Por sua vez, a arte após Platão torna-se sinônimo de reprodução ou imitação do real
(mimesis
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) estático e descomplexificado e de mediação do sensível para o inteligível,
necessitando somente de apuro técnico, em detrimento da vocação e da vontade criativa do
artista, para a concretização de seu programa estético-estilístico. A arte, entretanto, não se
subordina a projetos. Os grandes artistas, tampouco, pretendem conceber planos para as
próprias carreiras. Ambos indivisíveis, um e o mesmo, arte-artífice, projetam-se em
frenética fluidez de todos os elementos e formas perceptíveis, via intelecto e sensibilidade
poética; e imperceptíveis, via criação artística constante e recriação insaciável. A deliberada
superficialidade do conceito de mimesis, enquanto desafeta da criação e das forças caóticas
e telúricas da natureza, culmina na verticalidade e, conseqüentemente na unidade opressora
do pensamento, conforme salienta Lins:
Desvinculada da criatividade sobra à mímesis uma atividade vazia pela
qual um indivíduo, além de imitar seu modelo, abre mão de sua vontade. Onde
antes se avançava (...), se retrocede, pela via perversa da obediência, e da pior
obediência, a voluntária.
As ciências naturais provam, em laboratório, a correção do princípio: o
que se repete permite que se vislumbre um terreno seguro sobre o qual o
conhecimento consiga prosseguir. Não surpreende que, uma vez descoberto,
tenham transformado o princípio em Lei e que tal Lei haja surgido para não mais
desaparecer. Na condição de Lei, entretanto, de patamar saudável e seguro para a o
exercício da reflexão, o princípio ganhou novas dimensões, passando sobretudo na
área da ciência política e da ideologia, a condicionar o comportamento humano no
interior da sociedade. A repetição tornou-se mais do que uma “verdade” subjacente
às ciências naturais. Adquiriu status de norma (...)
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(grifo do autor)
Repare-se que os principais conceitos que regem o pensamento ocidental passaram
por revisões críticas de natureza ideológica, não artística, ou de natureza política, não
poética. Ora, não é possível vislumbrar a urgência de um significado quando silenciado na
emergência de um contexto propício e moldado rigidamente a incitar uma e única
significação possível. Lemos teorias políticas e não poéticas. A literatura poética convoca,
isto sim, a presença da teoria literária poética e o que pode, a princípio, parecer um
paradoxo é, no fundo, a concretização discursiva do diálogo incitado pelos próprios artistas.
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Vista por Platão de maneira pejorativa, pois, segundo o filósofo, a mimesis era justamente a ilusão que
afastava os cidadãos da Politéia do “mundo real”, das idéias e dos conceitos ditos verdadeiros. Portanto, a
mera e superficial capacidade da arte de reproduzir o real – diametralmente oposta à concepção de arte
original, poética e cosmogônica contida neste trabalho – já era terrível diante das ambições doutrinárias e
conservadoras dos reis-filósofos. Instaura-se a ditadura do pensamento racional e dicotômico.
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LINS, 1990, 158.
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