véspera do casamento um manifesto aos povos desmentindo o que se diz e provando que
nada é verdade, segue-se que as calúnias triunfarão.
Era a primeira vez que o bacharel conversava com o pai a respeito daquele grave ponto
do seu coração. Aturdido com as objeções dele, não achou logo que responder e todo se
limitou a interrompê-lo com um ou outro monossílabo. O comendador continuou no
mesmo tom e concluiu dizendo que esperava dele não lhe desse um grave desgosto no
fim da vida.
— Por que te não levou a fantasia à filha do desembargador ou outra nas mesmas
condições? A Cecília, não, nunca será minha nora. Pode casar contigo, é verdade, mas
então não serás meu filho.
João Aguiar não achou que responder ao pai. Ainda que achasse, não o poderia fazer
porque quando deu acordo de si ele estava longe.
O bacharel foi para o seu quarto.
II
Entrando no quarto, João Aguiar fez alguns gestos de enfado e zanga e de si para si
prometeu que, embora não agradasse ao pai, havia de casar com a formosa Cecília, cujo
amor era para ele já uma necessidade da vida... O pobre rapaz tão depressa fez este
protesto como entrou a ficar frio com a idéia de uma luta, que se lhe afigurava odiosa para
ele e para o pai, em todo o caso triste para ambos. As palavras deste relativamente à
família da namorada fizeram-lhe grave impressão no espírito; mas ele concluiu, que ainda
sendo verdadeira a murmuração, nada tinha com isso a formosa Cecília, cujas qualidades
morais estavam acima de todo o elogio.
A noite correu assim nestas e noutras reflexões até que o bacharel dormiu e na manhã
seguinte alguma coisa se lhe havia dissipado das apreensões da véspera.
— Tudo se pode vencer, disse ele; o que é preciso é ser constante.
O comendador, porém, tinha dado o passo mais difícil que era falar no assunto ao filho;
vencido o natural acanhamento que resultava da situação de ambos, aquele assunto
tornou-se assunto obrigado de quase todos os dias. As visitas à casa do desembargador
amiudaram-se; amiudaram-se igualmente as deste à casa do comendador. Os dois jovens
foram assim metidos à casa um do outro; mas se João Aguiar parecia frio, Serafina
parecia gélida. Os dois estimavam-se antes, e ainda se estimavam então; entretanto, a
nova situação que lhes haviam criado, estabelecera entre ambos uma certa repulsa que a
polidez mal disfarçava.
Porquanto, leitora amiga, o desembargador fizera à filha um discurso igual ao do
comendador. As qualidades do bacharel foram postas em relevo com suma habilidade; as
razões financeiras do casamento, melhor direi as vantagens dele foram levemente
indicadas de maneira a desenhar aos olhos da moça um brilhante futuro de pérolas e
carruagens.
Infelizmente (tudo se conspirava contra os dois pais), infelizmente havia no coração de
Serafina um obstáculo semelhante ao que João Aguiar tinha no seu, Serafina amava a
outro. Não se atreveu a dizê-lo ao pai, mas foi dizê-lo a sua mãe, que não aprovou nem
desaprovou a escolha visto que a senhora pensava pela boca do marido, a quem foi
transmitida a revelação da filha.
— Isso é uma loucura, exclamou o desembargador; esse rapaz (o escolhido) é bom
coração, tem carreira, mas a carreira está no princípio, e demais... creio que é um pouco
leviano.
Serafina soube deste juízo do pai e chorou muito; mas nem o pai soube das lágrimas nem
que soubesse mudaria de intenção. Um homem grave, quando resolve uma coisa, não
deve expor-se ao ridículo, resolvendo outra unicamente levado de algumas lágrimas de
mulher. Demais, a tenacidade é prova de caráter; o desembargador era e queria ser
homem austero. Conclusão; a moça chorou à toa, e só violando as leis da obediência,
poderia realizar os desejos do seu coração.