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I
UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP
MIDIATIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
ALEXANDRE DE OLIVEIRA RODRIGUES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
-
Graduação em Comunicação da Universidade
Paulista UNIP para obtenção do título de
Mestre em Comunicação.
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II
São Paulo
2006
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III
UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP
MIDIATIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
-
Graduação em Comunicação da Universidade
Paulista UNIP para obtenção do título de
Mestre em Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Juan Droguett
IV
São Paulo
2006
À memória de meu pai ;
À bondade de Maria de Oliveira Rodrigues;
À presença de Patrícia Aranha;
A amizade de Raquel, Yágora e Janine;
5
À juventude de Beatriz, Rubens, Eduardo, Gabriel, André e Aurora ;
Às importantes lições de Juan.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Paulista-
UNIP, pela oportunidade de realizar essa pós-graduação e pela concessão da
bolsa PROSUP, que permitiu-me concluir esse curso com mais facilidades;
Ao meu orientador, Prof. Dr. Juan Droguett, pela orientação, dedicação,
credibilidade, paciência e generosidade;
A todos professores do mestrado em comunicação da Universidade Paulista
UNIP.
6
A pluralidade humana, condição básica da ação e do
discurso, tem duplo aspecto de igualdade e
diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam
incapazes de compreender-se entre si e aos seus
ancestrais, ou de fazer planos para
o futuro e prever
as necessidades das gerações vindouras.
Se não
fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse
de todos os que existiram, existem ou virão a exIstir,
os homens não precisariam do discurso ou da ação
para se fazerem entender. Com simpl
es sinais e
sons, poderiam comunicar suas necessidades
imediatas e idênticas.
(ARENDT, 2001:188)
7
RESUMO
Esta dissertação aborda o fenômeno da midiatização na configuração de
novos espaços criados pelos meios de comunicação social. A encruzilhada entre
percepção, o princípio de seleção e os critérios de avaliação da realidade é o
cerne da problemática focada neste trabalho. A capacidade de processar fatos e
acontecimentos originados nos mais variados campos da vida do ser humano,
nos mais diversificados setores do conhecimento e nos meios de divulgação torna
a mídia uma instituição de indispensável presença na constituição dos
relacionamentos e na formatação dos mecanismos que legitimam os processos
de democratização dos espaços.
O deslocamento que tal fenômeno tem provocado: o espaço público da
esfera política para as determinantes econômicas inscritas no fluxo da
informação, caracteriza o cenário da cultura midiática nos dias de hoje.
A hipótese desenvolvida consiste em reforçar como esse fenômeno da
midiatização que trabalha na base de uma dialética entre o público e privado
exerce um poder fundamental na configuração dos espaços planetários.
Os procedimentos metodológicos têm como ponto de partida, referenciais
bibliográficos basilares da discussão: A condição humana de Hannah Arendt
(1958), que trata do desenvolvimento da espécie humana na passagem do
individual para o social, na compreensão e apreensão que o ser faz do mundo. As
partes determinantes desta passagem são o trabalho, a ação e a produção.
Outro autor fundamental é Jürgen Habermas, com seu livro Mudança
Estrutural da Esfera Pública (1961), que trata da formação do espaço público
8
burguês e seu declínio com o advento dos meios de comunicação. E finalmente, a
obra de Dominique Wolton, O Elogio do Grande Público uma teoria crítica da
televisão (1990), serviu como base para tratar o conceito de tele-espaço, inscrito
ao âmbito televisivo.
O espaço midiatizado de interação televisiva é analisado a partir deste
veículo considerado ‘’tabelião da realidade’’, cujas estratégias comunicativas: o
choque pela imagem e o bombardeio de notícias, comprometem o indústria
cultural na produção e seleção de signos e símbolos, com o fim de obter
determinados efeitos pilotando a opinião e a reação do grande público.
Partindo destes pressupostos descritivos e analíticos do efeito social
referenciado no consumo e na espetacularização da informação, esse trabalho
estrutura-se em três capítulos. O primeiro que trata da condição humana na
esfera do público e do privado, na eminência histórica desse fenômeno da
midiatização; o segundo capítulo enfoca a TV como grande espetáculo de massa,
sustentada pelo poder de grandes corporações, e a ilustra através do programa
Observatório da Imprensa.
No terceiro e último capítulo, o tele-espaço, atualidade da informação,
interpretamos como a alienação, os pressupostos do consumo e da política
constroem o espaço público sempre afetado pelo fluxo da informação no contexto
da cultura midiática.
9
ABSTRACT
This thesis boards the mediatization´s phenomenon in the configuration of
news spaces created by media. The crossroad between perception, the principle
of selection and the criterions of evaluation of actuality is the heart of problematic
in this work. The capability of process facts and originated happenings in the most
varied fields of human´s life, in the most diversified sectors of knowledge and in
the environments of publication turn the media an institution of indispensable
presence in the constitution of the relationships and in the formatting of the
mechanisms that legitimate the processes of democratization of the spaces.
The movement that such phenomenon has been provoking: political
sphere´s public space of for the economic registered in the flux of information,
characterizes the culture´s scenery in the days today's.
The hypothesis developed consists in to increase as that phenomenon that works
based upon of an dialectic between the public and private officiates exercising one
power fundamental in the configuration of the planetariums spaces.
The methodological procedures has as starting point, bibliographical
references of discussion: The Human Condition of Hannah Arendt (1958), that
treats of development of humankind, in the passing of individual for the social, in
the understanding and apprehension that being makes of the world. The fractions
determinants of this transition are the work, the action and the production.
Other fundamental author is Jürgen Habermas, with your book
Strukturwandel der Öffentlichkeit. (1961), that it treats of formation of the space
bourgeois and your decline with the advent of the media. And finally, Eloge du
10
grand public - une théorie critique de la télévision of Dominique Wolton (1990)
served as basis to discourse the concept of tele-space, inscribed to scope of TV.
The mediatizated space of interaction is analyzed starting of this vehicle
considered ''reality´s notary'', whose communicative strategies: the impact by
image and the bombardment of news, compromise the cultural industry in the
production and selection of signs and symbols, with the purpose of to obtain
determinate effects conducting the opinion and the reaction of grand public.
Starting of theses expositive and analytical presupposed of the social effectl
referenced in the consumption and in the spectacularization of information, this
work structure-if on three chapters. The first that treats of human condition in the
private and public´s, in the historic eminence this mediatization´s phenomenon;
the second chapter boards the TV as large mass´s spectacle, upheld by power of
large corporations, and illustrates it through of the program of Press´s
Observatoty.
In the third and ultimate chapter, the tele-space, nowadays of information,
we interpreted as the alienation, the consumption and politics´s presupposed the
it build space public forever affected by flux of information in the context of
mediatic culture.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPITULO I: CONDIÇÃO HUMANA NA ESFERA DO
PÚBLICO E DO PRIVADO 9
1- Esfera Pública e Privada 12
2- A condição humana e a ação comunicativa 34
3- Midiatização 46
CAPÍTULO II: A TELEVISÃO, UM GRANDE ESPETÁCULO
DE MASSA 60
1- O fenômeno de massa e a indústria cultural 64
2- Os bastidores do poder midiático 77
3- Observatório da Imprensa 92
CAPÍTULO III: O TELE-ESPAÇO: A ATUALIDADE DA
INFORMAÇÃO 110
1- Alienação do mundo 116
2- Os pressupostos do consumo de imagens 129
3- O tele-espaço como cenário das discussões antropológicas,
políticas e de atualidade 140
CONSIDERAÇÕES FINAIS 154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 160
GLOSSÁRIO 167
12
INTRODUÇÃO
Midiatização do Espaço Público é o título desta dissertação que tem
como objetivo principal, demonstrar como o fenômeno da midiatização
desempenha um papel importante na configuração do espaço contemporâneo e
nas pontuações de um tempo interativo, marcado pela intervenção dos meios de
comunicação social.
O espaço público é o objeto deste trabalho que se define, em termos de
percepção, como aquilo que o ser humano projeta ''fora de si''' e que corresponde
ao mundo objetivo das coisas, este comporta por sua vez a ''alteridade'', o diálogo
e o confronto com ''o outro'', com quem se compartilha o espaço, ganhando assim
o caráter de público, em contra-posição ao espaço subjetivo e privado.
Procuraremos entender como esse fenômeno da midiatização, cujo princípio é a
interferência dos meios, tem mudado consideravelmente as relações do ser
humano consigo, com os outros e com o mundo.
Ao percebermos, atualmente, o tanto quanto os meios de comunicação de
massa se configuram no espaço público, em um contexto sócio-cultural que
prende a atenção das pessoas, em épocas de turbulências políticas no Brasil e
diante de graves problemas das mais diversas ordens ao redor do mundo,
percebemos que a mídia é capaz de criar sentidos e bens simbólicos por meio de
sua produção fundamentada na ''atualidade do consumo'', e pela imensa
capacidade de mediar os relacionamentos institucionais, e veicular informações
13
que representam os simulacros da realidade social e da própria condição humana
1
.
A capacidade de processar fatos e acontecimentos, originados nos mais
variados campos da vida do ser humano, nos mais diversificados setores do
conhecimento e nos meios de profusão do saber, é o que torna a mídia, uma
instituição de indispensável presença na constituição dos relacionamentos sócio-
humanos e na formatação dos mecanismos, que legitimam o processo
democrático, por meio da liberdade de geração e propagação de informações na
sociedade em que vivemos.
Nosso estudo se concentra na midiatização da sociedade contemporânea
por meio dos aparelhos comunicativos de massa existentes, movidos pelo poder
econômico, que determinam e legitimam as regras que descrevem a condição
humana, em sua existência, e que condicionam a dinâmica da cultura midiática,
no íntimo da vida dos indivíduos. Analisamos as configurações do espaço público,
midiatizado e moldado, hoje em dia, pelas inovações tecnológicas que
aperfeiçoam os dispositivos de geração e troca de informações entre uns e
outros.
1
Sendo o simulacro ''a tentativa de representar tecnicamente o real'', hoje em dia tem se
convertido na forma mais usual de apresentação do espaço sócio-político no qual os seres
humanos interagem entre si, estando, além do mais, restrito ao consentimento individual de cada
sujeito que faz parte destes novos cenários sociais. O conceito de simulacro envolve uma
discussão sobre igualdade e diferença, semelhança e disparidade, representação e criação.
Deleuze (1994), quando analisa o simulacro definido por Platão, propõe uma reversão, uma
ruptura direcionada à criação, tornando positiva a noção de simulacro, potencializando a diferença
e a dessemelhança, ou seja, apontando rupturas com modelos, identidades, processos de
representação e de identificação (DELEUZE, 1994:30).
14
Neste trabalho foram delimitadas algumas abordagens a serem dadas em
torno da temática ''midiatização do espaço público'': o fenômeno de massa, a
midiatização, a distinção entre espaço público e espaço privado, a condição
humana e a cultura de massa.
O fenômeno de massa alude ao processo de formação das aglomerações
urbanas em torno de uma grande causa histórica, mediada pelos acontecimentos
sociais e pelas instituições. Este fenômeno difere do conceito acunhado de cultura
de massa, pelo caráter dinâmico deste primeiro e pelo caráter estrutural do
segundo.
A midiatização, como fenômeno, é o que torna capaz de transformar a
dinâmica da vida desmidiatizada em um conjunto de complexas, múltiplas e
plurais interações sociais e discursivas.
A distinção entre o público e o privado é pertinente para que seja possível
penetrar, abranger e oferecer interconexões humanas para garantir formação,
desenvolvimento e vivência de uma cidadania global
2
.
A condição humana é relevante, no que tange a todo histórico dos
processos que determinam a forma de evolução e aprimoramento dos meios de
sobrevivência e ajustamento social do homem.
2
O conceito de cidadania se insere no contexto das novas configurações do espaço globalizado
para designar uma tendência neo-liberalista que garante a auto-sustentação e a integração
planetária.
15
A cultura de massa é o que consolida padrões estéticos e éticos, além de
estabelecer desejos e oferecer oportunidades aos cidadãos com sede de
consumo e formação cidadã.
Estes temas aparecerão nesta dissertação como uma problemática da
midiatização do espaço público, fundamentado na esfera política e nas
determinantes econômicas do fluxo da informação, no contexto da cultura
midiática.
A hipótese nesta dissertação consiste em reforçar, de modo geral, como o
fenômeno da midiatização que trabalha na base de uma dialética entre o público e
o privado exerce um poder fundamental na configuração dos espaços públicos
planetários, assim como, as pontuações do tempo em particular originam o
conceito de tele-espaço, conceito este que concentra os interesses políticos do
espaço público, hoje sintetizado no locus da ação televisiva.
A encruzilhada entre percepção da realidade, princípio de seleção da
mesma e critérios de avaliação - midiatização cognitiva e estimativa da realidade,
é onde se insere a problemática do influxo da mídia, fenômeno que viemos a
chamar de midiatização.
Em geral, a literatura da mídia se serve de metáforas para designar este
tipo de fenômeno que queremos evidenciar, mas carece de sistematização
conceitual. Nesse sentido, o fenômeno da midiatização pode ser verificado no
veículo de maior alcance, a TV. A televisão é o ''tabelião da realidade'', uma nova
16
medida da realidade, cuja estratégia é o choque, pela imagem, o bombardeio de
notícias por meio de uma indústria pesada especializada na produção e seleção
de signos, afim de obter determinados efeitos, pilotando opiniões e reações.
Efetivamente, para obter um efeito comunicativo vale tudo; transgredir a
ética, enquanto invasão de privacidade, é válido quando o fim justifica o meio. E o
fim é transformar a violência e um espetáculo público. A tarefa da TV e de todos
os meios consiste em construir e dissolver novos mitos e realidades, nisso a mídia
é extremamente eficaz, até o ponto em que fica difícil distinguir aquilo que faz
parte do espaço público e do privado, e diferenciar a verdadeira realidade da
realidade midiatizada.
A mídia, ao tratar questões concernentes aos espaços público e privado,
na sua emissão de mensagens, leva em consideração fatores como êxito pessoal,
trazendo à tona celebridades, pois, trata-se de fazer sonhar o espectador quando
se especula sobre o mito do êxito como valor central da vida, e os meios que
conduzem a ele, acima de qualquer princípio ético e moral.
O segundo quesito se refere à novidade ou ''atualidade'' - o índice de
atualidade ordena as coisas, segundo uma sucessão temporal e uma avaliação
radical, em que a atualidade ou novidade corresponde a uma nova verdade, a um
novo valor. A este critério está estreitamente ligada a moda imposta pela indústria
do consumo. Tudo o que se refere ao passado é algo morto, não representa valor
nenhum. O fator mais indutivo da nossa hipótese se dá na dialética apontada no
objetivo deste trabalho: o privado e o público. A primeira vista, parecem ser
17
critérios de seleção que se referem ao concreto, ao real, ao individual, enquanto
se usa o interesse pela condição como simples propaganda.
A curiosidade pela vida privada de celebridades na TV esconde a oferta de
modelo de consumo. São apresentadas elites do poder, astros e estrelas, da alta
sociedade, expostos à vida com seus problemas existentes.
A indústria cultural atrelada diretamente ao fenômeno de massa: agências,
imprensa, rádio, TV, banco de dados, cinema, usa uma série de critérios de
seleção temática que definem o espaço público em nome de uma pretensa
neutralidade ética da ciência da informação.
Mas, no fundo, estes princípios de seleção temática não são mais do que
critérios de avaliação da realidade e modelos de comportamento. Porém, com o
agravante: a midiatização utiliza esses princípios de seleção de temas, eventos e
notícias, para que apareçam como universais os conteúdos de suas mensagens,
com a intenção de refletir de maneira representativa o mundo inteiro. Na verdade,
o conjunto dessas regras garante uma parcialidade uniforme, e é propriamente a
uniformidade a máscara que encobre essa parcialidade.
Partindo do pressuposto de que a midiatização é um efeito social
referenciado no consumo e na espetacularização, por meio da informação, fica
em evidência que a intermitência da percepção da realidade se dá em um ritmo
exacerbado que impede a reflexão cognitiva, levando o sujeito a evasão. Sujeito,
este, usuário que vê na mídia, principalmente televisiva, um modelo de
18
comportamento a ser seguido. Nesse sentido, a TV como já mencionamos, é um
tabelião da realidade maquiavélica que indiferencia o privado do público.
Tentamos, com essa dissertação contribuir para a reflexão sobre o poder
exercido pela mídia na sociedade, principalmente pelo veículo televisivo ao
romper com as barreiras, os limites impostos pelos espaços socialmente
construídos e caracterizar o novo espaço configurado a partir dos ambientes,
espaço físico e mental dos usuários, que se vêem afetados por este fenômeno da
midiatização que é um efeito determinado pelo fluxo da informação.
Nessa configuração midiática do mundo social, o consumo de bens
simbólicos propiciado pela indústria cultural produz um desdobramento das
necessidades primárias e secundárias, segundo a Pirâmide de Maslow, sem
atingir a auto-realização do sujeito, portanto, este fica única e exclusivamente na
esfera do espaço público
3
.
Utilizamos como ponto de partida, alguns referenciais teóricos para
concretizar este trabalho:
3
Maslow sugeriu uma teoria sobre a ordem específica de desenvolvimento das necessidades
humanas, em função da história de sua satisfação. Propôs que as necessidades se desenvolvem
numa ordem, das "inferiores" às "superiores", denominando isto de pirâmide - Pirâmide de
Maslow. Para este, nenhum comportamento humano é gratuito, isto é, que toda atitude é
meramente fruto da busca da satisfação de uma necessidade. Praticamente, vive-se para
satisfazer necessidades e a própria dinâmica da vida é conseqüência disso. Mas as necessidades
não são as mesmas nem ocorrem no mesmo período para todos os indivíduos. Maslow
apresentou uma teoria da motivação, segundo a qual as necessidades humanas estão
organizadas e dispostas em níveis, numa hierarquia de importância e de influência, numa
pirâmide, em cuja base estão as necessidades fisiológicas e no topo, as necessidades de auto
realização (MASLOW, in BALCÃO et all 1975:337-366).
19
A Condição Humana (1958), de Hannah Arendt, que trata sobre o
desenvolvimento da espécie na passagem do individual para o social na
compreensão do mundo. As partes determinantes dessa passagem são o labor, o
trabalho e a ação.
Mudança Estrutural da Esfera Pública (1961), de Jürgen Harbemas, que
aponta à formação do espaço público burguês e seu declínio com o advento dos
meios de comunicação de massa, que passam a atuar como espaço público
contemporâneo em nossa sociedade.
O Elogio do Grande Público uma teoria crítica da televisão (1990), de
Dominique Wolton, que aborda o assunto do tele-espaço público, tratando
especificamente da televisão, por ser um veículo que constrói um complexo
ambiente midiatizado no Brasil e se adequa à diversidade cultural existente no
país. O autor também trata de aspectos da interação entre públicos que são
capazes de estabelecer com o ambiente troca de valores provenientes da
assimilação dos discursos apreendidos.
Nessa pesquisa foi desenvolvido um levantamento bibliográfico relativo aos
conceitos de espaço público e cultura das mídias. Tal levantamento permitiu
definir as categorias do privado e do público na transposição que fazem os
estudos da sociologia, mas não na sua vertente meramente política, e sim no viés
das representações sociais feitas pela mídia.
Acreditamos que a intenção subjacente nas mensagens transmitidas,
especificamente pela televisão, veículo de massa por excelência, é digna de um
20
estudo no campo comunicativo, para isto assinalaremos o elo que existe entre a
ética, como fundamento de um ideal ou de qualquer juízo de valor, e a estética,
dando conta do ''admirável mundo novo''.
Portanto, conceitos basilares, como: sociedade de consumo, de massa e
do espetáculo; definirão nesta dissertação o fenômeno da midiatização que tem
mudado o cenário da nossa cultura contemporânea.
Ensaiaremos algumas considerações sobre o problema da alienação, do
consumo e do espaço virtual para demonstrar como esses sintomas da nossa
cultura se encontram com os interesses imediatos da mídia, transformando estes
últimos em midiatização.
21
CAPÍTULO I
CONDIÇÃO HUMANA NA ESFERA DO PÚBLICO E DO PRIVADO
Neste primeiro capítulo: ‘’Condição humana na esfera do público e do
privado’’, trabalharemos com a teoria da filósofa alemã Hannah Arendt, 1906-
1975, que se fundamenta na filosofia do amor de Santo Agostinho para
desenvolver uma teoria sobre o agir público humano, agir livre e em pluralidade.
Ou mais exatamente, sobre a vita activa, expressão latina que se refere à ação
relativa aos assuntos públicos e políticos
4
.
Assim, a condição humana será vista de acordo com uma nova experiência
que veio a se chamar de midiatização. Se bem a autora alemã, discípula de
Heidegger, trata na sua obra da produção e da ação, no contexto da revolução
industrial, parece-nos oportuno trazer o julgamento crítico deste fenômeno da
midiatização que está mudando radicalmente os cenários políticos, econômicos,
sociais e culturais nos dias de hoje.
A mídia se constitui em espaço público quando cria sentidos e bens
simbólicos por meio de sua produção, da mediação e da veiculação de
informações, que integram o campo da comunicação, representação da realidade
social e cultural de uma determinada comunidade.
4
A filosofia de Santo Agostinho difere da visão tomística da idade média. Para Santo Agostinho o
princípio da imanência é um atributo divino, enquanto para Santo Tomás, de inspiração
aristotélica, o princípio de toda ação é metafísico. Portanto, o amor ao qual Hannah Arendt se
refere é um amor encarnado na realidade produtiva da própria Terra. Nesse sentido a imanência
está diretamente relacionada com a realidade política, e econômica, social e cultural.
22
Na sua atuação, a mídia é capaz de processar fatos e acontecimentos
originados nos mais variados campos sociais e nas mais diversas áreas do
conhecimento, relacionando-os com amplo volume de práticas discursivas e
normas estilísticas. Diante disso, Juan Droguett afirma em Mídia, Cultura,
Comunicação, 2002:
A estreita relação que se dá entre as ciências
humanas e a sociedade dos meios de comunicação
tem sido a característica principal do trabalho
interdisciplinar mais emergente na área de
comunicação (DROGUETT in BALOGH et all,
2002:23).
Nesse sentido, as ciências humanas e sociais comparecem ao diálogo
proposto pela comunicação, em uma área de concentração denominada Cultura
Midiática, do Programa de Mestrado em Comunicação, da Universidade Paulista -
UNIP, que promove uma linha de pesquisa relacionada com os grupos sociais nos
quais se desenvolve essa cultura. Outro fator importante nessa discussão é que o
campo da comunicação está inserido no campo das ciências sociais aplicadas o
que nos faz pensar na pertinência desta dissertação no referido programa.
O espaço público midiatizado, formatado contemporaneamente pelas
inovações tecnológicas e interativas, torna-se capaz de penetrar, abranger e
oferecer conexões humanas; garantindo formação, desenvolvimento e a vivência
de uma cidadania global. Em esse novo espaço público, os interesses da maioria
23
dos seres humanos e suas condições de existência se tornaram, de certa forma,
homogêneos, possibilitando a participação social da coletividade.
A diversidade cultural humana se expressa por meio de bens culturais e
simbólicos, dos quais a mídia passa a se utilizar para potencializar a capacidade
criativa e gerar novas oportunidades de manifestação social e de construção de
espaços alternativos na cultural.
Portanto, abordaremos neste capítulo a diferença que existe entre a esfera
do público e do privado, atrelada ao indivíduo, à família, à cidade e à propriedade
em termos de patrimônio. À condição humana nos referiremos no seu
componente deliberativo da ação, principalmente quando se trata de fazer comum
uma informação: comunicação. Finalmente, fecharemos este primeiro capítulo
procurando definir o fenômeno da midiatização como um efeito de sentido
propiciado pelos meios de comunicação social.
24
1. Esfera Pública e Privada
Questões relacionadas com a cidadania são afetadas pelo neoliberalismo e
pela globalização, transformando-se em assuntos de debate e indagações quanto
à condição humana na esfera do público e do privado.
Entende-se por cidadania o termo associado à vida em sociedade. Sua
origem está ligada ao desenvolvimento das polis gregas, entre os séculos VII e VIII
a.C. A partir de então, tornou-se referência nos estudos que enfocam a política e
as próprias condições de seu exercício, tanto nas sociedades antigas quanto nas
modernas.
Por outro lado, as mudanças nas estruturas sócio-econômicas, incidiram,
igualmente, na evolução do conceito e da prática da cidadania, moldando-os de
acordo com as necessidades de cada época. Hoje, uma variedade de atitudes
caracteriza a prática da cidadania. Assim, entendemos que um cidadão deve
atuar em benefício da sociedade, bem como esta última deve garantir-lhe os
direitos básicos à vida, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
trabalho, entre outros. Como conseqüência, cidadania passa a significar o
relacionamento entre uma sociedade política e seus membros.
O conceito de neoliberalismo constitui, nos dias de hoje, uma tendência
política e econômica sustentada em um sistema de livre mercado. O ingresso
depende do consentimento da nação disposta a entrar na chamada aldeia global.
Neoliberalismo é a resposta à crise do capitalismo decorrente da expansão da
25
intervenção do Estado, antagônica à forma mercadoria, ainda que necessária
para sustentá-la. O neoliberalismo é uma reação à expansão da intervenção do
Estado no estágio intensivo, em uma tentativa de recompor o âmbito da primazia
do mercado.
As políticas neoliberais perseguidas no final dos anos 70 e no começo dos
80 por parte dos governos nacionais dos países centrais constituem precisamente
uma tentativa crescentemente desesperada de 'remercadorização' de suas
economias. O Estado capitalista tem que tentar isso, uma vez que assegurar as
condições da produção de mercadorias é sua própria razão de ser e de ampliar
seu crescimento econômico, para impor-se em um planeta inserido na aldeia
global desenhada pelas redes comunicativas.
Mcluhan, em sua teoria sobre a Aldeia Global, descreveu o efeito do Rádio
nas primeiras décadas do século XX, ao trazer até nós um contato mais rápido e
mais íntimo com os outros. ''A Aldeia Global de Mcluhan trabalha a idéia de uma
inocência arcadiana, do mesmo modo que a fronteira eletrônica nos remete para
a imagem da "verdadeira" América dada pelo Marlboro Man, ameaçada ou
arruinada por decrépitos vigaristas urbanos e pelos seus ideais socialistas. A
realidade por detrás da metáfora da auto-estrada da Informação não é a Aldeia
Global, mas antes o Subúrbio Global'' (GILL, 1993:17).
Por outro lado, a globalização implica na estandardização dos produtos,
bens e serviços desse mercado mundializado, além de uma mudança de hábitos,
costumes e modos de pensar que definem as configurações do espaço planetário.
26
''A globalização é uma revolução política, social e cultural capitaneada pelas
grandes corporações econômicas mundiais e pela integração e desenvolvimento
da tecnologia'' (CRUZ, 2004:3).
É um processo profundo e que se encontra em pleno andamento,
ocorrendo em todos os lugares e interferindo nos aspectos culturais, políticos e
econômicos do mundo atual. Duas grandes forças, características da sociedade
atual pós-moderna, vêm fazendo com que a global village / aldeia global de
Macluhan se torne cada vez menor: a economia global e o progresso tecnológico
(MCLUHAN, 1979:31).
Não nos corresponde nesta primeira instância julgar os benefícios e
prejuízos deste fenômeno contemporâneo, e sim oferecer um breve antecedente
destas práticas sociais.
Nesta ocasião é possível repensar a noção de cidadania atendendo as
particularidades próprias da denominada midiatização da cultura e do auge dos
meios de comunicação na sociedade contemporânea. Moarcir Gadotti, em
Cidadania Planetária, 2000, diz:
...a cidadania é sempre política já que responde a uma
estratégia de criar cidadãos por meio de um conjunto
de práticas e conhecimentos que se inserem nas
configurações dos espaços privados e públicos onde
ocorre interação entre os mais diversos atores sociais
(GADOTTI, 2000:78).
27
A partir destes referenciais, que tratam diretamente da maneira de
compreender a cidadania, será possível analisar algumas distinções entre público
e privado. A cidadania se dá na esfera do espaço público que o indivíduo partilha
com seus semelhantes, tal participação é um direito garantido, em primeiro lugar
pelo Estado ao qual pertence.
Os termos público e privado se referem, em seu sentido original,
respectivamente, ao Direito Público e ao Direito Privado, tendo alicerce no Direito
Romano, base que fundamentará todas as ciências do Direito da civilização
ocidental
5
. Porém, a concepção mais filosófica do que vem a ser ''o público''
remonta à civilização grega, onde houve a polis como espaço político ou esfera
de ação política do cidadão. Isto é, um ambiente regido pelos cidadãos
competentes no que tangeria à formulação, ao desenvolvimento e à aclamação
de idéias e premissas políticas, legitimadoras do espaço de participação coletiva
dos envolvidos com as questões de interesse social (ARENDT, 2001:35).
Hannah Arendt afirma:
5
Os principais ramos do direito são o direito público e o direito privado. A distinção entre público e
privado vem de Roma, tendo como precursor e defensor da dicotomia o jurisconsulto Ulpiano.
Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem pertinet. (O
direito público é definido por respeitar à organização do Estado romano e à disciplina da sua
atividade; o privado por respeitar à utilidade dos particulares.). Há diversos critérios para
diferenciar regras de direito público e de direito privado. Cita-se os três mais importantes:
Critério do interesse: predominância do interesse público ou do interesse privado;
Critério da qualidade dos sujeitos: intervenção do Estado ou de outros entes públicos na relação
jurídica; e, Critério da posição dos sujeitos: ius imperii (poder de império) e paridade entre os
sujeitos da relação jurídica. Complementando-se a teoria de Ulpiano, é válido afirmar que, quando
é visado imediata e provavelmente ao interesse geral, o direito é público, ao passo que, quando é
imediato e prevalecente o direito particular, entra-se então na esfera do direito privado (REALE,
2003:340).
28
Na experiência da polis que, com alguma razão, tem
sido considerada o mais loquaz dos corpos políticos, e
mais ainda na filosofia política que dela surgiu, a ação
e o discurso separaram-se e tornaram-se atividades
cada vez mais independentes (Ibidem:35).
A autora argumenta, levanto em conta a origem da polis grega, que a
distinção entre a esfera da vida pública e a esfera da vida privada, situa-se na
existência das esferas da política da ação, do discurso - e da família, como
entidades diferentes e separadas, base para o todo antigo pensamento político,
que também separava todas as atividades pertinentes de um mundo comum
àquelas relacionadas com a manutenção da vida (Ibidem:37).
Para Arendt, o que difere a esfera familiar da espera política era que, na
primeira os homens viviam juntos por suas necessidades e carências,
relacionadas com a manutenção de suas subsistências e pela própria
sobrevivência, como a vida da espécie requer a companhia dos outros para se
manter bem e segura. Na esfera da família, a necessidade prevalecia por causa
da necessidade de se estar vivo.
Já na esfera política, era a liberdade condição maior para haver o gozo
pleno dos direitos políticos e a vitória sobre as necessidades existentes na esfera
da vida privada. Essa liberdade é o que requereria e justificaria a autoridade
política, pois, situa-se na esfera do social. E sendo assim, a política não deveria
ser apenas uma forma de proteção social, mas, o que deveria favorecer a
liberdade ao cidadão.
29
Confrontando-se aos espaços privados de manutenção das necessidades
humanas, a esfera pública seria o lugar de contato da diversidade existente entre
os homens a partir de uma igualdade de condições: a multiplicidade e a
pluralidade trariam a visualização do comum; a condição humana de habitante do
espaço público.
Segundo Arendt, ao espaço público estariam associadas algumas
palavras-chave: liberdade, multiplicidade de pensamentos e ações, unidade de
condições na diversidade e co-presença física. De acordo com a autora, o termo
público denota dois fenômenos correlacionados, porém não idênticos:
Significa, em primeiro lugar, que tudo o que vem a público pode ser visto e
ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Em segundo lugar, o termo
público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e
diferente do lugar que nos cabe dentro dele. Este mundo, contudo, não é idêntico
à terra ou à natureza como espaço limitado para o movimento dos homens e
condição geral da vida orgânica. Antes, tem a ver como o artefato humano, com o
produto das mãos humanas, com os negócios realizados entre os que, juntos,
habitam o mundo feito pelo homem (ARENDT, op.cit.:59-62).
O comum a todos se manifestaria como espaço de propriedade pública e
espaço de representação de seu poder. A esfera do público ou a esfera política,
que Hannah Arendt trata, não se configura pelo ambiente de materialização ou
satisfação das necessidades do indivíduo, mas pela esfera das relações dos
homens entre seus iguais, os cidadãos. Se a esfera da necessidade não habita o
30
espaço público, pois sua realização era efetivada no âmbito dos espaços
privados, a introdução ao espaço público se faria necessariamente pela negação
do que é particular, individualizado.
Destituído de qualquer impedimento, o espaço público seria o lugar da
construção da cidade que se faz pela ação e pelo discurso. Uma construção que
se faz pela co-presença de elementos diversos na igualdade; os cidadãos livres
de suas necessidades cotidianas trariam sua diversidade para o espaço público,
habitando-o por meio de sua ação, de seu discurso e pela atividade do pensar.
Para Arendt, a esfera política resulta diretamente da ação em conjunto, da co-
participação de palavras e atos. ''A ação, portanto, não apenas mantém a mais
íntima relação com o lado público do mundo, comum a todos nós, mas é a única
atividade que o constitui'' (ARENDT, op.cit.:210).
Se a ação está atrelada ao discurso, e este, atrelado ao pensamento, que
tem como raiz a imaginação, seria possível compartilhar o mundo pela
pluralidade, que se mantém pela capacidade de cada cidadão imaginar o estar no
lugar do outro no mundo. A idéia do compartilhar o mundo com semelhantes e
estranhos passa pela imaginação da multiplicidade, do plural que traria a
visualização do comum: a condição humana de habitante do espaço público é a
esfera da liberdade que se constrói por meio da ação e da palavra. Esta
concepção nos faz pressupor a esfera pública dotada de liberdade, que comporá
a esfera da vida ativa, sob a atuação constante do homem sobre o mundo, por
meio da pluralidade.
31
Nesse sentido, Hannah Arendt nos oferece o conceito de ação como sendo
a mola propulsora do pensamento e da linguagem que encontra na representação
social, plural, o grau máximo de sua expressão e poder transformador.
Na concepção de Jürgen Habermas, a esfera pública ocupa uma posição
central como arena de formação da vontade coletiva. A legitimação da política
somente será conseguida com a construção de um "espaço de constituição de
projetos" coletivos (HABERMAS, 1993:14-15).
A existência e o desenvolvimento de um locus, onde se possa desenvolver o
exercício da palavra, do debate público, do embate das opiniões dos diversos
atores da sociedade civil ou o intercâmbio discursivo de argumentos sustentáveis
publicamente, torna os membros de uma comunidade política a instância
geradora do poder político legítimo. Habermas apresenta a noção de espaço
público autônomo, como categoria central na qual desenvolvem-se os processos
de formação democrática de opinião pública e da vontade política coletiva
(Ibidem:15).
Entretanto, a existência de um contingente expressivo populacional de
carentes, sub empregados, famélicos e analfabetos, condenados à marginalidade
sócio-econômica, faz a sociedade apresentar a existência de classes vivendo sob
a égide da injustiça. Diante disto, como afirma Arendt em suas constatações,
esses indivíduos não conseguiriam se reconhecer como sujeitos de direito
acionáveis no espaço público.
32
Para a necessária superação desse estado de subdesenvolvimento, torna-
se imperiosa a revitalização do espaço público coletivo. E é neste sentido que, o
estudo das formulações acerca da constituição e condições de operação da
esfera pública, empreendido por Habermas, relaciona-se às posições ético-
procedimentais para as possibilidades de reforço dos laços sociais e inserção dos
indivíduos na comunidade política como cidadãos participantes.
Ao criticar o processo de racionalização global da vida social
contemporânea, Habermas propõe alternativas a partir da construção e
manutenção de uma esfera pública comunitária e democrática. A constituição de
"comunidades interpretativas, que possuam igualdade de acesso aos discursos
argumentativos e possam, como valor principal, garantir e expandir suas
‘’democraticidades internas" é um novo paradigma apresentado por Habermas
(Ibidem:15).
Esses mecanismos e procedimentos capazes de formar uma democracia
de base, ampla e profundamente legítima, que conceda um lugar central ao
processo político de formação da opinião e da vontade comum, tornar-se-iam
possíveis e estruturáveis a partir da formulação habermasiana.
Os princípios fundadores dessas práticas podem ser identificados a partir
do princípio do discurso, em que o Habermas prevê a interação intersubjetiva, de
caráter discursivo e deliberativo, realizável no espaço público, visando os
interesses coletivos. A esfera pública, portanto, desempenharia um papel de
alargar e aprofundar o campo político participativo, por meio do discurso. Esse
33
aprofundamento atingiria ''os espaços estruturais de interação social, o primado
da comunidade com suas feições solidárias, possibilitando uma libertação da
sociedade civil, quer dos controles burocráticos empreendidos, quer dos
imperativos econômicos impostos pelo mercado (SANTOS, 1995: 41).
O conceito de espaço público na formulação de Habermas sofreu algumas
modificações ao longo de sua trajetória teórica. No primeiro estudo por ele
desenvolvido, Mudança estrutural da esfera pública (1961), a ênfase conceitual
era centrada na formação e decadência da esfera pública burguesa, sob a ótica
histórico-evolutiva e diagnostica às crises existentes no espaço público burguês.
Além dessa exposição do autor, vê-se contribuições mais recentes, sobretudo, à
luz da ética discursiva e da aplicação do princípio do discurso, sobre a formulação
de um conceito de espaço público desenvolvida na obra, Direito e democracia:
entre facticidade e validade (1996), em que surgem formulações teóricas acerca
dos processos políticos democráticos no espaço público, em que fica evidente a
tentativa de Habermas de conceituar a constituição do espaço público.
Ao constatar as patologias comunicativas das sociedades modernas,
Habermas está contribuindo para restaurar, por intermédio de seu trabalho
intelectual, as mediações rompidas. Ao efetuar a passagem da filosofia da
consciência para a filosofia da linguagem, como paradigma de sua reflexão
filosófica, Habermas marca uma nova inserção no campo da política. Além disso,
ao superar um posicionamento crítico-dialético negativista, tal qual o da Escola de
34
Frankfurt, o autor busca colocar a filosofia como método cooperativo para o
melhor entendimento e transformação das sociedades contemporâneas.
Em suas mais recentes reflexões, Habermas insere-se em um projeto
político radicalmente democrático e privilegia o princípio do discurso como
fundamento e legitimação das democracias constitucionais contemporâneas
(ROUANET,1962:2-7).
Habermas relata o desenvolvimento de algumas problemáticas comuns
relacionadas às condições de comunicação nas sociedades modernas, ou seja,
às condições capazes de produzir um discurso teórico e prático questionador, e
sobretudo, capaz de um diálogo intersubjetivo e emancipador no espaço público.
A racionalidade do mundo vivido e os modos de
interpretação da modernidade, à luz da razão
comunicativa em muito interessam a Habermas,
sobretudo para o desenvolvimento de um discurso
prático e público que origine e legitime a tomada de
decisões políticas (SANTOS, 1995: 41).
O espaço público na formulação de Habermas deve ser entendido à luz da
moral discursiva, levando em conta o contraponto entre a ética iluminista e a ética
discursiva. Dentre os paradigmas presentes na concepção moral, aceita-se, como
premissa, que os homens são isolados e comandados por interesses e impulsos
individuais. Antes da existência de um "contrato", o homem, na visão iluminista,
era pré-social, ou seja, constituía um grupo de indivíduos dispersos. Do "contrato",
35
como forma de agregação social, surgiram leis tão severas como aquelas do
Estado Leviatã, que imperavam de modo a manter a ordem social
6
.
A luta ocorre porque cada homem persegue
racionalmente os seus próprios interesses, sem que o
resultado interesse a outro alguém. Como é que se
pode terminar com esta situação? A solução não é
apelar à moral e à justiça, já que no estado natural
estas idéias não fazem sentido.
O nosso raciocínio leva-nos a procurar a paz se for
possível, e a utilizar todos os meios da guerra se a não
conseguirmos. Então como é que a paz é conseguida?
Somente por meio de um contrato social. Temos que
aceitar abandonar a nossa capacidade de atacar os
outros em troca do abandono pelos outros do direito
de nos atacarem. Utilizando a razão para aumentar as
nossas possibilidades de sobrevivência, encontrarmos
a solução. Sabemos que o contrato social resolverá os
nossos problemas (HOBBES, 1998:3).
Habermas, quando da elaboração de sua ética discursiva, critica
veementemente o individualismo ético da Ilustração, mas oferece outros
6
De 1651, ano em que foi publicado o Leviatã, até os nossos dias, a humanidade, apesar de
consideráveis avanços em todo o seu processo civilizatório, apresenta-se com um comportamento
inalterado, quando esta é analisada pela ótica do poder político, em seu sentido mais amplo. O
poder político se instaura entre os homens em qualquer sociedade, envolve e movimenta povos e
nações, continua sendo o principal meio que funda e dá coesão às relações sociais. Entretanto, é
assustador constatar que os mecanismos e os desejos de dominação entre os homens pouco
diferem dos da época em que Hobbes se inspirou para teorizar sobre o assunto. Daí se poder
afirmar que, diante da evidente atualidade do pensamento hobbesiano, o qual tenta compreender
o homem e o Estado, suas idéias, conceitos e reflexões, ultrapassam a mera tentativa de
explicação histórica, ou mitológica, sobre o momento de passagem do estado de natureza do
homem para o estado de sociedade'. Na realidade o que Hobbes descreve, e dá conta, é a
compreensão dos processos e mecanismos que movem o ser humano em sociedade, através de
uma perspectiva extremamente realista e profunda, desvendando a maquiagem encobridora de
36
caminhos que não aquele assumido por Hannah Arendt, no sentido de que esta
atribui à comunidade política um poder de tutela. O homem, na formulação
habermasiana, é um ser plural, nascido em uma comunidade lingüística e
convivendo em um mundo marcado pela intersubjetividade e no qual compartilha
expectativas, visões culturais e idéias comuns.
A formulação de Habermas, acerca do espaço público, está centrada no
primado do político, mas não como se põe nas vertentes comunitaristas. A
construção habermasiana, ao renunciar a essa concepção, não denega a
essência humana como elemento propulsor de uma comunidade política. Mas
delega ao homem o mais universal atributo da espécie, qual seja, a linguagem,
que o torna obrigado a satisfazer suas necessidades através da ação
comunicativa, e não pela via da ação estratégica.
O discurso realizado no espaço público, não deve ser restrito àqueles
diretamente envolvidos, mas acessível a todos, de forma aberta e universal. É
esse um dos papéis do espaço público, qual seja o de tornar sustentáveis, posto
que publicáveis, as proposições presentes nos discursos. O uso público da razão
não implica, entretanto pretensões hegemônicas, totalizantes, ainda que se
pretenda universalizar. Esse uso público da razão, entretanto, somente é possível
em sociedades minimamente racionalizadas, isto é, possuidoras de "esferas de
valor", no sentido weberiano do termo - Ciência, Moral, Direito, Arte - e onde
uma visão cristã, predominante na época, ultrapassando com suas reflexões o momento histórico
em que viveu.
37
existam alguns pressupostos atinentes ao funcionamento dos sistemas políticos e
sociais (COSTA, 1995:36).
Diante desta visão do uso público do discurso, é que Habermas, em suas
formulações mais recentes acerca de espaço público, desenvolveu novas
relações entre Ética, Direito e Política, e estabeleceu em sua obra esta visão
como da participação dos cidadãos no espaço público, como princípio ético
discursivo ou princípio da legitimidade democrática.
O conceito de esfera pública habermasiano floresce em um contexto
secularizado, transcendente à tradição, governado por procedimentos discursivos
eticamente fundamentados em elementos estruturais e morais. O autor sustenta
que a existência de uma cultura comum, na qual os cidadãos partilhem visões de
mundo, representações morais e formas de identidade, que permitam ser
agrupadas, torna-se fundamental à construção de um conceito de espaço público.
''Os homens, para Habermas, devem compartilhar uma esfera de interação e
comunicação'' (Ibidem:36).
Ao compartilharem esse mundo vivido em comum, os participantes da
esfera pública poderão criar um consenso de fundo, acerca das decisões políticas
a serem tomadas pelas instâncias decisórias, visto que partilham da mesma
cultura. Além disto, o espaço público será autônomo o suficiente para produzir os
inputs que informam as instâncias político-decisórias. Esse mundo compartilhado
na esfera interativa e comunicativa possibilita o exercício de uma compreensão
38
intersubjetiva, capaz de superar, apesar do pluralismo cultural e social, as
imposições de outros valores e interesses fora do âmbito daquela comunidade.
A presença de instituições democráticas de formação da vontade dos
homens é condição estrutural e necessária para a existência e preservação de
uma esfera pública livre e autônoma. Sendo esta uma instância mediadora entre
os inputs gerados no mundo cultural compartilhado, além de necessária na
presença de colegiados institucionalizados competentes que articulam a vontade
gerada nos ''microdomínios das esferas cotidianas". As instâncias deliberativas,
presentes em uma ordem constitucionalizada e democrática, são fundamentais e
devem assegurar a proeminência da esfera pública como instância transmissora e
legitimadora da democracia. Entretanto, essas instâncias não podem coibir os
processos espontâneos de formação de opinião e vontade.
Segundo Habermas, os atores da sociedade civil não podem se
transformar em instâncias complexas e burocratizadas. Sindicatos, partidos, mídia
são estruturas necessárias para as vocalizações dos grupos políticos e
econômicos, mas não podem impedir a cidadania de projetar-se no espaço
público. O autor questiona a proeminência de quaisquer destes grupos, bem
como das instâncias do poder político, sejam nestes parlamentos ou judiciários,
no espaço público mais abrangente. Estas instâncias devem ser pressionadas
pelos atores sociais e não devem ocupar o lugar que cabe a estes, "colonizando"
seus espaços.
39
A existência de regras jurídicas que assegurem as liberdades individuais e
coletivas é condição sine qua non para a existência e autonomia da esfera pública.
Se não existirem condições que garantam um mínimo de intocabilidade da esfera
privada e uma cultura política fundada na liberdade - de expressão e associação,
dentre outras - poderão surgir "movimentos populistas", cujo objetivo é alcançar a
hegemonia e colonizar, com seus interesses particularistas, o mundo.
Para Habermas, esfera pública é um locus central, onde os atores da
sociedade civil interagem mediante discussões públicas, produzindo um poder
comunicacional. Por meio de suas ações, os atores sociais atuam no espaço
público, estabelecendo-se opinião pública e a vontade política, as quais
legitimarão a lei e a tomada de decisões políticas-administrativas. O espaço
público é o lugar onde ocorre uma interação comunicativa entre os cidadãos e é
de caráter não-governamental. Significa dizer que são "esferas autônomas, que
não são criadas e mantidas pelo sistema político, para fins de criação e
legitimação" (HABERMAS, 2000:33).
As esferas públicas são centros que surgem espontaneamente, advêm de
domínios da praxis cotidiana e cuja interação comunicativa é muito densa. Essa
interação não se faz de modo necessariamente harmônico ou homogêneo, mas
emerge de um conjunto de valores comuns e supra-individuais. No espaço público
habermasiano não há considerações de classe, raça, religião, etnia ou sexo. Os
indivíduos correlacionam-se, reconhecem seus direitos mutuamente e auto-
40
organizam-se, criando uma capacidade coletiva de ação. Há uma coordenação
sistêmica não dominada pelo poder estatal, pelo poder econômico ou pela mídia.
O acesso ao espaço público e o exercício das prerrogativas comunicativas
ocorre mediante a inserção dos sujeitos de direito nas discussões públicas, que
se mobilizarão, de modo espontâneo, para interpretar e vocalizar suas próprias
necessidades. A dinâmica da esfera pública contempla exclusivamente
procedimentos comunicativos cujos canais formam o chamado poder fundado
comunicativamente. Não há, por parte de Habermas, nenhuma concessão a
possíveis detalhamentos dos mecanismos de organização interna desses atores
da sociedade civil, tampouco a conteúdos com maior ou menor relevância.
Mesmo que o autor contemple os fenômenos do apoderamento da esfera
pública, pelo uso manipulador da mídia, de forma a que a lealdade das massas
seja obtida, Habermas não se atém às dinâmicas e disputas internas entre os
atores sociais em seus campos de atuação social. O fato é que a esfera pública
habermasiana produz seus discursos, e dela emana um poder comunicativo, que
não é aprisionado pela força de grupos econômicos, políticos ou burocráticos. As
questões relevantes para a vida na sociedade são vocalizadas e discutidas pelos
atores sociais, e deste intercâmbio discursivo deriva um poder comunicativo. Logo
não se trata do poder de agir, político, administrativo e decisório, mas sim de um
"poder de influir, detectar problemas e estabelecer diretrizes" (Ibidem:51).
Estes atores sociais formam as redes de conformação horizontal,
realizando intercâmbio de informações, negociação de interesses e avaliação de
41
riscos, no que tange à tomada de decisões políticas, na medida em que a
sociedade contemporânea é pluralista, multifacetária, fragmentada e composta de
extensa rede de sensores que estimulam as diversas tomadas de decisão política.
Habermas confere ao poder administrativo a qualidade de "agir" e a esfera pública
torna-se o locus de atuação das várias instâncias influenciadoras do poder
administrativo.
O espaço público é, portanto, o campo no qual os agentes competentes, tal
como definidos na obra: Consciência moral e agir comunicativo (1989),
tornam-se cidadãos, possuindo direitos acionáveis neste espaço público. O autor
propõe uma teoria da comunicação como uma teoria crítica da sociedade, de
modo que a ação comunicativa entre os interlocutores sociais é analisada
segundo suas relações. A teoria crítica da sociedade funcionaria como uma teoria
do comportamento, um conjunto de regras morais para a vida, que afirmam a
infra-estrutura da linguagem humana, do conhecer, do agir e da cultura
(HABERMAS, 1989:39).
Como agentes comunicativos, os cidadãos são portadores de direitos em
um espaço público, criado e coordenado pelo princípio do discurso, ou seja,
processos discursivos racionais sustentáveis no espaço público, que passam a
ser instâncias geradoras do poder político legítimo. Habermas contrapõe o poder
administrativo ao poder comunicacional, sustentando que a legitimação do poder
político-administrativo advém do poder comunicativo, intersubjetivo, exercido
pelos atores sociais na esfera pública.
42
A validade racional dos atos do sistema político é ancorada nos
"procedimentos e pressupostos comunicativos da formação de opinião e vontade
política", tornando-os "verdadeiros reservatórios de decisões" de um governo
constitucionalizado e governado pelo primado da legalidade (Ibidem:27).
O poder comunicativo tem a primazia de estabelecer as diretrizes a serem
cumpridas pelo poder administrativo. A impregnação pluralista do espaço público,
as garantias de exercício de direitos, liberdades individuais e coletivas e a
possibilidade da criação de cadeias de argumentos, com efeitos normativos,
fornecerão a necessária vinculação entre o poder comunicativo e o poder
administrativo. Poder este, que é fluido, segundo Habermas, atuando sobre os
processos de decisão e julgamento do sistema político, sem querer cooptá-lo ou
conquistá-lo.
Os impulsos comunicativos gerados no mundo perpassam a esfera pública,
e esta os intermedia, enviando-os às instâncias competentes para tomada de
decisão. Em nenhum momento, entretanto, Habermas prescinde das instâncias
decisórias que tomam as decisões políticas; ou melhor, ainda que discorde de
uma visão política centrada unicamente no Estado e em suas instâncias
institucionalizadas, Habermas não concebe que os cidadãos possam, a despeito
de serem capazes de uma ação coletiva, substituir o poder administrativo.
Da mesma forma, o poder legislativo não pode ser prescindido. A geração
espontânea de opinião desembocará, necessariamente, em decisões eleitorais e
legislativas. Portanto, a sociedade civil habermasiana, apesar de agir em um
43
espaço público autônomo, não prescinde das instâncias decisórias
institucionalizadas em um Estado de Direito. O autor não concebe a proeminência
das instâncias estatais e do aparato burocrático nos mecanismos discursivos
realizados no espaço público. Além disto, as forças emanadas das instâncias
econômicas e estatais não podem colonizar o mundo, posto que a sociedade é
concebida como participação integrada pelos procedimentos discursivos.
Habermas descreve a esfera pública como o locus transmissor dos inputs
comunicativos gerados por atores sociais, que agem como portadores de direitos
passíveis de serem vocalizados e acionáveis; esses atores possuem aspirações e
interesses individuais que emanam em seus espaços privados.
A sociedade se organizaria, de modo a trazer seus interesses dos domínios
privados, canalizando-os à esfera pública-política por meio de debates privados
de relevantes à vida social. Pela importância de temas relativos à sobrevivência
da espécie ou à necessidade individual, o ambiente privado tende a criar vínculos
ao trabalho sócio-político que deve agir em prol da manutenção da vida dos seres
humanos. Esse trabalho fará com que a manutenção da sobrevivência passe a ter
sentido das famílias para a sociedade e dentro das leis de sobrevivência do
mercado, que surge em concorrência à consolidação do Estado. Se o que regula
as relações entre o Estado e a sociedade são as leis, o que regula as relações
entre os participantes do mercado é o contrato. Nesse sentido, a esfera onde se
dão as relações entre iguais, pois um contrato só existe com a anuência de todos
44
os participantes, é a sociedade dos iguais, a sociedade de mercado, em última
instância, a esfera privada.
Em nossos dias, o conceito de privado nos remete às questões do mercado
e da privacidade do indivíduo e, por outro lado, o público passa a ser identificado
com o Estado ou o espaço onde ocorrem as relações políticas da sociedade.
Porém, o atual estado das coisas nos permite perceber uma série de questões
não resolvidas, sejam elas pertinentes à esfera econômica ou à esfera social.
Como estão postas atualmente, as grandes instâncias: Estado e sociedade,
governo e sociedade de mercado, lei e contrato, justiça comunicativa e justiça
governamental e, em resumo, o público e o privado, não atendem mais às
demandas de uma sociedade complexa como a nossa.
Faz-se necessário, portanto, que sejam propostas novas formas de
interação entre esses diversos níveis de atuação da sociedade, de forma que
sejam atendidas as demandas e respondidas as grandes questões sociais,
políticas e econômicas deste final de século. Hannah Arendt fala de uma
dicotomia básica entre o público / privado que parece classificadora e que resulta
em algo importante para compreender o tema, e mais tarde, conduzir a
transformações teóricas produzidas com a admissão no palco dos meios de
comunicação de massa.
O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa cria novas
formas de propriedade pública. A característica fundamental é que, com a
ampliação da disponibilidade informativa oferecida pelos meios, a propriedade
45
dos indivíduos, as ações ou acontecimentos, vinculam-se ao efeito de
compartilhar um lugar comum. Uma ação ou acontecimento pode se tornar
público por meio da gravação e transmissão a outros que não estão fisicamente
presentes no tempo e espaço em que acontecem.
Tal como indicou Fernando Antônio Azevedo, Espaço público, mídia e
modernização das campanhas eleitorais (1998), a nova forma de propriedade
pública criada pela TV resulta de alguma maneira semelhante à propriedade
pública tradicional baseada na co-presença. De qualquer maneira, as ações e
acontecimentos que são visíveis na TV estão disponíveis a um maior número de
indivíduos localizados em contextos diversos e dispersos (AZEVEDO, 1998:6).
Diante disso, percebe-se que o fator social igualador não surge da natureza
humana, mas de fora, da vida em sociedade. Com a admissão dos meios
massivos de comunicação e sua instauração em nível planetário, não só é o
público que aumenta, senão suas possibilidades de participação. Habermas
assinala que, em uma primeira instância, a infra-estrutura da publicidade se
modificou junto com as formas de organização, distribuição e consumo de uma
extensa produção profissionalizada, adaptada aos novos grupos de leitores, e de
uma imprensa que mudou também em relação a seus conteúdos. Modificando-se,
mais tarde, com o auge dos meios eletrônicos, a relevância da propaganda e a
iminente linha tênue entre entretenimento e informação. A esfera pública,
dominada e pré-estruturada ao mesmo tempo pelos meios de comunicação,
degenera-se em ruído engendrado pelo poder político (HABERMAS, 1984:60).
46
Dominique Wolton descreve que neste século a tarefa de administrar a
visibilidade dos líderes políticos pelos "meios", e, sobretudo, pela televisão, tem
assumido um sentido crescentemente importante. Assinala a este respeito o que
considera duas diferenças relevantes. Em primeiro lugar, o tamanho dos públicos
capazes de receber mensagens midiáticas tem experimentado uma ampliação
sem precedentes. Em segundo lugar, com o desenvolvimento da TV, tem-se
enfatizado a importância da visibilidade, em um sentido estreito, ser visto para
compartilhar um lugar comum (WOLTON, 1990:92).
A TV permite aos indivíduos se posicionarem diante das audiências dando
a sensação de que são acontecimentos enérgicos, destacando o grau de
vigilância e de controle midiático requerido pelos líderes políticos e por todos
aqueles confiados na administração de sua visibilidade. Nas condições sociais e
políticas do final do século XX, os políticos das sociedades liberais-democratas
não têm outra alternativa que a de submeter-se ao estatuto da visibilidade
compulsiva (Ibidem:67).
Diante dessa compulsão midiática, Habermas argumenta que o espaço
público na atualidade se encontra capturado pelos meios, estimulando o consumo
dos produtos desses meios e a credibilidade que os mesmos geram. No lugar de
um espaço político, a mídia está próxima à política e ao governo para consentir a
informação e beneficiar-se da regulação (HABERMAS, 1984:5).
Para esse autor, a atuação dos meios de comunicação não contradiz a
democracia, pois é tão plural e competitiva como o sistema político. O assunto
47
crucial é que, sem uma presença ativa nos meios, as propostas ou candidatos
não têm força para reunir um apoio amplo. A política dos meios não é toda a
política, mas a política deve acontecer pelos meios para influir socialmente em
seu objeto proposto para induzir a decisões.
Os meios de comunicação de massa, em especial a TV, funcionam como
fatores de unificação política. Não só canalizam este tipo de informação, como
produzem acontecimentos e se posicionam como cenários da midiatização da
sociedade, que faz emergir uma linha limítrofe entre o real da sociedade e suas
representações.
Se o espaço público é produzido na atualidade pela atuação dos meios de
comunicação de massa, a midiatização dos fatos sociais cotidianos muda a
escala do espetáculo e põe em circulação, na escala da sociedade global, todos
os signos que operavam antes na esfera da territorialidade subjetiva, colocando
em um lugar que configura a experiência e a cultura comum, necessária para
constituir uma cidadania que satisfaça ao todo (VERÓN, 1997:118).
Essa midiatização também será responsável por atribuir à vida do homem
uma nova dinâmica de acontecimentos sociais em seu dia-a-dia, capaz de
concretizar atividades que se relacionam com a manutenção de suas
necessidades, bem como, propiciará a esse indivíduo compreender sua condição
humana, de agente comunicativo, diante de um novo tempo que o faz estar
conectado com seus semelhantes por meio de redes que o integram no espaço
público midiático contemporâneo.
48
49
2. A Condição Humana e a Ação Comunicativa
Nas mais diversas áreas do conhecimento que hoje se propõem estudar o
homem e suas relações com o mundo, fala-se de transformações de nossa época
que provocam um novo modo do ser humano ser e viver. Este tempo é marcado
renovadamente pelo avanço e domínio mundial do sistema capitalista e pelo
avanço inevitável e evidente do discurso técnico e científico. Diante dos avanços
que ditam as dinâmicas de funcionamento do mundo contemporâneo, seria
oportuno fazer uma reflexão a respeito do questionamento de Hannah Arendt: "O
que estamos fazendo na terra?. É possível refletir sobre a forma como o homem
se relaciona com o mundo?''.
Hannah Arendt distingüiu por meio dos termos labor, trabalho e ação
diferentes formas de práticas fundamentais do ser humano, vinculados às
necessidades biológicas, ao artificialismo da vida moderna e às relações entre os
homens sem a mediação das coisas ou da matéria. Esta distinção proporciona
reflexões sobre como o homem acaba por se enquadrar em um sistema para com
seus produtos, que pode resultar em uma perda, para o próprio homem, da noção
de sua importância frente aos produtos que ele mesmo produz e que passam a
dividir com ele o espaço na terra.
Para Arendt, o labor é todo tipo de atividade voltada às necessidades
naturais do homem. Aquelas realizadas no convívio familiar, destinadas a garantir
a sobrevivência, enfim, todas as exigências da condição animal do ser humano.
50
Uma das principais características do labor é que este se produz em um ciclo
ininterrupto e encontra-se na incorporação do fruto da atividade ao próprio corpo
do homem (ARENDT, 2001:94).
O alimento conseguido ou produzido destina-se a si próprio ou a sua
família, para garantir a existência de seu espaço privado. ''Tudo o que o labor
produz destina-se a alimentar quase imediatamente o processo da vida
humana...'' (Ibidem:66).
Os instrumentos utilizados para que isto ocorra, transformam-se em
extensões do próprio corpo, e da mesma forma apenas circundam o valor central
da relação, que é o próprio homem. É diante disso, que surge a idéia do direito
privado do indivíduo, referindo-se às regras que são, em sua maior parte,
privativas da liberdade de agir, já que são impostos por uma necessidade inerente
à natureza de todos os animais (Ibidem:111).
O conceito de ação está ligado à polis grega, onde os indivíduos deixavam
o domínio de suas necessidades naturais e podiam agir de forma livre, sem
privações impostas pelas necessidades naturais e características do labor
(Ibidem:188).
O agir, neste momento, tem uma concepção diferente de labor na medida
em que a ação liberta e permite ao homem o domínio. O labor se caracteriza pela
sua não-interrupção e pela limitação de alcance aos anseios fisiológicos. A ação,
ao contrário, é ilimitada e espontânea; mais do que isso, ela não tem destinação
certa, é imprevisível, pois sua fonte política presume a participação do homem
51
como um animal integrado à sua sociedade e que tem a capacidade de ação e do
discurso (Ibidem:189).
A liberdade da ação não permite uma determinação lógica de seus rumos,
que propiciarão a concretização de uma ação comunicatica capaz de permitir ao
homem atuar politicamente em seu mundo. É da ação que surgem os aspectos
estéticos e técnicos dos anseios do homem que vive em uma teia de ações
comunicativas. Também daí, nascem as primeiras limitações da ação,
não-restritivas, mas sim, delimitadoras e demarcadoras de fronteiras. Aparecem
as normas jurídicas, as noções de estado, dentre outras. É importante notar que
ação não se confunde com o discurso, com a cognição, com o raciocínio lógico e
nem mesmo com o pensamento. Ação é mais próxima do que pode ser chamada
de atividade política pura, ou de sua ação comunicativa integrada ao seu mundo.
Ao tratar da relação da ação com o discurso, Hannah Arendt argumenta:
Nenhuma outra atividade humana precisa tanto do
discurso quanto ação. Em todas as outras atividades o
discurso desempenha papel secundário, como meio
de comunicação ou mero acompanhamento de algo
que poderia igualmente ser feito em silêncio. É
verdade que o discurso é extremamente útil como
meio de comunicação e informação, mas, como tal,
poderia ser substituído por uma linguagem de sinais,
talvez até mais útil e mais conveniente para exprimir
certos significados... (ARENDT, 2001:192).
E, diferentemente, do labor e da ação, o trabalho humano tem por traço
distintivo a relação meio-fim. Se o labor visa às necessidades fisiológicas do
52
homem e a ação os anseios políticos, o trabalho não visa nada no próprio ser
humano, a não ser produzir um meio para se atingir outros fins, ou mesmo novos
meios.
O processo de fazer é inteiramente determinado pelas
categorias de meios e fins. A coisa fabricada é um
produto final no duplo sentido de que o processo de
produção termina com ela, e de que é apenas um
meio de produzir esse fim (Ibidem:156).
O resultado do trabalho é passível de determinação objetiva: o produto ou
bem de uso ou consumo. Além disso, o produtor se difere do resultado de seu
trabalho. Se na ação e no labor seus produtos se incorporam à sociedade e ao
homem, respectivamente, no trabalho o produto se destaca do produtor e, como
principal característica, passa a incorporar o mundo, dividindo-o com o próprio
homem. O trabalho é, pois, naturalmente violento na medida em que traz ao
mundo do homem algo que a ele não pertencia, deturpando e violentando
também a natureza original. O labor e a ação não alteram a natureza senão na
medida das necessidades fisiológicas e políticas do ser humano; o trabalho sim.
No dizer de Hannah Arendt, enquanto o homo laborans é amo e senhor de
todas as criaturas vivas, permanece, no entanto, como escravo da natureza; já o
homo faber, aquele que trabalha, é amo e senhor de toda a terra.
A divisão entre labor, ação e trabalho não é o que forma exclusivamente os
atos da vida humana, mas é muito importante na classificação das atividades
53
humanas na sua vida ativa. Quando da era moderna e, mais recentemente, da
chegada da noção capitalista de acúmulo de bens, a idéia de ação como ato de
virtude deixa de ter seu sentido isolado e passa a ser cada vez mais absorvido
pelo trabalho fabril e sua intenção finalista de produzir bens de consumo
(Ibidem:32).
Segundo a autora, o homo faber degrada o mundo porque subverte o valor
das coisas em si em valor-utilidade, em uma relação meramente pragmática. As
coisas deixam de ser valiosas por elas mesmas e passam a ser, paradoxalmente,
valiosas apenas na medida em que servem como meio para se alcançar outras
coisas. Os bens, no sentido mais amplo, são fins em si mesmos, pois não se
integram novamente ao homem ou à sua sociedade; passam, sim, a dividir o
mundo com o próprio homem, e com a característica de multiplicação potencial.
Nesse sentido, a esfera pública deixaria de ser a esfera do político, da ação e da
virtude e passa a ser a esfera do comércio, do trabalho e dos bens fabris.
De acordo com Leonardo Boff a esfera do trabalho formata um novo modo
de ser dos indivíduos:
O modo de ser no mundo pelo trabalho se dá na forma
de interação e de intervenção.... Pelo trabalho
prolonga a evolução e introduz realidades que,
possivelmente, a evolução jamais iria produzir, como
um edifício, uma cidade, um automóvel, uma rede de
comunicação por rádio e televisão (BOFF, 1999:28).
54
O homem que se relaciona com a esfera política, passa a ser valorizado
não pelas ações, mas pelos bens que possui que sustentam a sociedade
moderna. A política, o direito e as relações humanas, por exemplo, passam a ser
bens em comércio, quando mercantilizados, servindo a interesses e a serem
valorizados, conforme suas serventias.
Na sociedade contemporânea, são várias as conseqüências do
comportamento fabril do homem moderno, sendo uma das principais aquela que
utiliza o poder financeiro e jurídico para a criação de bens que sustentem a esfera
política tal qual se encontra, voltada ao mercado. É nesse contexto que se
prevalece a questão da escassez para proteger bens que são frutos do trabalho, e
por não serem ilimitados, recebem um valor de troca. Nessa sociedade
contemporânea, engendrada em produção de bens, simbólicos, materiais e
imateriais, é a indústria cultural que determina a o ritmo e a velocidade de
fabricação desses bens, configurando as condições humanas a serem vividas.
Diante disso, os seres humanos estariam condicionados a viver sob a égide de
um sistema controlado pelo poder econômico, que os induz a consumir, pois sem
o consumo não há nova produção, não há acúmulo de capital e nem novas
criações mercadológicas. É a condição humana atual, em que a. maior parte da
humanidade está inserir em sistema feito por uma minoria que domina o poder
econômico. Ao fazer parte desse sistema oriundo da indústria cultural capitalista,
o ser humano passa a se adequar à ação comunicativa imposta pela cultura de
massa, para que esteja em consonância com os parâmetros sócio-econômicos
55
contemporâneos que garantem sua sobrevivência e a realização das
necessidades pessoais.
Diante isso, Arendt difere a era moderna e o mundo moderno, como
paradoxo da contemporaneidade. Diz a autora: "... a era moderna não coincide
com o mundo moderno. Cientificamente, a era moderna começou no século XVII
e terminou no limiar do século XX; politicamente, o mundo moderno em que
vivemos surgiu com as primeiras explosões atômicas" (ARENDT, 2001:13-14).
Segundo essa colocação da autora, a era moderna estendeu-se no plano
da ciência e do pensamento por uns 300 anos, chegando a seu fim em torno do
final do século XIX, com o primeiro ataque filosófico à razão moderna, lançado por
Nietsche e também por uma profunda mudança na área das ciências exatas com
Einstein, contrariando os mecanicismos e determinismos da matéria. Entre a
virada do século XIX para o século XX e a explosão da primeira bomba atômica
em 1945, passam algumas décadas que ficam na curiosa descrição de Hannah
Arendt sem denominação. Segundo a filósofa, o mundo moderno começa no final
da primeira metade do século XX; passam-se então quatro décadas depois do fim
da era moderna até o mundo inteiro torna-se moderno na clareira de uma
gigantesca explosão atômica, conforme sua abordagem.
Que tempos são estes, que mundo é este que impõe condições de
existência, sobrevivência e de relacionamento entre os seres humanos? "A
condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi
dada ao homem" (Ibidem:16).
56
Quais seriam essas condições? Para Arendt é a própria vida e a terra; a
natalidade e a mortalidade; a mundanidade e a pluralidade, respectivamente; a
individualização na presença dos outros. Mais uma vez: a condição humana não é
a mera soma das suas condições de vida. São os tempos em que tudo o que toca
a vida humana transforma-se na sua condição ou no pressuposto da sua
existência, inserida no mundo das coisas que precedem e "condicionam" o seu
agir.
O agir enquanto fabricar, por sua vez, produz coisas novas e molda as
condições de existência nesses tempos da vida humana. Sabendo das suas
condições não sabemos ainda quem é o homem. Somente sabemos que ele não
vive sem condições ou pressupostos. O conceito condição humana refere-se a
todos os homens e não somente a um segmento da humanidade. Falar de
condição humana quer dizer mais do que condição social, isto expressa a
universalidade para não dizer a globalidade deste conceito (Ibidem:17).
E ainda mais, a condição humana está atrelada às condições sociais do
homem sem deixar reduzir-se a elas. Vincular o conceito condição humana com a
modernidade cria, na luz da diferenciação entre a era moderna e o mundo
moderno tensões.
A compreensão de modernidade, difere-se nitidamente de concepções
anteriores seja da própria vida e da terra, da natalidade e da mortalidade, da
mundanidade e da pluralidade individual (Ibidem:15-16).
57
Essa era moderna apresenta desde seu surgimento uma reflexão
permanente sobre seu próprio projeto e resulta na racionalização de todos seus
componentes. Hannah Arendt escreve sobre a condição humana e nos diz que o
mundo moderno se realizou e a era moderna terminou. Na segunda metade do
século vinte continuou a confusão conceitual e a falta de clareza na consciência
da época. A autora viu que atrás da fachada do nacional-socialismo da Alemanha
e do real-socialismo soviético escondeu-se uma lógica que os dois sistemas
repressivos tinham em comum, a do totalitarismo. Pois, os ideólogos da União
Soviética continuaram a produzir a imagem de um mundo socialista no mar de um
mundo cheio de capitalistas, até chegar ao ponto do declínio do Estado Soviético.
O ataque ao Estado soviético não foi promovido
apenas por movimentos nacionalistas: estava
diretamente relacionado às exigências dos democratas
e aos interesses das elites políticas de várias
repúblicas, procurando pelo seu quinhão em meio às
ruínas de um império decadente (CASTELLS,
2001:17).
A resposta do outro lado era a defesa do ocidente livre contra a ditadura
comunista. Um ocidente que esqueceu que nas suas fileiras existiram mais
ditaduras do que democracias, assim na Espanha, em Portugal, na Grécia, na
Turquia e em praticamente todos os países aliados fora da Europa. Blocos
apareceram nas cabeças dos políticos e sociólogos; o bloco dos democratas
ocidentais e dos ditadores orientais separados por uma cortina de ferro. Outros
começaram falar, já no fim dos anos quarenta, de três mundos diferentes.
58
Dividiram o único mundo em um primeiro, os países mais industrializados, um
segundo, a união soviética e seus aliados e um terceiro mundo, abrangendo o
resto deste mundo único, um resto composto por América Latina, África e quase a
totalidade da Ásia (MAGNOLI, 1992:273).
A era moderna, cujo fim Hannah Arendt localiza nos anos antes da primeira
guerra mundial, não tinha uma imagem do seu próprio futuro enquanto ''barbárie''.
Muito pelo contrário, imaginava-se o futuro como um avanço do espírito humano e
um acréscimo civilizatório contínuo. Em tempos remotos, sim, havia ''barbárie'', ou
seja, um estado social sem regras, sem banimento da violência e da
arbitrariedade pela lei e sem a fineza dos costumes dos homens e mulheres
educados.
Como a modernidade teve seu ponto de partida na Europa, adquirindo
dinâmica característica na base da ciência e da técnica, incorporadas na empresa
capitalista, transformou todas as relações econômicas e sociais possíveis. A
industrialização, também responsável pela expansão da modernidade científica e
técnica, desenvolveu primeiro na Europa e depois em outros continentes o
impacto de um modelo: se desenvolver era durante muito tempo praticamente um
sinônimo de "aprender da Europa!", os próprios cientistas europeus, inclusive os
economistas, sociólogos e cientistas políticos da esquerda não tinham nenhuma
dúvida da unilateralidade da relação entre Europa e o resto do mundo.
Promoveram uns, o projeto da expansão dos mercados e a integração do mundo
na infraestrutura produtiva dos seus diversos países europeus, promoveram
59
outros, a exportação da revolução comunista. O mais incrível é que esses dois
artigos exportados, expansão e integração tinham mais em comum que os
exportadores queriam admitir. Eles espalharam, hora em nome da cristandade e
civilização, ora em nome da justiça social e dos interesses dos operários e
camponeses, a modernidade técnica sobre o globo (CASTELLS, 2001:39-94).
Nenhuma das justificativas da expansão européia se deu conta que isto era
de fato o efeito das atividades de "melhorar o mundo". E até hoje o
aprimoramento técnico da economia das sociedades supostamente atrasadas é o
eixo de qualquer projeto desenvolvimentista. A tecnicidade da modernidade
estava durante sua fase inicial coberta pela luz forte da razão do iluminismo que
reivindicava para a emancipação humana o lugar central no "projeto moderno". Na
Europa do século XX, com suas guerras sangrentas e campos de concentração,
revelou-se a modernidade como um período histórico que faz a Idade Média
aparecer um período idílico (Ibidem: 34).
A modernidade européia emancipou-se no século XX dos ideais iluministas
de uma maneira que leva a impressão do fim da própria modernidade. É isso o
que Hannah Arendt expressa quando se refere ao fim da era moderna no final do
século XIX. Todavia, a história continua sob signo da técnica modernista.
A primeira parte do século vinte é uma fase que deixa qualquer observador
em estado atônito e somente as explosões das bombas atômicas em Hiroshima e
Nagasaki evidenciam a vitória de uma modernidade que apesar de suas
promessas civilizatórias, era sempre na sua essência técnica. Por causa disso faz
60
sentido falar sobre a realização de um mundo moderno e sobre a continuidade da
modernidade até os nossos dias, assim como faz sentido de constatar o fim da
era moderna antes do início do mundo moderno.
O paradoxo de Arendt se dissolve quando a modernidade técnica se
depara as suas atribuições políticas e culturais circunstanciais. Sob condições da
modernidade técnica aparece a condição humana em uma outra luz, pois a razão
que sempre apostava na razoabilidade da vida e da convivência humana parece
ter abandonado a história. Como isto pode acontecer?
É possível responder da seguinte maneira: a técnica é mais do que um
mero instrumento do homem para alcançar seus fins. Se fosse somente um meio,
seria fácil integrar a uma relação de meios e fins, onde o homem determinaria os
fins e as técnicas serviriam às finalidades preestabelecidas. ''...as ferramentas
reforçam e multiplicam a força humana até quase substituí-la, como ocorre em
todos os casos nos quais as forças naturais, como a força animal, a força
hidráulica ou a eletricidade...'' (ARENDT, 2001:65).
Na modernidade técnica, surgem meios contingentes que escapam cada
vez mais da "razão" que quer lhe dar rumo e função. Os meios técnicos sufocam
tendenciosamente os fins, até que podemos dizer que a relação entre meios e fins
se inverte. Com o avanço da modernidade técnica surgem meios que buscam, em
certo sentido, posteriormente seus fins. Vive-se em um mundo onde as coisas e
os homens perambulam pelos lugares sem poder estabelecer uma relação de
sentido com estes. As finalidades estão enfraquecidas e as possibilidades
61
aumentam dramaticamente a sensação que tudo é possível em qualquer
momento.
Portanto, a condição humana fica restrita ao papel da ação social em
função do avanço da técnica da ciência e da tecnologia, que encontram na
midiatização uma aliada para configuração de novas formas de pensar, agir e
sentir, de acordo com os modelos da cultura vigentes. Diante disso, essa
condição humana corresponde à pluralidade e a sua capacidade de atuar
comunicativamente, em que os homens, habitantes e ocupadores desse mundo,
exercem nos espaços públicos adotados, a ação, ou seja, a condição de agir e
construir toda vida política e o significado da vida humana. E no processo
evolutivo da vida, o homem desenvolve aparatos para permitir que sua identidade
e sua atuação política atinjam maior alcance social. E, uma das formas de se
efetivar esse alcance mais abrangente, é por meio da midiatização dos seus
espaços públicos, em que o ser humano utiliza instrumentos para lhe ajudar a
satisfazer os anseios de sua vida ativa.
62
3. Midiatização
Por meio de processos sociais que formam uma vasta rede de interações
discursivas, que influenciam diretamente o cotidiano do ser humano, permitindo
que surjam novos valores humanos nas vidas das pessoas e novas formas de
compreender a formação da sociedade, amplia-se o nível de influência do
potencial discursivo dos meios de comunicação no espaço privado dos indivíduos.
Pode-se dizer que esses processos configuram um fenômeno, responsável por
criar diferentes facetas de interações humanas e institucionais, distintas ações de
exercício de poder e práticas de cidadania.
Esse fenômeno social, ditador de laços e condicionamentos humanos,
configura-se como uma midiatização, ou seja, efeito do ato de dar aos fatos que
se relacionam à vida humana exposição midiática. Fenômeno este que é capaz
de transformar a dinâmica dos acontecimentos e os próprios fatos do mundo atual
em um espaço público virtual, midiatizado pelos meios de comunicação,
passando a adotar uma forma de discurso baseada no império da atualidade, que
se impõe como um dos fatores necessários para a existência desse espaço,
sobretudo, devido à imprensa, que se estabelece como uma criadora de interação
e mediação social, além de geradora da imediatez e da relevância pública dos
eventos.
Diante desse aspecto apresentado, vê-se um profundo caráter ambíguo da
comunicação midiatizada: de um lado, um espaço público contemporâneo que
63
pretende estabelecer um discurso polifônico, mediando e dando suporte para os
mais diversificados campos do conhecimento, e de outro, a existência de um
poder hegemônico midiático que impõe o discurso da atualidade. Com essa
abordagem, o fenômeno da midiatização estabelece um confronto entre campos
sociais e atores que convivem com situações de inclusão e exclusão, ordem e
distúrbio, autonomia e dependência, legitimidade e coerção para formar a opinião
pública.
Só que nessa estratégia da comunicação pode ocorrer um esvaziamento
da sociabilidade no espaço público, se houver uma mediação que promova
apenas a circulação anônima dos discursos que irão formar opiniões, pois o
antagonismo discursivo frustraria as aspirações emancipatórias da sociedade,
devido ao excesso de atenção dispensada ao entretenimento e a
espetacularização, em detrimento da informação democrática, voltada à formação
educacional do cidadão.
Ao encarar o indivíduo como mero e simples consumidor e não como um
cidadão, todo o processo comunicacional agiria de forma anestesiante, não
conscientizadora, prezando pela quantificação ao invés da qualificação dos
conteúdos. Para Néstor Garcia Canclini, durante os processos impostos pela
lógica do consumo, a ética social informativa sofreria para não ser incorporada
pela estética do espetáculo (GARCIA-CANCLINI, 1997:16). Segundo este autor,
os processos inseridos na globalização, criam descontentamento, sobretudo, de
duas maneiras: em primeiro lugar, temos a cultura do efêmero - o que se possui
64
torna-se, rapidamente, obsoleto; o que importa é o presente, o imediato. Em
segundo lugar, ocorre uma redução dos empregos com vistas à redução de
custos.
O fenômeno da midiatização, para Eric Landowski, pode representar um
local avançado para observação e elaboração de sentidos, onde é possível
ocorrer uma complexa interação entre os mais variados campos sociais
resultantes da articulação entre os dispositivos tecnológicos e das condições
específicas da produção de sentido. A midiatização cumpre o papel de agir como
administradora e formatadora de mecanismos ideológicos e culturais, que
funcionam como produtores de sentidos e discursos sociais, permitindo analisar e
compreender variados setores e indivíduos que se inserem na construção da
cidadania, favorecendo, de forma relativa, o acesso às informações e mensagens
(LANDOWSKI, 1992:117).
Dessa forma, vê-se que para compreender o fenômeno midiatização, é
necessário entender a interação existente entre meios de comunicação,
instituições sociais e indivíduos, tendo como peça fundamental nessas interações,
a presença do discurso midiático como gerador de bens e sentidos. Nessa
dinâmica, Eliseo Verón afirma que os meios, por cumprirem um papel central no
processo de mediação entre as organizações e pela midiatização das mensagens
produzidas pela sociedade, contribuem para efetivar as relações entre indivíduos
atores que estão integrados em complexas interações, para gerar grupos
coletivos entrelaçados com questões de interesse comum (VERÓN, 1997:9).
65
Adriano Duarte Rodrigues também argumenta que, para acontecer o
fenômeno da midiatização, ocorreriam diversas relações: entre os meios com as
instituições sociais; entre os meios com os atores individuais; entre as instituições
com os indivíduos, levando em conta como os meios afetam essa relação; e,
entre as próprias instituições, sendo também influenciadas pelos meios
(RODRIGUES, 1997:132).
Essas relações estariam sendo influenciadas diretamente e
permanentemente por ambientes pluridiscursivos que oferecem aos geradores
dessas interações condições para atuar como midiatizadores. Como afirma
Rodrigues:
[...] os meios de comunicação são hoje o lugar
obrigatório de construção da esfera pública e da
conseqüente geração de efeito de realidade. Os meios
integram os múltiplos campos sociais que são
utilizados como referência para produção do discurso
da atualidade (Ibidem:162).
De forma semelhante à visão de Rodrigues, em que este fenômeno permite
a construção de esferas públicas discursivas, Gregory Bateson defende que o
fenômeno da midiatização é um conjunto de complexas, múltiplas e plurais
interações sociais e discursivas, porém, de forma distinta ao dizer que não
somente ocorre por uma configuração de atores sociais. Os constantes
movimentos em busca de informações proporcionam e geram a necessidade de
efetiva negociação entre os envolvidos nos mais diversos campos, que têm suas
66
próprias regras para efetivar seus discursos e torná-los compreensíveis a seus
públicos (BATESON, 2000:76).
Essas normas seriam responsáveis por facilitar a existência de códigos que
tornem a linguagem e suas estruturas acessíveis aos cidadãos, tornando o campo
midiático assimilável à pluralidade da opinião pública e à leitura dos
acontecimentos sociais, com coerência e clareza. Essa acessibilidade estaria
ligada ao que afirma Verón: ''a definição do fenômeno da midiatização está
atrelada à capacidade dos indivíduos entenderem que os fatos sociais não
existem como dado, mas como construção midiática'' (VERÓN, 1997:61).
O "real" se banalizaria ao ser reduzido a mensagens formatadas e
configuradas para serem veiculadas em mídias abrangentes e de grande alcance,
para que socialmente, essa realidade explicitada se configurasse como uma
oferta de múltiplas interações e movimentos de sentidos, para representar novos
estilos, padrões culturais e discursivos, em diversos campos de origem. Quando
os acontecimentos são adaptados para se moldarem por uma técnica envolvida
pela estética, para induzir o consumo social, a realidade se torna um simulacro
produzido pelos meios de comunicação.
Landowski comenta que esse simulacro se configura em cenários de
banalização da essência humana, decorrente do cotidiano socializado pela mídia,
que favorece às pessoas o consumo de dados e de informações apresentadas
apenas de maneira quantitativa e em grande velocidade, deixando de lado a
apuração da profundidade e da qualidade das mensagens.
67
A visão do simulacro imposto pela mídia, também é exposta por Garcia-
Clanclini: "neste videogame, em que os signos são substituídos pelo simulacro,
desaparece qualquer pergunta sobre a verdade, seja esta definida como efeito de
discurso ou de outro modo; todas as perguntas se relacionam com a eficácia, com
a destreza, velocidade e a distância" (GARCIA-CANCLINI, 1997:242).
Diante disso, é possível dizer que a midiatização é um processo de
produção do real baseado em aparatos sócio-tecnológicos produzidos para
representar e espetacularizar o cotidiano social dos indivíduos e das instituições
dentro do espaço midiático, com o intuito destes mesmos indivíduos e instituições
terem acesso à realidade envolvida por um arcabouço ideológico construído sobre
os moldes do simulacro midiático.
A exemplo disso, é possível ver em alguns telejornais policiais, dentre eles
há o telejornal Cidade Alerta, produzido pela Rede Bandeirantes de Televisão, em
que o âncora apresentador do programa, julga, analisa, conclui e ainda encontra
os culpados para problemas apresentados, exigindo soluções e tentando interferir
no processo de formação da opinião pública. Ocorre assim, uma alteração no
caráter da esfera pública, conforme ressalta Lizt Vieira: "O cidadão autônomo,
cujo julgamento racional e participação era condição sine qua non da esfera
pública, foi transformado em cidadão-consumidor de imagens e mensagens"
(VIEIRA, 2001:55).
Mesmo diante de toda e qualquer tentativa de influência midiática, por meio
de programas sensacionalistas, não é possível afirmar que não ocorrem análises
68
e interpretações dos sujeitos telespectadores, pois os processos de decodificação
das mensagens e da criação dos sentidos acontecem de formas muito mais
abrangentes.
Lúcia Santaella descreve:
Com o agigantamento crescente dos meios de
comunicação de massa no século XX, foram também
crescendo as dificuldades para se estabelecer
distinções claras entre o popular, o erudito e o
massivo... Nesse ponto, a hegemonia da cultura de
massas, até então inquestionável, foi posta em crise
junto com a invasão, que já se anunciava, da
informatização, penetrando em todas as esferas da
vida social, econômica e da vida privada
(SANTAELLA in BALOGH et all, 2002:48-49).
A visão na qual a mídia consegue sempre conduzir a opinião pública por
meio de sua capacidade de transformar e instrumentalizar a informação em prol
de interesses que considera relevantes, entra em choque com a atual
configuração cultural da mídia, em que a torna cada vez mais acessível e
compreendida pelos indivíduos. Mesmo assim, não se pode por um instante
deixar de lembrar que as informações espetacularizadas e manipuladas pelos
meios - aquelas construídas a qualquer preço, para se valorizarem conforme o
número de pessoas que se interessam por elas e pela velocidade como são
assimiladas - são consideradas válidas para legitimar o poder midiático e,
sobretudo, chegar à frente por causa do lucro.
69
Talvez um dos maiores desafios na atualidade para os meios de
comunicação é o de garantir aos seus públicos, qualidade da informação. O
problema da falta de credibilidade afeta principalmente a imprensa, pois o
interesse comercial das empresas confronta-se com o dever de informar
corretamente o espectador, visto muitas vezes como um consumidor de
mensagens e ideologias.
O direito à Informação, entendido como direito de todos os cidadãos, vive
ainda um processo de consolidação no Brasil, pois a liberdade de imprensa,
conquistada após anos de luta contra a repressão da ditadura militar, é vista, às
vezes, somente pela faceta dos direitos que atribuem à imprensa, o de informar
sem censura, sendo esquecidas ou ignoradas as obrigações em favor do público.
Não há democracia midiatizada sem uma rede de comunicação ampla e
democrática e sem informações livres, construídas sob padrões éticos. A respeito
do reconhecimento da liberdade da imprensa, e sobre as tensões entre diferentes
componentes que reivindicam a liberdade de expressão, em que ocorrem fortes
antagonismos de interesses ideológicos, Habermas descreve:
Cidadãos adquiririam a consciência da necessidade de
interferir no processo de elaboração da informação,
bem como sua propagação, e começariam a elaborar
maneiras de sensibilizar a comunidade e os
profissionais da mídia para a complexidade da função
jornalística na sociedade moderna (HABERMAS,
1984:132).
70
Embasado também nos pressupostos desta visão que alimenta a
consciência de que os meios devem atuar sob a égide da liberdade informativa e
da atualidade, Dominique Wolton defende que um dos fatores necessários para
existência de um espaço público midiatizado - existente graças aos meios de
comunicação, e, sobretudo, à televisão, com sua capacidade de permitir o
desenvolvimento do telejornalismo - é o fato da imprensa atuar necessariamente
como um instrumento que opera sobre a atualidade, estabelecendo-se como uma
criadora de interação e mediação social. Além de ser, importante gerador do
imediatismo e do fenômeno da relevância pública dos eventos (WOLTON,
1990:160).
Ao ver que o jornalismo se distíngüe dos demais campos científicos por ser
uma área do saber que está centrado no registro da atualidade por meio de fluxos
periódicos, e que o mesmo se vincula a um momento do contínuo espaço-tempo,
a apropriação desta dimensão conduz à compreensão de um aspecto mais
delimitado: a imprensa ao se firmar como uma instituição, conquista legitimidade
social para produzir uma reconstrução discursiva do mundo com base em um
sentido de fidelidade entre o relato jornalístico e as ocorrências cotidianas. Essa
atualidade vincula-se às idéias de novidade e de perenidade do tempo. A
primeira, ligada a um critério operativo de classificação de eventos, impreciso
enquanto definição do fenômeno; a segunda está relacionada com fenômenos
naturais e conteúdos simbólicos, onde é possível pensar um conceito como
"movimento" e modos de medir a sua "duração", subdividindo-os em unidades
(Ibidem:162).
71
A idéia do novo e da perenidade do tempo surge de relações sociais
concretas, resultantes de experiências sociais imersas em um mundo significativo;
com sentido construído culturalmente. Isto é, esta percepção é adquirida graças à
mediação que a cultura exerce sobre a experiência da vida cotidiana, que se
constitui para além dos movimentos fragmentados que o ser humano produz em
cada instante. O sentido de continuidade surge das relações que um indivíduo
estabelece entre estes movimentos e os estoques de experiências e
conhecimentos anteriores, em uma espécie de ligação tanto a um contexto sócio-
cultural quanto processual, de sucessão histórica dos eventos.
A experiência social conduz o indivíduo a ter, inevitavelmente, um sentido
de presente das coisas, pois a própria vivência no mundo da vida cotidiana
implica em um referencial de lugar e tempo marcado pelo aqui e o agora. O
sentido de temporalidade, fundamentalmente na televisão, pode ser considerado
como uma qualidade ou um conteúdo expresso em traços culturais de objetos e
situações, que marcam a sua dimensão temporal ao serem reconhecidos em uma
relação de identidade com um contexto sócio-cultural, que se vincula a um
presente, um passado ou a um futuro, e está ligado às experiências relativas a
interações sociais (Ibidem:170).
Esse aqui e agora existe no contato direto entre os seres humanos ou
mediados por uma variedade de recursos sócio-culturais, assim como todos os
aparatos tecnológicos e eletrônicos de mediação social.
72
Esta interação, em curso, produz um sentido de presente aos seus
participantes. As formas de comunicação realizadas por meio de instituições
operam simultaneamente com estes dois sentidos de temporalidade: não somente
no conteúdo expresso, mas nos tipos de vínculos que os meios estabelecem com
seus públicos. A vivência em uma sociedade midiatizada resulta da combinação
entre estes dois fatores, regidos pelos formatos lingüísticos específicos de cada
veículo, e aliados a outros modos não midiáticos de vivência social que, mesmo
assim, podem ser influenciados pela mídia nos conteúdos, linguagens e formas
de interação social.
Neste caso, um conteúdo que se sedimenta como um valor estável em
uma cultura, ganha uma temporalidade ampliada, sendo tanto originalmente
ligado a um passado marcado pelo ato de sua enunciação pública, quanto a um
ato do presente ou futuro próximos. Isto é, se considerarmos sua permanência,
como estoque cultural que contribui para a organização de novas experiências
(Ibidem:175-179).
Por exemplo, nas novelas a temporalidade é um recurso narrativo, em que
a marcação de tempo torna-se predominantemente um cenário que proporciona
uma qualidade específica para a trama. Programas de entretenimento e de humor
valorizam a interação que um comediante ou apresentador mantêm com seu
público em um auditório ou com o telespectador. Neste caso, o presente em que a
conversação se realiza, produz uma dimensão temporal que é fundamental para o
próprio sentido de integração entre interlocutores. No telejornalismo o tempo
73
presente não é uma qualidade adicional do conteúdo, mas o próprio demarcador
de sua especificidade em relação aos demais conteúdos.
Pode-se considerar, no entanto, que, apesar da diversidade de conteúdos,
a atuação da televisão demarca sentidos preferenciais de tempo presente, se
forem percebidos os vínculos de sociabilidade que a mídia possibilita. Mesmo que
os conteúdos se refiram a temporalidades diferentes do presente, a televisão os
presentifica ao introduzi-los em um processo de exposição pública, pois o ato de
expor delimita uma nova marcação temporal, criando uma nova situação vivencial
do presente, caracterizado pela emergência e/ou permanência em exposição
pública de atores e conteúdos mediadores da sociedade.
O espaço público que se cria na televisão, por meio da atualidade da
informação, ou tele-espaço, proporciona uma dimensão de sociabilidade cuja
configuração depende, cada vez mais, dos recursos sócio-tecnológicos
característicos dos meios de comunicação eletrônica. Diante disso, afirma Balogh:
A televisão nasce no interior de um admirável mundo
novo, em que a realidade mimetiza, em muitos
aspectos, a ficção... As descobertas tecnológicas se
sucedem mudando as relações entre equipamentos,
cada vez mais presentes em nosso cotidiano
(BALOGH, 2002:25).
Um dos sentidos da expressão "atualidade" é a idéia de ação no tempo
presente, em que o atual é aquilo que ocorre no mesmo momento em que é
percebido pelos nossos sentidos antes de ter sofrido uma modificação
74
substantiva. Mas também pode se considerar como atual o que está em ato, em
movimento, em processo de execução.
Um passo inicial para caracterizar a noção de atualidade é a de aproximar
seu sentido a uma noção de experiência temporal do cotidiano. Os referenciais da
vida cotidiana marcam um sentido de temporalidade a partir de percepções
intersubjetivas, na forma de sentidos de orientação partilhados com outros
homens, como o cumprimento de calendários e a realização de atividades regidas
pelo ritmo da divisão do dia em pequenos fragmentos de tempo.
A concepção de atualidade, trazida pela televisão, fundamenta várias
noções com vínculos ao cotidiano. A constituição do jornalismo como instituição
social nos séculos XVII e XVIII ocorre como decorrência de um intercâmbio
regular de informações entre pessoas privadas sobre assuntos do dia-a-dia que
têm relevância pública. "Os novos públicos conquistados para os jornais, pela
imprensa popular, fizeram alargar o leque do noticiável e dos assuntos de
interesse humano'' (SOUSA, 2004:31).
O alargamento desta dimensão pública na contemporaneidade fez com que
os conteúdos e as funções do jornalismo se tornassem complexos, porém é difícil
defender que esta prática social tenha perdido este vínculo com o cotidiano.
Pretende-se considerar a proposição de que, para entender o alcance da noção
de atualidade no jornalismo, é inevitável admitir que o conteúdo jornalístico
organiza os fatos dentro de uma relação temporal similar à da vivência cotidiana.
75
Diante disso, Wolton afirma: "O discurso televisivo se apropria de uma
operação industrial do tempo e em que ocorre uma redução à experiência da
cotidianeidade", atendendo a uma "retórica organizadora da singularidade fatual
do cotidiano" (WOLTON, 1990:117).
Esta percepção parece fazer com que a noção de atualidade não seja
apenas uma qualidade temporal de um fenômeno, mas um atributo que
caracterizaria a potencialidade de um conteúdo como um elemento que possui
importância na constituição da sociabilidade contemporânea.
Segundo este autor, ao se apropriar do jornalismo, como prática de
mediação social, a televisão passa a atuar como mediadora tanto na
apresentação dos fatos para uma coletividade quanto na sua interpretação,
estabelecendo relações específicas entre atores, temas, situações e contextos
diversos na construção do texto noticioso (Ibidem:121).
A partir dessa idéia é que a realidade pública se torna própria ou específica
de uma esfera ou dimensão da experiência coletiva, comum, partilhada
socialmente, além dos limites da esfera íntima, privada, ou seja, por meio de fatos
e conhecimentos que as pessoas têm do mundo. Este conceito poderia ganhar
mais solidez ao se perceber que a sociedade contemporânea é, cada vez mais,
constituída e/ou mediada por procedimentos e conteúdos midiáticos.
A televisão se apropriaria da realidade pública como componente de sua
programação com o intuito de produzir construções sociais da realidade pelas
imagens e pelos símbolos. A realidade pública citada se situaria como uma
76
espécie de conhecimento disponível publicamente que seria indispensável para
viver socialmente em ação coletiva comunicacional com a intenção de abranger a
sociedade com um presente social contínuo. "A tevê chega a uma massa muito
heterogênea, cujos gostos, atividades, necessidades e proveitos apresentam
muitas variantes" (Ibidem:55).
De acordo com Wolton, as TV´s abertas comerciais e/ou públicas geralistas
representam a confirmação da proposta de implantação do tele-espaço. "Os
programas telejornalísticos ou as novelas constituiriam de certa forma fatores de
integração e de valorização cultural para a identidade nacional" (Ibidem:83).
Como a televisão pode ser vista como uma operação imaginária, na
medida em que a imagem é simultaneamente alicerce, instrumento e resultado da
operação midiática, a sociedade atual situa-se como sociedade do espetáculo,
não se tratando de um ver qualquer e sim daquilo que é instituído pela mediação
tecnológica, econômica e política que define os meios de comunicação, enquanto
mediação e que institui o espaço público na sociedade contemporânea.
A televisão que forma a sociedade-espetáculo, por meio dos processos de
instituições míticas, seqüestra as significações estabelecidas tanto cristalizando-
as em significantes fixos quanto dissolvendo-as em significantes instáveis. A
composição do espaço-tempo público pela mídia, sobretudo pela televisão, é um
ato de poder e de produção capitalista, transubstanciado em espetáculo, na sua
reprodução automática.
77
E ao enxergar o papel que a televisão desempenha nas convenções
relacionadas com a compreensão da ordem social e nos processos que formatam
o espaço público - em que veremos a seguir no próximo capítulo: A televisão, um
grande espetáculo de massa - é possível perceber o fenômeno midiatização
desempenhado por este veiculo, bem como o poder de atuação deste fenômeno.
78
CAPÍTULO II
A TELEVISÃO, UM GRANDE ESPETÁCULO DE MASSA
A televisão se transformou no grande meio utilizado como objeto político do
século XX. Mais do que a realidade do trabalho, da vida em comunidade ou das
afinidades por raça ou cultura, a televisão é o principal midiatizador dos espaços
públicos dos seres humanos, impondo a configuração daquilo que no tempo de
Marx se chamava ‘’classes’’. Para Marx e Engels, classes são "os produtos das
relações econômicas de sua época". Assim, apesar das diversidades aparentes,
escravidão, servidão e capitalismo seriam essencialmente etapas sucessivas de
um processo único orientado pela produção econômica, que ergue uma
superestrutura formada por bases econômicas, sociais, políticas, morais,
filosóficas e artísticas.
Marx queria a inversão dessa pirâmide social, ou seja, pondo no poder a
maioria, os proletários, que seriam a única força capaz de destruir a sociedade
capitalista e construir uma nova sociedade, ''socialista'', em que os trabalhadores
seriam capazes de lutar contra a ideologia capitalista da classe dominante. A
economia do futuro que associaria todos os homens e povos do planeta, só
poderia ser uma produção controlada por todos os homens e povos. Para Marx,
quanto mais o mundo se unifica economicamente mais ele necessita de
socialismo.
79
Não bastaria existir uma crise econômica para que houvesse uma
revolução. A luta do proletariado do capitalismo não deveria limitar à luta dos
sindicatos por melhores salários e condições de vida. Ela deveria também ser a
luta ideológica para que o socialismo fosse conhecido pelos trabalhadores e
assumido como luta política pela tomada do poder. Marx aponta o capitalismo
como um regime selvagem, pois o operário produz mais para o seu patrão do que
para o seu próprio custo. Diante disso, o autor diz que o capitalismo se apresenta
necessariamente como um regime econômico de exploração, sendo a mais-valia
a lei fundamental do sistema (MARX e ENGELS, 2000:50).
Essa análise da TV como aparato social capaz de impor o surgimento de
instâncias sociais a partir das relações econômicas nos permite percebê-la como
agente ativo nos processos em que a política e as instituições econômicas a
utilizam, como mecanismo para difundir suas ações e atingir a grande massa. A
televisão serve eficazmente para construir e reforçar as tradicionais
representações de classe, de grupos e de interesses. A TV, por meio de sua
linguagem e de seu discurso, atua com uma programação mesclada pela
diversidade de gêneros televisuais, que serve para fixar a atenção dos
telespectadores, com isso, difundir idéias e obter resultados ideológicos e/ou
financeiros, tornando-se dessa forma, forte aliada dos anunciantes que se
aproveitam da programação para inserir suas estratégias comunicativas que irão
atuar como um grande espetáculo midiático de manipulação das massas.
80
Neste segundo capítulo trataremos da televisão como um veículo de massa
que é, conforme afirma Dominique Wolton, imagem e laço social. A imagem está
relacionada a uma dimensão técnica, que envolve entretenimento, lazer, mero
''passa-tempo'', informação de utilidade, prestação de serviço, educação e cultura.
E por meio dessas formas de uso da imagem, estabelece-se o laço social,
relacionado ao poder de comunicação do veículo. A televisão associa então estas
duas dimensões, a técnica e a social, para concretizar as ideologias que imperam
de seus patrocinadores e controladores.
Definiremos ao longo do capítulo o fenômeno de massa e a indústria
cultural como os principais responsáveis pela ostentação do poder midiático da
televisão, relacionando esses conceitos teoricamente, com pressupostos
comunicativos que incluem a televisão como fenômeno de massa e produto da
indústria cultural de grande impacto na vida social moderna, submetendo-a a uma
análise de tipo sociológico, para verificar a extensão de sua influência. E, além
disso, levando em conta a amplitude das experiências e a magnitude de suas
repercussões, sem se preocupar com abordagens baseadas em sondagens de
quantidade de audiência e com pesquisas mercadológicas. A partir desse
levantamento, será possível tratar a televisão como um dispositivo audiovisual
através do qual uma civilização pode exprimir seus próprios anseios e dúvidas,
suas crenças e descrenças, suas inquietações e suas descobertas.
Logo em seguida, adentraremos nos bastidores do poder midiático que
sustentam a configuração das redes deste meio, levando em conta a força
81
econômica que faz com que este ande de braço dados com a força política dos
governantes e dos grupos dominantes. Tal alcance tem uma importância política
acentuada, pois a produção de representações ganha novas e variadas formas,
entrando nas disputas do poder político e, conseqüentemente, na disputa dos
valores simbólicos que definem uma sociedade.
Como a mídia se propõe a cobrir todos os aspectos da vida humana, desde
o acontecimento mais insignificante até o mais espetacular. A política utilizará
simbolicamente fatos tratados na televisão para difundir suas ideologias e
transformá-las em doutrinas que pautam os comportamentos, principalmente os
de consumo.
Usaremos o programa Observatório da Imprensa para ilustrar o valor
midiático da informação, transformada em um espetáculo de massa. Desta forma,
mostraremos que este programa, ao utilizar acontecimentos sócios-políticos,
casos de relações entre as instituições e a imprensa, entre a imprensa e o
governo, entre o governo e a própria população, transforma as temáticas em
imagens espetacularizadas.
Como afirma Guy Debord: "O espetáculo não é um conjunto de imagens,
mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens" (DEBORD,
2000:4). O consumo e a imagem ocupam o lugar que antes era do diálogo
pessoal em uma proliferação de vozes, típico do fenômeno de massa e da
indústria cultural.
82
1. O fenômeno de massa e a indústria cultural
Com desenvolvimento mais intenso do capitalismo a partir da revolução
industrial, o capital financeiro oriundo dos meios de produção fabris, passou a
formar cidades com grandes contingentes populacionais em torno de centros
geradores de emprego e renda. Com isso, passa a existir no processo histórico da
humanidade um fenômeno de massa que é o resultado social das grandes
aglomerações urbanas. A partir das demandas sócio-culturais que surgiam
dessas aglomerações, que passavam a acumular riquezas e ter condições
econômicas para satisfazer seus caprichos e anseios, surge uma indústria que irá
alimentar culturalmente uma população sedenta por prazer, entretenimento e
informação. Só que é importante ressaltar que, além da necessidade de
realização desses anseios, originam-se também graves problemas sociais
oriundos desse fenômeno de massa
7
.
O Jornal JC On line, trazia no dia 14 de novembro de 2005, uma matéria
jornalística, assinada por Jayme Panerai, psicólogo e diretor do Libertas
Comunidade, de onde foi possível retirar o seguinte trecho:
Fenômeno de Massa
O que acontece em Paris e arredores pode a qualquer
momento acontecer no Brasil. São Paulo, Rio, Recife
7
A partir da abordagem realizada por Juan Droguett, em sua obra Ortega Y Gasset - uma crítica
da razão pedagógica (2002), foi possível desenvolver um aprofundamento no campo investigativo
referente ao fenômeno de massa e à indústria cultura, levando-nos, com isso, ao uso da obra de
José Ortega Y Gasset, Rebelião das Massas (1971) para complementar esse processo reflexivo.
83
abrigam em seus cinturões milhares de jovens sem
perspectivas de futuro.
O desemprego e a falta de uma política de inclusão
desencadeiam raiva e mágoa. Os atingidos percebem
que a sociedade capitalista ao redor estimula que
poucos tenham acesso a muito. À medida que, como
no caso da França, o preconceito marginaliza e retira
as perspectivas de poder sentir-se cidadão, amplia nas
pessoas a revolta.
Como estudiosos dos fenômenos de grupos, sentimos
a inquietação que movimento como este pode ter
embutido no seu interior. Alemanha e Bélgica
apresentam também fenômenos semelhantes. É um
barril de pólvora que pode se extinguir ou se espalhar
por outras grandes cidades que possuam massas de
marginalizados.
As organizações de mãos dadas com o estado
precisam compreender que o preço da exclusão é
muito alto. Formar redes que busquem saída para
tantas diferenças sociais urge. E todos são
responsáveis, assim como todos têm razão (JC
ONLINE, 2005:5).
Algumas teses sociais e políticas de José Ortega y Gasset abordam um
fenômeno que se configura por diversos problemas sociais provocados pelo
individualismo exagerado existente na sociedade moderna européia do século
XIX e evidentes, em maior intensidade, no século XX, inseridos na aldeia global
contemporânea, causadora do desordenado desenvolvimento urbano e do
84
crescimento populacional, passível à globalização e ao neo-liberalismo
8
-
9
-
10
-
11
.
8
José Ortega y Gasset, grande filósofo e jornalista, desenvolveu estas idéias na
célebre obra Rebelião das Massas, 1971. O individualismo é conceito que
exprime a afirmação do indivíduo ante a sociedade e o Estado. Liberdade,
propriedade privada e limitação do poder do Estado - eis a tônica do
Individualismo. Há tendência em se vincular ou relacionar capitalismo e
individualismo bem como socialismo e coletivismo. Mas aqui trataremos do
conceito expresso por Louis Dumont in, O individualismo: uma perspectiva
antropológica da ideologia moderna (1993), do lado do conceito de um
indivíduo que constitui o valor supremo - caracterizando o individualismo -
teremos o indivíduo que se encontra na sociedade como um todo, caracterizando
o holismo. É do indivíduo que não pode ser submetido a ninguém, sendo as suas
regras pessoais que movem a sua existência que trataremos. O individualismo é o
mais ocidental dos valores. Esta primazia do indivíduo constitui o cerne da
herança judaico-cristã. Louis Dumont acentuou como o individualismo se tornou o
valor fundador das sociedades modernas. E assim, como todo valor, ele contém
sua contribuição, sendo esta um dos mal-estares da nossa cultura
contemporânea: o exagerado individualismo sob o rótulo dos ''ismos''. (DUMONT,
1993:15).
9
Por outro lado, a teoria de McLuhan sobre a Aldeia Global descreveu o efeito da rádio nos anos
20, ao trazer até nós um contato mais rápido e mais íntimo com ''os outros'' do que alguma vez
acontecera antes. O termo Aldeia Global provavelmente deriva da obra de P. Wyndham Lewis,
America and the Cosmic Mano, primeiro publicada em Inglaterra, em 1948, e no ano seguinte nos
EUA. Nele Lewis escreve: "Os Estados Unidos são hoje uma designação errada. E dado que a
soberania plural é - agora que o mundo se tornou uma grande aldeia global, com linhas de
telefone estendidas de um extremo ao outro e o transporte aéreo é rápido e seguro -, de qualquer
forma, um pouco burlesca, a pluralidade tem implícita em si que pouco poderia ser aproveitado
como um bom exemplo para o resto do mundo, pois os Estados Unidos tornaram-se a União
Americana." A Aldeia Global de McLuhan contém a idéia de uma inocência arcadiana, do mesmo
modo que a Fronteira Eletrónica nos remete para a imagem da "verdadeira" América dada pelo
"Marlboro Man", ameaçada ou arruinada por decrépitos vigaristas urbanos e pelos seus ideais
socialistas. A realidade por detrás da metáfora da Auto-estrada da Informação não é a Aldeia
Global, mas antes o Subúrbio Global (GILL, 1993:35).
10
Neste sentido, a globalização é uma revolução política, social e cultural capitaneada pelas
grandes corporações econômicas mundiais e pela integração e desenvolvimento da tecnologia. É
um processo profundo e que se encontra em pleno andamento, ocorrendo em todos os lugares e
interferindo nos aspectos culturais, políticos e econômicos do mundo atual. Duas grandes forças,
características da sociedade atual pós-moderna, que vêm fazendo com que a "aldeia global" de
Macluhan, se torne cada vez menor: a economia global e o progresso tecnológico(MCLUHAN,
1969, apud CRUZ, 2004:23).
11
Assim, neoliberalismo é a resposta à crise do capitalismo decorrente da expansão da
intervenção do Estado, antagônica à forma mercadoria, ainda que necessária para sustentá-la. O
85
Ortega y Gasset explica que os principais problemas sociais e políticos
gerados na modernidade na Europa foram causados pelo surgimento das massas
populacionais ou pela superlotação das cidades, além da padronização do
comportamento que formou a massa social.
O individualismo, como uma das conseqüências da formação das
sociedades de massa, é um dos geradores dos conflitos causados pelos homens,
pois, cada indivíduo, cada grupo fechado, cada sociedade luta por seus próprios
interesses sócios-políticos causando conflitos coletivos e desordens sociais.
Um breve exemplo é o trecho apresentado acima do jornal JC Online. Vê-
se que a superlotação das cidades faz com que os espaços públicos se tornem
palcos de problemas sócios-políticos vividos pelas massas. De acordo como o
exemplo do texto, percebe-se que a população revoltada com a falta de condições
sociais justas, que lhe propicia, sobretudo o desemprego, resolve ir às ruas diante
dos meios de comunicação, reivindicar mais oportunidades e soluções para seus
problemas.
neoliberalismo é uma reação à expansão da intervenção do Estado no estágio intensivo, em uma
tentativa de recompor o âmbito e reassertir a primazia do mercado. As políticas neoliberais
perseguidas ao final dos anos 70 e no começo dos 80 por parte dos governos nacionais dos
países centrais constituem precisamente uma tentativa (crescentemente desesperada) de
'remercadorização' de suas economias. (O Estado capitalista tem que tentar isso, uma vez que
assegurar as condições da produção de mercadorias é sua própria razão de ser, mesmo se, assim
fazendo, Ihe escapa inteiramente o fato de que a negação da negação da forma-mercadoria não
pode restabelecer essa última: privatização não é o mesmo que mercadorização.) O arsenal do
neoliberalismo inclui o farto uso de neologismos que procuram destruir a perspectiva histórica
dando novos nomes a velhos processos ou conferir respeito a pseudoconceitos. Surgem, assim, o
pós-moderno, o desenvolvimento sustentável., os movimentos sociais urbanos, os atores (sociais),
as ong-s, a globalização, o planejamento estratégico..., que procuram encobrir, ao invés de
revelar, a natureza do capitalismo contemporâneo (GILL, 1993:31).
86
Antes de tentar definir fenômeno de massa, torna-se importante elencar o
tema massa, para depois adentrar no que tange à formação de qualquer
fenômeno oriundo desta. Segundo o autor espanhol, o processo de formação das
massas nas cidades se deparara com questões intrínsecas às condições de
sobrevivência e participação política dos indivíduos nos rumos que foram dados
às sociedades que se formaram.
Por massa não se entende especialmente o obreiro;
não designa aqui uma classe social, mas um modo de
ser do homem que se dá hoje em todas as classes
sociais, que por isso mesmo representa o nosso
tempo (ORTEGA Y GASSET, 1971:134).
As massas estariam sob a influencia do descontentamento social gerado
pela insatisfação de perceber o poder econômico e político nas mãos de uma
minoria controladora e excluidora. As massas ao se rebelarem, movidas pelo
sentimento de estarem excluídas do controle do estado e pela frustração de
serem dominadas, passam a gerar novos fenômenos como o da luta e da
reivindicação política por novas oportunidades de inclusão sócio-econômica.
Como mecanismo de difusão de suas idéias e de ampliação de suas
reivindicações, as massas inserem em suas rebeliões os meios de comunicação
para que possam reverberar ainda mais seus descontentamentos.
Como apontado acima, com o exemplo da forma como se posicionou a
população manifestante em Paris em luta por mais empregos e mais
oportunidades sociais, aquela massa reivindicava soluções governamentais para
87
suas demandas por melhores condições de sobrevivência e bem-estar social.
Apesar daquele aglomerado de homens se encontrarem desestruturados
politicamente, sem respaldo político representativo e à margem da sociedade,
movidos unicamente pela necessidade de resolver seus problemas, utilizaram-se
de manifestações populares com a cobertura dos meios de comunicação para
intensificar o raio de abrangência das conseqüências de seus descontentamentos
e causar efeitos negativos sobre a imagem do governo francês na Europa e no
mundo afora; além de gerar, fortemente, críticas sobre alguns efeitos nocivos da
globalização: como o da saída de grande contigente de pessoas dos países
pobres para paises europeus e norte-americanos em busca de empregos. Com
isso há um crescimento demográfico nas periferias das cidades dos países
desenvolvidos, sem condições sociais e econômicas semelhantes aos que já são
daqueles lugares.
O filósofo aborda, ao tratar das massas, o surgimento do homem massa.
Preocupa-lhe esse homem, por ele não se comprometer com sua vocação ou
missão, de atribuir a si um valor, não lhe preocupando melhorar a qualidade de
vida de si e de cada semelhante para melhor identificar no corpo da nação uma
coluna vertebral que une os homens. Esse homem massa permitiria ser dominado
e governado por grupos que somente desejam vê-lo esvaziado de discernimento
e compreensão política sobre seu mundo. Assim diz o autor:
Um homem-massa é o homem esvaziado de sua
própria história, sem entranhas de passado e, por isso
mesmo, dócil à toda as disciplinas chamadas
88
`internacionais'. Não é um homem, é apenas uma
forma de homem... (Ibidem:26).
O distanciamento e o esvaziamento dos homens das questões pertinentes
a sua história política e a sua história de vida, em um contexto mais amplo,
quanto à formação de sua sociedade, contribuiria para formação de massas
dirigidas por lideranças revestidas de demagogia e centralização do poder; sem
permitir participação popular em questões de interesse coletivo. Esse tipo de
acontecimento estaria incluído no que pode se chamar de hiperdemocracia
12
das
massas, cuja lei é: quem não for como todo mundo, quem não pensar como todo
mundo, correrá o risco de ser eliminado. Isso nos faz lembra uma famosa frase de
Margareth Thatcher, ex-primeira ministra da Grã-Bretanha, sobre a globalização:
there is no alternative, ou seja, a globalização é um fenômeno social e econômico
produzido pelas mudanças tecnológicas e pela expansão dos mercados que visa
abranger a todos em todos os lugares do planeta. A hiperdemocracia, como
resultado de um fenômeno de massa, e alimentada pelos interesses de grupos
que dominam o poder econômico, tenderia a abastecer constantemente os
mercados e a todos os indivíduos com novas informações e tecnologias,
garantindo novos espaços públicos, por meio da midiatização dos acontecimentos
sociais e políticos.
12
Do ponto de vista político, o efeito da rebelião das massas manifesta-se naquilo que Ortega
chama de hiperdemocracia. A velha democracia viveu temperada por uma abundante dose de
respeito para com a minorias dirigentes e de entusiasmo pela lei. Ao servir estes princípios, o
indivíduo vê-se obrigado a sustentar em si mesmo uma disciplina difícil. Democracia e lei,
convivência legal eram sinônimos. Hoje assistimos, escreve Ortega, ao triunfo de uma
hiperdemocracia em que a massa atua diretamente sem lei, por meio de pressões materiais,
impondo suas aspirações e seus gostos (DROGUETT, 2002:61).
89
Essa hiperdemocracia, visualizada como mecanismo do neoliberalismo,
está estruturada para agir como aparelho de imposição de padrões culturais e de
consumo às massas, quanto aos seus gostos e desejos, que muitas vezes estão
vinculados a pressões materiais e ao desejo de poder, sem o reconhecimento de
leis e sem se preocuparem com a própria vida. Um dos sintomas evidentes da
hiperdemocracia é a expansão do crime organizado e de grupos que lutam
somente em prol de seus próprios interesses, recorrendo a meios ilícitos para
conseguir poder econômico e político, utilizando-se da violência e do terror sem
reconhecer leis que garantem a paz e o bem comum. Ortega y Gasset verifica
que quando as massas triunfam, reina também a violência como doutrina para
impor a submissão a grupos que tentam impedir os objetivos políticos e
econômico em curso.
Para controlar a violência das massas, nasce o Estado, aparelho este que
criará mecanismos institucionalizados para garantir segurança social, permitir o
desenvolvimento comercial e legitimar controle do poder pelos que ocupam os
lugares de governantes. O nascimento do Estado se dá, sobretudo com o declínio
do feudalismo no final da idade média, quando começam a se formar os estados
nacionais absolutistas que permitirão o crescimento da burguesia e das elites
comerciais que controlarão as massas pelo poder econômico.
O homem massa não se preocupa com sua civilização, nem com sua
própria cultura e sua educação, que seriam os caminhos que ele tem para sair da
90
condição de despolitizado e indivíduo a mercê das influências da midiatização dos
espaços imposta pela sociedade de consumo ou pelo controle do Estado.
O resultado dessa situação é crucial para a vida de cada ser humano
porque os homens passam a viver em função do controle econômico e estatal,
que impõe normas e leis, sendo controlados por uma máquina burocrática que
determina os níveis de liberdade social dos indivíduos, ditando como estes devem
se comportar e o que devem consumir culturalmente. Essa é a razão dos
governos totalitários
13
por terem se espalhado ao longo do século XX, para
garantir que o controle interno do Estado não fosse ameaçado pelo poder
econômico oriundo de outras grandes potências interessadas em ampliar seu
domínio pela hiperdemocracia e pelo neoliberalismo.
De acordo com Ortega y Gasset, os governos totalitários e também a
sociedade de consumo são fabricantes potenciais de homens massa, pois fariam
com que os indivíduos se rendessem de forma mais fácil a seus projetos políticos.
O autor postula uma rebelião individual contra os desejos do homem massa em
suas obras sobre política. Defende a revolta pessoal contra a consciência coletiva
para manter o homem numa posição seleta pela sua própria capacidade de
trabalhar, construir e se esforçar cada vez mais para melhorar sua vida.
Apresenta uma nova forma de encarar o mundo por meio da experiência
13
Entende-se por governos totalitários, os regimes políticos que se baseiam no controle político do
Estado por um sistema que impõe por meio de um ditador, as normas e as leis que conduzirão a
vida de toda a nação, sem permitir a participação democrática e popular nas questões relevantes
que são adotadas para o país.
91
individual. O ser humano é um defensor do valor próprio dele mesmo, enquanto, o
homem massa é o inimigo consciente de sua singularidade.
A primeira coisa a se fazer para melhorar a vida, na avaliação de Ortega y
Gasset, é socializar os homens fazendo com que saiam da condição de homens
massa. Isso pode parecer um paradoxo, mas não o é. A vida singular do homem
se dá no meio social e só nele o homem está como que em casa. Preocupar-se
com a política é ocupar-se com a vida social, o que só pode ser conseguido pelo
humanismo e pela cultura. Assim, preocupar-se com o social é cultura, construção
que, por sua vez, promove a paz.
Ao afirmar que pelo humanismo e pela cultura é possível o indivíduo
socializar-se e sair da condição de homem massa, Ortega y Gasset faz surgir um
paradoxo na nossa sociedade contemporânea, expresso no pensamento de
Néstor Garcia-Canclini: ''Ao socializar-se e buscar cultura, os indivíduos se
deparam com a Indústria Cultural, fruto de uma sociedade capitalista
industrializada, onde até mesmo a cultura é vista como produto a ser
comercializado'' (GARCIA-CANCLINI, 1997:64).
Neste percurso em que tentamos definir o fenômeno de massa na
sociedade contemporânea, vemos que o indivíduo ao tentar socializa-se, por meio
do conhecimento e da cultura social, passa a admitir padrões coletivos que
gerarão comportamentos e consumos.
Desta forma, os meios de comunicação, como elementos deste fenômeno
de massa, conseguem midiatizar os acontecimentos cotidianos e ao mesmo
92
tempo estarem inseridos no dia-a-dia das pessoas, devido ao fato dos sujeitos
considerarem instrumentos eficientes que retratam e registram os eventos sociais
e entregando objetivamente aquilo que é útil, importante e capaz de entreter, por
isso, consegue gerar tanta necessidade de consumo na população.
Esse fenômeno de massa que propicia a midiatização do espaço público
do homem, integra-se à vida de todos como o intuito de fazer com que a
população consuma e propague os bens simbólicos difundidos pela mídia, como
parte integrante das engrenagens que formam a indústria cultural. É neste sentido
que podemos afirmar que a televisão se torna peça de alta relevância neste
fenômeno de massa, por gerar, como afirma Arlindo machado, um impacto na
vida social moderna, sendo merecedora de submeter-se à análise sociológica,
pois é um dispositivo que permite à civilização contemporânea exprimir anseios,
dúvidas e suas ideologias. Machado diz em sua obra, A televisão levada a sério,
2001, que a TV é e será aquilo que nós fizemos dela (MACHADO, 2001:12).
Este autor faz essa afirmação demonstrando que a qualidade da TV nem
sempre é desenvolvida no mesmo nível para todos. A TV, por se integrar a um
fenômeno social coletivo, que dita a influência dos meios de comunicação em
nossa sociedade, é usada para atender os mais diversos gostos e atrativos dos
seres humanos. Por oferecer os mais variados gêneros televisivos
14
à população,
14
De acordo com Arlindo Machado em sua obra, A televisão levada a sério (2001), os gêneros
televisuais existem numa diversidade tão grande que muitas vezes se torna complicado estudá-los
enquanto categorias. De fato, como colocar no mesmo pé de igualdade eventos audiovisuais tão
distintos entre si, como uma narrativa de ficção seriada, a transmissão ao vivo de uma partida
esportiva, o pronunciamento oficial de um presidente, um videoclipe, um debate político, uma aula
de culinária, uma vinheta com motivos abstratos, uma missa ou um documentário sobre o fundo
93
este veículo é também matéria de um complexo arcabouço jurídico que limita sua
ação na indústria cultural.
Assim, cada vez mais, a indústria cultural ao explorar a eficácia dos seus
geradores de produtos, como a TV, determina o consumo de bens, praticando
normas sociais, repetidas vezes, para condicionar socialmente um fenômeno de
massa. A exemplo disto vemos a moda imposta pela indústria do vestuário e da
estética, ou pelo mundo do show-business. A indústria cultural fabrica seus produtos
com as seguintes finalidades: a) serem trocados por moeda, b) promover a
fixação dos seus bens pelo gosto popular, c) obter uma atitude sempre passiva do
consumidor simplificando ao máximo seus produtos.
Os bens, como objetos construídos para se transformarem em fenômenos
de consumo da coletividade, são elaborados para serem consumidos
descontraidamente. Segundo Adorno, os bens produzidos refletem o mecanismo
econômico que domina o tempo do trabalho e o tempo do lazer (ADORNO e
HORKHEIMER, 1969:34). O consumo desses produtos pode levar à alienação /
revelação, entendidos como um processo no qual o indivíduo é levado a não
meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do meio social a seu redor, para
alimentar o sistema que o envolve.
do mar? Os gêneros são categorias fundamentalmente mutáveis e heterogêneas (MACHADO,
2001:70).
94
Diante disso, é bom destacar a importância da publicidade, como
ferramenta comercial, para a manutenção e sobrevivência dessa indústria. A
função manifesta da publicidade é aquela de "vender um produto", "aumentar o
consumo" e "abrir mercados". Em cada anúncio "vende-se" estilo de vida,
sensações, visões de mundo, relações humanas, sistemas de classificação,
hierarquia, etc. No entanto, a recepção e a apropriação dos produtos da mídia são
processos sociais complexos em que indivíduos dão sentido às mensagens de
uma forma ativa, adotam-nas com diferentes atitudes e as usam distintamente ao
longo de suas vidas.
Adorno define a indústria cultural como um amplo aparelho que dissemina
a "cultura de massas", a que não surge espontaneamente do povo; tampouco a
que se pode ser concebida como cultura popular. A indústria cultural é uma
produção dirigida para o consumo das coletividades de acordo com planos
preestabelecidos. Segundo o autor, deve-se ter em mente que há uma estreita
inter-relação entre a produção e o consumo, esta determinando o que deve ser
consumido e vice-versa. Em termos culturais, essa inter-relação faz com que
aquilo que é culturalmente produzido, assemelhe-se a qualquer produto
industrializado, incluindo toda uma estratégia de marketing, objetivando levar esse
produto ao público consumidor (Ibidem:36).
Para a indústria cultural o que importa é que o produto criado tenha gerado
nas massas a necessidade de consumo. Para isso, deve existir toda uma
estratégia de divulgação e marketing para que os meios de comunicação possam
95
estabelecer novas necessidades de consumo, novos produtos e novos públicos
alvos.
O denominador da indústria cultural, segundo Adorno, é a produção para o
consumo das massas: ''A indústria cultural é a integração deliberada de seus
consumidores. Ela força a união dos domínios das artes criadas para atingir as
diversas classes sociais'' (COHN, 1978: 289). Como a indústria cultural veicula
seus bens com bastante veemência pela televisão, observa-se claramente a
influência da TV sobre o povo;.como em um círculo vicioso, ao mesmo tempo que
são divulgados, criam-se novas necessidades.
Daí, como afirma Adorno, a manipulação está no agir sem que haja o
desenvolvimento da consciência crítica, sócio-política e cultural, de modo que se
possa optar com clareza e lucidez tanto pela escolha dos meios quanto dos fins
das transformações pretendidas, assim como vislumbrar os tipos de
transformações que são necessárias para cada momento.
Como já dito, a indústria cultual é fruto de uma sociedade capitalista
industrializada, na qual até mesmo a cultura é vista como produto a ser
comercializado. Segundo Adorno, tudo o que é produzido pelo sistema
industrializado de produção cultural: TV, rádio, jornal, revistas, etc é elaborado de
forma a influenciar, aumentar o consumo, transformar hábitos, educar, informar,
pretendendo-se ainda, em alguns casos, atingir a sociedade como um todo e
neste propósito, estão implícitos os desejos de poder que a mídia oculta nos
bastidores de sua produção.
96
97
2. Os bastidores do poder midiático
Ao midiatizar a sociedade e o espaço público político contemporâneo, os
meios de comunicação elaboram em seus bastidores ferramentas discursivas e
técnicas, que permitem garantir a legitimação do poder comunicativo por meio de
influência simbólica e da capacidade de manipulação dos interesses sociais de
seus públicos, devido a produção de conteúdos que irão conduzir a formação da
opinião sobre temas e acontecimentos de relevância social que dinamizam a vida
da coletividade.
É possível aceitar o argumento de que a publicidade, o marketing político e
as estatísticas das pesquisas de opinião impõem-se na medida em que se retrai a
cena tradicional da política, por meio da participação popular nos espaços
públicos? Com a reabertura política no Brasil, após o término do regime militar em
1985, os partidos políticos passaram a se utilizar da mídia, sobretudo televisiva,
além de todos os outros veículos midiáticos para desenvolver trabalhos
ideológicos e tentar se inserir no poder estatal, para terem o controle da máquina
administrativa pública.
Devido a existência de um vácuo de representatividade sócia-política por
falta de estruturação democrática nacional, esse espaço representativo foi
preenchido, principalmente pela televisão, tendo como conseqüência, a adoção
de técnicas que criam a simulação de homens públicos comprometidos com o
desenvolvimento da nação, bem como de um simulacro ou a tentativa de criar
98
tecnicamente o real para transmitir a idealização de algo que existe no imaginário
da população. Muniz Sodré, em sua obra, Televisão e psicanálise (1987),
afirma:
(...) nesses espaços mediados, trava-se uma
novíssima disputa eleitoral: em vez de plataformas
marcantes, vantagens percentuais nas pesquisas, em
vez de posições ideológicas, rostos fotogênicos ou
telegênicos, em vez de representação, simulação
(SODRÉ, 1987:22).
Diante disso, vê-se que o espaço público político, ao ser midiatizado,
adquire uma construção em forma de espetáculo que é criado nos bastidores do
poder da mídia para que os resultados a serem atingidos interessem a grupos que
investem em busca de domínio e legitimação política. Durante essa formatação
nos bastidores no poder midiático, esse espaço político perderia seu conteúdo
próprio que visa a ampliação da participação popular nos assuntos de interesse
coletivo, e os partidos políticos também perderiam sua identidade como
mediadores de interesses entre a sociedade e o Estado.
Como destaca Garcia-Canclini, ao ocupar o lugar das mediações, que é
próprio da política, a mídia diagrama ambientes que têm que se adequar às
regras de sua gramática, que é construída com normas que indicam as formas
como os meios de comunicação devem atuar na sociedade, valorizando a
atualidade dos fatos que enaltecem suas conduções ideológicas e a construção
da programação e dos bens simbólicos midiáticos que moldam a linha discursiva
99
do meio. Ao se adequar às normas dos bastidores do poder midiático, a política
aceita a premissa de incorporação da comunicação como componente
contemporâneo de vital importância para a sua consolidação social, pois sem ser
assim, seria impossível efetivar sua realização, sobretudo, nas grandes cidades.
Ao afirmar a centralidade da mídia nas campanhas políticas, ou seja, os
meios de comunicação ocupariam uma posição central no que tange o nível de
influência que pode ser ampliado pelos políticos com o uso da mídia, para
intensificar sua força de atuação em relação a seus públicos, Giovanni Sartori, em
sua obra, Homo videns: televisão e pós-pensamento (2000), defende que o
uso dos meios de comunicação para se atingir resultados satisfatórios em
processos políticos é uma característica da midiatização dos espaços políticos,
sobretudo pelo uso da televisão, para ampliar o raio de alcance do discurso
político. Sartori aponta o uso da vídeo-política, definida pela introdução da cultura
audiovisual nas relações sociais e, particularmente, nas de poder, como meio de
criar simulacros que retratam tecnicamente o real para aumentar a atuação dos
partidos menos institucionalizados socialmente.
Do ponto de vista institucional, a importância da vídeo-política dependeria
diretamente do contrapeso dos partidos políticos: quanto menor o grau de
institucionalização partidária, maior o espaço aberto para a expansão e
penetração da vídeo-política. Dessa forma, Guy Debord em sua obra, A
sociedade do espetáculo, re-editada em 2000, defende que nas sociedades
fortemente institucionalizadas, a vídeo-política se apresenta sem limite de
100
fronteiras no cenário "espetacularizado" da contemporaneidade ocidental''
(DEBORD, 2000:8).
A vídeo-política atuaria em diversos tipos e graus de intervenção sobre a
cultura política, que vão além de uma campanha eleitoral e incluem jornais,
entrevistas, debate, publicidade, horário gratuito político eleitoral e os
comentários, além das manipulações informativas
15
. Diante disso, consideramos
os partidos políticos culturalmente despreparados para absorver as mudanças
trazidas com a introdução da mídia, particularmente da televisão, na política. O
aparecimento, o desenvolvimento e, sobretudo, a difusão da televisão implicou
em um deslocamento progressivo do centro de gravidade do espaço político que
passou das assembléias parlamentares para a mídia. O uso da TV nos processos
políticos tem sido acusado de ter ajudar a erodir o sistema eleitoral, pois os
candidatos estariam sendo forçados às banalidades da política da imagem,
realçadas pelo noticiário da televisão que impõe sua organização e sua dinâmica.
A influência da TV na política é parte importante inserida no fenômeno da
midiatização, ou seja, atua como um próprio fenômeno, o da midiatização da
política, que realiza transformações e controles sociais por estar submerso no
universo midiático globalizado, e ao mesmo tempo, inserido em aparatos
audiovisuais informatizados que permitem as sociedades se caracterizarem por
conflitos e pelo consumismo asfixiante, propiciando a fragmentação social dos
15
As manipulações informativas se enquadram em um contexto de transmissão de notícias
pautadas para formarem um fluxo discursivo em torno de abordagens pré-estabelecida para se
atingir resultados ideológicos de interesse sócio-político e econômico.
101
poderes locais e regionais, que tornam difícil a governabilidade e a sustentação
econômica.
O fenômeno da midiatização da política, como um componente das
mudanças sociais contemporâneas, detém aparelhos hegemônicos que atuam na
constituição do imaginário político, que se torna hegemônico ao se estabelecer
como algo inevitável a acontecer no mundo. A globalização, o neoliberalismo e a
hiperdemocracia são disseminados pelo planeta por meio da construção do
imaginário político dos seres humanos como sistema que não serão mais
retroagidos, pois não há mais espaço no planeta para sistemas que defendem
governos contrários ao capitalismo e à democracia.
O imaginário político que se forma sob a influência dos meios de
comunicação, representaria os pressupostos mais autênticos, atrelados aos
princípios ideológicos da comunicação, que se legitimam pela liberdade de
informação e de opinião, bem como pela livre iniciativa de capital e de geração de
renda. E a televisão, como um desses aparelhos, torna-se um dos principais
meios construtores de cenários dominantes que ampliam a visibilidade
comunicativa massiva.
Martín Barbeiro, em sua obra, Experiencia audiovisual y desorden
cultural (1998), afirma que a televisão tem oferecido espaço privilegiado, onde as
coletividades identificam suas necessidades de representação e legitimação, mas
que em certos momentos não diferem a hora de interpretar o que esta máquina
hegemônica tenta lhes fazer consumir (MARTIN-BARBERO, 1998:29).
102
O autor diz que, como a televisão sustenta complexas redes estruturais
para produzir conteúdos e espetáculos, ao produzir shows midiáticos, tem
cansado também o telespectador com suas apresentações de situações políticas
que envolvem escândalos, intrigas e corrupção, não expostos como problemas
sociais que carecem de seriedade em suas resoluções (Ibidem:28). De acordo
como o autor, a TV, por vezes, peca por não transmitir e passar responsabilidade
cidadã (Ibidem:29).
O espetáculo televisivo deixa nesses momentos, no espectador uma
sensação de ignorância diante do processo de recepção, pois, não dá tempo para
assimilar o sentido das mensagens, além de gerar um resto de silêncio e fastio,
próprio das drogas e das mensagens evasivas devido ao uso de mensagens com
intuito de induzir o consumo e a excitação. O uso da televisão, com propósitos
unicamente comerciais, tem a capacidade de gerar imagens, não para comunicar
e abranger, mas para estimular a apreensão de estímulos que induzem ao
consumo; por isso, é somente pela investigação que se impõe uma reflexão
teórica ao que é recebido.
Os autores Paolo Mancini e David Swanson, em Politics, Media and
Modern Democracy: an International Study of Innovations in Electoral
Campaingning and Their Consequences (1996), abordam a influência dos
meios de comunicação no campo político, especificamente nas campanhas
eleitorais. De acordo com os autores, nenhuma campanha é exatamente como
outra, e, certamente, nenhuma campanha eleitoral de uma Nação é exatamente
103
igual a outras de outros países; assim, como os métodos e práticas usados nas
campanhas eleitorais vêm mudando constantemente, tornam-se assuntos difíceis
de se estudar, e o que acontece com as campanhas reflete, oportunidades,
tradição, personalidades e cultura política (MANCINI & SWANSON, 1996:12).
(...) the outcomes of these fresh literature is what
would can opinion a curious apparition: about of the
world, many of the recent changes in the electoral
countries divide themes in vulgar in spite of the big
differences of culture policy, historic and institutions of
the countries in the which its happened (Ibidem:12).
Os autores abordam que as práticas de campanha criadas nos bastidores,
mereciam ser examinadas, em parte, como ponto inicial para considerar as
mudanças fundamentais que poderiam estar ocorrendo nas democracias ao redor
do mundo. Nesse sentido supunham que a adoção de métodos de campanha,
como padrão norte-americano poderia refletir em um amplo e não parcial
processo que estaria produzindo mudanças em muitas sociedades, mudanças
que seriam difíceis de se atribuir a uma simples causa e que iriam além da política
e da comunicação.
Assim:
(...) we are alive in the americanization, in the export
and in the local adaptation of the particular techniques
field, in the modernization, at the most ample and
basal process of changes that suppose conduce for
the adaptation of these techniques in the contexts
national different (Ibidem:16).
104
Desse modo, as inovações nas campanhas eleitorais dos últimos anos, que
parecem ser práticas que foram primeiramente desenvolvidas nos Estados
Unidos, resultam fundamentalmente da transformação da estrutura social e da
forma das democracias nos países onde as inovações têm sido adotadas. Estas
transformações fazem parte de um processo de modernização, que defende o
seguinte pressuposto: quanto mais avançado está o processo de modernização
dos instrumentos políticos em um país, mais provável será de se perceber
inovações nas campanhas eleitorais sendo adotadas e adaptadas.
Diante disso, vê-se que os padrões adotados pela vídeo-polítca, por meio
de todas as estratégias comunicacionais trabalhadas nos bastidores do poder
midiático, adequam-se aos moldes assumidos pela forma oriunda de uma
americanização das campanhas e, por meio de adaptações, ocorrem
modernizações que podem ser vistas nas campanhas eleitorais no Brasil.
De acordo com Mancini & Swanson, os padrões que se enquadram no
conceito de "americanização" são usados para referir-se descritivamente a
elementos das campanhas eleitorais e à atividade profissional conectada a elas,
desenvolvido, em primeiro lugar, nos Estados Unidos e agora sendo aplicado e
adaptado de várias formas em outros países, sobretudo no Brasil por meio do
trabalho de profissionais de marketing especializados em política que constroem
ambientes televisivos aprimorados para efetivar a disputa na televisão. Devido ao
tempo televisivo destinado aos partidos, ocorrem as coligações partidárias para
105
que haja maior período de exposição na televisão, e com isso, sejam exploradas
táticas eleitoreiras audiovisuais.
O conceito de "modernização" dos métodos eleitorais explorados no meio
televisivo diz respeito a um contexto de mudanças mais amplas, induzidas por
variáveis que vão muito além da esfera política ou da esfera da comunicação, que
diz respeito à transformação estrutural da sociedade e das formas da democracia.
Deste modo, colocando os dois conceitos defronte, o da americanização e
o da modernização das campanhas eleitorais, vê-se que devem ser entendidos
restritivamente como um conjunto de ações específicas de um processo mais
geral de sofisticação da sociedade, cuja difusão vem sendo notavelmente
acelerada pelo fenômeno da globalização da mídia, fazendo as barreiras culturais
diminuírem, unificando e estabelecendo agendas de comportamentos políticos,
econômicos e culturais em escala mundial.
Algumas características podem ser apontadas diante do processo de
modernização das campanhas eleitorais, aperfeiçoado pelo advento da mídia:
inicialmente, pode-se falar da personalização da política, expressa pelo
predomínio da relação entre os eleitores e os candidatos individuais em
detrimento aos laços tradicionais de confiança e de ideologia entre a população e
os partidos que, desta forma, perdem substância enquanto agregação simbólica e
estrutura organizada.
Os candidatos, nesse caso, parecem competir por eles mesmos ao mesmo
tempo em que sua imagem pessoal, construída pela mídia toma o lugar das
106
ligações simbólicas que antes eram asseguradas pelos partidos políticos, ou seja,
não existindo mais uma identificação do candidato com o partido.
Habermas trata de uma cientifização da política, em que o conceito
elaborado pelo autor é usado neste contexto para exprimir a crescente
preponderância nas campanhas
16
modernas de um time formado por
especialistas e técnicos que cada vez mais controlam não só a produção de
informações, como também sua interpretação com vistas à tomada de decisões
críticas no desenvolvimento da campanha (HABERMAS,1984:65).
A expansão da função dos técnicos nas campanhas
reflete, por um lado, os métodos sofisticados e as
habilidades que são dadas como necessárias para a
condução de uma campanha na política
contemporânea dentro do ambiente da mídia
(incluindo as habilidades associadas com as
pesquisas de opinião pública e outros métodos para
monitorar os desejos e as vontades dos eleitores,
criando fortes propagandas de televisão, cobertura
favorável, positiva e freqüente da mídia para o
candidato e obtenção de fundos financeiros) e, por
outro lado, o grande enfraquecimento do papel dos
partidos, que não são mais capazes, por exemplo, de
suprir as necessidades de fundos e de pessoal
competente (WATTENBERG, 1984:131).
16
Campanhas políticas podem ser definidas como complexos sistemas eleitoreiros para angariar
votos em prol de políticos que tentam se eleger para cargos públicos. As campanhas políticas
modernas se formatam com equipes especializadas, formadas por profissionais de comunicação,
de marketing, de ciência política e de logística, trabalhando para divulgar as propostas dos
candidatos aos eleitores; em difundir a ideologia trabalhada pela corrente partidária, bem como
divulgar o candidato, por meio de seus atos sociais de relevância para comunidade. Vale ressaltar
que ainda se configuram nas disputas eleitorais os embates, as acusações e até a manipulação de
informações em prol de resultados satisfatórios e em detrimento dos opositores.
107
Assim, os publicitários, os profissionais de marketing político,
pesquisadores, cientistas políticos, relações públicas e jornalistas ganham
crescente relevo no interior da campanha e tomam decisões que antes eram
processadas dentro dos aparelhos dos partidos pelas lideranças políticas e
executadas por entusiastas e militantes. Dessa forma, o objetivo é simplesmente
a vitória eleitoral, e não encontrar alternativas úteis à política pública. Este
objetivo parece resultar do inevitável enfraquecimento das organizações
partidárias e das mudanças que podemos notar nos sistemas políticos;
Outra característica é o aprimoramento de uma estrutura autônoma de
comunicação. Esse é um dos traços mais salientes da modernização. O
desenvolvimento de uma poderosa e autônoma comunicação de massa, cuja
influência penetra em todas as dimensões da vida social, política, econômica e
cultural.
Com havia sido abordado antes, durante o período que sinaliza o término
do regime militar e a reabertura política no Brasil, os partidos políticos passaram a
utilizar-se da mídia, sobretudo televisiva para ampliar suas atuações institucionais
ideológicas. De fevereiro de 1984, quando se deflagrou a campanha das 'Diretas
já', a abril de 1985, com a morte do Presidente Tancredo Neves, são 14 meses de
imensa efervescência política, durante os quais os meios de comunicação
desempenharam papel inédito em sua história e se destacaram por sua
capacidade de intervir no cotidiano extraordinariamente rico de uma crise de
transição.
108
A TV Globo, ainda no início do processo das 'Diretas Já', em 1984,
manifestava-se timidamente em relação ao movimento social que exigia a
transição do regime militar para um governo democrático. Fica famoso o episódio
em que a TV Globo transmite um dos maiores comícios em prol das 'Diretas Já'
em São Paulo como uma manifestação da classe operária por maiores salários.
Porém fica claro que a TV Globo constata que seria inevitável não fazer as
coberturas tele-jornalísticas sobre um evento de tamanha proporção sócio-político
nacional. De aparato criado pelo regime militar autoritário, e com ele
completamente identificado, a TV Globo passa a exercer um inesperado papel de
protagonista das oposições, com isso ampliando um arco de alianças
inesperadas.
''Na medida em que legitimava o regime emergente, legitimava-se também
sua atuação junto à opinião pública. Uma nova TV Globo surgia com a Nova
República" (GUIMARÃES e AMARAL VIEIRA, 1998:28).
Com a alteração dos regimes políticos, de autoritário para democrático no
Brasil, viu-se que a mídia tendeu a assumir funções políticas antes exclusivas de
organizações partidárias ou de órgãos de imprensa controlados por partidos ou
governos; tais como: a socialização política e a divulgação de informação para o
público sobre política e ação governamental.
A autonomia da comunicação de massa tornou os políticos mais
dependentes da mídia, provocando, em conseqüência, a profissionalização da
comunicação política dos partidos e dos líderes políticos, bem como do próprio
109
governo na tentativa de manipular a mídia independente, que é formada por
veículos de imprensa que não têm a mesma capacidade de abrangência social
que os grandes veículos têm, mas exercem em determinados setores da
sociedade, forte influência sobre as comunidades e sobre classes profissionais
que desempenham relevante papel social sobre a opinião pública.
Uma outra característica da apropriação dos instrumentos midiáticos de
difusão de bens simbólicos e mensagens por partes da política, é o
distanciamento dos partidos em relação aos cidadãos. Nas sociedades
contemporâneas a fragmentação social e a diferenciação dos interesses políticos
impedem ou dificultam a relação direta entre líderes e partidos políticos e os seus
eleitores, assim como a apreensão de suas preocupações e demandas correntes
por meio do contato pessoal. Entre os efeitos dessa apropriação, encontra-se o
progressivo declínio da rede de militantes partidários e ativistas, que defendem e
promovem a ideologia política do partido, e a perda do sistema de comunicação
interpessoal que articulava os eleitores às organizações partidárias.
A pasteurização que nivela a política pela
descaracterização do discurso, tem sido apontada
como um dos resultados reveladores da submersão
das identidades partidárias no universo unificador da
mídia, no qual é próprio que políticos não se
destaquem por sua experiência, pelo programa de seu
partido nem mesmo por sua capacidade de liderança
no processo político, mas, pela simpatia que seus
'marketeiros' conseguem suscitar nos grandes
auditórios (TREJO, 1995:117).
110
Por outro lado, com a ascendência crescente dos especialistas de
campanha, os partidos políticos foram compelidos a abandonar suas bases
ideológicas pelas bases de opinião que, obviamente, são aferidas através de
sondagens e pesquisas sob a responsabilidade de empresas especializadas. O
resultado final destas mudanças é o crescente distanciamento dos partidos da
vida cotidiana e dos seus eleitores.
A profissionalização das campanhas políticas faz com os partidos
trabalhem de forma estratégica para obter com eficácia seus resultados
almejados, ou seja a vitória nas urnas. Devido a essa profissionalização, os
partidos se utilizam, sobretudo e de forma mais contundente, dos mecanismos de
indução da opinião pública, por meio de ações comunicativas e de marketing,
para atingir os eleitores quantos a seus interesses. Como este trabalho surte
efeito em nível de massa populacional, com maior eficiência, os partidos investem
menos nas ações que visam uma aproximação isolada com alguns grupos da
coletividade.
Com a transformação do cidadão em espectador, havendo a centralidade
da televisão nas campanhas políticas modernas, o evento político alterou-se das
ruas e praças públicas para a sala de televisão dos eleitores. Nada, portanto, é
mais revelador do que o fato de a mídia não ser apenas um poder auxiliar,
conforme pensa quem a chama de quarto poder, mas o palco dinâmico central
das articulações sócio-políticas que influenciam a opinião pública.
111
A mídia não só fornece os temas sobre os quais os públicos/eleitores
devem pensar, colocando-os em categorias semantizadoras determinadas; como
também age de acordo como um dispositivo de produção do próprio poder de
nomeação e, no limite, também de funcionamento da própria esfera política.
Assim, parece estar havendo um consenso de que a antiga fórmula da
centralidade política das comunicações foi substituída por uma proposta de
centralização das comunicações na atividade política. Dessa forma, tanto no nível
do intercâmbio político como no do simbólico, o funcionamento do sistema político
nas democracias da sociedade moderna está sendo cada vez mais determinado
pela mídia.
Robert Stam em sua obra, Introdução à teoria do cinema (2003), pontua
que a informação, enquanto mercadoria, passa a obedecer e sujeitar-se, muitas
vezes, às leis do mercado da oferta e da demanda, adequando-se a múltiplos
ambientes comunicativos, ao invés de cumprir e se adequar a regras
deontológicas e cívicas comprometidas com a formação de um espaço realmente
sócio-democrático. Assim, o autor descreve:
Os meios de comunicação de massa formam uma
complexa rede de signos ideológicos situados no
interior de ambientes múltiplos - o ambiente dos meios
de comunicação, o ambiente ideológico mais amplo e
o ambiente socioeconômico - cada qual com suas
especificidades (STAM, 2003:337).
112
De acordo com Stam, a mídia consegue conduzir a opinião pública através
de sua capacidade de transformar e instrumentalizar a informação em prol de
interesses que considera relevantes. Dentro de complexas redes ideológicas que
obedecem a interesses econômicos e políticos, impera uma produção midiática
que prima pelo ganho de altos índices de audiência em prol do crescimento dos
conglomerados formados por redes de comunicação, atrelados a grupos
industriais e financeiros, que além de terem sua dinâmica empresarial movida
somente pela força do mercado, estão cada vez mais distante das ações que os
identificam como peça instrumental de estímulo para o desenvolvimento da
democracia.
E diante da existência dessas redes ideológicas que fomentam somente o
crescimento do poder econômico, surgem instituições midiáticas voltadas à
formação de uma posição crítica em relação ao que é produzido por esses meios.
Algumas dessas instituições atuariam como media watching observadores e
fiscalizadores da atuação dos meios de comunicação.- pontuando a atuação,
sobretudo, dos veículos de imprensa que cobrem diariamente os acontecimentos
tratados pelo jornalismo nacional e internacional. A exemplo de um media watching,
trataremos de um caso: o programa Observatório da Imprensa, que atua no Brasil
como instituição de maior representatividade nesse âmbito
113
3. O Observatório da Imprensa
O programa Observatório da Imprensa, veiculado semanalmente pela TV
Educativa do Rio de Janeiro - TV associada à Rede Pública de Televisão -
desempenha há mais de uma década um papel relevante na sociedade brasileira,
a de observar, analisar e criticar a atuação dos meios de comunicação nacionais
no país, além de fazer uma reflexão crítica de acontecimentos relevantes oriundos
do poder público e da sociedade em geral, que repercutem com efeitos nas
instituições sociais e na nação brasileira.
O Observatório da Imprensa trata de forma constante a análise de temas
espetacularizados pelos meios de comunicação que estão em evidência no país e
no mundo, observando sua relevância sócio-político-econômica e suas influências
na dinâmica dos acontecimentos que movimentam a estrutura de controle estatal
e privado. Segundo Guy Debord, a informação espetacularizada e manipulada
pela mídia é construída para atender os interesses políticos, econômicos e
ideológicos, promovendo a midiatização do espaço público. O preço da
espetacularização varia de acordo com o número de pessoas que se interessa
por ela e pela velocidade com que é transmitida. Todos os recursos são
considerados válidos para se chegar primeiro à informação - independente dela
ser ou não verdadeira, geralmente sem se importar com a sua qualidade.
A espetacularização das mensagens televisivas é resultado de uma
complexa junção de recursos tecnológicos e discursivos capazes de compor um
114
fluxo informativo repleto de conteúdo ideológico, subliminar e capaz de prender o
telespectador e fazê-lo apreender o que se deseja, mesmo que por estímulos
sensoriais que causarão desejo de consumo ou apenas estímulos emocionais que
favorecem a repetição e a propagação das idéias recebidas. Mesmo assim, essa
apreensão das mensagens e de seus teores simbólicos e ideológicos, obedece
critérios de seleção por parte dos espectadores, que as selecionam de acordo
com o nível de legitimidade percebido particularmente. Se não houvesse essa
seleção por parte dos telespectadores não haveria tantas alterações de gênero
audiovisuais emitindo o mesmo conteúdo mercadológico e simbólico com o
objetivo de estimular o consumo. Diante disse, um dos maiores desafios na
atualidade para a mídia, sobretudo a jornalística, é o de garantir ao espectador a
qualidade das mensagens e das informações veiculadas para que se mantenham
os níveis de audiência e credibilidade da programação.
O problema da falta de credibilidade por parte de alguns meios de
comunicação, atestada pelo público, causada por informações duvidosas ou pela
tentativa de manipular dados para se conseguir resultados comerciais ou
políticos, afeta todo o processo de produção midiática do veículo que será
responsável por sua manutenção na sociedade. Os interesses comerciais das
empresas confrontam-se com o dever de informar corretamente os espectadores,
visto que, na maioria das vezes os interesses fazem com que de alguns veículos
enxerguem os indivíduos não como um cidadão, mas como meros consumidores.
115
O direito à informação, entendido como o direito dos cidadãos de serem
bem informados, passa ainda por um processo de consolidação no Brasil, pois a
liberdade de imprensa, conquistada após anos repressão autoritária, é visto, em
alguns momentos, somente pela faceta dos direitos que os meios de
comunicação se atribuem, o de informar e o de liberdade de expressão, sendo
esquecidas suas obrigações, as de proporcionar veracidade e informação ética
em favor do público.
Segundo Habermas, não há democracia sem uma rede de comunicação
ampla e democrática e sem informações livres. O filósofo descreve, a
reconhecimento da liberdade da imprensa, as tensões entre os diferentes
componentes da reivindicação da liberdade de expressão e liberdade de
empresa, onde ocorre forte antagonismo de interesses ideológicos, com isso,
cidadãos adquiririam a consciência da necessidade de interferir no processo de
elaboração da informação, bem como sua propagação, e assim, começariam a
elaborar maneiras de sensibilizar a comunidade e os profissionais da mídia para a
complexidade da função jornalística na sociedade moderna (HABERMAS,
1984:80).
A busca pela liberdade de imprensa e pela ética na produção de
mensagens e informações jornalísticas, fez com que, há tempos, surgissem no
Brasil grupos organizados representativos da sociedade civil e dos profissionais
da área jornalística, prontificando-se ao exercício de uma espécie de vigilância
sobre a atuação da mídia, com o intuito de acompanhar o cumprimento efetivo de
116
suas tarefas, exigindo a existência de um sistema de comunicação capaz de
trabalhar pela construção da democracia. Diante disse, jornalistas, intelectuais e
políticos, com o apoio da área acadêmica passaram a criar organizações não
governamentais, com o objetivo de exercer um controle sobre a qualidade da
informação que a mídia jornalística produzia.
Controle que visava resgatar e defender o direito à informação no Brasil,
como acontece com as entidades similares espalhadas pelo mundo, sem
pretender punir profissionais ou empresas que cometem erros, mas criticá-los e
adverti-los para que os problemas não se repetissem mais. A tentativa de utilizar
instrumentos que buscam uma postura ética e responsável da mídia, como as
revistas críticas, relatórios e livros críticos, filmes, programas de televisão,
ombudsmen e conselhos de imprensa, dentre outros, cresce no Brasil.
A exemplo disso, vê-se uma experiência de crítica de mídia que alcançou
visibilidade midiática no Brasil, que é o programa Observatório da Imprensa,
transmitido, semanalmente, pela TV Educativa, do Rio de Janeiro, através da
Rede Nacional de TV´s Públicas. Nasceu como entidade civil organizada no
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade
Estadual de Campinas - Unicamp e apoiada pelo Fórum Permanente das
Relações Universidade-Empresa (Instituto Uniemp), no Estado de São Paulo.
Tendo como seu editor-chefe o jornalista Alberto Dines - um dos atuais
apresentadores do programa - que usou como fonte de inspiração o Observatório
da Imprensa de Lisboa e, juntamente com outras personalidades do jornalismo
117
brasileiro, lançou em abril de 1996 a primeira edição na web da revista eletrônica,
feito inicialmente com periodicidade quinzenal. No primeiro ano, o Observatório da
Imprensa reunia, mensalmente, em formato de debate, um pequeno público que
ia ao auditório da Unicamp para analisar a cobertura nacional da imprensa e, de
certa forma, da mídia em geral.
Com a necessidade de atingir um público mais amplo, o Observatório da
Imprensa se instalou no prédio do Universo Online, passando a partir daí buscar
maior visibilidade. O Observatório da Imprensa se transformou em uma
importante ferramenta para jornalistas, pesquisadores e cidadãos interessados no
desempenho da mídia nacional. Chega a ser uma janela através da qual as
organizações sociais, os leitores qualificados e multiplicadores de opiniões podem
exercer influência sobre os meios de comunicação.
Em 5 de maio de 1998 passaria a ser transmitido às terças-feiras, às
22h30, pela Rede Pública de Televisão, passando desde novembro de 1999 a ter
suas edições regulares na internet atualizadas uma ou duas vezes no decorrer da
quinzena. Atingindo em janeiro de 2001, periodicidade semanal, renovando-se na
web todas às quartas-feiras.
O programa televisivo tem seu gênero caracterizado como de entrevistas.
Espetaculariza o que já virou espetáculo na mídia. O próprio programa se intitula
um espaço público na televisão brasileira que visa trazer à análise dos fatos o que
é tratado pela mídia nacional sem uma visão interpretativa. O Observatório da
Imprensa é um típico exemplo da espetacularização do espaço público,
118
midiatizado pela televisão. Seus propósitos como media watching revelam um
caráter social, com vista à tentativa de democratizar a informação, mas com forte
apelo ao consumo ideológico proposto pelos meios.
O programa se configura por ter intervenções opinativas por partes dos
apresentadores e dos participantes convidados que respondem perguntas dos
apresentadores e do público que assiste aos programas apresentados ao vivo,
emitindo via fax ou via telefonema ao estúdio suas perguntas. São geralmente
quatro blocos de 16 minutos compostos por intervenções dos apresentadores e
dos participantes. A página na internet do Programa traz algumas informações
referentes à configuração televisiva do programa:
O Observatório da Imprensa é a versão televisiva do
site criado pelo Labjor - laboratório de estudos
avançados em jornalismo da Unicamp - que pretende
acompanhar o desempenho da mídia brasileira.
É uma entidade civil, não - governamental, não -
corporativa e não-partidária. O site foi criado em 1996.
Atualmente, está hospedado no portal IG:
(www.observatoriodaimprensa.com.br).
O programa na TV completou em maio de 2005 o seu
sétimo aniversário. O Observatório da Imprensa é um
programa interativo e seu público é de formadores de
opinião. Os telespectadores participam do debate, ao
vivo, por telefone e fax.
O público vota, pela Internet, em uma pesquisa sobre
o tema do programa. O programa é produzido e
119
gerado pelo Rio de Janeiro. Além de reportagens,
cada programa tem a participação, via Embratel, de
convidados nas principais capitais brasileiras.
O programa conta ainda com a participação de
estudantes de jornalismo de todo o Brasil, via Internet,
que fazem perguntas para os convidados. No dia 5 de
maio de 1998, às 21 horas, foi ao ar a primeira edição
da versão televisiva do Observatório. Caso único de
um veículo originário da Internet converter-se num
veículo de massas. Atualmente o programa é
transmitido em rede para todo o Brasil
(OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2005).
O Observatório da Imprensa espetaculariza-se à sociedade com a proposta
de ser um programa ''instrumental'' estratégico no processo de aumentar o grau
de participação da sociedade brasileira em tudo o que lhe concerne como espaço
público participativo, estimulando, de certa forma, a existência de discussões que
são presentes na rotina nas redações. Os dois formatos visam descortinar um
potencial de crescimento que gere profundas alterações na qualidade do
jornalismo brasileiro e na própria atitude do público diante da agenda nacional.
De acordo com os textos publicados na página oficial do programa na
internet, o Observatório da Imprensa é uma proposta comunicativa e social de se
estabelecer um espaço público midiatizado para se discurtir o papel dos veículos
de comunicação, bem como seus profissionais e o uso da informação no Brasil.
Semanalmente, jornalistas, intelectuais, profissionais de diversas áreas,
políticos, representantes da sociedade civil são convidados a participar do
120
programa para debater temas e analisar questões de relevância social que
envolvem a liberdade de expressão e comunicação no Brasil, além de assuntos
que tem papel fundamental na construção da história nacional e no envolvimento
da mídia com setores da sociedade brasileira. Diante disso, vê-se que para
concretizar o processo que estimulará a apreensão ideológica, é necessária a
criação de um cenário midiático capaz de satisfazer o anseio do público, a quem
se direciona o programa profissionais da área de comunicação, intelectuais,
estudantes. O Observatório da imprensa representa, de tal maneira, uma idéia
sensacionalizada e espetacularizada que expressa idéias de grupos e instituições
privadas utilizando-se da razão.
Habermas declara que: "na medida em que as pessoas privadas faziam
uso de sua razão, nos salões, nos clubes e sociedades de leitura, não estavam
diretamente submetidas ao circuito da produção e do consumo, nem aos ditames
das necessidades vitais..."(HABERMAS, 1984:68).
Essa afirmação nos leva a pensar que o Observatório da Imprensa, como
peça midiática, tem a intenção de elaborar uma estrutura sociológica que se
remeteria a esse mesmo salão habermasiano, anfitrião de pessoas privadas da
sociedade civil organizada que se voltariam contra as necessidades de um
aparelho de base dominante que dita novas normas de consumo da informação e
uso social das mesmas. Esse salão espetacularizado, onde a peça se apresenta,
é palco de um jornalismo político que tentar ‘’quebrar’’ as amarras da privacidade
defendida pelo jornalismo privado. Diante dessa tentativa, por parte do jornalismo
121
político, de romper com as amarras, Habermas fazia uma abordagem da visão
que os comerciantes tinha desse jornalismo:
Em sentido estrito, os primeiros jornais, por ironia
também chamados de "jornais políticos", aparecem de
início semanalmente e, lá pela metade do século XVII,
já aparecem diariamente. [...] Os beneficiários das
correspondências privadas [os comerciantes] não
tinham interesse em que o conteúdo delas se tornasse
público. Por isso, os jornais políticos não existem para
os comerciantes, mas, pelo contrário, os comerciantes
é que existem para os jornais (Ibidem:33).
Dessa mesma forma ocorre hoje quando há interesses econômicos por traz
da produção e da divulgação de informações. O Observatório da Imprensa ao
tentar elucidar e interpretar as ações que visam a espetacularização dos assuntos
por parte da mídia, promove o gênero media watching como peça da industria
cultural, que gera fatos e acontecimentos que podem servir para estimular o
mercado que lhe favorece pela ampliação das audiências e dos maiores volumes
de telespectadores que consomem seus produtos simbólicos.
Como o programa se posiciona como uma ação midiática que se propõe a
levar ao ar televisivo um espaço que favoreça a população a ter acesso às
discussões que envolvem temas atrelados à comunicação, bem como a seus
profissionais, e discussões que só ocorrem, fundamentalmente, no âmbito das
instituições representativas da sociedade, isso equivale a pressupostos da visão
do programa, que estimulam o consumo de imagens, tendo como definição
122
ideológica o fato de propiciar a formação de uma opinião pública capaz de
participar ativamente dos processos democráticos que envolvem os
acontecimentos sociais.
Na realidade é uma tentativa de midiatizar em forma de espaço público
televisivo o que está em evidência pela imprensa sob os aparatos do hard-news
17
.
U aspecto importante também de evidenciar é que, independente de qualquer
índice de audiência que represente a massificação do programa junto a
população brasileira, vale enfocar um aspecto que ressaltaria a proposta de
caracterizá-lo como espaço público midiatizado, que seria o fato do programa
propor-se a integrar o formato de um jornalismo público que permitiria levar
notícia a seus telespectadores de forma interpretativa quanto ao trato das
notícias, ou seja, no interior de seus pressupostos de consumo, tornar-se capaz
de promover e implementar a cidadania; e, não apenas descrevendo-o como
parte de um todo mídiatico que reconhece o papel de fortalecer a participação do
público no debate dos temas importantes para a cidadania.
A totalidade do público - the public, le corps publique - constitui um tribunal que
vale mais do que todos os tribunais reunidos. Pode-se tomar a posição de
enfrentar as suas exigências, pode-se colocá-lo como opiniões oscilantes e
divergentes que se negam e se destroem mutuamente; mesmo assim, cada um
sente que esse tribunal, embora sujeito a erros, é incorruptível; sente-se que ele
constantemente procura se esclarecer, que ele compreende toda a sabedoria e
17
Processo do jornalismo diário, baseado na produção de coberturas jornalísticas cotidianas.
123
todo o espírito de justiça de um povo em si, que ele sempre decide sobre o
destino dos homens públicos (public men, hommes publiques) e que as penas que ele
distribui são inexoráveis (Ibidem:123).
Seria utópico apregoar aos interesses ideológicos do Observatório da
Imprensa a busca desta totalidade do público, mas, faz-se reconhecer a
legitimação de uma espécie de tribunal público que se forma no âmbito televisivo
com a participação de pessoas privadas, pois a mídia, neste âmbito da opinião
pública, surge, por meio da imprensa, como uma intermediadora da opinião do
público esclarecido.
Sendo assim, para haver essa totalidade, os jornais deveriam passar de
simples instituições publicadoras de notícias a porta-vozes e condutores de uma
opinião pública esclarecida, por meio de seu poder opinativo e interpretativo, ou
melhor, mais do que publicadores de opiniões, poderíamos dizer formadores da
opinião pública. Assim, vemos que "a imprensa opinativa está [...], como
instituição do público debatedor, basicamente preocupada em afirmar a função
crítica dele" (MORAN, 2002:216).
A tentativa de formar uma interface interativa durante o Observatório da
Imprensa dá a idéia de participação de públicos distintos em busca de construir
opiniões públicas diferenciadas em torno da discussão dos temas propostos, pois
a presença de participantes que estão em nome de entidades representativas da
sociedade ou mesmo do governo tende a criar um choque de posicionamentos
124
ideológicos entre si e com a própria opinião da emissora revelada pelos
apresentadores.
A Interatividade está associada à bi-direcionalidade do processo, onde o
fluxo se dá em duas direções. O processo bidirecional de um meio de
comunicação seria aquele onde "os pólos emissor e receptor'' são intercambiáveis
e dialogam entre si durante a construção da mensagem (Ibidem:13).
A questão da interatividade compõe fato crucial para construção de um
espaço público midiatizado porque vem a tona o direito de participação mútua no
debate e da legitimação da construção deste espaço no aspecto de participação e
na composição da programação, e não somente através de comentários, opiniões
e sugestões sobre o que é apresentado e exposto ou como meros consumidores,
e não como cidadãos. O aspecto bidirecional favorece a essa elaboração do
espaço público midiatizado pelo fato de haver maior envolvimento comunicativo
durante os momentos de produção, distribuição, propagação, consumo e nova
transmissão das mensagens entre os agentes constituidores do espaço; ocorreria
um processo comunicativo muito mais complexo por meio da interatividade
bidirecional entre os agentes.
Com o suporte da internet, do telefone e fax, o Observatório da Imprensa
tenta ampliar a interação entre seus públicos, mas ainda é muito incipiente a
participação dos telespectadores que desejam participar propondo
direcionamentos no assunto que é tratado no programa. A maior parte dos
comentários ou perguntas dos telespectadores recebidas por email, por fax ou
125
telefonemas fica armazenada na página do programa na internet, nas sessões
Mural e Fórum, publicadas no dia seguinte ao programa, sem ter participação
efetiva na condução e na abordagem do direcionamento do assunto tratado na
TV. É uma espécie de falsa interatividade se vista pelo aspecto da participação
mútua entre participantes, debatedores e telespectadores.
Mas vale frisar que seria impossível uma efetiva participação interativa
acontecendo tudo ao vivo na TV, devido é claro, à falta de recursos multimídia ou
de tecnologias televisivas que permitissem ao telespectador entrar na transmissão
com sua imagem ou apenas com a sua voz. A internet até oferece durante o
programa uma interação mais eficiente, porém acontece em nível de uma
mediação que é passiva de seleção por parte da produção do programa, quanto
ao conteúdo emitido pelos telespectadores.
Com o uso desse recurso, as comunicações poderiam ser organizadas de
tal modo a haver condição para se responder ou comentar imediatamente e
efetivamente a opinião expressada pelo público, pois com essa mídia digital o
telespectador - internauta -deixaria de ser apenas um receptor. Além dele ter
acesso a um grande número de informações de maneira rápida e diversificada,
poderia produzir e disponibilizar suas opiniões e interpretações sobre a temática
discutida, tornando-se também um emissor.
Com uma proposta mais desenvolvida de interatividade, leva-se a crer que,
no futuro, tantas pessoas expressem suas opiniões quanto as que recebem. As
possibilidades que o meio digital abre para que exista um envolvimento do leitor
126
no trabalho de vigilância da informação produzida pelos meios de comunicação
de massa são, portanto, imensas, principalmente com o advento da TV digital
interativa. Não há ainda, atualmente, outro meio proporcionando interação tão
eficaz com seus usuários como a internet, por isso, pode-se pensar em resgatar,
no espaço público, o debate crítico sobre os problemas que afligem a sociedade.
A presença do Observatório da Imprensa na TV e na Internet, aliada à sua
proposta de trazer à tona questões que envolvem o fortalecimento da cidadania,
transformou-o numa espécie de ONG virtual, que congrega profissionais e
estudantes de diversas áreas, e que, segundo anunciam na página na web,
apresenta-se como um fórum permanente onde leitores interessados, ouvintes e
telespectadores podem manifestar-se e participar ativamente num processo no
qual, até agora, desempenhavam o papel de agentes passivos.
Ao mesmo tempo, procura reforçar a idéia de que jornais e jornalistas
devem estar conscientes de que não podem e não devem entrincheirar-se na
arrogância e na prepotência de quem tem a última palavra. Como o jornalismo é
marcado pelas possibilidades de instantaneidade da notícia que as novas
tecnologias de informação trouxeram, não há mais muito tempo para a análise,
abrindo a possibilidade de que, muitas vezes, instale-se a leviandade do
denuncismo, a facilidade do espetáculo.
Por meio de sua doutrina sociológica, em que o público é estimulado a
consumir seu espetáculo ideológico, o programa afirma ser imprescindível a
crítica ao que é feito na mídia, para que não desapareça a essência do
127
jornalismo: informar, educar e formar a consciência crítica e militante da
cidadania.
O Observatório da Imprensa da internet aborda, conforme abaixo, seus
objetivos de atuação e comenta os processos de sua fundação:
O que é o Observatório da Imprensa?
Entidade civil, não-governamental, não-corporativa e
não-partidária que pretende acompanhar, junto com
outras organizações da sociedade civil, o desempenho
da mídia brasileira.
O Observatório da Imprensa funcionará como um
fórum permanente onde os usuários da mídia -
leitores, ouvintes e telespectadores-, organizados em
associações desvinculadas do estabelecimento
jornalístico, poderão manifestar-se e participar
ativamente num processo no qual, até agora,
desempenhavam o papel de agentes passivos.
Para que um Observatório da Imprensa?
No caso da mídia, a cidadania foi convertida num
conjunto de consumidores, ficticiamente vocalizados
por pesquisas de opinião pública que empregam
metodologia quantitativa, necessariamente redutora, e
com pautas alheias aos reais interesses e
necessidades dos opinadores.
Os meios de comunicação de massa são
majoritariamente produzidos por empresas privadas
cujas decisões atendem legitimamente aos desígnios
de seus acionistas ou representantes. Mas o produto
jornalístico é, inquestionavelmente, um serviço público,
128
com garantias e privilégios específicos previstos em
vários artigos da Carta Magna, o que pressupõe
imperiosas contrapartidas em matéria de deveres e
responsabilidades sociais.
Será este serviço público (e não as empresas ou os
profissionais que executam as suas diretrizes) a
matéria-prima das avaliações e diagnósticos. O
Observatório da Imprensa não pretende competir,
substituir ou alinhar-se às tradicionais entidades
associativas, como a ABI, a FENAJ, a ABERT, a ANJ
e a ANER.
Num momento em que o debate ideológico confina-se
à falsa questão das dimensões e atributos do Estado,
é indispensável compreender as múltiplas
convocações para que se aumente significativamente
a atuação da Sociedade Civil, que não pode continuar
reduzida a um conjunto de siglas de prestígio ou, no
caso, minimizada como a combinação dos vários
segmentos do mercado consumidor de informações.
A Sociedade Civil deve abranger sucessivos níveis de
monitoração e atuação, de forma a diminuir a distância
entre os poderes e a cidadania, convertendo-se ela
própria numa instância. No caso dos meios de
comunicação de massa, o Observatório da Imprensa
propõe-se a funcionar como um atento mediador entre
a mídia e os mediados, preenchendo o nosso "espaço
social", até agora praticamente vazio.
Embora pioneiro, este Observatório não pretende ser
único. O início de suas atividades serve como
convocação a outros grupos para fazerem o mesmo.
Existem similares em outros países?
129
A idéia do media-watching surgiu nos Estados Unidos
agregando-se às experiências anteriores do
Ombudsman e do media-criticism como forma de
sensibilizar a comunidade e os profissionais da mídia
para a complexidade da função jornalística na
sociedade moderna.
Existem pelo menos duas grandes organizações
similares, cada uma com ótica política própria: a FAIR
(Fairness & Accuracy in Reporting), fundada em 1986,
na Era Reagan, com o propósito de fiscalizar a
intromissão do poder econômico e político na
imprensa. Edita uma revista bimestral, Extra!,
considerada hoje uma instituição. Sua contrapartida no
campo conservador é a Accuracyin Media, mais
inclinada para apontar as infiltrações e distorções
liberais na grande imprensa. Embora concorrentes,
completam-se, constituindo um sólido aparelho crítico,
pluralista e democrático.
Na França foi fundado, em Setembro de 1995, o ,
Observatoire de la presse, braço do Centre de formation et de
perfectionnement des journalistes (CFPJ). A experiência
brasileira segue o modelo francês combinando duas
entidades, uma formadora (o LABJOR) e outra cívica.
Cumpre registrar, e o fazemos com enorme satisfação,
que a primeira organização designada como
Observatório da Imprensa foi criada em Lisboa, três
meses antes da francesa. Com a entidade portuguesa
o LABJOR mantém sólidos laços de cooperação.
A quem pertence o Observatório da Imprensa?
130
Pertence a todos os que se interessarem pela
continuação deste projeto. Foi organizado no Estado
de São Paulo pelo LABJOR (Laboratório de Estudos
Avançados em Jornalismo), da UNICAMP,
desenvolveu-se sob a égide do Comitê Gestor Internet
no Brasil e, nesta versão online, iniciada em abril de
1996, é um projeto do Projor - Instituto para o
Desenvolvimento do Jornalismo, organização social
sem fins lucrativos constituída em abril de 2001. O
LABJOR, além das suas atividades de formação,
treinamento, reciclagem e consultoria nos campos
profissional e empresarial, tem compromissos com a
conscientização dos destinatários da mensagem
jornalística, sem a qual resultarão insuficientes todos
os esforços de qualificação da nossa imprensa
(OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA NA INTERNET,
2005).
O programa Observatório da Imprensa se reporta como sendo um dos
produtos que se enquadram no contexto de formação de um grande espetáculo
de massa, que é a televisão. Por cumprir, de tal forma um papel social por servir
de mecanismo que estimula a adoção de posturas éticas e democráticas dentro
da dinâmica de produção dos conteúdos emitidos pelos meios de comunicação,
adequa-se ao gênero televisivo media watching, cumprindo um papel midiático na
indústria cultural de servir de referência à análise de outras posturas ideológicas e
polítcas adotadas pela mídia.
Como componente da industria cultural e integrante de uma série de ações
que desenvolvem a midiatização do espaço público, sob o argumento sócio-
131
político de democratizar informações que permitirão ao público entender, de forma
mais consciente, o papel dos meios de comunicação na sociedade, o
Observatório da Imprensa atua em nosso tempo, como parte do fenômeno de
massa caracterizado pela ativa atuação dos meios de comunicação em nossa
sociedade contemporânea e pela legitimação de novos padrões comportamentais
do ser humano.
Como o programa utiliza prerrogativas ideológicas que têm como
precursores embasamentos sociais que despertam o interesse dos indivíduos
pela ética na geração e na transmissão e mensagens por parte da mídia, e,
sobretudo, por sua formulação ideológica em seus bastidores de onde reside seu
poder de formulação ideológica, abordamos o Observatório da Imprensa
observando que sua atuação também reside em focar o aspecto da atualidade
dos temas em repercussão na sociedade brasileira, levando em conta que
aspectos dessa repercussão podem causar maiores influências na questão
institucional das corporações públicas e privadas.
A questão da atualidade da informação, atrelada ao aspecto da
interatividade entre os agentes dos discursos, é peça fundamental para maior
elucidação dos mecanismos comunicativos que são responsáveis pela formação
dos espaços públicos midiatizados. A abordagem da atualidade da informação é
pertinente, pois compõe estrutura relevante para entendimento da formação dos
tele-espaços públicos criados pela televisão brasileira.
132
CAPÍTULO III
O TELE-ESPAÇO - ATUALIDADE DA INFORMAÇÃO
A atualidade, como condição necessária para se produzir informações no
espaço público midiatizado pelos meios de comunicação, é a característica do
mundo contemporâneo marcado por um ritmo acelerado que impõe o consumo de
acontecimentos e fatos em forma de informações e conteúdos midiáticos
distribuídos pelos meios de comunicação, proporcionando às pessoas um novo
ambiente simbólico de ação e interação humana.
Pierre Lévy, em Ciberdemocracia (2003), faz algumas considerações a
respeito desse novo espaço de interação:
É um novo espaço de interação humana que já tem
uma importância enorme, sobretudo no plano
econômico e científico e, certamente, essa importância
vai ampliar-se e vai estender-se a vários outros
campos, como por exemplo: na Pedagogia, Estética,
Arte e Política (LÉVY, 2003:16).
Esse ambiente de comunicação, movido pela atualidade da informação,
relevante nas relações e disputas humanas pelo poder e dominação, exerce um
papel de importância capital na configuração da dimensão comunicacional que
pode ser chamada de tele-espaço, em que cada indivíduo, cada grupo, cada
instituição será, a sua maneira e sob determinadas condições materiais, uma
potência comunicativa, ocupando redes digitais de comunicação e tornando-se
133
protagonistas de suas próprias narrativas ou contextos sociais que estão inseridos
na sociedade de consumo e diante do fenômeno de massa imposto pela
influência dos meios de comunicação. Trata-se, então, da emergência de um
novo espaço político-antropológico: o "tele-espaço-informação", uma imensa rede
humana desterritorializada, em que os espaços sofreriam uma junção pela
capacidade dos meios eletrônicos trazerem os internautas e os telespectadores
para um ambiente virtual que proporciona a sensação de encontro entre si no
mesmo espaço real. Esse encontro, proporcionado, sobretudo pelas mídias
eletrônicas - televisão, internet - tende a gerar um crescimento repleto de
interação sócio-cultural.
Este movimento de articulação é responsável pela midiatização tratada
neste trabalho, em que os processos midiáticos estão diretamente ligados às
estruturas da vida, formadas pela necessidade de se realizar o labor, o trabalho e
a ação, integrantes de uma vida ativa, como apontado no primeiro capítulo desta
Dissertação. De fato, a vida não é apenas luta pela sobrevivência, luta de
espécies, intra-espécies, em que sobreviveria o "mais forte".
Para que a vida exista, é necessário um imenso trabalho e esforço de
colaboração entre seus diferentes agentes. Sem essa interconexão de
colaboração, a vida teria sido impossível
18
. Humberto Maturana, em A ontologia
18
Justamente a teoria contratualista moderna parece ter invertido esta lógica: o estado, o contrato,
resulta de um acordo entre partes, indivíduos que, para escaparem ao estado de natureza são
como que obrigados a pactuar, abrindo cada qual parcela de seu poder de natureza, para um
poder social "acima das partes", capaz de, enfim, coesionar os indivíduos, o coletivo humano para
o bem deste próprio coletivo, ainda que perdendo a soberania que possuíam no estado de
natureza.
134
da realidade (1997), destaca que o modo de viver propriamente humano se
define pelo compartilhar dos alimentos, ou seja, um modo de vida essencial
colaborativo articulado e mediado pela linguagem (MATURANA, 1997:25).
Diante dessa perspectiva colaborativa entre os indivíduos, para que os
mesmos encontrem uma forma mediada pela interação de suas necessidades
biológicas, e, sobretudo pela linguagem, que é imprescindível neste processo de
manutenção da vida, em que a humana em especial se constitui no interior de
uma rede de relações colaborativas sem as quais seriam inconcebíveis. Trata-se
de um novo espaço-tempo de cooperação intelectual que pode sustentar grande
parte dos bens imateriais criados pela civilização, os quais se poderia acessar e
manipular nas mais poderosas e menores "máquinas inteligentes" em redes com
velocidades cada vez mais altas. Nesse sentido, a compreensão do mundo em
que se vive é inseparável dessa interconexão digital planetária da "inteligência
humana coletiva".
Diante dessa interconexão, vê-se que uma das formas de se pensar o tele-
espaço, focado pela atualidade da informação, diz respeito à compreensão do
lugar ocupado por esta, em sua versão midiática, no mundo contemporâneo.
Através dos pressupostos da atualidade da informação como condição
básica e necessária imposta pela mídia, é que veremos as possibilidades dessa
mesma atualidade agir como alienadora do mundo e como mal-estar da
modernidade, estruturada e ambientada pela comunicação, como uma verdadeira
135
"Idade Mídia", em suas profundas ressonâncias sobre a sociabilidade
contemporânea em seus diversos campos.
A alienação do mundo poderá ser apontada, em sentido amplo, como
conseqüência do novo modo - capitalista - de vida que propicia os processos de
globalização econômica, através de redes suportes dos fluxos das informações
financeiras e dos capitais, fiadoras da velocidade e dos mercados planetarizados
que retêm as mídias, pela publicidade, como viabilizadora da concorrência
capitalista em sua modalidade atual (CASTELLS, 1992:12).
Em seguida veremos os pressupostos do consumo de imagens, em que a
televisão, com toda sua potência de influenciar o imaginário humano, passa a
comandar o lado psíquico dizendo o que, e como devemos pensar e agir. A
exemplo dessa abordagem, pelo prisma da influência do consumo de imagens na
vida de um indivíduo vemos o caso explorado no filme Muito Além do Jardim,
que conta a história de Chance (Peter Sellers), um homem ingênuo, que passa
toda a sua vida cuidando de um jardim e vendo televisão, seu único contato com
o mundo. Ele nunca entrou em um carro, não sabe ler ou escrever e nem conhece
sua cidade. Quando seu patrão morre, é obrigado a deixar a casa em que sempre
viveu, deparando-se com um mundo novo, diferente do que estava acostumado.
O filme Muito Além do Jardim é uma crítica aos meios de comunicação e à
alienação causada pela exclusão do ser humano em relação a uma vida em
sociedade, e somente sob as influências do que a televisão lhe permitia ver e
conhecer. É um filme sensível e instigante que reflete sobre a alienação da
136
opinião pública provocada pelos meios de comunicação e pela difusão da
chamada "indústria cultural", sobretudo neste caso, pelo consumo de imagens
que o personagem recebeu durante grande parte de sua vida.
(...) A imagem detém o trabalho psíquico ao produzir
algo que se parece com uma significação. Porque os
significantes são arbitrários, porque uma palavra pode
nomear alguma coisa mas não é aquela coisa (...)
(HAMBURGER, 2000:144).
Essa situação nos leva a refletir sobre vários aspectos, entre eles, a
influência da mídia na formação da opinião pública. "É próprio da comunicação
contribuir para a modificação dos significados que as pessoas atribuem às coisas.
E, através da modificação de significados, a comunicação colabora na
transformação das crenças, dos valores e dos comportamentos"
(BORDENAVE,1989:92).
Trataremos também do tele-espaço como cenário das discussões
antropológicas, políticas e de atualidade, onde é possível aprofundar a reflexão
nos aspectos elencados que visam compreender hoje as relações não só entre
comunicação e economia, como também, por extensão, entre comunicação e
sociedade, inseridas no espaço eletrônico, na televivência e na globalização,
caracterizada por uma cotidiana disponibilização de fluxos de signos e sentidos
provenientes de uma extração global.
O tele-espaço emerge de uma condição imposta pelo público receptor de
mensagens, que é a de estar atualizado com o que acontece no mundo ao seu
137
redor, e por pressupostos inerentes a função da máquina midiática que é a de
produzir periodicamente os acontecimentos e os fatos que se desenrolam no dia-
dia presente. O tele-espaço, como atualidade da informação, é o ambiente virtual
que se utiliza de todas as estruturas da ficção para representar a realidade que
rodeia os seres humanos, para gerar cenários de discussões antropológicas,
políticas e da própria atualidade por meio dos fatos cotidianos que estão ligados a
cultura, ao entretenimento e a assuntos banais que estão em volta à vida das
pessoas.
Os cenários e os ambientes representados pelo tele-espaço - atualidade da
informação - constituem os espaços públicos midiatizados dos agentes sociais e
políticos, formados pelas instituições que participam e integram a construção dos
acontecimentos veiculados pela mídia que estão inseridos nos contextos das
discussões que formatam esses cenários. O tele-espaço, como ambiente que
proporciona o consumo de imagem por parte de seus telespectadores será
analisado neste capítulo por seu papel midiatizador e por sua oferta de sentidos e
bens simbólicos que também podem gerar a alienação do mundo.
138
1. Alienação do mundo
O conceito de alienação que é visto neste capítulo, trata de aspectos
referentes às influências dos meios de comunicação na vida dos indivíduos,
abordando mais especificamente, a influência da televisão, como veículo de
recepção midiática da grande massa, como mecanismo de maior força na
transferência de sentidos e bens ideológicos para vida das pessoas em nossa
sociedade contemporânea.
A alienação do mundo, proporcionada pela televisão, é um tema que
mereceria uma maior reflexão sob uma visão do público que recebe o conteúdo
midiático, o reproduz, apreende-o ideologicamente e ainda o retransmite a outros
públicos que estão junto a si. Além dessa perspectiva, outra relevante seria a de
perceber pelo enfoque do que é planejado nos bastidores do poder midiático para
proporcionar o consumo de imagens repletas de sentidos ideológicos, pré-
determinados pelos que desenvolvem e planejam o que será veiculado nos meios
de comunicação.
Diante disso, a alienação do mundo, proporcionada pela mídia, será vista
como uma conseqüência do processo comunicativo, que é construído desde o
momento das primeiras reflexões de sentido nos bastidores dos veículos,
passando pelos processos de transmissão, veiculação, recepção, consumo e
retransmissão dos sentidos das informações recebidas. Essa conseqüência é
inerente às classes econômicas, culturais e sociais do mundo que se encontram
139
os seres humanos, ou seja, todos estariam suscetíveis à alienação,
independentemente do gênero discursivo apreendido, da qualidade técnica
percebida ou do contexto ideológico assimilado.
Guy Debord pontua a seguinte afirmação:
O espetáculo na sociedade corresponde a um fabrico
concreto de alienação. A expansão econômica é
principalmente a expansão desta produção industrial
precisa. O que cresce com a economia, movendo-se
para si própria, não pode ser senão a alienação que
estava justamente no seu núcleo original (DEBORD,
2000:5).
Se o indivíduo contemporâneo está constantemente posto diante do
espetáculo imposto pela mídia na sociedade, ele é bombardeado pelo fabrico da
alienação proporcionada pelos meios de comunicação, já que a expansão dos
mercados e a necessidade dos seres humanos de sobreviver fazem com que as
pessoas estejam diretamente inseridas nestes processos de expansão por serem
consumidores. O fato de uma pessoa estar sob a constante tentativa de ser
manipulada pela mídia, faz-no supor diversos motivos: dentre eles, por interesses
econômicos dos mercados que tentam ampliar seus níveis de abrangências
comercias; e, por interesses políticos, para que correntes dominantes mantenham
as ideologias que já se encontram instaladas socialmente, e impulsionem ainda
mais a propagação destas ideologias aos novos públicos que se formam.
140
A tentativa de alienar ou manipular os indivíduos por parte dos meios de
comunicação para suprir seus anseios político-econômicos, aproveitaria uma
propensão existente por parte desses mesmos indivíduos de se alienarem
socialmente.
A alienação, como um dos temas que caracteriza o existencialismo
19
foi
introduzido em vários níveis e sob diversas formas por diversos autores, dentre
eles, por Hegel, em sua obra Fenomenologia do Espírito (1807), tradução de
Jean Hippolite, em 1947, abrindo para o mundo contemporâneo diversos níveis e
muitas formas sutis de analisá-la.
Hegel argumenta sobre uma alienação que existe na sociedade: a
alienação individual dos seres humanos que persegue seus próprios desejos na
separação dos verdadeiros trabalhos institucionais de sua sociedade, controlados
pela astúcia da razão. Alienados do sistema social, eles não sabem que seus
desejos e seus impulsos são determinados pelo sistema, que dita como devem
sobreviver; essa é a alienação que não é identificada com as instituições de sua
própria sociedade, que a encontra vazia e sem sentido.
19
O existencialismo - que não é uma simples escola de pensamento, livre de qualquer e toda
forma de fé - diz que o homem não é nada mais que sua existência consciente. O homem é um
sujeito consciente, ao invés de uma coisa a ser prenunciada ou manipulada; ele existe como um
ser consciente, e não em acordo como nenhuma definição, essência, generalização, ou sistema.
O existencialismo é um movimento filosófico unilateral, que coloca a ênfase no individual, no
próprio, a experiência do indivíduo e na singularidade dele como a única realidade. Os
existencialistas acreditam na liberdade absoluta e aceitam as conseqüências e ramificações de
suas ações no seu todo. Os existencialistas preferem a subjetividade e acham a existência em
geral como um mistério, e que eles são cada um uma entidade isolada, num universo indiferente e
por vezes ambíguo.
141
Há também, para Hegel, a alienação que se desenvolve na sociedade civil
entre a pequena classe rica e o crescente descontentamento de uma grande
classe de trabalhadores empobrecida.
A mais profunda de todas as alienações no pensamento de Hegel é a
alienação ou separação entre a consciência do indivíduo e seus objetivos, na qual
ele está ciente da alteridade do objetivo e procura, numa variedade de caminhos,
superar sua alienação, dominando-a, trazendo-o de volta de alguma maneira.
Hegel usou o conceito de alienação à parte do próprio ser consciente, todo o
resto, é alteridade, de que está separado. Os homens são confinados por um
mundo de coisas que são obscuras a si e que não podem compreender. Além
disso, a própria ciência aliena o homem da natureza, pelo extravasamento da alta
especialização e conceitos matematizados, leis, teorias, e tecnologias que são
ininteligíveis ao não-especialista e ao leigo; esses produtos da ciência
posicionam-se entre o homem e a natureza.
A exemplo: a revolução industrial alienou o trabalhador do produto de seu
trabalho, transformando-o num componente mecânico no sistema produtivo, os
homens são separados das instituições humanas - burocratização governamental
nos níveis federal, estadual e local, partidos políticos nacionais, gigantescas
corporações comerciais, organizações religiosas nacionais - por parecerem
imensos detentores da vida, em seus domínios públicos; por isso, Helgel sinalizou
a alienação como causa do homem se excluir de sua história, afetando todas
142
relações sociais e de trabalho que dominam a vida íntima dos seres humanos, por
falta da compreensão de si próprio e do mundo em que vivem (SALES, 2006:1).
Debord também defende que a alienação, por parte do indivíduo, é
conseqüência da falta de compreensão de sua própria existência e de seus
anseios:
A alienação do espectador em proveito do objeto
contemplado (que é o resultado da sua própria
atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais
ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhecer-se nas imagens dominantes da
necessidade, menos ele compreende a sua própria
existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do
espetáculo em relação ao homem que age aparece
nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de
um outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador
não se sente em casa em nenhum lado, porque o
espetáculo está em toda a parte (DEBORD, 2000:14).
Atualmente, de forma geral, o ser humano cresce vendo televisão ou
ouvindo sobre ela, e não deve ser tão simples depois de adulto ter que
desmistificar as imagens recebidas, que realizam de certa forma, as fantasias das
pessoas, influenciando-as por falta de conhecimento sobre a capacidade de
manipulação e alienação que a televisão exerce desde a infância do indivíduo.
A respeito disso Giovanni Sartori expõe:
O argumento de que uma criança, com menos de três
anos, não compreende aquilo que está a ver, mas, por
143
isso mesmo, "absorve" a violência como um modelo
excitante, e porventura vencedor, de vida adulta, é
sem dúvida verdade. Mas porquê (sic) limitá-lo à
violência? A verdade maior, e global, é que a criança
cuja primeira escola (a escola divertida, que precede a
escola aborrecida) é a televisão, é um animal
simbólico que recebe o seu imprint, o seu cunho
formativo, através das imagens de um mundo todo ele
centrado no ver. Nesta paidéia, a predisposição para a
violência é, dizia eu, apenas um aspecto do problema.
O problema é que a criança é uma esponja que
registra e absorve indiscriminadamente (visto não ter
ainda capacidade de discriminação) tudo aquilo que
vê. Ao mesmo tempo, e na vertente contrária, a
criança formada pelo ver limita-se a ser um homem
que não lê e, conseqüentemente, na maioria das
vezes, um "desmiolado pelo vídeo", que se dedica aos
videogames pela vida fora (SARTORI, 2000:29).
Essa visão de que a televisão é hoje a primeira escola do individuo torna-
se algo tão concreto que esse meio passa a ser um aliado até na manutenção do
sossego do lar no que se refere a manter as crianças ocupadas e entretidas com
alguma coisa que dará a sensação de tranqüilidade e segurança aos pais. Se há
o hábito rotineiro, por parte dos adultos, de usar a TV para divertir, informar ou tê-
la como um mero ''passa-tempo'', esse hábito poderá ser absorvido pelas
crianças. Quando ainda criança é que começa a influência desse meio de forma a
fazer o indivíduo apreender o desejo de estar ligado na TV. É justamente na
época em que se inicia a formação do caráter do indivíduo que podem ser muito
mais fortes as apreensões sobre o que é recebido pela televisão, sobretudo,
144
diante de um programação televisiva que trabalha em torno de conteúdos
culturais e de entretenimento que estão na ''moda'' entre adolescentes e entre as
crianças.
Torna-se importante a reflexão sobre o papel da TV no sentido de
promover a alienação dos seres humanos, ao estimular o consumo de imagens
desde a mais inicial faze de vida das pessoas porque, quando se fala sobre a
função da televisão é preciso lembrar que além do conteúdo verbal que pode
manipular as massas, a TV tem em seu poder os mecanismos técnicos e
discursivos para elaborar elementos visuais que atingirão os telespectadores de
maneira direta, clara e objetiva, mas também com recursos subliminares ricos em
ideologias ditadas nos bastidores do meio
20
.
Ao midiatizar o espaço ''público'' de interação dos jovens, formado,
geralmente, por tendências culturais - moda - e educacionais, a televisão passa a
trabalhar no campo do imaginário desse público com uma gama muito vasta de
produtos que podem ser consumidos, e com isso, ativar uma cadeia da industria
cultural muita ampla, no que concerne à capacidade de geração de bens
simbólicos discursivos.
Como a TV eleva o papel das imagens a um novo patamar no mundo
moderno, essa função, de retratar com as estruturas da ficção a realidade, por
20
Podemos abordar essa questão referente a recursos subliminares inseridos no processo
comunicativo da mídia, como mecanismos discursivos trabalhados tecnologicamente pela imagem
e pela fala para introduzir em produções midiáticas, sugestões ideológicas a serem apreendidas
pelo público e estímulos de consumo para induzir o telespectador a adotar novos padrões de uso
e reuso sobre artefatos produzidos pelas engrenagens da indústria cultural.
145
meios de técnicas de produção audiovisual, proporciona uma aproximação social
dos interesses públicos singulares, próprios das pessoas, bem como de seus
espaços que são preenchidos por interesses e aspirações por melhores
condições de sobrevivência e por maiores oportunidades de lazer e prazer.
As técnicas discursivas audiovisuais, que diminuem as distâncias sociais
entre os indivíduos, são fundamentais no processo de atuação da indústria
cultural, pois legitima a atuação desse fenômeno de massa, que é o grande
poderio da mídia em nossa sociedade contemporânea, influenciando os modos de
viver das pessoas. Para Adorno, a indústria cultural colabora com a ideologia
capitalista e utiliza-se do progresso técnico para impedir a formação de indivíduos
autônomos, obstruindo suas capacidades de julgamento e decisão conscientes,
para que não possam ser tão lúcidos do processo da recepção das mensagens
midiáticas. Essa colaboração ocorre, sobretudo pela televisão, para que haja a
transformação do produto cultural em simples mercadoria, em busca de lugar no
mercado de consumo.
(...) Se todos os demais produtos no capitalismo são
fabricados em série, através da divisão social do
trabalho sofisticada, para consumo em larga escala,
como poderia ser diferente com os bens culturais? No
interior da indústria cultural há a presença permanente
de contradições (...) que (...) existem tanto no
momento de produção como no de recepção de um
produto (...) cultural e que ele, assim, nem representa
uma manifestação monolítica da ideologia burguesa
nem é consumido pela audiência de forma uniforme e
passiva (SILVA,1985:20-21).
146
Essas afirmações nos fazem perceber que, como um programa de
televisão não é produzido por robôs, mas por indivíduos incorporados por
ideologias que são direcionadas a produzir bens para o ganho de capital e para
imposição de poder sócio-político, os programas televisivos, feitos com elevado
nível técnico audiovisual, são peças sofisticadas de interação imaginária entre
sujeitos isolados, em seus mundos domésticos diante de um vasto mundo que
não pode ser desbravado facilmente, por meio das condições naturais de
locomoção do ser humano. Essas ideologias incorporadas, impostas pelos
controladores das grandes corporações da área de comunicação e pelos sistemas
político-econômicos criam, replicam e difundem informações embasadas de
conhecimento técnico, que serão utilizadas pela população como fonte de
orientação para questões referentes às necessidades de manutenção de sua
sobrevivência e como diálogo entre si a sua sociedade.
Uma inversão nesse sentido ocorre no filme, já citado anteriormente, Muito
Além do Jardim, de Hal Ashby, 1979, em que, tudo que seu personagem
principal, Chance - Peter Sellers - sabia, tudo o que conhecia, tinha-lhe sido
passado através da TV. A inversão ocorre no sentido que, ao invés de decodificar
a televisão a partir de suas experiências de vida, Chance passou a decodificar a
vida a partir de seu conhecimento televisivo. Tornando-se uma presa ou um
prisioneiro dos bens simbólicos recebidos pela TV. Diante disso afirma Sartori:
Certamente, somos presas fáceis para a indústria
cultural e, principalmente para a televisão, que é o
principal instrumento dessa indústria. Estamos
147
expostos a um bombardeio de informações, que nos
atingem numa seqüência tão veloz que quase não
temos tempo para respirar, para entender tudo o que
estamos recebendo. A velocidade tenta nos impedir de
relacionar os fatos, como se cada um não fosse
conseqüência de um outro. Ainda temos a imagem,
que prevalece sobre a fala (...) no sentido em que a
voz off, ou de um falante, é secundária, está em
função da imagem, comenta a imagem (SARTORI,
2000:22).
Esse consumo de imagens nos remete a uma questão: a alienação
causada pelo intenso apoderamento da programação televisiva sobre o
telespectador, no aspecto que tange aos níveis de retenção dos significados do
conteúdo dessa programação, devido a ação sobre o sentido da visão ser mais
efetiva do que pela audição. A imagem agirá com maior intensidade no processo
de formação do imaginário do telespectador e nos processos de compreensão e
apreensão do discurso televisivo.
Não é possível esquecer nem ignorar que ação da fala e das técnicas
sonoras na configuração dos projetos audiovisuais, mas o que pretendemos é
discernir mais amplamente, quanto à influência da imagem nesse contexto da
configuração do imaginário dos telespectadores, enquanto peças do espaço
público midiatizado. Dessa forma, vemos que a imagem pode se sobressair na
cena televisiva em circunstâncias que o conteúdo visual promove no sujeito, um
estímulo sensorial passível a uma maior reprodução por parte desse
telespectador.
148
A televisão, instrumento capaz de construir um
imaginário aguçado no seu telespectador, faz com que
este, crie expectativas sócio-culturais e se torne
hipnotizado pelas imagens apresentadas na tela, nos
tornando um consumidor da cultura mundial. O homem
tem dificuldade em similar e diferenciar o mundo
ficcional do mundo real (HAMBURGER, 2000:12).
Como a televisão está presente no dia-a-dia de grande parte da população
mundial, introduzindo um imenso e diversificado volume de mensagens,
tecnicamente criadas, ela é capaz de influenciar as pessoas a adotarem novos
costumes, variados anseios, hábitos e novas maneiras de se portar na sociedade.
A TV provoca, de certa forma, uma ''revolução'' cultural e social na vida das
pessoas. Efeitos oriundos de uma fusão entre uma extraordinária variedade de
conteúdos na programação televisiva e o comportamento humano, vivendo sob
desejos e anseios por novidades e narrativas inéditas em sua realidade.
O funcionamento do imaginário dispensa a necessidade do pensamento.
Ele não proíbe o pensamento, não reprime o pensamento, mas esse modo de
funcionar próprio das imagens e da nossa exposição a elas produz um modo de
funcionamento psíquico no sujeito que prescinde o pensamento, além do que,
funciona segundo a lógica da realização dos desejos. Cada imagem apresentada
é como se fosse um microfragmento de gozo que o espectador consegue obter.
Então, a cada fragmento de gozo, o pensamento cessa. O imaginário dá
consistência para a experiência.
149
(...) A identificação com a imagem é uma forma de
alienação, em que a consistência da experiência
subjetiva se ancora na imagem do que se é para o
olhar do outro. (...) Já o simbólico é fundado
exatamente no ponto em que essa imagem já não dá
conta do ser. (...) O significante vem no lugar da coisa
que falta, a palavra, (...) que a identificação imaginária
não resolve (Ibidem:135-136, 140).
Devido a sua capacidade de estimular os mecanismos de formulação do
imaginário humano e dos estereótipos que irão determinar a maneira como os
indivíduos compreendem sua sociedade e se relacionam com a dinâmica dos
acontecimentos sociais, a TV é um ativo componente que atua perenemente na
formação psíquica do indivíduo, induzindo, de certa forma, o sujeito a pensar
somente no que pode, e como pode. É como se as pessoas se alienassem
duplamente: por encararem a TV como parte integrante e necessária para o
preenchimento de prazeres relativos ao entretenimento e à condição de estar bem
informado; e, por não perceberem o tanto quanto são dependentes desse meio
para realizarem esses desejos e anseios.
É próprio da comunicação contribuir para a
modificação dos significados que as pessoas atribuem
às coisas. E, através da modificação de significados, a
comunicação colabora na transformação das crenças,
dos valores e dos comportamentos (BORDENAVE,
1989:92).
Como afirma Juan Bordenave, em O que é comunicação (1989), essas
mudanças de significados causadas pela televisão geram, de determinada forma,
150
uma espécie de etnocentrismo, fazendo com que sua transmissão se torne o
centro da realidade. Os valores e as definições do que é a própria existência
passam a ser enxergadas com comodismo, pois as imagens deixam de ser
introduzidas em um ambiente reflexivo capaz de propiciar um discernimento
qualitativo do que é visto por parte dos telespectadores. Essa centralização faria
os acontecimentos, de forma subjetiva, estarem muito próximos uns aos outros:
no mesmo quadro do telejornal se vê um ataque terrorista no Oriente Médio e a
explosão de uma bomba em uma rua de grande movimento comercial em São
Paulo.
Ellis Cashmore argumenta:
A televisão fascina e assusta. Suas mensagens
parecem querer ocupar todas as frestas e poros da
sociedade. Os conceitos de tempo e espaço se
relativizam, o mundo fica menor, o que era distante
fica próximo, as possibilidades de cooperação e
solidariedade aumentam. Isso é fascinante. Ao mesmo
tempo, o poder político e econômico, dos que detêm o
controle da TV, cresce assustadoramente. A
sociedade se vê diante de uma força brutal que tenta
impor valores éticos e padrões culturais de um grupo
para todo o conjunto social (CASHMORE,1998:7).
Nesse processo de avaliar até que ponto os meios de comunicação
contribuem com a alienação do mundo, vê-se que a televisão, como parte
integrante da vida social do ser humano contemporâneo integra um conjunto de
mecanismos, tais como a religião, correntes políticas, corporações capitalistas de
151
acúmulo de capital, que são causadores de uma desatenção do homem com sua
existência e com sua própria essência. Essa desatenção e/ou alienação também
é proveniente da falta de coordenação entre pensamento e conhecimento, como
afirma Hannah Arendt:
O pensamento deveria coordenar o uso do
conhecimento, mas constata-se que não é capaz de
fazê-lo. Se realmente for comprovado esse divórcio
definitivo entre o conhecimento (no sentido moderno
de know-how) e o pensamento, então passaremos,
sem dúvida, à condição de escravos indefesos, não
tanto de nossas máquinas, mas de nosso know-how ,
criaturas desprovidas de raciocínio, à mercê de
qualquer engenhoca tecnicamente possível, por mais
mortífera que seja (ARENDT, 2001:11).
A conseqüência mais extrema dessa alienação talvez possa ser a do
indivíduo que se torna indefeso ao bombardeio midiático da industria cultural,
sobretudo, em relação à televisão, sem estímulos para se posicionar criticamente
diante dos discursos impostos por este veículo. Poderíamos, com isso, afirmar
que a alienação do mundo é conseqüência da midiatização do espaço público
sem que os indivíduos estivessem criticamente maduros para perceber
tecnicamente e subjetivamente os interesses sócios-políticos-econômicos que
geram os mais diversos pressupostos do consumo de imagens que irão fomentar
o funcionamento da indústria que promove a cultura midiática no planeta.
152
2. Os pressupostos do consumo de imagens
A dinâmica social imposta pela mídia televisiva, que estimula o consumo de
imagens, está atrelada a diversos fatores sociais, políticos, financeiros e culturais.
Dentre estes fatores, podemos apontar a necessidade da industria cultural de
socializar produtos da cultura midiática para ampliar a aquisição de bens e
discursos pelos indivíduos; estabelecer e readequar usos e costumes sociais;
instalar na sociedade padrões e estereótipos comportamentais que dependerão
do consumo de bens da indústria cultural para satisfazer uma auto-realização
pessoal; o constante interesse pela novidade e pelo entretenimento; o
reconhecimento à mídia televisiva do papel principal quanto porta-voz da
sociedade. Esses fatores causariam constantemente nas pessoas uma busca por
novidades criadas na sociedade do consumo e do espetáculo.
Devido a sua enorme capacidade de alcance social, a televisão atinge
desde os cidadãos mais ricos em bairros nobres das cidades, às favelas e
periferias dos grandes centros urbanos, tornando ambos públicos telespectadores
iguais perante a propagação de idéias, valores, princípios e ideologias.
Entretanto, diante dos pressupostos desenvolvidos para alavancar o consumo de
imagens como forma do veículo televiso atingir seus objetivos comercias e
ideológicos, os conceitos emitidos e as técnicas para se atingir essa igualdade
diante da dimensão comunicativa televisiva não são veiculadas aos
telespectadores de maneira direta; ou melhor, são quase sempre indiretas e de
forma subliminar.
153
Joan Ferrés traz em sua obra Televisão Subliminar: Socializando
através de comunicações despercebidas (1998), o seguinte argumento:
Considera-se subliminar qualquer estímulo que não é
percebido de maneira consciente, pelo motivo que
seja: porque foi mascarado ou camuflado pelo
emissor, porque é captado desde uma atividade de
grande excitação emotiva por parte do receptor,
porque se produz uma saturação de informações ou
porque as comunicações são indiretas e aceitas de
maneira inadvertida (FERRÉS, 1998: 14).
As mensagens subliminares inseridas nos conteúdos da TV estariam sendo
endereçadas aos telespectadores, de forma que os mesmos a consumissem,
sentindo-se estimulados a assumir determinadas práticas ou condutas,
motivando-os à adoção de posturas comportamentais, compra de produtos, a
investidura de novos padrões ideológicos, comportamentos e atitudes. A
midiatização dos fatos nos variados gêneros televisivos, como no telejornal, nos
programas de entretenimento, nas tele-dramaturgias e em campanhas
publicitárias carregam repletos enredos narrativos preenchidos de sentidos que
não estão explícitos para o público em geral, mas passíveis de interpretação
sobre seus contextos subjetivos, formulados e utilizados sob a orientação de
diversos princípios de natureza psicológica, os quais Ferrés preferiu chamar de
"mitos". O autor se refere ao fato de que, os homens, apesar de serem animais
racionais, possuem atitudes revestidas de estímulos que merecem ser mais bem
compreendidos, pois, às vezes, são movidas sem o direcionamento da razão.
Assim, para que a televisão consiga persuadir o telespectador, deve direcionar
154
sua mensagem à emoção deste e não ao pensamento racional e lógico.
(Ibidem:17).
A influência da televisão, intencional ou não,
consciente ou inconsciente, manifesta-se na esfera da
emotividade. É desde a emotividade que a televisão
pode condicionar a liberdade humana. É desde a
emotividade que a televisão pode burlar a
racionalidade. É desde a emoção que incide sob o
inconsciente (Ibidem: 23).
Diante disso, a televisão começa a preparar seus produtos, suas imagens
para sem consumidas, na perspectiva de que elas incidam sobre as emoções e,
desta forma, potencializem seus efeitos.
Se as emoções (amor, temor, raiva, dor, gozo...)
influem nas decisões e nos comportamentos,
qualquer imagem que gere emoções será
socializadora, no sentido de que terá incidência sobre
as crenças e os comportamentos. Isto pretendem
conseguir - ou conseguem sem pretendê-lo
explicitamente - as mensagens subliminares
(Ibidem:41).
A socialização de padrões e bens culturais, como uma das características
das propagações ideológicas da televisão, utiliza diversos mecanismos
comunicativos, por meio das imagens, para induzir freqüentemente o
telespectador a se apropriar de novos modelos de comportamentos instituídos
pelas modas culturais e de posturas engajadas em causas sócio-econômicas.
155
Mecanismos esses que são elaborados com padrões estéticos e de alimentação
do desejo dos indivíduos para seduzir e formar novos consumidores. Por meio
das vias do entretenimento, a TV propicia ao consumidor a maior variedade de
emoções que irão induzi-lo a aquisição de um novo bem. De acordo com Ferrés,
o entretenimento é uma das formas mais eficientes de comunicação subliminar,
persuasiva, justamente por ser quase incontestado e propicia volumosos índices
de consumo de imagens televisivas. Segundo Ferrés, entreter proporciona mais
prazer ao telespectador e mais vantagens sobre uma comunicação destinada ao
raciocínio lógico - à via racional:
Para os profissionais da comunicação persuasiva, a
via emotiva tem uma dupla vantagem sobre a via
racional: é mais divertida, o que facilita uma atitude de
abertura por parte do receptor, e não desperta receios
ou mecanismos de defesa, porque o receptor não é
totalmente consciente de que está sendo influenciado;
pensa que está se divertindo apenas (Ibidem: 63).
A partir das argumentações, vemos que as estratégias descrevem que a
televisão tenta socializar o mundo - trabalhando mais no âmbito emocional do que
na razão - por meio de técnicas de persuasão que tentam estimular o consumo de
suas imagens, repletas de bens materiais e simbólicos. Esta persuasão é
elaborada com o intuito de não permitir raciocínios, questionamentos, indagações
por parte do telespectador. Ofuscando o raciocínio lógico, a persuasão televisiva
elimina o pensamento abstrato, que é baseado em reflexões, juízos e análises. E
ao estar envolvido pelo conteúdo recebido pela TV, é que o telespectador se torna
156
consumidor do que foi oferecido. A persuasão exercida pela televisão gera uma
ansiedade no telespectador pelo fato da TV criar um mundo novo baseado em
histórias e em mundos por ela inventados. Ferrés chama isso de "sedução do
relato". E esses relatos, conforme constata o autor: "... fascinam porque, além de
satisfazer necessidades de fabulação e de fantasia, incidem no âmbito das
emoções, ativam-se, levam-nas às máximas cotas de intensidade" (Ibidem: 91).
Podem ser apontados vários exemplos relacionados com o aspecto
descrito anteriormente. Programas de humor e os telejornais sensacionalistas,
como: "O Pânico na TV'', da Rede TV, "Caldeirão do Huck'', da TV Globo, ''Cidade
Alerta", da TV bandeirantes e "Linha Direta" da TV Record. Programas que falam
somente de acontecimentos que envolvem celebridades e fatos ligados as suas
intimidades, criam ambientes de curiosidade para que o telespectador se fixe à
TV, informando-se sobre a ''personalidade'' pública que o encanta e desperta sua
atenção ou desejo. A tentativa de persuadir e prender a atenção dos
telespectadores com a cobertura de assuntos sobre a vida pessoal das ''estrelas''
televisivas, faz com que a TV fascine uma grande parcela da população, pois,
essa massa tem a oportunidade de conviver e se deparar com o que há de mais
íntimo sobre seus ídolos, já que o contexto ficcional e artístico por eles vividos
revelam ao telespectador somente os aspectos imaginários e performáticos das
celebridades.
O fascínio das estrelas decorre do fato de serem "a expressão sublimada
das próprias crenças, das próprias necessidades" (Ibidem:114). Esse tipo de
157
sedução torna-se bem visível numa sociedade onde predominam as fofocas das
vidas dos ditos famosos, devido à imposição que os meios de comunicação fazem
à sociedade: o que ou quem está em evidência deve estar sob os olhos de todos.
A mídia dita os fatos e os personagens que estarão em evidência e imprime na
sociedade o desejo por saber o que acontece a esses fatos e a esses
personagens. Isso representa o contínuo consumo renovado de produtos criados
pela mídia. Alteram-se estruturalmente os atores sociais e os acontecimentos,
porém permanecem os contextos subjetivo e ideológico.
A televisão também trabalha com o reforço em cima dos estereótipos, que
nada mais são do que visões simplistas, reducionistas e preconceituosas,
baseadas no senso comum e na repetição. É possível ver como exemplos de
estereótipos explorados o apelo à beleza física, a discriminação de grupos gays,
lésbicas, negros, deficientes físicos - discurso machista inserido em programas,
filmes e seriados em que há a vulgarização da mulher, sendo esta tratada como
mero objeto. A televisão agiria dessa forma para "facilitar" o trabalho do
espectador, tornando desnecessário qualquer esforço maior de abstração. ''É um
recurso eficaz em todo o processo de homogeneização na interpretação da
realidade, homogeneização de idéias, princípios valores, crenças e
comportamentos" (Ibidem:139).
A informação noticiosa é outro instrumento de persuasão, do ponto de vista
da linguagem subliminar, que pretende incentivar a apreensão de sentidos
subjetivos. Segundo o autor, informação é poder, e este cada vez mais
158
concentrado nos grandes veículos de mídia, possibilita o controle dos eventos
relevantes para sociedade, atenuando ou intensificando as conseqüências de sua
propagação. O autor aponta para capacidade que a imprensa tem de esconder ou
revelar a realidade, por meio da seleção de fatos, baseada em fornecer ao
espectador somente o que é desejado, ou ainda com a difusão de informações
distorcidas, descontextualizadas, de forma que se abstraia a realidade que não
corresponde à verdade, e direcione o público a reagir conforme um plano pré-
determinado, que tende a atingir somente resultados satisfatórios para pequenos
grupos dominantes.
Ao persuadir para estimular a apreensão de sentidos e o consumo, a TV
por meio da publicidade, torna-se um instrumento ainda mais eficiente quanto à
veiculação de informações subliminares, que são absorvidas pelas pessoas de
maneiras diferentes, pois cada uma tem distinta formação intelectual e
capacidade cognitiva. Deparando-se com uma infinidade de informações
indisponíveis em nossa sociedade, o ser humano interpreta e absorve aquilo que,
de certa forma, é relevante para sua vida ou para seu cotidiano. A publicidade é
subliminar em relação ao nível de percepção do receptor, e somente este é
persuadido se sua percepção for capaz de responder ao estímulo enviado. O
consumo direto e subjetivo das imagens está relacionado com os níveis de
eficiência do discurso e a forma com que este discurso alcança o público
desejado. A publicidade, como uma ''forma de comunicação que visa chamar a
atenção do público para um bem ou serviço, com o fim de promover a sua
aquisição" tem o papel de promover essa eficiência do discurso (DINIZ, 1999:15).
159
De acordo com Diniz, no início do século XX, a produção em série crescia
cada vez mais, e o mercado de consumo já não conseguia atender à demanda
dos produtos, o que tornou necessário o surgimento da propaganda e da
publicidade para elaborar aparatos técnicos e ideológicos que ampliassem a
necessidade do consumidor por novos bens. Com o passar do tempo, muitos
produtos novos surgiram ao passo que também apareceram diversas marcas de
produtos e tipos diferentes de um mesmo produto, como se percebe com os
sapatos, por exemplo. Em função desse fato, a publicidade teve de aprimorar
suas técnicas e desenvolver outros meios mais eficazes de persuasão do
consumidor, para que causasse no consumidor a necessidade de adquirir cada
vez mais produtos, mesmo que estes se tornem cada vez mais supérfluos
(Ibidem:18).
Nessa época contemporânea em que o ser humano vive em completa
cultura industrial, materialista, orientada para e pelo consumo de imagens, bens
simbólicos, produtos e informações, a publicidade, como instrumento de
persuasão dos públicos, busca analisar a fundo o que motiva psicologicamente o
consumidor, com meios cada vez mais refinados e desenvolvidos, contando com
o atrelamento de outras áreas do conhecimento.
A publicidade subliminar utiliza mensagens
intencionalmente dirigidas ao inconsciente. Os
profissionais de publicidade tentam assim associar as
necessidades, impulsos e emoções das pessoas,
jogando com as vulnerabilidades destas. Todas as
atividades e fantasias podem ser manipuladas através
160
dos olhos e dos ouvidos, desde os pensamentos mais
secretos até os comportamentos mais públicos, sem
que se tenha conhecimento disso (Ibidem: 9).
Trabalhando com impulsos e emoções, a publicidade é capaz de manipular
comportamentos, atitudes e preferências dos consumidores através da captação
de estímulos, como o prazer pelo conforto, o desejo de estar sempre belo, o
querer sentir-se seguro e a vontade realizar sonhos e aspirações que satisfazem
fantasias e anseios pessoais. Esse mecanismo de captação comunicacional
agrega valores simbólicos aos produtos que se inserem no rol daqueles que
fazem parte dos produtos básicos e obrigatórios à subsistência do ser humano.
A televisão como principal aliada da publicidade, sempre está disposta a
vender os bens construídos pelo merchandising, por isso, a publicidade, se tornou
indispensável para a relação produto/consumo. Como o mercado está saturado
de produtos supérfluos, que possuem uma carga de valores comunicativos
excessivamente forte, capaz de convencer os indivíduos a comprarem e adquiri-
los sem que haja a necessidade real de adquiri-lo em suas vidas, esse
mecanismo que atua na formulação de campanhas é ferramenta fundamental da
mídia.
Em nossa sociedade movida pelo consumo, onde tudo que os meios de
comunicação tentam alcançar é a comercialização de seus bens simbólicos e
materiais, seria quase impossível não existir esse mecanismo inserido, sobretudo,
na televisão. É possível fazer uma lista bem ampla de produtos que receberam
161
outros valores agregados, subjetivamente, ao seu valor real. Por exemplo, o
sabonete que deixou de ser um produto que tem a simples finalidade de lavar a
pele, mas que, em função da publicidade, tornou-se um produto capaz de tornar
essa mesma pele macia, sedosa e saudável, como num passe de mágica. E não
somente é necessário que os carros tenham a única função de locomover as
pessoas, é preciso um carro potente, luxuoso, que proporcione ao motorista a
sensação de poder, de liberdade e de força. Os produtos da sociedade de
consumo ganharam outros valores aos seus, tornando-se repletos de fetiches e
características que não existiriam. Diante disso, as pessoas que não os utilizam
ou não os possuem, passa a se sentir excluídos por não usufruírem os mesmos
valores agregados.
Sabe-se que para estimular o consumo é necessário, e de fundamental
importância, motivar, encantar, persuadir aqueles aos quais se deseja no rol dos
consumidores. Para que estes se sintam capazes de realizar e tomar
determinadas atitudes, é necessário fazer com que o consumidor/espectador
compre/receba a informação ou o produto sem que se dê conta que está a alterar
sua forma habitual de pensar ou agir. Se a comunicação for bem sucedida,
promoverá o comportamento de compra, e o consumo do bem.
Tudo o que um indivíduo faz tem em vista satisfazer uma determinada
necessidade. Em uma sociedade materialista, onde o que define a pessoa é que
ela possui, as necessidades são cada vez maiores. Dessa forma, as
162
necessidades básicas dos indivíduos ficam em segundo plano, em relação às
necessidades psicológicas.
Segundo Diniz, "embora a nossa necessidade de sustento físico tenha sido
bastante reduzida, em detrimento das necessidades psicológicas, a carência por
satisfação sexual está no topo". E a mensagem do sexo, atrelada ao culto da
beleza do corpo, é uma das mais utilizadas nos anúncios ou programas
televisivos. O autor diz:: "não existe necessidade fisiológica sem que tenha a sua
própria indústria'' (Ibidem:25).
Os símbolos utilizados para o estímulo ao consumo variam de acordo com
a cultura pertencente a determinado grupo. Por isso, o que a televisão usa no
Brasil para conseguir que as pessoas adquiram seus bens, não serão os mesmos
artifícios usados pela televisão na Europa. Talvez algumas pessoas possam
pensar que um bom anúncio é aquele que é lembrado por todos. Há anúncios
e/ou comerciais na televisão que ficam na memória das pessoas e que, todos
gostam de ver como se fosse um show. Só que, para quem planeja o consumo
pelo que mostram as imagens, os anúncios que são ‘’conscientemente’’
lembrados são considerados falhos, pois um comercial ou um programa deve
servir para motivar uma decisão de compra, dias, semanas, ou meses depois de
ser percebido, fixando-se fortemente na memória do telespectador. "Após
estimulação subliminar o sujeito faz algo em reposta a determinadas mensagens
sem conhecer a causa da sua conduta" (Ibidem:49).
163
Quem trabalha com a produção de sentidos aproveita este fato para inserir
mensagens subjetivas no interior das imagens, como forma de esconder um
significado sob a representação de outro, como por exemplo: nos comerciais de
uma marca famosa de cigarro, onde era utilizado o preto e branco durante quase
todo o anúncio, havia a inserção de uma cor vermelha que representava a marca
do cigarro e a elegância da marca ao passear pelo lado sóbrio e sem graça da
vida. A duplicidade de sentidos das imagens enriquece o significado para que o
telespectador seja atingido através de estímulos simbólicos.
O consumo de imagens é uma necessidade estrutural na configuração do
espaço público midiatizado, sobretudo no meio televisivo, pois sem o consumo
pelo público não haveria porque esse veículo investir em melhorias e avanços
técnicos, discursivos e em mão-de-obra especializada para gerir seu
funcionamento. O fato de haver o consumo é a razão para que a indústria cultural
amplie suas atuações no intuito de aperfeiçoar seus instrumentos persuasivos
para estimular o público a fixar-se diante do veículo, criando laços sociais
simbólicos com o que existe na programação. Porém, o que ressaltamos nesse
capítulo são os pressupostos a respeito dos métodos utilizados pela mídia para
induzir os telespectadores a consumir suas ideologias, seus bens simbólicos e
materiais, em um processo que alimenta a alienação do mundo por meio da
produção da cultura midiática. Métodos estes, ou procedimentos comunicativos,
que adotam variados gêneros televisivos para construir as TV´s que atuam de
forma generalista ou segmentada em nossa sociedade, mas sempre oferecendo
aos públicos a possibilidade de encontrar lazer, divertimento, e sobretudo, a
164
oportunidade de se deparar com um tele-espaço, ou seja, um ambiente propício a
discussões políticas e antropológicas inseridas na questão da atualidade do
homem contemporâneo e de suas dinâmicas sociais, que são responsáveis pela
ocorrência de sucessivos eventos midiáticos.
165
3. O tele-espaço como cenário das discussões antropológicas, políticas e
de atualidade
Um dos papéis da televisão, como mídia massiva de alta penetração em
nossa sociedade é o de instalar na vida dos indivíduos espaços e cenários que
serão utilizados para a concretização de discussões políticas, sociais e
antropológicas pertinentes às formas de organização das condições de vida e do
mundo em quem todos vivem. Esses cenários se configuram por mecanismos
complexos formados por sistemas técnicos, humanos, discursivos, políticos e
culturais que motivam os seres humanos a privilegiarem a televisão durante a
propagação midiática.
A televisão, oriunda da revolução eletrônica dos meios de comunicação, tal
como explica Patrice Flichy, Uma história da comunicação moderna: espaço
público e vida privada (1997), foi responsável por mudar e continua a
transformar os nossos espaços públicos políticos e privados. Não é mais possível
compreender as sociedades contemporâneas sem considerar que, na intimidade
e nos espaços sociais onde nos envolvemos com questões que nos rodeiam, a
mídia registra o 'real e a verdade', reconstruídos simbolicamente para estabelecer
parâmetros morais que nela coexistem, para gerar a sensação de pertencimento
ao mundo que nos rodeia ou ao mundo que imaginamos existir (FLICHY,
1997:63).
166
Esse 'real' e essa 'verdade' registrados simbolicamente, discursivamente e
por meios das técnicas audiovisuais representam os componentes que irão
construir o cenário do espaço público que é midiatizado pela TV. A televisão,
conforme afirma Dominique Wolton, em Elogio do Grande Público - uma teoria
crítica da televisão (1990), é cenário de dimensões materiais e simbólicas da vida,
capaz de aproximar as pessoas e as seduzir com o que parece ou se acredita
parecer com elas mesmas. Os efeitos psicológicos, sociais e simbólicos que hoje
são detectáveis na relação TV e seus públicos estabelecem laços e afinidades no
campo do imaginário dos indivíduos, que os tornam conectados, a partir de seus
espaços privados, com os ambientes sociais alheios a sua vida íntima. Ao
emocionar, sensibilizar, irritar, mobilizar, desmobilizar, assim como por seu poder
de alegrar e entristecer seus públicos, a televisão, segundo Wolton, estabelece-se
como tele-espaço público para o surgimento de um ambiente que propicia a
discussão política, antropológica e sócio-cultural das coisas corriqueiras da vida.
As transmissões contemporâneas da televisão misturam um pouco dos
mais diversos atos e relações arquetípicas entre os indivíduos e suas máquinas
de comunicar. O resultado consiste em um fenômeno único que precisa ter seu
véu desnudado. Diante disso, não é à toa que é possível ver em vários sites na
internet discussões recorrentes sobre a TV é se ela faz bem ou mal ao seu
público.
Esta polêmica revela em si a influência da TV e a necessidade de discuti-la
por alguns ângulos, inclusive o da sua contribuição na formação dos parâmetros
167
morais, como parte das crenças sociais de nosso tempo. Para Dominique Wolton,
a televisão suscita fantasmas de poder relacionados com polêmicas que podem
se originar, pelo fato que as mesmas imagens são recebidas por todos, mesmo
que tenham opiniões distintas sobre ela. ''A complexidade da televisão, inerente a
seu status de meio de massa, foi reforçada por seu imenso sucesso popular, o
que acentuou os temores existentes em torno dela e que os trabalhos empíricos
não conseguiram abordar'' (WOLTON, 1990:23).
Em um período de cinco décadas, no Brasil, com as atividades da televisão
em nosso país, os antigos laços sociais e culturais passaram a ser permeados
pela TV, convalidados por meio da referência midiática, que povoa as relações
interpessoais. Para Wolton, a TV funciona como um espelho translúcido que
pode, no plano do simbólico, servir de transporte entre o material e o simbólico, o
público e o privado, a mente dos indivíduos e as crenças coletivas. Ou seja, a TV
estimula o indivíduo a pensar sobre o que é e o que este pensa ser por meio das
suas percepções e por meio da comunicação interpessoal, construindo pontes,
mesmo antes da atual possibilidade da interatividade da TV digital.
Dizer que a televisão é uma das formas de laço
social é, pois, uma retomada de certa tradição
sociológica, mesmo que a perspectiva seja
sensivelmente diferente. Em que a televisão constitui
um laço social? No fato de o espectador, ao assistir à
televisão, agrega-se a esse público potencialmente
imenso e anônimo que assiste simultaneamente,
estabelecendo assim, como ele, uma espécie de laço
invisível (Ibidem: 124).
168
O fato de os espectadores se agruparem a imenso público virtual, é devido
ao avanço dos limites tecnológicos de transmissão; o acesso à TV chegou a
bilhões de seres humanos, superando em interesse social às redes, um pouco
mais antigas, de comunicação via rádio. As melhorias recentes na qualidade
técnica da transmissão, a existência de grandes redes nacionais e internacionais
e os expressivos investimentos feitos na programação de conteúdos na indústria
televisiva ampliaram as possibilidades desta mídia, fazendo-a crescer em níveis
de influência.
Graças às novas tecnologias, a TV conseguiu se desenvolver em
sociedades com culturas e contextos históricos diferentes que passaram a ter o
mesmo meio de comunicação e o mesmo espaço virtual preenchido pelas
mesmas informações generalistas. Como acontece no Brasil, as TV´s abertas -
TV Globo, TV Bandeirantes, SBT, etc - por existir uma forte expansão das TV´s
por assinatura, mesclam programas nacionais e estrangeiros com o intuito de
atingir espaços delimitados por tradições sociais, culturais, regionais, bem como
por questões étnicas e raciais. Ao contrário do que inicialmente se imaginava, a
TV por assinatura, que configura sua programação por meio de seus canais
segmentados, está cada vez mais parecida com a aberta ou de programação
generalista, simulando-a, substituindo-a e concorrendo com ela. Conforme o seu
público cresce, mais se parecem. No caso brasileiro, as TV´s fragmentadas são
os veículos básicos da globalização televisiva contemporânea, isto é, tem no mais
forte de sua programação e audiência os programas que vêm dos centros norte-
americano e europeu.
169
Wolton afirma que há um favoritismo dos grupos econômicos que
controlam a mídia televisiva pela TV fragmentada, pois, representa o caminho que
segue a humanidade em macha pela individualização dos conteúdos. Porém, o
autor assinala que há uma barreira, a comercial, que dificulta a existência dessas
TV´s fragmentadas. ''A única condição da televisão fragmentada é a existência de
uma população suficientemente numerosa para assistir e, assim, amortizar pela
via da televisão paga ou da publicidade os programas oferecidos'' (Ibidem:103).
As TV´s abertas e por assinatura têm vários públicos, criando estilos e
atendendo a necessidades diversas. Ambas trabalham nas direções da unificação
e da diferenciação tentando, como sempre, combinar seus interesses e
características técnicas, políticas e econômicas com sua necessidade de ser
assistida e cultuada pelos telespectadores de diversos extratos sociais.
Como a primeira atinge as camadas mais pobres da população, a TV por
assinatura age em simbiose com a primeira para ampliar-se comercialmente. Em
países como o Brasil é difícil pensar que seja possível um crescimento muito
grande da TV por assinatura, por haver um impasse com elevados níveis de
inadimplência e desistência. Talvez seja por isso, que os grandes grupos de TV
por assinatura do Brasil estejam se integrando para lutar contra as crises
econômicas.
Os propósitos das TV´s abertas e pagas giram sempre em torno da
veiculação de uma programação capaz de interferir nas culturas preexistentes e
ajudar na recriação dos padrões culturais contemporâneos, pois, a objetividade da
170
TV está relacionada a um negócio empresarial, com a subjetividade do tecido
social onde ela atua. São os interesses econômicos que a movem, como qualquer
outra empresa. A outra está na sociedade onde opera, situada principalmente no
plano do seu espaço simbólico, mas com imensas implicações materiais.
Segundo Wolton, as duas modalidades de TV´s, em prol de seus objetivos
mais particulares, operam nesse espaço simbólico, agindo pelos interesses de
seus grupos dominantes. A exemplo disso, Wolton faz a seguinte argumentação:
A televisão geralista é considerada mais como um
''mal'' da sociedade de consumo do que como um dos
parâmetros fundamentais da sociedade democrática.
Sem dúvida reconhecemos, com alguma
desconfiança, o seu papel benéfico na política, pois
ela contribui para torná-la visível a todos, mas sempre
acrescentamos logo que ela permite também que a
política se transforme em espetáculo e em publicidade
(Ibidem: 122).
A indústria cultural televisiva, no sentido adorniano do termo, produz
produtos simbólicos que só podem ser 'vendidos' em um mercado diverso dos
convencionais. Por isso, a economia política da TV conduz a um outro tipo de
economia, a dos símbolos e signos. A televisão é um veículo social que
possibilitou a construção de um novo negócio do capital, de um sistema de
produção diferente daqueles criados na primeira revolução industrial,
caracterizado pela oferta de um novo tipo de produto bens simbólicos de massa
- em um mercado especial, comercializável de modo indireto. Diferente de outras
171
mercadorias, o que é 'vendido' pela TV são imagens e sons, representações da
sociedade e da natureza, agora vistas de modo indireto.
Na época dos folhetins, era necessário que se comprasse o jornal ou
libreto. Agora no tempo das telenovelas, basta ver em sua própria casa, pagando
pelo aparelho, luz e pelo consumo de outras mercadorias induzido por meio da
publicidade. ''O mais surpreendente é o caráter realmente popular desses
folhetins...: todas as classes sociais assistem às novelas'' (Ibidem:164).
O maior significado da TV não tem natureza técnica, dá-se no plano social,
sendo assim um problema da cultura e das relações sócio-políticas. O espaço
midiático que é formado pela TV deixa de ser um mito acessível apenas a uma
minoria, pois promove a interatividade dos bens simbólicos e materiais com o seu
público. O problema também reside no fato de que as mercadorias televisivas
construíram em seu próprio umbigo, o seu mercado: a audiência. Um dos raros
casos onde mercadoria e mercado se fundem.
Para Dominique Wolton, seria de vital importância se fosse possível,
compreender a recepção da mídia televisiva, avaliar o comportamento da imensa
massa invisível, que não se manifesta através da compra de entradas, como no
cinema, nem no volume de tiragens, como na imprensa. Porém, só verificar os
volumes da audiência, como os principais órgãos de pesquisas fazem, não
permite apreender nada acerca dos motivos dos comportamentos da população.
Torna-se assim necessário entender os desejos e os anseios, ou seja,
conhecer as práticas face às preferências e motivações dos telespectadores para
172
que seja possível dizer realmente como se estabelece o tele-espaço público
midiatizado. Ou melhor, esse entendimento é necessário porque a televisão
proporciona em maior intensidade a massificação, desenvolvendo-se discussões
com maior recepção midiática, com os mais variados temas, havendo a
possibilidade do público interagir com as mensagens veiculas, participando,
opinando ou entendendo mais a fundo o teor da informação televisionada.
E mais ainda, para Wolton, a análise sobre a TV, como um meio de
espetacularização e sobre sua programação, como autora de objetos sociais, é o
que torna possível uma compreensão do espaço simbólico criado pela TV, ou
tele-espaço público. ''A televisão é um espetáculo de gênero particular, destinado
a um público imenso, anônimo e heterogêneo, inseparável de uma programação
que garante uma oferta quase contínua de imagens de gêneros e status
diferentes'' (Ibidem: 67).
A compreensão do público atrelado à programação, como forma de laço
social com este meio, tornou-se mais debatida pelos adeptos das teorias da
comunicação, que desenvolvem análises sobre os processos de emissão e os da
recepção. Para Stuart Hall, em seu artigo Codificação e Decodificação, as
teorias sobre emissão que consideram o público como passivo ou algo próximo a
isto, está em descrédito (HALL, 1992:128-138).
Oriundas dos chamados estudos culturais, essas teorias vêm se
estabelecendo como cerne de reflexões preferenciais do processo de
comunicação. Estas teorias tentam, nem sempre com sucesso, explicar como o
173
público recebe e realiza diálogo com os emissores televisivos. Mas como apontou
Stuart Hall, os processos de emissão e recepção dos discursos estão envolvidos
como os pressupostos da produção, da circulação e da distribuição das
mensagens no processo da formação das audiências:
Mas é na forma discursiva que a circulação de
produtos toma lugar, assim como sua distribuição às
diferentes audiências. Uma vez produzido e
interpretado, o discurso deve ser traduzido -
transformado novamente - em práticas sociais; neste
caso, o circuito vai ser tão completo como efetivo. Se
nenhum significado é tomado, não pode haver
'consumo'. Se o significado não é articulado na prática,
não tem efeito (Ibidem:128).
As audiências não poderiam ser avaliadas, simplesmente, em seu aspectos
quantitativos, como fazem os indicadores, para aproveitamento comercial e
publicitário, mas em seu teor discursivo, para que seja possível entender o nível
potencial da programação ida ao ar, em seu aspecto de retenção social e
aproveitamento discursivo no campo político e social.
Mcluhan, um dos teóricos a escrever sobre emissão, entendeu a televisão
como um meio de comunicação único e de principal extensão do sistema nervoso
humano. O autor enxergou esta mídia acreditando em sua capacidade de
sedução e condução comportamental de sua audiência (MCLUHAN, 1979:22).
As teorias de recepção, levando em conta a questão da compreensão da
audiência televisiva, consistem em um importante caminho adiante na observação
174
crítica das sociedades e de seus processos comunicativos, por deixar de entender
o público como absolutamente ou relativamente passivo. Porém, é importante
ressaltar que a TV ocupa uma centralidade cultural, como é no Brasil, devido à
aceitação sócio-cultural imposta pela política de valorização da televisão como
mídia de massa capaz de atingir a maioria da população e obter resultados
políticos-econômicos satisfatórios aos grandes grupos que dominam o capital.
A centralidade da TV ocorre por haver a poderosa influência desta mídia na
vida social, através da progressiva conquista, por meio da programação, das
pessoas por meio dos assuntos intimamente ligados ao sexo, à raça, crenças,
necessidades materiais, educação, entretenimento e informação em geral.
Dominique Wolton afirma que a TV é o principal referencial cultural de
milhões de pessoas. A exclusão de outras possibilidades de entretenimento,
envolvimento social, a diminuição de acesso às ações culturais tradicionais ou à
vivência social em torno da TV são fatos que atravessam o tecido social, criando
um novo paradigma de auto-reconhecimento e de identificação com esta mídia,
sobretudo no processo de transfiguração da antiga cultura popular em cultura das
mídias. Essa midiatização da cultura surge da leitura das demais culturas,
embaladas e reduzidas ao formato de imagens e sons compreensíveis e
aceitáveis pelas multidões; que as recebem de acordo com suas características
de classe e grupo sócio-cultural, além de serem influenciadas pelo poder de
sedução deste veículo.
175
Atualmente, o telespectador se depara com o sentido mágico e sedutor da
televisão, em que é necessário pensar em um novo conceito, o da
hiperrealidade
21
. Que nos obriga a distingüir a realidade simbólica da realidade
material usada pela mídia televisiva. A TV trabalha no domínio do simbólico,
atinge as crenças de seu público, auxiliando o processo, a formatação e a
manutenção do sistema social de crenças de nosso tempo. As mensagens
televisivas estão no domínio dos sonhos de felicidade, sucessos e insucessos das
relações afetivas e das possibilidades e impossibilidades que a vida material e
simbólica oferecem.
Isto se repete nos programas que despertam maior interesse, tais como as
telenovelas, lidas pelo grande público como simulações da vida social. Nos talk
shows surgem de modo nítido, por meio das entrevistas com semideuses -
personagens midiáticos - e pessoas comuns. Na representação da vida operada
nos reality shows e nos programas que exploram com maior evidência o grotesco e
as chagas sociais, o mesmo problema aparece de modo caótico, pela celebração
das frustrações geradas no contexto do consumo contemporâneo.
21
A hiperrealidade é uma realidade construída e artificial, ainda que com o completo conhecimento
dos que nela participam. É uma realidade que existe, se bem que ao mesmo tempo negando
outras realidades, mas o fato dos que nela participam estarem conscientes da sua artificialidade
abre numerosas possibilidades para paradoxos. A hiperrealidade é um ambiente virtual, um lugar
onde todos os paradoxos se encontram e coexistem lado a lado. Os paradoxos tornam-se
aparentes através dos media - e é isto que claramente distingüe o hiperreal deste nosso fim de
século do surreal ou de qualquer outro conceito similar. O input da mídia permite às pessoas
verem-se a si próprias como se outras fossem. A natureza da tecnologia contemporânea torna
este tipo de imagens largamente espalhado na nossa civilização. Também torna todos os
paradoxos do mundo contemporâneo ainda mais aparentes. A hiperrealidade, atrelada à realidade
virtual, não se limita a esta, pois temos exemplos de construções hiperreais não só no espaço
virtual, mas mesmo até no mundo da realidade (WOOLLEY, 1992:52).
176
Para Wolton, a TV se estabeleceu como uma forma de tele-espaço,
verificadora dos critérios de verdade, justiça, bondade e amor (Wolton, 1990:123).
Para isto, precisa falar e mostrar o belo e o feio, o bem e o mal e a riqueza e a
pobreza. Convive e interfere junto a outros mecanismos sócios-políticos e
culturais, tais como, as religiões, famílias, vidas comunitárias e outras instituições.
Ela também gerou em torno de si um novo culto que inclui identificações
simbólicas, diálogos audíveis, objetivos e subjetivos; o lugar onde se procura
saber sobre o passado - memória - e o futuro - sonhos; lugar que é epicentro
contemporâneo da comunicação interpessoal, em que a questão temporal é
discutida como forma de estabelecer espaços subjetivos de análise da vida.
Os laços sociais tradicionais, quando ainda presentes, incorporaram e
naturalizaram os fatos que a TV cria e propaga para seus públicos. Ela é
onipresente na onisciência de nossas redes intersubjetivas. Da emissão à
recepção passa-se pela menção consciente ou não do que a TV mostrou.
A distribuição de mensagens, dos mais variados gêneros televisivos, ocorre
de forma abrangente em toda sociedade brasileira, porém a apropriação das
mesmas acontece de formas subjetivas em cada grupo sócio-cultural. Todos
recebem a mesma mensagem, mas as reinterpretam de acordo com seus
sistemas de valores específicos, que incluem posição e situação de classe, nível
de escolaridade, crenças e informações científicas e religiosas. O nível de
apreensão das mensagens tem maior ou menor grau quando a possibilidade de
identificação do público é maior ou menor com o que é recebido. A identificação
177
ocorrida entre telespectadores e mensagens se enquadra sob diversos critérios:
pessoais, profissionais, culturais e econômicos. Por isso, a televisão se segmenta
a determinados públicos ou torna-se generalista. Porém, mesmo generalista com
uma ampla variedade de programas feitos sob diversos gêneros, ela se enquadra
a uma programação que trabalha sob um fluxo popular, sem conteúdos que
dificultem a compreensão do telespectador ou se torne erudito.
A televisão TV aberta privada e comercial trabalha em cima de seu maior
objetivo: alavancar uma grande massa de telespectadores que irão compor sua
audiência. Por isso, não adianta desejar dessas emissoras um papel
extremamente educativo, no sentido mais denotativo da palavra. A interpretação
deste diálogo deve considerar o contexto sócio-histórico em que a programação
se insere. A evolução dos gêneros televisivos acompanha as mudanças na
economia, na política e interações simbólicas da(s) cultura(s) do país.
Há uma clara sincronia entre o espetáculo televisivo e o que se passa em
volta, mesmo que isto raramente seja assumido pela programação ou bem
compreendido pelo público.
Quando existem mudanças substantivas no mundo objetivo e subjetivo, a
programação precisa ser ajustada, sob pena da perda de audiência. A TV é
extremamente sensível ao contexto de que faz parte, devendo ser de ser rápida
na adoção de novos padrões ou na revisão e adaptação dos existentes.
O esforço de interpretação das mensagens veiculadas pela TV parte do
isolamento dos 'discursos', das representações simbólicas feitas por todos os
178
gêneros e reafirmadas como cerne da cultura midiática. A chave da interpretação
destas representações não está somente no exame crítico da mídia televisiva e
sim, também, na compreensão dos problemas que a geram, a partir da
materialidade do social e do acúmulo simbólico-cultural operado fora e dentro das
mídias.
Interpretar a TV consiste em discutir os parâmetros da sociedade em que
ela é criada, mantida e desenvolvida. Por isso, a proposição recorrente da análise
moral condenatória da programação da mídia esbarra em um círculo sem saída.
Os padrões morais adotados pela TV são encontráveis na vida social e nas
relações de poder imanentes.
É verdade que por vezes os valores morais exibidos na TV vão além dos
limites da audiência. Isto porque a audiência é um termo genérico que indica uma
infinidade de grupos sócio-culturais que têm os seus próprios limites e crenças
morais. Entretanto, o que é exibido nas telas da TV é encontrado na vida social,
mesmo que a representação seja um simulacro e precise algum esforço para que
se entenda a que está se referindo na materialidade da vida.
Acredita-se que a TV do cotidiano, olhando-se para o caso brasileiro, é
cêntrica, enquanto veículo portador e disseminador de cultura. A centralidade foi
se estabelecendo passo a passo, combinando o desenvolvimento técnico cada
vez maior deste meio de comunicação com os problemas de natureza econômica,
política, social e cultural do país.
179
Não há uma data exata do aparecimento deste fenômeno, mas certamente
ele está esboçado da década de 1980 e perfeitamente delineado na de 1990.
Relaciona-se ao que ocorreu no país nos últimos vinte anos, no modo como
passamos a encarar o que somos e o que queremos ser. Entender centralidade
da TV em nosso processo comunicativo implica mudar paradigmas dos estudos
dos significados de nossa vida social. Para estudá-los, é necessário ter em conta
a imensa influência da televisão entre nós. Precisa-se, igualmente, que se
reafirme o fato de que a comunicação midiática é um dinâmico mecanismo
estruturador da vida social.
Esse mecanismo dinâmico, oriundo da cultura midiática, é responsável
pelos espaços públicos-políticos, virtuais e eletrônicos, em que os indivíduos e as
instituições sociais encontram-se atuando e proporcionado contribuições
discursivas. Por meio da atuação desses sujeitos na sociedade, sob a
configuração do tele-espaço - a atualidade da informação - esses ambientes
públicos midiatizados se consolidam como sendo os lugares em que o ser
humano contemporâneo desenvolverá daqui para frente, de geração em geração,
seus espaços e seus cenários onde se realizarão as grandes discussões
antropológicas, políticas e econômicas de sua atualidade e de seu tempo.
180
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Midiatização do Espaço Público é o título desta Dissertação, cujo
objetivo principal foi refletir sobre o fenômeno da midiatização provocado pela
intervenção dos meios de comunicação social na esfera pública e privada e no
influxo que a mídia tem na configuração dos novos espaços de subjetivação e de
objetivação da percepção, dos critérios de avaliação da realidade e das condutas
que pautam a vida em sociedade.
Neste sentido nos aproximamos do Programa de Mestrado em
Comunicação da Universidade Paulista - UNIP, pela linha de pesquisa Cultura
Midiática e Grupos Sociais, onde pudemos nos fundamentar com teóricas sob as
quais caracterizam os meios de comunicação, nessa atualidade contemporânea,
como o espaço público, onde se realizam as atuais discussões antropológicas e
políticas do ser humano, no tempo e na dinâmica da cultura midiática, permitindo-
nos concretizar este trabalho, ao tratar do caráter de representação do espaço
público pela mídia, como resultado de um fenômeno de massa, gerador da
indústria cultural.
Com esta Dissertação, conseguimos demonstrar como o fenômeno da
midiatização tem um papel importante na configuração do espaço contemporâneo
e nas pontuações de um tempo interativo.
A metodologia de pesquisa foi montada em função da natureza do próprio
objeto, o espaço público midiatizado, que se revela em um tempo que a
181
sociedade se encara por meio dos meios de comunicação, aguçando seu
imaginário e sentindo-se realizada por ver-se espetacularizada, sobretudo, na
televisão.
Apresentamos a seguir os resultados de uma reflexão sobre a midiatização
do espaço público, concentrada principalmente na TV, por oferecer uma
experiência audiovisual que permite a construção de espetáculos midiáticos
sociais.
Para concretização dessa Dissertação houve um levantamento bibliográfico
indispensável para que fosse possível desenvolver os conceito de modernidade,
espaço público e cultura das mídias. Esse levantamento nos permitiu definir as
categorias do privado e do público na transposição que fazem os estudos da
sociologia em um viés estético. Por meio da estruturação desses conceitos foi
possível o analisar o pressupostos das intenções subjacentes nas mensagens
transmitidas pela televisão, que a propiciam se estabelecer como um veículo
gerador de espetáculo de massa.
Conseguimos definir o conceito de midiatização e o seu campo semântico,
em função da condição humana, referenciada por Hannah Arendt, no recorte da
produção e da armazenagem do conteúdo social entre o público e o privado
definido por Habermas e na difusão do tele-espaço, acunhado por Dominique
Wolton, defensor dos meios que utilizam a informação para causar efeitos
receptivos recheando as mensagens de efeitos especiais.
182
A abordagem feita no primeiro capítulo, A condição humana na esfera do
público e do privado, permitiu-nos refletir a respeito das potencialidades e
tendências inscritas nas novas formas de atuação da comunicação midiática no
meio social e relacionar o vitalismo da ação social com o trabalho, considerado
um instrumento para a produção e o intercâmbio de bens. Pudemos diferenciar as
esferas pública e privada, em função da bibliografia existente, e analisar o espaço
público, como objeto desta Dissertação, em que foi possível defini-lo, em termos
de percepção daquilo que o ser humano projeta fora de si e que corresponde ao
mundo objetivo das coisas, comportando o diálogo e o confronto com o outro,
com quem se compartilha o espaço, ganhando assim o caráter de público, em
contra-posição ao espaço subjetivo e privado. A distinção entre o público e o
privado nos levou a penetrar e refletir sobre as conexões humanas, que garantem
a formação, o desenvolvimento e a vivência de uma cidadania global.
Descrevemos a configuração dos meios de comunicação de massa como uma
esfera pública, em um contexto sócio-cultural que prende a atenção das pessoas,
criando sentidos e bens simbólicos por meio de sua produção fundamentada na
atualidade e por sua capacidade de representar o simulacro da realidade social e
da condição humana. A condição humana e a ação comunicativa foram
abordadas em pressupostos que se referem aos processos que determinaram a
forma de evolução e o aprimoramento dos meios de sobrevivência e ajustamento
social. Definimos a midiatização como um efeito social referenciado no consumo e
na espetacularização, por meio da informação, ficando em evidência que a
intermitência da percepção da realidade se dá em um ritmo exacerbado que
183
impede a reflexão cognitiva, levando o sujeito à evasão. Como esse trabalho
conseguimos demonstrar como o fenômeno da midiatização, que trabalha na
base de uma dialética entre o público e o privado, exerce um poder fundamental
na configuração dos espaços públicos planetários. Os conceitos existentes neste
trabalho foram desenvolvidos a partir de teóricos da comunicação social.
Formulamos os alguns referenciais teóricos que deram origem ao fenômeno
midiatização, demonstrando que esse fenômeno tem mudado consideravelmente
as relações do ser humano consigo, com os outros e com o mundo.
No segundo capítulo, A televisão, um grande espetáculo de massa,
situamos o fenômeno de massa e a indústria cultural como os principais
responsáveis pela ostentação do poder midiático da televisão. Adentramos nos
bastidores do poder político que sustentam a configuração das redes desta mídia
e conseguimos ilustrar com o programa Observatório da Imprensa, trabalha com o
valor midiático da informação transformada em um espetáculo de massa.
Conseguimos retratar o fenômeno de massa como processo de formação das
aglomerações urbanas, causadoras do surgimento da necessidade de se mediar
os acontecimentos sociais. Definimos a indústria cultural como uma gigantesca
máquina de produção dirigida para o consumo das coletividades de acordo com
planos preestabelecidos por grandes grupos dominadores do capital econômico.
Em nossa exposição, demonstramos que a indústria cultural é quem legitima a
cultura de massa, responsável por consolidar padrões estéticos e éticos, além de
estabelecer desejos e oferecer oportunidade aos cidadãos com sede de consumo
e formação cidadã.
184
Os bastidores do poder midiático foram vistos como ambientes que
formulam o fenômeno da midiatização pela televisão como um efeito social
referenciado no consumo e na espetacularização. Por meio dos bombardeios
informativos, a espetacularização fica em evidência, pois a intermitência da
percepção da realidade se dá em um ritmo exacerbado que impede o sujeito de
uma reflexão cognitiva, vendo na TV um modelo de comportamento a ser seguido
e enxergando-a como um tabelião da realidade que indiferencia o privado do
público. O programa Observatório da Imprensa foi aplicado nesta Dissertação
para desenvolvimento da análise do uso da informação espetacularizada, com a
finalidade de discutir idéias do capital informativo que circulam pelos meios,
descriminando a pauta da programação e os índices de espectadores, nos quais
os efeitos se fazem sentir, em termos de comportamento, mas, sobretudo de
pensamento.
No terceiro capítulo, O tele-espaço: a atualidade da informação,
ensaiamos sobre o conceito de alienação, desenvolvendo considerações que o
relacionam com o consumo desenfreado do espaço virtual para demonstrar como
esse sintoma cultural se encontra com os interesses da mídia. A alienação do
mundo também foi exposta como uma das conseqüências do fenômeno da
midiatização que permite o homem contemporâneo estar conectado com os mais
variados valores ideológicos e culturais de nosso tempo, que podem fazer com
que esse indivíduo perceba a realidade midiática imposta socialmente, ou se
perca diante dos mecanismos manipuladores da mídia. Os pressupostos do
consumo de imagens foram vistos em fatos que os permeiam pela novidade e
185
pelos estímulos emitidos pelos meios de comunicação para que o público veja na
mídia televisiva um modelo de comportamento a ser seguido. As ferramentas
aliadas da TV, como a publicidade, as estratégias da propaganda e as técnicas de
produção televisiva foram abordadas como mecanismos técnicos e discursivos
que faz da televisão atual, um poderoso meio de sedução capaz de atrair os
telespectadores a se depararem com programas altamente persuasivos e de fácil
consumo.
Abordamos o tele-espaço como cenário das discussões antropológicas,
políticas e de atualidade, referindo-nos aos quesitos que se envolvem à novidade,
como índice de atualidade, ordenando as coisas, segundo uma sucessão
temporal, mais também, segundo uma avaliação radical, em que a atualidade ou
novidade corresponde a uma nova verdade, a um novo valor.
Vemos que o resultado desse trabalho nos permitiu atingir o objetivo de
nossa problematização, possibilitando-nos definir o fenômeno da midiatização
como causa do deslocamento do espaço público da esfera política para as
determinantes econômicas no fluxo da informação na cultura midiática.
Entendemos que o trabalho realizado nesta Dissertação oferece um campo
muito vasto a ser pesquisado e a ser investigado em uma abordagem mais ampla
de um doutorado. Essa pesquisa nos permitiu perceber que podem ser
exploradas, com aprofundamento, dois segmentos da comunicação: o da
recepção por parte dos públicos, no que tange às influências dos conteúdos
televisivos no âmbito dos espaços privados e íntimos dos indivíduos; e, o da
186
emissão, tendo como parâmetros, os pressupostos que induzem o consumo de
mensagens e os estímulos ideológicos que irão determinar a produção nos
bastidores do poder midiático e político.
187
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196
GLOSSÁRIO
No decorrer do processo de realização desta Dissertação, deparamo-nos
com termos e conceitos que nos exigiam constante pesquisa e consulta, pois os
mesmos também se adequavam a outras áreas do conhecimento científico.
Diante da necessidade de usá-los, porém, cientes da possibilidade de causar no
leitor qualquer estranhamento quanto às aplicações de alguns termos,
percebemos a importância de elaborar um glossário que pudesse conduzir o leitor
ao esclarecimento de dúvidas pontuais que pudessem surgir ao longo da leitura
deste trabalho.
Agora: Praça principal na constituição da polis, a cidade grega da Antigüidade
clássica, onde se constituía o espaço público grego de participação política dos
cidadãos. Poderíamos dizer da Ágora contemporânea o espaço configurado pela
existência dos meios de comunicação de massa, onde se desenvolvem as
discussões políticas e de interesse da sociedade, pautadas pelos indivíduos e
pelas instituições de autonomia e legitimação.
Alienação: Termo que vem a tona com os existencialistas Heidegger, Jean Paul
Sartre e Niestche, etc, ao tratarem da alienação como um mal-estar da
modernidade e conseqüência da influência da mídia na vida dos seres humanos.
Análise da Imagem: Atividade que desempenha análise da imagen, levando em
conta a forma, a cor e a perspectiva, bem como de sua representação por meio
dos signos, símbolos e índices, como mecanismo de reflexão quanto aos
processos de construção de aparatos imagéticos que induzem ao consumo e a
apropriação de bens simbólicos.
197
Análise do Discurso: Prática e um campo da lingüística e da comunicação
especializada em analisar construções ideológicas e estilísticas presentes em
narrativas discursivas. A análise do discurso é peça fundamental nas reflexões
quanto aos aparatos comunicativos de formulação de mensagens e conteúdos
existentes nos bastidores do poder midiático.
Capitalismo: Sistema responsável por manter as engrenagens da sociedade do
consumo em plena dinâmica de funcionamento, propiciando alavancar negócios e
novas formulações de bens e produtos na indústria cultural para atender a cultura
de massa e a sociedade do espetáculo.
Cidadania: Direitos e deveres dos cidadãos, pautados pelo Estado, que
determinarão a forma de ação dos indivíduos na sociedade em que vivem, e
como atuarão de acordo com as imposições da sociedade consumo quanto às
aquisições de novos padrões culturais e bens sociais.
Cidadão: Membro de uma comunidade juridicamente e politicamente organizada,
que goza efetivamente de seus direitos e deveres, tendo no Estado o amparo
legal. Habitante da cidade; habitante de um estado livre, com direitos civis e
políticos.
Classe social: Para Marx e Engels, classes são os produtos das relações
econômicas da época vivida. Assim, apesar das diversidades aparentes,
escravidão, servidão e capitalismo seriam essencialmente etapas sucessivas de
um processo único orientado pela produção econômica, que ergue uma
superestrutura formada por bases econômicas, sociais, políticas, morais,
filosóficas e artísticas.
Coletividade: Conjunto de pessoas ou grupos que estão integrados por anseios
sociais e políticos nos mesmos espaços comunicativos.
Comércio: Sistema de troca produtos, bens ou serviços entre agentes que
realizam por meio de legitimação de suas vontades o consumo do que é
198
produzido e exposto pela indústria cultural diante dos processos de atuação da
sociedade do espetáculo.
Comunicação: Transmissão de significados entre pessoas para a sua integração
na organização social. Os homens têm necessidade de estar em constante
relação com o mundo, e para isso usam a comunicação como mediadora na
interação social, pois é compreensível enquanto código para todos que dela
participam. Além desse aspecto, a comunicação é peça fundamental na
atualidade para o entendimento da sociedade, na construção social do mundo e
na formação dos espaços públicos. Quanto mais complicada se torna a
convivência humana, mais se faz necessário o uso adequado e pleno das
possibilidades de comunicação. A comunicação se apresenta como veículo de
transmissão de cultura ou como formador da bagagem cultural de cada indivíduo,
pois a cultura de massa transformando as formas de convivência do homem
moderno.
Comunicação Audiovisual: Todo meio de comunicação expresso com a
utilização conjunta de componentes visuais (signos, imagens, desenhos, gráficos
etc.) e sonoros (voz, música, ruído, efeitos onomatopéicos etc.), ou seja, tudo que
pode ser ao mesmo tempo visto e ouvido.
Comunicação de Massa: Comunicação dirigida a um público de massas,
heterogêneo e anônimo, por intermediários técnicos e a partir de uma fonte
organizada (geralmente ampla e complexa).
Comunicação Segmentada: Desdobramento do modelo de Comunicação de
Massa. Ela ocorre pelos meios de comunicação tradicionais como jornais, rádios,
TVs, Cinema, cartazes ou internet, porém, diferentemente do modelo de massa,
atinge grupos específicos, classificados de acordo com características próprias e
preferências similares.
199
Consumidor alienado: Indivíduo compulsivo que busca nos objetos (=
aparência) ou nos bens impostos pela mídia uma maneira de manter na
superficialidade uma vida interior carente ou de pouco significado.
Consumo: Satisfação básica de nossa animalidade: comer, beber; vestir, ter luxo
e conforto etc. Setor que se ocupa da aquisição de bens concretos e simbólicos,
serviços. A mídia utiliza estratégias e mecanismos comunicativos que tendem
induzir a sociedade à aquisição de suas mercadorias.
Consumismo: Forma absoluta de valor de vida em sociedade que pode propiciar
relacionamentos nos quais a afetividade é substituída por mera troca de objetos.
Esse aprendizado do outro pode estimular a busca em seu íntimo de respostas
mais positivas para o conceito de si mesmo e de um posicionamento social mais
construtivo e participativo.
Democracia: Sistema de governo onde o poder é dado aos governantes por meio
do direito de escolha pelo voto exercido pelo povo. A democracia é uma
conseqüência da sociedade de massa em que a população adquire o direito de se
manifestar e agir conforme dita seu próprio livre arbítrio, mesmo que este esteja
sob a forte influência dos aparelhos do Estado de manipulação ideológica
exercido pela mídia, para induzir o consumo de discursos impostos pela classe
dominante.
Emissor: Um dos protagonistas do ato da comunicação. Este, em dado
momento, emite uma mensagem para um receptor ou destinatário. O emissor
normalmente antes de enviar ou até mesmo produzir a mensagem, procura
descobrir qual o nível de conhecimento do receptor, o seu nível cultural, a sua
instrução, em outras palavras, descobrir o repertório dos receptores da
mensagem.
Escola de Frankfurt: Escola de pensamento marxista de Sociologia, Pesquisa
Social e Filosofia que abordou criticamente aspectos contemporâneos das formas
de Comunicação e Cultura humanas. Fundada inicialmente com o nome de
200
Instituto para a Pesquisa Social em 1924, por iniciativa de Félix Weil, somente
veio a receber o nome de Escola de Fankfurt por Horkheimer na década de 1950.
Seja pelo anticomunismo reinante nos meios acadêmicos alemães nos anos
1920-1939, seja pelo fato de seus colaboradores não adotarem o espírito e a letra
do pensamento de Marx e do marxismo da época, o Instituto recém-fundado
preenchia uma lacuna existente na universidade alemã quanto à história do
movimento trabalhista e do socialismo. Carl Grünberg, economista austríaco, foi
seu primeiro diretor, de 1923 a 1930. O órgão do Instituto era a publicação
chamada Arquivos Grünberg. Horkheimer, a partir de 1931, já com título
acadêmico, pôde exercer a função de diretor do Instituto, que se associava à
Universidade de Frankfurt. O órgão oficial dessa gestão passou a ser a Revista
para a Pesquisa Social, com uma modificação importante: a hegemonia era não
mais da economia, e sim da filosofia. A Teoria Crítica realiza uma incorporação do
pensamento de filósofos "tradicionais", colocando-os em tensão com o mundo
presente.
Espaço político: Vias de passagens e acesso à informação e à expressão do
pensamento, exercida nos regimes democráticos pelas pessoas e instituições.
Espaço público: Ambiente atrelado ao coração do funcionamento democrático
da sociedade. O conceito foi formulado originalmente como a esfera intermédia
que se constitui historicamente, no período das Luzes, entre a sociedade civil e o
Estado. Hoje, visto como papel exercido pelos meios de comunicação social, é o
lugar, acessível a todos os cidadãos, onde um público se reúne para formular
uma opinião pública ou publicidade para conter, de certa forma, o poder do
Estado. O espaço público consiste em uma democracia de massas. Quer dizer
um espaço muito mais vasto do que antes, com um número muito maior de temas
debatidos, um número muito maior de agentes intervindo publicamente, uma
onipresença da informação, das sondagens, do marketing e da comunicação.
Trata-se de um espaço simbólico onde se opõem e se respondem os discursos,
na sua maioria contraditórios, dos agentes políticos, sociais, religiosos, culturais,
intelectuais que constituem uma sociedade. É, portanto, antes de mais, um
201
espaço simbólico que requer para se formar: tempo, um vocabulário e valores
comuns, um reconhecimento mútuo das legitimidades e uma visão
suficientemente próxima das coisas para discutir, contrapor, deliberar.
Simboliza, simplesmente, a realidade de uma democracia em ação, ou a
expressão contraditória das informações, das opiniões, dos interesses e das
ideologias. Constitui o laço político que liga milhões de cidadãos anônimos,
dando-lhes a sensação de participar efetivamente na política.
O espaço público remete para «tornar público», para publicar. O espaço público é,
evidentemente, a condição para o nascimento do espaço político, que é menor,
pois este se configura como o cenário das decisões e aquele das discussões e
reflexões.
Espetáculo: É o objetivo a ser produzido na sociedade que tende a estimular o
consumo e a apreensão de bens e valores simbólicos. Ou seja, a sociedade do
espetáculo trabalha para promover socialmente formas e mecanismos
econômicos e sociais que permitirão a consolidação da sociedade do consumo.
Estado: Comunidade organizada politicamente, ocupando um território definido,
normalmente sob Constituição e dirigida por um governo; também possuindo
autonomia.
Ética: Estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana
susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente
à determinada sociedade, seja de modo absoluto. Ramo da filosofia que estuda a
natureza do que se considera adequado e moralmente correto. Mecanismo pelo
qual os meios de comunicação são cobrados pela sociedade no que tange à
manipulação de informação e de formação de opinião sobre as pessoas,
sobretudo, nos processos comunicativos em que a verdade é ocultada ou
transformada de acordo com o interesse dos detentores de poder. O profissional
de comunicação tem em mãos a grande responsabilidade da ética, que pode ser
lembrada através de dois argumentos: os efeitos sociais causados pela
202
informação e a ineficácia do eventual desmentido. Apesar disso pode-se dizer que
os efeitos da mídia não são responsabilidade exclusiva do profissional da
imprensa, mas sim conseqüência de uma produção coletiva.
Globalização: Processos de aprofundamento da integração econômica e social
dos países do Mundo no final do Século XX, é um fenômeno observado na
necessidade de formar uma Aldeia Global que permita maiores ganhos para os
mercados internos já saturados.
Humanismo: Refere-se genericamente a uma série de valores e ideais
relacionados à celebração do ser humano, normalmente em sua dimensão
secular e racional.
Idade contemporânea: Período específico da história do mundo ocidental
iniciado a partir da Revolução Francesa (1789 d.C.).
Idade Moderna: Período específico da História do Ocidente compreendido entre
a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453) e a eclosão da
Revolução Francesa (1789).
Ideologia: Conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões-de-mundo de um
indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente,
políticas. Conjunto lógico e sistemático de idéias, valores e normas de conduta
que indicam aos indivíduos o que e corno pensar, agir, sentir e valorizar. O
objetivo da ideologia é fornecer aos membros da sociedade uma justificativa para
as diferenças ali existentes, sem nunca referir serem elas resultantes da divisão
da sociedade em classes. E também a forma pela qual as idéias da classe
dominante podem tornar-se ou parecer universais, naturais e verdadeiras para
rodas as classes. A origem da ideologia está na própria divisão da sociedade em
classes contraditórias, a partir das divisões na esfera da produção.
203
Iluminismo: Movimento intelectual surgido na segunda metade do século XVIII (o
chamado "século das luzes") que enfatizava a razão e a ciência como formas de
explicar o universo.
Imagem: Toda e qualquer visualização gerada pelo ser humano, seja em forma
de objeto, de obra de arte, de registro foto-mecânico, de construção pictórica
(pintura, desenho, gravura) ou até de pensamento.
Imprensa: Designação coletiva dos veículos de comunicação que exercem o
Jornalismo e outras funções de comunicação informativa.
Indústria cultural: Nome genérico que se dá ao conjunto de empresas e
instituições cuja principal atividade econômica é a produção de cultura, com fins
lucrativos e mercantis.
Informação: Termo que pode assumir muitos significados dependendo do
contexto, mas como regra geral está relacionado com alguns conceitos como
símbolos, significância, dados, conhecimento, comunicação, verdade e
mensagem, se utilizado no contexto dos sistemas de comunicação.
Interação: Ação recíproca de um objeto sobre outro. A interação nos remete a
implicações da tecnologia na inter-mediação de atividades e valores humanos. A
interação está atrelada ao processo de midiatização dos acontecimentos sociais
pela televisão ao estimular o consumo de imagens. A ação recíproca se
configuraria por parte dos telespectadores em responder aos estímulos emitidos
pela TV.
Interatividade: Caso específico de interação. A interatividade digital,
compreendida como um tipo de relação tecno-social, ou seja, como um diálogo
entre homem e máquina, através de interfaces gráficas, em tempo real.
Jornalismo: Atividade profissional que consiste em lidar com notícias, dados
factuais e divulgação de informações periodicamente, levando em conta a
relevância de temas atuais e de sua configuração em uma agenda sócio-política
204
inserida nos contextos de suas sociedades.Também se define o jornalismo como
a prática de coletar, redigir, editar e publicar informações sobre eventos atuais.
Linguagem: Sistema constituído por elementos que podem ser gestos, sinais,
sons, símbolos ou palavras, que são usados para representar conceitos de
comunicação, idéias, significados e pensamentos. A mídia se utiliza da linguagem
direta e subliminar em seus produtos simbólicos para compor ideologias,
contextualizar acontecimentos sociais e comercializar bens..
Marketing: Processo de encontrar necessidades e satisfazê-las de forma
rentável. O marketing é o mecanismo que trabalhará nos bastidores do poder
midiático criando e formulando, juntamente com a propaganda, estratégias que
irão estimular do consumo de bens simbólicos: imagens, narrativas e produtos
midiáticos.
Mensagem: Objeto da comunicação. Dependendo do contexto, o termo pode se
aplicar tanto ao conteúdo da informação quanto à sua forma de apresentação.
Mercado: Mecanismo que permite às pessoas, às instituições, à sociedade
realizar trocas, normalmente reguladas pela lei da oferta e da procura. Os meios
de comunicação estabelecem seu mercado com a sociedade, ao oferecer bens
simbólicos em troca de audiência.
Mídia: Palavra que deriva, foneticamente, do inglês media. Media é o plural da
palavra latina Medium e significa "aquele que está a meio". Alguns autores e
especialistas de gramática - portugueses, principalmente - preferem dizer media -
foneticamente: "média", já que, sendo a língua portuguesa proveniente do latim (e
não do inglês); e como media em latim se diz "média", não parece ser lógico -
segundo estes autores - imitar a pronúncia inglesa, transformando o "é" num "í".
Media é, pois, o nome dado aos meios de comunicação de massa.
205
Midiatizar: Ação de dar aos acontecimentos sociais, políticos, culturais, religiosos
e esportivos exposição e trato midiático, ou seja, dar aos acontecimentos
repercussão pública através dos meios de comunicação social.
Neoliberalismo: Reemergência do liberalismo clássico. Corrente de pensamento
político que defende a instituição de um sistema de governo onde o indivíduo tem
mais importância do que o Estado (minarquia), sob a argumentação de que
quanto menor a participação do Estado na economia, maior é o poder dos
indivíduos e mais rapidamente a sociedade pode se desenvolver e progredir, para
o bem dos cidadãos.
Objeto: Contexto dos estudos acadêmicos, assunto ou tema de estudo ao qual
será aplicado determinado método de análise.
Polis: Modelo das antigas cidades-estado gregas, especialmente durante o
período helênico, vindo a perder importância durante o domínio romano. As polis,
definindo um modo de vida urbano que seria a base da civilização ocidental,
mostraram-se um elemento fundamental na constituição da cultura grega, a ponto
de se dizer que o homem é um "animal político". O termo política (do grego pólis,
cidade), por sua vez, trata do Estado sendo o homem um ser moral justamente
porque é um ser político (não representado pelo homem de Estado, mas, sim, o
homem de vida pública), atividade que o filósofo tem em conta de “ciência
principal”, e que leva ao “sumo bem”.
Política: Derivado do grego Politheia, que indicava todos os procedimentos
relativos à polis, ou cidade-estado.
Produção: Ato de produzir coisas, bens, ideologias e discursos para colocar ao
mercado por meios da indústria cultural e pela sociedade do espetáculo. Tudo
que é produzido dentro dessa dinâmica que visa o consumo é oriundo de um
grande mecanismo atrelado à midiatização dos fatos e espaços em que se
inserem os indivíduos.
206
Produto: Bens, coisas, discursos e produtos subjetivos que estão inseridos na
produção da indústria cultural.
Propaganda: Modo específico de se apresentar uma informação, com o objetivo
de servir a uma agenda de consumo na sociedade contemporânea, por meio de
instrumentos técnicos e discursivos que irão compor peças espetacularizadas
para comercializar bens e estimular suas aquisições pela sociedade.
Publicidade: Atividade profissional dedicada à difusão pública de idéias
associadas a empresas, produtos ou serviços, especificamente; representa uma
forma de propaganda comercial.
Realidade Virtual: Interface técnica ou discursiva avançada entre um usuário e
um sistema midiático que proporciona apreensão de sentidos subjetivos e
interação entre elementos de propagação de mensagens e públicos desejados. A
realidade virtual é responsável por gerar a ilusão da hiper-realidade, em que o
indivíduo se aliena com a força de penetração dos discurso midiático como
instrumento interação do mundo particular privado, por meio de um aparato
tecnológico, com o resto do mundo.
Receptor: Um dos protagonistas do ato da comunicação: aquele a quem se dirige
a mensagem; aquele que recebe a informação e a decodifica, isto é, transforma
os impulsos físicos (sinais) em mensagem recuperada.
Rede Social: Uma das formas de representação dos relacionamentos afetivos ou
profissionais dos seres humanos entre si ou entre seus agrupamentos de
interesses mútuos.
Sociedade: Conjunto de pessoas que compartilham propósitos, preocupações e
costumes, anseios, padrões comportamentais de consumo, apreensões
discursivas, manifestação ideológicas e comunicam entre si o nível de interesse
pelo que é lhe oferecido no mundo contemporâneo.
207
Sociedade do consumo: Fenômeno social que privilegia o ter, transformando a
pessoa em simples instrumento; que prega ideais de bem viver, mas que na
prática seus reais "valores" são o consumo e o acúmulo de objetos, e que pela
mídia controla as maneiras de pensar, sentir e agir dos indivíduos, que o jovem,
geralmente entre a puberdade e a adolescência, se vê frente a um vazio interior,
sintoma de uma forma social de viver sem sentido. E ao perceber esse vazio sua
tendência é preenchê-lo com coisas materiais, no que sempre foi condicionado a
fazer: consumindo. Incapaz de trabalhar seus problemas e crises íntimas, busca
"soluções" apenas no mundo das exterioridades ou das aparências. E nessa
busca pode ir ao encontro das drogas, legais e ilegais, que acenam como
"solução mágica" para que a vida continue "sem problemas".
Sociedade do espetáculo: Sociedade contemporânea regida pela indústria
cultural, na qual reinam as condições modernas de produção de bens
discursivos e simbólicos, sob a ideologia que prega o imenso acúmulo
de espetáculos como aparatos que promovem aos seus indivíduos
entretenimento e informação considerados úteis e relevantes à vida atual
e à dinâmica dos seres humanos.
Totalitarismo: Regime político baseado na extensão do poder do Estado a todos
os níveis e aspectos da sociedade ("Estado Total", "Estado Máximo"). Pode ser
resultado da incorporação do Estado por um Partido (único e centralizador) ou da
extensão natural das instituições estatais. Geralmente, é um fenômeno que
resulta de extremismos ideológicos.
Veículo de comunicação: Meios responsáveis pela elaboração de conteúdos
midiáticos; forma através da qual a comunicação de massa é divulgada e
propagada à sociedade: um jornal, emissora de rádio ou televisão.
A descrição dos termos acima configura indicações que podem ser
utilizadas como meio para discernir com uma maior clareza às abordagens
realizadas ao longo da Dissertação. Não era nosso interesse tentar desvendar
208
significados multidisciplinares dos termos em questão, mas sinalizar uma rota
para facilitar a compreensão do leitor quanto às idéias expostas.
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