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força a descarga radical da pulsão e cria rupturas. Estas rupturas são produzidas pela pulsão
de morte. É a repetição de um silêncio, de uma ausência, de um universo vazio que está na
origem mítica do sujeito (...) Assim, a pulsão de morte pode ser traduzida como força
constante disruptora, moção sem sentido, cujo correlato, o desamparo, tem como efeito-
afeto a angústia, a angústia como ruído do real, como manifestação de uma verdade
indizível. Este ruído remete ao objeto como “pura perda”, que é também potência de
satisfação.
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Freud destaca duas formas através das quais as pulsões se fazem presentes no plano
psíquico: pelo representante ideativo ou pelo afeto que descreve o caráter intensivo da
pulsão e aparece nos seus textos, inseridos em uma perspectiva de aumentos e diminuições
de quantidades energéticas, por um lado, e, por outro, relacionado a aspectos qualitativos,
especialmente pela série prazer-desprazer. Não podendo ser inconsciente, o afeto é um
evento sempre sentido como tal e topicamente ocorre no eu. E ainda, na metapsicologia
freudiana, as emoções e sentimentos são resultantes de um arranjo estabelecido entre idéias
e afetos, que tomam as mais idiossincráticas nuances. No texto O recalque, Freud, ao
abordar o assunto, afirma que relacionava o processo do recalcamento ao destino de um
representante pulsional, entendendo por este último uma idéia, ou grupo de idéias,
catexizadas com uma quota definida de energia psíquica proveniente de uma pulsão.
Permanecia, portanto, a necessidade de esclarecer o destino do afeto nesse processo:
A observação clínica nos obriga a dividir aquilo que até o presente consideramos como
sendo uma entidade única, de vez que essa observação nos indica que, além da idéia, outro
elemento representativo da pulsão tem de ser levado em consideração, e que esse outro
elemento passa por vicissitudes de recalque que podem ser bem diferentes das
experimentadas pela idéia. A expressão quota de afeto tem sido freqüentemente adotada
para designar esse outro elemento do representante psíquico. Corresponde à pulsão na
medida em que este se afasta da idéia e encontra expressão, proporcional à sua quantidade,
em processos que são sentidos como afetos. A partir desse ponto, ao descrevermos um caso
de recalque, teremos de acompanhar separadamente aquilo que acontece à idéia como
resultado da repressão e aquilo que acontece à energia pulsional vinculada a ela.
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FRANÇA, M. I. Psicanálise, estética e ética do desejo. São Paulo: Perspectiva, 1997. p. 52.
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FREUD, S. O recalque. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. (Obras completas, v. 2). p. 2057.