Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
MATERNIDADE, GÊNERO E RELIGIÃO: A DEVOÇÃO
À MÃE DO PERPÉTUO SOCORRO
Célia Vieira de Souza Rocha
GOIÂNIA
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
MATERNIDADE, GÊNERO E RELIGIÃO: A DEVOÇÃO
À MÃE DO PERPÉTUO SOCORRO
Célia Vieira de Souza Rocha
Orientadora: Profª. Drª. Carolina Teles Lemos
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás,
como requisito para obtenção do título de Mestre.
Goiânia
2005
ads:
3
4
Fotos frontal e lateral da Igreja Matriz de Campinas
5
DEDICATÓRIA
A minha família, meu companheiro Júnior, pois,
pacientemente, esteve ao meu lado, apoiando e
incentivando minhas longas horas de estudos. Às
minhas adoráveis filhas, Belise e Amanda, que,
desde pequenas, aprenderam a respeitar e
compartilhar minha luta rumo ao conhecimento.
6
AGRADECIMENTOS
Ao Deus “Pai e Mãe”, poeta da vida e do amor, que por sua infinita bondade,
tem derramado abundantemente bênçãos, sobre mim e toda minha família.
A Profª. Dra. Carolina Teles Lemos, pela orientação competente e generosa,
e que, aos poucos, foi se transformando numa presença amiga.
À comunidade dos padres redentoristas da Matriz de Campinas, de modo
especial, ao pároco padre Walmir Garcia dos Santos, que me acolheu como
pesquisadora, abrindo as portas para a realização desse trabalho, de forma
silenciosa e amiga.
A Cleusa Gomes, que ao longo desses vinte anos de convivência comunitária,
tem se tornado, dia a dia, fiel companheira nas tristezas e alegrias da
caminhada.
A Ivone Aparecida, pela carinhosa amizade, apoio material e espiritual nessa
empreitada acadêmica.
Ao amigo Paulo César Nunes de Oliveira, pelos oito anos de convivência
fraterna, por sua colaboração com meu projeto de pesquisa, e encorajamento
à vida.
A minha mãe, dona Genesy, que por seu esforço em educar seus três filhos e
três filhas, deu testemunho e estímulo para lançar-me na profissão do
magistério.
A todos os meus familiares, pelas orações e compreensão em minha
ausência.
Ao frei Eduardo Flausino Mendes, que mesmo à distância, incentivou-me na
busca do conhecimento científico.
Aos queridos (as) alunos (as), que de maneira respeitosa e curiosa tiveram
paciência, em meu processo intelectivo.
7
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................ p.09
ABSTRACT ........................................................................................................ p.10
INTRODUÇÃO ................................................................................................... p.11
CAPÍTULO 1- NOVENA PERPÉTUA: ESPAÇO DE FRONTEIRA ................... p.17
1.1- A novena: uma perspectiva histórica .......................................................... p.18
1.1.1- O princípio da devoção à mãe do Perpétuo Socorro .................... p.18
1.1.2- A novena realizada na matriz de Campinas ................................. p.23
1.2- O espaço e o tempo sagrado para os fiéis marianos ................................. p.28
1.2.1- O rito mariano ................................................................................ p.29
1.2.2- Uma interpretação existencial do rito mariano .............................. p.37
1.2.3- Fronteira: espaço aberto entre o catolicismo oficial e o popular .. p.42
1.2.3.1- Uma devoção na fronteira entre o catolicismo oficial e
popular ..................................................................................................... p.45
8
1.2.3.2- A fronteira entre a concepção tradicional e a moderna da
maternidade ............................................................................................. p.54
1.3- A representação de Maria para os fiéis ...................................................... p.60
1.3.1- Privação: componente da realidade humana ............................... p.70
CAPÍTULO 2- MATERNIDADE: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL....................... p.79
2.1- A história da construção de gênero ............................................................ p.79
2.1.1- A história da construção da maternidade na filosofia grega ........ p.81
2.1.2- A história da construção teológica da maternidade na Idade
Média.......................................................................................................p.85
2.1.3- Preconceito de gênero: constituição filosófica e teológica ........... p.93
2.2- As concepções de maternidade sob a óptica dos fiéis ............................... p.99
2.2.1- Mulher forte: “Maria mistura de dor e alegria” .............................. p.102
2.2.2- Mãe é alicerce da família? ........................................................... p.110
2.3- A função religiosa do rito mariano .............................................................. p.120
2.3.1- A recorrência à intercessão de Maria: alívio à privação/medo .... p.122
CAPÍTULO 3- A CONCEPÇÃO DA MATERNIDADE NA DEVOÇÃO A
NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO ............................................ p.136
3.1- A sacralização temporal da novena ............................................................ p.138
3.1.1- Maria, símbolo, por excelência, da maternidade, no catolicismo
popular ..................................................................................................... p.145
3.1.2- O pedido de bênção e proteção à “mãe de Deus” ....................... p.155
3.2- A construção do papel sócio/religioso da mulher: ser mãe ........................ p.161
3.2.1- Mulher: sexo frágil? ....................................................................... p.166
CONCLUSÃO ..................................................................................................... p.178
REFERÊNCIAS .................................................................................................. p.183
ANEXO I ............................................................................................................. p.191
ANEXO II ............................................................................................................ p.192
ANEXO III ........................................................................................................... p.201
ANEXO IV ........................................................................................................... p.203
9
RESUMO
ROCHA, Célia Vieira de Souza. Maternidade, gênero e religião: a devoção à mãe do
Perpétuo Socorro. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2005.
Este trabalho visa compreender as relações de gênero, via maternidade, que
foram sendo estruturadas, no decorrer da tradição da cultura judaico-cristã, dentro
do catolicismo oficial e popular. Adotamos, como componente de análise, a devoção
a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, presente na novena realizada na Matriz de
Campinas, na cidade de Goiânia. Essa religiosidade apresenta-se de modo tão
dinâmico que, semanalmente, são celebradas quinze novenas, sempre no dia de
terça-feira. De hora em hora, acontece o revezamento de fiéis e equipes de liturgia,
para a celebração de um novo ritual, sempre seguido de perto por milhares de
pessoas. Essa pesquisa possibilitou uma compreensão de que os fiéis que aderem a
esse tipo de rito fazem-no por cultivarem em si uma grande carga de
medo/privações reais e imaginárias, em sua existência humana. A relação
estabelecida nessa devoção dá-se pelo fato de verem em Maria o rosto da mãe do
perene socorro, em suas indigências. Por esse motivo, escolhemos o caminho da
análise das relações de gênero, uma vez que os fiéis assemelham a na
maternidade de Maria, ao ideal de mãe humana. Homens e mulheres asseguram,
sem questionamentos, que a maternidade deve ser um serviço de devotamento a
Deus e nesse construto social idealizado pela tradição androcêntrica, as mulheres
são infligidas à submissão e à exploração social. Para atingir a abrangência, quatro
pilares forneceram o embasamento de sustentação teórica: maternidade, gênero,
religião e a devoção católica à mãe do Perpétuo Socorro. Autores (as) como
Durkheim, Bourdieu, Berger, Parker, Scoth, Daluran, Gebara, dentre outros (as),
foram de essencial relevância para a percepção da conjectura levantada.
Palavras chave: maternidade, gênero, religião, catolicismo popular, devoção
mariana.
10
ABSTRACT
ROCHA, Célia Vieira de Souza. Maternity, genre and religion: the devotion to the
mother help Perpetual. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2005.
The objective of this study was to understand the genre of relations, through
maternity, that they had been being structuralized, in elapsing of the tradition of the
Jewish-Christian culture, inside of the official and popular Catholicism. We adopt, as
component of analysis, the devotion of our lady of help Perpetual, gift in the prayers
carried through in the Mother church of Campinas, in Goiânia. This religiosity is
presented in so dynamic way that, weekly, fifteen prayers are celebrated, always on
Tuesday. Hourly, the rotation of fiduciary offices and teams of liturgy happens, for the
celebration of a new ritual, always followed for thousand of people. This research
made possible an understanding of that the fiduciary offices that adhere to this genre
of rite do it for cultivating in itself a great load of real fear and imaginary privations, in
its existence human being. The relation established in this devotion occurs due the
fact to see in Mary the face of mother of the perennial aid, in its shortage. For this
reason, we choose the way of the analysis of the genre of relations, a time that the
fiduciary offices resemble the faith in the maternity of Mary, to the ideal mother of
human being. Men and women assure, without questionings, that the maternity must
be a service of devotement the God and in this social construct idealized by the
andocentric tradition, the women are inflicted to the submission and the social
exploration. To reach, four pillars had supplied the basement of theoretical
sustentation: maternity, genre, religion and devotion catholic to the mother of the help
Perpetul. Authors as Durkheim, Bourdieu, Berger, Parker, Scoth, Daluran, Gebara,
amongst others, they had been of essential relevance for the perception of the raised
conjecture.
Key- Words: maternity, genre, religion, catholicism popular, devotion mariana.
11
INTRODUÇÃO
O inevitável desejo de todo ser humano é ser feliz, viver uma vida de abundância,
gozando de saúde, prazeres, amores pessoais e familiares. As pessoas que praticam
a novena em louvor à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro parecem estar privadas de
algumas dessas necessidades materiais e espirituais. O culto religioso oferece uma
resposta satisfatória a essas privações cotidianas e, de modo eficiente, resgatam, no
imaginário popular dos fiéis, a significação com o mundo.
O culto mariano desperta a atenção de qualquer pessoa que transite por
Campinas, na região onde está localizada a Igreja Matriz de Campinas, às terças-
feiras. Ali, ocorre, de hora em hora, uma grande movimentação de pessoas que
rumam à Igreja para participarem da novena. O fluxo do trânsito fica completamente
caótico e, por esse motivo, teve de ser desviado pela Superintendência Municipal de
Trânsito, devido ao número de automóveis circulantes em volta da praça, em busca de
12
estacionamento. Vêm fiéis de todas as partes da cidade e do entorno de Goiânia.
Essa prática vem sendo seguida, há anos, por milhares de fiéis, provindos de diversas
realidades sócio-econômico-cultural.
Constatamos que cerca de 20.000 pessoas passam por essa Igreja todas as
semanas, em busca de sinais, seja na bênção da água, bênção da saúde, bênção dos
objetos, ou mesmo no contato com a imagem de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro.
Elegemos para a realização da pesquisa, como categoria de análise dessa
devoção, a privação e do medo referente às relações de gênero, expresso na devoção
dos fiéis, bem como a análise das concepções de gênero, presentes na compreensão
de mãe, atribuídas a Maria, no imaginário dos fiéis que participam da novena como
construto sócio-religioso, ideologicamente arraigado nessa devoção, via maternidade.
Questionamos sobre o motivo que leva milhares de pessoas, homens e
mulheres, de classe sócio-econômica, idade, cultura e interesses diferentes a
recorrerem ao mesmo rito da novena à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, durante
tantos anos consecutivos.
Levantamos, como hipótese presumível, que essa expressão religiosa
apresenta-se como forma de enfrentamento das mais variadas privações presentes na
sociedade atual. A feminilidade da mulher Maria tem sido fonte de inspiração, de
confiança e meio para muitos fiéis situarem-se e interagirem, no seio complexo das
relações de gênero pela maternidade. Isso é possível por Maria ser vista como
saturada de poder, porque se assemelha ao ideal construído de mulher-mãe humana,
tida como uma fonte inesgotável de serviço, esperança e de resgate das privações no
imaginário popular.
13
Em relação ao trabalho de pesquisa etnográfica, asseveramos que ele se deu
da seguinte forma: para amparar a descrição do campo de pesquisa como também o
objeto de estudo, fez-se necessária a freqüência do ritual, durante os meses de abril
de 2004 a junho de 2005, em variados horários.
Elaboramos a composição de dois vídeos documentários, com imagens do
ritual e entrevistas com devotos (as), visando compreender essa devoção e
apresentá-la em trabalhos acadêmicos.
Realizamos, com a autorização do pároco da Matriz de Campinas, padre
Walmir Garcia dos Santos, o recolhimento de milhares das intenções depositadas
nas cestas, no dia da novena, pelos fiéis, durante cinco semanas consecutivas, nas
terças-feiras: 08/03/05, 15/03/05, 22/03/05, 29/03/05 e 04/04/05, a fim de serem
catalogadas, para a observação e análise das principais privações expressadas
pelos fiéis. Tais informações encontram-se catalogadas em anexo III.
Lançamos mão de arquivos da Província dos Redentoristas, de documentos
históricos que possibilitaram identificar a evolução da novena, desde 1952 a 1985, e
de exemplares arquivados do “Jornal da matriz”, até atingir o estágio atual.
Como instrumental metodológico, além da observação atenta ao rito, da
produção de vídeo, confecção do catálogo das intenções dos fiéis e pesquisa
histórico-documental, lançamos mão de entrevistas semi-estruturadas com
perguntas abertas. Não houve escolha prévia das vinte e cinco pessoas
entrevistadas, as mesmas foram realizadas de maneira aleatória. Realizamos uma
visita aos entrevistados (as) em suas residências ou em seus trabalhos, para melhor
observação do perfil sócio-econômico dos fiéis.
Atestamos que a receptividade à pesquisa foi bastante favorecida, porque as
entrevistas abriram espaços para os fiéis falarem de sua devoção. Alguns chegaram
14
a emocionar-se ao relatarem suas experiências de fé. E, muitas vezes, quiseram
fazer o convencimento da eficácia da maternidade de Maria em suas vidas.
As entrevistas eram manuscritas ou gravadas. Ao final, foram transcritas,
resultando em um número superior a cem páginas.
Além da descrição do nosso objeto de pesquisa, a devoção presente na
novena à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na Matriz de Campinas, outros
pilares forneceram o alicerce de sustentação teórica desse trabalho: Maternidade,
Gênero, Religião e Devoção Católica à mãe do Perpétuo Socorro.
Para o incremento dessas idéias, sistematizamos a pesquisa da seguinte
forma:
No capítulo I - Novena Perpétua: espaço de fronteira - apresentamos a
descrição histórica do objeto de estudo, partindo das informações sobre o princípio
da devoção, a controvertida história do quadro, até chegar ao estágio atual da
novena apresentada na Matriz de Campinas, como Santuário mariano. Teorizamos a
importância daquele ritual como espaço privilegiado de sacralização. Elegemos a
novena como um momento de fronteira no catolicismo. Para tal, argumentamos,
dialogando, como essa devoção situa-se entre o catolicismo oficial e o popular.
Finalizando o capítulo, expomos como se dá a representação de Maria para os fiéis.
Para o desenvolvimento desse capítulo, além das informações obtidas no
campo de pesquisa, buscamos suporte em fontes referenciais como: Durkheim,
Bourdieu, Berger, Riviére, Cazeneuve, Bhabha, Parker, Daluran, em meio a tantos
outros, por serem grandes estudiosos da temática abordada.
No capítulo II Maternidade, uma construção social Trabalhamos a história
da construção ideológica androcêntrica que foi construída com base na filosofia
grega, na teologia medieval e apropriada pelo clero, para o fortalecimento das idéias
15
patriarcais judaico-cristãs. Esta, aos poucos, foi efetivando-se na elaboração da
maternidade, como forma de remissão dos “pecados” sexuais, pelos quais as
mulheres eram as responsáveis. Esse construto tornou-se um competente
referencial, na esfera simbólica da mariana, pois o cenário simbólico em que se
tornou essa devoção, demonstra uma exarcebada carência e apego filial. No entanto
é preciso salientar que essa forma de expressão religiosa tem sido uma alternativa
para o enfrentamento das privações e medos sociais, no mundo contemporâneo.
Dentre outros autores, buscamos como fontes referenciais Berger, Durkheim
Scott, Optiz, Dalarum, Thomasset, Vecchio, Casagrande.
No capítulo III - A concepção da Maternidade na Devoção a Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro A necessidade existencial dos fiéis faz com que estes procurem
nesse ritual uma forma de alívio às suas privações e medos. Aliam-se à invocação
materna como recorrência racional da fé, porquanto a novena adquire caráter de
amparo existencial. Eles racionalizam suas fragilidades e asseguram, mediante a
na maternidade de Maria, a concretização da aspiração imediata de vida abundante.
Identificamos, pela fala dos entrevistados, como essa devoção apresenta-se
qual um espaço temporal para resgate e consolidação da sacralidade cósmica. O
templo transforma-se num rico cenário simbólico, ancorado num tremendo
sentimento sagrado.
Explicitamos como essa privilegiada forma de catolicismo popular, pode se
tornar um momento propício de discussão teórica da imagem da mulher Maria, que
vai além da maternidade. Utilizamos argumentos teóricos de autoras feministas, que
fazem uma releitura da ação de Maria, no cristianismo, o que possibilita a criação de
um novo modelo de mulher.
16
Nossas reflexões foram iluminadas pelo pensamento de vários teóricos (as).
Buscamos, nesse capítulo, como fontes referenciais: Parker, Geertz, Eliade, Otto,
Lemos, Reimer, Gebara, Sabatini, Hobsbawn, Jeudy, Halbwachs, dentre outros
autores.
No episódio conclusivo desse trabalho, afirmamos que a devoção mariana é
adequada, para dar sentido a tudo aquilo que está carente de significado. Podemos
afirmar que a maior carência dos entrevistados é o da proteção via maternidade. Isso
é percebido como resultado do construto de um discurso patriarcalista,
minuciosamente, elaborado.
Propomos uma releitura das relações de gênero, para haver maior eqüidade na
relação entre homens e mulheres, no catolicismo. Acreditamos ser possível fazer valer
os valores, as crenças, as histórias de vida, os desejos e utopias femininas, com
possibilidade de reconstrução da tradição inventada, via maternidade, tornando a
existência das mulheres como agentes e sujeitas autônomas de sua própria história.
Seria uma real oportunidade de mudança, nas relações de gênero, uma utopia
realizável, uma vez que aquele espaço torna-se um lugar privilegiado para essa
discussão.
Convidamos o leitor para envolver-se no universo dessa leitura: Maternidade,
Gênero e Religião, no catolicismo: uma devoção à mãe do Perpétuo Socorro.
Acenamos que ao imergir nessa laboriosa reflexão, ocorrerá a agradável descoberta
da mulher Maria, que, vista sob a óptica teológica feminista, muda de feição e
desperta para novas possibilidades de ser Mulher.
17
CAPÍTULO 1- NOVENA PERPÉTUA: ESPAÇO DE FRONTEIRA
No decorrer desse capítulo, buscaremos fazer uma breve reconstrução
histórica acerca da devoção do quadro, salientar a importância do espaço e tempo
sagrado em que se torna o templo mariano e levantar argumentos que permitam a
visualização dessa devoção, como um lugar de fronteira, tendo em vista que essa
terminologia apresenta-se como forma de discussão de possibilidades de mudanças
conceituais.
Compreendemos que o fato dessa devoção pertencer, ao mesmo tempo, a
uma prática da religiosidade popular, também se apresenta dentro de um contexto
oficial; a discussão pode ser rica, no sentido de levantar questionamentos sobre a
devoção mariana ser tão arraigada, na concepção da mulher como materna. E, por
18
outro lado, a realidade que aponta para novas possibilidades de em Maria, ,
não como a serviçal, mas como mulher autônoma e conhecedora de sua realidade
essencial.
1.1- A novena: uma perspectiva histórica
A devoção à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro é uma prática religiosa de
fiéis católicos, espalhados pelo mundo inteiro. Essa piedade é incentivada pelo
carisma dos padres redentoristas que têm a incumbência de divulgá-la pelo mundo,
atendendo ao pedido do Papa Pio IX, em meados do século XIX. Algumas outras
ordens religiosas clericais também anunciam essa devoção, porém é a ordem
redentorista a grande agente de romanização da devoção mariana pelo mundo.
1.1.1- O princípio da devoção à mãe do Perpétuo Socorro
A novena Perpétua, como é chamada pelo clero e devotos (as), é parte
integrante de uma tradição inventada
1
. Segundo o histórico do Ícone sagrado
2
,
pouco se sabe sobre a verdadeira origem desse quadro, que possui estilo bizantino.
Estudiosos dizem que o ícone, devido às missivas gregas inscritas, deve ter sido
pintado por um artista grego, entre os séculos XIII e XIV. Eles pesquisaram a origem
do quadro e levantaram três hipóteses possíveis. Uma parte deles defende a idéia
de que o quadro veio de Constantinopla, no século X, quando os monges de São
Basílio vieram reevangelizar a ilha de Creta, pequena ilha do Mar Egeu, ao sul da
Grécia. Outra parte afirma que o quadro foi pintado na própria ilha de Creta. Teria
1
O termo tradição inventada é visto por Hobsbwan como práticas, de natureza ritual ou simbólica que visa
inculcar, por meio de repetição, certos valores e normas de comportamento social.
2
Resumo das idéias sobre a história, da autoria e análise do quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro,
retirado do site: http://www.catolicasocorro.com.br/padroeira/historia.asp - Acessado em 23/09/05
19
sido composto, no século X e XI, época de grande produção de ícones como meio
de evangelização, para reanimar a cristã. E, por fim, a terceira hipótese seria a
dos estudiosos que falam que o quadro foi pintado na ilha de Creta, no século XIV
ou início do século XV, em momento de grande esplendor artístico.
Nesse período, houve uma grande produção e divulgação de ícones, dando
origem ao estilo artístico véneto-cretense. Pode-se afirmar, então, que o pintor do
quadro é desconhecido; pois não existe nenhuma assinatura de autoria, na pintura
deste ícone mariano. Pelos estudos atuais, ainda não se pode estabelecer com
exatidão a data de sua confecção.
Todavia, há bastante probabilidade,
de seu autor ser um monge de
Creta ou de regiões vizinhas.
Na história da arte sagrada da
Igreja, os iconógrafos, que eram
aqueles que pintavam os ícones,
ocuparam um lugar especial. Eram
artistas piedosos, homens que
estavam ligados à vida de e à
tradição religiosa da comunidade cristã. Sempre compunham suas obras num clima
de penitência e oração. O iconógrafo pintava o que era fruto da vida espiritual da
comunidade.
O quadro original de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro é pintado em
madeira de lei, e mede 53 x 41,5 cm. Tem um fundo de ouro, que rodeia toda a
imagem. É considerado um ícone mariano com rico simbolismo de formas e cores.
20
Nele, quatro figuras sacras: a Virgem Maria com o menino Jesus em seu braço
esquerdo; nos lados, os anjos Gabriel e Rafael, segurando instrumentos da paixão.
Dentro da classificação dos grupos temáticos dos ícones, esse é
caracterizado, pelos estudiosos de arte sacra, como uma das "Virgens da Paixão",
pois destaca o significado do sofrimento futuro que Jesus seria submetido e da
intercessão da Mãe de Deus a favor da humanidade. É muito mais que a lembrança
de uma pessoa ou de um fato transcorrido. Recorda as pessoas de Cristo e de
Maria, no mistério da redenção. Essa representação tem sido bastante estimulada à
veneração, como forma de divulgação da fé cristã popular.
O quadro ainda é reverenciado na igreja de Santo Afonso, dos missionários
redentoristas, em Roma.
Toda a história do início dessa devoção é repleta de detalhes controvertidos, que
as tradições foram enriquecendo através dos tempos.
Em síntese, conta-se que o quadro era venerado na ilha de Creta, na Grécia,
desde os primórdios do cristianismo. No final do século XV, um comerciante tê-lo-ia
roubado do altar, onde era venerado, e viajado para Roma. Na Europa, antes de
morrer, chamou um amigo e lhe contou, com remorsos, aquilo que havia feito. Pediu-
lhe suplicante que o colocasse numa igreja, para que de novo pudesse ser, venerado,
publicamente, pelos cristãos. Contudo, o amigo do comerciante morto, encantado com
a beleza do quadro e cedendo aos pedidos de sua esposa, não cumpriu com sua
promessa, deixando de entregá-lo à devoção pública.
De acordo com a tradição, Nossa Senhora teria mandado-lhe vários sinais e até
ameaças de morte, insistindo que fosse cumprida a promessa feita.
21
Após sua morte, conta-se que Nossa Senhora teria aparecido a uma filhinha da
família, dizendo-lhe: "Santa Maria do Perpétuo Socorro manda avisar-lhes que Ela
quer ser exposta em uma igreja, para a devoção do povo. Caso contrário, em breve
todos morrerão". Tomada de pânico, a família, resolveu cumprir o desejo da Santa.
Nossa Senhora teria indicado a menina o local preciso onde o quadro deveria ser
colocado: "Entre a Basílica de Santa Maria Maior e a de São João de Latrão".
No dia 27 de março de 1499, o quadro foi solenemente entronizado, na igreja de
São Mateus, onde, durante 300 anos, foi reverenciado pelos fiéis.
Em julho de 1798, Napoleão Bonaparte, por ocasião da Revolução Francesa,
invadiu Roma. A Igreja de São Mateus foi destruída e o quadro desapareceu por
sessenta e quatro anos.
Nas histórias narradas sobre essa devoção, conta-se que um dia num
convento, durante o recreio dos padres redentoristas, um deles mencionou ter lido,
num livro antigo, que a igreja de Santo Afonso fora construída sobre as minas da
igreja de São Mateus, local onde o quadro milagroso de Nossa Senhora tinha sido
venerado por tanto tempo. Um dos sacerdotes, Padre Miguel Marchi lembrou-se,
então, de que, quando era menino, foi coroinha, na igreja dos padres agostinianos
irlandeses, em Santa Maria na Postérula. Lá, ele teria visto o referido quadro que um
velho irmão leigo mostrara. Meses mais tarde, em fevereiro de 1863, o Padre
Francisco Blosi, jesuíta, pregando sobre o quadro desaparecido de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro, referiu-se explicitamente ao desejo da Virgem Maria: "Quero
que o quadro seja venerado publicamente numa igreja entre Santa Maria Maior e
São João de Latrão".
A notícia chegou ao Superior Geral da ordem, que procurou informar-se da
possibilidade do quadro vir para a igreja de Santo Afonso.
22
No dia 11 de dezembro de 1865, o assunto foi levado até ao Papa Pio IX. E,
finalmente, em 19 de janeiro de 1866, o Sumo Pontífice entregou o quadro milagroso
aos cuidados dos padres redentoristas, solenemente, dizendo-lhes: “Façam que ela
seja conhecida no mundo inteiro”.
Assim, o quadro foi colocado na Igreja de Santo Afonso, à rua Merulana, 31, em
Roma. E, desde então, essa devoção tem sido apregoada com fidelidade eclesial ao
mundo católico pelos seus agentes da romanização. Oficialmente, a Novena Perpétua
iniciou-se, no dia 11 de julho de 1922, quarta-feira, na Igreja Santo Afonso, em Saint
Louis, nos Estados Unidos. Em poucos anos, a piedade propagou-se pelo mundo
inteiro.
No Brasil, a devoção de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro chegou com os
padres redentoristas, no ano de 1893, no Rio Grande do Sul e 1894, em São Paulo e
Goiás.
Segundo o padre Eugênio Antônio Bisinoto
3
, o culto Perpétuo foi expandindo-
se, rapidamente, pelo país, graças à divulgação de cópias do ícone sagrado por todas
as regiões brasileiras. Dessa forma, tornou-se uma tradição expressiva no meio
popular brasileiro. Ainda, segundo o padre, por todo o país onde são celebradas as
novenas perpétuas, bastante participação e devotamento. Ele cita a fala do
Cardeal Arcebispo Emérito de Aparecida do Norte, do Estado de São Paulo, Dom
Aloísio Lorscheider, a respeito dessa piedade popular:
"A devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está muito
espalhada no Brasil. Deve-se isso, em grande parte, à ação
dos Missionários Redentoristas. As quartas-feiras, dedicadas a
um culto especial, a esta devoção, são muito conhecidas em
3
Chegada dos redentoristas no Brasil, resumo do artigo do padre Bisinoto publicano no site:
http://www.redemptor.com.br/site/index.php?id_canal=98 – Acessado em 24/09/05
23
nosso País. São tantas as famílias que, felizmente, vêm à Mãe
do Céu, sob o título de Perpétuo Socorro, confiar-se nas mãos
d'Aquela que tão bem cuidou de Jesus".
Por esse breve relato histórico, vimos como essa devoção popular, estabelece
uma relação intrínseca, da existência de Maria e a sua maternidade de Jesus.
Podemos perceber que a Igreja católica, por meio de Roma, em seu
arcebispado e via ordem redentorista, une-se para a propagação da fé, naquela que
sagraram para os cuidados de Jesus.
1.1.2- A novena realizada na matriz de Campinas
A propagação dessa devoção chegou à capital Goiânia, no Estado de Goiás há
cerca de meio século.
De acordo com o histórico da Igreja Matriz de Campinas
4
, a novena começou a
ser rezada, no dia 09 de novembro de 1952, aos sábados, às 18h30 minutos. Em 15
de novembro de 1958, começou a ser transmitida pela Rádio Difusora de Campinas,
para toda Goiânia e cidades circunvizinhas. Desse modo, popularizou-se, também, no
interior do Estado. Em 03 de janeiro de 1960, aconteceu a primeira modificação, no
dia e horário da novena. O rito passou, de sábado, para as terças-feiras, às dezenove
horas. A aceitação foi tão grande que no dia 02 de fevereiro de 1960, foi inaugurado
um novo horário da novena perpétua: 06h45 minutos.
O livro de tombo da Matriz
5
, datado de 22 de março de 1960, traz um comentário
do então pároco padre Antônio Pinto de Andrade, “A novena Perpétua aumenta dia-a-
4
O histórico da novena http://www. paroquia@matrizdecampinas.com.br : Acessado em 14/09/04.
5
Pesquisa realizada junto aos livros de tombo da Matriz de Campinas, desde 1952 a 1985, com a autorização do
padre Eduardo Luis de Resende, secretário da Província Redentorista em Goiás.
24
dia. Gente de toda parte e de todos os credos; confissões belíssimas. Muita animação
e muitas bênçãos”.
Segundo o padre, dado ao entusiasmo dos devotos, em 19 de maio de 1960, foi
acrescido um horário vespertino de novena: 16h. são quatro celebrações: 06h45
minutos, 16h, 18h45minutos, e 20h.
Em 23 de agosto de 1961, o mesmo escreve:
“O crescimento da devoção mariana em Goiânia é grande. Outras
paróquias aderem, Coração de Maria, Catedral, Dom Bosco,
Fama, Bairro Popular, Coração de Jesus e no interior do Estado.
Entretanto, a Matriz recebe pessoas de todos as regiões da
cidade; cerca de 6000 pessoas freqüentam as quatro novenas”.
No decorrer desses anos, existiram algumas pequenas variações de horários,
devido às necessidades administrativas da Matriz. Todavia, registros de que se
celebravam 208 novenas anuais, com destaque para a celebração da novena das 20h
horas, transmitida pela Radio Difusora de Campinas para todo Estado.
Ao pesquisar o livro de tombo da Matriz, pode-se ajuizar que o crescimento
da novena deu-se também em razão da orientação advinda de Roma, via, entre
outros documentos, da Encíclica intitulada Evangelii Nuntiandi
6
, datada no dia oito
de dezembro de 1975, promulgada pelo Papa Paulo V. Em seu artigo 1 diz:
“O empenho em anunciar o Evangelho aos homens do nosso
tempo, animados pela esperança, mas ao mesmo tempo
torturados muitas vezes pelo medo e pela angústia, é sem
dúvida alguma um serviço prestado à comunidade dos cristãos,
bem como a toda humanidade”.
6
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_pvi_exh_19751208_evangelii-
nuntiandi_po.html - Acessado em 24/09/05
25
Podemos perceber o incentivo à evangelização, como meio de alívio às
privações materiais e espirituais existentes no mundo.
Os relatos históricos da Matriz anunciam que, em 1976, no dia 27 de Junho,
por ocasião da festa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a novena foi presidida
pelo então Arcebispo, Dom Fernando Gomes dos Santos, que fez sua pregação
sobre a Encíclica Papal. Essa ilustre celebração foi pretexto de reportagem da
Televisão Anhanguera, afiliada da Rede Globo. Esse, sem vida, foi um importante
passo para a popularização da fé mariana. Podemos recorrer à Encíclica para
compreender esse processo de divulgação da piedade. Diz o artigo 45: “No nosso
século tão marcado pelos "mass media" ou meios de comunicação social, o primeiro
anúncio, a catequese ou o aprofundamento ulterior da fé, não podem deixar de se
servir destes meios conforme já tivemos ocasião de acentuar”.
O despertar e a orientação da Igreja para a utilização da mídia, como meio
de evangelização, leva os padres da Matriz a utilizarem-se do rádio e da televisão
como meio de propagação da fé, atraindo grande adesão popular.
Em 29 de março de 1977, o pároco escreve no livro de tombo: “Ficaram
prontos 1.200 dos 15.000 livrinhos encomendados da novena perpétua. Compostos
pela equipe paroquial local (padres), com sugestões de outros, aproveitando textos
anteriores, especialmente de São Paulo”.
As novenas assumem as exigências da nova evangelização, aliadas aos
meios de comunicação, por meio de áudios visuais e impressos, quiçá inspirados na
Encíclica, que diz em seu artigo 82:
“É este o voto que nós temos a alegria de colocar nas vossas
mãos e no coração da Santíssima Virgem Maria, a Imaculada,
26
[...] que seja ela a estrela da evangelização sempre renovada,
que a Igreja, obediente ao mandato do Senhor, deve promover e
realizar, sobretudo nestes tempos difíceis, mas cheios de
esperança!”.
Desse modo, Maria adquire importância pastoral nos discursos teológicos,
como a “Estrela da Evangelização”.
Nos anos 80, as novenas adquirem uma forte tendência espiritual à penitência.
No livro de tombo, registros de que, nesses dias, é necessária a presença de
quatro a cinco padres para o atendimento de confissões auriculares. Após as
novenas, são realizadas confissões comunitárias, com grande adesão de fiéis.
Em 10 de março de 1982, por decisão do pároco, foi colocada uma mesa à
porta central da Matriz, para a venda de livros de novenas. Antes, eles eram vendidos
apenas na secretaria. Nesse mesmo ano, por ocasião da festa perpétua, foi
promovido um grande tríduo preparativo com ampla divulgação, decoração e folhetos
especiais, a fim de homenagear Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Em 25 de março de 1984, é estabelecido o quinto horário da novena, às 14h30
minutos, com plena aprovação dos devotos (as). Abre-se ainda, possibilidades para
criação de novos horários.
Pode-se perceber que uma franca expansão e evolução dessa piedade na
cidade de Goiânia.
Devido à grande aquiescência popular, nos vários horários desse ritual, em
1999, as mesmas passaram a ter novos horários de celebração. Estabeleceram-se,
então, quatorze ritos ininterruptos, no dia de terça feira, sempre com participação de
milhares de pessoas. Essa prática permanece até os dias de hoje.
27
Perante o expressivo fenômeno religioso em que se converteram essas
novenas, no dia 31 de outubro de 2000, a Arquidiocese de Goiânia, por decisão do
então Arcebispo de Goiânia, Dom Antonio Ribeiro de Oliveira, declarou a Matriz de
Campinas como Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, passando a
invocar essa piedade de Novena Perpétua. Podemos aferir que, no decorrer desse
meio século de devoção, aliado ao fato da Igreja ter se tornado um Santuário Mariano,
evidencia-se a grande devoção do povo goianiense à mãe do Perpétuo Socorro.
O prestígio da novena é atestado com veemência pelos fiéis, que se empolgam
em falar de sua devoção. No levantamento
7
, feito sobre as principais intenções
depositadas pelos fiéis na celebração, os devotos registram em seus pedidos o
desejo de arranjar emprego, de realizar negócios, de ter harmonia conjugal. Pedem
também pelos falecidos da família, por namoros, pela libertação espiritual, pela cura
do corpo, por saúde, pela conversão, por bênção e proteção para familiares. Outros
querem apenas agradecer, as tantas graças alcançadas, por intermédio de Maria.
Eles sempre penhoram sua gratidão a ela.
No ritual mariano, estão presentes milhares de fiéis. Cerca de vinte mil
pessoas vêm seguindo essa prática, mais de cinqüenta anos. Eles vão em busca
de sinais miraculosos, seja na bênção da água, na bênção da saúde, na bênção dos
objetos, ou mesmo no contato com a imagem (ícone) de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro.
Durante todo o ano, às terças-feiras, ocorrem quinze celebrações da novena,
com intervalos regulares de uma hora. Iniciam-se às seis da manhã indo até às oito
7
Nas terças-feiras: 08/03/05, 15/03/05, 22/03/05, 29/03/05 e 04/04/05, com a autorização do pároco da Matriz de
Campinas, padre Walmir Garcia dos Santos. Coletamos todas as intenções depositadas nas cestas pelos fiéis, a
fim de serem catalogadas, para a observação e análise das principais privações nelas contidas. Anexo III.
28
da noite. Pode-se observar que a na intercessão daquela que os ampara,
aconselha-os e os abençoa. Essa relação mítica com Maria é o resultado da
necessidade do homo religiosus em encontrar, numa experiência religiosa, o
conforto indispensável para a sua essência humana.
A manifestação dessa é uma forma extraordinária de relacionar-se com o
sagrado que se materializa, na realização da promessa e na concretização do
milagre esperado pelo fiel de devoção popular, na capital goiana.
1.2- O espaço e o tempo sagrado para os fiéis marianos
Goiânia
8
é uma jovem cidade de apenas setenta anos, moderna e dinâmica.
Foi fundada em 1935 e, inicialmente, projetada para 40 mil habitantes. Depressa
veio desencadear o extraordinário processo de expansão de sua área urbana, que
superou as expectativas de seus idealizadores. Hoje, ultrapassa a um milhão de
habitantes.
Nessa cidade existe um bairro pioneiro, chamado Campinas
9
, lugar de origem
da capital. Localizado na região Noroeste, popularmente conhecido por Campininha,
ele serviu de berço para a sociedade goianiense. Sua população sempre foi muito
bairrista, principalmente os moradores pioneiros que viveram e ajudaram Goiânia
a se desenvolver. Ali permaneceram com suas tradicionais famílias, promovendo
8
Cidade de Goiânia - http://www.agetur.go.gov.br/goiania.htm - Acessado em 24/09/05
9
Bairro de Campinas - http://www.igr.com.br/index_inner.php?target=gyn.htm –Acessado em 24/09/05
29
animadas atividades culturais, tendo como cenário a mais famosa praça do bairro
campineiro, a Joaquim Lúcio.
Atualmente, pode-se dizer que duas Campininhas. Uma transformada em
populoso bairro comercial o qual abrange as áreas entre a Avenida Anhanguera e 24
de Outubro. A outra, que se mantém como residencial, compreende a área abaixo
da Avenida 24 de outubro.
Os padres redentoristas, devido ao carisma de evangelização e missão de
sua congregação, sempre estiveram presentes à frente da paróquia Nossa Senhora
da Conceição, que é popularmente conhecida por “Matriz de Campinas”. Ele são os
grandes propulsores da tradição mariana à mãe do Perpétuo Socorro. Eles são os
responsáveis, além dessa paróquia, por outras sete capelas, as quais possuem
autonomia e vivência de comunidade. Todas elas estão localizadas na Região Norte
e Noroeste da cidade.
1.2.1- O rito mariano
Para compreender melhor o rito praticado, semanalmente, por milhares de
pessoas, na Igreja Matriz de Campinas, é preciso conhecer o sentido teórico que o
rito tem adquirido, na sociologia da religião.
Jean Cazeneuve caracteriza o rito procurando descobrir, via explicação
racional, aquilo que é irracional. Utiliza-se das ciências sociais, servindo-se da
sociologia para a análise da racionalização dos ritos como fenômenos sociais. Avalia
o rito como uma ação seguida de conseqüências reais. Por isso, constitui-se em
terreno rico de investigação empírica das ciências humanas. Ele diz (s/d, p. 13) “A
distinção entre rito e costume é feita por nós e para nós”. Contudo, adverte que a
30
eficácia do rito, é (s/d,p. 14), “em parte de ordem extra-empírica”, uma vez que
aquele cerimônia valida a crença na divindade e traduzem o significado real, por
meio dos símbolos, como uma mensagem subliminar.
Podemos pensar a recorrência ao rito mariano como uma forma racionalizada
da ação dos fiéis que a elas aderem. O rito, segundo Cazeneuve (s/d, p. 198),
“Deve revelar-nos coerente às atitudes comandadas por duas
tendências contraditórias e como está a condição humana
simultaneamente separada do incondicionado e garantida por
ele, graças à concepção do numinoso enquanto princípio
sagrado que transcende a condição humana e é origem de
participações”.
A relação entre a condição humana real e seus arquétipos sagrados,
intemporais, baseia-se no tempo futuro, pelo caráter particular de repetição, nele
representados e estereotipados, constituindo nisto a essência daquele rito que
invoca o socorro à Maria.
Cazeneuve diz que, na recorrência pelo rito (s/d. p. 32),
“é possível pensar que o humano angustiado por se sentir um
mistério para si próprio, ficou dividido entre o desejo de definir
por regras uma condição humana imutável e, por outro lado, a
tentação de permanecer mais poderoso do que as regras de
ultrapassar todos os limites”.
O ritual celebra um eterno retorno ao começo, pois cria algo fora do tempo,
evitando o risco do caos. Pela repetição, insere também o seu aspecto temporal
válido para guiar o futuro, legitimar e transmitir as tradições. Nesse aspecto,
podemos perceber que o rito mariano é uma tradição popular, pois vemos a adesão
dessa fé passando de geração em geração.
31
Outro autor da sociologia que teoriza sobre o rito é Riviére (1996, p.80),
segundo ele: “O rito coloca o sujeito em relação com a coletividade e o libera de seu
isolamento”. A cerimônia o sentido de coletividade, socializa, sistematiza e
hierarquiza as formas sociais e a estrutura da experiência individual. O autor
conjetura (1996, p. 84), que os ritos são, “Codificações, supercodificações,
decodificações que constituem regras metodológicas de expressão e limitação do
desejo, regras codificadas em uma retórica social que faz referência a valores e
utiliza uma simbólica”. As imagens simbólicas rituais relacionam-se com a ordem da
sociedade e da cultura, que objetiva, essencialmente, levar os indivíduos, por
meio das imagens simbólicas, a comunicarem entre si.
Desse modo, podemos utilizar desse conceito para compreendermos que, na
novena Perpétua, as regras codificadas expressam, visivelmente, a relação
simbólica e metodológica da maternidade, como meio de se chegar à Verdade
Suprema.
O ritual mariano cria grandes possibilidades de estruturação misteriosa por
sua rica ritualização simbólica que se efetiva por meio de atos dinâmicos, durante
toda a celebração: o quadro da santa, a bênção da água, de objetos, momento de
adoração, consagração. Tudo isso é muito marcado por melodias de cantos
maternais que visam consolar os aflitos. Essa simbologia é a expressão da
globalidade mítica presente na novena. Ali, acontece o processo catársico: o devoto
fica plenamente envolvido da graça, que se concretiza na cognação com o ritual.
Os ritos são ações que efetivam, socialmente, um determinado tipo de
conduta, que assegure a estabilidade espiritual. Segundo Riviére (1996, p. 87),
“quanto adotamos comportamentos repetidos e regulares, seguindo expectativas
sociais, esperamos afastar para o mais longe possível um destino temido”. Além da
32
peculiar importância que a simbologia adquire por meio dos ritos, eles também
precisam ser reproduzidos, pois dessa maneira, fixam, no imaginário dos fiéis à
sensação mística, capaz de distanciar o temor.
Podemos dizer que a novena, no imaginário dos fiéis representa a satisfação
do desejo de segurança existencial, de estabilidade econômica e saúde perfeita, são
os principais motivos da adesão ao rito sagrado. Por isso, dispõem-se a sua busca,
tendo em vista que esses inspiram confiança.
O ritual é importante porque legitima um alento espiritual. De acordo com
Riviére (1996, p. 94) “A força do rito é avaliada, em parte pela emoção que suscita”.
A eficácia ritual é atestada pelo sentimento causado no fiel. Nessa lógica, é possível
dizer que a novena livra o grupo do sentimento de culpa, garante possibilidades de
vida abundante, torna-se fonte libertadora das tensões psicológicas e espirituais, por
meio de uma catarse espiritual.
O rito torna-se, para os fiéis, um meio de interpretar a própria realidade que
se incorpora na ação transcendental. Ou, como veremos adiante, numa linguagem
weberiana, o rito mariano da novena retira o devoto do estado de anomia,
resgatando-lhe a esperança.
O símbolo une o sagrado ao fiel. Naquele momento extraordinário, o rito
sagrado fornece resposta às incertezas, à ambivalência social, à desordem e à crise
existencial humana. Ou, de outro modo, propicia ao devoto a possibilidade de estar,
no mundo, justificado por suas orações e ações, na prática religiosa, como meio de
aliviar a própria consciência.
A novena dedicada à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro apresenta uma
forma de prece cerimonial bastante simples. O roteiro de saudação à Trindade
Santa, que é cantado, seguido de oração inicial e pelo momento de colocação das
33
intenções dos devotos, no altar, enquanto canta-se. Cria-se, nesse início da
celebração, um tempo litúrgico de intenso fervor. O ambiente é criado para que os
fiéis possam meditar. Alguns se emocionam, choram, ajoelham-se, invocam o auxílio
e o amparo necessário à mãe do Perpétuo Socorro. É indiscutível o clima de
emoção que paira no ar. Os fiéis, pelas atitudes gestuais, pelos olhares, pelas
lágrimas, afinal, por todas as manifestações corporais e espirituais, demonstram
estar agregados àquele rito, como num tempo mágico. O templo, naquele momento,
torna-se o cosmo sacralizado.
Para o fiel participar do rito mariano, é necessário o acompanhamento da
liturgia, por meio de um pequeno livro chamado de “Novena Perpétua”
.
10
O mesmo
encontra-se à disposição dos devotos, na entrada principal da Igreja ou na livraria
santuário, que se localiza defronte à porta central, pelo preço que varia entre dois e
três reais.
Fundamentalmente, o livro é composto por invocações e cantos suplicantes
recorrentes à intercessão de Maria. Nos ritos iniciais, quando se faz a oração de
oferecimento da novena, vê-se com clareza a idéia do papel de Maria: “por vossa
intercessão temos recebido”. Maria apenas intercede. Ela não tem a força, é fraca.
Essa relação teológica sobre as pessoas divinas pode ser comparada à relação
social humana, criada entre homens e mulheres, tal como a mãe humana em
relação ao pai humano. Nela, exima-se o homem do serviço de responsabilidade e
sobrecarrega a mulher de tarefas por meio da maternidade.
No canto de oferecimento das intenções, aparece como a autoridade e força
soberana vêm de Deus: “Por que Tu me destes a vida/ Por que Tu me deste o
existir/ Por que Tu me deste o carinho/ Me deste o amor”. Ele é senhor, é poderoso.
10
O ritual da novena celebrada na Matriz de Campinas encontra-se em anexo II.
34
Maria é invocada como exemplo a ser seguido pelo fiel: ser mãe, serva fiel,
colaboradora, missionária, intermediária, que auxilia e assinala para o admirável,
extraordinário, o Filho de Deus.
Deste modo, Maria é convocada pelos fiéis, por meio da novena, por seu
exemplar modelo construído de escrava do Senhor, que viveu em plenitude, a graça
de Deus pela oração.
As homilias são sempre baseadas na leitura do Evangelho dominical anterior.
Os celebrantes, nos variados horários das celebrações, falam cerca de dez minutos
e procuram, com clareza, explicar o sentido da narrativa bíblica. Salientam sempre a
importância da intervenção de Maria, na vida dos devotos (as).
Para compreendermos melhor o sistema de idéias que orienta essa devoção,
podemos recorrer a um documento oficial da Igreja sobre a “Bem Aventurada Virgem
Maria, na vida da Igreja que está a caminho”, redigido por João Paulo II, intitulado
Redemptoris Mater
11
, datado de 25 de março de 1987. Diz o documento - terceira
parte - sobre a mediação materna, no artigo 38:
“[...] A Igreja sabe e ensina que todo o influxo salutar da
Santíssima Virgem em favor dos homens se deve ao beneplácito
divino e... dimana da superabundância dos méritos de Cristo,
funda-se na sua mediação, dela depende, absolutamente,
haurindo toda a sua eficácia; de modo que não impede o
contacto imediato dos fiéis com Cristo, antes o facilita’ “.
11
Redemptoris Mater - http://www.vatican.va/edocs/POR0063/_INDEX.HTM – Acessado em 24/09/05
35
Nas homilias, sempre aparece a idéia da construção da intercessão de Maria
como necessária para a evangelização e divinização de Jesus, e como seu único
motivo de existir. A Igreja, através desse e de tantos outros documentos, fortalece a
compreensão desse exemplo a ser imitado. Apregoa rico e vasto código de idéias,
capazes de efetivar uma arraigada concepção sobre a maternidade que está viva e
eficazmente sedimentada na cultura religiosa dos fiéis católicos.
Na seqüência do rito, acontecem as várias bênçãos. Os fiéis posicionam-se
de e empunham seus objetos, garrafas de água, imagens, chaves de carro, etc,
para serem abençoados. Em seguida, os (as) ministros (as) da Comunhão
Eucarística passam pelos corredores da Igreja aspergindo, abundantemente, os
objetos e as pessoas, que fazem questão de serem banhadas pela “água benta”,
para isso, estendem suas mãos e objetos. Aquele tempo é, visivelmente, místico
para os féis.
Na subseqüência ritual, chega o momento solene da Comunhão Eucarística.
Nele, grande adesão dos fiéis. Formam-se imensas filas que são prontamente
servidas, por dezenas de ministros (as) da partilha do Pão.
Ao término da comunhão, principia o final da celebração. Nesse momento
pode-se perceber que a Igreja começa a superlotar, pois é um traço peculiar dos
fiéis chegarem ao término de uma novena, a fim de conseguirem lugar para
sentarem-se, durante a novena seguinte. Aglomeram-se, nos corredores, visando
aguardar a saída dos que terminaram de participar daquele horário e, enfim,
acomodarem-se nos bancos.
Após a comunhão, o celebrante toma o ostensório e faz um breve momento
de adoração ao Santíssimo Sacramento. As pessoas ajoelham-se e adoram-no, com
os cantos apropriados para essa ocasião teológica. Como a Igreja está superlotada,
36
tendo em vista que cerca de mil pessoas transitam a cada cinqüenta minutos pelo
templo, percebe-se que, nessa hora, paira uma “alguma inquietação”, pois começa
uma silenciosa movimentação de fiéis, rumo à saída ou mesmo direcionando-se
para o quadro da mãe do Perpétuo Socorro.
Após a resguarda do Santíssimo, o padre aponta para o quadro de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, colocado ao lado do altar, e convida a comunidade a
cantar o canto da consagração: “OH! Minha senhora e também minha mãe/ [...]
incomparável mãe/ guardai-me e defendei-me/ como filho (a) consagrado(a)
vosso(a)/ Amem!”. A mãe é invocada com suplício e devoção.
Nesse instante, à frente da Igreja fica completamente tomada de féis que
lotam os corredores. Emocionam-se e despedem-se da Mãe. O celebrante encerra a
novena dizendo: “Tudo por Jesus”! Ao que a assembléia uníssona responde: “Nada
sem Maria”. Pode-se constatar da insignificância da presteza de Maria a serviço do
poder e realeza do Filho de Deus.
Desse modo termina o Rito, que encanta e arrebanha milhares de fiéis,
semanalmente, na matriz de Campinas, na cidade de Goiânia.
Pouco tempo depois, a Igreja está quase lotada. Passam-se dez minutos e
à frente assume uma nova equipe de liturgia, de música, novos ministros (as) e um
outro celebrante. Outra novena começa. Isso se repete toda terça-feira. Vale
ressaltar que as novenas do Perpétuo Socorro iniciam-se às seis horas da manhã e
encerram-se as vinte e uma horas.
A manifestação popular que ocorre naquele lugar pode servir de espaço ao
diálogo que será proposto logo adiante, pois o público participante possui grande
diversidade cultural.
37
1.2.2- Uma interpretação existencial do rito mariano
Para melhor abrangência desse rito, recorremos ao conceito de
dessecularização utilizado por Berger (2001, p.10), “Argumento ser falsa a suposição
de que vivemos em um mundo secularizado. O mundo de hoje, com algumas
exceções que logo mencionarei, é tão ferozmente religioso quanto antes, e até mais
em certos lugares”. Sociólogo contemporâneo, recentemente falecido, afirma ser
falsa a conjectura de que viveríamos num mundo secularizado, na virada do século.
Sua idéia sobre a secularização mostrou-se equivocada. Admite que a teoria da
secularização é ambígua e assume a própria contribuição para esse erro teórico,
quando produziu sua obra intitulada Dossel Sagrado, publicado no ano de 1985.
O autor afirma que (2001, p. 19), “[...] O impulso religioso, a busca de um
sentido que transcenda o espaço limitado da existência empírica neste mundo, tem
sido uma característica perene da humanidade”. Ou seja, com algumas exceções, o
mundo, hoje, não modificou sua radical religiosidade, continua como antes. Berger
reconhece que, junto com a secularização, surgiram movimentos poderosos contra-
secularizantes, fazendo com que as velhas crenças e práticas religiosas
permanecessem vivas, e, por muitas vezes, assumindo nova forma de
institucionalização, levando o mundo inteiro à grande explosão de fervor religioso. E
ainda, afirma que o espírito progressista do iluminismo não conseguiu eliminar os
fenômenos religiosos.
A partir da reflexão de Berger, podemos visualizar que o catolicismo
popular, manifesto no culto mariano, parece ser uma resposta à necessidade
humana de efervescência religiosa. O amplo fervor devocional praticado deve-se à
busca de referência espiritual intrínseca à espécie humana. Pensava-se que o
homem e a mulher pós-moderna seriam céticos. No entanto, essa expectativa foi
38
negada. As pessoas, de modo geral, necessitam de algum tipo de conforto espiritual.
Dessa forma, podemos aferir que o ser humano pode ser compreendido em meio
às suas relações cio-históricas, pois ele é, essencialmente, um ser de relações
sociais.
Numa perspectiva filosófica da hermenêutica existencial de Heidegger (1997,
p.13) vê-se: “O Ser não somente o pode ser definido, como também nunca se
deixa determinar em seu sentido por outra coisa nem como outra coisa. O ser
pode ser determinado a partir de seu sentido como ele mesmo”. A compreensão do
Ser está ligada à compreensão dos outros, uma vez que são dois existenciais
diretamente relacionados, e, reciprocamente condicionados, na e na credulidade
da maternidade de Maria.
À luz desse autor, podemos dizer que a devoção mariana pode ser encarada
como uma forma de assegurar a existência individual a qual, necessariamente,
precisa da existência dos outros. Por isso, de certa maneira, o fiel é também o outro
fiel, pois, agregados à Maria, compartilham também da mesma convicção e
experiência mística.
Abranger essa relação misteriosa na dialética de Heidegger é (1997, p. 200)
“Compreender é o ser existencial do próprio poder-ser da pré-sença”. Nessa lógica,
o outro é um duplo de si próprio, é a projeção do ser-próprio para ser presença de si
mesmo, no outro. Aplicando a teoria da circularidade heideggeriana à devoção
mariana, pode-se dizer que o fiél lança-se em direção à intrínseca relação
devocional à Maria como modo de partilhar com milhares de outros fieis um ser pré-
sença, único, mas duplo, pois um reconhece-se no outro que com ele compartilha da
mesma pré-sença essencial .
39
Na perspectiva de análise circular da fé, pode-se afirmar que essa devoção
não é mera somatória de sujeitos individuais. Mas, sim, convivência do ser-com-o-
outro, que transcende numa dimensão espiritual e social da fé. O culto mariano
desenvolve essa relação de pertença entre milhares de pessoas e à figura maternal,
de uma pessoa que está junto deles, lado a lado. É um ser com eles. Existência
contínua que socorre.
A teoria lingüística de Umberto Eco mostra toda sua originalidade, na
concepção do conceito de interpretação. Ele denomina uma obra como aberta às
possibilidades de interpretação e superinterpretação pelo leitor. Eco destaca que os
limites para a interpretação não são dados pelo autor, mas, sim, pela dialética texto-
leitor. Esses são capazes de aceitar interpretações e refutar superinterpretações.
Com base na dialética apontada por esse autor, podemos compreender, quando se
está interpretando uma obra, e quando ela está sendo usada pelo seu leitor.
Segundo Eco (1993, p.37), [...] a interpretação é indefinida. A tentativa de
procurar um significado final inatingível leva à aceitação de uma interminável
oscilação ou deslocamento do significado“. O autor afirma que o hermeneuta, ao
procurar o significado oculto das palavras e dos símbolos religiosos, apreende que
eles falam a verdade, mesmo quando se contradizem. Então, cada uma de suas
palavras deve ser uma alusão, uma alegoria, uma vez que, em cada um deles, está
contida uma mensagem, que nenhum deles jamais seria capaz de revelar sozinho.
Utilizando a teoria de Eco ao culto mariano, podemos pensar que a devoção
é, antes de qualquer coisa, a correspondência de uma necessidade apregoada
socialmente, uma vez que, toda a simbologia mariana, empregada através de
discursos patriarcais, insiste que a figura da mulher deve ser atrelada à maternidade.
40
Afirma Eco (1993, p. 51), “se algo a ser interpretado, a interpretação deve
falar de algo que deve ser encontrado em algum lugar e de certa forma respeitado”.
A verdade da interpretação encontra-se no processo, antes que no objeto ou no
sujeito, no conjunto de relações entre interpretações e leitores, entre textos e
contextos, com possibilidades infinitas de interpretações.
A conjectura de Eco pode ser utilizada para a verificação de que a
interpretação da devoção encontrar-se-ia no processo de construção ideológica,
antes que no objeto ou no sujeito. Não é a interpretação de uma novena por um
fiel que tem o poder de estabelecer a verdade, mas sim o conjunto de relações
entre interpretações e fiéis, entre ritos e mitos. É todo um processo de conjuntura
sócio-religioso.
O pensamento sobre as interpretações, produzido por Eco, denota a
necessária abertura intertextual simbólica. A respeito da mensagem produzida e
interpretada, diz o autor (1993, p. 81)
“[...] quando um texto é produzido não para um único
destinatário, mas para uma comunidade de leitores, o/a
autor/a sabe que se interpretado/a não segundo suas
intenções, mas de acordo com uma complexa estratégia de
interações que também envolve os leitores, ao lado da sua
competência na linguagem enquanto tesouro social. [...]”.
A proposição de Eco, sobreposta ao culto religioso, faz surgir inúmeras
possibilidades de interpretação. Examinemos o canto mariano:“Ó Virgem Maria,
Rainha de amor/ Tu és a Mãe Santa do Cristo Senhor/ Nas dores e angústias/ Nas
lutas da vida / Tu és a mãe nossa por Deus concebida/ Perpétuo Socorro, tu és mãe
querida/ Teus filhos suplicam, socorro na vida”.evidenciado, nessa interpretação,
41
que a recorrência à mãe é necessária, para o alívio das amarguras, a súplica é pela
assistência na vida e a total apropriação destes discursos patriarcais pelos fiéis.
A entoação desse ou de outro cântico causa, nos devotos, uma reação ao
conjunto dos estímulos e de compreensão de suas relações místicas. Cada fruidor
traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade, particularmente
condicionada de uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos
pessoais, de modo que a compreensão de um canto verifica-se seguindo uma
determinada perspectiva individual, que se dá, necessariamente, no contexto
socializado da novena.
A cerimônia causa nas pessoas um estado de êxtase. Os fiéis cantam:
“Socorrei-nos, ó Maria, neste nosso caminhar/ Os doentes e os aflitos vinde todos
consolar”! O grito de socorro desencadeia-se da plenitude espiritual. Vê-se o
implorar pelas benesses, por meio do brado emitido ao som da música mariana. Os
fiéis põem-se a clamar pelo amparo, proteção e consolo. Aparece, o desejo do
cuidado, do olhar da mãe para socorrer os filhos que estão padecendo de aflição. È
pedido de conversão do caminho de pecado para o caminho de libertação espiritual.
Os fiéis invocam por alimento espiritual e material necessário para uma vida de
dignidade. E, por fim, o pedido para que Maria torne-se fonte de fé, luz e confiança
em suas existências.
Nessa relação metafísica do homem com o seu mundo, com sua liberdade,
ele pode transcender, cercado de sinais de misterium, apontado para uma realidade
metafísica, que foge ao seu controle racional. A novena responde, satisfatoriamente,
a essa sede ontológica do homem religioso, fazendo com que ele santifique o seu
cosmo. O espaço sagrado adquire, no imaginário do fiél, um valor existencial, pois
ele é carregado de significado. Estabelece-se, ali, naquele espaço, numa linguagem
42
de Eliade, o “Centro do Mundo”. Uma relação saturada de significação permeada da
religiosidade popular.
1.2.3- Fronteira: espaço aberto entre o catolicismo oficial e o popular
Nesse ponto, colocaremos em discussão, o catolicismo oficial versus o de
teólogas feministas, confrontando-os, nessa devoção do catolicismo popular.
O conceito sociológico de limite designado por Jonhson (1997, p. 113)
“Fronteira é um ponto ou limite que distingue um sistema ou grupo social de outro e
identifica e estabelece quem deles podem participar [...] Quanto mais abertas às
fronteiras, mais fácil será para alguém cruzá-las e participar dos sistemas sociais”.
Estar num momento de fronteira designa abertura de possibilidade, para
construção de novos conceitos. Desse modo, ajuizamos que exista, nessa devoção,
um espaço para fronteira, pois ela encontra-se situada entre o catolicismo popular e o
oficial pode também ser analisada na perspectiva das relações de gênero, entre as
afirmações tradicionais da maternidade e as releituras feministas mais modernas.
Além disso, podemos ver que se vive, na atualidade, um rico momento de transição
nas relações de gênero.
As estruturas sociais atuais estão definidas, sociologicamente, de maneira a
pensar a vida social como um conjunto interdependente de elementos culturais e
estruturais que devem ser considerados numa unidade social. Assim, podemos
examinar como esta novena situa-se num momento histórico, onde as questões de
gênero tendem a se modificar.
Vemos nessa devoção que a concepção do sexo feminino está,
inseparavelmente, aliada à maternidade. Isso tem sido utilizado como forte
instrumento de dominação e exploração da mulher, via maternidade. Não obstante,
43
vemos surgir um novo paradigma, no qual a descoberta dessa exploração tem
despertado em algumas mulheres, um reação.
Para essa reflexão, utilizaremos também o conceito de fronteira, visto à luz de
Bhabha (1998, p. 21):
“Os embates de fronteira acerca da diferença cultural têm tanta
possibilidade de serem consensuais quanto conflituosos; podem
confundir nossas definições de tradição e modernidade,
realinhar as fronteiras habituais entre o público e o privado, o
alto e o baixo, assim como desafiar as expectativas normativas
de desenvolvimento e progresso”.
As fronteiras são locais de encontros de juízos opostos, de consenso ou
conflito, que podem ser apropriados ou extirpados das práticas religiosas. No caso do
rito mariano, vemos como essa devoção possui um caráter de novas possibilidades e
leituras do mundo feminino.
Repensar a devoção mariana como um lugar fronteiriço, como dissemos,
abre possibilidades para criar um “novo” conceito de mulher, desobrigando-a assumir
unicamente a postura de mãe, como forma de salvação de seu gênero humano. A
Mulher-Maria poderá ser valorizada pelo fato de ser mulher, extrapolando a
necessidade de torná-la dependente da maternidade, para ser reconhecida como ser
humano, concepção esta, na expressão teológica do rito, apregoada pela tradição.
Vemos esse período de demarcação em Bhabha , (1998, p. 27)
“O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com ‘o
novo’ que não seja parte do continuum de passado e presente.
Ele cria uma idéia do novo como ato insurgente de tradição
cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa
social ou precedente estético; ela renova o passado,
refigurando-o como um ‘entre lugar’ contingente, que inova e
44
interrompe a atuação do presente. O ‘passado-presente’ torna-
se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver”.
As pessoas que freqüentam o rito, em questão, possuem valores culturais, e
poder sócio-econômico bastante diversificados. Possibilita-se uma ponderação sobre
o novo momento que surge para a mulher, na cultura religiosa. Observa-se uma
nova roupagem, pois as fronteiras são locais e as analogias devem ser refeitas.
Ainda, segundo o autor, Bhabha (1998, p. 252) “O que é crucial nessa visão do
futuro é a crença de que não devemos simplesmente mudar as narrativas de nossas
histórias, mas transformar nossa noção do que significa viver, tanto humanos como
históricos”. Pensamos ser possível que a humanidade de Maria possa alterar a vida
das mulheres em suas histórias.
A fronteira, onde se localiza a novena, poderá servir de acolhimento aos fiéis à
medida que conseguir fornecer significado de superação das diferenças entre homens
e mulheres. Ainda reconhecem, nessa relação, à similitude necessária para uma
caminhada de encontro e desencontro, de troca de influências para uma relação de
vida digna e abundante para ambos os sexos.
Nossa reflexão, acerca da devoção mariana, quer interrogar por que tantas
pessoas de sexo, idade, economia e cultura diversas recorrem ao mesmo rito.
Pensamos que essa interrogação pode ser analisada a partir do pressuposto de que a
sociedade encontra-se num momento sócio-político-religioso de espaço aberto, de
incertezas. E, nessa insegurança existencial, nada mais propício do que rever velhos
conceitos e padrões enraizados. Esse momento limiar pode ser compreendido à luz
de Bhabha (1998, p. 22)
“O poço da escada como espaço liminar, situado no meio das
designações de identidade, transforma-se no processo de
45
interação simbólica, o tecido de ligação que constrói a diferença
entre superior e inferior, negro e branco. O ir e vir do poço da
escada, o movimento temporal e a passagem que ele propicia,
evita que as identidades a cada extremidade dele estabeleçam em
polaridades primordiais. Essa passagem intersticial entre
identificações fixas abre a possibilidade de um hibridismo cultural
que acolhe a diferença sem uma hierarquia suposta ou imposta”.
O espaço aberto ou a fronteira é um lugar, por excelência, de tomada de
decisões, de abertura a novos horizontes, pois se vê além do convencional. È o
momento híbrido. O que é diferente tem maiores probabilidades de aceitação. Nessa
perspectiva, podemos pensar que a novena é um espaço, por excelência, desse
interstício, pois se abre às inúmeras possibilidades de reflexão, acerca do
protagonismo do papel da mulher, que vai abundantemente além do papel da mãe.
1.2.3.1- Uma devoção na fronteira entre catolicismo oficial e popular
É habitual a prática religiosa estar inserida dentro de um grupo social e, na
especificidade desse rito religioso, observa-se a congregação de valor moral e ético,
com o intuito de estabelecer vínculo de obediência com uma assembléia de ouvintes e
adeptos a essas práticas.
A religião pode ser vista sob a óptica de Jonhson, (1997, p. 196)
“Tal como toda a instituição social, religião é definida,
sociologicamente, pelas funções que desempenha em sistemas
sociais. De modo geral, é um arranjo social construído para prover
uma maneira compartilhada, coletiva, de lidar com aspectos
desconhecidos e incognoscíveis da vida humana, com os
mistérios da vida, morte e existência, e como os dolorosos dilemas
que surgem no processo de tomar decisões de natureza moral.
Como tal, a religião fornece não respostas a duradouros
46
problemas e perguntas humanos, mas forma também uma das
bases da coesão e da solidariedade sociais”.
A religião é conceituada como lugar propício de ação social, pois nela ocorre
um privilegiado momento de aglutinação de pessoas com o mesmo ideal ético e moral
a ser alcançado. Assim sendo, a religião torna-se, facilmente, elemento de coesão
social. Por isso, interessa empiricamente aos sociólogos, como local propício de
reflexão sobre os comportamentos dos indivíduos que vivem em sociedade.
A religião, segundo Durkheim (1996, p. 79), é um sistema solidário de crenças
seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas;
crenças e práticas que unem, na mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os
que a ela aderem”. Se a religião é um sistema complexo de elementos como mitos,
dogmas, ritos e cerimônias, ela deve encantar os que a ela aderem, uma vez que
responde às inquietações dos indivíduos, que buscam, no rito religioso, uma maneira
expressiva de resgate de sua existência humana.
Para Durkheim, os elementos universais presentes em qualquer religião podem
ser definidos em relação às partes que a formam. Não se pode posicionar-se em
relação a qualquer religião, pois todas correspondem às necessidades humanas. O
estudo delas pode contribuir para a elucidação do caráter fenomenológico social, e
conseqüentemente, de sua significação para as pessoas, como parte integrante de
seu cosmo valorativo. Continua Durkheim (1996, p. 32), “é útil saber em que consiste
esta ou aquela religião particular, mais importante ainda é pesquisar o que vem a ser
religião em geral”. Todas correspondem à mesma função: dar sentido à vida
transcendental e imanente aos indivíduos que nela se refugiam.
47
Durkheim estudou a forma mais elementar da vida religiosa, o sistema totêmico
na Austrália, para compreender o que permeia o pensamento humano a respeito da
religião. Afirma que a religião é um ato eminentemente social, diz o autor (1996, p. 38)
“As representações religiosas são representações coletivas que
exprimem realidades coletivas; os ritos são maneiras de agir que
surgem unicamente no seio dos grupos reunidos e que se
destinam a suscitar, a manter, ou a refazer certos estados
mentais desses grupos”.
A representação religiosa cumpre o papel social de legitimação da carência
humana, de transcender a sua própria existência imanente, por isso, em todas as
culturas e tempo, essas representações são conflituosas, pois se trata de uma relação
de poder muito forte, sobre a forma do existir humano.
Prosseguindo, na perspectiva de que a religião cumpre o papel social, visto que
tende a responder às privações, às quais todos seres humanos são submetidos, pode-
se, de maneira diferente de Durkheim, recorrer à visão Marxista sobre a religião.
Para Marx, religião (2004, p. 45)
“È o suspiro do oprimido, o íntimo de um mundo sem coração e a
alma de situações sem alma, a religião seja o ópio do povo. A
miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da
miséria real e o protesto contra a miséria real. [...] A crítica da
religião é, pois, a crítica do vale de lágrimas de que a religião é o
esplendor”.
Nessa visão, a religião é uma maneira frágil de enfrentamento dos problemas
materiais, em que vive grande parte da população. Marx alerta para o lado perigoso
dessa prática, pois a religião serve como narcótico, ou como meio de anestesiar os
48
sintomas sociais. As pessoas buscam por meios imateriais (religiosos) a resolução
para seus problemas materiais. Desse modo, mulheres e homens têm recorrido à
religião como meio de alcançarem conforto (ópio) para as dores e carências sociais.
Marx critica o assumir desse papel de socializado que a religião ostenta, e toda
a forma de espiritualidade. Seguindo esse pensamento (2004, p. 46)
”A crítica da religião liberta o homem da fantasia, para que possa
pensar, atue e configure a sua realidade como homem que
perdeu as ilusões e reconquistou a razão, para que gire em torno
de si mesmo. A religião é apenas o sol ilusório que gira em volta
do homem enquanto ele não circula em torno de si mesmo”.
O axioma marxista posiciona-se versus a religião e a critica por considerá-la
alienante, ao delegar à divindade a ação que deve ser realizada pelo próprio indivíduo.
Marx alega que a religião tira do homem a possibilidade de agir por si e, exilando-
se nessas práticas, ele foge de si mesmo, de sua essência objetiva necessária e
material.
Podemos inferir que as idéias iluministas, racionalistas, materialistas...,
advindas da era renascentista e moderna, sobrepujaram as idéias religiosas. Junto à
teoria Marxista, surgiram incontáveis teóricos que criticaram severamente a religião ao
seu modo ideológico, dogmático e doutrinário. Não obstante, nenhuma dessas teorias
conseguiu, de modo efetivo, suplantar, na sociedade e nos indivíduos, a imperativa
recorrência a uma prática religiosa que, inevitavelmente assegura a legitimação,
sócio/religiosa.
Prosseguindo nessa perspectiva de entender a religião como fornecedora de
sentido à vida, vemos em Lemos (2005, p. 26)
49
“A religião continua em cena porque o ser humano precisa dela
para se localizar num mundo dotado de significado, para entender-
se como parte de um cosmos. Ou seja, o indivíduo, para
entender a si mesmo, compara-se com os outros, com os valores,
instituições e com os significados presentes na sociedade. Caso
não consiga se localizar em relação ao lugar que ocupa no seio da
sociedade, sente-se ameaçado de perder os laços que o
satisfazem emocionalmente, sua orientação na experiência da
vida, ou seja, sente-se ameaçado de anomia”.
Desde suas origens, a religião apregoou, de modo contundente, a construção
de verdades absolutas e inquestionáveis. Desse modo, a religião é legitimadora e
mantenedora para os indivíduos que aderem a seus dogmas, assegurando, assim, o
significado da vida. Para um determinado grupo de adeptos, pode-se afirmar que a
legitimação religiosa fundamenta-se na ordem social, pois ela adquire um perfil de
redentora de significado socializante. Por isso, os indivíduos que a ela recorrem,
visam o consolo aos conflitos e às carências sociais humanas.
Como foi dito, a novena será investigada como um espaço de fronteira entre
o catolicismo popular e o oficial. O termo catolicismo
12
foi usado por alguns autores,
antes da era cristã, com o sentido de universalidade. Aplicado à igreja, no século II da
era cristã, o termo assume duplo significado: o de universalidade geográfica, pois, na
opinião desses autores a Igreja havia atingido os confins do mundo. E o de igreja
verdadeira, ortodoxa, autêntica, em contraposição às seitas que começavam a surgir.
Desde o Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, a igreja cristã, subordinada
à autoridade Papal, passou a denominar-se Católica Apostólica Romana, em oposição
às igrejas protestantes, constituídas a partir da Reforma.
12
BARSA Consultoria Editorial Ltda. Cristianismo católico.
50
A Igreja Católica autodefine-se como una, santa, católica e apostólica e
considera seu chefe como legítimo herdeiro da cátedra do apóstolo Pedro, sagrado
papa, segundo o Evangelho, pelo próprio Cristo.
Na história das religiões, a Igreja católica, ostenta o caráter total. Segundo
Gaardner (2000, p. 183), “isso quer dizer que ela é universal, mundial, para todos.
Os primeiros cristãos atenderam o pedido para levar o evangelho a todas as
pessoas, e a Igreja continua enviando missões para o mundo inteiro”. Para atender o
envio missionário da evangelização, a Igreja precisou adequar-se às necessidades
culturais díspares, existentes no mundo. Houve uma adequação e o desdobramento
do catolicismo oficial que é chamado de popular.
O catolicismo popular é conceituado, historicamente, por Paleari (1990, p.67)
“Um tipo de catolicismo, trazido por portugueses pobres, começou
a penetrar no Brasil a partir da colonização. É comumente
chamado de catolicismo tradicional popular. Teve a presença
significativa na zona rural, em terras camponesas. Naquela época,
havia poucas cidades e com pequena população. Não tinha
ligações com poder político, nem beneficiava de auxílios
econômicos. Além dos portugueses pobres, alguns pequenos
proprietário, índios destribalizados, ex-escravos e, sobretudo,
mestiços praticaram esse catolicismo”.
A grande miscigenação existente no país propiciou o alastramento desse tipo
de catolicismo, tendo em vista que possibilitou o ingresso de várias etnias nessa
prática religiosa, trazida pelos portugueses desprovidos de fidalguia.
Assim, podemos perceber o quanto essa devoção encontrou um terreno fértil,
para a sua inculturação entre os marginalizados sócio/religiosos no país.
51
Sobre o catolicismo manifesto afirma Hoornaert (1991, p. 99)
“[...] existe um catolicismo popular distinto do catolicismo
patriarcal. O povo tem uma cultura própria e podemos mesmo
afirmar que o catolicismo popular constitui a cultura mais original e
mais rica que o Brasil já produziu durante os quatrocentos e
tantos anos de sua história”.
Essa crença popular, aqui referida, distingue-se da patriarcal pela riqueza
cultural existente entre seus praticantes. É evidente que cada qual carrega para o rito
aquilo que está internamente construído através dos símbolos. Por isso, o catolicismo
do tipo popular oportuniza variados elementos sagrados pela mistura das culturas:
negra, branca, indígena e mestiça. Todas remanescentes da indigência colonizadora.
Pensando no passado histórico religioso popular no Brasil, é importante
ressaltar o que foi dito anteriormente: o catolicismo
13
de tipo popular veio com os
colonos lusitanos e se caracterizava pela devoção aos santos, dos quais se esperava
proteção para superar as dificuldades e para resolver os problemas desta vida, bem
como para obter a salvação eterna. A herança dos oratórios dentro de casa e nas
ruas, as capelas nas vilas e arredores, tornaram-se os principais centros de devoção
popular, uma vez que essa popular expressa-se por meio de terços, ladainhas e
benditos, mediante promessas, procissões e romarias.
A devoção à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro insere-se nesse contexto
popular, porém com algumas características da religião tradicional católica, haja vista
que a novena é realizada num Santuário, com a administração do Sacramento da
Eucaristia e o incentivo ao Sacramento da Penitência. Por isso, necessita contar
sempre com a compleição do sacerdote. Esse tipo de prática popular foi e continua
13
Síntese das informações obtidas na obra de Giorgio Paleari: Religiões do povo, um estudo sobre a
inculturação, (1993, p. 67-70).
52
sendo muito estimulado pelas autoridades eclesiais, na Igreja particular do Brasil, pois
assegura a adesão das massas.
Como vimos, novena insere-se no conjunto das concepções e práticas de
religiosidade popular. E, para a melhor compreensão desse modo de praticar a
religião, recorremos a compreensão de Parker (1995, p. 286)
“Em suas diversas manifestações, contribui para a reprodução da
vida, para proteger dos perigos que a atacam, porém também
contribui para dotar a vida de um sentido extra, revalorizando-a.
Por meio das crenças e dos rituais populares, o homem se salva
de estar ‘perdido’ em meio à miséria, aos vícios, à
desumanização, à lama, e recupera sua dignidade humana, volta
a recuperar um sentido pessoal e uma vocação pessoal e social”.
O catolicismo popular assevera em suas práticas um modo efetivo de
manutenção da ordem cósmica. O fiél relaciona-se com o(a) santo(a) a todo momento.
Conversa com ele (a), pede-lhe proteção e lhe agradece pelo bem recebido.
Verdadeiramente, existe uma troca relacional, instaura, no crente a dignidade de ser
filho (a) da Mãe de Deus, já que isso lhes outorga extraordinário penhor.
A novena, ao ser popularizada, estabelece-se como relação social. Torna-se
produto do pensamento e da necessidade coletiva daquele grupo. Essa devoção
mariana pode ser compreendida à luz de Zaluar (1983, p.123)
“Os santos do catolicismo popular representam a moralidade, o
que é legitimado, as obrigações entre indivíduos e grupos que são
socialmente reconhecidas e aprovadas, a manutenção das
posições relativas desses indivíduos e grupos, a tradição. Assim, o
catolicismo popular tem, enquanto sistema ideológico, caráter
cosmicizante. Através dele cria-se uma ordem universal com a
qual se funde a própria ordem social, ao serem projetados no
universo os significados da ordem construída pelo homem”.
53
As festas dos (as) santos (as) e de Nossa Senhora podem ser entendidas como
meio simbólico de expressões das diferenças de poder e de riqueza entre as classes
sociais, para a manutenção da ordem almejada. O catolicismo popular fornece
justificativas para a riqueza e a pobreza. Ele valoriza a glorificação da pobreza e do
sofrimento, na figura exemplar dos santos e de Maria. Serve de base para uma ação
social coletiva, vinculada à tradição popular mariana, que vê, na mãe, por seu ofício, o
poder alegórico de ajuda, em meio à escassez e conforto, diante dos conflitos sociais
presentes na sociedade.
As religiões populares trazem elementos peculiares da cultura na qual estão
inseridas, Paleari (1993, p. 58) afirma:
“Dependendo de cada situação ou história, a religião assentada
numa cultura popular pode ser fator de alienação, de identidade
popular, de resistência diante da cultura dominante ou oficial,
reforço ético para uma ascensão social ou para um projeto de
transformação social”.
Por estar inserida num contexto socializado, a religião é possante instrumento
ideológico capaz de vivificar o procedimento ético, uma vez que ela tem força
ideológica capaz de transformar ou domesticar as pessoas.
Sabemos que o Brasil é um país de grande sincretismo
14
religioso, que
possui forte pluralismo étnico. Os africanos, europeus, asiáticos, indígenas, cada um
desses povos, que vieram desde a época da colonização, evoca variações religiosas
que podem ser analisadas como produto das diferenças sociais e culturais existentes
no país.
14
Sincretismo religioso aqui é entendido sob a luz de Renato Ortiz como fusão de múltiplas manifestações
religiosas ordenadas num mesmo sistema de bricolagem (1980, p. 100).
54
O catolicismo de origem popular comporta uma série de elementos que foram
influenciados por esse sincretismo religioso. Convém ressaltar que não se trata de
uma sub cultura de classe. Ao contrário, deve ser vista como rica fonte de simbologia
sócio-cultural, que faz parte da tradição local vivida. Esse sincretismo oportunizou
grandemente a propagação da popular, o que pode ser visto como fronteira para a
alteração de idéias pré-concebidas, na sociedade brasileira. Aliás, é impossível, diante
da miscigenação brasileira, pensar num catolicismo isento da influência popular.
As pessoas que freqüentam o culto Mariano pertencem a diferentes classes
sociais. grande heterogeneidade sócio-econômica-cultural entre os adeptos dessa
prática religiosa. Isso é constatado ao observar as disparidades presentes nas
intenções depositadas, no altar, pelos fiéis. Aparecem variados tipos pedidos, que vão
de emprego à compra de fazenda. Dessa maneira, identifica-se e comprova-se a crise
social generalizada, no país.
Pode-ser comprovar que os fiéis desejam conseguir, por meio desse rito
popularizado, a garantia para uma vida honrada para si e seus familiares. A nível
pessoal; e de inserção social.
1.2.3.2- A fronteira entre a concepção tradicional e a moderna da maternidade
A percepção da maternidade do ponto de vista tradicional diferencia-se,
substancialmente, da moderna, em construção, pelas feministas. Constatamos ser
necessário refletir sobre essa teoria como um momento de fronteira, abrindo
possibilidade de novas conjecturas a respeito da humanidade de homens e mulheres,
tendo em vista que ambos possuem em si, intrinsecamente, a masculinidade e a
feminilidade.
55
Podemos perceber que a prática religiosa, no Brasil, é bastante diversificada.
Pode-se dizer que há vários brasis dentro de um só, devido a grande extensão
geográfica, e a etnia variada. Há, também uma diversidade religiosa/cultural. O meio
de colonização/exploração utilizado pelos portugueses contribuiu, grandemente, com
a miscigenação das etnias, levando, conseqüentemente, à pluralidade de crenças e
culturas no país. A grande extensão territorial aliada à pluralidade de etnias culminou,
na formação de novas representações religiosas no país.
A religiosidade popular encontra-se nesse espaço de inúmeras e privilegiadas
culturas. Nela, infinitas possibilidades de criação, adaptação e recriação religiosa.
Podemos, nesse sentido, para compreendermos a miscelânea cultural recorrer à
antropologia, iluminados pela idéias de Geertz (1989, p.93)
“Na discussão antropológica recente, os aspectos morais (e
estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram
resumidos sob o termo ethos”, enquanto os aspectos cognitivos,
existenciais foram designados pelo termo “visão de mundo”. O
ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida,
seu estilo moral e estético, e sua disposição são a atitude
subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida
reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que
elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu
conceito da natureza, de si mesmo, e da sociedade”.
Na perspectiva de Durkheim, é importante observar e estudar as religiões como
fato social, pois nelas ocorrem ações rituais, preces, devoções, e invocações
valorativas capazes de identificar aquilo que Geertz chama de ethos, e a
racionalização da ação de visão de mundo, daquele grupo que a pratica. Assim, é
possível estudar um determinado grupo social a partir da análise da sua prática
religiosa, sobretudo, para o favorecimento da concepção sócio-antropológica.
56
Na história da devoção Mariana, é imperativa a compreensão da função
valorativa (ethos) da maternidade atribuída à Maria como Mãe do Salvador dos
cristãos, como forma de dominação de gênero.
Segundo a teóloga Reimer (2003, p.35), “reler e resgatar parte da história de
Maria para reconstruir seu significado dentro da história de Deus com o seu povo é
tarefa urgente e complexa”. Ela foi anunciada nos Evangelhos com a grande serva do
Senhor. A construção Lucana do Magnificat serviu como um forte instrumento
ideológico de reverência ao papel da maternidade, da mulher sujeita a um senhor, fiel
e dócil aos desejos masculinos. A visão de mundo fica estreita para a mulher,
condicionando-a ao papel da maternidade.
De outro modo, vemos na percepção de Murad (1996 p.97)
“Maria, a expressão personificada da plenitude da graça(...)
fundamenta o dogma da Imaculada conceição; Maria, a
agraciada(...) versão predileta dos protestantes; Maria a
contemplada,(...) proposta por Leonardo Boff. A última
interpretação é mais satisfatória, pois supera o funcionalismo, que
Maria como mero e insignificante instrumento nas os de
Deus; supera o maximalismo, que projeta em Maria a figura de
uma semideusa, cheia de poderes do Altíssimo. A graça, que é
Deus, mesmo se auto-comunicando, acontece na vida de Maria
como dom, acolhida e crescimento”.
A visão de Murad sobre Maria, apesar da elegância, continua na mesma
perspectiva de valorização da maternidade, infligindo-lhe a missão maternal como
dom da graça divina e acolhida aos desígnios de Deus, o de uma mulher que,
livremente, optou por sua luta, como sinal deliberado de sua vontade e de sua
convicta no seu Deus.
57
A visão feminista de Gebara diverge sobre essa maternidade natural, a autora
diz (1988, p. 87)
“O canto de Maria é um canto de guerra, canto de combate de
Deus travado na história humana, combate pela instauração de
um mundo de relações igualitárias, de respeito profundo a cada
ser, no qual habita a divindade. Por isso, fala-se da dispersão dos
orgulhosos, da derrubada dos poderosos, da dispensa dos ricos
de mãos vazias para a glória de Deus. É da boca de uma mulher
que sai esse canto de guerra ao mal, como se apenas do seio de
uma mulher pudesse nascer um povo novo. A imagem da mulher
prenhe, capaz de dar à luz o novo, é a imagem de Deus que pela
força de seu Espírito faz nascer homens e mulheres entregues à
justiça, vivendo a relação a Deus na amorosa relação aos seus
semelhantes. O canto de Maria é o programa do Reino de Deus”.
A autora instaura um olhar histórico/teológico feminino sobre a força feminina
de Maria. Confere-lhe garra e deliberação da vontade livre. O enfoque de humildade
de Maria é modificado, amplia-se à visão de sua atitude, para a força de combate em
defesa dos pobres. No presente trabalho, a perspectiva de análise, à luz da
categoria gênero, possibilitará ver como a ação de Maria foi minimizada, e foi
utilizada como meio de opressão da força feminina. Apesar dela estar sempre junto
de Jesus, nos milagres, nas peregrinações, na morte e na ressurreição, isso não
aparece como força e coragem, mas como subserviência própria da cultura judaica
da época.
A articulação de gênero, com a concepção de fronteira, possibilita a
desconstrução dessa forte ideologia patriarcalista. Isso se faz presente e necessário,
no contexto atual, nas práticas religiosas e, de modo particular, na devoção Mariana.
Segundo Bhabha (1998, p. 240)1
58
“[...] Reconstruir o discurso da diferença cultural exige não
apenas uma mudança de conteúdos e símbolos culturais; uma
substituição dentro da mesma moldura temporal de
representação nunca é adequada. Isto demanda uma revisão
radical da temporalidade social na qual histórias emergentes
possam ser escritas; demandam também a rearticulação do
‘signo’ no qual se possam inscrever identidades culturais. E a
contingência como tempo significante de estratégias contra-
hegemônicas não é uma celebração da falta’ ou do ‘excesso’,
ou uma série autoperpetuadora de ontologias negativas. Esse
‘indeterminismo’ é a marca do espaço conflituoso, mas
produtivo, no qual a arbitrariedade do signo de significação
cultural emerge no interior das fronteiras reguladas do discurso
social”.
A fronteira escancara o espaço que permite a desconstrução do discurso
oficial. Isso ocorrerá na medida em que houver a conscientização das mulheres, de
que elas podem desempenhar outras atividades e ocupar vários espaços, além de
serem mães; uma vez que como mulheres gozam dos mesmo direitos e deveres que
os homens. A tomada de consciência de que essa dignidade fora roubada pelos
discursos teológicos, por meio da atribuição de serviço e obediência, servirá para
uma reação eficaz quanto ao papel sócio-religioso da mulher, na sociedade.
As mulheres poderão perceber que sua descendência vai além da materna
obrigação serviçal. Uma releitura da condição de Maria pode ser vista em Gebara
(1988, p.201) quando diz: Maria é o humano permeado do divino em todas as suas
dimensões e recantos”. A autora reconhece Maria em sua nobreza. Assim, ela
adquire autonomia e pode ser nobre discípula alem de tantas outras atribuições
dignas das mulheres e, ainda ser, “simplesmente”, MULHER.
59
O contemplar da novena como um lugar de interstício possibilita uma reflexão
acerca da posição privilegiada do espaço ‘’entre” o catolicismo oficial e o popular,
segundo Bhabha (1998, p. 209/10)
“No lugar da polaridade de uma nação prefigurativa auto-
geradora ‘em si mesma’ e de outras nações extrínsecas, o
performativo introduz a temporalidade de entre-lugar. A fronteira
que assinala a individualidade da nação interrompe o tempo
autogerador da produção nacional e desestabiliza o significado
do povo como homogêneo. O problema não é simplesmente a
‘individualidade’ da nação em oposição à alteridade de outras
nações. Estamos diante da nação dividida no interior dela
própria, articulando a heterogeneidade de sua população. A
nação barrada Ela/Própria [It/ Self], alienada de sua eterna
autogeração, torna-se um espaço liminar de significação, que é
marcado internamente pelos discursos de minorias, pelas
histórias heterogêneas de povos em disputa, por autoridades
antagônicas e por locais tensos de diferença cultural”.
Essas alteridades/polaridades são as causas de tantas exclusões e
diferenças sociais. Na sociedade atual, podem ser enumerados vários casos de
exclusão à mulher, às crianças, aos negros, aos índios, aos empobrecidos, e a
tantos outros. É preciso reconhecer que conviver com o preconceito, com a
exploração, com a desigualdade de direitos é uma situação injusta, e que tende a
ser conflituosa. Situando a novena nesse espaço de fronteira, o conflito, certamente,
poderá trazer proveito para que haja uma reflexão acerca dos papéis de gênero, nos
diversos segmentos da sociedade.
60
1.3- A representação de Maria para os fiéis
Pudemos observar, no registro das entrevistas, que, junto à devoção e à figura
da mãe afetiva passa a existir, no imaginário dos fiéis, o papel funcional e serviçal da
Maria intercessora. Vejamos, no relato desta entrevistada, como se revela a criação
dessa funcionalidade (I.B., dona de casa, 56 anos), “[...] Eu vou às novenas o tempo
todo e peço pela minha família, continuamente; peço por paz, saúde, alegria. Eu
agradeço o pão de cada dia, pois sei que Ela está sempre intercedendo a Jesus por
cada um de nós que pedimos sua proteção”. Maria é evocada como aquela que
corrobora no amparo das privações de cada fiel; da mesma forma arquetípica da mãe
terrena, que assume a sobrecarga dos filhos.
Podemos ver que essa mediação Mariana é reafirmada em Parker (1995, p.
151), “[...] a Virgem Maria, para o fiel devoto popular, é um desses ‘poderosos’
mediadores. Não ela é a mãe de Deus, mas, além disso, é a mãe de todos os
homens e vela por todos eles”. Essa é legitimada pela teologia mariana. A
descrição do autor incorpora-se ao imaginário do fiél como legítimo amparo à sua
angústia, à cura de sua enfermidade e conforto, à sua incerteza. Portanto, legitima a
maternidade. Começa-se a evidenciar uma imaturidade, pois a recorrência ao colo da
mãe, tanto para homens, quanto para mulheres adultas, demonstra uma estruturação
da maternidade como fonte de infantilização da fé. Corre para os braços da e
aquele que ainda não consegue autonomia suficiente para tomar decisões sozinho.
Vemos a contínua recorrência à Maria. De acordo com a entrevistada (S.D.D.,
costureira, 52 anos) Maria, “representa uma intercessora, uma mãe. Graças a Deus
nós somos católicos; temos essa mãe que intercede por nós. Tudo o que eu peço a
ela, ela me atende, quem tem fé nela não se desespera”. O estado de penúria afetiva,
61
espiritual e material demonstra quão os devotos são infantes a pedir colo e aconchego
existencial.
O desempenho de intercessora encontra-se inseparável da maternidade divina,
pois, no imaginário popular, isso lhe confere autoridade, conforme atesta o casal de
entrevistados (J.M.G., empresário gráfico, 58 anos & Mª.Iraci dona de casa, 53 anos),
“[...] qualquer coisinha invocamos: OH! Minha Nossa Senhora ! Me ajuda! “. Essa
santidade intercessora é reforçada no cotidiano existencial dos fiéis.
A Mãe de Deus, na concepção de Buscemi (2003, p. 107) pode ser vista como:
“Maria, Mãe de deus, transparece como meio da realização do
homem e da mulher. Ela gera um homem que é Deus,
maternidade divina. Ela gera um deus que é verdadeiramente
homem, maternidade humana. Na qualidade de mãe, Maria
coloca-se como ponto de união entre o projeto de Deus e o
projeto da humanidade. Os caminhos se cruzam nela. Por isso
ela possui um sentido que vai além dela mesma, um sentido
universal pertinente à história humana e a história divina. Sua
glória está no serviço aos outros”.
Vemos como a supervalorização do “serviço aos outros” e de confiança na
intercessão Mariana tem sobrepujado outras características femininas de Maria. Não
se valoriza a sua genialidade como mulher, apenas sua servidão.
A intervenção mariana é reforçada na alocução de (D. Q. S., costureira, 59
anos) “Para mim, Maria, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, é mãe, porque ela é
nossa intercessora, naquilo que a gente pede ou recorre, ela leva nossas dores, até
seu Filho Jesus”. Maria é o padrão de consenso, paz e amor, no imaginário popular.
Eles nunca se referem a ela como alguém que pudesse ferir ou magoar. Sua condição
sempre é de santidade, no sentido de labor incondicional de escravização religiosa.
Essa condição laboriosa foi, cuidadosamente, pensada, com o propósito de que o
62
lugar que a mulher de devoção popular pudesse ocupar, na tradição romana, fosse o
mesmo da cultura judaico-cristã. Podemos ver esse construto, sob o ponto de vista de
Thomasset (1990, p. 69)
“A história da representação da mulher é condicionada por idéias
simples e, por isso, impossíveis de extirpar da consciência
coletiva. A anatomia, por vias indirectas, veio confirmar o desprezo
dos teólogos que, argumentando com Gênesis, estavam
naturalmente inclinados a ver na mulher um produto secundário e,
por conseguinte inferior ao homem absurdo legitimado”.
O construto de funcionalidade aplicado à mulher foi arquitetado durante
milênios de dominação patriarcalista. Também durante toda a história da Igreja, houve
grande preocupação com a constituição do arquétipo da mulher Maria, vinculado ao
desempenho de mãe.
Essa aprendizagem pode ser analisada sob o fulgor de Casagrande (1990, p.
138)
“Castidade, humildade, modéstia, sobriedade, silêncio, trabalho,
misericórdia, custódia: as mulheres ouviram repetir estas palavras
durante séculos. Ouviram-nas ditas pelos pregadores nas igrejas,
ouviram-nas ditas pelos familiares nas suas casas,
reencontraram-nas nos livros para elas escritos”.
Desse modo, verifica-se que houve, ao longo da história da humanidade, uma
obediência feminina, imposta sob a forma legitimada pela religião. Causando um
grande prejuízo às mulheres, por meio da maternidade de Maria.
Podemos continuar essa análise, sob um novo ponto de vista feminista
teológica. Nessa perspectiva, afirma Gebara (1988, p.201)
”Maria figura coletiva, símbolo do povo fiel cujo seio brota a Nova
Criação, desdobra diante do humano todos os seus infinitos
63
horizontes de inenarráveis possibilidades. Ajuda a antropologia
teológica a repensar-se de rosto voltado para o infinito de Deus.
Ajudada, além disso, as mulheres suas irmãs e companheiras, a
redescobrir sua identidade no Reino onde não ‘nem judeu nem
grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher’ [...]”.
É possível pensar, na verdadeira utopia cristã, numa relação humana e
espiritual, onde todos, homens e mulheres sejam companheiros de passagem. Não
havendo débitos, nem pecados, nem culpas, mas solidariedade humana.
Prosseguindo com a análise da representação mariana, vemos como essa
adesão e convicção que os (as) devotos (as) têm na intercessão de Maria garante-
lhes a busca por uma baseada na puerilidade. Em todas as falas dos
entrevistados, aparece essa caracterização (M. T. B. R., aposentada, 59 anos)
“Ela é minha mãe, minha intercessora. Se a gente começa a
falar de Maria, não consegue parar de falar, pois ela é tão
maravilhosa que, quanto mais a gente fala, mais tem vontade de
falar. Eu sempre digo: Oh! Mãe me ajuda aqui. E ela me ajuda,
porque ninguém nesse mundo é órfão de mãe, pode até ser de
pai, mas de mãe não”.
A construção do conceito de valorização de Maria, em sua habilidade de
serviço, de silêncio, de paciência maternal, é tida como uma atitude natural e
necessária de “todas as mulheres”. Pode-se dizer que isso é um reducionismo das
possibilidades de ser mulher, pois a feminilidade estende-se muito além da
maternidade, do ofício e da subordinação. A caracterização da mulher, no papel de
mãe é um fisiologismo.
O papel “natural” da maternidade está intrinsecamente enraizado nos
discursos humanos. De acordo com Piponnier (1990, p. 45)
64
“Mesmo se tem de ganhar o seu pão, contribuir com um trabalho
ao domicílio para as despesas da casa, a mulher consagra a
maior parte de seu tempo ao que um largo consenso define
como seu papel natural: o cuidado da família a que pertence por
nascimento, por casamento ou por servidão”.
A estreiteza desse julgamento de consenso maternal credita aos homens
grande comodidade em sua condição masculina de serem servidos, e, por
conseguinte, delega à mulher mais tarefas, mais responsabilidades. Vejamos essa
relação de gênero na fala do casal entrevistado, (J.M.G, empresário gráfico, 58 anos
& Mª. Iraci, dona de casa, 53 anos)
“Mãe é a razão de nós estarmos aqui neste mundo. Eu vejo mãe
como no caso da Iraci que é mãe-avó, né!? É uma fortaleza, pra
fazer... Tudo que ela faz, sozinha, a Iraci nunca teve empregada,
agora que ela tendo uma diarista. Se você chegasse mais
cedo ia encontrá-la lavando roupa, e num é que... Graças a
Deus nós não tenhamos condição para pagar, mas é ela que
quer, ainda cuida de netos, e de tudo mais. Nós temos um
aspecto muito importante em nossa vida, porque o nosso
casamento não é feito, eu e ela, tem Deus no meio também,
ela costuma dizer inclusive que nós somos como uma cadeira,
ou um tamborete que tem quatro pés, né... Então Maria junto,
ela segurou a barra, porque embora um estivesse quebrado,
ou alquebrado. (Olha para esposa e aponta-a) ela segurou a
barra. Como? Através da oração né? Ela rezava, se recolhia, é...
Recebia-me em casa alcoolizado, me levava para o chuveiro,
dava banho em mim, segurava minha cabeça no vaso para eu
vomitar, me limpava, me colocava na cama e dormia, isso foi
durante 33 anos de casado, ela sempre rezando e pedindo a
Nossa Senhora para tirar o vício [...]”.
65
Pode parecer um elogio a fala do entrevistado, contudo seus elogios apontam
para a servidão, abnegação, paciência, tolerância, etc. A mulher continua, por
excelência, sendo referendada a certos tipos de atitudes como “dom natural”. O
relato mostra a submissão e a adesão, na servidão ao marido, de bom grado. Ela
pertence a uma geração de mulheres que assumem, vigorosamente, a função de
servir ao cônjuge, a função de ser o sustentáculo da casa. Assim sendo, a
recompensa alcançada é a consagração como mulher prendada, abnegada,
subserviente. Da mãe que cuida do bem estar de filhos (as), dos (as) netos (as). Da
esposa que pacientemente espera a vontade do esposo, e se mostra satisfeita por
conseguir ser a "supermulher”. Podemos analisar essa visão, sob a óptica de
Vecchio (1990, p. 163)
“[...] Procriação e educação da prole constituem, como se viu,
um dos bens do casamento e um dos elementos nucleares da
dignidade e estabilidade do vínculo conjugal. Mas gerar filhos
representa, ao mesmo tempo, para a mãe, a condenação pelo
pecado de Eva (Génesis 3, 15), o instrumento para resgatar
esse pecado e atingir a salvação (I Timóteo, 2, 15) e a forma
mais natural de auxílio que Deus dispôs em benefício do homem
(Génesis, 2, 18). Obrigação primeira da mãe em relação à prole
é portanto a de pôr no mundo: “gerar filhos continuadamente e
até a morte”.
A sobrecarrega é colocada de uma forma tão absurda, sobre as mulheres,
que reprime sua própria existência enquanto ser humano, enquanto ser mulher. Ao
invés de amabilidade, evidencia-se a opressão e o condicionamento da mulher.
Para pensarmos um pouco a respeito dessa relação entre masculino/
feminino, recorremos a Jurkewicz (1995, p. 22)
66
“Ao se perceber que as mulheres não são ‘por natureza’, boas
doas de casa e aptas para o cuidado dos filhos, mas sim que
foram desde meninas treinadas para assumirem essas tarefas,
enquanto os meninos o preparados para assumirem tarefas
fora de casa, ocupar espaços de chefia e responsabilidade
pública, conclui-se que a ordem que estabelece o lugar de
homens e mulheres na sociedade não é natural e sim o
resultado de um processo de construção social, portanto
passível de manipulação humana”
A relação de gênero é um construto social. Diante de tanta opressão, deve-se
pensar na ideologia que perpassou a história das mulheres, desde os primórdios a
os dias atuais. Homens e mulheres deveriam relacionar-se com afinidade e equidade,
e não com a prevalência da superioridade masculina. Deveriam respeitar-se, sem que
sem que um oprimisse o outro, em função de sua condição de poder. De acordo com
Sabatini, (2000, p. 718), “[...] a dependência masculina, diante do crescimento da
capacidade e da independência feminina, deverá reconhecer que a reciprocidade é o
melhor caminho para a construção de um projeto coletivo”. O ideário a ser construído
deve perpassar por uma nova relação, onde homens e mulheres possam conviver de
forma igualitária.
A caracterização do papel de intercessão de Maria foi muita bem sedimentada,
na consciência coletiva dos fiéis. A esse respeito vemos o relato de (S.D.D.,
costureira, 52 anos) que diz:
“[...] vejo Nossa Senhora segurando Jesus com tanto amor. Ela
sendo mulher consegue proteger o menino Deus em suas
aflições. Por isso, eu acredito tanto nela. Ela é mãe que inspira
confiança nos filhos, é a mãe intercessora. Assim como nós
67
intercedemos por nossos filhos com nossos maridos, ela
intercede a Jesus e a Deus por nós, em nossas aflições”.
Podemos aferir que proclamar a maternidade, nos moldes como tem sido
feito, acarreta sérias responsabilidades sobre a mulher e, por conseguinte, a relação
de em Maria é estimulada como forma de controle sócio-religioso, que se
instaura, nas mulheres de devoção popular, a mentalidade de que devem seguir
esse padrão de zeladoras do lar como “habilidade natural”, não a de construção
social.
É possível ver como Maria, no imaginário popular, exerce uma função de
intermediária. Isso é teorizado em Parker (1995, p. 152)
“[...] Sua capacidade de intercessão perante Deus Pai, em sua
qualidade de porta-voz das súplicas e dos pedidos dos homens,
está garantida precisamente por sua posição privilegiada no
panteão, lugar no qual tem vantagens comparativas em relação
a outros santos. Torna-se difícil afirmar se, na mentalidade
popular, a Virgem é considerada uma divindade feminina ou não;
ou se é considerada como um santo muito especial. O certo é
que a figura Mariana como mediadora privilegiada é um
patrimônio da religião popular e especialmente do catolicismo
latino-americano”.
O autor refere-se ao serviço medianeiro de Maria como forma privilegiada de
poder. Todavia, o papel de intermediária não pode ser considerado força divinal,
uma vez que sua função única e, exclusivamente, tem sido de “serviço”. Ora, sabe-
se que, no Panteão androcêntrico, as divindades não possuem tarefas, mas, sim,
são servidas. O abono dado pelas mulheres à sua própria dominação pode ser
68
entendido, considerando-se as afirmações que são feitas sobre elas. Entre tantas,
podemos assinalar a de Casagrande (1990, p. 122)
“Potencialmente capaz de se autocustodiar, a mulher não
consegue, porém, realizar plenamente essa custódia. A
dignidade espiritual da sua alma, criada por Deus e salva por
Cristo, que torna capaz de virtudes, traz de facto os sinais do
pecado para o qual tantas mulheres, a começar por Eva,
contribuíram de modo decisivo; a possibilidade que lhe é
concedida de receber a Palavra de deus e facto apenas
realizável através da mediação daquela instituição masculina, a
Igreja, que da Palavra de Deus é depositária”.
Reafirmamos que a propagação da fé, na intercessão de Maria, tem sido,
nesses dois mil anos, uma forma de dominação que vem incorporando-se ao
imaginário dos fiéis como uma maneira exemplar a ser seguida pelas mulheres.
Assim, podemos afirmar que a Igreja católica e sua teologia tradicional, abarrotada
da devoção de concepção patriarcalista, lança uma herança da cultura
androcêntrica, que tem conseguido impor às mulheres o perfil da idealidade da
maternidade como forma de superação do pecado. Contudo, vemos que a mulher
precisa reagir a esse legado e reconhecer-se gerenciadora de sua ação integral e
não de particularidades fisiológicas maternais.
Sobre esse encargo maternal, vemos a alusão de Vecchio (1990, p. 166)
“Numa visão exclusivamente fisiológica da maternidade, não se
espanta que seja bastante escasso o papel pedagógico atribuído
à mãe. [...] o dever da instrução moral e religiosa dos filhos pode
ser assumido pela mãe com a condição de que esta consiga
controlar e temperar o amor carnal que por eles sente,
acompanhando-o com uma atitude de temor espiritual.
Constantemente preocupada com a salvação dos filhos, a mãe
69
exerce uma função que é mais de controle dos comportamentos
morais e das práticas religiosas que a verdadeira instrução”.
Nesse ilusório papel materno, aparece a figura mais proeminente que é
Maria. No imaginário popular, a adesão e a confiança que os fiéis demonstram ter
nela é a prova de que a carência filial é aguçada por esse sistema de idéias, visando
a supremacia masculina. Como dissemos, anteriormente, durante toda a história
da teologia patriarcal, em momento algum Maria aparece no Panteão, figurando
algum tipo de poder. Ela parece ser originária, no mundo, apenas para o serviço e
submissão ao patriarcado, evidenciando-se o reducionismo de sua feminilidade.
Vemos, em toda a América Latina, o olhar da proeminência ao culto mariano,
com intuito de evidenciá-la como intercessora, serviçal. Não se a valorização da
mulher, apenas da mãe mediadora, o que é evidenciado, na propagação dessa fé,
na eleição da padroeira da América Latina, Nossa Senhora de Guadalupe. Uma
mestiça de índia e negra, invocada pelos crentes, como a Virgem de Guadalupe,
numa clara acepção ideológica capaz de convencer as mulheres empobrecidas do
continente, acerca da função maternal.
As idéias, relativas a esse construto sócio/religioso, são vistas de modo
proveitoso em Daluran (1990, p. 53), “A Virgem-Mãe, em época de contractação das
linhagens, é projectada pelos homens para fora do alcance das mulheres terrestres”.
O autor identifica que a ação ideológica imaculada de Maria é utilizada como modelo
utópico a ser copiado. À lucidez dessa interpretação, podemos dizer que, no
Continente Latino-Americano espoliado, a Igreja recorre à benevolência do protótipo
de mãe virginal desdobrando-a as mulheres latinas, como forma exemplar a ser
imitada.
70
Nesse contexto, no Brasil, vemos por todas as regiões os santuários marianos
abarrotados de fiéis, que asseguram sua nessa mesma expectativa. Afirma
Daluran (1990, p. 55), ”é virada para a Virgem que a mística medieval levanta vôo:
piedade filial, piedade de filhos mais do que nunca. Menos crispação sobre a
virgindade, talvez: a mulher triunfa como mãe”. A mística presente na devoção
Mariana tem assegurado o conformismo, nas mulheres de devoção popular.
Podemos atestar que, na novena, homens, mulheres, jovens e idosos estão
carentes, desejosos e até aflitos, por consolo em suas aflições. Eles buscam refúgio
no culto, no colo da “mãe protetora”.
É muito forte essa ideologia e, também, ela é muito difícil de ser
desconstruída. Vemos como real a possibilidade de diálogo, a novena nesse lugar
fronteiriço permite a discussão sobre as reais potencialidades das mulheres, na
devoção mariana. Pensamos que a desconstrução da maternidade como fonte de
benevolência poderá ser o início dessa nova construção de gênero.
1.3.1- Privação: componente da realidade humana
A devoção à novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro configura-se,
fortemente, devido às privações existentes, na vida dos indivíduos, de ordem:
material, afetiva, espiritual ou de qualquer outra natureza humana. Sabemos que a
religião fomenta um estado de esperança, na realização das necessidades dos fiéis,
que a ela aderem. Por isso, todas elas funcionam como um mercado de bens de
salvação.
dissemos, anteriormente, que Durkheim em sua obra, As Formas
Elementares da Vida Religiosa, afirma em tese: “Não há religiões falsas, todas
71
correspondem a condições dadas da existência humana”. O autor assegura que
religião tem função estruturante e, conseqüentemente, faz parte do alicerce social. Ela
legitima a condição do indivíduo na sociedade. Nesse sentido, conhecer o real sentido
da privação pode esclarecer o modo de vida de milhares de pessoas que recorrem ao
rito Mariano em busca de socorro à sua existência fragilizada pela condição de vida
atual.
A categoria social da privação é descrita por Johnson como (1997, p. 182)
“Uma condição na qual pessoas carecem daquilo de que
necessitam. O conceito é sociologicamente importante devido à
relevância social do que as pessoas estão dispostas a suportar
para melhorar sua qualidade de vida, do crime à participação em
movimentos sociais”.
A análise da privação, no fenômeno religioso da devoção mariana, dá-se pelo
fato de que as pessoas, ao serem interrogadas sobre sua religiosidade, manifestam
sempre gratidão à mãe, pois se sentem amparadas por ela, frente às suas privações
físicas ou espirituais.
Para melhor esclarecer essa necessidade humana de amparo, pode-se recorrer
ao pensamento de Weber (1991, p. 179) que diz, “a ação ou o pensamento religioso
ou ‘mágico’ não pode ser apartado, portanto, do círculo das ações cotidianas ligadas a
um fim, uma vez que também seus próprios fins são, em sua grande maioria, de
natureza econômica”. Entende-se que a ação religiosa é um meio eficaz de controle
da indigência. Nessa perspectiva, entende-se que, na prática, a novena apresenta-se
como um rito eficiente, mágico, pois se acredita que o milagre desejado é sempre
alcançado pelo fiel. Nela, cria-se uma relação de troca de interesses, de barganha.
Essa característica weberiana vem de encontro à idéia de Bourdieu, sobre as
sistematizações das práticas religiosas. Afirma Bourdieu (2003 p.45)
72
“[...] encontram-se fechadas no formalismo e no ritualismo de
toma lá da . Todos estes traços estão fundados em condições
de existência dominada por uma urgência econômica que impede
qualquer distanciamento em face do presente e das
necessidades imediatas sendo ademais pouco favoráveis ao
desenvolvimento de competências eruditas em matéria de
religião”.
A relação do tipo toma da cá, teorizada por Bourdieu, torna-se notória, na
prática de religiosidade popular. De modo geral, tanto na devoção à Maria ou aos
santos do catolicismo popular, uma permuta de favores entre o devoto e seu santo
protetor. O (a) devoto (a) faz a promessa e cumpre. O (a) santo (a) confere a graça e,
devotadamente, recebe uma ação de graças.
O rito Mariano pode ser compreendido à luz da teoria Weberiana, (1991, p.
279)
“A ação religiosa ou magicamente motivada, em sua existência
primordial, está orientada para este mundo. As ações religiosas
ou magicamente exigidas devem ser realizadas ‘para que vás
muito bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da Terra”.
Assim, as experiências religiosas são animadas para a satisfação das
necessidades e interesses pessoais. A verdade sobre Deus ou sobre o funcionamento
da sociedade não é fator decisivo na escolha da prática mística religiosa.
Concretamente, o que importa é viver bem, no singular.
A religião concretizada, na novena perpétua, assume uma extraordinária função
de satisfação das privações sociais e individuais dos fiéis; Esse contentamento pode
ser compreendido à luz teórica de Bourdieu (2003, p. 86).
“Se funções sociais da religião e, em conseqüência, a religião
é passível de análise sociológica, é porque os leigos não esperam
73
dela (ou somente dela) justificativas capazes de livrá-los da
angústia existencial da contingência e do sentimento de
abandono, ou mesmo da miséria biológica, da doença, do
sofrimento ou da morte, mas também, e, sobretudo, justificativas
sociais de existir enquanto ocupantes de uma determinada
posição na estrutura social”.
Bourdieu teorizou de modo abrangente a função social da religião, possibilitou-
nos, hoje, a compreensão do fenômeno religioso como resposta eficaz às privações
humanas, haja vista que o grande desafio da existência humana é a sobrevivência: ter
trabalho digno, condições de saúde, moradia, lazer, educação. Infelizmente, isso
retrata a realidade em que o país vive, assolado pelas enormes desigualdades sociais.
O rito mariano pode ser visto, como em todas as festas de devoção popular,
como uma atitude de enfrentamento às disparidades sociais. O ritual torna-se o
elemento de racionalização da fé, pois desloca a perda de sentido existencial, para a
busca de postulados éticos religiosos de salvação e alívio às suas necessidades
imediatas.
A compreensão dessa recorrência pode ser vista em Guareschi, (1998, p. 211-
2) quando diz:
“A grande angústia da população que freqüenta essas igrejas não
é tanto se eles vão se salvar ou não, mas é ter comida, encontrar
um emprego, poder pagar o aluguel, sarar as doenças, poder
educar os filhos. [...] Eles precisam de uma solução para os
problemas prementes e imediatos, do aqui e agora”.
O autor assinala que resposta imediata para as necessidades humanas é a
causa de maior recorrência aos ritos populares.
74
As carências às quais todos os indivíduos são submetidos, na sociedade,
fazem com que apelem para solucionar sua dificuldade próxima. Recorremos a Eliade,
(1972, p.60) e vemos como: “Essa necessidade religiosa exprime uma inextinguível
sede ontológica. O homem religioso é sedento do ser. O terror diante do ‘caos’ que
envolve o seu mundo habitado corresponde ao seu terror diante do nada”. A lucidez
do autor sobre a religião comprova que a incessante busca por esse rito religioso
responde, satisfatoriamente, ao desejo de proteção das privações sociais e à luta pela
própria subsistência, aos quais os seres humanos são submetidos no dia-a-dia.
A vida é um constante desafio humano. Viver em qualquer espaço geográfico
ou temporal remete o indivíduo a algum tipo de privação, seja ela de ordem material
ou imaterial. No “Dossel Sagrado”, Berger, (1985, p. 7) afirma, “viver no mundo e na
sociedade é viver sob a ameaça de caos e da desagregação. Por isso mesmo viver
nele é esforçar-se de forma contínua e persistente para integrar -se na ordem”. Para
o referido autor, é necessário aos indivíduos um alvará que agregue valoração ao seu
modo de existir. Nessa devoção popular, as ameaças constantes levam os indivíduos
a uma permanente conexão com o sagrado, visando o estabelecimento da ordem
necessária à sua segurança.
Ainda de acordo com Berger (1985, p. 36): “As situações marginais da
existência humana revelam a inata precariedade de todos os mundos sociais. Toda
realidade socialmente definida permanece ameaçada por ‘irrealidades’ à espreita”.
Baseado nessa teoria pode-se dizer que esse amedrontamento vivido pelos fieis tem
causado inúmeras conseqüências de ordem social e, obviamente, religiosa.
75
Em pesquisa
15
realizada sobre os principais pedidos feitos pelos devotos,
aparece um número substancial de carências, súplicas por emprego, saúde, proteção
para filhos, namoro, manutenção de casamento, bênção para familiares e pelas almas
de falecidos. A procura à proteção de Maria, nas intenções, transparece um modo de
satisfação das necessidades, de oficializar, junto ao mundo sagrado, seus medos
reais e imaginários.
A evocação da fé, criada no imaginário popular, pode ser compreendida sob
óptica da antropologia, pois descreve como, a esse manifesto imaginário, o
incorporadas às carências do grupo que pratica o rito, para satisfazer essas
necessidades. Nesse sentido escreve Swain (1993, p. 48)
“O imaginário trabalha com um horizonte psíquico habitado por
representações e imagens canalizadoras de afeto, desejos,
emoções e esperanças, emulações; o próprio tecido social é
urdido pelo imaginário[...]. O imaginário seria condição de
possibilidade da realidade instituída, solo sobre o qual se instaura
e instrumento de sua transformação”.
No espaço da novena, uma reinvenção e incorporação constante do
imaginário e do aspecto religioso tradicional. O devoto cumpre, com fidelidade, o rito
e, após nove semanas, recomeçam novas construções simbólicas religiosas. Essa
construção simbólica imaginária pode ser entendida sob a afirmação de Sousa Filho
(2001, p. 24), [...] “pelo simbólico a sociedade consegue sancionar sua ordem e, por
isso mesmo, obtém a legitimação das suas estruturas, papéis sociais, normas e
crenças como dotadas de sentido, com razões para existir”. No imaginário, está
presente uma relação de confiança plena, racionalizada frente às privações
particulares de cada praticante da novena.
15
A tabela dos pedidos catalogados está em anexo III.
76
Em entrevista com alguns fiéis, para a elaboração de um vídeo documentário
16
,
pudemos registrar que existem relatos de pessoas que afirmaram serem fiéis a essa
novena há mais de dez, quinze, vinte, trinta anos, e que jamais deixarão de freqüentá-
la. Esse comportamento religioso indica a necessidade de legitimação da ordem para
o aniquilamento do medo temporal, como afirma Delumeau (1989, p. 18), “que haja ou
não medo em nosso tempo mais sensibilidade ao medo, este é um componente maior
da experiência humana, a despeito dos esforços para superá-lo”. Homens e mulheres
esforçam-se para livrar-se do medo. Desejam a sua superação para viverem de modo
pacífico consigo mesmo e com os demais.
Outra idéia bastante presente, no imaginário dos fiéis, é a de que o
afastamento da mãe, ou a de deixarem de fazer a novena, pode significar um ato de
ingratidão a ela. A correlação de Maria com a mãe humana leva-os a estabelecer o
vínculo de gratidão. Eles (elas) sentem-se obrigados (as) a reconhecerem-se como
filhos (as) gratificados (as) que honram a mãe no cumprimento fiel de suas novenas.
Mesmo após terem conseguido suas intenções, permanecem féis ao rito como forma
de agradecimento e novos pedidos são acrescidos, a cada ano.
Para abrangência desse medo, continuamos à luz de Delumeau (1989, p. 19)
quando diz, “a necessidade de segurança é, portanto fundamental, está na base da
afetividade e da moral humanas. A insegurança é símbolo da morte e a segurança
símbolo da vida”. Podemos inferir que a novena representa, na vida dos fiéis, um
modo de resgate de seus medos. A ligação à figura materna de Maria é fortalecida
pelo vínculo serviçal da maternidade, o que leva milhares de fiéis a curvarem-se
16
O referido vídeo documentário foi produzido e apresentado pelos alunos: Célia Vieira de Souza Rocha e Paulo
César Nunes de Oliveira, como parte integrante da avaliação final da disciplina: Cultura e Sistemas Simbólicos,
ministrada pelo profº Dr. José Carlos Avelino, do curso do Mestrado em 2004/1.
77
diante dessa devoção por viverem convictos em sua fé, de que Maria socorre suas
angústias, por ser ela a mãe exemplar que serviu seu Filho.
Reafirmamos que essa devoção focada como um lugar de fronteira, possibilita
a rica discussão na perspectiva da categoria de gênero. À luz dessa categoria,
mulheres e homens poderão fazer a retomada de conceitos de juízo e de valores
acerca das questões de suas identidades, por meio da análise da devoção Mariana.
Veremos, no segundo capítulo, como esse diálogo é possível, tendo em vista
que faremos uma referência à construção de gênero, dessa ideologia de dominação
erigida no decorrer da história da civilização humana.
78
Fotos do rito realizado no dia 18/10/05 às 15 horas
79
CAPÍTULO 2- MATERNIDADE: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL
Utilizaremos o conceito da compreensão da maternidade com um sentido de
pertença ao ideal construído de mulher-mãe humana. Como uma fonte inesgotável
de serviço, tem sido, durante milênios da supremacia patriarcal, um modo ideológico
de constituição de diferenças sociais, na cultura ocidental cristã.
2.1- A história da construção de gênero
Acerca desse construto, como forma de abrir possibilidade de desconstrução
do desempenho social, fortemente sedimentado milhares de anos, recorremos a
Schott (1996, p. 9)
“Precisamos rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição
binária, precisamos de uma historicização e de uma
desconstrução autênticas dos termos da diferença sexual.
Temos que ficar mais atentas às distinções entre nosso
80
vocabulário de análise e o material que queremos analisar.
Temos que encontrar meios (mesmo que imperfeitos) de
submeter, sem parar, as nossas categorias à crítica, nossas
análises à auto-crítica. [...] A história do pensamento feminista é
uma história da recusa da construção hierárquica da relação
entre homem e mulher nos seus contextos específicos e uma
tentativa de reverter ou deslocar seus funcionamentos”.
Na atualidade, uma série de mudanças cio-culturais e econômicas tem
levado a mulher a ocupar um lugar diferenciado no mercado de trabalho. A mulher
tem assumido, ao longo dos anos, uma sobrecarga muita além da necessária.
Renova-se a cada dia a sua condição de explorada.
Vejamos o depoimento do casal, (J.M.G., empresário gráfico, 58 anos &
Mª.Iraci, dona de casa, 53 anos)
“Uma vez uma pessoa perguntou para uma senhora palestrante
do encontro de casais, qual era a sua profissão. Então ela falou:
‘Olha gente, eu sou motorista, enfermeira, advogada,
economista, médica e foi dizendo...’. ‘Mas, como pode ser isso
tudo?’, interrogaram-na. Ela então respondeu: ‘Como sou tudo
isso?! Bom, sou motorista porque levo meus filhos para a escola;
sou enfermeira, porque sou eu quem faço os curativos iniciais
em meus filhos; sou médica, porque eu procuro descobrir
primeiro o que meu filho ‘tá’ sentindo; sou professora, porque
ensino as primeiras lições; sou catequista, porque ensino as
primeiras orações. Sou isso, sou aquilo. Gente! Gente! Eu sou
mãe de família. Então, mãe é tudo! É tudo!”.
Ao longo dos séculos, a mulher assumiu a sobrecarga de inúmeras funções.
E, o fato disso ser proclamado como predicado pelo depoente, não significa que as
mulheres tenham ganhado alguma importância social. Ao contrário, cuidar da casa,
81
da prole, do bem estar familiar é um legado de homens e mulheres. Em nada o
“elogio de servidão” eleva a condição da mulher. Essa constatação pode ser
entendida à luz do pensamento de Schott (1996, p. 3) quando afirma:
“O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as
‘construções sociais’: a criação inteiramente social das idéias
sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma
maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das
identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é,
segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um
corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos do sexo e da
sexualidade, o gênero se tornou uma palavra particularmente
útil, porque oferece um meio de distinguir a prática sexual dos
papéis atribuídos às mulheres e aos homens”.
De acordo com a autora, o gênero humano vem sendo pensado como um
modo privilegiado da prepotência masculina oprimindo o feminino. Impõe-se uma
série de obrigações às mulheres, por meio de uma visão estreita da atribuição de
papéis. Deve-se reconhecer que a acepção conceitual de ser homem e ser mulher é
parte de um construto social, e esse, tem sido benévolo, em favor dos homens.
2.1.1- A história da construção da maternidade na filosofia grega
À luz da categoria gênero veremos como foi construído o conceito acerca da
história da maternidade ao longo dos milênios. As idéias presentes, na filosofia de
Platão, Aristóteles e na teologia de Agostinho, Tomás de Aquino e Lutero,
certamente deram origem ao modelo sobrepujante de mulher, dócil e maternal, que
ainda é decretado, na sociedade atual. Sob a Inspiração feminista buscar-se-á erigir
um diálogo sobre abrangência do conceito feminino, porque segundo King (1997,
p.145) é necessário que, compreendam a mulher como agente histórico-social e
82
não como produto da lei natural”. A aspiração de desconstrução desse modelo
mítico visa ascender novas possibilidades de gênero.
Vemos, nesse sentido, a necessidade de fazer uma pequena revisão da
construção histórica desse processo, do predomínio masculino, passando pela
filosofia, na idade antiga e pela teologia, na Baixa e Alta Idade Média.
A origem filosófica ascética da discriminação contra mulheres tem seus
pressupostos teóricos fixados nas idéias de Platão e Aristóteles. Schott (1996, p. 19)
afirma que para esses filósofos, “a oposição entre pureza da verdade e a poluição
do corpo acha-se ligada no pensamento de Platão a uma interpretação das
mulheres como exemplificando os atributos nocivos da existência física, que
interferem no controle racional”. A filosofia grega através de Platão apregoou que as
mulheres teriam menor capacidade de racionalizar que os homens, introjetando, no
pensamento filosófico antigo, o preconceito a despeito das mulheres.
Vejamos como isso foi sendo fortemente sedimentado. Nos estudos
realizados sobre a posição social da mulher, na filosofia grega, Schott (1996, p. 20)
diz que na referida filosofia, “[...] as mulheres em geral exibem um desvalimento
emocional que os homens devem evitar se quiserem tornar-se apropriados para a
liberdade cívica”. Platão consegue erigir a discriminação ideológica a respeito da
mulher, quando afirma que elas são meramente emoção, desqualificando-as do
processo de racionalização. Essa construção foi determinante para a exclusão das
mulheres das decisões políticas e intelectuais da polis grega.
Platão reforça essa inferioridade. Afirma Schott (1996, p. 20/21) que para o
referido autor:
“A natureza inferior da mulher, evidente na sua
incapacidade de moderar os desejos, exige uma ordem política
na qual homens e mulheres tenham direitos políticos desiguais.
83
Ao identificar as mulheres, sobretudo com sensações e paixões
corporais que devem ser submetidas a controle racional, o ideal
platônico de conhecimento tem a conseqüência de justificar
filosoficamente as práticas da sociedade grega nas quais as
mulheres estavam subordinadas ao mando masculino”.
Platão, ao construir esses conceitos de inferioridade, incapacidade,
intemperança e apolítica, acerca das mulheres, fez, categoricamente, uma grande
exclusão de gênero. Continuando com essa discussão Schott (1996, p. 33) diz:
“Apesar das diferenças, Platão e Aristóteles partilham de certos
compromissos filosóficos. [...] Na qualidade de filósofo, o
pensador é um ser racional, e não sexual. Apesar disso, embora
esses filósofos tenham afirmado o caráter universal e, pois,
assexual de seu pensamento, ao mesmo tempo esse modo
‘assexual’ tem sido um privilégio limitado exclusivamente aos
homens. Tanto Platão quanto Aristóteles afirmaram, de fato que
os homens podem transcender a existência sexual de um modo
que é impedido às mulheres”.
Esses dois filósofos realizaram a divisão dos papéis sociais, determinando o
sexo masculino como o sagrado. Na incumbência do cuidado da Polis e da política
grega, como seus pensamentos são clássicos da filosofia antiga, conseguiram erigir
grandes disparidades na relação de gênero, a visão androcêntrica.
Prossegue Schott (1996, p. 39), “para os gregos, em última análise, não é a
sexualidade em geral, mas a sexualidade das mulheres em particular que é temida e
deve ser controlada”. A sexualidade da mulher é reprimida por causar temor, e
dessa forma aniquila a liberdade de expressão sexual, política e moral da mulher.
84
A respeito da interpretação mítica grega de que as mulheres oferecem perigo,
ao mundo social, avança Schott (1996, p. 40): “Essa interpretação que as
mulheres como criaturas perigosas sexualmente, responsáveis pela desgraça do
mundo, insinua certo ódio e medo das mulheres na sociedade grega, [...]”. Sem
dúvida, os gregos conseguiram, por meio da autoridade intelectual da época, a
constituição de uma desigualdade social entre homens e mulheres, por animosidade
e receio de suas reais possibilidades de existir.
Schott (1996, p. 40) afiança que, “[...] as práticas e crenças populares
referentes à sexualidade exprimiam um androcentrismo, uma tendência que
freqüentemente ocorre nas discussões modernas da vida grega”. Os escritos gregos,
com toda a certeza, serviriam mais tarde como base para que a Igreja articulasse
seus dogmas e patriarcalismo judaico cristão. Essa acepção pode ser verificada em
Schott (1996, p. 63)
“Na religião e filosofia gregas, as mulheres representavam a
poluição associada com o corpo e a sexualidade devido a seu
papel de gerar a vida, que traz consigo a ameaça da morte.
Platão e Aristóteles menosprezam as mulheres como a
encarnação dos perigos suscitados à razão pela sexualidade.
Visto acharem as mulheres dominadas principalmente pelas
paixões, são consideradas inadequadas para os efeitos
racionais. Idéias semelhantes surgiram nas opiniões cristãs
sobre as mulheres e a sexualidade, provenientes das religiões
grega e hebraica”.
Tais pressupostos teóricos evidenciam um grande preconceito contra
mulheres, ao renegar sua capacidade de cognição. Referenda-lhes apenas as
possibilidades sensitivas, condena-as, ao reles papel da procriação. Desse modo,
85
não probabilidade, no mundo grego, de uma relação igualitária de gênero. Com
esse panorama drástico e visionário acerca da mulher, vemos como a filosofia grega
influenciou o pensamento de filósofos e teólogos da Idade Média.
2.1.2- A história da construção teológica da maternidade na Idade Média
As conjecturas gregas foram sendo consolidadas, no decorrer da história
humana, por meio da dominação romana. O arcabouço androcêntrico de idéias veio
sendo aproveitado durante milhares de anos. Podemos ver esse sistema de idéias, à
luz de Optiz (1990, p. 353)
“Que a sociedade da Idade Média era uma sociedade
masculina, ou melhor, uma sociedade fortemente marcada pelo
homem, é inegável; as suas manifestações culturais têm o selo
do domínio, das lutas pelo poder e dos preconceitos masculinos.
As mulheres surgem nesta sociedade, a acreditar nas fontes
escritas, apenas como idéias, ídolos ou adversários, como
fantasmas masculinos”.
Assim como na mentalidade grega, houve, na Baixa Idade Média, a aplicação
das idéias preconceituosas e aniquiladoras das capacidades femininas, o que levou
as mulheres ao descrédito de suas próprias habilidades. Desse modo, continuou a
persistir a conceito de que são seres de segunda importância. Ou seja, sem real
valor na sociedade.
As idéias de superioridade masculina foram sendo cada vez mais
aperfeiçoadas com barbaridade. De acordo com Optiz (1990, p. 377)
“Na concepção medieval do mundo, a maternidade era tão
importante como o casamento ou a situação familiar para o dia-
a-dia da mulher e para a sua posição na sociedade. Dar a luz e
86
criar os filhos eram as tarefas principais, a ‘profissão’ das
mulheres casadas [...]”.
O ofício doméstico é destinado à mulher como forma de aceitação social. É
compreensível, a partir dessa imposição, compreender o porquê de tanta submissão,
pois era a única maneira possível de conviver, socialmente, naquela época. Daí, a
aceitação desse papel de esposa e mãe como única possibilidade de existência.
A história da construção da maternidade pode ser referendada também com
os escritos de Santo Agostinho, pois este ajudou a solidificar a idéia de que a mulher
representava um perigo para a vida ascética. O que antes os gregos consideraram
perigoso para a vida política, passa a existir, intelectualmente, na obra de Agostinho,
pois o asceticismo era algo necessário para os padrões monásticos da Idade Média.
De acordo com Schott (1996, p. 74), “[...] apesar de admitir a racionalidade
das mulheres, elas se tornaram ao ver de Agostinho, simbolicamente identificadas
com os usos instrumentais inferiores da razão”. A leitura dos escritos platônicos
influenciou Agostinho e fez com que arquitetasse, criteriosamente, restrições cio-
religiosas às mulheres que, conseqüentemente, foram assumidas pela Igreja de
Roma.
É preciso perceber como essa construção ideológica ascética contribuiu mais
uma vez para a maledicência da mulher, sob a luz de Schott (1996, p. 72/3)
“A opinião de Agostinho de que as mulheres se acham mais
proximamente ligadas ao corpo corrompido do que os homens
tornam a subordinação delas aos homens ao mesmo tempo
natural e louvável. Em seu elogio da ordem atual, Agostinho
trata as mulheres como existentes exclusivamente para os
homens”.
87
A concepção da subserviência feminina, iniciada com os gregos, alguns
séculos posteriores, ganha forte adesão erudita. Agostinho diz que as mulheres
devem existir em função dos homens. Esse preconceito é uma característica
marcante de sua obra que sobressai em produção intelectual, e, conseqüentemente,
como influente pensador da época, sobre a cultura daquela época.
O ponto de vista Agostiniano foi favoravelmente aceito e incorporado aos
padrões medievais, para o infortúnio das mulheres. Podemos ver como essa adesão
na Idade Média foi sendo reforçada. De acordo com Schott (1996, p. 78) vemos,
“como nos escritos de Agostinho, a razão na filosofia moderna está vinculada não
apenas ao controle racional, no seio da alma, mas também ao controle dos homens
sobre as mulheres, no mundo social”. Agostinho, ao elaborar suas obras, conseguiu
erigir minuciosamente argumentos que pudessem distanciar a mulher das
capacidades intelectuais, portanto passíveis de serem controladas pelos homens, os
detentores legais do poder sócio-político. De acordo com Schott (1996, p. 80)
“A oposição entre pureza e desejo sensual expressa por
Agostinho é reiterada nas concepções filosóficas de
racionalidade vigentes, que diminuíram o papel do sentimento e
do desejo. Esse afastamento em relação ao corpo é
historicamente baseado, como o pensamento de Agostinho
demonstra, numa perspectiva claramente androcêntrica”.
A inferioridade cognitiva feminina fica estabelecida, efetivando-se na filosofia
e teologia altamente androcêntricas. É possível compreender, a partir dessa óptica,
como os documentos da Igreja foram sedimentados em desfavor das mulheres,
privilegiando-as apenas em sua capacidade de reprodução e mantenedoras da
quietude doméstica. Essa estreiteza funcional agostiniana pode ser vista, na crítica
feita por Daluran (1990, p. 52): “A mulher é pecadora e, por essência, da carne. A
88
salvação para ela não vem senão pelo arrependimento e pela penitencia, no castigo
desta carne culpada”. Os medievais exaltaram que a única maneira possível da
mulher sobressair de sua natureza pecadora, seria a de contraposição ao
comportamento pecaminoso atribuído a Eva. O sexo, o prazer, o corpo, na visão de
Agostinho, são ações impuras, próprias das mulheres, que precisam ser reprimidas
para uma vida ascética, um ideal medieval. A doutrina do pecado original e da graça
foi elaborada por ele nas primeiras décadas do século V. De acordo com Schott
(1996, p. 76/7)
“Embora Eva não seja responsável pela Queda, continua sendo
a tentação ou veículo para o pecado, na explicação de
Agostinho. A conduta dela mostra que, se a mulher tivesse
devidamente permanecido subordinada ao homem, os seres
humanos não teriam sido excluídos do paraíso. Mas, desde
que a mulher é criada para o homem, segundo Agostinho, a
conduta de Eva parece satisfazer certa função para ele. Assim
como a subordinação das mulheres contribuiu para os homens
conseguirem autocontrole, a insubordinação das mulheres
exprime o desejo dos homens de transgredir e
conseqüentemente necessidade de castigo”.
O pecado, sendo atribuído somente à mulher, foi sendo sedimentado pelos
argumentos teológicos agostinianos. Ele atribui que a falta de domínio da emoção,
levaram as mulheres à insurreição aos homens. Desse modo, para o referido autor,
é imprescindível para a vivência ascética o afastamento das mulheres, pois, em sua
mentalidade, elas são a real fonte de devassidão.
Sob o ponto de vista do catolicismo da época, a mulher deveria arcar sozinha
com as conseqüências do pecado original. Essa pertinência tem sido ainda uma
construção literária androcêntrica bastante eficaz.
89
Recorremos à fala de Frugoni (1990, p. 461) que diz, “no Gênesis, a maldição
do acto de procriar atinge Eva e apenas Eva, que se torna à protagonista culpada da
união carnal, marcando, desse modo, pesadamente o destino o seu e o das suas
descendentes de esposas e de mãe”. Podemos aferir que esse ponto de vista
prevaleceu com êxito, pois veio de encontro com a cobiça da Igreja em dominação
sócio-religiosa, em nome de Deus. Um autor de erudição como Agostinho, que
detinha amplo poder de argumentação retórica, conseguiu facilmente redigir
literaturas importantes para a oficialização da autoridade da Igreja, em livros como
As Confissões, e os dois volumes da Cidade de Deus. Essas produções literárias
vieram de encontro com as ideologias indispensáveis para os anseios da Igreja de
sua época.
Ao analisar a história das mulheres, na Idade Média, nota-se como a
visualização da sexualidade feminina, apresentada como pecaminosa, foi um
importante passo rumo à construção das desigualdades de gêneros na cultura
ocidental.
Se Agostinho inspirou-se em Platão, na Baixa Idade Média, as concepções
teológico-filosóficas, elaboradas no século XIII, por Tomás de Aquino, foram
fundamentadas na cosmovisão grega, aristotélica. Entretanto, o açoite contra as
mulheres vai se refinando. Na Alta Idade Média, a concepção tomística da mulher
continuou na mesma perspectiva de Agostinho, aprimorando, com requinte, os
preconceitos com a caracterização de subserviência feminina. De modo específico,
sobre a devoção ao culto Mariano, podemos observar que Tomás de Aquino
idealizou o ascetismo, sobre a virgindade feminina, como um modo de superação de
sua natureza pecaminosa. A esse respeito afirma Schott (1996, p. 84)
90
“O crescimento do culto a Maria, com sua glorificação da
virgindade, atesta a vigência da opinião de que as mulheres
devem ser purificadas de uma sexualidade corruptora. [...] As
mulheres comuns que se tornavam mães, e com isso perdiam
sua virgindade não podiam em suas mentes, ou nas mentes de
outros, ser identificadas com essa imagem idealizada da e.
Maria era sobrenatural; ela não teve que lutar contra a tentação
da carne. Dado que a santificação do nascimento virginal
contrastava com a experiência de mulheres reais, o culto de
Maria não elevou a posição das mulheres, mas deu mais bases
para a sua subordinação”.
O afastamento dos desejos carnais, atribuídos às mulheres, era uma forte
arma contra o pecado de Eva e a glorificação da maternidade de Maria. As
conseqüências dessa mentalidade levaram definitivamente a compreensão de que o
sexo era permitido pelos representantes da igreja, somente para a procriação =
maternidade. Essa idéia foi arquitetada, certamente, para convencionar a dominação
sobre as mulheres. A influência aristotélica, sobre Tomas de Aquino, amparou-o na
constituição da concepção da mulher com restringida inteligência. Segundo Schott
(1996, p. 85)
“Tomás sugere que a existência da mulher é problemática
porque, como diz Aristóteles, ela é um ‘macho bastardo’; porque
ela está naturalmente subjugada ao homem; porque ela é o
ensejo do pecado. Se a criação de Deus é em tudo boa, é um
enigma para Tomás como um ser tão imperfeito como a mulher
podia ter sido feito no ato original da criação. Deve haver um
valor positivo na existência da mulher que justifique seu lugar na
criação[...]. Apenas a função da mulher na geração biológica
justifica a sua criação”.
91
Outra vez a maternidade surge, no discurso teológico, como um processo
natural e essencial às mulheres, não biológico. Desse modo, a importância da
maternidade fica ratificada, uma vez que se apresenta como a única forma
admissível de aceitação da mulher na Alta Idade Média. Acerca da visão tomística a
respeito da mulher como um macho ilegítimo, vemos a citação de Schott (1996, p.
87)
“O papel indispensável da mulher na reprodução é também um
sinal de sua natureza deficiente. Ela é necessária para atender
ao fim da natureza em geral, mas bastarda como indivíduo.
Conquanto as contribuições de macho e fêmea sejam
necessárias para a perpetuação das espécies, as mulheres são
vistas como defeituosas quando comparadas pelo princípio da
atividade que caracteriza os homens”.
Assim sendo, a filosofia grega, aliada a teologia patrística, conseguiu
arquitetar uma funcionalidade para as mulheres, como se estas fossem apenas
objetos de uso e manipulação para a procriação. Não obstante, essa visão é muito
prejudicial às mulheres que tem seu estado biológico encarado como “dom natural”.
Essa foi uma configuração arbitrária de coexistência social. A esse respeito
assevera, Schott (1996, p. 88), “[...] a função da mulher no casamento serve não
apenas para reproduzir a espécie em geral, mas para reproduzir a prole para
determinado homem”. O velho ranço grego da onipotência masculina constrói uma
mentalidade desfavorável às mulheres, obrigando-as, por sua natureza biológica, a
carregar o fardo que não é delas; afinal a maternidade passa, necessariamente,
pelo crivo da cópula entre dois seres humanos, diferentes biologicamente, mas com
igual dignidade em sua condição sexual.
92
As idéias tomísticas foram restritivas, na relação de gênero, e ajudaram na
perpetuação da opressão ainda por muitos séculos.
A partir do século XIII, Tomás de Aquino procurou estabelecer uma ponte
entre o saber teológico e a filosofia aristotélica, afirmando que as verdades da
superam a racionalidade humana, mas não estão em contradição com ela.
Condiciona a filosofia a serviço da teologia cristã. Tomás de Aquino tornou-se o
mestre por excelência da doutrina católica, com a síntese por ele realizada na Suma
teológica.
Vemos como, na Alta Idade Média, essa concepção foi produtiva para o
estabelecimento do espírito ascético do clero.
Coube à mulher, nesse contexto ascético, toda a responsabilidade da
conservação e legitimação do casamento, da criação dos filhos, subjugando a
existência feminina a essa limitada ação; esse encargo feminino pode ser visto em
Schott (1996, p. 88), “ao associar o masculino com as qualidades intelectuais, ativas,
dominantes, e o feminino com as qualidades luxuriosas, passivas, subordinadas,
Tomás justifica sua opinião de que a mulher é naturalmente subordinada ao
homem”. Podemos de tal modo ver que a dependência e o rebaixamento por que
passaram as mulheres, na história da civilização, foi produto do construto efetivado
nas polis gregas, reforçado pelas idéias medievais de Agostinho, e sobreposto, sob
veredicto de Tomás de Aquino. Essas teses famosas e respeitadas foram
determinantes para assentar a mulher num arranjo humilhante de submissão.
A história desse servilismo pode ser vista em Piponnier (1990, p. 44)
“Os escritos medievais reflectem mais freqüentemente a
imagem da mulher elaborada pelo imaginário masculino do que
93
a realidade das actividades, das preocupações e das aspirações
femininas. As representações, pintadas ou esculpidas, carreiam
igualmente os estereótipos da mulher santa ou pecadora”.
Na Idade Média, quanto maior a propagação da necessária santidade da
mulher, maior as possibilidades de desmando masculino. Desse modo, a cultura
ocidental foi assimilando essa visão e não questionou o que estava sendo
formalizado pela filosofia, na teologia, nas artes e etc.
O obstáculo social construído para a mulher privou-a de ter acesso à
informação e a cultura. Esse investimento é visto à luz de Schott (1996, p. 96)
”[...] ao propor o domínio da razão sobre as paixões como
condição necessária para o conhecimento, e ao afirmar a
opinião ascética de que as mulheres são menos capazes de
racionalidade que os homens, Tomás de Aquino implicitamente
aprova as relações hierárquicas entre os sexos como requisito
para o florescimento da razão”.
As origens, dentro desse pensamento ascético da incapacidade feminina,
está enraizado em uma óptica eclesiástica. Naturalmente, essa influência foi
marcada pelo axioma: platônico, aristotélico, agostiniano e tomístico, o que
fortaleceu, posteriormente, o pensamento androcêntrico laico.
2.1.3- Preconceito de gênero: Constituição filosófica e teológica
O convencionalismo acerca da mulher em relação ao homem foi de
sobremaneira introjetado que se tornou uma “verdade inquestionável” na sociedade
medieval. Lançando um olhar sobre a história das mulheres, observa-se quão eficaz
foi a empreitada de submeter à mulher a obrigação da maternidade como única
94
possibilidade de existência. Essa compreensão pode ser confirmada na alocução de
Lemos (2001, p. 455) quando diz: “Foi na idade média, período em que os homens,
particularmente os clérigos detentores do saber e da escrita, sentiram-se na
obrigação de definir o lugar e o papel de cada sexo nos caminhos da salvação”. O
domínio e exclusão fizeram com que os direitos e os deveres entre homens e
mulheres fossem hierarquizados, priorizando, vantajosamente, a posição masculina.
O preconceito é continuado. De acordo com Schott (1996, p. 95)
“A dominação sexual masculina é considerada necessária por
causa do desejo incurável das mulheres. As idéias de Tomás de
Aquino sobre o desejo sexual ecoam o motivo de bode
expiatório do pensamento grego antigo, ao atribuir uma
corrupção indesejável do desejo sexual a um grupo que pode
ser marginalizado”.
A opressão androcêntrica foi uma sobrecarga de culpabilidade feminina,
que eram vistas como fonte de devassidão. A idéia de perpetuação da espécie
continua prevalecendo, mesmo fora dos conventos e seminários católicos. Mais uma
vez, o feminino é tratado como fonte de desqualificação. Optiz (190, p. 353)
assevera:
“Que a sociedade da Idade Média era uma sociedade masculina,
ou melhor, uma sociedade fortemente marcada pelo homem, é
inegável; as suas manifestações culturais têm o selo do domínio,
das lutas pelo poder e dos preconceitos masculinos. As
mulheres surgem nesta sociedade, a acreditar nas fontes
escritas, apenas como idéias, ídolos ou adversários, como
fantasmas masculinos”.
95
É difícil lidar com o poder centralizador, por tantos séculos seguidos.
Mudaram-se as formas de governos, de poder político, a religião dividiu-se, porém o
modelo patriarcal continua a prevalecer, impiedosamente, sobre as mulheres. O
afastamento das mulheres do conhecimento filosófico e teológico da época serviu
para oprimir-lhes por maior tempo.
O convencionalismo, o temor religioso e supressão das mulheres do mundo
social resultaram no atraso de sua autonomia humana. Tal preconceito pode ser
contemplado em Optiz (190, p. 353) quando afirma:
“[...] A documentação, androcêntrica, mostra-se desigualmente
informativa, conforme as épocas, posição social ou estilos de
vida, sobre a situação das mulheres. É no geral muito difícil
encontrar nas fontes escritas na Idade Média testemunhos
autênticos provenientes da mão ou da boca das mulheres[...]”.
As mulheres foram caladas durante milênios. Essa ação foi eficaz no
retardamento da emancipação feminina.
Percorrendo um pouco adentro da história, vemos como as idéias
protestantes confirmaram a concepção do asceticismo como condição necessária
para o cristianismo. Segundo Schott (1996, p. 105, Lutero afirmava que: “A vocação
religiosa da mulher é cuidar dos filhos e ser submissa ao marido”. Ele rompe com a
Igreja de Roma, mas não com o legado patriarcalista, que concebe a mulher como
ser dócil, maternal e servil ao esposo.
Ainda afirma Schott, (1996, p. 105): “As mulheres são vilipendiadas porque
são identificadas exclusivamente com a função de manter a existência da carne, que
é um aspecto inferior da vida humana. Os reformadores afirmavam o desprezo pela
existência carnal”. A mulher configura, na visão luterana, um perigo lascivo,
diabólico, sendo imprescindível a busca pela vida ascética. O protestantismo
96
procurou regimentar uma ética capaz de assegurar as virtudes necessárias à
piedade.
Podemos ver como essa pecaminosa acepção perdurou, na sociedade, por
meio de Muraro, (1983, p. 41)
[...] a mulher se dedicaria prioritariamente ao domínio do amor, e
o homem, ao domínio da construção do mundo. A mulher se
restringiria ao cuidado dos filhos e da família (domínio privado) e
o homem, o domínio público. O amor seria então a finalidade
máxima da vida da mulher, mas não da do homem! De fato,
vimos que até muito recentemente a mulher considerada
verdadeiramente feminina era a mulher silenciosa, passiva e
sexualmente frígida, embora terna e amorosa. Para ela, sexo
seria sujo, e o desejo, coisa de homem ou de prostituta.
.
A religião oficial sofre um cisma teológico, pelo desdobramento protestante,
mas o jugo opressor feminino continua subentendido na religião, na política e na
sociedade.
Essa força opressora foi, de modo seguro e eficiente, elaborada por homens,
para deterem em suas mãos o poder de massacrar a estima e vida de um seu
semelhante. Segundo Thomasset (1990, p. 96)
“A natureza da mulher, na sua diversidade e nos seus aspectos
contraditórios, tal como a Idade Média a tentou definir, é uma
representação destinada a perdurar. Instauram-se, por alguns
séculos, uma linguagem e sistemas explicativos que
impregnaram os espíritos e modelaram as imaginações”.
Tudo isso é produto de construção social, via filosofia e teologia. O
preconceito, o descaso, o autoritarismo, a exploração fizeram das mulheres
97
prisioneiras de uma condição biológica que em nada as diferencia, essencialmente,
dos homens, pois, em termos de procriação, um complementa o outro.
É extremamente difícil articular uma reação feminina diante desse construto
social. A servidão familiar e religiosa conseguiu, em nome de um ascetismo,
extrapolar os limites do bom senso. De acordo com Schott (1996, p. 118) “A
ideologia ascética, portanto, tem conseqüência não apenas para as mulheres que
são excluídas da prática do conhecimento, mas para pensadores masculinos que se
tornam identificados com essa tradição”. É séria e conflituosa essa postura
excludente de pensadores que influenciaram e ainda continuam influenciando o
pensamento hodierno, nos diversos meios de comunicação veiculada no mundo
ocidental.
Esse desafio está lançado, nas bases desse trabalho, que pretende
compreender o momento fronteiriço existente na Mariana, que tem suas bases na
Idade Média, em que tão fortemente foi sedimentado o patriarcalismo ocidental
vigente. Pensamos ser de suma importância a breve lembrança da história da
maternidade, para compreendermos a prematuridade da dos fiéis devotos, que
lançam sobre Maria todo seu desejo e esperança de dias melhores. Não se trata de
desmerecê-los, porém deve-se compreendê-los, a fim de ajudar na elucidação de
um novo conceito de mulher, de maternidade, de gênero, tão necessário na
sociedade atual. De acordo com Jurkewicz (1995, p. 22)
“Os estudos feministas vão evidenciar que não é a natureza que
explica as diferenças da condição das mulheres e homens na
sociedade, e sim a cultura. Quando se constata que as
diferenças sociais entre homens e mulheres, que ‘parecem’ tão
naturais quanto suas diferenças biológicas, são culturais, abre-
se uma possibilidade de mudança”.
98
Observa-se que as diferenças biológicas não podem ser consideradas como
pretexto de dominação, mas, devem ser encaradas como necessárias ao diálogo
que leve à igualdade da espécie humana. Para isso, é imperativa uma releitura dos
papéis de gênero, em que se reconheça essa convenção social, como uma
construção histórica/cultural. Jurkewicz (1995, p.22) afirma, “[...] também as
mulheres são merecedoras de direitos sociais de um lugar digno na organização
social, não porque são virtuosas, mas porque seus direitos lhes foram negados”. A
paridade de gênero visa estabelecer o equilíbrio social da existência humana.
Homens e mulheres precisam reconhecer que é pela solidariedade que se chega à
verdadeira humanidade existencial.
Os seres humanos relacionam-se com a ideologia como algo natural, Isso
deve ser contradito, pois a cultura é construída de acordo como as determinações
sociais, elas são convencionadas pelo grupo. Assim, podemos aferir em Jurkewicz
(1995, p. 22) que, “a partir desta premissa, abre-se à possibilidade de uma avaliação
crítica das diferenças sociais entre os sexos. Os movimentos feministas m
denunciar que desigualdades de poder que se estruturam ao redor das
diferenças sexuais”. É preciso que haja uma reação a essa injusta disparidade entre
os sexos, por meio de uma séria reflexão acerca dos juízos e/ou prejuízos
asseverados, causados às mulheres. Quer seja no ócio, na família, na Igreja, no
trabalho, na sociedade, enfim, em qualquer circunstância existencial, as mulheres
precisam redimensionar suas habilidades, para, assim, construir um novo paradigma
que valorize a essência de ser simplesmente mulher.
99
2.2- As concepções de maternidade sob a óptica dos fiéis
Nas entrevistas com os (as) devotos (as), pode-se confirmar que uma
concepção acirrada, acerca da maternidade, como principal característica existencial
projetada em Maria. Anteriormente, vimos como esse traço foi visivelmente
delineado pela ideologia filosófica grega e teológica cristã. Desse modo, vê-se que
esses traços permanecem imperiosos, no imaginário dos (das) devotos (as), que
prestam culto à nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Pode-se perceber que, em
virtude da imponência que o termo maternidade ostenta, na devoção dos fiéis, é
manifesto que eles não têm conhecimento da origem dessa construção ideológica.
Elas bebem desta fonte através da Igreja.
Ao apreciar Maria como a grande genitora, que sempre se alia às suas
carências, os fiéis evocam o papel maternal como fonte de contentamento e solução
as suas privações, sem questionar os outros traços de sua feminilidade. Essa
inobservância chama para discussão quanto às questões de gênero. O termo é
conceituado por Jonhson (1997, p. 205) como:
“O gênero é em geral definido em torno de idéias sobre traços de
personalidade, masculina e feminina, e por tendências de
comportamento que assumem formas opostas. Tomadas como
conjuntos de traços e tendências, elas constituem a feminilidade e
a masculinidade. A masculinidade costumeiramente inclui
agressividade, lógica, frieza emocional e dominação, ao passo
que a feminilidade é associada à paz, intuição, expressividade
emocional e submissão”.
Existe grande dificuldade de definição exclusiva para gênero, por se tratar de
relações de poder, assunto polêmico, no campo das ciências humanas. De fato,
existem muitas controversas a respeito dessa conceituação teórica, devido aos
100
milhares de anos do patriarcalismo, no mundo ocidental. Uma maior amplitude ao
conceito de gênero, sob a visão de Scott (1996, p. 11):
“Minha definição de gênero tem duas partes e várias subpartes.
Elas são ligadas entre si, mas deveriam ser analiticamente
distintas. O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão
integral entre duas proposições: O gênero é um elemento
constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de
significar as relações de poder”.
Indubitavelmente, nessa conceituação de Scott, gênero deve estender-se além
das caracterizações físicas sexuais. Essa mesma conceituação estende-se à
construção das relações de poder que esse termo veio adquirindo, na concepção
histórica de ser homem e ser mulher.
Outra conceituação de gênero que merece ser ponderada é De Barbieri (1990,
p. 114)
“Los sistemas de gênero son los conjuntos de prácticas, símblos,
representaciones, normas y valores sociales que las sociedades
elaboran a partir de la diferencia sexual anátomo-fisiológica y que
dan sentido, em general, a lãs relaciones entre personas
sexuadas”.
A autora atribui a constituição dos papéis sexuais como formação social
apreendida via signos sociais compondo, desta maneira, a semelhança ou diferença
entre os indivíduos sexuados.
A relação de poder é delineada, a partir do momento em que a sociedade
prioriza um em prejuízo do outro, como no caso específico da mulher. Essa divisão
social pode ser vista em King, (1997 p. 126) quando diz, a idéia de hierarquia dentro
101
da sociedade humana está materialmente alicerçada na dominação do ser humano
por outro ser humano, particularmente das mulheres pelos homens”. A autora
relaciona a incomensurável dominação da natureza humana da mulher, pelo homem.
Volta-se à relação de dominação patriarcal. Obviamente, a conceituação de gênero
como construção lingüística ficou por demais estreita. Por isso, é tão complexo
conceituar a terminologia de gênero, pois nela está intrínseca a relação de poder,
fortemente marcada pelas diferenças sociais.
Esboçaremos os conceitos que melhor atendem à nossa concepção de gênero,
para elaborar uma conjectura capaz de ilustrar à abrangência da apreciação,
pertinente à mulher Maria, que figura no imaginário dos fiéis da novena. Para isso, é
imperativo visualizar o contexto social atual, em que vive a mulher de devoção
popular. Nele, vemos o sinal palpável da política masculina neoliberal globalizada,
destruidora das espécies vivas, incluindo nelas a mulher.
Assim, podemos atestar que a categoria de gênero poderá ser, realmente,
compreendida em profundidade, à medida que houver um descortinamento do poder
que ela confere ao homem. Schott (1996, p. 15) adverte que:
“Só podemos escrever a história desse processo se
reconhecermos que ‘homem’ e ‘mulher’ são ao mesmo tempo
categorias vazias e transbordantes; vazias porque elas não têm
nenhum significado definitivo e transcendente; transbordantes
porque, ao mesmo quando aparecem fixadas, elas contêm ainda
dentro delas definições alternativas negadas ou reprimidas”.
Uma plausível visão de gênero precisa ser repensada, no contexto histórico da
civilização. Pode-se impetrar a idéia de que, na inter-relação humana, há grande
necessidade de extrapolar o conceito tendencioso do domínio social. É preciso
constituir uma nova ordem. De acordo com Corrêa (1996, p. 29), não se trata,
102
portanto de pensar as mulheres como ‘vítimas’, nem tampouco transforma-las em
‘salvadoras da pátria’, mas sim de alterar as condições que as localizam,
renitentemente, nestas duas posições extremas”. Esse é um desafio teórico para as
ciências humanas realizar: humanizar as relações entre homens e mulheres e
encontrar eqüidade de importância, na categoria de gênero. Esse é um grande
empreendimento da vida humana.
2.2.1- Mulher forte: “Maria mistura dor e alegria”
Como já foi visto anteriormente, a mulher carrega em si a categoria da
maternidade, construída socialmente, como sendo um dom natural. Essa carga
aparece sempre como graça divina e necessária à humanidade. Nunca é vista como
dado biológico entre homens e mulheres, para gerar filhos. A responsabilidade recai
toda sobre a mulher. Pensamos ser injusta essa imposição.
No rito, vemos como isso é insistentemente reforçado. Diz o canto: Vosso
olhar, a nós volvei/ Vossos filhos protegei!/ Ó Maria, ó Maria/ Vossos filhos socorrei!
O apelo é tão obstinado que cria uma necessidade psicológica aos filhos (as), da
proteção da mãe.
Essa relação de simbiose foi criada, propositalmente, e pode ser vista à luz de
Oliveira (1997, p. 21/2)
“A Igreja, por sua vez, através do discurso da ‘apropriação da
alma’, reforça até hoje essa concepção, por meios dispositivos
do pecado e da culpa que, baseados na interdição do prazer à
mulher, territorializa seu corpo no destino biológico da
reprodução”.
Percebe-se que, do ponto de vista clerical, a maternidade foi propositalmente
enaltecida como um dom natural, e isso ao longo dos anos, tornou-se um jeito de
103
sobrecarregar e oprimir a mulher. Outorgou-lhe, somente a ela, uma
responsabilidade que é de homens e mulheres.
Para vermos essa construção recorremos a Lemos (2005, p. 205), quando
diz:
“Para superar esta visão da sociedade sobre a mulher, se faz
necessário distinguir a maternidade biológica da instituição
política da maternidade. Essa consolida a condição social da
mulher como cidadã de segunda classe converte a aptidão
biológica da maternidade em uma fonte de poder sobre ela. As
estimações biológicas, em relação estreita com considerações
sociais situadas em um campo de relações de poder, se
convertem em uma fonte de mistificação de tais relações, ao
ocultar seu caráter político e afirmar um biológico”.
É imprescindível, para as mulheres atuais, a compreensão dessa articulação
realizada no imaginário popular, de que ser mãe é uma dádiva. È necessário
distinguir, nesse apelo, o jogo de poder, tão bem articulado pelos homens. Essa
‘naturalização da maternidade’, pode ser vista à luz de Oliveira (1997, p. 19)
“Ao descartar a relação de gênero como uma relação
especificamente biológica, pensando-a como uma construção
social e cultural que, para as mulheres, têm um significado
político essencial como dispositivo estratégico, em torno do qual
se articulam as múltiplas formas de dominação [...]”.
A criação da mentalidade de que a mulher deveria ceder aos encantos da
maternidade, e isso seria suficiente para fazê-la feliz, instituiu um modo de “privilégio
exclusivo”. Foram desconsideradas suas outras reais capacidades de existir.
104
Faz-se indispensável reforçar que gerar vida, educar pessoas, zelar pela
moral e bom costume da sociedade, não pode ser uma atribuição apenas das
mulheres, mas também de homens que são parceiros nessa empreitada da vida.
Na teologia, nas academias, nos movimentos sociais, e em outros lugares na
sociedade, algumas mulheres têm conseguido erigir para si um caminho
diferenciado, sobre o papel social da maternidade. Pensamos que uma mudança
maior pode estar parcialmente vinculada às novas leituras exegéticas de teólogas,
sobre a ação de Maria, na narrativa dos Evangelhos.
Por esse motivo, estabelecemos nosso trabalho como um momento de
fronteira, onde se possibilite a reflexão sobre a reconstrução conceitual de nero,
marcado pela devoção popular.
Maria, segundo o depoimento de (G. M. L. V., contabilista, 64), para mim,
representa o sacrário vivo que concebeu com tantas desavenças, enfrentou com
fortaleza suas batalhas; quando teve de ir par o recenseamento; depois fugir para o
Egito. Ela derrubou dos tronos os poderosos porque é mãe forte”. Podemos inferir
que a alusão à encarnação, ao canto do Magnificat, ao nascimento de Jesus, e à
fuga, demonstra que essa maneira de pensar esta aliada ao processo de construção
do desempenho da mulher como coragem de resistência.
Maria é referendada, no imaginário como mãe obediente. Por essa atitude
dócil, a vontade masculina é reverenciada. Uma nova mentalidade, sobre Maria,
pode ser vista na óptica da teóloga Ströher (2003, p. 62) que diz:
“O discurso sobre a maternidade aparece vinculado às
interpretações sobre a figura de Maria. Ao fazer isso, apresenta-
105
se também um modelo prototípico de Maria como mulher que
exercia sua maternidade em submissão e silencio e que não
teve a autoridade e liderança no movimento cristão e nas
comunidades cristãs. Entretanto, nos escritos canônicos e até
mesmo em registros não canônicos, Maria não é apresentada
como mulher-mãe submissa, abnegada, que cumpre o papel de
esposa ideal”.
Maria é apresentada pela autora com nova caracterização feminina. Não a dos
escritos patriarcais judaico-cristãos, que aparecem na interpretação do Velho
Testamento, nos Evangelhos, nas cartas paulinas e pastorais; mas, nas literaturas não
canônicas, as quais o foram incorporadas à Bíblia, uma vez que essa formulação
teológica deu-se na Idade Média, sob a batuta de Jerônimo
17
, contemporâneo de
Agostinho
18
. A palavra do doutor da Igreja foi determinante. Vemos como a
composição do cânon deu-se numa época de grande disputa por força eclesial.
Por volta do ano 417, afirma Willis (1999, p. 142), “as relações de poder
também estavam no centro da política eclesiástica de Agostinho nesse período”.
Numa leitura crítica sobre o momento em que o cânon foi composto, podemos pensar
sobre esse construto canônico, estabelecido dentro da Igreja, entre o clero.
Obviamente, Jerônimo não vinculou nenhuma importância à mulher.
Para a análise da mulher, vejamos o depoimento da entrevistada “( D. Q. S.,
costureira, 59 anos)
“Há vinte e quatro anos, sou separada do meu marido (de
corpos). Ele saiu de casa uma, duas, e, na terceira vez, eu disse:
Chega! Agora vamos nos separar para valer. Respeito ele.
Conversamos o necessário, e cada um faz o que quer. Às vezes,
17
Artigo sobre São Jerônimo, extraído da Revista Catolicismo (Setembro/2000) publicado no site
http://paginas.terra.com.br/educacao/jtesheiner/estorias/saojeronimo.htm - Acessado em 26/09/05.
18
Resumo das idéias das p. 120-146 de Garry Wills.
106
ele tenta me controlar, mas eu não aceito. Faço de tudo para
conviver bem, vivemos na mesma casa. Ele chegou pedir o
desquite, mas quando fui assinar os papéis, o advogado disse
que ele teria de pagar uma pensão, ele desistiu. Então
resolvemos que a gente ia viver na mesma casa. Eu cuido das
coisas dele como cuidaria de qualquer outra pessoa. Faço todo o
serviço da casa, lavo sua roupa, faço comida na hora certa, e em
troca, ele mantém a despesa da casa. Na época, falei pro padre
essa minha situação. Ele me perguntou se eu vivia em
adultério. Então respondi que não. Ele confiou em mim um
trabalho pastoral. E o faço com muito orgulho. Sempre, depois de
ter feito todo o serviço da casa, acomodado a mamãe, que vive
numa cama, vou para a Igreja, para as reuniões, e visitas aos
doentes, porque essa é a minha missão”.
A depoente, por sua idade, cultura, classe sócio-econômica, pertence a uma
geração de mulheres que ainda vive sob o domínio do marido e continua servindo-o
nos trabalhos domésticos, apesar de sua humilhação. Além disso, ela estendeu
ainda mais a sua carga, nos trabalhos pastorais, na Igreja. Desempenha ações
sempre em prol dos outros, nunca a favor de si mesma.
Percebe-se nela, uma grande placidez e compaixão. A alegria que diz sentir
em sua vida está, inseparavelmente, vinculada ao seu serviço à Igreja, que assume
com o mesmo labor da maternidade e da esposa. Afirma ser prazeroso, uma vez
que lhe permite sair de casa, construir novas relações pessoais.
Uma novidade, na compreensão do caráter de Maria, pode ser vista à luz de
Lopez (2003, p. 89)
“[...] Maria na tradição católica nos lança desafios quanto à
construção das identidades, sobretudo das mulheres mais
107
pobres do continente. [...] Maria nos encoraja na medida em que
é ela quem, independente de seu noivo José, toma a opção de
tornar-se Mãe de Deus. [...]”.
Maria, ao assumir a identidade e o rumo de sua própria vida, ao
responsabilizar-se pelas próprias escolhas, acertos e erros, revela uma nova face.
Se pensarmos o que significava, para a cultura judaica cristã, o desafio daquela
jovem de ostentar uma gravidez, não sendo ainda casada. Ouve, sem dúvida, em
seu sim, um poder de escolha livre, desarticulado. E, apesar disso, foi empregado,
pela Igreja e seus doutores, como forma de servilismo.
Vejamos o prolongamento da fala do entrevistado (G. M. L. V., contabilista
aposentado, 64 anos)
“Precisamos, no mundo de hoje, respeitar a mulher, pois ela tem
um papel fundamental no mundo. Para comprovar isso, Deus
precisou de uma mulher para mandar seu Filho. Hoje nós temos
de respeitar e valorizar a mulher, a mãe por sua doçura,
humildade. A mulher tem carisma especial e penso
sinceramente que a Igreja católica deveria abrir mais espaço
para as mulheres, apara o sacerdócio, pela sua capacidade
de aconselhamento, de ouvir, de compreensão, carinho, gerar
filhos, educar, isso é bênção de Deus. Vejo as mulheres em
nossa comunidade e a capacidade de liderança, espiritualidade;
tudo nelas é muito bom. Sinceramente penso que as mulheres
merecem mais reconhecimento e espaço na Igreja”.
Ao falar da valorização da mulher, o entrevistado, que até está bem
intencionado, continua aplicando-lhes dura pena e as assinala com a função da
maternidade, do trabalho. O que é mais triste estende-lhe além do fardo doméstico,
também o das pastorais católicas. Notar-se-á, em sua alocução, que a mulher é
108
notável por ser uma fonte inesgotável de serviço e doação, no lar e na Igreja.
Porquanto, levar a maternidade para igreja é um modo de subordiná-la à estreita
condição de responsabilidade maternal.
Podemos entrever um novo jeito, na mística feminina. Para isso, recorremos a
Casagrande (1990, p. 124) quando diz, “as mulheres podem ter uma vida espiritual
intensa e feliz, igual e por vezes mesmo superior à dos homens, mas, de qualquer
forma, mantêm-se diversas e inferiores no corpo e, portanto inevitavelmente
subordinadas aos homens”. Ela afirma que a vida religiosa da mulher pode ser de
gozo e transcendência. Na interação com a divindade, sua sexualidade não é sujeita
a preconceitos. Esses aparecem, nas instituições religiosas regidas e convalidadas
por homens.
A mulher atual, em seu desejo de libertação patriarcal, sobrecarregou a si
mesma de um penoso fardo, ao assumir uma jornada exarcebada de afazeres e
responsabilidades. Ao conseguir conciliar a vida doméstica e a profissional, criou
uma escravidão em seu cotidiano existencial.
A conquista da “liberdadeveio mascarada sob nova forma de opressão, pois
os trabalhos aumentaram, para o deleite dos homens. Vejamos o relato da
entrevistada (M.E.B.A., pensionista, 39 anos)
“Mãe é para toda hora, para dar carinho, amar, ajudar. Mãe é
mãe, ela é mais que pai, mãe é mãe. Por mais que os pais ajudem
na criação dos filhos é sempre a mãe que está presente, na
doença, no choro. O pai, quando separado, ‘pode até dar a
mesada’, mas é só. Ele não consegue ver a beleza do
crescimento do filho. O sentimento de mãe é de paz, amor,
carinho, diálogo. Eu penso que mãe é muito mais do que pai”.
109
A mulher abraçou um lugar que era, historicamente, do homem, a de
manutenção do lar. Essa assumência delega a ela maior tarefa e encargo, nunca
deleite. Existe formada, na consciência popular que a função do cuidado é natural,
não social, e, portanto, deve ser aceita. A paternidade, em muitos casos, continua
ainda na esfera da manutenção da estabilidade econômica. Quase nunca, a
paternidade responsável é assumida, principalmente, se houver o rompimento da
relação estável com suas parceiras.
É real a idéia de que o papel da responsabilidade familiar tem sido modificado
ao longo da história humana. Contudo sobra à mulher a incumbência de criar e
educar. Os filhos e netos da progênie têm ficado ao encargo das mães, das avós.
Essa responsabilidade poder ser vista de acordo com Vecchio (1990, p. 165)
“A discussão acerca do amor materno não faz mais do que
repetir a contradição no seio da qual se move a afectividade
feminina e que aparecera com toda a evidência no âmbito do
amor passional e natural, mas essa naturalidade é-lhe atirada à
cara como culpa. O pai ama certamente menos, mas com um
amor intrinsecamente virtuoso, que tende mais para o
aperfeiçoamento da alma do que para o bem estar do corpo”.
Permitir que a mentalidade, de que mãe ama mais sua prole que o pai, cria
nos homens uma comodidade, adequada a sua ambição de ser servido. Primeiro, a
mãe cuida. Depois, a esposa. Sob essa mentalidade, gerações vão sendo educadas
para serem custeadas, emocionalmente, por mulheres que aceitam esse tipo de
opressão.
Segundo a entrevistada (I.P.B., funcionária pública aposentada, 70 anos)
“Eu penso que o papel da mãe é o de cuidar, entender,
dialogar, falar baixo, escutar. Aqui em casa todos chegam e
pedem bênção para mim, por me respeitar; sou mãe junto com
110
eles. Tenho meus filhos (as) e tenho sempre de dar conselhos
quando eles me pedem. Tenho de ter sabedoria para aconselhar,
para cuidar; precisa-se saber quem é mãe, quem é filho e
respeitar isso. Até hoje, eles pedem minha opinião quando vai
fazer algum negócio, comprar alguma coisa. Por quê? Porque
sempre fui mãe amiga de todos eles, sabia ouvir e aconselhar sem
alvoroço. Com o silencio, às vezes, dizemos mais que mil
palavras. Tenho certeza de que Nossa Senhora jamais gritou ou
brigou com seu Filho Jesus, e ele sempre a obedeceu. Segui seu
exemplo. Só isso!”.
A fala da entrevistada confirma o quão ela se sente comprometida em relação
à sua família. O arquétipo da maternidade está arraigado em sua consciência, como
forma absoluta e única de viver. A obrigatoriedade da mulher, como fonte de
coragem maternal, capacitação de aconselhamento, de ser figura exemplar para
seus filhos e filhas, tem sido a motivação existencial no imaginário das mulheres de
devoção popular. A adoção dessa postura beatificante pelas mulheres assegura aos
homens um lugar confortável, uma vez que retira deles o compartir de
responsabilidade, que é dos dois.
Por isso, torna-se tão difícil quebrar esse paradigma da maternidade, uma vez
que ele representa uma configuração, conveniente e ajustada dos teóricos, no
passado histórico das mulheres.
2.2.2- Mãe é alicerce da família?
Na sociedade civil, concebemos o conceito de família com ascendência real,
onde ‘todos’ fazem parte incondicional da realeza. A mãe do príncipe herdeiro é
portadora da mesma categoria real de seu filho como também de seu esposo, o rei.
Todos têm direitos ao poder da majestade. Não obstante, essa configuração da
111
realeza não se aplica às questões da religião cristã, uma vez que a divindade
trinitária é toda ela masculina.
O princípio da genealogia divina, na concepção judaico-cristã, Maria
apenas como serva. Atribui a ela a naturalização dessa função como maneira de
suavizar os pecados por meio do papel de colaboradora da redenção humana,
devido aos delitos cometidos por uma outra mulher. Maria existe, para a Igreja, como
mero conduto de subserviência, nunca de realeza e privilégios. Não obstante, se ela
compartilha da gestação e criação do Salvador dos cristãos, seria justo divinizar
também a sua existência, e não escravizá-la, como tem sido feito, no decorrer da
história, através do discurso teológico dominante.
O documento da Igreja, Redemptoris Mater elaborado por João Paulo II,
citado anteriormente, em seus artigos 97/98 diz:
“O ensino do Concílio Vaticano II apresenta a verdade da
mediação de Maria como ‘participação nesta única fonte, que é a
mediação do próprio Cristo’. Com efeito, lemos: A Igreja não
hesita em reconhecer abertamente essa função assim,
subordinada; sente-a continuamente e recomenda-a ao amor
dos fiéis, para que, apoiados nesta ajuda materna, eles estejam
mais intimamente unidos ao Mediador e Salvador’. 98 Tal função
é, ao mesmo tempo, especial e extraordinária. Ela promana da
sua maternidade divina e pode ser compreendida e vivida na
somente se nos basearmos na plena verdade desta
maternidade. Sendo Maria, em virtude da eleição divina, a Mãe
do Filho consubstancial ao Pai e cooperadora generosa’ na
obra da Redenção, ela tornou-se para nós ‘mãe na ordem da
graça’".
Podemos dizer que Maria coopera com um plano que não é seu, porém de
seu Filho. Ela é convocada para ser a medianeira de uma relação de poder que
112
também não é seu. E, como recompensa, recebe a titulação de “Cheia de Graça”. É
um paradoxo servir para tamanha missão, gerar um Deus e não possuir nenhum tipo
de poder, mas apenas de colaboradora magnânima de serviço. Esse arcabouço
religioso é ainda pensado para supressão dos direitos das mulheres, na religião e na
sociedade de modo geral. Existe uma grande contradição da postura de Maria,
presente no discurso da Igreja oficial e a visão de teólogas feministas, como Gebara
(1988, p. 67)
“Temos presenciado muitas vezes na Igreja uma pregação e
uma devoção a Maria que são, na verdade, mais judaicas que
cristãs. Apresentando Maria como o protótipo da mulher suave e
aquiescente, passiva e concorde, a que sempre diz ‘SIM’,
estamos, certamente, muito perto do quadro da mulher judia [...],
mas não estamos, certamente, assimilando e dando conta de
toda a novidade que o Cristianismo traz”.
O construto da comiseração feminina foi eficientemente concretizado, através
da devoção à Maria. Ao idealizá-la como a grande serva, o discurso teológico
tradicional conseguiu impor um modelo de santidade feminino, a ser seguido pelas
mulheres cristãs. Essa noção ainda tem sido muito comum nas catequeses, nas
homilias e na prática da Igreja. A Igreja Católica, durante tantos séculos de dominação
político-religiosa, sustentou sua postura patriarcalista, que muito serviu para a
opressão feminina, no âmbito da sociedade como um todo. Continua o documento
Redemptoris Mater, em seu artigo 39/100:
“39. Pode dizer-se que este consentimento que ela à
maternidade é fruto, sobretudo da doAção total a Deus na
virgindade. Maria aceitou a eleição para ser mãe do Filho de
Deus, guiada pelo amor esponsal, o amor que ‘consagra’
totalmente a Deus uma pessoa humana. Em virtude desse amor,
113
Maria desejava estar sempre e em tudo ‘doada a Deus’, vivendo
na virgindade. As palavras: ‘Eis a serva do Senhor!’
Comprovam o facto de ela desde o princípio ter aceitado e
entendido a própria maternidade como dom total de si, da sua
pessoa, ao serviço dos desígnios salvíficos do Altíssimo. E toda
a participação materna na vida de Jesus Cristo, seu Filho, ela
viveu-a até ao fim de um modo correspondente à sua vocação
para a virgindade. A maternidade de Maria, profundamente
impregnada da atitude esponsal de "serva do Senhor", constitui
a dimensão primária e fundamental daquela sua mediação que a
Igreja Ihe reconhece, proclama. [...]100 [...] Por isso, Maria
tornou-se não a ‘mãe-nutriz’ do Filho do homem, mas
também a "cooperadora generosa, de modo ‘absolutamente
singular’”,
É realmente um mistério a compreensão dessa relação de servidão.
Transformar a maternidade em um instrumento de dominação é uma maneira de
desarticular outras possibilidades à Maria, que também foi discípula, companheira de
Jesus em toda a sua vida. Cultivar sentimentos de domesticação, conformismo e
subserviência, nas mulheres que devotam amor à Maria, é um modo de perpetuar um
poder patriarcal terrível, e que vem assolando as relações de gênero, por tantos
milhares de anos.
A preocupação da Igreja, em legitimar os dogmas marianos, mostra-se como
forma de adestramento das capacidades femininas. Por isso, vemos a real
necessidade de releitura dos papéis de gênero, na tradição católica popular.
O grito das teólogas feministas, de modo especial na América Latina, tem
ajudado substancialmente nessa releitura de Maria e das mulheres, no contexto
bíblico e teológico cristão. Nada obstante vemos, consternados, que a Igreja de Roma
não tem olhado para essa necessidade, nem se empenhado em reconhecer a
114
equiparação natural e necessária entre homens e mulheres. Uma prova disso é a
postura do Papa Bento XVI, quando articulava o pontificado de João Paulo II, e agora,
à frente da Igreja de Roma. A Igreja oficial não mudou em nada a sua concepção de
gênero.
Para analisar a devoção popular, recorremos novamente às entrevistas e
vemos como elas vislumbram a função da mulher como a base de sustentação
emocional da casa. De acordo com a alocução da entrevistada (A. B. R., comerciante
58 anos)
“Hoje ‘tá’ muito difícil para falar. Mãe é o esteio do lar, até o
marido acompanha a força da mulher. Ela tem de dar bom
exemplo, bom testemunho, ser espelho para a família. Através
desse testemunho a gente leva mais pessoas para Deus. A
mulher que ensina bons princípios aos filhos ajuda a construir uma
sociedade mais justa, fraterna e equilibrada. A força da mãe aos
pés da cruz, a firmeza que Maria demonstrou para a humanidade,
ensinou que temos de ter coragem, sabedoria, pois a mulher
sábia edifica o lar”.
A idéia de que a mulher tem a obrigação de ser o esteio do lar e mantenedora
afetiva da virtude, da moral e dos bons costumes tem sobrecarregado-a de tal
maneira, que os homens parecem estar alheios às suas responsabilidades,
consentindo a elas o encargo operacional da administração afetiva e doméstica. A
mulher devota espelha-se na velha concepção patriarcal de que Maria era a serva
edificadora do lar.
O gênero deve ser compreendido sob uma nova perspectiva, também pelas
mulheres de devoção popular. Vejamos a menção de Oliveira (1997, p. 18)
115
“O gênero não pode nem deve ser tratado como um fato
simples e natural, é relacional. São relações entre homens e
mulheres, processos complexos e instáveis, constituído por e
através de partes interrelacionadas, são interdependentes. Cada
uma das partes não tem significado ou existência sem a outra.
As relações de gênero são divisões e atribuições diferenciadas
e, ‘por enquanto’, assimétricas de traços e capacidades
humanas”.
Nessa alocução, vemos a questão de gênero como relacional. Por isso,
devemos estar atentos às divisões de papéis, para não haver a sobrecarga de um
em detrimento de outro, a valorização de um por meio da exploração do outro. Quer
nos espaços públicos, na sociedade, nas empresas, nas associações, nas Igrejas,
enfim, nos movimentos sociais, quer nos espaços privados, como na família, deve
haver uma equiparação de competência entre homens e mulheres. dessa forma,
existirá maior simetria nas relações de poder. Caso contrário, permanecerá
estagnada a exploração masculina.
A compreensão da maternidade é considerada graça sagrada e perdão divino,
no imaginário popular dos fiéis. Verdadeiramente, houve a intencionalidade dessa
sacralização, por parte da Igreja, o que torna mais difícil seu expurgo.
Segundo o relato da entrevistada (I. B., dona de casa, 56 anos)
“Ser mãe é um dom de Deus, não que ela seja escrava, ela é o
esteio da casa, ela precisa ter fé, paciência, conversar com os
filhos. Eu acho que a criação da mãe é tudo. Tenho cinco filhos
maravilhosos. Eles não têm vícios; acho que é porque Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro me ajudou a criar eles. Eu sempre
segui seu bom exemplo, isso tem me ajudado a superar as
dificuldades. Quando vejo que ela foi firme até os pés da cruz,
esse exemplo me ajudou a criar meus filhos”.
116
Nessa alusão, a maternidade humana é vista como sacralidade. É
reconhecida como fonte de bem-aventurança, sobretudo, pelo exemplo de Maria.
Essa caracterização da maternidade sagrada tem sido abundantemente eficaz e
constante por mulheres e homens de devoção ao rito mariano.
Numa inovação teológica, faremos aqui uma referência à narrativa, ao Fiat
pronunciado por Maria, no canto Magnificat, segundo Velasco (2003, p. 17)
“[...] As palavras do Magnificat nos estão mostrando como esta
jovem tem plena consciência da importância dos acontecimentos
que ela protagoniza e de seu papel nos mesmos. Mostram alem
disso, uma auto-estima sadia e elevada que nada tem a ver com
essa espécie de aniquilação social, não mística que muitas
vezes nos quiseram mostrar como tendo sido o caminho e a vida
de Maria, a virgem católica”.
O esforço, na constituição de uma teologia tradicional mariológica, de fixar uma
postura alienada da mulher, a serviço do homem. Por isso, faz-se necessária a
emergência de um novo protótipo, onde a mulher assuma sua importância por ser
mulher, não por ser mãe. Deste modo poderá haver uma mudança no discurso e na
ação de tantas mulheres que começam a entender suas potencialidades,
separadamente, da maternidade, que foi, providencialmente, estagnada durante
tantos milênios.
Vejamos a experiência da entrevistada (D. Q. S., costureira, 59 anos)
“Sou separada de meu marido, mas isso não me deixa triste, pois
vivemos um com o outro com respeito. Somos como irmãos e,
quando ele se mete a querer mandar em mim, eu não aceito.
Penso que cada um deve viver com a sua consciência. Eu sinto
que sou uma vencedora na vida, apesar de todos esses
117
problemas, sei que sou vitoriosa. muitos anos atrás, quando
mudei de Professor Jamil para Goiânia, eu tinha meu marido,
minhas quatro filhas, meia lata de arroz limpo e um litro de banha
de porco. Você vê, eu trabalhei, lutei por minha família; minhas
filhas estudaram até onde quiseram. Hoje, tenho uma casa para
morar; todas as minhas filhas estão casadas, com seus filhos,
suas casas. tenho dois bisnetos, e eu levo uma vida de amor a
Jesus, à Maria e aos irmãos que necessitam de mim. Valeu a
pena o esforço e sacrifício. Eu sei que Jesus e Maria nunca me
desampararam na vida. Tenho muita alegria, saúde; isso é que
vale na vida; me considero realizada e vencedora”.
Ao assumir que se sente vencedora na vida, por educar suas filhas, e dedicar-
se ao serviço da Igreja, a entrevistada orgulha-se de seu trabalho, por considerar
que é esta a forma de reconhecimento de sua capacidade de ser gente: a de
proteção e de maternidade, tal qual Maria. É ingênua a ostentação de que o serviço
e doação fazem dela uma mulher valorizada. Ao proferir que realiza tudo aquilo que
deseja e pensa ser correto, em sua modesta vida, nada mais faz do que servir, servir
e servir.
Pensamos ser plausível a construção de uma nova mentalidade acerca das
mulheres. Frente a essas afirmações, recorremos à postura feminista de Gebara
(1988, p. 67)
“[...] E nesse novo projeto, nessa nova aliança, a mulher
aparece, não mais passiva e submissa ao homem, não mais
como um ser inferior, social, econômica, política e
religiosamente, mas como sujeito ativo e responsável,
companheira do homem, assumindo ombro a ombro com ele
muitas das tarefas inerentes ao anúncio da Boa Nova”.
118
Pode parecer utópica a compleição da parceria, da cumplicidade, do respeito.
Porém, acreditamos que isso deve ser pensado, mais seriamente, nas relações de
gênero, pois não tem existido uma afinidade eqüitativa entre homens e mulheres,
pois o homem tem vivido de modo sobejado, enquanto a mulher tem assumido
sozinha, o peso da relação familiar/social, que é de ambos.
De acordo com a entrevistada (M. T. B. R., aposentada, 59 anos)
“Eu acho que a mulher é o esteio da casa. Quando um homem
fica viúvo, a casa cai; os filhos dispersam, a casa cai. Caso a
mulher fique viúva, acontece o contrário, os filhos se unem para
cuidar da mãe, parece que é a mulher quem une a família,
aconchega. Os (as) filhos (as), mesmo depois de casados (as)
escutam, falam para a mãe suas necessidades. Eles nunca se
afastam, porque sabem que sempre terão colo, carinho,
atenção. É a mulher que é forte em casa; ela que, mesmo no
silêncio, dá a última palavra. Acho que é por causa do amor,
num sei, seu filho teve um contato muito íntimo com ela, em seu
ventre, no contato físico ao tomar banho, dormir, alimentar, tudo,
tudo é a mãe. É um pedaço seu. Quando cresce, eles voltam
porque sentem falta da outra parte; a mãe é a pessoa mais
importante da família. Por isso, temos de ter cuidado com o que
falamos e fazemos”.
Na percepção imaginária da fiel, aparece com convicção e aquiescência a
obrigação de que a mulher deve assumir, sozinha, a responsabilidade de
gerenciadora doméstica. A mulher-mãe é vista como uma encarregada natural da
família, que se acerca do bem estar de todos. Assume isso como um sacerdócio, um
privilégio e não como exploração de construção sócio-religiosa.
Para compreender esse juízo, recorremos à visão de Casagrande (1990, p.
139) quando diz, “[...] a capacidade do modelo da mulher sob a custódia de absorver
119
no seu interior uma série de variantes sem por isso mudar de natureza foi, sem
qualquer dúvida, um dos motivos principais de sua durabilidade”. A aceitação e
exaltação desse comportamento eficaz pelas mulheres perpetuam essa arbitrariedade
por gerações. Por isso tem sido tão eficaz a custódia feminina, uma vez que são as
próprias mulheres que aceitam e assumem esse jargão da maternidade.
Podemos aferir que muito tem se confrontado a respeito da atitude de Maria
subserviente, e Eva, transgressora, como modelos paradigmáticos de
comportamento do ‘bem que vence o mal’. Todavia, de acordo com uma nova leitura
teológica, vemos um jeito novo de interpretar o comportamento dessas duas
mulheres, de acordo com Buscemi (2003, p. 113)
“Maria sem pecado original pode ter um sentido diferente. Pode
ser entendida como negação do mito do mal, como a negação
da caída pecaminosa da religião na escravidão patriarcal. Eva =
Maria: as duas igualmente obedecem à ruah, o princípio
feminino do ser (parir fora das normas do
patriarcado/desobedecer à lei que mandava não comer da
árvore do conhecimento). As duas desobedecem ao patriarcado
e ajudam na construção do masculino”.
Essa leitura possibilita uma nova compreensão do papel de Maria e Eva, pois
torna estreita a coragem de ambas em desafiar as leis (divinas) sociais de suas
diferentes épocas. E desmistifica a idéia de que Eva seja o demônio, mas ostenta a
sua condição de ser mulher que assume com liberdade a escolha de sua ação.
Maria é repensada como mulher que aceita sua tarefa com a mesma determinação
de Eva, sabendo dos incômodos que sofreria por sua decisão. Na óptica feminista
da anunciação, Maria atesta sinal de destemor e bravura, tal como Eva, ao comer o
fruto da árvore proibida. A atitude de ambas foi um grande sinal da coragem de
Maria e de Eva.
120
Esse, sim, deve ser o modelo imitado pelas mulheres atuais, de devoção
popular, o considerado de transgressão das regras patriarcais.
Nessa perspectiva teológica feminista, podemos ver como Maria viveu em um
momento de fronteira, onde inaugurava um novo jeito de ser mulher. Para Gebara
(1988, p. 66), “Maria é, além disso, uma figura que vive a cavaleiro entre os dois
testamentos. Experimenta o que é ser mulher no AT e no judaísmo rabínico e
também participa e saboreia o gosto da Boa Nova sobre a mulher trazida por Jesus,
seu filho”. O novo arquétipo feminino figura no limite. Infelizmente a cultura judaico-
cristã não reconheceu esse momento de interstício, vivido na encarnação do Verbo
Divino em Maria. Não percebera a dimensão da sacralidade da mulher. Optara por
massacrá-la, e, desta maneira, sua ação foi subjugada. Conseguira, com êxito,
abafar e manipular a condição da mulher.
O fato de pensar a devoção Mariana como um lugar de fronteira pode abrir a
discussão sobre esse convencionalismo na história das mulheres. É preciso
desmistificar essa submissão, e assim, possibilitar uma reflexão limpa acerca desse
interstício, que pode despertar, nas mulheres de devoção popular, a própria
potencialidade existencial, servindo para o encorajamento de tantas mulheres em
assumir sua origem forte e destemida. E, deste modo alcançar a uma mudança
paradigmática, na esfera da devoção Mariana.
2.3- A função religiosa do rito mariano
A religião, como instituição religiosa, codifica um certo tipo de práticas e
rituais satisfazendo as pessoas que necessitam daquele tipo de amparo espiritual.
Buscamos a noção de função religiosa dada por Bourdieu (2003, p. 58):
121
“[...] a Igreja visa conquistar ou preservar um monopólio mais ou
menos total de um capital de graça institucional ou sacramental
(do qual é depositária por delegação e que constitui um objeto de
troca com os leigos e um instrumento de poder sobre os mesmos)
pelo controle do acesso aos meios de produção, de reprodução e
de distribuição dos bens de salvação (ou seja, assegurando a
manutenção da ordem no interior do corpo de especialistas) pela
delegação ao corpo de sacerdotes (funcionários do culto
intercambiáveis e, portanto substituíveis do culto do ponto de
vista do capital religioso)”.
O poder estabelecido, no campo religioso, relaciona-se com o poder político e
social, pois legitima a ordem de forma simbólica, no imaginário dos fiéis. A gestão dos
bens religiosos aos consumidores (leigos) é gerenciada pela autoridade religiosa
(clero) que, dessa forma, mantém a consonância religiosa. Segundo Bourdieu (2003,
p. 59)
“O corpo de sacerdotes, e o mercado oferecido a estes bens, a
saber, os leigos (em oposição aos infiéis e aos heréticos) como
consumidores dotados de um mínimo de competência religiosa
(habitus religioso) necessária para sentir a necessidade específica
de seus produtos”.
Os agentes (padre, pastor, profeta, mago) do processo de sistematização e prática
das crenças religiosas atuam, efetivamente, na racionalização da teologia, erigindo os
dogmas religiosos que atendam às necessidades de seus fiéis.
Na óptica funcionalita da religião, Bourdieu (2003, p. 38) afirma que, “O corpo
de sacerdotes tem a ver diretamente com a racionalização da religião e deriva o
princípio de sua legitimidade de uma teologia erigida em dogma cuja validade e
1
22
perpetuação ele garante”. Esses agentes realizam os ajustes indispensáveis das
normas éticas, para garantir a sistematização da prática religiosa.
Desse modo, podemos avaliar como o devoto da novena ostenta sua fé
baseada na satisfação das suas privações real e imaginária, e isso é pensado,
meticulosamente, pelo agente religioso, pois, se a função da Igreja é de
racionalização das regras e dogmas, essas devem atender às demandas
imaginárias de seus fiéis.
2.3.1- A recorrência à intercessão de Maria: alívio à privação/medo
A teologia tradicional considera Maria apenas como um meio utilizado por
Deus para trazer a salvação ao mundo, negando-lhe a divindade. A definição do
nome de Maria, segundo Croatto (2003, p. 21), “[...] significaria ‘presente [de Javé/
de Deus]’. Trata-se pelo menos de uma tentativa séria de explicar um nome tão
elusivo”. Se partirmos do pressuposto de que o nome significa aquilo que ele
exprime, podemos aferir que, o nome dela tem muito do nome de Jesus, pois é
igualmente uma dádiva divina. A teologia patriarcal não admite a presença feminina,
no panteão das divindades, por considerá-las inferiores dentro da óptica judaico-
cristã.
Não obstante, um traço característico da religiosidade popular é visto no
modo como as pessoas ligam o nome de Maria ao de Jesus, como um sinal da
benignidade de Deus, para com a humanidade. A recorrência dos fiéis ao nome de
Maria para interceder a Deus e a Jesus, por suas necessidades imediatas, evidencia
o respeito a ela conferido, por sua presença constante na vida de Jesus.
123
A novena de devoção à Nossa Senhora possui a função de legitimar o socorro
aos oprimidos. Entretanto, a falta de emprego, salário digno, moradia não tem sido
motivo para os fiéis atestarem infelicidade. É uníssona a voz dos entrevistados,
quanto à gratidão pela assistência recebida de Maria. Alegam que o pouco que lhes
falta não é nada, comparado com o muito que asseguram já ter alcançado por
intercessão dela.
Aquela crença religiosa tornou-se um artifício indispensável para dar
significação à vida de cada um deles. Podemos ver essa crença à luz de Durkheim
(2001, p. 213) quando diz:
“As representações que as exprimem em cada um de s tem,
portanto, a intensidade que os estados de consciência puramente
privados não poderia atingir, pois elas têm a força das inumeráveis
representações individuais que serviram para formar cada uma
delas. É a sociedade que fala pela boca daqueles que as afirmam
em nossa presença; é ela que ouvimos ao ouvi-los, e a voz de
todos tem um acento que a de um só não poderia ter”.
Para os homens e mulheres entrevistados, a mariana é o momento
inteligível a respeito da divindade, pois lhes assegura, uma saciedade manifesta, na
relação sagrada. A novena representa uma ação social indispensável para a
legitimação da superação das carências humanas. Quando se entrevista um devoto,
tem-se a impressão de que a fala dele é igual a do outro que vive uma situação
diferente da sua. Por isso, é considerada uma ação, eminentemente social, por
congregar valores que pertencem a todos. Lembramo-nos de Geertz (1989, p. 67),
que diz:
124
“[...] a noção de que a religião ajusta as ações humanas a uma
ordem cósmica imaginada e projeta imagens da ordem cósmica
no plano da experiência humana não é uma novidade. Todavia,
ela também não é investigada, e em termos empíricos, sabemos
muito pouco sobre como é realizado esse milagre particular.
Sabemos apenas que ele é realizado anualmente, semanalmente,
diariamente e, para algumas pessoas, até a cada hora, [...]”.
O santuário torna-se o lugar sagrado por excelência, pois congrega uma
multidão que aspira às mesmas coisas. O ambiente é transformado numa mística que
remete a um tempo extraordinário de ligação com a divindade. Isso gera expectativa
de realização das promessas nos fiéis os quais retornam, semanalmente, para a
repetição do rito.
De acordo com a entrevistada (Z. M. A. F., comerciante aposentada, 76 anos)
“Às terças-feiras são especiais para mim. São dias mais
importantes, junto com o domingo, pois é o dia de ajudar na
Igreja. Eu falo que vou ao encontro de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, porque ela me espera. Eu amo o dia de terça-
feira por causa da novena. Tudo que vou fazer, primeiro eu
respeito à terça, depois, eu marco meus compromissos”.
A declaração traduz a adesão incondicional à religião, como um fator vital para
a devota. Em seu imaginário, o encontro marcado com Maria é real e ela diz convicta
que é esperada por ela. Isso demonstra que foi estabelecido entre elas um sinal de
correspondência, entre seu desejo e a “bondade” da mãe.
Uma outra visão da afinidade com Maria é atestada pela jovem entrevistada, (K.
C. A., estudante, 17 anos)
125
“Peço apenas que ela proteja e abençoe a minha família. Pra
dizer a verdade, não sei nem o que pedir; estamos passando por
tantas dificuldades, pois o meu esposo não tem emprego [...] eu
acabei de dar a luz, e ele, estando desempregado, a gente sofre.
Justo agora que tenho uma outra filha, e estamos tentando
resolver nossa vida, para não depender tanto dos outros”.
Esse tipo de devoção atestada pela adolescente é um meio provável de
realização daquilo que parece sem esperança. Ela busca o socorro, na casa da
mãe, para sair da dependência material. Essa recorrência possibilita-lhe uma
inovada perspectiva, na vida. Podemos ver como essa piedade pode ser
desempenhada, na óptica de Parker (1995, p. 157)
“A devoção aos santos ou a Virgem Maria, na maioria
desses casos, está ligada à solução simbólica de problemas
cotidianos relevantes nas culturas subalternas: trabalho, saúde,
relações afetivas e familiares, estudos, etc. Trata-se de pedidos
dos devotos ligados a problemas universais que enfrenta a
cultura popular”.
Esta parece ser a principal característica da devoção popular à Maria: a busca
de solução para problemas do cotidiano, que assombram o imaginário dos fiéis,
desagradados por sua condição de vida. Vejamos esse tipo de apelação, no
discurso da entrevistada (S.D.D., costureira, 52 anos)
“Temos um problema da moradia. Essa casa, mais de vinte
anos, é uma invasão. Então, fomos construindo o barraco e não
fizemos um alicerce que protegesse da água da chuva; agora
peço sempre a Deus para nos ajudar a levantar esse alicerce, ali
no fundo. começamos, mas falta dinheiro para terminar a
nossa casa e livrar das águas das enchentes, das chuvas. Esse
é um sonho que sei que Nossa Senhora vai interceder a Deus e
realizar para nós. Espero e confio”.
126
É recorrente esse tipo de necessidade entre os devotos da novena perpétua.
A falta de condições dignas de vida tem afiançado, junto aos fiéis, a aderência a
essa devoção como fonte de salvação em sua indigência real. O culto tem
assegurado suas necessidades imediatas.
Vemos como isso se confirma noutro depoimento (G. R. P. R., secretária
escolar, 49 anos)
“[...] ultimamente tenho rezado por meu filho, pois não
conseguiu pagar a mensalidade da faculdade, e, para continuar
a estudar terá de arranjar um emprego. Peço a Nossa Senhora
para que ele consiga arranjar um emprego; também peço a
graça de ele arranjar uma boa namorada [...]”.
A simplicidade na alocução da entrevistada é a amostra de sua fé infantilizada
e carente. Esse juízo pode ser compreendido em Alves (1980, p. 52), quando diz:
“Ao pagar uma promessa pela obtenção de um emprego, pela
aquisição de uma casa, ou pelo sucesso em sua operação ou
pela cura de uma doença, o homem reapropria-se do controle
sobre si mesmo e sobre o corpo social, uma vez que no
ordinário cotidiano um conjunto de agências e agentes aos
quais deve recorrer numa situação de desemprego, na obtenção
de uma casa própria. A operação também foi feita por uma
equipe médica; profissionais da medicina provavelmente foram
acionados para a obtenção da cura da doença. No entanto, é ao
divino que o paciente agradece”.
A racionalização das necessidades materiais, aplicadas à mística mariana,
tem-se revelado como uma forma de proteção contra as intempéries da vida social.
Em todas as entrevistas, vimos esse tipo de pedido. Ele corresponde à situação
127
social do Brasil, onde o desemprego assola a classe trabalhadora e a dos
empobrecidos.
Essa infeliz realidade, sócio/econômica, pode ser percebida na fala da
entrevistada (M. T. B. R., aposentada, 59 anos)
“O desemprego do meu filho, mas eu não revolto, porque sei que
ela, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, preparando um bom
trabalho para ele. Essas dificuldades são para o seu crescimento
espiritual, para ele entender que sem não somos nada. Até na
dificuldade eu consigo agradecer a Deus e a Nossa Senhora;
tenho certeza de que tudo, na frente, se resolverá. Espero e
confio na proteção do céu”.
Sem dúvida, o desemprego, a falta de moradia, as dificuldades econômicas,
de um modo geral, são as maiores necessidades dos devotos. Vemos a confirmação
dessa carência na alocução da entrevistada, (A. B. R., comerciante 58 anos). “Todos
nós temos problemas. Eu peço insistentemente a Deus uma graça e espero o tempo
de Deus, pois o tempo dele é diferente do nosso. Eu quero a graça de ter um
apartamento próprio”. Para ela, seu pedido vai ser atendido cedo ou tarde. A sua
noção temporal divina é justificativa para a sua situação social insuficiente. Ela
confia de modo pueril e pleno, na intercessão de Maria em sua precisão.
A função do culto mariano pode ser igualmente compreendida, se buscar a
noção da religião com a função de subsidiar sentido, adequar a vida dos indivíduos
que a ela aderem, para o enfrentamento da privação social, particular, espiritual e
material, uma vez que é, fundamentalmente, uma atividade humana. Essa é a função
própria do campo religioso, responder às necessidades humanas. Bourdieu (2003, p.
51) assevera:
128
“Tendo em vista que o interesse religioso tem por princípio a
necessidade de legitimação das propriedades materiais ou
simbólicas associadas a um tipo determinado de condições de
existência e de posição na estrutura social, dependendo, portanto
diretamente desta posição, a mensagem religiosa mais capaz de
satisfazer o interesse religioso de um grupo determinado de
leigos, e de exercer sobre ele o efeito propriamente simbólico de
mobilização que resulta do poder de absolutização do relativo e de
legitimação do arbitrário, é aquela que lhe oferece um (quase)
sistema de justificação das propriedades que estão objetivamente
associadas ao grupo na medida em que ele ocupa uma
determinada posição na estrutura social”.
A religião é legitimada e assumida pelos fieis, na medida em que corresponde
à expectativa dos mesmos. Por isso, o autor diz que ela é a transfiguração da
sociedade, na proporção em que inculca valores capazes de modificar um grupo
social.
Vemos, ainda, que existem outros tipos de necessidades que não são de
ordem econômica, mas emocional. Muitos fiéis apegam-se à Maria por
compreenderem que ela, sendo mãe, pode confortar-lhes as angústias existenciais,
familiares. Isso transparece no depoimento da entrevistada (M.S.R., costureira
aposentada, 70 anos)
“Sempre peço pelos meus filhos, (as) netos, (as) por toda a
família. Como ela foi uma grande mãe e passou por tudo isso e
muito mais do que nós passamos e permaneceu sempre de pé,
forte. [...] Se eu fosse criar meus filhos, hoje, eu os criaria
diferente, daria mais atenção, afeto. [...] O que eu queria hoje é
que meus filhos fossem unidos como quando eram pequenos,
como eu os criei...”.
129
A insatisfação com a própria condição de vida, muitas vezes, faz o fiel
assemelhar-se a Maria como modelo de consternação e obediência, para
salvaguardar sua própria existência. Essa concepção é por demais sofrida e não
consegue compreender a real posição corajosa de Maria, no enfrentamento de suas
dificuldade e decisões. Segundo as teólogas feministas, ela não abdicava de sua
autoridade ou de sua consciência. Por esse motivo, a compreensão da devoção à
Maria deve ser um momento de fronteira, para fazer alargar essa concepção estreita
de ser mulher.
Os fiéis fazem seus pedidos a Maria por acreditarem no amparo que ela lhes
pode dar em seus tormentos. Essa é uma constatação evidente, nas entrevistas.
Podemos inferir a novena de acordo com Parker (1996, p. 146)
“Todas as expressões, crenças e práticas rituais e devocionais,
vão alimentando desde a cotidianidade o sentido da vida para os
sujeitos populares, assinalando um sentido comum que, a cada
momento, deve se confrontar com adversidades. Por trás do
conjunto variegado de significantes (ritos, crenças, mitos,
devoções, símbolos, signos, palavras, expressões, etc.),
esconde-se um código de significado em movimento que
constitui o núcleo deste campo comunicacional que é a religião
do povo”.
A novena representa um vigoroso receptáculo de clemência e serenidade no
imaginário dos fiéis de devoção popular. Nela, congrega-se a manifestação do povo
sofrido.
São inúmeras as falas dos (as) entrevistados (as), que asseguram aquela
devoção como fonte de sustento essencial, para as suas vidas e de suas famílias.
Vemos como se essa recorrência revigorante, na vida da entrevistada, (I.B., dona
de casa, 56 anos)
130
“Peço pela falta de conversão na família, principalmente do meu
marido, que persegue minha devoção. Meu trabalho pastoral, pois
ele não aceita muito eu ir para a Igreja, acha exagerado, porque
não conhece a fé. Mas eu fico firme e forte na minha certeza de
que um dia ele de converter e conhecer o amor de Jesus e de
Maria”.
A firmeza na devoção e a convicção de alcançar a conversão do esposo levam
a devota permanecer constante em sua piedade. Isso pode ser esclarecido, meio à
percepção, de que quanto maior o progresso do processo de moralização, maior é a
fidelidade na crença, uma vez que os sistemas utilizados pelas práticas e crenças
religiosas legitimam a moral e a racionalização social. De acordo com Bourdieu (2003,
p. 57)
“Em função de sua posição na estrutura da distribuição do
capital de autoridade propriamente religiosa, as diferentes
instâncias religiosas, indivíduos ou instituições, podem lançar
mão do capital religioso na concorrência pelo monopólio da
gestão dos bens de salvação e do exercício legítimo do poder
religioso enquanto poder de modificar em bases duradouras as
representações e as práticas dos leigos, inculcando-lhes o
habitus religioso, princípio gerador de todos os pensamentos,
percepções, e ações, segundo as normas de uma representação
religiosa do mundo natural e sobrenatural [...]”.
A Igreja, através da religião, tem em suas mãos, um método bastante eficaz
para monopolizar o comércio dos bens de salvação. Torna-se a grande mantenedora
do poder místico, que possui os bens de salvação do mundo natural e
sobrenatural. Isso a autoriza manter o habitus religioso, no imaginário e na prática
dos fiéis. Essa prática pode ser vista na alocução da entrevistada (D. G. F. bancária,
D. B., 49 anos)
131
“Nossa família morava na avenida Sergipe, e minha mãe era
devota de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e nos ensinou
essa devoção. Lembro-me de que, desde menina, desde os oito
anos de idade, portanto 41 anos, sou devota e freqüento a
novena por acreditar que Nossa Senhora é minha mãe assim
como a minha mãe me ensinou desde pequena”.
A eficácia da novena tornou-se um hábito religioso devido à tradição, tendo
em vista que essa prática lhe foi ensinada por seus familiares. Nessa perspectiva, a
fiel adquire a necessidade de freqüentar o rito, uma vez mais para o contentamento
de sua precisão afetiva.
Podemos ver como essa procura religiosa/cultural estrutura-se como fonte de
segurança, na óptica de Sousa Filho, (2001, p. 15)
“O fato mesmo de a criatura humana nascer inacabada e
dependente da cultura põe o homem sob o desígnio de sua
destinação forçada a tornar-se humano. Toda a sua existência é
marcada pelo temor de romper esse espaço no qual se cria a si
próprio e sem o qual não existiria como ser”.
O medo do futuro, a insegurança na vida por causa das dificuldades materiais
e psíquicas, leva homens e mulheres a um grande sofrimento. A novena resgata a
identidade religiosa de quem a ela adere.
Inúmeros são os sofrimentos afetivos, psíquicos relatados na entrevistas.
Vejamos a alocução da entrevistada (D. G. F. bancária, D. B., 49 anos)
“Sinceramente, eu estou sofrendo muito com o fato de ter me
aposentada tão nova. A psicóloga me dizia que era para eu me
preparar e eu não dei atenção. Agora ando melancólica, meio
depressiva, acho que realmente faltou uma preparação
psicológica. Eu tenho tentado reagir, mas não tem sido nada
132
fácil. Eu trabalhava o dia todo e a noite ainda tinha de cuidar da
casa e agora (...) não gosto muito de ficar só na fazenda. Parece
que falta algo. São trinta anos de serviço e agora não tenho
conseguido viver na ociosidade. Quero investir, em algo, minha
vida, voltar a estudar, (...) Não sei, vou ter de fazer algo”.
Mesmo conhecendo o poder necessário da ciência, a devota permanece
frágil, simples, diante do sofrimento. Ela recorre, obstinadamente, a Maria para
socorrê-la em sua necessidade, que é psicológica. A dor existencial prejudica a vida
da entrevistada que sofre com a angústia da aposentadoria. Segundo Delumeau
(1989, p. 25)
“Distinguir entre medo e angústia não significa, porém ignorar
seus laços nos comportamentos humanos. Medos repetidos
podem criar uma inadaptação profunda em um sujeito e
conduzi-lo a um estado de inquietação profunda gerador de
crises de angústia. Reciprocamente, um temperamento ansioso
corre o risco de estar mais sujeito aos medos do que outro”.
Desse modo, podemos compreender que o medo e a dor levam os fiéis à
recorrência à Maria. Essa prática está, intimamente, ligada ao entendimento da
materna proteção, que acolhe e aconchega a dor dos filhos e filhas, no imaginário
popular. Vejamos o depoimento da entrevistada (D. G. F. bancária, D. B., 49 anos)
“Sempre peço por minha família, por paz, união. Meu filho é hoje
a minha maior preocupação. Você sabe como anda o mundo.
Vivemos a violência, as más influências dos ”amigos”, e isso me
deixa muito preocupada com ele. Quando sofro assim, penso na
minha mãe no exemplo que ela nos deixou e permaneço firme
na fé. Meu esposo freqüenta comigo as novenas e juntos
buscamos as forças necessárias para superar nossas
dificuldades”.
133
Na compreensão da devota, Maria é a mediação possível para as suas
angústias, pois ela crê que a mediação mariana está presente, na novena. E que
sua promessa resolverá o seu desencanto com a vida.
A religião adquire uma função social, pois assegura caráter de justificação
existencial, na vida dos fiéis. De acordo com Delumeau (1989, p. 27) “Como o medo,
a angústia é ambivalente. È um pressentimento do insólito e espera da novidade;
vertigem do nada e esperança de uma plenitude. É ao mesmo tempo temor e
desejo”. Podemos avaliar que esse sentimento de temor, diante da vida, é o que
impulsiona o fiel a buscar a legitimação da função religiosa, pois guarda um misto de
amor e temor o qual fortalece a convicção e a fidelidade dos (as) devotos (as), por
tantos anos consecutivos.
A religião como mantenedora das funções sociais pode ser observada em
Bourdieu, 2003, p. (48) quando diz:
”Se a religião cumpre funções sociais, tornando-se, portanto,
passível de análise sociológica, tal se deve ao fato de que os
leigos não esperam da religião apenas justificações de existir
capazes de livrá-los da angústia, da existencial da contingência e
da solidão, da miséria biológica, da doença, do sofrimento ou da
morte. Contam com ela para que lhes forneça justificações de
existir em uma posição social determinada, em suma, de existir
como de fato existem, ou seja, com todas as propriedades que
lhes são socialmente inerentes”.
Para o autor, o campo religioso possui uma função social definida: busca a
hegemonia do poder. Uma vez que nele concentram-se mensagens de sistemas
simbólicos estruturados e estruturantes, de configuração alegórica, possibilitando,
portanto, a estruturação do mundo crente. Desse modo, a novena popular torna-se
134
uma potente fonte de poder; uma vez que assegura uma atitude de resignação à
miséria humana. Essa abrangência da função religiosa propicia a compreensão do rito
mariano, pois o mesmo desempenha, na vida dos fiéis, o retorno às aspirações
indispensáveis à felicidade.
Buscamos nesse capítulo dois, realizar uma pequena revisão histórica a
respeito do construto sócio-religioso infligido às mulheres que identificam Maria como
modelo de mãe a ser seguido, numa condição de inferioridade em relação aos
homens. O olhar histórico permitiu a percepção do preconceito. Então, fizemos a
análise de algumas entrevistas para comprovar o forte sentimento dessa dependência
imaginária que os fiéis têm da proteção da mãe, que muitas vezes é correlacionado
com a maternidade terrena.
Percebe-se que a intrínseca relação da maternidade divina de Maria tem
servido de condicionamento nas relações de gênero, onde a mulher tem assumido
esse papel, sem questionar suas outras reais potencialidades.
Faremos agora, no terceiro capítulo, uma análise mais aprofundada a respeito
da devoção à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, buscando desconstruir essa visão
limitada da maternidade, que não é uma obrigação apenas feminina, mas também
masculina. E, assim, poder apontar para a construção de um conceito mais eqüitativo
e humanizado, nas relações de gênero e de maternidade.
135
“As mulheres por todo o mundo – a sua mãe, a minha, você e eu,
a sua irmã, a sua amiga, as nossas filhas, todas as tribos de
mulheres ainda desconhecidas todas nós sonhamos com o que
está perdido, com o que em seguida irá surgir do inconsciente.
Todas sonhamos com os mesmos sonhos no mundo inteiro.
Nunca ficamos sem o mapa. Nunca ficamos sem poder contar
com a outra. Nós nos unimos através dos sonhos”.
(Clarissa Pínkola Estes em Mulheres que correm com os Lobos)
136
CAPÍTULO 3- A CONCEPÇÃO DA MATERNIDADE NA DEVOÇÃO A
NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO
Todo rito religioso possui características eminentemente sociais, pois aglutinam
um considerável número de pessoas que compartilham de uma mesma fé, cultivando,
dessa maneira, um hábito religioso. Para elucidar essa compreensão religiosa,
recorremos a Parker (1996, p. 51)
“Entendida a religião como uma empresa coletiva de produção de
sentido, além de suas funções sociais na constituição e na
regulamentação de relações do homem social com seu entorno
corporal, natural, social, histórico e cósmico, ela é um componente
primordial do campo simbólico cultural de um grupo ou sociedade
que, do ponto de vista de suas significações, remete de forma
explícita a uma realidade extraordinária e meta-social: o sagrado,
o transcendente, o numinoso”.
137
Como uma das formas de expressão religiosa, a novena dedicada à Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro tem tido, no decorrer de seus cinqüenta e três anos de
existência, na cidade, a adesão de milhares de fiéis. Um grande progresso foi
alcançado na propagação dessa devoção, desde meados dos anos noventa, na
cidade de Goiânia. Pode-se dizer que houve mesmo uma explosão da mariana, por
meio da novena. Isso pode ser comprovado pelo notório e crescente sucesso que
essa vem adquirindo junto aos devotos que lotam o santuário, todas as terças-feiras.
Para compreendermos melhor essa crença, lançamos mão da visão de Geertz (1989,
p. 67)
“[...] Na crença e na prática religiosa, o ethos de um grupo torna-
se intelectualmente razoável porque demonstra representar um
tipo de vida idealmente adaptado ao estado de coisas atual que a
visão de mundo descreve, enquanto essa visão de mundo torna-
se emocionalmente convincente por ser apresentada como uma
imagem de um estado de coisas verdadeiro, especialmente bem-
arrumado para acomodar tal tipo de vida”.
As pessoas que ali se reúnem, semanalmente, possuem características
pessoais, sócio-econômicas, culturais, bastante heterogêneas. Podemos traçar um
perfil, indicando por meio de nossa observação e entrevistas
19
, que se trata de
homens e mulheres que visam resolver problemas de ordem econômicas, afetivas, de
saúde, de relacionamento familiar, conjugal, entre tantos outros.
Nesse contexto, ao se tornar Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, a novena inseriu-se, na história da cidade de Goiânia, por meio da tradição
do catolicismo.
19
O trabalho de campo foi realizado durante um ano e quatro meses de observação, coleta de dados, gravação de
vídeos e entrevistas.
138
3.1- A sacralização temporal da novena
Como já vimos, essa prática religiosa
20
teve início nos anos cinqüenta, no
bairro de Campinas, por uma iniciativa do carisma Redentorista, os detentores da
romanização do poder. A devoção foi se popularizando entre o povo goianiense por
meio da divulgação dos próprios fiéis, pela tradição e pela Rádio Difusora de Goiânia.
Para a melhor compreensão desse fenômeno, recorremo-nos ao conceito de
tempo em Eliade (2001, p. 64)
“O homem religioso vive assim em duas espécies de Tempo,
das quais a mais importante, o Tempo sagrado, se apresenta
sob o aspecto paradoxal de um Tempo circular, reversível e
recuperável, espécie de eterno presente mítico que o homem
reintegra periodicamente pela linguagem dos ritos”.
A busca pelo tempo sagrado consegue ser um modo de harmonização da
vida, tendo em vista que integra os indivíduos a um período, por excelência,
sagrado.
O fenômeno religioso, ora apresentado, torna-se sagrado e saturado de
significado para os devotos. Nele, vêem-se homens e mulheres religiosas desejosos
(as) de participarem daquela sacralidade espacial e temporal, para impregnar-se de
poder. Podemos avaliar que o dia de terça feira tornou-se especial e característico
da fé mariana, na comunidade campineira.
A sacralidade manifesta, no tempo e no templo, pode ser compreendida em
Eliade (2001, p. 28) que diz:
20
O histórico da novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro foi pesquisado no site:
paroquia@matrizdecampinas.com.br : Acessado em 14/09/04.
139
“Para um crente, essa igreja faz parte de um espaço diferente
da rua onde ela se encontra. A porta que se abre para o interior
da igreja significa, de fato, uma solução de continuidade. O
limiar que separa os dois espaços indica ao mesmo tempo à
distância entre os dois modos de ser, profano e religioso”.
Para a justificação dessa sacralidade temporal e espaçial, Eliade propõe a
tese do fenômeno sagrado em sua totalidade. Ilustra a distinta oposição existente
entre “o sagrado e o profano as duas modalidades de ser no mundo”, como
interligados ao espaço e ao tempo, nas coisas cotidianas e através delas. O autor
afirma que, pelas hierofanias o fenômeno dá-se a conhecer, pois o sagrado é
saturado de ser (significado). Daí compreender que o homem religioso deseje
participar dessa poderosa realidade.
A permanência no local sagrado, no templo, diviniza o imaginário dos fieis,
causando-lhes uma intimidade com a divindade, que eles crêem estar ali,
presentemente, esperando-os.
O recinto sacralizado torna-se o cerne do mundo religioso para os fiéis.
Podemos reafirmar essa representação de acordo com Eliade (2001, p.109) quando
diz, “O simbolismo do ‘centro do mundo’ também ilustra a importância do simbolismo
religioso: é num ‘centro’ que se efetua a comunicação com o céu, e esta constitui a
imagem exemplar da transcendência”. O homem religioso vive, no universo sagrado,
por seu valor existencial; Essa sacralização dá-se pelo evocatio, por meio da
comunicação com o sagrado, com o objetivo imediato de homogeneização espacial.
Ele aplica, através de técnicas rituais e, assim, vive o sinal do sagrado, assumindo
então grande valor cosmogônico.
Ao enfoque da teoria de Eliade, pode-se dizer que o santuário mariano torna-
se o núcleo da fé. Nele, é possível os fiéis interagirem de modo transcendental com
140
o poder sagrado. Essa percepção simbólica garante-lhes maior força na e na
perseverança.
O dia da novena é sacralizado. O reforço dessa constatação pode ser visto
na fala da entrevistada (I.B., dona de casa, 56 anos)
”[...] Toda a semana fica mais leve depois que vou a novena.
Quando não posso ir, me faz muita falta, pois a novena faz parte
da minha vida, é um compromisso assumido com Maria. Para
mim, ela ocupa o primeiro lugar em minha vida. Penso que, se
ficar sem comer um dia, dois, não faz tanta falta do que não ir à
novena”.
Para a fiél é como se aquele dia, naquele horário, não houvesse outro lugar
possível de estar. A novena assume um valor essencial em sua vida, uma vez que
santifica todo o dia, por causa do rito sagrado.
Ali, aquele ambiente torna-se o cosmos puro e santo, o Centro do Mundo.
Eliade (2001, p. 61) assegura que, “a profunda nostalgia do homem religioso é
habitar um ‘mundo divino’, ter uma casa semelhante à ‘casa dos deuses’, tal qual foi
representada mais tarde nos templos e santuários”. A concepção religiosa é
traduzida no centro da montanha cósmica. A novena torna-se um tempo litúrgico
especial, uma vez que atualiza um evento sagrado, onde o homem religioso esforça-
se para aproximar-se da divindade e compartilhar do seu Ser.
A força do ritual é tão significativa que a entrevistada (A. M. M., pensionista,
72 anos) afirma, “a devoção que tenho à Maria, a Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro, é de tal modo que, na terça-feira, à tarde, não tenho outro compromisso
com ninguém, com ela”. O templo e o tempo são sacralizados, tornam-se o
centro da para a fiel. Isso possibilita compreender que, no imaginário popular, a
eficácia sagrada do rito gera a fidelidade incondicional. Porquanto, o lugar e o
141
tempo, onde são realizados os ritos religiosos, tornam-se pontos de referência da
divindade, pois remetem o fiel ao momento inicial de êxtase espiritual.
A existência humana reproduz um cosmo caracterizado como o mundo, um
universo sagrado, cosmicizado, consagrado, cosmogônico. É a relação metafísica do
homem com o mundo, cercado de sinais que apontam para uma realidade, a qual
foge ao seu controle racional. A sede ontológica do homem religioso é
compreensível diante do caos. Isso faz com que ele santifique o seu cosmo, num
mundo que se manifesta, na forma sagrada e profana.
O Santuário representa, na vida daquelas pessoas, a possibilidade de sair do
estado de desânimo e gozar da plenitude da graça por meio da devoção mariana. Ora,
essa ação devocional instaura em suas mentes a vivência momentânea do paraíso.
Pode-se perceber claramente essa relação de sacralidade espacial, na fala da
entrevistada, (A. M. M., pensionista, 72 anos): “Sinto-me muito bem, quando estou na
Igreja. É como se eu estivesse no céu. Eu gosto tanto que peço sempre a Deus para
me dar vida, saúde, coragem para continuar servindo a Igreja. (...) É tudo para mim”. A
evidenciada reação de contentamento tem a ver com a necessidade de se relacionar
com o sagrado, como forma de satisfação de suas próprias carências afetivas
existenciais que cada ser humano traz consigo.
É imperativo para os fiéis a vivência desse mistério tremendo, de dimensão
sagrada, que aquele fenômeno religioso lhes confere. Podemos recorrer a essa
dimensão sagrada, à luz de Otto (1985, p. 17/18)
“É o sentimento do mysterium tremendum, do mistério que faz
tremer. O sentimento que ele provoca pode espalhar na alma
como um calafrio. É onda de quietude de um profundo
recolhimento espiritual. Esse sentimento pode transformar-se
também num estado de alma constantemente fluído, semelhante
142
a uma ressonância que se prolonga por muito tempo, mas que
termina por se apagar na alma que volta ao seu estado profano”.
O sagrado é o elemento não racional e a sua relação com a racionalidade,
pois a religião não se esgota em enunciados racionais, que possibilita ao homem
a vivência da por meio de rituais que causa sentimentos essenciais, absolutos e
perfeitos, em relação à divindade.
O Numinoso é estabelecido como uma categoria complexa, de onde se
subtrai o elemento racional. O objeto santificado é visto fora da razão. Causa um
estado de alma manifestada na vida íntima, pela emoção religiosa, vivenciada com
um sentimento de criatura do não-ser diante o SER. Toda a experiência com o
numinoso é subjetiva, pois causa reação sentimental, vinda à consciência de cada
pessoa que experienciou essa categoria ou estado de alma.
Os fiéis atestam viver esse gozo, porque o dia da realização do culto religioso
é santificado e, desta maneira, afirma (A. B. R., comerciante, 58 anos): “Olha! A
novena é tão importante que eu renuncio a tudo. Se tiver de fazer uma viagem, eu
vou depois de ir à novena. Esse é um dia muito especial”. Evidencia-se, nessa
fala, que o espaço tem a importância de remeter ao extraordinário tempo e poder
fascinante, descrito por Otto, que fornece a fiel o sentimento tremendum de reação,
de emoção, que cativa e, ao mesmo tempo, emudece a alma, que faz tremer. No rito
mariano, o sentimento do mistérium tremendum faz tremer de amor e temor pela
força ali constituída.
A vida religiosa é essa relação de interação entre o sagrado que se manifesta
e o devoto que busca na manifestação ritual o contato místico capaz de prover
sentido em suas aspirações. Por meio dessa devoção, vimos como as pessoas
procuram-na como um modo de resguardar a integridade da pessoal e familiar,
143
uma vez que o sentimento, ali vivido, assegura a confiança, ajusta-se ao modelo
imaginário da sacralidade misteriosa. Segundo a entrevistada. (D. G. F. D. B.,
bancária aposentada, 49 anos)
“Sempre fui devota da novena; às vezes, choro lá, pois, lembro-
me da minha infância que foi toda vivida em Campinas,
freqüento desde a época do Pe. Pelágio. Eu entrava na fila do
sal, para receber o sal que ele colocava na boca das crianças.
São boas demais as lembranças que guardo dessa novena,
dessa Igreja. E hoje aqui me emociono por ser escolhida para
falar da minha devoção”.
Por essa fala, vemos que o efeito da emoção ficou impregnado no imaginário
da fiel, que atesta viver as mesmas sensações, de quando era criança. Portanto,
aquele rito gera confiança e segurança, uma vez que lhe remete ao tempo
extraordinário, pois gera um sentimento Tremendum, uma emoção que cativa e ao
mesmo tempo emudece a alma, que faz tremer. Sem dúvida, essas forças absolutas
da divindade criam um sentimento de fraqueza, dá-lhes a consciência de ser e
cinzas, diante do absoluto, conseqüentemente, gerando a humildade religiosa.
Vejamos o depoimento de (M. T. B. R., aposentada, 59 anos)
“[...] há mais ou menos uns vinte anos, fui fazer a novena porque
acredito em Maria, que ela intercede de modo firme, junto a
Deus Pai, por minhas necessidades. A vida da gente é assim: se
você não apegar em algo, na fé, a vida fica sem sentido, fica
triste, porque problema todo mundo tem, e a ajuda a gente a
superar esses problemas, e Maria é especial nessa ajuda”.
A necessidade de dar significação à vida faz dessa devoção um caminho
seguro para a fiel, uma vez que nela se concretiza um meio eficaz de livramento dos
medos existenciais. Segundo a entrevistada (G.R.S., professora aposentada, 66
144
anos), “todos nós na vida temos muitos problemas, e na novena tenho conseguido
muitas graças para mim e toda a minha família [...]”. Maria é invocada como agente
de intercessão benevolente. A devoção é assumida como meio de fortificação,
consolo e fé nas graças benfazejas que a fiel diz receber em sua vida.
A novena é um momento ritual em que o individuo busca, por acreditar na
potência sagrada a ela conferida. Essa eficiência pode ser compreendida de acordo
com Durkheim (1989, p. 432)
“A eficácia moral da cerimônia é real e é diretamente sentida por
todos aqueles que dela participam; ocorre uma experiência,
constantemente renovada, e da qual nenhuma experiência
contraditória diminui o alcance. Além disso, a própria eficácia
física não deixa de encontrar pelo menos confirmação aparente
nos dados da observação objetiva”.
A fé, no efeito do ritual, é o grande artifício que congrega as pessoas e faz
com afiancem sua adesão naquele rito religioso, que instaura, nelas, uma
realidade possível de ser alcançada.
Vejamos alocução da entrevistada (A. B. R., comerciante, 58 anos)
“A novena é um impulso do Espírito Santo, pois Maria é
esposa dele, vem gente de todo canto da cidade e do interior
próximo de Goiânia para vê-la. Essas pessoas são impulsionadas
pelo Espírito Santo. Ela é a primeira evangelizadora, e através da
leva o povo para seu filho Jesus. É impossível amar Maria sem
amar Jesus. Acho que o Espírito Santo incomoda todo mundo
para ir à novena agradecer”.
A novena é encarada pela fiel como manifestação da vontade divina, como
impulso espiritual. Assim, em sua concepção, fica garantida a força inequívoca do rito,
pois acredita que a realização da novena versa a vontade da divindade maior. Por
145
isso, torna-se legítima a sua devoção a Maria, visto que ela é a propulsora da vontade
de Deus. Essa concordância pode ser compreendida em Lemos (2005, p. 198/9 )
“Na tradição cristã, mais especificamente na Católica, Maria,
mãe de Jesus é uma criatura considerada privilegiada. Deus
quis fazer-se homem e a escolheu para sua mãe, cumulando-a
de todos os dons e virtudes, a fim de preparar sua morada em
seu seio virginal. Essa concepção traz consigo paradoxos
impossíveis de serem resolvidos, considerando que tais dons e
virtudes estão quase sempre relacionados com a restrição da
sexualidade e da autonomia das mulheres”.
Na compreensão dos fiéis, Maria, em sua maternidade, age em nome de um
desejo que é Divino. Isso é visto pelos fiéis como uma fonte de privilégio. Eles não
conseguem perceber a imposição da vontade alheia sobre a sua condição de
mulher. Acerca desse contra-senso, persiste Lemos (2005, p. 198)
“Se é assim, então se torna interessante o fato de que na trilha
do judeu-cristianismo, mais especificamente do catolicismo, o
sagrado da maternidade não confere poder que o sagrado da
paternidade confere. A maternidade é considerada sagrada
porque possibilitou a hierofania, a revelação de Deus, que é pai
ou filho, portanto masculino”.
A imposição da maternidade aos moldes da religião judaico-cristã ostenta um
caráter de sacralidade, porque concebeu a hierofania masculina, meio eficaz de
suplantação para culpabilidade do pecado original, que fora, arbitrariamente,
arremessado sobre as mulheres.
3.1.1- Maria, símbolo, por excelência, da maternidade, no catolicismo popular
É unânime, junto às pessoas entrevistadas, a forte devoção instaurada por
146
meio dessa novena. Um forte elemento manifesto na fala dos (das) entrevistados
(as) é o conceito de Maria como Mãe. Segundo eles, esse é um apropriado modelo a
ser seguido pelos fiéis. Tanto homens quanto mulheres vêem, nesse elemento,
verdadeiro motivo de veneração. Ao invocarem a ‘mãezinha do céu’, são
cuidadosamente afetuosos (as).
Vemos em Lemos (2005, p.211 ) como, “[...] uma sacralização da imagem
da mãe que protege, ama o filho sobre todas as coisas, figura tão forte que não
deveria morrer nunca, aquela que é a única que sabe agüentar tudo, aconchego e
refúgio nas horas de aperto e desespero”. Essa construção religiosa tem sido eficaz,
tendo em vista que elabora, no imaginário popular, a similaridade da relação filial
social.
De acordo com o entrevistado (A. L. F. B., auxiliar de serviços gerais, 26
anos)
“Para mim ela é TUDO, é a minha mãe que ajuda bastante nas
horas difíceis, ela é tudo para s. Eu a comparo com minha
mãe da terra, que até hoje liga em casa, para saber se está tudo
bem. Que se preocupa, se todos filhos estão bem. Acho que ser
mãe é ser como Nossa Senhora (...)”.
Desse modo, a devoção à maternidade de Maria fica marcada pelo elo de
afetividade filial terrena. Eles sugerem o desejo de serem adotados, espiritualmente,
pela proteção da mãe. Vemos essa representação maternal mariana também no
pensamento de Parker (1995, p. 167) para quem:
“A religião popular afirma a mulher e o feminino, através da
centralidade da figura da Virgem Maria. Se a simbologia
Mariana não está diretamente ligada à natureza, como fonte de
147
vida, como o é na religião popular agrária, permanece como
figura ligada à gestação, ao crescimento e à proteção da vida.
Na figura de Maria, como vimos, encontra-se a visão popular da
mãe, tão importante na constituição da rede de relações
familiares e sociais da cultura popular”.
O autor afirma uma determinada concepção, da mulher e do feminino,
apresentando-a como serviçal. Isso vem sendo encarado como natural e não como
construção social. A devoção do catolicismo popular, ao comparar Maria com a mãe
benfazeja, cria no fiel uma expectativa de santidade, de benevolência de uma mãe
para com seus filhos, não podendo, assim, separar a maternidade de Maria, divina,
com a maternidade real.
A construção do valor social que a mãe apresenta, na sociedade, traz
conseqüências para a forma como se concebe a maternidade. Esse formato pode
ser visto na percepção da devota (R. S. A., empresária, 29 anos), quando diz, “[...] a
paz, tranqüilidade, a imagem da mãe que protege e ampara seu filho, exatamente
como Maria faz conosco”. Essa imagem de proteção maternal é um fato
concretizado no imaginário simbólico dos (as) devotos (as). De acordo com (A. M.
M., pensionista, 72 anos), “[...] penso que mesmo o amor de uma mãe como
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e de seu Filho Jesus é que pode ajudar a
gente a superar tanta dor”. A construção imaginária da faculdade de Maria ser mãe
está, inseparavelmente, aliada ao serviço outorgado por Deus. Segundo eles, Maria
tem grande força para erradicar as privações e as dores existenciais a quem pede
sua ajuda maternal.
Segundo Buscemi (2003, p. 107), “Maria, e de deus, transparece como
meio da realização do homem e da mulher. Ela gera um homem que é Deus,
148
maternidade divina. Ela gera um deus que é verdadeiramente homem, maternidade
humana”. Essa ligação misteriosa da divindade e humanidade de Jesus não confere
à Maria um status, nem se reveste de reconhecimento material e simbólico da
mulher, ser humano que, entre tantas outras coisas, é também mãe. Pode-se afirmar
que a força dessa devoção está no fato de Maria ser a personificação da
maternidade sagrada e vela por seus filhos adotivos.
A mulher Maria é retratada pela entrevistada (A. M. M., pensionista, 72 anos)
como, “eu vejo uma mulher simples, humilde, o que ela foi toda a vida, humilde, pois
quando Deus Pai a escolheu foi por esse motivo (humildade) para ser a mãe de
ternura”. Seguramente, a figura exemplar da modéstia maternidade toma todo o
espaço da mulher que existiu em Maria. Essa distinção é uma obsessão e encontra-
se fortemente arraigada, no imaginário dos fiéis; portanto, difícil de ser modificada.
A forma arquetípica da maternidade é um prejuízo às mulheres. Vemos essa
em Lemos que (2005, p. 203)
“A obrigatoriedade simbólica da reprodução é a face mais
perversa da opressão das mulheres. O cuidado das crianças se
confunde com a geração das crianças, e a maternidade se torna
a instituição que mais oprime as mulheres. [...] A
responsabilidade pela educação dos filhos recai sobre elas [...]”.
Como vimos, anteriormente, a opressão, por meio da maternidade, tem
conseguido, com êxito, sobrecarregar a mulher com o trabalho que é também dos
homens, tendo em vista que, é a partir da união dos dois, que resulta o dado
biológico de procriar. A óbvia incumbência feminina de carregar, por nove meses o
bebê, tem sido prolongada por toda sua existência. Precisa-se criar uma nova
mentalidade social a esse respeito, pois, ao nascer, o bebê é responsabilidade dos
149
dois. Desse modo, a arte de cuidar, precisa de ser compartilhada. assim, haverá
uma real e imaginária mudança na concepção de paternidade responsável.
Maria é vista como mãe na fala da entrevistada (M. E. B. A., pensionista, 39
anos), “[...] ela é a mãe que ama, acalenta e protege os seus filhos, dos medos, das
dores, angústia”. Esse é um outro forte traço que se propaga no imaginário simbólico
dos devotos: buscar amor, ajuda, para suplantar tantas amarguras. Essa concepção
pode ser analisada, à luz de Lemos (2005, p. 212), quando afirma, “[...] o discurso
literário sempre foi utilizado, conscientemente ou não, para a transmissão dos
mecanismos de controle do patriarcado, feitos através da maternidade e do mito do
amor maternal”. Sempre houve grande empenho em apregoar a maternidade como
fonte de inesgotável amor e doação. Como vimos, essa ideologia perpassou a
história da filosofia, da teologia e ainda é evocada como meio de sobrepujar as
dificuldades diárias dos fiéis.
A representação de Maria é vista pela entrevistada (I.P.B., funcionário pública
aposentada, 70 anos)
“Eu vejo o rosto da mãe preocupada com o filho, com o povo,
porque seu olhar se estende para quem olha para ela. Seu olhar
é terno de mãe que segura o filho, que se preocupa com o futuro
do filho, pois ela já tem a visão de que tipo de morte ele teria. [...]
No entanto, ela guardava todas essas dores em seu coração,
permanecia em silencio e agia”.
A feição de Maria é vista pela entrevistada, como a grande força, atestada
pelo seu silêncio e exemplo de firmeza, diante de sofrimentos. Maria é uma “pessoa”
que está junto delas, lado a lado; é um ser com elas. Desse modo, é criada a opinião
150
de que é obrigação da mulher ser a existência contínua que socorre, afaga, acalenta
a consternação, suavizando e sanando as feridas de seus filhos.
Essa construção social pode ser analisada, de acordo com Ávila (1997, p. 14)
“As formas de convivência com a função reprodutiva deve estar
evidentemente ligada a definições de ordem cultural e de desejo
pessoal, no entanto, sem parâmetros éticos para verifica-las
sempre o risco de se justificar uma violência a que ela possa
estar submetida com os argumentos da ordem e dos costumes.
Os efeitos perversos de um modelo de sociedades que despreza
a procriação dos seres humanos fazem das mulheres suas
maiores vítimas. O fato das mulheres terem a capacidade
biológica de procriar não implica necessariamente que elas
engravidem e tenham partos naturalmente’ como uma
manifestação dos seus corpos ou da sua sexualidade.
Processos de procriação ou reprodução são historicamente
determinados, são atividades socialmente organizadas”.
É construção social aquilo que durante milhares de anos foi compreendido
como imposição natural.
Assim, fica evidenciado que, na concepção imaginária dos fiéis, a
maternidade de Maria é algo que não precisa, nem pode ser questionado. Essa
“obrigatoriedade” foi imposta, arbitrariamente, sobre as mulheres. De acordo com (G.
M. L. V., contabilista aposentado, 64 anos)
“[...] A mãe da gente é a nossa primeira catequista, assim como
ela foi de Jesus, ela é a nossa catequista. Ela vai transformando
a nossa fazendo crescer com seu exemplo de família, que é à
base da fé. Olha, não adianta você mandar seus filhos ir para a
Igreja se você não for, então tem que ser modelo para eles,
assim como Nossa Senhora é para nós”.
151
A figura arquetípica da mãe educadora da moral e dos bons costumes é
bastante forte no discurso dos fiéis. Eles se relacionam com os valores
absolutizados, buscam, nessa devoção em Maria, a possibilidade de significação
real e existencial para eles mesmos e para sua família. Isso tem se tornado uma
forma perspicaz de acarretar sobre as mulheres a sobrecarga de funções e de
responsabilidades, ao invés de levar à igualdade de relações entre homens e
mulheres, pais e mães.
Queremos discorrer sobre a mulher Maria, sob a óptica de Gebara (1988, p.
27), “[...] uma releitura de Maria a partir das exigências de nosso tempo e, em
particular, do momento privilegiado que vive a humanidade toda com o despertar da
consciência da mulher”. Podemos ponderar que a discussão foi aberta para a
verificação do papel real de Maria com uma nova visão, que extrapola a condição de
ser mãe. Esse é o momento de fronteira, onde se pode pensar numa reflexão mais
aberta acerca dos conceitos padrões impostos, há tantos anos, sobre a maternidade
de Maria, e, conseqüentemente, sobre toda sua descendência. Essa é uma longa
discussão que deverá ser arrolada ainda por muito tempo, na história das mulheres,
tendo em vista a carência afetiva tal como se apresenta na devoção mariana.
Na novena, homens, mulheres, jovens e idosos comunicam-se com o mundo
sagrado, à procura incessante e carente da mãe. Ao serem perguntadas sobre o
perfil artístico de Maria, representado no quadro de devoção à Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, vimos a centralidade da maternidade exposta em suas vidas.
Vemos essa confirmação na fala da entrevistada (G. R. P. R., secretária escolar, 49)
“Vejo a mãe que segura um menino no colo indicando com a
mão o seu filho, como nosso irmão e salvador. O olhar dela é de
152
firmeza, é como se dissesse: ‘Eu to’ olhando por você,
intercedendo por você. Sabe, depois que Jesus levou minha
mãe eu me apeguei mais ainda a Nossa Senhora, é ela que
cuida de mim agora como uma verdadeira mãe [...]”.
Ela atesta que o olhar de Maria é de indicação para o seu Filho. O importante
é Ele, não ela. Isso gera, no imaginário, maior encargo, já que a maternidade gera a
divindade. Maria é invocada como uma força de trabalho contínua e permanente a
serviço da divindade e dos (as) filhos (as) terrenos (as). Nesse sentido, a relação de
maternidade sempre perpassa pelo crivo do sacrifício e renúncia da mulher.
Para compreendermos a discrepância dos papéis sociais, podemos recorrer à
teoria de Lemos (2005, p. 212)
“[...] É preciso defender e exercer o direito a modos diversos de
se relacionar com filhos/as, pois o que oprime a mulher não é
apenas a obrigatoriedade da reprodução. O sacrifício e a
dependência como modelos únicos para maternidade oprimem
tanto quanto, e reforçam a opressão da reprodução obrigatória.
Essa nova concepção de maternidade está sendo reivindicada
também pelas mulheres, embora de maneira ainda não muito
clara e elaborada”.
Existe uma real necessidade de compreensão de que homem e mulher são
parceiros na maternidade e que ambos devem assumir sua parcela na reprodução
biológica e social. As entrevistas com os (as) devotos (as) demonstraram uma
grande deficiência de afeto, pois o significado de Maria como Mãe é uma
necessidade primordial, na vida dos fiéis. Segundo a pesquisada (A. B. R.,
comerciante, 58 anos), Maria:
153
“É uma mãe olhando para a humanidade. Seu olhar é terno,
acolhedor; ela olha pra nos acolher também hoje. As mãos de
Maria seguram a mão de cada um de nós para dar força, fé. Ela
é segurança para Jesus; então com certeza, é segurança pra
nós também. O olhar de Maria é tão profundo, transmite
compaixão, amor, alegria [...]”.
Com a formatação da fé, nesses moldes, podemos assistir a uma real
insuficiência psíquica de afeto, manifesta na relação social com a mãe.
outra possibilidade de existência da maternidade em Lemos (2005, p.223)
vemos que:
“[...] A maternidade pode e deve ser também um lugar de criação
de relações igualitárias, de reinvenções de práticas de gênero no
campo da reprodução e do cuidado, não apenas incluindo os
homens no exercício do cuidado primário, mas sim, e talvez
principalmente, reinventando as formas como as mulheres se
relacionam com as crianças”.
outras maneiras de relacionar-se com a figura de Maria além da
maternidade. Pensamos que esse momento de interstício favoreça essa discussão.
Podendo incidir no âmbito da consciência feminina, suas outras reais possibilidades
de existir.
Uma nova imagem de Maria atestada por Gebara (1988, p. 29)
“Maria é mais do que ‘simplesmente Maria’, é mais do que a mãe
de Jesus é mais do que o povo simbolizado numa mulher. Maria é
criação divina do humano e no humano. Por isso se pode falar da
revelação ‘sem fim’ de Deus em Maria. Cada época histórica
‘revela’ ou ‘projeta’ o desejo de algo sublime, maravilhoso,
pequeno, grande, porém sempre cheio de esperança na figura de
uma mulher, deusa, mãe, esposa. Maria, a mãe de Jesus, Maria
de Nazaré entrou em diferentes culturas humanas, encontrou-se
154
com suas divindades, influiu nelas e recebeu delas influência. O
rosto de Maria de Nazaré tornou-se múltiplo, como o desejo
humano, como as respostas de amor. Estas são ao mesmo tempo
tão diferentes e semelhantes”.
A óptica da autora abre-se em direção às infinitas possibilidades de ser mulher,
sob um novo modelo de Maria. Essa disposição é construída, numa tese teológica
feminista que prioriza o diálogo, e abrange as variações presentes na vida das
mulheres. Como vimos, a teologia tradicional erigiu uma relação desigual de
gênero.
Podemos ver essa desigualdade, à luz de Schottroff (1995, p. 139)
“[...] na comunidade cristã homens e mulheres colaboram, em
igualdade, no ‘serviço/diaconia’ do Evangelho no seguimento de
Jesus. Essa forma óbvia de relatar esse fato não é, na verdade,
tão evidente em vista das relações sociais da antiguidade, onde
mulheres eram vistas e avaliadas na função de mães e de
esposas, e não como pessoas que agem autonomamente”.
A autonomia feminina é muito difícil de ser alcançada, com a estrutura vigente
na Igreja romana, que insiste em privilegiar o domínio do masculino. Pensamos que é
a hora de mudar essa concepção. De acordo com Gebara (1988, p. 12)
“A mariologia tradicional fala de Maria em termos femininos,
idealizando-a a partir de certas qualidades ditas femininas, porém
vistas segundo a ótica masculina. Assim sendo, ‘Maria é
recuperada’ por uma visão antropológica/teológica e passa a
justificá-la na medida em que é produto dessa visão. Por isso,
Maria, a mãe de Jesus, mãe de Deus, tal como é apresentada
pelo mundo androcêntrico e patriarcal, não provoca conflitos, mas
ao contrário, fortalece as bases culturais desse mundo, na medida
em que se tornou também a sua grande mãe”.
155
Reconhecer Maria como modelo de mãe a ser imitado é, como vimos, um
jeito de dominação ideológico patriarcal
21
. Realçamos que a maternidade, assim como
a paternidade, é uma responsabilidade de mulheres e homens, que ambos
possuem a essência masculina e feminina e esse cerne tem sido usado como um
privilégio masculino, sob forma de dominação. São passados mais de dois mil anos da
encarnação do verbo divino, e, ainda assim, têm-se atribuído à mulher predicados
utilitários como: canal da graça, receptáculo, meio, instrumento, e tantos outros
atributos que lhe conferem apenas a coisificação pelo divino. Essa expropriação é
típica da cultura androcêntrica que utiliza a mulher como utensílio, para manejo e uso
a seu bel-prazer e conveniência.
3.1.2- O pedido de bênção e proteção à “mãe de Deus”
Durante a realização das entrevistas, alguns fiéis disseram praticar a novena,
porque querem, apenas, agradecer as tantas graças alcançadas. É espantoso
como “todos” (“as”) entrevistados (as), sem exceção, demonstram sua infinita
gratidão à Maria, por sua proteção. Atestam que ela é a grande benfeitora em suas
vidas. Diz a entrevistada (S.D.D., costureira, 52 anos), “para mim, é uma protetora
que tenta proteger os filhos. Por exemplo, aqui em casa, na hora do aperto, as
minhas filhas vêm em busca do meu auxílio; eu cuido de dois netos para ajudar
minha filha que trabalha fora. [...]”. É essa proteção da mãe companheira que esta
sempre disposta a ajudar seus filhos, que faz com que aquele rito seja tão eficaz, no
imaginário dos fiéis.
21
Resumo das idéias contidas nas p. 122- 126 “sob custódia e submissa”, do livro: A história das Mulheres – A
Idade Média.
156
Entretanto, Maria pode ser vista de maneira mais fascinante. Para isso,
recorremos a Reimer (2003, p.35), quando diz, “a memória de Maria continua viva na
vida de tanta gente que, como ela, se coloca a serviço do Reino de Deus.
Simplesmente Maria, com toda gana, graça e garra... nem mais, nem menos...”.
Nessa visão feminista, ser mulher, a exemplo de Maria, significa reconhecer a sua
força interior, a sua bravura exteriorizada na sua ação diária de tantas mulheres
anônimas.
Avançando com os relatos, vemos o da entrevistada (S.D.D., costureira, 52
anos)
“De uma coisa eu tenho certeza: Ela, Nossa Senhora, está
sempre presente em nossa vida e acode nas angústias. Eu vou
te dizer uma coisa: ‘tudo’ que você precisar na vida, reze uma
Ave Maria para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que ela te
atende na hora”.
Ao falar dessa maneira, a entrevistada apresenta o forte desejo de suportar
melhor sua dificuldade. Ela não progride em direção à sua autonomia em ser mulher,
recorre à Maria para aliviar aquilo que não consegue resolver por si mesma, é
dependente da fé, na maternidade de Maria. Esse tipo de recorrência é visto por
Lemos (2005, p.226) como:
“A eficácia simbólica da religiosidade popular está presente, seja
para explicar o sentido da vida e seus tormentos, seja para
resolver, via proteção divina cotidiana ou via milagre
excepcional, os verdadeiros problemas que pedem respostas.
Essas respostas religiosas, no entanto, não implicam
necessariamente em um compromisso ético de mudança de
comportamento”.
157
Em muitas falas, pode-se perceber a recorrência ao rito como forma de
refúgio aos medos presentes no mundo e no imaginário dos fiéis. O ritual torna-se
um escudo de proteção meio a tantos tormentos existências. A denominação de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro já é a explicitação desse desejo de assistência
esperada pelo (a) filho (a), que a invoca. Desse modo, essa crença torna-se um
valioso instrumento de guarida aos mais carentes conforme observa (A. L. F. B.,
auxiliar de serviços gerais, 26 anos), “[...] eu me apego a ela para me proteger e
livrar de todos perigos, pois o trânsito é muito perigoso, eu tenho de agradecer cedo
e à noite, porque ela me protege do perigo”. A devoção torna-se um meio de
suplantação aos perigos reais. No imaginário do fiel, a busca pela devoção torna-se
um meio eficaz de proteção à vida real.
A incessante busca pela amparo pode ser vista em de Sousa Filho, (2001, p.
16), quando afirma:
“A difusão do medo serve para manter todos os indivíduos na
normalidade da cultura instituídos e muitos dos ritos coletivos,
alimentados pelo medo, servem para aliviar as tensões
psíquicas, funcionando como soluções para desequilíbrios que
ameaçam a ordem”.
Assim sendo, a fé serve como um conforto aos temores e ameaças existentes
na vida real e imaginária dos fiéis.
As dores e as angústias são abrandadas pela fé, na assistência espiritual.
Vejamos como Maria é importante para a entrevistada (M.E.B.A, pensionista, 39
anos)
158
“Nossa! É tudo, mãe, irmã, companheira. Sempre quando eu
precisei dela ela me ajudou. Ela é maravilhosa! Ela sempre tem
tempo para quem busca sua ajuda. Quando vou saio, guiada,
(emoção); quando fiquei viúva, eu comecei a fazer a novena, e
buscava desesperadamente o consolo para a dor que eu
sentia”.
Na visão da entrevistada, Maria é a única que pode sustentá-la em sua
miséria; é fonte de penhor. Essa certeza é capaz de resgatá-la do medo existencial.
A sensação de desventura, de pedido de socorro, pode ser compreendida segundo
Sousa Filho (2001, p. 15), “o medo passa a ser, antes de tudo, temor metafísico da
desagregação e da destruição da ordem social e da natureza”.a confiança pode,
nesse sentido, resgatar o medo efetivo dos fiéis.
A proteção de Maria, no dizer dos fiéis, é soberana e justa. Ela é concebida
como uma realidade absoluta. Vejamos o depoimento do entrevistado, (Z. F.A. C.,
comerciante, 33 anos)
“Eu peço que ela ilumine meu caminho. Eu peço, caso eu tenha
feito alguma coisa errada, que ela me faça pagar pelos meus
erros, mas, dentro da legalidade. Isso é o que eu mais peço.
Hoje, eu agradeço. Eu sinto total proteção dela. Pra mim,
ela é tudo. Tudo eu peço a ela. Desde quando eu levanto até a
hora de dormir”.
Essa estima atribuída à Maria tem muito a ver com o medo de ser castigado,
punido. E, muitas vezes, por sentir a voz sutil e silenciosa da própria consciência.
Esse sentimento de temor pode ser compreendido em Sousa Filho (2001, p. 22)
quando diz:
159
”O próprio homem, implicado na criação de seu mundo, cria não
apenas o ambiente externo de viver, mas os valores, as idéias,
os modelos e as orientações de sua conduta, modelando-se
como ser social. Seu comportamento é um produto de suas
próprias práticas no processo de criação de seu mundo”.
O fato de recorrer à proteção divina torna-se um modo racionalizado de
abrandar os possíveis perigos a serem enfrentados, no mundo.
A evocação à proteção de Maria auxilia na vida, ocasionando bem-estar e
garantia de um dia feliz. De acordo com a entrevistada (D. Q. S., costureira, 59
anos), “todos os dias eu abro meus braços ao levantar, ali na porta da cozinha, e
peço a Jesus e Maria que guardem o meu dia. Ofereço todos os meus trabalhos. Sei
que isso me protege”. Ao invocar a proteção à divindade, faz com que o fiél adquira
a confiança naquele ritual, e isso fortalece sua razão em seu imaginário.
O temor existencial dos fiéis pode ser visto em Sousa Filho (2001, p. 13)
“O medo, entre os homens, é o resultado, principalmente, da
faculdade de imaginar, de que apenas os indivíduos humanos
são dotados. A existência do fenômeno se deve certamente ao
fato de o homem ser, essencialmente, uma criatura do
Simbólico”.
A capacidade de racionalizar sobre a própria existência humana faz dos
indivíduos seus próprios predadores imaginários. Vemos a recorrência ao simbólico,
na fala da entrevistada (R. S. A., comerciante, 29 anos)
“Toda a que eu tenho é por Maria. Ela significa confiança,
paz, socorro. Ela é o socorro nas horas de angústia, é o amparo
na falta de fé, ela é TUDO [...] Então fazer a novena significa
160
para mim essa certeza da proteção, do socorro e do amparo que
ela da para mim e toda a minha família”.
A estabelece uma conexão intrínseca na vida e na família da devota. Por
meio da crença em Maria, efetiva-se uma forma de prevenção contra os perigos e os
medos, estabelece-se uma troca de favores. O fiel tem a devoção e, em troca,
recebe a proteção da Santa.
Vejamos o depoimento da entrevistada, (M.E.B. A, pensionista, 39 anos)
“Sofri dois grandes choques na minha vida: a perda, em trágico
acidente, do meu marido, depois de dez anos, aos trinta e sete
anos, quando engravidei do meu novo companheiro, mesmo
tendo feito a laqueadura das trompas, o pior é que estávamos
separados. Me desesperei. Quando ia à novena, chorava muito,
com o tempo, resolvi consagrar aquele bebê, que tinha no
ventre, à Nossa Senhora, e as coisas foram mudando. Fiz um
enxoval caríssimo! Comprei mais de dezessete pares de
sapatos, gastei muito dinheiro para decorar o quarto desse meu
filho, como fiz dos outros também, que algo me esperava
para testar a minha fé. No dia de dar a luz, passei a noite
sozinha ouvindo os CDs da novena e pedindo proteção para a
hora do parto, pois tinha medo de morrer e deixar meus outros
três filhos desamparados. Tenho o sangue negativo. Meu filho
nasceu com sangue positivo e a saúde dele ficou comprometida.
Desesperei-me novamente. Viúva, sozinha e com um filho na
UTI, você não sabe o que é isso. O desespero foi tão grande
que pedi à Nossa Senhora, a quem eu havia consagrado ele,
que cuidasse do meu filho. O meu bebê ficou nu, durante sete
dias, na incubadora. Então, veio, no meu coração, que todo luxo
do enxoval, da decoração do quarto de nada valiam e senti que
Nossa Senhora queria simplicidade. Então, doei todo o enxoval
que havia sido compro em São Paulo. Hoje, meu filho es
161
curado, e graças a ela, aprendi que bens materiais têm valor
quando temos saúde e paz. Eu procurei resposta para a minha
dor em muitos lugares, e encontrei consolo verdadeiro nos
braços de Maria, Nossa Senhora”.
Esse relato remete-nos à reflexão sobre a humanidade e a divindade que
Maria adquire, no imaginário simbólico da fiel. Transparece, nessa alocução, que ao
recorrer à Maria, nesses dois momentos de grande fragilidade, eles foram sendo
extintos pela companhia da mãe protetora. Desse modo, podemos aferir que a
recorrência dessa mãe, num momento de total desespero e desamparo, foi
suficiente para solucionar o desamparo, a solidão, o medo e a angústia sentidos
naquele momento de sua vida.
Pode-se, verdadeiramente, pensar em muitas coisas para responder a essa
formação imaginária de Maria-Mãe, pois, de fato, existe uma determinação social
contribuindo para esse imaginário, buscar nela, o arquétipo de mulher mãe.
Contudo, não se pode deixar de pensar na responsabilidade que isso tem
acarretado à mulher, pois, na de tradição católica popular, a mulher continua
subjugada ao papel de serviçal e não de companheira. Com esse juízo corre-se o
risco de dar continuidade à servidão, fazendo com que a mulher permaneça nesse
posto de inferioridade junto ao homem.
3.2- A construção do papel sócio/religioso da mulher: ser mãe
Na Bíblia Sagrada dos cristãos, está escrito o relato do paraíso. Em Gênesis,
capítulo 3, versículo 16, Deus fala que em decorrência do pecado original, “a mulher
ele disse: ‘Multiplicarei as dores de tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos. Teu
desejo te impelirá ao teu marido e ele te dominará’”. Eva transgrediu as normas
162
estabelecidas no paraíso e comunicou sua transgressão ao homem. Esse, por sua
vez, infringiu a mesma norma. Todavia, a mulher foi culpada pela ação de Adão e
duramente castigada. Vê-se o início da (des) construção da figura feminina, na
tradição judaico-cristã. Infelizmente, o autor do livro sagrado condenou a mulher a
amargar, sozinha, a dureza da maternidade com muitas dores e culpas
22
.
O construto social da maternidade, como vimos, foi, profundamente,
assentado na filosofia, na teologia e em toda a literatura escrita, até a entrada das
mulheres nas academias, por volta do século XVIII. Desse modo, podemos recorrer
à fala de Lemos (2005, p. 210), que diz, são inumeráveis os poemas sobre Maria,
enquanto modelo para todas as mães e ‘mãe das mães’, percorrendo os diversos
períodos literários em ambas as vozes masculina e feminina”. Esse modelo veio
sendo incorporado, no imaginário dos fiéis por milhares de anos, e não podemos
pensar que essa visão estreita das possibilidades de existir de uma mulher possa
ser validada por muito tempo.
Falar de gênero torna-se, de fato, uma questão de valoração antropológica. Hoje,
milhões de cristãos católicos, no Brasil, colocam Maria num lugar peculiar. Essa
devoção foi mediada pelo papel maternal que Maria exerce, no imaginário humano,
de prover de cuidados sua prole. Essa concepção de maternidade tem sido muito
producente, pois instaura a responsabilidade de gênero sobre a mulher Maria,
invocada pela Igreja para assumir o papel de co-redentora e não da salvação
humana. Segundo Lemos (2005, p. 127)
“A tradição judaico-cristã, que prevalece em nossa cultura
Ocidental, tem apresentado a idéia de que o sagrado por
excelência (Deus) é uma entidade masculina. Além disso, a forma
privilegiada desse Deus se manifestar, a hierofania, é também
22
Reflexão feita a partir da leitura de Jacques Dalarun: Olhares clérigos (1990, p. 34/5.53)
163
masculina. Vejamos alguns exemplos: a imagem tradicional da
divindade é a de um velhinho sábio; Esse cria primeiramente Adão
para depois Eva; Eva peca e leva Adão a pecar também (além de
não ter sido criada primeiro, Eva não merece confiança, é
responsável por todos os males). De acordo com a tradição bíblica
Deus se revela em Abraão, Isaac, Jacó, José, Moisés, Davi,
Salomão, Josué etc, e a sua hierofania por excelência se em
Jesus, também homem. Cadê as mulheres?”
Vê-se, desta maneira, que houve o cuidado, na construção de uma cultura
androcêntrica, em detrimento das mulheres. Essa constituição foi profundamente
sedimentada pelo cristianismo, sobremaneira pelo fato da divindade sempre se
apresentar sob forma masculina, no vocabulário judaico cristão. Favorecendo o
autoritarismo masculino, afirma Lemos que, (2001, p. 456)
“Paralelo ao processo de condenação de Eva, o culo XII viu o
grande impulso de elevação das virtudes de Maria. Os mesmos
autores que escreviam cartas alertando sobre os perigos de se
aproximar das mulheres, rezavam fervorosamente a Maria,
confiaram-lhes suas faltas mais inconfessáveis, dedicaram os
mais doces poemas à única, sem exemplo, Virgem Maria. Nas
meditações, fazem-se especulações sobre a natureza, a
identidade e as virtudes específicas de Maria. Delineiam-se os
quatro grandes dogmas pelos quais a Igreja Católica a aborda:
maternidade divina, virgindade, imaculada conceição e assunção.
Faz-se uma grande especulação sobre como comprovar a
maternidade da virgem Maria”.
A doutrina do pecado original e da graça, elaborada por santo Agostinho, nas
primeiras décadas do século V, aprimorada pela suma teológica arquitetada por
Tomás de Aquino, a partir do século XIII, estabeleceu a condenação da mulher Eva na
164
cultura cristã, e criou, como única possibilidade de clemência dessa culpa, a devoção.
A figura exemplar de Maria configura o papel da idealidade de mulher humilde, de
serviço e de escuta, através do silêncio. Desta forma, o catolicismo efetivou a punição
pela perversidade de Eva.
O curioso, nessa construção de gênero, é que a pena abateu-se
exclusivamente sobre a mulher, propiciando a ascendência, a condenação e a
exploração masculina sobre o feminino. Ajuizar Maria como obediente é uma forma de
assegurar nas mulheres católicas a proeminência desse patriarcalismo.
Tem-se produzido uma vasta literatura teológica feminista, nos dias atuais.
Teólogas cristãs têm se esmerado na construção de um pensamento mais próximo da
construção de gênero igualitária.
A esse respeito, podemos ver uma nova leitura da ação de Maria, nos
evangelhos e nos escritos apócrifos. Os mesmos têm contraído nova configuração ao
seu papel. Ela tem deixado de ser a serva, fiel, submissa, para assumir o papel de
protagonismo na história do cristianismo.
Vemos essa novidade, na visão teológica feminista de Reimer (2003, p. 44) que
diz, ”Maria rompe com as estruturas patriarcais de dependência e submissão de
mulheres à história definida e forjada por e a partir de homens”. Esse é um fato
conhecido do corpo sacerdotal, porém, se pensarmos na prática pastoral, nas
comunidades católicas, o serviço, a devoção, a obediência, sempre foram maneiras
de controle da mulher pelo clero, que delega a elas os trabalhos ministeriais de
assistência ao culto divino, nunca de presidência. De acordo com Lemos (2005, p.
129/0)
“Se Eva, pelo seu pecado, recebeu a penitência de sofrer dores e
de ser dominada pelo homem, qualquer mulher que queira mudar
165
essa ordem, o estará somente se rebelando contra uma ordem
humana, mas acima de tudo desobedecendo a Deus e piorando
ainda mais sua condição de pecadora, arriscando a atrair mais
desgraças ainda sobre a humanidade. as falas sobre Maria a
apresentam ou a invocam como serviçal (serva do Senhor),
humilde, boa mãe, esposa dedicada: ’e Maria guardava tudo em
seu coração’. A imagem dela aparece destacada nos quadros que
representam a sagrada família com expressão de piedade,
contemplação e devotamento”.
A imagem ideológica erigida da Maria-Mulher-Mãe serve para as mulheres
católicas como padrão a ser seguido, tendo em vista, a responsabilidade de ostentar o
papel de mãe agindo, com sua descendência, com a mesma gratuidade e penhor
frente às privações de sua família. Essa devoção autoriza a construção da figura de
maternidade como símbolo de devotamento, piedade, subjugada à figura da divindade
maior que é Deus.
A respeito da devoção popular Mariana assegura Parker (1995, p. 167)
“A religião popular afirma a mulher e o feminino, através da
centralidade da figura da Virgem Maria. Se a simbologia
Mariana não está diretamente ligada à natureza, como fonte de
vida, como o é na religião popular agrária, permanece como figura
ligada à gestação, ao crescimento e à proteção da vida. Na figura
de Maria, como vimos, encontra-se a visão popular da mãe, tão
importante na constituição da rede de relações familiares e sociais
da cultura popular”.
Na constituição do imaginário dos fiéis, Maria faz as intermediações das
relações familiares. Apaziguadora dos conflitos, ela representa a contraposição à
figura de Eva que, por não ser a adequada aos padrões, foi banida do paraíso.
166
A esse respeito, pode-se notar que, nas intenções dos féis, depositadas no dia
da novena, as mulheres adotam o encargo do lar, dos (as) filhos (as), do marido,
responsabilizam-se pelo bem estar de toda a sua família, como obrigação
exclusivamente suas; agem conforme o arquétipo de Maria, devotada e cuidadosa de
seu filho Jesus.
Essa compleição pode ser vista em Lemos (2005, p.130), ”[...] as falas sobre
Maria a apresentam ou a invocam como serviçal (serva do Senhor), humilde, boa
mãe, esposa dedicada [...]”. Nas intenções das mulheres devotas da novena,
aparecem inúmeros pedidos nos quais insistem em copiar o exemplo de Maria e
alcançar a graça de ser mãe afetuosa, esposa amorosa, extremosa, resignada. Essa
concepção de devotamento à maternidade tem servido de aprisionamento para as
mulheres que não se contentam com esse papel de submissão.
3.2.1- Mulher: sexo frágil?
Existe uma ampla complexidade nas relações de gênero, com desvantagem
para a mulher, devido à tarefa a ela confiada, pelas próprias mulheres e por homens,
via maternidade, no enfrentamento das privações sociais. Essa construção simbólica
da imagem clássica materna da mulher Maria pode ser ponderada sob a óptica de
Lemos (2005, p. 202)
“Raramente uma empreitada tenha conseguido tanto êxito na
história quanto à empreendida para a construção do mito da
maternidade. O resultado desse empreendimento são as
complexas vivências da maternidade como a vemos e
vivenciamos hoje”.
A concepção de dominação sobre as mulheres obrigou-as a ostentar a
maternidade como um sacerdócio sagrado. Por conseguinte contraíram o peso social
167
de prover a família de bens afetivos, espirituais. Atualmente, de prover também de
bens materiais, considerando que há, no mercado de trabalho, um relevante número
de lares nos quais as mulheres têm-se tornado as principais fontes de renda familiar.
Não tem sido fácil a empreitada, dupla, tripla de jornada de trabalho, assumida pelas
mulheres, que vêm suportando todas as imposições de maneira sobre-humana.
De acordo com Sabatini (2000, p. 714)
“[...] A moderna antropologia nos leva a refletir que o ser humano
não pode ser considerado portador de qualidades exclusivamente
masculinas ou femininas. O feminino e o masculino encontram-se
articulados dentro da própria existência humana”.
Faz-se indispensável repensar o papel da mulher, na sociedade atual,
sobretudo na maneira pela qual elas próprias têm educado seus filhos homens e suas
filhas mulheres. Numa cultura em que o predomínio androcêntrico, se deve
também ao fato das mães educar seus filhos e filhas, com uma visão de gênero
restrita e preconceituosa, fazendo distinções de papéis sociais, com privilégios para os
homens.
Na observação do rito Mariano, a força feminina é evidenciada com
proeminência à figura da mulher Maria. Não obstante, é curioso como as relações de
gênero comunicam-se e se confundem nesse ato litúrgico, pois a divindade maior do
cristianismo parece ficar em segundo plano e também porque a presença masculina é
bastante expressiva na assembléia.
Ao serem perguntados sobre sua devoção à novena, muitos deles se
emocionam e demonstram grande devotamento à santa, numa atitude de sujeição a
ela. A discussão sobre os papéis de gênero e a construção típica do papel da
168
maternidade, como fonte de bem supremo para a mulher, faz-se relevante nesse
trabalho. Ainda segundo Sabatini (2000, p. 712)
“As relações de gênero enviesadas têm moldado as relações de
poder nas instituições religiosas das sociedades modernas,
segundo está implícito na análise weberiana. Para enxergar esta
dimensão de gênero, será necessário ir além do que o clássico
autor analisa quanto às relações sociais. Na Igreja, ainda aparece
outro complicador: o homem sacerdote não é o detentor do
poder sagrado de ser mediador entre as pessoas e a divindade,
mas também é o homem quem elabora e aprova o discurso oficial
da instituição eclesial. As mulheres, seguindo esses padrões,
reduzem a natureza feminina unicamente à possibilidade do mito
da maternidade”.
Comprova-se que a autoridade clerical católica tem sido, em grande parte de
seus diáconos, presbíteros, bispos e colégio cardinalício, fonte e poder de dominação
de gênero. Essa herança judaica conseguiu sedimentar, no cristianismo católico, uma
supremacia milenar que dificilmente será superada, tendo em vista a ortodoxia
romana da Igreja.
A Mulher-Maria-Mãe é coroada como a rainha pelos fiéis, é assentada num
pedestal e reverenciada por sua profícua e beatífica obra maternal. A sacralidade de
Maria pode ser vista, à luz de Lemos (2005, p. 200), quando afirma, “a qualidade de
sagrada foi brevemente incorporada à maternidade cotidiana. Porém este sagrado não
conferiu honras às portadoras de tão importante título, somente serviços e
abnegações, conforme sugere o modelo de Maria”. A mulher moderna ainda pode ser
comparada à Maria pela responsabilidade do protótipo da Mulher devotada em sua
missão de provedora do bem estar doméstico.
169
Essa é uma visão que foi impetrada, arbitrariamente, durante milhares de anos.
Embora, aparentemente, a mulher pareça estar mais autônoma, essa concepção não
corresponde à realidade, tendo em vista que ela permanece oprimida justamente pelo
seu anseio de reconhecimento de igualdade em direitos e deveres com homens.
uma possibilidade de mudança nas relações de gênero, se houver quem
acredite nessa possibilidade. Segundo Parker (1995, p.139), “[...] os católicos crêem
com maior devoção na Virgem Maria, de tal forma que, para alguns estudiosos, a
trindade popular seria constituída heterodoxalmente pela família divina: Deus Pai, a
virgem Mãe e o Filho Jesus, numa escala divina inferior”. Essa crença, instalada no
meio popular, credita à Maria como partícipe da Trindade Santa. Nada obstante, essa
construção imaginária da faculdade de Maria está, inseparavelmente, aliada ao poder
de Deus, tendo ela grande força para erradicar as privações existenciais de seus filhos
e filhas.
A compreensão do poder gerador da mulher pode ser vista em Boff, quando
esse faz uma alusão ao ecofeminismo. Diz o autor (1997, p.66)
“A mulher capta e vivencia a complexidade e a interconexão do
real por instinto e por uma estruturação toda singular. Por
natureza, ela está ligada diretamente ao que de mais
complexo, que é a vida. Finalmente é ela a geradora mais
imediata da vida. Por nove meses, carrega, em seu seio, o
mistério da vida humana. E o acalenta ao largo de toda a
existência [...] De seu coração, nunca sairá o filho ou a filha“.
Embora possa parecer uma amabilidade às mulheres, essa afirmação de Boff
soa como mais um encargo para as relações de gênero. Boff atrela à imagem da
mulher, uma linguagem mítica de ser Mãe, como um modo instintivo e natural, como
aquela que possui a arte do processo cosmogênico, evolucionário, aberto e receptivo
170
do mundo, conferindo a ela a carga de portadora da atitude sacramental, planetária e
cósmica. Ora, essa é uma condição que deve ser dividida com os homens.
Como se observa, são necessárias muitas indagações a essa concepção,
porquanto, no momento sócio-cultural atual, a demarcação dos papéis de gênero anda
um tanto quanto conflituosa. No entanto, fica ainda comprovado que a religião
favorece a permanência da atribuição de gênero como fator de coesão social,
privilegiando a probidade masculina, sobre a feminina. Segundo Matos (2002, p.
1045/1046)
“Nesses últimos cinqüenta anos, uma mudança das mais
marcantes na sociedade mundializada, talvez a maior delas,
ocorreu nas relações entre homens e mulheres, cabendo destacar
nesse processo o impacto do crescimento da presença-visibilidade
das mulheres em múltiplos e diversos setores: no trabalho, nas
escolas e universidades, na política, nas artes e ciências. O olhar
sobre o feminino frutificou no contexto da quebra dos paradigmas,
que possibilitou a descoberta de ‘novos sujeitos sociais’ e
favoreceu a inclusão das pesquisas... hoje o gênero se impõe
como uma questão fundamental nas Ciências Humanas”.
É imperiosa a releitura do Ser homem e Ser mulher, na atualidade. Essa
reflexão deve ser averiguada pelas várias ciências humanas. Constata-se o início da
mudança do protótipo a respeito do papel de gênero que deve ser assumida por
homens e mulheres os quais sensibilizam-se com as questões concernentes à vida
humana. De acordo com Sabatini (2000, p. 718), “[...] a dependência masculina, diante
do crescimento da capacidade e da independência feminina, deverá reconhecer que a
reciprocidade é o melhor caminho para a construção de um projeto coletivo”. Cuidar
dos filhos, dar afeto, dividir as tarefas da maternidade, são atitudes compartilhadas
171
por uma pequena parcela de homens, que admitem sua responsabilidade
paterna/materna como construção social necessária.
Anteriormente, vimos que, na percepção imaginária dos fiéis, junto à figura da
mãe afetiva, existe a figura da intercessora. Por muitas vezes, Maria é evocada como
Maria - Advogada, que corrobora no amparo das privações de cada fiel. Da mesma
forma, arquetípica da mãe terrena, que assume a sobrecarga dos filhos. Para essa
compreensão, recorremos a Parker (1995, p. 151), que diz, “[...] a Virgem Maria, para
o fiel devoto popular, é um desses ‘poderosos’ mediadores. Não ela é a mãe de
Deus, mas, além disso, é a mãe de todos os homens e vela por todos eles”. O autor
reafirma a na mediação mariana que se incorpora no imaginário do fiel e realiza o
amparo à sua angústia, a cura de sua enfermidade e conforto à sua incerteza.
Entretanto, num olhar antropológico feminino, a mulher permanece como fonte de
subsídios, de bem estar a terceiros, e nunca de si mesma.
Apreendemos que a sociedade constitui-se como um cenário legítimo para a
vida política, cio-religiosa. Nela, os indivíduos procuram adquirir o sentido favorável
à vida. Aliado a essa busca, o processo religioso torna-se significativo como forma de
enraizamento religioso/cultural capaz de assegurar, através da crença, bem-estar, a
religião torna-se uma forma de enfrentamento das dificuldades.
Fazendo a análise dessa devoção pudemos constatar que é comum, no interior
do Estado de Goiás, nas zonas rurais e pelas ruas da cidade de Goiânia, o uso de
terços e adesivos, em carros e automotores de cristãos católicos, configurando a
identidade religiosa, ou mesmo como forma de proteção aos perigos imaginários. Tal
prática é bastante incentivada pela Igreja particular da cidade que comercializa, em
172
suas dependências
23
, artigos religiosos e souvenires, propiciando a propagação da
e da evocação aos (às) santos (as) de devoção popular. Segundo Fry (1982, p. 37)
“Até o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica no Brasil foi, em
grande parte, uma instituição ‘mágica’ com menos ênfase na vida
moral e uma maior preocupação com as soluções em curto prazo
dos problemas – através da missa, de promessas discretas a
santos em horas de infortúnio, e de um ciclo regular de festejos
onde a comida, a bebida e a dança estavam na ordem do dia.
Apesar da importância da filosofia positivista entre a elite
brasileira, no começo do século, a experiência religiosa da maioria
dos brasileiros, incluindo os imigrantes italianos de São Paulo, era
o catolicismo popular e os cultos afros brasileiros”.
A hierarquia da Igreja Romanizada no Brasil abriu-se ao pluralismo, às grandes
diferenças sincréticas e incentivou celebrações de ritos populares que atendessem à
necessidade religiosa do país. A novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro faz
parte dessa tradição popular e pode ser chamada de tradição inventada, pois,
possivelmente, foi criada a fim de atender a necessidades da conservação da
concepção tradicional da maternidade.
Uma tradição é inventada para propiciar o sentido indispensável à vida do
grupo social. Inventa-se uma tradição como demonstração concreta da necessidade
de um povo. Esse termo abrangente é utilizado para as tradições reais formalmente
construídas e institucionalizadas por um grupo social. A conceituação dessa
terminologia pode ser vista em Hobsbawn (2003, p. 09), que diz:
“Por tradição inventada, entende-se um conjunto de práticas
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas;
tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
23
Essa prática pôde ser observada durante a coleta de dados para a pesquisa, nos dias de terças-feiras, com
alternância de horários das novenas.
173
valores e normas de comportamento, através de repetição, o que
implica, automaticamente, numa continuidade em relação com o
passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer
continuidade com um passado histórico apropriado”.
Existem inúmeras tradições inventadas, na sociedade; de modo especial, na
prática da religiosidade popular, em que as pessoas desenvolvem ações, que foram
sendo herdadas do passado histórico, de geração em geração. Contudo, a tradição
inventada não pode ser confundida com ‘costume’, pois este visa dar continuidade
histórica aos direitos naturais, enquanto que a tradição visa fundamentalmente revestir
de simbologia a ação evocada pelos indivíduos. Hobsbawn (2003, p. 12) ressalta:
“Inventam-se novas tradições quando ocorrem transformações
suficientemente amplas e rápidas, tanto do lado da demanda,
quanto da oferta. Durante os últimos duzentos anos, tem havido
transformações especialmente importantes, sendo razoável
esperar que estas formalizações imediatas de novas tradições se
agrupem neste período”.
A propagação à tradição inventada de devoção à Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro surge no final do século XIX, período em que a Igreja oficial está sofrendo
com o processo mundial de secularização. Essa devoção pode ter ajudado a dar novo
realce à piedade popular, uma vez que garante a autoridade ideológica da
maternidade sagrada, sobre as mulheres católicas, que imitam o modelo de Maria.
Nas variadas tradições de devoção Mariana, seja sob o título de Conceição,
Fátima, Aparecida, das Graças, Guadalupe, Lourdes, etc, o princípio sico da
evocação do imaginário sobre a imagem sublime e maternal de Mãe. Podemos ver
como é poderosa a ação do imaginário humano, à luz de Swain (1993, p. 52)
174
“O imaginário opera, portanto, em dois registros: o da paráfrase,
a repetição do mesmo sob outro invólucro; e a polissemia, na
criação de novos sentidos, de um deslocamento de perspectivas
que permite a implantação de novas práticas. Assim, o
imaginário, em suas duas vertentes, reforça os sistemas
vigentes/instituídos e ao mesmo tempo atua como poderosa
corrente transformadora”.
Na prática, essas crenças podem até fomentar diferentes linguagens e práticas
rituais, porém não fogem à regra de construção arquitetada da função imaginária da
maternidade. De acordo com a mesma autora (1993, p. 46)
A vida social produz, alem de bens materiais, bens simbólicos e
imateriais, um conjunto de representações, cujo domínio é a
comunicação, expressa em diferentes tipos de linguagem,
discursos e textos imagéticos, iconográficos, impressos, orais,
gestuais etc”.
Pela repetição do rito Mariano, o fiel devoto conserva e consagra, em sua
memória, o domínio alegórico da relação maternal; isso se torna uma forte lembrança
em seu imaginário. A imagem iconográfica de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro é
sinal visível da figura matriarcal, que segura em seus braços o menino Jesus e, com o
olhar fixo para frente, indica a figura do menino-Deus. A imagem da mãe reproduz
justamente a idéia almejada pela Igreja, pois enquadra, reconstitui, estabelece e
perpetua uma tradição inventada, e anuncia a divindade mítica da maternidade,
porque gerou o Salvador. Portanto, por meio da maternidade, ela tem seu prestígio
garantido.
175
A tradição inventada da novena faz parte de uma memória petrificada
24
da
mãe, que pode ser vista a luz da teoria de Jeudy, (1990, p. 121) como, ”todo objeto
pode ao mesmo tempo ser apreendido como um signo cultural, portador de uma
dimensão eterna e funcionar como um traço mnésico”. Desta forma, a construção
das figuras míticas, construídas pela industria religiosa/cultural, representa, na
realidade, os desejos daqueles que são espectadores, os fiéis. Nela,
possibilidade de concretização das memórias contidas, no imaginário individual e
social das pessoas, pela sua forma exteriorizada. Ela reconstitui e harmoniza a
estrutura minésica da maternidade e do serviço ao Divino Mestre.
O sentido que o ícone adquire é petrificado no imaginário individual dos fiéis.
Por conseguinte, adquire um sentido emocional de relevância social. Torna-se
precioso instrumento de controle de estratégia ideológica cultural e religiosa. O
símbolo petrificado interpreta, acumula e esgota o sentido lógico ali representado. O
quadro é acrescido do estereótipo da mãe, ali projetado. Isso faz com que o indivíduo
internalize aquilo que está latente, registrado na emoção individual e coletiva do grupo
de fiéis.
Para melhorar a compreensão da memória, podemos recorrer a Halbwachs (p.
54) que diz “a memória do indivíduo depende de seu relacionamento com a família,
com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão; enfim com os
grupos de convívio e os grupos de referência peculiares ao indivíduo”. O autor refina a
definição de memória em quadros sociais. Reforça o valor dessas instituições como
formadora de opiniões. Podemos dizer que memória do grupo dos (as) devotos (as)
24
Á luz de Jeudy podemos compreender que a memória petrificada está contida no quadro de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro. Ou seja, sua imagem foi materializada sob a forma de um quadro, ou escultura.
176
abole o tempo e o espaço para dar livre curso à memória imaginária da afeição
materna.
O ícone sagrado é patrimônio religioso cultural, pela forma mítica exteriorizada.
A Mãe do Socorro, de alguma forma, auxilia e anima a estrutura minésica no
imaginário das pessoas que vão ao culto agradecidas ou para invocar amparo às suas
necessidades.
Essa construção alegórica pode ser vista em Alves (1981, p. 24), “com seus
símbolos sagrados o homem exorciza o medo e constrói diques contra o caos”. O
símbolo evoca e mantém vivo, no imaginário, a cultura popular por gerações. Esse
tem sido o grande êxito alcançado nessa devoção, a de tradição familiar. À imagem
(petrificada) da santa é atribuído um significado condensado e saturado da
maternidade, pois legitima o processo religioso/cultural, da crença, na projeção filial de
alcançar o milagre desejado.
Por esse motivo, uma grande necessidade de legitimação de papéis, na
sociedade, que fez da mulher uma escrava de sua própria biologia, tornando esse
dado biológico de gerar em “dom natural”. Nesse caso, podemos averiguar essa
construção em Deifelt (1997, p. 65)
“[...] As mulheres não podem ser retratadas unicamente como
vítimas. As mulheres são simultaneamente vítimas e algozes em
um sistema de contradições, reproduzindo, entre si, valores que
muitas vezes são perniciosos às próprias mulheres. A contradição
faz parte deste universo [...]”.
É preciso observar que a cultura androcêntrica tem perpetuado também graças
ao consentimento das mulheres as quais aceitam e educam seus filhos e filhas, nessa
mentalidade patriarcalista.
177
A devoção à Maria pode ser um pretexto de alteração de gênero, à medida
que se cria uma nova consciência de seu papel, enquanto mulher. Buscamos
caracterizar Maria como exemplo de mulher que lutou por seu ideal, por sua
autonomia, que, ao se ver na fronteira de um tempo novo, rompeu com as tradições
e assumiu sua opção de vida com dignidade; não com servilismo. É possível
idealizar uma inovação a tradição e nas relações de gênero, onde exista maior
eqüidade. Não se trata, de criar algo original, no entanto, de incorporar diferentes
valores sócio/religiosos. A consciência de que são, nos pequenos atos, na emissão
de opiniões, em versos de sonhos individuais e coletivos, que acontecerá a
mudança desse protótipo.
A compreensão da maternidade de Maria tem alimentado as relações
desiguais de gênero, porque explora e sobrecarrega a mãe humana, uma vez que a
maternidade sagrada e a humana retroalimentam-se devido às funções sociais que a
religião desempenha. Colocar essa crença num espaço de fronteira pode possibilitar
uma reconstrução, tanto da teologia sobre Maria, quanto de relações mais
igualitárias de gênero. Nesse sentido, podemos fazer uma elocução de que as
relações de gênero irão mudar, à medida que homens e mulheres reconhecerem-se
parceiros na geração da maternidade e paternidade.
178
CONCLUSÃO
Para concluirmos nossa pesquisa, pensamos ser indispensável ponderar
alguns pontos a respeito da devoção ao culto mariano. Quisemos realizar nosso
trabalho numa perspectiva de diálogo, assentando a prática dessa devoção num
momento de análise das relações entre o fiel e a santa. Colocamos a novena como
um espaço de fronteira, onde se entrecruzam, de um lado, as mulheres praticantes da
religiosidade popular, que buscam aplicar o modelo exemplar de Maria às suas vidas.
De outro, vimos um novo discurso teológico feminista que se abre em direção ao
desmantelamento das relações tradicionais de gênero, da figura mítica de
maternidade/servidão, que povoa o imaginário de grande parte do povo católico.
Pela pesquisa histórica a respeito da devoção, vimos que o construto eclesial
para a propagação dessa por todo o mundo, desde a controvertida história do
179
quadro a autoria, o desaparecimento e reencontro do mesmo passa pela constituição
de que a maternidade é fonte de auxílio e proteção. Desde o início dessa devoção na
Matriz de Campinas, nos anos cinqüenta, observamos o crescimento contínuo dessa
fé, e, em meados dos anos oitenta, como houve uma explosão da mariana, devido
às orientações documentais eclesiais no sentido de investimento e divulgação da
novena Perpétua.
Nossa hipótese de que a devoção serve como um escudo de proteção em
relação ao medo e às privações sociais humanas se confirmou, tendo em vista que
Maria serve como fonte de fé, no imaginário dos fiéis. A novena adquire a função de
ajustar suas vidas, para o enfrentamento da privação social, particular, espiritual e
material. Nela os fiéis ficam plenos de esperança de conseguir o milagre desejado;
pois é função própria do campo religioso responder ao imperativo humano. Nossas
reflexões foram paradoxais, uma vez que na observação da experiência religiosa
verificou-se que a necessidade dos féis é satisfeita nessa devoção. O que nos levou a
esboçar uma crítica à injustiça que constrói um hábito religioso através de um
protótipo da maternidade serviçal de Maria.
Ao analisar a categoria de gênero à luz da história da filosofia grega, vimos o
preconceito cultural preexistente na sociedade antiga; a construção androcêntrica que
foi sedimentada na Idade Média, pela forte ideologia monástica dos santos padres.
Desse modo, percebemos que o preconceito de gênero é uma constituição filosófica e
teológica que foi sendo arquitetada durante milênios, nos mosteiros e, posteriormente,
nas academias. Esse construto patriarcal não chega ao conhecimento dos fiéis. Por
motivos óbvios buscamos demonstrar que esse é um equívoco de construção
androcêntrica.
180
Pelas entrevistas compreendemos a concepção da maternidade e a função que
o rito mariano adquire no imaginário dos fiéis. A ideologia da maternidade de Maria
cresceu na Igreja Católica como prêmio às mulheres, e isso lhes serviu de opressão,
embora elas nem façam idéia desse jugo, por aceitarem a maternidade como “dom
natural de Deus”. Sustentados nesta ideologia, foi possível, para a Igreja Católica,
criar o arquétipo em que se coloca Maria em um lugar exemplar da servil maternidade,
a ser seguido pelas mulheres católicas, que admiram e veneram essa condição
feminina da Mãe de Jesus.
Percebemos que a forte concepção da maternidade na devoção perpétua
sustentada pela referida Igreja, através dos depoimentos de mulheres e homens que
buscam esse rito religioso por acreditarem que a maternidade é sagrada e, dessa
forma, perpetuam-na como fonte de servidão e submissão. Durante a construção
desta dissertação, buscamos realizar um diálogo, cruzando os dados coletados nos
depoimentos, sustentando nossas justificativas e intervenções em teorias que
pudessem propiciar maior espaço para uma visão de gênero que devolvesse ao
gênero feminino o lugar que, verdadeiramente lhe pertence. Lugar de lutas, dignidade,
identidade...
Ao percorremos este caminho de construção, fomos sustentadas em fontes
teóricas feministas capazes de ajudar a repensar uma inovação sobre a imagem de
Maria, diferente de ser mãe, mas como mulher que, entre outras características, é
destemida por si só, pois desempenha sua liberdade humana. Essa nova conjectura
teológica feminista sobre Maria abre possibilidade para um novo jeito de ser mulher,
que não se acovarda diante da opressão, mas busca meios para sua superação. Sai
181
do lugar da queixa ou do silencio para ser aquela que é capaz de, com sabedoria,
encontrar caminhos de solução, assumindo o leme de sua vida. O paralelo feito entre
a maternidade divina de Maria e a mãe humana conduziu nossas reflexões para o
reconhecimento de tantas outras potencialidades de realização da mulher, para além
da maternidade.
Vislumbramos aquele espaço de devoção, a Novena da Mãe do Perpétuo
Socorro, como um lugar privilegiado para a investigação e a reconstrução das
autênticas capacidades de ser mulher. Pelo processo de pesquisa, concluímos que, a
Instituição Igreja Católica não se propõe a ampliar sua visão de mundo, nem um novo
olhar sobre a mulher. Acreditamos que, a partir de nós mulheres, faz-se necessário
uma desconstrução desse arquétipo institucionalizado de progenitora, abrindo espaço
para a magnitude de ser Mulher. Esta prerrogativa pode, a principio, parecer-nos uma
utopia, um sonho inatingível, mas acreditando que, o papel da academia é o de formar
novas consciências, entre outras, no que diz respeito às relações de gênero como
espaço de poder masculino e submissão feminina. Poder e submissão, que é
sustentado, fundamentalmente, pela prática religiosa evidenciada por esta pesquisa,
revelando-nos que a novena possui um forte componente de perpetuação da
subordinação feminina na referida Igreja e na sociedade.
Constatamos por meio de nossa pesquisa empírica e teórica que, passados
mais de dois mil anos da encarnação de Jesus Cristo, o paradoxo “imposto” às
mulheres, de serem santas como Maria ou pecadoras como Eva, continua presente no
seio das relações de gênero. Percebemos que o poder sagrado da Igreja Católica,
ainda inflige, uma opção unilateral, enfatizando que as mulheres devam ser Evas ou
Marias, colocando-as como modelos antagônicos; focando, deste modo, a decisão
182
das mulheres católicas praticantes optarem, confessadamente, se permanecem
santas ou pecadoras.
É imprescindível, reconhecer e acreditar no potencial “adormecido” que existe
em cada mulher. Mulher que se reconhece capaz de enfrentar a vida, com suas
lutas, vitórias e seus desafios. Acreditamos ser esse o princípio fundamental para a
transformação das relações, entre homens e mulheres. Nascemos mulher e homem,
esse dado biológico deve ser um construto análogo da condição essencial para a
existência humana de gênero.
183
REFERÊNCIAS
ALVES, Isidoro. O carnaval do devoto. Vozes. Petrópolis, 1980.
ALVES, Rubem Azevedo. O suspiro dos oprimidos.São Paulo: Paulinas, 1984.
ÁVILA, Maria Betânia. Direitos reprodutivos: Uma invenção das mulheres recebendo
a cidadania. MANDRÁGORA: Direitos reprodutivos, Religião e Ética. Ano 4 n. 4
São Bernardo do Campo, 1997.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte, UFMG, 2001.
BERGER, Peter Ludwig. A dessecularização do mundo: uma visão global. Religião e
sociedade, Rio de Janeiro, v. 21, n. 01, 2001.
184
BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
religião. Org. Luiz R. Benedetti; tradução José Carlos Barcellos. São Paulo: Paulus,
1985.
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2001.
BOFF, Leonardo. Princípio Terra. De volta à Pátria comum. Petrópolis: Vozes, 1997.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das
letras, 2003.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. edição: São Paulo,
Perspectiva, 2003.
CASAGRANDE, Carla. A mulher sob a custódia. In: História das mulheres - a Idade
Média. Porto, Ed. Afrontamento, 1990, Vol. 02.
CAZENEUVE, Jean. Sociologia do rito. Porto, Ed. Res, s/d.
CROATTO, J. Severino. A filha de Sião em Lucas 1-2 - A imitatio e a interfiguralidade
tipológica na narrativa lucana. RIBLA, Petrópolis: Vozes, nº 46. p.18-34, 2003/3.
DALARUN, Jacques. Olhares de clérigos. In: História das mulheres - a Idade Média.
Porto, Ed. Afrontamento, 1990, Vol. 02.
DE BARBIERI, Teresita. Sobre a categoria gênero - uma introdução teórico-
metodológica. S.O.S. Corpo, Recife, 1992.
DEIFELT, Wanda. Maria – Uma santa protestante. RIBLA, Petrópolis: Vozes, nº 46. p.
119- 134, 2003/3.
DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa: O sistema totêmico na
Austrália; tradução Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
185
ECO, Umberto, Interpretação e superinterpretação. Tradução: MF. São Paulo: Martins
Fontes, 1993.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Trad. Rogério Fernandes, São Paulo; Martins
Fontes, 1992.
ERICKSON, Victória Lee. Onde o silêncio fala: Feminismo, teoria social e religião.
Tradução Cláudia Gerpe Duarte. São Paulo: Paulinas, 1996.
FRY, Peter. Para Inglês ver. Identidade e política na cultura brasileira. Zahar editores.
Rio de Janeiro, 1982.
FRUGONI, Chiara. A mulher nas imagens, a mulher imaginada. In: História das
mulheres - a Idade Média. Porto, Ed. Afrontamento, 1990, Vol. 02.
WILLS, Garry, Saint Augustine; ed. Objetiva Ltda. Rio de Janeiro: 1999.
GAARDNER, Jostein. Victor Hellern; Henri Notaker. O livro das religiões. Tradução:
Isa Mara Lando; revisão técnica e apêndice Antônio Flávio Pierucci. São Paulo:
Companhia das letras, 2000
GEBARA, Ivone. BINGEMER, M.C. Maria, Mãe de Deus e dos Pobres. Petrópolis:
Vozes, 1988.
GEBARA, Ivone. Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal; tradução
de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ:Vozes, 2000.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, LTC, 1989.
GUARESCHI, Pedrinho A. “Sem dinheiro não salvação”: ancorando o bem e o mal
entre os neopentecostais. In: GUARESCHI, P. & JOVCHELOVITCH, S. (Orgs.).
Textos em representações sociais. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 191-225.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
186
HOBSBAWN, Eric. Org. Terence Ranger. A invenção das tradições: Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2003.
HOORNAERT, Eduardo. Formação do catolicismo brasileiro 1550-1800. Ensaio de
interpretação a partir dos oprimidos. 3ª ed.: Petrópolis, Vozes, 1991.
http://www.agetur.go.gov.br/goiania.htm - Acesso em 24/09/05.
http://www.catolicasocorro.com.br/padroeira/historia.asp - Acesso em 23/09/05.
http://www.igr.com.br/index_inner.php?target=gyn.htm –Acesso em 24/09/05.
http://[email protected] / Acesso em 14/02/05.
http://[email protected]/ Acesso em 14/02/05.
http://www.redentorista.com.br/ Acesso em: 14/02/05.
http://www.redemptor.com.br/site/index.php?id_canal=98 – Acesso em 24/09/05.
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost_exhortations/documents/hf_pvi_exh_
19751208_evangelii-nuntiandi_po.html - Acesso em 24/09/05.
http://www.vatican.va/edocs/POR0063/_INDEX.HTM – Acessado em 24/09/05
JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica;
tradução Ruy Jungmann, consultoria, Renato Lessa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1997.
JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do social. São Paulo: Forense universitária, 1990.
JURKEWICZ, Regina Soares. Dados históricos da elaboração do pensamento
feminista. MANDRÁGORA: Estudos feministas e cristianismo, ano 2 n. 2 São
Bernardo do Campo, 1995.
187
LEMOS, Carolina Teles. Religião, gênero e sexualidade: O lugar da mulher na família
camponesa. Goiânia: UCG, 2005.
LEMOS, Carolina Teles. Gênero na agenda dos movimentos sociais: idéias religiosas
como ângulo de análise. Fragmentos de Cultura. Goiânia. V. 11 3; (p. 439-468).
2001.
MURARO, Rose Marie; Leonardo Boff. Feminino e masculino: Uma nova consciência
para o encontro das diferenças. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.
MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. Tradução Alex Marins. Martín Claret:
São Paulo, 2004.
MATOS, Maria Izilda S. de. Da invisibilidade ao gênero: percurso e possibilidades.
Fragmentos de cultura. Goiânia. v. 12, nº 06, p. 1045-1063, novembro/dezembro,
2003.
MURAD, Afonso: Quem é esta mulher? :Maria na Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1996.
NOVA Enciclopédia Barsa. –São Paulo: Barsa Consultoria Editorial Ltda. Doutrina
Católica, 2001.
OLIVEIRA, Eleonora Menicucci. O gênero na saúde: auto-determinação reprodutiva
das mulheres. MANDRÁGORA: Direitos reprodutivos, Religião e Ética. Ano 4 n. 4
– São Bernardo do Campo, 1997.
OPTIZ, Claudia. O quotidiano da mulher no final da Idade Média (1250-1500). In:
História das mulheres - a Idade Média. Porto, Ed. Afrontamento, 1990, Vol. 02.
ORTIZ, Renato. Do sincretismo à síntese. In: A consciência fragmentada: ensaios de
cultura popular e religião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 91-108; 1980.
OTTO, Rudolf. O sagrado. São Bernardo do Campo, Imprensa Metodista, 1985.
188
PALEARI, Giorgio. Religiões do povo: um estudo sobre inculturação. 4. ed. São Paulo:
Ave Maria, 1993.
PARKER, Cristián. Religião popular e modernidade capitalista: Outra lógica na
América Latina; tradução Attílio Brunetta. Petrópolis, R.J: Vozes, 1995.
PEREIRA, Nancy Cardoso. Uma espada atravessada no meu corpo Leituras
doloridas sobre a maternidade. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana.
Petrópolis, nº 25. p. 135-151, 1996.
PIPONNIER, Françoise. O universo feminino: espaços e objectos. In: História das
mulheres - a Idade Média. Porto, Ed. Afrontamento, 1990, Vol. 02.
REIMER, Ivoni Richter. Maria nos evangelhos sinóticos Uma história que continua
sendo escrita. RIBLA, Petrópolis: Vozes, nº 46. p. 35-51, 2003/3.
RIVIÉRE, Claude. Os ritos profanos; trad. Guilherme João de Freitas Teixeira.
Petrópolis-RJ: Vozes, 1996.
SABATINI, Francesco, José batista da Costa sobrinho, Neila Maria A. Jordão, Onofre
Guilherme dos Santos Filho, Sueli Maria S. Amado. Sacerdócio da mulher na Igreja
católica: entraves e perspectivas. Fragmentos de Cultura. Goiânia. V. 10. nº 2; p. (p,
703- 720); 2000.
SCHOTT, Robin May. Eros e os processos cognitivos: uma crítica da objetividade
em filosofia; tradução Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos
Tempos, 1996.
STRÖHER, Marga Janete. Ser mãe padecer no paraísoAlguns fios da trama entre
as mulheres Eva, Maria e Ártemis Leituras a partir de I Timóteo 2, 8-15. RIBLA,
Petrópolis: Vozes, nº 46. p. 59-68, 2003/3.
SWAIN, Tânia Navarro (org). Você disse imaginário? Brasília: UNB, 1993.
189
SOUSA FILHO, Alípio de. Medos, mitos e castigos: notas sobre a pena de morte. São
Paulo: Cortez, 2001.
THOMASSET, Claude. Da natureza feminina. In: História das mulheres - a Idade
Média. Porto, Ed. Afrontamento, 1990, Vol. 02.
VECCHIO, Silvana. A boa esposa. In: História das mulheres - a Idade Média. Porto,
Ed. Afrontamento, 1990, Vol. 02
VELASCO, Carmiña Navia. Maria e Isabel - Diálogo entre mulheres. RIBLA,
Petrópolis: Vozes, nº 46. p. 9-17, 2003/3.
YNESTRA, King. Curando as feridas: Feminismo, ecologia e dualismo
natureza/cultura. In: JAGGAR, Alison M; Susan R. Bordo (org.). Gênero, corpo e
conhecimento. Tradução Brita Lemos de Freitas. Rio de Janeiro: Record; editora Rosa
dos Tempos, 1997, p. 126-153.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa.
Brasília, ed. UNB, 1991.
ZALUAR, Alba. Os homens de Deus. Um estudo dos santos e das festas no
catolicismo popular. Zahar Editores. Rio de janeiro, 1983.
190
ANEXOS
191
ANEXO I - Explicação oficial do quadro
1. Abreviação grega de "Mãe de Deus”.
2. Estrela no véu de Maria, a Estrela que nos guia no mar da vida até o porto
da.Salvação.
3. Abreviatura de "Arcanjo S. Miguel".
4. Coroa de ouro: o Quadro original foi coroado em 1867 em agradecimento aos
muitos milagres feito por Nossa Senhora, em seu título preferido “Perpétuo Socorro”.
5. Abreviatura de "Arcanjo S. Gabriel".
6. São Miguel apresenta a lança, a vara com
a esponja, e o cálice da amargura.
7. A boca de Maria é pequenina, para guardar
silêncio, e evitar as palavras inúteis.
8. São Gabriel com a cruz e os cravos,
instrumentos da morte de Jesus.
9. Os olhos de Maria, grandes voltados
sempre para nós, a fim de ver todas as
nossas necessidades.
10. Túnica vermelha: distintivo das virgens,
no tempo de Nossa Senhora.
11.Abreviatura de "Jesus Cristo".
12. As mãos de Jesus apoiadas na mão de
Maria, significando que por ela nos vêm todas
as graças.
13. Manto azul, emblema das mães daquela
época. Maria é a Virgem-Mãe de Deus.
14. A mão esquerda de Maria sustendo
Jesus: a mão do consolo que Maria estende a todos que a ela recorrem nas lutas da
vida.
15. A sandália desatada símbolo, talvez de um pecador preso, ainda a Jesus por
um fio - o último - a Devoção a Nossa Senhora!
O fundo de todo do Quadro é de ouro, e dele esplendem reflexos cambiantes,
matizando as roupas e simbolizando a glória do paraíso perpétuo. “O quadro de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro é a síntese da Mariologia".
192
ANEXO II - Roteiro do ritual da Novena
N
N
O
O
V
V
E
E
N
N
A
A
P
P
E
E
R
R
P
P
É
É
T
T
U
U
A
A
Santuário de N. Senhora do Perpétuo Socorro – Matriz de Campinas.
RITOS INICIAIS
1- Acolhida e saudação
Canto:
Em nome do Pai, em nome do Filho, em nome do Espírito Santo, estamos aqui.
- bis
Para louvar e agradecer, bendizer e adorar estamos aqui, Senhor, ao seu
dispor. Para louvar e agradecer, bendizer e adorar, te aclamar. Deus Trino de
Amor!
C. Estamos reunidos com Maria, Mãe de Jesus. Segundo o plano de Deus, em
Maria tudo se refere a Cristo e tudo depende dele. Toda a sua existência é uma
plena comunhão com seu Filho. Sua missão é trazer-nos o Cristo, facilitando nosso
encontro com Ele, o único caminho para o Pai. Por isso, s confiamos em Nossa
Senhora e, como filhos e filhas a amamos.
Canto:
Por nós rogai ao bom Jesus, que nos salvou por sua cruz. Por nós velai, ó
mãe querida, nos abençoai por toda a vida: Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro (bis)
2- Intenções e oferecimento
C: Ó Maria , Mãe do Perpétuo Socorro,
T.: Nós vos oferecemos esta novena, para Vos louvar e agradecer todas as graças e
benefícios, que por vossa intercessão temos recebido.
C: Unidos no Espírito Santo, nós queremos convosco pedir ao Pai, em nome de
Jesus, pelo povo de Deus no mundo inteiro e pela paz, que fruto da justiça e do
amor.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
193
C: Pelos pobres e marginalizados da sociedade, e pelos injustiçados e oprimidos.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
C: Pelos doentes e pelos que sofrem, pelos pecadores e pelos agonizantes.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
C: Vamos rezar nesta novena por todas as famílias.
L1: Pelas famílias que ganham pouco em conseqüência do pecado de ganância que
domina a sociedade.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
L2: Pelas famílias desajustadas.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
L1: Pelas famílias onde morreu alguém nesta semana.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
L2: Pelas famílias que têm alguma pessoa doente.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
L1: - Pela paz em nossas famílias.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
L2: Para que em nossas famílias tenhamos um ambiente que favoreça o
cumprimento da missão que Deus nos confiou.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
L1: Por todos os que precisam de nossa ajuda, e pela felicidade e salvação de
todos.
T: Nós vos pedimos, Senhor.
Canto:
As intenções são para Ti, Senhor. } 4 vezes
Por que Tu me destes a vida, por que Tu me deste o existir, por que Tu me deste o
carinho, me deste o amor. } bis
(oferecimento das intenções)
C: Pai do céu olhai com bondade para nós vossos filhos e filhas, reunidos em
oração, com Jesus e com Maria, nossa Mãe, e atendei aos nossos pedidos.
3- Maria em nossa vida
194
C: Ó Maria, nós trouxemos as nossas preocupações, os nossos desejos e as nossas
necessidades. Queremos viver seguindo os exemplos de vossa vida.
L1: Santa Maria, Mãe de Deus,
T: Rogai por nós.
L1: Mãe do cristo libertador,
T: Rogai por nós.
L1: Mãe do Salvador,
T: Rogai por nós.
L1: Mãe da divina graça,
T: Rogai por nós.
L1: Mãe da misericórdia,
T: Rogai por nós.
L1: Mãe do Perpétuo Socorro,
T: Rogai por nós.
L2: Vós fostes a serva fiel de Deus-Pai, colaborando com Cristo na libertação total
da humanidade.
T: Rogai por nós.
L2: Vós tendes a missão de trazer Cristo Libertador ao mundo e de fazer-nos
participantes de sua vida, morte e ressurreição.
T: Rogai por nós.
C: Oremos:
T: Ó Maria, mostrai-nos Vosso Filho e nosso irmão, Jesus. Ajudai-nos a realizar em
nossa vida uma sincera conversão para Deus e para nossos irmãos. Amém.
Canto: Ó Virgem Maria, Rainha de amor, Tu és a Mãe Santa do Cristo Senhor.
1. Nas dores e angustias, nas lutas da vida, / tu és a mãe nossa por Deus
concebida.
2. Perpétuo Socorro, tu és mãe querida/ teus filhos suplicam, socorro na vida.
4- Maria na história da Salvação
C: No dia da anunciação, Maria ouviu a mensagem de Deus que modificou sua vida.
T: Eis aqui a serva do Senhor.
195
C: A partir daquele momento ela viveu para corresponder ao chamado de Deus,
sendo Mãe do Cristo e da Igreja.
T: Faça-se em mim segundo a vossa palavra.
C: Esse compromisso de amor conduziu Maria ao Calvário, onde seu Filho
entregava a vida por todos nós.
T: Ave Maria ... (cantada)
C: Após sua morte e ressurreição, Jesus enviou o Espírito Santo que se manifestou
no dia de Pentecostes, e Maria estava em oração com os apóstolos naquele
momento em que nascia a Igreja.
Canto:
A nós descei, Divina Luz. }bis
Em nossas almas acendei,
O Amor, o Amor de Jesus. }bis
5- Nossa vida na história da Salvação
C: Hoje somos convidados a ouvir a palavra de Deus, que pode modificar nossa
vida.
T: Eis-nos aqui, Senhor.
L1: Pelo Batismo, nós participamos de uma comunidade, onde todos somos irmãos,
filhos do mesmo Pai.
T: Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei com eles.
L1: Como cristãos, assumimos o compromisso de seguir Jesus Cristo, amando os
irmãos, mesmo com sacrifício de nossa vida.
T: Se morremos com Cristo, com Ele ressuscitaremos.
C: É o mesmo Espírito de Amor que também agora vida à comunidade-Igreja e
que nos convoca para realizar nossa vocação e missão.
T: (Cantando) - Envia teu espírito, senhor, e renova a face da terra. } bis
6- Proclamação da Palavra de Deus
Homilia
Preces
L1: Por todos nós, para que descubramos o que Deus quer de nós, em nossa
comunidade, rezemos ao Senhor.
T: Senhor, escutai a nossa prece.
196
L2: Por todos os que escolheram a Vida Religiosa, para que sejam fiéis ao
compromisso assumido, rezemos ao Senhor.
T: Senhor, escutai a nossa prece.
L1: Por todos os casais, para que descubram e manifestem perante o mundo a
grandez da vocação conjugal, rezemos ao Senhor.
T: Senhor, escutai a nossa prece.
L2: Por aqueles que foram escolhidos para criar a unidade no Povo de Deus: pelo
Papa...; pelo Bispo...; e todos os Bispos; pelos sacerdotes e missionários, e
pelos Apóstolos leigos, rezemos ao Senhor.
T: Senhor, escutai a nossa prece.
L1: Pelos que se prepara para o sacerdócio ou para a Vida religiosa e pelos Agentes
Pastorais de nossas comunidades, rezemos ao Senhor.
T: Senhor, escutai a nossa prece.
L2: Pelos jovens, para que tenham oportunidade de estudo e trabalho, para que
vivam plenamente sua vocação e possam colaborar na construção de uma
sociedade mais justa e fraterna, rezemos ao Senhor.
T: Senhor, escutai a nossa prece.
C: Oremos:
T: s vos pedimos que todos saibamos ouvir vossa Palavra e vivamos nosso
compromisso na Comunidade. Amém.
Canto:
1- Socorrei-nos, ó Maria, neste nosso caminhar. Os doentes e os aflitos vinde todos
consolar!
Vosso olhar, a nós volvei,
Vossos filhos protegei!
Ó Maria, ó Maria,
Vossos filhos socorrei!
2- Convertei os pecadores, que eles voltem para Deus! De nós todos sede guia no
caminho para os céus!
197
3- Que tenhamos cada dia pão e paz em nosso lar! E de Deus a santa graça nunca
venha nos faltar!
4- Nas angústias e receios, sede, ó Mãe, a nossa luz! Dai-nos sempre fé e confiança
no amor do bom Jesus!
Avisos da comunidade
7- Benção geral
C: Ó Deus nosso Pai, com o vosso amor e bondade santificais todas as coisas:
estendei vossa mão protetora sobre todos os objetos que vossos filhos e filhas vos
apresentam; e concedei-lhes que, usando deles para o vosso louvor e glória,
recebam, por meio deles, vossa proteção, benção e salvação. Em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo.
T: Amém.
7- Benção da água
C: Senhor nosso Deus, derramai a graça da vossa bênção sobre a água que vossos
filhos e filhas aqui trouxeram, a fim de que, servindo à vossa vontade e por
intercessão de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, seja um sinal da Vida que
recebemos em nosso Batismo. Fazei com que todos os que dela tomarem ou por
ela forem aspergidos, obtenham a saúde e a salvação. Seja também motivo de
alegria e confiança para as mães que esperam o nascimento de seus filhinhos.
Que elas alcancem a graça de levá-los sãos e salvos às águas do batismo. Em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
T.: Amém!
(aspersão da comunidade)
C: Derramai sobre nós vossas águas puras.
T: E purificai-nos dos nossos pecados.
C: Pela água do Batismo, fizeste brotar em nós uma vida nova.
T: Bendito seja Deus para sempre.
C: Bendito sejais, Deus Pai, que reunis em vosso Filho Jesus todos os que são
batizados na água e no Espírito Santo para sermos vossos filhos e filhas.
T: Bendito seja Deus para sempre.
Bendito sejais, Deus Pai, que criastes a água para nossa saúde e salvação.
T: Bendito seja Deus para sempre.
198
Canto:
Glória seja ao Pai,
Glória seja ao Filho,
Glória ao Espírito Santo,
E seu amor também,
Ele é um só Deus em pessoas três,
Agora e sempre, sempre, amém!
8- Benção da saúde
C: Senhor Jesus Cristo, uni à vossa Paixão, Morte e Ressurreição, os sofrimentos e
as dores de todos os que padecem, dos que vivem na solidão e de todos os que
estão doentes.
T: Senhor, dai-lhes conforto e consolação.
L1: Que eles compreendam, Senhor: que não estão sozinhos nesta hora! Continuais
presente em suas vidas, chorando com eles neste momento de fragilidade e de dor,
neles ascendendo a chama da esperança.
T: Dai-lhes força e saúde, Senhor.
L2: Que a nossa caridade fraterna os apóie nesses momentos difíceis.
T: Senhor, dai força, paciência e serenidade aos que se dedicam aos doentes com
amor e carinho.
C: Ó Deus, nosso Pai, por intercessão de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e de
Santo Afonso e de todos os santos, fazei descer a vossa benção sobre os vossos
filhos e filhas aqui reunidos, sobre os doentes e sobre todos os que estão sofrendo.
C: Deus Pai vos dê a sua bênção!
T: Amém.
C: Deus Filho vos conceda a saúde.
T: Amém.
C: Deus Espírito Santo vos ilumine
T: Amém.
C: Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.
T: Amém.
199
9- Rito da Comunhão.
10- Benção do Santíssimo
Canto:
Bendito, louvado seja } bis
O Santíssimo Sacramento } bis.
T: Nosso Senhor Jesus Cristo esteja perto de nós para nos defender; esteja em
nosso coração para nos conservar; que Ele seja o nosso guia para nos conduzir;
que nos acompanhe para nos guardar; olhe por nós e sobre nós derrame a sua
bênção; Ele que vive e reina com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém!
Canto
Tão Sublime sacramento,
Adoremos nesse altar.
Pois o Antigo Testamento,
Deu ao Novo o seu lugar.
Venha a fé por suplemento
Os sentidos completar.
Ao eterno Pai cantemos
E a Jesus, o Salvador.
Ao Espírito exaltemos
Na Trindade, Eterno Amor.
Ao Deus uno e trino demos
A alegria do louvor.
Amém! Amém.
C: Do céu lhe destes o pão.
T: Que contém todo o sabor.
C: Oremos:
Ó Deus, que neste admirável sacramento nos deixastes o memorial de vossa
paixão, concedei-nos tal veneração pelos vossos sagrados mistérios de vosso corpo
e de vosso sangue, que experimentemos sempre a sua eficácia redentora. Vós que
viveis e reinais pelos séculos dos séculos.
T: Amém.
200
11- Consagração a Nossa Senhora
Canto:
Ó minha Senhora e também minha mãe, eu me ofereço, inteiramente e todo a vós. E
em prova da minha devoção, eu hoje vos dou meu coração. Consagro a vós meus
olhos, meus ouvidos, minha boca. Tudo o que sou, desejo que a vós pertença.
Incomparável mãe guardai-me e defendei-me, como filho (a) consagrado (a) vosso
(a). Amém (bis).
C: Tudo por Jesus!
T: Nada sem Maria!
Canto Final (opcional).
201
ANEXO III -Catálogo das intenções dos fiéis
Catálogo de Intenções da Novena a Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro
Período de 08/03/2005 a 03/05/2005
Data Data Data Data Data
INTENÇÕES 8/mar
15/mar
22/mar
29/mar
5/abr
total
Afastar pessoas 3
13
10
8
9
43
Afilhados 4
2
5
4
2
17
Agradecimento 195
79
170
129
190
763
Alugar imóvel 5
3
2
3
6
19
Amigos 18
15
7
5
0
45
Aniversariantes 2
16
0
0
0
18
Aposentadoria 12
5
5
8
12
42
Aprovação concurso 25
10
14
24
18
91
Aprovação na OAB 2
3
4
2
3
14
Árvore genealógica 1
5
3
2
7
18
Benção para familiares 450
439
580
602
340
2411
Bolsa universitária 3
2
10
4
5
24
Casamento 150
95
80
71
68
464
Cirurgia 7
2
5
3
2
19
Compra de automóvel 2
6
0
4
0
12
Compra de imóvel 36
35
31
28
52
182
Comunidades paroquiais
2
2
3
1
0
8
Conversão 192
42
49
66
54
403
Cura 48
120
64
74
35
341
Depressão 21
46
35
25
32
159
Doentes 7
1
7
6
3
24
Emagrecer 3
7
2
4
3
19
Emprego 207
171
168
246
185
977
Empresas 4
1
1
3
2
11
Estágio 6
3
7
3
6
25
Estudos 20
35
35
34
48
172
Êxito no trabalho 8
3
5
4
7
27
3
6
3
5
3
20
Funcionários em geral 1
5
3
7
0
16
Ganhar na loteria 3
4
7
2
2
18
Governantes 3
4
4
4
2
17
Gravidez 6
9
3
10
7
35
Grupo de oração 1
1
1
0
0
3
Homossexualismo 1
1
2
0
0
4
Libertação 17
65
19
18
28
147
Lista com nomes 55
67
64
69
72
327
Luz 1
4
5
0
0
10
Médicos 2
1
0
3
0
6
Melhoria salarial 1
2
3
1
1
8
Misericórdia 5
2
3
0
0
10
202
Mortos 118
71
330
336
108
963
Mudança de cidade 5
2
4
4
5
20
Namoro 43
47
41
70
85
286
Negócios 23
79
36
1
0
139
Noivado 0
4
1
0
0
5
Padres 4
1
3
6
4
18
Pagar dívidas 126
248
201
319
27
921
Pânico 7
5
2
4
0
18
Papa 4
2
1
3
2
12
Parentes no exterior 2
16
22
5
7
52
Parto 13
16
1
0
0
30
Paz 77
16
14
13
0
120
Pe. Pelágio 7
2
2
3
4
18
Pedido de perdão 0
22
3
2
7
34
Pedido ilegível 7
12
4
5
9
37
Pobres 4
2
2
3
4
15
Presidiários 5
5
6
4
0
20
Processo na justiça 18
16
43
36
21
134
Professores 1
2
3
0
3
9
Proteções à familiares 225
34
64
35
52
410
Provas na escola 0
16
8
0
0
24
Receber dívida 14
21
39
0
0
74
Relação mãe/filha 0
4
2
0
0
6
Relação Pai/filha 17
2
4
0
0
23
Saúde 286
254
600
640
429
2209
Separação
0
4
0
3
0
7
Tirar CNH 9
10
8
5
6
38
Transplante 1
1
1
0 0
3
Venda de automotor 2
0
1
0
0
3
Venda de imóvel 4
26
31
29
54
144
Vendas em geral 0
13
5
5 0
23
Vestibular 23
15
8
37
0
83
Viagem 5
24
8
5
4
46
Vício (jogo, álcool, fumo) 70
41
96
99
30
336
Vizinhos 1
1
0
0
0
2
Vocações 2
3
2
3
4
14
2639
2146
3015
3157
2069
13265
203
ANEXO IV - Questionário de entrevista aplicado durante as entrevistas.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PESQUISA SOBRE A DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DO PERPÉTUO SOCORRO NA MATRIZ DE
CAMPINAS.
Abaixo segue um esboço do questionário que deverá ser respondido pelos (as)
colaboradores (as) da pesquisa:
Nome: _____________________________________________________________
Endereço: __________________________________________________________
Bairro: _____________________________________________________________
Fone: ________________________________Celular:________________________
Profissão: ___________________________________________________________
Local de trabalho: ____________________________________________________
Grau de escolaridade: _________________________________________________
Estado civil: _________________________________________________________
Nome e idade dos filhos (as): ___________________________________________
Renda mensal da família em salários mínimos: _____________________________
Possui automóvel: _____________Ano: ________________Modelo: ____________
Casa própria: ________________________________________________________
Plano de Saúde: _____________________________________________________
Perguntas específicas do tema:
01- O que representa Maria, (Nossa Senhora do Perpétuo Socorro) em sua vida?
02- Há quanto tempo e porque pratica o rito da novena?
03- Qual o significado da novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em sua vida?
04- Como compreende o quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro? (O que tem
nele e o que significa?)
204
05- O que, normalmente, você pede a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, durante
as novenas?
06- Você vai a missa aos domingos? Em qual Igreja? Por quê?
07- Marque os sacramentos que você já recebeu da Igreja:
( ) Batismo
( )Eucaristia
( )Penitência (confissão)
( )Crisma
( )Matrimônio
( )Unção dos enfermos
08- Você participa de algum movimento na Igreja? Qual? Por quê?
09-Você considera que exista algum problema hoje, em sua vida, qual seria?
10- O que representa para você o papel de “Mãe” na atualidade.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo