor ao produto. Conforme se beneficia a matéria prima, aumenta
não só a quantidade de trabalho empregada nela, mas também investimentos por
parte das indústrias, além do frete.
Esta parte destina-se à desvendar os interstícios da produção da erva-
mate na região da Floresta com Araucária – como os camponeses aparecem
inseridos nesta atividade e a expansão do capital ervateiro nos Faxinais.
4.1 A PRODUÇÃO DA ERVA-MATE NO PARANÁ
Com a finalidade de se obter um panorama sobre a produção da folha
verde da erva-mate e a espacialização dessa atividade no Paraná na atualidade,
foram levantados alguns dados quantitativos que demonstram a situação desse
ramo de atividade frente aos mercados interno e externo.
No ano de 2001, o Paraná produziu 339.139 toneladas de folha verde da
erva-mate (IBGE, 2007). Esta quantia garantiu ao estado a posição de maior
produtor nacional. Nos anos seguintes este valor começou a decair, chegando em
2004 a produzir 133.449 toneladas. Em 2006, a produção ervateira paranaense teve
uma ligeira recuperação, com 165.076 toneladas anuais (IBGE, 2007). Atualmente o
65
Paraná ocupa a posição de segundo maior produtor nacional, perdendo para o Rio
Grande do Sul (gráfico 1).
Ainda de acordo com o gráfico 1, percebem-se grandes oscilações quanto
à produção da folha verde, principalmente entre 1997 e 1998, quando o Paraná
apresentava quantias bastante reduzidas se comparado ao período atual.
Esta ocorrência se justifica pela demanda do mercado externo,
principalmente o uruguaio, que ora compra a erva-mate beneficiada da Argentina,
ora do Brasil, de acordo com as vantagens de oferta. Segundo De Almeida (2007),
essa demanda está atrelada à oferta da matéria prima no mercado interno, ou seja,
o incremento da extração dessa matéria prima (folha verde) aparece condicionada
às necessidades do mercado externo.
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
350000
400000
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
ANO
TONELADAS
SANTA CATARINA
PARA
RIO GRANDE DO SUL
GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DA QUANTIDADE PRODUZIDA ANUAL DA FOLHA VERDE DA ERVA-
MATE SEGUNDO ESTADOS DA REGIÃO SUL DO BRASIL (EM TONELADAS)
FONTE: IBGE – PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL, 2007
É no Paraná que se encontra grande parte dos ervais nativos no Brasil, os
66
quais garantem qualidade ao produto final depois de beneficiado. Tal fato tem sua
relevância justificada pela presença, em território paranaense, de unidades
industriais de beneficiamento da erva-mate pertencentes a empresas ervateiras do
Rio Grande do Sul.
De acordo com IBGE (2007), a produção paranaense concentra-se na
Mesorregião Sudeste com uma quantidade produzida em 2006 de 89.302 t/ano
(gráfico 2). Logo em seguida vem a Mesorregião Centro-sul com 36.351 t/ano em
2006. Percebe-se que a Mesorregião Sudeste é responsável pela produção de mais
da metade da erva-mate no Paraná. As Mesorregiões Noroeste, Centro-ocidental,
Norte Central e Norte Pioneiro não apareceram no gráfico por não apresentarem
quantidades produzidas significativas.
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
100.000
Ce
n
tr
o
O
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ie
n
ta
l
Oeste
Su
d
o
e
st
e
C
e
ntro
-
Sul
S
u
d
e
ste
Met
r
opolitana de Curitiba
mesorregião
t/ano
GRÁFICO 2 - PRODUÇÃO DA FOLHA VERDE DA ERVA-MATE SEGUNDO MESO-REGIÕES DO
ESTADO DO PARANÁ, 2004
FONTE: IBGE – PRODUÇÃO AGRÍCOLA MUNICIPAL, 2007
Os dados apresentados têm sua relevância no sentido de mostrar as
67
regiões Centro-sul e Sudeste como as maiores produtoras da folha verde da erva-
mate no estado. Há que se considerar a forma de obtenção dos dados por parte das
instituição responsável pela coleta – o IBGE. Conforme descrito, esses dados foram
coletados junto às fábricas, no momento da aquisição da matéria prima, e não de
onde ela veio. Assim, o município de São Mateus do Sul, localizado no Sudeste do
estado, por apresentar maior concentração de unidades fabris de beneficiamento da
erva-mate, eleva os índices de produtividade desta região.
Porém, este fato não prejudica a finalidade proposta com a apresentação
desses dados, pois essas empresas não recebem a folha verde extraída em
propriedades com distância superior a 40 km da fábrica. São nessas regiões
(Centro-sul e Sudeste) onde se encontram os remanescentes da Floresta com
Araucária do Paraná (IPARDES, 2007) e local de ocorrência da forma de
organização camponesa dos Faxinais (CHANG, 1988).
4.2 A PRODUÇÃO DA ERVA-MATE NA REGIÃO DA FLORESTA COM
ARAUCÁRIA
A erva-mate é uma planta que exige cuidados especiais. Na medida
em que se propõe fazer uma intervenção para a retirada de suas folhas, cautelas
são necessárias. A erva-mate não tolera a exposição ao sol em quantidades
excessivas e também não pode ter seus galhos desprotegidos - a mercê dos ventos
gelados no período de inverno rigoroso, como é de costume no Centro-sul do
Paraná.
É condicionada à influência das condições climáticas, que a erva-mate
apresenta suas características metabólicas. Durante o inverno, a planta diminui seu
ritmo de crescimento, ficando em um estado de “dormência”. No verão, esse ritmo
modifica e a planta entra em plena atividade com o aumento da circulação da seiva
em seus galhos.
Portanto, é de julho a setembro, enquanto a erva-mate se encontra
68
“adormecida”, o período ideal para a realização da poda nos ervais. Assim, a
retirada das folhas não agride tanto a planta, por ela se encontrar praticamente
anestesiada e também não deixa seus galhos descobertos por todo o inverno
(GUIMARÃES DA COSTA, 1995; MIRANDA & URBAN, 1998).
O período entre uma poda e outra tem variado bastante de acordo com
cada proprietário. O tempo ideal de espera entre duas podas é de cinco anos.
Porém, devido às necessidades imediatas da produção, esse tempo foi reduzido
para três anos, no qual constitui o período oficial de espera. Existem casos,
observados em campo, em que o proprietário do erval, pressionado por algumas
indústrias e pela necessidade de se obter recursos de forma rápida, retira a folha
todo ano, inclusive durante a safrinha, que é feita no mês de dezembro.
A primeira etapa do processo produtivo é a extração
16
. Conforme
observado em campo nos Faxinais Marmeleiro de Cima e Marmeleiro de Baixo, não
cabe ao proprietário a realização da poda. São os atravessadores, com suas
equipes próprias de tarefeiros, que pagam a cada proprietário para a retirada das
folhas verdes de seus ervais. A poda é realizada por esses tarefeiros, que são de
origem da cidade ou de localidades próximas e trabalham temporariamente,
recebendo pelo quilo da folha verde retirada (foto 9).
Depois de podada, a folha é colocada em sacos denominados de
“ponchos” os quais são conduzidos do erval até o caminhão por tração animal (foto
10).
16
Apesar de terem sido constatadas em campo algumas plantações de erva-mate, prevalece na
região o extrativismo como forma de aquisição da matéria prima folha verde.
69
FOTO 9 - TRABALHADOR TEMPORÁRIO EFETUANDO A PODA DA ERVA-MATE NO FAXINAL
MARMELEIRO DE BAIXO
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
FOTO 10 - CONDUÇÃO DOS PONCHOS CARREGADOS DE FOLHA VERDE ATÉ O LOCAL ONDE
O CAMINHÃO SE ENCONTRA ESTACIONADO. FAXINAL MARMELEIRO DE BAIXO
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
70
Após o carregamento no caminhão, que é de propriedade do atravessador,
a folha verde segue direto até a fábrica para passar pelos dois processos de
beneficiamento (cancheamento e moagem)
17
.
Cada família entrevistada produz em média 1.000 kg de folha verde por
ano. Essa folha verde é vendida para os atravessadores a 30 centavos o quilo18.
Se a poda fica por conta do produtor esse valor sobe para 38 centavos. Essa folha
verde, na porta da indústria é vendida a 48 centavos o quilo. Dentre as 12 famílias
entrevistadas nos Faxinais Marmeleiro de Cima e Marmeleiro de Baixo, apenas uma
ainda produz folha cancheada, a qual vende por 2 reais o quilo. Segundo
informações obtidas, são necessários 5 quilos de folha verde para se fazer 2 quilos
de folha cancheada.
Antes das indústrias ervateiras intensificarem suas atividades na região
(até a década de 1980) percebeu-se que tanto a poda como o cancheamento eram
tarefas atribuídas aos pequenos produtores. Estes trabalhavam num período anual
de dois meses para entregarem o produto “erva-mate cancheada” nas cooperativas
tanto em Rebouças como em São Mateus do Sul. Todos cancheavam a erva de
forma artesanal em pequenas construções chamadas barbaquás (foto 11)
organizados em torno do puxirão, onde havia a ajuda mútua no processo produtivo.
Esses puxirões duravam em média três dias. Só o beneficiamento primário era feito
em um período de 24 horas (sapeco e cancheamento).
Na parte da frente do Barbaquá fazia-se a fogueira para conduzir o calor
até o interior da edificação onde as folhas são sapecadas (secagem). O Barbaquá é
formado por uma estufa (carijo), onde a erva fica secando e pela cancha (foto 11)
onde ela é triturada (cancheada). Observa-se na foto também que este local já foi
reutilizado para plantação de milho.
O Sr. Acir Túlio ainda produz erva-mate cancheada em sua propriedade.
17
A folha verde, depois de podada torna-se um produto perecível. O tempo de espera entre a poda e
o cancheamento pode ser de no máximo três horas (RENK, 1997). O destino dessa folha verde, cuja
poda foi observada em campo era a ervateira Baldo em São Mateus do Sul.
18
Situação em julho de 2006.
71
Na época da entrevista o Sr. Acir era o representante da comunidade do Faxinal
Marmeleiro de Baixo e atualmente tem procurado diversificar a produção de gêneros
agrícolas incorporando as técnicas da agricultura ecológica e eliminou totalmente a
utilização de agrotóxicos.
Antigamente fazia-se o cancheamento, enviava para a cooperativa que fazia
a moagem e depois a cooperativa enviava para Curitiba. Essa cooperativa
em São Mateus faliu em 1985. A de Rebouças faliu em 1978. A de
Rebouças faliu porque comprou muita erva e fechou o mercado de
exportação. A partir daí os compradores (atravessadores) começaram a
levar para Curitiba e São Mateus. As ervateiras quando vieram pra cá
começaram comprando erva cancheada. Depois pararam de comprar. A
partir daí o produtor começou a pensar que fazer erva cancheada não valia
mais a pena (TÚLIO, 2006).
As cooperativas, tanto em São Mateus como em Rebouças, apareceram
como uma resposta à crise da erva-mate que atingiu o Estado a partir da década de
1930. Com as cooperativas, os camponeses repassavam a erva-mate cancheada
para alguém que os representava no mercado. Com o fim das cooperativas, que
coincidiu com a mesma data da instalação das fábricas na região, os camponeses
perderam força nesta produção.
72
FOTO 11 – BARBAQUÁ
INATIVO LOCALIZADO NO FAXINAL MARMELEIRO DE BAIXO
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
FOTO 12 - INTERIOR DO BARBAQUÁ, COM A IMAGEM DA CANCHA
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
73
O processo artesanal de cancheamento da erva se dá pela trituração por
meio do rolete (ou “ouriço”) depois que a folha é sapecada. Este rolete é movido à
tração animal, no qual o cavalo vai andando em círculo contornando a cancha. Na
parte junto ao rolete existe uma tábua contendo vários furos. Conforme a erva vai
sendo triturada, os pedaços menores atravessam esses furos e caem na parte
inferior da cancha.
A presença desses barbaquás, os quais a grande maioria encontra-se
desativada no presente momento, denuncia, que houvera tempos em que
cancheamento da erva-mate era uma atividade sob o domínio dos camponeses e
essa produção não estava condicionada à reprodução do capital. Segundo o Sr.
José Estanislau, camponês do Marmeleiro de Cima, há vinte anos atrás era possível
comprar terras só com a venda da erva-mate cancheada
19
.
Um caso presenciado em Prudentópolis, no Faxinal Paraná Anta Gorda
reflete uma outra realidade. Dentre as famílias entrevistadas neste Faxinal, a do Sr.
Miguel, também produz erva-mate cancheada. O Sr. Miguel não possui muita erva-
mate em sua propriedade, porém ele investiu no aprimoramento do seu barbaquá,
no qual a trituração é feita por um motor. Neste caso, ele recebe a folha verde dos
outros membros da comunidade do Paraná Anta Gorda, faz o cancheamento e
depois fica com uma parte do que foi produzido conforme estabelecido em comum
acordo.
Essa erva-mate cancheada é comercializada em Prudentópolis por meio de
um atravessador. Mesmo tendo a possibilidade de se fazer o cancheamento no
Faxinal, no barbaquá do Sr. Miguel, alguns camponeses acabam cedendo às
pressões dos atravessadores e deixam que estes realizem a poda para depois levar
a folha verde direto para as indústrias localizadas em Prudentópolis ou Guarapuava.
19
A entrevista com o Sr. José Estanislau, em julho de 2006, foi realizada logo depois que seu erval foi
podado pelos atravessadores, no qual foi retirado aproximadamente 2.000 kg de folha verde.
Houve casos no próprio Faxinal em que o atravessador levou a folha verde sem pagar o proprietário.
Os Faxinais Marmeleiro de Cima e Marmeleiro de Baixo fornecem a folha verde para as indústrias
localizadas em Rebouças, Rio Azul e São Mateus.
74
Presenciou-se também no Paraná Anta Gorda a preocupação de certos
camponeses quanto à produção de mudas. O Sr. Nicolau, há trinta atrás, procurou
se informar sobre a erva-mate no que tange às questões técnicas. Adquiriu vários
livros que tratam do assunto, principalmente quanto à produção de mudas e
construiu um viveiro em sua propriedade. Porém, devido à falta de interesse de
possíveis compradores na época e pelo fato de haver erva-mate ainda em
abundância na comunidade, o Sr. Nicolau abandonou este projeto e resolveu plantar
tudo em volta da sua casa. Atualmente, sua casa fica no meio de um erval plantado
(foto 13).
FOTO 13 - CASA DO SR. NICOLAU, COM A ERVA-MATE PLANTADA
FONTE: MARCELO BARRETO, 2007
75
Para o camponês, que possui a erva-mate em seu terreno, a folha verde
cortada pelo atravessador ou pela indústria representa uma forma de renda fácil,
pois os gastos com a manutenção do erval são ínfimos.
Percebe-se que a maior parte da renda que essa produção gera, acaba
indo para a indústria e não para eles. O faxinalense acaba se sentindo
desestimulado quanto a poda e o cancheamento da erva-mate mesmo sendo ele o
proprietário dos ervais nativos que garante qualidade ao produto e acaba
incorporando outra atividade econômica em sua propriedade para garantira a
reprodução da sua condição. Tal falta de incentivo em produzir a erva-mate
cancheada se justifica pelo fato de que os próprios produtores são incorporados a
um mecanismo estranho à sua relação. O produto de seu trabalho acaba sendo
incorporado a um modo de produção em que o beneficiado não é a sua família, a
sua comunidade e sim a indústria.
Com a folha verde é mais fácil: hoje você está com a erva no pé, no fim da
semana você está com o dinheiro no bolso – só que a metade do lucro fica
para a ervateira. É dinheiro mais rápido, mas por outro lado o produtor não
está tendo o lucro. E tira a mão-de-obra da comunidade. O dinheiro não
fica para a comunidade (TÚLIO, 2006).
Durante as entrevistas muitos diziam que “hoje é muito mais fácil deixar
que eles (atravessadores) retirem a erva e depois ir ao supermercado comprar o
mate empacotado para tomar o chimarrão do que fazer um carijo mesmo para o
consumo próprio”
20
.
Com a incorporação do cancheamento ao processo industrial, os
faxinalenses passaram a produzir diretamente para as indústrias, não para alguém
que os representasse, como as cooperativas. O trabalho que antes era livre e cuja
produção retornava para suas mãos, seja em forma de mercadoria ou em forma de
dinheiro, passou a ser incorporado à escala industrial, envolvendo linha de produção
e ampliação do capital envolvido.
20
Esta afirmação partiu do Sr. Francisco Soares do Marmeleiro de Cima.
76
A erva-mate cancheada configurava-se como um produto manufaturado
dentro de relações cujo objetivo não era a busca do lucro, mas sim a reprodução da
vida desses faxinalenses enquanto camponeses.
De acordo com os dados obtidos em campo, entende-se que atualmente
os camponeses estão condicionados apenas a manter os ervais em condições
adequadas para a demanda da indústria, o restante dessas etapas fica por conta
dos atravessadores e das indústrias. Em nenhum caso foi presenciada a poda como
sendo atividade exclusiva dos faxinalenses, muito menos o cancheamento, apenas
em alguns casos isolados.
O fluxo esquemático apresentado na figura 1 ilustra como se processa a
relação entre os três atores distintos envolvidos no sistema produtivo da erva-mate
(camponeses, atravessadores e indústrias) em dois momentos na história; até a
década de 1980, quando as indústrias passaram a instalar suas unidades fabris na
região dos Faxinais e depois, até os duas atuais.
77
FIGURA 1 – FLUXO ESQUEMÁTICO DA PRODUÇÃO DA ERVA-MATE NA REGIÃO DA FLORESTA
COM ARAUCÁRIA DO PARANÁ
FONTE: MARCELO BARRETO: PESQUISA DE CAMPO, 2006
78
De acordo com o fluxo esquemático (figura 1), a manutenção da erva, a
poda e o cancheamento até a década de 1980 ficava por conta dos camponeses
(pequeno produtor). Nesta época já era comum a presença do atravessador, porém
este só negociava com os camponeses a erva-mate cancheada. Conforme
lembrado pelas famílias entrevistadas nos Faxinais, esta erva-mate era conduzida
até a cooperativa em São Mateus em carroças ou no lombo das mulas em um
percurso de aproximadamente 30 km que durava o dia inteiro. Esta cooperativa
recebia o mate cancheado e repassava para as indústrias - algumas delas já
atuavam na região.
Posteriormente, quando intensificou-se a atividade industrial de
beneficiamento da erva-mate próximo às comunidades, estas impuseram condições
aos proprietários dos ervais, na qual somente iriam receber a folha verde para o
beneficiamento. Isso se deve às grande melhorias realizadas no interior das
fábricas, como a construção dos carijos industriais.
Verifica-se atualmente que o processo industrial de produção da erva-mate
encontra-se estendendo também para a poda (em tracejado), deixando o
proprietário do erval sem muitas atuações dentro da produção.
4.3 AS EMPRESAS E AS ESTRATÉGIAS PARA GARANTIR A AMPLIAÇÃO DE
SEUS CAPITAIS
Depois que o caminhão chega na porta da fábrica, este descarrega as
folhas em um pátio, junto ao carijo industrial (foto 14). Este é acoplado a um forno à
lenha e fica girando enquanto as folhas secam. Este processo é muito rápido e
substitui o sapeco artesanal feito nas comunidades.
Posteriormente estas folhas previamente secas caem em outra esteira que
as conduz até a estufa onde permanecem por um período de três horas para
posteriormente serem cancheadas. Após o cancheamento estas caem novamente
em outra esteira e seguem para o moinho onde é feito o beneficiamento final.
79
A foto 15 ilustra esse processo, com o prédio em primeiro plano contendo a
estufa e a cancha industrial e, ao fundo, outro prédio onde se localiza o moinho.
FOTO 14 - CARIJO INDUSTRIAL
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
FOTO 15 - UNIDADE DE BENEFICIAMENTO INDUSTRIAL DA ERVA-MATE
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
80
Cada empresa tem um comportamento diferente quanto à forma locacional
no processo de beneficiamento, porém todas elas fazem o mesmo produto – mate
para chimarrão.
A Indústria de Mate Glória, localizada em Rebouças, só faz erva
cancheada e destina toda a sua produção a uma unidade industrial da Baldo em São
Mateus do Sul, cuja matriz fica no município de Encantado (RS).
A Baldo possui, além de São Mateus do Sul, uma outra unidade de
cancheamento em Canoinhas (SC). A erva não é moída nesses locais e sim junto à
sede em Encantado. Todo o mate elaborado pela Baldo é destinado ao mercado
externo, destacando-se o Uruguai como maior comprador. Por mês, a Baldo produz
1.500 toneladas de erva pronta para ser consumida. Desse total, 60% vêm da
unidade de São Mateus do Sul. A Baldo só põe suas unidades de cancheamento em
funcionamento nos períodos de safra e safrinha da erva-mate.
A Vier, outra empresa do Rio Grande do Sul, possui também duas
instalações de cancheamento, uma em São Mateus do Sul e outra em Rio Negrinho
(SC). Toda a folha cancheada é também moída no Rio Grande do Sul, no município
de Santa Rosa, onde fica a sede da empresa. Esta empresa trabalha o ano inteiro
adquirindo a matéria prima de pequenas comunidades localizadas no entorno da
fábrica.
Outra indústria é Ervateira São Mateus, uma empresa do Grupo Carral, de
origem uruguaia. Nesta ervateira todas as etapas do beneficiamento são feitas em
São Mateus do Sul. O produto já sai empacotado e vai direto para o Uruguai. Ela
não trabalha com a safrinha e segundo seus representantes a negociação da
matéria prima é feita direto com os produtores que se localizam na região. A
empresa possui duas unidades de produção dentro da mesma fábrica. Entre os
meses de outubro e maio eles não fazem o cancheamento, ficando em
funcionamento apenas as unidades de moagem.
81
Uma das exigências do mercado externo (Argentina, Uruguai e Chile) é
que nesses países existe a preferência pelo consumo da erva-mate “descansada”,
de tom amarelado e sabor mais amargo. Para que a erva possa ser produzida
dessa forma, após o cancheamento ela é ensacada e fica descansando por um
período de seis meses em galpões construídos especialmente para esta finalidade
(foto 16). A presença desses galpões foi constatada em duas ervateiras de São
Mateus do Sul: a Baldo e a São Mateus.
FOTO 16 - PILHA DE ERVA-MATE CANCHEADA EM PROCESSO DE DESCANSO
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
A Baldo é uma empresa que além do beneficiamento da erva-mate,
trabalha com fomento. A empresa possui corpo técnico especializado para a
produção de mudas, controle de pragas e melhoramento dos ervais. As sementes
são colhidas junto às propriedades dos fornecedores da folha verde. Durante 18
meses elas passam por um processo de desenvolvimento nos viveiros (foto 17) que
se localizam próximos à indústria e depois são devolvidas na forma de mudas para
serem plantadas. Os investimentos nesse processo são em criar tecnologias para
adequar o erval à demanda da empresa.
82
Conforme explicitado, o investimento é da empresa, porém, os custos são
do proprietário do erval. Muitos deles não têm como pagar a vista pela aquisição
dessas mudas, o que os levam contratualmente a pagarem este valor em folha
verde quando obtiverem a primeira safra. A procura pelas mudas é grande e a
empresa pretende ampliar suas atividades neste ramo.
No ano de 2006 foram produzidos 180.000 mudas e os pedidos para o ano
de 2007 giram em torno de 516.000 mudas. A justificativa por parte da empresa é
de que os ervais nativos estão exaurindo e se não houver cuidados especiais com a
manutenção dos mesmos, a matéria prima para a indústria ervateira pode acabar.
A Baldo também estabelece critérios para a obtenção da matéria prima
para a sua indústria. Antes de firmar acordo com o proprietário do erval, ela envia
seus técnicos para averiguar se este se encontra em condições satisfatórias para o
beneficiamento em suas fábricas. Segundo conversa com um atravessador no
Marmeleiro de Baixo, este chegava a afirmar que “os ervais da Baldo” obedecem a
critérios rigorosos de controle de qualidade.
83
FOTO 17 - VIVEIRO DE MUDAS DE ERVA-MATE
21
FONTE: MARCELO BARRETO, 2006
A intenção da empresa é de ampliar a produção da matéria prima para
poder sustentar a atividade industrial futuramente. Neste sentido a Baldo pretende
garantir o fornecimento da matéria prima através de parcerias com pequenas
indústrias que seriam montadas próximas aos ervais. Essas pequenas fábricas
realizariam o cancheamento e depois repassariam para a Baldo. Cada pequena
indústria teria um grupo de fornecedores próprios e, no caso, o excedente de folha
verde que a pequena indústria não conseguisse beneficiar, seria encaminhado à
unidade de São Mateus do Sul. Para a montagem de cada uma dessas pequenas
unidades industriais estima-se um valor de R$ 1.000.000.
Dessa forma garante-se não só a qualidade da matéria prima com a
produção de mudas e a manutenção do erval, mas também a quantidade através
das parcerias feitas com os produtores e as pequenas indústrias. Atualmente não
existe um contrato que limite os produtores a fornecerem a folha verde para a Baldo,
exceto nos casos da compra de mudas e quando há um adiantamento que às vezes
21
Os embriões são germinados em sementeiras e posteriormente são colocados em tubetes para
formarem as mudas.
84
é pedido pelo fornecedor. Porém, quando forem montadas essas pequenas
unidades industriais pretende-se estabelecer uma relação entre produtor e indústria
baseada em cláusulas contratuais.
A Baldo recebe folha verde de vários Faxinais na região, conforme
conversa com os representantes da fábrica, estes Faxinais, pela forma de
organização na qual eles se encontram, representam um empecilho para o bom
desenvolvimento dos ervais. A cria a solta, no criadouro comunitário, principalmente
a de grande porte, no criadouro comunitário acaba se alimentando da planta e
destruindo os ervais.
Neste sentido, a preferência da indústria é pelo produtor que opta por
investimentos em longo prazo no seu erval. Em momentos de crise, quando a
preferência do mercado uruguaio inverte para o mate produzido na Argentina, é que
aparece a diferença entre o produtor com visão de futuro e o que está apenas
querendo receber sem se preocupar com a preparação do seu pequeno negócio.
Os investimentos que a Baldo vem realizando para garantir o fornecimento
da matéria prima representa a expansão da sua frente de atuação nas pequenas
propriedades. Tanto o aprimoramento nas técnicas de produção de mudas como a
instalação de novas unidades indústrias e as parcerias são a materialização da
necessidade que o capital industrial tem de não ficar estagnado e sim ampliar a sua
reprodução, principalmente em locais onde não predomina o modo de produção
capitalista.
A produção da erva-mate no Paraná ao longo de sua história passou por
dois momentos significativos e atualmente passa pelo terceiro. O primeiro foi quando
os engenhos se encontravam no litoral, em Paranaguá e Antonina. Nessa época a
poda e o cancheamento eram realizados em comunidades de origem camponesas
no interior.
Depois de cancheada a erva descia a Serra da Graciosa em lombos de
mulas para serem beneficiadas e embarcadas para os países platinos. No segundo
momento, esses engenhos subiram a Serra da Graciosa e se instalaram nos
85
arredores de Curitiba. Conforme observado, esta fase foi marcada por inovações
tecnológicas no beneficiamento do produto, e pela incorporação do trem e do barco
a vapor no transporte. Porém, o cancheamento ainda era feito nas pequenas
propriedades. Atualmente, essas indústrias avançaram para o interior instalando-se
próximo à matéria prima e incorporaram ao processo industrial o cancheamento,
dispensando assim os camponeses dessa tarefa e da realização da poda.
O município de Antonina, que chegou a contar com 20 engenhos de
moagem da erva-mate em meados do século XIX (GUIMARÃES DA COSTA, 1995),
atualmente não têm nenhum. Curitiba e Ponta Grossa que foram grandes centros
ervateiros no fim do século XIX também não apresentam mais o beneficiamento de
quantidades expressivas. O quadro contemporâneo dessa produção retrata sua
maior concentração na região Centro-sul do Paraná, principalmente em São Mateus
do Sul, local onde ainda se pode encontrar os ervais nativos da Floresta com
Araucária (figura 2).
86
FIGURA 2 – MAPA DO ESTADO DO PARANÁ - MUNICÍPIOS COM UNIDADES INDUSTRIAIS DE
BENEFICIAMENTO DA ERVA-MATE: 2007
FONTE: SINDIMATE, 2007
87
Um estudo sobre a questão étnica entre camponeses na produção da erva-
mate no oeste catarinense foi realizado por Renk (1997). Esta autora procurou
identificar a reprodução camponesa através da luta travada no cotidiano desses
comunidades. Renk (1997) dividiu a “luta da erva” em dois tempos: um ao da erva
sapecada e o outro ao da erva crua. No tempo da erva sapecada, quando havia
ainda a possibilidade de cancheamento, os camponeses consorciavam a luta da
erva com a luta da roça - uma travada no inverno e outra no verão. Posterior a esse,
vem o tempo da erva crua, marcado pela presença dos imigrantes italianos que
levaram à região os barbaquás modernos.
Esses italianos, que vieram do Rio Grande Sul na década de 1970, não
chegaram com a finalidade de se dedicarem à produção da erva-mate e sim,
estabelecer a grande lavoura, posteriormente acabaram incorporando o
beneficiamento da erva-mate dentre suas atividades.
Semelhança a este caso é encontrada nas Florestas do Centro-sul
paranaense. A diferença está na presença massiva do grande capital que se
territorializou nesta área por meio da instalação das plantas industriais. Neste
sentido, através das estratégias empresariais o capital ervateiro invade essas terras
pertencentes aos camponeses para dela extrair a matéria prima para as suas
atividades.
A luta camponesa, por outro lado, não cessa. Exemplo disso é a
permanência (resistência) dessas comunidades nos dias atuais. Assim, a produção
camponesa não encontra um fim, ela apenas muda suas formas mantendo suas
estrutura fundamentada na renda da terra.
88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando as indústrias ervateiras intensificaram suas atividades no Centro-
sul do Paraná, os faxinalenses passaram a se dedicar cada vez menos à extração e
ao beneficiamento da erva-mate. Esses camponeses sempre produziram erva-mate
para o mercado. O trabalho empregado na extração e beneficiamento da erva-mate
resultava em um produto, na qual a comunidade era a maior beneficiada.
A questão que se procurou compreender foi de como a extração e o
beneficiamento da erva-mate sofreu modificações estruturais dentro do seu
processo produtivo ao longo do tempo, sem ocasionar na dissolução das
comunidades faxinalenses ligadas à extração da matéria prima.
Se tomar por base a formação do território, observa-se que os Faxinais
apresentam distintas espacialidades. Apesar da erva-mate ter sido fonte principal de
renda no passado, os faxinalenses não se dedicaram exclusivamente à atividade,
ervateira. Existiram outras formas de obtenção de renda nos Faxinais, como, por
exemplo, a criação de animais, principalmente o suíno, que era vendido no mercado.
A incorporação da poda e do cancheamento da erva-mate pela indústria
ervateira marcou o início de uma dessas espacialidade com a extensão da atividade
industrial em terras camponesas. Esse processo, que vem acontecendo por meio
da extração da renda da terra, reflete a sujeição dos camponeses da Floresta com
Araucária ao capital industrial ervateiro.
A idéia por parte de algumas indústrias, de atuar junto aos fornecedores,
investindo no melhoramento de seus ervais, traz consigo uma outra face. Além de a
indústria garantir o fornecimento da matéria prima para suas atividades futuras,
existe também uma outra garantia – a de que a reprodução de seus capitais não se
limite à esfera produtiva e ampliem em terras alheias por meio da monopolização do
território no momento da aquisição dessa matéria prima (folha verde). Através do
fornecimento de mudas e adequação dos ervais a indústria ervateira encontra a
possibilidade de extrair a renda da terra. Esta renda aparece em produto, no
89
momento que os fornecedores passam essa matéria prima para a indústria.
Para os faxinalenses, o trabalho nos ervais, passou a encontrar na sua
negação o seu maior significado. O mecanismo de atuação das indústrias vem
tirando dos camponeses a possibilidade de obterem renda da mesma forma que
obtinha antes, visto que a folha verde deixou de ser cancheada por eles e outras
atividades passaram a tomar pauta na produção camponesa .
Como a erva-mate é uma planta nativa da Floresta com Araucária, o seu
extrativismo está relacionado ao manejo da floresta sem ocasionar a sua
degradação. A extração erva-mate pode aparecer como uma alternativa para os
camponeses da floresta em substituição a outras formas de cultivo que ocasionam
maior degradação tanto ao ambiente como ao processo de trabalho no caso do
fumo. Porém, cuidados são necessários para que uma nova fase de extração da
erva-mate nos Faxinais, ao invés de inaugurar a libertação dos camponeses da
Floresta com Araucária da sua submissão ao capital, acabe por mascarar a
continuidade dessa exploração.
Os Faxinais não se extinguiram, tampouco se transformaram em unidades
de produção da agricultura familiar. Mesmo tendo sofrido redução de área com os
avanços da agricultura capitalista em suas terras ao longo dos anos, os faxinalenses
resistem por meio do seu processo de trabalho e da diversificação da produção. Aí
é que a resistência camponesa tem o seu sentido; mesmo sendo explorados por
interesses alheios a sua lógica de reprodução enquanto seres sociais, eles não
deixam de lado seus princípios baseados na produção para a vida.
Isso refuta a tese de que os camponeses estão se transformando em
capitalistas ou aumentando as periferias das grandes cidades. A luta travada neste
cotidiano é pela permanência na terra e pela garantia de uma sociedade, cuja razão
principal é a valorização do ser humano. Dessa forma, alimenta-se uma esperança
– a de um dia poder encontrar, como na música de José Afonso essa “cidade do
homem”, do irmão e não do lobo.
90
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