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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS
FABIANO MAZZINI BONISEM
A POLÍTICA QUE PASSA NA TV: COMO O JORNAL
NACIONAL RECONFIGUROU O SENTIDO DA POLÍTICA
NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História do Centro de Ciências
Humanas e Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES), como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre em História.
Área de concentração: História Social das
Relações Políticas.
Orientador: Prof. Dr. Fabio Muruci dos Santos
VITÓRIA
2008
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2
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Bonisem, Fabiano Mazzini, 1965-
B715
p
A política que passa na tv : como o Jornal Nacional
reconfigurou o sentido da política nas eleições presidenciais de
2002 / Fabiano Mazzini Bonisem. – 2008.
163 f.
Orientador: Fabio Muruci dos Santos.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Jornal Nacional (Programa de televisão). 2. Comunicação na
política. 3. Presidentes – Brasil - Eleições. I. Santos, Fabio Muruci
dos. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências
Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
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3
FABIANO MAZZINI BONISEM
A POLÍTICA QUE PASSA NA TV: COMO O JORNAL NACIONAL
RECONFIGUROU O SENTIDO DA POLÍTICA NAS
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de
Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em História. Área de
concentração: História Social das Relações Políticas.
Aprovado em ___,______________, de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________________
Profº Dr. Fabio Muruci dos Santos
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
___________________________________________________
Profº Dr. Aloísio Krohling
Faculdade de Direito de Vitória
___________________________________________________
Profª Drª. Adriana Pereira Campos
Universidade Federal do Espírito Santo
___________________________________________________
Profº Dr. Valter Pires Pereira
Universidade Federal do Espírito Santo
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4
Para Angèle, Alice e Gabriel. Luz,
inspiração e ternura.
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5
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Fabio Muruci dos Santos, por ter me
condenado ao regime de “liberdade vigiada”, sempre atento para a indicação do
melhor caminho, pela coerência das abordagens, abertura metodológica e firmeza
de posições.
Ao Programa de Pós-Graduação em História, por ter acolhido a proposta desta
pesquisa e propiciado o meu retorno à UFES, depois de vinte anos.
Ao corpo docente do Mestrado em História Social das Relações Políticas, em
especial aos professores com quem tive o prazer de conviver nas disciplinas
cursadas, pela capacidade de transformar projetos em pesquisa, dúvidas em
motivação, com a marca indispensável da interdisciplinaridade.
Aos colegas da turma do Mestrado, pelo convívio carinhoso e pelo companheirismo.
Agradecimento especial aos colegas Ueber de Oliveira, pelos debates acerca da
política e dos seus bastidores; e Francisca Pereira, cujo carinho e a companhia
acadêmica vêm de longa data. Meu agradecimento tamm aos colegas Gerson
Duarte, Rita de Cássia Vidal, Beto Pêgo, Julia Duarte e Auxília Guizolfi, pelo
estímulo constante e pela troca de experiências.
Ao Prof. Dr. Luiz Gonzaga Motta, coordenador do Nemp/UnB, por ter disponibilizado
o acervo da videoteca do núcleo de pesquisa, permitindo o meu acesso às edições
do Jornal Nacional. Ao jornalista e mestre Nelito Falcão, e Janaina Lazzaretti,
estagiária do Nemp/UnB, pelo empenho e colaboração de ambos na seleção, edição
e envio das fontes de pesquisa.
À minha querida irmã Fabíola Mazzini, pela força constante e revisão cuidadosa. Aos
meus familiares, em especial minha mãe, Luzia Maria Mazzini, pelo carinho e torcida
permanente, bem como aos amigos, obrigado por compreenderem minhas
ausências e meu distanciamento involuntários.
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6
“Essa primeira semana de reportagens especiais nós
vamos dedicar a uma espécie de vacina contra a
maior parte dos problemas nacionais. Você vai ver
como todos os cidaos têm, sim, um poder nas
mãos, que não se esgota na escolha do candidato, na
hora do voto [...] você pode, e deve, exercer seu
direito de eleitor por completo, mesmo depois das
eleições.”
apresentadora do Jornal
Nacional, em 05.08.02.
“Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a
televisão para assistir ao jornal. Enquanto as
notícias dão conta de greves, agitações, atentados e
conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha
em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu
tomasse um tranqüilizante, após um dia de
trabalho.”
,
em 22.03.73.
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7
RESUMO
Explora os caminhos pelos quais o Jornal Nacional, mais destacado telejornal da TV Globo,
realizou uma inédita e extensa cobertura da disputa eleitoral de 2002, com ênfase no
resgate da política como prática necessária ao aprimoramento da democracia. Como
componente da conjuntura estudada, o reconhecimento de que estava em jogo a
tentativa de restauração da imagem da principal emissora de televisão do país, com
destaque para construção de sua nova relação com o poder. Parte da estratégia da TV
Globo foi a adoção de um modelo de interação que estabelece novos mecanismos de
produção de sentido para o mundo da política, sob a lógica de uma comunicação
midiatizada, na qual a absorção da política pela mídia e a busca do controle de sua
discursividade o aspectos relevantes. Essa constatação nasce da análise de conteúdo e
da observação de fragmentos discursivos presentes nas séries de reportagens que o Jornal
Nacional levou ao ar entre os meses de agosto e outubro. Reflete ainda sobre os
enquadramentos presentes na cobertura da emissora, com destaque para o enquadramento
do tipo interpretativo, a partir do qual o Jornal Nacional deu visibilidade ou silenciou quando
do tratamento dos problemas nacionais, cujas controvérsias estiveram em disputa no
período eleitoral. Indica as convergências e divergências nas abordagens dos principais
temas e controvérsias que prevaleceram nas reportagens especiais em relação aos demais
produtos da cobertura do Jornal Nacional, incluindo a fase de pré-campanha. O
agravamento da crise econômica que atingiu o Brasil em 2002 foi o principal instrumento de
limitação do campo discursivo no telejornal, com abordagem refletida na cobrança feita aos
principais candidatos para o cumprimento dos contratos do país, condição plenamente
aceita por eles como postura pacificadora do mercado financeiro.
Palavras-chave: política; eleições; jornalismo; mídia; democracia.
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8
ABSTRACT
To explore the ways in which Jornal Nacional, the most prominent News TV show of
Globo Television, held an unprecedented and extensive coverage of the competitive 2002
election and how they emphasize the importance of politics practices for the democracy
improvement. As part of the cycle studied, there is a recognition that at stake was the
attempt to restore the image of the main television station in the country, with emphasis on
the construction of its new relationship with power. Part of Globo TV strategy was the
adoption of an interaction model establishing new production mechanisms in the politics
world through different channels of communication. Nonetheless, the absorption of politics
through the media to control the public opinion is a relevant aspect of their strategy. This
statement comes from analysis and the observation of discursive fragments presented in a
series of reports that the Jornal Nacional aired between the months of August and October. It
also reflects on the TV’s deliberation of its contents coverage during the period of election.
Jornal Nacional, around the controversial election time, had the choice to whether report or
leave out major issues about our country. This indicates the similarities and differences of
approaches to the major issues and controversies that prevailed in special reports in relation
to other Jornal Nacional coverage themes that include the pre-election campaign reports. For
instance, the worsening of the economic crisis that hit Brazil in 2002 was the main instrument
for limiting the discursive field in the TV news. They miss out on their approach to discuss
why there were so many political candidates who weren’t able to fulfill their obligations with
our nation, condition that they rather see it as a way to keep the peace in the Financial
Market.
Keywords: politics, elections, journalism, media; democracy.
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9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Séries de Reportagens Veiculadas no Jornal Nacional ............. 81
Tabela 2 Temas Explorados no Jornal Nacional ..................................... 89
Tabela 3 Relação Tema X Atributos ........................................................ 90
Tabela 4 – Tema 1. Mazelas Sociais e Desigualdades .............................. 92
Tabela 5 – Tema 2. Gestão Pública ........................................................ 105
Tabela 6 – Tema 3. Política e Cidadania ................................................ 109
Tabela 7 – O Tratamento da Política ...................................................... 114
Tabela 8 – A Imagem da Política ............................................................ 115
Tabela 9 – Tema 4. Economia e Negócios ............................................. 117
Tabela 10 – Tema 5. Corrupção e Problemas Éticos .............................. 136
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10
LISTA DE SIGLAS
Abert - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
ABR - Associação Brasileira do Rádio
AI – Ato Institucional
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CBT – Código Brasileiro de Telecomunicações
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPMF – Comissão Provisória sobre Movimentação Financeira
CUT- Central Única dos Trabalhadores
Epcom – Estudos e Pesquisas em Comunicação
FMI – Fundo Monetário Internacional
HGPE – Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
Ongs – Organizações não-Governamentais
PCC – Primeiro Comando da Capital
PCO – Partido da Causa Operária
PFL – Partido da Frente Liberal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
PRN – Partido da Renovação Nacional
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
RGTV – Rede Globo de Televisão
SBT – Sistema Brasileiro de Televisão
TRE – Tribunal Regional Eleitoral
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
Uerj – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
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11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................12
2 POLÍTICA, ESFERA PÚBLICA E SOCIEDADE ...............................................18
2.1 A CONFORMAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA .................................................. 18
2.2 INTERESSES REFLETIDOS NOS CAMPOS: UM POLÍTICO, OUTRO
JORNALÍSTICO..................................................................................................... 26
2.3 A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO ........... 31
3 PODER E MÍDIA ................................................................................................ 40
3.1 A REDE GLOBO NO AMBIENTE POLÍTICO-NORMATIVO DA
RADIODIFUSÃO.....................................................................................................40
3.2 NASCIMENTO, EXPANSÃO E COOPERAÇÃO NA HISTÓRIA DAS
ORGANIZAÇÕES GLOBO ....................................................................................................46
4 NO AR: A POLÍTICA NA TELA DO JORNAL NACIONAL ................................ 57
4.1 A POLÍTICA (RE)DESCOBERTA ..................................................................... 60
4.2 O CENÁRIO ELEITORAL EM 2002 .................................................................. 63
4.3 FONTES EMPÍRICAS ....................................................................................... 76
4.4 A REPORTAGEM DE SERVIÇO E A VALORIZAÇÃO DA
POLÍTICA..................................................................................................................78
4.5 AGENDA PÚBLICA, ENQUADRAMENTOS E CONTROVÉRSIAS
INTERPRETATIVAS ................................................................................................ 81
4.6 TEMAS EM DESTAQUE NA AGENDA DO JORNAL NACIONAL ................... 88
4.6.1 ANÁLISE DO TEMA MAZELAS SOCIAIS E DESIGUALDADES .................... 91
4.6.2 ANÁLISE DO TEMA GESTÃO PÚBLICA .......................................................105
4.6.3 ANÁLISE DO TEMA POLÍTICA E CIDADANIA ..............................................109
4.6.4 ANÁLISE DO TEMA ECONOMIA E NEGÓCIOS .......................................... 117
4.6.5 ANÁLISE DO TEMA CORRUPÇÃO E PROBLEMAS ÉTICOS ................... 136
4.7 CONCLUSÕES DA ANÁLISE ..........................................................................143
5 O CONGLOMERADO EM CRISE ........................................................................149
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................155
7 REFERÊNCIAS ...................................................................................................158
ANEXO A ................................................................................................................163
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12
INTRODUÇÃO
A cobertura jornalística das eleições presidenciais de 2002 constitui um rico
acervo a desafiar a curiosidade dos pesquisadores do campo da comunicação, e
não sem motivo: diferentemente do comportamento adotado em eleições passadas,
alguns dos mais importantes veículos de imprensa do país transformaram a disputa
presidencial em um acontecimento midiático, marcado pela superexposição do
processo eleitoral, iniciativa justificada em função da necessidade de oferecer uma
informação de melhor qualidade para a decisão de voto pelo eleitor.
Esta pesquisa pretende jogar luz sobre esse momento da vida nacional, ao
analisar uma das inovações que contribuíram para tornar a cobertura das eleições
tão intrigante: as nove séries de reportagens de serviço veiculadas pelo Jornal
Nacional, da TV Globo, anunciadas como espaço privilegiado de debate dos
problemas nacionais, buscando o esclarecimento do eleitor para a sua participação
consciente nas eleições.
O Jornal Nacional (JN) é o mais antigo noticiário de TV do país, tendo
completado 33 anos em 2002. O telejornal é veiculado de segunda a sábado, às
20h15, e tradicionalmente ocupa a grade de programação entre duas telenovelas,
compondo o cardápio de entretenimento e informação de maior audiência e maior
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13
custo publicitário da televisão brasileira. Em 2002, a audiência do JN era estimada
em 51 milhões de espectadores, com média de 43 pontos no Ibope.
Com esse desempenho, é a principal vitrine jornalística de uma grande
estrutura de comunicação, que cobre toda a extensão territorial do país e soma 4.500
jornalistas atuando nas cinco emissoras próprias da Rede Globo e em 112 emissoras
afiliadas. A Rede Globo também mantém correspondentes em seis países
1
. Quando
foi ao ar pela primeira vez, no dia de setembro de 1969, o Jornal Nacional estreou
o modelo de rede que viria a caracterizar o sistema de operação da televisão
brasileira por meio da radiodifusão.
Também nos ocupamos da análise de alguns fragmentos discursivos
presentes nas reportagens, visando a acentuar a constante formulação dos
enquadramentos adotados pelo telejornal mais importante do país para construir
uma agenda própria do momento eleitoral. Procuramos, ainda, situar a mudança
histórica na estratégia da Rede Globo ao lidar com o processo político, sobretudo a
partir do reconhecimento da crise financeira pela qual passa esse conglomerado de
mídia. Nesse propósito, buscamos identificar os principais elementos conjunturais
presentes no setor de comunicação e a configuração do ambiente político-partidário
por ocasião da disputa presidencial.
Uma de nossas conclusões traz o reconhecimento de que, no cenário eleitoral
de 2002, a TV Globo operou na intenção de inovar na maneira pela qual passou a
explorar a potica e na importância que conferiu ao processo eleitoral para a
democracia brasileira. Essa característica resume com precisão o cenário a partir do
qual os meios de comunicação constroem o ambiente que nos insere na chamada
1
JORNAL Nacional: a notícia faz história / Memória Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p.12.
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14
Idade Mídia, formulação utilizada por Rubim (2003) para explicar a força da
comunicação midiática como fator estruturante da sociabilidade contemporânea.
Segundo o autor, é possível identificar algumas variáveis que delimitam a
sociedade estruturada e ambientada pela mídia, dentre as quais destacamos: a)
expansão quantitativa da comunicação, em sua modalidade midiatizada, que pode
ser constatada através de dados sobre número de meios disponíveis, a quantidade
das tiragens e audiências, e a dimensão de redes em operação; b) diversidade das
novas modalidades de mídias presentes no espectro societário; c) prevalência da
mídia como esfera de publicização na sociabilidade estudada, reconhecendo os
diferentes “espaços blicos” socialmente existentes, articulados e concorrentes
2
.
Apesar dessa ampla ambientação, que sugere o acesso regular da sociedade
ao direito democrático à informação livre e plural, o comportamento de boa parte da
imprensa nos processos eleitorais vivenciados a partir dos anos 80 revela o
predomínio do interesse particular dos proprietários das empresas de comunicação
sobre as demandas coletivas, em flagrante descompasso com o interesse público. A
esse respeito, Rubim analisa as estratégias político-midiáticas deflagradas no período
denominado de pós-ditadura:
As atuações da mídia têm sido marcantes. Todos lembram a já embletica
intervenção explícita da Rede Globo em favor do candidato Fernando Collor
de Melo e das suas acintosas manipulações na eleição de 1989. É fácil
recordar também o alinhamento da quase totalidade da mídia brasileira no
pleito de 1994, ao assumir e fazer a propaganda, gratuita e paga, do Plano
Real, passaporte de Fernando Henrique Cardoso para a vitória presidencial.
E o silenciamento deliberado da eleição de 1998, quando FHC ganhou sua
reeleição em uma disputa que quase não existiu, inclusive na mídia,
deixando exposta uma convergência de interesses entre o governo e as
empresas de comunicação midtica. Tais estratégias político-midiáticas
distintas guardam uma consonância ativa com os diferentes cenários
2
Para consulta acerca de outras variáveis, ver o artigo Definindo a idade mídia na contemporaneidade. Idade
Mídia: Revista da Faculdade de Comunicação Social. São Paulo: FIAM-FAAM Centro Universitário, v .1, n.1 (1
sem. 2002), 2003, p. 07-21.
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15
eleitorais vivenciados no país […]
3
nas eleições de 2002, sob o signo da visibilidade, a atuação da mídia
sobretudo da televisão ocorre de maneira articulada através de dois movimentos,
que o autor aponta como sendo distintos, indissociáveis em sua natureza, mas
profundamente entremeados em algumas oportunidades.
Em um movimento, a disputa trava-se em torno da interpretação e da
avaliação da realidade que irá prevalecer no final do embate eleitoral,
possibilitando, em condições de normalidade, a vitória daquele que formulou
tal interpretação. No outro movimento, a disputa se dá pela afirmação ou
negação da existência social dos atores sociais em competição e pela
caracterização, positiva ou negativa, desses atores. A disputa pela afirmação
da existência social e da caracterização pública torna-se também decisiva
para o desenvolvimento da capacidade de vitória das candidaturas
concorrentes.
4
A presença desses componentes na cobertura se justifica pelo
reconhecimento de que a televisão garantiu ao campo político um espaço privilegiado
nas eleições de 2002, atuando principalmente no sentido de demarcar as condições
nas quais essa midiatização seria operada. Nesse contexto,
[...] a história da comunicação política televisiva pode ser descrita como uma
evolução dos dispositivos de contato que a instituição televisão propõe (ou
impõe) à classe política, dispositivos esses particularmente importantes nos
momentos de campanha eleitoral.
5
Os dispositivos de contato refletem o que Fausto Neto (2003) identifica como
sendo os cruzamentos de estratégias de diferentes campos sociais, tais como o
político, o econômico, o jurídico e o midiático. Segundo o autor, a proeminência é
para o campo das mídias, que atua com suas lógicas, seus atores e suas estratégias
3
Id. As imagens de Lula presidente. In: FAUSTO NETO, Antônio; VERÓN, Eliseo (Orgs.). Lula presidente:
televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker; São Leopoldo, RS: Unisinos, 2003b, p. 44.
4
Ibid., p. 50-51.
5
VERÓN, Eliseo. Televisão e política: história da televisão e campanhas presidenciais. In: FAUSTO NETO,
Antônio; VERÓN, Eliseo (Orgs.). Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo:
Hacker, São Leopoldo, RS: Unisinos, 2003, p. 36.
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16
discursivas. Nesse ambiente, Fausto Neto descreve a existência de dois cenários
específicos. O primeiro deles é o das pré-condições das eleições, que apontam para
os parâmetros a serem seguidos no desenvolvimento da disputa. Os destaques
desse cenário são os aspectos legais definidos pelo campo jurídico. Essas normas
têm influência direta sobre os dispositivos de contato, uma vez que estabelecem as
condições de anunciabilidade do processo eleitoral, aqui compreendido não somente
o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), mas todo e qualquer dispositivo
originado na própria programação eleitoral oficiosa das emissoras.
O segundo cenário descrito por Fausto Neto é o das estratégias midiáticas
propriamente ditas, que encontram terreno propício para o desenvolvimento em uma
série de contatos, tais como os programas do HGPE, os debates, as séries de
reportagens de serviço, a cobertura da agenda dos candidatos pelos noticiários e as
entrevistas individuais com os principais postulantes à presidência nos telejornais. De
acordo com Fausto Neto, por trás dessa postura reside uma intencionalidade, uma
vez que
[...] o campo das mídias “institucionaliza”, à revelia do formato do Horário
Eleitoral Gratuito, as diferentes estratégias que vão por ele ser
desenvolvidas no sentido de se distinguir como o lugar central por onde a
campanha vai passar. Para tanto, promove a abertura de novos gêneros,
subvertendo a sua programação, ou promove modificações nos seus
gêneros e/ou programas mais importantes, como é o caso dos telejornais, na
medida em que os candidatos à presidência não são apenas convidados
para neles serem entrevistados, mas, pela sua inserção na bancada onde
estão os “âncoras, passam a constituir membros, eles próprios da
economia midiática. Ou seja, os atores do campo político são transformados
de convidados em funcionários da economia midiática.
6
Feito esse reconhecimento em relação às condições nas quais o campo das
mídias atua sobre a potica, entendemos ser bastante pertinente a observação de
6
FAUSTO NETO, Antônio. Inclusões e apagamentos. In: FAUSTO NETO, Antônio; VERÓN, Eliseo (Orgs.).
Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker; São Leopoldo, RS: Unisinos,
2003, p. 91.
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17
Fausto Neto a respeito do novo papel que elas passam a desempenhar . De acordo
com o autor, ao operar um novo contato “[...] não se trata de mediar o discurso
político, mas de integrar os atores políticos na própria enunciação midiática (p.91).
Nesse sentido, ao contrário de explorar aspectos eminentemente eleitorais da
campanha de 2002, esta pesquisa buscou estabelecer uma análise sobre a
visibilidade que a própria política alcançou no mais influente telejornal do país,
sobretudo no que se refere aos aspectos que conferem significado à atividade da
política e a compreensão da sua representação nos dias atuais.
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18
2 POLÍTICA, ESFERA PÚBLICA E SOCIEDADE
2.1 A CONFORMAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA
A literatura que busca discutir o cenário no qual repousam nossas dúvidas e
incertezas sobre o futuro da democracia representativa nas sociedades modernas já
demonstra uma das características desse cenário, bem visível e de fácil verificação:
o ambiente democrático atual está configurado em uma esfera pública fortemente
dependente da presença dos meios de comunicação de massa. Eles atuam, seja
para nos atualizar em relação aos acontecimentos que julgamos relevantes,
inclusive quanto às suas implicações cotidianas e desdobramentos futuros, seja para
nos colocar diante de idéias, plataformas eleitorais e modos de representação que
eram restritos ao mundo convencional da política, mas que estão agora abrigados
nesse novo espaço público, do qual a mídia passou não a fazer parte, mas
tamm a estabelecer a dinâmica.
O principal reflexo dessa mudança é o que os pesquisadores da comunicação
apontam como a manifestação concreta da perda do monopólio do espaço público
da política pelos partidos, substituídos que foram pelos meios de comunicação
eletrônica de massa, especialmente a televisão, no processo de reconhecimento
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19
social dos agentes e movimentos originários do campo político. A tevê, assim,
cumpre um papel central na percepção que temos do mundo e das representações
sociais, incluindo as atividades da política.
Ocupando uma posição cada vez mais destacada na vida de seus
espectadores (sempre mais numerosos), como fonte de informação e
de entretenimento, a televisão reorganizou os ritmos da vida
cotidiana, os espaços domésticos e, também, as fronteiras entre
diferentes esferas sociais. [...] a mídia eletrônica, sobretudo a TV,
rompeu a segmentação de públicos própria da mídia impressa e
contribuiu para redefinir as relações entre mulheres e homens,
crianças e adultos, leigos e especialistas. Aprofundou as
transformações no discurso político, de certa maneira unindo o
sentimento de intimidade, transmitido pelo rádio, com o apelo
imagético próprio do cinema.
7
O estágio atual de midiatização da sociedade e da política representa o
desdobramento do processo de configuração, estruturação e redefinição da esfera
pública e do que costumamos chamar de opinião pública, que a obra de Habermas
classifica como categorias historicamente definidas e ligadas ao desenvolvimento do
capitalismo, da publicidade e da imprensa nascida na Europa, na Idade Média, e que
alcançou a sua maioridade no século XVIII, por impulso das idéias iluministas. Esse
momento é capturado por Sousa (2004) que, ao refletir sobre o processo histórico da
comunicação em sociedade, a partir do ensinamento de Habermas, destaca que
[...] é apenas no século XVIII que verdadeiramente nasce o espaço
público moderno (ou esfera pública) e que surgem os conceitos de
público (no sentido do que deve ser publicitado, tornado público) e
privado. A noção de espaço blico inicial de Habermas corresponde
ao espaço onde se formam as opiniões e as decisões políticas e onde
se legitima o exercício do poder. É o espaço do debate e do uso
público da razão argumentativa. Concretizava-se, inicialmente, na
vida social, nos debates racionais sobre política, economia, assuntos
militares, literatura e artes que ocorriam nos cafés, clubes e salões,
bem ao gosto do espírito iluminista. Porém, a explosão da imprensa
transferiu para os jornais e revistas os debates que anteriormente se
desenvolviam nesses lugares. A imprensa tornou-se, assim, a
7
MIGUEL, Luis Felipe. Os meios de comunicação e a prática política. Lua Nova, 2002, p.155.
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20
primeira grande instância mediadora na configuração do espaço
público moderno.
8
A constituição desse espaço público surge num campo de tensão entre o
Estado e a sociedade civil, representada por uma burguesia de crescente força
hegemônica na economia, cada vez mais letrada e informada, porém desprovida de
poder político (ALMEIDA, 2002). Na visão habermasiana, portanto, a esfera pública
burguesa pode ser entendida inicialmente como
[...] a esfera de pessoas privadas do poder que se reúnem publicamente para
defender a sua liberdade econômica e atacar o próprio princípio de
dominação vigente naquela época, ou seja, torná-lo racional: não baseado
numa superioridade determinada por uma origem hereditariamente nobre,
mas no melhor argumento racionalmente submetido à opinião pública. [...] O
parlamento, como instância muito especial da esfera pública, passa a ser um
órgão do Estado, pois agora a burguesia tem poder de decisão. Mas a
disputa de opinião pública vai continuar se dando fora do parlamento. Assim,
a esfera pública política burguesa [...] não apaga a sua contradição: surge
apresentando uma idéia oposta à dominação, mas sua fase social (a
propriedade privada) não permitia o fim da dominação. [...] Além disso, a
grande mídia, que deveria ser uma instituição por excelência da esfera
pública, via de regra publica uma opinião privada.
9
Nesse modelo, encontraremos a esfera blica em um movimento de
expansão, ao mesmo tempo em que os meios de comunicação são inseridos na
esfera privada, o que se faz acompanhar pelo vigor da publicidade comercial. A
crescente orientação lucrativa da imprensa contribuiu para reduzir a coerência do
discurso político, sobretudo pelo fato de que, sob o controle de pessoas privadas, o
jornal fica mais livre da pressão do poder público, mas, ao configurar-se um poder,
passa a ter suas funções críticas ameaçadas justamente por estar em mãos de
pessoas privadas.
8
SOUZA, Jorge Pedro. Elementos de uma teoria e pesquisa da comunicação e da mídia. Florianópolis: Letras
Contemporâneas, 2004, p. 70.
9
ALMEIDA, Jorge. Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo; Xama, 2002, p. 54.
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21
Outro movimento decorre da própria mudança de perfil do Estado, que se
torna mais intervencionista, visando a eliminar ou atenuar problemas econômicos,
políticos e sociais que enfrentava. Essa mudança reflete na esfera pública uma vez
que a comunicação pública racional dos tempos iniciais do espaço público é
transformada em relações blicas. Tal deslocamento, datado de meados do século
XIX, representa um tratamento de publicidade distinto, quando assume a esfera
pública expressamente como política. Agora, o destinatário das relações públicas é a
opinião blica, ou seja, pessoas privadas enquanto público e não enquanto
consumidores imediatos. Em sua estratégia, o emissor esconde suas intenções
comerciais sob o papel de alguém interessado no bem comum. É, portanto, na
práxis das public relations que o anúncio econômico chega a ter consciência de seu
caráter político.
A investidura desse papel pela publicidade tem sua trajetória discutida na
análise de Habermas, quando o autor apresenta a idéia da reestruturação da esfera
pública, com influência sobre os agentes que nela estão integrados.
[...] outrora, a “publicidade” significa a desmistificação da dominação
política perante o tribunal da utilização pública da razão; publicity subsume
as reações de um assentimento descompromissado. À medida que se
configura, mediante public relations, a esfera pública burguesa reassume
traços feudais: os “ofertantes” ostentam roupagens e gestos de
representação perante clientes dispostos a segui-los. A publicidade imita
aquela aura de prestígio pessoal e de autoridade supranatural que
antigamente era conferida pela esfera pública representativa. [...] A referida
integração de diversão de massa e publicidade, que na configuração das
public relations assume um caráter já “político”, submete ainda inclusive o
próprio Estado. as empresas privadas sugerem a seus clientes, nas
decisões de consumo, a consciência de cidadãos do Estado, o Estado
precisa “voltar-se” a seus cidadãos como consumidores. Deste modo,
também o poder público apela para a publicity.
10
10
HABERMAS, Jünger. Mudança estrutural da esfera pública Investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.229.
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22
Interessa-nos a análise do autor para o mecanismo de atuação das agências
de public relations no oferecimento de subsídios, como press-releases
11
, para os
órgãos de comunicação utilizarem nos seus processos de divulgação. Nessa
condição, há uma mistura entre o anúncio e a notícia, ocasião em que
[...] a propaganda nem deve mais sequer ser negociável como auto-
representação de um interesse privado. Ela empresta a seu objeto a
autoridade de um objeto de interesse público, a respeito do qual, como se
pretende que isso pareça, o público das pessoas privadas cultas forme
livremente a sua opinião. A tarefa central é a “engineering of consent”
(engendrar o consenso), pois só no clima de um tal consenso é possível
“promotion to the public, suggesting or urging acceptance of person,
product, organization or idea (promover junto ao público, sugerindo ou
exigindo a aceitação de uma pessoa, um produto, uma organização ou
uma idéia). A disponibilidade despertada nos consumidores é mediada pela
falsa consciência de que eles, como pessoas privadas que pensam,
contribuam de um modo responsável na formação da opinião.
12
Para o debate sobre a busca desse consenso, o autor argumenta que a
manifestação do aparente interesse público sobressai a partir de uma ‘opinião
pública’ encenada, mas aqui ele lembra que os participantes do acordo não agem
mais como se exercitassem uma autonomia privada e, sim, no âmbito da esfera
pública potica, o que os torna oficialmente subordinados ao mandamento
democrático do agir publicamente.
O problema que aparece diante desse cenário é que essa esfera pública
ampliada se apresenta como um espaço público de encenação do prestígio, no
sentido de reputação, ao contrário do que se esperaria de um lugar de construção
11
No Brasil, chamamos release ou relise. Um conceito largamente utilizado é o de “material de divulgação
produzido pela assessoria de imprensa e destinado aos veículos de comunicação. É escrito em linguagem e
segundo critérios essencialmente jornalísticos, embora não tenha a pretensão de ser aproveitado na íntegra como
texto pronto. De um modo geral, o relise tem por função básica levar às redações notícias que possam servir de
apoio, atração ou pauta, propiciando solicitações de entrevistas ou de informações complementares”. Cf.
KOPPLIN e FERRARETTO. Assessoria de imprensa: teoria e prática. Porto Alegre: Sagra : DC Luzzatto,
1993, p.73).
12
HABERMAS (p. 228), op. cit., p. 21, nota 10, em citação a Steinberg, (1958), tradução do autor em nota de
rodapé.
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23
de uma opinião moldada a partir do exercício da crítica. Outro fator que surge de
forma negativa é que a disputa dos interesses representados na esfera pública
‘politicamente ativa’ escapa às formas tradicionais de acordos e compromissos
parlamentares, aqueles firmados no Parlamento enquanto esfera pública
estabelecida como órgão do Estado. Nesse sentido, é realçada uma característica
peculiar dessa esfera pública: a perda da característica do Parlamento como lugar
de debate, agora transportado para os meios de comunicação.
Contudo, esse debate é estilizado. É um show perante a esfera pública
ampliada que, dominada pela mídia, assumiu a função da propaganda. Uma boa
demonstração dessa mudança está na própria movimentação dos partidos, que
passam a buscar influenciar o eleitorado a partir do modelo publicitário do marketing
político. Seus especialistas, que substituem os militantes partidários e os
propagandistas dos partidos, são contratados para “vender política apoliticamente”,
conforme encontramos em Habermas.
As resistências, que, em alguns partidos, foram quebradas após
diversas derrotas eleitorais, revelam que os regentes eleitorais não
tomam conhecimento da redução da autêntica esfera pública política, mas
eles mesmos precisam fazer isso com plena consciência. A esfera pública
política temporariamente estabelecida reproduz, só que para outras
finalidades, a esfera na qual vige a lei da referida cultura de integração;
também o setor político passa a ser integrado ciopsicologicamente ao
setor do consumo.
13
O autor chama a atenção para os reflexos provocados sobre o eleitorado a
partir desse esfacelamento da esfera pública política como uma esfera de
participação contínua na discussão e no pensamento relativos ao poder blico. Em
primeiro lugar, a relação com o Estado não é própria de uma participação política,
mas traduz, como essência, um posicionamento de uma demanda que espera
13
Ibid., p. 252-253.
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24
atendimento sem querer impor decisões. Portanto, o contato com o Estado é
apolítico. No âmbito da esfera pública estabelecida, o consumidor político consome
notícias políticas diárias, mas, ao entregar-se a essa tarefa, não confere peso para
as opiniões, sejam as suas ou as dos outros, sinal da ausência de uma dedicação
completa ou parcial em relação a uma ação política. Tal movimento, que Habermas
define como uma desintegração do eleitorado enquanto público, é um argumento
considerável no debate quanto à capacidade do sistema democrático em assentar-
se diante da configuração atual do espaço público.
A capacidade escrutinadora e crítica do público, um dos pilares em
que assenta a democracia, ter-se-ia atenuado, com prejuízo do
próprio sistema democrático. Além disso, como o espaço público
moderno se estabelece, em grande medida, na esfera mediática,
aqueles que são excluídos pelos media massificados,
conseqüentemente, não participam no espaço público. Existem
simulacros de participação, como as sondagens, mas esses
simulacros não correspondem à capacidade de intervenção dos
burgueses ricos sobre a vida política, social e econômica dos
estados, como aconteceu quando da formação do espaço público
moderno.
14
Nessa perspectiva, o aparecimento de novos meios de comunicação de
massa, desde o século XIX, aprofundou o processo de deslocamento do espaço
público para o campo das mídias, com destaque para a convergência dos meios e
estabelecimento de uma nova cultura midiática, proporcionada por uma plataforma
infotelecomunicacional, o que multiplicou as formas de comunicação em sociedade.
Com efeito, a configuração desse novo espaço público faz um convite à reflexão
sobre os mecanismos de acesso do cidadão contemporâneo e sobre de que forma
ele contribui para a constituição de uma opinião pública própria da pós-modernidade.
14
SOUZA (p. 71), op. cit., p. 19-20, nota 8.
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25
Partimos de um cenário marcado pela multiplicidade de espaços públicos, tão
plurais quanto inacabados, a partir dos quais são institucionalizados os processos de
formação das opiniões. Longe de representar um olhar de consenso sobre o tema, a
configuração desses espaços é investigada a partir dos aspectos constitutivos de
uma opinião pública livre e autônoma. Ela teria como pressuposto o acesso do
cidadão a um sistema de comunicação de massa marcado pelos princípios da
pluralidade e da diversidade
15
, que o estudo de Sartori relaciona aos fundamentos
liberais da própria economia de mercado, na medida em que
uma opinião pública livre deriva de uma estruturação policêntrica dos meios
de comunicação e de sua interação competitiva, e é sustentada por elas.
Em síntese, a autonomia da opinião pública pressupõe condições
semelhantes às condições de mercado. Nota-se que o argumento não
supõe que uma estrutura policêntrica, competitiva dos meios de
comunicação encontre audiências que comparem uma fonte com a outra e
se decidam depois de feita a comparação. Se isso ocorrer, tanto melhor.
Mas os benefícios da descentralização e competição dos meios de
comunicação de massa são, nesse argumento, mecânicos em grande
parte, e de dois tipos. Primeiro, a multiplicidade dos que querem persuadir
reflete-se na pluralidade de públicos; o que produz, por sua vez, uma
sociedade pluralista. Segundo, um sistema de informação semelhante ao
sistema de mercado é um sistema autocontrolado, um sistema de controle
recíproco, pois todo canal de informação es exposto à vigilância dos
outros.
16
Portanto, a consideração acerca desse pressuposto é elemento importante
para a pesquisa aqui desenvolvida, sobretudo pelo reconhecimento do lugar
ocupado pelas Organizações Globo no sistema nacional de comunicação como o
mais importante conglomerado de mídia do país, condição alcançada ao longo das
15
Na definição de Lima (2003), “a pluralidade significa garantia de competição ou a ausência de oligopólios e
monopólios, além de provisões legais que proíbam um mesmo proprietário de controlar no mesmo mercado –
meios de comunicação distintos. Por exemplo: jornal e televisão ou rádio. Em outras palavras, leis que não
permitam a propriedade cruzada. Diversidade, por sua vez, significa a presença na dia de conteúdo que
expresse as muitas opiniões que existem na sociedade. Deve haver, portanto, provisões legais que garantam a
diversidade de fontes produtoras de informação e de entretenimento. Essa diversidade o pode ser confundida
apenas com a segmentação de mercado ou com a ‘diferença’ de conteúdos, que, certamente, atendem às
necessidades de anunciantes, mas o interferem na representação pública de interesses em conflito”.
16
SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada, vol. 1. S. Paulo: Ática, 1994, p. 139-140.
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26
últimas quatro décadas da vida nacional, e que procuramos analisar ao longo dos
capítulos III e V deste estudo.
2.2 INTERESSES REFLETIDOS NOS CAMPOS: UM POLÍTICO,
OUTRO JORNALÍSTICO
Definida a localização e o peso da mídia na constituição desse espaço
público, importa-nos neste momento o entendimento da relação entre os campos
formados por duas esferas distintas, mas que se interconectam: a dos meios de
comunicação e a da política. Em princípio, a crescente centralidade da mídia no jogo
político atual sugere uma condição de subordinação da política às lógicas
enunciativas de maior visibilidade na mídia, principalmente na tevê, casos do
entretenimento e da publicidade. Essa avaliação, presente entre os estudiosos da
comunicação, encontra um contraponto junto aos pesquisadores da ciência política,
tendo esses últimos convivido, até recentemente, com críticas, exatamente pela
demora com que reconheceram a importância da mídia na exposição do processo
político. A esse respeito, Miguel destaca que
O recorte da “política” que a ciência política faz inclui governos,
partidos e parlamentos; dependendo das preocupações específicas e
das inclinações de cada um, também participam movimentos sociais,
militares, elites econômicas ou a igreja. Os meios de comunicação de
massa ficam (quase) invariavelmente de fora. Ou então o vistos
como meros transmissores dos discursos dos agentes e das
informações sobre a realidade, neutros e, portanto, negligenciáveis.
Se os cientistas políticos tendem a restringir a imporncia da mídia,
os estudiosos da comunicação costumam, como observou Rubim,
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27
exagerá-la, a ponto de julgar que a política, totalmente dominada pela
lógica dos meios, tornou-se um mero espetáculo entre outros.
17
Parece adequada a idéia do autor segundo a qual seria um avanço a
compreensão mais sistemática da relação entre mídia e política como campos
independentes, na medida em que retêm sua própria lógica, mas estão sobrepostos,
já que interferem em larga escala um no outro (p.158). Essa formulação encontra
suas bases na sociologia de Bourdieu, que introduziu a idéia de campos sociais
relativamente autônomos e que possuem regras próprias de funcionamento. Esses
campos se relacionam entre si e buscam exercer a dominação uns sobre os outros,
mas, em determinados momentos, exercem uma cooperação mútua. De acordo com
essa teoria, é a disputa dentro dos campos e entre eles que provoca o movimento e
transforma a realidade. Em sua definição inicial, Miguel chama de campo
um sistema de relações sociais que estabelece como legítimos certos
objetivos, que assim se impõem “naturalmente” aos agentes que dele
participam. Esses agentes, por sua vez, interiorizam o próprio campo,
incorporando suas regras, também de maneira “natural”, em suas
práticas, o que Bourdieu chama de habitus (p.157).
De acordo com Miranda (2005), os agentes sociais que participam do campo
estão em permanente luta para melhor classificarem-se em seu interior, visando ao
acúmulo de capital simbólico, que será recompensado no futuro por sua reconversão
em ganhos materiais. O pesquisador chama a atenção, ainda, para o fato de existir
uma busca por legitimidade, concedida internamente pelos próprios pares que
atuam dentro do mesmo campo. Esse processo demarcaria a constituição do campo
jornalístico que, na perspectiva adotada por Bourdieu, ocorre no século XIX, quando
esse campo deixa de corresponder, numa escala representativa, ao campo cultural e
17
MIGUEL (p. 156), op. cit., p. 19, nota 7.
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28
passa a localizar-se mais próximo do campo do poder (ou político); ou seja, o
jornalismo, enquanto campo, descola-se de sua origem, o campo literário.
Na própria definição no novo campo, segundo o autor, a necessidade de
estabelecermos uma distinção entre ‘empresa jornalística’, ‘jornalismo’ e ‘imprensa’.
Enquanto os dois primeiros referem-se, respectivamente, à estrutura econômica
orientada para a comercialização dos produtos jornalísticos e a um conjunto de
técnicas, conhecimentos e posturas éticas orientadoras de uma fazer profissional, a
‘imprensa’ corresponde à divulgação periódica de notícias nos suportes usuais de
jornais e revistas
18
. No entanto, embora com significados diferentes, esses três
elementos podem ser apresentados como sinônimos, e muitas vezes o são. Como
exemplo, basta observar a análise do discurso que um jornalista, sobretudo quando
recém-formado, faz de sua atividade para verificarmos que, freqüentemente, o ethos
profissional fica relegado a um segundo plano e sobressai o entendimento acerca
dos valores da corporação para a qual trabalha, de forma a se construir um discurso
de inteireza ética quando estão em jogo compromissos distintos, próprios da
realidade diferenciada entre uma empresa jornalística e um profissional do
jornalismo.
Essa operação discursiva é atribuída, em muitos casos, à necessidade de
manejo do capital simbólico do campo do jornalismo frente aos constantes embates
com outros campos, com ênfase para os campos político, jurídico e econômico.
[...] se a gênese da imprensa e do jornalismo pode ser encontrada no
culo XV, a partir da invenção de Gutemberg, o olhar bourdieusiano
volta-se à ‘empresa’, não obstante nela esteja contida a iia de
jornalismo e de imprensa; é desse entrecruzamento dos três fatores
que emerge o campo, expreso de um processo de autonomia.
19
18
MIRANDA, Luciano. Pierre Bourdieu e o campo da comunicação: por uma teoria da comunicação
praxiológica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p. 115.
19
Ibid., p. 115.
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29
Assim, a sobreposição que caracteriza a relação atual entre o campo político
e o jornalístico está longe de representar uma acomodação dos dois campos, com
afirmação da autonomia de ambos. Pelo contrário, há um ambiente de constante
conflito de interesses, notadamente quando se expressam as tensões que emergem
do interior de cada um deles.
Portanto, a idéia de que os meios de comunicação possam comportar-se
como porta-vozes imparciais do debate político soa atualmente como ingênua, uma
vez que os meios de comunicação passaram a atuar como “agentes políticos plenos
e, com a força de sua influência, reorganizaram todo o jogo político”
20
.
O autor identifica uma ambigüidade que nos parece essencial para o estudo
dos efeitos de um campo em relação ao outro. Ela nasce do fato de que é própria da
função dos meios de comunicação de massa a ampliação do acesso aos agentes
políticos e a seus discursos, o que os torna mais expostos aos olhos do grande
público. Assim, o que poderia configurar uma visibilidade positiva para o
aprimoramento da vida potica, transforma-se em permanente fonte do seu
desgaste, com a ênfase, no noticiário, da luta pelo poder, dos escândalos e dos
desvios de conduta patrocinados por seus agentes, o que contribui para abalar a
percepção de que o Estado é o promotor do bem comum.
Mesmo que essa cobertura possa representar um desgaste para o ritual da
política, reside um paradoxo, uma vez que o cidadão teria oportunidade de
construir, pela superexposição, uma imagem mais bem elaborada do que se poderia
20
MIGUEL (p. 159), op. cit., p. 19, nota 7.
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30
almejar de sua prática política e dos políticos, o que não nos autoriza um sentimento
de desprezo em relação ao produto oferecido pela mídia.
Ainda que na discussão sobre esse paradoxo esteja presente uma
subjetividade de análise, o que está na origem da leitura feita sobre a postura da
mídia em relação à política tem implicações bem mais objetivas, e que traduzem, de
certa maneira, o movimento de midiatização da potica. Miguel aponta que, por trás
da suspeição inicial sobre o comportamento da mídia, residiria uma perspectiva
elitista da prática política, baseada na aceitação de que uns poucos manteriam o
monopólio da capacidade de intervir no campo político, e seriam vistas como
“naturais” a desigualdade política e a divisão entre governantes e governados.
O autor aponta uma importante ruptura desse modelo ao discutir o processo
de reconhecimento social como chave para a conquista do capital potico. Nesse
sentido, ele joga foco na importância da mídia como principal difusora do prestígio e
do reconhecimento social nas sociedades contemporâneas. Aqui retomamos a
questão do paradoxo da superexposição e do desgaste da imagem dos homens
públicos oriundos do campo da política, com o propósito de destacar que agora a
figura do ‘líder político’ em destaque não é outra se não a daquele que passou a
manejar, de forma ágil e competente, os mecanismos de enunciação do discurso
político a partir da arena midiática. Na análise de Verón (2003), é preciso destacar
que o agente político reconhece as novas condições sobre as quais ele deve atuar
para estabelecer a comunicação com o eleitor, o que vincula os dispositivos criados
[...] a uma escie de legitimidade, definitivamente adquirida, da instituição
televisão. Em certa medida, podem ser interpretados como uma
“absorção”, por parte da instituição, das figuras políticas, como marcação”
explícita da transformação dessas figuras em componentes do sistema dos
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31
meios de comunicação, inclusive como uma “prova” da transformação a
que se submetem para comunicar-se com seus eleitores.
21
Um bom exemplo dessa mutação é o lugar menos central reservado aos
comícios, eventos tradicionais do debate público das idéias políticas, nas agendas
traçadas pelos comitês dos candidatos. Como bem anotado por Kucinski (1998), “os
meios de comunicação de massa substituíram as praças públicas na definição do
espaço coletivo da política no mundo contemporâneo”
22
.
2.3 A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Não resta a menor vida, pelo percurso que fizemos até aqui, que a projeção
da representação potica em si mesma e a configuração da democracia nos moldes
adotados pelas sociedades contemporâneas não podem ser analisadas sem que o
papel desempenhado pela mídia seja um forte componente a ser considerado.
Um primeiro ponto a ser destacado diz respeito à visão predominante da
representação política centrada no princípio do voto, na medida em que o exercício
do poder na democracia representativa pressupõe o processo de escolha de
representantes para que tomem as decisões em nome dos representados
23
. Ainda
21
VERÓN (p.38), op. cit., p. 15, nota 5.
22
KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica. Ética no jornalismo. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 1998, p. 16.
23
Pesquisadores que estudam a democracia representativa costumam apontar para o seu viés aristocrático, à
medida que a escolha dos governantes representaria o triunfo do “princípio da distinção”. Sob essa ótica, o
governo estaria reservado para homens com características de elite. Miguel (2003, p. 130) reforça essa avaliação
ao acrescentar que “as instituições representativas não surgiram como solução para a impossibilidade da
democracia direta em grandes Estados; foram, desde o início, pensadas como uma forma de reduzir a presença
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32
que esse modelo encontre críticas freqüentes, sendo a principal delas a que
considera que a realização das escolhas periódicas não assegura instrumento
totalmente eficaz para o controle sobre os políticos, o rito da eleição ocupa uma
posição de destaque pelo fato de ser o episódio fundador do mecanismo de
representação e, ao mesmo tempo, a meta orientadora da relação entre
representantes e representados, segundo sua característica bifronte, destacada por
Miguel.
Nessa perspectiva, a presença dos meios de comunicação eletrônica de
massa cumpre um papel decisivo na reunião e difusão de informações consideradas
importantes dentre os temas que se apresentam controversos na disputa eleitoral e
que estão presentes na esfera pública. Em outras palavras, parece estar claro que a
pauta das questões relevantes, apresentada para deliberação pública, é
condicionada pela visibilidade que essas questões alcançam na mídia. Assim, na
análise do autor
Para que o votante racional pondere a utilidade das diferentes
alternativas eleitorais de que dispõe, ele deverá situá-las num espaço
que é dado pelos vários temas controversos presentes na agenda (...)
Assim, a fixação da agenda condiciona as dimensões da escolha
eleitoral, independentemente do grau de racionalidade e de
autonomia dos eleitores na produção das próprias preferências.
24
A este debate subjaz uma crítica ao processo eleitoral pautado na visibilidade
que a mídia confere: ao agir no sentido de condensar a prática democrática, o
mecanismo de formação das preferências caminha para a simplificação, uma vez
que o debate político acerca de outros temas de interesse, mas que o estejam
presentes na agenda pública, acaba por ser esvaziado. Esse fenômeno tem relação
popular no governo (...) Na prática política, os cidadãos comuns não escolhem um representante para promover
seus interesses. Ao contrário, eles apenas reagem diante das ofertas que o mercado político apresenta”.
24
MIGUEL (p. 131), op. cit., p. 19, nota 7.
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33
direta com a presença ou a ausência de temas na agenda, disputa que mobiliza os
diversos grupos de interesse, mas que permanece sob controle dos meios de
comunicação.
Assim, participar da elaboração da agenda e participar do debate público
soam como ações idênticas e, portanto, transformam-se em exigência para os que
pretendem influir no processo eleitoral. Contudo, nunca é demais lembrar que a
constituição desse espaço público midiatizado não contempla a complexidade dos
interesses de grupos étnicos, sociais e políticos presentes na sociedade. E isso
ocorre, sobretudo, porque o acesso aos meios de comunicação no Brasil,
historicamente dominados pelo oligopólio da mídia privada comercial, constitui um
impedimento para a realização de um debate público da política que possa ser
marcado pelo traço da diversidade de correntes, pensamentos e valores, o que, em
última análise, representa uma limitação imposta aos próprios fundamentos
democráticos.
Mesmo o parlamento, local por excelência do debate público, e em cujo
interior estariam abrigados os diferentes interesses sociais, teve que adequar o seu
discurso, pois as mensagens políticas passaram a competir com outras mensagens
no palco midiático, dominado pelo espetáculo, pela curiosidade e pela competição.
Com efeito, no lugar da discussão política e ideológica, vamos encontrar um
parlamento sujeito às influências da linguagem audiovisual, caracterizada pelo
domínio das imagens, da busca pelas emoções, própria da categoria do
entretenimento, em uma estratégia voltada para a conquista da audiência, principal
capital em disputa pelas corporações televisivas do país.
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34
Se essas características influenciam o exercício da política atual, um debate
que se apresenta é quanto ao nível de reconhecimento do princípio da
representação no qual o modelo de governo se assenta. As análises convergem
para as características desse modelo, ora para acentuar a condição de perda da sua
eficácia, cujo efeito mais destacado é o aumento do abismo entre representantes e
representados, ora para destacar suas transformações, desde o século XVIII, em
sociedades de perfil democrático, com a inclusão de mecanismos de representação
e de exercício da política próprios de determinadas épocas e sociedades.
Um estudo que nos chama a atenção é a análise de Manin
25
(1995), para
quem o governo representativo, embora não elimine as diferenças de status entre o
governo e a sociedade assim como o modo eletivo não cria uma identidade entre
os que governam e são governados –, pode sim significar a adoção de
procedimentos e a criação de instituições que confiram ao eleitorado mais poder
sobre seus representantes. Para o estudo aqui proposto, nos concentraremos no
modelo chamado de “democracia de público”, o que melhor caracteriza o momento
atual da sociedade, suas construções da política e suas injunções midiáticas.
25
O pesquisador estabeleceu tipos ideais de governos representativos, cujos quatro princípios básicos são: a) a
eleição dos representantes; b) a independência parcial destes em relação ao eleitorado; c) a liberdade de opinião
pública; d) o debate parlamentar. Sobre a eleição dos representantes, surge um modelo de governo autorizado,
com o consentimento do eleitorado em relação ao governo exercido indiretamente, sendo, portanto, distinto de
um governo direto do povo. Já o princípio da independência parcial de que os representantes desfrutam, resgata a
mediação entre cidadãos e esfera pública, papel exercido pelos representantes. Quanto à liberdade de opinião
pública, o princípio assegura que o eleitor tenha acesso à informação sobre a política e decisões governamentais,
além de ter liberdade para expressar diferentes opiniões políticas. Por fim, o princípio do debate parlamentar
normatiza a regra democrática de que as decisões políticas, para serem legitimas, devem ser adotadas após
debate. Dessa forma, os modelos analisados por Manin receberam três denominações distintas: 1) governo
representativo parlamentar”, referenciado na Inglaterra do século XVIII, de uma relação pessoal entre
representantes e representados; 2) “democracia de partido, modelo inspirado nas democracias européias dos
grandes partidos socialistas, cuja relação passa a ser mediada pelos partidos; 3) “democracia de blico”, onde
aparecem as características da democracia de massa contemporânea, com crescente personalização da escolha
eleitoral focada no candidato, e não mais nos partidos, com mediação da relação feita pelos meios de
comunicação de massa, nosso interesse particular nesta pesquisa. Cf. MANIN, Bernard. As metamorfoses do
governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 10, n. 29, out. 1995.
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35
Dentre as características mais marcantes desse modelo, podemos apontar a
ausência de preferências políticas do eleitorado formatadas por questões sociais,
econômicas ou culturais. Assim, as decisões de voto levam em conta a percepção
do que está em jogo numa eleição específica, configurando um movimento pendular
do eleitor de uma eleição para outra. Essa marca evidencia a influência que o
eleitorado recebe das questões levantadas durante a fase da campanha política.
Também aponta para o descolamento do eleitor das bases programáticas dos
partidos, algo verificado, e que se contrapõe a uma forte característica do modelo
anterior, a “democracia de partido”.
Assim, como reação a essa mudança do eleitor, os candidatos e os partidos
passaram a dar ênfase à individualidade dos políticos, em detrimento das
plataformas partidárias. A relação de representação aparece na medida em que
[...] é de bom senso que os candidatos realcem suas qualidades e aptidões
pessoais para tomar decisões adequadas, em vez de ficarem com as mãos
atadas por promessas muito detalhadas. Os eleitores também estão
cientes de que o governo terá de enfrentar imprevistos. Na opinião dos
eleitores, portanto, a confiança pessoal que o candidato inspira é um
critério de escolha mais adequado do que o exame dos projetos para o
futuro. Mais uma vez, a confiança, tão importante nas origens do governo
representativo, assume uma importância decisiva.
26
Decorre desse comportamento a forte tendência de personalização do poder
nos países democráticos, em que os partidos continuam a exercer um papel
essencial, mas tendem a ser tornar instrumentos a serviço de um líder “(p.14). No
entanto, como antecipamos, esse líder tem um perfil diferenciado: não é mais um
notável, um chefe político local ou um burocrata de partido. Ele é, acima de qualquer
outro atributo, um bom comunicador, ou seja, sabe dominar as técnicas da mídia.
26
Ibid., p. 14.
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36
O que estamos assistindo hoje em dia não é a um abandono dos princípios
do governo representativo, mas a uma mudança do tipo de elite selecionada:
uma nova elite es tomando o lugar dos ativistas e líderes de partido. A
democracia do público é o reinado do "comunicador" (p.14).
Esse aspecto, do caráter pessoal da relação entre o comunicador” e o seu
representado, aproxima o modelo atual do modelo parlamentar, diferenciando
apenas no fato de que, nesse último, o representante por excelência é o membro do
parlamento, enquanto no primeiro é o chefe do governo. Ainda sobre a relação de
representação, o estudo de Manin vai além, ao apontar que a natureza dessa
representação é afetada pela presença dos canais de comunicação política, na
medida em que “os candidatos se comunicam diretamente com seus eleitores
através do rádio e da televisão, dispensando a mediação de uma rede de relações
partidárias” (p.14).
Consideramos adequado destacar, ainda, a aplicação do princípio de
liberdade de opinião no modelo de democracia de público”, segundo nos apresenta
Manin. Ele estaria balizado por dois aspectos fundamentais para o entendimento do
comportamento do eleitorado: a neutralização da mídia em relão às clivagens
partidárias e o surgimento dos institutos de pesquisa, também de caráter não
partidarista, de importância determinante na expressão da opinião pública. Nesse
sentido, o autor chama a atenção para o fato de as pesquisas realizadas pelos
institutos reproduzirem a mesma estrutura formal que caracteriza a “democracia de
público”: o palco e o público. Para manejar essa lógica, os poticos e os
pesquisadores trabalham por ensaio e erro, buscando uma convergência em relação
às clivagens apresentadas.
Na democracia de público os representantes políticos são atores que
tomam a iniciativa de propor um princípio de divisão no interior do
eleitorado. Eles buscam identificar essas clivagens e trazê-las ao palco.
Mas é o público que, afinal, dá o veredicto (p. 16).
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37
Exatamente esse blico é definido por Manin como sendo constituído por
um eleitorado bem-informado, interessado em política, flutuante e razoavelmente
instruído, e que participa dessa esfera pública onde o debate da política se realiza.
O debate de temas específicos não fica mais restrito aos muros do
Parlamento (como no parlamentarismo), nem às comises consultivas
entre partidos (como na democracia de partido); o debate se processa no
meio do próprio povo. Em conseqüência, o formato de governo
representativo que hoje es nascendo se caracteriza pela presença de um
novo protagonista, o eleitor flutuante, e pela existência de um novo fórum,
os meios de comunicação de massa (p. 19).
As características desse eleitor, configuradas dentro de um dos modelos de
tipos ideais de representação, podem não coincidir com as que encontramos num
país como o Brasil, cujo retorno ao ambiente democrático está completando apenas
um quarto de século, e cuja retomada das eleições presidenciais pelo voto direto e
universal, em 1989, já teve como marca a forte presença da mídia eletrônica na
formatação da agenda pública.
A pesquisa de Al (2004) procurou jogar luz sobre a percepção da política
pelo eleitor brasileiro e sobre como o processo político-eleitoral é construído em sua
noção de cidadania. Aqui, seu estudo aponta para um perfil de eleitor do tipo não-
racional, de baixa consistência ideológica, com sinais claros de desilusão com a
política, em que elementos afetivos como amizade, imagem e gosto passam a
substituir identificações baseadas em lealdade partidária e mesmo as relações mais
tradicionais do clientelismo político.
O perfil desse eleitor também aparece na análise de Carvalho (2003) sobre as
condições de cidadania que o país oferece. Uma de suas conclusões está no fato de
que a falta de solução para os problemas centrais do país responde em parte pelo
sentimento de descrença que toma conta do eleitor, mesmo considerando o curto
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38
período de retomada da normalidade democrática. É um processo que nasce da
percepção de que não bastam a liberdade e a participação para que as mudanças
sociais ocorram.
[...] em conseqüência, os próprios mecanismos e agentes do sistema
democrático, com as eleições, os partidos, o Congresso, os políticos, se
desgastam e perdem a confiança dos cidadãos.
27
Contudo, em relação à presença dos meios de comunicação, a exemplo do
modelo do tipo ideal, sua importância é apontada como crescente em termos de
definição de voto. Há, no entanto, uma perspectiva adicional em relação à idéia de
simples neutralização da informação político-partidária pelos meios de comunicação,
conforme apontado por Manin. Ao contrário, o entendimento de Aldé, com o qual
concordamos, é de que o fenômeno crescente é o de homogeneização da
informação política, sobretudo pela linguagem da televisão, em detrimento do debate
político que teria na mídia contemporânea seu fórum por excelência, o que acaba
por limitar a sua capacidade libertadora.
[...] os indiduos recebem informações equivalentes, independentemente
de suas preferências políticas. A escolha de assistir a determinado
telejornal, por exemplo, se de acordo com outros critérios, sejam de
sociabilidade, conteúdo ou estéticos. Um segmento importante do
eleitorado passa a ser flutuante, ou seja, passa a votar de acordo com a
pauta de problemas e questões levantada a cada eleição, identificada pelos
institutos de pesquisa e fartamente evidenciada pela cobertura jornalística.
Trata-se de uma informação, no entanto, simplificada, em que problemas
complexos são expressos de acordo com o meio, tornados curtos, simples
e espetaculares, para reter a atenção do espectador.
28
27
CARVALHO, Jo Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003, p. 8.
28
ALDE, Alessandra. A construção da política: democracia, cidadania e meios de comunicação de massa. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2004, p. 24-25.
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39
Procuramos desenvolver aqui um entendimento das relações que envolvem
os meios de comunicação, a potica e a sociedade dentro dessa esfera pública, de
relevância tão crescente quanto complexa em sua constituição atual. Em grande
parte, nossa proposta de estudo foi buscar, a partir da sobreposição desses
elementos, a composição do cenário que vai nos possibilitar a análise de aspecto
determinante do nosso modo de reconhecer e dar significado à política por meio da
decisiva mediação da mídia eletrônica de massa, cada vez mais influente em nossa
sociedade, que é a televisão, como veículo, e o telejornalismo, como produto de
informação e de reconhecimento de capital político.
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3 PODER E MÍDIA
3.1 A REDE GLOBO NO AMBIENTE POLÍTICO-NORMATIVO DA
RADIODIFUSÃO
no anedotário político brasileiro uma passagem segundo a qual dois
personagens conversam a respeito de importante decisão a ser tomada pelo
governo, com reflexo imediato sobre a vida nacional. A certa altura um deles afirma
que a medida poderá ser concretizada depois do consentimento da principal
autoridade do país. A surpresa do interlocutor vem com a revelação da sua
identidade. Surpresa sim, porque não se trata do presidente da República, como
seria gico imaginar, mas do doutor Roberto’, em referência ao empresário de
comunicação e jornalista Roberto Marinho, proprietário das Organizações Globo
(OG), e que faleceu em 2003, aos 98 anos.
Como elemento revelador de uma construção simbólica, a brincadeira com o
nome do patriarca da família Marinho não era creditada apenas à criatividade dos
contadores de piada. Na verdade, a anedota satirizava uma situação que, segundo
observadores da política brasileira, aconteceu de fato em alguns momentos da
história recente do país, o que demonstra o poder de influência da Rede Globo
sobre o governo e suas instâncias de decisão.
Em seu livro mais recente (2006), o professor e pesquisador da comunicação
Venício A. Lima revela um desses episódios, e o faz apoiado no depoimento de um
dos personagens envolvidos, no caso, o ex-ministro da Fazenda, Maílson da
Nóbrega. O fato aconteceu em 1988, e demonstra como o presidente José Sarney
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41
(1985-1990) submeteu a nomeação de seu ministro à aprovação prévia de Roberto
Marinho. A passagem é narrada por meio da transcrição da entrevista do ex-ministro
à revista Playboy, de março de 1999. Em determinado trecho se lê:
[...] [Maílson da Nóbrega] No dia 5 de janeiro [de 1988], o presidente me ligou
perguntando: ‘O Sr. teria algum problema em trocar umas iias com o
Roberto Marinho?’
Respondi: ‘De jeito nenhum, sou um admirador dele, até gostaria de ter essa
oportunidade’(naquele momento ele ocupava o ministério interinamente, em
substituição a Bresser Pereira, que deixara o cargo em dezembro) (grifo meu)
P: Nunca tinha conversado com ele até essa data?
M: Não. A Globo tinha um escritório em Brasília, no Setor Comercial Sul. Fui
e fiquei mais de duas horas com o doutor Roberto Marinho. Ele me
perguntou sobre tudo, parecia que eu estava sendo sabatinado. Terminada a
conversa, falou: ‘Gostei muito, estou impressionado’. De volta ao Ministério,
entro no gabinete e aparece a secretária: ‘Parabéns, o senhor é o ministro da
Fazenda’.
Perguntei: ‘Como assim?’ E ela: ‘Deu no plantão da Globo [o Plantão do
‘Jornal Nacional’’]. [...]
29
Ainda de acordo com Lima (2005), feita uma análise, entre as prováveis
hipóteses para o acúmulo de poder por parte das Organizações Globo está a
presença direta do seu principal representante à frente das empresas do grupo.
Marinho, que gostava de proclamar o seu ofício de jornalista, procurava justificar sua
fama como influente personalidade do país como fruto do reconhecimento de
[...] um senso de cumprimento de uma miso particular, aquela de dirigir o
seu vasto conglomerado como um negócio ‘servindo ao país’ (...) Essa
perspectiva, quase messiânica, institucionalizou uma justificativa para a
ação política.
30
Em entrevista ao jornal The New York Times, em 1984, o empresário
expressou, de maneira inequívoca, o exercício de poder pela TV Globo, seja para
apoiar ou derrubar governos, nomear ou demitir ministros, aprovar ou rejeitar
29
LIMA, Venício A. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2006, p. 77-78.
30
Id. Globo e política: tudo a ver”. In: BOLAÑO, César Siqueira; BRITTOS, Valério Cruz (Orgs.). Rede
Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Editora Paulus, 2005, p. 120 – 121.
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42
medidas econômicas, emprestando um sentido de missão em defesa do interesse
público, a fim de justificar a adoção de determinados posicionamentos por parte das
Organizações Globo.
“Sim, eu uso o poder da Rede Globo de Televisão, mas eu sempre faço
isso patrioticamente, tentando corrigir as coisas, buscando os melhores
caminhos para o país e seus Estados. Nós gostaríamos de ter poder para
consertar tudo o que não funciona no Brasil. Nós dedicamos todo o nosso
poder para isso. Se o poder é usado para desarticular um país, para
destruir seus costumes, então, isso não é bom, mas se é usado para
melhorar as coisas, como nós fazemos, isso é bom.
31
É nessa perspectiva que a análise do poder de barganha da Rede Globo
ultrapassa as capacidades subjetivas do seu criador e joga luz sobre as relações
estabelecidas por ele desde o nascimento do que viria a se transformar no mais
poderoso conglomerado de mídia do país. Entre as circunstâncias que ajudam a
explicar as razões desse sucesso, destaca-se a estreita sintonia entre o projeto de
expansão da Rede Globo e os interesses do regime militar (1964-1985), o que se
traduz em uma proximidade que, para muitos, chega ao limite da cumplicidade.
É correto afirmar, no entanto, que o aparecimento da TV Globo, em meados
da cada de 1960, vai encontrar consolidada uma característica da televisão
feita por radiodifusão
32
no Brasil e que não se alteraria até os dias atuais: a completa
fragilidade dos instrumentos normativos e regulatórios que garantam a defesa do
interesse público, expresso quando da fixação da propriedade do Estado sobre o
espectro eletromagnético.
31
Ibid., p. 120, citando RUSSEL J. DALTON et al (eds.).
32
Mecanismo que consiste na transmissão de sons e imagens em sinal aberto a partir das ondas eletromagnéticas
que se propagam pelo ar. A radiodifusão, que ser refere tanto ao rádio quanto à televisão, também é conhecida
como TV aberta, no sentido de gratuita, em contraposição à TV fechada, no caso, a TV paga, operada, sobretudo,
por meio da cabodifusão.
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43
A definição desse princípio, a exemplo de outras influências que a televisão
recebeu do meio rádio, é datada do primeiro governo de Getúlio Vargas, quando
foram editados os decretos 20.047/31 e 21.111/32 que, ao consolidar a radiodifusão,
inclusive com a abertura para a publicidade, estabeleceram o controle sobre o
espectro como uma atribuição do Estado, que poderia utilizá-lo diretamente para o
bem público ou, ainda, fazer concessões de canais, por tempo determinado, para as
empresas privadas que quisessem estabelecer emissoras comerciais, mantendo o
controle e a fiscalização estatal. É justamente em função do controle exercido pelo
governo, como parte do ambiente político vivido nos anos de 1930, que surge a
Associação Brasileira do Rádio (ABR), objetivando a organização corporativa do
setor para a defesa dos seus interesses junto ao governo. Para efeito comparativo,
trago a análise de Ramos (2005) sobre o cenário que foi desenhado para os meios
eletrônicos de massa nos países desenvolvidos.
Adiante no tempo e de um modo mais claro, dada as especificidades técnicas
do novo meio de difusão – o espectro radioelétrico, legalmente definido como
bem público, escasso e finito -, o rádio e a televio, quando surgiram entre
os anos de 1910 e 1940, foram regulamentados ou como serviço público
estrito, sob monopólio estatal, caso dos países europeus ocidentais, ou como
serviço de interesse público, sob exploração privada, caso dos Estados
Unidos. Ou seja, nem a mais radical das economias capitalistas ousou
estabelecer para a radiodifusão um regime de exploração comercial
eminentemente privado. E isso se deu na forma de leis e regulamentos
específicos, dos quais a norma mais eminente é o Communications Act de
1934.
33
A disputa pelas verbas publicitárias, sobretudo com a entrada das agências
americanas no mercado nacional, aliada ao desenvolvimento econômico do país,
motivou a transferência dos anúncios do meio impresso para o rádio, o que provocou
uma mudança no perfil dos concessionários da radiodifusão. Os amadores,
organizados em dio-clubes, cederam lugar às empresas, muitas delas de
33
RAMOS, Murilo sar. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: BOLAÑO, sar e BRITOS,
Valério Cruz (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005, p. 66.
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44
propriedade dos mesmos grupos que controlavam os jornais. Foi nesse ambiente
que, em 1938, surgiu o primeiro conglomerado de mídia no país: os Diários e
Emissoras Associados, do empresário Assis Chateaubriand, cujo império viria a
entrar em decadência a partir do regime militar, sendo substituído por outro grupo
hegemônico, o da família Marinho.
O poder do Estado sobre a radiodifusão, de um lado, e a constituição de um
modelo de exploração do setor baseado exclusivamente na lógica comercial, de
outro, com a interseção das relações políticas e das vantagens que delas
costumeiramente se extraem, ajudaram a formatar o modelo de comunicação de
massa no Brasil. E, de forma sui generis em relação ao que ocorreu na maioria dos
países, a sua inspiração liberal, executada pela iniciativa privada, o foi
acompanhada pela constituição de normas e organismos reguladores que pudessem
estimular a competitividade no setor e a diversidade que a dinâmica da democracia
na comunicação sugere.
O modelo de regulação norte-americano, privado e baseado no estímulo à
competitividade, foi capaz de erigir três grandes redes: CBS, NBC e ABC. No
Brasil, toda escie de controle só foi capaz de gerar concentração por parte
de grandes grupos que deram lugares uns aos outros. Neste ambiente
proliferaram os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, e a Rede Globo
de Televio, dois grupos hegemônicos da recente história da comunicação
brasileira.
34
Da era do rádio para a inovação da televisão, que chega ao país em 1950,
esse modelo o sofrerá alteração. Um sinal bastante revelador dessa paralisia é a
própria criação da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, responsável por introduzir
o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). Segundo nos apontam Simões e
Mattos, embora seu texto ateste o modelo privado de exploração das emissoras de
34
SIMÕES, Cassiano e MATTOS, Fernando. Elementos histórico-regulatórios da televisão brasileira. In:
BOLANÕ, César e BRITOS, Valério Cruz (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 41.
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45
rádio e TV, a lei tem visíveis traços estatizantes. O mais emblemático deles é o
artigo 7º do regulamento geral do CBT, que esclarece a primazia da União sobre não
só a regulação, mas tamm sobre a exploração direta do serviço:
Art. 7º - Compete privativamente à União
[...]
explorar diretamente ou mediante concessão [...] o serviço de radiodifusão
sonora (regional ou nacional) e o de televisão.
Sem ter se aproximado da condição de um marco regulatório, o CBT
destacou-se como fonte de controle político, ainda assim sem jamais representar
uma ameaça aos interesses estratégicos dos empresários de mídia. A data de sua
criação, em 1962, marca também o surgimento da Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Comandada pelos Diários e Emissoras
Associados, de Chateaubriand, a nova entidade demonstrou uma força nunca vista
na história do parlamento brasileiro quando pressionou os parlamentares para a
derrubada dos 41 vetos do presidente João Goulart ao texto da lei que instituía o
CBT.
Abriu-se ali o caminho para que o empresariado de radiodifusão brasileiro,
que, três anos depois, começaria a ganhar a liderança comercial e política
das Organizações Globo, passasse a exercer uma hegemonia inconteste
sobre o ambiente normativo do setor.
35
Posteriormente, o país viu a decadência dos Diários para o surgimento de um
outro império, dessa vez sob o comando do jornalista e empresário Roberto Marinho,
cuja família já era proprietária da Rádio Globo e do influente jornal O Globo (fundado
em 1925).
35
RAMOS (p.67), op. cit., p. 43, nota 33.
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46
3.2 NASCIMENTO, EXPANSÃO E COOPERAÇÃO NA HISTÓRIA
DAS ORGANIZAÇÕES GLOBO
A TV Globo (canal 4, Rio de Janeiro) foi fundada em 1965 em outro episódio
rumoroso e exemplar do ambiente que envolvia o poder e a mídia. Interessados em
suplantar a hegemonia dos Diários e Emissoras Associados, os militares avalizaram
o convênio de apoio financeiro e cooperação técnica entre a TV Globo e o grupo
norte-americano Time-Life.
O acordo Time-Life motivou a abertura de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) no Congresso Nacional. O relatório final das investigações concluiu
que a parceria era inconstitucional, em vista do veto que a Constituição Federal
(1967) trazia ao ingresso de capital externo no setor. No entanto, a revisão do
contrato foi insuficiente para anular os efeitos que ele provocara na radiodifusão
brasileira: a elevação da TV Globo à condição de potência televisiva, muito à frente
das suas concorrentes. O relator da CPI, o então deputado Roberto Saturnino
Braga, gravou recentemente um depoimento sobre aquele momento da vida
nacional e a troca de comando no setor de comunicação.
– Eu sou do tempo da TV Tupi. A TV Globo estava nascendo. A TV Tupi tinha
praticamente o monopólio, praticamente não, tinha de verdade o monopólio
da audiência no Rio, em São Paulo, e os Diários Associados eram aquela
cadeia gigantesca. Aquilo foi o momento de transição do império
Chateaubriand, para o império Roberto Marinho. O padrão da Globo cresceu
enormemente, o bastante para desbancar a Tupi, que estava em processo
de esvaziamento e de decadência. A CPI apurou que o contrato era, na
verdade, um contrato financeiro, de participação de capital, e considerou o
contrato inconstitucional, ilegal, e a TV Globo acabou desfazendo os
contratos, que já tinha produzido o seu efeito (Depoimento de Roberto
Saturnino Braga no documentário “Mídia, poder e sociedade”, TV Senado,
2005).
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47
A citada convergência de interesses entre o projeto empresarial da Rede
Globo e o programa estratégico dos militares ganhou forma com a inauguração da
Rede Nacional de Telecomunicações, em 1967. Tratava-se de
[...] uma rota que permitia, por sistema de microondas, emissão de sinais de
TV simultâneos para o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba.
Eram as condições técnicas que faltavam para a TV Globo realizar o seu
sonho de se tornar a primeira rede de televisão do Brasil. Ao possibilitar a
geração de uma programação uniforme para todo o país, essa era também
uma grande oportunidade para a empresa diminuir os custos de produção e
aumentar a capacidade de comercialização do espaço publicitário.
36
Essa fase representa o início do processo de expansão vertiginosa da Rede
Globo. Em 1969, quando o Jornal Nacional fez sua estréia como primeiro telejornal
em rede da TV brasileira, o grupo já possuía estações de TV próprias em São Paulo
e Belo Horizonte, além do Rio de Janeiro. Em 1971, foi acrescida a TV Globo de
Brasília e, no ano seguinte, inaugurada a TV Globo do Recife.
A implantação, a partir de 1977, do Sistema Brasileiro de Telecomunicações
por Satélite, gerenciado pela Embratel, possibilitou que a Globo ampliasse o alcance
dos seus sinais, passando a programação a ser exibida simultaneamente em todas
as emissoras e afiliadas da rede, número que, em 1983, representava 27
emissoras espalhadas por todo o país, dentre as quais as cinco de sua
propriedade
37
.
A constituição dos contratos de retransmissão da programação com as
chamadas afiliadas foi a maneira encontrada pela Rede Globo para ocupar um lugar
considerável no mercado, inclusive com o estabelecimento de regras para o
36
BARBOSA, Marialva e RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Telejornalismo na Globo: vestígios, narrativa e
temporalidade. In: BOLAÑO, César e BRITOS, Valério Cruz (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e
hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005, p. 209.
37
Ibid., p. 217.
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48
faturamento da publicidade veiculada por elas. Tudo isso em detrimento da
concorrência, o que faz evidenciar a ausência de mecanismos de estímulo à
competição no setor.
O mercado brasileiro de televio se oligopoliza, assim, sob o comando da
Globo, ao longo dos anos 1970. A crise dos anos 1980 só beneficiará a líder,
que os capitais que ingressaram na indústria em decorrência da falência da
Tupi, a pioneira da TV no Brasil, não terão cacife para fazer frente às
barreiras da Globo, que manterá a dianteira no processo de mudança
tecnológica nos mercados de comunicação nos anos 1990. [...]
Lamentavelmente, a concentração de poder político, econômico e de
conhecimento que a Globo dispõe, no interior das indústrias culturais e de
conteúdo no Brasil, acaba se tornando um empecilho para a competitividade
sistêmica do país na matéria, para não falar na democratização das
comunicações e do Estado brasileiro.
38
O recrudescimento do período autoritário representou, para os meios de
comunicação, a supressão da liberdade de imprensa e do direito social à
informação. Porém, é preciso lembrar que, às vésperas de 1964, alguns dos mais
importantes veículos da imprensa brasileira eram entusiastas do golpe militar, que o
viam como antídoto frente à ameaça do avanço comunista no Brasil e na América do
Sul.
O auge desse período foi a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em fins
de 1968, quando o governo intensificou o caráter autoritário do regime, com
ampliação dos seus poderes, redução de poderes civis e mordaça à imprensa. Foi
instituída a censura prévia aos conteúdos divulgados pelos meios de comunicação
social. No ano seguinte, sairia do ar o mais importante telejornal do país, o Repórter
Esso, da TV Tupi. O formato do programa, sucesso importado da Rádio Nacional
sete anos antes, foi referência para o jornalismo de TV.
38
BOLAÑO, César. Mercado brasileiro de televisão, 40 anos depois. In: BOLAÑO, César e BRITOS, Valério
Cruz (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. o Paulo: Paulus, 2005, p. 22-23.
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49
Se tecnicamente a TV Globo demonstrava eficncia, o mesmo
reconhecimento não se verificava quando o assunto era o conteúdo veiculado. O
empenho do telejornal em se tornar protagonista da política de integração nacional,
sobretudo com o uso constante de operações de auto-referência
39
, aliado à
estratégia de divulgação do modelo desenvolvimentista com o qual os militares
governavam, fez o noticiário se notabilizar pela ausência de crítica ao regime. De
acordo com Lima (2005), uma das hipóteses para a consolidação da TV Globo no
cenário político brasileiro é o seu papel de “agente legitimador” do regime militar.
Enquanto o Ato Institucional 5 esteve em vigor (1968 a 1978), houve
uma dupla identificação entre a Rede Globo de Televio (RGTV) e o
regime militar. Primeiro, a RGTV representava o modelo de empresa
moderna e eficiente, ajustada à política econômica excludente,
concentradora e transnacionalizada. A consolidação da RGTV como
empresa forte serviu ao regime porque ela defendia interesses similares
aos dele, e serviu, é claro, às próprias Organizações Globo (OG), um
conglomerado brasileiro, associado direta e indiretamente ao capital
internacional. Segundo, em seus telejornais e na sua programação em
geral, a RGTV serviu de “agente legitimador” através da criação,
manutenção e reprodução do clima de euforia, posvel pela construção de
uma representação distorcida da vida no país que legitimava a estrutura
socioeconômica, na qual a própria RGTV estava incorporada.
40
Nesse clima de cooperação, é por demais destacada a declaração, de março
de 1973, quando o então presidente-general Emílio Garrastazu Médici faz referência
ao Jornal Nacional como órgão informativo de notável serviço prestado ao país:
“Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televio para assistir ao
jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e
conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao
desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de
trabalho” - Presidente Emílio Garrastazu Médici, em 22/03/1973.
41
39
O termo refere-se à própria construção do discurso televisivo ainda hoje e tem por função expressar o papel
onipresente da Televisão nas relações sociais, dando verdadeiro sentido para a construção da realidade junto ao
público, mas sem perder de vista o papel da tevê como instância central, de importância sempre destacada pelos
próprios agentes da mídia. Uma boa mostra desse mecanismo encontramos em alguns slogans de campanhas
institucionais da TV Globo, tais como “Globo e você: tudo a ver”; A gente se na Globo”; “O que pinta de
novo, pinta na tela da Globo”; “Cidadania: a gente vê por aqui”.
40
LIMA (p. 121-122), op. cit., p. 41, nota 30.
41
MATTOS, Sérgio. Um perfil da TV brasileira: 40 anos de história – 1950/1990. Salvador: Abap, 1990.
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50
As razões para o sucesso empresarial das Organizações Globo são tão
controversas quanto os episódios que ajudaram a construir, ao longo dos anos, a
história da emissora do Jardim Botânico e sua relação com o poder. Como primeiro
evento ilustrativo desse ambiente, está o veto ideológico ao nome do desafeto
político Leonel Brizola (PDT) para o governo carioca, em 1982. O episódio ficou
conhecido como “Escândalo Proconsult”, nome da empresa contratada para
processar a contagem dos votos. O esquema fraudulento consistiria na subtração
dos votos dados a Brizola e adição dos votos para o adversário dele, Moreira Franco
(PMDB).
A TV Globo, líder de audiência, emprestaria credibilidade aos números da
apuração, de forma a tornar iminente e sem possibilidade de contestação a
derrota do pedetista. Contudo, a manobra foi descoberta a partir de um mecanismo
de apuração independente, com base nos boletins do Tribunal Regional Eleitoral
(TRE), desenvolvido pelo Jornal do Brasil e suas duas prestigiadas emissoras de
rádio AM e FM. As suspeitas de fraude surgiram com a constatação de que os
números das duas apurações apresentavam resultados parciais totalmente diversos.
Alertado, coube ao candidato prejudicado determinar que o partido realizasse uma
apuração paralela.
A descoberta da trama foi seguida de grande repercussão e inseriu, pela
primeira vez, a postura da TV Globo no centro do debate político-eleitoral, condição
noticiada por alguns órgãos de imprensa do país, como a Folha de S. Paulo e a
revista Veja
42
.
42
“O caso da TV Globo” (editorial). Folha de S. Paulo, 27/11/1982.
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51
No outro extremo, encontramos a crítica sobre o ‘silenciamento’ da emissora
em relação à divulgação das eleições de 1998, quando a TV Globo concentrou a
cobertura da disputa no final da campanha, o que reforçou a suspeita de que tal
estratégia político-midiática tenha beneficiado o candidato à reeleição, o então
presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Sobre isso, Miguel (2004)
constatou que o tempo dedicado à campanha eleitoral no principal programa
jornalístico do país foi de apenas 4,6% do noticiário em 1998 contra 29,4% em
2002.
A acusação de silenciamento também já havia aparecido quase quinze anos
antes, mas fora do calendário eleitoral do país. Na ocasião, a TV Globo fora criticada
por não realizar cobertura durante os primeiros meses do movimento Diretas Já’,
campanha cívica e suprapartidária que percorreu o Brasil, em 1984, exigindo a
retomada do voto direto para a escolha do presidente.
nas eleições de 1994, as Organizações Globo, assim como grande parte
da mídia, estiveram sob suspeição por terem promovido o Plano Real à condição de
cabo eleitoral do sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), vencedor no
primeiro turno. O apoio seria explicitado por ocasião do chamado caso das
parabólicas’, no qual o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, sem saber que
o áudio de sua conversa com o jornalista Carlos Monforte (TV Globo/Brasília) estava
sendo captado por antenas parabólicas, admitiu que a cobertura das medidas
econômicas pela mídia ajudava o candidato da situação.
[...] Durante a conversa, Ricupero cometeu a espantosa imprudência de ser
sincero! Disse que o Plano Real era mesmo um artifício eleitoral para
captar votos para seu candidato, Fernando Henrique Cardoso. Sua frase
mais reveladora foi: ‘Não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o
“O computador inimigo: como a programação feita pela Proconsult sumia só com os votos dados a Brizola”.
Veja, 743, 1/12/1982.
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52
que é ruim a gente esconde’. Comentou também que a Globo teve ‘muita
sorte’ porque podia usar a imagem dele Ricupero para apoiar FHC,
coisa que a rede não poderia fazer diretamente sem entrar em conflito com
a legislação eleitoral do país.
43
Em relação ao pleito de 1989, a emissora esteve no centro de uma das mais
barulhentas polêmicas que envolveram o jornalismo brasileiro em todos os
tempos: a edição do debate final entre os dois finalistas da disputa - Luíz Inácio Lula
da Silva (PT) e Fernando Collor (PRN). No caso, a TV Globo apresentou duas
edições distintas do debate, uma no Jornal Hoje e outra no Jornal Nacional. A
diferença entre elas acendeu a discussão, centrada na proporção entre os melhores
e os piores momentos de cada candidato em uma edição e outra.
“O apoio da Globo (ao candidato Collor) ficou evidenciado desde o início,
mas se manifestou com clareza ímpar na famosa edição do último debate
do segundo turno, na véspera da eleição, levada ao ar no Jornal Nacional.
Os melhores momentos de Collor foram unidos aos piores de Lula, numa
manipulação grosseira cuja lembrança volta a cada eleição, como um
fantasma a assombrar os jornalistas da emissora”.
44
No livro comemorativo dos 35 anos do JN (Jorge Zahar Editor, 2004), João
Roberto Marinho, filho de Roberto Marinho e um dos vice-presidentes das
Organizações Globo, admite que o episódio provocou um inequívoco dano à
imagem da emissora, e foi justificado como decorrente da falta de experiência em
relação à edição de programas com o formato de debate.
“Depois desses anos todos, eu acredito que as duas versões estavam
erradas: uma exagerou para um lado e a outra ficou aquém para o outro.
De qualquer forma, eu debito os dois erros à inexperiência de todos nós na
época. É preciso sempre ter em mente que aquela era a primeira eleição
para presidente na era da televisão de massa. Não passa pela minha
43
ARBEX, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001, p. 83.
44
MIGUEL, Luis Felipe. A descoberta da política: a campanha de 2002 na Rede Globo. In: RUBIM, Annio
Albino (Org.). Eleições presidenciais em 2002: ensaios sobre mídia, cultura e política. São Paulo : Hacker,
2004, p. 93.
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53
cabeça que os equívocos tenham sido cometidos por má-fé. Não passou
na época. E não passa hoje, depois de tantos anos”.
45
A relação dos meios de comunicação com a política assumiu contornos de
uma afinidade benéfica para ambos também no período da redemocratização.
Disposto a permanecer mais um ano no cargo, o presidente José Sarney (PFL), que
assumiu o cargo em 1985, após a morte de Tancredo Neves (PMDB), realizou entre
1987 e 1988 uma farta distribuição de canais de emissoras de rádio e TV em troca
da fixação do mandato de cinco anos. A operação de troca de votos dos
parlamentares por concessões era comandada pelo Ministério das Comunicações,
cujo titular na época era Antônio Carlos Magalhães (PFL).
46
O episódio fez surgir uma nova classe no setor de radiodifusão: além dos
grupos empresariais e familiares que se beneficiavam do modelo tradicional da
outorga de concessões, sempre em troca de apoio político, o país viu nascer no
Congresso Nacional a chamada “bancada da mídia”, representada por deputados
federais e senadores que passaram a deter concessões públicas de TV e rádio.
Do ponto de vista do uso político da comunicação, a atuação desses veículos
nas bases eleitorais dos parlamentares - e agora também eles empresários de mídia
- deu origem ao fenômeno apelidado de “coronelismo eletrônico”, cujo objetivo maior
era a renovação dos mandatos e a perpetuação política de alguns grupos nas mais
diversas regiões do país. A operação que estendeu o mandato de Sarney trouxe
uma nova configuração para o mapa dos proprietários de mídia no Brasil
47
.
45
JORNAL Nacional: a notícia faz história / Memória Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 213.
46
Das 1.028 concessões distribuídas, 82 se referiam à televisão, segundo relatam Lima e Caparelli (2004),
citando estudo de Motter (1994: 163-180).
47
Em um levantamento datado de 2001, o jornal paulista Folha de S. Paulo noticiou que 60 das 250 concessões
de TV comercial existentes pertenciam a políticos – o que correspondia a 24% do total. (LOBATO, 2001)
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54
A primeira demonstração de força da “bancada da mídia” foi ainda durante os
trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988). A Comissão Temática
da Comunicação Social foi a única a não encaminhar para a Comissão de
Sistematização qualquer texto aprovado. O motivo foi a falta de consenso entre as
propostas apresentadas pelas entidades da sociedade civil organizadas na Frente
Nacional de Luta por Políticas Democráticas de Comunicação - e a maioria dos
integrantes da Comissão, muitos deles parlamentares proprietários de meios de
comunicação.
No que se refere ao Capítulo da Comunicação Social da Constituição Federal,
o processo de votação produziu um fato curioso, na medida em que a “bancada da
mídia” contribuiu para aprovar o parágrafo 5º para do art. 220, cujo texto diz:
[...]
§ 5º - Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente,
ser objeto de monopólio ou oligopólio (BRASIL. Constituição, 1988).
O estabelecimento dessa norma, ainda que tenha uma intenção louvável,
continua o soar como letra morta frente à realidade dos meios de comunicação no
país. O que encontramos é uma distorção característica do oligopólio: a propriedade
dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos privados. Destaque para
seis redes de tevê, que constituem as maiores controladoras da propriedade dos
veículos brasileiros, segundo relatório da pesquisa Grupos de Mídia, concluída em
2002
48
.
48
O Relatório Epcom (Estudos e Pesquisas em Comunicação) aponta as redes de TV Globo, Record, SBT,
Bandeirantes, Rede TV e CNT como controladoras de 668 veículos, incluindo emissoras de TV, rádio e jornais
impressos. Esse controle é obtido pela associação que as redes mantêm com 138 grupos de mídia. A Rede Globo
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55
Outro destaque do texto constitucional, também pela ausência de aplicação
da norma, é a previsão da complementaridade dos sistemas privado, público e
estatal para o serviço de radiodifusão, conforme dispõe o art. 223, a seguir.
Art.223 - Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão,
permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e
imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas
privado, público e estatal (BRASIL. Constituição, 1988).
A falta de regulamentação atualizada para o setor, somada a ausência de
uma política pública de governo que garanta a co-existência das emissoras públicas,
constitui flagrante impedimento para que a população tenha acesso a uma
programação em que se valorizem a educação e a cultura, além da sua
regionalização, conforme preceitua o art. 221, tamm ainda não regulamentado.
O que prevalece na mídia eletrônica é o sistema privado, cuja diretriz de
programação, com raríssimas exceções, se destina exclusivamente ao atendimento
das necessidades do mercado. São mensagens destinadas ao telespectador visto
apenas como consumidor e não como cidadão, o que constitui uma negação da
própria natureza pública da concessão outorgada pelo Estado.
Esse cenário compõe o quadro de ausência de uma regulamentação moderna
sobre o setor de comunicação no Brasil. A mídia nacional, aglutinadora de atividades
de natureza pública, em que pese a sua matriz ideológica liberal, se beneficia da
inexistência de uma cultura de concorrência e tem se pautado, ao longo das últimas
décadas, quase que majoritariamente, por resistir a qualquer possibilidade de
revisão do seu marco regulatório.
é a que apresenta o maior número de grupos afiliados completos (com TV, dio e jornal). Dos seus 30 grupos
afiliados, 13 estão nessa privilegiada situação. Dos 204 veículos sob orientação das Organizações Globo, estão
20 jornais, ou quase 10% do total dos veículos.
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56
O ambiente descrito acima contribui para que seja apontado o paradoxo
vivido pelos conglomerados de comunicação no país: são agentes discursivos e
operacionais da globalização
49
, identidade adquirida pela defesa que fazem dos
fundamentos liberais que sustentam a economia de mercado, mas, por outro lado,
contribuem para manter intacto o quadro de concentração da propriedade dos
veículos e de ausência do princípio da diversidade de vozes no espaço público
ambientado pela mídia, com reflexo na constituição de uma opinião pública livre,
conforme problema apresentado no capítulo anterior.
49
Essa definição acentua o fato de propagarem um modo de vida global, interconectado pelas tecnologias de
transmissão de dados e informações, centrado na exacerbação do consumo e, ao mesmo tempo, atuarem como
agentes econômicos diretamente interessados nos resultados financeiros do jogo econômico que anunciam.Tais
características atingem indistintamente os conglomerados de mídia, independente de sua localização, e sua
orientação, a partir da esfera global, traduz o avanço na concentração do setor. Cf. MORAES, nis de. O
capital da mídia na lógica da globalização. In: Moraes, nis de (Org). Por uma outra comunicação. Rio de
Janeiro: Record, 2003.
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57
4 NO AR: A POLÍTICA NA TELA DO JORNAL NACIONAL
A edição do Jornal Nacional que foi ao ar no dia 28 de outubro de 2002 é
exemplar para o reconhecimento da relação mídia e política no Brasil. Foi com a voz
firme, mas sem esconder o tom emocionado, que o editor-chefe e apresentador
William Bonner agradeceu a presença, no estúdio, do presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva, um dia depois da confirmação de sua vitória nas urnas.
Bonner - Eu lhe agradeço, em nome dos profissionais da Globo e de
todos os brasileiros, essa deferência especial de nos visitar no seu
primeiro dia como presidente eleito. (trecho da recepção feita ao petista)
(grifo nosso)
Chamo a atenção para um aspecto que nos ajuda a entender o significado do
que se passava naquele cenário: os dois estão de pé, ao lado da bancada do
telejornal, em São Paulo, e vão sentar-se somente depois do cumprimento descrito
acima. Na gica imagética da TV, Lula é o ilustre visitante que entra na casa dos
brasileiros pelas lentes da Globo. Essa construção simbólica tem como ponto-chave
a naturalidade com que o apresentador se autoproclama representante não dos
telespectadores que assistem ao telejornal, mas “de todos os brasileiros”,
indistintamente, o que configura a força desse tipo de enunciado no contexto da
presença dos meios de comunicação na vida da sociedade contemporânea, com a
força da já citada operação de auto-referência.
O noticiário daquela noite de segunda-feira foi anunciado como uma edição
especial pelos apresentadores. Nessa condição, foi dada a senha para que
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58
transcorresse uma entrevista exclusiva, em formato inédito para os padrões da
emissora. Foi como uma conversa, intercalada por matérias sobre a eleição, com
direito a comentários eventuais do convidado, e que durou 1 hora e 15 minutos. O
telejornal alcançou média de 49 pontos na audiência, sendo que durante a
campanha ela não passara dos 45, e fez com que o privilégio concedido à Globo
irritasse a concorrência. Da entrevista tomou parte ainda a apresentadora Fátima
Bernardes, que participou do estúdio do JN no Rio de Janeiro. O rigor jornalístico foi
colocado de lado e prevaleceu o tom emotivo na maior parte do tempo:
"Muita emoção, não é, presidente?", perguntava tima Bernardes. "As
imagens não escondem sua emoção, não é?", completava Bonner. "Eu
ainda não acordei do processo eleitoral", disse o petista, logo no início do
jornal. "Então, enquanto o senhor acorda, vou pedir sua atenção para a
gente rever um momento histórico de ontem", disse o apresentador,
anunciando a exibição de um vídeo, gravado pela filha do senador eleito
Aloizio Mercadante, que mostrou o momento em que Lula assistia ao
anúncio de sua vitória. Por várias vezes, o noticiário classificou a eleição do
petista como "uma conquista histórica" ou "uma conquista do povo". "Haja
coração", dizia Lula.
50
A descrição do episódio da entrevista exclusiva cumpre aqui uma finalidade
indicial, sobretudo por envolver dois protagonistas - o político e a emissora - cuja
cena seria inimaginável em um momento não muito distante nesse curto período de
retomada da democracia brasileira
51
.
Contudo, esse destaque recente, sob o olhar da sociedade, não acontece por
acaso. Nas referências sobre os estudos da comunicação política pela TV,
apontamos que a centralidade alcançada pela mídia nos dias atuais vem
contribuindo para integrar os atores políticos na própria enunciação midiática, o que,
50
CROITOR, Cláudia. Com exclusividade, Lula fica ao vivo por 1h15min no ‘JN’. Folha de São Paulo, São
Paulo, 29 out. 2002. Caderno Eleições 2002, p. 04.
51
A esse respeito trago a crítica de Lula ao desempenho dos telejornais durante a cobertura das eleições de 1998.
“Nós tivemos um fenômeno na televisão brasileira nas últimas eleições. Porque praticamente nenhuma televisão,
com exceção da TV Record, cobriu a campanha com isenção, independentemente dos editoriais e dos
comentários que o Boris (Casoy) possa ter [...] a Rede Globo fingiu que o tinha campanha eleitoral no Brasil.”
Cf. IMPRENSA: 1999, Encarte especial, p. 2-3.
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59
de início, supera a idéia tradicional de simples mediação do discurso político pelos
meios de comunicação. Tal mudança foi viabilizada pelo esforço do agente político
em se adaptar às novas condições de visibilidade a fim de alcançar o eleitor.
No caso específico da TV Globo e sua relação com o poder, nossa
investigação parte da constatação de que o episódio da entrevista exclusiva do
presidente eleito no JN não fechou o ciclo de uma cobertura de campanha
estrategicamente planejada, conforme pretendemos demonstrar, como também
demarcou o início de um novo momento para a emissora, da busca de uma
aproximação junto ao governo que se anuncia, movimento construído em resposta à
ameaça sobre sua hegemonia, um fantasma que ronda as Organizações Globo (OG)
desde o final dos anos de 1990.
O acirramento da disputa pela audiência no setor obrigou as OG a
promoverem mudanças substantivas no seu principal noticiário desde então. Com a
imagem associada ao alinhamento que teve com o regime militar e tendo sofrido
alguns golpes de credibilidade em função dos episódios eleitorais com os quais se
envolveu na fase de redemocratização, a TV Globo optou por adotar, inicialmente,
um distanciamento da política.
O período dessa decisão coincide com o crescimento do concorrente mais
direto - o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) - no final dos anos noventa, o que
levaria o telejornalismo global para o caminho de uma cobertura mais popular,
fortemente voltada para a abordagem de episódios envolvendo a violência urbana e
entusiasta da narrativa que aproxima o jornalismo do entretenimento televisivo, ao
tratar a notícia como um produto destacado do que conhecemos por espetáculo do
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60
cotidiano que, por ser lastreado pelo poder da imagem, tanto telespectadores
arrebata.
O relato abaixo, do jornalista Fernando de Barros e Silva, por ocasião do
aniversário dos 30 anos do Jornal Nacional, em 1999, a exata medida do produto
que era oferecido aos brasileiros todas as noites:
O "JN" mudou, ou vem mudando dez anos. Ganhou em isenção, ficou
mais pluralista, mas, sobretudo, afastou-se da política. Sua ênfase hoje
es nos assuntos de grande apelo popular e carga emotiva - dos
pequenos dramas do cotidiano às grandes tragédias naturais, das
curiosidades do reino animal aos espetáculos esportivos ou aventuras
cinematográficas envolvendo o mundo policial. O jornal ganhou ao mesmo
tempo mais ímpeto investigativo, mas suas energias não estão voltadas
contra as altas esferas do poder, com as quais o "JN" durante muito tempo
se confundiu.
52
Na mesma reportagem, se destaca uma explicação curiosa de William Bonner
para a mudança editorial do JN, ao argumentar que via “a despolitização do
noticiário como conseqüência direta da despolitização da sociedade".
4.1 A POLÍTICA (RE)DESCOBERTA
O processo de revisão da imagem institucional da Rede Globo foi destravado
em um ano marcado por dois eventos bastante representativos em termos de
repercussão na agenda pública, ainda que distintos. A disputa da Copa do Mundo
da Coréia-Japão, no primeiro semestre, e o embate eleitoral, no segundo,
constituíram excelente oportunidade de aplicação de novos formatos televisivos e de
ensaio de novas estratégias por parte da emissora do Jardim Botânico.
52
SILVA, Fernando B. “Jornal Nacional” chega despolitizado aos 30 anos. Folha de São Paulo, São Paulo, 28
ago. 1999, Ilustrada, p. 4-1.
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61
Assim, no apagar do governo Fernando Henrique Cardoso, e na possibilidade
agora concreta de um nome da oposição chegar à presidência, a direção da TV
Globo definiu como estratégia apostar no novo espetáculo da política”. A principal
inovação foi a abertura de um inédito espaço para a cobertura das eleições,
conforme apontado na análise quantitativa realizada por Miguel (2004). Ao comparar
os pleitos de 1998 e 2002, o pesquisador constatou que o tempo dedicado à
campanha eleitoral no JN foi quase 12 vezes maior em 2002.
O salto na cobertura foi de 4,6 (1998) para 29,6 (2002) no percentual
destinado ao tema das eleições. Na medida em tempo, a cobertura em 2002 ocupou
12 horas, 55 minutos e 50 segundos do noticiário, considerando as 14 semanas
entre o fim da Copa do Mundo e o primeiro turno. Em 1998, essa cobertura fora de 1
hora, 16 minutos e 34 segundos nas 12 semanas decorridas entre o final da Copa e
a data da votação. A diferença dos números é analisada por Miguel como
demonstração da estratégia da emissora de conferir grande visibilidade ao embate
político.
[...] em 1998, a já escassa cobertura das eleições foi concentrada na última
quinzena de campanha na verdade, mais da metade do tempo
corresponde às quatro últimas edições do Jornal Nacional. Em 2002,
uma atenção permanente ao processo eleitoral e um crescimento
constante do tempo dedicado à cobertura, que alcança quase 60% do
noticiário na última quinzena. Trata-se de uma mudança com repercussão
potencial importante. Em 1998, quando o Jornal Nacional finalmente se
volta para o pleito, não há mais tempo, ou há muito pouco tempo, para que
o debate tome conta da sociedade e os votantes refaçam suas opções.
53
53
MIGUEL (p. 95), op. cit., p. 52, nota 44.
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62
O plano de cobertura da campanha presidencial pela TV Globo começou a
ser traçado no final de 2001, ocasião em que cada veículo do grupo passou a
pensar a sua estratégia, tendo como referência o objetivo previamente definido de
[...] estimular a discussão dos problemas brasileiros e suas soluções e
deixar de lado, sempre que possível, a troca de acusações tão a gosto da
crônica política, mas que ajuda pouco o eleitor.
54
Nesse sentido, a proposta foi considerada ambiciosa: os telejornais fariam
entrevistas com os candidatos em períodos diferentes, de modo a debater as
propostas em todos os momentos da campanha
55
; haveria cobertura diária da
movimentação de campanha dos candidatos; seria feita divulgação periódica de
pesquisas de opinião sobre a corrida eleitoral e tamm realização de reportagens
especiais que pudessem expor os problemas do país e cobrar as propostas dos
candidatos para resolvê-los. Por fim, seriam realizados dois debates, um no primeiro
e outro no segundo turno.
É importante ressaltar que a nova postura da emissora diante da política o
deixou de repercutir nos meios acadêmicos e jornalísticos, sobretudo pela mudança
de foco entre momentos eleitorais tão próximos. Assim, já na primeira série de
entrevistas, em julho, houve quem a elogiasse, de um lado, e quem adotasse uma
postura mais cética, embora sem desmerecer a iniciativa do ponto de vista
jornalístico.
[...] para a Globo, a bateria de entrevistas significou o primeiro grande teste
para reparar atentados históricos da emissora contra a democracia. [...]
54
JORNAL Nacional: a notícia faz história / Memória Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 361.
55
Entre julho e outubro os telejornais da Rede Globo exibiram 22 entrevistas especiais com os quatro principais
candidatos ao Palácio do Planalto. O Jornal Nacional foi o noticiário que mais explorou o formato. Foram dez
entrevistas, sendo duas ries no primeiro turno e uma no segundo. A idéia das séries de entrevistas era
considerada inédita não na Globo, mas também em outras emissoras. No caso dos seus telejornais, a
realização em períodos diferentes da campanha eleitoral foi destacada como a possibilidade de a Globo “[...]
inquirir os candidatos nas diversas fases, dando ao eleitor a oportunidade de esclarecer fatos que, por vezes, se
perdem no meio de tantas notícias” (JORNAL, 2004, p. 364).
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63
A pretensão maior da Globo talvez fosse a de dissolver 30 anos de
escuridão em quatro noites luminosas. Não dá. É breu demais para pouca
luz. Mas o saldo da série, ainda assim, foi positivo. [...] Quem quis
encontrar grandes manipulações, favorecimentos, omissões ou
compromissos na série de entrevistas do "JN" saiu com as mãos vazias.
56
Alberto Dines, coordenador do projeto de estudos do jornalismo Observatório
da Imprensa, fundado em 1998, foi um dos pesquisadores que encontraram motivos
para elogiar o comportamento da emissora, principalmente a iniciativa inédita de
sabatinar os candidatos durante o Jornal Nacional.
Foi um marco a série de entrevistas apresentadas pelo Jornal Nacional de
8 a 11 de julho com os quatro presidenciáveis. o apenas no campo
específico do jornalismo. é uma referência no vasto painel das
responsabilidades sociais que a televisão pode assumir, seja ela pública ou
privada, aberta ou paga. [...] Foi também uma exibição da capacidade de
isenção do jornalismo brasileiro. Num panorama onde primam a ferocidade,
o engajamento e o patrulhamento, a série de entrevistas mostrou que o
jornalismo político pode ser conduzido sem veemências, a serviço do
esclarecimento. Claro que houve queixas de todos (os candidatos).
Melhor prova não pode haver do esforço pelo equilíbrio.
57
4.2 O CENÁRIO ELEITORAL E POLÍTICO EM 2002
Nas eleições de 2002, o Brasil confirmou sua posição de terceiro maior
colégio eleitoral do mundo, com mais de 115 milhões de eleitores, atrás apenas dos
Estados Unidos e da Índia. Essa massa de votantes representava 67,8% da
população do país, então com 180 milhões de habitantes. Outro dado que ajuda a
56
SILVA, Fernando B. A nova Globo, ou 30 anos em 4 noites. Folha de S.Paulo, São Paulo, 13 jul. 2002.
Dispovel em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1307200215.htm>. Acesso em: 13 jul.2002.
57
DINES, Alberto. Globo exibe potencial de responsabilidade da TV. Observatório da Imprensa, Rio de
Janeiro, 17 jul. 2002. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/mid170720021.htm>.
Acesso em: 17 jul. 2002.
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64
compor o cenário daquelas eleições é o percentual de apenas 0,63% dos adultos em
condições de voto sem registro no cadastro eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), o que confirma o processo de universalização do voto, não raras vezes
apontado como exemplo de experiência de inclusão social em uma sociedade
caracterizada pela marca da desigualdade.
O fato de o voto ser obrigatório, contudo, o responde sozinho pelo grande
contato do eleitor brasileiro com as urnas. Até a disputa daquele ano, o índice de
comparecimento estava em 78,3%, posicionamento acima da média dentre os
países onde o voto é obrigatório, de 73.5%. que se ressaltar, ainda, que o
eleitorado nacional cresceu quase 22% entre as eleições de 1994 e 2002, contra um
avanço demográfico de apenas 11,4% no mesmo período. Isso ocorreu em função
do aumento da população de adultos e idosos, enquanto o crescimento do mero
de crianças se estabilizou.
Por outro lado, confirmou-se o movimento de queda progressiva no universo
de eleitores jovens aptos a participarem do processo, mesmo com o direito de voto
facultativo aos 16 anos em vigor desde 1988. Se, em 2002, os jovens aptos eram
pouco mais de dois milhões, ou 1,92% do total de eleitores aptos, em 1994, eles
correspondiam a 2,24% do eleitorado. E os primeiros a votar nessa faixa etária, em
1989, correspondiam a 4,02% do eleitorado. A queda na participação dos jovens
polariza com outro grupo de eleitores igualmente livre do voto obrigatório: o dos
idosos com mais de 70 anos. Com o envelhecimento da população, eles passaram a
representar 5,7% dos títulos de eleitor, mesmo respondendo por 3,7% da população
total do país.
Na tentativa de apontar algumas causas para o aparente desinteresse dos
jovens com a política, pode-se observar a ausência de bandeiras mobilizadoras, o
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65
que acaba por não potencializar as ações voluntariosas, características do
comportamento da juventude. Outra explicação para essa provável indiferença
estaria no fato de que o desapontamento com a política, cujo sentimento se reflete
em toda a sociedade, contribui para afastar ainda mais o eleitorado jovem, sempre à
espera de novas experiências que possam conquistá-lo.
Aqui, talvez, esteja a principal diferença em relação às posturas adotadas
por jovens e idosos quando se trata de participação na política. Para os mais
velhos, que aprenderam a votar com o fim do Estado Novo, e se viram privados
desse direito durante o longo regime militar, a participação nos processos eleitorais
tende a carregar um valor simbólico muito maior, quando o exercício da democracia
confere ao direito político um caráter de obrigação, não no sentido legal, mas de
natureza cívica.
Esse cenário, aliás, conferiu uma marca peculiar às eleições de 2002. A
grande visibilidade do processo e o elevado nível de informações sobre a disputa
inseriram na agenda pública manifestações afirmativas em defesa da ética na
política. O trabalho, sobretudo de Organizações não-Governamentais (Ong’s), com
bastante repercussão na mídia, fechou o cerco não apenas sobre os candidatos,
mas, sobretudo, sobre o eleitorado. A mensagem principal era no sentido de se
garantir uma maior valorização do voto, o que representava a recuperação do seu
caráter de livre escolha, estratégia para o combate direto e sistemático a
procedimentos envolvendo a troca de favores, o clientelismo, a coação e as falsas
promessas.
Em caderno especial sobre as eleições, publicado pelo jornal O Globo, o
professor de ciência política da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), João
Trajano Sento-Sé, resumia, no meu entender de forma precisa, o tamanho do
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desafio da campanha pelo voto limpo, indicando o exame de causas históricas para
o perfeito entendimento do problema.
O padrão da troca de favores es consolidado tempos. É fruto da
distância entre o Estado e a sociedade, que resultou na precariedade de
informação e de cultura cívica, da qual o povo é mais vítima do que autor.
58
Embora o processo eleitoral tenha sido saudado como um exemplo de
aprimoramento da democracia brasileira, com mero recorde de eleitores e
candidatos, total informatização e rapidez operacional, ele se desenvolveu em um
cenário conturbado. O país vivia uma crise financeira de grandes proporções, com
um ataque especulativo de investidores externos sobre o Real, a economia
estagnada e uma taxa de desemprego de 15,4% da população economicamente
ativa, segundo Censo 2000 do IBGE.
Outro elemento conjuntural desfavorável estava no termômetro da violência,
com ênfase nas ações ousadas das facções do crime organizado, com destaque
para o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, e para as quadrilhas de
traficantes comandadas pelos chefões diretamente dos presídios, no Rio de Janeiro.
Era registrado ainda um aumento dos casos de crime de seqüestro e um alto índice
de homicídios violentos em decorrência do envolvimento das vítimas, geralmente
jovens das periferias, com o tráfico de drogas.
Das seis candidaturas lançadas à Presidência da República, quatro
disputavam com reais possibilidades de êxito. No entanto, era mesmo improvável
que a oposição chegasse ao segundo turno com dois dos três nomes de que
dispunha: Luiz Inácio Lula da Silva (PT); Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho
58
O BRASIL atinge a maioridade eleitoral”. O Globo, Rio de Janeiro, 18 ago. 2002. Caderno Especial, p. 2.
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67
(PSB). No outro campo, o governista, estava o candidato Jo Serra (PSDB), ex-
ministro da Saúde do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Ao contrário de representar uma candidatura aglutinadora da base do
governo, o nome de José Serra foi definido em um processo tumultuado, no qual
não faltaram acusações e interesses contrariados. A própria aliança entre o PSDB
e o PFL ruiu no episódio da descoberta de R$ 1,3 milhão desviado para um caixa de
campanha, no escritório da empresa Lunus, de propriedade do empresário Jorge
Murad, marido da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL). As imagens
da operação da Polícia Federal, realizada no início de março, foram insistentemente
veiculadas na tevê, aumentando o potencial de repercussão da denúncia. Após duas
semanas de permanência do tema no noticiário, a candidatura de Roseana Sarney
ao Planalto estava inviabilizada.
Em represália à ação da PF, que, segundo circulou nos bastidores, teria sido
convocada exatamente com intuito de afastar a governadora da disputa, o PFL
anunciou o seu desembarque da base do governo. Além do rompimento de uma
aliança formal tida como certa, e registrada nas duas eleições presidenciais
anteriores (1994 e 1998), o episódio passou a representar um problema concreto
para o governo no Congresso Nacional. É que os pefelistas passaram a oferecer
resistência à aprovação da prorrogação da cobrança da Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Também dentro do PSDB a indicação de José Serra como candidato do
partido deixou arestas, sobretudo em função do interesse do ex-governador do
Ceará, Tasso Jereissati, em disputar a Presidência. Contrariado, Jereissati não
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68
escondeu durante a campanha a sua simpatia pela candidatura de Ciro Gomes
(PPS), de quem é conterrâneo e aliado político.
De outra parte, duas outras candidaturas - situadas na extrema esquerda -
não apresentavam qualquer pretensão devido à total inexistência de densidade
eleitoral dos postulantes. Esse dado, aliado à falta de assento dos seus respectivos
partidos na Câmara dos Deputados, foi suficiente para que os nomes de José Maria
de Almeida (PSTU) e Rui Costa Pimenta (PCO) fossem colocados à margem da
cobertura, o que soou como uma contradição, que o prinpio da ampla
visibilidade que o processo passava a merecer não autorizava a existência de
restrições de nenhuma ordem a qualquer das candidaturas.
No caso, os veículos o deixaram de dar espaço aos dois candidatos no
âmbito da chamada programação oficiosa, como o fizeram sob a égide de um novo
entendimento da Justiça Eleitoral para uma das normas da propaganda no rádio e
na tevê. A partir da Resolução 21.072/02, baixada ainda no mês de abril, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizava as emissoras a realizarem entrevistas
com os pré-candidatos,
“[...] cuidando para que haja o mesmo tratamento para as pessoas que se
encontram em situações semelhantes [...]” (TRIBUNAL, 2002, item 1).
A decisão, nascida de uma questão de ordem relatada pelo ministro Fernando
Neves, estabeleceu um princípio de tratamento isonômico que se aplicou apenas
aos quatro principais candidatos aspirantes à vitória nas eleições. É importante
salientar que essa interpretação esteve ausente na eleição de 1998, quando
prevaleceu o entendimento de caráter restritivo para o disposto na Lei Eleitoral
9.504/97, art. 45, inciso IV, que apresenta a seguinte redação:
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69
A partir de 1º de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e
televisão, em sua programação normal e noticiário:
[...]
IV - dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação.
A nova posição do TSE estabeleceu um mecanismo cujo efeito foi imediato
sobre as condições de divulgação do processo eleitoral. A partir dele, as empresas
de mídia puderam definir um plano para a cobertura sem que houvesse a
obrigatoriedade de um tratamento equânime entre os candidatos. A medida foi,
inclusive, saudada pela direção da TV Globo, primeira emissora a manifestar
interesse na realização das entrevistas com os presidenciáveis nos telejornais. A
avaliação do diretor executivo de jornalismo, Ali Kamel, a idéia exata do efeito da
mudança sobre o planejamento das televisões:
Antes de 2002, uma emissora corria toda sorte de riscos se um candidato
de um partido nanico entrasse na Justiça pleiteando tratamento igual ao
que os principais candidatos recebiam. O TSE, em decisões históricas,
firmou jurisprudência que os iguais devem ser tratados como iguais. E que
a notícia vem em primeiro lugar. Não se pode noticiar o que não é notícia.
Um candidato inexpressivo o pode exigir tratamento igual ao dos
candidatos que disputam os primeiros lugares. Também não podem ser
desprezados, mas devem receber a atenção proporcional à sua
importância. Todo esse amadurecimento jurídico permitiu pôr em prática o
nosso projeto com uma segurança jurídica mais sólida, o que não
acontecia antes.
59
A aplicação da nova regra nos parece um bom exemplo da citada
“democracia de público”, com mediação feita pelos meios de comunicação
eletrônicos e focada no candidato, o que inclui as suas próprias perspectivas
eleitorais. A novidade chegou a motivar o questionamento de um dos candidatos
dos chamados partidos “nanicos”, conforme noticiou o jornal Folha de São Paulo na
edição do dia 13 de julho de 2002. O recurso do candidato José Maria de Almeida
(PSTU) foi indeferido na mesma semana em que o Jornal Nacional realizou a
59
JORNAL Nacional: a notícia faz história / Memória Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 362.
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70
primeira série de entrevistas com os presidenciáveis. O relato da FSP foi feito nos
seguintes termos:
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que os meios de comunicação
não precisam conceder espaços iguais em sua programação a todos os
candidatos à Presidência da República. A decisão está no despacho do
ministro Fernando Neves que analisou pedido do presidenciável do PSTU,
José Maria de Almeida. Ele pedia sua participação na série de entrevistas
que o "Jornal Nacional", da TV Globo, realizou nesta semana. Participaram
Ciro Gomes (PPS), Anthony Garotinho (PSB), José Serra (PSDB) e Luiz
Inácio Lula da Silva (PT).
60
O fato curioso é que os dois candidatos “nanicos” encarnavam o papel que se
poderia esperar de qualquer dos três oposicionistas, ou seja, o discurso de
radicalismo em relação ao modelo econômico e a adoção de um programa
alternativo de governo. Com ambos fora do páreo porque estavam fora da mídia -,
restou à boa parte da imprensa o tratamento das questões econômicas, associado
ao clima de instabilidade do mercado financeiro mundial diante de uma iminente
invasão americana no Iraque, o que já provocava a alta do preço do petróleo e a
disparada do dólar.
Outro foco da crise eram os seguidos anúncios de falência de grandes
corporações e escândalos de maquiagem nos balanços de importantes empresas
dos Estados Unidos, o que desestabilizou o mercado de capitais em todo mundo.
Contudo, os principais veículos da imprensa brasileira acrescentaram um
componente local no quadro de crise: a falta de detalhamento do programa
econômico dos candidatos de oposição, principalmente por parte do petista, que
levava ampla vantagem nas pesquisas de intenção de voto. Essa ausência era
apontada como uma perigosa ameaça, a de ver aumentar a vulnerabilidade da
60
TSE rejeita ação do PSTU para aparecer na TV”. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 jul. 2002. Brasil, p. A6.
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71
imagem do país frente aos investidores estrangeiros, sob atuão do capital
especulativo.
Dessa forma, o clima de incerteza, cuja origem estaria na falta de garantia de
cumprimento de contratos pelo governo brasileiro, foi insistentemente associado à
dinâmica eleitoral, movimento que mereceu generoso destaque na mídia, sobretudo
com o acompanhamento dos humores do mercado financeiro, a partir da divulgação
dos relatórios de avaliação do risco-Brasil por escritórios de consultoria externos.
Nesse cenário, ficou evidenciado um clima de instabilidade financeira, o que
levou o governo Fernando Henrique a buscar um novo acordo com o Fundo
Monetário Internacional (FMI). Para que a medida fosse adotada, com anúncio no
início de agosto de 2002, os quatro principais candidatos foram convidados ao
Palácio do Planalto, ocasião em que se comprometeram com os termos do acordo,
desfazendo o clima de possíveis mudanças sobre as linhas gerais da economia e,
de alguma forma, contribuindo com a pacificação momentânea do mercado.
O entendimento, embora claramente preparado para criar um efeito de
imagem positivo, foi suficiente para provocar apenas uma pequena trégua nos
debates que envolviam a política econômica. Mas, de um modo geral, o governo
manteve a defesa do seu programa, mesmo sem dar a mesma ênfase à
responsabilidade dos adversários pelo ambiente de instabilidade. Esses, por sua
vez, continuaram a creditar ao governo e a sua política econômica a culpa pela crise
de confiança instalada.
Mereceu destaque o posicionamento do candidato do PT na chamada “Carta
ao Povo Brasileiro”. O documento, divulgado por Luiz Inácio Lula da Silva no dia 22
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72
de junho, num encontro nacional do partido, realizado em São Paulo, cobrou a
responsabilidade do governo que se encerrava pelo nervosismo do mercado. Porém
adiantava que as mudanças nos rumos da economia, ainda que necessárias, não
aconteceriam no curto prazo. Além disso, o texto trazia um compromisso que
procurava afastar o candidato do PT da imagem com a qual sempre fora
apresentado ao eleitorado. Lula passou a ser identificado como alguém que defendia
o cumprimento dos contratos. A esse respeito, o trecho da Carta, a seguir, é
bastante ilustrativo.
[...] Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos
hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de
fazer em oito anos não se compensado em oito dias. O novo modelo não
poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre
hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto
de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica
aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o
crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente
o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do
mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de
fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação [...]
61
Na quarta candidatura consecutiva à Presidência, o candidato do PT usou o
episódio para reforçar um apelo explorado pela sua campanha de marketing,
visando quebrar a desconfiança, sobretudo por parte da imprensa, em relação à sua
propalada transformação. Em tom de ironia, diversos veículos exploraram os sinais
de um candidato de ‘cara nova’, ou ‘Lula light’ ou mesmo ‘Lulinha paz e amor’ sem,
contudo, deixar de alimentar o receio de que, por trás da nova roupagem, estivesse
o radical de eleições passadas.
Esse conflito de imagem foi acentuado quando o fantasma do retorno da
inflação passou a ser ingrediente de peso eleitoral, no início do mês de agosto. Em
61
CARTA ao Povo Brasileiro. São Paulo, 22 jun. 2002. Disponível em:
<http://www.lula.org.br/obrasil/carta_povo_brasil.asp >. Acesso em: 24 jun. 2002.
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73
vários veículos, a instabilidade financeira do país era associada, mesmo que
indiretamente, à chance de vitória petista. Outros noticiários passaram a explorar a
falta de experiência anterior do candidato e do partido à frente do Executivo como
uma deficiência insuperável para as pretensões do PT.
Nesse ambiente, Rubim (2003) refletiu sobre as estratégias lançadas pelo
comando de campanha de Lula, objetivando a construção da imagem pública do
candidato, dentre as quais se destacam: 1- Lula deveria personificar a esperança de
mudança, aqui entendida como uma demanda popular; 2 - Era necessária a
construção da imagem de competência da equipe do candidato, que seria
apresentado como o líder responsável por um programa de governo qualificado. Tal
estratégia visou enfrentar dois atributos associados à imagem anterior do candidato:
o radicalismo e o seu despreparo para governar; 3 - A imagem pública de Lula
deveria ajudar na superação do medo, inclusive do medo de votar e correr o risco
com Lula, e possibilitar a vitória da esperança; 4 - Construção da imagem do Lula
negociador; 5 - Reforço da imagem anterior de um candidato dotado de carisma
pessoal e de liderança autêntica; 6 - Deslocamento das competência exigidas: elas
deixam de ser cnicas e passam a ser políticas; 7 - A (re)significação das derrotas
anteriores de Lula , agora encaradas como signo da persistência e não mais como
perdas inevitáveis.
A imagem trabalhada pela assessoria de José Serra no HGPE destacou ser o
tucano um candidato de origem simples, porém estudado, ponderado e preparado
para tomar as decisões importantes no governo. A campanha dedicou grande
atenção à questão do emprego e salário, ficando em segundo lugar a discussão em
torno da economia em geral, o que pode revelar uma estratégia de desvinculação da
candidatura em relação ao governo, diante do desgaste provocado pela crise
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74
financeira. Essa postura demonstra a ambigüidade com a qual o candidato foi visto
ao longo de toda a campanha, o que acabou por expor sua indecisão sobre ser ou
não ser o candidato da situação. Tal conflito de imagem foi mais ou menos
explorado pela mídia, dependendo da postura editorial dos veículos.
Como contraponto a essa deficiência, os órgãos de imprensa simpáticos à
candidatura deram ênfase ao preparo do candidato, sobretudo por ter se destacado
como homem do Executivo quando atuou no Ministério da Saúde. Ressaltam-se
aqui também os embates políticos enfrentados antes e durante a campanha, o que
colou em Serra a imagem de um ‘desconstrutor’ de adversários, seja como
responsável pela implosão da candidatura Roseana Sarney (PFL) seja como
principal fornecedor de dossiês sobre Ciro Gomes (PPS), contra quem travou uma
acirrada disputa para uma vaga no segundo turno.
O candidato do PPS procurou se credenciar como uma alternativa segura
para a solução dos problemas econômicos, área em que era conhecido. No entanto,
teve seu discurso associado a um excesso de pessimismo, que reforçava a idéia da
vulnerabilidade externa do país. Mas a candidatura enfrentou os maiores problemas
de imagem a partir da exploração, pela mídia, de características pessoais atribuídas
ao candidato. A fama de destemperado e pavio curto” foi muito explorada por
alguns veículos, sobretudo nos momentos cruciais da campanha quando, nos meses
de agosto e início de setembro, ele despontou na vice-liderança das pesquisas de
opinião, condição que o conduziria ao segundo turno.
Houve, ainda, a exploração de certa ambigüidade, pois o candidato, com
discurso moderno, de apelo social, era associado às oligarquias do nordeste, num
“gancho” que fazia acender o receio do surgimento de um novo Collor. Também
surgiram problemas decorrentes da formalização das alianças do candidato,
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75
inclusive com desgaste relacionado às supostas irregularidades cometidas pelo seu
vice, o sindicalista Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical, e por um dos seus
coordenadores de campanha, o deputado José Carlos Martinez.
A campanha de Anthony Garotinho (PSB) no horário eleitoral da TV buscou
destacar a competência do candidato à frente do Executivo, como governador do
Rio de Janeiro, cargo que deixou com expressiva aprovação popular. Da mesma
forma que o candidato do PPS, Garotinho também deu destaque à economia,
concentrando suas propostas na temática do emprego e salário. Na mídia, no
entanto, o candidato foi tratado com muita desconfiança, sobretudo pela imagem de
inoperância com a qual o governo dele era identificado na questão do combate ao
narcotráfico e à violência.
Houve ainda o desgaste da candidatura, motivado por denúncias de
corrupção feitas por ex-colaboradores de governo. O candidato chegou a obter na
Justiça uma medida cautelar que proibia a imprensa, inicialmente representada pela
revista Carta Capital, de divulgar o teor de fitas que comprovariam ter autorizado o
pagamento de suborno para um fiscal da Receita Federal, em 1995. O episódio
envolveu diretamente a TV Globo, acusada pelo candidato de ter censurado uma
declaração sua liberando as gravações retidas, desde que também fossem
divulgadas suas suspeitas contra Lula e José Serra, segundo o candidato,
igualmente obtidas por meio de gravações alcançadas ilegalmente.
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76
4.3 FONTES EMPÍRICAS
O fenômeno de midiatização das eleições guarda estreita relação com a
maneira como as sociedades modernas enxergam e reconhecem a política e como
sua prática legítima o aprimoramento da democracia. Assim, ao contrário de explorar
aspectos eminentemente eleitorais da campanha de 2002, esta pesquisa pretende
estabelecer uma análise sobre a visibilidade que a própria política alcançou no mais
influente telejornal do país.
Não que essa escolha afaste eventual reflexão acerca do posicionamento
das Organizações Globo como agente político, o que seria praticamente impossível,
sobretudo pela centralidade alcançada pela TV e sua condição de regente do
processo eleitoral pelas razões que vimos. Há, entretanto, a necessidade de que
nos debrucemos sobre os aspectos que conferem significado à atividade política
para a busca do entendimento de sua representação nos dias atuais.
Tomaremos como objeto parte do plano de cobertura da TV Globo para as
eleições de 2002, com interesse particular na declarada intenção da emissora de
explorar os problemas nacionais e, a partir do seu diagnóstico, levar o eleitor a
adotar uma postura crítica acerca dos conteúdos programáticos dos candidatos, o
que desde então aparecia como boa opção rumo a um salto qualitativo no processo
de escolha dos gestores públicos, com repercussão positiva na participação do
cidadão no cenário da democracia representativa.
No entanto, consideramos importante que a exposição e análise do produto
levado ao ar pela emissora, para efeito de indagação das questões nacionais, sejam
balizadas por outros produtos, pois estes poderão contribuir com a análise da
abordagem feita pelas OG em relação a essas questões, incluindo assuntos de
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77
natureza conjuntural, sempre recebidos com enorme sensibilidade pelos operadores
dos noticiários. Por essa razão, decidimos investigar, de maneira complementar,
elementos da cobertura que se localizam além do período da campanha eleitoral,
notadamente na fase que chamaremos de pré-campanha, compreendida entre o
começo do ano e o início da propaganda do Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral, em 20 de agosto de 2002, referência temporal que tomamos emprestado
do calendário potico-eleitoral do país.
Nosso núcleo central empírico é composto por nove séries de reportagens
especiais que o Jornal Nacional levou ao ar entre 5 de agosto e 25 de outubro de
2002, num total de 51 matérias, conforme agrupamento temático adotado pela
emissora. De forma subsidiária, analisaremos a cobertura qualitativa da política no
telejornal, em sua fase de pré-campanha, bem como a exposição dada à crise
econômica vivida pelo país no ano em estudo, o que levou à assinatura de um novo
acordo de empréstimo financeiro junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), no
mês de agosto. Outras análises complementares vão tratar das operações de auto-
referência da TV Globo no ambiente político-institucional do país e da sua
abordagem sobre a violência urbana, temática que foi submetida a uma visibilidade
ainda maior em função do brutal assassinato do jornalista Tim Lopes, em junho do
mesmo ano.
Além disso, para efeito de comparação dos discursos e manejo dos principais
fatos relacionados ao processo eleitoral, procuraremos explorar a opinião
manifestada nos editoriais do jornal O Globo
62
desde a fase de pré-campanha até a
62
A análise aqui proposta terá como foco os textos publicados na Coluna Opinião, tradicionalmente publicada
na página 6 do diário carioca. Quando expõe a opinião do jornal sobre determinado assunto, tem-se caracterizado
o gênero editorial, que “expressa a opinião oficial da empresa diante dos fatos de maior repercussão no
momento. [...] A opinião contida no editorial constitui um indicador que pretende orientar a opinião pública.
Assim sendo, o editorial é dirigido à coletividade”. Cf. MELO, Jo Marques de. A opinião no jornalismo
brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1985.
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78
realização do segundo turno, bem como nos fragmentos das entrevistas ao vivo
realizadas com os presidenciáveis no Jornal Nacional.
4.4 A REPORTAGEM DE SERVIÇO E A VALORIZAÇÃO DA POLÍTICA
De início, as particularidades do telejornalismo nos impõem o reconhecimento
do tipo de produto constituído pelas reportagens a serem analisadas. Conforme
definição de Maciel (1995), a reportagem “é a mais complexa e completa forma de
apresentação da notícia na televisão”
63
, com duração maior que os relatos noticiosos
mais simples, am da presença do repórter no vídeo, de um ou mais entrevistados,
imagens e narrativa em off e um apresentador.
No caso da série de reportagens, o gênero tornou-se mais freqüente na te
no início desta cada, com o acirramento da concorrência entre os telejornais. É
um produto que cumpre uma função inovadora ao possibilitar o aprofundamento da
cobertura sobre determinado tema, afastando a crítica que define o telejornalismo
pela sua característica de superficialidade e de ritmo excessivamente fragmentado.
Há, contudo, uma diferenciação do material produzido pela intencionalidade
da mensagem, conforme nos relata Marques de Melo (1985). Nesse aspecto,
considerando a “estrutura controlada” da mensagem pelo veículo, como é o caso
das reportagens que são pensadas e planejadas no interior da instituição jornalística
o que se aplica a uma série de reportagens –, estaríamos diante de uma categoria
63
MACIEL, Pedro. Jornalismo de Televisão. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1995, p.60.
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79
de jornalismo distinta do caráter meramente informativo, que essa se estrutura a
partir de um referencial exterior à instituição. É quando podemos falar no jornalismo
opinativo e seu formato interpretativo, o que se apresenta mais adequado ao
interesse e intenção despertados quando a série de reportagens ocupa o centro do
debate.
Também nos parece apropriada a classificação adotada por Temer (2002),
segundo a qual o material jornalístico de TV pode ser reconhecido a partir dos
seguintes critérios:
a) notícia – em que predomina a informação, o fato jornalístico de interesse
imediato e grande impacto social; b) serviço em que predomina o caráter
orientador ou indicador, voltado principalmente para a formação de
comportamentos; c) interesse humano, que engloba a história de interesse
humano e a história colorida. São matérias aparentemente irrelevantes no
contexto social geral, mas que ganham espaço a partir da curiosidade dos
temas e/ou num possível impacto emocional no telespectador.
64
Segundo as definições acima, a partir do modo de produção envolvido e da
intencionalidade declarada pela TV Globo, no sentido de proporcionar a orientação
do telespectador/eleitor, consideramos apropriada a denominação de reportagem
de serviço” para cada uma das matérias veiculadas no interior das séries exibidas no
Jornal Nacional.
Sobre a metodologia interna adotada pela emissora, o livro-memória do Jornal
Nacional (Jorge Zahar, 2004) também contribui para esclarecer a tomada de decisão
da TV Globo em direção ao aprofundamento da cobertura de alguns problemas
nacionais. A proposta era “colar” a discussão sobre os problemas com o conteúdo
oferecido pelos candidatos nos programas do HGPE, que foram ao ar quando o
noticiário já apresentava a terceira série de reportagens.
64
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa. Notícias e serviços nos telejornais da Rede Globo. Rio de Janeiro:
Sotese, 2002, p. 115.
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80
O livro traz também uma curiosa revelação, ainda que não tenha sido
explicitada junto aos telespectadores: como os temas das reportagens partiram das
estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), era possível ao
eleitor comparar a extensão dos problemas no início e no final dos governos do
PSDB.
[...] as matérias foram feitas com base nos censos do IBGE de 1991 e
2000, comparando a situação do país num ano e no outro e mostrando o
que havia melhorado e o que ainda precisava ser feito. Com aqueles
dados, o objetivo era afastar ao ximo o subjetivismo na avaliação das
políticas públicas, com uma vantagem: se fosse levado em conta o período
em que Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Fazenda de Itamar, as
matérias abrangeriam praticamente os dez anos em que os tucanos
estiveram no poder. Ao fim das reportagens, sempre o eleitor era
estimulado a procurar saber no horário eleitoral obrigatório, que entrava
no ar logo após o Jornal Nacional o que cada candidato pretendia fazer
em cada área abordada: saneamento, saúde, educação, etc.
65
Para o telespectador, o início da exibição das reportagens, em 05.08.2002,
mereceu um recado especial:
Bonner: O Jornal Nacional inicia, hoje, um trabalho especial para ajudá-lo
nessas eleições. Ao longo das próximas nove semanas, os nossos
repórteres vão trazer, todas as noites, retratos atualizados dos maiores
problemas brasileiros. Com os dados oficiais do IBGE, você vai comparar
o tamanho desses problemas no início e no fim da década de 90. E vai
poder avaliar se as propostas que os candidatos vão apresentar no horário
eleitoral obrigatório são capazes de resolvê-los. O Jornal Nacional abre
mais um espaço para as eleições, que se soma à cobertura diária da
movimentação dos candidatos, às entrevistas com eles aqui mesmo, nesta
mesa, e ao debate que será realizado em outubro.
A tabela a seguir apresenta a relação das séries de reportagens exibidas no
Jornal Nacional, seguindo definição temática adotada pela emissora.
65
JORNAL Nacional: a notícia faz história / Memória Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p.361.
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81
TABELA 1
SÉRIES DE REPORTAGENS VEICULADAS NO JORNAL NACIONAL
Séries Reportagens Período Repórter
1- O poder do cidadão
6
(tempo médio: 4’35”) 05/08 a 10/08 Edney Silvestre
2- As contas do governo
6
(tempo médio: 3’50”) 12/08 a 17/08 Tonico Ferreira
3- Concentração de renda
6
(tempo médio: 4’10”) 19/08 a 24/08 Marcelo Canellas
4– Educação e emprego
6
(tempo médio: 4’10”) 26/08 a 31/08 Sônia Bridi
5– Saúde e saneamento
6
(tempo médio: 4’30”) 02/09 a 07/09 Vinícius Dônola
6- Desigualdades Regionais
6
(tempo médio: 3’20”) 09/09 a 14/09 Marcelo Canellas
7– Meio ambiente e grandes
cidades
5
(tempo médio: 3’25”) 16/09 a 20/09 William Waack
8- O valor do voto
5
(tempo médio: 4’10”) 30/09 a 04/10 Ernesto Paglia
9- O poder do presidente
5
(tempo médio: 3’40”) 21/10 a 25/10 Marcelo Canellas
4.5 AGENDA PÚBLICA, ENQUADRAMENTOS E CONTROVÉRSIAS
INTERPRETATIVAS
Feita a classificação preliminar do produto exibido pelo JN, é preciso
estabelecer a definição das ferramentas metodológicas que vão nortear a pesquisa,
incluindo as bases teóricas que lhe darão sustentação. De início, devemos
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82
reconhecer que os produtos deflagrados para a cobertura do Jornal Nacional
encontram relação entre si (as reportagens, os debates, a cobertura do dia-a-dia da
campanha, as entrevistas especiais, a divulgação das pesquisas de opinião, etc) e
tamm junto ao HGPE e nos bastidores da campanha.
As representações contidas em cada um desses produtos implicam a
construção e consolidação de uma agenda pública formatada para o período
eleitoral, mas o exclusivamente durante o seu desenrolar. Por exemplo, a imagem
com a qual um político se apresenta ao telespectador é construída, na mídia, em
momento anterior e de maior duração, precedendo mesmo a fase de pré-campanha.
O mesmo ocorre em relação aos temas que merecerão a atenção durante a disputa,
com a ressalva para os acontecimentos inesperados, de grande impacto, cujo
desdobramento tem reflexo na vida social. Assim, o destaque conferido a
determinada temática terá maior ou menor tratamento em função do nível de
reconhecimento daquela problemática junto à audiência, o que se costuma aferir,
freqüentemente, pelas pesquisas de opinião.
Podemos afirmar, portanto, que esse amplo espectro de representações,
criado - ou reforçado - por ocasião do processo eleitoral, deflagra o que chamamos
da disputa em torno da interpretação da realidade, cujo ambiente de visibilidade na
esfera pública, a partir do modo pelo qual a sociedade moderna se estrutura, será o
campo midiático. Tal fenômeno de conformação dos temas que vão dominar os
debates tem origem, assim, na construção dessa agenda pública, muitas vezes
resultante do embate entre a agenda partidária, a governamental, a corporativa, a de
setores organizados da sociedade e a da imprensa, daí porque a controvérsia é um
elemento encontrado em quase todos os temas. Uma boa indicação desse processo
é a confrontação da agenda do Jornal Nacional com a agenda dos partidos e seus
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83
candidatos, via HGPE, embutida na proposta das séries de reportagens, o que
demonstra o interesse das Organizações Globo pela disputa das controvérsias
interpretativas que estiveram presentes em 2002.
Para refletir sobre esse aspecto, dois conceitos importantes com os quais nos
deparamos são os de agendamento, ou agenda setting, e o enquadramento de
mídia e política, ou freming. No primeiro caso, a disputa envolve a formatação da
agenda blica do período, referência que se ao questionamento “sobre o que” o
público vai pensar, ou seja, quais os temas estarão em destaque nessa agenda. A
base conceitual está nos estudos de Bernard Cohen (1972, apud PORTO, 2004,
p.76) para quem “a mídia pode não ter muito sucesso em dizer às pessoas o que
pensar, mas seria muito eficiente em determinar sobre o que as pessoas devem
pensar”. Por sua vez, o enquadramento de mídia e política pretende sublinhar o
“como”, e a partir de quais atributos” um tema alcançará significado para o público,
considerando a disputa das controvérsias que o envolvem.
Porto (2004), em ensaio sobre o conceito, explica que o enquadramento
busca superar o paradigma da objetividade, atuando como um complemento à
hipótese do agenda setting. Isso ocorre por extrapolar a idéia de que o efeito do
agendamento se daria apenas pela proeminência do objeto (primeiro nível de efeito),
ou seja, ‘sobre o que’ o público pensa. Segundo Porto, o enquadramento trata de
um segundo nível de efeito, que valoriza a proeminência de atributos do objeto,
procurando esclarecer ‘como’ o público pensa sobre esses temas. Mesmo sem uma
definição consensual sobre os enquadramentos, o pesquisador identifica na
formulação de Entman (1994) o abrigo de seus principais aspectos:
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84
“O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar
significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los
mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma
definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação
moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito”.
66
Existe, portanto, uma atuação clara dos operadores dos meios de
comunicação, de organização do discurso por operações de seleção, ênfase e
exclusão, e que, na perspectiva explorada por Porto, acabam por construir uma
determinada interpretação dos fatos. Na discussão conceitual da notícia é correto
afirmar que ela não constrói a realidade, segundo a idéia amplamente difundida,
mas o faz a partir da imposição de um enquadramento. É nesse sentido que
pesquisadores do tema consideram ultrapassado o enfoque tradicional da relação
entre mídia e política, segundo a noção de objetividade aqui entendida como o
impedimento de que valores e ideologias interfiram no relato dos fatos –, ou mesmo
a noção de imparcialidade, que tenderia a evitar que os meios de comunicação
favoreçam a um grupo, partido ou candidato.
Tais paradigmas estariam em declínio, sob essa lógica, diante do argumento
de que o conteúdo produzido pela mídia pode dar margem a um papel político e
ideológico importante, agora não mais ligado à existência ou ausência da
objetividade e da imparcialidade, mas de como esse conteúdo vai refletir uma matriz
ideológica limitada, composta por um conjunto de regras e conceitos que são
ativados pelos jornalistas, nem sempre de forma consciente e sem,
necessariamente, existir uma intenção deliberada de iludir ou manipular.
Porto cita como referência o trabalho do sociólogo William Gamson, a partir
dos anos de 1980, que ofereceu um relato sofisticado da relação entre os
66
PORTO, Mauro. Enquadramentos da dia e política. In: RUBIM, Antônio Albino (Org.). Comunicação e
política: conceitos e abordagens. Salvador: EDUFBA, 2004, p. 82.
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85
enquadramentos da mídia e a cultura política. O argumentado central da pesquisa
parte da premissa de que todo tema político tem uma cultura, ou seja, um discurso
que se modifica no decorrer do tempo e que apresenta interpretações e significados
sobre fatos relevantes. Na maioria desses temas, existem ‘pacotes interpretativos’
que competem entre si. No centro de cada pacote, está o enquadramento, definido
como ‘uma idéia organizadora’, que atribui significados específicos aos eventos,
tecendo uma conexão entre eles e definindo o caráter das controvérsias políticas. De
acordo com essa perspectiva, os temas políticos o caracterizados por uma disputa
simbólica sobre qual interpretação irá prevalecer.
O reconhecimento dessa premissa nos leva ao processo de classificação dos
diferentes tipos de enquadramento de mídia. Ainda com base no estudo de Porto,
vamos nos ater aos dois modelos principais, visto que nos atendem plenamente em
nossa proposta metodológica. Falamos dos enquadramentos noticiosos e
interpretativos. Nos primeiros, estariam contemplados padrões de apresentação,
seleção e ênfase utilizados por jornalistas para organizar seus relatos. No jargão dos
jornalistas, esse seria o ‘ângulo da notícia’, o ponto de vista adotado pelo texto
noticioso que destaca certos elementos de uma realidade em detrimento de outros.
O pesquisador destaca que uma característica importante dos enquadramentos
noticiosos é o fato de que eles são o resultado das escolhas feitas por jornalistas
quanto ao formato das matérias, escolhas estas que têm como conseqüência a
ênfase em determinados aspectos de uma realidade percebida.
os enquadramentos interpretativos, são aqueles deslocados do relato
meramente noticioso e, portanto, estariam mais próximos do nosso entendimento de
que as reportagens especiais do Jornal Nacional nos remetem ao jornalismo
opinativo, no formato interpretativo. Essa definição é apoiada na própria discussão
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86
conceitual que Porto faz acerca dos enquadramentos interpretativos, que ele vê
como promotores de
[...] uma avaliação particular de temas e/ou eventos políticos, incluindo
definições de problemas, avaliações sobre causas e responsabilidades,
recomendações de tratamento etc. Essas interpretações são promovidas
por atores sociais diversos, incluindo representantes do governo, partidos
políticos, movimentos sociais, sindicatos, associações profissionais.
Embora os jornalistas também contribuam com seus próprios
enquadramentos interpretativos ao produzir notícias, esse tipo de
enquadramento tem origem geralmente em atores sociais e políticos
externos à prática jornalística.Trata-se aqui de interpretações oriundas de
um contexto mais amplo que podem ser incorporadas ou não pela mídia”.
67
O modelo proposto encontra especial relevância nos períodos eleitorais, uma
vez que o processo político dispara um mecanismo de disputa intensa sobre qual
interpretação dos fatos e temas relevantes da política irá prevalecer. Aqui nos cabe
destacar o papel que a mídia exerce nessa disputa, seja por privilegiar os
enquadramentos interpretativos de alguns atores, seja por marginalizar ou excluir
pontos de vista considerados alternativos.
Assim, seja na seleção e destaque dos atributos contidos em um relato do
tipo noticioso, seja na avaliação e diagnóstico em busca de soluções para problemas
e apontamento de responsabilidades, próprios dos enquadramentos interpretativos,
os meios de comunicação exercem um papel muito mais decisivo do que aquele
preconizado nos paradigmas da objetividade e da imparcialidade.
É a partir desse suporte teórico-metodológico que consideramos oportuna a
investigação sobre os enquadramentos adotados pelo Jornal Nacional,
principalmente diante da perspectiva de que isso nos ajude a encontrar respostas
para questões como:
67
Ibid., p. 92.
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87
1 Qual é a imagem da política com a qual a TV Globo opera? 2 - O que a
emissora apresenta como negativo na vida nacional? 3 A partir de que defesas de
posições ideológicas ela constrói o modelo de país que ajuda a propagar?
Os questionamentos aqui apresentados recomendam uma ação investigativa
que possa confrontar as reportagens especiais exibidas com outros produtos
abrigados na mesma estrutura do telejornal ou em outros veículos das Organizações
Globo, como a Coluna Opinião, publicada no jornal O Globo, onde estão dispostas
as posições da empresa jornalística acerca dos temas em relevância na agenda
pública.
É quando surgem outros questionamentos subjacentes ao nosso problema de
pesquisa: 1 - Em que medida os enquadramentos realizados nas reportagens
especiais sobre as eleições, como elemento interpretativo de uma certa realidade,
acompanham os enquadramentos noticiosos presentes na abordagem sobre as
matérias que tratam da política desde a fase de pré-campanha, aqui produzidas na
gica da objetividade jornalística? Ou, de outra forma, a representação da política
que ganha relevância ao longo das reportagens especiais contradiz ou reforça a
imagem da política com a qual o telejornal trabalha ao longo dos meses? Mais ainda:
2 - De que forma a imagem da política e dos políticos aparece, e é contraposta, no
momento em que o telejornal recebe os candidatos em sua bancada para a
realização de entrevistas ao vivo? 3 - Como aparecem as disputas pelas
controrsias interpretativas? 4 - Elas recebem tratamento diferenciando entre as
séries de reportagens especiais e os editoriais do jornal? 5 - Os candidatos
conseguem interferir nas controvérsias levantadas e destacadas na mídia? 6 - Que
agenda predomina com o formato de debate proposto?
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88
4.6 TEMAS EM DESTAQUE NA AGENDA DO JORNAL NACIONAL
Na análise dos temas que se destacaram nas nove séries de reportagem
veiculadas no noticrio, procuramos identificar a freqüência com a qual cada
assunto apareceu ao longo das 51 matérias investigadas. A exemplo da informação
que demonstra a ampliação do espaço destinado à cobertura da eleição (de 4,6%
para 29,6%), também aqui uma maior freqüência do tema representa a atribuição de
uma valoração maior para ele. Outra observação vai para o fato de que, em uma
mesma reportagem, era freqüente o tratamento de mais de um tema.
A tabela a seguir reflete os temas que foram identificados nas reportagens,
cuja nomeação coube ao pesquisador, e a freqüência com a qual eles apareceram.
Ao apresentá-los para fim de análise, aproveitamos para destacar os atributos que
foram evidenciados, bem como as controvérsias interpretativas que aparecem
destacadas, seja nas fases de prodão e edição das reportagens, seja no momento
de sua apresentação.
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89
TABELA 2
TEMAS EXPLORADOS NO JORNAL NACIONAL
Temas Freqüência nas
reportagens
% Posição
Mazelas sociais e
desigualdades 37 72,5%
Gestão pública 29 56,8%
Política e cidadania 26 50,9%
Economia e negócios 12 23,5%
Corrupção e problemas éticos 8 15,6%
Problemas urbanos 3 5,8%
Meio ambiente 1 1,9%
Ressaltamos que a definição dos atributos e da sua freqüência partiu da
análise direta de cada uma das reportagens, com orientação voltada para capturar o
diagnóstico das questões colocadas, a busca de soluções para o problema e o
apontamento de responsabilidades, ações que estiveram sob controle da equipe do
Jornal Nacional, sejam a partir da referência fornecida por dados estatísticos ou da
análise de especialistas, aqui tomadas de empréstimo pelos jornalistas.
De todo modo, a fixação dessas posições contempla a adoção do modelo de
enquadramento do tipo interpretativo. O seu lado operacional é constituído da
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90
seleção de aspectos de uma realidade percebida para fazê-los mais salientes no
texto comunicativo, conforme definição que vimos. A partir dessa proposta
metodológica, cada tema apresentou níveis diferenciados de informação, cuja
investigação resulta da aplicação de questionamentos livres que deixam
transparecer o tratamento do tema pela emissora. De um modo geral, tivemos sete
“fontes diferentes de informação (uma para cada tema), com questionamentos que
variavam de acordo com a abordagem, perfazendo um total de 109 atributos
diferentes ao longo das 51 reportagens.
Para efeito de exemplificação dessa análise de conteúdo que realizamos,
tomamos a seguir a investigação do tema política e cidadania, conforme tabela que
expõe, de forma ilustrativa, a relação dos temas com os atributos, a partir dos
questionamentos que fizemos sobre o produto divulgado pelo telejornal.
TABELA 3
RELAÇÃO TEMA X ATRIBUTOS
Tema: política e cidadania Atributos
68
identificados nas reportagens
Questionamento 1
Qual característica da política sobressai
nas reportagens?
É universalista
Transforma a realidade
Serve a grupos de interesse
É usada em benecio do indivíduo
Questionamento 2
Qual característica da democracia
sobressai nas reportagens?
Representativa
Eficiente
Ineficiente
Direta
Indireta
Participativa
68
Alguns dos atributos listados foram nomeados a partir do sentido conferido pelo telejornal aos aspectos que
estiveram em evidência no tratamento do tema, o representando, portanto, uma definição conceitual clássica
sobre esses atributos. Na falta de clareza sobre o significado que a emissora aplicou a determinado atributo,
achamos por bem indicar que a resposta ao questionamento ‘não aparece’. Os dados obtidos na análise do tema
política e cidadania estão na tabela 6 (p. 109).
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91
Questionamento 3
Qual modelo de cidadania sobressai
nas reportagens?
Exercida coletivamente
Exercida Individualme
Não é praticada
Questionamento 4
Qual a imagem do Estado que
aparece?
Inoperante
Moderador
Intervencionista
Atuante
Questionamento 5
Como a presença dos movimentos
sociais é tratada?
Valorizada
Desvalorizada
Não aparece
Questionamento 6
Como a presença da classe econômica
é tratada?
Valorizada
Desvalorizada
Não aparece
Questionamento 7
Qual característica é atribuída ao
cidadão?
Consciente
Crítico
Desinformado
Alienado
Questionamento 8
Como a participação do cidadão na
política é tratada?
Valorizada
Desvalorizada
Não aparece
4.6.1 ANÁLISE DO TEMA MAZELAS SOCIAIS E DESIGUALDADES
A liderança para o tema mazelas sociais e desigualdades (72,5%) não chega
a constituir uma surpresa. É natural que, nas agendas que envolvam o embate
eleitoral, os problemas nas áreas sociais, e que trazem conseqüências para as
condições de vida de milhões de brasileiros, ganhem atenção. Ademais, essa
cobertura temática sempre foi explorada pelos meios de comunicação, como sinal de
reconhecimento pela sua força como atributo de noticiabilidade
69
.
69
A noticiabilidade de um relato jornalístico contempla uma rie de critérios que fazem esse relato ser mais ou
menos atraente para o público. Wolf (1995) estabelece o que chama de valores-notícia, que são qualidades
atribuídas ao acontecimento que permitem a ele ser incluído na lista dos noticiáveis. Dentre essas qualidades,
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92
TABELA 4
ESTATÍSTICAS DOS ENQUADRAMENTOS
TEMA 1 – MAZELAS SOCIAIS E DESIGUALDADES
Tema
Mazelas
Sociais
37 (51)
72,5%
Posição
Responsável
pelos
problemas
sociais
Governo
(18)
35,2%
Sociedade e
sua estrutura
(18)
35,2%
Estado
(9)
17,6%
Raízes
históricas
(8)
15,6%
Corrupção
(5)
9,8%
Mercado
(3)
5,8%
Globalização
(1)
1,9%
Capitalismo
(0)
0%
De onde viria
a solução?
Política
(26)
50,9%
Governo
(13)
25,4%
Sociedade
(9)
17,6%
Combate à
corrupção
(4)
7,8%
Economia
(4)
7,8%
Alguns
problemas
relatados
Descrédito
na política
(4)
Desemprego
(4)
Concentração
de renda
(4)
Violencia
(3)
Miséria
(1)
Pobreza
(1)
Trabalho
infantil
(1)
Baixa
qualificação
(1)
No entanto, descendo a um segundo nível da análise (tabela 3), observamos
a divisão da responsabilidade pelo problema entre o ‘governo’ (35,2%) e a
sociedade e sua estrutura’ (35,2%), o que aparece reposicionado com a
responsabilização do ‘Estado’ (17,6%).
A corrupção’ (9,8%) é menos freqüente do que as ‘raízes históricas’
(15,6%), embora alcance uma maior visibilidade a partir dos enquadramentos
oferecidos pelo Jornal Nacional. Esse destaque pode ser observado ao longo do
estão o número de pessoas envolvidas, história de interesse humano, situações insólitas, interesse nacional,
marco geográfico, atualidade, e a notícia de serviço, que se torna atraente pelo interesse que desperta diretamente
no público.
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93
noticiário de todo o ano de 2002, com ponto alto na exibição, entre 25 de fevereiro e
2 de março, da série de reportagens O mal da corrupção” , em que foi apresentado
um diagnóstico do problema, da contaminação das diversas instâncias de poder e
do oferecimento da ‘solução’ para o seu combate
70
. No enquadramento interpretativo
que foi privilegiado pelo JN, a corrupção é, essencialmente, um problema do Estado,
porque está entranhada na máquina pública. Abaixo, três fragmentos da série:
Repórter - Transações ocultas. Golpes calculistas. Cifras milionárias
sumindo no ralo dos trambiques. Funcionários desonestos. Quadrilhas de
colarinho branco. A prática sorrateira da corrupção não causa
indiferença.
(entrevistada) - "A minha tristeza é muito grande quando eu vejo isso".
Repórter - Nem campeão. Nem lanterna. No campeonato mundial da
honestidade, o Brasil ocupa o meio da tabela. É o 46º na lista da
transparência internacional, uma entidade que mede a percepção dos
habitantes de 90 países sobre a corrupção. Perdemos, por exemplo, para
Uruguai e Peru. Ganhamos do México e da Argentina.
(entrevistado) um país com notas intermediárias, um aluno medíocre.
Não é a turma do fundão, não é um péssimo aluno, mas é um aluno nota
cinco numa escala de um a dez".
Repórter - Cristais chamando energia positiva, Nossa Senhora da
Aparecida e um terço sempre a postos. É o gabinete da ministra
encarregada de caçar corruptos. são mais de quatro mil processos
envolvendo funcionários acusados de corrupção [,,,] (JN 25/02/02 pré-
campanha)
.......................................................
Repórter - Um empresário quer ganhar uma concorrência. Um funcionário
corrupto quer ganhar uma comissão. É o que basta para a proposta
indecente.
(entrevistado/empresário) "Ele falou: 'você não ganha porque não quer.
Então você aumenta 20% no preço e você vai ganhar'. Olha, foi o próprio
funcionário de um ministério, a gravidade!".
Repórter - Quase nunca é assim tão direto. A propina tem os seus
códigos.
(entrevistado/funcionário) "Aquela palavrinha: uma cerveja, um troco".
(entrevistado/empresário) "'Gostaria que você me pagasse uma água
mineral'. Eu fiquei mais envergonhado do que ele. Mas nunca paguei
propina a quem quer que fosse. Sou contra por princípio" [,,,] (JN
26/02/02 – pré-campanha)
70
Foram ao todo seis reportagens especiais, com os seguintes títulos: 1- O mal da corrupção (25/02/02); 2- As
famosas propinas (26/02/02); 3 - O preço da corrupção (27/02/02); 4 Corrupção na polícia (28/02/02); 5
Cidadãos cobram honestidade (1º/03/02); 6 Como acabar com a corrupção (02/03/02). No dia de março,
quando da veiculação da 5ª reportagem, o tratamento do tema ganhou um ‘reforço no noticiário do JN. Naquele
dia, foi noticiada a operação da Polícia Federal na empresa do marido da pré-candidata Roseana Sarney (PFL),
cobertura que seria mantida ao longo de 43 dias e que teve grande impacto na configuração do quadro eleitoral.
No dia 13 de abril, sob forte desgaste de imagem, a governadora desistiu de disputar a presidência da República.
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94
............................................................
Repórter - A ministra encarregada de caçar funcionários corruptos tem
trabalho até em casa, no fim de semana. Mas comemora.
(entrevistada/ministra) "No ano passado todo, em dez meses, recebemos
1.673 denúncias dos cidadãos em geral. Nesses dois meses apenas, já
recebemos 713. A corrupção hoje não é aceita como era aceita há tempos
atrás, há uma década atrás".
Repórter - No Congresso, existem 29 propostas de combate à corrupção.
A maioria sugere mudanças no Código Penal. São projetos que propõem,
por exemplo, um aumento da pena máxima, de 8 anos para 16 anos de
cadeia e transformam a corrupção em crime hediondo, sem direito a prisão
especial e redução da pena.
(entrevistado/senador) "Eu acho que a corrupção é um câncer na
administração pública que precisa ser eliminado. O responsável pela
corrupção maior é o crime de impunidade. Precisamos punir os
responsáveis" [,,,] (JN – 02/03/02 – pré-campanha)
Outro dado da análise é o fato de que, na abordagem das mazelas sociais e
desigualdades, a responsabilização feita pelo Jornal Nacional do ‘mercado (5,8%)
e da ‘globalização’ (1,9%) representam os menores percentuais. Nessa mesma
direção, o ‘capitalismo’ (0%) sequer aparece mencionado nas reportagens. Há,
portanto, uma ausência de exploração das chamadas contradições do modelo nas
séries de reportagem.
Se não aparece no debate que a emissora se dispõe a fazer por ocasião do
processo eleitoral, a discussão em torno do modelo econômico apareceria meses
antes da campanha, ainda que em uma cobertura pontual de um evento, quando da
realização do Fórum Econômico Mundial, em Nova York. O destaque foi para os
resultados de uma pesquisa que apontava o receio da população de vários países
quanto aos aspectos negativos da globalização, portanto abordagem pertinente para
a discussão das mazelas sociais e desigualdades.
Repórter - O Fórum Econômico Mundial divulgou hoje uma pesquisa que
ouviu 25 mil pessoas em 25 países, entre eles o Brasil. A pergunta principal
foi: a globalização melhorou a sua vida e a da sua família? A maioria,
inclusive no Brasil, respondeu que sim. Mas a pesquisa também revela o
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95
temor de que a globalização cause mais desemprego, mais pobreza, e
destruição do meio-ambiente. Doug Miller, o responsável pela pesquisa,
disse que, no Brasil, apenas uma em cada quatro pessoas é contra a
globalização. Mas, entre os brasileiros, 54% acham que a globalização vai
aumentar a pobreza; 53% acreditam que ela vai piorar o meio-ambiente e
59% disseram que a globalização é melhor para os países ricos. A maioria
dos entrevistados, em todo o mundo, apóia manifestações de protesto
pacíficas que pedem mudanças no processo de globalização [,,,] (JN
1º/02/02 – pré-campanha)
A visualização desses dados permite uma primeira conclusão, que é a de que
fica demonstrada uma postura da TV Globo no sentido de reconhecer as
contradições do modelo não como algo gerado por ele, mas pela deficiência do
próprio Estado. No questionamento seguinte, sobre de onde viria uma solução para
essas mazelas sociais e desigualdades, o agente que aparece como o segundo
mais lembrado é justamente o governo’ (25,4%), o que poderia se interpretado
como uma contradição, em função da essência do próprio pensamento liberal, que
não prioriza uma solução política a partir do Estado.
Contudo, na defesa da seletividade daqueles que devem ser capacitados para
governar, um aspecto do liberalismo político, transparece a exigência de que o
Estado precisa ser melhorado, o que contempla a concepção de uma democracia
moderna em seu modelo de representação, conforme encontramos em Bobbio
71
. E
isso passa pela ‘política’, não por acaso apontada como a responsável pela solução
das mazelas sociais e desigualdades em metade (50,9%) das reportagens que
analisamos (tabela 4, p.92).
Há, portanto, um subtexto na análise das responsabilidades para a solução
dos problemas. Ele apresenta o Estado como problema, inclusive como obstáculo
71
O autor lembra que liberais clássicos como John Stuart Mill e James Madison refletiram sobre o governo
representativo, defendendo que a delegação da ação do governo a um pequeno número de cidadãos de provada
sabedoria tornaria “menos provável o sacrifício do bem do país a considerações particularistas e transitórias”
(MADISON, apud BOBBIO, 2006, p.35). Cf. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo:
Brasiliense, 2006.
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96
para as melhorias das condições de vida em sociedade, sendo freqüente, aliás, a
imagem do governo como instância que trava a economia de mercado, essa
caracterizada por sua eficiência, enquanto o Estado permanece atrasado e
inoperante. É o que encontramos na tabela 5 (p.105), quando a imagem que
sobressaí nas ries de reportagens do JN é de um Estado inoperante (19,6%),
presente em 10 das 51 reportagens.
Mesmo na apresentação do atributo ‘corrupção’, a abordagem privilegia a
prática centrada nos agentes públicos, o que reduz o tratamento do tema pelo
esvaziamento do papel que caberia ao agente corruptor, muitas vezes alguém fora
das fileiras do Estado. É possível, ainda, apontar uma contradição nesse
esvaziamento do peso do modelo de globalização e da economia de mercado
quando o telejornal discute o desemprego estrutural. A abordagem que apresenta
desemprego e modelo econômico como coisas distintas, sem correspondência, fica
clara quando analisamos uma reportagem veiculada ali mesmo no Jornal Nacional,
em 29 de agosto. O cenário: um bairro inteiro do ABC paulista está desempregado.
Os trabalhadores, substituídos pelas máquinas, assumem a culpa por não terem se
aperfeiçoado para ocupar os postos de trabalho que subsistiram ao processo de
reestruturação produtiva. A abordagem do JN apenas reforça esse diagnóstico.
Repórter - Na fábrica do culo XXI, o carro se monta sozinho. A precio
autômata aumentou a produtividade, baixou custos. Hoje, a montadora
produz mais carros com apenas a metade dos empregados que tinha há
dez anos. Um choque para o ABC Paulista, onde se formava uma classe
média operária.
(entrevistado) Meus colegas perderam o bonde do tempo. Acharam que
ia ser eternamente aquilo e que aquilo ia valer para o resto da vida deles.
Não procuraram se atualizar e agora pagam o preço”.
(e o repórter finaliza)
O Brasil precisa enfrentar um desafio - não deixar de fora do bonde da
história do século XXI quem construiu a riqueza do século XX. (JN-
29/08/02)
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97
O descolamento do problema do desemprego em relação ao processo
histórico que resultou na constituição de uma forte classe operária no ABC, onde se
localiza o berço da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e do PT (Partido dos
Trabalhadores) é outra ausência notada. Em parte, essa deficiência pode ser
explicada pelo próprio esvaziamento da abordagem do noticiário sobre a
participação do movimento social na política, o que constatamos na análise desse
atributo (tabela 6, p.109). Aqui essa participação não aparece em 15,6% das
reportagens, superando o atributo onde ela é valorizada’, presente em 11,7% dos
textos.
A falta desse estímulo contrasta com o fato da participação do cidadão na
política ser valorizada’ em 29,4% das reportagens especiais analisadas (idem), o
que permite a conclusão de que, para a TV Globo, a audiência que deve ser
estimulada a participar da política é a do cidadão tomado em sua individualidade,
sem ênfase na perspectiva de participação coletiva, própria da natureza dos
movimentos sociais.
Ainda nesse item, o destaque da ‘política’ (50,9%) (tabela 4, p.92) para a
solução das mazelas e desigualdades vem confirmar o posicionamento da emissora
quanto a estimular o telespectador para participar do processo eleitoral, sobretudo a
partir do conhecimento e da crítica aos programas dos candidatos. A seguir, um
fragmento dessa postura:
Repórter: O país inteiro perde com a corrupção, mas os mais pobres, que
não têm como recorrer aos serviços privados, são os mais prejudicados.
Como encontrar formas eficazes de combatê-la é um tema que deve ser
procurado nas campanhas de todos os que querem se eleger este ano:
deputados, senadores, governadores, presidente. (JN - 15/08/02)
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98
Há, contudo, temas mais complexos, cuja recomendação para o eleitor vem
em forma de alerta e desconfiaa, geralmente acompanhada por uma sentença
quase definitiva que transfere para as raízes históricas a dificuldade de alteração do
cenário em questão, pelo menos no curto prazo. É o enquadramento encontrado,
por exemplo, em subtemas como concentração de renda e desigualdades regionais.
Repórter - As desigualdades regionais, no Brasil, são herança da
concentração de renda. Um problema que cresceu ao longo de cinco
culos de história e que precisará de muito mais do que quatro anos de
mandato para ser resolvido - seja quem for o próximo presidente que se
dispuser a enfrentá-lo. (JN – 09/09/02)
................................................
Fátima Bernardes - No Brasil, pouca gente ganha muito e muita gente
ganha pouco há séculos. Nestas eleições, todos os candidatos prometem
combater essa injustiça - e isso é ótimo. Mas não é novo. Desde que o
Brasil virou República, quase 113 anos, os pretendentes a cargos
públicos sempre declararam esse objetivo. Uns com mais sinceridade,
outros com menos. Por isso, fique atento e desconfie se algum candidato
prometer acabar em quatro anos com um problema de cinco séculos. (JN –
20/08/02)
.................................................
Repórter - (sobre a concentração de renda) O nosso passado
escravocrata, a ganância das oligarquias, modelos econômicos que
preferiam fazer o bolo crescer pra depois dividir fatias de riqueza que
nunca foram divididas. Causas históricas e estruturais. Não se resolvem do
dia pra noite. Nem no espaço de um governo. consenso entre os
especialistas: a sociedade inteira precisa arregaçar as mangas. (JN
19/08/02)
Essa postura do telejornal levanta questionamentos que nos parecem bem
representativos, sendo o principal deles relativo a uma abordagem mais mida no
tratamento de uma temática tão representativa dos problemas nacionais. É possível
observar um prognóstico conservador do JN para o trato dessas questões, pelo
menos diante do desafio do eleito em buscar a solução para tais problemas.
Prevalece, no entanto, a orientação para que o eleitor não ‘compre’ falsas
promessas, pois elas não deverão se confirmar.
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99
É possível observar tamm que a emissora procura um novo
posicionamento em relação ao seu passado, sobretudo na inovadora crítica que faz
às oligarquias
72
e aos governos militares. Quanto a esses, de quem as
Organizações Globo foram bastante próximas, chega a soar deslocada a crítica aos
modelos econômicos que buscaram fazer o bolo crescer para depois dividi-lo,
máxima cunhada pelo ex-ministro Delfim Netto, ocupante das pastas da fazenda e
planejamento durante o chamado “milagre” econômico brasileiro (1968/73).
Em alguns temas mais polêmicos, a abordagem do noticiário sugere que a
solução pode advir de outras áreas. É o caso da concentração de terra, cuja solução
poderia ser buscada na educação. Não que ela possa resultar em um processo de
redistribuição, mas como uma alternativa às famílias submetidas ao modelo de
concentração das propriedades, o que também demonstra uma visão acomodada
diante do problema, pois a proposta sequer é aprofundada, e se perde no discurso
das fontes entrevistadas e dos funcionários da mídia.
Repórter - Uma cidade no meio do canavial.
(entrevistado) "Todas essas propriedades são de uma única pessoa.
existe um patrão. Tem duas classes: a rica e a pobre. Não existe classe
média em Branquinha".
Repórter - Um estudo da Universidade Federal de Alagoas sobre os
números do IBGE detalhou a zona da mata de Alagoas, onde fica a cidade
de Branquinha. Uma região de chuva farta, muitos rios e terra fértil.
Justamente ela, a recordista em concentração de renda, doenças e
analfabetismo.
(entrevistado) "Educação é um instrumento - no nosso estado
poderosíssimo que pode quebrar essa lógica de concentração de renda e
de coronelismo, no sentido de construirmos uma sociedade que tenha uma
classe média importante, uma sociedade saudável e que tenha uma
pobreza que seja cidadã", garante o pesquisador da Universidade Federal
de Alagoas.
72
A condição de maior grupo representado no oligopólio das empresas de dia do país, conforme acentuamos
no Capítulo III, não é reconhecida pelas Organizações Globo, que prefere destacar a sua característica de
empresa moderna e socialmente responsável, inclusive para efeito de sua transformação em uma arena
privilegiada do debate político.
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100
Fátima - A palavra educação é a chave. Porque oferece a quem estuda
outras possibilidades, outras perspectivas. Mas educação exige
investimentos. E investimentos exigem disponibilidade de dinheiro. Em um
cenário em que candidatos prometem mundos e fundos, é preciso verificar,
na lista de prioridades deles, em que posição está colocada a educação.
(JN – 22/08/02)
O tratamento do tema da concentração de terra passa ao largo da discussão
sobre a reforma agrária, inclusive quanto às manifestações do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e a postura de enfrentamento que este
adotou frente ao governo federal. No mesmo ano de 2002, no entanto, o movimento
foi presença constante no Jornal Nacional
73
, quando se noticiou a ocorrência de
saques a caminhões carregados com alimentos no Nordeste, duas pries de José
Rainha Júnior, um dos líderes do MST, e a notícia de maior repercussão, que foi a
ocupação da fazenda do presidente Fernando Henrique Cardoso, em Buritis, interior
de Minas Gerais. A ação aconteceu no dia 23 de março e motivou a prisão de 16
integrantes do movimento por oito dias. Ela foi considerada um ato de terrorismo
pelo governo, enquadramento reproduzido em grande parte dos veículos de
imprensa.
No Jornal Nacional, a postura de criminalização do MST foi predominante,
sendo que, no noticiário sobre a invasão da fazenda do presidente, houve a ligação
entre o movimento social e o Partido dos Trabalhadores, associação feita pelo
ministro da Justiça Aloísio Nunes Ferreira e rebatida pelo PT, em nota oficial. O
fragmento abaixo, ainda na fase de pré-campanha, dá a exata dimensão política que
o episódio alcançou.
(entrevistado) (ministro Raul Jungmann – Desenvolvimento Agrário) Eu
quero descaracterizar qualquer relação entre este ato e a pauta do MST.
73
Entre os meses de março e setembro, foram exibidas 14 matérias relacionadas às ações do MST, com destaque
para as invasões, os saques no Nordeste e as dencias de desvio de recursos públicos nos assentamentos.
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Não se trata de um ato de cunho social, nem de questão fundiária. [...] É
um ato de terrorismo.Todos os brasileiros tiveram, simbolicamente, as suas
casas invadidas, ocupadas e violadas".
Repórter - Depois de oito horas da ocupação da fazenda, o Palácio do
Planalto anunciou a reação do governo. Além dos 40 agentes da Polícia
Federal que estão no local, foram mandados mais 260 homens, entre
agentes federais e soldados do Exército. A família do presidente Fernando
Henrique Cardoso conseguiu, na justiça, um mandado de manutenção da
terra que, se for preciso, se cumprido com ajuda de força policial. [...] Em
São Paulo, o ministro da Justiça, Aluísio Nunes, falou de manhã da ação
dos sem-terra. Foi a única autoridade federal a sublinhar as relações entre
o MST e o PT.
(entrevistado) (ministro Aluísio Nunes – Justiça) "Existe uma ligação muito
íntima entre o MST e o PT. Todo mundo que conhece a atualidade
brasileira sabe que uma relação íntima entre o partido político e esse
movimento e espero que o PT desautorize esse tipo de violência".
Repórter - Em nota oficial, o PT repudiou as declarações do ministro da
Justiça. "O PT quer uma solução pacífica, dentro da Constituição, não
concorda com ocupação de propriedade produtiva. Quem fez essa
ocupação foi o Movimento dos Sem-Terra, o PT o foi consultado, nem
deveria ser, e também não foi avisado. E espera que haja negociação,
desocupação da fazenda e uma solução pacífica dentro da lei", declarou o
presidente do PT, José Dirceu. Na nota, o PT disse ainda que a declaração
do ministro da Justiça é uma tentativa inaceitável de politizar e fazer
exploração eleitoral com uma questão social que deve ser tratada com
responsabilidade.
No tópico mazelas sociais e desigualdades chama a atenção a ausência de
uma abordagem mais detalhada para o problema da violência urbana, cuja
complexidade justificaria a realização de uma série específica. Esse vazio fica ainda
mais evidente se observarmos a reincidência do tema na pauta do JN no período
pesquisado. Ele coincide com o momento da prio do traficante Elias Maluco,
responsável pela morte do jornalista Tim Lopes, repórter da TV Globo, no complexo
de favelas do Alemão. Na data da prisão, uma quinta-feira, dia 19.09.02, o telejornal
dedicou quatro dos seus cinco blocos ao assunto, com destaque para a eficiência da
polícia e o que chamou de vitória da sociedade sobre o crime. Um editorial, de
presença incomum no JN, deu o tom da cobertura, como demonstra o trecho abaixo:
Bonner (editorial) A prisão de Elias Maluco foi uma vitória da polícia que
o Brasil deseja: a vitória de uma polícia que entende como legítima a
pressão por resultados, mas que não toma medidas precipitadas - e quase
sempre de eficácia duvidosa - apenas para tentar conter o clamor popular.
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102
A vitória de uma polícia que aceita a crítica como construtiva, e não como
fruto de uma luta política, que não há: porque o que todos desejam é a
derrota do crime. A vitória de uma polícia que prefere investigar em
silêncio, usando modernamente as técnicas de inteligência, e evita
medidas apenas cosméticas, mas de grande impacto. Às vezes com o
custo da impopularidade [...] Elias Maluco é somente um numa multidão. É
preciso agora continuar a dar sinais claros ao crime de que não haverá
trégua. A luta será contínua, dura e difícil, mas contará sempre com o apoio
da população. Porque é sempre bom poder dizer que o crime não
compensa. Que isso não é apenas um ditado popular. É uma verdade. (JN
– 19/08/02)
Na mesma edição, o encerramento do telejornal ficou a cargo de uma
reportagem que relatava o medo do cidadão diante da escalada da violência. Era
uma matéria isolada sobre a criminalidade, dentro da série de reportagens Meio
Ambiente e Grandes Cidades, o que demonstra a diluição da temática da violência
na proposta inicial de discussão dos principais problemas do país. Chamou a
atenção, ainda, o texto da chamada da reportagem, lido pelos apresentadores, uma
prova de que o JN optou por não dar visibilidade ao tema pelo menos dentro das
séries especiais.
E mais: a alegação foi de falta de números confiáveis, o que poderia ser
compensado pelas imagens, uma simplificação que reduz o problema ao
diagnóstico, daí o caráter reducionista da abordagem. Os fragmentos:
Fátima - Na série de reportagens sobre os problemas de nossas cidades,
hoje s vamos ver como a violência afeta diretamente a vida dos
cidadãos.
Bonner Sem estatísticas confiáveis sobre segurança pública ao longo da
década de 90, os números dão lugar às imagens. E elas dizem muito.
Repórter - O rosto do crime tem sido documentado com freqüência - pelo
Jornal Nacional, por exemplo, no Rio, no último dia 30 de agosto. Cenas de
roubo viraram rotina na grande cidade - registradas, agora, num dos
principais cruzamentos de São Paulo, às 16h. Ao lado do carro da nossa
equipe pára um carro blindado, protegido por outro veículo com dois
seguranças. E a 10 metros dali, assistimos a mais um assalto à mão
armada. Um dos piores retratos da grande cidade. (JN – 19/09/02)
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103
Nossas observações em torno dessa questão sugerem, ainda no plano
especulativo, que o JN tenha se recusado a incluí-la na “luta política”, conforme o
texto editorial que apresentamos. Ressaltamos que é possível que a realidade do
Rio de Janeiro, com toda a cobertura sobre o desaparecimento e a morte do
jornalista Tim Lopes, e a abordagem sobre os efeitos do tráfico de drogas na
sociedade
74
, que foi apresentada logo em seguida, tenham influenciado na
disposição da emissora. Outra linha argumentativa, também no plano especulativo,
autoriza a análise de que não havia interesse por colocar em cheque a ausência de
uma política pública de segurança, pelo menos não em relação a um governo
provisório, como era o caso do governo de Benedita da Silva (PT), até porque, no
episódio da prisão de Elias Maluco, o trabalho da polícia carioca mereceu elogios
públicos.
Assim, a postura restrita na abordagem do problema da violência retirou a
temática do debate eleitoral proposto pela emissora. Ao que tudo indica, a TV Globo
optou por o ‘dividir seu enquadramento interpretativo com os agentes políticos.
Nesse caso, é providencial a observação sobre a postura da emissora em atribuir
para si, através da operação de auto-referência, um papel destacado na discussão
do problema, e o fez por meio da teledramaturgia, gênero que tem possibilitado à TV
Globo realizar, sob seu ponto de vista, o debate de temas nacionais em um
dispositivo menos gido e formal como encontramos no telejornalismo, que é a
linguagem do entretenimento.
74
Entre os meses de junho e agosto, o telejornal exibiu 65 reportagens com a temática da violência. Dessas, 24
matérias estavam diretamente relacionadas ao assassinato do jornalista Tim Lopes, além de três editoriais sobre o
mesmo assunto. Também foram exibidas 20 reportagens especiais, focalizando os efeitos do poder das
quadrilhas de traficantes sobre as comunidades carentes e o reflexo do domínio do tráfico de drogas na sociedade
carioca.
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104
O reconhecimento do êxito dessa operação de auto-referência vem, muitas
vezes, do próprio poder blico, o que serve para legitimar o trabalho ‘social’
realizado pela emissora. É o que apontam dois fragmentos exibidos no telejornal, a
seguir:
Fátima - O presidente Fernando Henrique elogiou hoje a campanha contra
as drogas feita pela autora da novela "O clone", Glória Perez, e disse que a
novela incentiva um número maior de pessoas a procurar apoio. O
presidente afirmou que o sofrimento das famílias é um forte argumento
para a busca de políticas de combate ao tráfico e consumo de drogas. (JN
– 09/05/02)
.............................................................
Fátima - A mara dos Deputados fez hoje uma sessão solene em
homenagem ao cleo de teledramaturgia da Rede Globo para destacar o
trabalho educativo, contra o uso de drogas, veiculado na novela "O Clone".
A sessão foi proposta pelo deputado Chico Sardelli, do PFL de São Paulo.
(JN – 07/06/02)
De todo modo, ficou evidenciado que a emissora, ao agendar os temas que
deveriam merecer a atenção dos telespectadores, em vários momentos, adotou
enquadramentos interpretativos sobre a temática das mazelas sociais, e o fez dentro
de uma operação discursiva que, se por um lado propunha o debate em torno das
questões nacionais, pelo diagnóstico que apresentava, por outro não explorava o
arco das controvérsias interpretativas sobre assuntos tão complexos.
Também houve o reducionismo da discussão em torno do modelo econômico
ao se tratar de temas como a concentração de renda e o desemprego estrutural. No
entanto, a abordagem sobre o resgate da política e sua imunização do mal da
corrupção, claramente identificado como problema do Estado, demonstra que a
disputa das controvérsias para a discussão da temática das mazelas sociais
mereceu uma abordagem previamente determinada.
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105
4.6.2 ANÁLISE DO TEMA GESTÃO PÚBLICA
TABELA 5
ESTATÍSTICAS DOS ENQUADRAMENTOS
TEMA 2 – GESTÃO PÚBLICA
O tema gestão blica (56,8%) ocupou a segunda posição entre os que mais
apareceram nas reportagens. Nele, os enquadramentos traduziram a disputa entre
os atributos de ‘eficiência’ (15,6%) e ‘ineficiência’ (35,2%), dentre os principais.
Aqui aparece a imagem da ineficiência com a qual o poder público é retratado na
mídia:
Repórter - Cada vez mais urbano, o Brasil ainda o conseguiu organizar
suas cidades. Elas crescem sem planejamento, empilhando gente e
problemas. A ocupação desordenada somada ao déficit de habitações vai
moldando a cara das grandes cidades do Brasil. Quem arranja um lugar
para morar não quer sair. E o poder público tem sido impotente para
organizar a malha urbana [...] Com tanta gente e tantos problemas, as
grandes cidades são um desafio que mal começa a ser enfrentado. Que
planos tem o seu candidato para melhorar as cidades onde vive a maioria
dos brasileiros? (JN – 16/09/02)
...................................................
Tema
Gestão pública
29 (51)
56,8%
Posição
Aspectos dos
mecanismos de
gestão pública
Ineficientes
(18)
35,2%
Eficientes
(8)
15,6%
Limitados
(6)
11,7%
Atrasados
(4)
7,8%
Custosos
(4)
7,8%
Compatíveis
(0)
0%
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106
Repórter - Bem perto da cidade não falta água. Chove mais na região do
que em países como França e Espanha. Uma barragem possui água
suficiente para abastecer cerca de 40% das necessidades de uma cidade
grande como Recife. Água não falta. O que faltou foi até agora
planejamento, investimento e, principalmente, decisão política.
(entrevistado) - "Faltou priorização dos investimentos para bancar a
expansão da demanda. Setor de saneamento não teve a mesma sorte
desses outros setores do serviço público".
Repórter - O crescimento desordenado das cidades compromete reservas
naturais como as de São Paulo, por exemplo, onde os mananciais estão
sendo prejudicados. Água um dia acaba, e sem ela ninguém vive. E você
sabe como o seu candidato vai tratar essa questão? (JN – 17/09/02)
A imagem da ineficiência oscila levemente de acordo com a área de governo
em análise. No entanto, o tratamento conferido pelo Jornal Nacional ao setor da
saúde se desprende dos demais. Em que pese os avanços alcançados nos últimos
anos, é evidente que o setor é dos mais problemáticos entre as áreas sociais, o que
poderia fazer com que ele se juntasse àqueles para cuja observação se faz
necessária a lente das raízes históricas. Ao contrário, isso é relativizado no
enquadramento adotado pelo telejornal, que destaca os atributos positivos,
principalmente aqueles que demonstram os bons resultados obtidos na gestão de
José Serra no Ministério. Essa constatação aponta para uma tendência de realçar
um atributo da imagem pública com a qual o tucano era apresentado pela sua
equipe de marketing, ou seja, o de um homem do Executivo, preparado para
enfrentar os problemas mais graves do país. Seguem alguns fragmentos:
Repórter - A mortalidade infantil já foi um retrato ainda mais doloroso da
miséria no país. De cada mil crianças nascidas no Brasil, no início da
década de 90, quase 48 morriam antes de completar um ano. Em 2000,
eram menos de 30. Uma queda de 38%. [...] Na última década, programas
de saúde evitaram a morte de 123 mil crianças. Mas outras tantas ainda
morrem cedo. As propostas do seu candidato podem mudar a sina de
nossas crianças. (JN – 02/09/02)
.................................................
Repórter - O programa de agentes comunitários de saúde começou em
1991, mas existem dados a partir de 1994: eles eram 29 mil agentes.
Hoje, são 160 mil. [...] Na maioria das cidades do Brasil, o agente faz parte
de uma equipe com médico, enfermeiro e auxiliar. É assim que funciona o
programa "Saúde da Família". Em 1994, eram 328 equipes. Hoje, são 14
mil, que só atendem 30% da população.
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107
(entrevistado) "Mais de 80% dos atendimentos nos serviços de
emergência dos hospitais públicos poderiam ser resolvidos em unidades
como essa, unidade de saúde da família e unidade de atenção básica"
Repórter - E o seu candidato? Como e quanto propõe investir na saúde?
Dizem que o melhor é prevenir... (JN – 03/09/02)
..............................................
Repórter [...] mas o país se mostrou eficiente no combate a outras
doenças, com campanhas regulares de vacinação. A pólio foi erradicada.
Desde 99, nenhuma morte por sarampo é registrada no país. Doenças
como coqueluche, tétano e difteria estão controladas. Não foi o que
aconteceu com a dengue. Começamos a década com 39 mil casos. Em
2000, foram 240 mil - seis vezes mais. Apesar das derrotas na luta contra o
mosquito, o Brasil deu exemplo no combate à Aids. Uma história que
começou no litoral de São Paulo. No início da última década, milhares de
pessoas que moravam em Santos foram contaminadas pelo vírus da Aids.
Gente que vivia ao redor do maior porto da América Latina. Em Santos,
notificou-se o maior índice de casos de Aids do país. Naquela época, a
cidade teve que aprender onde e como combater a doença. Campanha de
prevenção com prostitutas e travestis; depois, com portuários,
caminhoneiros e usrios de droga. Santos custou a ver o resultado.
Também foi assim no Brasil. Em 1991, a taxa do país era de oito casos de
Aids para cada 100 mil habitantes. Chegou a 15,3 em 1998.
Em 2000, caiu para 10,5 - redução de 31% em dois anos.
(entrevistado) "A gente tem ganho batalhas, mas a gente tem que
continuar essa briga, porque a epidemia continua em curso no mundo
inteiro",
Repórter - Com o início da distribuição gratuita do coquetel anti-Aids, em
1996, a taxa de mortalidade dos portadores caiu 50%. Dos 15
medicamentos do coquetel, oito genéricos já o produzidos no Brasil. Mas
um alerta: o Ministério da Saúde estima que 600 mil brasileiros são
portadores do rus e não sabem. Seu voto hoje pode marcar vitórias ou
derrotas amanhã. (JN -07/09/02)
Nesse quesito também foi possível observar o tratamento desigual em relação
à análise dos números. O aumento da concentração de renda é esvaziado, inclusive
na fala do entrevistado, enquanto o acréscimo do número de aparelhos para a
diálise recebe um enfoque mais positivo:
Repórter -De cada 20 municípios brasileiros, um dispõe desse tipo de
equipamento (diálise). Alguns anos atrás, era ainda pior. Em 1995, o SUS
mantinha convênio com 500 unidades de saúde que faziam diálise em todo
o país. Hoje, são quase 550, aumento de menos de 10%.
(entrevistado) "O mero de equipamentos é suficiente. O problema es
na distribuição, que é concentrada em determinados locais. Isso faz com
que a população de locais mais pobres ou do interior tenha que se
deslocar" (JN – 06/09/02)
................................................................
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108
(Repórter) - O IBGE não trabalha com o conceito de classe média. As
pesquisas comparam sempre os mais ricos e os mais pobres. E mostram
que a distância entre eles quase não mudou. Os números são da pesquisa
nacional por amostra de domicílio. Em 1992, os 10% mais ricos
concentravam 45,8% da renda total do país. Em 1999, 47,4%. Os 40%
mais pobres concentravam, em 1992, 8,4% da renda. Em 99, 8%.
(entrevistada) "Nesses dez anos eu diria que não houve uma mudança
significativa na concentração de renda. São muitos ganhando pouco e
poucos ganhando muito". (JN - 20/08/02)
Os meros apresentados revelam que a concentração de renda se
intensificou, uma vez que os mais ricos passaram a responder por um percentual
maior da renda nacional – acréscimo de 1,6 pontos percentuais -, enquanto os mais
pobres viram diminuir a sua participação na renda do país em 0,4 pontos
percentuais.
Essa controvérsia interpretativa mereceu destaque no editorial do jornal O
Globo, de 10.05.02, quando foi feita uma análise dos números do censo
populacional de 2000, divulgado pelo IBGE. O texto destaca logo no título a “Década
de avanços” por que o país passou. Em meio aos meros favoráveis do
levantamento, houve a reprodução do questionamento do próprio presidente
Fernando Henrique Cardoso contra as estatísticas relativas à renda, cujo método de
apuração ele considerara inadequado. Segue o fragmento de um enquadramento
oficializador, com o qual o jornal explorou a controvérsia.
(título do editorial: Década de avanços) [...] É fantástico que, diante dos
números relativos aos níveis de renda da população, em cerca de um terço
dos domicílios haja pelo menos um automóvel (no Distrito Federal e em
São Paulo tal índice corresponde a quase 50%). Rádios, geladeiras,
aparelhos de TV, máquinas de lavar e outros eletrodomésticos estão
presentes no cotidiano da grande massa de brasileiros. Os meros
referentes ao consumo desses bens (mesmo os mais sofisticados, como
aparelhos celulares e microcomputadores) contrastam tanto com as
estatísticas relativas à renda que o presidente Fernando Henrique Cardoso
levantou dúvidas sobre essas últimas. De fato, as estatísticas sobre a
renda não traduzem fielmente certas particularidades da vida brasileira
(grifo nosso), como o complemento de renda do trabalho informal e
autônomo. Mesmo assim, os dados do censo comprovaram o que
indicavam outras pesquisas: a estabilidade monetária aumentou de fato o
poder de compra dos menos favorecidos [...]. (Coluna Opinião, jornal O
Globo, p. 06, 10/05/02)
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109
4.6.3 ANÁLISE DO TEMA POLÍTICA E CIDADANIA
TABELA 6
ESTATÍSTICAS DOS ENQUADRAMENTOS
TEMA 3 – POLÍTICA E CIDADANIA
Tema
Política e
cidadania
26 (51)
50,9%
posição
Características
da política
Universalista
(16)
31,3%
Transforma a
realidade
(6)
11,7%
Grupos de
interesse
(6)
11,7%
Fonte de
corrupção
(4)
7,8%
Benefício
do
indivíduo
(1)
1,9%
Características
da democracia
Representativa
(15)
29,4%
Eficiente
(8)
15,6%
Ineficiente
(7)
13,7%
Direta
(5)
9,8%
Indireta
(4)
7,8%
Participativa
(3)
5,8%
Exercício da
cidadania
Coletivamente
(9)
17,6%
Individualme
nte
(8)
15,6%
Não é praticada
(3)
5,8%
Não aparece
(2)
3,9%
Imagem do
Estado
Inoperante
(10)
19,6%
Moderador
(3)
5,8%
Não aparece
(2)
3,9%
Intervencio-
nista
(1)
1,9%
Atuante
(1)
1,9%
Participação
dos
movimentos
sociais
na política
Não aparece
(8)
15,6%
Valorizada
(6)
11,7%
Desvalorizada
(0)
0%
Participação
dos agentes
econômicos na
política
Não aparece
(11)
21,5%
Valorizada
(1)
1,9%
Desvalorizada
(1)
1,9%
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110
Qualidade
atribuída ao
cidadão
Consciente
(12)
23,5%
Crítico
(4)
7,8%
Desinformado
(4)
7,8%
Alienado
(3)
5,8%
Participação do
cidadão na
política
Valorizada
(15)
29,4%
Não aparece
(1)
1,9%
Desvalorizada
(0)
0%
Entre os temas investigados, o que mais diretamente traduziu a proposta da
TV Globo em buscar atingir o comportamento do eleitor foi o de política e cidadania
(50,9%), presente em mais da metade das reportagens. Nesse caso, a emissora
explorou exemplos de mobilização dos cidadãos e os projetou como algo necessário
e acessível a todos. Quando analisamos o nível de estímulo para que essa
participação se efetive, encontramos que ela é valorizada’ em 29,4% das
reportagens, contra zero de desvalorização. Já o atributo de valor do cidadão, chega
a 31,3% se for somado o de ‘consciente’ (23,5%) e ‘crítico’ (7,8%); contra 7,8% de
‘desinformado’ e 5,8% de ‘alienado’.
No entanto, o exercício da cidadania é um valor que aparece bem polarizado
no JN. Praticar a cidadania coletivamente’ aparece com 17,6% de freqüência,
enquanto ‘individualmente’ surge com 15,6%. Mas, nesse ponto, a valorização da
participação dos movimentos sociais na política ‘não aparece’ (15,6%); e é mais
ausente ainda (21,5%) em se tratando de agentes econômicos. Outro dado
interessante dessa abordagem é que em 11,7% das matérias a política é
apresentada como ‘transformadora da realidade’. A primeira reportagem da série
trouxe o exemplo de um grupo de moradores de Ribeirão Bonito, no interior de o
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111
Paulo, que se mobilizou para cassar o prefeito da cidade, envolvido com desvio de
verbas.
Repórter - Entre as falcatruas, uma descoberta. Parentes dos cidadãos
honestos tamm estavam envolvidos na corrupção. As famílias
enfrentaram discussões dolorosas.
(entrevistado) "Mesmo amando, gostando das pessoas, a gente tem que
dizer de que lado ela está. Seríamos omissos moralmente se não
tomássemos uma decisão".
Repórter - Mesmo quem votou no prefeito decidiu pedir a saída dele.
(entrevistada) - "Cheguei na frente do clube, eu e minha irmã, mais três
pessoas. o pessoal começou a juntar em volta da gente, aí nós
começamos a instigá-los: vamos gente, como vocês vão ficar de braços
cruzados, olha a situação da nossa cidade, cada dia que passa a
corrupção está levando a merenda da nossa escola. o pessoal começou
a se juntar a nós. E realmente fizemos esse panelaço, começamos em
duas, terminamos em mais de 300 pessoas".
Repórter - Os amigos patrocinaram uma ação contra o prefeito. A mara
dos vereadores criou uma comissão de investigação. O prefeito tentou
evitar o impeachment, renunciando. o adiantou. Em 12 de junho deste
ano, (Antônio) Buzzá teve os direitos políticos cassados e a prisão
decretada. Os honestos venceram. (JN – 05/08/02)
O episódio de Ribeirão Bonito voltaria ao JN três dias depois, com a notícia da
prisão do prefeito em outro estado.
Fátima - No começo desta semana, na primeira reportagem da rie do
Jornal Nacional sobre cidadania, o repórter Edney Silvestre visitou Ribeirão
Bonito, em São Paulo, para mostrar de que forma a população tinha se
livrado de um prefeito corrupto. Ontem à noite, o ex-prefeito foragido foi
descoberto a quase três mil quilômetros de onde provocou um rombo nas
contas públicas.
Repórter - O ex-prefeito de Ribeirão Bonito já estava com a prisão
preventiva decretada, mas só foi preso depois de uma reportagem exibida
segunda-feira no Jornal Nacional. A reportagem mostrou a mobilização dos
moradores para investigar e provar as irregularidades na prefeitura. (JN –
08/08/02)
...................................................
(no anúncio da série)
Fátima - Essa primeira semana de reportagens especiais s vamos
dedicar a uma espécie de vacina contra a maior parte dos problemas
nacionais. Você vai ver como todos os cidadãos têm, sim, um poder nas
mãos, que não se esgota na escolha do candidato, na hora do voto. O
repórter Ednei Silvestre vai mostrar que você pode, e deve, exercer seu
direito de eleitor por completo, mesmo depois das eleições. (JN – 05/08/02)
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112
Portanto, o exemplo dos moradores da cidade paulista foi especialmente
explorado para a estratégia de convocação para a política como proposta de
cobertura do jornalismo da TV Globo nesse novo momento, o que a emissora fez
sem deixar de lado outra operação de auto-referência, a fim de valorizar a sua
centralidade no processo eleitoral. A idéia é simples: assim como no programa
policial Linha Direta (também da TV Globo) a ação do Estado sobre o crime é o
resultado da atuação da emissora, a partir da interação com seu público, aqui o
telejornalismo é operado sob a mesma orientação, para o triunfo do bem sobre o mal
da corrupção.
Observamos que, no texto do anúncio da série, é reforçada a idéia de
transformação da política de problema em solução contra os males do país. Esse
enfoque merece atenção por possibilitar uma análise mais ampla do tratamento que
a política recebe na sociedade, em geral, e nos meios de comunicação, em
particular.
Com o advento do neoliberalismo no Brasil, no final dos anos de 1980, e sob
a lógica da globalização econômica, a política passa a enfrentar um esvaziamento
de seu papel como reguladora das demandas sociais. Ao contrário, está colocada
em uma condição de rompimento com poder, fruto do seu exercício em um ambiente
que não enxerga mais a centralidade do Estado na vida societária (na tabela
anterior, ele aparece como ‘inoperante’ em 10 das 17 matérias analisadas). Esse
movimento, para alguns analistas, resulta na configuração de um poder sem política,
porque exercido em uma esfera superior, no sentido global, sob orientação das
regras do mercado.
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113
Em direção contrária, é possível falarmos ainda na política sem poder,
reduzida que ela foi a um plano inferior das relações sociais. Como agentes
discursivos do ideário global, sob a lógica do neoliberalismo, o meios de
comunicação, cada vez mais constituídos em conglomerados de mídia e
entretenimento, tendem a realçar justamente essa visão recortada da política e de
suas instituições. Sobretudo na televisão, que contribui enormemente para a
atribuição de sentido às práticas sociais no mundo atual, a política vem merecendo
uma cobertura superficial, centrada na disputa pelo poder, de caráter negativo e,
freqüentemente, generalizado.
Esse apontamento é possível a partir da seleção e análise de 86 matérias
exibidas pelo Jornal Nacional, no período de seis meses, entre fevereiro e julho de
2002, na fase da chamada pré-campanha. Para merecer investigação, o assunto da
reportagem deveria fazer relação à prática potica, a partir de uma análise
qualitativa. O caminho metodológico escolhido foi o de aplicar o atributo de
valência” sobre a mensagem transmitida.
Assim, designamos por valência positiva quando a matéria sobre
determinado assunto apresenta resultados favoráveis de políticas públicas
governamentais, referências positivas de comportamentos éticos e morais em torno
dos ocupantes de funções políticas e o compromisso com o aprimoramento das
práticas democráticas e de estímulo à cidadania. Adotamos a valência neutra para
designar a matéria em que os posicionamentos em torno da política não são
identificados ao longo da reportagem ou, quando são, encontram um equilíbrio entre
os atributos positivos e negativos. Já a designação de “valência negativa” contempla
a apresentação de referências que digam respeito aos aspectos condenáveis da
política, sobretudo aqueles relacionados à utilização do bem público para fins
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privados, a falta de compromisso do representante em relação aos representados e
os desvios de conduta que coloquem em cheque o sistema democrático. Após a
análise das matérias, obtivemos o seguinte resultado:
TABELA 7
ANÁLISE DA VALÊNCIA DAS MATÉRIAS
O TRATAMENTO DA POLÍTICA
Valência negativa
69 matérias 80,23%
Valência neutra
08 matérias
9,30%
Valência positiva
09 matérias 10,46%
Total
86 matérias
100%
O grande predomínio da valência negativa, que aparece em mais de 80% das
matérias analisadas, apresenta excelente oportunidade para uma reflexão sobre os
mecanismos de agendamento e enquadramento da política pelo principal noticiário
do país. Essa tarefa ganha importância ainda maior em função do rompimento entre
a imagem anterior, fixada na fase da pré-campanha, e a imagem com a qual o Jornal
Nacional procurou ‘ressignificar’ a própria política, como prática indispensável para a
solução dos problemas nacionais. Assim, longe de expressar uma contradição, o
exercício da potica é estimulado nas reportagens especiais para transformar a
própria representação da política, o que aumenta o desafio da iniciativa encampada
pela TV Globo. A seguir, expomos uma amostra das principais manchetes negativas
sobre a política e fragmentos dos textos ao longo dos seis meses da análise.
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TABELA 8
ANÁLISE DO NOTICIÁRIO DO JORNAL NACIONAL NA PRÉ-CAMPANHA
A IMAGEM DA POLÍTICA
Mês Manchetes selecionadas Resumo destacado
Fevereiro
Procuradores acusam PFL de Curitiba de não
declarar gastos de R$ 30 milhões (04/02)
Jader Barbalho é preso por envolvimento com
fraude na Sudam (16/02)
Presidente argentino aumenta seu próprio salário
(22/02)
Eurico Miranda é suspeito de crime eleitoral na
campanha de 1998 (25/02)
Contravenção na Esplanada (28/02)
“Na sede do Governo Federal e do Congresso,
que faz as leis, uma delas não é cumprida. O
jogo do bicho funciona livremente, num lugar
que é passagem obrigatória de ministros e
parlamentares. - Algum ministro vem jogar
aqui? - Eles não vêm, não. Mas mandam os
secretários vir jogar. O maior ponto fica ao lado
do Congresso. Uma barraca protege do sol os
dois apontadores que dão plantão ali. Mexem
com muito dinheiro - faturam até R$ 800 por
dia (...)”
Março
Justiça manda apreender documentos da
empresa do marido de Roseana Sarney
(01/03)
Telefonema pode incriminar Paulo Maluf de
superfaturamento em obra pública (01/03)
Atritos entre PSDB e PFL (02/03)
PFL entrega cargos (07/03)
PFL reafirma o apoio à candidatura de Roseana
Sarney (13/03)
Deputado José Gerardo foi condenado a 23 anos
de prisão (14/03)
Deputados da Assembléia de Santa Catarina
terão que devolver aumento ilegal depois de 37
anos (18/03)
Maluf tem sigilo quebrado (19/03)
Sarney ataca FHC e Serra (20/03)
“A justiça mandou apreender hoje documentos
na empresa do secretário de Planejamento do
Maranhão, Jorge Murad, marido da
governadora Roseana Sarney. A ação foi a
pedido da justiça do Tocantins e se refere ao
processo que investiga fraudes na antiga
Sudam. A governadora disse que a medida
visa a prejudicá-la eleitoralmente (...)”
Abril
Câmara encerra sessão plenária de hoje por
falta de quorum (02/04)
Deputados enchem o plenário um dia depois de
terem o ponto cortado por faltarem ao trabalho
(03/04)
Aumento nos salários dos funcionários do
Senado foi aprovado em regime de urgência
(04/04)
Concessão de pensão vitalícia a Garotinho
agita a política no Rio (09/04)
Roseana Sarney desiste da disputa (13/04)
Polícia descobre esquema de desvio de
alimentos (27/04)
“A concessão de uma pensão vitalícia ao ex-
governador Anthony Garotinho, no último dia
do governo, agitou a política do estado do Rio
nesta terça-feira. O ato que concedeu a pensão
foi assinado no dia cinco de abril, o último dia
do mandato de Garotinho. O pedido foi
encaminhado junto com a carta de renúncia. A
quantia é a mesma que Anthony Garotinho
recebia como governador: R$ 9,6 mil. A pensão
vitalícia para ex-governadores e ex-vice-
governadores é prevista na Constituição
Estadual e foi regulamentada por um decreto
do ex-governador Moreira franco, em 1989 (...)”
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116
Maio
Abuso de poder (03/05)
Denúncias de pedidos de propina envolvem
Ricardo Sérgio, ex-diretor do Banco do Brasil
(04/05)
Prefeito condenado por assassinato administra
município da prisão (07/05)
Ordem dos Advogados do Brasil pede
intervenção federal no Espírito Santo (21/05)
Garotinho impede na justiça publicação de
reportagem com denúncias contra ele (22/04)
Anthony Garotinho rebate denúncias publicadas
contra ele (24/05)
fia da propina continua agindo na cidade de
São Paulo (24/05)
“Foi num clube de forró, em Belford Roxo, que
o vereador Victor Rodrigues tentou entrar à
força. Segundo os seguranças, ele se recusou
a pagar R$ 4 e a deixar na portaria a arma que
carregava. "Ele chegou alterado, eu pedi a ele
pra deixar a arma comigo, ele não quis deixar,
falou que eu não tinha habilitação pra botar a
mão na arma dele", contou um dos
seguranças. As câmeras de circuito interno
mostram o vereador jogando o carro contra o
portão do estacionamento. Depois da batida,
ele entra. De bermuda, camiseta e lenço na
cabeça, ele exibe a pistola na entrada para o
salão. Discute e empurra o funcionário que
segura a roleta. Em seguida, dá duas
coronhadas na mão dele. E um soco no rosto
(...)
Junho
Pedido de cassação de mandato de Eurico
Miranda é arquivado na câmara (06/06)
Ministério Público conclui investigações de
desvio de dinheiro da Sudam (11/06)
Itamar entrega ficha de desfiliação ao PMDB
depois da convenção do partido (18/06)
MP pede prisão preventiva de acusados de
armar esquema de propina na campanha do
PT (20/06)
Senador indicado para vice de Lula diz que não
ideologias incompatíveis entre PT e PL
(20/06)
Irmão de Celso Daniel faz novas denúncias
sobre esquema de propina (22/06)
PF teve autorização para grampear telefones de
pessoas ligadas ao PT (24/06)
“O Ministério Público de São Paulo pediu a
prisão preventiva de seis pessoas acusadas de
armar um suposto esquema de propina em
Santo André, no ABC paulista, para financiar
campanhas políticas do PT. Os promotores
querem resguardar as testemunhas, que são
empresários do setor de transportes e o irmão
do prefeito Celso Daniel, assassinado em
janeiro. Foram quase seis meses de
investigação. E o Ministério Público estadual
apresentou denúncia contra seis pessoas que
cobravam propina de empresas de ônibus em
nome da prefeitura de Santo André,
administrada pelo PT (...)”
Julho
Roseana Sarney, Jorge Murad e Jader Barbalho
serão denunciados por fraudes na Sudam
(15/07)
Partido de Ciro desiste da aliança com o
PRTB de Fernando Collor (17/07)
Fernando Collor diz que indecisão do PPS de
Ciro Gomes é discriminatória (19/07)
Aposentados, ao tentar sacar o INSS,
descobrem que já estão mortos para a
Previdência (23/07)
INSS demora um ano e meio para encontrar
contribuinte que tem nome e endereço na lista
(25/07)
Martinez vai ficar na coordenação da campanha
de Ciro Gomes (25/07)
Empréstimo que Martinez disse ter recebido não
aparece na sua declaração de renda (26/07)
“O PPS, partido de Ciro Gomes, desistiu da
aliança com o PRTB de Fernando Collor,
candidato ao governo de Alagoas. A decisão
chegou ao TRE depois do prazo permitido para
o cancelamento da coligação, que terminou
agora à noite. Nos cartazes espalhados por
Maceió, o candidato a governador Fernando
Collor tem o apoio dos partidos da coligação
PRTB, PFL, PTB, PPB e PPS. O PTB indicou o
candidato a vice e criou uma crise na
campanha do candidato a presidente Ciro
Gomes. O PDT, único partido da Frente
Trabalhista que não aderiu a Collor, pediu a
intervenção das executivas nacionais do PPS e
do PTB nos diretórios de Alagoas (...)
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117
4.6.4 ANÁLISE DO TEMA ECONOMIA E NEGÓCIOS
TABELA 9
ESTATÍSTICAS DOS ENQUADRAMENTOS
TEMA 4 – ECONOMIA E NEGÓCIOS
Tema
Economia e
negócios
12 (51)
23,5%
posição
Responsável(eis)
pelos problemas
econômicos
Governo
(8)
15,6%
Estado
(5)
9,8%
Sociedade e
sua estrutura
(2)
3,9%
Mercado
(2)
3,9%
Globalização
(1)
1,9%
Capitalismo
(0)
0%
A cobertura do Jornal Nacional para o tema economia e negócios foi a que
mais refletiu o ambiente da conjuntura que o país vivia no período estudado. O
cenário era de crise econômica e instabilidade financeira, seja em função do quadro
da economia internacional, seja como reação do mercado ao que se convencionou
chamar de “incertezas” decorrentes da corrida presidencial. Assim, desde o início do
ano o noticiário do JN esteve voltado para a cobertura das movimentações do
mercado em relação ao Brasil e para as negociões de um novo acordo do país
com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Na análise das séries de reportagens especiais, o governo’ (15,6%) e o
Estado (9,8%) aparecem bem destacados quando se trata de apontar os
responsáveis pelos problemas econômicos. Contudo, dois outros dados chamam a
atenção. Um deles é a ausência de percepção do peso do mercado na crise vivida
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118
pelo país, inclusive pelo fato de ela ser uma crise financeira, de natureza cambial e,
portanto, fortemente influenciada pelo comportamento dos agentes desse mesmo
mercado. Outro dado é o esvaziamento dos efeitos da globalização’ (1,9%) e do
capitalismo’ (0%) no processo de crise instalado no país, postura semelhante
quando da abordagem em relação ao tratamento sobre o desemprego, a
concentração de renda e a corrupção, quando a necessidade de conserto recai
quase exclusivamente sobre o Estado, com a diferença de que aqui estamos
tratando de um problema diretamente ligado à lógica da economia globalizada.
Para a análise desse período, incluindo a fase de pré-campanha, há um ponto
de partida de um cenário que se estenderia até a realização do segundo turno, em
27 de outubro. Foi no início do mês de maio, ocasião em que foram divulgados
relatórios de avaliação de risco de investimentos no Brasil por duas agências de
grande influência no mercado. O aumento do grau de risco do país, a partir daquele
momento, passaria a ser agendado como tema em destaque do período,
transformando-se na principal controvérsia interpretativa que identificamos durante
todo o processo eleitoral.
As interpretações dividiam-se em duas correntes: a primeira era a de que o
aumento do chamado risco-Brasil era reflexo de uma crise externa, provocada pelo
abalo de confiança dos mercados, em função da crise financeira que atingira a
economia dos Estados Unidos, decorrente da decretação de falência de grandes
empresas e da descoberta de escândalos financeiros provocados pela prática de
maquiagem de balanços fiscais. A segunda corrente levava em conta que o
investidor estrangeiro, influenciado pelo clima do mercado financeiro, estava
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119
reagindo negativamente à perspectiva de que um candidato da oposição vencesse
as eleições
75
.
Para dar tranqüilidade ao mercado, o governo brasileiro passou a explorar a
imagem de uma política econômica que perseguia o equilíbrio fiscal, com uma
política de ajuste já em curso, e que ostentava um razoável potencial de
crescimento, embora susceptível em um ambiente de desconfiança, sobretudo pela
grave crise financeira da vizinha Argentina, desde o final do ano anterior. Essa
avaliação oficial otimista da situação brasileira era, com freqüência, respaldada por
representantes de organismos internacionais, como o FMI, e por publicações
especializadas, como o jornal inglês Financial Times, da Inglaterra.
A presença das citadas controvérsias interpretativas e da disputa em torno
da política a que uma dessas correntes se refere aparece de forma bastante
esclarecedora em uma reportagem sobre o momento econômico do país, levada ao
ar pelo Jornal Nacional, em 02.05.02, uma quinta-feira. A estrutura e o texto da
matéria indicam a adoção de um enquadramento que, se não coincide com o do
governo, ao menos sugere o descrédito das avaliações negativas para investimentos
no país. E isso ocorre com a utilização do próprio discurso do candidato de
oposição, que ataca, ainda que tangencialmente, a potica econômica em vigor e,
de forma mais intensa, os relatórios de risco-Brasil.
Fátima - Um editorial do Financial Times, de Londres, um dos mais
influentes diários da comunidade financeira internacional, diz que é um erro
exagerar os riscos do Brasil, tal como o fizeram dois bancos de
investimento americanos no começo da semana. "O Brasil é hoje um
modelo de estabilidade em comparação a seus vizinhos e a seu passado",
75
No mesmo mês, o Jornal Nacional divulgou o resultado de uma pesquisa do Instituto Datafolha que apontava
o crescimento contínuo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos três últimos levantamentos. O petista
saiu de 19% (12 de março); foi a 32% (9 de abril) e estava com 43% (14 de maio). Os índices de Jo Serra
(PSDB) eram de 22%, 22% e 17%; Antony Garotinho (PSB) oscilou em 18%, 16% e 15%; e Ciro Gomes (PPS),
12%, 13% e 14%.
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120
afirma o jornal. Mas os economistas de um dos maiores bancos da Europa,
o ABN Amro, da Holanda, não concordam. O banco divulgou relatório
colocando o Brasil numa categoria pior de risco por conta da liderança do
pré-candidato do PT nas pesquisas eleitorais. Índices de risco não são
instrumentos científicos e falham muito, mas ainda assim exercem
considerável influência. Ocorre que muitos investidores e operadores de
mercado se comportam às vezes com o instinto de uma manada: correm
para um lado sem saber por quê. A bolsa de valores de São Paulo
registrou no pregão de hoje a maior queda desde novembro do ano
passado: -4,17%, com um volume negociado de R$ 632,900 milhões. Com
o dólar ocorreu o contrário. A moeda americana teve a mais expressiva alta
desde o dia dez de janeiro. Valorizou-se em 1,48% contra o real. O dólar
comercial fechou hoje a R$ 2,397 para venda. O C-Bond, principal título da
dívida externa brasileira, caiu 1,75%. O risco-Brasil, calculado pelo banco
JPMorgan, subiu 3% - ultrapassando o índice de risco da Venezuela. O
pré-candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, reagiu ao nervosismo dos
mercados:
(Lula) - "Eu nem era candidato e os títulos brasileiros foram
desvalorizados lá fora. Tentar ligar a desvalorização de títulos à campanha
política é a mesma coisa que tentar ligar desvalorização a um jogo de
futebol. Isso não existe. O Brasil é um país grande, economicamente
viável, com potencial industrial extraordinário. Portanto, a gente tem que
estar muito mais preocupado em elaborar um modelo de desenvolvimento
para o país, para ele voltar a crescer, do que ficar preocupado com o
relatório de um banco". O diretor executivo do ABN Amro no Brasil, Marcos
Matioli, desautorizou o relatório pessimista divulgado pela matriz
holandesa:
(Marcos Matioli) - "Esse relatório foi divulgado por uma equipe do banco
baseada em Nova York. É uma equipe de analistas que tem autonomia,
independência para fazer recomendações de investimento para os clientes
do banco. Importante destacar que a direção do ABN Amro Bank não
concorda, não compartilha com essa recomendação". Também o fundo
monetário não endossa a análise de risco feita por agências internacionais.
O chefe da miso do FMI em visita ao Brasil, Lorenzo Perez, disse que o
Brasil está retomando o crescimento econômico. (JN – 02/05/02)
Contudo, é no editorial do jornal O Globo, no dia seguinte, que todas as
controrsias aparecem, numa espécie de marcação das posições existentes. O
jornal não deixou de relativizar a importância do trabalho das agências de risco, mas
chamou a atenção tamm para as inconsistências da política econômica do país: o
trecho “o problema não está nas análises; o problema é a nossa economia”, revela
bem a postura crítica assumida pelo jornal, sobretudo em sua defesa da retomada
das reformas estruturais para o país. Outro ponto de destaque é a reprodução do
texto do Financial Times no qual o jornal elogia a imagem mais light do candidato do
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121
PT e lembra as boas administrações petistas. Houve ainda o posicionamento que
procura destacar as diferenças entre o Brasil e os seus vizinhos na América do Sul.
Mas, fora a disputa entre as controvérsias, O Globo procurou mesmo foi
alertar os candidatos à presidência quanto aos acertos da economia, o que
representa, em princípio, o acolhimento da controvérsia que estabelecia uma relação
entre a crise financeira e a sucessão presidencial. Seguem fragmentos do editorial:
(título do editorial: Sem gica) A avaliação negativa do risco dos títulos
brasileiros no mercado internacional feita pelo banco de investimento
Morgan Staley Dean Witter e pela corretora Merril Lynch, ambos
americanos, deflagrou uma espécie de ira cívica. Baseadas na ampliação
da liderança do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, nas mais
recentes pesquisas eleitorais sobre a corrida para o Palácio do Planalto, as
análises atraíram, como era óbvio, duras críticas do próprio Lula. Mas o
banco e a corretora também foram alvejados pelos demais candidatos e
até pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Entende-se que o
governo tenha participado dos ataques. Afinal, dada a importância das
duas instituições financeiras, houve imediata desvalorização dos títulos
brasileiros no mercado. [...] Mas os clientes dessas agências, e os
assinantes das análises dos grandes bancos de investimento e corretoras
de Nova York e Londres, esperam delas exatamente o que elas fizeram
agora com o Brasil: que os alertem a tempo sobre possíveis mudanças de
cenário no futuro. Não houve, nem , por parte dessas instituições,
especial sadismo em relação ao Brasil. Sejamos sinceros e racionais: a
economia brasileira tem avançado muito, mas os necessários ajustes fiscal
e externo ainda são frágeis. E se esse quadro de fragilidade for analisado
à luz das últimas sondagens eleitorais, qualquer analista pago para
assessorar investidores no exterior é levado a alertá-los sobre um cenário
de riscos que pode se tornar realidade a partir de 2003. Ou não. O
problema não está nas análises; o problema é a nossa economia.
[...] O jornal londrino “Financial Times analisa esse debate num editorial
sensato. Considera exagerado o risco do Brasil ter subido oitos pontos
percentuais, e lembra que o candidato do PT sempre começa as
campanhas na ponta das pesquisas. Foi assim três vezes e, mesmo que
seja vitorioso desta vez, aponta um dos mais importantes jornais
econômicos do mundo, a liderança petista abandonou muito da retórica
anticapitalista do passado. “Em várias cidades brasileiras o PT tem provado
ser bom administrador”, esclarece. O jornal alerta, contudo, que isso não
significa que o “investidor possa relaxar”. Afinal, somos parte da América
Latina, e é inevitável que as tragédias populistas e voluntaristas da
Venezuela e da Argentina sejam consideradas em Londres e Nova York na
hora em que analistas de bancos, corretoras e agências de risco procuram
traçar hipóteses de futuro para a economia brasileira. uma maneira
de o pximo presidente da República livrar-se do dissabor provocado por
avaliações negativas como essas: é manter-se firme em busca de um
ajuste fiscal e de um equibrio das contas externas consistentes e
permanentes. E, para isso, seja Lula ou não, terá de dar prioridade à
reforma tributária, sem esquecer as demais: a política e a previdenciária.
Com elas, será possível cortar os juros, voltar a crescer a taxas altas e sem
déficits comerciais. Não há mágica. (Coluna Opinião, jornal O Globo, p. 06,
03/05/02)
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122
A versão predominante no governo, assimilada como estratégia eleitoral do
candidato José Serra (PSDB), era abordar a vulnerabilidade do país como
conseqüência da falta de clareza dos programas dos candidatos da oposição em
relação à economia. Uma presença bastante comum no Jornal Nacional foi a do
presidente do Banco Central, Armínio Fraga, um conhecido operador do mercado
financeiro e ex-administrador de um dos fundos de investimento de propriedade do
megainvestidor George Soros, durante os anos de 1990. Na edição do dia 13.05.02,
o noticiário divulgou uma nota com o resumo de declaração do presidente do BC ao
telejornal Bom Dia Brasil, na manhã da mesma segunda-feira, na qual é feita a
crítica sobre as propostas da oposição, mas de forma a acentuar o tom de cobrança
sobre os candidatos.
Bonner - O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, comentou, hoje,
as oscilações dos últimos dias no mercado financeiro - e os relatórios de
bancos estrangeiros recomendando aos clientes que reduzam
investimentos no Brasil por causa de pesquisas eleitorais. Numa entrevista
ao Bom Dia Brasil, ele disse que ainda não está claro nos programas de
oposição que não haverá mudança radical nos rumos da economia. (JN
13/05/02)
A disputa em torno dessa controvérsia entrou pelo mês de junho, ocasião em
que governo e oposição continuaram a trocar acusações em torno da
responsabilidade pela crise.
Fátima - O pré-candidato do PT à Presidência da República, Luís Inácio
Lula da Silva, criticou hoje a declaração do presidente do Banco Central,
Armínio Fraga, de que a incerteza dos investidores em relação ao futuro
político do país está contribuindo para o nervosismo do mercado financeiro.
Lula “Esses cenários da subida do dólar e da desvalorização dos juros se
deveu, única e exclusivamente, ao próprio Banco Central que, ao mexer no
fundo, criou desconfiança. Eu acho que o presidente da República devia
assumir a seguinte responsabilidade: nenhum funcionário do governo
deveria comentar qualquer bobagem que pudesse criar mais embaraço
para o mercado”
O Banco Central não quis comentar as declarações de Lula.
Ciro Gomes -"Eu acho, inclusive, que as autoridades brasileiras têm,
nervosas ou oportunistas, ajudado a criar esse clima de especulação. O
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123
que es de fato ficando flagrante no Brasil é que eles explodiram a vida
interna de R$ 61 bilhões para R$ 640 bilhões, em sete anos. Eles
arrebentaram a dívida externa de US$ 128 bilhões para US$ 250 bilhões. A
conseqüência prática disso é que o mundo inteiro, que não é vítima da
propaganda que aqui tenta desviar a atenção da população, sabe que o
Brasil vai ter dificuldades rias para manejar suas dívidas".
José Serra - "Acho que é uma análise errada que fazem os investidores.
Estamos a muito tempo das eleições. Os resultados da eleição vão ser
bons para a economia e não se justifica introduzir nas análises de risco,
hoje, as pesquisas, porque ainda falta muito tempo para a eleição.
Portanto, o pano de fundo realmente é a questão eleitoral, mas, no meu
modo de ver, injustificadamente". (JN – 05/06/02)
A associação entre o processo eleitoral e a instabilidade econômica era uma
constante do noticiário, como podemos observar. Como principal comentarista do
telejornal naquele período, o ex-cineasta Arnaldo Jabor utilizava seu estilo
caricatural para dizer, usando o humor, o que se passava com o país. Notamos que
tamm nesse tipo de inserção está reproduzido o mesmo modelo de
enquadramento. Um exemplo é o comentário que foi ao ar em 07.06.02.
Arnaldo Jabor - O maior cabo eleitoral dessa campanha tem sido o medo.
Uns dizem: "se fulano não for eleito, isso vira Argentina". Outros gritam: "já
virou". O Brasil vai quebrar já! No meio disso tudo, ficamos nós, o chamado
"povo", tremendo de medo. "Ai meu Deus! Vou votar naquele ali porque
morri e não sabia, mas ele me salvará", ou "não vou votar naquele outro
senão morro amanhã". Que democracia é essa? Do bicho papão? O que
medo é ver que nos hinos tratam a nação como pátria amada e na
prática tratam-na como mulher de malandro, ou mãe Joana. Os candidatos
têm de mostrar programas, competência! Senão, quem ganha essas
eleições são os especuladores, que forçam baixas para vender na alta. E
tudo pode acabar assim: "vote em fulano e lucre milhões no dólar!". Isso é
um país, gente boa, não é uma bolsa de valores. (JN – 07/06/02)
A assertiva engraçada do comentarista seria tratada como assunto sério no
dia seguinte. Uma reportagem assinada pelo jornalista Clóvis Rossi, da Folha de S.
Paulo, em 08.06.02, a partir de entrevista exclusiva com o megainvestidor George
Soros, em Nova York, reforçou o temor provocado pela instabilidade do mercado e
acentuou o peso da economia sobre o processo político. Boa parte da reportagem
intitulada “Soros diz que EUA irão impor Serra e que Lula seria o caos” está a seguir:
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124
George Soros, sinônimo mundial de megainvestidor (ou megaespeculador,
como muitos preferem), avisa: o Brasil está condenado a eleger José Serra
ou a mergulhar no caos, assim que um eventual governo Luiz Inácio Lula
da Silva se instalar. Não se trata, desta vez, apenas da habitual
vontade do mundo financeiro em relação a Lula e ao PT. É muito pior:
trata-se de uma análise fria de como se mexem as engrenagens do
capitalismo global, de que Soros é não apenas um perito mas também um
ativo agente. O caos virá, acha Soros, por uma questão de "profecia que se
autocumpre". Funcionaria assim, na sua avaliação: os mercados acham
que Lula dará o calote quando assumir e começaram a se prevenir,
apostando contra o Brasil - ou, mais especificamente, contra o real.
A aposta pode aumentar enquanto as chances de Lula permanecerem
de pé, uma tendência que provavelmente irá até o dia do segundo turno.
Se Lula de fato vencer, assumi com uma situação financeira tão
dramática que não lhe restará alternativa a não ser dar o calote que o
mercado antecipava que ele daria. A profecia então se autocumpriria. Em
circunstâncias distintas, foi o que ocorreu na Argentina. Ou seja, não foi um
calote ideológico ou voluntarioso, mas uma imposição das circunstâncias.
Não havia mais como pagar a vida. A Folha ponderou a Soros que esse
mecanismo é absolutamente antidemocrático, na medida em que impede
que os eleitores, teoricamente soberanos, elejam quem bem entendam.O
investidor concorda. E compara os Estados Unidos de hoje à antiga Roma
imperial. "Na Roma antiga, votavam os romanos. No capitalismo global
moderno, só votam os americanos, os brasileiros não votam", diz Soros. É
claro que os americanos a que Soros se refere são os agentes financeiros,
não necessariamente o governo dos Estados Unidos ou o conjunto da
sociedade, que, com certeza, nem faz iia de que haverá eleição no
Brasil, salvo os minguados acadêmicos interessados no país. [...] O
megainvestidor acha que, se Serra vencer, a situação muda, apesar de a
dinâmica da crise já estar instalada. "Os mercados se acalmarão", prevê. E
explica por que: o capitalismo global não se arriscaria a inviabilizar um país
como o Brasil, que Soros chama de "o melhor aluno" do modelo econômico
hegemônico.[...] Pela análise de Soros, a única hipótese de o caos não se
estabelecer no país seria evitar a crise financeira. É possível?
"Com o dólar a R$ 2,66, a crise já começou", fulmina, em alusão à cotação
do dólar no momento da conversa com a Folha [...]
(OBS.: Na mesma edição, em matéria sobre o perfil de Soros, o jornal
corrige um dado histórico incorreto) A afirmação do megainvestidor -
comparando o Império Romano aos EUA - de que "na Roma antiga
votavam os romanos" não é verdadeira. Habitantes de outras cidades que
eram membros de famílias ricas, mesmo em proncias distantes,
geralmente tinham direitos políticos e participavam das administrações
municipais por meio de eleições.
76
A repercussão das declarações de George Soros foi grande, sobretudo nos
bastidores da campanha presidencial. É que ela deu tons bastante claros à situação
do país, uma potência emergente que via sua margem de manobra na economia
global bastante reduzida em função da grande dependência de capital externo.
76
ROSSI, Clovis. Soros diz que EUA irão impor Serra e que Lula seria o caos. Folha de São Paulo, São Paulo,
8 jun. 2002. Brasil, p. 6.
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125
Esse quadro se refletia na perspectiva do funcionamento democrático das
instituições a partir da premissa colocada por um representante do mercado
financeiro de que, no modelo do capitalismo global, somente a potência hegemônica
exerce o poder de escolha no âmbito da política.
Enquanto o comando da campanha de Serra tratava de tirar proveito do clima
estabelecido, afinal ele tenderia a beneficiar o candidato da situação, ao PT coube
repudiar o que chamou de terrorismo eleitoral. Mas o comando da campanha
passou a adotar a estratégia de esvaziar a polarização entre o partido e as
manifestações contrárias dos representantes do mercado. Foi nesse ambiente, e
procurando falar mais ao mercado do que aos eleitores, que foi gestada a ‘Carta ao
Povo Brasileiro’, documento divulgado em 22.06.02, no qual o candidato petista
reafirmava o compromisso com os contratos realizados pelo país e a adoção de um
período de criteriosa transição para proceder mudanças nas bases da política
econômica. A divulgação do documento mereceu destaque no Jornal Nacional,
incluindo até sua repercussão junto aos adversários.
Bonner - O pré-candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, antecipou hoje
pontos do programa econômico que vai adotar, se for eleito presidente da
República. O anúncio foi feito num momento de turbulência no mercado
financeiro que, segundo analistas internacionais, é provocada por
incertezas no quadro eleitoral. O encontro do PT para discutir programa de
governo coincidiu com o fim da semana mais tumultuada do mercado
financeiro nos últimos tempos. Luiz Inácio Lula da Silva, que neste
momento está na frente nas pesquisas de opinião, antecipou alguns pontos
que pretende adotar, caso eleito. Ele leu um documento que chamou de
carta ao povo brasileiro. Na carta, Lula faz duras críticas ao governo. Diz
que a crise atual não é apenas especulação, é também conseqüência da
vulnerabilidade e da fragilidade provocadas pelo crescimento das dívidas
interna e externa. Também acusa o governo de, em 1998, ter escondido a
informação de que o real estava artificialmente valorizado e, portanto,
sujeito a ataques especulativos. Diz ainda que o governo fracassou ao não
conseguir aprovar uma reforma tributária para acabar com os impostos que
encarecem a produção. Veja os principais trechos da carta:
Transição criteriosa - "O PT e seus parceiros têm plena consciência de
que a superação do atual modelo, reclamada enfaticamente pela
sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia para o outro. Não
há milagres na vida de um povo e de um país. Será necessária uma lúcida
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126
e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade
reivindica".
Respeito aos contratos - "Premissa dessa transição será naturalmente o
respeito aos contratos e obrigações do país".
Superávit primário - "Vamos preservar o superávit primário o quanto for
necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a
confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos".
Estabilidade e crescimento - "Quero agora reafirmar esse compromisso
histórico com o combate à inflação, mas acompanhado de crescimento da
geração de empregos, da distribuição de renda. a volta do crescimento
pode levar o país a contar com um equilíbrio fiscal consistente e duradouro.
A estabilidade, o controle das contas públicas e da inflação o hoje um
patrimônio de todos os brasileiros. Não são um bem exclusivo do atual
governo, pois foram obtidos com uma grande cota de sacrifício,
especialmente dos mais necessitados".
Mudanças com democracia - "O novo modelo não poderá ser produto de
decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implantado
por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação
nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país. As
mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro
dos marcos institucionais".
Bonner - O governo não quis se pronunciar sobre as declarações de Luiz
Inácio Lula da Silva.
..........................................................
Fátima - Em Gravatá, no interior de Pernambuco, o candidato do PSDB à
presidência da República, José Serra, comentou a carta do PT. O
candidato considera que Lula adotou agora as iias que ele, José Serra,
defende. Entre elas, a adoção das metas de superávit primário e o respeito
aos contratos.
Serra - "Tudo que eu espero é que a oposição possa ir se aproximando
das teses, da responsabilidade, da calma, do cumprimento de contratos e
tudo mais. No passado não faziam isso, mas eu espero que agora
cheguem perto disso. Nós vamos manter a Lei de Responsabilidade Fiscal,
que significa o governo não poder gastar mais do que ele tem, esta é uma
lei pela qual inclusive nós batalhamos bastante no passado. Ao mesmo
tempo, as metas de inflação nós vamos manter a credibilidade, respeitar
contratos, não dar calote, isso é o essencial. Com calma, fazer o Brasil
crescer e aumentar as oportunidades de emprego".
...........................................................
Bonner - O candidato do PPS, Ciro Gomes, disse hoje que o pré-candidato
do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, tenta parecer o que não é, se submetendo
ao capricho dos especuladores. Ciro Gomes também falou como pretende
enfrentar o nervosismo do mercado financeiro, se for eleito presidente.
Ciro Gomes - "A economia brasileira precisa crescer. Só crescendo esses
problemas ficarão completamente relativizados. Para crescer, s
precisamos reformar o sistema tributário, refundar as bases do
financiamento da previdência social, precisamos eliminar o ficit nas
contas externas do Brasil e nós obteremos um prazo mais longo
negociado para os vencimentos da dívida". (JN -22/06/02)
O enquadramento que privilegiava a abordagem do problema econômico
como tema central no debate político veio a se confirmar com o início da propaganda
eleitoral, liberada aos partidos e coligações a partir do dia 6 de julho, e com a
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127
realização da primeira série de entrevistas com os presidenciáveis no JN, que foi
veiculada de 8 a 11 de julho
77
. Em editorial no dia 7 de julho, o jornal O Globo
cobrava clareza e sinceridade dos candidatos na apresentação das propostas, com
tratamento especial ao candidato Luis Inácio Lula da Silva.
(título do editorial: Sem mágicas) Passada a Copa do Mundo e encerradas
as comemorações, a campanha eleitoral tende a atrair as atenções gerais.
Oficialmente aberta ontem, ela coincide com um momento de instabilidade
da economia mundial, cujas ondas atingem de forma especial o Brasil. Em
meio a uma conjuntura de grande volatilidade no mercado financeiro, os
candidatos à Presidência da República enfrentam o desafio de apresentar
propostas capazes de não agravar o quadro especulativo atual; ao
contrário, que ajudem a debelar as incertezas semeadas até agora. Por
isso, candidatos e assessores devem ser precisos e objetivos na
divulgação e explicação de seus programas econômicos. Líder nas
pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva deu passos na direção certa ao
comprometer-se com a busca de metas de inflação, de um superávit
primário equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto para manter a
dívida interna sob controle e ao garantir o “cumprimento dos “contratos”.
Em português claro, rejeitar qualquer calote. Esse discurso, contudo, já não
é suficiente para aplacar dúvidas e incertezas. Espera-se, agora, o
programa econômico do PT por escrito. Pois o será em poucos meses
de discurso suave que o PT conseguirá alterar uma imagem construída
durante anos. Ainda não foi apagada da memória a proposta de uma
política econômica de “ruptura”, aprovada em congresso do partido no final
do ano passado [...] (Coluna Opinião, jornal O Globo, p. 06, 07/07/02)
A medida de mudança do programa do candidato dominaria a entrevista
realizada na bancada do Jornal Nacional, no dia 11 de julho. Os questionamentos
sobre o pagamento da dívida externa tomariam boa parte da entrevista, e atestam a
pretendida mudança na imagem de Lula e no eixo programático do PT, conforme os
fragmentos que seguem:
77
A primeira rodada de entrevistas foi levada ao ar pelo Jornal Nacional nos dias 8, 9, 10 e 11 de julho de 2002.
Um sorteio prévio definiu a ordem de participação dos candidatos. Cada entrevista durou 10 minutos, tempo em
que os candidatos foram sabatinados por William Bonner e Fátima Bernardes. A rie foi realizada na semana
de abertura do calendário eleitoral e a 40 dias do início da propaganda no rádio e na tevê, em 20 de agosto. O
formato adotado foi da entrevista de confronto, em que “o repórter assume o papel de inquisidor, despejando
sobre o entrevistado acusações e contra-argumentando, eventualmente com veemência, com base em algum
dossiê ou conjunto acusatório. O repórter atua, então, como promotor de um julgamento informal [...]
Dependendo da habilidade retórica do entrevistado e da competência acusatória do repórter, a entrevista pode
transformar-se em um espetáculo de constrangimento ou, pelo contrário, em uma peça de redenção; em suma, o
repórter ou o entrevistado, o que é mais raro, pode ganhar”. Cf. LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica
de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 71.
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128
Bonner - No ano 2000, houve uma consulta popular, alguns chamaram de
plebiscito, que foi apoiado pelo PT, que perguntava aos eleitores se eles
eram favoráveis ou contrários à continuidade do pagamento da dívida
externa e interna. Na ocasião, o PT manifestou-se favorável a que não se
pagasse mais a dívida [...] O senhor mudou de opinião? O partido mudou
de opinião?
Lula : [...] quando você faz a discussão política da realidade de uma dívida
externa, e se você fizer um plebiscito ainda hoje muita gente vai dizer para
não pagar, mas quando você assume um governo você tem uma relação
de estado para estado. É uma relação que o depende apenas da sua
vontade. Então, não é que o PT mudou apenas de opinião, o PT evoluiu
para compreender que os contratos firmados pelo nosso Brasil com outros
países têm que ser cumpridos e tamm vale dos outros para conosco. É
apenas uma questão de amadurecimento, de entender que uma coisa é o
cidadão comum dizer uma coisa, outra coisa é um candidato ou um
governo agir dessa forma.
Bonner : Mas eu lembro que o presidente nacional do partido, deputado
José Dirceu, assinou uma recomendação aos eleitores de que naquela
ocasião votassem contrariamente à continuidade do pagamento.
Lula : Em 89 a gente defendia o o pagamento da vida externa. Desde
1994, o PT evoluiu para uma coisa mais simples, que era preciso fazer
uma auditoria para saber o que foi dívida contraída e dinheiro aplicado aqui
dentro e o que foi dinheiro desviado. em 98, a gente não falava mais
isso.
Bonner : O Brasil tem a garantia de que partido não vai mais mudar de
idéia após a eleição em relação a esse assunto?
Lula : (sem responder) O que nós queremos na verdade é construir um
país um pouco mais justo. Sabe o que acontece? Não é mais possível o
povo, a classe média brasileira, o pequeno empresário pagarem as contas
de tudo que acontece no Brasil, e quando as coisas melhoram, que tem
banquete, essa mesma gente não é convidada para participar. E depois,
quando fracassa, é convidado a pagar a conta. Veja o que es
acontecendo agora: nós temos os chamados preços controlados, que é o
preço da energia, do gás, o lar aumenta, aumenta esses preços, agora,
quando o dólar baixa, não baixa os preços. Ou seja, é sempre a parte
pobre da população que es sendo convocada a arcar com a
irresponsabilidade daqueles que governam o nosso país. (JN -11/07/02)
A entrevista com Ciro Gomes (PPS) também foi realizada no sentido de
buscar o compromisso do candidato com as regras dos contratos vigentes, uma
oportunidade para o esclarecimento das suas propostas para a economia, conforme
objetivo que a equipe do Jornal Nacional definiu para as sabatinas.
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129
Fátima : Vamos tratar de um ponto do seu programa que é a renegociação
da dívida interna. Quem tem dinheiro aplicado na poupança, quem tem
dinheiro aplicado num investimento de renda fixa, essas pessoas vão
receber no prazo e com os investimentos combinados antecipadamente?
Ciro : Vão. Podem ficar todos os brasileiros sossegados. Se tocar a mim o
privilégio de servir a esse país como seu presidente, não haverá quebra de
contrato, não haverá imposição de nada. [...]
Bonner : Se o senhor não quebra contrato no prazo e não quebra contrato
no rendimento previamente combinado, no caso de fundos de renda fixa,
como se dá essa negociação?
Ciro: O problema é o prazo. O atual governo, no modelo que eu considero
errado, faz o seguinte: pega os R$ 1 mil do salário e paga os R$ 20 mil
com R$ 1 mil. Fica devendo R$ 19 mil e pede por três dias R$ 23 mil para
pagar o saldo que ficou, a tal rolagem da dívida. Sai de lá sem os R$ 1 mil,
devendo R$ 23 mil e empurra o problema com a barriga por 3 dias. Quem
não tem experiência fala em calote, quebra de contrato. Eu fui o único caso
de administrador público brasileiro que pagou 100% da dívida mobiliária do
seu estado, quando fui governador do Ceará, com 15 anos de
antecedência. O que podemos fazer? Premiar voluntariamente o aplicador
que queira alongar o prazo com a taxa de juros mais alta. E tencionar, via
mercado, sem qualquer tipo de aventura, a taxa de juros de curto prazo
para mais baixo. De maneira que vo estabelece uma diferença. Quem
emprestar por mais longo prazo recebe um pouco mais de prêmio.
Bonner: Quando se fala em renegociação, isso provoca arrepios em muita
gente...
Ciro: Por isso que eu nunca falei a palavra renegociação.
Bonner: Mas a palavra está contida no seu discurso.
Ciro: o é renegociação a palavra. s propomos um alongamento
gradual e negociado dos prazos.
Bonner: Alongamento é um nome mais tranqüilo [...] (JN - 08/07/02)
A pressão do movimento especulativo sobre a economia foi se tornando
maior, em função do aumento do risco-Brasil, da queda dos preços das ações
negociadas em bolsas de valores e da possibilidade de estouro de uma crise da
dívida interna, que já estava em R$ 630 bilhões. No governo, o cenário de
quebradeira passou a ser visto como um desastre para as pretensões políticas do
seu candidato. Também havia a posição pessoal do presidente Fernando Henrique
Cardoso, preocupado em ver sua popularidade despencar ainda mais ao final do
segundo mandato. da parte da oposição, o temor era de que houvesse uma
extensão da crise econômica sobre o processo eleitoral, o que contribuiria para
ampliar junto ao eleitorado um sentimento antipetista, engendrado a partir do
movimento de inquietação do mercado financeiro.
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130
Na mesma semana da realização das entrevistas com os candidatos, o JN
anunciava a iniciativa do presidente do Banco Central em propor a discussão de
uma transição pra o futuro governo. A medida trazia outra proposta embutida, não
explicitada pelo noticiário, que se tratava da costura de um novo acordo com o FMI,
desde que houvesse a concordância de todos os candidatos. O JN chegou a
antecipar esse movimento, ainda na véspera, a partir de informação divulgada pela
revista The Economist. Seguem as notas divulgadas pelo telejornal nas duas
edições.
Fátima - A edição da revista inglesa "The Economist" que começou a
circular hoje informa que o Fundo Monetário Internacional estaria
costurando um acordo com os principais candidatos à presidência do
Brasil. De acordo com a revista, o FMI quer ter a certeza de que o futuro
presidente vai honrar todos os compromissos fechados com o atual
governo brasileiro. (JN - 12/07/02)
.............................................
Bonner - O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, convidou o
presidente do PSDB, José Aníbal, para discutir a transição do final do
governo Fernando Henrique para o próximo. O encontro acontece na
quarta-feira à tarde. Na segunda-feira, Arnio Fraga deve marcar a data
da reunião que terá com o deputado Aloízio Mercadante, do Partido dos
Trabalhadores (PT). (JN - 13/07/02)
A movimentação em torno do acordo com o FMI recebia a resistência dos
candidatos da oposição. Uma das razões para isso estava no fato de eles temerem a
condição de reféns do quadro institucional, a partir de um cenário de crise para a
qual não tinham contribuído, e de onde nascia, inclusive, a perspectiva de vitória de
um de seus representantes. Tamm pesava o fato de que a participação nas
negociações para o acordo poderia trazer eventual desgaste eleitoral diante dos
reflexos dos termos acordados junto à sociedade. Nos dias seguintes, o aumento da
instabilidade econômica tornou a possibilidade de um acordo de emergência bem
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131
concreta. A visita da vice-diretora do FMI ao Brasil naqueles dias mereceu a
seguinte cobertura do JN.
Fátima - A vice-diretora gerente do FMI, Anne Krueger, disse hoje, em
Brasília, que o fundo vai continuar apoiando o atual governo e também o
próximo, a ser eleito em outubro.
Repórter - Anne Krueger começou a visita a Brasília com um almoço no
Ministério da Fazenda. Quase na mesma hora, o Banco Central divulgava
números positivos da economia brasileira. Apesar das turbulências
internacionais, os investimentos estrangeiros em empresas no Brasil não
caíram. No semestre, foram US$ 9,6 bilhões. Em junho, US$ 1,5 bilhão.
Dinheiro mais que suficiente para cobrir os pagamentos do Brasil no
exterior, que ficaram em US$ 1,3 bilhão. E pra 2002, a expectativa do
Banco Central se mantém otimista.
Altamir Lopes (diretor do BC) -"Estamos mantendo os 18 bilhões de
programação para o ano, sem dúvida".
Do ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, a vice-diretora gerente do
FMI ouviu um relato sobre a política comercial brasileira. Ela quis saber o
interesse dos candidatos à presidência pelo comércio exterior. Depois,
Anne Krueger esteve com o presidente Fernando Henrique Cardoso. Na
avaliação de Anne Krueger, o desempenho da economia brasileira foi
excelente nos últimos anos. Sobre os novos desafios, ela disse que a
equipe econômica sabe como enfrentá-los. A vice-diretora do FMI negou
que esteja negociando um novo empréstimo com o Brasil. Mas Anne
Krueger deixou claro que o FMI apóia o Brasil e es pronto para trabalhar
com qualquer candidato que vença as eleições no país. (JN - 23/07/02)
O clima de otimismo quanto ao entendimento entre o governo e a oposição
esteve presente em dois editoriais do jornal O Globo no final do mês de julho. Em
um deles, o jornal fez uma clara manifestação de apoio ao acordo com o FMI. No
outro texto, uma saudação ao período de normalidade institucional em
comemoração aos 17 anos de lançamento da chamada Nova República, em 1985
e a convocação para o entendimento político, que, segundo defendeu o jornal, deve
ser maior que o confronto de vontades e ocorrer dentro do marco do equilíbrio entre
os poderes.
(título do editorial: República viva) À medida que se tornam mais nítidos
os contornos do atual processo eleitoral, é de extrema importância reavivar
na memória o caminho percorrido até agora para que cada eleição, sem
arroubos ou salvacionismos, seja o aperfeiçoamento de um processo que
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132
não termina nunca. [,,,] É nas crises que se percebe ser esse arcabouço
institucional uma construção como qualquer outra, fruto de um trabalho
consciente; e felizes os povos onde essa estrutura é lida. Sem moldura
institucional, o jogo político transforma-se num perigoso choque de
vontades. [...] Oito anos de normalidade democrática são um patrimônio
que a ninguém é dado ignorar. E à frente reformas importantes, a
esperar por deliberações consistentes do Executivo e do Legislativo. Todos
os avanços e conquistas podem e devem ser obtidos dentro de um
processo político que implique a negociação e o equilíbrio entre os
poderes. [...] (Coluna Opinião, jornal O Globo, p. 06, 28/07/02)
.............................................................................
(título do editorial: Rejeição inócua) Se o país em desenvolvimento é
surpreendido por condições adversas no mercado financeiro internacional
antes que os investimentos já estejam proporcionando o retorno esperado
para equilibrar o balanço de pagamentos, a alternativa é o auxílio do Fundo
Monetário Internacional. O FMI foi criado e ainda existe exatamente para
socorrer países membros da instituição que enfrentem crises temporárias
no balanço de pagamentos. Esse é o caso do Brasil, no momento. Acordos
com o Fundo podem ser negociados com rapidez porque o país já vem
pondo em prática programas de ajuste que seriam recomendáveis para
esse tipo de situação. Assim, o FMI não terá dificuldades em renovar o
atual acordo se o próximo governo tamm se comprometer com certas
questões fundamentais da política econômica, entre as quais a
continuidade de supevits primários nas contas públicas, o esforço para o
cumprimento de metas de inflação e o câmbio flutuante. Dificilmente o
sucessor do presidente Fernando Henrique Cardoso poderá executar um
programa econômico que se afaste desses pontos básicos, pois correria o
risco de agravar a crise, em vez de solucioná-la. Dessa forma, a
manutenção de acordos com o FMI não implica qualquer custo adicional
para o país a não ser, para alguns, o desgaste político de se reconhecer
que o Fundo exerce função necessária. Rejeições antecipadas ao FMI por
parte de candidatos equivalem a uma pessoa que se recusa a ir ao médico
mesmo estando doente. (Coluna Opinião, jornal O Globo, p. 06, 30/07/02)
A fase de maior tensão quanto à controvérsia envolvendo a crise financeira e
o momento eleitoral foi verificada no final do mês de julho, quando foi mais freqüente
a presença dos representantes do governo no Jornal Nacional, no sentido de
acalmar o mercado. A perspectiva do fechamento do acordo levou o presidente
Fernando Henrique Cardoso mais vezes à tevê
78
. O fechamento do empréstimo
financeiro viria a ser anunciando pelo JN no dia 7 de agosto. Eis o relato da matéria:
Bonner - Depois de oito dias de negociações, o FMI divulgou um novo
programa de ajuda financeira para o Brasil. O fundo monetário vai
78
O presidente Fernando Henrique Cardoso foi uma fonte bastante presente no Jornal Nacional em 2002. De
janeiro a agosto, ele apareceu 26 vezes em entrevistas ou pronunciamentos diretos. Em mais de 70% dos casos,
os temas abordados foram política, economia e eleições.
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133
emprestar US$ 30 bilhões para o Brasil, 20% dos recursos - US$ 6 bilhões
- serão liberados este ano para o atual governo e 80% dos recursos só
serão liberados ano que vem. O acordo tem a duração de 15 meses. O
piso das reservas internacionais, que hoje é de US$ 15 bilhões, foi
reduzido para US$ 5 bilhões - o que vai dar mais folga para o Banco
Central intervir no mercado em caso de necessidade. A meta de superávit
primário para o ano que vem é a mesma deste ano: 3,75% do PIB. A nota
assinada pelo diretor-gerente do FMI reafirma a nota, divulgada pelo
Ministério da Fazenda no Brasil, de que o governo está convencido de que
o acordo serve aos interesses do país e es confiante que será apoiado
pelos principais candidatos à presidência da República. A nota do FMI
ressalta: consultas estão em curso a este respeito. A nota afirma ainda que
o acordo reduz incertezas e vulnerabilidades e que é uma ponte para o
próximo governo. O acordo se de examinado pela diretoria executiva do
FMI no começo de setembro. (JN - 07/08/02)
A necessidade de manifestão pública dos candidatos em apoio ao acordo
levou à realização de reuniões fechadas entre o presidente e os candidatos, no dia
19.08.02, no Palácio do Planalto. Ao propor os encontros, o presidente Fernando
Henrique Cardoso recebeu a designação de ‘estadista’ em editorial do jornal O
Globo, publicado alguns dias antes.
(título do editorial: Hora do estadista) A inédita e, pode-se dizer, histórica
decisão do presidente Fernando Henrique de convidar candidatos a tratar
da crise cambial deve ser entendida na sua verdadeira dimensão. O gesto
partiu do chefe na nação, sem qualquer interesse partidário. [...] A
coincidência do calendário eleitoral com a evolução de uma crise mundial
de escassez de crédito produziu uma mistura explosiva. Essa conjugação
de fatores, incluindo a liderança da oposição nas sondagens eleitorais, fez
correr o tempo, e tornou imprescindível uma definição, já, de importantes
linhas da política econômica para o futuro. [...] É dentro desse cenário que
candidatos estão sendo chamados a assumir responsabilidades e dar o
apoio sem subterfúgios ao acordo com o Fundo. (Coluna Opinião, jornal O
Globo, p. 06, 14/08/02)
O resultado dos encontros mereceu uma divulgação curiosa na edição do
Jornal Nacional: após a manifestação dos candidatos, coube ao próprio presidente,
tamm tratado como estadista pelo noticiário, fazer a sua avaliação dos encontros.
E o fez como alguém que analisa o posicionamento que entendeu ser o de cada
candidato, sempre visando dar tranqüilidade ao mercado.
Repórter - O presidente Fernando Henrique estava satisfeito, orgulhoso.
Para ele o encontro foi uma demonstração de maturidade política.
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134
Fernando Henrique Cardoso - Hoje é um dia, para mim, de muita
satisfação, como presidente e como brasileiro, porque conversei com os
principais candidatos à sucessão presidencial. E conversamos com espírito
público, pensando no país.
Repórter - O presidente disse que passou para os candidatos todos os
detalhes do acordo com o FMI
Fernando Henrique - Foi para dizer-lhes que nós estamos pavimentando o
caminho para que, com segurança para o Brasil, sejam aplicadas as
políticas que parecerem a eles mais convenientes, ano que vem. Os
acordos que estão sendo elaborados o acordos que prevêem a
possibilidade de uma transição tranqüila, venha a ganhar quem vier.
Repórter - E o presidente disse que os quatro candidatos foram explícitos.
Todos disseram que vão honrar o acordo.
Fernando Henrique - O candidato Luiz Inácio Lula da Silva reiterou o que
já tinha dito antes. No programa do PT, disse: 'Nosso governo vai preservar
o superávit primário o quanto for necesrio de maneira a não permitir que
ocorram um aumento da dívida interna em relação ao PIB, o que poderia
destruir a confiança na capacidade do governo de cumprir seus
compromissos'. E não nenhuma vida quanto a que entenderam o
acordo. E que a disposição é de manter contratos e compromissos.
Fernando Henrique - Não foi diferente a atitude do candidato Ciro Gomes.
Também já tinha dito de maneira expcita o seguinte: 'Sempre tive e
renovo agora, projetando para um eventual governo futuro, que eu venha
presidir, por vontade soberana do povo brasileiro, sempre tive
compromisso com a austeridade fiscal, com estabilidade da moeda e
respeito aos contratos'.
Fernando Henrique - O candidato José Serra da mesma forma tem sido
bastante explícito em mostrar que apóia o acordo e que cumprirá as
condições do acordo.
Fernando Henrique - O candidato Garotinho também não fez nenhuma
observação e no final deixou aos cuidados do ministro da Fazenda um
envelope fechado com uma carta que eu não li. Mas na conversa os
esclarecimentos foram prestados e ele me disse que parte do que estava
naquela carta já estava esclarecido. Ele disse também que já era previsão
antes do acordo quanto ao superávit primário de 3,75%, portanto que não
há problema quanto a isso.
Repórter - Sobre algumas críticas dos candidatos, respondeu:
Fernando Henrique - Como nós estamos em campanha, vocês conhecem
os hábitos nacionais. (JN -19/08/02)
Nesse ambiente, o tratamento do tema economia na série especial foi restrito.
Uma reportagem, no dia 12 de agosto, tratou do controle da inflação, ocasião em
que valorizou a postura do governo que se encerrava. O tom mais crítico veio na
reportagem do dia seguinte (13/08), quando o tema foi o aumento da dívida pública.
A reportagem chegou a divulgar as duas interpretações sobre o assunto, do governo
e da oposição. Mais de quinze dias depois o presidente voltava ao JN para rebater
a crítica, que tamm apareceu no HGPE.
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135
Repórter - Ao longo da história os governos gastaram mais do que
arrecadaram. E para fechar as contas recorreram a empréstimos. Foi-se
acumulando uma dívida diferente da vida externa: a dívida interna. Quem
fornece os recursos são investidores nacionais, que m reais sobrando.
Em troca, eles recebem títulos, com um compromisso de pagamento com
juros. É como se o Brasil tivesse entrado no cheque especial. O problema
não é novo, mas se agravou na última década. A dívida interna pulou de
R$ 61 bilhões, em 1994, para R$ 624 bilhões no fim do ano passado [...]
Para o governo, a vida foi administrada da melhor maneira possível,
ajudou o país e es sob controle. A oposição discorda: acha que houve
desperdício e má administração. A conta, para ela, cresceu demais. Esse é
um dos temas centrais da campanha. O eleitor tem que estar de olho no
horário político e cobrar explicações. (JN -13/08/02)
......................................................................
Fátima - O presidente Fernando Henrique Cardoso rebateu nesta sexta-
feira as críticas sobre o crescimento da dívida pública. Ele disse que é
resultado da herança de governos anteriores e que agora, com a Lei de
Responsabilidade Fiscal, o governante não pode mais passar a conta para
o sucessor.
Fernando Henrique - O que o meu governo fez foi reconhecer dívidas pré-
existentes e assumir dívidas que estavam na mão dos bancos e que eram
dos estados ou esqueletos que ninguém reconhecia, mas que já estavam
minando a credibilidade do país. Mas não foram dívidas derivadas de um
impulso gastador, irresponsável, da parte do governo central. E hoje
nenhum governo, mesmo que tenha esse impulso, poderá efetivá-lo,
porque os limites são claros, a lei é clara e é uma lei que inclui inclusive
penalidades. (JN – 30/08/02)
...........................................................
(entrevistado) “A década de 80 e também a década de 90 mostraram
uma série de experiências no Brasil para tentar erradicar a inflação e ela só
foi erradicada num curto prazo e mais adiante retornou".
Repórter - O Brasil terminou a década de 80 com uma inflação de mais de
1.500% ao ano. E, em 1993, quase chegou a 2.500%. O Plano Real é até
agora a única experiência bem sucedida. Depois que entrou em vigor, em
julho de 1994, a inflação se manteve sempre em níveis baixos: fechou o
ano passado com 7,27%. Domar a inflação foi uma conquista importante,
que teve um preço. O governo manteve, durante quatro anos, o câmbio
quase fixo. Os juros subiram para controlar o consumo. E com isso a
economia cresceu menos. Passados oito anos, os preços continuam
variando pouco, mas o desemprego é alto. Surge a pergunta: será que o
remédio foi muito forte? (JN – 12/08/02)
O questionamento transcrito acima demonstra um aspecto interessante para
efeito da análise das séries especiais. O tratamento restrito da cobertura econômica,
fortemente influenciada pela conjuntura de crise, deixou fora do debate eleitoral
proposto as próprias medidas corretivas que seriam necessárias para a manutenção
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136
do Plano Real. Na ausência dessa discussão, restou à temática economia e
negócios reafirmar as dúvidas em relação ao momento que o país atravessava.
4.6.5 ANÁLISE DO TEMA CORRUPÇÃO E PROBLEMAS ÉTICOS
TABELA 10
ESTATÍSTICAS DOS ENQUADRAMENTOS
TEMA 5 – CORRUPÇÃO E PROBLEMAS ÉTICOS
Tema
Corrupção e
problemas
éticos
8 (51)
15,6%
posição
Agentes da
corrupção
Políticos
(7)
13,7%
Poderes
públicos
(5)
9,8%
Agentes
econômicos
(3)
5,8%
Movimentos
sociais
(0)
0%
Cidadão/eleitor
(0)
0%
Participação do
Estado na
corrupção
Corrupto
(3)
5,8%
Não fiscaliza
e pune
(3)
5,8%
Omisso
(2)
3,9%
Não
aparece
(2)
3,9%
Corruptor
(1)
1,9%
Honesto
(0)
0%
Participação dos
agentes
econômicos na
corrupção
Não
aparece
(5)
9,8%
Corruptores
(2)
3,9%
Corrompidos
(1)
1,9%
Vítimas
(0)
0%
Participação do
movimento social
na corrupção
Não
aparece
(7)
13,7%
Vítima
(1)
1,9%
Corrompidos
(0)
0%
Corruptores
(0)
0%
Participação do
cidadão/eleitor na
corrupção
Vítima
(5)
9,8%
Corrompido
(2)
3,9%
Não aparece
(2)
3,9%
Corruptor
(0)
0%
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137
A investigação sobre o tratamento do tema corrupção e problemas éticos
aponta para o descrédito dos ‘políticos’, que aparecem liderando (13,7%) quando
as reportagens apresentam quem o os agentes da corrupção no país. Em
seguida são citados os ‘poderes públicos’ (9,8%) e os ‘agentes econômicos’
(5,8%).
Esse resultado, pelo que se demonstra, não contradiz a interpretação
majoritária na qual o Jornal Nacional, em suas reportagens especiais, atribui à
política (50,9%) a credencial de fonte primeira para solução das mazelas sociais.
Tampouco nega a característica da política como instrumento de transformação da
realidade (11,7%). Tais características representam a maior reversão de imagem
operada pelo noticiário entre a fase de pré-campanha e a da campanha
propriamente dita. É quando o tratamento da política deixa de merecer o peso de
uma valência negativa e passa a encontrar uma visibilidade mais próxima da idéia
de que a prática política é imprescindível para o aprimoramento da democracia, o
que contribui com a operação enunciativa do telejornal em nome do interesse de
mobilizar o telespectador/eleitor para o processo eleitoral.
Nesse sentido, a abordagem do tema corrupção e problemas éticos traça um
paralelo importante com as entrevistas dos presidenciáveis no JN. É que os quatro
principais candidatos ficaram expostos a questionamentos que procuraram explorar
aspectos negativos de suas imagens, denúncias de corrupção e incoerências
político-eleitorais que cercavam as candidaturas. Aqui retomamos a idéia segundo a
qual a televisão garantiu espaço privilegiado ao campo político sem, contudo, perder
o controle sobre as condições em que as controvérsias seriam expostas.
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138
Um bom indicativo de como os agentes da mídia encararam o desafio de
‘debater’ com os experientes agentes da política está na declarão do editor-chefe
William Bonner, quando indagado por um jornal dominical sobre as entrevistas na
bancada do programa.
Você não teme que, por ser ao vivo, algum candidato fale o que quiser
no ar?
Bonner O candidato não fala o que quer. Ele fala o que é razoável para
alguém que se dirige a uma multidão ao vivo numa televio [...] Nenhum
político que se preze vai querer entrar para a história como o primeiro a, na
bancada do Jornal Nacional, subir nas tamancas e perder as estribeiras.
Estamos preparados para que aconteça algo assim. E se acontecer,
resolveremos.
79
Foi na primeira série, em julho, que a presença do tema corrupção e
problemas éticos foi mais freqüente durante as entrevistas. A seguir, transcrevemos
alguns momentos deste tipo de embate político até então inédito na televisão
brasileira, o que motivou a adoção do formato por outras emissoras do país, o que
demonstra a abertura de um espaço em horário nobre para a política fora do HGPE.
Fátima : O senhor es se candidatando a um cargo que vai exigir muito
poder de negociação com vários setores, mas principalmente com o
Congresso Nacional. Como é que o senhor pretende negociar e ao mesmo
tempo controlar uma fama que o senhor tem, de temperamento explosivo,
ou como se diz popularmente, a fama de pavio curto?
Ciro : Na verdade isto é muita lenda. Eu já fui ministro da Fazenda,
administrei a economia brasileira na fase crítica de implantação do Plano
Real, já fui governador de um estado, que é o oitavo estado brasileiro, já fui
prefeito de Fortaleza, que é a quinta cidade do Brasil, e todo mundo que
fizer um mínimo de pesquisa vai ver que foram momentos de grande paz
política. Eu acho que a chance do Brasil es em equilibrar bem uma
relação de negociação com mobilização. Se você negociar nos
gabinetes fechados de Brasília a tendência é que o presidente da
República acabe refém dos interesses de um setor privilegiado já
organizado e ativo da sociedade brasileira. Se vo fizer o apelo
populista às massas, você estará trazendo crises e tensões que o o
boas para o país. A solução é equilibrar bem, a mobilização da sociedade,
informar a sociedade, com respeito ao Congresso Nacional, que é onde
está o santuário da democracia.
Bonner : O senhor sente no ambiente político e mesmo no empresariado
brasileiro um clima receptivo às negociações com o senhor? O senhor não
79
“O PODER do dono da bancada”. Zero Hora. Porto Alegre: 22 set. 2002. TV Especial, p. 6.
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139
enxerga essa imagem que é atribuída ao senhor de uma pessoa de
temperamento difícil, como disse a Fátima, o senhor não enxerga isso?
Ciro : Eu percebo. Claro que há, aqui e ali. E na verdade se confunde um
pouco pavio curto com uma certa afirmação. Eu sou um homem de
convicções, sou indignado [...] (JN – 08/07/02)
..................................................................
Fátima : O senhor censurou a exibição de algumas gravações feitas de
conversas telefônicas suas que seriam usadas possivelmente contra o
senhor. Por que a censura?
Garotinho : Depois liberei, elas foram liberadas.
Fátima : Mas não para todas.
Bonner : A Globo pode usar?
Garotinho : Hã!
Bonner : A Globo pode usar?
Garotinho : Eu liberei aquelas que não continham nada de caráter pessoal
das pessoas que foram gravadas.
Bonner : Isso vale para a TV Globo também?
Garotinho : Isso vale para todos aqueles que mostrarem o conteúdo das
gravações. E se elas não tiverem nada de pessoal, terei o maior prazer de
liberar. O que houve é que esse cidadão, que responde a 39 processos,
inclusive duas condenações por sonegação fiscal e falsificação de notas
frias, gravou conversas íntimas de colaboradores meus, conversando
assuntos pessoais.
Bonner : Longe dos nossos interesses utilizar essas partes. Então está
assumindo um compromisso e nós vamos mostrar [...] (JN – 09/07/02)
........................................................................
Fátima : O senhor teve dificuldades de sair candidato pelo PSDB, a sua
indicação acabou rachando a base do governo com o veto do PFL, o
senhor é considerado uma pessoa centralizadora e por alguns opositores
uma pessoa que não agrega. Como é que o senhor pretende mudar sua
imagem em uma função que exige tanto poder de negociação?
Serra : Em campanha eleitoral se diz tudo. E hoje, governar o Brasil é
muito mais difícil do que já foi no passado. Para isso, você tem que aprovar
projetos, saber aprovar leis, trabalhar no Congresso, etc. Hoje, a maior
aliança da eleição é a minha. Portanto, nós agregamos nisso. [...]
Bonner : Por que, nesse processo eleitoral, toda vez que surge um dossiê
sobre algum candidato, o senhor é apontado pelos seus adversários como
suspeito nº 1? Aconteceu mais de uma vez...
Serra : É uma questão eleitoral. O sujeito fala, não tem que provar nada,
não tem provas de nada. E tem mais: eu, na minha vida pública, de todos
os candidatos fui quem realmente foi vítima de perseguição, tive que ir para
o exílio durante o regime militar, durante a ditadura. Quando eu estava no
Ministério da Saúde, comprovadamente, meu telefone foi interceptado
várias vezes. Montou-se aquele doss Cayman, aquele dossiê falso. Hoje,
alguns dos responsáveis estão na prisão, que envolveu o governador Mário
Covas, que morreu, o Sergio Mota, que morreu, eu e o presidente
Fernando Henrique. Isso foi comprovado que foi uma farsa. Se alguém foi
vítima desses procedimentos, fui eu. O resto é tititi eleitoral, falta do que
falar, especialmente quando não sabe por onde te criticar. E vêm essas
fantasias.
Fátima : Qual a sua relação com o ex -diretor do Banco do Brasil, Ricardo
Sérgio, acusado de cobrar propina para ajudar na formação de consórcios
durante o período de privatização?
Serra : O Ricardo Sérgio é meu conhecido, participou de minhas
campanhas para deputado em 1990. E para senador me ajudou a coletar
recursos. Era uma das pessoas que ajudaram. Em 94, a mesma coisa para
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140
a campanha do Senado. Depois foi para o Banco do Brasil e eu nem sei
detalhes a respeito do trabalho que se fez lá. Todos esses fatos, que não
foram comprovados, são anos depois de ele ter participado em campanhas
minhas quando eu sequer estava no Poder Executivo. Acho que tudo tem
que ser rigorosamente investigado e já
investigação a esse respeito.
Fátima : O senhor não acha anti-ético que um ex -tesoureiro, um ex -
arrecadador de fundos venha a ocupar no governo uma função num banco
estatal, uma função tão importante?
Serra : Em princípio não é crime arrecadar fundos. Você es numa
campanha, não se pode fazer campanha sem recursos. Eu não estava no
governo e nem fui eu que tomei decies a respeito de quem entra ou não
no governo.
Bonner : Não foi o senhor quem indicou?
Serra : Eu conhecia, não nada contra, nunca tinha estado no governo,
nunca tinha tido nenhuma ação governamental. E se realmente
acusações verdadeiras, elas têm que ser comprovadas. Eu sou
absolutamente a favor que se investigue tudo [...] (JN – 10/07/02)
.......................................................................
Fátima : O partido sempre foi muito crítico e fez duras críticas em relação à
corrupção, mas também enfrenta problemas de denúncias de corrupção
onde governa. Por que o PT não conseguiu se livrar desse mal que é a
corrupção?
Lula : Eu sempre disse que o PT precisaria ganhar as eleições pra ele ser
vidraça também. Porque nós somos estilingue durante muito tempo. E é
importante que a gente passe pela experiência de ser acusado. Qual é a
vantagem do PT? Qual é a diferença? É que nós apuramos. É que nós
queremos que o Ministério Público aja, que a polícia aja, que o Poder
Judiciário aja, que a CPI aja para apurar. E se tiver culpado, pode ser do
PT ou de qualquer partido político, tem que ser punido no Brasil porque nós
precisamos, de uma vez por todas, acabar com a impunidade.
Fátima : O senhor falou de investigação no caso da Prefeitura de Santo
André, que teve denúncias. O prefeito Celso Daniel acabou assassinado e
era o seu coordenador de programa. Por que o PT agora quer a destruição
de fitas que foram gravadas e que poderiam ajudar nessa investigação?
Lula: O PT não quer. Primeiro que não é o PT que está envolvido
enquanto direção nacional. Você pode ter uma ou outra pessoa da
Prefeitura de Santo André. O que nós queremos é que as coisas sejam
feitas da forma mais legal possível, porque, na nossa opinião, todos
brasileiros são inocentes até que provem o contrário. O que nós não
queremos é que uma fita gravada de forma fraudulenta pela Polícia Federal
seja utilizada politicamente, apenas isso. Você coloca técnicos pra ouvir e,
se tiver incriminação de alguém, que esse alguém seja punido. Isso pra nós
é o que vai nos dar o direito de andar de cabeça erguida neste país. Foi
duro conquistar e nós não queremos perder.
Bonner: Quando o senhor diz que o partido como instituição não defende a
destruição de fitas, o senhor, com isso, es negando um pedido público do
deputado João Paulo.
Lula : O que o partido fez foi impedir que houvesse critérios para que uma
fita gravada de forma fraudulenta, a Polícia Federal cometeu uma
insanidade - até eu, pelo que sei, fui investigado durante dois anos e pelo
que me consta eu o cometi nenhum crime, e o que nós não queremos é
que essas fitas sejam utilizadas para fins políticos. Agora, para investigar
Santo André, nós, mais do que ninguém, temos interesse em desvendar o
que levou o nosso querido Celso Daniel a morrer.
Bonner: Candidato, o que aconteceu no estado do Rio de Janeiro foi o
seguinte: os eleitores tiveram a oportunidade de ver no programa político
do PT na televio fitas gravadas ilegalmente com denúncias contra o
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141
candidato Garotinho. O PT, naquele momento, exibiu as fitas no estado do
Rio.
Lula : E a direção nacional não concordou. A direção inclusive achou um
equívoco do PT do Rio utilizar aquela fita da forma que utilizou.
Na análise das matérias a respeito da temática, surge, isoladamente, e de
forma curiosa, um exemplo emblemático de atribuição de valores diferentes para
crimes eleitorais de mesmo vel. O caso refere-se à reportagem sobre compra de
votos, apropriadamente definida como prática de crime eleitoral. Por outro lado, no
dia anterior, outra matéria aborda os gastos de campanha, quando a existência do
chamado caixa 2 tem o funcionamento explicado em detalhes pelo repórter,
inclusive com uso do infográfico
80
, em uma definição menos agravada do ponto de
vista do ilícito cometido, igualmente fonte freqüente de corrupção.
Repórter - Caixa 2 é o dinheiro não declarado nas contribuições.
Geralmente, são doações feitas com interesse futuro. Se o candidato se
eleger, quem contribuiu se sente no direito de cobrar uma retribuição, como
a preferência em obras públicas. O dinheiro que sobra após a eleição pode
ser usado pelo político em benefício próprio. Candidato que tem caixa 2
pode perder o registro ou o mandato, se tiver sido eleito. (JN – 07/08/02)
.......................................................
Repórter - Nas eleições do ano 2000, um candidato a prefeito de Três
Fronteiras teria dado dinheiro a um eleitor para que votasse nele. Esse
mesmo candidato teria oferecido dinheiro a vários outros eleitores da
cidade - o que caracterizaria compra de voto, que é crime previsto pela lei
eleitoral. O candidato que compra votos espera receber o que gastou
quando estiver no cargo, desviando dinheiro dos próprios eleitores. De
cada R$ 1 gasto em obras públicas, pelo menos R$ 0,15 são roídos pela
corrupção. O que torna qualquer obra mais cara. E diminui a quantidade
delas. Mas o círculo vicioso pode acabar: nas urnas. (JN – 08/08/02)
A mudança de enfoque, pelo que se demonstra, está mais afeta à identidade
do agente corruptor do que propriamente ao crime, o que pode ser creditado à
deficiência da fiscalização eleitoral e da atuação dos meios de comunicação,
80
Refere-se à apresentação de informações com predomínio de elementos gráfico-visuais (fotografia, desenho,
diagrama estatístico etc.). Seu uso no jornalismo, em função das facilidades oferecidas pela informática, torna
possível que os relatos noticiosos sejam parcial ou totalmente ilustrados através do infográfico, independente do
veículo de comunicação em questão.
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142
tradicionalmente pouco afeitos ao entendimento da corrupção como processo que
envolve o corrupto e o corruptor, o que deixa o foco direcionado apenas sobre o
primeiro.
Em função da baixa freqüência com que apareceram nas ries do Jornal
Nacional, os temas problemas urbanos (5,8%) e meio ambiente (1,9%) foram
analisados quando associados a outras temáticas, como gestão pública (56,8%) e
mazelas sociais e desigualdades (72,5%).
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143
4.7 CONCLUSÕES DA ANÁLISE
A partir da análise das fontes, é possível extrair algumas conclusões a
respeito do papel desempenhado pelo mais importante noticiário do país em relação
ao modo pelo qual ofereceu aos seus telespectadores uma imagem da política e dos
agentes políticos, participantes de um momento singular, que é o processo de
disputa eleitoral. A primeira delas é que o JN agendou os temas que considerou
mais importantes para que também fossem reconhecidos nessa condição pelo
eleitor, incluindo uma avaliação sobre causas e responsabilidades. Essa postura,
que consideramos relevante pelo caráter de orientação que oferece para o debate
público acerca das interpretações da realidade, conferiu significado ao propósito
anunciado pelo Jornal Nacional de levar o telespectador a refletir sobre tais
interpretações.
O processo de agendamento, contudo, esteve longe de representar um
tratamento equânime dos assuntos que dominariam a agenda pública no período.
Ao contrário, houve o predomínio do enquadramento interpretativo nas controvérsias
que esses temas traziam. Não temos dúvidas em afirmar que essa operação de
enquadramento fixou as fronteiras do debate público no qual a disputa das
interpretações da realidade se insere, o que representou uma limitação do próprio
embate político. Foi o que observamos ter acontecido com o tratamento do telejornal
sobre a temática da economia e negócios, em que houve a clara adoção de um
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144
enquadramento cuja interpretação era dada pelo governo, aqui fortemente
influenciada pela conjuntura de uma crise financeira.
Em decorrência dessa abordagem, seja a pauta do noticiário diário, ou as
entrevistas com os presidenciáveis, reproduziram ou mesmo potencializaram - o
efeito de uma redução do campo discursivo sobre a temática, quando se esperaria
justamente o contrário, afinal, era vencida quase uma década da adoção de um
plano econômico que, se por um lado conseguiu debelar a inflação, por outro
manteve represada a discussão sobre aspectos de fundo da política econômica do
país.
Uma demonstração clara disso é o fato de que, mesmo nas reportagens
especiais, construídas para explorar “os maiores problemas do país”, o tema foi
apenas o quarto mais freqüente (23,5%), de um total de sete analisados. O
abandono de uma abordagem mais ampla sobre ele ficou evidenciado mesmo
quando das entrevistas com os presidenciáveis, momento único de interseção entre
a agenda dos partidos no HGPE e o debate dos problemas nacionais proposto pelo
JN, ocasião em que se buscou apenas aferir a posição dos candidatos frente aos
desdobramentos da crise financeira.
Foi o que se viu, por exemplo, quando as enunciações do telejornal passaram
a cobrar o aval dos candidatos para o respeito aos contratos firmados pelo país no
exterior, num primeiro momento, e, posteriormente, para o acordo de ajuda
financeira junto ao FMI. Por outro lado, foi adiado o debate sobre a inserção do
Brasil na economia globalizada, o papel do Mercosul nesse contexto, o aumento do
desemprego e a escalada da economia informal, com seus reflexos no sistema
previdenciário. Devemos ressaltar aqui que o fechamento do campo discursivo na
área econômica, com o grave silenciamento de assuntos de peso da temática, não
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145
significa que o Jornal Nacional não tenha aberto espaço para a disputa das
controrsias interpretativas. Mas o fez dentro de um enquadramento interpretativo
restrito, segundo o seu critério de atribuição de importância ou relevância para a
discussão da temática.
de se destacar que esse modelo encontrou tratamento diferente em pelo
menos um outro veículo das Organizações Globo, cuja manifestação de posições
sobre assuntos tão complexos fizemos questão de acompanhar. Referimo-nos à
Coluna Opinião, publicada no Jornal O Globo, que, embora seja um texto opinativo,
ampliou o arco de temas levados à discussão, inclusive com presença constante de
controrsias interpretativas, o que possibilitou a ampliação do debate apresentado
aos leitores.
De um total de 87 textos que pudemos estudar, relativos a um período de
quatro meses e meio (primeira quinzena de maio e os meses de julho, agosto,
setembro e outubro), 21 deles ou 24,13% - apresentavam posição diversa da
expressa em editorial pelo jornal. Portanto, a destinação de quase um quarto das
edições da coluna para os chamados ‘temas em discussão’ - na verdade um anúncio
para os artigos ‘nossa opinião’ e outra opinião’ - revela a abertura de um espaço
considerável para o debate acerca do processo eleitoral. E o jornal O Globo o fez
sem deixar de externar suas convicções, sejam as assentadas em um perfil
conservador, seja as de caráter mais liberal. Um momento desse processo foi a
discussão do tema Estado moderno’, abrigada na coluna publicada no início de
maio.
(Nossa opinião: Funções básicas) O Estado cresceu exageradamente ao
longo do século XX sem atender a suas funções básicas. Mesmo em
países de cultura liberal, como os Estado Unidos, a participação estatal na
economia multiplicou-se por três nesse período. E fora do mundo socialista,
a nação onde o Estado mais de expandiu foi o Brasil. [...] Ao se agigantar,
o Estado ficou fora do controle da sociedade, tornando-se cada vez mais
perdulário e ineficiente. Em vez de alavanca para o desenvolvimento, ele
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146
passou a ser uma barreira contra o crescimento.[...] A reestruturação do
papel do Estado deixou de ser uma bandeira apenas dos liberais. Estes
continuam defendendo a tese de que o Estado se contrapõe à liberdade
individual e, por isso, a sociedade mais livre e democrática seria com um
Estado mínimo. Os social-democratas não chegaram a tanto, pois é fato
que as forças de mercado não conseguem, no tempo necessário, reduzir
certo grau de desigualdades regionais e sociais. A tese que prevalece hoje
é aquela em que o Estado deve se voltar para finalidades básicas, como a
segurança do indiduo e a proteção social. No mais, o que puder ser
repassado para a responsabilidade da iniciativa privada, tanto melhor.
(Outra opinião: Justiça e direitos autor: Marcos Rolim, Deputado
Federal PT/RS) [...] Pensar o Estado, contemporaneamente, deve ser o
mesmo que pensá-lo em suas relações com a intrincada rede de relações
sociais e situá-lo diante dos desafios que emergem dessa própria tessitura.
Assim, não há como tratar do Estado no Brasil e de sua necessária reforma
sem relacionar, antes, os objetivos maiores e prioritários para os quais
pensamos deva-se orientar as ações do próprio poder público. No Brasil,
penso que o processo de modernização do Estado deveria estar
subordinado às idéias de justiça e efetivação do direito. [...] De outra parte,
a própria noção de ‘Estado moderno’ confunde-se com a idéia generosa do
Estado democrático de direito. Por esse conceito, temos não apenas a
idéia do governo das leis, mas o pressuposto de uma sociedade civil
superposta ao Estado e a realidade de uma esfera pública, relativamente
independente, onde seja possível o contraste de opiniões e projetos.
Percebe-se o quanto estamos longe desses objetivos quando nos
defrontamos com a apatia política que passa a caracterizar boa parte das
sociedades contemporâneas. Algo que parece efetivar o paradoxo de uma
“democracia” sem política. [...] Natural, então, o estranhamento diante da
política e o custo adicional de uma distância sempre maior entre
governantes e governados. Um Estado moderno deve construir-se em
oposição a essa sentença o que, por evidente, atualiza o debate sobre as
formas pelas quais podemos pensar em revigorar as práticas democráticas.
(Coluna Opinião, jornal O Globo, p. 06, 04/05/02)
Ainda dentro da perspectiva de ressaltar os aspectos da análise que mais
estiveram em evidência, é necessário apontar que a abordagem dos temas política
e cidadania’ e corrupção e problemas éticos’ foram as que mais permitiram o estudo
cruzado entre os diferentes produtos pesquisados, a partir das séries de reportagens
especiais. Foi possível identificar, por exemplo, a constituição de uma imagem
negativa da política no noticiário capturado entre os meses de fevereiro e julho,
ainda na pré-campanha. Com o início da campanha oficial, do acompanhamento
diário e equânime da movimentação dos principais candidatos, em busca de um
equilíbrio na cobertura, e da divulgação dos resultados das pesquisas eleitorais, o
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salto quantitativo da presença de notícias sobre política e o processo eleitoral foi
visível. No entanto, o destaque conferido aos movimentos na economia, aliado à
configuração de um enquadramento da política mais próximo do noticioso acabou
por delimitar a abrangência sobre o tema, ou, pelos menos, sobre os aspectos
negativos destacados na fase anterior.
Foi nesse momento que as reportagens especiais atuaram no sentido de
restaurar o processo de reconhecimento da política como instrumento de mudança
social e de caminho mais rápido para a superação das mazelas sociais e do mal da
corrupção. Observamos, contudo, que os enquadramentos adotados pelo noticiário
não jogaram luz sobre a responsabilidade do modelo econômico na construção
desse caminho. Também aqui apontamos a exploração das entrevistas no Jornal
Nacional como oportunidade para ‘desmarquetizar’ os candidatos e possibilitar a
investigação sobre controle da enunciação discursiva pela lógica da mídia e não da
política, o que se traduziu em uma cobrança mais direta sobre as contradições
programáticas dos candidatos e o seu envolvimento com eventuais suspeitas de
irregularidades.
Outro ponto que sobressai da cobertura é o silenciamento do debate em torno
das causas da violência, sobretudo pela especial atenção com a qual o tema foi
agendado em 2002, quando foi registrado o assassinato do jornalista Tim Lopes. O
tratamento restrito com o qual o assunto foi enquadrado no JN, durante a campanha,
reflete uma mudança na estratégia da emissora. Entre a pré-campanha e a
campanha, sobretudo após a prisão do traficante Elias Maluco, apontado como
responsável pela tortura e morte do jornalista, o tema foi claramente retirado, senão
da agenda pública, pelo menos daquela agenda de debates sobre os problemas
mais importantes do país e que foi formatada para o debate público promovido pelo
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148
Jornal Nacional. Esse propósito, podemos dizer, tamm deixou a desejar quando
observamos a postura mais cética da emissora na abordagem de temas de grande
complexidade, como as concentrações de renda ou de terra, ocaso em que optou-
se por atribuir a manutenção dessas mazelas ao longo do tempo em função de
raízes históricas, com conseqüente fechamento do arco de controvérsias que o
debate acerca delas provoca.
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149
5 O CONGLOMERADO EM CRISE
O desafio de fazer das eleições presidenciais um evento marcante e de
grande interesse encontrou as empresas de mídia em situação bastante peculiar em
2002. Pela primeira vez, houve o tratamento público da crise financeira instalada
sobre o setor, agravada a partir da desvalorização do real frente ao dólar, em janeiro
de 1999. É que vários grupos de mídia do país contraíram empréstimos dolarizados
e sofreram os impactos da política cambial deflagrada após a reeleição de Fernando
Henrique Cardoso.
É curioso constatar que alguns dos mais influentes meios de comunicação
brasileiros, que contribuíram para o esvaziamento do debate eleitoral em 1998 - no
qual um dos ingredientes era a necessidade de correção nos rumos da política
econômica -, tenham sido vitimados pela própria estratégia governista que ajudaram
a ocultar. A dívida calculada das empresas de mídia chegou a atingir um patamar
superior a US$ 10 bilhões no ano da disputa eleitoral aqui estudada.
Em rias dificuldades desde 2001, as Organizações Globo admitiram uma
dívida de US$ 2,6 bilhões, fruto de vultosos empréstimos tomados em moeda
americana para projetos de expansão e de um fracassado plano de recuperação.
Além disso, a maior empresa de comunicação do país teve seu nome envolvido em
um raro episódio de questionamento público entre empresas do ramo de
comunicação, por ocasião de um pedido de empréstimo junto ao Banco Nacional de
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150
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A respeito da operação,
propositalmente denominada “Salva-Globo”, empresários e executivos de outras
empresas questionaram publicamente a ajuda financeira concedida ao
conglomerado da família Marinho.
A revista Carta Capital, edição de 181, de 20.03.02, trouxe um minucioso
relato da operação envolvendo o BNDES e a Globocabo, a empresa do grupo que
cuidava dos negócios no ramo de TV por assinatura.
[...] A operação se divide, do ponto de vista do negócio, em três partes.
Primeiro, busca capitalizar a empresa e arrumar seu balanço. Reduz a
alavancagem financeira, endividamento (melhora muito a proporção capital
próprio/capital de terceiros) e aumenta a liquidez (entram R$ 155 milhões
no caixa). Segundo: dívidas da empresa com acionistas e debêntures da
Globo em poder de acionistas serão convertidos em capital. Terceiro: a
emissão de novas debêntures conversíveis. Com garantia de recompra
pelos sócios até o limite de R$ 298 milhões serão emitidas as debêntures.
O banco que vai executar a operação no mercado - ao que se diz o Banco
do Brasil - assume o compromisso de recompra de até R$ 20 milhões do
que não for colocado. Resta a vida se a Globo arruma seu balanço para
atrair um sócio estratégico ou se existe o sócio e o que se fez agora foi
um trabalho antes que se aprove o ingresso de capital estrangeiro nas
empresas de mídia. [...] No total, sem ser feita a conta real-dólar de 1999, e
incluindo -se um financiamento de outros R$ 220 milhões em 1997, desde
então a parceria com o BNDES rendeu à Globo R$ 639 milhões. Fora
penduricalhos: R$ 58 milhões para o parque gráfico em 1998, outros R$ 12
milhões para o Projac em 2001.
81
A revista também registrou a repercussão da operação junto a diretores e
executivos de algumas empresas de mídia. As declarações deram o tom da
insatisfação da concorrência com a operação:
- A operação BNDES-Globo foi montada com o objetivo, do ponto de vista
do negócio, de capitalizar e arrumar a empresa para, numa segunda fase,
depois de votada a emenda ao artigo 222, atrair um sócio estrangeiro. Ora,
todas as empresas querem arrumar o seu balanço, eu também quero
arrumar o meu. (Fernando Portella, vice-presidente-executivo do jornal O
Dia )
81
FERNANDES, Bob. O jogo do milhão. Carta Capital, São Paulo, nº 181, 20 mar. 2002, p. 27.
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151
- Qual o critério que levou o BNDES a fazer essa operação com a
Globocabo? Se foi eleitoral e político, eu discordo de forma radical e
absoluta. Se a operação não tem rentabilidade, eu sou contra, isso é
prejuízo para a sociedade. É preciso ter critérios, e no caso não se sabe
quais foram os critérios. (Silvio Simões , diretor do jornal A Tarde , da
Bahia)
- [...] É claro que essa é uma operação de ajuda. O que se espera é um
tratamento igual para todas as emissoras. SBT e Band chiaram, dizem que
não têm recebido o mesmo tratamento. E chama a atenção essa operação
num final de governo e a poucos meses das eleições presidenciais. (Boris
Casoy , âncora do Jornal da Record ).
A transação envolvendo a Rede Globo e um dos principais bancos de
fomento do país possibilitou a assinatura de um Protocolo de Recapitalização no
valor de US$ 1 bilhão, operação que, am do BNDES, reuniu o Bradesco e a Rede
Brasil Sul de Comunicações (RBS). Além do custo político elevado, a Rede Globo
ainda fecharia o ano sem apresentar a melhora financeira esperada. Ao contrário,
um dia após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 28 de outubro de 2002, a
Globopar Comunicações e Participações anunciava moratória em função de uma
dívida de US$ 1,5 bilhão e ameaçava outras empresas do conglomerado. É que
essas empresas, dentre as quais a TV Globo , figuravam como garantias contratuais
oferecidas na vida da holding. O jornal Folha de S. Paulo noticiou o anúncio da
moratória no dia seguinte:
A Globopar Comunicações e Participações, holding da família Marinho que
controla empresas de comunicação, como a Net (antiga Globocabo), a
Globo.com e a Editora Globo, anunciou ontem uma moratória, com o
reescalonamento do fluxo de pagamentos da sua dívida financeira. A
empresa diz que a medida é decorrente da "significativa desvalorização do
real e da deterioração das condições econômicas do Brasil". [...] A dívida
sujeita à moratória, de acordo com a assessoria de imprensa da Globopar,
é de US$ 1,5 bilhão, sendo US$ 900 milhões em bônus. [...] A nota afirma
que a TV Globo Ltda., empresa que engloba as emissoras de televisão
aberta do grupo Globo e que não faz parte da empresa de participações,
garantidora de uma parte das dívidas financeiras da Globopar".
82
82
SANTOS, Chico; BARROS, Guilherme. Globopar diz que vai ‘reescalonar’ dívida. Folha de São Paulo, São
Paulo, 29 out. 2002. Dinheiro, p. B-4.
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152
As dificuldades financeiras, ao que tudo indica, atuaram no sentido de
influenciar as Organizações Globo a adotarem um comportamento estratégico antes,
durante e após a disputa eleitoral, cortejando tanto o presidente eleito, quanto o
presidente Fernando Henrique Cardoso. A edição 214 de Carta Capital, de
06.11.02, relacionava a situação financeira do conglomerado de mídia com sua
postura diante do poder.
Com papagaio de US$ 2,6 bilhões e um fracassado plano de recuperação,
a Globo enfrenta brigas internas e corteja Lula e FHC [...] A propósito, a
emissora dedicou cerca de 30 minutos do Jornal Nacional, em dois blocos,
a uma entrevista exclusiva do presidente Fernando Henrique Cardoso,
depois de uma semana inteira dedicada ao sucessor, Luiz Inácio Lula da
Silva. No JN, em performance patica, FHC pôde falar dos feitos de sua
gestão, criticar o futuro governo Lula e comemorar seu espírito de
“democrata” e “estadista” nesses tempos de transição.
83
Na relação direta com o governo Federal, em 2002, esteve em jogo a
aprovação da emenda ao Art. 222 da Constituição Federal, que tratava a abertura
das empresas de mídia nacionais ao capital estrangeiro
84
. A Rede Globo, que
chegou a posicionar-se contrária à aprovação da emenda constitucional, mudou de
idéia no momento em que negociava com o BNDES os termos do Protocolo de
Recapitalização. O tratamento dispensado aos presidencveis também chegou a
causar certa surpresa no meio político. Sobre esse aspecto, Miguel analisa o
comportamento adotado pela TV Globo durante as eleições:
O alinhamento com o governo parecia explicado quando foi noticiada uma
operação milionária do BNDES para salvar a Globocabo, a deficitária
83
DIAS, Maurício. Vênus Endividada. Carta Capital, São Paulo, nº 214, 06 nov. 2002, p. 26.
84
A Emenda Constitucional nº 36/2002 foi aprovada pelo Congresso Nacional no final do mês de maio e deu
nova redação ao Art. 222 da Constituição Federal. A regulamentação da mudança, inicialmente tratada por
Medida Provisória, foi feita pela Lei 10.610, sancionada pelo presidente Fernando Henrique no dia 20 de
dezembro de 2002. A Lei disciplinou o ingresso do capital estrangeiro no limite de a 30% do capital social e
votante das empresas de mídia, além de permitir a presença de pessoas jurídicas na composição acionária dessas
empresas.
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153
empresa de TV por assinatura das Organizações Globo. Mas aí a emissora
decidiu fazer sua opção preferencial pela ‘imparcialidade’, a tal ponto que,
segundo alguns observadores, fez questão de marcar seu distanciamento
tratando Serra, em alguns momentos, com mais rigor do que seus
adversários.
85
O evento que confirmaria a nova relação das Organizações Globo com Luiz
Inácio Lula da Silva foi a inusitada participação do petista, como presidente eleito,
na bancada do Jornal Nacional do dia 28 de outubro, dia seguinte ao segundo turno.
O JN destinou uma hora e quinze minutos da sua edição para a participação, ao
vivo, do novo presidente. A participação ativa de um típico representante da política
no mais influente telejornal do país é a expressão maiúscula da midiatização do
processo político brasileiro neste início de milênio. Essa destacada presença,
segundo Fausto Neto, vem reforçar a idéia de como a mídia restaura a atividade
política e pode influenciar decisivamente na concepção da nova identidade dos seus
agentes.
Lula não seria apenas um ator manejado pela lógica da economia
midiática, via os guardiões especialistas. Desta feita, um operador
estratégico, sem o qual a mídia não poderia mostrar seu potencial indicial
com que constrói a política. Ao trazer o presidente ao set, e coinvesti-lo
nas funções da economia produtiva do telejornal, Lula estava sendo
apenas um insumo da realidade das mídias, mas também, posto naquele
lugar e nestes termos, é alguém que didaticamente constrói de maneira sui
generis a sua própria investidura.
86
Esse componente da relação entre o político e a mídia também nos coloca
diante da observação de Manin acerca da democracia de público, que personaliza a
figura do líder, aqui colocado na condição de um comunicador competente. Als, as
85
MIGUEL, Luis Felipe. A descoberta da política: a campanha de 2002 na Rede Globo. In: RUBIM, Antônio
Albino (Org.). Eleições presidenciais em 2002: ensaios sobre mídia, cultura e política. São Paulo: Hacker, 2004,
p. 99.
86
FAUSTO NETO, Antônio. Inclusões e apagamentos. In: FAUSTO NETO, Antônio; VERÓN, Eliseo (Orgs.).
Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker; São Leopoldo, RS: Unisinos,
2003a, p. 116.
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154
estratégias de campanha do candidato petista foram as que mais diretamente
interagiram com os produtos exibidos no Jornal Nacional, ocasião em que
reforçaram a imagem do negociador, sobretudo quando da divulgação da Carta ao
Povo Brasileiro”.
O que transparece é que a mudança que se procurou operar na imagem do
candidato, por meio do marketing eleitoral, tamm passou a representar a mudança
que a própria emissora faz agora questão de sublinhar na sua estratégia de cortejar
o poder. Vale dizer que, para a TV Globo, o Lula que se elegeu em 2002 não é nem
sombra do passado, mas um político carismático e, sobretudo, uma “autêntica
liderança nacional”, como foi recebido.
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155
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado da investigação aqui realizada demonstra a abertura de um
espaço privilegiado na mídia para a discussão da política, atribuição freqüentemente
esquecida pelos operadores dos meios de comunicação, alheios à natureza blica
das concessões que lhe são outorgadas. Nesse contexto, entendemos que televisão
se apresenta como importante mediadora do espaço público da política em nossos
dias, contribuindo de forma decisiva para a institucionalização dos processos de
formação da opinião pública.
Contudo, é possível indagar se esse espaço, na verdade constituído por
múltiplos espaços onde se assenta a esfera pública na pós-modernidade, está apto
a oferecer visibilidade a todos os setores ansiosos por construir relações políticas
em atendimento às novas correntes de opinião blica e de orientação voltada para
participação efetiva na vida política.
Nessa perspectiva, a deflagração do plano de cobertura pelo Jornal Nacional
reforça a importância do gênero interpretativo, no formato serviço, como novo
produto do jornalismo à disposição do esclarecimento do telespectador e de estímulo
ao debate dos temas nacionais, em que o equilíbrio e a pluralidade são exigências
naturais, dentro do ambiente democrático.
Desse modo, a estratégia assumida pela TV Globo em seu plano de cobertura
abre a perspectiva de um novo posicionamento da emissora no cenário de mídia
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156
nacional, principalmente quanto às manifestações de poder que as Organizações
Globo exercem na sociedade. No entanto, é possível apontar, ainda, a necessidade
de aprimoramento dos mecanismos de decisão acerca da constituição da pauta do
Jornal Nacional para um nível de diversidade maior, superando uma cultura viciada -
e mesmo arbitrária -, a partir da qual determinados temas são silenciados ou
recebem enquadramento restritivo, em função da limitação das controvérsias que
são apresentadas ou mesmo de sua ausência.
Também o perfil liberal da emissora apareceu em algumas das abordagens
capturadas neste estudo, principalmente quando o Jornal Nacional abdicou de
refletir as contradições do modelo econômico, com efeitos sobre a concentração de
renda, o desemprego e o crescimento da economia informal, fenômenos que se
agravaram no período sobre o qual a TV Globo se dispôs a jogar luz. Aqui também
essa característica apareceu na definição do Estado como elemento problema, que
precisa ser melhorado para o funcionamento adequado da sociedade.
Essa constatação nos leva a refletir sobre a intensidade no nível de
mudanças que a TV Globo está disposta a assumir, se quiser deixar de ser retratada
com a sua imagem anterior. Não que as Organizações Globo devam abrir mão de
suas posições de natureza política, considerando que elas nascem, efetivamente,
dos seus interesses mercadológicos. A problemática que se instala aqui é a defesa
dos interesses da grande corporação de mídia comercial, constituída em ambiente
de oligopólio, com o risco comprovado do condicionamento do interesse público em
atendimento exclusivo à demanda de ordem privada. Tal aspecto ganha relevância a
partir das operações discursivas que, no passado, buscaram justificar
determinadas condutas antidemocráticas como simples exercício da ampla liberdade
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de imprensa e do direito social à informação, princípios contidos na Constituição
Federal.
Em favor do princípio democrático, aliás, esteve em jogo a operação de
ressignificação da política pelo mais influente telejornal do país. Aqui ela foi
apresentada como prática indispensável para a solução dos problemas nacionais,
inclusive no aspecto de sua representação, quando o noticiário se valeu da força das
imagens das manifestações de prática da cidadania, a partir da qual a população de
uma pequena cidade do interior tomou consciência do seu papel e pavimentou o seu
próprio destino. Uma imagem bem diferente daquele eleitor do tipo-não racional, de
baixa consistência ideológica e de claros sinais de desilusão com a política. No
ambiente da democracia de público, portanto, esta pesquisa demonstra que a
existência dos meios de comunicação eletrônicos assume condição primordial para a
constituição da esfera pública que abriga a política.
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162
LIMA, Venício A.. Existe concentração na mídia brasileira? Sim. Conferência
apresentada na 5a. Reunião do Conselho de Comunicação Social. Congresso
Nacional, Brasília (DF), 30 jun. 03.
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL TSE (Brasil). Resolução 21.072, de 23 de
abril de 2002. Instrução 57, Classe 12ª, Divulgação 45/2002, Sala de Sessões
do Tribunal Superior Eleitoral, Brasília, 23 abr.2002.
FONTES PRIMÁRIAS
MULTIMEIOS / DVD
JORNAL Nacional. Diretor de Jornalismo: Ali Kamel. Produção: Central Globo de
Jornalismo, TV Globo (Canal 4). Rio de Janeiro: Brasil, 2002 (diversas edições).
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
“Sem mágica”. O Globo, Coluna Opinião (editorial), Rio de Janeiro, 03 mai. 2002, p.
6.
“Década de avanços”. O Globo, Coluna Opinião (editorial), Rio de Janeiro, 10 mai.
2002, p. 6.
“Sem mágicas”. O Globo, Coluna Opinião (editorial), Rio de Janeiro, 07 jul. 2002, p.
6.
“República viva”. O Globo, Coluna Opinião (editorial), Rio de Janeiro, 28 jul. 2002, p.
6.
“Rejeição inócua”. O Globo, Coluna Opinião (editorial), Rio de Janeiro, 30 jul. 2002,
p. 6.
“Hora do estadista”. O Globo, Coluna Opinião (editorial), Rio de Janeiro, 14 ago.
2002. p. 6.
“Funções básicas”. O Globo, Coluna Opinião. Tema em discussão: Estado moderno.
Rio de Janeiro, 04 mai. 2002. p. 6.
ROLIM, Marcos. Justiça e direitos. O Globo, Coluna Opinião. Tema em discussão:
Estado moderno. Rio de Janeiro, 04 mai. 2002. p. 6.
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163
ANEXO A
FRAGMENTOS DO JORNAL NACIONAL NA COBERTURA
DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002
(material audiovisual em formato DVD)
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