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gumas particularidades que aproximam o discurso escrito da
oralidade: a supressão dos sinais de pontuação que, tradicio-
nalmente, indicam a mudança de locutor; a introdução do dis-
curso direto através de maiúsculas após vírgula e o mesmo
quando ocorre alternância da voz entre personagens:
“Quando voltou a juntar-se ao ma rido, pergun-
tou-lhe, És capaz de imaginar aonde nos trouxe-
ram, Não, ela i a acrescentar A um manicômio,
mas ele antecipou-se-lhe, Tu não e stás cega, não
posso consentir que fiques aqui, Sim, t ens ra-
zão, não estou cega” (1995, p. 48).
Em relação ao discurso, utiliza narradores oniscientes,
em terceira pessoa, que estruturam “o olhar” de diferentes e-
nunciadores. No Ensaio sobre a cegueira, o discurso é centrali-
zado pelo narrador, que utiliza distintas estratégias: assume
explicitamente o encargo de relatar o que vinha sendo narrado
por uma das personagens
“A partir deste ponto, salvo alguns soltos co-
mentários que não puderam ser evitados, o rela-
to do velho da venda preta deixará de ser segui-
do à letra, sendo substituído por uma reorgani-
zação do discurso oral ...” (1995, p. 122).
E justifica a postura de subsumir a voz da personagem:
“É motivo desta alteração, não prevista antes, a
expressão sob controlo, nada vernácula, empre-
gada pelo narrador, a qual p or pouco o ia des-
qualificando como relator complementar, impor-
tante, sem dúvida, pois sem ele não teríamos
maneira de saber o que se passou no mundo ex-
terior, como relato r complementar, dizíamos,
destes extraordinários aconte cimentos, quando
se sabe que a descrição de quaisquer fatos só
tem a ganhar com o rigor e a propriedade dos
termos usados” (1995, p. 122-123).