15
Brasil, adaptado para o cinema e história em quadrinhos, além de traduzido em
onze idiomas,
27
desmitificando desde já o regionalismo como antítese do universal.
Tal constatação permeia aqui o que delineamos como problemática nas entrelinhas
da leitura que se seguirá no nosso primeiro capítulo, ou seja, como, em épocas de
globalização, com pretensos desenraizamentos culturais, refletirmos acerca do
regionalismo? Se perdemos nossas terras natais e estamos decididamente
desterritorializados, cosmopolitas, como pensarmos e sentirmos o regional, o
telúrico? Penso que possíveis respostas estão no próprio homem, tanto no âmbito
geral quanto naquele que envolve os meandros da Palavra, da escritura.
Sim, perguntas e prováveis respostas estão mesmo no ser humano, estão na
arte literária, esta que, na dialética entre o localismo e o cosmopolitismo,
28
escolhe
o homem. Enraizados ou desterritorializados possuímos em nós o manancial da
terra e do ar, dos espaços e das desmaterializações. E é a arte literária, com sua
linguagem “carregada de significado até o máximo grau possível”,
29
que nos
ajudará a produzir inúmeras respostas. Daí as descobertas de nossas cidades
subjetivas, (a)temporais, nossa cor eivada de particularidades denunciando o
universal.
Quando de sua publicação, o que os críticos mais louvaram em Cascalho foi
justamente essa conjunção terra e homem (aliada, claro, à dimensão estética),
permitindo que o romance não “caísse no tão fácil documentarismo”,
30
nas
generalizações que muitas vezes “esfumam o pessoal, a alma e o sentir do
homem”.
31
Se na gênese humana a terra é algo absolutamente anterior em nós, e o
discurso que nos permeia é visceralmente o dramático – próprio da literatura –
26
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade, p. 114.
27
Cascalho foi traduzido em tcheco, romeno, italiano, espanhol, russo, coreano, japonês, chinês, francês,
além de publicado em Portugal.
28
Segundo Antonio Candido a nossa literatura brasileira está regida sob essa dialética. In: CANDIDO,
Antonio. Op. Cit., p. 109.
29
POUND, Ezra. Abc da Literatura, p. 32.
30
REBELO, Marques. Cascalho. In: Revista O Cruzeiro, 26.8.1942, p.21.
31
RAMOS, Ricardo. Além dos Marimbus. Revista O Cruzeiro, p.1: “O romance de uma região, dos que nela
desempenham uma atividade específica, nem sempre nos traz o lado humano. A tendência para o generalizar,
evoluindo-se raros exemplos em contrário, quase esfuma o pessoal, a alma e o sentir do homem (...).”
32
CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis. Pp. 14 e 44, respectivamente.