apavoram no templo de Salsette. Isso não constitui um traço distintivo da dominação colonial britânica e
não é senão uma imitação do sistema holandês, a tal ponto que para caracterizar a atividade da Companhia
Britânica das Índias Orientais é suficiente repetir literalmente o que sir Stamford Raffles, o governador
inglês de Java, tinha dito a propósito da velha Companhia Neozelandesa das Índias Orientais:
"A Companhia Neozelandesa, movida unicamente pelo amor ao ganho e tendo por seus assujeitados
menos interesse e consideração que um plantador das Índias ocidentais tinha pelos escravos que
trabalhavam em seu domínio - dado que este pelo menos havia pago com o dinheiro seu instrumento de
trabalho humano, enquanto aquela não havia gasto nada -, essa Companhia mobilizou todos os recursos
existentes do despotismo para tirar do povo seus últimos suspiros por meio de contribuições e de todo o
trabalho de que ele era capaz. Ela agravou assim os males causados por um governo caprichoso e semi-
bárbaro e pela a avidez sem limites dos mercadores."
Todas as guerras civis, invasões, revoluções, conquistas, fomes, por mais complexa, rápida e destrutiva
que pudesse parecer sua sucessiva ação sobre o Hindustão, não o haviam arranhado senão
superficialmente. A Inglaterra destruiu os fundamentos do regime social da Índia, sem manifestar até o
presente a menor veleidade de construir o que quer que seja. Esta perda de seu velho mundo, que não foi
seguida pela obtenção de um mundo novo, confere à miséria atual dos Hindus um caráter particularmente
desesperado e separa o Hidustão, governado pelos ingleses, de todas as tradições antigas, de todo o
conjunto de sua história passada.
Decorridos tempos imemoriais, não existia na Ásia senão três departamentos administrativos: o das
Finanças, ou pilhagem do interior; o da Guerra, ou pilhagem do exterior; e, enfim, o departamento dos
Trabalhos Públicos. O clima e as condições geográficas, sobretudo a presença de vastos espaços
desérticos, que se extendem do Saara, através da Arábia, da Pérsia, da Índia e da Tatária, aos platôs mais
elevados da Ásia, fizeram da irrigação artificial com auxílio de canais e de outras obras hidráulicas a base
da agricultura oriental. No Egito e na Índia, como na Mesopotâmia e na Pérsia, as inundações servem para
fertilizar o solo; tira-se proveito do alto nível da água para alimentar os canais de irrigação. Esta
necessidade primeira de utilizar a água com economia e em comum, que, no Ocidente levou as empresas
privadas a se unirem em associações voluntárias , como em Flandres e na Itália, impôs no Oriente, onde o
nível de civilização era muito baixo e os territórios muito vastos para que pudessem aparecer asociações
desse gênero, a intervenção centralizadora do governo. Daí uma função econômica incumbe a todos os
governos asiáticos: a função de assegurar os trabalhos públicos. Essa fertilização artificial do solo, que
depende de um governo central e que cai em decadência desde que a irrigação ou a drenagem são
negligenciadas, explica o fato, que sem tal explicação teria parecido estranho: territórios inteiros que,
outrora, foram admiravelmente cultivados como a Palmyra, Petra, as ruínas do Yêmem, vastas províncias
do Egito, da Pérsia e do Hindustão, estão atualmente estéreis e desertos. Isso explica também porque uma
só guerra devastadora pôde depauperar o pais por séculos e privá-lo de toda sua civilização.
Ora, os Ingleses nas Índias Orientais aceitaram de seus precedentes os departamentos das Finanças e da
Guerra, mas eles negligenciaram inteiramente o dos Trabalhos Públicos. Daí a deterioração de uma
agricultura incapaz de se desenvolver segundo o princípio britânico da livre concorrência, do laissez faire,
laissez aller. As colheiras correspondem aos governos bons ou maus, como alternam-se na Europa
segundo os bons e os maus climas. Assim, a opressão e o abandono da agricultura, por mais nefastos que
fossem, não poderiam ser vistos como o golpe de graça desferido contra a sociedade indiana pelos
invasores ingleses, se não tivessem sido acompanhados de uma circunstância muito importante e
totalmente nova nos anais do mundo asiático no seu conjunto. Qualquer que tenha sido no passado a
transformação que formou o aspecto político da India, suas condições sociais permaneceram invariáveis
desde a Antiguidade mais remota até a primeira década do século XIX. O ofício de tecer à mão e à roca,
que produziram miríadas de tecelagens e de fiações, era o pivot da estrutura dessa sociedade. Desde