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VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Conheci a face escura do desemprego quando meu pai vendeu sua farmácia central, Salva Sempre, e
mudou-se para São Paulo sem ter emprego fixo. O velho tinha história na farmácia... o desemprego é
feroz. Não respeita história, competência, seriedade, humilha, liquida com a auto-estima.. Seu Oscar
veio para São Paulo machucado, mas guerreiro. Foi de porta em porta, ofereceu-se como
farmacêutico para seus pares, distribuiu currículo, chegou a escrever algumas crônicas em sua velha
Remington, na esperança de que sua segunda profissão, jornalista amador, pudesse ser uma saída.
Não parou de lutar por nenhum minuto até conseguir emprego de vendedor da Coleção Nobel. Foi
para Poços e procurou, um a um, amigos e antigos desafetos para vender livros. E continuou lutando,
tentando, até conseguir emprego de farmacêutico, fazendo manipulação de fórmulas em uma clínica
de emagrecimento na zona leste. Depois, alugou uma casa e conseguimos reunir de novo os cinco
filhos, espalhados por casas de parentes... Pouco a pouco, seu Oscar foi se refazendo. Foi juntando
seu dinheirinho, economizando, até o dia em que conseguiu comprar uma linha telefônica. Foi a
primeira vitória de um longuíssimo período, em que se limitou a vender, um a um, todos os seus bens.
Durou pouco a sensação de vitória. Poucos dias depois, cheguei em casa à noite, me preparando para
viajar para Poços no dia seguinte. Era 1974. Ele me pegou na sala afobado, com as pupilas dilatadas,
bem do modo dos Nassif, depois de certa idade, daquele jeito do seu primo Armando Bogus no final
da vida., o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo estava recusando seu registro, porque o
nome no diploma era Sckhair, e no documento de identidade era o Oscar que assumira com a
naturalização, em 1967. Ele, o mais mineiros dos poços-caldenses, na opinião do amigo Lindolfo
Carvalho Dias, chegou a Poços com dez anos de idade, vindo da Argentina. Quando conseguiu a
naturalização, muitas décadas depois, fez a maior festa que nossa casa presenciou. Juntou todos os
amigos, exibindo um sorriso esfuziante, devidamente registrado em várias fotos que guardo no álbum
de família. A praga da burocracia vinha atormentá-lo, logo agora que a longa corrida de obstáculos
parecia estar chegando ao fim, depois de anos tentando vender a farmácia, depois do momento duro
da venda da casa, da chegada a São Paulo, do aluguel da nova casa, da reunificação dos filhos
debaixo do mesmo teto, do emprego duramente conquistado. Viajei no dia seguinte para Poços
carregado de pressentimentos. Cheguei lá e soube que os políticos da Arena tinham comprado o
jornalzinho que eu havia ajudado a fundar. Briguei com meus ex-sócios, perdi a cabeça e fui esfriar
de noite, em uma rodada de música na represa Saturnino de Brito. Coube ao Sérgio Manucci, com
quem eu brigara à tarde, ir até lá para me avisar que meu pai tinha sido derrubado por um derrame.
Sobreviveu com seqüelas, mas sua luta terminara ali. Separei um resto de salário, comprei a
"Farmacopéia" e o presenteei, mas ele já tinha desistido. Por isso, cada vez que vejo esses
economistas e políticos com suas formulações absurdas, com a insensibilidade dos que destroem
países sem se incomodar com os efeitos sobre famílias e pessoas, quando vejo o desemprego se
espalhando, me recordo do velho e o vejo, como a milhares de pessoas, na música de Gonzaguinha: