vendida durante a semana da programada para o festival pela pizzaria,
pelo mesmo preço da pizza de mussarela da casa.
Folha Online
Entrevistada num programa radiofônico de grande audiência, a
pizza declarou-se sumamente gratificada e honrada com a homenagem que
lhe é prestada em São Paulo. Evocou sua origem, antiga e humilde,
remontando à época em que egípcios e hebreus misturavam farinha de trigo
e água para assar em fornos rústicos “pão de Abraão” do qual nasceu o pão
árabe.
À época das cruzadas, ou talvez antes, esta prática chegou à atual
Itália. Nápoles foi o berço da pizza; ali o termo “picea” passou a designar a
fatia da massa em forma de disco, com queijo derretido e outros
ingredientes por cima. Tratava-se de alimento barato, vendido por
ambulantes. Mas a pizza viveu seu momento de glória no século l9, quando
o padeiro Raffaele Espósito foi incumbido pelo rei Humberto I de incluir a
pizza num banquete real. Em homenagem à rainha Margherita, Espósito
criou a pizza conhecida por este nome e que ostenta as cores da Itália no
branco da mussarela, no vermelho do tomate e no verde do manjericão.
Ao Brasil, a pizza chegou trazida pelos imigrantes italianos. Foi
uma história de sucesso: só na Grande São Paulo, são vendidos cerca de
50 milhões de pizzas ao mês.
A que atribuir tal êxito? A pizza tinha uma resposta para isso. Em
primeiro lugar mencionou a sabedoria dos ingredientes: a proteína do queijo
combinada com os hidratos de carbono da massa. Ou seja: matéria-prima
para formar os tecidos do corpo mais energia para mover este mesmo
corpo. Depois, a formada própria pizza: redonda, como o Sol, como a Lua,
como a Terra. Pouca profundidade? Certo, mas muita superfície, e quando
se trata de povo, garantiu a entrevistada, é melhor superfície do que
profundidade.
Apesar disso, a pizza não pôde ocultar que tinha ressentimentos
em relação à maneira como tem sido tratada no Brasil. Não admite, para
começar, que se use a expressão “terminou tudo em pizza”, para designar
aquela situação em que políticos envolvidos em escândalos escapam da
punição. Pior ainda, acrescentou, já com a voz embargada, foi a “dança da
pizza”, com a qual uma deputada federal celebrou a absolvição de um
colega acusado de participar no esquema do mensalão. Essas coisas,
bradou, tinham de ser levadas adiante, com a exemplar punição de
culpados.
Constrangido, o entrevistador colocou o microfone à disposição para
eventuais acusações e denúncias. Mas, tendo desabafado, a pizza agora
estava em outro ânimo, conciliador, amistoso. Afinal, não valia a pena
estragar uma semana de comemorações. “Estamos mesmo terminado em
pizza”, pensou o jornalista. Pensou, mas não disse. Em matéria de pizza,
tudo o que vale a pena discutir são os sabores e os ingredientes. O resto é
conversa. Conversa animada, em torno, a uma enorme e saborosa pizza.
(SCLIAR: 2006)
Nessa crônica, Scliar usa o tom irônico. Ele associa a reportagem sobre
o dia da pizza com a política brasileira que sempre dá um jeito de encobrir seus
escândalos. O fato de todos os problemas importantes do país acabarem em pizza,
ou seja, nunca serem resolvidos está no contexto da política atual e traz para o
texto a cumplicidade de autor e leitor para que a ironia seja entendida. No texto, há a