Download PDF
ads:
KARINA FELIX RAMOS
A Preservação de Brasília: Reflexos da Formação do Conceito de Patrimônio Cultural
Brasília – DF
2005
I
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
KARINA FELIX RAMOS
A Preservação de Brasília: Reflexos da Formação do Conceito de Patrimônio
Cultural
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade de Brasília,
para obtenção do grau de Mestre.
Orientador
Prof. Doutor Andrey Rosenthal Schlee
Brasília – DF
II
ads:
2005
Ramos, Karina Felix.
A Preservação de Brasília: Reflexos da Formação do Conceito de Patrimônio Cultural
Brasília, UnB - DF, 2005, 153 p.
Monografia de Mestrado em Arquitetura.
1. preservação
2. patrimônio cultural
3. Brasília
4. patrimônio histórico
CDU ou CDD:
III
KARINA FELIX RAMOS
A Preservação de Brasília: Reflexos da Formação do Conceito de Patrimônio
Cultural
Brasília, 09 de dezembro de 2005
BANCA EXAMINADORA
Nome: Prof. Dr. Andrey Rosenthal Schlee
Instituição: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Brasília – Universidade de
Brasília
Assinatura:
Nome: Prof.ª Drª. Ana Elisabete de Almeida Medeiros
Instituição: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Brasília – Universidade de
Brasília
Assinatura:
Nome: Prof. Dr. Alfredo Gastal
Instituição: 15ª Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico,
Artístico e Cultural (Superintendente)
Assinatura:
IV
À minha avó, Seraphina, in memorian
V
Agradecimentos
A Deus, pela oportunidade e pela capacidade a mim concedidas para realizar este
trabalho.
Ao meu orientador, pelas horas dispensadas e pelas correções,sempre mais que
oportunas: absolutamente necessárias.
Aos amigos de curso, pela troca de informações e pela alegria do convívio.
Às servidoras Camila e Alene, pela incansável busca de documentos nos arquivos da
15ª Superintendência Regional do IPHAN, em Brasília.
Ao pessoal da Biblioteca do MPDFT, pelas inúmeras buscas por legislações e livros
que foram sempre atendidas com toda a presteza e cuidado pelos colegas.
Aos amigos Luciana Pacheco e Roberto Farsette, e Sergio Ramalho pela tradução e
revisão dos textos em língua estrangeira.
Aos amigos Cristiano Nascimento, pela a ajuda com as imagens e apresentações, e
Augusto Areal pela foto.
Aos colegas de trabalho, por compreender a necessária ausência em razão destes
estudos.
VI
Aos servidores e professores do Programa de Pós Graduação da FAU – UnB, pelas
indispensáveis orientações e pelo tratamento afável e prestativo.
À minha família, pelo convívio com livros por toda parte e luzes acesas até tarde.
E a tantos outros que, mesmo não mencionados, sabem-se merecedores de meu mais
profundo agradecimento.
VII
Eu caí em cheio na realidade, e uma das realidades que me surpreenderam foi a
rodoviária, à noitinha. Eu sempre repeti que essa plataforma rodoviária era o traço de
união da metrópole, da capital, com as cidades-satélites improvisadas da periferia. É
um ponto forçado, em que toda essa população que mora fora entra em contacto com
a cidade. Então eu senti esse movimento, essa vida intensa dos verdadeiros
brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a rodoviária. Ali é a casa deles, é
o lugar onde eles se sentem à vontade. Eles protelam, até, a volta para a cidade-satélite
e ficam ali, bebericando. Eu fiquei surpreendido com a boa disposição daquelas caras
saudáveis. E o "centro de compras" então, fica funcionando até meia noite. Isto tudo é
muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano, como uma coisa
requintada, meio cosmopolita. Mas não é. Quem tomou conta dele foram esses
brasileiros verdadeiros que construíram a cidade e estão ali legitimamente. Só o Brasil.
E eu fiquei orgulhoso disso, fiquei satisfeito. É isto. Eles estão com a razão, eu é que
estava errado. Eles tomaram conta daquilo que não foi concebido para eles. Foi uma
bastilha. Então eu vi que Brasília tem raízes brasileiras, reais, não é uma flor de estufa
como poderia ser. Brasília está funcionando e vai funcionar cada vez mais. Na
verdade, o sonho foi menor do que a realidade. A realidade foi maior, mais bela. Eu
fiquei satisfeito, me senti orgulhoso de ter contribuído.
Lúcio Costa, 30/III/8
VIII
Lista de Abreviaturas e Siglas
AI-5 – Ato Institucional n° 5
APA- Área de Proteção Ambiental
ARIE – Área de Relevante Interesse Ecológico
CAESB – Companhia de Água e Esgoto de Brasília
CAU – Conselho de Arquitetura e Urbanismo
CAUMA – Conselho de Arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente
CEB – Código de Edificações de Brasília
CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural
CODEPLAN – Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central
COE - Código de Obras e Edificações
CONPLAN – Conselho de Planejamento Territorial e Urbano
CONPRESB - Conselho de Gestão da Área de Preservação de Brasília
CPDOC/FGV – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil/ Fundação Getúlio Vargas
DAU/SVO – Departamento de Arquitetura e Urbanismo/Secretaria de Viação e
Obras
DePHA – Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico (de 1983 a 2000)
DePHA – Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico (a partir de 2000)
DePHA – Divisão de Patrimônio Histórico e Artístico (de 1981 a 1983)
DF – Distrito Federal
DIPRE – Diretoria de Preservação de Brasília
DUA – Departamento de Urbanismo e Arquitetura
DVO – Divisão de Viação e Obras
EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental
EPIA – Estrada Parque Indústria e Abastecimento
EPIA/RIMA – Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto
Ambiental
GECAN – Gerência da Candangolândia e Cruzeiro
GEPAFI – Grupo Executivo para Assentamento de Favelas e Invasões
IX
GEPLA – Gerência do Plano Piloto
GEPRES – Gerência de Promoção da Preservação
GT- Brasília – Grupo de Trabalho para a Preservação de Brasília
HJKO – Hospital Juscelino Kubitsheck de Oliveira
IAB – DF – Instituto dos Arquitetos do Brasil seção Distrito Federal
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBPC – Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural
ICOMOS – International Council on Monuments and Sites
IEMA – Instituto de Meio Ambiente e Tecnologia
II PND – Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento
IPDF – Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPTU – Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana
JK – Juscelino Kubitsheck
L. C. – Lucio Costa
LPM – Lista do Patrimônio Mundial
MAB – Man and Biosphers (o Homem e a Biosfera)
MPDFT – Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
NGB – Norma de Edificação, Uso e Gabarito
NOVACAP – Companhia Urbanizadora da Nova Capital
PAL - Plano de Ação Local
PAS – Plano de Ação Setorial
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCH – Programa de Reconstrução de Cidades Históricas
PDAP – Plano Diretor da Área de Preservação de Brasília
PDL – Plano Diretor Local
PDOT – Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal
PEOT – Plano Estrutural de Organização Territorial do Distrito Federal
PERGEB – Programa Especial para a Região Geoeconômica de Brasília
PLANIDRO – Plano Diretor de Águas, Esgoto e Controle da Poluição do Distrito
Federal
X
PNB – Parque Nacional de Brasília
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
POLOCENTRO – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados
POT – Plano de Ocupação Territorial do Distrito Federal
PRAC – Plano de Revitalização da Área Central de Brasília
PRO-PARQUES – Fundo de Melhoria da Gestão de Parques do Distrito
RA – Região Administrativa
RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento do Entorno do Distrito Federal
SB-N – Setor Bancário Norte
SB-S – Setor Bancário Sul
SCT-N – Setor Cultural Norte
SCT-S – Setor Cultural Sul
SEDUH – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação
SEMARH – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
SEMATEC – Secretaria de Meio Ambiente e Tecnologia
SEPLAN – Secretaria de Planejamento da Presidência da República
SICAD – Sistema Cartográfico do Distrito Federal
SISPLAN – Sistema de Planejamento Territorial e Urbano
SITURB – Sistema de Informações Territoriais e Urbanas
SIV- solo – Sistema Integrado de Vigilância do Solo
SMDB – Setor de Mansões Dom Bosco
SMPW – Setor de Mansões Park Way
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SUDUR – Subsecretaria de Desenvolvimento e Preservação
TERRACAP – Companhia Imobiliária de Brasília
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
XI
Sumário
Introdução 1
Capítulo I - Considerações acerca da formação do conceito de Patrimônio
Cultural, internacional e nacional
1. A produção do conceito de Patrimônio Cultural como processo a partir
do conceito de cultura
8
1.1. A trajetória do Patrimônio Cultural 8
1.2. Patrimônio e cultura 14
2. Preservação e Patrimônio Cultural no Brasil 16
2.1. Antecedentes 16
2.2. Os tempos heróicos 20
2.3. Os tempos modernos 27
Capítulo II - Período de construção do ideário nacional para a
interiorização da Capital (anterior a 1956)
1. As idéias de interiorização 32
2. A campanha de Juscelino e o Grupo de Belo Horizonte: a opção pelo
modernismo
34
Capítulo III - Período inicial de construção e consolidação de Brasília como
fato irreversível (1956 a 1973)
1. As ações políticas de Juscelino visando à mudança da Capital 37
2. Construção e preservação do Plano Piloto de Lucio Costa caminham de
mãos dadas
39
XII
3. Fortalecimento do ritmo da construção da Cidade sob o regime militar 44
4. Balanço do período e seus reflexos na preservação da cidade 48
Capítulo IV - Período de consolidação do modelo polinucleado da cidade,
pela produção de planos (1974 a 1987)
1. Reflexos da ênfase nacional em planejamento na preservação do Plano
Piloto por meio de planos sucessivos
61
2. Pressão populacional e iniciativas declaradas de preservação 65
3. Abertura política, inscrição na Lista do Patrimônio Mundial e legislação
de proteção ao bem inscrito na Lista: teorias em confronto
68
4. Balanço do período e reflexos imediatos na preservação da Cidade 82
4.1. Segregação espacial 82
4.2. Preservação ambiental; incongruências em relação ao objeto da inscrição
na lista e os instrumentos de proteção: a encruzilhada teórica
85
Capítulo V - Período de ajuste à nova realidade política do País e à
autonomia política: demandas sociais e de democratização incidindo sobre o
planejamento (1988 a 1997)
1. A Constituição de 1988, leis sobre o bem tombado, e respostas à demanda
habitacional
96
2. Planos diretores, Conselhos de planejamento e monitoramento da
UNESCO
103
3. Balanço do período e reflexos sobre a preservação da Cidade 114
Capítulo VI - Período atual, surgimento do conceito de patrimônio
imaterial e de grande difusão dos conceitos de patrimônio cultural e natural
(1998 a 2005)
XIII
1. Cultura popular e Patrimônio Imaterial 123
2. Tentativa de aliar planejamento urbano e preservação, novo
monitoramento da UNESCO e novas tentativas de regrar a preservação
124
3. Um novo Conselho para gerir a área de preservação de Brasília: um
sucessor da idéia original do CAU, sucedido pelo CAUMA?
131
4. Balanço do período 134
Considerações finais 137
Referências 146
Anexo I – O conceito de Patrimônio Cultural nas cartas patrimoniais 160
Anexo II – Decreto n° 10.829, de 14 de outubro de 1987 163
Anexo III – Brasília Revisitada 169
Anexo IV – Portaria n° 314 179
XIV
Lista de Figuras
Figura 1 Localização do Distrito Federal no Mapa do Brasil. Disponível
em: http://www.pop-df.rnp.brpopdf.html, acesso em 21 set.
2005. e Mapa Rodoviário do Distrito Federal. Disponível em:
http://www.guianet.com.br/df/mapadf.htm acesso em: 19 set.
2005.
33
Figura 2 Plano Piloto de Lucio Costa. Disponível em:
http://www.brazilia.jor.br/ppb/RelatorioLucioCostaPPB.ht
m, acesso em: 19 set. 2005.
50
Figura
2.1
Programa das solenidades da inauguração oficial de Brasília. “A
íntegra do documento engloba lista de autoridades nacionais
presentes, pequeno histórico, mapa dos acessos rodoviários,
plano piloto. Brasília, 21 abr. 1960 (CPDOC/FGV/arquivo de
Ernani do Amaral Peixoto/eap 123-f)”. Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/O_Brasil_de_JK/Brasilia_a
_meta_sintese.asp, acesso em: 19 set. 2005.
50
Figura 3 Foto aérea de Brasília, a partir da torre de TV, em direção à
orla do Lago Paranoá, datada aproximadamente de 2000.
Autor: Augusto Areal. Acesso via correio eletrônico enviado
pelo autor em 20 nov. 2005.
53
Figura 4 Vista do quadrante sudoeste do Distrito Federal, com Brasília
ao fundo, na parte superior. Imagem de satélite: Image 2005
EarthSat; Image 2005 Digital Globe. Pointer: 15º 51’ 02.28” S
48º 04’ 07.54”W elev: 45464 ft. Streaming: 100% Eye alt.:
28127 ft. Disponível em:
http://earth.google.com, acesso em:
21 set. 2005.
64
Figura 5 Mapa montado por esta autora a partir da legislação proposta
pelo GT-Brasília para preservação em Brasília. Áreas de
Preservação segundo a proposta do GT-Brasília. Fonte:
SPHAN/PROMEMÓRIA, UnB, SEC/DF. Anteprojeto de
Lei de Preservação do Patrimônio Histórico, Natural e Urbano
de Brasília. In: Boletim do Instituto de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília, n° 45, Brasília, mar.
1988.
71
Figura 6 Área de Intervenção Prioritária (de acordo com o Plano
Diretor da Área de Preservação - PDAP, em andamento)
Disponível em:
http://www.seduh.df.gov.br/sites/100/155/Projetos%20Urba
nisticos/Areadeintervencao.pdf, acesso em: 19 set. 2005.
80
XV
Figura 7 Mapa das linhas do metrô/DF. Disponível em:
http://www.metro.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAV
E=5198, acesso em: 20 set. 2005.
105
Figura 8 Mapa obtido por meio do Mapa Ambiental do Distrito
Federal, mostra as áreas ambientalmente protegidas do Distrito
Federal. Disponível em:
http://www.semarh.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHA
VE=3696, acesso em 19set. 2005.
128
Figura 9 Foto do rio Corumbá, localizado no município de Luziânia –
GO, onde se encontra em andamento a construção de usina
hidrelétrica, anunciada como reservatório de água pelo
Governo do Distrito Federal. Disponível em:
http://www.ambiente.org.br/campanhas/corumba/fotos.htm,
acesso em: 22 set. 2005.
142
XVI
Resumo
O conceito de patrimônio cultural, tal qual o concebemos atualmente, é o resultado
de um processo de construção que vem se dando ao longo do tempo e que, desde o
início do século passado, baseia-se numa perspectiva tridimensional: nacional,
internacional e local. Em conseqüência, houve mudanças na concepção do patrimônio
histórico que resultaram em modificações significativas na prática da preservação,
inclusive no Brasil. Isso quer dizer que as relações de influências entre as dimensões
são recíprocas. Assim, o patrimônio que se constrói em escala nacional (IPHAN) ou
no mundo (UNESCO) é resultado do embate de aspectos endógenos e exógenos.
Muitas das idéias defendidas mundialmente são sugestões advindas de experiências
nacionais ou locais bem sucedidas, assim como também e a escala global absorve idéias
locais e nacionais.
Este estudo pretende, por meio de um levantamento histórico da preservação em
Brasília, detectar em que medida o processo tridimensional de formação do conceito
de patrimônio cultural (com reflexos na prática de preservação), teve e tem influência
na preservação de Brasília até os dias de hoje, e em que medida essas mudanças na
prática de preservação de um modo geral foram incorporadas no caso desta cidade,
especificamente.
Para isso utilizou-se a análise de documentos diversos, entre eles leis e projetos de lei
referentes a Brasília (aqueles cujo objeto é a própria cidade, ou qualquer de seus
monumentos), ou mesmo leis e decretos de constituição de instituições ligadas à sua
proteção, em âmbito internacional, federal ou local. Isso tendo por premissa o fato de
que esses documentos constituem referências concretas aos conceitos e às definições,
não somente quando os declaram textualmente, mas também quando estabelecem a
forma pela qual serão protegidos os bens, ou mesmo os enumeram - e, ao apontar
aquilo que é digno de proteção, dão uma demonstração palpável da interpretação dos
conceitos antes declarados.
As mudanças na prática de preservação foram influenciadas pelas mudanças no
conceito de patrimônio, sobretudo pelo surgimento do conceito de patrimônio
cultural que deu embasamento a essas práticas. Em Brasília, em especial, essas
XVII
mudanças, ainda não incorporadas em sua totalidade, causaram uma espécie de
conflito no campo da preservação, com conseqüências que se propagam, até o
momento atual, na prática da preservação. Esta a hipótese que se pretende
demonstrar.
XVIII
Abstract
The concept of cultural heritage, in the way we know it today, is the result of a
process of construction that has been developing through time and, since the
beginning of the last century, from a tri-dimensional – national, international, and
local -- perspectives. As a result, changes in the conception of historical heritage
resulted in significant changes in the preservation practices in Brazil. Because the
relations of influences between each dimension are reciprocal, the heritage that has
been built on the national scale, in Brasil, or in the world (UNESCO) have resulted
in a battle between endogenous and exogenous aspects. Many of the ideas defended in
the world scene now are suggestions which came from the national or local levels.
Thus the global scale also reflects local and national ideas.
This study intends to, through a historical research of the preservation in Brasília
detect in what mesure the tri-dimentional proccess of building of the concept of
cultural heritage (with reflections in the preservation proccess), that contines in
course, had influenced and have been influencing in the preservation of the city until
today, and, in what measure changes in the preservation practices, in a general way,
were reflected in the case of Brasília, specifically.
In order to do that, several documents have been analysed, including laws and
projects referring to Brasília: whose object was the city or any of its monuments, or
even foundation laws or decrees of institutions related to its protection, in national,
international or federal level. Everything having by premise the fact that the
documents constitute concrete references to the concepts and definitions, not only
when they declare it textually, but also when they establish the way the heritage will
be protected, or even enroll that heritage and, pointing out what needs protection,
give a tangible demonstration of the meaning of the declared concepts.
Changes in preservation practices are influenced by the concept of heritage that is
based in those practices. In the case of Brasilia in particular, these changes were not
totally incorporated, yet nevertheless, caused a kind of conflict inside of the ‘field’ of
preservation, with consequences that continue until today, in the practices of
preservation. This is the hypothesis that we intend to demonstrate.
XIX
Introdução
Para a abordagem do tema escolhido – Brasília: Reflexos da Formação do Conceito de
Patrimônio Cultural – propôs-se partir do referencial teórico usado ao longo da
prática de preservação no Brasil. A literatura apontou pontos de inflexão nesse
referencial, com a entrada de novas concepções em torno do tema cultura,
principalmente nas idéias de bem cultural
1
, de memória
2
, de continuidade
3
, etc.,
incluindo aí os conceitos de patrimônio natural, patrimônio cultural e patrimônio
imaterial.
Partindo-se de tais pressupostos, analisou-se, por um lado, as tendências internacionais
para definição de patrimônio, suas influências na formação desse conceito no Brasil, e
sua conseqüente aplicação na abordagem prática do patrimônio. Para essa última
questão, a da abordagem prática, utilizou-se Brasília como caso concreto por possuir
características tipificadoras dessas supostas mudanças de paradigma.
Brasília desempenha um papel que lhe é próprio na construção do patrimônio local,
nacional e internacional, tendo absorvido influências endógenas e exógenas e, ao
mesmo tempo, tendo servido de fonte para outras instâncias, nacionais e
internacionais. Afinal, constitui um caso único. Que outra cidade apresenta um
centro histórico tombado, nos níveis federal e mundial, dotado das características do
Plano Piloto? Adicione-se a isso o fato de que, historicamente, Brasília representa um
marco no processo internacional de formação do conceito de Patrimônio Cultural, já
que foi a primeira cidade modernista e em construção a ser incluída na Lista do
Patrimônio Mundial.
É interessante notar que durante o processo de candidatura ao título de Patrimônio
Mundial de todas as cidades brasileiras reconhecidas como patrimônio da
humanidade, o IPHAN apresentou à UNESCO o tombamento como legislação de
proteção, o que não ocorreu com Brasília. A legislação de proteção oferecida para este
1
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo?. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1985, p. 19; 63.
2
Ibidem, p.67.
3
Ibidem, p.18.
1
fim foi o Decreto n° 10.829
4
, que estabelece as quatro escalas de proteção. Isso tornou
Brasília, mais uma vez, objeto singular no universo da conservação de conjuntos
urbanos no Brasil. Acrescente-se a isso o fato de ser Brasília a primeira cidade do
século XX a figurar na Lista do Patrimônio Mundial. Como lembra Fernando
Fernandes da Silva
5
, “(...) esta categoria de cidades não constava de projetos da
Convenção, tampouco foi objeto de debates nas reuniões preparatórias. Ela é
concebida com base nas sessões do Comitê do Patrimônio Mundial, principalmente
em razão da inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial”, o que a faz objeto
singular, também no âmbito mundial.
Devido ao contato da autora deste estudo com questões urbanas de Brasília, por meio
de seu trabalho numa instituição incumbida pela Constituição
6
de 1998 de ser guardiã
do patrimônio público e social – o Ministério Público – foram percebidas grandes
divergências no campo teórico patrimonial. Durante muito tempo atuando como
arquiteta entre tantos advogados, começou-se a acreditar que faltava a eles (os
advogados) a visão do arquiteto. Depois de algum tempo sendo os olhos da justiça nas
questões de arquitetura e urbanismo, pretendeu-se fazer com que os arquitetos
entendessem em que dificuldades haviam colocado os advogados. Muitas vezes
defender o Patrimônio Histórico de Brasília tornou-se uma tarefa bastante inglória,
pelo caráter subjetivo da legislação e pela controvérsia existente no meio técnico a
respeito de quase tudo que se refere ao Patrimônio em Brasília.
Diante de diversas situações concretas em que aquelas divergências de campo geraram
incongruências e impasses intransponíveis aos procedimentos judiciais, a perplexidade
fez com que a autora passasse a questionar as verdadeiras razões de tais dicotomias.
Não demorou muito para perceber que as divergências se davam no âmbito teórico,
muito mais do que no político.
4
DISTRITO FEDERAL. DECRETO n° 10.829, de 14 de outubro de 1987. Regulamenta o art. 38 da Lei
nº. 3751, de 13 de abril de 1960, no que se refere à preservação da concepção urbanística de Brasília.
Diário Oficial do Distrito Federal, nº. 201, 23 out. 1987, suplemento. Disponível em:
http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
5
SILVA, Fernando Fernandes da. As Cidades Brasileiras e o Patrimônio Cultural da Humanidade.
Peirópolis: Ed. da Universidade de São Paulo, 2003.
6
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988, art. 127, inciso III.
2
De acordo com Medeiros
7
, Fonseca
8
, Santos
9
e outros, não se pode simplificar o
processo de formação do conceito de patrimônio, vez que tal se encontra ainda em
andamento e que todas as várias instâncias sociais têm parte nessa formação. No
entanto, urge que se sistematize o resguardo do Patrimônio em Brasília e se defina o
que proteger como o projeto de uma sociedade em que todos os atores tomem parte
nas decisões e nas responsabilidades daí advindas. Muitas iniciativas têm sido tomadas
na tentativa de defender Brasília, mas a maioria delas é obstada por legislações que
caminham no sentido diametralmente oposto – esta a percepção que se alcançou
durante a pesquisa – por falta daquela clareza de rumo tão necessária à questão. O
resultado é uma ocupação do território em todos os sentidos autofágica e
extremamente desordenada na qual, na verdade, ninguém leva vantagem, já que a
fruição dos bens fica limitada até mesmo para aqueles que historicamente tiveram
condição privilegiada, pois tudo é consumido na ânsia com que desses bens se usufrui.
Com este trabalho pretende-se contribuir para trazer à luz os meandros do processo
de construção da preservação em Brasília, de modo a dar subsídios às mudanças
necessárias para que esta seja um projeto consistente e coerente: o projeto de uma
sociedade.
As questões básicas a que se pretendeu responder foram as seguintes: dentro do
contexto protetivo de Brasília, como se chegou aos instrumentos atualmente
disponíveis? Em que esses instrumentos foram falhos e quais as conseqüências práticas
dessas falhas na proteção da cidade? Em que direção deve-se impulsionar e como se
poderá alcançar o aprimoramento desse projeto?
Como objetivo geral estabeleceu-se o de analisar o modelo existente, ou seja, todos os
instrumentos envolvidos no resguardo da cidade, de modo a contribuir para a escolha
do modelo mais adequado às necessidades atuais e históricas da população envolvida,
com uma visão mais ampla de como se deram até o momento os processos de
incorporação do ideário vigente na questão. Além deste, houve também os objetivos
7
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida. Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
8
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro, UFRJ,1997.
9
SANTOS, Mariza Veloso Motta. Nasce a Academia SPHAN. In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artísitico Nacional. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, n° 24,1996.
3
específicos: compreender como se articulou o processo de formação do conceito de
patrimônio em Brasília e as implicações deste jogo de forças no espaço da cidade e da
região; apreender como se deu essa interação e como os vários atores e as várias esferas
contracenaram para a obtenção do quadro atual; reconhecer com que formas
aparecem hoje essas vertentes, se elas se encontram ainda em processo de fusão, ou
tendem a tornar-se pólos absolutamente antagônicos no ideário teórico e prático da
preservação em Brasília.
Como hipótese de trabalho, tinha-se que durante o processo de construção de Brasília,
e mesmo antes da sua existência, sempre houve um espírito de conservação, pois havia
a intuição de que se realizava grande feito. No entanto, durante esse mesmo processo,
houve disputas no campo teórico que comprometeram a decisão sobre o que proteger,
e como fazê-lo. A tal ponto que se cometeu o equívoco de proteger apenas o projeto
urbanístico, quando o grande feito da concepção de Brasília é bem mais que o projeto:
começou com o sonho de uma nação inteira, materializado no empreendimento que
realizou esta nação ao desbravar seu território, escolher o sítio apropriado e plantar a
cidade na vastidão do cerrado. Além do mais, resguardou-se um objeto em
movimento, uma cidade em construção, por meio de um instrumento que, se fosse
utilizado em sua própria definição
10
, congelaria a cidade por toda a sua existência.
Esses dois equívocos tiveram conseqüências bastante indesejáveis no salvamento do
objeto que se quis resguardar, fazendo com que o restante do corpo se tornasse uma
ameaça àquele objeto. Além disso, a própria construção da cidade, ou o processo de
execução do projeto, que se encontra ainda em curso, conspira contra a defesa do
conjunto urbano, por, em princípio, ferir o instrumento que lhe garante a proteção.
O método utilizado neste trabalho foi o de coleta e análise de documentos históricos.
Para esse fim, o material que subsidiou a pesquisa consistiu de bibliografia produzida
pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pela
10
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural.
Dissertação (mestrado em história da arquitetura), Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 89.
4
UNESCO – United Nation Educational, Scientific and Culural Organization, pela
DePHA – Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico, e por outras instituições
nacionais, locais e internacionais, responsáveis pela defesa de Brasília, bem como
outras fontes adotadas no discurso daquele Instituto. Também compuseram o
material textos da crítica e mídia (falada e impressa) relativa à atuação de agentes
públicos ao longo dos períodos mais significativos na construção do conceito de
preservação em Brasília, entrevistas pessoais a contemporâneos das ações públicas
relatadas, planos diretores da cidade e documentos que porventura serviram de
subsídios a estes últimos.
A análise de documentos legais e constitutivos de instituições ligadas ao planejamento
acompanhada da análise de documentos não-legais, como cartas, pareceres e estudos
realizados institucionalmente, ora visando propor diretrizes, ora leis e projetos de lei,
ora consultas a especialistas, entre eles principalmente os ligados aos autores do
projeto do Plano Piloto de Brasília teceram a teia que envolveu os conceitos ligados
à conservação da cidade. A necessidade de contextualizar cada uma dessas leis levou à
busca de informações não-oficiais, como textos jornalísticos e entrevistas realizadas
com pessoas que tomaram parte em eventos ou trabalhos importantes e que
contribuíram para esse processo. Entre eles está o GT-Brasília – Grupo de Trabalho
para a Preservação de Brasília, com larga produção teórica, que durou
aproximadamente seis anos. Durante esse período, várias equipes se sucederam, e há
casos em que um dos componentes da equipe acompanhou somente o trabalho inicial,
tendo se afastado e deixado, de participar na outra ponta do processo que viu iniciar.
Cada depoimento, portanto, mostra também a visão pessoal desses atores, que pode
ser muito interessante para captar a ordem e o contexto dos acontecimentos. Esses
depoimentos não foram citados no texto, mas foram de grande importância para a
concatenação histórica dos documentos analisados.
Assim, buscou-se enumerar e descrever documentos e fatos julgados mais relevantes
na proteção de Brasília, organizados em ordem cronológica, permendo-os pela análise
contextual do momento em que surgiu cada um deles e suas conseqüências. Esse
exercício permitiu uma visão, ainda que limitada, das mudanças ocorridas ao longo do
tempo, além de ter possibilitado extrair de cada uma dessas mudanças, iniciativas e
5
ações políticas, seu cabedal teórico propulsor. As leis são muito importantes nessa
análise, pois expressam, na maior parte das vezes, os conceitos que pretendem
materializar na prática. Além disso, a partir dessas declarações legais, surgem no
mundo da preservação, de uma maneira que pelo menos se deseja mandatória, os
conceitos conforme ali explicitados.
Esta análise mostrou, como colocado neste capítulo, que no Brasil houve, sim, um
processo de mudanças conceituais que desembocaram no conceito de patrimônio
cultural. No entanto, houve por parte dos grupos mais tradicionais, aqueles ligados ao
modernismo e à criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
alguma resistência a incorporar tais conceitos, de modo que tendem a continuar
valorizando a obra de autor e não a obra resultado da cultura brasileira, fazendo
sempre recortes baseados em cânones e pressupostos acadêmicos e rejeitando as
culturas não eruditas.
Essa tendência se reflete em Brasília de uma forma bastante singular, ainda hoje,
mantendo o embate entre essas duas visões. A análise dos documentos e das
instituições e ações de defesa demonstrou a tendência, que se acirrou em vários
momentos decisivos. Como exemplo, temos o confronto que ficou evidente no
momento de tornar Brasília Patrimônio da Humanidade e que se propagou nas ações
que se seguiram, para formar o arcabouço legal e institucional de proteção ao bem
inscrito na Lista.
A análise feita trouxe à tona essa tensão, havida especialmente após a inscrição na
Lista, entre a visão planocentrista, que valoriza a obra do autor, e a visão que se
expande para fora do Plano Piloto, em busca de testemunhos culturais da construção
de Brasília e que a considera obra de uma cultura. A primeira visão foi representada
pelo grupo do Rio de Janeiro e a segunda pelo grupo de Brasília, personalizado no
GT-Brasília.
No entanto, antes de se iniciar a análise dos documentos, em si, foi feita uma
abordagem da preservação no Brasil, na tentativa de mostrar em que momentos foi
evidenciada a passagem para o conceito de patrimônio cultural e como foi recebido
6
esse conceito no mundo das idéias e das práticas de proteção. Mais adiante aparecem,
então, os documentos em ordem cronológica, distribuídos por períodos.
A partir do capítulo III, mostrou-se como se deu a formação, desde o início da
construção de Brasília
11
, de todo um ideário que culmina na inscrição da cidade como
Patrimônio Mundial, em 1987. Além disso, foram analisados os desdobramentos desta
atitude heróica, que atraiu atenção e apoio internacional a um processo que, na
verdade, já vinha se consolidando em práticas cotidianas, legislações e planos de
desenvolvimento.
Ao período anterior a 1956, chamou-se de preparatório à construção, por ter dado o
alicerce político e econômico que permitiu a convergência das vontades e dos meios
para a construção da capital do país. Daí em diante, três períodos foram já
nitidamente delimitados por estudos recentes
12
, como tendo suas características
definidoras. Um último período, que foi chamado de atual, compreende ações e
desdobramentos que se deram desde o final do terceiro período (1998 até os dias
atuais). Sendo assim, esta é a divisão em períodos proposta:
Período preparatório à construção: meados do século XVII a 1955;
Primeiro período (1956-73): mudança da capital, implantação do Plano Piloto
e criação de cidades-satélite, ou seja, delineamento do modelo polinucleado de
ocupação;
Segundo período (1974-87): período de organização territorial, surgimento de
um vetor de crescimento no sentido sudoeste e alimentação do
polinucleamento, formação do aglomerado urbano com a expansão dos
loteamentos limítrofes ao Distrito Federal;
11
A construção de Brasília, embora na prática tenha-se iniciado no governo de JK, deu-se na verdade por
um processo histórico, iniciado com as várias tomadas de decisão política, como por exemplo a primeira
Constituição da República, que previu a interiorização da capital. No entanto, a primeira ação de governo
no sentido concreto de construir a cidade, ao nosso ver foi a Missão Cruls, que demandou grande
investimento do Estado, para localizar a cidade e mapear o território adjacente, e que envolveu grande
aporte de recursos materiais e humanos, inclusive com a contratação de equipe técnica e disponibilização
de todos os meios existentes à época para a realização da vultosa tarefa.
12
IPEA. Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e Rio de Janeiro. Série Gestão do
Uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano, v. 3, Brasília, 2002, p. 45.
7
Terceiro período (1988 – meados de 1997): período de consolidação dos
vetores de crescimento urbano anteriores, surgimento dos eixos de conurbação
da cidade ilegal;
Atualidade : desde meados de 1998 até os dias atuais.
Nos capítulos seguintes, será analisado, portanto, o papel exercido por Brasília, em
conseqüência da trajetória nacional. É importante lembrar que o CNRC – Centro
Nacional de Referência Cultural, grande propulsor das idéias novas nesse campo,
estava sediado na Universidade de Brasília. As idéias gestadas no caldo de cultura
deixado pelo CNRC no ambiente da Universidade, de uma forma ou de outra, podem
ter influenciado o arsenal teórico usado pelo GT-Brasília para tornar Brasília
Patrimônio da Humanidade. Essa influência não é objeto do presente trabalho; no
entanto, é interessante considerar esse detalhe histórico como, no mínimo, uma feliz
coincidência. Na verdade, o que se pode perceber é que Brasília foi arena para uma
luta travada entre as duas tendências teóricas mestras nas práticas de preservação no
Brasil: a dos tempos heróicos, dos fundadores do IPHAN, e a dos tempos modernos,
de Aloísio Magalhães.
8
Capítulo I - Considerações acerca da formação do conceito de Patrimônio
Cultural, internacional e nacional.
1. A produção do conceito de Patrimônio Cultural como processo a partir do
conceito de cultura.
1.1. A trajetória do Patrimônio Cultural
A expressão patrimônio cultural foi produzida em um processo histórico e
ideológico que neste trabalho prefere-se chamar de formação, e não de evolução,
termo mais comumente empregado, que pressupõe, especialmente para o senso
comum, algo de inferior naquele primeiro, idéia com a qual não se tem a intenção de
corroborar. Cada época da história contou com as soluções de que dispôs e trabalhou
para o enfrentamento dos problemas como se lhe apresentaram. Essa parece ser a
razão principal das mudanças no conceito de patrimônio percebidas ao se examinar a
história, especialmente a mais recente.
O Brasil, não somente por ser uma nação nova, mas também por ter se engajado na
causa em tempos mais recentes, teve acesso ao processo de formação desse conceito já
em estágio bem avançado. Como se verá mais adiante, a noção de preservação está
associada no Brasil com o conceito de patrimônio histórico e artístico. Ainda assim,
o Brasil tomou parte no processo de evolução do conceito, na medida em que foi
adquirindo e difundindo, entre os Estados co-partícipes de convenções e tratados
internacionais, a experiência advinda da sua própria prática.
A abordagem de Ana Elisabete de Almeida Medeiros
13
atribui a expressão dimensão
tridimensional ao processo de construção social do patrimônio cultural. Uma de suas
contribuições é no sentido de perceber que essa construção se dá simultaneamente nos
âmbitos local, nacional e internacional, num grande intercâmbio de informações e
influências. Afirma ainda que:
13
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002, p. 16.
9
(...)a instância internacional se consolida, de uma maneira ou
de outra, como a principal fonte de referência do ‘nacional’ e do
‘local’ no estabelecimento de sistemas e modelos de construção
do patrimônio cultural e que é certo que a instância
preservacionista internacional está longe de ser um paradigma
absoluto do processo de construção social do patrimônio
cultural, mas sem sombra de dúvida, através, sobretudo da
UNESCO, ela se revela de uma importância fundamental.
Diante deste fato, a problemática que se coloca é ao mesmo
tempo, local, nacional e supranacional.
Além disso, em sua análise da bibliografia
14
, observa que a prática preservacionista é
caracterizada, de um lado, por aqueles que privilegiam conceitos, critérios de seleção e
classificação, além de práticas e instrumentos legais de intervenção, e, de outro, por
aqueles que priorizam a avaliação de políticas e instituições federais locais. Chama
atenção ainda para os estudos acerca da política do ‘patrimônio histórico e artístico
nacional’ surgidos a partir da década de oitenta, como os de Sérgio Miceli
15
, Carlos
Lemos
16
, Joaquim Falcão
17
e Vera Milet
18
, e nos anos noventa, os de Mariza Santos
19
e
Maria Cecília Londres Fonseca
20
, ressaltando que estes últimos não dão ênfase às
14
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida. Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
15
MICELI, Sérgio. SPHAN: Refrigério da Cultura Oficial. In: Revista do patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Rio de Janeiro: FNPM – SPHAN. MinC, 1987. N. 22. P.66-72 MEDEIROS, Ana
Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na
Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade
de Brasília, Brasília, 2002.
16
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Enfim, o fim do IPHAN? In: Folha de São Paulo. Caderno
tendências e Debates. São Paulo, 9 de fevereiro de 1999, p.4. apud MEDEIROS, Ana Elisabete de
Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na Construção
do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília,
Brasília, 2002.
17
FALCÃO, Joaquim. Política de Preservação e Democracia. In: Revista do patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, 1984, n° 20, p. 45-59 apud MEDEIROS, Ana
Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na
Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade
de Brasília, Brasília, 2002.
18
MILET, Vera. A Teimosia das Pedras – Um Estudo sobre a Preservação Ambiental no Brasil.
Olinda: prefeitura de Olinda, 1988. 229 p. apud MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade
e Imaterialidade Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial:
O Bairro do Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
19
SANTOS, Mariza Veloso Motta. Nasce a Academia SPHAN. In Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, n° 24, 1996, Brasília: Ministério da Cultura apud MEDEIROS, Ana Elisabete de
Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na Construção
do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília,
Brasília, 2002.
20
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo, Rio de Janeiro: UFRJ, 1997 apud
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida. Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
10
manifestações do projeto maior e internacional no processo de construção de
patrimônios culturais, como por exemplo as mais recentes práticas de revitalização de
antigos centros históricos que, a seu ver, são de grande importância.
A bibliografia de período mais recente é unânime em afirmar que o patrimônio é um
conceito em construção e que essa construção teve grandes incrementos a partir da
segunda metade do século XX. Essas transformações parecem ter imposto uma
marcha que foi acompanhada de maneira heterogênea, até mesmo devido às várias
instâncias e atores que delas tomaram parte. A tese de Medeiros
21
deixa claro esse
descompasso quando analisa o caso do Recife e mostra um quadro de constante
intercâmbio de informação, entremeado de desencontros técnicos, sociais,
institucionais e principalmente políticos, que fazem, por vezes, retroceder a marcha
de incorporação desse arsenal teórico na prática de preservação e, por outras, o
acelera.
Françoise Choay
22
, em sua obra A Alegoria do Patrimônio, percorre toda a trajetória
de formação do conceito de patrimônio histórico, desde a idade média até nossos dias.
De forma bastante sucinta, pode-se concluir pela leitura de sua obra que esse conceito
iniciou-se pelo de antigüidade, que incluía monumentos e objetos. Nesse período
(200 a.C a 1420 d.C.), monumentos e objetos, ou antigüidades, eram valorizados por
evocarem textos literários famosos da Antigüidade, e eram desejados pelos clérigos,
amantes da literatura, que viam neles a oportunidade de conviver com ambientes e
coisas mencionadas naqueles textos. Em seguida, esses objetos eram trazidos para o
uso cotidiano, sem que lhes fosse atribuída a devida aura que lhes daria o
distanciamento conferido pelo caráter simbólico.
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
21
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
22
CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001.
11
Choay
23
relata que Martinho V, em 1420, ao voltar para Roma, encontra a cidade em
profundo abandono, em plena revolução do saber, em contato com a resplandecente
luz dos antigos textos. A imagem arruinada de uma antigüidade que se acabara de
descobrir, quase obrigava o olhar a dar aos monumentos a dimensão histórica. Nesse
contexto em que monumentos e objetos tinham a designação geral de antigüidade
nasceu a distinção entre monumento e antigüidade. Havia, a partir de então, a
preocupação de conservar a cidade para o uso cotidiano e também para que as
gerações futuras encontrassem intactos os edifícios da Antigüidade e seus vestígios.
No dizer de Françoise Choay
24
:
É assim que na cena do Quatrocento italiano, em Roma, os três
discursos – o da perspectiva histórica, o da perspectiva artística e
o da conservação, contribuem para o surgimento de um novo
objeto: reduzido apenas às antigüidades, por e para um público
limitado a uma minoria de eruditos, de artistas e de príncipes,
ele nem por isso deixa de constituir a forma original de
monumento histórico. (grifo nosso)
Os iluministas, com sua abordagem epistêmica e sua pesquisa meticulosa,
encarregaram-se de dar às antigüidades coerência visual e semântica, dentro de um
projeto de democratizar as artes:
Entre a segunda metade do século VXI e o segundo quartel do
XIX, as antigüidades são objeto de um imenso esforço de
conceituação e inventário. Um aparato iconográfico auxilia
esse trabalho e facilita sua memorização. Um corpus de
edifícios, conservados apenas pelo poder da imagem e do texto, é
assim reunido num museu de papel.
25
Nesse ínterim, surgiram os museus, que à época eram instituições didáticas e
ensinavam, inclusive, a arte da restauração, generalizada a partir daí juntamente com a
exatidão da representação dos edifícios. Essa generalização contribuiu para que se
completasse e se firmasse o conceito de monumento histórico já no século XVII.
23
Ibidem, p. 43-44.
Para Françoise Choay, pode-se situar o nascimento do monumento histórico em Roma, por volta do ano
1420, tendo este conceito percorrido até aí um longo caminho no sentido de se libertar do conceito de
mera antigüidade.
24
CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001, p. 59.
25
CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001, p. 62.
12
Ao contrário do que se poderia esperar, a literatura de arte e os museus tiveram, no
entanto, efeito perverso para o monumento histórico, já que os despojos
fragmentos retirados de monumentos vinham enriquecer as coleções públicas e
particulares, que neste momento eram guardadas em verdadeiros depósitos, mais tarde
franqueados à visitação pública. Segundo Choay
26
, nesse contexto,
O conceito de patrimônio era, como hoje, contaminado por
uma forte conotação econômica, que contribuía para sua
ambivalência. Quanto à noção de monumento histórico, ela
devia continuar muito vaga para a maioria do público ainda
durante muitas décadas. (grifo nosso)
A era industrial marcou a consagração do monumento histórico, pela inversão dos
valores atribuídos a ele, pois privilegiou, pela primeira vez, os valores da sensibilidade,
especialmente os estéticos. A partir dessa linha, ficaram, de um lado, o monumento
isolado e, de outro, o início da modernidade, a partir da qual, para Choay
27
, o
conceito de monumento histórico pode “estender-se indefinidamente a montante, à
medida que avançam os conhecimentos históricos e arqueológicos”.
A consagração do monumento histórico aparece, tanto na França como na
Inglaterra, associada ao advento da era industrial, cuja natureza e conseqüências não
são interpretadas da mesma forma nos dois países. Daí a diferença, não só conceitual
como também prática, na conservação de monumentos. Na França país de tradição
rural o processo de industrialização está ligado à consciência da modernidade,
independente de seus efeitos negativos ou perversos. A idéia de progresso e a
perspectiva de futuro guiam os valores do monumento histórico: busca-se manter o
passado nacional, que é tão sagrado quanto o futuro. Já na Inglaterra, há uma busca
mais centrada no passado: era possível acreditar em reversibilidade da história, em
retomada do trabalho manual como fundamento de uma arte popular.
Françoise Choay
28
também acredita que as idéias de John Ruskin
29
enriqueceram o
conceito de monumento histórico, fazendo com que nele entrasse, de pleno direito, a
26
Ibidem, p. 121.
27
Ibidem, p. 127.
28
CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001, p.141.
29
RUSKIN, John. The Seven Lamps of Arquitecture. Londres, J.M. Dent and Sons, p. 185 apud
CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001, p.141.
13
arquitetura doméstica. Este autor, criticando aqueles que consideravam o monumento
isolado como a única coisa a ser resguardada, sonha também com as residências mais
humildes dando continuidade à malha urbana. Foi seguido por Willian Morris
30
, que
incluiu os conjuntos urbanos na mesma categoria de bens a serem postos a salvo que a
dos monumentos históricos. Com esse enriquecimento, o monumento adquiriu um
caráter de universalidade sem precedentes. Na concepção de Ruskin, qualquer que
tenha sido a civilização que o erigiu, ele se dirige a todos os homens. Ou seja, ao
contrário do monumento tradicional, que somente tinha valor para determinada
comunidade, ele
o monumento histórico veio a ter significado universal. Assim,
passou-se a defender as arquiteturas além das fronteiras, como as da Turquia, do Egito
ou da Arábia. A arquitetura menor tornou-se parte de um novo monumento, o
conjunto urbano antigo, para o qual valiam as mesmas regras de conservação
utilizadas para o monumento isolado.
Além do conjunto urbano antigo, foram incorporados ao conceito de patrimônio
um sem-fim de objetos da salvaguarda. Por obra das ciências humanas, quase tudo
hoje pode e deve ser defendido. Nas palavras de François Choay
31
:
As descobertas da arqueologia e o refinamento do projeto
memorial das ciências humanas determinaram a expansão do
campo cronológico no qual se inscrevem os monumentos
históricos. As fronteiras de seu domínio ultrapassaram,
especialmente a jusante, os limites considerados intransponíveis
da era industrial, e se deslocaram para um passado cada vez
mais próximo do presente. Assim, os produtos técnicos da
indústria adquiriram os mesmos privilégios e direitos à
conservação que as obras de arte arquitetônicas e as laboriosas
realizações da produção artesanal.
Ademais, a necessidade posta pelos humanistas de democratizar o saber foi levada às
últimas conseqüências na questão patrimonial: da audiência de eruditos e iniciados,
para uma audiência que hoje se conta aos milhões. Choay
32
afirma que o primeiro
Estado a explorar esse afã teria sido o francês, que o fez com todos os recursos de sua
30
MORRIS, Willian. On the Openning of the Cristal Palace apud CHOAY, Françoise, A Alegoria do
Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001, p.141.
31
CHOAY, Françoise, Op. cit., p.209.
32
CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001, p.210.
14
autoridade e poderes, explorando “os ritos de um culto oficial do patrimônio
histórico, que se tornou parte integrante do culto da cultura (grifo nosso). No
entanto, lembra que o termo cultura também não era tão familiar até pouco tempo:
Esse termo, convém lembrar, ainda tinha, logo depois da
Segunda Guerra, um uso discreto na língua francesa, que antes
preferia integrá-lo em sintagmas (cultura letrada, cultura geral)
a utilizá-la em seu sentido filosófico, definido e depois muito
explorado para fins políticos pelo pensamento alemão: a essa
expressão, Valéry sempre preferiu o termo “civilização”. A
palavra “cultura” se difunde a partir dos anos 1960. Símbolo de
sua fortuna, a criação de um ministério para assuntos culturais,
que logo se torna “da cultura”, é um modelo que não tarda a ser
adotado pela maioria dos países europeus e a atravessar os
mares. Malraux cria as Maisons de la Culture [Casas da
Cultura] ao passo que a “cultura” se diversifica: culturas
minoritárias, cultura popular, cultura do pobre, cultura do
corriqueiro...
Daí facilmente se depreende a origem do termo patrimônio cultural, muito utilizado
atualmente no Brasil e já consagrado nas convenções da UNESCO, que concede a
cidades, monumentos e lugares de valor extraordinário, o título de Patrimônio
Cultural da Humanidade. Nicola Abagnano
33
, em seu dicionário de Filosofia, nos diz
a respeito do termo cultura:
Esse termo tem dois significados básicos. O primeiro e mais
antigo, significa a formação do homem, sua melhora e seu
refinamento. (...) No segundo significado, indica o produto dessa
formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar
cultivados, polidos, que também costumam ser indicados pelo
nome de civilização.
No segundo significado, essa palavra hoje é especialmente usada
por sociólogos e antropólogos para indicar o conjunto dos
modos de vida criados, adquiridos e transmitidos de uma
geração para outra, entre os membros de determinada
sociedade. Nesse significado, Cultura não é a formação do
indivíduo em sua humanidade, nem sua maturidade espiritual,
mas é a formação coletiva e anônima de um grupo social nas
instituições que o definem. (...) Cultura, em outras palavras, é
um termo com que se pode designar tanto a civilização mais
progressista quanto as formas de vida social mais rústicas e
primitivas. Nesse significado neutro, esse termo é empregado
33
ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 225-229.
15
por filósofos, sociólogos e antropólogos contemporâneos. Tem
ainda a vantagem de não privilegiar um modo de vida em
relação a outro na descrição de um todo cultural.
1.2.Patrimônio e cultura
Ao entrar em contato com o conceito de patrimônio histórico, e vendo-o ao longo
do tempo, logo se percebe o entrelaçamento que se dá entre este e o de cultura. Na
verdade, de início, o conceito de patrimônio estava muito mais voltado para o de arte
e de história.
Mais tarde, ao incorporar a “arquitetura menor”, a “arquitetura vernácula” e a
“arquitetura industrial”
34
, o conceito de patrimônio se expandiu até se tornar muito
mais amplo, com forte carga de identificação com o homem, que o construiu, deu a
ele significado e dele usufruiu. Nas palavras de Choay
35
:
Enfim, o domínio patrimonial não se limita mais aos edifícios
individuais; ele agora compreende os aglomerados de edificações
e a malha urbana: aglomerados de casas e bairros, aldeias,
cidades inteiras e mesmo conjuntos de cidades, como mostra ‘a
lista’ do patrimônio Mundial estabelecida pela UNESCO.
Da leitura desses autores, pôde-se concluir que houve grandes mudanças no conceito
de patrimônio juntamente com a introdução da arquitetura do dia a dia nesse
conceito. Essas mudanças o condão de trazer para a discussão, mesmo que
gradativamente, as formas de uso do espaço, o significado que ele adquire com a
presença do homem e sua redefinição nos meandros das ciências sociais. Em
conseqüência dessa nova visão, ainda nas palavras de Choay
36
:
O Patrimônio histórico arquitetônico se enriquece, então,
continuamente, com novos tesouros que não param de ser
valorizados e explorados. A indústria patrimonial, enxertada
em práticas com vocação pedagógica e democrática não
lucrativa, foi lançada inicialmente a fundo perdido, na
perspectiva e na hipótese do desenvolvimento e do turismo. Ela
representa hoje, de forma direta ou indireta, uma parte
crescente do orçamento e da renda das nações. Para muitos
34
CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo: UNESP, 2001, p.12.
35
Ibidem, p.12-13.
36
Ibidem, p. 225-226.
16
estados, regiões, municípios, ela significa a sobrevivência e o
futuro econômico. E é exatamente por isso que a valorização do
patrimônio histórico representa um empreendimento
considerável.
Entre as contribuições de Medeiros
37
, está a apreensão da formação do conceito de
patrimônio cultural a partir da sua explicitação nas Cartas Patrimoniais. A autora
extrai de algumas cartas que seleciona a explicitação desse conceito, conforme ele
aparece naqueles compromissos, convenções, declarações, recomendações e
resoluções.
A análise das cartas patrimoniais confirma essa imagem e dá a visão mais recente dessa
trajetória, que foi também tratada por Choay, numa abordagem mais genérica. A
seguir serão vistos os principais pontos em que se desenvolve a narrativa de Medeiros.
A autora afirma, como premissa, que a Convenção de 1972 –a que trouxe explícito o
conceito já mencionado – “se encontra alicerçada em uma série de outros acordos
estabelecidos entre as nações, a partir da segunda metade do século passado”
38
.
Houve a partir daí uma definição detalhada de cultura que orientou o modelo de
política cultural recomendado para os países membros, e nas palavras de Medeiros
39
,
“o homem estréia no seu papel de centro”, dando lugar ao surgimento da idéia de
desenvolvimento humano. Nesse contexto a cultura passa a ser expressa como
elemento fortalecedor da identidade das Nações, tomando dimensão fundamental no
processo de desenvolvimento.
Pela exposição de Choay, complementada pela de Medeiros, foi possível perceber que,
a um conceito mais fechado e específico, foram-se incorporando novas idéias, a partir
de realidades que questionam, em certa medida, aquele conceito original. A exposição
de Choay inicia-se com o conceito de antigüidade, que abrigava somente objetos
envolvidos em narrativas de autores antigos, coletadas para serem incorporadas ao
quotidiano de clérigos e estudiosos daqueles escritos. Em seguida, juntou-se ao
37
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
38
Ibidem, p.55.
39
Ibidem, p.63.
17
conceito de antigüidade o de monumento, com o surgimento da necessidade de
salvar não somente os objetos, mas as construções que os abrigavam. Em seguida,
além da assimilação de que havia monumentos também interessantes em outras
culturas que não as da Antigüidade clássica, surgiu ainda a percepção do entorno do
monumento, da sua ambiência, ou mesmo do conjunto de monumentos. Além dos
monumentos excepcionais, a arquitetura mais corriqueira, do cidadão, também passou
a ter interesse por constituir a ambiência urbana. Pela ambiência urbana chegou-se a
valorizar também a cultura que deu origem àquela disposição de edifícios, à
hierarquia existente entre eles. Somente os valores de uma cultura foram capazes de
explicar essa hierarquia, a disposição e a própria forma dos edifícios.
Chegou-se então ao conceito de Patrimônio Imaterial. Esse movimento lembra um
ser vivo que, em formação, vai de um núcleo auto-suficiente, incorporando tentáculos
que o possibilitam mover-se e caminhar em direção a novas experiências, que também
o enriquecem e o fazem expandir-se. O núcleo inicial não é incompleto, em seu início,
dado que responde às circunstâncias nas quais se insere. No entanto, na medida em
que o ambiente se transforma, mudam as necessidades, aumentam os desafios a que ele
deve responder para continuar vivo e interagindo com esse meio. Em resposta a essas
mudanças, refaz-se, completando-se, passando por mutações, e não se desintegra para
formar outro ser vivo: incorpora novas funções tornando-se um ser renovado e não
novo.
Essa trajetória também permeou toda a história da preservação no Brasil. Partindo
desse pressuposto é que foram analisadas as ações protetivas em Brasília e serão
expostas, a seguir, as linhas mestras deste processo, verificado no Brasil.
2. Preservação e Patrimônio Cultural no Brasil
2.1. Antecedentes
O Brasil também recebeu a influência do processo de formação do conceito de
patrimônio cultural, descrito no item anterior, cuja origem se deu bem antes do
comumente registrado e ainda encontra-se em curso, tanto no que diz respeito aos
18
conceitos quanto no que toca ao modelo de proteção adotado. Vejamos dois
exemplos:
Já em 1790 se identifica, nesse sentido, a iniciativa da Câmara de Vereadores de
Mariana, manifestada na aprovação de um registro
40
realizado pelo Vereador Joaquim
José da Silva:
(...) foi o resumo pioneiro da evolução da arquitetura e
escultura em Minas, tendo apontado as obras mais importantes,
as características do seu estilo e os artistas que as realizaram,
antecipando entre estes o perfil do gênio Aleijadinho, vinte e
quatro anos antes de sua morte. Mas foi sobretudo a primeira
demonstração da consciência que os mineiros já haviam
adquirido do valor das obras artísticas que pontilhavam
Mariana, Vila Rica, e povoados e arraiais surgidos durante o
Ciclo do Ouro
41
Em 1935
42
Mário de Andrade foi convidado por Fábio Prado – então prefeito de São
Paulo – para dirigir o recém-criado Departamento de Cultura, primeira instituição
brasileira do gênero.
Esses episódios, apesar de serem pontuais, demonstram que a iniciativa dos
modernistas ligados a Mário de Andrade, de criar uma instituição e uma legislação que
desse suporte ao projeto de salvar o patrimônio histórico nacional (em que pese ter
alcançado com primor o objetivo proposto), não foi a primeira nem a única que
buscava resguardar o conjunto das manifestações artísticas que compunham o objeto
da proteção em seus tempos iniciais no Brasil.
Até essa iniciativa oficial, que de certa forma inaugurou a preservação em âmbito
nacional, havia entre os intelectuais a noção de que o abandono das cidades históricas
40
MACHADO, Reinaldo. 1790: Começa a Defesa do Patrimônio Mineiro. In: Revista CJ Arquitetura,
nº 17. Rio de janeiro: FC Editora, 1977. Reinaldo Machado conta que “esse registro foi aprovado por
escrito por todos os vereadores de Mariana, em 1790, quando, cumprindo determinação de uma ordem
régia de relatar ‘umas memórias (...) dos novos estabelecimentos, fatos e casos notáveis e dignos de
história’ registrado naquele ano, o segundo vereador da Câmara de Mariana, Joaquim José da Silva, optou
por fazer um retrospecto das obras de arquitetura e escultura de sua região (...)”.
41
MACHADO, Reinaldo. 1790: Começa a Defesa do Patrimônio Mineiro. In: Revista CJ Arquitetura,
nº 17. Rio de janeiro: FC Editora, 1977, p.99.
42
SANDRONI, Carlos. Notas Sobre Mário de Andrade e a Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938. In
TRAVASSOS, Elisabeth (org). Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº. 28. Brasília:
SEC/FNPM/SPHAN, 1999, p.60-83.
19
e a dilapidação do considerado tesouro da Nação estaria em vias de ocasionar uma
perda irreparável para as gerações futuras, pela qual as elites e o Estado seriam
chamados a responder, inclusive perante as nações civilizadas. Ante a perspectiva
desse perigo, o tema passou a ser objeto de debates nas instituições culturais, no
Congresso Nacional, nos governos estaduais e na imprensa
43
, o que culminou na
criação do SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Para Maria Cecília Londres Fonseca
44
, o modelo herdado pelos brasileiros tem suas
raízes na prática preservacionista européia, mais precisamente a francesa:
No século XIX se consolidaram dois modelos de política de
preservação: o modelo anglo-saxônico, com o apoio de
associações civis, voltado para o culto ao passado e para a
valoração ético-estética dos monumentos, e o modelo francês,
estatal e centralizado, que se desenvolveu em torno da noção de
patrimônio, de forma planificada e regulamentada, visando ao
atendimento de interesses políticos do Estado. Esse último
modelo predominou entre os países da América Latina, como o
Brasil e a Argentina, e após a Segunda Guerra Mundial, para
as ex-colônias francesas.(...)
Mário de Andrade elaborou, na época, por encomenda do Ministro Gustavo
Capanema, anteprojeto para criação de um serviço federal de proteção ao patrimônio
e em seguida, no mesmo ano, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN) começou a funcionar em caráter provisório, sob a direção de Rodrigo Melo
Franco de Andrade. No ano seguinte, 1937, foi aprovado o Decreto-Lei n° 25, que
apesar de não ser exatamente aquele elaborado por Mário de Andrade, guardava
semelhança conceitual com este, dando ênfase, no entanto, ao aspecto instrumental da
proteção. O Decreto-Lei n° 25 regulamentou, desde os dias da formação do SPHAN,
a preservação no Brasil.
A experiência de Mário estava inseparavelmente ligada a um conceito muito mais
amplo de arte e cultura. Seu interesse, sua trajetória, suas pesquisas estavam
reiteradamente vinculados à tradição popular. Mário acreditava na continuidade
43
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.85-87.
44
Ibidem, p. 83-87.
20
criadora, na capacidade da arte popular de dar uma forma, um rosto à cultura
brasileira, em direção ao futuro. Segundo Maria Cecília Londres Fonseca
45
,
Sem dúvida, no seu anteprojeto, Mário de Andrade (1981:39-
54) desenvolveu uma concepção de patrimônio extremamente
avançada para seu tempo, que em alguns pontos antecipa,
inclusive, os preceitos da carta de Veneza, de 1964. Ao reunir
num mesmo conceito – arte – manifestações eruditas e
populares, Mário de Andrade afirma o caráter ao mesmo tempo
particular, nacional e universal da arte autêntica, ou seja, a
que merece proteção.
Para Mário de Andrade, a arte, no seu sentido mais puro, e somente ela, poderia ser o
fio condutor da construção da nacionalidade esperada naquele momento. Gustavo
Capanema, quando encomendou o referido projeto de lei, não queria somente um
conjunto de normas e instituições protetoras do patrimônio: naquela encomenda
estava em jogo um projeto de nação, mais precisamente, de nacionalismo. Em
resposta, Mário pôs em seu anteprojeto tudo o que pensava ser arte, numa concepção
alargada, generosa e que levava em consideração o povo brasileiro, suas características
peculiares de diversidade cultural, tendo assim discriminado o que deveria ser
preservado e cada instrumento a ser usado. Como descreve Fonseca
46
:
É a noção de arte, portanto, o conceito unificador da idéia de
patrimônio no anteprojeto do “patrimônio artístico nacional”
(PAN). Ao apresentar, com detalhes e exemplos, o que entende
por arte em geral, e nas oito categorias que discrimina, Mário
de Andrade se detém no aspecto conceitual da questão do
patrimônio e dos valores que lhe são atribuídos.
(...)Em suma, o texto do anteprojeto é amplo e aborda com
detalhes a questão conceitual – que obras, e a partir de que
critérios, poderiam ser consideradas patrimônio – detendo-se
também na estrutura e funcionamento do órgão, tendo sempre
em mente os meios de divulgar e coletivizar o patrimônio.
Tem-se a impressão de que, com base em sua experiência no
Departamento de Cultura, Mário de Andrade procurou
imaginar o que considerava, em 1936, (portanto quando ainda
estava entusiasmado com seu trabalho no DC) o serviço ideal
de proteção do patrimônio (...)
45
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.112.
46
Ibidem, p. 83-87.
21
Seus companheiros, por sua vez, não viam como conciliar o conceito tão etéreo de
arte de Mário com a missão hercúlea que tinham tomado para si: a de salvar o
patrimônio tangível que se desintegrava sob seus olhos. O Decreto-Lei nº 25 era a
resposta mais prática para a tarefa inicial e urgente. Para Fonseca
47
:
Já o Decreto n° 25, de 30 de novembro de 1937, (...) estava
voltado basicamente, para garantir ao órgão que surgia meios
legais para sua atuação num campo extremamente complexo: a
questão da propriedade. Era esse, então, o principal entrave à
institucionalização da proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Pois (...) os diversos projetos de proteção ao
Patrimônio artístico são recusados no Congresso Nacional em
nome do Direito de Propriedade. A preocupação, nesse caso,
não era com o aspecto conceitual ou com o organizacional (...),
mas com recursos operacionais que fossem não só legais como
também reconhecidos como legítimos. O tombamento surgia,
assim, como uma forma realista de compromisso entre o direito
individual à propriedade e a defesa do interesse público
relativamente à preservação de valores culturais.
Ítalo Campofiorito
48
relata também que Rodrigo Melo Franco de Andrade
reconheceu ter seu projeto se inspirado em proposta de legislação anterior à sua e à de
Mário.
O próprio Decreto n ° 25/37 , além da competência de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, foi inspirado, segundo palavras que
ele mesmo disse em Belo Horizonte (1968) em idéias de um
jurista mineiro: "o teor desse projeto" (da comissão de 1925, cujo
relator era Jair Nunes) "merece atenção muito especial, porque
foi um texto em que se basearam as disposições principais do
sistema atual de defesa e conservação dos bens culturais do nosso
país, do Decreto-Lei n°25, de 30 de novembro de 1937"
49
.
Esse modelo obteve aprovação no Congresso e, apesar de não ser de consenso geral,
seus princípios vieram a ser juridicamente defensáveis e socialmente aceitáveis. De
47
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 114
48
CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do Patrimônio: Notas para um Balanço Crítico. In: Revista
do Brasil. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Ciência e Cultura s/d.
Disponível em:
http://www.ivt-rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm. Acesso em: 25 ago. 2004.
49
ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de: Conferência publicada na Revista do IPHAN n° 17, edição
MEC. Rio de Janeiro, 1969, apud CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do Patrimônio: Notas para um
Balanço Crítico. Revista do Brasil. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de
Ciência e Cultura, s/d. Disponível em:
http://www.ivt-rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm.
Acesso em: 25 ago. 2004.
22
todo modo, sua legitimação social era uma conquista a ser feita, o que foi alcançado
por meio de um padrão ético de trabalho, desenvolvido dentro dos mais rigorosos e
modernos critérios científicos: o cuidado na escolha dos colaboradores; a imagem de
uma instituição coesa, desvinculada de interesses político-partidários e totalmente
voltada, ainda no dizer de Fonseca
50
:
(...) para ointeresse público”; e sobretudo a defesa encarniçada
do Decreto-Lei n.º 25, de 30/11/37, em batalhas judiciais
memoráveis(...) Esse era, sem dúvida, um jogo que exigia
habilidade política num sentido amplo, e que se pode dizer que
foi bem sucedido se considerarmos a aura do SPHAN e de seu
diretor no final dos anos 60, (Df.DPHAN,1969) e a
continuidade desse projeto durante mais de 30 anos.
Além disso, o Decreto-Lei nº 25 ganhou dimensão realmente heróica, quando visto
em toda a extensão temporal que foi capaz de atravessar. Silvia Ficher
51
assim definiu
o desempenho desse documento: “O Decreto-Lei n° 25 atravessou todos esses anos
com uma certa desenvoltura, apesar das crises e transições vividas pelo órgão SPHAN,
e se estabeleceu como uma das legislações mais modernas encontradas no mundo para
o tema”.
2.2. Os tempos heróicos
O que veio a ser chamado de fase heróica
52
deve muito à interpretação que se fez do
conceito de patrimônio que estava no Decreto-Lei. A partir dessa interpretação, dada
pela prática de preservação nesses tempos, patrimônio passou a ser aquilo que tivesse
valor artístico e histórico, ou somente histórico, ou somente artístico, e que também
fosse tangível.
50
FONSECA, Maria Cecília Londres. Op. Cit., p. 115.
51
FICHER, Silvia. Arquitectural Preservation in Brasil. 1982, mimeogr, p. 03. (tradução nossa)
52
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro: UFRJ,1997, p. 83-
143.
O termo fase heróica, bem explicitado na tese de Fonseca, em capítulo intitulado A fase “heróica”,
denomina o primeiro período da preservação no Brasil, desde a fundação do SPHAN – Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em que diversos intelectuais, ligados ao movimento
modernista estiveram engajados na salvação do Patrimônio Histórico Nacional. Segundo Fonseca, esse
período vai de 1936 até o final dos anos 60, fase caracterizada basicamente pela adoção do conceito de
monumento considerado isoladamente.
23
O conceito de Patrimônio estava estreitamente ligado ao conceito de arte, tanto para
o projeto de Mário de Andrade quanto para o conceito de patrimônio constante do
referido Decreto-Lei. Além da diferenciação no conceito de arte, na abordagem
prática advinda do Decreto-Lei n° 25, os dois passam a diferir diametralmente, pois
para Mário o conceito de arte envolve um universo bem mais amplo enquanto que o
conceito materializado na prática resultante da interpretação do Decreto-Lei n° 25
resume-se àquilo que é tangível, e se circunscreve a um determinado período da
história. Ítalo Campofiorito
53
chama atenção para o fato de que:
O Decreto n° 25/37 guarda de Mário quase que só os conceitos
de arte histórica, arte arqueológica, arte etnológica, arte
ameríndia e arte popular, além de que remete ao agenciamento
da natureza pela indústria humana (art. 4°, Caput, e art. 1°,
parágrafo 2°). Esse conceito materializado de arte ("arte, que no
seu sentido geral significa habilidade com que o engenho
humano se utiliza das coisas e dos fatos") é de Mário e só de
Mário.
Ítalo Campofiorito
54
discorre ainda sobre a prática resultante do conceito de arte que
prevaleceu sobre o de Mário e que veio a desenhar a prática ao longo dos tempos
heróicos:
Sendo coisa que só ocorreu no Brasil, o antigo foi aqui
selecionado pelo modernismo revolucionário, o que explica a
ojeriza a tudo o que cheirasse a acadêmico, no sentido "belas
artes recentes" do termo. Nada, entretanto, de recusa
sistemática do passado, à maneira anarquista, ou dada, dos
europeus de antes de 1914. Ao contrário, desde a sua
institucionalização no Ministério da Educação e Saúde, no Rio
de Janeiro, os nossos modernistas adotaram o seu pedigree,
escolheram a sua linhagem tradicional e, quem sabe?,
inconscientemente, o seu álibi histórico diante da conjuntura
vigente. É curioso encontrar no LXVI Salão Nacional de Belas-
Artes (1940) quando foi criada pela 1ª vez uma Divisão
Moderna, as homenagens prestadas pelos membros
conservadores da Comissão Organizadora (...) em contraposição
aos modernistas (...). Os júris acadêmicos eram encabeçados por
Alfredo Galvão, Manoel Constantino, Armando Viana,
53
CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do Patrimônio: Notas para um Balanço Crítico. In: Revista
do Brasil Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Ciência e Cultura, s/d.
Disponível em:
http://www.ivt-rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm. Acesso em: 25 ago.2004.
54
Ibidem.
24
enquanto os modernistas contavam com Quirino
Campofiorito, Santa Rosa, Alcides da Rocha Miranda, Goeldi e
Afonso Reidy, entre outros. O Salão foi posto sob a égide
cultural de Heitor de Mello, Morales de Los Rios, Zeferino da
Costa e outros medalhões dominantes. A Divisão Moderna
escolheu Antônio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho", Mestre
Valentim, Manoel da Costa Athayde e Grandjean de Montigny.
Junte-se os modernos presentes e seus óragos para obter o retrato
artístico do Brasil que foi fixado pelo pensamento ortodoxo do
Patrimônio, ao longo de todos os ensaios, artigos, pareceres e
intervenções práticas que se sucederam até os anos 70.
É de interesse observar que o mesmo grupo de intelectuais (os modernistas) que se
voltava para uma nova linguagem estética, de ruptura com o passado, voltava-se
também para a construção de uma tradição – no sentido de buscar uma continuidade.
Para Fonseca
55
, isso se deve principalmente ao contato com as vanguardas européias,
que levou os modernistas a perceberem que a modernização da expressão artística,
posta como rompimento radical com o passado, só tinha sentido em países onde havia
uma tradição nacional internalizada.
Daí a urgência e a necessidade de se construir uma tradição: foram criados vários
mecanismos legais e institucionais, como o próprio instituto do tombamento. Além
disso, houve o empenho em criar um referencial teórico que embasasse toda a ação do
Serviço do Patrimônio Histórico, que se assemelhou a uma Academia, segundo
Santos
56
, pelo caráter que assumiu de instituição de produção de conhecimento.
A importância de mestres como o Dr. Lucio nessa Academia vai se estender por toda
a existência daquela instituição. Lucio Costa escreveu seu programa Razões da Nova
55
MORAES, Edurardo Jardim de. A Brasilidade Modernista. Rio de Janeiro: Graal, 1978, apud
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p. 96.
56
SANTOS, Mariza Veloso Motta. Nasce a Academia SPHAN. In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, n° 24, 1996. Brasília: Ministério da Cultura, p. 77.
Santos atribui o caráter de Academia ao SPHAN dos tempos de Rodrigo Melo Franco de Andrade,
especialmente devido ao caráter de universalidade dado aos conhecimentos criados e difundidos sob os
auspícios daquela instituição. Nas palavras da autora, “o SPHAN como instituição torna-se
verdadeiramente uma academia, ou seja, é a institucionalização de um lugar de fala, que permite a
emergência de uma formação discursiva específica, cuja dinâmica simbólica é dada pela permanente
tematização do significado das categorias de histórico, de passado, de estético, de nacional, de exemplar,
tendo como eixo articulador a idéia de patrimônio. (...) O grupo fundador da Academia SPHAN, sob a
liderança de Rodrigo, será o responsável pela elaboração de um conjunto de representações, às quais
procurarão dar o caráter de universalidade, buscando, para tanto, desenvolver estratégias de legitimação,
quer através de um ordenamento cada vez mais diferenciado em critérios, de um conjunto de práticas
culturais, destacando-se como a mais importante o instituto do tombamento”.
25
Arquitetura na Universidade do Distrito Federal. Segundo José Pessoa
57
, “as suas
lições, aprendidas por gerações de arquitetos, serão na verdade, ministradas na Revista
do Patrimônio, fundamentando a historiografia brasileira da arquitetura”. Escreveu
Documentação Necessária, sobre a evolução da arquitetura e das artes; Notas sobre a
Evolução do Mobiliário Luso-brasileiro, sobre mobiliário; e Arquitetura dos Jesuítas no
Brasil, com uma periodização dos retábulos que servem de consulta para estudiosos
até hoje. Seus pareceres também adquiriram valor para além daquele circunstancial –
de quando surgia um pedido de tombamento, por exemplo – mas objeto de estudo,
não só para aqueles que hoje os lêem compendiados pelo IPHAN
58
, mas certamente
para colegas contemporâneos e sucessores na repartição.
O referencial teórico legado por Lucio, refletido em todas as áreas de atuação do
arquiteto no Brasil – na história da Arquitetura, no Urbanismo e na própria produção
arquitetônica –influenciou também o entendimento de patrimônio pelo grupo
encarregado da sua proteção à época – os modernistas. Tais valores pressupunham
uma visão teoricamente elaborada do que vinha a ser arte e do que vinha a ser
história, o que pressupunha uma abordagem interpretativa, ou seja, aquela em que
houvessem especialistas para elaborar os critérios de escolha do que viria a ser
preservado, ou ainda, do que pertenceria à categoria patrimônio. Ítalo Campofiorito
59
resume o que se convencionou chamar por aquele grupo de “tradição legítima”:
Desde logo, repudiou-se o tradicionalismo de José Mariano e o
neocolonial, que fingia, não reproduzia, a tradição legítima. O
que era essa tradição, finalmente? Numa lenta elaboração
conceitual, basicamente feita por Dr. Lucio, mas adotada por
todos, foi-se juntando, entre 1919 e 1952, a simplicidade
desataviada e popular da arquitetura portuguesa na colônia, o
temperamento torturado do Aleijadinho, a concepção dinâmica
e sensual do barroco, o equilíbrio e a serenidade do neoclássico e
o modernismo de Niemeyer.
57
PESSÔA, José (org.). Lucio Costa: Documentos de Trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN, 1999, p.15.
58
SANTOS, Mariza Veloso Motta. Nasce a Academia SPHAN. In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, n° 24, 1996. Brasília: Ministério da Cultura, p.77.
59
CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do Patrimônio: Notas para um Balanço Crítico. Revista do
Brasil. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Ciência e Cultura, s/d.
Disponível em:
http://www.ivt-rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm. Acesso em: 25 ago. 2004.
26
Resultado dessa definição, toda uma classe de coisas foi sendo tombada, enquanto o
restante, não digno de sê-lo, era esquecido, ignorado, deixado à própria sorte, quando
não frontalmente atacado e literalmente destruído. Campofiorito
60
retrata com
números o perfil do patrimônio nestes primeiros tempos:
Uma leve análise estatística dos tombamentos, por categoria e
região, e o percurso dos fatos mais sintomáticos da proteção ao
patrimônio, podem suscitar um debate salutar.
Até 1982, foram tombados 952 bens 40% dos quais entre 1938 e
1942 - numa avalanche salvadora; 50% daqueles primeiros
tombamentos, e 40% do total em 44 anos foram de arquitetura
religiosa; 94% dos bens tombados são arquitetônicos, 4% bens
móveis e 2% paisagísticos. Com relação ao território nacional,
25% dos bens tombados ficam na 6ª Diretoria Regional,
situados 22,5% no Rio de Janeiro; 20% são em Minas Gerais;
18% na Bahia e 8% em Pernambuco. Assim, simplificando
(mas nem tanto), é fácil desenhar o perfil histórico do bem
cultural considerado de valor: uma igreja, certamente
setecentista, situada no Rio, em Minas ou na Bahia. E é essa
exatamente a idéia que se fez em geral sobre a proteção nacional
do patrimônio histórico e artístico. (grifo nosso)
A cidade de Ouro Preto foi o laboratório de experimentação dos modernistas dos
tempos heróicos. Por essa época, as práticas de preservação deixavam claro que as
obras de arte é que deveriam ser mantidas e, portanto, o monumento isolado. Até
mesmo pela forma como foi tombada pelo SPHAN, ficava claro que a cidade de
Ouro Preto era vista como um conjunto de monumentos isolados e não como um
centro histórico, ou um conjunto urbano. Na verdade, esses conceitos só viriam a
surgir alguns anos depois
61
. Ainda nesse período, em 1938, a cidade foi tombada no
Livro de Belas Artes. Ressalte-se que esse livro, juntamente com o Livro Histórico,
são os que mais absorveram bens tombados nessa fase denominada heróica.
Parafraseando as palavras de Fonseca
62
, tudo ou quase tudo o que merece ser tombado
60
Ibidem.
61
ICOMOS. Carta de Veneza. Veneza, 1964. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em: 12 maio 2005.
62
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo, Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
27
nesse momento, ou tem valor artístico, ou tem valor histórico. Vigoram aí as
determinações da primeira Carta de Atenas
63
.
Falando da experiência de Ouro Preto, em seu artigo A SPHAN em Ouro Preto, Lia
Motta
64
relata que, assim como em outras cidades, a abordagem priorizava o sentido
estético em detrimento do cultural de cada objeto a ser tombado. Em outras palavras,
a cidade era vista como expressão estética, e não como expressão cultural. Para aquela
autora, foi exatamente essa abordagem a responsável pela prática que ignorou as
contingências reais do ambiente urbano, orientando-se para o tratamento dos
“conjuntos urbanos como objetos idealizados”, prática que se estendeu por longo
período:
(...) esta abordagem resultou numa prática de conservação
orientada para a manutenção dos conjuntos tombados como
objetos idealizados, distanciando-se das contingências reais na
preservação daquele tipo de bem. Com o passar do tempo,
mesmo diante das reformulações do conceito de centro histórico
e das evidências de fracasso dos critérios adotados, assim como
das mudanças ocorridas nos conjuntos tombados, o Patrimônio
continuou empregando basicamente os mesmos critérios de
intervenção. (...) [o que] se torna mais notável quando são
analisadas as determinações para as obras novas daquela época.
Em artigo produzido por Rui Mourão
65
encontrou-se a menção a uma prática de
preservação bastante ortodoxa por parte dos técnicos da instituição, a ponto de uma
determinada época da história da cidade ter sido escolhida como cânone para as novas
construções. Portanto, para aprovar-se um projeto, far-se-ia necessário que o seu
desenho estivesse de acordo com moldes, técnicas construtivas e proporções daquele
determinado período. Outra opção era que o projeto fosse um representativo da
arquitetura moderna, cujo autor, preferencialmente, fosse devidamente filiado à
vanguarda modernista da época. Encontrou-se também a observação de que a
população não era consultada, pelo simples fato, já mencionado, de que havia uma
63
SDN. Carta de Atenas. Atenas: Escritório Internacional dos Museus. Sociedade das Nações, 1931.
Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
64
MOTTA, Lia. A SPHAN em Ouro Preto. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
n° 22. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, 1987, p. 108.
65
MOURÃO, Rui. Ouro Preto, Cidade Ameaçada. C.J. Arquitetura, 17. Rio de Janeiro: FC Editora,
1977, p. 79-83.
28
elite de técnicos à qual cabia selecionar o que tinha valor, histórico ou artístico. Rui
Mourão
66
comenta a esse respeito:
Casos de interferências realizadas pelo próprio Patrimônio são
poucos, mas significativos das concepções que presidiam o seu
trabalho. Havia uma tendência de se buscar uma
harmonização artificial de algumas edificações com o conjunto,
tentando homogenei-lo em termos de barroco do século XVII,
mesmo quando o prédio em questão era do século XX ou final
do final do XIX.
Lia Motta
67
afirma que até mesmo as obras novas deviam de algum modo se adequar
ao contexto, de forma a “diluir-se” nele. Registra o surgimento do conceito de sítio
urbano, em substituição ao conceito de cidade monumento dos modernistas, isso
somente em finais dos anos 60.
Além disso, só mais tarde volta-se a atenção para o entorno da cidade. Em seu artigo
Ouro Preto, Cidade Ameaçada, de 1977, Rui Mourão
68
chama atenção para as enormes
interferências acontecidas nos espaços antes livres do cenário urbano:
Não fossem as pequenas, mas constantes alterações ocorridas nas
edificações tombadas do núcleo urbano histórico mais adensado,
as enormes interferências acontecidas, em proporção cada vez
maior, nos espaços antes livres do cenário urbano são por si
motivos de preocupação. Num simples golpe de vista, qualquer
visitante leigo, que tenha ido a Ouro Preto, há mais ou menos
10 anos atrás, pode notar o vasto casario que se prolifera em
diversas encostas dos morros que compõem o horizonte de Ouro
Preto. Ainda não totalmente extensos para desfigurar o quadro
geral da cidade, esses casarios crescem, no entanto, e teme-se que
em pouco tempo eles sufoquem a paisagem original e histórica
de Ouro Preto.
Fruto da visão da cidade como conjunto de monumentos isolados, as conseqüências
do tipo de preservação voltado exclusivamente para o monumento refletem-se no
ambiente da cidade, no crescimento desordenado, que se aproveita da falta de atenção
dispensada ao restante não amparado. Até esse momento em Ouro Preto, várias
66
MOURÃO, Rui. Ouro Preto, Cidade Ameaçada. C.J. Arquitetura, 17. Rio de Janeiro: FC Editora,
1977, p. 79-83.
67
MOTTA, Lia. A SPHAN em Ouro Preto. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
n° 22. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, 1987, p. 108.
68
MOURÃO, Rui. Op. Cit.
29
manifestações internacionais haviam se posicionado em direção a outros valores além
do monumento. A esse respeito, atenção especial deve ser dada às Cartas Patrimoniais
surgidas entre 1962 e 1976 (v. anexo à p. 162). Todas introduzem conceitos que levam
para além dos limites do monumento, para o conjunto urbano e, mais ainda, para
além dos limites da cidade.
É interessante notar ainda que, em 1980, Ouro Preto foi inscrita na Lista do
Patrimônio Mundial da UNESCO, como “conjunto arquitetônico e urbanístico”.
Somente mais tarde, em 1986, a cidade foi tombada pelo Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e no Livro
Histórico. Até aquele momento, Ouro Preto tinha somente valor como uma coleção
de objetos (monumentos) de valor artístico. Isso se deve em certa medida ao fato de,
nos tempos iniciais da preservação, ter-se de certa forma abandonado as idéias de
Mário de Andrade. Alaíde Mariani
69
observa que:
Se por um lado, ficava clara a distinção entre a arte popular
(inscrita no Livro de Tombo Arqueológico e Etnográfico) e a
arte erudita (inscritas no Livro das Belas Artes), na prática
ocorrerá uma certa imprecisão na valoração do bem popular
pelo seu valor artístico, com a mesma representatividade
nacional das belas artes. Esta tensão entre o popular e o culto
atravessa a história da instituição Patrimônio, refletindo a
própria inserção dos segmentos populares na configuração do
Estado brasileiro.
(...) A Análise dos processos de tombamento nos primeiros
trinta anos do SPHAN, fase do patrimônio de pedra e cal (que
privilegiou o bem arquitetônico isolado), aponta então para um
obscurecimento oficial do bem de tradição popular, seja o
arquitetônico, seja o móvel. Obscurecimento oficial, uma vez
que quase não nominado, restrito parcimoniosamente às
páginas do livro etnográfico.
Assim, é possível reconhecer, nessa primeira fase, o conceito de patrimônio vigente,
delineado pela práxis, e que mais se coaduna com o conceito de patrimônio histórico,
mais ligado aos conceitos tradicionais de arte e de história.
69
MARIANI, Alaíde. A Memória Popular do Registro do Patrimônio. In TRAVASSOS, Elizabeth (org.).
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília: IPHAN, 1999, p.158, 161.
30
2.3. Os tempos modernos
Ítalo Campofiorito
70
relata que após os anos 60, com a tendência ao esgotamento
daquilo que era digno de se enquadrar na “legítima tradição” – depois do tombamento
de quase tudo o que era “igreja setecentista, situada no Rio, em Minas ou na Bahia”
aliada à busca por respostas para novas questões que não podiam ser respondidas por
aquele modelo, reformularam-se as práticas de preservação no Brasil. Nas palavras de
Campofiorito
71
:
A simples observação de que a média de tombamentos, por
lustro, nestes 39 últimos anos, caiu de 129 (1948/52) para 39
(1978/82), demonstra que o universo de bens culturais em sua
acepção ortodoxa foi sendo esgotado, e justifica a reivindicação
geral dos jovens e líderes comunitários em geral, de uma
abertura dos critérios de valor para a incorporação de outras
formas e de categorias arquitetônicas mais populares, de
conjuntos urbanos mais triviais, de bens espirituais mais
expressivos da criatividade dos segmentos traumatizados da
sociedade brasileira, ou seja, de tudo que foi oficialmente
discriminado, menosprezado e oprimido.
Chegou-se assim à fase moderna
72
, que se desenvolveu no decorrer dos anos 70 e 80 e
que teve como principal característica uma considerável mudança de paradigmas.
Pelos idos de 70, em conseqüência desse esgotamento, simultâneo à demanda por
solução de questões não respondidas pelo modelo vigente, surgiu um pensamento em
certa medida renovador, buscando responder às questões prementes. Campofiorito
73
,
que chamou esse período de “tempos de mudança”, assim descreveu a problemática
que antecedeu e marcou esse período:
Nos anos 70 a preservação do patrimônio cultural brasileiro
transbordou do IPHAN. Desde o início da década anterior,
70
CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do Patrimônio: Notas para um Balanço Crítico. In: Revista
do Brasil. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Ciência e Cultura, s/d.
Disponível em:
http://www.ivt-rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm. Acesso em: 25 ago. 2004.
71
Ibidem.
72
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
O termo fase moderna, bem explicitado na tese de Fonseca, em capítulo intitulado A fase “moderna”,
denomina o segundo período da preservação no Brasil, que sucede a formação do CNRC – Centro
Nacional de Referência Cultural, fundado por Aloísio Magalhães, e que marcou o início de um período de
investigação cultural, em busca de uma identidade que traduzisse legitimamente a cultura brasileira.
73
CAMPOFIORITO, Ítalo. Op. cit.
31
duas problemáticas convergentes predominavam no mundo da
arquitetura e do urbanismo, onde ficara, presa pelo umbigo, a
questão do patrimônio histórico e artístico: a degradação das
cidades, face ao desenvolvimentismo econômico (no Primeiro,
como no Terceiro Mundo); e a perda das identidades nacionais e
regionais diante da dependência neocolonial e da crescente
padronização mundial da paisagem urbana - construída pelos
filhos e netos da Revolução Industrial.
Em seguida, citou algumas Cartas Patrimoniais e assim resumiu a contribuição dada
por elas, como conjunto, na formação do conceito contemporâneo de Patrimônio:
Progressivamente vai surgindo o pensamento contemporâneo
do Patrimônio: valorização dos conjuntos urbanos triviais e
vulgares, porém significativos ainda que de valor não
excepcional; prioridade urbanística para a reabilitação de
centros tradicionais e bairros antigos, como estruturas urbanas
vivas, em constante e desejável mutação física e social;
abandono, pouco a pouco, da estética modernista que, em seu
otimismo progressista, acabara por acumpliciar-se com a
tecnocracia.
Paralela a essas substituições sucessivas de paradigma, em que muda o próprio objeto a
ser mantido, houve a chamada interiorização institucional da preservação: com o
nascimento de diversas instituições municipais protetoras e, com elas, legislações e
práticas municipais, deslocando o eixo da proteção em direção ao município, ao local,
como bem resumiu Campofiorito
74
. O autor apontou, ainda, como pontos
importantes nesse processo, além do “surgimento de órgãos estaduais e municipais de
Patrimônio”, a experiência da Secretaria Estadual de Comércio e Indústria da Bahia,
com “o seu respeitável (e único no país) inventário de preservação, incluindo sítios e
conjuntos”, e a entrada em campo nos anos 80, “além das instituições nacionais, ou da
UNESCO e seus corolários, (...) do setor privado, através de fundações sem fins
lucrativos”. Para Campofiorito, “toda essa hoste profusa pareceu concentrar suas
estratégias no ataque às contradições entre o desenvolvimento urbano e a proteção
dos bens imóveis” (...).
74
CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do Patrimônio: Notas para um Balanço Crítico. In: Revista
do Brasil, Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Ciência e Cultura, s/d.
Disponível em:
http://www.ivt-rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm. Acesso em: 25 ago. 2004.
32
Mudanças significativas começavam a ocorrer no cenário nacional, culminando com a
criação, em 1975, do PCH - Programa de Reconstrução de Cidades Históricas e do
CNRC - Centro Nacional de Referência Cultural. Um pouco mais tarde, em 1978,
Aloísio Magalhães assumiu a direção do IPHAN, conduzindo o Instituto de forma a
dar vazão a todas as manifestações possíveis de cultura popular, registrando,
pesquisando e coletando essas manifestações. Nos núcleos históricos focos de maior
atenção por parte das instâncias superiores, passou-se a trabalhar com um conceito
mais amplo de patrimônio.
Em termos teóricos, o CNRC não lidava com os conceitos de arte e história, mas com
categorias apresentadas como ‘novas’, no sentido de reelaboradas, como a de bem
cultural, de memória, de continuidade, etc.
Conforme Magalhães, a noção de bem cultural opõe-se à de patrimônio histórico, ao
mesmo tempo em que a incorpora. Por esse conceito mais abrangente, bem cultural
incorporou “o bem ecológico, a tecnologia, a arte, o fazer e o saber. Das elites e do
povo também. Da etnia branca e também da negra e indígena. Pois, como gostava de
dizer: ‘a cultura brasileira não é eliminatória, é somatória’ ”
75
.
Sobre o conceito de memória, esse autor a situa em todas as entidades que, ao longo
do tempo, se ocupam da trajetória histórica da nação. Para ele, “a memória nacional,
portanto, não precisa ser procurada. O que precisa ser feito é a dinamização da
memória nacional, é a mobilização dessas informações guardadas para que participem
da vida nacional”
76
.
Relativamente ao conceito de continuidade, afirmou que a cultura de uma sociedade
é avaliada no tempo, sobretudo pela sua continuidade. São modificações, em
constante realimentação, que garantem a sobrevivência da cultura, sem que se perca o
conhecimento e a consciência do passado histórico. Para ele, (...) “pode-se mesmo
dizer que a previsão ou antevisão de uma cultura é diretamente proporcional à
75
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo?. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985, p. 19.
76
Ibidem, p.67.
33
amplitude e profundidade de recuo no tempo, do conhecimento e da consciência do
passado histórico”
77
.
Com o espírito introduzido durante a administração de Aloísio, o campo ficou fértil
para a incorporação à prática no Brasil dos já mencionados conceitos que se
aglutinavam em torno da preservação de monumentos. Nesse contexto foi iniciada a
experiência de revitalizar o conjunto urbano de Olinda.
A respeito da experiência de Olinda, Vera Bosi
78
, em seu artigo Núcleos Históricos,
Recuperação e Revitalização; a experiência de Olinda, relatou que:
Esse projeto, Piloto, corresponde a uma ação experimental,
dentro do Programa de Revitalização de Núcleos Históricos,
que propõe, como premissa básica para sua efetivação, uma
abordagem, a mais próxima possível, da comunidade. É com
respaldo dessa prática que se pretende atingir o objetivo de
preservar o patrimônio cultural brasileiro, com respeito, apoio e
cooperação das populações residentes, num processo conjunto de
planejamento e execução. (...)
A efetivação deste programa dependeu, num primeiro
momento, da criação de uma estrutura de articulação entre
diferentes níveis e setores envolvidos, respaldada pelo estudo
interdisciplinar das questões básicas, que se viabilizasse a partir
do interesse e com o apoio e participação das comunidades. Esta
não tem sido uma prática usual dos diferentes órgãos
envolvidos. Tudo teve que ser iniciado.
Uma das premissas do Programa pareceu centralizar o foco no ser humano. Não mais
a obra de arte era o centro das atenções, mas também as relações sociais, a tecer sua
teia sobre o espaço, agora interessavam algo mais. Ainda no dizer de Vera:
A preservação de um conjunto histórico não se esgota,
simplesmente, no seu reconhecimento e no compromisso de
garantir a sua permanência no decorrer da histórica, enquanto
espaço de viver coletivo. É, a um só tempo, a conservação e a
valorização dos elementos que o compõem como as ruas e becos,
as igrejas e praças, as casas, e acima de tudo, a preservação do
homem com seu viver e suas práticas.
77
Ibidem, p.18.
78
BOSI, Vera. Núcleos Históricos: Recuperação e Revitalização; a experiência de Olinda. In: Revista do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n° 21/1986. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, p. 134-145.
34
Além disso, foi introduzido o conceito de Patrimônio Ambiental Urbano, que
apontava, por exemplo, para o conceito de ambiência
79
, incorporando ainda as
recomendações de Amsterdã
80
, conforme implícito na seguinte afirmação de Lia
Motta
81
:
O conceito de Patrimônio Ambiental Urbano parte do
rompimento com a visão monumentalista da preservação e
propõe um procedimento que incorpora ao monumento isolado
não só o seu entorno imediato como ainda o seu entorno
paisagístico. (...) A inserção de fatores de ordem social,
econômica e política, quando se contempla a moradia e dentro
dela o cidadão e sua problemática, deve provocar reformulação
de critérios e alteração da ordem de prioridades para as
avaliações e procedimentos do processo... Neste processo, a
comunidade é o agente promotor de seu próprio
desenvolvimento.”
Assim, é possível reconhecer, também nessa segunda fase, o conceito de patrimônio
vigente, delineado pela práxis, que mais se coaduna com o conceito inicial de
patrimônio cultural, ainda ligado ao conceito tradicional de arte e de história, porém
tendendo a incorporar os valores da cultura popular.
Esses “novos conceitos, já consolidados, ainda que no âmbito do discurso, foram
incorporados à Constituição de 1988, como que dando uma diretriz a ser perseguida,
um ideal de sociedade. Além disso, recentemente, tivemos a instituição do chamado
patrimônio imaterial
82
, além de inúmeras ações administrativas levadas a efeito pela
Instituição IPHAN e órgãos correlatos, o que continua a indicar a tendência de
grande visibilidade das questões preservacionistas.
Apesar de ser tendência mundial, essa concepção de patrimônio já estava delineada no
projeto tão conceitual de Mário de Andrade. Isso demonstra sua antecipação do
79
UNESCO. Recomendação Relativa à salvaguarda dos Conjuntos Históricos e sua Função na Vida
Contemporânea. Nairóbi: Conferência Geral da UNESCO, 19ª Sessão, 1976. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/nairobi-76.htm. Acesso em: 16 jun. 2004.
80
Ibidem.
81
MOTTA, Lia. A SPHAN em Ouro Preto. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
n° 22. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, 1987, p. 108.
82
BRASIL. Decreto n° 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o programa nacional do patrimônio imaterial
e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 ago. 2000. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 30 jan. 2003.
35
futuro, que certamente contaminou o Decreto-Lei n° 25, quando, mesmo não tendo
tantos reflexos na prática à época, instituiu vários livros de tombo, incluindo matérias
como arqueologia e etnografia.
Há muitos desafios, mesmo institucionais, no campo do Patrimônio Histórico no
Brasil, mas já se podem aí contabilizar muitos avanços, especialmente no que diz
respeito aos conceitos que envolvem a prática. Há ainda o campo da Educação
Patrimonial que, já na visão de Mário, deveria receber especial atenção nas iniciativas
do Poder Público. Nesse sentido existem vários programas e iniciativas por parte do
IPHAN, apontando para uma tendência que parece tornar-se cada vez mais forte e
consolidada.
Neste e no capítulo anterior, foi feito um pequeno apanhado da formação do conceito
de patrimônio, com sua conseqüente influência na prática de preservação no Brasil,
desde alguns antecedentes internacionais até o surgimento do termo patrimônio,
coincidente com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
momento em que o conceito era mais voltado para o objeto de arte, incluindo os de
monumento e monumento histórico, até os conceitos de patrimônio cultural e
natural e, mais recentemente, o avançado conceito de patrimônio imaterial, que na
verdade, numa forma germinal, fora já defendido pelo ante-projeto de lei de Mário de
Andrade.
Nos próximos capítulos, mostrar-se-á como se deu a formação, desde o início da
construção de Brasília
83
, de todo um ideário que culmina na inscrição da cidade como
Patrimônio Mundial, em 1987, o que esta autora reputa ter como marco inicial a
Missão Cruls.
36
Capítulo II - Período de construção do ideário nacional para a interiorização da
Capital (anterior a 1956)
1. As idéias de interiorização
A trajetória de Brasília inicia-se ainda no século XVIII. Politicamente a idéia da
interiorização da capital do País foi defendida por grandes nomes da História
Nacional
84
, tendo entre eles o cartógrafo Tosi Colombina (1750), o Marquês de
Pombal (1761), os líderes da Inconfidência Mineira (1789), o chanceler Veloso de
Oliveira (1810), o governo provisório de São Paulo (1821), José Bonifácio de Andrada
e Silva (1823), o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen (1877) e o padre italiano
Dom Bosco (1883). Todos esses defensores tiveram seus esforços contemplados pela
Constituição de 1891. Daí para cá, a idéia esteve na agenda política do Brasil e no
imaginário da população.
Em 1892, o Presidente Floriano Peixoto instituiu a Comissão Exploradora do
Planalto Central, chefiada pelo astrônomo Luiz Cruls, constituída por cerca de vinte
e dois membros, entre cientistas e práticos. Outros presidentes tiveram iniciativas no
sentido de impulsionar a mudança da capital, como Epitácio Pessoa, com a assinatura
de Decreto Legislativo que previa o início da construção (1917) e o erguimento da
Pedra Fundamental (1922); Getúlio Vargas, com o lançamento da Cruzada Rumo ao
Oeste (1940); o Presidente Eurico Gaspar Dutra, com a instituição da Comissão de
Estudos para a Localização da Nova Capital (1946); Getúlio Vargas, com a instituição
da Quarta Comissão para escolha da futura capital (1953)
85
.
84
SOARES, Dulce (org.). História de Brasília. In Brasília: Guiarquitetura. São Paulo: Editora Empresa
das Artes, 2000, p. 44-73.
85
Ibidem.
37
Fig.1 - Localização do Distrito Federal no Mapa do Brasil e Mapa Rodoviário do Distrito Federal.
A Missão Cruls, realizada de 1892 a 1893, merece destaque pelo trabalho hercúleo que
desempenhou, pela visão que teve ao desincumbir-se da tarefa e pelo fato de ter dado
ao projeto de Lucio Costa a determinante ambiental. A visão privilegiada a partir do
sítio e em direção a ele, o lago artificial, as atrações turísticas em torno do sítio
urbano, todos foram definidos pela Missão, e deles lançou mão com maestria o autor
do projeto, Lucio Costa (fig.1). A Missão, formada por equipe multidisciplinar,
realizou levantamentos topográficos; analisou clima, águas potáveis e materiais de
construção existentes na região; coletou e registrou espécies; observou o regime dos
rios e mediu seu volume; observou as condições de saúde do ambiente e da população;
mediu os percursos entre cidades e vilas existentes; retratou o meio-ambiente das áreas
que percorreu e, muito curiosamente, alertou sobre o perigo das erosões; explicou o
mecanismo das queimadas. Na escolha dos sítios, considerou a paisagem do entorno
urbano, apontando até mesmo prospecções para o lazer dos habitantes da cidade,
relatando também preocupações com a estética
86
.
Feito o minucioso levantamento das condições ambientais da região, a Comissão
Exploradora indicou os quatro vértices do sítio onde seria implantada a capital
federal. Recentemente, após resgatar a experiência da Missão Cruls, cientistas da
Universidade de Brasília classificaram a Missão como o primeiro EIA/RIMA (Estudo
86
CRULS, Luiz. Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, Relatório Cruls, 6
Ed., Brasília: CODEPLAN, 1995.
38
de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental, hoje exigido por lei para a
implantação de qualquer empreendimento urbano) no Brasil.
No próprio relatório Cruls
87
, percebe-se certa resistência por parte dos habitantes do
Rio de Janeiro à mudança da capital. Tanto que o engenheiro relator da Comissão dá-
se ao trabalho de rebater o principal argumento contra a cidade usado à época: o da
distância.
Brasília não veio sem o projeto de interiorização da capital percorrer um longo
processo de construção de idéias que pudessem justificar tamanha empreitada. Todo o
dinheiro a ser gasto na construção da cidade ex niilo, ou do nada, demandaria uma
grande justificativa para que dele se pudesse dispor. Esse ideário, como vimos,
começou a ser construído já no século passado, mas foi tomando força com a
urbanização da população, que ocorreu no Brasil desde as primeiras décadas do século
XX, culminando com a urbanização definitiva na década de 70. A concentração da
população no litoral tornou-se ainda mais contrastante com o esvaziamento das áreas
tradicionalmente rurais. Esse processo estava em franca expansão quando se decidiu
construir Brasília.
2. A campanha de Juscelino e o Grupo de Belo Horizonte: a opção pelo
modernismo
Apesar de tantas ações para a construção da nova Capital, somente em 1955, em
campanha política, um presidente prometeu construir Brasília em seu mandato. Já nos
primeiros dias de sua administração, Juscelino Kubitscheck encaminhou ao Congresso
Nacional a chamada Mensagem de Anápolis, propondo a criação da NOVACAP –
Companhia Urbanizadora da Nova Capital, empresa que seria responsável pela
construção da cidade.
Lúcia Lippi Oliveira
88
não atribui o enfrentamento destemido dessa tarefa por parte
de Juscelino à sua promessa de campanha, nem ao fato de estar esse objetivo já
87
CRULS, Luiz. Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, Relatório Cruls, 6
Ed., Brasília: CODEPLAN, 1995.
88
OLIVEIRA, Lucia Lippi. Sonho Antigo. Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/O_Brasil_de_JK/Sonho_antigo.asp. Acesso em: 24 jun. 2004.
39
previsto constitucionalmente, mas à experiência anterior de Juscelino, na sua Belo
Horizonte, e narra o seguinte:
Em suas memórias, Juscelino relata que um eleitor, num
comício de campanha na cidade de Jataí (GO), indagou se ele
iria, de fato, cumprir a Constituição. Nesse episódio o
candidato foi levado a se comprometer com a transferência da
capital, já que se tratava de um dispositivo constitucional.
Podem ser corretas as lembranças, mas as razões são "fracas".
(...)é necessário antes de mais nada voltar aos anos 40, quando
JK foi prefeito de Belo Horizonte, e observar como teve início
ali a modernização da cidade, com a construção de um novo
bairro, a Pampulha. Juscelino ficou conhecido como o "prefeito-
furacão" pela quantidade e rapidez das obras que fez durante
sua gestão. Foi também em Belo Horizonte que começou sua
associação com Oscar Niemeyer, que iria se repetir em Brasília.
Como se depreende das palavras dessa autora e do próprio desenrolar dos
acontecimentos que antecederam aquela promessa, apesar da idéia de improviso que o
episódio transmite, esse definitivamente não foi o espírito presente na decisão de
construir Brasília, já que o caminho vinha sendo preparado até mesmo em governos
anteriores:
Em 1946 e 1953 novas comissões de localização foram
nomeadas, e a última, no governo Café Filho, passou a ter em
sua presidência o marechal José Pessoa, responsável pelo Serviço
de Documentação Aerofotográfica do Exército. Foi essa
comissão que, contando entre outros com o arquiteto e
urbanista
Affonso Eduardo Reidy, escolheu o local onde deveria
ser instalada a nova capital. Assim, não se pode falar
propriamente em improviso quando
JK decidiu construir
Brasília
89
.
Apesar disso e de Juscelino ter sido sempre lembrado como o construtor de Brasília,
para Vesentini
90
, “o que vai justificar finalmente a possibilidade da construção de uma
cidade no porte de Brasília, é a própria concentração cada vez maior de recursos nas
mãos do Governo Federal, como ocorreu no período”.
89
OLIVEIRA, Lucia Lippi. Sonho Antigo. Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/O_Brasil_de_JK/Sonho_antigo.asp. Acesso em: 24 jun. 200.
90
VESENTINI, Jose William. A Capital da Geopolítica. 4. ed. São Paulo: Ática, 1987, p. 99 apud
IWAKAMI, Luiza Naomi. Espaço Urbano em Brasília e a Trajetória da Resistência Popular na Vila
Paranoá. Tese (mestrado no Departamento de Arquitetura e Urbanismo- UnB). Universidade de Brasília,
Brasília, 1988, p. 44.
40
Para Luiza Naomi Iwakami
91
, “o fato de haver fortalecimento do nível federal,
implicou (...) que a construção de Brasília se desse sob a gerência absoluta do Estado,
sendo ele próprio, contratante de serviços e proprietária das terras (...)”.
Vesentini
92
e Iwakami
93
nos falam também da necessidade que as elites políticas do
Brasil sentiam de isolamento e de distanciamento do clamor popular. A população
tímida de 500 mil habitantes prevista para Brasília nos indica essa tendência, quando
se sabia que a cidade atrairia gente de todo o país, em busca de alívio para a pobreza
sempre existente no Brasil, agravada pelo processo de industrialização, concentração
de renda e urbanização da população. Ainda segundo esses autores, essa forte pressão
por parte das mesmas elites, para interiorizar a capital, vinha reforçada pelos
militares, na nítida intenção de utilizar a localização geográfica como instrumento de
força política, com a chamada geopolítica.
Juscelino havia trabalhado com os modernistas em Belo Horizonte. Sob seu
comando, construiu-se o Conjunto da Pampulha e isso foi, sem dúvida, uma
oportunidade para que o homem de estado entrasse em contato com as idéias
modernistas e para que desde então estivesse, de uma forma ou de outra, vinculado
aos intelectuais da nova arquitetura.
Na verdade, não só o Presidente estava altamente afinado com o urbanismo moderno,
mas o Brasil respirava esse espírito, sempre com o olhar voltado para o que se
produzia entre as vanguardas européias. A escolha do Plano Piloto de Brasília seguiu
também esse curso. Uma vista rápida dos projetos apresentados leva o observador a
perceber essa realidade em pouco tempo: o modernismo parecia ser a única opção
possível naquele contexto.
A opção pelo modernismo viria a ser a semente da necessidade de proteger Brasília.
Ela determinou a forma pela qual a cidade se fez e ao mesmo tempo se conservou.
Uma das justificativas apresentadas para a inscrição de Brasília como patrimônio da
humanidade foi o fato de ser um objeto único, como única cidade construída para ser
91
Ibidem, p. 44
92
Ibidem, p. 53
93
Ibidem, p. 53
41
modernista, a partir do nada. Porém, como foi demonstrado neste trabalho, grande
mérito na construção desta cidade foi o fato de ter ela sido construída a partir do
sonho e do sacrifício de uma nação inteira, dentro de um ideário construído
historicamente. Essa a idéia que transparece também na síntese dos trabalhos do GT-
Brasília, grupo responsável pela elaboração do documento que obteve a inscrição na
Lista do Patrimônio da Humanidade, como se verá adiante.
Todas essas considerações nos servem aqui para mostrar que nesse sentido Brasília não
é a obra de um autor, mas a obra de uma cultura, o que se constitui em um dos
argumentos utilizados para guardá-la para a humanidade, para a presente e as futuras
gerações. E essa visão, como também será apresentado adiante, tem reflexo direto na
forma como se vê o objeto da preservação.
42
Capítulo III - Período inicial de construção e consolidação de Brasília como fato
irreversível (1956 a 1973)
1. As ações políticas de Juscelino visando à mudança da Capital
O período em questão inicia-se com a morte de Getúlio Vargas e as eleições de 1955,
vencidas pelo então candidato Juscelino Kubitschek
94
. Sua ação no governo estava
alicerçada num Plano de Metas que definia cinco prioridades e identificava os pontos
de estrangulamento a serem superados imediatamente, além de uma colossal meta-
síntese: uma nova capital na região central do país.
Como nos relata Soares
95
, em 1956 – após o envio ao Congresso da “chamada
Mensagem de Anápolis, propondo a criação da Companhia Urbanizadora da Nova
Capital (NOVACAP), empresa que seria responsável pela construção da cidade” –
iniciou-se a construção do aeroporto e do Palácio da Alvorada, criou-se a Divisão de
Arquitetura e Urbanismo da NOVACAP, e o Arquiteto Oscar Niemeyer, nomeado
chefe dessa divisão, lançou em seguida à sua criação o edital do concurso público para
a escolha de um Plano Piloto para Brasília. A proposta de Lucio Costa foi escolhida
entre os 26 projetos inscritos no concurso. No último dia do ano, “em homenagem à
profecia de Dom Bosco, [foi] inaugurada uma ermida com seu nome”.
No ano seguinte, após a celebração da primeira missa em Brasília, iniciou-se a
“construção do Plano Piloto de Lucio Costa e dos edifícios projetados por uma equipe
de arquitetos chefiada por Oscar Niemeyer e conduzida com a ajuda de Israel
Pinheiro, presidente da NOVACAP. (...) Começam a chegar os candangos”
96
, que
criaram a Cidade Livre.
Mais um ano e foi fundada a “primeira igreja católica construída em alvenaria em
Brasília”
97
, quando também iniciaram-se as obras de asfaltamento do Plano Piloto,
94
CALDEIRA, Jorge et al. Viagem pela História do Brasil, Companhia das Letras, São Paulo,1997, p.
294.
95
SOARES, Dulce (org.). História de Brasília Cronologia, in Brasília: Guiarquitetura, São Paulo,
Editora Empresa das Artes, 2000, p. 52.
96
Ibidem, p. 52.
97
Ibidem, p. 52.
43
antes mesmo da inauguração da cidade, que ocorreu em 1960, com a instalação dos
três poderes da República.
Nesta data, já estavam concluídos os principais edifícios da
cidade, como o Palácio da Alvorada, o Supremo Tribunal
Federal, o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional, onze
ministérios, o Quartel da 6ª Companhia da Guarda, as granjas
do Ipê, Torto e Tamanduá, o hangar do aeroporto, o Museu de
Brasília, muitos prédios residenciais, escolas, postos de saúde,
escritórios e lojas comerciais. Estavam asfaltados vários trechos
de ruas e avenidas e construídos inúmeros viadutos e passagens
para pedestres, especialmente no Setor Sul. A cidade já estava
integrada ao sistema rodoviário nacional, com a conclusão de
estradas ligando Brasília a Anápolis, Belo Horizonte, São Paulo
e Belém
98
.
Nos anos que se seguiram, foram construídos diversos monumentos e equipamentos
urbanos, de forma a dar continuidade ao processo de construção da cidade. Em
seguida foram inaugurados: a Universidade de Brasília (1962), a Torre de TV (1967), a
Catedral de Brasília (1970) e a primeira etapa do Conjunto Nacional (1971), primeiro
shopping center da cidade.
O enorme contingente de grandes obras públicas promovido por Juscelino ajudou a
criar uma nova imagem do Brasil: um país que ia a passos rápidos em direção ao
futuro, à modernidade. Seu slogan era: 50 anos em 5, e a expressão mais forte desse
slogan era a nova capital. O país foi inundado por uma onda de ufanismo, que se
refletiu na música, na poesia e no comportamento de sua gente – foi nesse clima que
surgiu a Bossa Nova. O processo longo e lento de desenvolvimento era visto como
coisa do passado: agora os brasileiros eram capazes de criar uma nação diferente. Um
novo sentimento marcava a época: o Brasil se orgulhava de que brasileiros agora
geravam, finalmente, novidades para todo o mundo a partir de sua própria cultura. A
conquista da copa do Mundo em 1958 foi especialmente explorada pelo fato de que
tipos bem brasileiros formavam a seleção: Djalma Santos, Didi, Garrincha e Pelé
estavam entre os espécimes da raça genuinamente brasileira a figurarem na seleção
campeã. Representavam um novo Brasil que emergia.
98
SOARES, Dulce (org.). História de Brasília – Cronologia. In Brasília: Guiarquitetura. São Paulo:
Editora Empresa das Artes, 2000, p. 52.
44
No entanto, a política econômica de Juscelino era uma política de endividamento. A
população não estava interessada em conter o governo, sabendo que este construía o
seu tão desejado país novo. Os gastos eram justificados pelo progresso alcançado. Ao
fim de seu mandato, todo o otimismo daquele governo não garantiu a eleição de seu
sucessor.
2. Construção e preservação do Plano Piloto de Lucio Costa caminham de mãos
dadas
Brasília surgiu sob o signo da preservação. Encontramos na legislação correlata
referente ao patrimônio, já em 1960, dispositivo legal protegendo o projeto original.
Conhecida como Lei Santiago Dantas
99
, dispunha sobre a organização administrativa
do Distrito Federal de maneira geral, em seu artigo 1º: “A organização administrativa
do Distrito Federal, a partir da mudança da capital para Brasília, será regulada por esta
lei”, e em seu artigo 38 tratava de possíveis alterações no Plano Piloto: “Qualquer
alteração no Plano Piloto, a que obedece a urbanização de Brasília, depende de
autorização em Lei Federal”.
Data também desse ano o primeiro Código de Obras de Brasília
100
. Silvia Ficher
101
conta que:
O primeiro Código de Obras foi aprovado poucos meses após a
inauguração de Brasília, quando a Novacap ainda detinha
poderes quase absolutos sobre sua gestão urbana. Este Código
reunia regras então em vigor, estendia a aplicabilidade de
decisões especificas a algum projeto ou setor para outras
situações e dava estatuto legal a soluções que vinham sendo
99
BRASIL. Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960. Dispõe sobre a organização administrativa do Distrito
Federal. Diário Oficial da União, 13 abr. 1960, art. 38. Disponível em:
http://iphan.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
100
DISTRITO FEDERAL, Decreto da Prefeitura do Distrito Federal n
o.
7, de 13 de junho de 1960,
Aprova a Consolidação das Normas em vigor para as construções em Brasília apud IPEA. Instrumentos
de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e Rio de Janeiro. Série Gestão do uso do Solo e
Disfunções do Crescimento Urbano, v. 3, Brasília, 2002, p. 71.
101
FICHER, Silvia et al. Os Blocos Residenciais das Superquadras de Brasília. Brasília, Janeiro 2003.
Acesso via correio eletrônico enviado por Silvia Ficher, em: abr. 2005.
45
adotadas, iniciando uma mecânica – presente em todos os
demais códigos – de consolidação e generalização de normas e
de legalização a posteriori de situações de fato. Para o
parcelamento do solo e a locação de edifícios, o Código
introduziu um artifício inédito na legislação urbanística
brasileira em vigor até hoje: a ‘projeção’.
A criação do Parque Nacional de Brasília, pelo Decreto n° 241/61
102
, demonstra
haver também, já no início da construção da cidade, preocupação com o meio
ambiente, na linguagem patrimonial, o Patrimônio Natural
103
.
Em 1961, a UDN – União Democrática Nacional elegeu Jânio Quadros, que pouco
pôde fazer com tantos problemas acumulados, tendo renunciado após governar por
sete meses. A crise política que se seguiu foi temporariamente aplacada com a posse de
João Goulart na presidência, acompanhada por propostas antagônicas vindas de todos
os setores da sociedade, que visavam resolver a questão do endividamento deixado por
Juscelino Kubitscheck.
A posse de João Goulart foi marcada pela oposição aberta dos militares, que
impulsionados pelas medidas impopulares tomadas logo no início daquele governo,
foram se fortalecendo até 1963, quando a idéia do golpe chegou ao seu clímax. Junto
aos militares estavam os técnicos que viam no golpe a possibilidade de impor seus
projetos de desenvolvimento à nação.
O progresso, palavra de ordem entre as elites brasileiras, foi utilizado para justificar o
golpe. A idéia tinha apelo simbólico: havia um Brasil rural que deveria ser substituído
por um Brasil novo e urbano – e era aceita tanto pelos militares como por seus
opositores. Envergonhado de ser um país exótico, o Brasil mal podia esperar para ser
reconhecido como parte da civilização ocidental.
102
BRASIL. Decreto n° 241, de 29 de novembro de 1961. Cria o Parque Nacional de Brasília, no Distrito
Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 30 nov. 1961. Disponível em:
http://www.senado.gov.br. Acesso em: 29 mar. 2005.
103
ASSUNÇÃO, Paulo de. Patrimônio: 50 Palavras. São Paulo: Edições Loyola, 2003.p.13.
“Em 1972 a UNESCO estabeleceu parâmetros para a inclusão de bens culturais na Lista do Patrimônio
Mundial. Entre estes parâmetros estão os seguintes: representar fenômenos naturais singulares e notáveis
ou de beleza natural e estética ímpares; ser exemplo de hábitats naturais que garantam a conservação da
diversidade biológica e/ou abriguem espécies ameaçadas de extinção que sejam de grande valor do ponto
de vista da ciência ou da conservação. Esta pode ser considerada uma definição de bem natural, e mais
ainda, um incremento no conceito de Patrimônio”.
46
Em 1º de abril de 1964, durante as ações do golpe militar, João Goulart tentou
refugiar-se em Brasília, julgando pouco segura sua permanência no Rio. A capital, no
entanto, estava cercada por tropas que impediam a chegada e a saída dos congressistas.
Rádio e televisão, sob censura militar, não transmitiam mensagens do Presidente. O
esquema civil de apoio ao golpe entrava em ação: o presidente do Senado, Auro de
Moura Andrade, convocou o Congresso para votar o impeachment do Presidente, que
viajava para Porto Alegre. O Congresso se reuniu, então, para votar a resolução que
declarava vago o cargo. A resolução, aprovada às 2 horas da manhã do dia 2, investia
Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, na Presidência da República, empossado
interinamente às 3 horas e 45 minutos. Logo desembarcaram tropas de elite para
garanti-lo no poder, consumando-se o golpe. Castelo Branco assumiu definitivamente
como novo Presidente da República e iniciou um período de perseguição a todos os
considerados inimigos do regime.
A primeira medida do governo militar foi um Ato Institucional que promoveu
cassações, inquéritos e exílios. Como programa, procuravam montar um governo
forte para fazer o ‘progresso que a democracia não poderia construir’: recorreram ao
velho arsenal positivista. Embora no início prudentes, mas sabedores de que o país
mudava rapidamente, logo deveriam agir com mais ‘firmeza’.
Naquele mesmo ano, pela Lei n° 4.545/64
104
, foi criado o CAU - Conselho de
Arquitetura e Urbanismo, que teve papel preponderante nas decisões sobre
planejamento urbanístico e sobre as obras arquitetônicas do Plano Piloto e que tinha
como objetivo decidir sobre questões urbanísticas e arquitetônicas:
Art 6º Ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo compete:
a) orientar os planejamentos urbanístico e arquitetônico, com
apoio nos órgãos próprios da Secretaria de Viação e Obras;
b) opinar sôbre (sic) os projetos de urbanismo e arquitetura a
serem executados na área do Plano Pilôto;
c) coordenar iniciativas diretamente relacionadas com o
interesse urbanístico do Distrito Federal;
d) exercer outras atribuições que lhe forem cometidas
104
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 4.545, de 10 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a organização
Administrativa do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial da União, 28 abr. 1960.
Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
47
§ 1º O conselho será presidido pelo Prefeito, que lhe fixará a
composição e as normas de funcionamento.
§ 2º Serão membros natos do Conselho o autor do Plano
Urbanístico de Brasília, o autor do Plano Arquitetônico de
Brasília, e o primeiro Presidente da Companhia Urbanizadora
da Nova Capital do Brasil. (grifo nosso).
Apesar de sua data de criação, o CAU só foi implantado em 1971 e teve seu regimento
constantemente alterado. O Conselho era composto por Secretarias de Estado,
representantes da sociedade, Oscar Niemeyer, Lucio Costa e Israel Pinheiro. Essa
composição imprimiu um caráter bem particular ao Conselho, que passava a ser um
instrumento de controle da construção da capital, constituindo-se numa perspectiva
privilegiada, de onde os autores podiam monitorar a execução de seu projeto. Como
tais, suas palavras, fossem opiniões ou votos, haveriam de pesar, e muito, sobre a
opinião e as decisões do restante dos membros.
Também pela Lei nº. 4.545/64, criou-se a Secretaria de Viação e Obras, que pelo seu
Departamento de Arquitetura e Urbanismo – DAU, elaboraria projetos de
urbanismo e de edifícios públicos. Aí também atuaram os autores do projeto,
complementando-o na medida em que a cidade se construía. A atuação do DAU não
era de planejamento, mas de intervenções pontuais, centralizando também as ações
em relação às cidades-satélite.
Ainda por meio dessa lei, criou-se a Organização Administrativa do Distrito Federal,
lançando as bases do sistema conhecido até hoje: o da divisão por Regiões
Administrativas, o que pode ser considerado como a primeira divisão física do
território do Distrito Federal. Àquela época o sistema contou com oito Regiões
Administrativas: RA I – Brasília, RA II – Gama, RA III – Taguatinga, RA IV –
Brazlândia, RA V – Sobradinho, RA VI – Planaltina, RA VII – Paranoá, RA VIII –
Jardim.
À essa época, o Brasil já podia contar com duas metrópoles, Rio de Janeiro e São
Paulo, onde se concentrava a produção industrial, que desde a década de 30 vinha
avançando rapidamente, mas que continuava dependendo da agricultura, pilar da
pauta de exportações, financiadoras das importações essenciais à industrialização. Era
o Brasil agrário sustentando o Brasil moderno.
48
O processo de urbanização, acelerado desde a década de 30, seguiu seu curso, a
despeito da crise do início da década de 60. O número de brasileiros urbanos passou
de 31%, em 1940, a 45%, em 1960 e, já em 1970, o censo, pela primeira vez, registrou
56% da população como urbana, marcando o predomínio dessa condição no perfil da
população brasileira.
A indústria, desde longo período sob o poder do Estado, era tida como lenta e
atrasada. Essa concepção adequava-se bem ao gosto do novo regime, pois reforçava a
idéia de que se devia esquecer a democracia da qual originara aquele modelo. As ações
nesse sentido vieram rapidamente, com a urgência imposta pela economia, que
apresentava alta inflação e estagnação em relação às três décadas anteriores, quando
experimentou considerável crescimento. Mesmo alegando ser liberais, os novos
dirigentes reforçaram, com seus atos, o poder do Estado: com a diminuição dos
salários e a correção monetária – mecanismo que fazia da inflação fonte de renda para
investidores e Estado – forçaram o Brasil do passado (de pobres e trabalhadores) a
contribuir para o esforço de extinguir a si próprio.
O país reagiu, em 1965, pois os militares haviam mantido as eleições marcadas para
aquele ano e, no entanto foram derrotados acintosamente, sem o apoio da maioria dos
políticos, especialmente no Rio de Janeiro, ponto estratégico para seus planos. O
resultado da eleição enfureceu a ditadura, pois soou como desaprovação ao regime. O
incidente desencadeou o AI-2 – Ato Institucional nº 2, que basicamente transformou
o sistema político em bipartidário, e ordenou uma série de cassações. O futuro de
políticos passou a depender de seu relacionamento com os militares.
A Lei n° 5.027/66
105
aprovou o Código Sanitário do Distrito Federal, que foi “o
primeiro documento elaborado a restringir a instalação de núcleos habitacionais de
qualquer espécie em zonas a montante do lago de Brasília e nas proximidades dos
cursos de água de sua bacia”
106
. O instrumento, além de conter a ocupação da Bacia do
Paranoá, manteve intacto o Plano Piloto e seu entorno, num momento em que as
105
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 5.027, de 14 de junho de 1966. Institui o código Sanitário do Distrito
Federal. Diário Oficial da União de 17 jun. 1966, retificada em 4 jun. 1966. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
106
IPEA. Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e Rio de Janeiro. Série Gestão do
uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano, v. 3, Brasília, 2002, p. 45.
49
pressões por habitação e alojamento da população eram quase insuportáveis para os
dirigentes da cidade. Este passou a ser um obstáculo ambiental transformado em legal,
que impediria por muito tempo a ocupação da bacia do Paranoá e permitiria justificar
os assentamentos humanos para fora e distantes do Plano Piloto.
3. Fortalecimento do ritmo da construção da Cidade sob o Regime Militar
Em 1967, o Presidente Costa e Silva subiu ao poder por eleições indiretas, facultadas
por força do Ato Institucional nº. 5. No mesmo ano foi criado o BNH – Banco
Nacional de Habitação, e no ano seguinte o FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço, cujos recursos eram oficialmente destinados a habitação e acabavam por ser
canalizados para obras públicas e empreiteiras, que basicamente faziam obras de
saneamento.
Enquanto se definia o cenário político e econômico, os militares no poder buscaram
calar a oposição pela força e, como válvula de escape, a cultura demonstrou ser um
dos poucos espaços restantes. Um período de grande criatividade surgiu no teatro, no
cinema, no ensaísmo e, sobretudo, na música popular, tanto na vertente tradicional
como na adaptação de novidades vindas de fora (Jovem Guarda, Cinema Novo).
No mesmo ano, pelo Decreto n° 596/67
107
, aprovou-se o CEB – Código de
Edificações de Brasília, que estabelecia o zoneamento, as normas específicas e gerais
para edificações, o licenciamento, a fiscalização de projetos, a execução de obras
públicas e particulares e, ainda, as normas de posturas. Esse código, apesar de várias
alterações sofridas, consolidadas posteriormente, ainda é referência para a área técnica.
Silvia Ficher
108
lembra que o CEB foi editado durante a ditadura militar, período “em
que as obras de Brasília voltavam a ser tocadas com vigor”, já que este teria sido um
período importante na consolidação de Brasília, em contraste com as administrações
anteriores, dos Presidentes Jânio e João Goulart. Acrescenta ainda que “este Código
permitia uma maior participação de empreendedores privados na configuração do
107
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 596, de 08 de março de 1967. Aprova o Código de Edificações de
Brasília, que com este baixa e dá outras providências.
108
FICHER, Silvia et al. Os Blocos Residenciais das Superquadras de Brasília. Brasília, jan. 2003.
Acesso via correio eletrônico enviado por Silvia Ficher, em: abr. 2005.
50
espaço urbano. Por exemplo, (...) o Código admitia a apresentação de um projeto
urbanístico diferente daquele oficialmente estabelecido, respeitada a ocupação máxima
nele prevista”, o que para a autora significaria uma volta ao Plano Piloto de Lucio
Costa, que não previu uma disposição para as projeções nas superquadras. Silvia faz
menção ainda ao fato de que algumas das normas deste Código “já apresentam
indícios do processo de gentrification do Plano Piloto em geral, e dos blocos
residenciais das superquadras em particular, decorrente da demarcação de um cordon
sanitaire ao redor da cidade”. Para ela, são indicadores dessa gentrification “a exigência
de vestíbulos social e de serviço separados e com elevadores diferentes (...), a proibição
de apartamentos com área inferior a 40m
2
e a obrigatoriedade de entradas social e de
serviço independentes nos apartamentos de mais de 70m
2
”.
A efervescência cultural acirrou-se ainda mais, em meio ao esfriamento político e
econômico do ano seguinte. Com a notícia, vinda de fora, de que, em todos os cantos
do mundo, estudantes construíam uma utopia de liberdade – o oposto do regime de
força em implantação no país – também aqui no Brasil os estudantes, acompanhados
pelos músicos, eram impulsionados a traduzir as contradições vividas. Surgiu assim, a
música de protesto, com os festivais e a presença marcante de Geraldo Vandré, Chico
Buarque, Carlos Lyra e as manifestações de rua, cujo marco foi a realização de uma
passeata de mais de 100 mil pessoas, na sua maioria estudantes.
A política militar era impopular, por favorecer uns poucos privilegiados à custa de
sacrifícios enormes de grande parcela da população. A forma encontrada para calar a
voz dos insatisfeitos era a proibição pura e simples, própria de uma ditadura. No
entanto o protesto, manifestado por meio de greves e passeatas, tornou-se cada vez
mais comum, até a edição do Ato Institucional n° 5 – AI-5. Depois dele, viu-se chegar
ao extremo a ditadura. Em meio à crise, um derrame sofrido pelo presidente pôs no
poder uma junta militar, que, como solução para a onda de manifestos, fez pesar ainda
mais a mão da repressão. Com o AI-5, e a proibição de protestar legalmente no Brasil,
os políticos sobreviventes não podiam sequer fazer discursos inócuos, a imprensa era
censurada e a comunidade acadêmica perseguida. O caminho deixado para os
descontentes foi a luta armada, à qual o governo reagiu prontamente, com grande
51
aparato militar extralegal, tortura e morte. Para os raros que conseguiam sobreviver
para exilar-se, eram negados os passaportes.
Pelo Decreto nº 771/68
109
foi criada a Reserva Biológica de Águas Emendadas. Nessa
Estação Ecológica ocorre o encontro das duas maiores bacias hidrográficas sul-
americanas: a Amazônica e a Platina, que se interligam numa nascente comum,
caracterizando um fenômeno raro. A ocupação, tanto urbana como rural, das
proximidades da reserva, constitui constante ameaça de erosões, pela lixiviação do
solo.
Tendo esse cenário nacional como fundo, o Distrito Federal passou a ser dirigido por
governadores nomeados pelo Presidente da República, ouvido o Senado Federal,
conforme dispôs a Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969. O
primeiro governador do Distrito Federal, após a referida Emenda, foi Hélio Prates da
Silveira, que governou de 1969 a 1974.
O Código de Edificações das Cidades-satélite, aprovado pelo Decreto nº 944/69
110
, foi
durante vários anos o documento básico utilizado pelas equipes técnicas e
profissionais liberais para elaboração, análise e aprovação de projetos. Foi sendo
atualizado por decretos anexados e mais tarde substituído pelo Código de Obras
único para todo o Distrito Federal. É interessante notar que até então vigoraram dois
pesos e duas medidas para aprovação de projetos nas cidades-satélite e no Plano Piloto,
o que a priori, não veio a ter importância em si, exceto pelo fato de dar margem a que
as regras fossem sendo aplicadas e interpretadas conforme as circunstâncias. As
condições de aprovação podiam ser mais rígidas para o Plano Piloto, enquanto que
para as cidades-satélite, poderiam ser aplicadas e alteradas com maior flexibilidade, na
medida em que o interesse em manter preservado o Plano Piloto sempre foi uma
prioridade.
109
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 771, de 12 de agosto de 1968. Cria a Reserva Biológica de “Águas
Emendadas”, e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal. Disponível em Governo do
Distrito Federal, Legislação do Distrito Federal 1960-1970, v. VI (1968). Brasília – Brasil, 1971.
110
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 944, de 14 de fevereiro de 1969. Aprova o Código de Edificações
das Cidades-satélite. Diário Oficial do Distrito Federal de 20 fev.1969 – Suplemento apud IPEA.
Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e Rio de Janeiro, Série Gestão do uso do
Solo e Disfunções do Crescimento Urbano, Vol. 3, Brasília: IPEA, 2001, p.70.
52
O presidente Emílio Garrastazu Médici sucedeu o general Costa e Silva, em 1969,
para entrar para a história como o governo mais repressivo jamais visto no Brasil. Em
1970 a ditadura divulgava, além do ufanismo pelo futebol, números que apontavam
para conquistas no campo econômico. O governo conseguira um considerável
aumento de seus recursos, por meio dos quais faria avançar a estatização. Obras
faraônicas e inúteis eram feitas com dinheiro obtido da população, pelo pagamento de
impostos, e o que não era assim empregado, era emprestado aos amigos do regime.
Assim foi o “milagre econômico”: prosperidade para poucos, levando à deterioração
do perfil da renda nacional. O controle dos meios de comunicação permitia explorar a
opinião pública e, naquele ano, a ditadura obteve sua primeira vitória política: por
eleição indireta, e manipulada, alcançou-se a maioria no Congresso, então reaberto.
O Brasil tornou-se tri-campeão na Copa do Mundo de 70, o que foi politicamente
explorado até o limite, e ainda nesse ano construiu-se a Transamazônica, numa clara
demonstração de falta de controle das ações no que tange à sua exeqüibilidade e
economicidade: em menos de uma década, a floresta retomou boa parte da estrada.
No cenário internacional, uma crise se avizinhava, anunciando dificuldades. O novo
general-presidente pouco deu importância a ela e continuou aceleradamente o
programa dos que o antecederam no governo, gastando livremente nos projetos mais
variados: petroquímica, energia nuclear, telefonia, siderurgia. A economia brasileira
era dominada pelo Estado como nunca antes o fora; os favores eram multiplicados
para uns poucos beneficiados. A poupança interna já não podia arcar com tanto
subsídio, para tanto dinheiro emprestado, e começaram os empréstimos no exterior e
as dívidas. A Crise do Petróleo - que consistiu basicamente no aumento deliberado do
preço do Petróleo a partir de uma associação entre os principais produtores mundiais
– também mudou o cenário mundial, com conseqüências para o Brasil: a dívida
externa, contraída em dólar, era corrigida praticamente tendo o petróleo como
indexador e se multiplicava vertiginosamente.
O PLANIDRO – Plano Diretor de Água, Esgoto e Controle da Poluição do Distrito
Federal, instrumento que recomendava a não-ocupação dos espaços livres localizados
na bacia do Paranoá, estabelecia um limiar populacional para essa área e definia um
53
zoneamento sanitário para o Distrito Federal (DF). Essa premissa tornou-se básica
para o planejamento e o uso do solo no DF, assim como influenciou sobremaneira a
elaboração de planos posteriores, tornando o PLANIDRO um marco quanto ao uso e
à ocupação do solo no território. O estudo consolidou o Anel Sanitário de Brasília,
definido pela Estrada Parque Contorno (EPCT), assentada exatamente sobre os
divisores de água que limitam a Bacia do Paranoá.
A partir deste instrumento, iniciaram-se as preocupações com o planejamento e,
conseqüentemente, com a elaboração de um plano diretor para Brasília, diante da
perspectiva da limitação dos recursos hídricos no Distrito Federal. Essa visão teve
enorme influência na segregação espacial das novas cidades-satélite e o critério
ordenador foi o afastamento das populações para fora da bacia do Lago Paranoá. O
PLANIDRO foi um marco na elaboração de todos os planos que o sucederam, no
entanto, fatores diversos romperiam com a lógica nele defendida.
A criação da TERRACAP – Companhia Imobiliária de Brasília, em 1972, a partir de
um desmembramento das funções da NOVACAP, pela Lei n° 5.861/72
111
, foi na
verdade uma cisão da NOVACAP, que a partir de então teria apenas o encargo da
execução de obras e serviços de urbanização, enquanto que a nova Companhia
assumiria o encargo de execução das atividades imobiliárias de interesse do Distrito
Federal. A TERRACAP sempre andou à larga do processo de planejamento
territorial, habitacional, ou de qualquer projeto de governo, agindo como ente
comum do mercado de imóveis, especulando, sobrevalorizando os terrenos e, mais
ainda, beneficiando o capital. Ao contrário do que se desejava, o Estado todo-
poderoso nas questões fundiárias em Brasília acabou por potencializar os efeitos
nefastos do poder do capital e da propriedade individual sobre o desenho da cidade.
4. Balanço do período e seus reflexos na preservação da cidade
111
DISTRITO FEDERAL Lei n° 5.861 de 12 de dezembro de 1972. Autoriza o desmembramento da
Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP, mediante alteração de seu objeto e
constituição da Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP – e dá outras providências. Diário
Oficial da União de 13 de dezembro de 1972. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em:
11.03.2005.
54
O período que vai de 1956 a 1973, em Brasília, teve como característica o
“desbravamento do território e implantação de cidades”
112
. Foi marcado mais por
pragmatismo, autoritarismo e voluntarismo, que por planejamento. Os problemas
eram resolvidos na medida em que apareciam. Nesse momento, o objetivo que
preponderava bem acima de todos os outros era criar a Nova Capital do país como
fato irreversível. Brasília era o grande empreendimento em que a ação estatal era
soberana. O Estado era o planejador, o promotor, o construtor, o financiador e o
proprietário do solo, fosse ele urbano ou rural, e figurava como o agente absoluto do
processo de urbanização. O fato de o Poder Público deter a terra urbana gerou a
expectativa de que este atuaria como forte e decisivo agente do mercado imobiliário,
tendo condições de determinar o rumo e a velocidade do processo de crescimento
urbano, controlando as forças do mercado imobiliário; quando de fato, esse poder
causou impactos profundos, mas nem sempre positivos, na estrutura espacial, social e
econômica da Cidade.
Ademais disso, a propriedade privada não foi totalmente excluída do quadrilátero do
Distrito Federal, o que resultou na existência, até os dias de hoje, de terras de várias
naturezas (públicas, em vias de desapropriação, particulares e dasapropriadas em
comum), criando situações conflituosas e até mesmo grandes querelas judiciais.
Ainda nesse período, identificaram-se dois vetores de crescimento: a construção do
Plano Piloto, cidade administrativa destinada a funcionários públicos, e ao mesmo
tempo oferta, por parte da NOVACAP – Companhia Urbanizadora da Nova
Capital, de novas localidades para fora do Plano Piloto: Sobradinho, Gama, Guará,
Taguatinga e Ceilândia, nessa ordem.
As novas cidades assentavam, de forma emergencial, a população migrante, atraída
para Brasília pelo trabalho na construção civil, para ocupar acampamentos (que
deveriam ser posteriormente desmontados), vilas e invasões. Havia ainda os
funcionários públicos que não estavam previstos como moradores do Plano Piloto.
112
IPEA. Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e Rio de Janeiro, Série Gestão do
uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano, Vol. 3, Brasília: IPEA, 2001, p. 45.
55
Os investimentos, obviamente, foram carreados para a construção do Plano Piloto,
enquanto essas novas cidades foram relegadas a um segundo plano.
Os governos nesse período, exercidos por prefeitos, eram curtos: o próprio Israel
Pinheiro, primeiro deles, depois de participar da construção da cidade, governou
oficialmente Brasília por nove meses (de abril de 1960 a janeiro de 1961). Os que o
seguiram, quatro deles apenas no ano de 1961, governaram durante pouco tempo:
Bayard Lucas de Lima (01/02 a 06/02/1961), Paulo de Tarso Santos (06/02 a
25/09/1961), Diogo Lordello de Mello (25/09 a 12/10/1961) e Ângelo Dario Rizzi
(12/10 a 06/11/1961). Em seguida vieram José Sette Câmara Filho (de novembro de
1961 a agosto de 1962), Ivo de Magalhães (1962 a 1964), Ivan de Souza Mendes (de
abril a maio de 1964), Plínio Reis de Catanhede Almeida (1964 a 1967) e Wadjô da
Costa Gomide (1967 a 1969).
113
113
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Titulares do Governo Estadual – Distrito Federal. Disponível
em:
https://www.planalto.gov.br/Infger_07/governadores/GOV-DF.htm. Acesso em: 09 mar. 2005.
56
Fig.2 - Plano Piloto de Lucio Costa.
Fig.2.1 - Programa das solenidades da inauguração oficial de Brasília.
57
Levando-se em consideração o longo período em que esteve em construção, chama
atenção o fato de as principais características do Plano Piloto de Lucio Costa
permanecerem e se consolidarem, mesmo em face de várias “alterações na concepção
original”
114
(fig.2 e fig.2.1). Brasília é fiel ao Plano Piloto de Lucio Costa numa medida
muito maior do que aquela esperada de uma cidade ainda em fase de construção, após
quarenta e cinco anos de existência. Muitos tentam encontrar as respostas para essa
questão, e todos, a seu modo, têm razão, já que uma série de circunstâncias concorreu
para isso. Algumas das características do processo de ocupação do território no DF
podem facilmente ser apontadas como as causas desse fenômeno. Carpintero
115
chama
atenção para o fato de o caráter piloto do Plano Piloto de Brasília ter sido
abandonado logo em seguida pelos executores da cidade, que passaram a encará-lo
como regra absoluta.
Outrossim, a implantação da cidade coaduna-se perfeitamente com o sítio escolhido.
A contemplação da paisagem está sempre prevista na promenade arquitetônica: andar
pelo Plano Piloto é contemplar o cerrado e andar pelo cerrado em torno dele é
contemplar o Plano Piloto. Carpintero conta que em seus estudos:
(...) A busca de outras raízes teóricas do plano [além da Carta
de Atenas] nos levam ao estudo de dois antecedentes projetuais
básicos: o edital do concurso e a morfologia do terreno, a
condição original do sítio urbano. A constatação foi imediata: o
plano piloto proposto por Lucio Costa era o único que
respondia tanto ao problema colocado pela comissão
organizadora, bem como à morfologia do sítio. (...) A cidade
nasceu pronta, do terreno, através da sensibilidade de Lucio
Costa, que apenas lhe conferiu os valores simbólicos de nossa
sociedade e nossa cultura.(...) De fato, Costa toma em
consideração todos os elementos do sítio, deles tirando partido.
A monumentalidade que pretende de sua cidade-capital define-
se pelo lugar, não pela ostentação
116
.
114
CARPINTERO, Antonio Carlos Cabral. Brasília: Prática e Teoria Urbanística no Brasil, 1956 –
1998. Tese (doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998, p.173.
115
Ibidem, p. 114.
116
Ibidem, p. 64.
58
Para dar o caráter monumental à Esplanada, Lucio Costa valeu-se de grandes
movimentos de terra para formar diferentes platôs. O arquiteto descreveu uma das
coisas que diz agradar-lhe na Cidade:
(...) me comove particularmente o partido adotado de se
localizar a sede dos três poderes fundamentais não no centro do
núcleo urbano, mas na sua extremidade, sobre um terrapleno
triangular como palma de mão que se abrisse além do braço
estendido da esplanada, onde se alinham os ministérios, porque
assim sobrelevados e tratados com dignidade e apuro
arquitetônicos em contraste com a natureza agreste
circunvizinha, eles se oferecem simbolicamente ao povo (...)
117
.
Aí também está engendrada a contemplação da natureza, a cidade como objeto que
contempla e é contemplado desde a natureza agreste. (fig.3).
117
COSTA, Lucio. Saudação aos Críticos de Arte 1959. In: Lucio Costa - Registro de Uma Vivência,
São Paulo: Empresa das Artes, 1995, p. 298-299.
59
Fig.3 - Foto aérea de Brasília, a partir da torre de TV, em direção à orla do Lago Paranoá, datada
aproximadamente de 2000.
60
Ainda do mesmo período remontam dois tombamentos de monumentos isolados
realizados em nível nacional: o Catetinho
118
e a Catedral Metropolitana
119
, da qual
Lucio Costa, quando consultado no IPHAN, desaconselhou o tombamento
120
. Mais
tarde, novamente consultado sobre o mesmo tema, o Urbanista se curva
121
.
Durante os anos que se sucederam, a disposição de manter inalterada a proposta de
Lucio Costa continuou sendo defendida por intelectuais, principalmente os arquitetos
responsáveis pela construção da cidade, apesar de encontrar oposição, especialmente
por parte da indústria da construção. Esse “duelo” se mostra bem patente em artigo
publicado pela revista Acrópole, por ocasião do aniversário de 10 anos de Brasília,
intitulado O Urbanista Defende a sua Capital. O artigo abre a revista com o
depoimento de Costa
122
, retratando uma verdadeira defesa do seu projeto, além de
externar a insatisfação do autor com as “contradições fundamentais”, que ele atribuiu
ao próprio país e aos “problemas de ordem política, econômica e social”. No artigo
seguinte ao de Costa, intitulado Brasília 70, Niemeyer
123
prometeu fazer “uma análise
resumida de nossas atividades nesses dez anos de existência”. Nele também, em termos
mais diretos, externou sua principal preocupação já nos primeiros tempos de Brasília,
afirmando: “na defesa de Brasília continuávamos imperturbáveis, (…) impedindo que
118
Tombado em 21 de julho de 1959, o Catetinho foi inscrito sob o número 329, no Livro Histórico.
Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/ans.net/ (página do IPHAN). Acesso em: 11 mar. 2005.
O catetinho, localizado na Fazenda do Gama, foi o primeiro edifício construído em Brasília, foi projetado
por Oscar Niemeyer, e teve como destinação abrigar o Presidente Juscelino, e eventualmente, hospedar
seus ilustres visitantes.
119
Tombada em 1º de junho de 1967, a Catedral Metropolitana foi inscrita sob o número 485-A no Livro
de Belas Artes. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/ans.net/ (página do IPHAN). Acesso em: 02 abr.
2004.
120
PESSÔA, José (org.). Lucio Costa: Documentos de Trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN, 1999, p. 183-
184.
“Tratando-se de uma igreja ainda em construção, não vejo como inscrevê-la no Livro do Tombo Histórico
ou Artístico, pois não se pode antecipar o juízo póstero a ponto de tombar a coisa antes de ele sequer
existir. Seria a inversão completa da ordem natural do processamento que a lei prevê. A anomalia avulta
quando se constata que a finalidade do artifício é permitir a contribuição ilegal do governo, em dinheiro,
para a conclusão da obra da catedral” (parecer de 1962).
121
Ibidem, p. 212.
“À vista do precedente tombamento do parque inacabado do Flamengo, e por se tratar de iniciativa do
prefeito Wadjô Gomide (embora na sua simples qualidade de cidadão residente), encaminhada com a
aquiescência prévia do arcebispo Metropolitano Dom José Newton, e para ser levada adiante com a
assistência experimentada do benemérito embaixador Wladimir Murtinho, só me cabe agora ir ao
encontro de tão elevada e feliz conjugação de propósitos, digna da obra a ser concluída e preservada e do
espírito de Brasília.” (parecer de 1967).
122
COSTA, Lucio. O Urbanista Defende a Sua Capital. In Acrópole, nº 375/76, jul./ago. 1970, p. 7-8.
123
NIEMEYER, Oscar, Brasília 70. In Acrópole, nº 375/76, jul./ago., 1970, p.10-11.
61
o interesse individual e o lucro imobiliário interferissem nos regulamentos
estabelecidos”. Esses artigos serão analisados mais adiante.
A busca por uma execução fiel do Plano Piloto acabou por antecipar a configuração
esparsa e polinucleada do espaço urbano de Brasília, já que as cidades-satélite surgiram
mais cedo do que o previsto, antes mesmo de o Plano Piloto estar construído e
ocupado. Essa antecipação se deu pela necessidade de liberá-lo das pressões por
moradia por parte das classes menos abastadas, contrariando a idéia inicial, mais tarde
explicada por Lucio Costa
124
de que essas cidades somente viriam a acontecer mais
tarde, depois da ocupação total do Plano Piloto, mas foi também reiterada pelo autor
a necessidade de afastar a ocupação do espaço entre essas cidades e o Plano Piloto,
através da formação de um cinturão verde
125
. A situação foi agravada pela falta de
definição de onde e como seriam tais cidades-satélite previstas no Plano original.
124
COSTA, Lucio Considerações em Torno do Plano Piloto de Brasília. In: SENADO FEDERAL. I
Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília: Estudos e Debates, Brasília, 1974, p. 25-
26.
O Relatório do Plano Piloto de Brasília não faz menção à criação de cidades-satélite, exceto pela
afirmação de que “a concepção urbanística da cidade propriamente dita (...) não será uma decorrência do
planejamento regional, mas a causa dele: a sua fundação é que dará ensejo ao ulterior desenvolvimento
planejado da região”. Esta afirmação, no entanto, foi mais tarde interpretada por Lucio Costa da seguinte
maneira em Seminário destinado a discutir os problemas da cidade, quando o urbanista afirma que “(...) o
Plano Piloto estabeleceu que o desenvolvimento regional seria (ao contrário da norma) decorrência da
implantação da Cidade. Normalmente, é o inverso: mas no caso de Brasília, pelas circunstâncias, foi
exatamente o contrário. O Crescimento da Cidade é que ocorreu de forma anômala. Houve a inversão que
todos conhecem, porque o Plano estabelecido era para que Brasília se mantivesse dentro dos limites para
os quais foi planejada, de 500 a 700 mil habitantes. Ao aproximar-se destes limites, então, é que seriam
planejadas as cidades-satélite para que se expandissem ordenadamente, racionalmente projetadas,
arquitetonicamente definidas. Este era o Plano proposto. Mas ocorreu a inversão, porque a população a
que nos referimos [os candangos que aqui vieram para ajudar a construir a cidade], aqui ficou, e surgiu o
problema de onde localizá-la.”
125
COSTA, Lucio Considerações em Torno do Plano Piloto de Brasília. In: SENADO FEDERAL. I
Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília: Estudos e Debates, Brasília, 1974, p. 25-
26.
Em seminário realizado em 1974, o urbanista assim se refere à ocupação para fora do Plano Piloto:
“Assim as Cidades-satélites se anteciparam à cidade inconclusa, cidade ainda arquipélago, como estava –
agora mais adensada mas ainda não concluída.
A cidade ainda está oca. Entretanto, dois terços da
população de Brasília moram nessa periferia, o que foi, naturalmente, desvirtuamento. Todavia não
implica em reformulação do Plano Piloto, que tem características próprias e deve ser mantido. Precisamos
é prever áreas adequadas para a expansão da Cidade, de forma a impedir – isto é fundamental – que ela se
faça ao longo das vias de conexão com as denominadas Cidades-Satélites, emendando tais núcleos à
matriz, ao chamado Plano Piloto, o que seria desastre. De todos os modos, tem de ser evitado. A
proposição racional que o Seminário, com certeza, vai considerar, é a de
criar dois anéis em volta do
núcleo piloto propriamente dito, entre a matriz – Brasília propriamente dita – e as Cidades-Satélites. São
áreas que deveriam ser estimuladas para as atividades agrícolas. É a única maneira – porque são áreas de
cultura – de evitar-se a ocupação indevida, com atividades de outra natureza que, aos poucos tende à
criação de subúrbio.
Assim se propiciam condições para que as granjas se instalem nesse anel, nas
vertentes internas de Brasília. Com isso, existiriam os meios para que as atividades industriais
62
Luiza Naomi Iwakami
126
ressalta que o Estado monopolizou a propriedade das terras,
podendo dar a elas o fim que desejasse. Francisco Oliveira
127
afirma que “em torno de
Brasília há uma alta e intransponível muralha, invisível, mas seguramente mais sólida
que qualquer das muralhas do medievo”, estando a expressão medievo associada à
estratificação espacial em Brasília, onde a burocracia governamental vive, isolando-se
da população mais pobre, afastando para longe de si todos os inconvenientes dessa
proximidade com aquilo que lhe é alheio. Fazendo uma inferência, baseada nessa
afirmação, poderíamos concluir que mudar o espaço em Brasília, além de afetá-lo
simbolicamente, seria ameaçar de morte o status quo da elite burocrática e que, em
razão disso, esse espaço foi sempre tão zelosamente mantido. Daí que preservar o
Plano Piloto de Brasília não é só uma questão de resguardar a obra de um artista ou a
obra de uma cultura, mas de manter o status quo de uma classe de indivíduos que
desde o início pretendeu protegê-lo.
Portanto, não é somente no espaço do Plano Piloto de Brasília que se manifestam as
mais fortes contradições – que se traduzem em demonstrações de poder – senão
também no espaço que o Plano Piloto cria em torno de si. Brasília, ao mesmo tempo
em que se constrói imponente, no Planalto, constrói uma das mais duras realidades
suburbanas do Brasil. O trabalhador de Brasília, quando volta para casa, vê imensos
espaços vazios: na mesma medida em que se lhe nega o direito à cidade, deixam-se
ociosas imensas faixas de terra, que permanecem improdutivas, à espera da valorização
imobiliária. Destarte, vários autores denunciam essa realidade e quase unanimemente
ressaltam que, antes mesmo de seu término, Brasília já inaugurava várias cidades-
satélite, com o objetivo explícito de afastar do Plano Piloto a população de baixa
renda.
compatíveis com o Distrito Federal – que são muitos, se instalem além desse anel das Cidades-Satélites.
Essa populações, em vez de ficarem em função do centro da matriz, seriam afastadas para a periferia, por
uma força centrífuga, para que, com o tempo, vivam mais em função das atividades industriais ou da
atividade rural do cinturão interno.(grifos nossos)
126
IWAKAMI, Luiza Naomi. Espaço Urbano em Brasília e a Trajetória da Resistência Popular na
Vila Paranoá. Tese (Mestrado), Departamento de Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 1988.
127
OLIVEIRA, Francisco de. Brasília ou a Utopia Intramuros. In: O Banquete e o Sonho: Ensaios sobre
a Economia Brasileira. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1976, apud IWAKAMI, Luiza Naomi. Espaço
Urbano em Brasília e a Trajetória da Resistência Popular na Vila Paranoá. Tese (Mestrado),
Departamento de Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 1988, p. 49.
63
Daí, talvez, resulte o fato de o Plano Piloto não ter até hoje alcançado o contingente
populacional previsto no edital do concurso: sua população atual beira os 200 mil
habitantes, bem longe dos 500 mil originalmente previstos.
Os instrumentos para a proteção de Brasília foram sendo criados gradativa e
individualmente, durante a construção e, ao mesmo tempo, foram fortalecendo-se
mutuamente, formando uma rede de proteção ao Plano Piloto de Lucio Costa.
É interessante notar que Brasília respira esse espírito de preservação, o que fica bem
claro em todas as áreas: a proteção do patrimônio natural, com a criação do Parque
Nacional de Brasília (1961) e da Reserva Biológica de Águas Emendadas (1968), além
do Código Sanitário (1966), que previu um anel sanitário em torno do Plano Piloto e
do PLANIDRO (1970), que leva ainda mais adiante a premissa do anel sanitário. A
preocupação em relação à manutenção urbanística e arquitetônica da proposta do
Plano Piloto vem com a Lei Santiago Dantas (1960), por meio da qual o Plano Piloto
ficou protegido contra qualquer alteração; com o Código de Edificações das Cidades-
satélite (1969), em contrapartida ao Código de Edificações do Plano Piloto (1967),
numa clara demonstração de que se trataria de duas realidades totalmente diferentes,
desde o início; com a divisão por regiões (1964), que, se por um lado resolveu dar
certa atenção às cidades-satélite, por outro demonstrou mais uma vez que haveria um
reforço, uma opção pela cisão do espaço territorial do Distrito Federal, sempre no
intuito de resguardar o Plano Piloto; com a criação do Conselho de Arquitetura e
Urbanismo – CAU (1964), uma das demonstrações mais fortes de que esse era, desde
o princípio, o destino de Brasília: ser mantida como o Plano Piloto de Lucio Costa. A
criação da TERRACAP (1972), como uma agência imobiliária, trouxe para esse
contexto o viés da valorização imobiliária, assinalando de uma vez para sempre que
Brasília seria reservada para o capital, com a chancela todo-poderosa do Estado.
Os já citados artigos de Lucio Costa (O urbanista defende a sua capital) e Oscar
Niemeyer (Brasília 70) demonstram o compromisso dos arquitetos com Brasília e seu
empenho, desde o começo, em fazer executar o Plano Piloto.
Lucio Costa afirmou que Brasília é “o coroamento de um grande esforço coletivo
como parte de nosso desenvolvimento nacional, que os brasileiros, apesar de sua
64
reputação de indolência”, construíram em três anos e que, se “foi construída num
prazo tão extraordinariamente curto, foi precisamente para assegurar a sua
irreversibilidade”. Afirmou ainda que Brasília estaria a “provar sua boa constituição”,
por ter podido “resistir, em dez anos de existência, a seis presidentes, a uma dezena de
prefeitos e a acontecimentos imprevistos, de ordem política e militar”.
Reconheceu haver problemas em Brasília ao afirmar ser natural “que Brasília tenha os
seus problemas que são, no fundo, contradições e os problemas inerentes ao próprio
país”, enumerando questões como o desenvolvimento não integrado, a economia
agrária escravagista, a industrialização tardia e não planificada, que deixaram “a marca
do pauperismo”, para finalmente afirmar que “a simples mudança da capital não teria
podido, com efeito, resolver estas contradições fundamentais (...)”.
Reafirmou, a despeito das dificuldades, as qualidades da cidade, das quais enumerou
diversas, e mais uma vez falou das três escalas (naquele momento, ainda eram três, às
quais mais tarde foi acrescentada a escala bucólica), descrevendo-as e defendendo a
complementação do tão caro centro urbano até hoje não construído e o cercamento
das quadras com densas massas arbóreas. Lucio Costa afirmou ainda que:
(...) a despreocupação com os tabus e a indiferença em relação
aos “modismos” permitiram integrar os velhos princípios do
CIAM e a grata recordação das bonitas perspectivas de Paris,
sabiamente entrecruzadas, num todo articulado
organicamente, e por fim, que normalmente, urbanizar é criar
as condições para que a cidade venha a ser – nisso intervindo o
tempo e o elemento surpresa; enquanto em Brasília se tratava de
tomar posse do local e de lhe impor à maneira dos
conquistadores ou de Luís XIV – uma estrutura urbana capaz
de permitir, em prazo relativamente curto, a instalação de uma
capital.
E terminou afirmando que a cidade fez a paisagem, ao contrário do que acontece
normalmente, que é a paisagem fazer a cidade.
65
Já Oscar Niemeyer
128
, adiantou que seu depoimento não seria sobre Brasília, em sua
arquitetura,
(...) mas uma análise resumida de nossas atividades nesses seus
dez anos de existência. (...) lembrarei como a Brasília nos
dedicamos nesses longos anos de trabalho, como tudo deixamos
para atendê-la, sem pesar desconfortos e sacrifícios, integrados
na sua luta e nos seus objetivos(...).Brasília surgiu branca e
civilizada, (...) impondo-se no mundo do urbanismo e da
arquitetura.(...) lembrarei como depois Brasília nos
decepcionou, mostrando com suas misérias e contrastes nada de
novo ter acrescentado às outras cidades deste país; que nossos
irmãos operários, que para ela acorreram como se a terra da
promissão os convocasse, continuavam pobres, pobres e
desesperançados.
Niemeyer falou da rejeição e das reclamações dispensadas pelos mais ricos a Brasília,
quando aqui chegaram, e também da fixação da cidade, da depuração feita pela partida
daqueles que a detestavam e da adaptação dos que ficavam. No entanto observou que:
o ímpeto inicial se diluíra. Faltava o entusiasmo de JK, a
prioridade que dava à nova capital, e nossas tarefas se
reduziram, limitadas pelos programas diferentes que o governo
estabelecia. [Afirmou ainda que], na defesa de Brasília
continuávamos imperturbáveis, examinando plantas, propondo
alterações de fachadas elaborando no CAU - Coordenação de
Arquitetura e Urbanismo e no DUA – Departamento de
Arquitetura e Urbanismo, todos os projetos governamentais,
impedindo que o interesse individual e o lucro imobiliário
interferissem nos regulamentos estabelecidos.
E acrescentou: “nossos contatos com sucessivas administrações (Prefeitura e
NOVACAP) foram sempre cordiais e todos os prefeitos, desde Israel pinheiro a
Wadjo Gomide, nos dispensaram apoio e confiança (...)”.
Contou ainda que depois da revolução militar, houve várias divergências, inclusive
quanto a mudança nos procedimentos para contratação de obras, no regime de
concorrências, como também as ingerências no CAU.
128
NIEMEYER, Oscar, Brasília 70, In: Acrópole, nº 375/76, jul./ago. 1970, p.10-11.
66
Para exemplificar o empenho dispensado em defender Brasília, contou também que
“iniciamos a ação popular contra a Diretoria de Engenharia e Aeronáutica e quando
nosso advogado avisou-nos que ela teria que ser também contra a prefeitura da qual
somos funcionários, logo respondi: ‘Pode prosseguir’”.
Expressões como “estávamos sozinhos” e “cumpríamos o nosso dever, o resto não
interessava”, ou ainda: “apesar da confiança que nos dispensavam, sentíamos qualquer
coisa oculta hostilizar-nos”, deram a entender que se enfrentava um ambiente adverso
e hostil.
Falou das batalhas travadas contra o interesse individual e o lucro imobiliário e
afirmou que “nos hostilizam por paixão política, porque são reacionários mesmo, ou
porque pensam que assim se realizam nos setores mais radicais da revolução” (aqui
pareceu referir-se a dissidências dentro do regime militar). No entanto fez ressalva à
boa intenção do Governo, quando disse:
Entretanto não parece ser esta a orientação do governo que,
interessado em preservar Brasília, tem dado provas de respeitar
nosso trabalho, evitando modificações que o possam
comprometer, consultando-nos sobre obras novas ou acréscimos,
consultas que atendemos como profissionais e funcionários –
com o zelo habitual.
Por fim, antes de terminar seu depoimento, deixou seu pungente desabafo: “Muitas
vezes pensamos em deixar Brasília e indagávamos: ‘Para que tanta briga? Para que
aceitar discutir tanta besteira?’. Mas Brasília já fazia parte de nós mesmos e nela
permanecíamos, na esperança de preservá-la um pouco”.
Também o período ditatorial, se não foi decisivo, já que as bases da construção se
encontravam lançadas já na inauguração, foi de grande contribuição à conclusão da
meta heróica de fincar ainda mais as bases da construção da cidade. Por ser um regime
voltado para as elites, nunca mediu esforços para guardar a cidade, dela afastando as
ocupações indesejadas, criando novas cidades-satélite bem distantes do Plano Piloto,
para abrigar a população que volta e meia se instalava junto às facilidades urbanas.
67
Portanto, apesar de suas queixas, como já se demonstrou, o grupo de modernistas que
idealizou a cidade foi de grande importância para o cumprimento da tarefa de
construir a Brasília, preservando-a, mesmo tendo perdido alguma influência em um
ou outro governo. Lucio Costa, em depoimento prestado num seminário realizado
em 1974, narrou as palavras de Juscelino à época da construção, quando o autor do
Plano Piloto propôs construir apenas uma das asas, deixando, assim, o centro e outras
partes supérfluas para mais tarde:
Não Senhor. Eu faço questão de levantar essa plataforma.
Porque se não fizer, há o risco de ela não ser feita no futuro, ou
ser protelada indevidamente, comprometendo a concepção de
seu plano. A concepção do plano é baseada no cruzamento dos
eixos em vários níveis. Sem a plataforma isso não funcionará,
ainda que para uso inicial da cidade não seja necessária.
É preciso fazer o supérfluo (...) porque o necessário será feito de
qualquer maneira; o supérfluo é que precisa ser feito agora,
porque será necessário amanhã, e, se não for feito agora, a
cidade correrá o risco de atrofiar-se, de não realizar-se na sua
plenitude
129
.
129
COSTA, Lucio. Considerações em Torno do Plano Piloto de Brasília. In SENADO FEDERAL. I
Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília: Estudos e Debates. Brasília, 1974, p. 22.
68
Capítulo IV - Período de consolidação do modelo polinucleado da cidade (1974 a
1987)
1. Reflexos da ênfase nacional em planejamento na preservação do Plano Piloto
por meio de planos sucessivos
A década de 70 assistiu ao crescimento vertiginoso da dívida externa. Os subsídios
admitidos oficialmente eram de 0,8% de todo o Produto Interno Bruto – PIB,
passando essa porcentagem a 3,6% no final da década, chegando, portanto, a
quintuplicar-se. Com isso, todos os projetos incluídos no PND foram contemplados.
A dívida externa, de 5,2 bilhões de dólares em 1970, cresceu para 17,1 bilhões em
1974, em função do aumento do petróleo. Depois aumentou até atingir 16,9 bilhões
em 1979, quando terminou o governo Geisel. O PND fundamentou-se no princípio
da estatização como propulsor do desenvolvimento. Foi lançado o Programa do
Álcool, firmou-se acordo nuclear e construiu-se a usina Angra dos Reis.
Em 1974 estabeleceu-se uma oposição consentida: Ulisses Guimarães figurou do outro
lado da balança para eleger o general Geisel. O partido de oposição, sob o comando
de Ulisses Guimarães venceu as eleições parlamentares fazendo críticas à política
econômica. O presidente reagiu com promessa de abertura, dando início a um lento
processo. De um lado, os militares procuravam desmontar a máquina de repressão, de
outro cresciam os protestos estudantis. A ditadura se abrandava: diminuía a censura à
imprensa e eclodiam greves, mas o governo ainda teria forças para levar outro general
à Presidência.
No mesmo ano, foi lançado o PERGEB – Programa Especial para a Região
Geoeconômica de Brasília, com origem no PND (Lei nº 6.151/74). O PERGEB
propunha o desenvolvimento do Distrito Federal e entorno, integrando-os ao
desenvolvimento regional. Envolvia unidades federativas distintas (Goiás, Minas
Gerais e Distrito Federal), com prioridades governamentais próprias e com recursos
financeiros limitados. Não teve grande alcance, em face da desproporção entre os
recursos financeiros e os enormes desafios que teria que enfrentar para integrar região
com tais características.
69
Em 1977 foi lançado o SICAD – Sistema Cartográfico do Distrito Federal, aprovado
pelo Decreto n° 4.008/77
130
. Esse Sistema teve como principal objetivo servir de base
oficial para todos os trabalhos de topografia, cartografia, projetos e controle do uso
do solo. Sob a direção da CODEPLAN – Companhia de Desenvolvimento do
Planalto Central, foi amplamente difundido e utilizado, embora com implantação
mais tardia em alguns órgãos.
No mesmo ano o Senado Federal aprovou o Decreto Legislativo n° 74/77
131
, que
ratificou o texto da Convenção à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural, aprovado pela Conferência Geral da UNESCO em sua XVII Sessão,
realizada em Paris, em 1972, com ressalva ao parágrafo 1° do artigo 16
132
. O Decreto
colocou o Brasil sob a égide dessa convenção, que trata do patrimônio natural e
cultural, e institui a Lista do Patrimônio Mundial.
Eleito João Batista Figueiredo, um sucessor para os projetos de Geisel, assumiu em
1979. As esperanças da ditadura baseavam-se na hipótese de que os grandes
investimentos estatais trariam progresso suficiente para compensar a impopularidade
decorrente do uso da força – outra parte seria compensada por medidas de abertura
política, como a anistia. O novo presidente manteve a política de grandes gastos,
baseados em empréstimos externos, mesmo com o agravamento da crise do petróleo.
Para manter o rumo, mesmo em condições adversas, apelou para tentativas
heterodoxas de favorecer os beneficiados do regime, resultando em fracasso que deu à
oposição ainda mais força.
130
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 4.008, de 26 de dezembro de 1977. Aprova o Sistema Cartográfico
do Distrito Federal (SICAD) e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal. In: Legislação
do Distrito Federal, v. XIX, 1977.
131
BRASIL. Decreto Legislativo nº 74, de 30 de junho de 1977 Artigos 1º e 2º. Aprova o texto da
Convenção à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Disponível em:
http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan.2003.
132
Ibidem. Artigos 1º e 2º.
“Sem prejuízo de qualquer contribuição voluntária complementar, os Estados-parte na presente
convenção comprometem-se a pagar regularmente, de dois em dois anos, ao Fundo do Patrimônio
Mundial, contribuições cujo montante, calculado segundo uma percentagem uniforme aplicável a todos os
Estados, será decidido pela assembléia geral dos Estados-parte na convenção, reunidas durante as sessões
da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Esta
decisão da assembléia geral exigirá a maioria dos Estados-parte presentes e votantes que não houverem
feito a declaração mencionada no parágrafo 2 do presente artigo. Em nenhum caso poderá a contribuição
obrigatória dos Estados-parte na convenção ultrapassar 1% (um por cento) de sua contribuição ao
orçamento regular da Organização das Nações Unidas para a educação, a Ciência e a Cultura”.
70
Em Brasília, o período caracterizou-se pelo ordenamento do espaço já delineado
133
.
No âmbito nacional, estava em ação o II PND – II Plano Nacional de
Desenvolvimento, que levou em conta a necessidade de se fixarem diretrizes para o
desenvolvimento da região geoeconômica de Brasília, articulado ao PERGEB e ao
POLOCENTRO – Programa de Desenvolvimento dos Cerrados, no Centro-Oeste.
Nesse contexto, em 1978, foi elaborado o PEOT – Plano Estrutural de Organização
Territorial do Distrito Federal pelo Decreto nº 4.049/78
134
. Esse Plano foi realizado
mediante convênio entre a SEPLAN – Secretaria de Planejamento da Presidência da
República e o Governo do Distrito Federal, com a participação de órgãos federais e
locais, além de contar com profissionais liberais contratados. O PEOT procurou
pioneiramente levantar informações do Distrito Federal como um todo, buscando
integração com o II PND. Estabeleceu ainda áreas de expansão urbana e de locais de
trabalho, recomendando a elaboração de PAL – Planos de Ação Local para todos os
núcleos urbanos existentes e PAS – Planos de Ação Setorial, para novas ocupações.
O PEOT propôs, com base em análise territorial, limitações rígidas para a localização
de novos assentamentos, considerando as soluções possíveis na área de transportes,
sistema viário, abastecimento de água e coleta de esgotos, principalmente no que se
refere ao saneamento, considerado como um dos fatores estruturantes no processo de
escolha dos assentamentos urbanos, colocando dois tipos de limitações à ocupação:
segurança dos mananciais hídricos como fontes de abastecimento de água (Descoberto
e de São Bartolomeu) e defesa da Bacia do Paranoá.
133
BRASIL. Lei nº. 3.751, de 13 de abril de 1960. Dispõe sobre a organização administrativa do Distrito
Federal. Diário Oficial da União, 13 abr. 1960, art. 38. Disponível em:
http://iphan.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
134
DISTRITO FEDRAL. Decreto n° 4.049 de 10 de janeiro de 1978. Aprova o Plano Estrutural de
Organização Territorial do Distrito Federal – PEOT, e dá outras providências. Diário Oficial da União,
nº 9, 12 jan. 1978. In: Legislação do Distrito Federal, vol XX, 1978.
71
Fig.4 - Vista do quadrante sudoeste do Distrito Federal, com Brasília ao fundo, na parte superior.
72
Assim, a partir do PEOT, o quadrante sudoeste tornou-se o principal, senão o único
vetor de crescimento vislumbrado nos planos produzidos a partir de então,
priorizando-se a ocupação dos espaços entre Taguatinga e Gama (fig.4). Esse plano
contribuiu bastante para que Brasília chegasse aos anos 80 espalhada pelo território do
Distrito Federal e já se prolongando pelo entorno sul.
Em seguida foi aberto o parque da Cidade. Por ser um parque urbano, com grande
importância na educação patrimonial em Brasília, já que é muito utilizado por grande
parte da população, constitui uma ferramenta poderosa, ainda que pouco utilizada, de
conscientização da comunidade na defesa do patrimônio cultural e natural.
2. Pressão populacional e iniciativas declaradas de preservação
Em 1979 ocorreu a segunda crise do petróleo, provocando recessão, aumento dos
juros e da própria dívida externa, enquanto o governo insistia na autonomia do país,
em meio a um cenário internacional onde a globalização já era uma tendência.
O ano seguinte foi palco de medidas drásticas que desestabilizaram o governo de
Figueiredo: Delfim Neto prefixou a correção monetária em 45%, transformando-a em
uma operação de risco, ao mesmo tempo em que a taxa de inflação foi de 110%: todos
que tinham empréstimos corrigidos pela taxa de 45% tiveram suas dívidas reduzidas à
metade. A dívida externa passou de 49 bilhões de dólares em 1979 para 70 bilhões em
1982, e o governo, que geria pior os recursos financeiros do país (emprestando a taxas
baixas) e arrecadava menos, ficou ainda mais vulnerável aos efeitos da crise.
O Brasil, que vinha emprestando dinheiro para pagar as importações, passou a ter de
intensificar o processo recessivo a fim de conseguir pagar as contas dos seus sucessivos
“milagres”, já que, devido a crises no México, os países credores passaram a cobrar as
dívidas, ao invés de emprestar mais dinheiro.
Chegara a hora de pagar o dinheiro tomado emprestado de trabalhadores e bancos
internacionais por anos a fio, e não havia retorno suficiente de tantos investimentos e
empréstimos de favor. A insistência em uma política econômica inadequada custou
muito caro ao Brasil. Sem opções, o governo foi obrigado a produzir uma grande
73
recessão e a transferir a conta para a população mais pobre, na forma de inflação e,
conseqüentemente, de concentração de renda e de diferenças sociais. O Brasil andava
na contramão do resto do mundo.
Em 1981 instituiu-se o GT-Brasília, Grupo de Trabalho para a Preservação do
Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília, em nível nacional, fruto do esforço
conjunto do Governo do Distrito Federal, da Universidade de Brasília e da Secretaria
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, que iniciou amplo
inventário de bens, dentro do complexo natural e cultural do Distrito Federal. No
âmbito do DF, o Grupo foi oficializado pelo Decreto nº 5.819/81
135
e teve como
atribuição estudar, propor e adotar medidas, articulando-se com a Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN e a fundação Pró-Memória, do
Ministério da Educação e Cultura, que visassem à preservação do Patrimônio
Histórico e cultural de Brasília. Entre os integrantes designados por este decreto
estava o Diretor da Divisão de Patrimônio Histórico e Artístico do Departamento de
Cultura da Secretaria de Educação e Cultura – DePHA, a indicar a existência do
DePHA dentro da estrutura daquela Secretaria. Desse momento em diante, o GT-
Brasília funcionou dentro da estrutura da Secretaria de Educação, como a própria
Divisão do Departamento de Cultura.
Mais tarde, o GT-Brasília veio a ser responsável pela elaboração do dossiê de
candidatura de Brasília à inscrição na Lista do Patrimônio Mundial. Seus trabalhos
continuaram, mesmo depois da inscrição de Brasília na referida Lista, com a
elaboração de um anteprojeto de legislação para proteção do bem ali inscrito. O GT-
Brasília manteve perfeita simbiose com a DePHA – Divisão de Patrimônio Histórico
e Artístico, tanto na troca de informações, quanto na composição de seus quadros, em
que profissionais se revezavam e se sucediam durante todo o período de
funcionamento do Grupo.
Também em 1981 foi inaugurado o memorial JK, que abriga os restos mortais do
presidente Juscelino Kubitscheck, documentos e objetos que lhe pertenceram.
135
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 5.819, de 24 de fevereiro de 1981. Cria o Grupo de Trabalho para
estudar, propor, e adotar medidas que visem a preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília.
Diário Oficial do Distrito Federal, 25 fev. 1981.
74
Dois anos mais tarde, houve a transformação da Secretaria de Educação em Secretaria
de Educação e Cultura e da DePHA em departamento daquela Secretaria (Decreto n°
7.451/83)
136
, reestruturação que pode ser considerada conseqüência imediata da
cultura criada pelo GT-Brasília. Hoje denominada Diretoria de Patrimônio Histórico
e Artístico, a DePHA é uma unidade administrativa da Secretaria de Cultura do
Governo do Distrito Federal. Em 1988, pelo Decreto nº. 11.176/88
137
, o DePHA –
Departamento de patrimônio Histórico e Artístico foi incorporado à Secretaria de
Cultura, ganhando novas estrutura e competências. Segundo a Secretaria de
Cultura
138
, “uma das justificativas para essa nova dimensão foi a necessidade de uma
instituição que pudesse assegurar a preservação do patrimônio cultural de Brasília,
condição indispensável para a sua inscrição na lista de bens do Patrimônio da
Humanidade”. Até 2000, o DePHA foi o órgão diretamente responsável pela proteção
do Conjunto Urbanístico do Plano Piloto. Atualmente, pela nova estrutura que o
transformou em Diretoria, sua atuação institucional está voltada para atividades que
dizem respeito a bens protegidos isoladamente.
Também impulsionado pelos estudos do GT, e culminando com a reestruturação da
DePHA – Divisão de Patrimônio Histórico e Artístico em 1983, ocorreram diversos
tombamentos em nível distrital, de diversos monumentos isolados em todo o Distrito
Federal, principalmente nos assentamentos preexistentes, nas cidades-satélite e nos
acampamentos pioneiros: foram tombados o Museu Histórico e Artístico de
Planaltina, em Planaltina (1982); a Igreja São Sebastião, em Planaltina (1982); a Igreja
Nossa Senhora de Fátima (a Igrejinha), no Plano Piloto (1982); o Museu da Cidade, na
Praça dos Três Poderes, no Plano Piloto (1982); a Pedra Fundamental, no Morro do
Centenário, em Planaltina (1982); o HJKO – ex-Hospital Juscelino Kubitscheck de
Oliveira, atual Museu Vivo da Memória Candanga, na via EPIA – Estrada Parque
136
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 7.451, de 23 de março de 1983. Extingue e cria órgãos na
Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito
Federal, n° 57, 24 mar. 1983.
137
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 11.176, de 29 de julho de 1988. Extingue órgãos nas secretarias de
Educação e da Cultura e cria o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal –
DePHA/DF, e dá outras providências. In Governo do Distrito Federal. Legislação do Distrito Federal
1988. v. XLI. Brasília, Brasil, 1991. p. 90-103.
138
Informativo da Secretaria de Governo de Cultura do Distrito Federal. Disponível em:
http://www.sc.df.gov.br/paginas/DePHA/DePHA_01.htm. Acesso em: 05 maio 2005.
75
Indústria e Abastecimento Sul (1985); a Árvore do Buriti, na Praça do Buriti (1985); e
o Memorial JK, no Eixo Monumental (1986).
Com o intenso incremento populacional dos anos 70, as cidades-satélite estavam
praticamente ocupadas no início da década seguinte. A pressão populacional sobre os
espaços de ocupação regular com infra-estrutura em áreas já adensadas levou ao
intenso parcelamento irregular dos lotes e à sua locação para inquilinos de fundo de
quintal. Para os que não podiam pagar o aluguel de um barraco de fundos, a saída
eram as invasões de terrenos desocupados, passando a proliferar as favelas, no centro e
na periferia, tornando a formação de invasões o grande problema para a gestão do
território do DF.
A preocupação em frear o crescimento alarmante das invasões levou o governo do
Distrito Federal (governador José Ornellas) a criar, em 1982, vinculado à Secretaria de
Serviços Sociais, o GEPAFI – Grupo Executivo para Assentamento de Favelas e
Invasões, com o objetivo de estudar as possibilidades de melhoria das condições de
habitação da população de baixa renda. Das ações desse Grupo resultaram o
assentamento da Vila Metropolitana, da Candangolândia, da Vila Planalto, da QE 38
do Guará, da Vila Maricá, no Gama, e outros. O problema das invasões era
enfrentado com a criação de anexos nas cidades já existentes e novos planos de
ordenamento territorial.
Em 1983, foram criadas as APAs – Áreas de Proteção Ambiental das Bacias dos Rios
São Bartolomeu e Descoberto pelo Decreto n° 88.940/83
139
, com o objetivo de
proteger os recursos hídricos da região, proibida a implantação de atividades
potencialmente poluidoras e determinada a realização de zoneamentos para cada uma
delas. Mais tarde, foi flexibilizada a ocupação na APA do Rio São Bartolomeu e, na
Bacia do Rio Descoberto, surgiram problemas de ocupação por parcelamentos
clandestinos.
139
BRASIL. Decreto n° 88.940, de 7 de novembro de 1983. Dispõe sobre a criação das áreas de proteção
Ambiental das Bacias dos Rios São Bartolomeu e Descoberto, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, 09 nov. 1983. Disponível em
http://www.senado.gov.br. Acesso em: 22 abr. 2005.
76
3. Abertura política, inscrição na Lista do Patrimônio Mundial e legislação de
proteção ao bem inscrito na Lista: teorias em confronto
Em janeiro de 1984 foi realizado o comício pelas diretas já. No dia do aniversário da
cidade de São Paulo, 300 mil pessoas encheram o centro da cidade, ocupando a Praça
da Sé: não se via tal contingente de pessoas nas ruas desde as passeatas de 1964. Era o
que faltava para encerrar a era militar no governo. A resposta popular à crise veio em
forma de otimismo. O grande comício apresentava a solução: eleições diretas para
presidente.
O crescente apoio popular não foi suficiente para aprovar a emenda pelas diretas no
Congresso, mas viabilizou a eleição de Tancredo Neves, candidato de oposição, eleito
para administrar um Estado aparentemente poderoso, mas em bancarrota, com uma
sociedade frustrada pelo sonho ditatorial de progresso.
Tancredo fez campanha como se as eleições fossem diretas e com isso arregimentou
no Congresso até mesmo os recalcitrantes que ainda temiam fazer oposição ao regime
militar. A eleição do novo Presidente foi recebida com entusiasmo; contudo, em
virtude de grave doença, Tancredo não assumiria o cargo: foi substituído
interinamente pelo vice, José Sarney, que tornou-se o Presidente em 22 de abril, após
a morte do titular eleito.
José Sarney, uma vez efetivado no governo, lançou o Plano Cruzado, que foi uma
tentativa de conter a crise e a inflação, congelando salários, preços e câmbio.
Conseguiu redemocratizar o país com a volta do pluripartidarismo e a formação da
Assembléia Constituinte. Em meio a muitas dificuldades, começava uma nova fase.
Politicamente, o governo militar teve grande força em Brasília – tendo nomeado dois
coronéis para governador. Depois de Elmo Serejo Farias, que governou de 1974 a
1979, subiram ao Buriti o coronel Aimé Alcebíades Silveira Lamaison (1979 a 1982) e
seu sucessor, o coronel José Ornellas de Souza Filho (1982 a 1985). Após esse período,
houve um governo interino, que foi sucedido por José Aparecido de Oliveira. Esse
governador teve importante papel na construção do ambiente que trouxe a Brasília o
título de Patrimônio da Humanidade, não só por ter em mente a necessidade de
77
salvaguardar Brasília, mas pelo interesse que tinha pela cultura, aliado à forte ligação
com o Planalto. Logo após o seu mandato como governador, foi alçado ao cargo de
Ministro da Cultura, momento em que exerceu papel preponderante na teia de
articulações necessárias para a consagração de Brasília ao título da UNESCO.
Durante seu governo, a política habitacional em Brasília consistiu basicamente em
transferir a população para o entorno do Distrito Federal, no esforço de erradicar as
invasões. A determinação de preservar o Plano Piloto, abertamente assumida pelo
novo governador, incluía resgatar a concepção original de Lucio Costa. A partir dessa
premissa, buscou o apoio do urbanista, solicitando-lhe um estudo sobre a expansão
urbana da área. Ainda nesse contexto, o GT-Brasília foi chamado a trabalhar na
construção teórica que levaria à inscrição da cidade na Lista do Patrimônio Mundial.
Em 1985, dos trabalhos da equipe partidária a Lucio Costa surgiu, o documento
“Brasília 1957-85 – do plano piloto ao Plano Piloto”, elaborado sob a supervisão
daquele urbanista, institucionalizado na forma de Brasília Revisitada, por decisão do
CAUMA – Conselho de arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente.
Com relação à atuação do GT-Brasília, foi elaborada uma síntese dos trabalhos
140
mais tarde anexada ao formulário de inscrição enviado à UNESCO por ocasião da
candidatura – que forneceu a argumentação teórica capaz de inscrever Brasília na Lista
do Patrimônio Mundial. Destacamos, na visão do grupo, os seguintes aspectos:
“preocupações no sentido da preservação do artefato que é Brasília”
141
; o uso
das expressões “cultura”, “identidade”, “cidadania”, “significação cultural”,
“opinião pública”; conceitos como o de “práticas culturais” que são
repetidamente explorados;
definição, como objeto de trabalho, das seguintes categorias:
(...) o pré-existente, vernáculo da região centro-oeste, expresso na
área urbana antiga, (Planaltina e Brazlândia) e em várias
fazendas (...); as manifestações pioneiras, calcadas nos princípios
140
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL/MINISTÉRIO DA CULTURA - IPHAN/UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA. Síntese de Trabalho – Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de Brasília – GT/Brasília , 1985.
141
Ibidem, p. 2-3.
78
do Movimento de Arquitetura Moderna, realizado em caráter
provisório, expresso nos acampamentos de obra da cidade (...); o
meio natural, congregando morfologias paisagísticas ainda
intactas (...) disseminadas pelo território do Distrito Federal
142
;
registro do fenômeno da incidência da questão cultural sobre a proteção, que
classifica como uma “vertente conceitual”
143
;
afirmação de que o trabalho foi proposto com a intenção de “deflagrar um
intenso movimento de discussão e fazer retornar insumos que conduzam à
formulação de um conjunto de medidas de preservação do Plano Piloto”
144
;
142
Ibidem, p. 5.
143
Ibidem, p. 8-9.
144
Ibidem, p.15.
79
Fig.5 – mapa montado por esta autora a partir da legislação proposta pelo GT-
Brasília para a preservação em Brasília.
80
descrição da configuração urbana da cidade como um “tecido urbano
descontínuo”
145
, sugerindo graus distintos de proteção(fig.5);
afirmação de que o grupo (GT-Brasília) considerou dado de alta relevância “o
surgimento da população de Brasília em sua primeira geração, que vem
chegando à maioridade”
146
;
ênfase no objetivo da pesquisa como sendo o de “estabelecer, de forma
consensual com a população, diretrizes de preservação do patrimônio histórico
e cultural de Brasília, parte integrante e de grande importância do
desenvolvimento global da cidade”
147
;
expansão do conceito de patrimônio cultural ao patrimônio vernáculo,
ressaltando-se, ainda, que as fazendas desapropriadas para a construção de
Brasília conservavam até aquela época, ainda que parcialmente, seus caracteres
tradicionais e deixavam, por isso, muito claro o contraste entre duas épocas, e
duas formas de ocupação desse território, tendo, neste sentido, “função
didática particular, testemunhando a maneira vernacular de organizar o espaço
nesta região”
148
;
reconhecimento, como possíveis objetos de salvaguarda, dos antigos
municípios de Planaltina e Brazlândia, por serem “exemplares da arquitetura e
urbanismo vernaculares do centro-oeste”
149
;
ampliação do conceito de patrimônio cultural, na menção aos Acampamentos
Pioneiros:
(...) totalmente realizados em madeira, de construção simples e
bem adaptada ao clima da região e à condição básica de
provisoriedade, bem como às tendências arquitetônicas da
145
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL/MINISTÉRIO DA CULTURA - IPHAN/UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA. Síntese de Trabalho – Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de Brasília – GT/Brasília , 1985, p.20.
146
Ibidem, p. 2-3. Ressalte-se que os autores, neste e em vários momentos do estudo, consideram a
possibilidade de revisão de elementos ou concepções da configuração urbana de Brasília.
147
Ibidem, p.123.
148
Ibidem, p.139.
149
Ibidem p. 143-150.
81
época(...) aplicação imediata em madeira dos princípios
arquitetônicos do Movimento de Arquitetura Moderna tão em
voga na época (Catetinho, Escola Júlia Kubitscheck)
150
;
ampliação do conceito de patrimônio, na lúcida visão com relação ao
patrimônio natural de Brasília, que justifica a manutenção da paisagem na
região do DF pela
(...) peculiaridade de sua localização na paisagem brasileira
regional; pela escolha do sítio; pela justaposição de áreas de
paisagem natural e cultural que é uma característica de
Brasília; pelo tipo de estrutura urbana implantada na região,
que incorpora grandes quantidades de espaços livres abertos,
trazendo para dentro da malha urbana porções de espaços
naturais às vezes com baixo grau de perturbação; [e a definição
do objeto de trabalho, como sendo a] preocupação de tomar
como referencial um conceito de paisagem natural tal que,
incorporando preocupações relativas aos aspectos visuais, não
deixasse de lado as considerações sobre seus aspectos físicos e
bióticos, identificando-se desta forma a paisagem natural
considerada em todos os seus múltiplos aspectos (grifo nosso)
151
.
Também em 1985, foi lançado o Documento Brasília 1957-1985
152
, que precedeu o
Brasília Revisitada e serviu de base para sua elaboração. Foi um estudo detalhado das
características de Brasília, da sua evolução e do seu estado atual à época, feito em
parceria entre a TERRACAP e o DAU/SVO - Departamento de Arquitetura e
Urbanismo/Secretaria de Viação e Obras, sob a coordenação do arquiteto Lucio
Costa e com a participação da arquiteta Maria Elisa Costa. Sua organização consistiu
basicamente em analisar cada setor do Plano Piloto, partindo da concepção de cada
espaço no Relatório do Plano Piloto, em comparação com a situação vigente,
considerando o espaço como foi executado, sua evolução ao longo do tempo, até
chegar à situação à época, obviamente chamando atenção para as contribuições
aceitáveis, dentro do julgamento da equipe, que por pressuposto teve o aval do autor,
senão sua participação direta. Acompanharam ainda essas retrospectivas um ou outro
150
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL/MINISTÉRIO DA CULTURA - IPHAN/UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA. Síntese de Trabalho – Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de Brasília – GT/Brasília – 1985, p. 153.
151
. Ibidem, p. 153.
152
COSTA, Maria Elisa e LIMA, Adeildo Viegas de. Brasília 57-85; do plano-piloto ao Plano Piloto.
Brasília: TERRACAP, 1985, 145p.
82
parecer ou manifestação, emitidos por Lucio Costa durante o período objeto de
estudo do documento. Por último, surgiram as Recomendações, compartimentadas
em subitens, tais como uso, sistema viário, ocupação, paisagismo, detalhes, pedestres,
legislação, etc.
Brasília 57-85 foi um esforço no sentido de descrever o bem objeto da preservação
(Brasília) e de dar direções para novas intervenções, além de limitá-las, no intuito de
manter as características da cidade, naquele momento consideradas imprescindíveis
pelos autores. No entender da autora deste trabalho, no entanto, o documento peca
quando recomenda, e o faz em vários momentos, que novos projetos sejam recusados,
exceto se vierem dos autores do projeto original, sejam eles Lucio Costa ou Oscar
Niemeyer. Exemplo disso são as recomendações para os Setores Culturais Norte e Sul
– SCT-N e SCT-S, à fl. 51 do Documento. Em seu item 2.1, relativo a ocupação, o
documento versa: “As edificações devem ter gabarito baixo ‘e ser de autoria de Oscar
Niemeyer, devendo os projetos obedecer na eventualidade de sua ausência – o mesmo
padrão arquitetônico’. (L.C., fevereiro 85)”
153
.
Em outra das recomendações, desta feita com respeito à Estação Rodoviária, o item
2.2. versa o seguinte: “Qualquer intervenção física na Rodoviária deve estar sujeita à
aprovação do autor do plano-piloto”. O centro de Brasília é a Rodoviária, não restam
dúvidas. O que Lucio Costa viu, e que o fez dizer que a realidade é maior que o
sonho, foi exatamente a Rodoviária. É óbvio dar-lhe o lugar que a ela pertence na
cidade. E seria de se perguntar, com a morte do autor, a quem se deve submeter a
aprovação do que fazer com aquele equipamento urbano, que clama por uma
revitalização necessária e generosa. Um dos espaços mais pungentes da cidade precisa
ser utilizado em todo o seu potencial. A história se repete nas Recomendações para os
Setores Bancários Norte e Sul (SB-N e SB-S) em seu item 2.1, referente à ocupação:
“Confiar o projeto a Oscar Niemeyer”.
Em seguida à elaboração do Brasília 57-85, a convite do Governador José Aparecido,
Lucio Costa lançou o documento Brasília Revisitada
154
, também em 1985. Nesse
153
Na forma em que se apresenta, a recomendação parece ter sido feita pelo próprio Lucio Costa.
154
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Brasília Capital de Todos. Brasília: GDF, 1957/85.
83
documento, propôs complementações ao Plano Piloto de Brasília e autorizou o
adensamento dentro do denominado fecho hídrico, que limitava e protegia a bacia do
Lago Paranoá. Delimitou uma área chamada de Plano Piloto de Brasília, que mais
tarde, em 1987, foi considerada pela UNESCO como sendo a área de preservação
inscrita na Lista do Patrimônio Mundial da Humanidade. Nessa proposta, não se
considerou a ocupação do território como um todo, tanto que, em relação à política
habitacional, não se fez referência à ocupação urbana fora das adjacências do Plano
Piloto. O Brasília Revisitada passou a fazer parte da legislação de tombamento como
anexo I ao Decreto n° 10.829/87 – Complementação, Preservação, Adensamento e
Expansão Urbana por Lucio Costa. No documento, o autor definiu as características
fundamentais do Plano-Piloto como sendo: 1 - a interação das quatro escalas, onde o
autor descreveu e localizou, na cidade, os locais em que se manifestam as quatro
escalas; 2 - a estrutura viária; 3 - a questão residencial (com ênfase na inovação
representada pela solução da questão residencial na Superquadra); 4 - a orla do Lago; 5
- a importância do paisagismo; 6 - a presença do céu; 7 - o não alastramento urbano.
Apresentou, além disso, soluções futuras como as Quadras Econômicas e também
diretrizes para complementação, preservação, adensamento e expansão urbana do
Plano Piloto.
Destaquem-se as afirmações de Lucio Costa quanto ao item 7 - o não alastramento
suburbano, quando diz que as cidades-satélite seriam uma solução para a expansão da
cidade, mantendo um cinturão verde de áreas rurais em volta da proposição inicial, e
que o “alastramento suburbano extenso e rasteiro”
155
não fora previsto. No entanto,
afirmou que, apesar de ter essa opção mantido a idéia inicial, ela tornou caro o
transporte urbano e, como contrapartida, propôs, meses antes do documento Brasília
Revisitada, a ocupação de áreas próximas ao Plano Piloto com quadras econômicas.
No item complementação e preservação, Lucio Costa definiu o que seria complementar
e preservar as características descritas anteriormente, como sendo, resumidamente: 1.
proceder ao tombamento da praça dos três poderes; 2. manter gabaritos vigentes nos
eixos e seu entorno; 3. garantir a estrutura das unidades de vizinhança do Eixo
155
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Brasília Capital de Todos. Brasília: GDF, 1957/85
84
Rodoviário – Residencial (as Superquadras com Entrequadras comerciais); 4.
reexaminar os projetos dos setores centrais – incluindo Rodoviária e Setores de
Diversões – prevendo percursos contínuos e animados para pedestres e circulação de
veículos; 5. providenciar articulações viárias, de modo a manter a clareza do risco
original; 6. proceder imediatamente às obras de recuperação da Plataforma
Rodoviária; 7. acabar e manter sempre limpos os logradouros de estar (com menção
especial à Plataforma Rodoviária).
No item adensamento e expansão urbana do plano piloto, o autor apresentou estudos
para ocupação próxima ao Plano Piloto, na Bacia do Paranoá. Propôs, entre outras, as
Quadras Econômicas e afirmou, em sua conclusão, que depois de implantadas todas as
áreas propostas no documento, e mais Samambaia, que naquele momento estaria em
fase avançada de estudos, esta seria a “população limite”
156
para o crescimento de
Brasília, “pois que a Brasília não interessa ser metrópole
157
. E fez questão de frisar,
finalmente, que “o importante a se pensar na complementação, na preservação, no
adensamento ou na expansão de Brasília é não perder de vista a postura original”
158
(grifo nosso).
No mesmo ano do lançamento do documento Brasília 1957-85, foi lançado o POT –
Plano de Ocupação Territorial do Distrito Federal, em que foi proposto um
macrozoneamento para o território, definindo usos e tipo de ocupação das zonas a
serem criadas. Esse estudo envolveu o DAU – Departamento de Arquitetura e
Urbanismo, a TERRACAP – Companhia Imobiliária de Brasília, e outras instâncias
de governo, local e federal, além de contar com a participação de profissionais liberais.
O POT introduziu a proposta de macrozoneamento no território, com delimitação
das zonas por categorias de usos. Ratificou a tendência de ocupação do solo e serviu
de subsídio para os estudos do solo definidos pelo PEOT. Não foi aprovado por lei, o
que prejudicou sua aplicabilidade.
Também surgidas em 1985, as NGBs – Normas de Edificação, Uso e Gabarito são o
elemento célula que constitui o sistema de legislação referente a uso e ocupação do
156
Ibidem.
157
Ibidem.
158
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Brasília Capital de Todos. Brasília: GDF, 1957/85.
85
solo. Os conceitos constantes dessas normas são revistos periodicamente, de modo a
acompanhar o crescimento urbano; no entanto, com a proliferação desse tipo de
norma, verificou-se a duplicidade e o conflito de informações entre elas, o que se
pretende sanar com a elaboração, já em andamento, dos PDLs – Planos Diretores
Locais.
Em 1986, por decisão do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU (Decisão n°
31/86
159
), o POUSO – Plano de Ocupação e Uso do Solo passou a vigorar. Esse
documento pretendeu efetivar e ajustar o macrozoneamento proposto pelo
POT(1985), redefinindo as poligonais das zonas, de acordo com a nova realidade
ambiental, assim como estabelecer base administrativa para o processo de
planejamento no Distrito Federal. No entanto, foi pouco difundido e não apresentou
em detalhes os usos permitidos, tendo entrado em conflito com a proposta do Brasília
Revisitada.
Nesse mesmo ano, foi criado o CAUMA – Conselho de Arquitetura, Urbanismo e
Meio Ambiente, instituído pela Lei n° 7.456/86
160
em substituição ao CAU. O
CAUMA teve como atribuição principal “orientar os planejamentos urbanístico e
arquitetônico, com apoio nos órgãos próprios da Secretaria de Viação e Obras, bem
como as ações referentes à defesa e à conservação do meio ambiente”
161
, acrescentada
a vertente ambiental. É provável que a inserção das questões de meio ambiente nas
questões urbanas tenha motivado a transformação do CAU em CAUMA, passando
este a contar com mais conselheiros, num total de vinte (20), incrementando a ação do
Estado. Com o questionamento da legitimidade do CAUMA, este foi substituído pelo
CONPLAN – Conselho de Planejamento Territorial e Urbano, pela mesma lei que
aprovou o PDOT – Plano de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – 1992.
Durante todo o período de 1974 a 1987, as questões mais diversas ligadas a Brasília
foram decididas no CAUMA. Interessante notar que este órgão vigorou mesmo
depois de Brasília ter se tornado Patrimônio da Humanidade.
159
DISTRITO FEDERAL. Decisão n° 31/86 – CAU. Anteprojeto de Lei referente ao Plano de Ocupação
e uso do Solo Territorial do Distrito Federal. 177ª Reunião Ordinária – Conselho Pleno, em 15 abr. 1986.
(fac-símile)
160
BRASIL. Lei Federal n° 7.456 de 01 de abril de 1986. Cria órgãos na Estrutura Básica da
Administração do Distrito Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 02 abr. 1986.
161
Ibidem.
86
Ainda em 1986, elaborado pelo GT-Brasília, o “dossiê Brasília”
162
foi apresentado ao
Comitê do Patrimônio Mundial – UNESCO, sob a direção de Brianne Panitz Bicca.
O documento consistiu em um formulário padrão, emitido pela UNESCO, que
naquele momento foi preenchido pelo grupo GT-Brasília, com o objetivo de
candidatar Brasília à inscrição na Lista do Patrimônio Mundial. Descreveu o bem a ser
inscrito na Lista em suas características principais: Brasília foi descrita incluindo as
fazendas e os núcleos urbanos existentes quando do início da construção (Planaltina e
Brazlândia), os acampamentos pioneiros (como Vila Planalto, Núcleo Bandeirante e
Candangolândia) e o Patrimônio Natural. O Documento Síntese do GT-Brasília de
1985 (mencionado anteriormente neste trabalho), entre outros trabalhos elaborados
pelo grupo (GT-Brasília), foi anexado em sua íntegra àquele formulário.
Lançada a candidatura de Brasília à Lista do Patrimônio Mundial da Humanidade, esta
foi analisada pelo ICOMOS – International Council on Monuments and Sites,
gerando o documento denominado Recomendação do ICOMOS
163
, que examinou e
recomendou a referida inclusão. O documento ficou conhecido como O parecer de
Pressouyre, que foi o membro relator da análise. Nesta pesquisa, obteve-se acesso a essa
recomendação em duas versões, divergentes apenas no item recomendação do
ICOMOS, uma de maio de 1987, recomendou “que seja adiada a inscrição do bem
cultural proposto na Lista do Patrimônio Mundial”, e a outra, de outubro de 1987,
recomendou “que o bem patrimônio mundial proposto seja incluído na Lista do
Patrimônio Mundial na condição de que as autoridades brasileiras adotem legislação
que assegure a salvaguarda da criação urbana de Costa e Niemeyer”. O relatório foi
iniciado registrando que Brasília é única por evidenciar, como raramente aconteceu,
os princípios do urbanismo do século XX em uma cidade, juntamente com
Chandigarh. Pressouyre contou a história da cidade, como veio a surgir sob a direção
de JK, e descreveu Brasília. Afirmou que “a criação de Brasília, pelo grande desafio,
pela ousadia do projeto, a amplidão dos meios empregados, é, incontestavelmente, um
162
BICCA, Brianne Panitz. [Formulário de proposta de inscrição] 29 dez.1986, Brasília [para]
UNESCO, Paris. 45f. Candidata Brasília à inscrição na Lista do Patrimônio Mundial e descreve
detalhadamente a cidade (contém em anexo, entre outros documentos, a síntese dos trabalhos do GT-
Brasília).
163
ICOMOS, Recomendação do ICOMOS: Lista do Patrimônio da Humanidade n° 445, 1986.
(mimeogr.) também Disponível em:
http://www.guiadebrasilia.com.br/historico/menupat.htm. Acesso
em: 20 jan. 2003.
87
fato de maior importância na história do urbanismo”. Citou a criação do GT-Brasília,
suas reflexões e as três zonas de proteção propostas para inscrever Brasília na Lista do
Patrimônio Mundial:
Uma zona de proteção absoluta cobrindo o Plano Piloto de
Lucio Costa;
Uma zona tampão onde a predominância dos espaços verdes
estaria garantida;
Uma zona periférica, incluindo o lago artificial e suas
margens, quase que inteiramente construídas com conjuntos
residenciais. Não poderia a proteção ser mais flexível.
O grupo de trabalho também propôs inscrever os testemunhos
históricos do nascimento de Brasília, isto é, as cidades e o meio
ambiente tradicional da periferia (Planaltina, Brazlândia, oito
fazendas antigas) assim como os acampamentos operários,
vestígios comoventes, mas frágeis da grande época da construção
da capital (1957-1960).
As frases finais do relatório são conclusivas e constituem o parecer do ICOMOS:
O ICOMOS, ao mesmo tempo em que expressa um parecer em
princípio favorável à inscrição de Brasília na Lista do
Patrimônio Mundial, estima que essa inscrição deva ser adiada
até que medidas mínimas de proteção garantam a salvaguarda
da criação urbana de Costa e Niemeyer.
A adoção do Plano Piloto de Costa deve entrar para a sua fase
definitiva em março de 1987 e ser submetido às instâncias
concernentes no decorrer do mesmo ano.
Nenhuma data precisa é fornecida no que se refere às medidas
de proteção das
zonas-tampão, para as quais, os anseios do grupo
de trabalho não representam garantia suficiente (grifo nosso).
Em outubro de 1987, em resposta ao parecer de Pressouyre, foi elaborado o Decreto
de Tombamento de Brasília em Nível Local, de número 10.829/87
164
, que
regulamenta o artigo 38 da Lei n° 3.751/60
165
.
164
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 10.829, de 14 de outubro de 1987. Regulamenta o art. 38 da Lei nº
3751, de 13 de abril de 1960, no que se refere à preservação da concepção urbanística de Brasília. Diário
Oficial do Distrito Federal, nº 201, suplemento, 23 out. 1987. Disponível em:
http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003)
165
CAMPOFIORITO, Ítalo. Brasília Revisitada. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Número Especial dedicado ao Instituto Internacional de Língua Portuguesa, 1990, p. 171 a 176.
“Trata-se de Decreto(...) promulgado pelo governador José Aparecido face à exigência da UNESCO de
(...) defesas legais para o bem cultural em questão. Dois caminhos apontavam suas respectivas soluções.
Um amplo estudo fora elaborado por um grupo de trabalho (MinC, UnB e GDF) e nele se descreviam
88
Assim, em seu art. 1º, o Decreto conceituou Plano Piloto como sendo aquela
concepção urbana “definida na planta em escala 1/20.000 e no Memorial Descritivo e
respectivas ilustrações (...) escolhido como vencedor pelo júri internacional do
concurso para a construção da nova Capital do Brasil”. Percebendo a necessidade de
esclarecer ainda mais esse ponto, o legislador definiu, no parágrafo primeiro do
mesmo artigo, o conceito de realidade físico-territorial correspondente ao tal Plano
Piloto do caput, na tentativa de precisar uma definição temporal da cidade a ser
mantida, como sendo aquela construída “em decorrência daquele projeto e cujas
complementações, preservação e eventual expansão devem obedecer às
recomendações expressas no texto intitulado Brasília Revisitada e respectiva planta
(...)”.
Essa ressalva faz transparecer a lacuna existente entre o que foi planejado e o que se
foi revelando como realidade ao longo do processo de construção da cidade. No
parágrafo segundo do mesmo artigo, para não deixar margem a dúvidas, delimitou
numa poligonal a área que de fato seria objeto de proteção e a denominou de
entorno direto dos eixos que estruturam o Plano Piloto”.(grifo nosso).
O artigo segundo introduziu os elementos condutores da descrição do objeto a ser
mantido: as quatro escalas. Daí em diante, passou-se a descrever cada uma delas e
onde se manifestam
O Decreto afirmou que, para permitir a permanência no tempo das quatro escalas, em
todas as áreas já ocupadas no entorno dos dois eixos e contidas no perímetro da área
tombada, “ficam mantidos os critérios de ocupação aplicados pela administração nesta
data”, exceção feita para as edificações necessárias à expansão dos serviços diretamente
numa abordagem morfológica abrangente e exaustiva as características urbanas a preservar (inclusive
fazendas locais antigas, acampamentos, cidades-satélite, e demais resíduos da implantação) . Outra
solução fora pensada por mim e proposta a Lucio Costa que a aceitou: criava-se o instituto jurídico do
tombamento de Brasília e tombava-se a cidade de forma inovadora - fixando-se a sua “escala” no
essencial, liberando-se as edificações em geral, com exceção dos monumentos excepcionais, para
qualquer modificação que não rompesse a escala em que se inseria. A primeira solução pareceu a Lucio
Costa e ao Governador adequada apenas “para uso interno” (Lucio Costa), ou seja, para medidas de
proteção (...) que teriam (...) existência transitória(...). A segunda solução revelou-se impraticável do
ponto de vista prático-legal. O poder executivo do DF não poderia instituir o tombamento sem decisão
legislativa – do Congresso Nacional, absolutamente ocupado com sua atuação constituinte. Restou um
terceiro caminho: regulamentar a Lei Santiago Dantas, (3.751/60) que protegia o “Plano Piloto” em seu
desenho, sem defini-lo em termos físico-territoriais. (...)”.
89
vinculados aos Ministérios do Governo Federal, na Esplanada dos Ministérios, e para
os remanejamentos decorrentes das recomendações contidas no art. 12 do Brasília
Revisitada.
É interessante notar que o artigo 10 estabeleceu que todos os terrenos contidos no
perímetro da área tombada, que não estivessem edificados ou institucionalmente
destinados à edificação, nos termos da legislação vigente, à exceção daqueles onde
estava prevista expansão predominantemente residencial em Brasília Revisitada,
seriam considerados área “non-aedificandi”. O artigo 13 definiu o que vinha a ser o
termo setores institucionalizados
, como sendo todas as partes da cidade de Brasília
referidas no Memorial do Plano Piloto ou criadas pela administração durante a
implantação da capital e consagradas pelo uso popular.
O que essas tentativas de descrição deixaram claro de fato é que há uma enorme
indefinição do que seria o objeto a ser tombado. Mais tarde a UNESCO viria a
perguntar: “qual das Brasílias nós deveríamos considerar como uma referência (...)?”
166
. O Decreto, apesar de não ter respondido satisfatoriamente a essa pergunta,
atendeu às exigências feitas pela UNESCO, primeiro por ter provido uma legislação
de proteção elaborada pelo estado-parte, e segundo porque apresentou um perímetro
para a área a ser protegida
167
(fig.6).
Em 7 de dezembro de 1987, por decisão da UNESCO
168
na 11ª Reunião
Extraordinária do Comitê do Patrimônio Mundial, em Paris, foi aceita a inscrição de
Brasília na Lista do Patrimônio da Humanidade. No relatório da reunião há apenas a
166
UNESCO/ICOMOS, The State of Conservation of the World Heritage Site of Brasília, Brasil.
Report of the UNESCO-ICOMOS Mission to Brasilia, Brazil 5-9 - November 2001 (Final draft, 4
December 2001). Acesso via correio eletrônico enviado por Ricardo Souza em set/2002. (tradução nossa),
p. 32.
167
O Decreto de tombamento faz referência expressa ao perímetro da área tombada (art. 1º, § 2°).
Paradoxalmente, no entanto, este refere-se estritamente à área denominada Plano Piloto, como sendo
aquela objeto do mesmo, enquanto o denominado perímetro, compreende área bem maior que o Plano
Piloto de Lucio Costa (p.ex.: Candangolândia, Cruzeiro), permitindo o entendimento de que houve uma
extensão do Plano piloto, na intenção de prover uma Zona Tampão, exatamente como propôs o GT-
Brasília.
168
UNESCO. Relatório da reunião da 11ª sessão do comitê do Patrimônio Mundial. Paris, 1987.
Disponível em:
http://whc.unesco.org/archive/repcom87.htm. Acesso em: 02 abr. 2004 (tradução nossa).
90
menção de Brasília na lista de candidatos à inscrição e a seguinte recomendação: “O
comitê recomenda que uma política de conservação que respeite as características da
criação urbanística de 1956 seja buscada no Distrito Federal de Brasília”.
Fig.6 - Área de Intervenção Prioritária (de acordo com o Plano Diretor da Área de
Preservação - PDAP, em andamento, coincide com o perímetro dado pelo Decreto de
tombamento)
91
Há também menção à oposição feita pelo representante dos Estados Unidos,
sugerindo que a inscrição de nenhuma nova cidade fosse deferida até que as cidades
antigas fossem todas examinadas (obviamente, essa opinião foi derrubada durante a
reunião):
(…)The representative of the United States of America referred
to paragraph 29 of the "operational Guidelines for the
implementation of the World Heritage Convention" which
stipulates that the examination of new towns of the 20th
century "should be deferred until all the traditional historic
towns which represent the most vulnerable part of the heritage
of mankind, have been entered on the World Heritage List". In
view of this provision, she stated the opposition of her
delegation to the inscription of Brasilia. The representatives of
Canada and of India also expressed their concern about the
inscription of a new town, given the above-mentioned
provisions of the Operational Guidelines
169
4. Balanço do período e reflexos imediatos na preservação da Cidade
4.1. Segregação espacial
O Conjunto Urbanístico do Plano Piloto de Brasília foi o primeiro monumento do
século XX a ser inscrito pela UNESCO na Lista do Patrimônio Mundial da
Humanidade e logo em seguida foi tombado em nível distrital. No entanto, necessário
se faz perceber que a transformação de Brasília em patrimônio, seja local, nacional ou
mundial, não se deu num único momento simbólico, como o da inscrição na Lista, ou
o do tombamento, referindo-se tanto àquele dado em nível federal quanto àquele em
nível local. Como visto ao longo do capítulo, esta consagração foi apenas o
coroamento de um fenômeno que se deu como um processo, para o qual contribuiu
uma série de atos da própria administração.
169
UNESCO. Relatório da reunião da 11ª sessão do comitê do Patrimônio Mundial. Paris, 1987.
Disponível em:
http://whc.unesco.org/archive/repcom87.htm. Acesso em: 02 abr. 2004 (tradução nossa).
(...) “O representante dos Estados Unidos da América referindo-se ao parágrafo 29 do “Diretrizes
Operacionais para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial”, que estipula que o exame de
novas cidades do século XX “devem ser indeferidos até que todas as cidades históricas tradicionais, que
representam a parte mais vulnerável do patrimônio da humanidade, tenham entrado para a Lista do
Patrimônio Mundial”. Em vista desta previsão, ela expressou a oposição por parte de sua delegação à
inscrição de Brasília. Os representantes do Canadá e da índia também expressaram sua preocupação a
respeito da inscrição de uma nova cidade, dada a mencionada previsão das Diretrizes Operacionais.”
92
Nesse sentido, Ignez Costa Barbosa Ferreira
170
coloca com clareza a questão que
permeia a construção/preservação da cidade monumento, lançando uma luz também
sobre a questão da configuração espacial de Brasília, permitindo assim definir o que
pode ser chamado de Brasília:
Brasília tem sustentação teórica baseada no modelo do
idealismo racional compreensivo, que permite à cidade
encontrar explicações científicas, dadas sob a forma de dedução
lógica. A realidade verdadeira é aquela que está de acordo com
algum critério científico, confiável, para que se possa julgá-la e
não do mundo acessível concreto. Por isso, o monumento Plano
Piloto é preservado como cidade ideal, moderna, racional: os
fins são ideais contra os quais uma hipótese (a cidade) é testada.
Para a cidade moderna, universal, é importante a noção de
integralidade, continuidade e totalidade deduzida dos
princípios que produziram a cidade fordista, como a produção
uniforme, em massa, do Plano Piloto.
As tentativas de equilibrar e harmonizar ideais não escondem
as contradições do mundo real, no qual as diferenças das lutas
de classe não puderam ser ocultadas, expressando-se no intenso
crescimento urbano das periferias satélites. É falacioso pensar
que as cidades-satélite se opõem ao Plano Piloto, como uma
paisagem dual dicotomizada. Elas não podem existir sem o
Plano Piloto, e é para mantê-lo que elas existem. Juntos formam
a unidade da cidade sedimentada.
Ao tratar da resistência popular na Vila Paranoá, Luiza Naomi Iwakami
171
dá um
panorama da formação das cidades-satélite. Também Francisco de Assis Veloso
Filho
172
, ao apresentar análise das propostas de Expansão Urbana do DF, conclui que
todas elas propõem crescimento para fora da cidade, mais especificamente no sentido
Taguatinga-Gama, com premissas baseadas em critérios de saneamento. Otto Toledo
Ribas
173
, quando estuda critérios e diretrizes para a implantação da Asa Nova Norte,
faz um levantamento do surgimento das cidades-satélite até a implantação de
170
FERREIRA, Ignez Costa Barbosa. Brasília: Novos Rumos para a Periferia. In: PAVIANI, Aldo (Org.).
Brasília: Moradia e Exclusão. Brasília: Editora UnB, 1996, p. 189-212.
171
IWAKAMI, Luiza Naomi. Espaço Urbano em Brasília e a Trajetória da Resistência Popular na
Vila Paranoá. Tese (Mestrado), Departamento de Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 1988.
172
VELOSO FILHO, Francisco de Assis. Análise das Propostas de Expansão Urbana do DF.
Dissertação (Mestrado em Desenho Urbano), Departamento de Urbanismo, Universidade de Brasília,
Brasília, 1986.
173
RIBAS, Otto Toledo. Critérios e Diretrizes de Planejamento Urbano para Asa Nova Norte (Área
F), do Plano Urbanístico “Brasília Revisitada” visando a minimização dos Impactos sobre o Meio
Ambiente Natural. Tese (Mestrado em Desenho Urbano), Departamento de Urbanismo, Universidade de
Brasília, Brasília, 1988.
93
Ceilândia, que parece ter sido o momento nevrálgico na ocupação do DF, não só na
sua visão como na de cada um dos autores. Luiz Alberto Campos
Gouvêa
174
chama
atenção para a remoção de inúmeras favelas e a rapidez com que são assentadas as
populações, acarretando grandes impactos ambientais. Rafael Sanzio Araújo dos
Anjos
175
aponta para as falhas no planejamento regional e denuncia a falta de dados
aerofotogramétricos de todo o território do Distrito Federal, e não apenas da área dita
urbana, atribuindo tal descuido à decisão política.
Veloso Filho
176
detecta, ainda, em seu estudo, a escolha de critérios de organização
espacial durante o processo de implantação da cidade, os quais enumera:
1. tamanho da cidade adequado ao funcionamento do governo (haveria um
tamanho ideal para Brasília, idéia que se mostrou clara já no momento da
elaboração do Pano Piloto, com o aditivo do edital determinando que a cidade
haveria de ser projetada para 500 mil pessoas);
2. segregação industrial (Brasília não deverá ter indústrias, nem mesmo
açougues: essas atividades incômodas devem se desenvolver nas cidades-
satélite, ou seja, bem longe do Plano Piloto);
3. zoneamento sanitário do DF proposto pela CAESB – Companhia de Água e
Esgoto de Brasília, em 1970 (estudo realizado pela CAESB – PLANIDRO,
resultando mais tarde no PEOT – Plano Estratégico de Ocupação Territorial
– pelo qual, por questões ligadas ao saneamento/abastecimento de água da
cidade, o Distrito Federal deveria ser ocupado maciçamente no eixo
Taguatinga-Gama, prioritariamente).
Gouvêa
177
destaca, em seu texto A Capital do Controle Social que:
174
GOUVÊA, Luiz Alberto Campos. Habitação e emprego: uma Política Habitacional de Interesse
Social. In: PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília, Moradia e Exclusão. Brasília: Universidade de Brasília,
1996.
175
ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. Expansão Urbana no DF e Entorno Imediato (1964-1990):
Monitoramento por meio de dados de Sensoriamento Remoto. Dissertação (Mestrado), Universidade
de Brasília, Brasília, 1991.
176
VELOSO FILHO, Francisco de Assis. Op. Cit.
177
GOUVÊA, Luiz Alberto Campos. A Capital do Controle e da Segregação Social. In: PAVIANI, Aldo
(Org.). A conquista da Cidade: Movimentos Populares em Brasília. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1991, p. 75-96.
94
(...) entre as justificativas para a mudança da capital para o
Planalto Central, figurava a da ‘questão demográfica’, mais
especificamente, a necessidade de se ter uma capital, que, ao
mesmo tempo que dificultasse a ação militar externa, permitisse
ao Estado um efetivo ‘controle social’ sobre a massa
trabalhadora que, naquela ocasião (década de 50), pressionava a
administração do país com constantes greves e manifestações
nas portas do Palácio do Catete.(...)Todavia, somente a
mudança da localização da capital não garantiria as condições
de isolamento requeridas pelas classes dominantes,
principalmente em função do crescimento dos fluxos
migratórios. De fato, a capital necessitava ter uma proposta
físico-espacial que também refletisse, em escala menor, os
princípios que nortearam sua mudança do Rio de Janeiro para
o Planalto Central.
Todos esses autores discorrem sobre qual área poderia ser definida como Brasília: se
somente o Plano Piloto; se o Plano Piloto e as cidades-satélite; ou até mesmo se o
Plano Piloto, as cidades-satélite e algumas cidades do Entorno (cidades de Goiás e
Minas Gerais, próximas ao Distrito Federal e que guardam uma ligação estreita com
Brasília). Todos concordam que Brasília não pode ser considerada somente como o
Plano Piloto para o efeito de seus estudos. Dessa visão compartilham principalmente
Aldo Paviani
178
e Jose William Vesentini
179
. No entanto, a divergência fica
principalmente no que concerne à inclusão ou não do entorno do Distrito Federal
para efeito da definição do ambiente urbano de Brasília.
A contribuição desses estudos está principalmente em mostrar que Brasília foi
construindo-se e ao mesmo tempo conservando-se. Um dos mecanismos de que se
utilizou para isso foi a exclusão de certos grupos de seu perímetro, a custos altíssimos,
tanto sociais como na economia de escala, ou seja, nos custos de manutenção do
funcionamento da cidade e da vida na localidade. Os estudos mostram também que as
ações de planejamento realizadas nesse período (1974-1987) confirmaram a opção pela
segregação espacial.
178
PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília, Ideologia e Realidade – Espaço Urbano em Questão. São Paulo:
Ed. Edgard Blücher Ltda, 1981.
179
VESENTINI, Jose William. A Capital da Geopolítica. 4. ed. São Paulo: Ática, 1987, apud
IWAKAMI, Luiza Naomi. Espaço Urbano em Brasília e a Trajetória da Resistência Popular na Vila
Paranoá. Tese (mestrado no Departamento de Arquitetura e Urbanismo- UnB). Universidade de Brasília,
Brasília, 1988
95
As ações de planejamento, em grande parte, eram realizadas principalmente por
iniciativa federal. Como já mencionado, esse foi uma época de grandes ações
governamentais, não só de planejamento, mas também de investimentos. Os planos
eram executados, principalmente no tocante a investimentos, de tal forma que nem
sempre os resultados importavam.
Vimos que o legado de todas essas tentativas de ordenamento territorial – o PERGEB
(1974), o SICAD (1977), o PEOT (1978), o POT (1985), as NGB’s (1985), o POUSO
(1986) – foi a eleição e a consolidação do quadrante sudoeste como rumo para a
expansão da cidade, muito embora os custos desse empreendimento não tenham sido
contabilizados, exceto do ponto de vista da defesa da bacia do Paranoá. Questões
como transporte e até mesmo os custos sociais da segregação não foram jamais levados
em conta.
4.2. Preservação ambiental; incongruências em relação ao objeto da inscrição na
Lista e os instrumentos de proteção: a encruzilhada teórica.
Em meio a tanto planejamento, a questão ambiental também foi surgindo, como
aliada na segregação espacial e na reserva de terras em torno de Brasília. A
transformação do CAU em CAUMA refletiu essa preocupação com a vertente
ambiental. Não obstante, as invasões dentro da cidade, o contingente migratório e até
mesmo os condomínios, implantados por gente que não tem medo do Estado,
avançaram rumo à cidade, como praga, à qual a criação de cidades-satélite não
conseguiu mais fazer frente. A solução de José Aparecido, governador à época, foi a
de mandar de volta a população, dando passagens, ou arranjá-la nas cidades do
Entorno, fora, portanto, do Distrito Federal. Ainda assim, era preciso justificar tanta
proteção.
A onda de estudos para a preservação de Brasília, que já havia se iniciado alguns anos
antes, culminou com sua inscrição na Lista do Patrimônio Mundial. A ação do
DePHA, a elaboração do documento Brasília 57-85, o Brasília Revisitada, e depois a
Síntese dos Trabalhos do GT-Brasília, pontuaram a corrida pelo Título da UNESCO.
Antecedeu a tudo isso a Convenção firmada na UNESCO e transformada em Decreto
96
Legislativo nº 74/77
180
, que colocou o Brasil entre os países que poderiam submeter
bens à inscrição na Lista.
O período de 1974 a 1987 teve, portanto, como marca, além de ações de planejamento
urbano, o empenho – demonstrado especialmente a partir dos anos 80 – em
transformar Brasília em Patrimônio Mundial. Os trabalhos do GT-Brasília deram sua
contribuição ao considerar a proteção da cidade num sentido mais amplo, para além
do Plano Piloto. Afinado com os conceitos de bem cultural
181
, de memória
182
e de
continuidade
183
, admitiu a possibilidade de alterações na malha urbana dentro do
Plano Piloto. Propôs a defesa de acampamentos pioneiros como testemunho da
história da construção de Brasília; a participação da população no reconhecimento
daquilo que deve ou não ser salvaguardado; a conservação dos assentamentos
humanos, tanto rurais quanto urbanos – encontrados aqui quando da mudança da
capital, como exemplos do vernáculo típico da região Centro-Oeste – bem assim a
manutenção da paisagem na região do Distrito Federal. Nesse aspecto, é de particular
interesse o capítulo intitulado Um Estudo para a Preservação da Paisagem Natural do
Distrito Federal
184
, relatado pelo arquiteto Eurico João Salviati.
Por conter todos esses elementos, o resultado dos trabalhos do GT-Brasília pareceu
bastante afinado com as definições constantes do texto da Convenção à Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural
185
, aprovada em 30 de junho de 1977 pelo
Senado Federal como Decreto Legislativo.
Por outro lado, é fácil perceber que o estudo não foi contemplado na legislação que
seguiu a decisão da UNESCO, na 11ª Reunião Ordinária do Comitê do Patrimônio
Mundial. O documento Brasília Revisitada: Complementação, Preservação,
180
BRASIL. Decreto Legislativo nº 74, de 30 de junho de 1977. Aprova o texto da Convenção à Proteção
do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, Artigos 1º e 2º. Disponível em:
http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
181
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985, p. 19.
182
Ibidem, p.67.
183
Ibidem, p.18.
184
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL/MINISTÉRIO DA CULTURA - IPHAN/UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA. Síntese de Trabalho – Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de Brasília – GT/Brasília - 1985
185
BRASIL. Decreto Legislativo nº. 74, de 30 de junho de 1977. Aprova o texto da Convenção à Proteção
do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural., Artigos 1º e 2º. Disponível em:
http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
97
Adensamento e Expansão Urbana
186
de Lucio Costa, é que
deu as diretrizes do Decreto
nº 10.829/87, sendo a ele anexado. Tendo considerado como área de proteção o Plano
Piloto e seu entorno imediato, deu ênfase à questão das quatro escalas, e suas
referências que mais se aproximam do conceito de patrimônio natural são as feitas à
“orla do lago”
187
e à “volumetria paisagística nas quatro escalas urbanas da cidade”
188
.
Sandra Bernardes Ribeiro, com base no depoimento que colheu de Silvio Cavalcanti a
respeito do trabalho do GT, deu ênfase à importância daquele trabalho para o
processo de candidatura ao título de Patrimônio da Humanidade:
“O depoimento do arquiteto Silvio Cavalcanti demonstra que o
trabalho do GT-Brasília foi importante no processo de
candidatura de Brasília ao título de Patrimônio da
Humanidade, porque serviu para fundamentar a inclusão da
cidade na lista do comitê Mundial da UNESCO, mas foi
desconsiderado na regulamentação de proteção. O que
prevaleceu foram as idéias do urbanista Lucio Costa, as quais
procuravam consagrar o objeto Brasília como representante da
arquitetura e urbanismo modernistas em detrimento da
memória de Brasília enquanto ocupação do centro-oeste e
construção coletiva dos brasileiros”
189
Quando da inscrição de Brasília no Patrimônio Mundial, o relatório de Pressouyre
fez
menção ao prazo proposto para uma legislação que protegesse o Plano Piloto de
Lucio Costa e à indefinição de prazo para a fixação das zonas tampão propostas pelo
GT-Brasília. Aí estava expressa a exigência da UNESCO de que o Brasil, como
Estado-parte, elaborasse a legislação de proteção da cidade-patrimônio, cumprindo seu
papel de guardião do bem mundial, resguardada sua soberania. Sandra Bernardes
Ribeiro
190
nos conta com detalhes a batalha que se sucedeu a essa determinação da
Organização Internacional. Houve uma corrida para aprovar a lei no Congresso
Nacional. O GT-Brasília, cumprindo parte da incumbência que lhe fora dada,
186
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Brasília Capital de Todos. Brasília: GDF, 1957/85.
187
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 10.829, de 14 de outubro de 1987. Regulamenta o art. 38 da Lei nº.
3751, de 13 de abril de 1960, no que se refere à preservação da concepção urbanística de Brasília. Diário
Oficial do Distrito Federal, nº. 201, de 23 de outubro de 1987 suplemento
(http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em 20 jan. 2003, art. 8º.
188
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Brasília Capital de Todos. Brasília: GDF, 1957/85.
189
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural.
Dissertação (mestrado em história da arquitetura). Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 67.
190
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural.
Dissertação (mestrado em história da arquitetura). Universidade de Brasília, Brasília, 2003.
98
elaborou o Anteprojeto de Lei de Preservação do Patrimônio Histórico, Natural e Urbano
de Brasília
191
. Por seu turno, o grupo de intelectuais que sempre permaneceu na defesa
da cidade, encabeçado por Lucio Costa e pela pena de Ítalo Campofiorito, elaborou a
legislação vencedora da disputa.
Na concepção de Ribeiro
192
, havia dois grupos em embate, um deles representado por
arquitetos de Brasília, basicamente composto por integrantes do GT-Brasília, e outro
representado por arquitetos do Rio de Janeiro, defensor do Plano Piloto de Lucio
Costa. A principal diferença nas duas abordagens conceituais é que o grupo de Brasília
via a cidade como um processo; já o grupo do Rio a via como produto acabado, obra
de arte definitiva.
Nesse sentido, o GT-Brasília contemplava as várias fases históricas de construção da
cidade, com a arquitetura encontrada aqui na época da construção – o vernáculo; a
arquitetura dos pioneiros – os acampamentos; e o patrimônio natural – o cerrado;
tudo isso em consonância com o conjunto urbano, também visto de uma forma
dinâmica e evolutiva, tanto que não se propunha o tombamento, mas sim o
planejamento urbano como principal instrumento de proteção da cidade.
Ribeiro
193
, ao entrevistar diversos atores do GT, percebe que: “A finalidade específica
e imediata do tombamento é a conservação para a proteção do bem cultural, o que
implica estabelecer com clareza o que e como preservar”. Sendo assim, o instrumento,
ao ser considerado pelo GT-Brasília, foi logo deixado de lado como opção para
resguardar Brasília, por tratar-se de uma cidade em construção, já que o Decreto-Lei
Federal nº 25/37 estabeleceu os efeitos jurídicos do tombamento, sendo o principal
deles a conservação do bem tombado. A autora pergunta-se ainda: “neste sentido, o
tombamento seria o instrumento mais adequado para a proteção do patrimônio
cultural de uma cidade como Brasília? E para tal tombamento seria coerente a
191
SPHAN/PROMEMÓRIA, UnB, SEC/DF. Anteprojeto de Lei de Preservação do Patrimônio Histórico,
Natural e Urbano de Brasília. In: Boletim do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de Brasília, n° 45, Brasília, mar.1988.
192
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Op. cit., p.108; 113.
193
Ibidem, p. 74.
99
utilização de escalas urbanísticas baseadas em um plano urbanístico, como parâmetros
de preservação?”
194
.
A autora pondera ainda que para os técnicos do GT-Brasília, “o Plano Piloto é
considerado como um grande desafio do ponto de vista teórico-conceitual, por ser um
espaço urbano modernista, com o qual não há parâmetros semelhantes no mundo que
possam ser aplicados e testados, visando a sua preservação”, e cita o professor
Coutinho, integrante do grupo:
E tudo isso estava sendo colocado e desaconselhava o simples
uso do tombamento tradicional. A gente acreditava que poderia
se criar certas medidas de proteção baseadas em conceitos novos,
em novas ações também aliadas ao planejamento urbano (...). A
idéia era que para um objeto completamente novo deveria ser
utilizado um instrumento inovador, também.
195
Conclui que havia convicção, por parte dos técnicos participantes do GT-Brasília, de
que o instrumento do tombamento não deveria ser utilizado e que os espaços do
Distrito Federal deveriam ser preservados e gerenciados pelo poder público local.
Ademais, que havia também a intenção do GT-Brasília de discutir sua proposta com a
população, no que, no dizer de Ribeiro
196
, o GT-Brasília falhou, por falta
principalmente de formação técnica para esse tipo de abordagem, tendo utilizado os
referencias técnicos tradicionalmente aplicados pelo IPHAN:
A argumentação técnica do GT-Brasília não convence e não
consegue se sobrepor à argumentação de autoria, pois naquele
momento não havia mais o apoio político que o GT possuía
quando da gestão de Aloísio Magalhães, no Pró-Memória. Além
disso, o GT-Brasília não conseguiu debater sua proposta com a
sociedade e, com isto, ele perdeu a possibilidade de compartilhar
responsabilidades e de ter parceiros/aliados para se contrapor a
uma proposta que vinha respaldada pelo discurso competente.
197
194
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural.
Dissertação (mestrado em história da arquitetura). Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 74.
195
COUTINHO, José Carlos Córdoba apud RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória,
Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural. Dissertação (mestrado em história da arquitetura).
Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 74; 118.
196
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Op. Cit., p. 111.
197
Ibidem, p. 111.
100
Para o grupo do Rio de Janeiro, a cidade que devia ser mantida era apenas aquela que
fora engendrada pelo homem e construída ex niilo, o projeto do artista, a criação
modernista. Sandra Bernardes também mostra, na visão de um de seus entrevistados,
o entendimento do grupo carioca de que a cidade é um produto acabado, perfeito,
desconsiderando a distância conceitual entre a cidade projetada e a cidade construída,
que nunca chegou a existir. Citando Silvio Cavalcante: “nós temos que preservar
como ele está acabado. Ele teve um processo de construção, ele chegou ao final (...) o
processo está encerrado, o projeto está implantado, o projeto está feito(...) Essa coisa
toda é que a gente tem que preservar. Isso é que dá esse bom viver”
198
.
Lembra ainda a autora que a legislação do grupo vencedor, da forma como foi tratada,
utilizou critérios genéricos, principalmente no caso das escalas urbanísticas, dando
novamente todo poder aos técnicos responsáveis pela tutela da cidade, “abrindo a
possibilidade do exercício, mais uma vez, do discurso competente para definir
ações”
199
. Assim, o conceito de tombamento foi “generalista, não aprofundando as
questões da preservação para dar respostas concretas e orientar os agentes públicos na
sua aplicação”.
200
A este respeito, damos destaque a três aspectos pontuados por Sandra Bernardes
201
cujas observações foram feitas com relação à preservação em nível nacional e, como se
pode observar, estendem-se ao caso de Brasília, especialmente naquelas ações que são
levadas a cabo pelo IPHAN:
1. as Cartas Patrimoniais têm pouca ou nenhuma importância na prática
quotidiana da preservação em nível nacional
202
;
198
CAVALCANTE, Silvio apud RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão
do Patrimônio Cultural. Dissertação (mestrado em história da arquitetura). Universidade de Brasília,
Brasília, 2003, p. 113.
199
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural.
Dissertação (mestrado em história da arquitetura). Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 112.
200
BICCA, Brianne apud RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do
Patrimônio Cultural. Dissertação (mestrado em história da arquitetura). Universidade de Brasília,
Brasília, 2003, p. 112.
201
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Op. Cit., p. 112
202
Ibidem, p.31.
101
2. a escolha inicial do modelo francês permanece ao longo dos anos no Brasil,
avançando até os dias atuais, a despeito de todas as tentativas de introduzir na
prática paradigmas mais recentes
203
;
3. na prática levada a efeito pelo IPHAN, há uma elite que decide o que deve ser
protegido, em detrimento da politização das decisões, dando à instituição um
poder discricionário, concentrado nas mãos dos técnicos, mas não de todos os
técnicos e sim daqueles ou daquele que tem legitimidade para decidir
204
.
Já no âmbito internacional, ou seja, na UNESCO, houve também entraves, uma vez
que Brasília foi o primeiro monumento contemporâneo candidato à inscrição na Lista
do Patrimônio Mundial. Houve, por parte do Brasil, várias articulações políticas
junto à UNESCO, na tentativa de mostrar a importância do objeto da inscrição e de,
na verdade, convencer os membros dos diversos organismos ligados àquela entidade,
sensibilizando-os com a causa. Nessa tarefa, a figura do governador e ministro da
cultura José Aparecido foi de suma importância. O Itamarati também teve seu papel,
viabilizando os encontros, as discussões e as exposições formais e informais de
motivos. Uma longa jornada foi percorrida até chegar o momento de submeter de
fato a candidatura à Lista.
Em termos teóricos, essa tarefa coube ao GT-Brasília, familiarizado com o jargão de
Aloísio Magalhães
205
– a tarefa de descrever o bem a ser inscrito. Para isso, o grupo
utilizou todos os conceitos de Patrimônio Natural e Cultural, de bem cultural, de
memória e de continuidade, além de tantos outros que naquele momento já tinham
sido agregados ao conceito de patrimônio. A descrição do objeto, que ia além do
203
Ibidem, p.44.
204
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural.
Dissertação (mestrado em história da arquitetura). Universidade de Brasília, Brasília, 2003, p. 45.
205
Aloísio Magalhães havia sido ministro da cultura e tinha grande ligação e afinidade com o pensamento
patrimonial já corrente internacionalmente, veiculado pelas Cartas Patrimoniais e incorporado ao seu dia-
a-dia de trabalho no Ministério da Cultura. Portanto, seu jargão nada mais era que uma construção teórica
nova, que envolvia um conceito muito mais abrangente de patrimônio, que não só bebia nas águas da
UNESCO, mas certamente abastecia a fonte teórica daquele organismo internacional. Ao episódio de sua
morte, ocorrido numa reunião da UNESCO, bem se pode atribuir um significado simbólico, senão, ao
menos serve-nos para lembrar que Aloísio era freqüentador assíduo das reuniões do organismo que, por
assim dizer, decidia os destinos culturais da humanidade, e onde se trocavam as informações mais
recentes sobre o conceito de patrimônio cultural, que se encontrava em plena formação, como ainda se
encontra até hoje.
102
Plano Piloto de Lucio Costa, já revelava a abrangência do conceito com que se
trabalhava. Não se falava somente da cidade, mas do povo que a construiu, do
testemunho histórico deixado, dos acampamentos de obra, das manifestações
vernáculas preexistentes a Brasília. O dossiê Brasília foi enviado à UNESCO repleto
de imagens do Brasil que construiu Brasília, do elemento homem, que sonhou durante
séculos com o desbravamento do cerrado, e também daquela geração que trabalhou
para ver o sonho realizado. Os anexos ao dossiê falavam de uma Brasília muito maior,
muito mais humana, muito mais gente do que pedra, e essa Brasília é até hoje
procurada pelos especialistas enviados pela UNESCO de tempos em tempos para
monitorar a proteção da cidade. Sempre há um olhar para além do perímetro da área
tombada, como que perguntando: onde está a Brasília que inscrevemos na Lista?
Telegrama do Ministro das Relações Exteriores, de 2 de julho de 1987
206
, transmitiu
ao Governador do Distrito Federal as notícias da 11ª Reunião Extraordinária do
Comitê do Patrimônio Mundial, realizada em Paris, em 7 de dezembro de 1987
207
,
assim como da análise da candidatura de Brasília à inclusão na Lista, feita pelo Comitê
referente. Informou sobre o resultado da reunião, dando notícia de que a UNESCO
exigiria novos documentos, apesar da opinião favorável do ICOMOS:
2. O parecer referente a Brasília foi emitido pelo Conselho
Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e recomenda
que a inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial, a
exemplo de outros oito monumentos, seja adiada, porquanto a
documentação que instrui o pedido não contém indicações
precisas sobre o perímetro a ser preservado e também não alude
às medidas legais de preservação da área a ser inscrita na Lista.
3. O relatório do ICOMOS, resultante de reunião do Conselho,
em maio passado, da qual participou o professor Augusto Carlos
da Silva Teles, da Secretaria do Patrimônio Artístico e
Nacional (SPHAN), salienta a importância de Brasília,
referindo-se à capital federal como “um fato maior na História
do Urbanismo”, mas faz restrições às transformações ocorridas
depois da inauguração da cidade e alude à “ausência de um
plano regulador ou de um código urbano”.
206
SODRÉ, Roberto de Abreu [Telegrama] 02 jul.1987, Brasília [para] OLIVEIRA, José Aparecido de,
Brasília. 2f. Noticia a inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial.
207
UNESCO. Relatório da reunião da 11ª sessão do comitê do Patrimônio Mundial. Paris, 1987.
Disponível em:
http://whc.unesco.org/archive/repcom87.htm. Acesso em: 02 abr. 2004.
103
4. O documento expressa a opinião favorável do ICOMOS no
tocante à inclusão de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial,
mas recomenda o seu adiamento, “até que medidas mínimas de
proteção possam assegurar a salvaguarda da criação urbana de
Costa e Niemeyer”.
5. Nesse sentido, o Delegado do Brasil à XI sessão do Bureau do
Comitê do Patrimônio Mundial reiterou, em conformidade
com instruções elaboradas com a participação do Mistério da
Cultura, o interesse do Governo Brasileiro na inscrição de
Brasília na LPM [Lista do Patrimônio Mundial], e colocou-se à
disposição para o fornecimento de informações necessárias para
o bom andamento do pedido.
6. O delegado do Brasil informou ainda que o Grupo de
Trabalho encarregado do assunto no Brasil, integrado pelo
Ministério da Cultura, por intermédio da SPHAN, pelo
governo do Distrito Federal e pela Universidade de Brasília,
pretende concluir, em agosto vindouro, estudos relativos à
legislação específica do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional a ser aplicado em Brasília e à definição da área
urbana a ser preservada e proposta para inscrição na Lista do
Patrimônio Mundial.
7. (...)
8. Assim, o relatório da XI sessão do Bureau do Comitê do
Patrimônio conterá o seguinte parágrafo sobre o pedido de
inscrição de Brasília: “o Bureau recomendou a inscrição desse
bem com a condição de que as autoridades brasileiras adotem
uma legislação que assegura a salvaguarda da criação urbana de
Costa e Niemeyer. O bureau tomou nota com satisfação da
declaração do representante no Brasil, que informou que um
Grupo de Trabalho fora criado a fim de elaborar tal legislação,
cujo texto aprovado deverá ser remetido ao secretariado no
transcurso do segundo semestre de 1987”
9.(...) (grifos nossos)
Aqui foram mencionadas, basicamente, duas dúvidas com relação ao bem a ser
inscrito na Lista: que legislação seria utilizada para protegê-lo e qual o perímetro
da área a ser tombada. A partir desse momento, para dar resposta a essas perguntas,
entrou em cena o grupo do Rio de Janeiro: para responder à primeira, o grupo
convenceu José Aparecido a enviar à UNESCO a legislação escrita por Ítalo
Campofiorito, com a colaboração de Lucio Costa; como resposta à segunda, foi
enviado o perímetro proposto pelo documento Brasília Revisitada, também constante
do parágrafo 2° do art. 1°, do decreto de tombamento (10.827/87).
104
Desse episódio, resultaram diversas incoerências na prática de preservação em Brasília,
que ficam bem mais gritantes quando dos monitoramentos feitos pela UNESCO de
tempos em tempos. A inscrição na Lista, feita sob um olhar muito mais abrangente de
patrimônio, não se reflete na legislação aprovada para resguardar Brasília. Houve uma
ruptura no pensamento do GT, responsável pela inscrição da cidade na Lista do
Patrimônio Mundial, para então privilegiar a visão planocentrista. E as incoerências se
multiplicaram, quando a atuação do IPHAN correu numa direção, a de proteger o
Plano Piloto a qualquer custo, e o DePHA viu-se praticamente obrigado a correr na
direção de monumentos e sítios isolados, exatamente aqueles relegados ao
esquecimento pela decisão de manter unicamente o Plano Piloto.
Antes desse episódio, em março de 1987, o arquiteto Augusto Carlos da Silva Teles,
representante brasileiro em reunião do ICOMOS, menciona as seguintes
manifestações por parte daquele organismo, resultantes da análise do dossiê:
(...)
Que a consideração de Brasília como Patrimônio Mundial,
no caso de efetivar-se, seria relativa à cidade como um todo, por
tratar-se da única proposta urbana integral, efetivada segundo
os moldes dos CIAM e da Carta de Atenas, e portanto
representativa do pensamento da época;
Que cabe a imediata delimitação do que seja a cidade de
Brasília e sua paisagem com a finalidade de consideração pelo
Comitê, até sua reunião de maio;
Que em se tratando de uma cidade em franco
desenvolvimento, o crescimento nessa área delimitada como
cabível de consideração como Patrimônio Mundial, deveria
proceder-se com cautela, a fim de manter o seu espírito original.
Uma vez sabedor da proposta de expansão, o comitê do
Patrimônio Mundial, tenderá a sustar a análise do “dossiê
Brasília” à espera de informação a seu respeito;
A existência de uma área de expansão interna ao Plano
Piloto, poderá acarretar dificuldades no deferimento do pedido
brasileiro, pelo fato de representar a adição substancial ao plano
original;
Assim também, a criação de novos setores estendendo-se ao
longo da linha do horizonte que conforma o emolduramento
paisagístico do Plano Piloto poderá ter efeito idêntico, no caso
de tal expansão representar uma mudança radical da relação do
mesmo com a sua paisagem circundante. Nessa situação, um
estudo aprofundado em conjunto com as instâncias de
105
preservação estadual e federal de ocupação, tipologia e
volumetria – altura e massa edificada – poderia trazer resposta
satisfatória de modo a minimizar a comparência dessas adições
na paisagem, tornando-as aceitáveis por parte do Comitê
208
.
(grifo nosso)
Esse documento revela a preocupação do arquiteto com “alterações” que tanto podem
ser atribuídas à proposição de Lucio Costa, o Brasília Revisitada, em razão da previsão
de adensamento e expansão da cidade, como ainda à proposta do GT-Brasília, que via
Brasília como um objeto passível de alterações pontuais, em elementos que não
fossem julgados essenciais para a imagem da cidade. É uma deixa para as escalas,
quando sugere um estudo da ocupação no que se refere a tipologia, volumetria, altura
e massa edificada.
Brasília Revisitada, no entanto, como proposta de adensamento e expansão que se
pretendia, respondia à realidade de Brasília com uma visão muito menos
preservacionista do modelo original do que a proposta do GT-Brasília, já que propôs
novas zonas de ocupação urbana, inclusive na área do Plano Piloto. No entanto,
responde às preocupações postas por Silva Teles quando apresenta a solução das
escalas.
Nesse sentido, o GT, na legislação que propôs, fez um esforço muito maior em
descrever o bem tombado em seus detalhes, estabeleceu uma zona tampão e nem
sequer cogitou da ocupação de áreas próximas ao Plano Piloto, apesar de incorporar
assentamentos já existentes nessas áreas (como o caso da Vila Planalto), ainda sem
propor qualquer expansão ou ocupação nova. Em suma, O GT-Brasília não apresenta
qualquer solução de Expansão ou adensamento da cidade, embora não afaste de todo
essa possibilidade.
Essas duas visões vão perpassar a preservação de Brasília em todos os anos seguintes.
Adiante, este trabalho demonstrará que, em meio a quase 20 anos de inscrição na Lista
do patrimônio Mundial, ainda hoje se avança em direção aos conceitos preconizados
208
TELLES, A. C. da Silva [Nota] 19 mar.1987, Brasília s/ destinatário. 2 f. Relata as manifestações de
especialistas do ICOMOS a respeito do “Dossiê Brasília” enviado àquele organismo.
106
pelo GT-Brasília, no que tange à definição de Patrimônio Cultural em sentido mais
amplo.
107
Capítulo V - Período de ajuste à nova realidade política do País e à autonomia
política: demandas sociais e de democratização incidindo sobre o planejamento
(1988 a 1997)
1. A constituição de 1988, leis sobre o bem tombado e respostas à demanda
habitacional
A expressão Nova República, cunhada pelos líderes da campanha pelas Diretas Já,
passou a designar o plano de governo da Aliança Democrática e foi assumida por
Sarney, como sinônimo de sua administração: uma Emenda Constitucional de 10 de
maio de 1985 restabeleceu eleições diretas para prefeitos em áreas antes consideradas
como de segurança nacional. Concedeu o direito de voto a analfabetos e jovens a
partir de 16 anos, extinguiu a fidelidade partidária e as exigências para o registro de
partidos, permitindo a legalização de alguns daqueles que viviam na clandestinidade,
como o PCB – Partido Comunista Brasileiro e o PC do B – Partido Comunista do
Brasil, além de permitir o surgimento de novas agremiações. E, mais importante,
convocou nova Assembléia Constituinte, que promulgou nova Constituição em 1988.
O quadro econômico foi o grande desafio da Nova República de José Sarney, que teve
de enfrentar altos índices de inflação, numa sucessão de planos frustrados na tentativa
de conter os índices inflacionários.
Em 15 de outubro de 1986, instaurou-se a Assembléia Nacional Constituinte, com a
investidura de poderes constituintes ao Congresso, e teve início a elaboração da
Constituição, a primeira a aceitar emendas populares. Em razão dos direitos
trabalhistas, culturais e sociais que a nova Constituição protegeu, definindo os artigos
em que estavam dispostos como cláusulas pétreas, e por defender a federação e o voto
108
direto, a Constituição de 1988 ficou conhecida como “Constituição Cidadã”
209
. A
constituição de 1988 assim definiu patrimônio cultural
210
:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação,
à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico
e científico.
A definição de patrimônio cultural, dada pela nova Constituição brasileira, avança
muitos anos em relação à prática nacional como um todo, exceto com relação a
algumas experiências isoladas, como as de Mário de Andrade, de Aloísio Magalhães e
algumas experiências municipais. Tanto assim que a lei federal veio a regulamentar a
questão do patrimônio imaterial bem mais tarde, em 2000
211
.
A Constituição de 88 concedeu autonomia política ao Distrito Federal, embora sem
mecanismos de autonomia econômica, dando-lhe importantes instrumentos de gestão
territorial: a Lei Orgânica, o Plano Diretor, a instalação do Poder Legislativo local,
que, de certa forma, equilibrou as forças do poder público e reforçou o poder local e,
por conseguinte, a sociedade civil.
209
No tocante à cultura e aos bens culturais, nunca um texto constitucional brasileiro lhes dedicou tanto
espaço. Pela primeira vez surge a denominação patrimônio cultural e sua definição (art. 216). Outra
novidade é a distinção entre patrimônio cultural e natural, este último sob a denominação ambiental. O
meio ambiente, aliás, passou a constar de capítulo especifico (art. 225). Os artigos 5°,
23,24,30,129,170,215,216,220,221 e 225 trouxeram menção específica em relação à cultura, patrimônio
cultural e meio ambiente. A ação popular tem explicitado, no novo texto, seu papel na defesa do
patrimônio cultural e do meio ambiente.
210
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 216. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br. Acesso em 17 set. 2005.
211
BRASIL, Decreto n° 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o programa nacional do patrimônio imaterial
e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 ago. 2000. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 30 jan. 2003.
109
O Governador Joaquim Roriz, que em 1988 tomou posse no Governo de Brasília
como “governador biônico” (indicado pelo Presidente, conforme previa a Emenda
Constitucional nº 01/69), foi o último governador assim escolhido.
Iniciou-se, então, nova política de ocupação do território no Distrito Federal, com o
intuito de eliminar invasões e sublocação: o Programa de Assentamento para a
População de Baixa Renda, que consistia na criação e na distribuição de lotes semi-
urbanizados à população de baixa renda. Para atender a essa política, cidades foram
criadas, expandiu-se a área urbana da maioria das cidades já existentes e fixou-se a
população em algumas áreas de invasões (Vila Paranoá, Vila Varjão, Areal e Vila
DVO). Para atender à classe média e a interesses imobiliários, surgiram, a partir de
então, o Setor Sudoeste e Águas Claras, esta última para otimizar a linha do metrô
entre o Plano Piloto e Taguatinga.
Em março de 1988, foi concluído pelo GT-Brasília o ante-projeto de lei de
preservação do Patrimônio Histórico, Natural e Urbano de Brasília
212
, em resposta à
decisão da UNESCO de exigir a elaboração de lei que protegesse o bem Patrimônio
da Humanidade. Em suas considerações iniciais, o anteprojeto enuncia que:
(...) tem como objeto principal o Plano Piloto de Lúcio Costa,
do Concurso para a Nova Capital – 1957 [mas que este
objeto] estende-se ainda às manifestações vernáculas da
Região Centro-Oeste preexistentes em Brasília, compreendidos
pelas sedes antigas de fazendas e setores tradicionais de
Brazlândia e Planaltina, aos Acampamentos Pioneiros,
representativos da etapa de construção da cidade e à paisagem
natural, de presença marcante no Território do Distrito
Federal, no qual situam-se nascentes de três importantes
bacias hidrográficas brasileiras – Amazônica, Platina e São
Franciscana – Formando um ecossistema peculiar,
representativo da flora e fauna das mencionadas bacias.
Além dessa consideração inicial, o anteprojeto prometeu ainda levar em conta: que
Brasília é uma cidade nova, concebida como cidade do futuro, tendo, portanto, o
compromisso de atingir o Terceiro Milênio em posição de vanguarda; que a proteção
212
SPHAN/PROMEMÓRIA, UnB, SEC/DF. Anteprojeto de Lei de Preservação do Patrimônio Histórico,
Natural e Urbano de Brasília. In: Boletim do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de Brasília, n° 45, Brasília, mar.1988.
110
do patrimônio urbano contemporâneo exige um enfoque específico de caráter
dinâmico, atendendo às exigências de atualização impostas pelo crescimento das
cidades; que o processo de crescimento pelo qual Brasília vem passando sujeita-a a
crescentes pressões, capazes de desfigurar as características fundamentais que lhe
conferem identidade ímpar. Disse considerar ainda o interesse político pela
salvaguarda da cidade, manifestado naquele momento por parte das autoridades.
Afirmou ter por fundamentos os princípios de manutenção dinâmica e
contemporânea que garantissem características responsáveis por sua identidade e
possibilitassem adoção de novas proposições desejáveis à otimização do processo
urbano, contemplando, com medidas de proteção específicas, a totalidade dos bens
representativos do Patrimônio Cultural do Distrito Federal, fundamentais à
compreensão do processo de implantação e de desenvolvimento da cidade, desde sua
idealização até o presente momento. Propôs a instalação de um Conselho de
Preservação do Patrimônio de Brasília e atribuiu às Secretarias de Governo do DF a
gestão desse instrumento, com o devido acompanhamento dos demais órgãos
constantes do Protocolo de Cooperação Mútua: Ministério da Cultura, Governo do
Distrito Federal e Universidade de Brasília. Enunciou como objetivo da lei fixar
diretrizes para o desenvolvimento do Distrito Federal, com vistas à conservação do
seu Patrimônio Cultural, compreendendo-se neste o Patrimônio Construído e o
Patrimônio Natural. Definiu uma série de conceitos: Preservação, Níveis de Proteção,
Patrimônio Cultural, Patrimônio Contemporâneo de Preservação Prioritária,
Patrimônio Natural, Sítio Físico, Planta Baixa, Silhueta, Tipologia de Edificações,
Estrutura Interna do Espaço e Elementos Acessórios, alguns deles contendo
subdivisões e tratando claramente de conceitos ainda não apropriados pela população
e nem mesmo pelos profissionais que lidavam com o tema no dia-a-dia da cidade.
Dentro desse arcabouço conceitual, propôs vários níveis de proteção, subdividindo o
território a ser protegido, espacial e temporalmente, descrevendo cada uma das
características definidoras de cada ambiente a ser protegido.
111
Em julho de 1988 foi criado o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do
Distrito Federal, pelo Decreto n° 11.177/88
213
imediatamente após a obtenção do
título de Patrimônio Mundial da Humanidade. O Conselho foi composto de treze
membros, entre eles quatro membros natos: o Secretário de Cultura, o Procurador-
Geral do Distrito Federal, o Secretário do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia e o
diretor do DePHA. Entre os membros indicados pelo governador estava um
representante do IPHAN, um representante da Universidade de Brasília, um
representante do CAUMA e um representante do IAB-DF – Instituto de Arquitetos
do Brasil departamento do Distrito Federal, além de outros cinco de livre escolha do
governador.
Note-se que o CAUMA continuaria ainda em pleno exercício de suas funções,
provavelmente em concorrência aberta, inclusive com superposição de funções em
relação àquele conselho. A bibliografia encontrada não traz informações sobre a
convivência entre os dois órgãos, e de como teriam sido resolvidos os prováveis
conflitos de competências.
As novas regras da Constituição previam eleições com plena liberdade partidária e em
dois turnos para o primeiro governo civil eleito por voto direto desde 1960. Fernando
Collor de Mello derrotou no 2º turno Luis Inácio Lula da Silva. Entre suas promessas
de campanha estavam a moralização da política, o fim da inflação e a modernização da
economia.
Em outubro de 1989 foi aprovada a Lei nº 47/89
214
, que instituiu o tombamento em
nível distrital, muito semelhante ao Decreto-Lei n° 25/37, em esfera federal. Com
base nesse instituto foram inscritos todos os bens tombados em nível distrital, mesmo
que alguns tenham sido inscritos após alguns anos de seu reconhecimento pelo
DePHA como bens dignos de cobertura.
213
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 11.177 de 29 de julho de 1988. Cria o Conselho de Defesa do
patrimônio cultural do Distrito Federal. In Governo do Distrito Federal. Legislação do Distrito Federal
1988. v. XLI. Brasília, Brasil, 1991.
214
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 47, de 2 de outubro de 1989. Dispõe sobre o tombamento, pelo Distrito
Federal, de bens de valor cultural, Diário Oficial do Distrito Federal, 3 out. 1989. Disponível em:
http://www.mpdft.gov.br/assjur/ldf/1989/47.htm. Acesso em: 20 abr. 2005.
112
No mesmo ano foi criado e iniciado o Programa de Assentamento da População de
Baixa Renda do Distrito Federal, aprovado pela Decisão n° 105/89 do CAUMA
215
.
Esse programa teve entre seus objetivos o de reorganizar o espaço urbano do Plano
Piloto e cidades-satélite, fixando a população nos locais onde comprovadamente
houvesse condições de permanência, preferencialmente em locais próximos aos
ocupados, tentando ressalvar os vínculos sociais e culturais. O programa teve grande
amplitude, envolvendo 27 intervenções, com lotes repassados por meio de Termo de
Concessão de Uso e criados sem infra-estrutura, que a partir de então iria sendo
provida paulatinamente, sem qualquer preocupação com o desenvolvimento
econômico como fator de mudança social, durante esse processo. Quase todas as
cidades-satélite existentes à época tiveram seu território expandido em conseqüência
da implantação do programa.
Também em 1989 foi elaborado Anteprojeto de Lei
216
(sem número), produto do
trabalho de um grupo interinstitucional
217
, instituído pelo Decreto n° 11.210/88
218
,
com o objetivo de responder a questões específicas de salvaguarda do Plano Piloto e
para além dele. Foi uma tentativa de descrever o bem tombado, dando-lhe suas
características essenciais e, portanto, considerando a possibilidade de alterações
naquilo que não consistisse em característica essencial. Na esteira do GT-Brasília e,
certamente, da Constituição já promulgada, o documento, em seu artigo 1º,
considerou a preservação do patrimônio um direito do cidadão. Trabalhou com o
conceito de Patrimônio Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico, e não com o
conceito de Patrimônio Cultural, apesar de estar este implícito nas diretrizes
propostas e na própria definição do conceito de Patrimônio Arquitetônico,
215
DISTRITO FEDERAL. Decisão n° 105/89 – CAUMA. Estudo do Programa de Assentamentos
Habitacionais do Distrito Federal. 56ª Reunião Extraordinária – Conselho Pleno, em 24 out. de 1989.
(fac-símile)
216
DISTRITO FEDERAL. Anteprojeto de Lei S/N° Dispõe sobre a política de Preservação do Patrimônio
Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Distrito Federal, e dá outras providências. Documento
encontrado nos arquivos da 15ª SR do IPHAN em Brasília, em Janeiro de 2005.
217
O documento, como encontrado nos arquivos da 15ª SR, não faz menção ao grupo que o elaborou.
218
DISTRITO FEDERAL. Decreto nº. 11.210 de 18 de agosto de 1988. Cria a Comissão Técnica para a
elaboração de Anteprojeto de Lei de preservação do Patrimônio Cultural do Distrito Federal Diário
Oficial do Distrito Federal, 19 ago. 1989.
113
Urbanístico e Paisagístico que aparece no art.4°, inciso I
219
. Definiu ainda
Preservação, no mesmo artigo, inciso II
220
.
Destacamos em seu texto os seguintes aspectos:
Propôs a interdisciplinaridade no trato da questão do Patrimônio
Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico e estabeleceu que a “particularidade,
especificidade e excepcionalidade” de Brasília, bem como o fato de constituir
um bem inscrito na relação de Patrimônio Cultural da Humanidade, seria
“fundamento permanente da Política de Preservação (...) no Distrito
Federal”
221
.
Entre os objetivos, enumerou, além da manutenção do Plano Piloto e dos
elementos arquitetônicos-símbolos especificados na lei, a malha urbana e o
estado natural da paisagem circundante da Subárea A (Plano Piloto-Eixo
Monumental), bem como conjuntos urbanos de valor histórico da cidade-
satélite de Planaltina e dos assentamentos característicos da fase da construção
de Brasília.
Trouxe termos da legislação proposta pelo GT, como: Patrimônio de
Preservação Prioritária, Patrimônio Característico da Fase de Construção de
Brasília (Acampamentos Pioneiros), Patrimônio Vernáculo Urbano,
Patrimônio Vernáculo Rural (fazendas antigas preexistentes à inauguração da
Capital). Também propôs vários níveis de proteção.
219
DISTRITO FEDERAL. Decreto nº. 11.210 de 18 de agosto de 1988. Cria a Comissão Técnica para a
elaboração de Anteprojeto de Lei de preservação do Patrimônio Cultural do Distrito Federal Diário
Oficial do Distrito Federal, 19 ago. 1989, art. 4°, inciso I.
“Patrimônio Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico – bens de natureza arquitetônica, urbanística e
paisagística existentes no Distrito Federal, tomados individualmente ou em conjunto, de significativo
valor histórico e cultural, cuja preservação no tempo e no espaço seja de interesse público e que por seus
conteúdos simbólicos, afetivos, de qualidade técnica e beleza estética, sejam representativos das
identidades sociais ou de um ideário arquitetônico e urbanístico específico”.
220
Ibidem, inciso II.
“Preservação - ação ou efeito de manter, conservar e proteger bens do patrimônio arquitetônico,
urbanístico e paisagístico contra quaisquer ações ou omissões que impliquem sua total ou parcial
descaracterização”.
221
Ibidem , art. 3°, parágrafo único.
114
Em 1990 houve o tombamento na esfera federal do Conjunto Urbano de Brasília pela
Portaria nº 04, de 13 de março do IPHAN
222
, e pela inscrição no Livro Histórico, em
14 de março. Mais tarde, foi editada também a Portaria n° 314 de 8 de dezembro de
1992, que alterou o artigo 9º, parágrafo 3° dessa Portaria.
No mesmo ano foi também aprovado o Código de Obras de 1989
223
. Para Silvia
224
esse Código “foi elaborado sob a influência de alguns eventos momentosos”. Entre
eles enumera o recebimento do título de ‘Patrimônio Cultural da Humanidade’ pela
UNESCO; a
adoção do Brasília Revisitada, com recomendações para preservação,
adensamento e expansão da cidade; a promulgação da nova Constituição Brasileira em
1988 e o advento da autonomia política do Distrito Federal, com a “criação de uma
Câmara de representantes eleitos, com poderes para estabelecer políticas de uso e
ocupação do solo”
225
. No dizer de Silvia:
Dada a importância atribuída à listagem da UNESCO, e a
aprovação das diretrizes de Costa, o Código de 1989
incorporou na íntegra o texto do Decreto n° 10.829 e do
Brasília Revisitada. Por seu lado, a nova Câmara aprovou
em 1993 uma Constituição própria do Distrito Federal, a
qual tornava Brasília objeto do controle urbanístico de órgãos
locais.
O Código de Obras de 1998 já mostra o alinhamento da
política brasileira ao neoliberalismo, com a conseqüente
diminuição do aparelho estatal e desregulamentação de
diversas áreas da vida pública até então controlados pelo
Estado. Suas características mais marcantes são a redução de
requisitos e a simplificação de procedimentos para a
aprovação de projetos. As exigências relativas à qualidade
arquitetônica foram quase inteiramente abolidas, mesmo
para projetos a serem edificados naqueles setores considerados
de maior carga simbólica, anteriormente examinados pelo
CAUMA.
222
MINISTÉRIO DA CULTURA e SPHAN. Portaria n° 4 de 13 de março de 1990. Institui o
tombamento na esfera federal, do conjunto urbano de Brasília. (mimeogr.). Documento encontrado nos
arquivos da 15ª Superintendência Regional IPHAN. Acesso em: jan. 2005.
223
Código de Obras e Edificações - COE, 1989 apud FICHER, Silvia et al. Os Blocos Residenciais das
Superquadras de Brasília. Brasília, Janeiro 2003. Acesso via correio eletrônico enviado por Silvia
Ficher, em: abr. 2005.
224
FICHER, Silvia et al. Os Blocos Residenciais das Superquadras de Brasília, Brasília, Janeiro 2003
Acesso via correio eletrônico enviado por Silvia Ficher, em abril de 2005.
225
Ibidem.
115
Em novembro de 1990, Brasília conquistou autonomia política, elegendo seu primeiro
governador pelo voto popular direto – Joaquim Roriz – além de 24 deputados
distritais para formar a Câmara Legislativa. Em seguida, Joaquim Roriz foi exonerado
a pedido, para concorrer ao cargo de Governador, na primeira eleição direta para
governador no Distrito Federal. Eleito, governou de 1991 a 1995, quando concorreu
ao Governo Cristovam Buarque.
Desde sua criação, a atuação da Câmara Legislativa alterou significativamente as ações
referentes ao uso do solo no Distrito Federal, passando a legislar sobre a questão
territorial paralelamente ao Executivo, algumas vezes desarticuladamente.
O tombamento do Plano Piloto em 1990, efetuado no âmbito federal sem nenhum
conhecimento ou participação dos agentes locais, tem trazido uma série de
complicações na gestão do território, uma vez que a cidade necessita ainda de
complementações e correções, que merecem ser discutidas tecnicamente. Por outro
lado, com base no tombamento, o Ministério Público tem atuado insistentemente,
cumprindo sua função constitucional
226
, com ações em defesa do Patrimônio.
Em 1991, houve o impeachment do Presidente Collor. O vice-presidente eleito
assumiu interinamente até o fim do mandato, que ocorreu em dezembro de 1994.
Itamar Franco administrou um país traumatizado pelo impeachment, porém deixou o
governo com um dos maiores índices de popularidade da República.
2. Planos diretores, Conselhos de planejamento e monitoramento da UNESCO.
A Versão Preliminar do Plano Diretor de Ordenamento Territorial – DF (PDOT)
227
,
deu o quadro de preservação da cidade, de outras questões também direta ou
indiretamente afetas a ela e de como seriam tratadas essas questões no Plano Diretor
226
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988, art.129. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br. Acesso em 17 set. 2005.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
...
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
...
227
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. PDOT – Plano Diretor de Ordenamento Territorial - DF
– versão preliminar. Brasília: 1992, 59p.
116
em elaboração. Declarou, como um de seus objetivos “cumprir a função social, de
modo a garantir a qualidade de vida e o bem-estar dos habitantes do DF”, e
mencionou a proteção do patrimônio cultural como sendo parte dessa meta (citando
o Decreto n° 10.829/87, mas não a Portaria n° 314/92); referiu-se ao documento
Brasília Revisitada 57/85 e também ao documento Brasília, Patrimônio Cultural
Contemporâneo: Complementação, Preservação, Adensamento e Expansão Urbana;
tratou de temas como ocupação desordenada do solo rural, para chácaras de lazer e
habitações de baixa, média e alta rendas; conurbação urbana sudoeste; transporte de
massa (metrô); questão fundiária; conservação ambiental; sistema de transporte; novas
áreas para ocupação habitacional no Plano Piloto (Brasília Revisitada), utilizando,
contudo, outras variáveis de planejamento, como por exemplo abastecimento de água
para o atendimento das diversas faixas de renda.
Emitiu um conjunto de diretrizes que traduziram as preocupações com a harmonia e
o fortalecimento de várias situações e realidades, entre elas Brasília Patrimônio
Cultural da Humanidade, e os objetivos a serem alcançados por meio de ações
técnicas e político-institucionais:
(...) consolidar o papel do Distrito Federal como pólo político e
econômico regional e nacional, e Patrimônio Cultural da
Humanidade e definir um aglomerado urbano com as
características metropolitanas, no eixo Brasília-Taguatinga-
Gama, assumindo as atribuições de “motor” das atividades
produtoras da região.
Com respeito à preservação recomendou, como segue:
(...) agilizar a regulamentação da Lei de preservação de
Brasília, visando não só a preservação do Plano Piloto de
Brasília, mas também as outras áreas do Território do DF que
se constituem em Patrimônio Histórico e Artístico, (...)
reforçar o papel das cidades-satélite como tal no contexto
definido pela Constituição de 1988 ao DF.
O Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal foi finalmente
criado pela Lei n° 353/92
228
. O PDOT consolidou os diversos planos existentes em
228
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 353, de 18 de novembro de 1992. Aprova o Plano Diretor de
Ordenamento Territorial do Distrito Federal, institui o Sistema de Planejamento Territorial do Distrito
117
um único documento de orientação da ocupação do solo no território do DF. Propôs
alterações institucionais, como a criação do SISPLAN – Sistema de Planejamento
Territorial e Urbano, do SITURB – Sistema de Informações Territoriais e Urbanas, e
do IPDF – Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal;
instituiu o Conselho de Planejamento – CONPLAN e os conselhos locais, ligados às
administrações regionais; abriu possibilidade de o particular parcelar o solo; exigiu o
EPIA/RIMA - Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto
Ambiental para qualquer tipo de parcelamento; permitiu a instituição de
condomínios por unidades autônomas no SMPW – Setor de Mansões Park Way e no
SMDB – Setor de Mansões Dom Bosco. Além disso, o PDOT buscou definir o
macrozoneamento do território, criando as categorias de uso do solo: urbana, de
expansão urbana e de interesse ambiental e rural.
Federal, e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, de 19 de novembro de 1992 e
retificação em 03 de março de 1993- art. 19, caput. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em:
11 mar. 2005.
118
Fig.7 - Mapa das linhas do metrô/DF.
119
O PDOT, que também reafirmou o eixo de crescimento em direção a Taguatinga e
Samambaia, já previsto anteriormente por outros Planos (PEOT, POT, POUSO e
Brasília Revisitada), estabeleceu o transporte urbano (Metrô) como elemento
estruturador desse eixo (fig.7).
Em 1992 houve a revisão do tombamento de Brasília na esfera federal, pela Portaria
n° 314/92
229
, que revogou a Portaria nº 04, de 13 de março de 1990. Essa Portaria
apresentou definições e critérios para proteção do conjunto urbanístico de Brasília,
tombado nos termos do Conselho Consultivo do SPHAN. Como a Portaria foi
posterior ao Decreto n° 10.829/87, incorporou definições e determinações desta lei,
transcrevendo-as, em sua maioria, na íntegra, exceto as menções ao Brasília Revisitada
constantes do Decreto, quase todas suprimidas na Portaria, com exceção do artigo 9°,
que proibiu a criação de novos lotes, exceto para as expansões previstas no Brasília
Revisitada, trazido como anexo. Houve também ampliação das atribuições do
CAUMA para aprovação do Espaço Lucio Costa, pois que no Decreto a aprovação
daquele órgão restringia-se a áreas na Praça dos Três Poderes e suas “referências
integradas”, excluído o referido Espaço Lucio Costa. Ademais, foram retiradas as
menções às atribuições do Governador do Distrito Federal. Quanto à Portaria nº.
04/90, foi revogada apenas para acrescentar ao artigo 9º o parágrafo 3°, com o
seguinte texto:
§ 3º Excepcionalmente, e como disposição naturalmente
temporária, serão permitidas, quando aprovadas pelas
instâncias legalmente competentes, as propostas para novas
edificações encaminhadas pelos autores de Brasília - arquitetos
Lucio Costa e Oscar Niemeyer - como complementações
necessárias ao Plano Piloto original e, portanto, implícitas na
Lei Santiago Dantas (nº 3.751/60) e no Decreto n°
10.829/87 do GDF que a regulamenta e respalda a inscrição
da Cidade no Patrimônio Cultural da Humanidade
230
.
229
BRASIL, SECRETARIA DE CULTURA/ IPHAN. Portaria n° 314, de 08 de outubro de 1992. Revoga
a portaria n° 04, de 13 de março de 1990, ofício 156/92. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
230
BRASIL, SECRETARIA DE CULTURA/ IPHAN. Portaria n° 314, de 08 de outubro de 1992. Revoga
a portaria n° 04, de 13 de março de 1990, ofício 156/92. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003, art.9º, § 3°.
120
Esse parágrafo abriu exceção para alterações no Plano Piloto, desde que propostas
pelos autores. Vale lembrar que o caput do artigo 9º é justamente aquele que vedou a
criação de novos lotes, com exceção apenas para o Brasília Revisitada.
A partir de 1992, por força da Lei n° 245/92, as alterações do patrimônio artístico,
histórico, turístico e paisagístico do Distrito Federal, passaram a ser autorizadas
apenas por lei. Esta lei, em seu artigo 2°, inciso I, estabeleceu que:
Dependem de prévia autorização legislativa:
I- alterações do patrimônio artístico, histórico, turístico e
paisagístico do Distrito Federal
231
.
Em 1993 foi aprovado o COE – Código de Obras e Edificações de Brasília, pelo
Decreto nº 13.059/91
232
, que teve por finalidade atualizar o COB (Código de Obras
de Brasília, já mencionado neste trabalho), disciplinando a aprovação de projetos
arquitetônicos, a construção e a fiscalização de obras. Teve aplicação apenas nas
Administrações Regionais de Brasília, Núcleo Bandeirante, Guará, Cruzeiro, Lago
Sul, Lago Norte e Candangolândia, servindo, para o restante das cidades-satélite,
apenas como documento de referência. Foi atualizado e substituído pelo atual COE.
Neste mesmo ano, foi promulgada a Lei Orgânica do Distrito Federal, ainda hoje
essencial para a organização dos poderes Executivo e Legislativo do DF, bem como
para o fortalecimento das instituições democráticas em nível local. Em seu texto,
atribuiu à Câmara Legislativa do DF o poder de legislar sobre uso e ocupação do solo,
mudança de destinação de área e parcelamento do solo, o que tem gerado conflitos no
processo de planejamento, pela falta de integração entre a Câmara Legislativa e o
Poder Executivo. Também incorporaram-se conceitos bastante avançados relativos à
preservação tanto do patrimônio cultural como do patrimônio natural.
231
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 245, de 27 de fevereiro de 1992. Dispõe sobre a autorização legislativa
para alterações nos códigos de edificações, nos gabaritos de edificações, no zoneamento e destinação de
terras públicas do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 30 mar.
1992. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
232
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 13.059 de 08 de março de 1991. Homologa a Decisão n° 129/90,
do Conselho de Arquitetura, Urbanismo e Meio-ambiente do Distrito Federal – CAUMA. Diário Oficial
do Distrito Federal, 08 mar. 1991.
121
No período de 25 a 29 de outubro do mesmo ano, foi realizada pela UNESCO uma
avaliação, cujo Relatório de Monitoramento
233.
foi elaborado por German Samper
Gnecco, arquiteto enviado por aquele organismo. O trabalho do arquiteto constitui
procedimento realizado rotineiramente pela UNESCO, ou promovido em função de
denúncia feita, até mesmo por qualquer dos Estados-parte. Uma das primeiras
afirmações de German Samper Gnecco foi de que a “coerência urbana” de Brasília
estaria “em perigo”, pois “foi desenhada para uma população que não se expandiu
como se esperava”. Esse pareceu ser um dos pressupostos do monitoramento. German
relatou sobre as reuniões de um “grupo de trabalho: (...) Uma vez por semana se
reúne um grupo de trabalho conjunto do DePHA e IBPC
234
para examinar
tecnicamente as intervenções na área protegida”. Sobre o estado de conservação, o
relatório afirmou que o polígono da área tombada tem planos que servem de pauta ao
seu desenvolvimento urbanístico e teceu observações sobre a população do polígono,
que, em suas contas, tem entre 250 e 300 mil habitantes, ressaltando que a área teria
sido planejada para 500 mil habitantes (destaque-se que o polígono envolve uma
população maior que a do Plano Piloto em si, pois nela se incluem áreas como
Cruzeiro e Octogonal). Concluiu, por esses números, que há vazios urbanos nos
setores habitacionais, cultural e de diversões. Mencionou, então, o crescimento para
fora do Plano Piloto e a manutenção da área tombada pelo Estado, graças a uma forte
política de conservação por parte das entidades responsáveis, e concluiu:
(...) pode-se dizer que em sua essência, o Plano Piloto de Lucio
Costa se conserva e os monumentos de Oscar Niemeyer
permanecem em seu estado original, [para afirmar, em
seguida, que a cidade requer] conservação [com]
desenvolvimento [que] a flexibilização das normas deve ser
tal que permita esta situação aparentemente contraditória,
[que] deve ter em conta que o Plano Piloto de Lucio Costa
está inconcluso, [e que] a forte política de conservação parece
que está dando resultados, o que não quer dizer que a cidade
não poderá continuar com o crescimento em alguns setores
233
GNECCO, German Samper. Brasília: monitoreo octubre 25/29 de 1993. (mimeogr.), sem data.
Documento encontrado nos arquivos da 15ª SR – IPHAN, Brasília. Acesso em: jan. 2005.
234
Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural
122
(zona central) comércio e cultura. [Para German], a chave
estaria em manter a essência do projeto original
235
.
Apontou, como fatores que auxiliam na conservação, os planos de expansão
metropolitana, como a construção da cidade de Águas Claras e a política de terras, em
que o GDF é o dono majoritário. Mencionou a construção do Metrô, que estaria
sendo realizada sem a autorização das entidades protetoras. No item dedicado à gestão
do patrimônio, lembrou alguns fatores importantes: estudos para a complementação
do setor central; propostas de expansão no Brasília Revisitada; superquadras
construídas dentro das normas urbanísticas que mantêm o gabarito e o pilotis dos
edifícios, bem assim as áreas verdes nas quadras, porém levando em conta as novas
tendências da arquitetura atual. Ao relacionar a preservação com os planos diretores
locais, afirmou que o desenvolvimento de novas cidades-satélite, umas a partir de
invasões e outras planejadas, estaria favorecendo a proteção do Núcleo. Mencionou
ainda o DePHA, como “a memória da cidade, que trata de materializar a epopéia da
sua fundação e construção em 3 anos, [e que] Brasília é uma cidade jovem, com raízes
históricas profundas no âmbito nacional, levando em conta que desde o século
passado já se falava de sua criação”
236
.
Com relação à ecologia, afirmou que Brasília não teria problemas ambientais, já que
“de qualquer lugar urbano se percebe o horizonte de montanhas com clareza”, e
mencionou o programa MAB (O Homem e a Biosfera), mantido pela UNESCO em
Brasília. Essa afirmação demonstrou o quanto a visão do relator limitou-se ao
perímetro da área de preservação, sem levar em conta questões como a qualidade da
água e a conservação de cerrados e matas de galeria, só para citar alguns exemplos.
Quanto às recomendações concretas sobre proteção, enumerou as seguintes: a)
conservação dos vazios urbanos para impedir a especulação imobiliária; b)
estabelecimento de um entorno de área “non aedificandi” em torno do polígono da
área de proteção; c) manutenção das quatro escalas; d) conclusão da zona central, com
235
GNECCO, German Samper. Op. cit.
236
GNECCO, German Samper, Brasília: monitoreo octubre 25/29 de 1993. (mimeogr.), sem data.
Documento encontrado nos arquivos da 15ª SR – IPHAN, Brasília. Acesso em: janeiro de 2005.
123
a construção do Museu Nacional, da Biblioteca e do Arquivo Nacional, projetados
por Oscar Niemeyer.
Para elaboração desse trabalho, German Samper Gnecco contou com a ajuda da
arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Lúcio Costa. Encontramos duas cartas que
registraram parte da correspondência estabelecida entre eles. Uma delas, uma carta de
Maria Elisa a German Gnecco, respondeu a questões que pareciam obscuras para o
autor, mas principalmente que deveriam ser enfatizadas, na opinião daquela
artuiteta
237
: “1. os pontos vulneráveis para a preservação do bem tombado [e] 2. a
distinção entre Brasília-Plano Piloto e Brasília-Região Metropolitana”.
Com relação à Brasília Plano Piloto e à Brasília Região Metropolitana, alguns
parágrafos nos chamaram bastante atenção no discurso de Maria Elisa Costa
238
:
...Brasília-Plano Piloto, que já mostrou seu valor,(...), deve ser
considerada, na minha opinião, como um fato consumado
mais ou menos como nos centros históricos das cidades
italianas – a palavra de ordem é preservar, não tocar naquilo
que é essencial por especulação intelectual ou por capricho
profissional. Trata-se de adaptar as novas necessidades à
cidade, de completá-la, de fazer valer eventuais possibilidades
inerentes à proposta original e ainda não desenvolvidas. A
preservação de Brasília-Plano Piloto em si não é, portanto,
tecnicamente difícil (...).
Essa forma de ver não significa absolutamente “engessar” a
cidade, pois seu desenvolvimento, dito “não previsto”, ocorre
na Brasília-Região Metropolitana – o Plano Piloto não está
nem mesmo concluído. E é justamente aí que a discussão
torna-se muito importante, considerando-se a preservação do
“Plano” sem alterações, incluídos seus espaços vazios, como
um fato categórico e não como objeto de debate.
Uma imagem uma vez me veio à cabeça: no futuro, teremos
uma bela confrontação – de um lado a cidade fruto de uma
idéia, a cidade administrativa e simbólica, com sua beleza(...),
preservada em sua identidade original, e de outro a cidade em
que Taguatinga se transformará, provavelmente
237
COSTA, Maria Elisa. [Carta] 3 nov. 1993, Rio de Janeiro [para] GNECCO, German Samper, Bogotá.
2f. Faz observações concernentes aos pontos vulneráveis de Brasília e á distinção de Brasília – Plano-
Piloto e Brasília – Região metropolitana. Documento encontrado nos arquivos da UNESCO/Brasília, em
setembro de 2003. (tradução de José Roberto Farsette).
238
COSTA, Maria Elisa. [Carta] 3 nov. 1993, Rio de Janeiro [para] GNECCO, German Samper, Bogotá.
2f.
124
desenvolvida em altura, como todas as grandes cidades da
América, onde as circunstâncias comandam o
desenvolvimento, Washington & Nova Iorque (ou melhor
Chicago). Voilà.
A resposta de German Samper veio em forma de agradecimento pela colaboração da
correspondente, em carta datada de 4 de novembro de 1993
239
, além, é claro, da
aceitação de seus esclarecimentos, adotados no relatório elaborado pelo avaliador da
UNESCO .
Em 1994, criou-se a Reserva da Biosfera do Cerrado, pela Lei Distrital n° 742/94
240
,
que teve como objetivo definir limites, funções e gestão da reserva da biosfera do
cerrado, como parte do programa “O homem e a Biosfera” – MAB (Man and
Biosphers). Contou com a participação da UNESCO, da SEMATEC – Secretaria de
Meio Ambiente e Tecnologia, e do IEMA – Instituto de Meio Ambiente e
Tecnologia. A reserva da Biosfera do Cerrado tem um conselho gestor – Conselho de
Reserva da Biosfera do Cerrado, e uma secretaria executiva. Abrange cerca de 23% do
território do Distrito Federal, como parte significativa e representativa do bioma
cerrado.
Em 1995, foi elaborado o documento Brasília, Patrimônio Cultural Contemporâneo:
Critérios de Preservação para o Conjunto Urbanístico do Plano Piloto de Brasília
241
,
produzido e publicado pelo IPHAN. O documento foi feito em colaboração com o
Governo do Distrito Federal, com a participação dos arquitetos Carlos Madson Reis
(IPDF), Dulce Blanco Barroso (DePHA), e Sandra Bernardes Ribeiro (IPHAN). Teve
a intenção de complementar a legislação vigente, especialmente a Portaria nº 314/92,
já mencionada, de modo a orientar as ações dos órgãos de proteção.
239
GNECCO, German Samper [Carta] 4 nov. 1993, Bogotá [para] COSTA, Maria Elisa, Rio de Janeiro.
2f. Agradece pelas orientações emitidas acerca de Brasília e expõe alguns pontos concluídos a partir
delas. Documento encontrado nos arquivos da ª SR – IPHAN, Brasília. Acesso em: jan. 2005.
240
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n° 17, de 28 de janeiro de 1994. Define os limites, funções
e sistema de gestão da Reserva da Biosfera do Cerrado do Distrito Federal e dá outras providências.
Diário Oficial do Distrito Federal, 29 jul. 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11
mar. 2005.
241
MINISTÉRIO DA CULTURA/GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Brasília, Patrimônio
Cultural Contemporâneo: Critérios de Preservação para o Conjunto Urbanístico do plano Piloto de
Brasília. Brasília, 1995.
125
Ressaltamos o mérito que teve de tentar, novamente, descrever o bem tombado e
inscrito na Lista do Patrimônio Mundial, tendo dividido a área tombada em áreas
menores, com diferentes graus de proteção. O grupo afirmou ter-se baseado nas
propostas anteriores que trataram do tema, especialmente em dois trabalhos que
orientaram os estudos: o Anteprojeto de Lei do Patrimônio Histórico, Natural e
Urbano do Distrito Federal elaborado pelo GT-Brasília e o Anteprojeto de Lei de
Preservação do Patrimônio Arquitetônico e Paisagístico do Distrito Federal.
Destacou-se o fato observado com propriedade pelos autores de que a opção pelo
critério das escalas faz supor que somente os critérios globais da concepção urbanística
estariam envolvidos, detendo-se em poucas questões específicas, e de que, no entanto,
foram mantidos todos os critérios (normas) de ocupação vigentes na data do
tombamento, assim como non-aedificandi, todos os terrenos que não estivessem
institucionalmente destinados à edificação. Outro aspecto que para o grupo se fez
digno de nota foi a extensão da área tombada (112,25 km²), que abrangeu núcleos mais
recentes, com morfologias que não apresentariam relevância histórico-cultural, ou
mesmo urbanísticas, e que estariam submetidos aos mesmos critérios de manutenção,
o que aconteceu também em relação ao espaço do Plano Piloto, entre os diferentes
setores. Quanto às diretrizes gerais da proposta, admitiu-se que:
Brasília tem setores e espaços a consolidar, e por isso, o
entendimento e a preservação do patrimônio construído
assume aspectos muito peculiares, uma vez que sua realidade
urbana, distinta dos demais centros históricos, desafia os
conceitos e procedimentos utilizados na preservação de
núcleos já estratificados pelo tempo, e que esta realidade (...)
tem demonstrado que os instrumentos jurídicos são
insuficientes e incompletos para respaldar a implementação
de um trabalho de preservação (...) amplo e consistente
242
.
Na visão dos autores, falta aos instrumentos jurídicos, sobretudo, “agilidade para
acompanhar a dinâmica do processo de desenvolvimento urbano em uma cidade tão
242
MINISTÉRIO DA CULTURA/GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Brasília, Patrimônio
Cultural Contemporâneo: Critérios de Preservação para o Conjunto Urbanístico do plano Piloto de
Brasília. Brasília: 1995, p. 13.
126
recente”
243
. A partir dessa premissa, o grupo elegeu, como princípio norteador, a
manutenção do conjunto urbanístico de Brasília como permanência dos atributos que
lhe dessem caráter e identidade e que ao mesmo tempo possibilitassem a necessária
flexibilidade para a realização de ações que garantissem as transformações inerentes ao
ciclo vital de todas as cidades, especialmente uma estrutura urbana tão recente.
Dividiu então a área tombada em quatro áreas – A, B, C, e D – e acrescentou uma
quinta área, fora da poligonal, como área de proteção paisagística. A partir daí,
diretrizes gerais de conservação foram estabelecidas para o conjunto urbano como um
todo, bem como critérios específicos para cada área e respectivas subdivisões, critérios
estes estabelecidos com base na definição das características essenciais que deveriam
ser resguardadas e dos aspectos que poderiam ser modificados. Enumerou como
diretrizes gerais: manutenção das quatro escalas que estruturam o espaço urbano –
monumental, residencial, gregária e bucólica; salvaguarda dos elementos
arquitetônicos símbolos, representados pelas edificações referenciais ou o conjunto
delas; reserva do desenho urbano a partir de sua concepção original definida pelo
cruzamento dos dois eixos em forma de cruz; manutenção dos Eixos Rodoviário e
Monumental como principais elementos estruturadores do sistema de circulação
urbana; manutenção da predominância dos espaços livres sobre os espaços
construídos; manutenção da configuração de espelho d’água do Lago Paranoá na cota
1.000(mil), sendo vedada a modificação da sua orla por meio de aterros e cortes.
A abordagem utilizada nesse documento foi bastante parecida com a utilizada pelo
GT-Brasília, na proposta de legislação já citada, na qual a cidade foi dividida em áreas
de proteção, para então serem descritas as características de cada área e propostos
elementos a serem mantidos; no entanto, trouxe um elemento novo: recomendar,
quando julgou possível ou necessária, a alteração de algum elemento, como
parcelamento e sistema viário.
243
MINISTÉRIO DA CULTURA/GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Brasília, Patrimônio
Cultural Contemporâneo: Critérios de Preservação para o Conjunto Urbanístico do plano Piloto de
Brasília. Brasília: 1995, p. 13.
127
Em novembro de 1995, o documento intitulado Critérios de Preservação
244
, foi
enviado ao IPHAN, provavelmente por ocasião próxima à da elaboração do
documento Brasília Patrimônio Cultural Contemporâneo, com intenção de veicular
internamente uma sugestão de critérios de preservação para a comissão que elaborou
o documento citado anteriormente. Maria Elisa Costa, que o subscreveu, discorreu
sobre as novas áreas de expansão urbana propostas no Brasília Revisitada, no que
tange à preservação das áreas verdes no entorno do Plano Piloto, e reiteradamente
indicou que essas áreas verdes deveriam ser preservadas, de modo a preservar a idéia
de Lucio Costa. A afirmação contida no item 8 merece destaque: “Lucio Costa, em
conversa recente, propôs uma inversão na abordagem habitual: que a parte construída
de Brasília seja vista como a clareira num cheio arborizado na forma de bosque”
245
.
Esse documento repudiou o encontro de áreas destinadas a uso residencial com o
Plano Piloto, lembrou a recusa ou adiamento da ocupação da “Asa Nova Norte” e
propugnou pela ocupação inteligente da área metropolitana. Lembrou que o
tombamento do Plano Piloto inclui os cheios e os vazios, e que havia nele uma
capacidade residencial ociosa, cuja responsabilidade atribuiu à retenção de lotes pela
Universidade de Brasília. Afirmou que
“Brasília Revisitada não é uma diretriz de uso e ocupação,
[mas] uma proposta que indica determinadas formas de
ocupação, para determinados fins e com determinados limites,
[e que] o Plano Piloto não é um plano, mas um projeto
urbano, e assim deve ser mantido, [enquanto] a área
metropolitana, se desenvolverá como qualquer área urbana
brasileira comum”
246
.
Ao final, afirmou que no Plano Piloto “o paisagismo é utilizado como instrumento de
projeto, e não como ‘adereço’ aposto”, e deu diretrizes para o desenho do Setor
Sudoeste, descendo ao nível de detalhes.
244
COSTA, Maria Elisa [Fac Símile] 13 nov. 1995, Rio de Janeiro [para] GALVÃO, José Leme, Brasília.
4f. Propõe critérios de preservação para a área tombada de Brasília. Documento encontrado nos arquivos
da 15ª SR – IPHAN, Brasília. Acesso em: jan. 2005.
245
COSTA, Maria Elisa [Fac Símile] 13 nov. 1995, Rio de Janeiro [para] GALVÃO, José Leme, Brasília.
4f. Propõe critérios de preservação para a área tombada de Brasília. Documento encontrado nos arquivos
da 15ª SR – IPHAN, Brasília. Acesso em: jan. 2005.
246
Ibidem.
128
Dois anos depois, foi lançado o segundo PDOT - Plano Diretor de Ordenamento
Territorial do Distrito Federal, uma revisão do PDOT anterior, por meio da Lei
Complementar n° 17/97
247
. Incorporou, no entanto, elementos novos, como
flexibilização de usos e níveis de incomodidade, com vistas a um zoneamento menos
rígido. Propôs estratégias para maior homogeneidade do território, com relação às
cidades-satélite, reforçando sua autonomia e aplicação de investimentos; criou áreas de
proteção de bordas de chapada e fundos de vale; introduziu instrumentos de retorno
para a coletividade, resultantes da valorização imobiliária decorrente de alteração de
índices urbanísticos.
Essa segunda versão obteve maior êxito em relação à anterior em termos de discussão
pública, embora não tendo sido considerada ainda o ideal por parte da sociedade.
Além disso, houve dificuldade em aprovar os instrumentos jurídicos nela contidos –
foram aprovados apenas a outorga onerosa do direito de construir e a outorga de
alteração de uso. O IPTU – Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana
progressivo, que foi também proposto como um dos instrumentos de controle da
especulação imobiliária do solo urbano, ainda tramita na Câmara Legislativa.
O PDOT – 1997 prestigiou e fortaleceu o processo de conurbação, principalmente no
quadrante sudoeste, e anunciou outro na direção nordeste/sudeste, onde atualmente
está localizada a maior parte dos loteamentos irregulares, ampliando
consideravelmente as áreas suburbanas de Planaltina e Sobradinho (zona urbana de
uso controlado), o que contrariou todas as diretrizes de ocupação anteriores.
3. Balanço do período e reflexos sobre a preservação da cidade.
Nesse período, marcado por profundas mudanças no ambiente sócio-político do
Brasil, que em certa medida se refletem em significativas alterações no espaço interno
do aglomerado urbano de Brasília, a redemocratização do país repercutiu na visão
dominante de planejamento territorial: este deixou de ser um instrumento estratégico
247
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n° 17 de 28 de janeiro de 1997. Aprova o Plano Diretor de
Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito
Federal de 29 jan. 1997. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
129
do poder centralizador do Estado para ajustar-se aos compromissos da Nova
República.
O Estado passou a priorizar programas sociais setoriais e de infra-estrutura e a adotar
políticas emergenciais e compensatórias, como mecanismos de atuação sobre a
situação de precariedade da população, sem modificar o crescimento econômico.
Como resultado, o modelo geral de desenvolvimento não se modificou. Assim, teve-se
na Nova República uma política conservadora, que não atacou os mecanismos
geradores dos problemas sociais, mas tentou compensá-los. No governo local, essa
tendência expressou-se nas preocupações com a questão das favelas e na forma de
abordá-las, admitindo-se, inclusive, a possibilidade de fixá-las.
Ainda na década de 90, ampliou-se a aplicação da legislação ambiental e foram criados
vários parques no Distrito Federal, em resposta ao acelerado processo de urbanização
do território. Os estudos de impacto ambiental (os EIA/RIMA – Estudo de Impacto
Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) e o licenciamento das atividades
passaram a ser exigidos, resultando em aumento da burocracia e das exigências em
relação ao parcelamento e ao uso do solo, mas também em amplo conhecimento do
espaço do Distrito Federal. Apenas no período 1988-1994 é que foram implantados,
de fato, vários parcelamentos urbanos de iniciativa do Governo do Distrito Federal.
Desses, três vieram a formar novas cidades-satélite: Samambaia, Paranoá e Santa
Maria. Contudo, esse acelerado processo de urbanização já começara a partir da
década de 80.
O fator de crescimento populacional preponderante nas localidades do Distrito
Federal foi o da transferência de pessoas das áreas de pressão para os espaços abertos
ou a remoção de favelas do centro e da periferia, tendo como ator principal o
governo, que criou novos espaços, expandiu territorialmente o uso urbano e
direcionou a distribuição espacial da população e, associado à valorização da terra
urbana, aumentou a mobilidade intra-urbana e a segregação espacial da população de
menor renda. Verificou-se, assim, o crescimento populacional do Distrito Federal
quase que exclusivamente nas regiões administrativas mais periféricas, limítrofes aos
municípios goianos, enquanto que nas regiões administrativas em que a estrutura
130
urbana é bem consolidada e a população tem renda alta (Brasília e Lago Sul), média
(Taguatinga) ou baixa (Ceilândia e Gama), há um decréscimo significativo da
população, com queda de quase 60 mil habitantes, conforme dados do IBGE –
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e da CODEPLAN – Companhia de
Desenvolvimento do Planalto Central.
Assim, o grande eixo de expansão estabelecido pelo PEOT, entre Taguatinga e Gama,
foi reiteradamente reforçado, além de assumido o eixo entre o Plano Piloto e
Taguatinga, com a criação de Águas Claras. A criação da linha do Metrô também
reforçou esse eixo, delineando a continuidade urbana entre Ceilândia e Samambaia em
direção ao Plano Piloto. Houve também a expansão no sentido Luziânia, Santo
Antônio do Descoberto e Planaltina de Goiás, dando prosseguimento à formação da
periferia; paralelamente a esse movimento, surgiu o da implantação de condomínios
clandestinos – que não são problema recente em Brasília, tendo surgido já na mudança
da capital em 1956. Voltados para a classe média em função de uma demanda
reprimida por habitação ocasionada pelo alto custo de moradia no Plano Piloto,
associado à especulação imobiliária, esses condomínios têm criado um eixo de
expansão da cidade no sentido nordeste do território, em áreas de preservação
ambiental, em áreas rurais desvinculadas dos núcleos urbanos existentes, com
ocupação rarefeita, desprovidos de qualquer equipamento da vida urbana, assumindo
grandes proporções em virtude especialmente da ineficácia da ação estatal em conter
tais ocupações.
O período em questão, por ter sucedido a inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio
Mundial, também se destacou, na preservação do Patrimônio, pela continuação, em
ritmo um pouco menos acelerado, do processo de levantamento, registro e
conseqüente tombamento de monumentos isolados e de importância num contexto
mais amplo que o da preservação do Plano Piloto de Lucio Costa. Dessa época foi o
tombamento, em nível local, portanto promovido pelo DePHA, dos seguintes
monumentos: a escola Classe 308 Sul, no Plano Piloto (1988); a Ermida Dom Bosco,
próxima à Barragem do Paranoá, no Plano Piloto (1988); a Vila Planalto, um
conjunto urbano representante dos acampamentos pioneiros, no Plano Piloto (1988);
o Relógio de Taguatinga, na Praça do Relógio, em Taguatinga (1989); a Igreja São
131
Geraldo, na cidade satélite do Paranoá (1993), e o Centro de Ensino Metropolitana,
no Núcleo Bandeirante (1995).
Ainda dessa fase, foi característica marcante o grande número de instrumentos
criando parques ou áreas de proteção ambiental, de tal forma que a maior parte das
unidades de conservação ambiental do Distrito Federal surgiram nessa época. Data
desse período a criação das seguintes unidades: ARIE – Área de Relevante Interesse
Ecológico de Capetinga e Taquara (1985); APA – Área de Proteção Ambiental do
Gama e Cabeça de Veado (1986); APA de Cafuringa (1988); ARIE Santuário de Vida
Silvestre do Riacho Fundo (1988); ARIE do Lago Paranoá (1988); Reserva Ecológica
do Guará (1988); ARIE dos Córregos Taguatinga e Cortado (1989); APA do Lago
Paranoá (1989); Parque Ecológico Norte (1991); Parque Boca da Mata (1991); Parque
Veredinha (1992); Estação Ecológica do Jardim Botânico (1992); Parque Olhos
D´Água (1993); Parque Três Meninas (1993); Parque do Rio Descoberto (1993);
Parque Areal (1994); Rezoneamento da APA do São Bartolomeu (1996).
Como característica desse tempo, tivemos ainda o fato de que, em face da grande
proliferação de loteamentos irregulares, houve, em contrapartida, uma enorme
produção de legislações que tentaram, sem sucesso, conter, ou pelo menos disciplinar
esse processo. São desse período, os seguintes instrumentos legais:
Lei n° 54/96
248
: Dispõe sobre a regularização ou a desconstituição de
parcelamentos urbanos implantados no Distrito Federal sob a forma de
loteamentos e condomínios.
Decreto n° 14.592/93
249
– Cria o SIV-Solo – Sistema Integrado de Vigilância
do uso do solo, com a finalidade de exercer a fiscalização dos parcelamentos
clandestinos e ocupação irregular de áreas públicas, além de prevenir,
controlar e erradicar invasões.
248
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 054, de 23 de novembro de 1996. Dispõe sobre a regularização ou
desconstituição de parcelamentos urbanos implantados no território do Distrito Federal sob a forma de
loteamentos ou condomínios de fato. Diário Oficial do Distrito Federal, 24 nov. 1999 e republicada em
25 jun. 1990. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
249
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 14.592, de 28 de janeiro de 1993. Fica criado o Sistema Integrado
de Vigilância do uso do Solo do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial da União, 29
jan. 1993.
132
Lei n° 637/94
250
– Dá ao Poder Executivo prazo de 270 dias para encaminhar à
Câmara Legislativa os projetos de lei transformando em urbanas as áreas dos
parcelamentos em condições de regularização.
Norma Técnica n° 01 – IPDF (Decreto n° 15.427/94
251
) - Regulamenta o
artigo 17 da Lei n° 353/92, definindo procedimentos e subsídios à aprovação
de projetos de parcelamento urbano.
Lei n° 694/94
252
– Dispõe sobre procedimentos para regularização dos
parcelamentos que relaciona.
Lei n° 697/94
253
– Dispõe sobre a outorga de alvará de funcionamento a título
precário nos parcelamentos, condomínios e loteamentos situados em área rural
ou urbana.
Norma Técnica n° 02 – IPDF (Decreto n° 16.035/94
254
) – Define a
padronização para apresentação de projetos de parcelamento urbano,
incluindo legislação.
Lei n° 759/94
255
– Dispõe sobre alienação de terras públicas rurais
pertencentes ao Distrito Federal e à Terracap.
Norma Técnica n° 03 – IPDF (Decreto n° 16.242/94
256
) – Define os índices e
os indicadores urbanísticos para as diversas atividades de cunho institucional.
250
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 637, de 4 de janeiro de 1994. Altera o § 3º do art. 54 e acrescenta o art.
57 da Lei n°353/92. Diário Oficial do Distrito Federal, de 16 de janeiro de 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
251
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 15.427 de 02 de fevereiro de 1994. Aprova a Norma Técnica n° 01
do Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal – IPDF, referentes aos
procedimentos para aprovação de projetos de parcelamento urbano, e dá outras providências. Diário
Oficial do Distrito Federal, 3 fev. 1994, republicação em 30 dez. 1994.
252
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 694 de 8 de abril de 1994. Dispõe sobre os procedimentos para
regularização dos parcelamentos, loteamentos e condomínios relacionados e dá outras providências.
Diário Oficial do Distrito Federal, 11 abr. 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11
mar. 2005.
253
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 697 de 15 de abril de 1994. Dispõe sobre a outorga de Alvará de
funcionamento, a título precário, nos parcelamentos, condomínios ou loteamentos situados em área rural
ou urbana do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, 18 abr. 1994 e republicada em 29 abr.
1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
254
DISTRITO FEDERAL. Decreto nº. 16.035 de 03 de novembro de 1994. Aprova a Norma Técnica n° 2
do Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal – IPDF. Diário Oficial do Distrito
Federal, 7 nov. 1994.
255
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 759 de 08 de setembro de 1994. Dispõe sobre alienação de terras
públicas rurais pertencentes ao Distrito Federal e á companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP.
Diário Oficial do Distrito Federal, 12 set. 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11
mar. 2005.
133
Lei n° 954/95
257
– Dispõe sobre a alienação de lotes ou parcelas de terras
públicas no território do Distrito Federal. Possibilita a venda de lotes públicos
ocupados, que passarão a integrar o programa habitacional de interesse social.
Decreto n° 17.057/95
258
– Estabelece procedimentos para promover as divisões
amigáveis das terras desapropriadas em comum com terras de particulares.
Lei n° 992/95
259
– Dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos.
Redefine procedimentos e agiliza a aprovação de parcelamentos urbanos e
revoga a Lei n° 54/89. Foi nitidamente voltada a atender casos dos
parcelamentos irregulares; entretanto, contraria a Norma Técnica nº 1, objeto
de decreto governamental, aplicada aos parcelamentos.
Lei n° 1.399/97
260
– Altera artigo 15 da Lei n° 41/89 com o objetivo de
explicitar os procedimentos referentes à aprovação do EIA/RIMA.
Ainda como característica daquela fase, tivemos a criação de novos assentamentos
urbanos, ou o desmembramento de Regiões Administrativas para formar outras
novas, em geral com o intuito de melhorar o acesso da população a serviços urbanos.
Dessa época temos os seguintes Bairros/Regiões Administrativas:
Bairro Águas Claras – Decisão n° 124/91, Decreto n° 13.573/91 e Lei n°
385/92
261
.
256
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 16.242, de 28 de dezembro de 1994. Aprova a Norma Técnica
n°03 do Instituto de Planejamento territorial e Urbano do Distrito Federal – IPDF. Diário Oficial do
Distrito Federal, 29 dez. 1994.
257
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 954 de 17 de novembro de 1995. Dispõe sobre alienação de lotes ou
parcelas de terras públicas no território do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial do
Distrito Federal, 20 nov. 1995 e republicada em 21 nov. 1995. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br.
Acesso em: 11 mar. 2005.
258
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 17.057, de 26 de dezembro de 1995. Estabelece procedimentos
para promover as divisões amigáveis das terras desapropriadas em comum com terras de particulares e dá
outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 27 dez. 1995.
259
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 992 de 28 de dezembro de 1995. Dispõe sobre parcelamento de solo
para fins urbanos no Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 25
mar. 1996. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
260
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 1.399 de 10 de março de 1997. Altera o artigo 15 da Lei n° 41 de 13 de
setembro de 1989, que dispõe sobre a Política Ambiental do Distrito Federal e dá outras providências.
Diário Oficial do Distrito Federal, 11 mar. 1997. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em:
11 mar. 2005.
261
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 385, de 16 de dezembro de 1992. Autoriza a Implantação do Bairro
Águas Claras, na região Administrativa de Taguatinga – RA III e aprova o respectivo Plano de Ocupação.
Diário Oficial do Distrito Federal, 17 dez. 1992. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em:
11 mar. 2005.
134
Região Administrativa de Santa Maria – Decreto n° 14.604/93 e Lei n°
348/92
262
Desvincula da RA II Gama as decisões relativas à área urbana e
rural de Santa Maria.
Região Administrativa de São Sebastião – Lei n° 467/93
263
– Desvincula da RA
VII a área urbana de São Sebastião.
Região Administrativa do Recanto das Emas – RA XV – Lei n° 510/93
264
.
Região Administrativa do Riacho Fundo – RA XVII – Lei nº 620/93
265
.
Região Administrativa do Lago Norte – RA XVIII – Lei nº 641/94
266
.
Região Administrativa do Lago Sul – RA XVI – Lei n° 643/94
267
.
Região Administrativa da Candangolândia – Lei n° 658/94
268
.
O período foi marcado pelo estrangulamento da capacidade do entorno em absorver a
demanda por criações de cidades-satélite, invasões e condomínios, configurando forte
pressão sobre as áreas verdes livres no entorno do Plano Piloto. Isso somado às
necessidades reais de proteção da área tombada, resultou também numa forte pressão
imobiliária sobre essas áreas livres.
O resultado desse contexto foram ações em vários sentidos:
1. a legislação de patrimônio apontava para uma tensão: o controle local ou
federal das decisões patrimoniais em Brasília, demonstrado nas ações dos
262
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 348, de 4 de dezembro de 1992. Autoriza a criar a Região
Administrativa de Santa Maria – RA XII e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 05
nov. 1992. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
263
DISTRITO FEDERAL. Lei n°467, de 25 de junho de 1993. Cria a Região Administrativa de São
Sebastião – RA XIV, Diário Oficial do Distrito Federal, de 28 de junho de 1993. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
264
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 510 de 28 de julho de 1993. Cria a Região Administrativa Recanto das
Emas RA XV. Diário Oficial do Distrito Federal, 29 jul. 1993. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br.
Acesso em 11 mar. 2005.
265
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 620 de 15 de dezembro de 1993. Cria a Região Administrativa do
Riacho Fundo RA XVII. Diário Oficial do Distrito Federal, 16 dez. 1993. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
266
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 641 de 10 de janeiro de 1994. Cria a Região Administrativa do Lago
Norte RA XVIII e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 10 jan. 1994. Disponível
em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em 11 mar. 2005.
267
DISTRIO FEDERAL. Lei n° 643, de 10 de janeiro de 1994. Cria a Região Administrativa do lago Sul
– RA XVI e dá outras providencias. In: GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Legislação do Distrito
Federal, 1994, v. LII, Brasília, Brasil, 1994.
268
DISTRITO FEDERAL. Lei n°658 de 27 de janeiro de 1994. Cria a Região administrativa da
Candangolândia – RA XIX e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, de 26 jan. 1994.
Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em 11 mar. 2005.
135
representantes dos grupos de Brasília e do Rio. O primeiro, com tentativas de
reforçar a legislação de tombamento, com diretrizes locais que melhor
descrevessem o bem tombado e oferecessem critérios mais específicos para a
proteção. Nesse sentido foram elaborados diversos projetos de lei: o primeiro
deles, o do GT-Brasília (1988), veio logo em seguida à recomendação da
UNESCO, atropelado pela legislação elaborada pelo grupo do Rio, na figura
de Lucio Costa, por Ítalo Campofiorito. A este seguiu-se um outro, elaborado
em ação conjunta de diversos órgãos ligados ao patrimônio, também frustrado.
Nessa mesma tendência, surgiu novo anteprojeto (1990), também elaborado
pelo grupo de Brasília, não transformado em lei. Logo em 1992, feita pelo
grupo do Rio de Janeiro, uma pequena alteração na Portaria n° 4, promovida
pela Portaria 314/92
269
, faz uma reserva de elaboração de projetos na área
tombada, para os autores do projeto original. Mais tarde (1995), o grupo de
Brasília tenta propor nova série de critérios, por meio do documento Brasília
Patrimônio Cultural da Humanidade – Critérios de Preservação para o Conjunto
Urbanístico do Plano Piloto de Brasília, também com grau avançado de
detalhes. Em contrapartida, no mesmo ano, o documento escrito por Maria
Elisa surge como alternativa, ainda que bastante generalista, para os necessários
critérios de proteção da área tombada.
2. a proliferação de leis a respeito de parcelamento demonstrou existência de
tensão entre frear ou regularizar a enorme quantidade de loteamentos
clandestinos e irregulares no território do Distrito Federal, numa visível
descoordenação das ações legislativas. Ora a lei mandava desconstituir
condôminos irregulares, ora mandava regularizar por atacado essas ocupações.
3. a criação de outras cidades, como bem observou German Samper Gnecco, em
seu Relatório de Monitoramento
270
(1993) e dentro da orientação de Maria
269
BRASIL, SECRETARIA DE CULTURA, IPHAN. Portaria n° 314, de 08 de outubro de 1992. Revoga
a portaria n° 04, de 13 de março de 1990, ofício 156/92. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 mar. 2003.
270
GNECCO, German Samper. Brasília: monitoreo octubre 25/29 de 1993. (mimeogr.), sem data.
Documento encontrado nos arquivos da 15ª SR – IPHAN, Brasília. Acesso em: jan. de 2005.
136
Elisa Costa
271
(1993), apresentou-se como alternativa para desafogar o Plano
Piloto.
4. a proliferação de leis criando áreas de proteção ambiental, na tentativa de
impedir a urbanização indiscriminada do território, tanto por parte de
particulares, quanto por parte do Estado. Como exemplo disso, pôde-se
observar em especial, a criação da Reserva da Biosfera do Cerrado (1994),
como uma tentativa de buscar ajuda internacional para a causa do patrimônio
natural em Brasília.
5. planos diretores (PDOT 1992 e PDOT 1997), refletiram essa tensão, criando
áreas de proteção e, ao mesmo tempo, consolidando áreas ocupadas
irregularmente, até mesmo as sensíveis ambientalmente.
A autonomia legislativa de Brasília revelou-se um instrumento poderoso na gestão do
território – no entanto não tão bem utilizado – e pelo qual os planos, ao contrário,
foram mudados ao bel-prazer de necessidades escusas, dando fluidez quase etérea às
diretrizes de crescimento da cidade e mostrando uma esquizofrenia do poder público.
Sentiu-se a premência de uma auto-regulação mais rígida – que mesmo feita por leis
locais, garantisse a capacidade de defesa dos interesses da população, de modo a
resguardar a execução de planos e programas – que não deveriam ser tão rígidos, para
acompanhar a realidade, mas também não tão flexíveis a ponto de ameaçar a
consecução de metas de longo prazo.
Imediatamente consecutivo ao recebimento do Título de Patrimônio da Humanidade,
esse período revelou as conseqüências da disputa naquele momento: a legislação
resultante teve incongruências internas, por ser um híbrido da visão do GT-Brasília e
da visão do Brasília Revisitada. As tentativas de legislação que se seguiram
propuseram-se a contornar essa situação conflituosa, sem sucesso, já que o conflito
permaneceu nas instituições gestoras do patrimônio. A dicotomia não se dissolveu,
apenas deu tréguas no tempo, para depois voltar, incólume.
271
COSTA, Maria Elisa [Fac Símile] 13 nov. 1995, Rio de Janeiro [para] GALVÃO, José Leme, Brasília.
4f. Propõe critérios de preservação para a área tombada de Brasília. Documento encontrado nos arquivos
da 15ª SR – IPHAN, Brasília. Acesso em: jan. de 2005.
137
Na verdade, o Brasília Revisitada trabalhou com uma visão mais dinâmica de
proteção. Pode, por exemplo, ter vindo ao encontro dos interesses imobiliários, num
primeiro momento, revelando-se como grande oportunidade quando da construção
do Setor Sudoeste e, mais recentemente, com o anúncio do início da implantação do
Setor Noroeste. O Brasília Revisitada buscou, de fato, fornecer subsídios para a
conclusão da cidade, ainda em processo de construção, e para minimizar as diferenças
sociais a que Lucio Costa pareceu mostrar-se sensível naquele momento.
Com o tempo, tanto o Brasília Revisitada quanto o trabalho do GT-Brasília foram
deixados de lado em vários aspectos, conforme a conveniência dos diversos grupos
que os defenderam ao longo do tempo. Nos anos seguintes, viu-se alusão a um ou a
outro, conforme o interesse da ocasião ou do grupo que deles se valeu. Um exemplo
disso foi o caso da Vila Planalto: Lucio Costa propôs a sua substituição por edifícios
de três andares, para moradias econômicas; o GT propôs a sua fixação, mantendo as
características de acampamento. O resultado foi que se tornou assunto fora de
cogitação a substituição e expansão da Vila Planalto em forma de edifícios de
apartamentos econômicos para moradores de baixa renda, como proposto por Costa
em Brasília Revisitada. Ao contrário, tornou-se um bairro protegido por lei local,
fixando a população e mantendo a arquitetura em seus moldes originais. No entanto,
o assentamento transformou-se em algo bem diferente do que foi tombado, com ares
de classe média – freqüentado como um reduto da moda, com bares, restaurantes e
estabelecimentos comerciais que caíram no gosto da população – inclusive com
renovação total da tipologia das residências. Enquanto isso, o Brasília Revisitada foi
lembrado a todo momento para clamar pela construção de novos bairros, como o
Sudoeste e atualmente o Noroeste, que não são em si bons ou ruins, mas que
claramente atendem às demandas da classe média e, ao mesmo tempo, aos interesses
dos incorporadores.
Ainda assim, a visão do GT fazia um elo perfeito entre passado, presente e futuro,
quando, além de tudo, previa a educação patrimonial da geração vindoura, que
deveria conhecer a cultura existente antes de Brasília vir a ser construída do nada. O
GT ensinou que Brasília não surgiu do nada: houve mãos que trabalharam para vê-la
erguer-se, houve gente que viveu no Planalto Central, no meio do suposto nada,
138
recebeu os engenheiros da Missão Cruls, hospedou-os e os acolheu, além de ter
aguardado por anos a chegada do sonho de JK, que até mesmo o antecedeu, como o
sonho de uma nação inteira.
139
Capítulo VI - Período atual, surgimento do conceito de patrimônio imaterial e de
grande difusão dos conceitos de patrimônio cultural e natural (1998-2005)
1. Cultura popular e patrimônio imaterial
Fernando Henrique Cardoso apresentou-se à disputa eleitoral como idealizador do
Plano Real, concentrando seu programa de campanha na estabilização da moeda e na
reforma Constitucional, ganhando as eleições no 1º turno. Sua reeleição, no final de
1998, manteve-o no cargo até 2001.
A partir de 1998, o esforço de deter a urbanização indiscriminada do território do
Distrito Federal continuou, em tentativas sucessivas de utilizar instrumentos de
proteção, especialmente de natureza patrimonial, seja no âmbito do patrimônio
natural ou do patrimônio cultural, numa corrida para salvar mais uma vez a cidade.
O tombamento da Igreja São José Operário, na Candangolândia, em 1998, o mais
recente realizado pelo DePHA, marcou a tendência de ainda valorizar os
monumentos da arquitetura não-oficial, mais característica dos acampamentos de obra
da época da construção de Brasília, além de valorizar a cultura do trabalhador da
construção da cidade.
Fernando Henrique governou em segundo mandato até 2003, passando a Luis Inácio
Lula da Silva a faixa presidencial em 1° de janeiro de 2003.
O governo de Lula iniciou uma fase de grande expectativa com relação aos avanços
nas questões sociais. O compromisso do governo foi o da democracia e da justiça
social. No âmbito da cultura, as repercussões foram visíveis, com maior valorização
da cultura popular, seguindo uma tendência mundial, que já se mostrava nos governos
anteriores.
A criação na legislação brasileira da figura do Patrimônio Imaterial, definido pelo
Decreto n° 3.551/2000
272
, foi um exemplo dessa tendência que vem trazendo para o
272
BRASIL. Decreto n° 3551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o programa nacional do patrimônio imaterial
e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 ago. 2000. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 30 jan. 2003.
140
conceito de patrimônio uma nova face, ainda mais centrada no homem, em seus usos
e costumes, na cultura popular.
2. Tentativa de aliar planejamento urbano e preservação, novo monitoramento
da UNESCO e novas tentativas de regrar a preservação
Em 2000 houve a reestruturação administrativa do Distrito Federal, por meio do
Decreto n° 21.170/2000
273
. A partir dessa reestruturação, pelo disposto no art. 15,
inciso XXV, alínea f, a SEDUH - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e
Habitação teve adicionada às suas atribuições a de “zelar pela preservação da área
tombada e do patrimônio histórico e arquitetônico do Distrito Federal”. O órgão
com competência em nível distrital, anterior ao Decreto referido, para exercer
atribuições relativas à gestão da área tombada, havia sido o DePHA, que a partir dessa
data, passou a cuidar apenas de monumentos e sítios tombados pela lei local. No
entanto, somente em 2003 aquela Secretaria teve um órgão em sua estrutura orgânica
com a atribuição específica, dada pelo Decreto n° 23.847/03
274
: a SUDUR –
Subsecretaria de Urbanismo e Preservação, que teve a partir daí a incumbência de
“promover e monitorar a implementação da política de preservação da área tombada”.
Por sua vez, a SUDUR teve sua reestruturação interna dada pelo mesmo decreto que,
no art. 3º, dá à DIPRE – Diretoria de Preservação de Brasília, as seguintes atribuições:
promover a fiscalização da implementação da política
de desenvolvimento urbano e territorial do Distrito
Federal nas áreas urbanas preservadas;
subsidiar a elaboração de instrumentos urbanísticos e
jurídicos sobre o uso do solo e fiscalizar sua
implementação nas áreas urbanas preservadas;
subsidiar a elaboração de projetos urbanísticos em terras
públicas no território do Distrito Federal;
monitorar a implementação da política de preservação
da área tombada e do patrimônio histórico do Distrito
Federal.
273
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 21.170, de 5 de maio de 2000. Dispõe sobre a reestruturação
administrativa do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 09 maio
2000. Disponível em:
http://www.tc.df.gov.br/silegispages/ta_02_inter.asp. Acesso em: 21 abr. 2005.
274
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 23.847, de 20 de junho de 2003. Reestrutura a Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Urbano e Habitação. Diário Oficial do Distrito Federal, 23 jun. 2003, p. 2.
141
O Relatório da UNESCO sobre o estado de conservação do Sítio Patrimônio da
Humanidade de Brasília, lançado em 2001
275
, foi resultado de missão enviada a Brasília
para averiguar denúncias de que o sítio Patrimônio Histórico estaria sendo colocado
em risco, em razão da forte pressão demográfica sofrida nos últimos anos. Tais
denúncias, apresentadas ao Comitê do Patrimônio Mundial, despertaram preocupação
principalmente em relação às ameaças ao meio ambiente. Os representantes iniciaram
seu relatório agradecendo o subsídio de várias instituições federais e locais, antes e
durante a análise das condições do sítio.
Relatando a história da inscrição, a missão ateve-se às questões mais pungentes no
momento da inscrição e que ainda hoje têm reflexo na conservação do sítio.
Primeiramente, referiu-se ao parecer que avaliou a candidatura e recomendou a
indicação da cidade ao título, dando ênfase ao fato de que havia ressalvas, e ressaltando
o fato de a inclusão na Lista do Patrimônio Mundial, em razão dos limites dados pelo
Decreto nº 10.829/87, que a implementou, ter sido:
(...) restrita ao Plano Piloto em si e exclui áreas de
importância – áreas naturais, assentamentos vernáculos,
acampamentos de trabalhadores que construíram Brasília –
que foram propostos para inscrição pelo Grupo de Trabalho e
descritos como identificados no dossiê original. A proteção da
zona tampão como definida no dossiê de indicação e na
avaliação do ICOMOS de outubro de 1987 não é prevista
para o Decreto de 1987
276
.
Essa observação vale por todo o documento elaborado pela missão. É um
reconhecimento explícito de os motivos responsáveis por inscrever a cidade na Lista –
dados pelo dossiê elaborado e enviado à UNESCO pelo GT-Brasília à época da
avaliação para a inscrição – não terem sido integralmente considerados nas legislações
nacionais de proteção (o que acontece até hoje com a maioria deles) e continuarem
sem o devido arcabouço legal que os proteja.
275
UNESCO/ICOMOS. The State of Conservation of the World Heritage Site of Brasília, Brazil. Report
of the UNESCO-ICOMOS Mission to Brasilia, Brazil 5-9 - November 2001 (Final draft, 4 December
2001). Acesso via correio eletrônico enviado por Ricardo Souza em set/2002. (tradução nossa).
276
UNESCO/ICOMOS. The State of Conservation of the World Heritage Site of Brasília, Brazil. Report
of the UNESCO-ICOMOS Mission to Brasilia, Brazil 5-9 - November 2001 (Final draft, 4 December
2001). Acesso via correio eletrônico enviado por Ricardo Souza em set/2002. (tradução nossa), p. 8.
142
Depois dessa consideração, a missão passou a analisar o objeto do tombamento, as
políticas nacionais e locais de resguardo, bem como manifestou preocupação com o
fato de centenas de decretos normativos e leis sobre regulamentos urbanísticos e de
construção terem sido emitidos, além de que muitos deles não estariam de acordo
com a proteção nacional e local, mesmo afirmando não haver tido tempo hábil para
examinar todos eles.
Logo depois foi analisado o Arcabouço Institucional. Nesse aspecto vale ressaltar a
menção específica ao trabalho do GT-Brasília, no que se refere aos estudos que
levaram à inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial, especialmente ao
dossiê elaborado para a UNESCO à época:
Em 1980, o governador do Distrito Federal estabeleceu o
Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de Brasília (GT-Brasília). Este grupo
incluía a Universidade de Brasília, o Ministério da Educação
e Cultura (IPHAN) e o Governo do Distrito Federal com o
objetivo de definir um arcabouço para a política de
preservação para o Distrito Federal. O Grupo de Trabalho
empreendeu vários estudos importantes e preparou, em 1987,
um anteprojeto de lei e regulamentos para a preservação do
Distrito Federal. O grupo de Trabalho também preparou o
dossiê de indicação para a inscrição de Brasília na Lista do
Patrimônio Mundial. Este dossiê reflete muito bem o
profundo conhecimento e a ampla visão que o Grupo de
Trabalho desenvolveu ao longo dos anos
277
.
Tratou, ainda, da avaliação de assuntos específicos. Aqui destacamos entre as
considerações iniciais feitas pela missão como premissas para a avaliação, a de que
Brasília é uma cidade em construção e não pode ser vista como um objeto estático,
além da colocação de que há dificuldade em definir qual das Brasílias se pode
considerar como referência: a de 1957, imaginada por Lucio Costa; a de 1960, a cidade
inaugurada; ou a de 1987, quando foi incluída na Lista do patrimônio Mundial. Ou
ainda: o Plano Piloto de Lucio Costa, que é a área protegida, ou uma aglomeração
maior, incluindo a planejada e os subúrbios espontâneos.
277
UNESCO/ICOMOS. The State of Conservation of the World Heritage Site of Brasília, Brazil. Report
of the UNESCO-ICOMOS Mission to Brasilia, Brazil 5-9 - November 2001 (Final draft, 4 December
2001). Acesso via correio eletrônico enviado por Ricardo Souza em set/2002. (tradução nossa), p. 13.
143
Após seus estudos, reuniões e visitas ao sítio, a missão concluiu:
Brasília é uma superposição de todas elas. Não pode ser
considerada somente o Plano Piloto. Hoje Brasília é uma
cidade maior, onde o Plano Piloto constitui uma espécie de
“centro histórico”. Ela é hoje uma cidade de
aproximadamente dois milhões de pessoas com um quarto
delas vivendo na cidade planejada de 1957, e mesmo essa
parte não tendo sido completada como foi projetada por seu
criador
278
.(grifo nosso)
Houve considerações sobre o estado geral de conservação que, segundo a missão, foi
avaliado tendo em mente as escalas. Além disso, a relação de Brasília com o território
adjacente também foi considerada. Nesse ponto, assinalou-se que um dos principais
problemas da preservação de Brasília, portanto, não é o Plano Piloto em si, mas a
pressão crescente da aglomeração sobre ele. Também foram discutidos obras e
projetos que podem ter impacto no valor do Patrimônio Mundial e fez-se referência
específica a uma zona tampão, proposta no dossiê de indicação de 1987. A equipe da
Missão considerou prioridade maior defender e implementar uma zona tampão que
incluísse tanto áreas construídas como áreas naturais, que significasse a proteção, não
somente da cidade em si, mas também de parte da paisagem que compõe os limites
visuais dos espaços da cidade, e que essa zona tampão deveria ser incluída nos
instrumentos técnicos e legais de planejamento e gestão.
Nas conclusões e recomendações, o grupo afirmou que Brasília mantinha as
características originais, apesar de todas as mudanças ocorridas, as quais não a
tornariam inelegível para o título de Patrimônio da Humanidade naquele momento.
Admitiu que a cidade estava em fase crítica de mudanças, como, segundo o
documento, sempre esteve desde 1957, mas reiterou:
O desafio é agora guiar a cidade em meio a seu processo de
mudança com sensibilidade e visão e um profundo
entendimento e reconhecimento de suas características e
valores. ...
Para que isto aconteça, será necessário envolver todos os
níveis relevantes de autoridade, organizações profissionais e
indivíduos, assim como diferentes setores da sociedade, em um
278
Ibidem, p. 14.
144
processo que deverá levar à preparação e adoção de um Plano
Diretor para a área protegida que reconheça inteiramente e
assegure a preservação dos valores da cidade. Os documentos
protetivos de 1987 (Distrito Federal) e 1990 a 1992 (IPHAN)
assim como o trabalho acompanhado por vários grupos de
trabalho interinstitucionais (Grupo de Trabalho Brasília,
1980 – 1987; Grupo de Trabalho Conjunto, 1992 -1995) deve
formar a base para o trabalho que poderá ser empreendido
como uma questão de urgência
279
.
Observe-se que novamente a missão fez referência aos estudos do GT- Brasília, bem
como do Grupo de Trabalho Conjunto, e recomendou-os como base para novos
estudos e ações protetivas, sem ter mencionado o Brasília Revisitada. Chama atenção a
visão bastante ampla da missão e suas reiteradas referências ao GT-Brasília e a
percepção, provavelmente fruto da análise das denúncias de que Brasília estaria
ameaçada de perder suas características excepcionais e da documentação que compôs o
dossiê de indicação, o que constantemente levou seu olhar para fora e para além do
Plano Piloto de Brasília.
279
UNESCO/ICOMOS. The State of Conservation of the World Heritage Site of Brasília, Brazil.
Report of the UNESCO-ICOMOS Mission to Brasilia, Brazil 5-9 - November 2001 (Final draft, 4
December 2001). Acesso via correio eletrônico enviado por Ricardo Souza em set/2002. (tradução nossa),
p. 23.
145
Fig.8 – Mapa obtido por meio do Mapa Ambiental do Distrito Federal – contém as áreas
ambientalmente protegidas do Distrito Federal, suas Zonas Tampão e Áreas Urbanas; é interessante
notar que tanto as áreas ambientalmente protegidas como suas zonas tampão apresentam maiores
exigências para a constituição de áreas urbanas, portanto, toda a área azul e verde no mapa, estaria sob
sérias restrições à urbanização.
146
Em 2002, a criação da APA do Planalto Central, no Distrito Federal e em Goiás, pelo
Decreto Presidencial sem n° de 10 de janeiro de 2002
280
, foi um acontecimento
bastante intrigante e, de certa forma, uma tentativa desesperada de conter as
ocupações irregulares – apesar do arsenal ambiental já existente no DF (fig.8) – já que
a ocupação urbana de uma APA obedece a um rito especial, bem mais restritivo em
relação aos procedimentos usuais para a ocupação urbana em outras áreas. Não tratou
da questão da proteção do ponto de vista urbanístico, por ser um instrumento
ambiental. No entanto, pelo momento político em que surgiu e pela sua extensão,
pareceu-nos ser uma tentativa de impedir o crescimento desordenado das ocupações
urbanas em torno de Brasília. A APA do Planalto Central estende-se por todo o
Distrito Federal, abrangendo mais que 70% do seu território e avançando para o
Estado de Goiás, em direção à barragem do Descoberto.
No mesmo ano, foi editado o documento Plano Diretor da Área de Preservação de
Brasília 2002
281
, um documento preliminar, uma proposta metodológica de elaboração
do PDAP – Plano Diretor da Área de Preservação de Brasília, elaborado pela
TOPOCART, empresa contratada para dar consultoria na referida elaboração.
Trabalhou dentro da definição constitucional de Plano Diretor, o instrumento básico
da política de desenvolvimento e expansão urbana, tendo como objetivos: ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e ordenar o pleno cumprimento
da função social da propriedade urbana. Mencionou a Lei Orgânica do Distrito
Federal, que também exige a elaboração dos Planos Diretores, e concluiu pela
necessidade de utilização de diversos instrumentos, tendo o plano diretor como seu
instrumento básico, e pela interdependência e relativa autonomia entre este
instrumento básico e os demais instrumentos complementares da política urbana.
Questionou, com relação à área selecionada, não o seu perímetro, mas a necessária
definição de um “cinturão” em torno da área tombada, que poderia ser “ou toda a
Zona de Consolidação proposta pelo PDOT, ou o próprio Distrito Federal, ou ainda
280
BRASIL. Decreto (sem número) de 10 de janeiro de 2002. Cria a Área de Proteção Ambiental – APA
do Planalto Central, no Distrito Federal e no Estado de Goiás, e dá outras providências. Diário Oficial da
União de 11 jan. 2002. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/2002/Dnn9468.htm
acesso em: 01 abr.2004.
281
TOPOCART, O Plano Diretor para a Área de Preservação de Brasília (mimeogr.), sem data.
147
a Região Integrada de Desenvolvimento do Entorno do Distrito Federal (RIDE)”
282
,
que se apresentariam no momento “como instâncias de especulação”
283
. O enfoque
dessa proposta de trabalho deu bastante ênfase à participação dos diversos setores da
sociedade, mas suas propostas, na prática, limitaram-se a representações nomeadas
burocraticamente, de forma que a participação popular foi bastante restringida.
Ainda em 2002 foi aprovado o Plano Diretor de Publicidade, pela Lei nº.
3.035/2002
284
, que atingiu áreas para além da Área de Preservação delimitada pelo
perímetro do Decreto de Tombamento. Incluiu a área de abrangência das Regiões
Administrativas do Plano Piloto RA I, do Cruzeiro RA XI, de Candangolândia
RA XIX, do Lago Sul – RA XVI e do Lago Norte – RA XVIII, sendo estas duas
últimas fora do perímetro. Essa postura da legislação pode estar a indicar a real
necessidade de uma zona tampão semelhante à proposta pelo GT Brasília, cobrada
reiteradamente pelas missões de monitoramento da UNESCO sugerindo a
insuficiência daquele perímetro para alguns efeitos.
Em seus objetivos, enumerou, entre outros:... (...) ordenar os meios de propaganda
no espaço urbano de forma que não comprometam as quatro escalas objeto de
tombamento de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade; (...) [e] (...)
preservar a visibilidade do horizonte, característica fundamental na concepção da
cidade”
285
. Percebe-se claramente nesta declaração de objetivos o caráter
preservacionista da legislação, ainda em outros indícios semelhantes por todo o texto.
Definiu patrimônio cultural: “bem de natureza material ou imaterial, tomado
individualmente ou em conjunto, de valor histórico e cultural, cuja preservação
282
Ibidem, p.4.
283
Ibidem, p.4.
284
DISTRITO FEDERAL, Lei n° 3.035, de 18 de julho de 2002. Dispõe sobre o Plano Diretor de
Publicidade das Regiões Administrativas do Plano Piloto – RA I, do Cruzeiro - RA XI, de
Candangolândia – RA XVIX, Lago Sul – RA XVI e do Lago Norte – RA XVIII. Diário Oficial do
Distrito Federal, 23 nov. 2002. Disponível em:
http://www.mpdft.gov.br. Acesso em: 21 abr. 2005.
285
DISTRITO FEDERAL, Lei n° 3.035, de 18 de julho de 2002. Dispõe sobre o Plano Diretor de
Publicidade das Regiões Administrativas do Plano Piloto – RA I, do Cruzeiro - RA XI, de
Candangolândia – RA XVIX, Lago Sul – RA XVI e do Lago Norte – RA XVIII. Diário Oficial do
Distrito Federal, 23 nov. 2002. Disponível em:
http://www.mpdft.gov.br. Acesso em: 21 abr. 2005, art.
4°, incisos II e IV.
148
assegure ao cidadão o direito à memória”
286
; (...) conceito bem abrangente, que inclui
o de direito à memória, ainda mais abrangente.
Em seu artigo 14, parágrafo 4º, e em diversos outros dispositivos, remeteu o exame de
determinados assuntos, quando da sua regulamentação, à consideração de órgãos do
patrimônio, nos seguintes termos: “(...), caso seja considerado necessário pela
autoridade competente, será submetida à apreciação dos órgãos de proteção ao
patrimônio cultural local, federal e do órgão competente de planejamento urbano”
287
.
Isso com especial distinção para a área de preservação prioritária (o perímetro do
Decreto de Tombamento), que teve tratamento mais cuidadoso nessa legislação.
Em 2003, foi instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial em nível
distrital, por meio do Decreto n° 24.290/2003
288
. Esse decreto, na esteira da legislação
federal sobre o mesmo tema, contemplou as realizações populares não tangíveis,
como as danças, os folguedos, os saberes e os lugares de memória. Observe-se que aqui
a palavra lugares não designa, necessariamente, construções ou edifícios, mas lugares
onde ocorram manifestações populares, que podem ser feiras e procissões. O conceito
de patrimônio foi levado às suas últimas conseqüências no sentido de alcançar o
homem como centro da cultura.
3. Um novo Conselho para gerir a área de preservação de Brasília: um sucessor
da idéia original do CAU, sucedido pelo CAUMA?
Também em 2003, foi criado o CONPRESB – Conselho de Gestão da Área de
Preservação de Brasília, pela Lei nº. 3.127/03
289
. O CONPRESB, órgão colegiado
deliberativo de primeira instância, vinculado ao Gabinete do Governador, foi criado
com o objetivo de avaliar, responder e propor, dentro de suas competências, ações e
intervenções na área tombada do Plano Piloto de Brasília, cuja poligonal fora definida
pelo Decreto n° 10.829/87.
286
Ibidem, capítulo II, art. 5°.
287
Ibidem, art. 14, § 4°.
288
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 24.290. Institui o registro de bens culturais de natureza imaterial
que constituem patrimônio cultural do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, de 12 de
dezembro de 2003. Disponível em:
http://www.tc.df.gov.br/silegispages/ta_02_inter.asp. Acesso em: 21
abr. 2005.
289
DISTRITO FEDERAL. Lei nº 3.127, de 16 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a criação do Conselho de
Gestão da Área de Preservação de Brasília – CONPRESB. Diário Oficial do Distrito Federal, 21 jan.
2003. Disponível em:
http://www.mpdft.gov.br. Acesso em: 21 abr. 2005.
149
Esse Conselho foi inicialmente concebido para ser presidido pelo Governador do
Distrito Federal e composto por quatorze representantes, sendo quatro representantes
do Poder Público e dez representantes da sociedade civil organizada – todos eles
nomeados pelo Governador, com mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos
por igual período. A SEDUH – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e
Habitação foi designada por essa lei para exercer a Secretaria Executiva do Conselho.
O Governo do Distrito Federal regulamentou competências e funcionamento do
CONPRESB, por intermédio do Decreto nº. 23.832/03
290
.
Esse órgão tem sofrido vários ataques e sido objeto de discussões controvertidas,
algumas vezes por sua atuação, em geral bastante comprometida com a proteção da
cidade, outras por sua forma de composição, na qual a totalidade de seus membros são
escolhidos pelo Governador. Em razão disso, teve sua legitimidade questionada
recentemente, justo no momento em que era ameaçado de extinção pela insatisfação
de setores ligados à construção civil, por pareceres desfavoráveis a obras específicas
dentro da área tombada.
A Lei n° 3.151/03
291
alterou a composição do CONPRESB para 21 conselheiros
efetivos, sendo cinco representantes do Poder Público e dezesseis representantes da
sociedade civil; além de cinco conselheiros suplentes. Ademais disso, criou dentro da
DIPRE/SUDUH/SEDUH – Diretoria de Preservação de Brasília / Subsecretaria de
Urbanismo e Preservação / Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e
Habitação do Distrito Federal, a GEPLA – Gerência do Plano Piloto, a GECAN -
Gerência da Candangolândia e Cruzeiro, e a GEPRES - Gerência de Promoção da
Preservação.
Além dos instrumentos e das ações aqui mencionados, várias ações encontram-se em
curso por parte da DIPRE/SUDUH/SEDUH, visando dar suporte legal e
institucional à defesa de Brasília, dentro das atribuições legais desses órgãos
290
DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 23.832, de 9 de junho de 2003. Aprova o Regimento Interno do
Conselho de Gestão da Área de Preservação de Brasília – CONPRESB. Diário Oficial do Distrito
Federal, nº 110, de 10 jun. 2003, p. 01. Disponível em:
http://www.tc.df.gov.br/silegispages/ta_02_inter.asp. Acesso em: 21 abr. 2005.
291
DISTRITO FEDERAL. Lei nº 3.151, de 28 de abril de 2003. Altera a Lei n° 3.127, de 16 de janeiro de
2003, e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, de 02 de maio de 2003. Disponível em:
http://www.mpdft.gov.br. Acesso em: 21 fev. 2005.
150
governamentais. A continuidade dos trabalhos do PDAP – Plano Diretor da Área de
Preservação de Brasília, trouxe à baila diversas questões urgentes que levaram o poder
público a adiantar algumas discussões e processos, de forma a dar-lhes soluções mais
emergentes, até a entrada em vigor do Plano em si. Entre esses assuntos, a Orla do
Lago Paranoá passa por estudos de “Caracterização do Modelo Atual de Ocupação”
292
, com vistas a formular novas propostas para as distorções porventura encontradas.
Da mesma forma, há estudos destinados a adiantar diretrizes para as coberturas e
pilotis, no Plano Piloto, e para detalhar “a legislação em uma estrutura clara para a
proteção e preservação do Plano Piloto”
293
, definindo critérios para essa área. Para
isso foram destacadas comissões técnicas com o objetivo de elaborar o PDAP.
Além dessas, algumas outras questões já foram objeto de legislação ou estão em
discussão, como as centrais de gás, a legislação sobre infra-estrutura de
telecomunicações em áreas públicas do Distrito Federal, o termo de referência para
elaboração do PRAC Brasília – Plano de Revitalização da Área Central de Brasília
294
,
os Planos Diretores Locais das Regiões Administrativas contíguas ao polígono da área
tombada, as diretrizes para ocupações dos comércios locais, a revitalização da Avenida
W3, o Plano Diretor do Parque da Cidade, a regulamentação do Plano Diretor de
Publicidade e as normas para elaboração de projetos de urbanização e paisagismo para
as superquadras e respectivas áreas verdes de emolduramento.
Foram, ainda, criadas leis para barrar iniciativas do poder legislativo durante a
elaboração dos Planos Diretores, bem como a proliferação de loteamentos ilegais. Na
292
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação/Subsecretaria de
Urbanismo e Preservação/Diretoria de preservação, Brasília Cidade Parque Patrimônio da
Humanidade. Disponível em:
http://www.seduh.df.gov.br/sites/100/155/ProejtosPreservação/ProjetoPreservação.htm. Acesso em: 08
abr. 2005.
293
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação/Subsecretaria de
Urbanismo e Preservação/Diretoria de preservação, Brasília Cidade Parque Patrimônio da
Humanidade. Disponível em:
http://www.seduh.df.gov.br/sites/100/155/ProejtosPreservação/ProjetoPreservação.htm. Acesso em: 08
abr. 2005.
294
Ibidem.
“O Governo do Distrito Federal iniciou obras de conclusão do projeto inicial de Lucio Costa para o Eixo
Monumental de Brasília, onde está sendo implantado o Complexo Cultural da República, compreendendo
a construção do Museu Nacional e da Biblioteca Nacional, ambos projetados por Oscar Niemeyer. Esse
conjunto integra os Setores Culturais Norte e Sul de Brasília, que, por sua vez, compõe a área de
abrangência do Plano de revitalização da Área Central da cidade, cujo termo de referência para
contratação de seu projeto já foi preparado em versão preliminar”.
151
tentativa de evitar os aumentos de potencial construtivo e as alterações de uso, muito
corriqueiros entre as iniciativas da Câmara Distrital, até a aprovação do Plano Diretor
Local – PDL do respectivo núcleo urbano, foi proposta e aprovada a Lei
Complementar n° 676/02
295
. Seguindo a mesma tendência, foi baixada emenda à Lei
Orgânica n° 40/02
296
, que suspende por quatro anos a alteração de uso, o aumento de
potencial construtivo e a desafetação, até a aprovação do respectivo PDL do núcleo
urbano em questão. Também buscou-se coibir a formação de loteamentos sem
autorização do poder público, pela Lei Complementar 678/02
297
.
No entanto, o processo de elaboração de Planos Diretores Locais tem sido bastante
lento e gradual. Por ora, estão aprovados os PDLs de Sobradinho (1997), Taguatinga
(1998), Candangolândia (1998), Ceilândia (2000) e Samambaia (2001). Estão em curso
os das Regiões Administrativas do Gama e de Planaltina e em fase de preparação e
levantamento de dados os PDLs do Guará e do Lago Sul, além da revisão do de
Taguatinga
298
.
No âmbito do meio ambiente, houve a criação do Parque de Uso Múltiplo da Asa Sul
(2003), a definição da poligonal do Parque Nacional de Brasília – PNB (2003), a
criação do Parque de Uso Múltiplo da Vila Planalto (2003), o zoneamento ambiental
da Área de Proteção Ambiental – APA de Cafuringa (2003), a criação da Secretaria de
Estado de Administração de Parques e Unidades de Conservação bem como a
295
DISTRITO FEDERAL. Complementar n° 676, de 27 de dezembro de 2002. Revoga o art. 78 da Lei
Complementar n° 17, de 28 de janeiro de 1987, Diário Oficial do Distrito Federal, 31 dez. 2002.
Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 21 abr. 2005.
296
DISTRITO FEDERAL, Emenda à Lei Orgânica n° 40, de 2002. Suspende por 04 (quatro) anos, o
cumprimento do disposto no parágrafo 2º do art. 51 e art. 320, ambos da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Diário Oficial do Distrito Federal, 10 mar. 2003. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br/legislacao/legisoriginais/leiorganicadf/emendasleiorganica/elo-2002-00040.html.
Acesso em: 21 abr. 2005.
297
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n° 678, de 27 de dezembro de 2002. Dispõe sobre as
sanções administrativas correspondentes à prática de atos que dêem início ou efetuem loteamento no solo
do Distrito Federal, sem autorização do Poder Público. Diário Oficial do Distrito Federal, 17 jan. 2003.
Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em 21 abr. 2005.
298
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação/Subsecretaria de
Urbanismo e Preservação/Diretoria de preservação, Brasília Cidade Parque Patrimônio da
Humanidade. Disponível em:
http://www.seduh.df.gov.br/sites/100/155/ProejtosPreservação/ProjetoPreservação.htm. Acesso em: 08
abr. 2005.
152
instituição do PRO-PARQUES – Fundo de Melhoria da Gestão de Parques do
Distrito Federal (2003)
299
.
4. Balanço do período.
Durante o período analisado (1997 – 2005), nota-se uma tendência à consolidação e ao
amadurecimento das ações e da própria visão em relação ao patrimônio em Brasília.
Agora, com quase duas décadas como patrimônio da humanidade, Brasília percebe a
importância do título e luta por mantê-lo. O poder público parece conscientizar-se de
que, em função dele, pode obter privilégios, até mesmo financeiros, como
investimentos e empréstimos internacionais para prover a cidade de equipamentos e
infra-estrutura urbana, e que em contrapartida será chamado a prestar contas das
ações empreendidas para defender a cidade e, ao mesmo tempo, imprimir-lhe rumo
em seu crescimento. Também a comunidade cada vez mais sente a necessidade e a
importância de manter o título, como forma de proteger a cidade, e a de proteger a
cidade, como forma de manter o título. Essa conjunção de vontades pode ser sentida
em diversas ações do governo local, num despertar voltado à prestação de contas à
população e eventualmente aos organismos internacionais, além da implementação de
medidas para valorizar e promover a manutenção de Brasília.
A ampliação do conceito de patrimônio cultural, por parte do poder público e da
sociedade civil, pode ser sentida pelas ações empreendidas no sentido de resguardar o
meio ambiente, de criar legislação que incorpore um conceito mais abrangente de
patrimônio cultural, alcançando até o registro de bens imateriais e a própria definição
do conceito de patrimônio histórico do Plano Diretor de Publicidade de Brasília. O
reconhecimento da necessidade de criação de uma Zona Tampão no entorno de
Brasília, por parte do PDAP, expressa no documento elaborado pela TOPOCART,
parece vir como resposta ao alerta da UNESCO em suas recomendações e como
resposta ao clamor de moradores que já se incomodam com a destruição do meio
ambiente causada pela especulação imobiliária predatória e pela grilagem de terras no
299
Ibidem.
153
entorno do Plano Piloto, engolfando a cidade, que paulatinamente vê manchados seus
horizontes e perde suas visuais e seus mananciais.
Um episódio representativo da luta da população em pôr Brasília a salvo foi a recente
manifestação pela manutenção do CONPRESB, quando se cogitou a sua extinção. No
entanto, essa população agora se vê golpeada com a troca de alguns dos mais
combativos conselheiros, substituídos por representantes do capital incorporador. O
episódio Ilhas do Lago
300
foi bastante emblemático no que concerne à legitimidade do
CONPRESB como órgão deliberativo em intervenções na área de preservação de
Brasília. Sua composição não constitui, aqui, a questão primordial, mas a forma de
escolha dos seus componentes, pois que todos são escolhidos pelo Governador. Se um
ou outro porventura não lhe agradar, pode ser substituído ao seu bel-prazer. E assim
sempre foram constituídos os conselhos que decidiram os rumos da construção da
cidade.
No entanto, aquela lacuna percebida pela UNESCO, em relação às cidades
testemunho do vernáculo preexistente, ainda permanece. O avanço em direção aos
acampamentos de obra já podem ser sentidos, com a valorização de cidades como
Candangolândia, Núcleo Bandeirante, e de assentamentos como Vila Planalto, com
ações efetivas para mantê-los, além da preocupação com os parques, demonstrando o
alargamento da visão dos órgãos locais de proteção. No entanto, as fazendas e os
assentamentos urbanos preexistentes não são mencionados nos documentos
elaborados pela SEDUH. Permanece a questão colocada por Leon Pressouyre:
poderão apenas os anseios do GT-Brasília preservá-los? Quando surgirá a legislação
que valorizará e protegerá esses testemunhos históricos que estão para além do Plano
Piloto? E resta a nós a pergunta: como se pretende conservar as melhores vistas de
Brasília, desde as bordas de chapadas, desde os lugares mais altos do Distrito Federal,
que exatamente pela maravilhosa visão que descortinam são retalhados em
parcelamentos irregulares e vendidos para a classe média.
300
Empreendimento intentado pela construtora Paulo Octávio, em área inicialmente destinada a hotelaria,
mas que no projeto proposto pela construtora, configura claramente um conjunto residencial semelhante a
uma superquadra, com o diferencial de ser um condomínio fechado à beira do lago. Já estão à venda as
últimas unidades do empreendimento, que foi anunciado como moradia.
154
Permanece a tendência de salvar áreas verdes pelo seu valor biológico, pela
possibilidade de contemplação da natureza, ou até mesmo numa sanha desenfreada
por impedir que Brasília seja habitada, como se fosse possível expulsar todos os
imigrantes da cidade, com o simples gesto de transformar todo o território do Distrito
Federal em parques. Encarar o problema das relações que Brasília estabelece com seu
território é ainda tarefa timidamente considerada, por, certamente, ter em si implícita
a dicotomia que não pode ser resolvida sem grandes embates: é preciso crescer,
protegendo. E nesse crescer, é preciso escolher para onde crescer e o que proteger.
De um lado erguem-se bandeiras que clamam pela preservação total do Distrito
Federal. De outro, erguem-se outras pelo progresso, pelo crescimento, que, nessa
visão, não pode sofrer imposições, com a criação de empregos como seu argumento
último. Há ainda os que, por não conseguirem perceber a relação intrincada que
Brasília tem com seu entorno, acham que é possível defende-la simplesmente
ignorando essas relações. Acham possível reter a fonte dos ovos de ouro, matando a
galinha.
155
Considerações Finais
Brasília tornou-se realidade, em razão e apesar da legislação que a construiu e
protegeu. A cidade tem se mostrado altamente capaz de se recriar e encontrar seus
caminhos, apesar das incongruências existentes na gestão de seu patrimônio. A disputa
entre as correntes do pensamento preservacionista deram a Brasília certa folga para
continuar construindo-se. As brechas na legislação, se por um lado deixaram à
tecnocracia a decisão de seu destino, por outro lado, apesar da perplexidade dos
técnicos, que viram a lei ser subvertida pela cidade menina
301
, fizeram com que
Brasília se visse em plena efervescência, característica da construção de grandes
monumentos, e mais que isso, da construção de culturas, pelo que é preciso dar a
Brasília o mérito de ter vingado. Os depoimentos de pioneiros estão crivados de
relatos de críticas, descrédito quanto à possibilidade de realização do sonho de JK, por
parte de incrédulos que viram o trem da história passar. No entanto, Brasília provou-
se capaz de irradiar desenvolvimento e de dar o passo inicial em direção ao interior do
país. Aqueles que se agarravam às costas do país, ou renderam-se à realidade de
Brasília, ou deprecam ainda hoje contra ela em voz já abafada pelo fato inegável de seu
sucesso como projeto de uma nação.
Brasília foi concebida e tratada como invulnerável, apesar das tentativas de fazê-la
adaptar-se à realidade. É certo que assim como o Brasil, tem sido de tempos em
tempos, palco de mazelas. A cidade de Lucio Costa parecia, desde o início, querer
negar a realidade de um país de desigualdades, de um país de pardos, negros e pobres.
Mas a realidade engolfa Brasília, que resiste impávida (até quando?). Boa parte do
arsenal teórico utilizado para fazer a cidade resistir a abrigar a população que se
amontoa para dormir nas cidades-satélite e no entorno de Brasília foi dada pelos
modernistas, que sempre a consideraram intocável. Mas é sempre importante lembrar
que o próprio Lucio Costa quebrou o paradigma de não se construir nas
proximidades do Plano Piloto, com Brasília Revisitada
302
. Sua sensibilidade à realidade
301
Dada a idade média das cidades consideradas históricas, mesmo na América, Brasília pode ser
considerada em sua infância.
302
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Brasília Capital de Todos. Brasília:GDF, 1957/85.
156
vivida pelas populações de renda mais baixa em Brasília foi logo embotada por outros
interesses.
Há uma dialética na gestão de Brasília: preservá-la e ao mesmo tempo torná-la
democrática. Não é tão simples, como pensou Lucio, criar uma cidade tão justa
quanto se lhe parecia necessário e urgente naquele momento. A dialética está
colocada: preservar as visuais, o cinturão verde, a zona tampão, o Plano Piloto, o
polígono, o cordão sanitário, ou dividir o espaço civilizado com a plebe? A
TOPOCART, para fazer o Plano Diretor Local de Brasília, novamente se põe essa
questão, quando afirma a necessidade de um “cinturão de amortecimento”
303
, que
admite poder vir a ser até mesmo o Distrito Federal inteiro e ainda uma parte de seu
entorno, com a RIDE, mas para o qual não tem uma forma ou limite definido.
Brasília não é uma só: é ao mesmo tempo a Brasília capital – um espaço sofisticado e
para poucos, na verdade cada vez menos, e a Brasília monumento – único conjunto
urbano funcionalista, que mais sacralizou-se do que preservou-se. Silvia Ficher
304
, ao
fazer a distinção entre Brasília capital e Brasília monumento nos dá uma visão
interessante do que veio a se tornar a capital da esperança e em que resultou na prática
sua preservação:
A 'Brasília capital' concentra as decisões políticas e os recursos
financeiros do Estado e está conectada a circuitos locais,
nacionais e internacionais de poder. Espaço sofisticado,
oferece as mais diversificadas conveniências e uma qualidade
de vida excepcional, ao mesmo tempo em que vê o número de
seus residentes diminuir a cada ano e abriga menos de um
décimo da população metropolitana. A 'Brasília monumento'
– único conjunto urbano de tal envergadura no mundo com
características rigorosamente funcionalistas – existe
principalmente na imaginação de seus defensores, uma vez
.
303
TOPOCART. O Plano Diretor para a Área de Preservação de Brasília. (mimeogr.), sem data.
304
FICHER, Silvia et al. Brasília: Uma História de Planejamento. Acesso via correio eletrônico
enviado por Silvia Ficher, em: abr. 2005.
157
que seu tombamento resultou mais na definitiva sacralização
do Plano Piloto do que na adoção de medidas conseqüentes de
preservação.(grifo nosso)
Há basicamente dois parâmetros quase antagônicos na preservação de Brasília: o do
GT-Brasília, que pretende preservar a memória da construção, além de preservar a
cidade, e o do grupo do Rio, que pretende preservar a cidade, apenas pelo mérito de
ser a obra de um autor. Os órgãos de preservação local, na esteira do GT-Brasília,
tentam ainda preservar os testemunhos preexistentes à cidade. Contar a história da
construção de Brasília, por meio do sacrifício e do entusiasmo de brasileiros e até
mesmo de uma nação inteira, parece para esse grupo uma questão de honra. Enquanto
o grupo do Rio de Janeiro esmera-se em preservar o Plano Piloto como obra de um
autor, o grupo local acredita que Brasília é a obra de uma cultura, diferença que parece
estar constantemente em relevo entre essas duas visões.
Analisando a formação do conceito de patrimônio cultural, fica impregnada em
nossas mentes a imagem de um conceito que se desdobrou para abraçar a realidade
diversa e rica em que se tornou a civilização humana. O conceito evoluiu da simples
antigüidade até o patrimônio imaterial. Migrou das coisas palpáveis que têm preço,
para o homem junto daquilo que forma sua mentalidade: o ser que tem corpo e
espírito, e mais ainda, que tem cultura, envolvendo espírito e corpo numa eterna
dança em busca da plenitude, da felicidade, e cujo valor não pode ser mensurado, não
pode ser tangido. Por esse conceito, o homem comum, seu cotidiano, sua vida, têm
expressão e significado. O homem que constrói paredes, o homem que amassa o
barro, ganha valor pelo que sabe fazer em sociedade, como produto dela, e não
somente pelo que faz individualmente. O fazer torna-se parte daquilo que merece ser
preservado, pois nele está envolvida a alma do homem. Para chegar a esse ponto, foi
preciso percorrer o caminho do reconhecimento da cultura como obra da sociedade
em que foi formado e em que está envolto, como centro, o homem, com sua
diversidade, em contrapartida com a cultura hegemônica, que só considera uma das
várias culturas como civilizada, como, em suma, a própria civilização.
158
Ao analisar a história de Brasília, é bastante patente a cristalização do conceito de
patrimônio por parte de um determinado grupo, num dado momento da história:
aquele em que o objeto da preservação é o monumento, e ainda não veio a ser
patrimônio cultural. Aí não são levados em conta os conceitos que foram, ao longo
dos anos, agregando-se ao conceito de monumento, exceto o conceito de arte e de
história, em sentido estrito. Sim, porque se expandido para além daquele da obra de
autor, para obra de uma cultura, ou de várias, ou para obra da humanidade,
coadunará com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. O mesmo acontece
com o conceito de história, que ao invés de contar a história de um único grupo como
sendo esta a história da humanidade, pode contar a história de diversos grupos ao
mesmo tempo, sem preconceitos de cultura.
No entanto, o GT-Brasília deu um salto conceitual em direção ao conceito mais
amplo de patrimônio cultural, alcançando uma vasta gama de objetos da preservação,
para além do Plano Piloto de Brasília. Em sua investigação teórica, consegue dar um
salto conceitual que, como visto, já estava sendo produzido em várias instâncias
locais, em todo o Brasil, com a municipalização da preservação. O avanço do GT-
Brasília foi precisamente o de considerar o patrimônio de Brasília no sentido amplo,
tão ou mais amplo que o da UNESCO, que já vinha falando em patrimônio natural e
cultural a partir da convenção de 1972, portanto quase dez anos antes da formação do
Grupo. Depois disso, o levantamento feito e a visão obtida de tudo que estaria ao
alcance da preservação, como os acampamentos de obra, os testemunhos da
arquitetura vernacular (fazendas e núcleos urbanos) e o patrimônio natural, além de
propor a educação patrimonial, completaram esse salto conceitual, dando forma
àquilo de que se falava. O trabalho do GT foi produzido em longo período, de
aproximadamente seis anos, quando se experimentaram os conceitos e se consolidou o
conhecimento do objeto da preservação: o Patrimônio Cultural de Brasília. Muitos
quilômetros foram percorridos em busca dos testemunhos dessa grande façanha que
foi a construção de Brasília, muitos recantos, muitos cadinhos da cultura pré-existente
à construção, que conviveu com a construção da cidade, foram encontrados e
visitados.
159
O legado do GT se reflete hoje na necessidade de incorporar este salto, percebida
pelos órgãos locais como o DePHA, que apesar de desarticulado temporariamente por
uma reforma ocorrida em 2001, permanece, pelo menos em vocação, ligado aos
assuntos relativos à preservação desses testemunhos dos tempos iniciais da construção
e imediatamente anteriores.
O relatório da UNESCO também não se furtou a recomendar a retomada dos estudos
do GT-Brasília, dando a entender que sente falta das ações propostas pelo Grupo nas
políticas de preservação intentadas atualmente.
Essa remissão deve-se ao documento elaborado pelo GT que embasou a inscrição na
Lista. Como já mencionado, a principal causa dessa renitente remissão da UNESCO
ao trabalho do GT estaria ligada à época da instrução do processo de candidatura de
Brasília ao título de Patrimônio Mundial. O fato de o formulário para essa inscrição
ter sido um dossiê elaborado pelo GT-Brasília, que parece ter conceitualmente
fundamentado a decisão da UNESCO, coloca esse Grupo numa posição de grande
destaque na consecução do Título. Sendo a UNESCO um órgão eminentemente
cultural, ligado à educação, também tem compromisso com o embasamento teórico
de suas ações. Por mais que, no âmbito político, José Aparecido de Oliveira, Ministro
da Cultura à época, tenha feito articulações, como narra Osvaldo Peralva
305
, em seu
livro Brasília Patrimônio da Humanidade: um Relatório, na visão da autora deste
trabalho, no entanto, era necessária toda uma construção teórica que desse respaldo à
vontade política de preservar uma cidade nova, em construção. Assim é que todas as
vezes que vem a Brasília um desses grupos de monitoração, pergunta-se onde está a
outra parte do bem, daquilo que está descrito como o bem inscrito na Lista: os
testemunhos preexistentes, o patrimônio natural.
O que deve ser preservado? A cidade, somente, ou a cidade e a história de sua
construção? Essa questão ainda está posta e se resume na seguinte: o que é realmente o
objeto da preservação? Aquilo que fez o homem europeizado, cheio de “cultura”, em
seu sentido estrito, ou também, e não alternativamente, aquilo que criou o homem
305
PERALVA, Osvaldo. Brasília Patrimônio da Humanidade (um relatório). Brasília: Ministério da
Cultura. Coordenadoria de Comunicação Social, 1988.
160
caboclo, antes de vir a se encontrar com o homem branco, ou o homem vindo de
todo o Brasil para abrigar-se enquanto se erguia a cidade?
O processo de construção foi eficiente: construiu-se a cidade ao mesmo tempo em que
esta era preservada, instaurando-se o modelo polinucleado. As instituições e as leis
criadas para preservar a cidade não falharam, se olharmos de um ponto de vista muito
mais amplo. A cidade existe, está viva, a população pobre está afastada, esta que
sempre pareceu ser a meta maior de todas as leis que foram aos poucos se sucedendo e
de instituições como os conselhos (CAU, CAUMA) está agora cumprida. A cidade é
modernista neste sentido, porque obedece ao modelo polinucleado de ocupação do
território, previsto por Lucio Costa quando fala das cidades-satélite e do cinturão
verde.
161
Fig.9 - Foto do rio Corumbá, localizado
no município de Luziânia – GO, onde se
encontra em andamento a construção de
usina hidrelétrica, anunciada como
reservatório de água pelo Governo do
Distrito Federal.
No entanto, o modelo polinucleado está ameaçado em uma de suas premissas mais
fortes: a da preservação de mananciais, e necessário se faz posicionar-se em relação a
isso: mantém-se ou não este modelo? A escolha do modelo de preservação que
prioriza o Plano Piloto serviu até agora ao modelo polinucleado de ocupação,
mantido pelo Código Sanitário, e seus sucessores teóricos. No momento em que se
propõe desconstituir toda a base em que se encontra fincado o modelo de cidade que
produziu Brasília, tendo como alavanca a construção da represa Corumbá IV (fig.9)
está ameaçado de morte este modelo. Por isso é preciso buscar novas soluções, caso se
pretenda mantê-lo, preservando as cidades como satélites do Plano Piloto e o
Cinturão Verde que tanto defendeu Lucio Costa.
Portanto, se o rumo escolhido é o da continuidade do modelo existente, é preciso
avançar em instrumentos de proteção. Não se pode simplesmente parar. É preciso
continuar o planejamento da ocupação do território como o instrumento mais eficaz
para a consecução de tão ousada tarefa, avançando na assimilação do conceito de
patrimônio cultural e na incorporação de práticas de planejamento da cidade, no
fortalecimento de instituições que gerem a cidade e na prática diária de execução
162
desses planos. A mudança que incorporou a instância de preservação à SEDUH pode
ser um avanço neste sentido, apesar de oferecer um perigo: o da centralização, sempre
temida, pela tendência a eliminar o debate. Tal retrocesso não necessariamente virá a
ocorrer, caso se dê politicamente a devida atenção às formas participativas de gestão
do território.
As decisões que emergem exigem participação e maturidade por parte da sociedade,
em face das responsabilidades sociais demandadas. Há decisões que precisam ser
tomadas, e elas exigem uma discussão profunda e madura, de forma a se obterem
soluções acordadas socialmente, pois os rumos que se colocam trarão cada vez mais
responsabilidades sociais assumidas por um universo cada vez maior de pessoas. A
população precisa participar também da decisão, já que arcará com os encargos dela
resultantes.
Brasília encontra-se numa encruzilhada histórica. É necessário decidir em que direção
irá. Se consolida o modelo polinucleado, que é característica da cidade modernista, ou
se muda em direção à metrópole brasileira tradicional, conurbada e densa, ou ainda, se
é possível arbitrar um modelo que seja um meio termo entre esses dois pólos.
Preservar a cidade inventada por Lucio Costa, com seu cinturão verde em volta, pode
ser caro, mas como cidadãos brasileiros e também como cidadãos do mundo
precisamos decidir se desejamos pagar o preço. Talvez essa decisão não descanse
somente sobre os ombros da população de Brasília, mas sobre os cidadãos do Brasil, e,
quiçá, do Planeta, já que Brasília é Patrimônio da Humanidade.
Ainda assim, é necessário considerar o custo-benefício de se fazer a mudança, não
apenas em termos de recursos materiais, mas também outros valores devem ser postos
em questão. É importante ter em mente, diante da necessária decisão, que trazer
Brasília até onde estamos custou muito à sociedade brasileira. Em outras palavras, já
pagamos altíssimo preço para trazê-la até aqui e devemos ter em mente que voltar
atrás pode significar abandonar todo esse investimento, em vidas e em recursos
materiais. A questão a ser posta é na verdade a seguinte: o que teremos no futuro
valerá o que deixaremos para trás? Se a resposta for sim, façamo-lo com coragem.
163
O argumento da demanda por moradia não resiste ao confronto com a realidade de
inúmeros imóveis ociosos na cidade. Os que pretendem fazer Brasília crescer cada vez
mais parecida com um centro metropolitano tradicional brasileiro utilizam o
argumento da demanda por moradia. Esquecem-se estes de avaliar o déficit por
moradia em confronto com os imóveis ociosos existentes na cidade. Tal argumento na
verdade mascara a atividade de aventureiros, que parcelam terras alheias e cooptam a
classe média, vendendo um estilo de vida que não se pode obter sem o esforço
correspondente.
Os novos paradigmas postos principalmente pelo Ministério das Cidades, o da
regularização fundiária e o do combate à especulação imobiliária, são fonte de tensão
para a questão urbana em Brasília de uma maneira ímpar no Brasil. A chegada do
Ministério das Cidades, introduzida pelo governo de Luis Inácio Lula da Silva, trouxe
consigo duas bandeiras que encurralaram ainda mais Brasília nessa encruzilhada: a da
regularização fundiária e a do combate à especulação imobiliária, as duas já
materializadas no Estatuto da Cidade
306
. A maior parte das terras irregulares no
Distrito Federal é formada pela enorme quantidade de loteamentos clandestinos, com
terrenos muito maiores que os 250m² considerados como de interesse social pelo
Estatuto da Cidade, que exatamente por isso, não oferece guarida para a regularização
fundiária no Distrito Federal como um todo. Já em relação à especulação imobiliária,
alguns instrumentos disponibilizados pelo Estatuto da Cidade já haviam sido tentados
em Brasília, sem sucesso por não terem logrado a aprovação na Câmara Legislativa.
Com o amparo da Lei Federal, acende-se a esperança de usar alguns desses
instrumentos legais para coibir a especulação sobre os terrenos regulares da cidade.
No momento da elaboração deste texto, está em pauta a revisão do PDOT, em parte
provocada pela determinação do Estatuto da Cidade de que se façam planos diretores
para os municípios que ainda não os possuam, com prazo até 2006, o que não se
aplicaria ao DF, pois temos plano diretor, o PDOT, com vigência até 2009. O debate
se acirra entre ambientalistas e urbanistas, enquanto o governo parece ter uma
306
BRASIL. Lei n°10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União.
11 jul. 2001.
164
definição muito clara do plano que quer legitimar antes das próximas eleições. As
discussões giram exatamente entre os dois pólos de planejamento: cidade polinucleada
ou metrópole conurbada. E os mesmos grupos se debatem, sem entrar em acordo.
A revisão do PDOT, ora em curso, é uma prova para as instituições e para a
capacidade de auto-organização da sociedade civil. Embora prematura, pode ser
importante oportunidade para por à prova mais uma vez as instituições e a capacidade
de auto-organização da sociedade civil. Não é de todo mau que se faça esse esforço de
avaliação das políticas de gestão do território como um todo e se lance nova
perspectiva.
É nítido que o planejamento é o único instrumento capaz de preservar Brasília ao
longo do tempo, como preconizou o GT-Brasília, justamente por ser esta uma cidade
em construção. Desde os primeiros momentos em que se falou em preservá-la,
percebeu-se que tombar a cidade não preservaria nem mesmo o Plano Piloto. E Ítalo
Campofiorito parece ter-se dado conta dessa realidade, porque também não opôs o
tombamento como resposta à requisição da UNESCO por uma lei de proteção a
Brasília. Porém, planejar é decidir, e decidir de antemão, antes das pressões e das
demandas, sejam elas políticas, sociais ou de qualquer ordem. E parece que a sociedade
brasiliense encontra-se numa dificuldade enorme para decidir. Há certa esquizofrenia
em todas as instituições voltadas tanto para o planejamento quanto para a preservação
da cidade, haja vista as últimas disputas envolvendo o assunto, especialmente aquelas
mais polêmicas e que vieram a merecer espaço na mídia nacional e local, como o caso
já mencionado do empreendimento Ilhas do Lago.
165
Referências
ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de: Conferência publicada na Revista do IPHAN n°
17, edição MEC. Rio de Janeiro, 1969, apud CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do
Patrimônio: Notas para um Balanço Crítico. Revista do Brasil. Rio de Janeiro: Governo
do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria de Ciência e Cultura, s/d. Disponível em:
http://www.ivt-rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm. Acesso em: 25 ago. 2004.
ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. Expansão Urbana no DF e Entorno Imediato (1964-
1990): Monitoramento por meio de dados de Sensoriamento Remoto. Dissertação
(Mestrado), Universidade de Brasília, Brasília, 1991.
ASSUNÇÃO, Paulo de. Patrimônio: 50 Palavras. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
BICCA, Brianne apud RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e
Gestão do Patrimônio Cultural. Dissertação (mestrado em história da arquitetura).
Universidade de Brasília, Brasília, 2003.
BICCA, Brianne Panitz. [Formulário de proposta de inscrição] 29 dez.1986, Brasília [para]
UNESCO, Paris. 45f. Candidata Brasília à inscrição na Lista do Patrimônio Mundial e
descreve detalhadamente a cidade (contém em anexo, entre outros documentos, a síntese
dos trabalhos do GT-Brasília).
BOSI, Vera. Núcleos Históricos: Recuperação e Revitalização; a experiência de Olinda. In:
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n° 21/1986. Brasília:
SEC/FNPM/SPHAN, p. 134-145.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
BRASIL, Decreto n° 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o programa nacional
do patrimônio imaterial e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 ago. 2000.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 30 jan. 2003.
BRASIL, SECRETARIA DE CULTURA, IPHAN. Portaria n° 314, de 08 de outubro de
1992. Revoga a portaria n° 04, de 13 de março de 1990, ofício 156/92. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988, art. 127, inciso III.
BRASIL. Decreto (sem número) de 10 de janeiro de 2002. Cria a Área de Proteção
Ambiental – APA do Planalto Central, no Distrito Federal e no Estado de Goiás, e dá
outras providências. Diário Oficial da União de 11 jan. 2002. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DNN/2002/Dnn9468.htm. Acesso em: 01
166
abr.2004.
BRASIL. Decreto Legislativo nº 74, de 30 de junho de 1977. Artigos 1º e 2º. Aprova o
texto da Convenção à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Disponível
em:http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
BRASIL. Decreto n° 241, de 29 de novembro de 1961. Cria o Parque Nacional de Brasília,
no Distrito Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 30 nov. 1961.
Disponível em: http://www.senado.gov.br, Acesso em: 29 mar. 2005.
BRASIL. Decreto n° 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o programa nacional
do patrimônio imaterial e dá outras providências. Diário Oficial da União, 07 ago. 2000.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/. Acesso em: 30 jan. 2003.
BRASIL. Decreto n° 88.940, de 7 de novembro de 1983. Dispões sobre a criação das áreas
de proteção Ambiental das Bacias dos Rios São Bartolomeu e Descoberto, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, 09 nov. 1983. Disponível em
http://www.senado.gov.br. Acesso em: 22/04/2005
BRASIL. Lei Federal n° 7.456 de 01 de abril de 1986. Cria órgãos na Estrutura Básica da
Administração do Distrito Federal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 02
abr. 1986.
BRASIL. Lei n°10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Diário Oficial da União. 11 jul. 2001.
BRASIL. Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960. Dispõe sobre a organização administrativa
do Distrito Federal. Diário Oficial da União, 13 abr. 1960, art. 38. Disponível em:
http://iphan.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
CALDEIRA, Jorge et al. Viagem pela História do Brasil, Companhia das Letras, São
Paulo,1997.
CAMPOFIORITO, Ítalo. Brasília Revisitada. In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Número Especial dedicado ao Instituto Internacional de Língua
Portuguesa, 1990, p. 171 a 176.
CAMPOFIORITO, Ítalo. Muda o Mundo do Patrimônio: Notas para um Balanço
Crítico. Revista do Brasil. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de
Janeiro/Secretaria de Ciência e Cultura, s/d. Disponível em:
http://www.ivt-
rj.net/museus_patri/antariores/mac/artigo.htm. Acesso em: 25 ago. 2004.
CARPINTERO, Antonio Carlos Cabral. Brasília: Prática e Teoria Urbanística no
Brasil, 1956 – 1998. Tese (doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
CAVALCANTE, Silvio apud RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória,
Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural. Dissertação (mestrado em história da
167
arquitetura). Universidade de Brasília, Brasília, 2003.
CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001: Esse episódio
faz parte de um período caracterizado na visão de Choay, como de grande sistematização
do conhecimento relativo aos monumentos e de catalogação de sua imagem.
CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Carta de Atenas. Assembléia
do CIAM, Atenas, nov. 1933 Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
Código de Obras e Edificações - COE, 1989 apud FICHER, Silvia et al. Os Blocos
Residenciais das Superquadras de Brasília. Brasília, Janeiro 2003. Acesso via correio
eletrônico enviado por Silvia Ficher, em: abr. 2005.
COSTA, Lucio Considerações em Torno do Plano Piloto de Brasília. In: SENADO
FEDERAL. I Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília: Estudos e
Debates, Brasília, 1974, p. 25-26.
COSTA, Lucio, O Urbanista Defende a Sua Capital. In: Acrópole, nº 375/76, jul./ago.
1970, p. 7-8 .
COSTA, Lucio. Brasília Revisitada. In: Brasília Capital de Todos. Brasília:GDF,
1957/85.
COSTA, Lucio. Saudação aos Críticos de Arte 1959. In: Lucio Costa - Registro de Uma
Vivência, São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
COSTA, Maria Elisa [Fac Símile] 13 nov. 1995, Rio de Janeiro [para] GALVÃO, José
Leme, Brasília. 4f. Propõe critérios de preservação para a área tombada de Brasília.
(documento encontrado nos arquivos da 15ª SR – IPHAN, Brasília, acesso em: jan. de
2005.
COSTA, Maria Elisa e LIMA, Adeildo Viegas de. Brasília 57-85; do plano-piloto ao
Plano Piloto. Brasília: TERRACAP, 1985, 145p.
COSTA, Maria Elisa. [Carta] 3 nov. 1993, Rio de Janeiro [para] GNECCO, German
Samper, Bogotá. 2f. Faz observações concernentes aos pontos vulneráveis de Brasília e á
distinção de Brasília – Plano-Piloto e Brasília – Região metropolitana. Documento
encontrado nos arquivos da UNESCO/Brasília, em setembro de 2003. (tradução de José
Roberto Farsette).
COUTINHO, José Carlos Córdoba apud RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília:
Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio Cultural. Dissertação (mestrado em
história da arquitetura). Universidade de Brasília, Brasília, 2003.
CRULS, Luiz. Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil,
Relatório Cruls, 6 Ed., Brasília: CODEPLAN, 1995.
DISTRIO FEDERAL. Lei n° 643, de 10 de janeiro de 1994. Cria a Região Administrativa
168
do lago Sul – RA XVI e dá outras providencias. In: Governo do Distrito Federal.
Legislação do Distrito Federal, 1994, v. LII, Brasília, Brasil.
DISTRITO FEDERAL Lei n° 5.861 de 12 de dezembro de 1972. Autoriza o
desmembramento da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil – NOVACAP,
mediante alteração de seu objeto e constituição da Companhia Imobiliária de Brasília –
TERRACAP – e dá outras providências. Diário Oficial da União de 13 de dezembro de
1972. Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11.03.2005.
DISTRITO FEDERAL, Decreto da Prefeitura do Distrito Federal n
o
7, de 13 de junho de
1960, Aprova a Consolidação das Normas em vigor para as construções em Brasília apud
IPEA. Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e Rio de Janeiro. Série
Gestão do uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano, v. 3, Brasília, 2002.
DISTRITO FEDERAL, Emenda à Lei Orgânica n° 40, de 2002. Suspende por 04 (quatro)
anos, o cumprimento do disposto no parágrafo 2º do art. 51 e art. 320, ambos da Lei
Orgânica do Distrito Federal. Diário Oficial do Distrito Federal, 10 mar. 2003.
Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br/legislacao/legisoriginais/leiorganicadf/emendasleiorganica/elo-
2002-00040.html. Acesso em: 21 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL, Lei n° 3.035, de 18 de julho de 2002. Dispõe sobre o Plano
Diretor de Publicidade das Regiões Administrativas do Plano Piloto – RA I, do Cruzeiro -
RA XI, de Candangolândia – RA XVIX, Lago Sul – RA XVI e do Lago Norte – RA
XVIII. Diário Oficial do Distrito Federal, 23 nov. 2002. Disponível em:
http://www.mpdft.gov.br. Acesso em: 21 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Anteprojeto de Lei S/N° Dispõe sobre a política de Preservação
do Patrimônio Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Distrito Federal, e dá outras
providências. Documento encontrado nos arquivos da 15ª SR do IPHAN em Brasília, em
Janeiro de 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n° 676, de 27 de dezembro de 2002. Revoga o
art. 78 da Lei Complementar n° 17, de 28 de janeiro de 1987, Diário Oficial do Distrito
Federal, 31 dez. 2002. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br Acesso em: 21 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Decisão n° 105/89 – CAUMA. Estudo do Programa de
Assentamentos Habitacionais do Distrito Federal. 56ª Reunião Extraordinária – Conselho
Pleno, em 24 out. de 1989. (fac-símile)
DISTRITO FEDERAL. Decisão n° 31/86 – CAU. Anteprojeto de Lei referente ao Plano
de Ocupação e uso do Solo Territorial do Distrito Federal. 177ª Reunião Ordinária –
Conselho Pleno, em 15 abr. 1986 [fac-símile].
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 10.829, de 14 de outubro de 1987. Regulamenta o art.
38 da Lei nº. 3.751, de 13 de abril de 1960, no que se refere à preservação da concepção
urbanística de Brasília. Diário Oficial do Distrito Federal, nº 201, 23 out. 1987,
suplemento. Disponível em:
http://IPHAN.gov.br/bens/Mundial/p8_10.htm. Acesso
169
em: 20 jan. 2003.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 24.290. Institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural do Distrito Federal. Diário Oficial
do Distrito Federal, de 12 de dezembro de 2003. Disponível em:
http://www.tc.df.gov.br/silegispages/ta_02_inter.asp. Acesso em: 21 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 771, de 12 de agosto de 1968. Cria a Reserva Biológica
de “Águas Emendadas”, e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal. In
Governo do Distrito Federal, Legislação do Distrito Federal 1960-1970, v.VI. Brasília –
Brasil, 1971.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 944, de 14 de fevereiro de 1969. Aprova o Código de
Edificações das Cidades-satélite. Diário Oficial do Distrito Federal de 20 fev.1969 –
Suplemento apud IPEA. Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e
Rio de Janeiro, Série Gestão do uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano, Vol.
3, Brasília: IPEA, 2001.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 13.059 de 08 de março de 1991. Homologa a Decisão
n° 129/90, do Conselho de Arquitetura, Urbanismo e Meio-ambiente do Distrito Federal
– CAUMA. Diário Oficial do Distrito Federal, 08 mar. 1991.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 14.592, de 28 de janeiro de 1993. Fica criado o
Sistema Integrado de Vigilância do uso do Solo do Distrito Federal e dá outras
providências. Diário Oficial da União, 29 jan. 1993.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 15.427 de 02 de fevereiro de 1994. Aprova a Norma
Técnica n° 01 do Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal –
IPDF, referentes aos procedimentos para aprovação de projetos de parcelamento urbano, e
dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 3 fev. 1994, republicação em
30 dez. 1994 .
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 16.242, de 28 de dezembro de 1994. Aprova a Norma
Técnica n°03 do Instituto de Planejamento territorial e Urbano do Distrito Federal –
IPDF. Diário Oficial do Distrito Federal, 29 dez. 1994.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 17.057, de 26 de dezembro de 1995. Estabelece
procedimentos para promover as divisões amigáveis das terras desapropriadas em comum
com terras de particulares e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal,
27 dez. 1995.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 21.170, de 5 de maio de 2000. Dispõe sobre a
reestruturação administrativa do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial
do Distrito Federal, 09 maio 2000. Disponível em:
http://www.tc.df.gov.br/silegispages/ta_02_inter.asp. Acesso em: 21 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 23.847, de 20 de junho de 2003. Reestrutura a
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação. Diário Oficial do
170
Distrito Federal, 23 jun. 2003.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 4.008, de 26 de dezembro de 1977. Aprova o Sistema
Cartográfico do Distrito Federal (SICAD) e dá outras providências. Diário Oficial do
Distrito Federal. In: Governo do Distrito Federal. Legislação do Distrito Federal 1977,
v. XIX.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 5.819, de 24 de fevereiro de 1981. Cria o Grupo de
Trabalho para estudar, propor, e adotar medidas que visem a preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de Brasília. Diário Oficial do Distrito Federal, 25 fev. 1981.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 596, de 08 de março de 1967. Aprova o Código de
Edificações de Brasília, que com este baixa e dá outras providências.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 7.451, de 23 de março de 1983. Extingue e cria órgãos
na Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal e dá outras providências. Diário
Oficial do Distrito Federal, n° 57, 24 mar. 1983.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 11.176, de 29 de julho de 1988. Extingue órgãos nas
secretarias de Educação e da Cultura e cria o Departamento do Patrimônio Histórico e
Artístico do Distrito Federal – DePHA/DF, e dá outras providências. In Governo do
Distrito Federal. Legislação do Distrito Federal 1988. v. XLI. Brasília, Brasil, 1991. p. 90-
103.
DISTRITO FEDERAL. Decreto n° 11.177 de 29 de julho de 1988. Cria o Conselho de
Defesa do patrimônio cultural do Distrito Federal. In Governo do Distrito Federal.
Legislação do Distrito Federal 1988. v. XLI. Brasília, Brasil, 1991.
DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 11.210 de 18 de agosto de 1988. Cria a Comissão
Técnica para a elaboração de Anteprojeto de Lei de preservação do Patrimônio Cultural
do Distrito Federal Diário Oficial do Distrito Federal, 19 ago. 1989.
DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 16.035 de 03 de novembro de 1994. Aprova a Norma
Técnica n° 2 do Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal –
IPDF. Diário Oficial do Distrito Federal, 7 nov. 1994.
DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 23.832, de 9 de junho de 2003. Aprova o Regimento
Interno do Conselho de Gestão da Área de Preservação de Brasília – CONPRESB. Diário
Oficial do Distrito Federal, nº 110, de 10 jun. 2003, p. 01. Disponível em:
http://www.tc.df.gov.br/silegispages/ta_02_inter.asp. Acesso em: 21 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n° 17 de 28 de janeiro de 1997. Aprova o
Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT e dá outras
providências. Diário Oficial do Distrito Federal,de 29 jan. 1997. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n° 678, de 27 de dezembro de 2002. Dispõe
sobre as sanções administrativas correspondentes à prática de atos que dêem início ou
efetuem loteamento no solo do Distrito Federal, sem autorização do Poder Público.
171
Diário Oficial do Distrito Federal, 17 jan. 2003. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em 21 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 54, de 23 de novembro de 1996. Dispõe sobre a
regularização ou desconstituição de parcelamentos urbanos implantados no território do
Distrito Federal sob a forma de loteamentos ou condomínios de fato. Diário Oficial do
Distrito Federal, 24 nov. 1999 e republicada em 25 jun. 1990. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 1.399 de 10 de março de 1997. Altera o artigo 15 da Lei n°
41 de 13 de setembro de 1989, que dispõe sobre a Política Ambiental do Distrito Federal e
dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 11 mar. 1997. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 245, de 27 de fevereiro de 1992. Dispõe sobre a
autorização legislativa para alterações nos códigos de edificações, nos gabaritos de
edificações, no zoneamento e destinação de terras públicas do Distrito Federal e dá outras
providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 30 mar. 1992. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 348, de 4 de dezembro de 1992. Autoriza a criar a Região
Administrativa de Santa Maria – RA XII e dá outras providências. Diário Oficial do
Distrito Federal, 05 nov. 1992. Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. acesso em: 11
mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 353, de 18 de novembro de 1992. Aprova o Plano Diretor
de Ordenamento Territorial do Distrito Federal, institui o Sistema de Planejamento
Territorial do Distrito Federal, e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito
Federal, de 19 de novembro de 1992 e retificação em 03 de março de 1993- art. 19, caput.
Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br, Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 385, de 16 de dezembro de 1992. Autoriza a Implantação
do Bairro Águas Claras, na região Administrativa de Taguatinga – RA III e aprova o
respectivo Plano de Ocupação. Diário Oficial do Distrito Federal, 17 dez. 1992.
Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 4.545, de 10 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a
organização Administrativa do Distrito Federal e dá outras providências. Diário Oficial
da União, 28 abr. 1960. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar.
2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 620 de 15 de dezembro de 1993. Cria a Região
Administrativa do Riacho Fundo RA XVII. Diário Oficial do Distrito Federal, 16 dez.
1993. Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 637, de 4 de janeiro de 1994. Altera o § 3º do art. 54 e
acrescenta o art. 57 da Lei n°353/92. Diário Oficial do Distrito Federal, de 16 de janeiro
de 1994. Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
172
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 641 de 10 de janeiro de 1994. Cria a Região Administrativa
do Lago Norte RA XVIII e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal,
10 jan. 1994. Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 694 de 8 de abril de 1994. Dispõe sobre os procedimentos
para regularização dos parcelamentos, loteamentos e condomínios relacionados e dá outras
providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 11 abr. 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 697 de 15 de abril de 1994. Dispõe sobre a outorga de
Alvará de funcionamento, a título precário, nos parcelamentos, condomínios ou
loteamentos situados em área rural ou urbana do Distrito Federal. Diário Oficial do
Distrito Federal, 18 abr. 1994 e republicada em 29 abr. 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 954 de 17 de novembro de 1995. Dispõe sobre alienação de
lotes ou parcelas de terras públicas no território do Distrito Federal e dá outras
providências. Diário Oficial do Distrito Federal, 20 nov. 1995 e republicada em 21 nov.
1995. Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 992 de 28 de dezembro de 1995. Dispõe sobre
parcelamento de solo para fins urbanos no Distrito Federal e dá outras providências.
Diário Oficial do Distrito Federal, 25 mar. 1996. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 467, de 25 de junho de 1993. Cria a Região Administrativa
de São Sebastião – RA XIV, Diário Oficial do Distrito Federal, de 28 de junho de 1993.
Disponível em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 5.027, de 14 de junho de 1966. Institui o código Sanitário
do Distrito Federal. Diário Oficial da União de 17 jun. 1966, retificada em 4 jun. 1966.
Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei n° 658 de 27 de janeiro de 1994. Cria a Região administrativa
da Candangolândia – RA XIX e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito
Federal, de 26 jan. 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em 11 mar.
2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 3.127, de 16 de janeiro de 2003. Dispõe sobre a criação do
Conselho de Gestão da Área de Preservação de Brasília – CONPRESB. Diário Oficial do
Distrito Federal, 21 jan. 2003. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br. Acesso em: 21
abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 3.151, de 28 de abril de 2003. Altera a Lei n° 3.127, de 16
de janeiro de 2003, e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, de 02 de
maio de 2003. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br. Acesso em: 21 fev. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 47, de 2 de outubro de 1989, Dispõe sobre o
tombamento, pelo Distrito Federal, de bens de valor cultural, Diário Oficial do Distrito
173
Federal, 3 out. 1989. Disponível em: http://www.mpdft.gov.br/assjur/ldf/1989/47.htm.
Acesso em: 20 abr. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 759 de 08 de setembro de 1994. Dispõe sobre alienação de
terras públicas rurais pertencentes ao Distrito Federal e á companhia Imobiliária de
Brasília - TERRACAP. Diário Oficial do Distrito Federal, 12 set. 1994. Disponível em:
http://www.cl.df.gov.br. Acesso em: 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Lei nº. 510 de 28 de julho de 1993. Cria a Região Administrativa
Recanto das Emas RA XV. Diário Oficial do Distrito Federal, 29 jul. 1993. Disponível
em: http://www.cl.df.gov.br. Acesso em 11 mar. 2005.
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Desenvolvimento Urbano e
Habitação/Subsecretaria de Urbanismo e Preservação/Diretoria de Preservação, Brasília
Cidade Parque Patrimônio da Humanidade. Disponível em:
http://www.seduh.df.gov.br/sites/100/155/ProejtosPreservação/ProjetoPreservação.htm.
Acesso em: 08 abr. 2005.
DISTRITO FEDRAL. Decreto n° 4.049 de 10 de janeiro de 1978. Aprova o Plano
Estrutural de Organização Territorial do Distrito Federal – PEOT, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, nº 9, 12 jan. 1978. In: Governo do Distrito
Federal. Legislação do Distrito Federal 1978, vol XX.
Escritório Internacional de Museus – Sociedade das Nações. Carta de Atenas. Atenas,
out. 1931. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
FALCÃO, Joaquim. Política de Preservação e Democracia. In: Revista do patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, 1984, n° 20, p. 45-59
apud MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade
Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O
Bairro do Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
FERREIRA, Ignez Costa Barbosa. Brasília, Novos Rumos para a Periferia. In: PAVIANI,
Aldo (Org.). Brasília: Moradia e Exclusão. Brasília: Editora UnB, 1996.
FICHER, Silvia et al. Brasília: Uma História de Planejamento. Acesso via correio
eletrônico enviado por Silvia Ficher, em: abr. 2005.
FICHER, Silvia et al. Os Blocos Residenciais das Superquadras de Brasília. Brasília,
Janeiro 2003. Acesso via correio eletrônico enviado por Silvia Ficher, em: abr. 2005.
FICHER, Silvia. Arquitectural Preservation in Brasil. 1982, mimeo. (tradução nossa)
FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo, Rio de Janeiro: UFRJ,
1997.
GNECCO, German Samper [Carta] 4 nov. 1993, Bogotá [para] COSTA, Maria Elisa, Rio
de Janeiro. 2f. Agradece pelas orientações emitidas acerca de Brasília e expõe alguns pontos
174
concluídos a partir delas. Documento encontrado nos arquivos da ª SR – IPHAN,
Brasília, acesso em: jan. 2005.
GNECCO, German Samper, Brasília: monitoreo octubre 25/29 de 1993. (mimeogr.),
sem data. Documento encontrado nos arquivos da 15ª SR – IPHAN, Brasília, acesso em:
jan. 2005.
GOUVÊA, Luiz Alberto Campos. A Capital do Controle e da Segregação Social. In:
PAVIANI, Aldo (Org.). A conquista da Cidade: Movimentos Populares em Brasília.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.
GOUVÊA, Luiz Alberto Campos. Habitação e emprego: uma Política Habitacional de
Interesse Social. In: PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília, Moradia e Exclusão. Brasília:
Universidade de Brasília, 1996.
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. PDOT – Plano Diretor de Ordenamento
Territorial - DF – versão preliminar. Brasília: 1992, 59p.
Governo do Distrito Federal/Ministério da Cultura - IPHAN/Universidade de Brasília.
Síntese de Trabalho – Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio
Histórico e Cultural de Brasília – GT/Brasília , 1985.
GT/Brasília- Grupo de Trabalho para a Preservação de Brasília. Anteprojeto de Lei de
Preservação do Patrimônio Histórico, Natural e Urbano de Brasília. In: Boletim do
IA- Instituto de Arquitetura da Universidade de Brasília– UnB, n° 45, março,Brasília,1988.
ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Declaração do México.
Conferência mundial sobre as políticas culturais, México, 1985. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Carta de Burra. Austrália,
1980. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
ICOMOS – Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios. Carta de Veneza. Carta
internacional sobre conservação e restauração de monumentos e sítios. II Congresso
internacional de arquitetos e técnicos dos monumentos históricos. Veneza, 1964.
Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
ICOMOS, Recomendação do ICOMOS: Lista do Patrimônio da Humanidade n° 445,
1986. (mimeogr.) também Disponível em:
http://www.guiadebrasilia.com.br/historico/menupat.htm. Acesso em: 20 jan. 2003.
ICOMOS. Carta de Veneza. Veneza, 1964. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em:
175
12 maio 2005.
IPEA. Instrumentos de Planejamento e Gestão Urbana: Brasília e Rio de Janeiro. Série
Gestão do Uso do Solo e Disfunções do Crescimento Urbano, v. 3, Brasília, 2002.
IWAKAMI, Luiza Naomi. Espaço Urbano em Brasília e a Trajetória da Resistência
Popular na Vila Paranoá. Tese (Mestrado), Departamento de Urbanismo, Universidade
de Brasília, Brasília, 1988.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Enfim, o fim do IPHAN? In: Folha de São Paulo.
Caderno tendências e Debates. São Paulo, 9 de fevereiro de 1999, p.4. apud MEDEIROS,
Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como
Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
MACHADO, Reinaldo. 1790: Começa a Defesa do Patrimônio Mineiro. In: Revista CJ
Arquitetura, nº 17. Rio de Janeiro: FC Editora, 1977.
MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo?. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985.
MARIANI, Alaíde. A Memória Popular do Registro do Patrimônio. In TRAVASSOS,
Elizabeth (org.). Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Brasília:
IPHAN, 1999.
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida. Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o
Global, o Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do
Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
MICELI, Sérgio. SPHAN: Refrigério da Cultura Oficial. In: Revista do patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: FNPM – SPHAN. MinC, 1987. N. 22.
P.66-72 MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade
Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O
Bairro do Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
MILET, Vera. A Teimosia das Pedras – Um Estudo sobre a Preservação Ambiental no
Brasil. Olinda: prefeitura de Olinda, 1988. 229 p. apud MEDEIROS, Ana Elisabete de
Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na
Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
MINISTÉRIO DA CULTURA/GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Brasília,
Patrimônio Cultural Contemporâneo: Critérios de Preservação para o Conjunto
Urbanístico do plano Piloto de Brasília. Brasília, 1995.
MINISTÉRIO DA CULTURA e SPHAN. Portaria n° 4 de 13 de março de 1990. Institui
o tombamento na esfera federal, do conjunto urbano de Brasília. (mimeogr.). Documento
encontrado nos arquivos da 15ª Superintendência Regional IPHAN, acesso em: jan. 2005.
MORAES, Edurardo Jardim de. A Brasilidade Modernista. Rio de Janeiro: Graal, 1978,
apud FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo. Rio de Janeiro:
176
UFRJ, 1997, p. 96.
MORRIS, Willian. On the Openning of the Cristal Palace apud CHOAY, Françoise, A
Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001.
MOTTA, Lia. A SPHAN em Ouro Preto. In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, n° 22. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, 1987.
MOURÃO, Rui. Ouro Preto, Cidade Ameaçada. C.J. Arquitetura, n° 17. Rio de
Janeiro: FC Editora, 1977.
NIEMEYER, Oscar, Brasília 70, In: Acrópole, nº 375/76, jul./ago. 1970.
OEA – Organização dos Estados Americanos. Normas de Quito. Reunião de conservação
e utilização de monumentos e sítios de interesse histórico e artístico. Quito, nov./dez. de
1967. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
OLIVEIRA, Francisco de. Brasília ou a Utopia Intramuros. In: O Banquete e o Sonho:
Ensaios sobre a Economia Brasileira. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1976.
OLIVEIRA, Lucia Lippi. Sonho Antigo. Disponível em:
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm/O_Brasil_de_JK/Sonho_antigo.asp. Acesso em:
24 jun. 2004.
PAVIANI, Aldo (Org.). Brasília, Ideologia e Realidade – Espaço Urbano em Questão.
São Paulo: Ed. Edgard Blücher Ltda, 1981.
PERALVA, Osvaldo. Brasília Patrimônio da Humanidade (um relatório). Brasília:
Ministério da Cultura. Coordenadoria de Comunicação Social, 1988.
PESSÔA, José (org.). Lucio Costa: Documentos de Trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN,
1999.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Titulares do Governo Estadual – Distrito Federal.
Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/Infger_07/governadores/GOV-DF.htm.
Acesso em: 09 mar. 2005.
RIBAS, Otto Toledo. Critérios e Diretrizes de Planejamento Urbano para Asa Nova
Norte (Área F), do Plano Urbanístico “Brasília Revisitada” visando a minimização
dos Impactos sobre o Meio Ambiente Natural. Tese (Mestrado em Desenho Urbano),
Departamento de Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 1988.
RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: Memória, Cidadania e Gestão do Patrimônio
Cultural. Dissertação (mestrado em história da arquitetura), Universidade de Brasília,
Brasília, 2003.
RUSKIN, John. The Seven Lamps of Arquitecture. Londres, J.M. Dent and Sons, p. 185
177
apud CHOAY, Françoise, A Alegoria do Patrimônio, São Paulo, UNESP, 2001.
SANDRONI, Carlos. Notas Sobre Mário de Andrade e a Missão de Pesquisas Folclóricas
de 1938. In TRAVASSOS, Elisabeth (org). In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional nº. 28. Brasília: SEC/FNPM/SPHAN, 1999.
SANTOS, Mariza Veloso Motta. Nasce a Academia SPHAN. In Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, n° 24, 1996, Brasília: Ministério da Cultura apud
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o
Global, o Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do
Recife como Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
SANTOS, Mariza Veloso Motta. Nasce a Academia SPHAN. In: Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, n° 24. Brasília: Ministério da Cultura, 1996.
SOCIEDADE DAS NAÇÕES. Carta de Atenas. Atenas: Escritório Internacional dos
Museus. Sociedade das Nações, 1931. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
SILVA, Fernando Fernandes da. As Cidades Brasileiras e o Patrimônio Cultural da
Humanidade. Peirópolis: Ed. da Universidade de São Paulo, 2003.
SOARES, Dulce (org.). História de Brasília - Cronologia, in Brasília: Guiarquitetura,
São Paulo, Editora Empresa das Artes, 2000.
SOARES, Dulce (org.). História de Brasília. In Brasília: Guiarquitetura. São Paulo:
Editora Empresa das Artes, 2000.
SODRÉ, Roberto de Abreu [Telegrama] 02 jul.1987, Brasília [para] OLIVEIRA, José
Aparecido de, Brasília. 2f. Noticia a inscrição de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial.
SPHAN/PROMEMÓRIA, UnB, SEC/DF. Anteprojeto de Lei de Preservação do
Patrimônio Histórico, Natural e Urbano de Brasília. In: Boletim do Instituto de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, n° 45, Brasília, mar. 1988.
TELLES, A.C. da Silva Telles [Nota] 19 mar.1987, Brasília s/ destinatário. 2 f. Relata as
manifestações de especialistas do ICOMOS a respeito do “Dossiê Brasília” enviado àquele
organismo.
TOPOCART. O Plano Diretor para a Área de Preservação de Brasília. (mimeog.), sem
data.
UNESCO. Convenção de Paris. Convenção sobre a salvaguarda do patrimônio mundial,
cultural e natural. 17ª SESSÃO. Paris, 16 nov. 1972. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
UNESCO. Convention for the Protection of Cultural Property in the Event of
Armed Conflict. Haya, 1954 apud MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida,
178
Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o Nacional e o Local na
Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
UNESCO. Declaração de Amsterdã. Congresso do patrimônio arquitetônico europeu.
Conselho da Europa. Ano Europeu do Patrimônio Arquitetônico. Amsterdã, out. 1975.
Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
UNESCO. Recomendação de Nairóbi. Recomendação Relativa à salvaguarda dos
Conjuntos Históricos e sua Função na Vida Contemporânea. Conferência Geral da
UNESCO. 19ª Sessão, Nairóbi, 1976. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/nairobi-76.htm. Acesso em: 16 jun.
2004.
UNESCO. Recomendação de Paris. Recomendação relativa à salvaguarda da beleza e do
caráter das paisagens e sítios. Conferência Geral da – 12ª Sessão, Paris, 12 dez. 1962.
Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12/05/2005.
UNESCO. Recomendação de Paris. Recomendação sobre a conservação dos bens
culturais ameaçadas pela execução de obras públicas ou privadas. Conferência Geral -15ª
SESSÃO, Paris, 19 nov. 1968. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
UNESCO. Recomendação de Paris. Recomendação sobre medidas destinadas a proibir e
impedir a exportação, a importação e a transferência de propriedade ilícitas de bens
culturais. Conferência Geral da – 13ª sessão. Paris, 19 nov. 1964. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
UNESCO. Recomendação Relativa à salvaguarda dos Conjuntos Históricos e sua Função
na Vida Contemporânea. Nairóbi: Conferência Geral da UNESCO, 19ª Sessão, 1976.
Disponível em: http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/nairobi-76.htm.
Acesso em: 16 jun. 2004.
UNESCO. Relatório da reunião da 11ª sessão do comitê do Patrimônio Mundial.
Paris, 1987. Disponível em: http://whc.unesco.org/archive/repcom87.htm. Acesso em: 02
abr. 2004. (tradução nossa)
UNESCO. Relatório da reunião da 11ª sessão do comitê do Patrimônio Mundial.
Paris, 1987. Disponível em: http://whc.unesco.org/archive/repcom87.htm. Acesso em: 02
abr. 2004.
UNESCO/ICOMOS, The State of Conservation of the World Heritage Site of
Brasília, Brasil. Report of the UNESCO-ICOMOS Mission to Brasilia, Brazil 5-9 -
179
November 2001 (Final draft, 4 December 2001), (tradução nossa).
VELOSO FILHO, Francisco de Assis. Análise das Propostas de Expansão Urbana do
DF. Dissertação (Mestrado em Desenho Urbano), Departamento de Urbanismo,
Universidade de Brasília, Brasília, 1986.
VESENTINI, Jose William. A Capital da Geopolítica. 4. ed. São Paulo: Ática, 1987 apud
IWAKAMI, Luiza Naomi. Espaço Urbano em Brasília e a Trajetória da Resistência
Popular na Vila Paranoá. Tese (mestrado no Departamento de Arquitetura e Urbanismo-
UnB). Universidade de Brasília, Brasília, 1988.
180
Anexo I
O conceito de patrimônio cultural nas cartas patrimoniais
Atenas, 1931
307
– o patrimônio cultural aparece como monumento conjunto de expressões
arquitetônicas de interesse histórico, artístico ou científico pertencentes às diferentes nações. O
entorno do monumento deve ser tratado assepticamente, de modo a preservar as perspectivas, mesmo
que para isso, seja necessário destruir um outro exemplar contemporâneo.
Atenas, 1933
308
– o patrimônio cultural aparece como patrimônio histórico das cidades
compreendido como edifícios isolados ou conjunto de edifícios isolados, compondo o espaço urbano.
Somente merecem ser protegidos se forem exemplares de uma cultura contemporânea anterior, de
valor reconhecido, ou responderem a um interesse geral (valor artístico). O tema dessa carta é o
urbanismo nascente, com todas as questões a ele associadas: habitar, trabalhar, circular e recrear, e o
patrimônio é apenas mais um dos aspectos a serem considerado.
Haia, 1954
309
– o patrimônio cultural é apresentado como bem cultural e definido exaustivamente,
porém com sua definição girando em torno do valor histórico ou artístico, ou seja, o bem cultural
seria assim considerado se tivesse valor artístico ou histórico. Apesar do caráter extremamente
prático, por estabelecer procedimentos a serem usados em tempos de guerra, esse documento explicita
muito bem o entendimento daquele conceito de cultura da época, que ainda não tinha sua vertente
antropológica.
Paris, 1962
310
– essa recomendação diz respeito à salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e
sítios. Aqui a noção de patrimônio cultural estende-se a sítios naturais, rurais e urbanos que
apresentem interesse cultural ou estético ou que constituam meios naturais característicos. Dá ênfase ao
caráter preventivo da preservação, à instituição de órgãos especializados para gerir esse patrimônio, e à
importância dos planos de urbanização para sua preservação.
307
ESCRITÓRIO INTERNACIONAL DE MUSEUS – SOCIEDADE DAS NAÇÕES. Carta de
Atenas. Atenas, out. 1931. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm
. Acesso em 12 maio 2005
308
CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Carta de Atenas. Assembléia do CIAM,
Atenas, nov. 1933 Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em 12 maio 2005.
309
UNESCO. Convention for the Protection of Cultural Property in the Event of Armed Conflict. Haya,
1954 apud MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o
Global, o Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como
Caso. Tese (doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
310
UNESCO. Recomendação de Paris. Recomendação relativa à salvaguarda da beleza e do caráter das
paisagens e sítios. Conferência Geral – 12ª Sessão, Paris, 12 dez. 1962 Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12/05/2005.
181
Veneza, 1964
311
– pretende revisar a carta de Atenas de 1933 e traz pela primeira vez a idéia de sítio
urbano como monumento em si mesmo, podendo ser também um conjunto urbano vernacular.
Propõe a reutilização do monumento histórico como forma de favorecer a sua conservação e define
sítio urbano em função do “testemunho de uma civilização em particular, de uma evolução
significativa ou de um acontecimento histórico, [e estende-o] às obras modestas, que tenham adquirido,
com o tempo, uma significação cultural”.
312
Paris, 1964
313
– o bem cultural estende-se a espécimes-tipo da fauna e flora.
Quito, 1967
314
– reafirma o conceito de sítio urbano da carta de Veneza, tendo estendido a definição
de monumento “ao contexto urbano, ao ambiente natural que o emoldura e aos bens culturais que
encerra”
315
. Dá ênfase à função social do monumento e sugere a necessidade de adequar as exigências
do desenvolvimento e da salvaguarda ao âmbito do planejamento.
Paris, 1968
316
– reporta-se às definições na Convenção de Haia e, indo um pouco mais além, atribui aos
sítios e aos monumentos arquitetônicos, arqueológicos e históricos não reconhecidos por lei a mesma
condição de bem cultural. Considera a preservação patrimonial como poderosa contribuição para o
desenvolvimento social e econômico, por meio do turismo, ressaltando o dever dos governos tanto na
preservação quanto no desenvolvimento social.
Paris, 1972
317
“ao considerar o ‘patrimônio’ em termos naturais e culturais a ‘Convenção sobre a
Salvaguarda do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural’ reconhece a cultura e a natureza como bens
311
ICOMOS – Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios. Carta de Veneza. Carta internacional
sobre conservação e restauração de monumentos e sítios. II Congresso internacional de arquitetos e
técnicos dos monumentos históricos. Veneza, 1964. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12/05/2005.
312
ICOMOS – Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios. Carta de Veneza. Carta internacional
sobre conservação e restauração de monumentos e sítios. II Congresso internacional de arquitetos e
técnicos dos monumentos históricos. Veneza, 1964. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12/05/2005.
313
UNESCO. Recomendação de Paris. Recomendação sobre medidas destinadas a proibir e impedir a
exportação, a importação e a transferência de propriedade ilícitas de bens culturais. Conferência Geral da
– 13ª sessão. Paris, 19 nov. 1964. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12 maio 2005.
314
OEA – Organização dos Estados Americanos. Normas de Quito. Reunião de conservação e utilização
de monumentos e sítios de interesse histórico e artístico. Quito, nov./dez. de 1967. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12 maio 2005.
315
Ibidem, item II. Considerações Gerais, parágrafo 1.
316
UNESCO. Recomendação de Paris. Recomendação sobre a conservação dos bens culturais
ameaçadas pela execução de obras públicas ou privadas. Conferência Geral -15ª SESSÃO, Paris, 19 nov.
1968. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso
em 12 maio 2005.
317
UNESCO. Convenção de Paris. Convenção sobre a salvaguarda do patrimônio mundial, cultural e
natural. 17ª SESSÃO. Paris, 16 nov. 1972. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12 maio 2005.
182
não renováveis cuja preservação vem a ser um instrumento maior para o desenvolvimento econômico e
social da humanidade”
318
.
Amsterdã, 1975
319
– dá destaque ao patrimônio arquitetônico e o define como edifícios isolados,
conjuntos urbanos, bairros, cidades e aldeias cuja preservação coloca-se como centro da definição das
políticas de ordenação territorial e conservação do meio ambiente. Coloca o patrimônio
arquitetônico na condição de bem imobiliário que deve ser reintegrado à vida dos cidadãos e
recomenda, nesse sentido, o esforço para a manutenção da população residente e sua participação nas
etapas da construção patrimonial.
Nairobi, 1976
320
a idéia de conjuntos urbanos ou sítios urbanos é ampliada para a de conjuntos
históricos, que conceitua-se como “todo grupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios
arqueológicos e paleontológicos que constituem um assentamento urbano, tanto no meio urbano como
no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto-de-vista arqueológico, arquitetônico , pré-
histórico, estético ou sociocultural”
321
.
Burra, 1980
322
– alicerça-se no conceito de patrimônio cultural entendido como bem: “(...)local,
(...)zona, (...)edifício, (...)obra construída, ou(...) conjunto de edificações que possuam uma
configuração cultural, compreendidas em cada caso, o conteúdo e o entorno a que pertencem”
323
.
México, 1985
324
– o patrimônio cultural aqui alcança a dimensão antes nunca alcançada, estendendo-se
ao imaterial:
O patrimônio de um povo compreende as obras de seus artistas,
arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas
surgidas da alma popular e o conjunto de valores que dão sentido à vida.
Ou seja, as obras materiais e não materiais que expressam a criatividade
318
MEDEIROS, Ana Elisabete de Almeida, Materialidade e Imaterialidade Criadoras: o Global, o
Nacional e o Local na Construção do Patrimônio Mundial: O Bairro do Recife como Caso. Tese
(doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, 2002, p.60.
319
UNESCO. Declaração de Amsterdã. Congresso do patrimônio arquitetônico europeu. Conselho da
Europa. Ano Europeu do Patrimônio Arquitetônico. Amsterdã, out. 1975. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12 maio 2005.
320
UNESCO. Recomendação de Nairóbi. Recomendação Relativa à salvaguarda dos Conjuntos
Históricos e sua Função na Vida Contemporânea. Conferência Geral da UNESCO. 19ª Sessão, Nairóbi,
1976. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/nairobi-76.htm. Acesso em: 16
jun. 2004.
321
Ibidem.
322
ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Carta de Burra. Austrália, 1980.
Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm. Acesso em
12 maio 2005.
323
Ibidem.
324
ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios. Declaração do México. Conferência
mundial sobre as políticas culturais, México, 1985. Disponível em:
http://www.iphan.gov.br/legislac/cartaspatrimoniais/cartaspatrimoniais.htm acesso em 12/05/2005.
183
desse povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares, e monumentos
históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos de bibliotecas
325
.
325
Ibidem.
184
Anexo II
Atos do Governador
Decreto
Decreto nº 10.829 - Atos do Governador, de 14 de outubro de 1987
Regulamenta o art. 38 da Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960, no que
se refere à preservação da concepção urbanística de Brasília.
O Governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o art. 20, 11, da Lei nº
3.751, de 13 de abril de 1960,
Considerando que o art. 38 da Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960, preserva o Plano Piloto de Brasília,
tal como apresentado por Lúcio Costa;
Considerando que, para a exata aplicação do art. 38, da lei 3.751, de 13 de abril de 1960, faz-se oportuna
a edição de norma regulamentar que explicite do bem cultural por ela protegido.
Decreta
CAPÍTULO I
Do Plano Piloto e sua concepção urbanística
Artigo 1º - Para efeito de aplicação da Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960, entende-se por Plano Piloto
de Brasília e concepção urbana da cidade, conforme definida na planta em escala 1/20.000 e no
Memorial Descritivo e respectivas ilustrações que constituem o projeto de autoria do Arquiteto Lúcio
Costa, escolhido como vencedor pelo júri internacional do concurso para a construção da nova Capital
do Brasil.
§ 1º - A realidade físico-territorial corresponde ao Plano Piloto referido no caput deste artigo, deve ser
entendida como e conjunto urbano construído em decorrência daquele projeto e cujas
complementações, preservação e eventual expansão devem obedecer às recomendações expressas no
texto intitulado Brasília Revisitada e respectiva planta em escala 1/25.000, e que constituem os anexos I
e II deste Decreto.
185
§ 2º - A área a que se refere o caput deste artigo é delimitada a Leste pela orla do Lago Paranoá, a Oeste
pela Estrada Parque Indústria e Abastecimento - EPIA, ao Sul pelo Córrego Vicente Pires e ao Norte
pelo Córrego Bananal, considerada entorno direito dos dois eixos que estruturam o Plano Piloto. A
rtigo 2º - A manutenção do Plano Piloto de Brasília ser assegurada pela preservação das características
essenciais de quatro escalas distintas em que se traduz a concepção urbana da cidade: a monumental, a
residencial, a gregária e a bucólica.
CAPÍTULO II
Da escala monumental
Artigo 3º - A escala monumental, concebida para conferir à cidade a marca de efetiva capital do país,
está configurada no Eixo Monumental, desde a Praça dos Três Poderes até a Praça do Buriti e para a
sua preservação serão obedecidas as seguintes disposições:
I - a Praça dos Três Poderes fica preservada tal como se encontra nesta data, no que diz respeito aos
Palácios do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional, bem como aos elementos
escultórios que a complementam, inclusive o Panteon, a Pira e o Monumento ao Fogo Simbólico,
construídos fora da Praça, mas que se constituem parte integrante dela;
II - Também ficam incluídas para preservação as sedes vizinhas dos Palácios do Itamaraty e da Justiça,
referências integradas da Arquitetura de Oscar Niemeyer na Praça dos Três Poderes;
III - Os terrenos do canteiro central verde são considerados non-aedificandi nos trechos compreendidos
entre o Congresso Nacional e a Plataforma Rodoviária, e entre este a Torre de Televisão, e no Trecho
não ocupado entre a Torre de Televisão e a Praça do Buriti;
IV - A Esplanada dos Ministérios ao Sul e ao Norte do canteiro central, à exceção da Catedral de
Brasília, será de uso exclusivo dos Ministérios Federais, sendo entretanto admitida, tal como consta do
Plano Piloto, edificação de acréscimos com um pavimento em nível de mezanino e sobre pilotis, para
instalação de pequeno comércio e serviços de apoio aos servidores, no espaço compreendido entre o
meio dos blocos e a escala externa posterior;
V - As áreas compreendidas entre a Esplanada dos Ministérios e a Plataforma Rodoviária, ao Sul e ao
Norte do canteiro central, e que constituem os Setores Culturais Sul e Norte, destinam-se a
construções públicas de caráter cultural.
Parágrafo único - Quaisquer modificações físicas nas áreas preservadas nos incisos I e II deste artigo
serão submetidas à aprovação do CAUMA.
186
CAPITULO III
Da Escala Residencial
Artigo 4º - A escala residencial, proporcionando uma nova maneira de viver, própria de Brasília, está
configurada ao longo das alas Sul e Norte do Eixo Rodoviário Residencial e para a sua preservação
serão obedecidas as seguintes disposições:
I - Cada Superquadra, nas alas Sul e Norte, contará com um único acesso para transporte de automóvel
e será cercada, em todo o seu perímetro, por faixa de 20,00 m (vinte Metros) de largura com densa
arborização;
II - Nas duas alas, Sul e Norte, nas seqüências de Superquadras numeradas de 102 a 116, de 202 a 216 e
de 302 a 316, as unidades de habitações conjuntas terão 6 (seis) pavimentos, sendo edificadas sobre piso
térreo em pilotis, livre de quaisquer constrões que não se destinem a acessos a portarias;
III - Nas duas alas, Sul e Norte, nas seqüências de Superquadras duplas numeradas de 402 a 416, as
unidades de habitações conjuntas terão três pavimentos, edificados sobre pisos térreos em pilotis livres
de quaisquer construções que não se destinem a acessos e portarias;
IV - Em todas as Superquadras, nas alas Sul e Norte, a taxa máxima de ocupação para a totalidade das
unidades de habitação conjunta é de 15% (quinze por cento) da área do terreno compreendido pelo
perímetro entorno da faixa verde;
V - Em todas as Superquadras só será permitida a venda das projeções dos edifícios permanecendo de
domínio público a área remanescente;
VI - Além das unidades de habitações conjuntas seo previstas e permitidas pequenas edificações de uso
comunitário;
VII - Na ala Sul os comércios locais correspondentes a cada Superquadra deverão sempre ser edificados
na situação em que se encontram na data da edição do presente Decreto.
VIII - As áreas entre as Superquadras, nas alas Sul e Norte, denominadas Entrequadras, destinam-se a
edificações para atividades de uso comum e de âmbito adequado às áreas de vizinhança próximos,
como: ensino, esporte, recreação e atividades culturais e religiosas.
Artigo 5º - 0 sistema viário que serve às Superquadras manterá os acessos existentes e as interrupções
nas vias L-1 e W-1, conforme se verifica na ala Sul, devendo ser o mesmo obedecido na ala Norte.
187
Artigo 6º - Nos Setores de Habitação Individual Sul e Norte, só serão admitidos edifícações para uso
residencial unifamiliar, bem como comércio local e equipamentos de uso comunitário, nos termos em
que se configura a escala residencial neste capítulo.
CAPÍTULO IV
Da Escala Gregária
Artigo 7º - A escala gregária com que foi concebido o centro de Brasília, em tomo da intersecção dos
Eixos Monumental e Rodoviário, fica configurada na Plataforma Rodoviária e nos Setores de
Diversões, Comerciais, Bancários, Hoteleiros, Médico-Hospitalares, de Autarquia e de Rádio e
Televisão Sul e Norte.
Artigo 8º - Para a preservação da escala gregária referida no artigo anterior, serão obedecidas as
seguintes disposições:
I - A Plataforma Rodoviária será preservada em sua integridade estrutural e arquitetônica original,
incluindo-se nessa proteção as suas praças atualmente implantadas defronte aos Setores de Diversões Sul
e Norte;
II - Os Setores de Diversões Sul e Norte serão mantidos com a atual cota máxima de coroamento,
servindo as respectivas fachadas voltadas para a Plataforma Rodoviária, em toda a altura de campo
livre, para instalação de painéis luminosos de reclame, permitindo-se o uso misto de cinemas, teatros e
casas de espetáculos, bem como restaurantes, cafés, bares, comércio de varejo e outros que propiciem o
convívio público;
III - Nos demais setores referidos no artigo o gabarito não será uniforme, sendo que nenhuma
edificação poderá ultrapassar a cota máxima de 65,00 m (sessenta e cinco metros), sendo permitidos os
usos indicados pela denominação dos setores de forma diversificada, ainda que se mantenham as
atividades predominantes preconizadas pelo Memorial do Plano Piloto.
CAPÍTULO V
Da Escala bucólica
Artigo 9º - A escala bucólica, que confere a Brasília o caráter de cidade parque, configurada em todas as
áreas livres, contíguas a terrenos atualmente edificados ou instituciona1mente previstos para edificação
e destinadas à preservação paisagística e ao lazer, será preservada observando-se as disposições dos
artigos subseqüentes.
188
Artigo 10º - São consideradas áreas non-aedificandi todos os terrenos contidos no perímetro descrito
nos Parágrafos 1º e 2º deste Decreto que não estejam edificados ou institucionalmente destinados à
edificação, nos termos da legislação vigente, à exceção daqueles onde é prevista expansão
predominantemente residencial em Brasília Revisitada.
§ 1º - Nas áreas referidas no caput deste artigo onde prevalece a cobertura vegetal do cerrado nativo,
esta será preservada e as demais serão arborizadas na forma de bosque, com particular ênfase ao plantio
de massas de araucária, no entorno direto da Praça dos Três poderes.
§ 2º - Nas áreas non-aedificandi poderão ser permitidas instalações públicas de pequeno porte que
venham a ser consideradas necessárias, desde que aprovadas pelo CAUMA.
Artigo 11º - Será mantido o acesso público à orla do lago em todo seu perímetro, à exceção dos
terrenos, inscritos em Cartório de Registro de Imóveis, com acesso privativo à água.
CAPÍTULO VI
Das áreas já ocupadas no entorno direto dos dois eixos
Artigo 12º - Com o objetivo de assegurar a permanência, no tempo da presença urbana conjunta, das
quatro escalas referidas nos Capítulos II, III, IV, V deste Decreto, em todas as áreas já ocupadas no
entorno dos dois eixos e contidas no perímetro delimitado no Parágrafo único do art. 1º deste Decreto
ficam mantidos os critérios de ocupação aplicados pela administração nesta data, sendo que nos
terrenos destinados à recreação e esporte nenhuma edificação poderá ultrapassar a cota máxima do
coroamento de 7,00 m (sete metros), à exceção dos ginásios cobertos, e nos terrenos destinados a hotéis
e turismo, onde nenhuma edificação poderá ultrapassar a cota máxima do coroamento de 12,00 (doze
metros).
§ 1º - Nos terrenos contíguos à Esplanada dos Ministérios só serão admitidas as edificações necessárias à
expansão dos serviços diretamente vinculados aos Ministérios do Governo Federal, não podendo ser
ultrapassada a cota máxima do coroamento dos anexos existentes.
§ 2º - Só serão admitidos os remanejamentos decorrentes das recomendações contidas em Brasília
Revisitada.
CAPÍTULO VII
Das disposições Gerais
189
Artigo 13º - Para efeito de aplicação do disposto neste Decreto, são considerados setores
institucionalizados todas as partes da cidade de Brasília referidas no Memorial do Plano Piloto ou
criadas pela administração durante a implantação da capital e consagradas pelo uso popular.
Artigo 14º - 0 Governador do Distrito Federal proporá a edição de leis que venham a dispor sobre o
uso e ocupação do solo em todo o território do Distrito Federal.
Artigo 15º - As proposições contidas em Brasília Revisitada deverão ser objeto de lei especial em
particular no que diz respeito à implantação de Quadras Econômicas ao longo das vias de ligação entre
Brasília e as cidades satélites.
Artigo 16º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Brasília, 14 de Outubro de 1987.
99º da República e 28º de Brasília
José Aparecido de Oliveira
Governador do Distrito Federal
Carlos Murilo Felício dos santos
Marco Aurélio Martins Araújo
Laércio Moreira Valença
Carlos Magalhães da Silveira
Paulo Carvalho Xavier
Fábio Vieira Bruno
Adolfo Lopes Jamel Edin
José Carlos Mello
Leone Teixeira de Vasconcelos
Huniberto Gomes de Barros
Lindberg Aziz Cury
Osvaldo de Ribeiro Peralva
Arlécio Alexandre Gazal
Guy Affonso de Almeida Gonçalves
João Manoel Si Mch Brochado
José Martins Leite Cavalcante
Marco Antônio Tofeti Campanelia
Benedito Augusto Domingos
João Sereno Firmo
190
Anexo III
Brasília Revisitada
ANEXO I
Decreto 10.829, de 14 de outubro de 1987
Complementação, Preservação, Adensamento
e Expansão Urbana por Lúcio Costa
CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DO PLANO-PILOTO
1 - A interação de quatro escalas urbanas
A concepção urbana de Brasília se traduz em quatro escalas distintas: a monumental, a residencial, a
gregária e a bucólica.
A presença da escala monumental - "não no sentido da ostentação, mas no sentido da expressão
palpável, por assim dizer, consciente daquilo que vale e significa" - conferiu à cidade nascente, desde
seus primórdios, a marca inelutável de efetiva capital do país.
A escala residencial, com a proposta inovadora da Superquadra, a serenidade urbana assegurada pelo
gabarito uniforme de seis pavimentos, o chão livre e acessível a todos através do uso generalizado dos
pilotis e o franco predomínio do verde, trouxe consigo o embrião de uma nova maneira de viver,
própria de Brasília e inteiramente diversa da das demais cidades brasileiras.
A escala gregária, prevista para o centro da cidade - até hoje ainda em grande parte desocupado - teve a
intenção de criar um espaço urbano mais densamente utilizado e propício ao encontro.
As extensas áreas livres, a serem densamente arborizadas ou guardando a cobertura vegetal nativa,
diretamente contígua a áreas edificadas, marcam a presença da escala bucólica.
A escala monumental comanda o eixo retilíneo - Eixo Monumental - e foi introduzida através da
aplicação da "técnica milenar dos terraplenos" (Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios), da
disposição disciplinada porém rica das massas edificadas, das referências verticais do Congresso
Nacional e da Torre de Televisão e do canteiro central gramado e livre de ocupação que atravessa a
cidade do nascente ao poente.
As Superquadras residenciais, intercaladas pelas Entrequadras (comércio local, recreio, equipamentos
de uso comum) se sucedem, regular e linearmente dispostas ao longo dos 6 Km de cada ramo do eixo
arqueado - Eixo Rodoviário-Residencial. A escala definida por esta seqüência entrosa-se com a escala
191
monumental não apenas pelo gabarito das edificações como pela definição geométrica do território de
cada quadra através da arborização densa da faixa verde que a delimita e lhe confere cunha de "pátio
interno" urbano.
A escala gregária surge, logicamente, em torno da interseção dos dois eixos, a Plataforma Rodoviária,
elemento de vital importância na concepção da cidade e que se tornou, além do mais, o ponto de
ligação de Brasília com as cidades satélites. No centro urbano, a densidade de ocupação se previu maior
e os gabaritos mais altos, à exceção dos dois Setores de Diversões. E a intervenção da escala bucólica no
ritmo e na harmonia dos espaços urbanos se faz sentir na passagem, sem transição, do ocupado para o
não-ocupado - em lugar de muralhas, a cidade se propôs delimitada por áreas livres arborizadas.
2 - A estrutura viária
O plano de Brasília teve a expressa intenção de trazer até o centro urbano a fluência de tráfego própria,
até então, das rodovias; quem conheceu o que era a situação do trânsito no Rio de Janeiro, por
exemplo, na época, entenderá talvez melhor a vontade de desafogo viário, a idéia de se poder atravessar
a cidade de ponta a ponta livre de engarrafamentos.
O que permanece incompreensível é até hoje não existir - pelo menos na área urbana -um serviço de
ônibus municipal impecável, que se beneficie das facilidades existentes (apenas a título de exemplo: as
pistas laterais do Eixo Rodoviário-Residencial - destinadas prioritariamente ao transporte coletivo - tem
mão nos dois sentidos; no entanto sua utilização pelos ônibus só se faz numa direção em cada uma
delas). Bem como não se ter ainda introduzido o sistema de "transferência" que se impõe para que o
passageiro não seja onerado indevidamente.
A estrutura viária da cidade funciona como arcabouço integrador das várias escalas urbanas.
3 - A questão residencial
O plano-piloto optou por concentrar a população próximo ao centro (Eixo Rodoviário-Residencial),
através da criação de áreas de vizinhança que admitem habitação multifamiliar; mas habitação
multifamiliar não na forma de apartamentos construídos em terrenos inadequados e constrangendo os
moradores das residências vizinhas, como geralmente ocorre.
A proposta de Brasília mudou a imagem de "morar em apartamento", e isto porque morar em
apartamento na Superquadra significa dispor de chão livre e gramados generosos contíguos à "casa"
numa escala que um lote individual normal não tem possibilidade de oferecer.
E prevaleceu a idéia de distribuir a ocupação residencial em áreas definidas "a priori" para apartamentos
(Superquadras) e para casas isoladas - estas, mais afastadas do centro.
192
4 - Orla do lago
O Plano-piloto refuga a imagem tradicional no Brasil da barreira edificada ao longo da água; a orla do
lago se pretendeu de livre acesso a todos, apenas privatizada no caso dos clubes. E onde prevalece a
escala bucólica.
5 - A importância do paisagismo
"De uma parte, técnica rodoviária; de outra técnica paisagística de parques e jardins." (memória
descritiva do plano-piloto).
A memória descritiva do plano deixou clara a importância da volumetria paisagística na interação das
quatro escalas urbanas da cidade; o canteiro central da Esplanada gramado, as cercaduras verdes das
Superquadras, a massa densamente arborizada prevista para os Setores Culturais (ainda até hoje
desprovidos de vegetação).
Quadras Econômicas
Projeto de Lúcio Costa iniciadas no Governo José Aparecido de Oliveira
193
Cada Quadra Econômica tem área de 160 a 370m (5.92 HA) e 30 blocos com 8 x 34 m de projeção e
três pavimentos sobre pilotis livres. Cada bloco pode ter 12 apartamentos de 60m2 ou 24 de 30m2 e
assim, admitindo-se 15 blocos de cada tipo, teremos por Quadra 540 unidades residenciais - 2.700
habitantes em média. Quatro Quadras Econômicas constituem uma área de vizinhança.
Além dos apartamentos propriamente ditos e do grande "quintal comum" que é o interior da Quadra,
são previstos equipamentos de apoio - creche, jardim de infância, alpendres para velhos e para jovens,
locais protegidos para crianças menores e para jogos dos médios e maiores; a própria comunidade
saberá descobrir com o tempo novos usos para sua área de uso comum.
Nas pracinhas que articulam as Quadras ficam o comércio local e pequenas oficinas, e ao longo da via
de distribuição, ou voltados para a área rural, se localizam as escolas, mercados, postos de saúde,
templos e demais equipamentos de interesse comunitário.
Os apartamentos de 60m2 tanto podem atender a famílias de baixa renda como à classe média baixa e
média-média, e à gente moça de um modo geral. O projeto dos apartamentos menores responde às
condições reais e à maneira de viver da faixa social a que se destina. Assim, quando seu primeiro
ocupante melhorar de vida e puder morar num apartamento maior, o novo ocupante será,
normalmente, outra pessoa da mesma faixa de renda que ele era.
Como a intenção é misturar as várias gradações sociais, cada Quadra deverá ter metade dos blocos com
apartamentos de 30m2 e metade com apartamentos de 60m2 distribuídos sempre de forma alternada, de
modo a impedir a segregação dentro da própria Quadra.
O custo da infra-estrutura urbana é consideravelmente menor do que o de uma implantação rasteira
para a mesma população. A extensão total de vias por Quadra é de 844 m, dos quais 684 com 6 m de
largura e 160 com 7 m, ou seja, 1.50 m/unidade residencial (computando exclusivamente os
apartamentos mas atendendo a todas as demais edificações). A extensão das redes de drenagem de águas
pluviais, esgotos, distribuição de água potável e energia incidem na mesma proporção.
194
Além disso, em se tratando de um projeto padrão - uma espécie de "pré-moldado urbano" - existem
todas as condições para que se chegue a uma sensível redução no custo de construção sendo o projeto
implantado em grande escala.
"Agora, na retomada da normalidade político-administrativa, o novo governo da cidade está diante de
um impasse.
É que, no louvável intuito de preservar a identidade simbólica da capital - ou seja, o chamado Plano
Piloto - a administração anterior vinha adotando a política da descentralização e de uma antecipada
dispersão periférica em detrimento da matriz urbana ainda incompleta. Daí a iniciativa de projetar
novas cidades satélites e de pretender implantar oneroso sistema de transporte de massa, quando as
largas vias de conexão com Brasília propriamente dita, ainda vazias, estão a pedir sem maior ônus, antes
pelo contrário, uma ocupação marginal, arquitetonicamente concebida e urbanisticamente definida
destinada à habitação de padrão econômico. Essa possível seqüência contínua de segmentos edificados
formando quadras no sentido das superquadras de Brasília mas com prédios de apenas três pavimentos
sobre pilotis baixos (2.20m), destinados não só aos pequenos funcionários do serviço público, mas a
bancários, comerciários e trabalhadores de um modo geral, inclusive com unidades de 35m2 para
atender ao salário mínimo e a ex-favelados, criará ao longo das vias uma cortina arquitetônica
urbanisticamente integrada, com escolas, creches, áreas arborizadas de recreio e outras comodidades,
além do apoio comercial adequado a populações não motorizadas.
Por trás dessas quadras cujos habitantes utilizarão o transporte existente, barateando-lhe o custo devido
à freqüência em todo o percurso, dantes ocioso, estariam, então, as extensas glebas para uso exclusivo
de granjas e lavoura, evitando-se assim os inconvenientes do espraiamento suburbano."
Lúcio Costa, maio 85
Complementação e Preservação
195
Complementar e preservar estas características significa, por conseguinte:
1 - Proceder ao tombamento do conjunto urbanístico-arquitetônico da Praça dos Três Poderes,
incluindo-se os Palácios do Itamarati e da Justiça, de vez que constituem sua vinculação arquitetônica
com a Esplanada dos Ministérios, cuja perspectiva ficará valorizada com a transferência das palmeiras
imperiais.
2 - Manter os gabaritos vigentes nos dois eixos e em seu entorno direto (até os Setores de Grandes
Áreas, inclusive), permanecendo não edificáveis as áreas livres diretamente contíguas, e baixa a
densidades, com gabaritos igualmente baixos, nas áreas onde já é prevista ocupação entre a cidade e a
orla do lago. Isto é fundamental.Brasília, a capital, deverá manter-se "diferente" de todas as demais
cidades do país: não terá apartamentos de moradia em edifícios altos; o gabarito residencial não deverá
ultrapassar os seis pavimentos iniciais, sempre soltos do chão. Este será o traço diferenciador - gabarito
alto no centro comercial, mas deliberadamente contido nas áreas residenciais, a fim de restabelecer, em
ambiente moderno, escala humana mais próxima da nossa vida doméstica e familiar tradicional.
3 - Garantir a estrutura das unidades de vizinhança do Eixo Rodoviário-Residencial, mantendo a
entrada única nas Superquadras, a interrupção das vias que lhes dão acesso - para evitar tráfego de
passagem - bem como ocupando devidamente as Entrequadras não comerciais com instalações para
esporte e recreio e demais equipamentos de interesse comunitário, sobretudo escolas públicas
destinadas ao ensino médio. Proibir a vedação das áreas cobertas de acesso aos prédios (pilotis) e dos
parqueamentos - cobertos ou não.
4 - Reexaminar os projetos dos setores centrais, sobretudo os ainda pouco edificados, no sentido de
propiciar a efetiva existência da escala gregária - além da Rodoviária e dos dois Setores de Diversões -
prevendo percursos contínuos e animados para pedestres e circulação de veículos dentro dos vários
quarteirões, cuja ocupação deve, em princípio, voltar-se mais para as vias internas do que para as
periféricas.
Neste mesmo sentido, não insistir na excessiva setorização de usos no centro urbano - aliás, de um
modo geral, nas áreas não residenciais da cidade, excetuando o centro cívico. O que o plano propôs foi
apenas a predominância de certos usos, como ocorre naturalmente nas cidades espontâneas.
5 - Providenciar as articulações viárias necessárias para fazer prevalecer na cidade de hoje a mesma
clareza e fluência viárias contidas no risco original e, paralelamente, "arrematar" a cidade como um
todo (recomendo neste sentido consulta ao trabalho "Brasília 57-85").
6 - Proceder urgentemente às obras de recuperação da Plataforma Rodoviária, que devem ser
coordenadas por arquiteto identificado com o projeto original, a ser mantido com rigorosa fidelidade.
196
7 - Acabar devidamente e manter sempre limpos os logradouros de estar. A começar pelas duas
pracinhas da Plataforma Rodoviária - cuidar das plantas, dos bancos e do permanente funcionamento
das fontes.
Adensamento e expansão urbana do "Plano Piloto"
Uma vez assegurada a proteção do que se pretende preservar, trata-se agora de verificar onde pode
convir ocupação - predominantemente residencial - em áreas próximas ao "Plano Piloto", ou seja, na
bacia do Paranoá, e de que forma tal ocupação deve ser conduzida para integrar-se ao que já existe, na
forma e no espírito, ratificando a caracterização de cidade parque - "derramada e concisa" - sugerida
como traço urbano diferenciador da capital.
Como já foi mencionado, a primeira proposição neste sentido foi a implantação intermitente de
seqüências de Quadras Econômicas ao longo das vias de ligação entre Brasília e as cidades satélites. A
proposta visou aproximar de Brasília as populações de menor renda, hoje praticamente expulsas da
cidade - apesar da intenção do plano original ter sido a aposta - e, ao mesmo tempo, dar também a elas
acesso à maneira de viver própria da cidade e introduzida pela superquadra.
Na Quadra Econômica - espécie de "pré-moldado" urbano - a disposição escalonada dos blocos (pilotis
e três pavimentos) ao longo da trama viária losangular abre, no interior de cada quadra espaço livre
para instalação dos complementos da moradia: lugar para jogos ao ar livre, "áreas de encontro"
cobertas para os moços e para os velhos, creche, jardim de infância. A existência deste "quintal
comum", com a quase totalidade de chão aberta ao uso de todos, e desses complementos ou "extensões
da habitação", ensejando desafogo de tensões, possibilitam convívio doméstico em clima de
descontração, mesmo em apartamentos mínimos, além de assegurar boa densidade populacional (cerca
de 500 hab/ha). Ao mesmo tempo, essa implantação compacta reduz sensivelmente o custo da
infraestrutura urbana uma vez que não compromete grandes superfícies.
Quando, ao longo das vias de ligação, for fisicamente inviável a implantação de Quadras Econômicas,
podem ser admitidos núcleos residenciais multifamiliares de outro tipo, desde que com gabarito
máximo de pilotis e quatro pavimentos e taxa de ocupação do terreno análogas às das quadras. Em
qualquer caso, deve ser reservada faixa contígua à estrada para densa arborização.
Chegando a Brasília propriamente dita, seis áreas comportam ocupação residencial multifamiliar; sendo
diretamente vinculadas ao "Plano Piloto" passam, por conseguinte, a interferir no jogo das escalas
urbanas.
As duas primeiras (A e B), na parte oeste da cidade, resultam da distância excessiva entre a Praça
Municipal e a Estrada Parque Indústria e Abastecimento decorrente do deslocamento do conjunto
urbano em direção ao lago recomendado por Sir William Holford no julgamento do concurso.
197
A terceira (C), já proposta em 1984, está ligada à intenção de se fixar a Vila Planalto.
A quarta (D), é sugerida pela existência de centros comerciais consolidados na área fronteira.
E as duas últimas (E e F) visam abrir perspectiva futura de maior oferta habitacional multifamiliar em
áreas que, embora afastadas, vinculam-se ao núcleo original tanto através da presença do lago como
pelas duas pontes que se pretende construir (a primeira pessoa a me alertar para tal possibilidade foi o
economista Eduardo Sobral, mais de 10 anos atrás). Poderiam ser chamadas "Asas Novas" - Asa Nova
Sul e Asa Nova Norte.
Na implantação dos dois novos bairros a oeste - Oeste Sul e Oeste Norte - foram previstas Quadras
Econômicas (pilotis e três pavimentos) para responder à demanda habitacional popular e Superquadras
(pilotis e seis pavimentos) para classe média, articuladas entre si por pequenos centros de bairro, com
ocupação mais densa, gabaritos mais baixos (dois pavimentos sem pilotis) e uso misto.
A idéia de se implantar um renque de pequenas Quadras (240x240m) com gabarito de quatro
pavimentos sobre pilotis ao longo da via localizada entre a Vila Planalto e o Palácio da Alvorada (área
C) surgiu como única forma realista de, uma vez admitida a fixação da Vila, barrar de fato a gradual
expansão de parcelamento em lotes individuais naquela direção, o que interferiria de forma não apenas
inadequada mas desastrosa com a escala monumental tão próxima; à primeira vista, a presença destas
quadras - Quadras Planalto - pode parecer contraditória com a recomendação de se manterem baixos a
densidade e os gabaritos nas áreas onde é admitida ocupação entre o "Plano Piloto" e a orla do lago; na
realidade, entretanto, o gabarito uniforme de quatro pavimentos ao longo de cerca de 1.000 metros cria
uma dominante horizontal serena que, aliada à presença - indispensável - dos enquadramentos
arborizados das Quadras assegura a harmonia do conjunto com seu entorno.
A ocupação residencial da quarta área (D) só é admissível na forma de renque singelo de pequenas
quadras (como as Quadras Planalto, com pilotis e quatro pavimentos) ou de Quadras Econômicas
(pilotis e três pavimentos). Em razão da localização desta área, a fim de evitar interferência negativa
com o Eixo Rodoviário sul, além do gabarito ser mais baixo, toda a extensão de terreno compreendida
entre as novas quadras e o Eixo deve permanecer não edificada ou destinada a usos que impliquem em
baixa densidade de ocupação, e sempre cobertas de verde para diluir no arvoredo as construções.
A área E - Asa Nova Sul - sugere ocupação linear, também na forma de pequenas quadras como as
Quadras Planalto, com gabarito uniforme de 4 pavimentos sobre pilotis e cercadura arborizada.
Já na área F, muito mais extensa e com topografia peculiar, a ocupação deve prever Quadras
Econômicas ou conjuntos geminados para atender à população de menor renda, e considerar a eventual
possibilidade de fixação, em termos adequados, da atual Vila Paranoá. Os demais núcleos de edifícios
residenciais devem ser soltos do chão, tendo, no máximo, 4 pavimentos e com gabarito de preferência
198
uniforme para que se mantenha, apesar da ocupação, a serenidade da linha do horizonte, sendo cada
conjunto, - desta vez de fato e de saída - emoldurado por farta arborização. Os centros de bairro, mais
densamente ocupados, devem sempre ter gabaritos mais baixos.
Nessas "Asas Novas", mesmo quando de configuração diversificada, deve também prevalecer a mesma
conotação de cidade parque, vale dizer, pilotis livres, predomínio de verde, gabaritos baixos.
Convém ainda destinar parte da Asa Nova Norte a parcelamento em lotes individuais, aproveitando os
caprichos da topografia, respeitada a proteção arborizada dos córregos e nascentes. Assim, esta
expansão futura atenderá às três faixas de renda.
No intuito de tornar a área das "Mansões" criadas por Israel Pinheiro economicamente mais adequadas,
propõe-se admitir nelas uso condominial, onde metade da área original, ou seja, 10.000m2 seriam
preservados para a casa matriz, podendo a outra metade comportar até 5 novas unidades, todas com
entrada comum - independente ou não da entrada principal - e constituindo um só conjunto embora
sendo, eventualmente, delimitadas por cercas vivas; seria também admissível nessas áreas a instalação de
clubes de recreio.
E convém insistir no atendimento à necessidade de habitação popular através da implantação, em
grande escala, de Quadras Econômicas, apelando inclusive para as possibilidades da fabricação em série,
dentro da tecnologia desenvolvida pelo arquiteto João Filgueiras Lima, e que já conta com fábrica
montada em Brasília.
Tudo depende, em última análise, de decisão convicta neste sentido - os meios de fazer acabam
aparecendo. Como capital, cabe a Brasília inovar na matéria, mostrando ao país que existe esta
alternativa aos tristes aglomerados monótonos de casinholas pseudo-isoladas que proliferam, e se
tornaram a imagem melancólica do BNH.
Se computado o custo verdadeiro de cada unidade residencial - incluindo terreno, infraestrutura urbana
e construção dos blocos de apartamentos e dos "complementos da moradia", cai por terra a idéia da
casa isolada ser a solução economicamente mais viável para o problema da habitação popular. Tanto
assim que em países como Cuba e a China, onde o caixa é único e o dinheiro pouco, não se cogita de
assentamentos residenciais rasteiros, até mesmo em áreas rurais. Além do que, o lote mínimo, com
janelas se confrontando e seu quintal inexistente porque em geral ocupado por outra família, nada tem
a ver com a imagem romântica que se propaga da "casa própria".
Em todo o caso, para atendimento à demanda popular nos moldes tradicionais - lotes individuais -
existe o projeto Samambaia, elaborado por técnicos do GDF na administração passada, inclusive com
esta intenção.
199
Conclusão
O "quantum" populacional atingido pela abertura à ocupação dessas novas áreas, pelos adensamentos
previstos, pela ocupação residencial multifamiliar nas margens das vias de ligação entre Brasília e as
satélites, pelo adensamento controlado destes núcleos e pela implantação da Samambaia, deve ser
consideradoa população limite para a capital federal, a fim de não desvirtuar a função primeira -
político-administrativa - que lhe deu origem. A Brasília não interessa ser grande metrópole.
200
Como nossa estrutura econômico-social induz à migração de populações carentes para os grandes
centros urbanos, é essencial pensar-se desde já no desenvolvimento, em áreas próximas à capital de
núcleos industriais capazes de absorver, na medida do possível, essas migrações com efetiva oferta de
trabalho. Brasília é, no caso, uma simples miragem. Cidade fundamentalmente político-administrativa e
de prestação de serviços, a demanda de mão de obra, sobretudo não qualificada, é necessariamente
menor embora a proximidade do poder central crie a ilusão de facilidades que, de fato, não existem.
Quanto ao escalonamento, no tempo, das implantações aqui sugeridas cabe ao Departamento de
Urbanismo da Secretaria de Viação e Obras coordenar os estudos a serem feitos conjuntamente com as
demais Secretarias e concessionárias de serviços públicos a fim de definir com segurança o melhor
procedimento, bem como as tecnologias a serem utilizadas, tendo em vista o abastecimento de água e
energia, o transporte, o saneamento e a preservação do meio ambiente, o controle da poluição do lago
Paranoá e a proteção da área a ser ocupada pela futura represa do São Bartolomeu - integrando, enfim,
como um todo, as novas proposições e o planejamento do território do Distrito Federal.
Finalmente, o importante ao se pensar na complementação, na preservação, no adensamento ou na
expansão de Brasília é não perder de vista a postura original, é estar-se imbuído de lucidez e
sensibilidade no trato dos problemas urbanos; é perceber que coisas maiores e coisas menores têm
importância análoga, consideradas cada uma em sua escala; é enfrentar os inúmeros problemas do dia a
dia com disposição, firmeza e flexibilidade; é tanto saber dizer não como dizer sim na busca contínua
da resposta adequada, - tarefa tantas vezes ingrata e inglória para os técnicos que participam
dedicadamente de sucessivas administrações; é fazer prevalecer o senso comum, fugindo das teorizações
acadêmicas e protelatórias, e da improvisação irresponsável; é lembrar-se que a cidade foi pensada "para
o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à
especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração,
num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país."
O plano-piloto de Brasília não se propôs visões prospectivas de esperanto tecnológico, nem tampouco
resultou de promiscuidade urbanística, ou de elaborada o falsa "espontaneidade".
Brasília é a expressão de um determinado conceito urbanístico, tem filiação certa, não é uma cidade
bastarda. O seu "facies" urbano é o de uma cidade inventada que se assumiu na sua singularidade e
adquiriu personalidade própria graças à arquitetura de Oscar Niemeyer e à sua gente.
201
Anexo IV
Secretaria da Cultura
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Portaria nº 314
de 08 de outubro de 1992
(Revoga a Portaria nº 04, de 13 de março de 1990).
O Presidente do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural - IBPC, no uso de suas atribuições legais, e
em cumprimento do Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, resolve:
Artigo 1º - Para efeito de proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília, tombado nos termos da
decisão do Conselho Consultivo da SPHAN, homologada pelo Ministro da Cultura, ficam aprovadas
as definições e critérios constantes da presente Portaria.
§ 1º - A realidade física territorial correspondente ao bem tombado a que se refere o caput deste artigo
é compreendida como o conjunto urbano construído em decorrência do Plano Piloto vencedor do
concurso nacional para a nova capital do Brasil, de autoria do arquiteto Lúcio Costa.
§ 2º - A área abrangida pelo tombamento é delimitada a leste pela orla do lago Paranoá, a oeste pela
Estrada Parque Indústria e Abastecimento - EPIA, ao sul pelo Córrego Vicente Pires e ao norte pelo
Córrego Bananal.
Artigo 2º - A manutenção do Plano Piloto de Brasília será assegurada pela preservação das
características essenciais de quatro escalas distintas em que se traduz a concepção urbana da cidade: a
monumental, a residencial, a gregária e a bucólica.
Artigo 3º - A escala monumental, concebida para conferir à cidade a marca de efetiva capital do País,
está configurada no Eixo Monumental, desde a Praça dos Três Poderes até a Praça do Buriti e para a
sua preservação serão obedecidas as seguintes disposições:
I - a Praça dos Três Poderes fica preservada tal como se encontra nesta data, no que diz respeito aos
Palácios do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional, bem como aos elementos
escultórios que a complementam, inclusive o Panteon, a Pira, o Monumento ao Fogo Simbólico,
construídos fora da praça, mas que se constituem parte integrante dela;
II - Também ficam incluídas para preservação as sedes vizinhas dos Palácios Itamarati e da Justiça,
referências integradas da Arquitetura de Oscar Niemeyer na Praça dos Três Poderes;
III - Da mesma forma, serão incluídos na preservação os espaços não edificados adjacentes aos palácios e
monumentos referidos, respeitada para o Espaço Lúcio Costa e aprovação dada pela CAUMA;
202
IV - São também alcançados, para efeito de preservação, os espaços principais de entrada e acesso
público nos Palácios mencionados nos itens I e II;
V - Nos terrenos do canteiro central verde são vedadas quaisquer edificações acima do nível do solo
existentes, garantindo a plena visibilidade ao conjunto monumental;
VI - A Esplanada dos Ministérios ao sul e ao norte do canteiro central, à exceção da Catedral de
Brasília, será de uso exclusivo dos Ministérios Federais, sendo entretanto admitidas, tal como constam
do Plano Piloto, edificações de acréscimos com um pavimento em nível de mezanino e sobre pilotis,
para instalação de pequeno comércio e serviços de apoio aos servidores, no espaço compreendido entre
o meio dos blocos e a escala externa posterior;
VII - As áreas compreendidas entre a Esplanada dos Ministérios e a Plataforma Rodoviária ao sul e ao
norte do canteiro central, e que constituem os Setores Culturais Sul e Norte, destinam-se a construções
públicas de caráter cultural.
Artigo 4º - A escala residencial, proporcionando uma nova maneira de viver, própria de Brasília, está
configurada ao longo das alas Sul e Norte do Eixo Rodoviário Residencial e para a sua preservação
serão obedecidas as seguintes disposições
I - Cada Superquadra, nas alas sul e norte, contará com um único acesso para transporte de automóvel e
será cercada, em todo o seu perímetro, por faixa de 20,00m (vinte metros) de largura com densa
arborização;
II - Nas duas alas, sul e norte, nas seqüências de Superquadras numeradas de 102 a 116, de 202 a 216 e de
302 a 316, as unidades de habitações conjuntas terão 06(seis) pavimentos, sendo edificadas sobre piso
térreo em pilotis, livre de quaisquer construções que não destinem a acessos e portarias;
III - Nas duas alas, sul e norte, nas seqüências de Superquadras duplas numeradas de 402 a 416, as
unidades de habitações conjuntas, terão três pavimentos, edificados sobre pisos térreos em pilotis livres
de quaisquer construções que não se destinem a acessos e portarias;
IV - Em todas as Superquadras, nas alas sul e norte a taxa máxima de ocupação para a totalidade das
unidades de habitação conjunta é de 15% (quinze por cento,) da área do terreno compreendido pelo
perímetro externo da faixa verde;
V - Além das unidades de habitações conjuntas serão previstas e permitidas pequenas edificações de uso
comunitário, com, no máximo, um pavimento;
203
VI - Na ala sul os comércios locais correspondentes a cada superquadra deverão sempre ser edificados,
em relação às referidas superquadras na situação em que se encontram nesta data;
VII - As áreas entre as superquadras, nas alas sul e norte, denominadas entrequadras destinam-se a
edificações para atividades de uso comum e de âmbito adequado às áreas de vizinhança próximas como
ensino, esporte, recreação e atividades culturais e religiosas.
Artigo 5º - O eixo rodoviário residencial, nas alas norte e sul, terá respeitadas suas características
originais, mantendo-se o caráter rodoviário que lhe é inerente.
Parágrafo único - O sistema viário que serve às Superquadras manterá os acessos existentes e as
interrupções nas vias L. 1 e W. 1, conforme se verifica na ala sul, devendo ser o mesmo obedecido na
ala norte.
Artigo 6º - A escala gregária com que foi concebido o centro de Brasília em torno da intersecção dos
Eixos Monumental e Rodoviário, fica configurada na Plataforma Rodoviária e nos Setores de
Diversões, Comerciais, Bancários, Hoteleiros, Médicos-Hospitalares, de Autarquia e de Rádio e
Televisão Sul e Norte.
Artigo 7º - Para a preservação da escala gregária referida no artigo anterior, serão obedecidas as
seguintes disposições
I - A Plataforma Rodoviária será preservada em sua integridade estrutural e arquitetônica original,
incluindo-se nessa proteção as suas praças atualmente implantadas defronte aos Setores de Diversões Sul
e Norte;
II - Os Setores de Diversões Sul e Norte serão mantidos com a atual cota máxima de coroamento,
servindo as respectivas fachadas voltadas para a Plataforma Rodoviária, em toda a altura de campo
livre, para instalação de painéis luminosos de reclame, permitindo-se o uso misto de cinemas, teatros e
casas de espetáculos, bem como restaurantes, cafés, bares, comércio de varejo e outros que propiciem o
convívio público;
III - Nos demais setores referidos no artigo anterior o gabarito não será uniforme, sendo que nenhuma
edificação poderá ultrapassar a cota máxima de 65.00m (sessenta e cinco metros), sendo permitidos os
usos indicados pela denominação dos setores de forma diversificada, ainda que se mantenham as
atividades predominantes preconizadas, pelo Memorial do Plano Piloto.
Artigo 8º - A escala bucólica, que confere à Brasília o caráter de cidade-parque, configurada em todas as
áreas livres, contíguas a terrenos atualmente edificadas ou institucionalmente previstas para edificação e
204
destinadas à preservação paisagísticas e ao lazer, será preservada observando-se as disposições dos
artigos subseqüentes.
Artigo 9º - São consideradas áreas non-aedificand todos os terrenos contidos no perímetro descrito nos
Parágrafos 1º e 2º do artigo 1º desta Portaria que não estejam edificados ou institucionalmente
destinados à edificação, nos termos da legislação vigente à exceção daqueles onde é prevista expansão
predominantemente residencial em Brasília Revisitada, que constituem os anexos I e II desta Portaria.
§ 1º Nas áreas referidas no caput deste artigo onde prevalece a cobertura vegetal do cerrado nativo, esta
será preservada e as demais serão arborizadas na forma de bosque, com particular ênfase ao plantio de
massas de araucária, no entorno direto da Praça dos Três Poderes.
§ 2º Nas áreas non-aedificand poderão ser permitidas instalações públicas de pequeno porte que
venham a ser consideradas necessárias, desde que, apreciados pelo CAUMA, sejam submetidos à
consideração do IBPC.
§ 3º Excepcionalmente, e como disposição naturalmente temporária, serão permitidas, quando
aprovadas pelas instâncias legalmente competentes, as propostas para novas edificações encaminhadas
pelos autores de Brasília - arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer - como complementações
necessárias ao Plano Piloto original e, portanto, implícitas na Lei Santiago Dantas(nº 3.751160) e no
Decreto 10.829/87 do GDF que a regulamenta a respalda a inscrição da Cidade no Patrimônio Cultural
da Humanidade.
Artigo 10º - Será mantido o acesso público à orla do lago em todo seu perímetro, à exceção dos
terrenos, inscritos em Cartório de Registro de Imóveis com acesso privativo à água.
Artigo 11º - Com objetivo de assegurar a permanência no tempo, da presença urbana conjunta, das
quatro escalas referidas nos artigos anteriores desta portaria, em todas as áreas já ocupadas no entorno
dos dois eixos e contidas no perímetro delimitado nos Parágrafos 1º e 2º do artigo 1º desta Portaria
ficam mantidos os critérios de ocupação aplicados pela administração nesta data, sendo que nos
terrenos destinados à recreação e esporte nenhuma edificação poderá ultrapassar a cota máxima do
coroamento de 7,00 m (sete metros), à exceção dos ginásios cobertos, e nos terrenos destinados a hotéis
de turismo, onde nenhuma edificação poderá ultrapassar a cota máxima de coroamento de 12,00m
(doze metros).
Parágrafo único - Nos terrenos contíguos à Esplanada dos Ministérios só serão admitidos as edificações
necessárias à expansão dos serviços diretamente vinculados aos Ministérios do Governo Federal, não
podendo ser ultrapassadas a cota máxima do coroamento dos anexos existentes.
205
Artigo 12º - Para efeito de aplicação do disposto nesta portaria, são considerados setores
institucionalizados todas as partes da cidade de Brasília referidas no Memorial do Plano Piloto ou
criadas pela administração durante a implantação da capital e consagradas pelo uso popular.
Artigo 13º - Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Jayme Zettel (of nº 156/92)
206
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo