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LEIS INTERPRETATIVAS E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS
*
CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS
Interpretar a lei, assevera Bevilaqua, é revelar o pensamento
que anima suas palavras, daí por que, se é o próprio legislador quem
declara esse pensamento, a interpretação se diz autêntica e se realiza por
meio de outra lei.
No mesmo sentido, Machado Netto preleciona que a
interpretação pode ser autêntica ou legislativa, se parte do legislador,
através de uma lei (secundária) que estatui normativamente a
interpretação que se deve dar a outra lei (primária).
Aderindo a esse entendimento militam as lições de Hermes
Lima (interpretação autêntica é declarar, de maneira formal e obrigatória,
como deve ser compreendida a lei anterior) e Limongi França (àquele a
quem é dado fazer leis também concerne, por útil e necessário, elucidar o
conteúdo do respectivo mandamento).
Oliveira Ascensão, Messineo e Cunha Gonçalves sufragam o
conceito de "lei interpretativa", enquanto modo de interpretação
autêntica, assinalando que o princípio explicativo integra-se ao princípio
explicado e formam um preceito único.
A expressão lei interpretativa contém, ao nosso ver, uma
contradição em termos.
A atividade elaborativa da lei, segundo nosso entendimento,
deflui, sem dúvida, de uma opção política, enquanto manifestação das
elites constituídas, a serviço do Estado dominante, freando a dinâmica das
* Resumo da palestra proferida em sua posse no IADF, a 25-3-87
BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. Leis interpretativas e a aplicação do princípio da
irretroatividade das leis. In: Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Anais: Biênio
1986/1988. Brasília, 1988. p. 148-150.
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Leis Interpretativas e a Aplicação do Princípio da Irretroatividade das Leis
relações sociais, na medida do descompasso entre os fatos e a sua
regulamentação.
Nessa linha de raciocínio, é, hoje, questão ultrapassada, na
teoria geral, que o direito com a lei não se confunde, até por que, se o
direito é reduzido à pura legalidade, já representa a dominação ilegítima
por força desta mesma suposta identidade, como adverte o nosso querido
e saudoso Roberto Lyra Filho.
Ora, interpretar uma lei, ou uma norma jurídica, não é, tão-
somente, revelar-lhe o sentido, nem se limita — na teoria da subsunção —
à simples obtenção de conclusões particulares aplicáveis ao caso concreto,
como bem assevera Elias Dias.
Interpretar, em nosso entender, pressupõe que o intérprete
elabore e fixe um conceito em torno de uma situação de fato (concreta ou
hipotética), compatível com uma situação jurídica concreta (norma
positiva) ou dissimulada (costume e jurisprudência-súmula).
Se assim o é, e a elucubração jurídica nos permite essa
divagação, vemos, de início, que o conceito erigido daquela atividade
mental e intelectiva cria, por si só, um elemento novo, pois a finitude do
conceito é uma de suas características preponderantes, na medida em que
o preceito conceitual torna finita a observação de um fato ou de fenômeno
natural ou jurídico.
Daí por que, admitindo-se que o legislador pudesse elaborar e
fixar o seu conceito, através de uma lei interpretativa, estaríamos a
reduzir a atividade do aplicador ou intérprete ao mero exercício e pesquisa
da mens legislatoris, o que, evidentemente, não encontra eco por absurda
a proposição.
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irretroatividade das leis. In: Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Anais: Biênio
1986/1988. Brasília, 1988. p. 148-150.
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De outro lado, se a lei constitui a estrutura básica do
ordenamento jurídico, não afasta a produção de direito por outras fontes,
e muito menos, e principalmente, não tem a primazia de disciplinar a
interação social, eis que a sua implementação no cotidiano sofre as
injunções das variáveis de pluralidade de significações da palavra ou da
seqüência de palavras pela qual se exprime.
Essas idiossincrasias, aliás, encontram o reconhecimento de
Kelsen, quando assinala que todo ato jurídico em que o direito é aplicado
— seja de criação e/ou de execução — é em parte determinado pelo
próprio direito e, em parte, indeterminado. Diz, ainda, que a
indeterminação pode ser intencional, ou não, e respeitar tanto ao fato
(pressuposto) condicionante como a conseqüência condicionada.
Por fim, a prevalecer a existência de lei interpretativa, ainda
assim, e numa cadeia interminável, teríamos, sempre, que admitir a
interpretação da lei interpretativa, sob pena da automatização da
aplicação do direito, o que importa concluir, nesta parte, com Carvalho de
Mendonça, que o poder que faz a lei não a interpreta.
Examinando a questão à luz do princípio da irretroatividade,
verificamos, em Bevilaqua, que este princípio é, antes de tudo, um
preceito de política jurídica. Por isto que, assinala Bento de Faria, o
princípio têm valido por um dogma rígido, contra o qual nada poderia o
legislador ordinário, porque não resulta da lei comum, mas foi adotado
como regra constitucional. No mesmo diapasão, assevera Carvalho de
Mendonça.
Em linhas gerais, Pontes de Miranda, Ruggiero e Aftalion,
Olano e Vilanova entendem que a lei nova deve regular, tão-somente, os
fatos ocorridos na sua vigência, seja porque a irretroatividade defende o
povo, seja porque as partes não podem estar permanentemente expostas
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à mudança de legislação que alterasse ou declarasse inválidas situações
jurídicas constituídas sob o pálio da lei anterior.
Ocorre, porém, que uma das características atribuídas à lei
interpretativa é sua retroatividade, isto é, o protrair efeitos
retrooperantes, aderindo-se ao preceito interpretado.
Outros sistemas jurídicos — o francês, por exemplo —
admitem, plenamente, o conceito de lei interpretativa e a produção de
efeitos retroativos. Entretanto, observe-se que, como em França, o
princípio da irretroatividade é matéria regulada na lei comum (Código
Civil, art. 2º).
Aqui, todavia, a questão tem estatura constitucional (§§ 3º e
4º do art. 153 da C.F. de 1967), o que permite invocar, novamente, a
lição de Carvalho de Mendonça, quando diz que, a pretexto de interpretar,
não podem o Congresso Nacional e os corpos legislativos estaduais
emprestar à lei efeito retroativo.
Ferrara, por sua vez, salienta que é de se negar que a
chamada interpretação autêntica se trate de verdadeira interpretação; em
outras palavras, diz Radbruch, que a vontade do legislador não é um meio
de interpretação, até porque torna-se possível, muitas vezes, darmos por
assente, como vontade do legislador, um sentido que aliás nunca se achou
presente no espírito do autor da lei. Pode, inclusive, o intérprete entender
a lei melhor que o seu autor, como pode a própria lei ser mais inteligente
do que ele.
Pontes de Miranda é, ainda, mais enfático, quando pondera
que em sistemas jurídicos, que têm o princípio da legalidade, da
irretroatividade das leis e da origem democrática da regra jurídica, não se
pode pensar em regra jurídica interpretativa, que, a pretexto de
autenticidade da interpretação, retroaja.
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Colocada a questão no âmbito das considerações e da doutrina
pesquisada, concluímos:
1.— a chamada lei interpretativa constitui uma contradição em
termos, pois elaborar uma lei é opção política, enquanto que interpretá-la
é opção jurídica, na medida em que o comando legal é guia da função
eminentemente criadora do intérprete, onde até a condicionante histórica
tem papel relevante;
2.— a chamada lei interpretativa é lei nova e, como tal, só se
aplica aos casos não definitivamente consolidados sob o pálio da lei
interpretada;
3.— o princípio da irretroatividade das leis, enquanto opção do
poder constituinte, em sistemas como o nosso, inibe a eficácia
retrooperante atribuída à chamada interpretação autêntica do legislador
ordinário.
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