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A chave para a meditação é a renúncia ou aniquilação da mente. A mente deve estar
livre de todo pensamento, e se perder no ātman. Todos os sinais devem ser removidos. Não
deve haver mais leituras, preces, pūjā; mas, sim o dhyāna ininterrupto. O buscador (sādhāka)
deve eliminar todos os pensamentos, tornando-se mera testemunha (sākshī) deles e cessando
de dar-lhes volição (sankalpa). Para isso, é importante a técnica do prānāyama – atenção à
inalação e exalação do alento, pois a fonte da respiração é a fonte do “eu”
283
.
Não deve haver pensamentos na meditação, apesar de ser possível a utilização de
mantras, tais como o so´ham (“Ele é eu”)
284
. Para evitar ser levado pelo pensamento, deve-se
descobrir quem pensa o pensamento. Gñānānanda compara isso a mergulhar em busca de
uma moeda. O oceano é a mente, manas. As ondas são seus vrittis, movimentos incessantes, a
agitação de nossos pensamentos. As ondas devem ser aquietadas para se ver onde mergulhar.
Quando a água torna-se calma e límpida, é brinquedo de criança encontrar a moeda
285
.
Abhishiktānanda já conhecia um pouco sobre o Shaivismo da Caxemira, pois Mon-
chanin já havia lhe falado sobre essa tradição
286
. Mas foi provavelmente com Gñānānanda
que sua influência tornou-se realidade
287
. No Shaivismo da Caxemira, o simbolismo do cora-
ção é central
288
. Os Upanixades falam de Rudra-Shiva como o Ser supremo, o grande Si-
mesmo, sentado no coração das criaturas
289
. A transcendência de Shiva é última no coração
das pessoas. O coração é assim o lar de ambos, o Si-mesmo universal (Paramātman) e o si-
mesmo individual (jīvātman). O coração de Shiva não é estático. Ele está sempre em movi-
mento perpétuo, em um estado de vibração, contração ou expansão contínuo. Ele é, parado-
xalmente, uma calma dinâmica.
Nessa tradição, dá-se ênfase à Śakti, que é vista como a força cósmica criativa, que
cumpre a tarefa de criar, manter e reabsorver o universo. Essa potência também está presente
no corpo humano, como a força kundalini. Procura-se, então, controlar a śakti que permeia o
corpo, a mente e o mundo, para reintegrar à Realidade não-dual
290
. Śakti é a Deusa, que ja-
283
ABHISHIKTANĀNDA. Guru and Disciple, p. (68). “Lá onde surge o eu, surge o alento”.
284
INDRA. Sadguru Gñānānanda, p. 130.
285
ABHISHIKTĀNANDA. Guru and Disciple, p. 92.
286
Monchanin havia se correspondido com Lílian Silburn, a primeira estudiosa que falou sobre o Shaivismo da
Caxemira no Ocidente. Veja A
BHISHIKTĀNANDA, Abbé Monchanin: Lettres au Père Le Saux, ed. Françoise
Jacquin, Paris: Cerf, 1995.
287
Panikkar atribui essa influência tardiamente, por volta do fim da vida de Abhishiktanānda. Veja Diary, In-
trodução, p. xxiii.
288
Essa descrição é tirada de Paul Eduardo MULLER-ORTEGA. The Triadic Heart of Shiva, Albany: State Uni-
versity of New York, 1989.
289
Śvetāśvatara Upanisad, 1.12.
290
MULLER-ORTEGA. The Triadic Heart of Shiva, p. 50, 51, 82. Esse poder é centrífugo, irradiante e expansivo
em um dos seus aspectos. Mas também é centrípeto, absortivo e unitivo. O movimento centrípeto é a energia
kundalini que impele a pessoa de volta à fonte e centro de seu ser. Abhinavagupta, um dos fundadores do Shai-