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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
Elaine Diana Kreischer
A PERCEPÇÃO DOS ENFERMEIROS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO NO CENTRO CIRÚRGICO DE UM HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO
Rio de Janeiro
2007
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Elaine Diana Kreischer
A PERCEPÇÃO DOS ENFERMEIROS SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO NO CENTRO CIRÚRGICO DE UM HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO
Dissertação apresentada, como requisito para
obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Enfermagem da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Orientadora: Profª Drª Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza
Rio de Janeiro
2007
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Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.
________________________________________ _________________________
Assinatura Data
K92 Kreischer, Elaine Diana
A percepção dos enfermeiros sobre a organização do trabalho no centro
cirúrgico de um hospital universirio / Elaine Diana Kreischer 2007.
122f.
Orientador: Norma Varia Dantas de oliveira Souza.
Dissertação (mestrado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Enfermagem
1. Enfermagem do Trabalho. 2. Enfermagem Cirgica. 3. Percepção
social. I. Souza, Norma Valéria Dantas de Oliveira. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título.
CDU
614.253.5
Elaine Diana Kreischer
A Percepção dos Enfermeiros sobre a Organização do Trabalho no Centro
Cirúrgico de um Hospital Universitário
Dissertação apresentada, como requisito para
obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de Enfermagem
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Aprovado em: ______________________________________
Banca Examinadora:
____________________________________________________________
Profª Drª Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza (Orientadora)
Faculdade de Enfermagem da UERJ
____________________________________________________________
Profª Drª Marcia Tereza Luz Lisboa
Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ
____________________________________________________________
Profª Drª Maria Yvone Chaves Mauro
Faculdade de Enfermagem da UERJ
_____________________________________________________________
Profª Drª Marilourdes Donato
Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ
_____________________________________________________________
Profª Drª Helena Maria Scherlowski Leal David
Faculdade de Enfermagem da UERJ
DEDICATÓRIA
Aos meus pais Cesar (in memoriam) e Cirlene, o meu muito
obrigado pelo amor , incentivo e apoio que sempre foram
fundamentais em minha vida. Amo vocês!
Pai, muita saudade!
AGRADECIMENTOS
Ao Pai Celestial que está presente em cada dia da minha vida, acompanhando minha caminhada e
fortalecendo minha fé na superação dos obstáculos.
À minha avó Hilda e minha madrinha Célia que viram meus primeiros passos e continuam ao
meu lado nestes anos de caminhada sempre me incentivando a seguir em frente. Amo vocês!
Às minhas primas Fabiana e Carla, minha irmãs de coração.
Às amigas de todas as horas Pata, Vivi e Dani que aturaram os estresses, as crises de choro, crises
de riso, sempre vibrando com minhas conquistas.
Aos primos (Bruno, Fátima, Rose, Marcos) pelos lanches e almoços que transcenderam os
momentos de convivência familiar e transformaram-se em momentos de diversão e lazer.
Ao meu namorado Gabriel que tem se revelado um verdadeiro anjo na minha vida.
À minha orientadora Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza, que ao “debutar” em suas
orientações de Pós-Graduação, acreditou no meu potencial e me guiou neste caminho de
aprendizado, sempre com muita paciência, carinho e amizade.
À professora Márcia Tereza Luz Lisboa pelas contribuições muito valiosas para este estudo.
À professora Maria Yvone Chaves Mauro que despertou meu interesse na área de Saúde do
Trabalhador, sempre incentivando meu percurso acadêmico.
Ao corpo docente do Programa de Mestrado da Faculdade de Enfermagem pelo estímulo e
incentivo constantes.
Aos participantes deste estudo, pela colaboração, interesse e disponibilidade em partilhar suas
vivências.
À Chefia de Enfermagem, Supervisores, Educação Permanente, Enfermeiros do Hospital da
Lagoa, em especial às amigas Silvana Vivacqua e Maria do Socorro Brasil pelo incentivo,
carinho, apoio e cobertura das escalas facilitando meu caminhar.
Ao Coordenador de Enfermagem, Chefes de Serviço, Supervisores, Enfermeiros do Hospital
Universitário Pedro Ernesto pelo incentivo à minha qualificação profissional, além da
convivência harmônica e amizade. Em especial à “Tia Auri” pela cobertura de minhas escalas.
À D. Eulália Pereira, por sempre cuidar de mim, desde a lembrança da assinatura do ponto, até a
preocupação com a minha alimentação.
Aos amigos que estiveram presentes enviando mensagens de apoio e carinho, sempre
preocupados com a “Dirce”.
Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não
fora a mágica presença das
estrelas!
Mário Quintana
RESUMO
KREISCHER, Elaine Diana. A Percepção dos Enfermeiros sobre a Organização do Trabalho no
Centro Cirúrgico de um Hospital Universitário. 2007. 122 f. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem) Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.
Objeto deste estudo é a percepção do enfermeiro sobre a organização do trabalho no ambiente de
Centro Cirúrgico e suas repercussões no processo saúde-doença desses profissionais. Os
objetivos traçados foram: identificar a percepção dos enfermeiros sobre a organização do trabalho
no Centro Cirúrgico do Hospital Universitário Pedro Ernesto, analisar as repercussões no
processo saúde-doença dos enfermeiros decorrentes da organização do trabalho no Centro
Cirúrgico. O estudo apoiou-se nas concepções da psicodinâmica do trabalho desenvolvida por
Dejours, que busca compreender as vivências dialéticas do sofrimento-prazer decorrentes do
trabalho e nas estratégias utilizadas pelos trabalhadores para conter, mitigar ou transformar o
sofrimento advindo da organização do trabalho. Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, que
utilizou como método o materialismo histórico dialético desenvolvido no período de 2006 à
2007. O local de coleta de dados foi o Hospital Universitário Pedro Ernesto e os sujeitos
caracterizaram-se em onze enfermeiros que atuavam no centro Cirúrgico desta instituição. Como
técnicas de coleta de dados foram utilizadas a entrevista semi-estruturada e a observação
assistemática. Os sujeitos do estudo preencheram um termo de consentimento livre e esclarecido
atendendo à Resolução 196/96. Os dados foram analisados à luz da análise de conteúdo, que
evidenciou três categorias: as percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico,
trabalho material e imaterial, repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos
enfermeiros. Os resultados apontaram que os enfermeiros consideram seu trabalho como
estressante, desgastante e com repercussões na dimensão subjetiva que se sobrepõem às
repercussões na dimensão física devido à organização do trabalho instituída no Centro Cirúrgico.
O trabalho também foi caracterizado pelos sujeitos como pouco reconhecido e capaz de gerar
sentimentos dialéticos de sofrimento e prazer, satisfação e insatisfação, incidindo diretamente
processo saúde-doença destes profissionais através de alterações psicossomáticas.
PALAVRAS CHAVE: Enfermagem do Trabalho, Enfermagem Cirúrgica, Percepção Social
ABSTRACT
KREISCHER, Elaine Diana. Nurses’ perception on Labor Organization in a Surgical Center at a
University Hospital. 2007. 122 f. Final Paper (Máster degree in Nursing) Nurse College,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
The study is focused on the nurse’s perception on Labor Organization in the environment
of a Surgical Center, as well as its repercussions on these professionals’ health-illness process.
The objectives were: to identify the nurses’ perception on labor organization in a Surgical Center
at Pedro Ernesto University Hospital, to analyse all repercussions on nurses’ health-illness
process generated from labor organization in a Surgical Center. The study was based on Dejours’
psycodynamics concepts, that try to comprehend dialetic experiences related to suffering-pleasure
that come from nurses’ activities, as well as strategies used by professionals in order to stop,
mitigate or change all suffering that comes from their job. This is a qualitative, descriptive study,
that used the historical dialetic materialism as method, which was developed from 2006 to 2007.
The place for collecting data was Pedro Ernesto University Hospital and the subjects were eleven
nurses that were acting at its Surgical Center. In order to produce this study, semi-structured
interview and non-systematic observation were used as data collection techniques; all of the
participants were free and clear when they filled in a term of agreement, assuring that Ruling
196/96 was fulfilled. All data were analysed through tables in order to characterize the subjects of
the study, and for the statements it was used a content analysis that revealed three categories:
nurses’ perception on labor in a Surgical Center, material and non-material work, work
repercussions on nurses’ health-illness process. Results showed that nurses consider their job
stressing, tiring and with higher repercussions on the subjective dimension than on physic
dimension due to labor organization stablished in a Surgical Center. Subjects also characterized
the work as a non-recognized one, capable of generating dialetic feelings, such as suffering and
pleasure, satisfaction and unsatisfaction, repercuting directly on these professionals’ health-
illness process through psychossomatic changes.
KEY WORDS: Occupational Health Nursing, Perioperative Nursing, Social Perception
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1- Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de formação ...................................................69
Tabela 2- Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de atuação no Centro Cirúrgico .....................69
Quadro 1- Perfil dos trabalhadores com relação aos cursos de especialização realizados..........................70
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................................... 13
Objeto e sua Contextualização ................................................................................................... 13
Questões Norteadoras ................................................................................................................. 21
Objetivos ....................................................................................................................................... 21
Contribuições do Estudo..............................................................................................................22
Relevância do Estudo .................................................................................................................. 23
CAPÍTULO 2: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................... 24
A Psicodinâmica do Trabalho como suporte teórico para análise do objeto de pesquisa .... 24
A História do Centro Cirúrgico e a inserção dos Enfermeiros neste cenário ........................ 31
Trabalho, Saúde e Subjetividade ............................................................................................... 43
Saúde do Trabalhador: Riscos Ocupacionais no Ambiente Hospitalar ................................. 54
CAPÍTULO 3: REFERECIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ........................................... 60
Tipo do Estudo ............................................................................................................................. 60
Método do Estudo ........................................................................................................................ 61
Cenário do Estudo ....................................................................................................................... 66
Sujeitos do Estudo ....................................................................................................................... 67
Técnica de Coleta ......................................................................................................................... 70
Método de Análise dos Dados ..................................................................................................... 73
CAPÍTULO 4: TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS..................................................75
As Percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico .................................. 75
Trabalho Material e Imaterial.....................................................................................................90
Repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos enfermeiros...................................96
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................104
REFERÊNCIAS.........................................................................................................................108
APÊNDICES..............................................................................................................................118
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista semi-estruturada............................................................119
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.................................................120
ANEXOS.....................................................................................................................................121
ANEXO A - Aprovação do Comítê de Ética...............................................................................122
13
CAPÍTULO 1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O OBJETO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO
O estudo teve como objeto a percepção do enfermeiro sobre a organização do trabalho
no ambiente de Centro Cirúrgico e suas repercussões no processo saúde-doença desses
profissionais.
O interesse pela temática “trabalho e saúde” surgiu durante a graduação, quando no
internato de enfermagem observei empiricamente algumas situações relativas à dinâmica laboral
que me inquietaram e despertaram o interesse por este assunto. Situações envolvendo número de
pessoal reduzido, insuficiência de insumos hospitalares, clientela extremamente espoliada, super
lotação dos leitos hospitalares, entre outras situações, as quais chamavam minha atenção, pois
pareciam interferir na saúde dos profissionais que ali atuavam.
Em 1998 ingressei no Programa de Residência em Centro Cirúrgico (CC) e, dessa forma,
fui inserida na organização do trabalho do referido setor, quando me deparei com um ritmo
frenético de atividades permeadas de estresse, ansiedade, tensão, angústia, as quais se traduziam
em extremo sofrimento psíquico. Observava ainda que as relações de poder eram extremamente
demarcadas neste ambiente, parecendo inclusive mais acirradas que no restante do hospital,
gerando freqüentemente conflitos entre os membros da equipe multiprofissional, especialmente
entre cirurgiões e enfermeiros, deteriorando psiquicamente os profissionais que ali atuavam.
Para ilustrar o exposto anteriormente, relato um episódio marcante ocorrido no Centro
Cirúrgico. Iniciou-se com o questionamento de um médico anestesista à enfermeira plantonista
sobre um determinado cliente que ainda não havia chegado ao setor, evidenciando irritação em
sua fala e revelando uma postura hostil, perguntando-lhe se ela sabia com quem estava falando e
enumerando todos os seus títulos profissionais. Considerei aquela atitude desnecessária e
agressiva, a qual serviu para gerar um ambiente laboral conflituoso, repercutindo
negativamente na dimensão subjetiva dos trabalhadores.
14
Somado as questões que envolviam a dimensão subjetiva da relação saúde e trabalho, ainda
existiam àquelas referentes à natureza biológica, quando muitas vezes, eu acabava
negligenciando minhas necessidades básicas como alimentação, hidratação, eliminações, dando
pouca ou nenhuma atenção aos sinais de alerta do meu corpo a tais necessidades. Como resultado
desta conduta, adquiri dois cálculos renais num período de onze meses, reforçando a percepção
inicial de que a organização laboral, da forma como ela se configurava, gerava prejuízos para
saúde.
Ainda referente aos danos gerados na dimensão objetiva de natureza biológica, observei
também situações que demandavam uma carga física elevada como: a transferência de macas do
corredor externo para o interior do Centro Cirúrgico por um “sistema empurra-puxa”, que exigia
bastante força física, além dos inúmeros deslocamentos no longo corredor do setor. Em
decorrência da carga física exagerada, as quais os profissionais de enfermagem estavam expostos,
percebi que um número significativo desses profissionais era afastado de suas atividades por
lesões osteo-musculares, apontando mais uma vez que a organização do trabalho no Centro
Cirúrgico era um fator de comprometimento do processo saúde-doença dos profissionais de
enfermagem.
Diante do padecimento psico-fisico gerado pelo trabalho no Centro Cirúrgico, permaneci
somente um ano, dos dois exigidos pelo Programa de Residência. Assim, após desenvolver o
segundo cálculo renal e também por não conseguir suportar a ansiedade e o estresse gerados pelas
questões laborais, optei por ingressar em outro Programa de Residência, concluindo-o sem
grandes problemas.
A fim de conseguir apreender a complexidade do objeto de estudo, optei por apoiar esse
estudo nas concepções e pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho. A Psicodinâmica é uma
disciplina que investiga o prazer e o sofrimento dos trabalhadores, tendo como foco a
organização do trabalho. Para elaborar suas análises fundamenta-se na Sociologia do Trabalho,
na Ergonomia e na Psicanálise. Um dos pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho é que o
trabalho nunca é neutro em relação à saúde, destacando que a organização do trabalho,
dependendo da forma como está instituída, pode proteger a saúde do trabalhador ou espolia-a.
Dessa forma, esse foi um dos pilares para desenvolver o presente estudo (DEJOURS,
ADOUCHELI e JAYET, 1994).
15
A Psicodinâmica do Trabalho nasceu de estudos coordenados pelo pesquisar francês
Christophe Dejours a partir de seu conhecimento na área da Psicopatologia do Trabalho. Este
pesquisador verificou que existia um quantitativo significativo de trabalhadores que, apesar de
estarem inseridos numa organização laboral com um potencial significativo para adoecer,
permaneciam produtivos, porém com extremo sofrimento. Assim, ele verificou que haviam
estratégias elaboradas muitas vezes inconscientemente pelo coletivo de trabalho, que os
mantinham funcionantes, favorecendo a dinâmica laboral.
Muitos estudos vêm apoiando-se na Psicodinâmica do Trabalho, apreendendo resultados
significativos para o trabalho de Enfermagem. Assim, Souza (2003) em sua pesquisa sobre a
dimensão subjetiva das enfermeiras que trabalhavam em um hospital universitário verificou que a
organização do trabalho atinge a dimensão subjetiva das enfermeiras e ressalta que a falta de um
modelo assistencial, de definições de papéis e, conseqüentemente, de uma identidade profissional
que valorize a enfermeira no contexto de saúde, leva à baixa da auto-estima. Por sua vez, toda
esta problemática conduz a uma dificuldade da valorização social e profissional, acarretando
sofrimento psíquico, desgaste da energia psicossomática e alterações na saúde das enfermeiras.
Lisboa (1998) também faz considerações acerca da organização do trabalho hospitalar,
afirmando que ela interfere na subjetividade dos trabalhadores, pois ela é dinâmica, intensa e
estressante. A autora (op cit) infere que a organização laboral das enfermeiras assistenciais tem
como característica marcante o desenvolvimento de múltiplas tarefas ao mesmo tempo, inúmeras
obrigações referentes à clientela, ao pessoal de enfermagem, assim como encargos
administrativos, os quais se configuram como fatores que interferem negativamente na
subjetividade dos profissionais, gerando sofrimento e adoecimento.
Ainda fazendo alusão a minha trajetória profissional, interrelacionando-a com o desejo de
investigar o objeto de estudo pontuado inicialmente, ressalto que no ano de 2002 ingressei no
quadro efetivo de funcionários da Instituição e, desde então, atuo como enfermeira-supervisora
de Clínicas Cirúrgicas, Centro Cirúrgico e Central de Material e Esterilização. Sendo assim,
tenho observado que os enfermeiros expressam as mesmas dificuldades que eu vivi quando
atuava no Centro Cirúrgico. Nas conversas informais, eles queixam-se de estresse, irritabilidade,
angústia devido à sobrecarga de trabalho, insuficiência de materiais e de recursos humanos,
dificuldades de relacionamento interpessoal, relações de poder extremamente demarcadas, enfim,
situações que se referem à forma como a organização do trabalho se configura no hospital e a
16
relação com o processo saúde-doença dos trabalhadores de enfermagem, reforçando a
necessidade de pesquisar a problemática pontuada.
A fim de auxiliar na contextualização do objeto de estudo, considerei relevante refletir
sobre a complexidade que envolve a categoria “trabalho”. Para Marx (1971, p.201) o trabalho
pode ser entendido como “atividade resultante do dispêndio de energia física e mental, direta ou
indiretamente voltada à produção de bens e serviços que asseguram a vida humana em
sociedade”.
O trabalho reveste-se em simbolismo para a sociedade, de forma que a maioria das pessoas
se percebe como parte dela quando são economicamente produtivas, possuindo assim, algum
status social. Também se faz relevante destacar que além da questão de inclusão na sociedade, é a
partir do trabalho que o trabalhador adquire segurança, satisfação e realização pessoal, além
disso, desenvolve relações interpessoais que interferem em sua dimensão subjetiva (MAURO,
1997; MENDES, 2002).
Verifica-se que na realidade do trabalho hospitalar não é diferente, pois os profissionais que
atuam nas instituições hospitalares também buscam a satisfação pessoal e profissional, o
reconhecimento da sociedade, o status econômico e social. O trabalho nos hospitais tem como
objetivo prestar a melhor assistência possível aos clientes, através dos preceitos de respeito,
dignidade, humanização e conhecimento técnico-científico.
O universo hospitalar é permeado por situações geradoras de crises, pois é composto por pessoas
enfermas, em situações mais ou menos graves e que têm sua estrutura física, emocional, psíquica e
espiritual abalada no momento de internação; também é formado por trabalhadores de saúde, que
se deparam, com dificuldades inerentes a eles e ao seu processo de trabalho. Este quadro cria
sentimentos ambíguos, como esperança e desesperança, tristeza e alegria, tanto na vida pessoal
quanto no trabalho [...] (BECK, 2005, p.480).
Ressalta-se que o trabalho no cenário hospitalar reúne diversas categorias profissionais,
com formações e personalidades diferentes, caracterizando-se assim um grupo heterogêneo, onde
prevalece a diversidade de trabalhadores da saúde, a hierarquização e as relações de poder
extremamente demarcadas. Acerca desta questão, Souza (2003) assevera que:
O trabalho hospitalar traz uma problemática complexa, haja vista a multiplicidade de
determinantes que o tornam peculiar: a diversidade de categorias profissionais e seus processos de
trabalho que muitas vezes se sobrepõem; a incorporação de tecnologia de ponta impelindo os
profissionais à capacitação ininterrupta; a característica do trabalho, por lidar com a dor, o
sofrimento e a morte; e também se podem destacar as relações de poder que são extremamente
tensas por força do caráter hegemônico milenarmente dominante (SOUZA, 2003, p. 65).
17
Outro conceito relevante para o entendimento mais profundo do objeto em questão é acerca
da organização do trabalho, sua caracterização em termos conceituais, suas repercussões na vida
do trabalhador e na produtividade.
Assim sendo, sobre a organização laboral, Dejours (1992, p. 25) pontua que ela envolve: “a
divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em que ele dela deriva), o sistema
hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder, as questões de responsabilidades,
etc.”. A organização do trabalho delimita as atribuições dos trabalhadores, caracterizando as
tarefas a serem desenvolvidas por estes. Porém, um fator importante a ser destacado é que, a
organização laboral é pensada por uns e elaborada por outros, o que resulta em alteração na
subjetividade daqueles que executam atividades demandadas pela organização prescrita do
trabalho. Assim sendo, a organização do trabalho é pensada, criada e instituída por pessoas
detentoras de poder, que criam regras a serem seguidas, sendo estas, na grande maioria das
situações, pouco flexíveis, resultando no pouco controle do trabalhador sobre o processo laboral e
sobre o resultado final do seu trabalho.
O distanciamento entre o desejo do trabalhador em relação à como operacionalizar seu
trabalho e a impossibilidade de executá-lo da forma como ele idealiza, sempre origina algum grau
de sofrimento. A organização laboral que não permite ajuste, configurando-se como não flexível,
autoritária, gera um sofrimento imensamente maior e com um potencial significativo para
interferir negativamente no processo saúde-doença do trabalhador, sendo caracterizado por
Dejours (1992) como patogênico. O sofrimento patogênico começa quando a relação homem-
organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas
capacidades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação e não obteve satisfação
naquilo que desenvolve no trabalho, podendo adoecer.
Quando todas as margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização
do trabalho já foram utilizadas, isto é, quando não há nada além das pressões fixas, rígidas,
incontornáveis, inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo, ou o sentimento
de impotência. Quando foram explorados todos os recursos defensivos, o sofrimento residual, não
compensado, continua seu trabalho de solapar e começa a destruir o aparelho mental e o equilíbrio
psíquico do sujeito, empurrando-o lentamente ou brutalmente para uma descompensação (mental
ou psicossomática) e para a doença. Fala-se então de sofrimento patogênico (DEJOURS,
ABDOUCHELI e JAYET 1994, p.137).
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) inferem que apesar de existir um sofrimento psíquico
que espolia o trabalhador e pode adoecê-lo, existe outra configuração para o sofrimento advindo
das vivências laborais, em que o trabalhador reage de forma criativa, produzindo mais e melhor,
18
o qual o autor denominou de sofrimento criativo. Este sofrimento ocorre quando é possível
transformar aquilo que incomoda em soluções interessantes e criativas, fortalecendo a identidade
do trabalhador com o seu trabalho, assegurando a saúde e trazendo bem-estar para o mesmo. Este
tipo de sofrimento aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e
somática. A organização do trabalho que permite esta flexibilidade funciona então como um
mediador favorável à saúde.
A organização do trabalho é um conceito amplo e envolve o processo em que o trabalhador
se apropria de determinadas ferramentas para atingir o trabalho propriamente dito.
Marx (1971) em seu notório livro “O Capital”, discorre sobre o processo de trabalho
como sendo um processo pelo qual o homem utiliza suas “ferramentas naturais”, como cabeça,
braços, mãos e pernas para se apropriar de recursos da natureza, para transformá-los em formas
úteis para a sociedade.
Este processo tem como característica principal não ser neutro nem para o homem, nem
para a natureza, pois durante o desenrolar do mesmo, o homem transforma a natureza e a si
mesmo (Marx, 1971).
Esta definição de processo de trabalho determinada por Marx no século XIX, ainda
revela-se atual, sendo utilizada por diversos estudiosos como Laurell e Noriega (1989), que ao se
embasarem nos estudos de Marx, inferiram que o processo de trabalho é:
O processo através do qual o homem se apropria da natureza, transformando-a e transformando a
sim mesmo [...]. O processo de trabalho é ao mesmo tempo social e biopsíquico, ele é visto como
um modo específico de trabalhar - desgastar-se como enfrentamento de classe em termos de
estratégias de exploração e resistência que, por sua vez, determinam padrões específicos de
reprodução e geração de bens (LAURELL E NORIEGA,1989, p.36).
Outro aspecto que envolve a organização do trabalho, diz respeito às condições em que
este trabalho se desenvolve e, a partir das leituras exploratórias que auxiliaram na elaboração do
objeto de estudo, depreendi que o ambiente laboral em si, com suas nuances físicas, químicas,
biológicas, ergonômicas, quando inadequadas, podem ocasionar doenças ao trabalhador.
Dejours (1992) define condições de trabalho da seguinte forma:
Ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.) ambiente
químico (produtos manipulados, vapores e gases xicos, poeiras, fumaça etc.), o ambiente
biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), as condições de segurança, e as características
antropométricas do posto de trabalho (DEJOURS, 1992, p.25).
As condições de trabalho no Centro Cirúrgico onde foi desenvolvido este estudo parecem
representar uma realidade hostil à saúde dos trabalhadores, pois é possível citar alguns fatores de
19
risco como: temperatura extremamente fria para assegurar a conservação dos equipamentos; o
contato com gases anestésicos; cargas físicas elevadas como o deslocamento de macas; a
utilização de agentes químicos para esterilização de materiais e equipamentos, que apontam para
condições de trabalho pouco favoráveis a saúde desses trabalhadores.
A partir dessa contextualização inicial, foi possível selecionar o problema da pesquisa:
como os enfermeiros que atuam no Centro Cirúrgico caracterizam a organização do
trabalho na qual estão inseridos? Ou seja, meu interesse centrou-se na percepção dos
enfermeiros sobre a organização laboral do Centro Cirúrgico como um fator de interferência no
processo saúde-doença.
Dessa forma, faz-se relevante aprofundar a discussão acerca desse termo “percepção”. A
partir de estudos exploratórios compreendi que percepção é um modo peculiar de interação do
indivíduo com o meio no qual está inserido, interpretando-o de modo único e de acordo com suas
experiências pessoais, profissionais, cognitivas, caracterizando-se como um processo individual.
Ressalto, então, que a percepção de uma pessoa em relação à determinada situação poderá ser
diferente da percepção de outra pessoa, uma vez que envolve vivência, história pessoal,
preferências e sentimentos. No entanto, compreendo que quando a percepção de um coletivo
profissional encontra-se aproximada, revela que ela tem características marcantes positivas e/ou
negativas, que devem ser estudadas a partir de um foco de interesse do pesquisador.
Para a fundamentação teórica da percepção, busquei apoio em Penna (1997) que define:
Perceber é conhecer, através dos sentidos, objetos, situações. O ato implica, como condição
necessária, a proximidade do objeto no espaço e no tempo, bem como a possibilidade de se lhe ter
acesso direto ou imediato (PENNA, 1997, p.11).
Como esclarece Penna (1997, p.12), “perceber não é perceber apenas objetos concretos
como são vulgarmente designados por essa palavra”. Para elaborar uma percepção acerca de
alguma situação ou objeto, o indivíduo deve estar em contato direto e estreito com estes, senão
haverá imaginação, recurso que lançará mão para discorrer sobre eles, e que muitas vezes pode se
distanciar do concreto ou do real.
Quando menciono o objeto a ser percebido, refiro-me então, à organização do trabalho,
que neste estudo caracterizou-se como o que foi analisado e discorrido pelos enfermeiros
enquanto elemento de seu estreito conhecimento. Logo, busquei apreender dos enfermeiros o que
sentem, compreendem, entendem sobre a organização do trabalho no Centro Cirúrgico a partir da
20
vivência laboral cotidiana. Desejei trabalhar com enfermeiros que revelassem percepções
aproximadas da realidade do Centro Cirúrgico, ou seja, estivessem em contato direto com a
realidade e o cotidiano do setor, para que a caracterização da organização do trabalho não se
apresentasse de forma idealizada, como os sujeitos gostariam que esta se apresentasse, evitando
com isto, uma visão distorcida da realidade que pretendia investigar ou a utilização do recurso de
imaginação, como adverte Penna (1997).
Considerei importante trazer para essa contextualização algumas especificidades do
ambiente de Centro Cirúrgico, já que este foi o cenário do estudo, portanto, foi necessário
discorrer sobre ele a fim de possibilitar depreender os meandros dessa organização laboral.
O Centro Cirúrgico caracteriza-se por ser um setor fechado, muito específico, onde são
realizados procedimentos de alta complexidade. Para Ferreira e Ribeiro (2000), este setor tem a
seguinte caracterização:
[...] é uma das unidades mais complexas do hospital se levarmos em conta a amplitude de suas
finalidades, que são as de realizar intervenções cirúrgicas as quais envolvem o planejamento
adequado de várias etapas da assistência ao cliente com o objetivo que o mesmo possa retornar as
suas atividades o mais rápido possível, na melhor condição de integridade (FERREIRA e
RIBEIRO, 2000, p. 19).
O Centro Cirúrgico é um setor dinâmico, que apresenta um funcionamento diferenciado das
demais unidades do hospital, com uma organização laboral complexa, onde circulam diariamente
um grande número de profissionais de diversas especialidades, utilizando-se tecnologias
avançadas. Observa-se uma lógica laboral peculiar, pois em se tratando de um setor fechado,
restringem-se as relações sociais com os demais trabalhadores da instituição, gerando o estigma
de uma “elite” profissional inserida neste espaço. Tal estigma parece fundamentar-se no fato de
que no Centro Cirúrgico se lida com aparato tecnológico de ponta, com situações de risco
iminente de vida para os clientes, necessitando para isto, que os trabalhadores tenham habilidades
cognitivas e psicomotoras específicas, diferenciando-os dos demais trabalhadores, excetuando-se
talvez os ambientes de terapias intensivas, que apresentam características semelhantes
(CARVALHO e LIMA, 2001; MEIRELLES, 2002).
Menciona-se como uma característica própria do Centro Cirúrgico a atuação de
profissionais com vestuário específico, ou seja, a paramentação cirúrgica, que envolve o uso de
máscaras, toucas, pro- pés, calças e blusas diferenciadas que se assemelham a pijamas.
Este setor tem como objetivo principal realizar procedimento de grande complexidade, o
ato cirúrgico, quando os clientes entregam suas vidas aos profissionais que ali atuam, ficando
21
totalmente dependentes das ações de saúde que ali se desenvolvem, inconscientes e sem a menor
possibilidade de intervir quando julgarem conveniente.
As características do Centro Cirúrgico geram simbolismos interessantes entre os demais
trabalhadores do hospital. Esta análise deve-se a observações feitas empiricamente, pois, por
diversas vezes, durante minha atuação como enfermeira-supervisora, quando solicitava que os
auxiliares ou técnicos de enfermagem se reportassem ao Centro Cirúrgico para buscar materiais
em falta nas enfermarias, recebia respostas do tipo: “Ah não chefe! tem um pessoal que nem
olha direito para gente!”; “Eu? Ir no centro Cirúrgico? A senhora está querendo demais, eles são
esquisitos”; “A senhora pode ligar antes avisando que eu vou lá?”.
Ressalta-se também que é um setor onde é necessário um constante estado de alerta dos
profissionais como analisa Ghellere, Antônio e Souza (1993, p.18): “todas as atividades exigem
estado permanente de alerta, pois há intervenções que podem colocar em risco a vida do paciente,
nas cirurgias eletivas e, principalmente, nas cirurgias de urgência”. Portanto, o Centro Cirúrgico é
uma unidade do hospital com características específicas de uma organização laboral complexa,
dinâmica, pouco encontrada em outros setores.
Diante da complexidade que envolve o objeto de estudo e tomando-se por base esta
contextualização inicial, foi possível elaborar duas questões norteadoras para guiar o
desenvolvimento do estudo:
- Quais são as características da organização do trabalho dos enfermeiros no cenário do
Centro Cirúrgico?
- Quais são as alterações psicofísicas apresentadas pelos enfermeiros decorrentes de suas
vivências na dinâmica de trabalho no Centro Cirúrgico?
Os objetivos formulados para o estudo foram:
- Identificar a percepção dos enfermeiros sobre a organização do trabalho no Centro
Cirúrgico do Hospital Universitário Pedro Ernesto;
- Analisar as repercussões da organização do trabalho no Centro Cirúrgico para o
processo saúde-doença dos enfermeiros, segundo a percepção dos mesmos.
22
CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO
Em minha experiência, tenho observado que há certa dificuldade dos enfermeiros em falar
abertamente sobre os sentimentos que permeiam suas práticas profissionais. Talvez pela própria
formação acadêmica, pois durante a graduação ouvimos diversas vezes que enfermeiros não têm
sexo, que devem ser abnegados, incansáveis, procurarem dar o melhor de si a favor do cliente e
ter sempre um sorriso no rosto, em detrimento até das alterações em suas integridades biopsico-
sociais. Este tipo de conduta descaracteriza as questões subjetivas dos profissionais, negando os
sentimentos, as particularidades, o que poderia ser uma discussão natural, pois envolve ser
humano, e deveria ser valorizada. Desta forma, observo que os sentimentos, muitas vezes,
permanecem velados, ocultos, porque exteriorizá-los choca-se com a ideologia de que “quem
cuida deve estar sempre bem”.
A partir dessa colocação, penso que esta pesquisa pode auxiliar na discussão da questão
complexa e problemática que envolve a subjetividade dos enfermeiros e ajudar a pensar caminhos
que possam valorizar a dimensão subjetiva desses profissionais na formação e nas organizações
laborais onde os enfermeiros estão inseridos.
Para Gonzáles (2001), a fragmentação pela divisão das tarefas, a perda de controle do
próprio processo de trabalho e a hierarquização, tem contribuído, além de outros fatores, para
encobrir o desejo e o sonho do homem/ mulher trabalhador(a), e isto gera sofrimento, numa
constante contradição com sua força interna como fonte de prazer e realização.
Assim, identificar como a organização do trabalho está repercutindo no processo saúde-
doença dos enfermeiros trará maiores subsídios para transformação dessa realidade laboral,
visando uma adaptação cada vez melhor do trabalho às peculiaridades dos trabalhadores,
tentando assim, atender ao máximo as aspirações pessoais e profissionais de cada trabalhador de
enfermagem.
Além disso, o presente estudo poderá contribuir para desconstruir a ideologia dominante
de que a enfermeira que gosta realmente do que faz não sofre, negando a ela o direito de sentir,
sejam tais sentimentos bons ou ruins. Quando nos alienamos diante do problema, negando ou
minimizando-o, a capacidade de resolvê-lo diminui significativamente. Portanto, há de se discutir
as situações insólitas que as enfermeiras vivenciam no seu cotidiano de trabalho e o sofrimento
decorrente dessa vivência a fim de buscar transformá-las em algo positivo.
23
Também é importante destacar que como atuo num hospital de ensino, pude perceber que
a abordagem de temas relativos à saúde do trabalhador é algo recente no currículo da
Universidade, temas relativos à subjetividade do trabalhador são pouco discutidos pelos alunos.
Considero então, que esta pesquisa poderá auxiliar no fortalecimento de discussões acerca dessa
temática, difundindo e socializando tais conhecimentos entre os futuros enfermeiros.
Este estudo contribuirá também para minimizar a carência de pesquisas na área da
subjetividade e trabalho de enfermagem, pois conforme salientam Oliveira e Lisboa (2004), as
pesquisas nessa área ainda são incipientes. Sendo assim, o presente estudo auxiliará na
construção de conhecimentos pouco trabalhados na enfermagem, podendo inclusive, apontar
outros objetos de estudo envolvendo a subjetividade, saúde e trabalho.
RELEVÂNCIA DO ESTUDO
Este estudo é relevante à medida que busca conhecer como a organização do trabalho no
Centro Cirúrgico se configura e se ela é capaz de produzir repercussões negativas no processo
saúde-doença dos enfermeiros. Considero também que ele se faz importante porque reunirá dados
que possibilitarão repensar a organização laboral, para em consonância com os enfermeiros do
Centro Cirúrgico, Chefia de Enfermagem e Direção da Instituição, torná-la mais flexível, racional
e menos complexa, resultando numa melhor adequação do trabalho ao profissional de
enfermagem, o que é de extrema importância para a saúde do trabalhador.
É relevante destacar que esta pesquisa busca suscitar nos enfermeiros a reflexão acerca
de suas práticas profissionais, das organizações de trabalho nas quais estão inseridos, e num
contexto mais abrangente, refletir acerca dos rumos que a Enfermagem está tomando como
profissão cada vez mais respaldada em conhecimentos técnico-científicos, favorecendo
discussões acerca da importância da profissão no contexto sócio-político-cultural da sociedade.
24
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo destinou-se a desenvolver uma discussão teórica com o objetivo de dar
suporte ao processo de análise das informações coletadas e facilitar o processo de apreensão do
objeto de estudo. Sendo assim, busquei elaborar um ensaio teórico sobre as seguintes temáticas: a
psicodinâmica do trabalho, o cenário hospitalar e a unidade de Centro Cirúrgico como cus de
trabalho das enfermeiras assistenciais; a organização do trabalho no Centro Cirúrgico e aspectos
ligados aos riscos ocupacionais envolvendo o trabalho em saúde. Desta forma, o presente capítulo
foi dividido didaticamente em quatro seções de discussão teórica, os quais denominei de:
- A Psicodinâmica do Trabalho do Trabalho como suporte teórico pra análise do objeto de
pesquisa;
- A História do Centro Cirúrgico e a inserção dos Enfermeiros neste cenário;
- Trabalho, Saúde e Subjetividade;
- Saúde do Trabalhador: Riscos Ocupacionais no Ambiente Hospitalar.
A PSICODINÂMICA DO TRABALHO COMO SUPORTE TEÓRICO PARA ANÁLISE DO
OBJETO DE PESQUISA
A Psicodinâmica do Trabalho nasceu dos estudos e pesquisas de Christophe Dejours e de
um grupo de pesquisadores interessados na relação trabalho-subjetividade e saúde. Dejours é
doutor em Medicina, especialista em Medicina do Trabalho e em Psiquiatria, atualmente assume
o cargo de diretor do Conservatoire National des Artes et Métier, em Paris. Esta recente linha de
pesquisa tem como origem pesquisas relacionadas à Psicopatologia do Trabalho realizadas por Le
Guillant, Veil, Sivadon, Bégoin, nas décadas de 50 e 60. (MERLO, 2002; DEJOURS, 2004a).
Sabe-se que as primeiras pesquisas em Psicopatologia do Trabalho revelaram um conflito
central, tanto nas investigações empíricas como nas interpretações e construções teóricas: o
conflito entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico (DEJOURS, 2004a). Assim,
infere-se que os pesquisadores da Psicopatologia do Trabalho foram precursores em realizar
25
observações sistemáticas para estabelecer o nexo causal entre o trabalho e as alterações psíquicas
nos trabalhadores (MERLO, 2002; LANCMAN e UCHIDA, 2003; ALDERSON, 2004).
No ano de 1956, o psiquiatra Le Guillant realizou uma pesquisa sobre o trabalho das
telefonistas de Paris, utilizando questionário e a observação das atividades laborais dessas
profissionais, e comparou os resultados apreendidos com esses dois instrumentos aos achados de
exames clínicos, desta forma diagnosticou uma série de sintomas como: angústias, palpitações,
desconforto gástrico, distúrbios do sono, sensação de “aperto torácico” aos quais denominou
como “fadiga nervosa”. O autor concluiu que para compreender melhor os distúrbios psíquicos
apresentados pelos trabalhadores, devem-se estudar amplamente as características do trabalho e o
sentido que o trabalho assume para os trabalhadores, pois só desta forma seria possível articular o
trabalho com alterações psíquicas apresentadas por esses indivíduos sob a forma de esgotamento
nervoso e doenças mentais (MERLO, 2002; NASSIF, 2005).
Esta pesquisa marca a origem dos estudos em Psicopatologia do Trabalho, que
posteriormente possibilitou o surgimento da Psicodinâmica do trabalho por Christophe Dejours.
A partir de então, diversos estudos foram realizados neste âmbito, preocupando-se em
identificar síndromes e doenças mentais características decorrentes do binômio homem-trabalho.
Seguindo esta linha de pesquisa, Dejours inicia suas pesquisas buscando compreender o
sofrimento psíquico no trabalho proveniente do confronto do trabalhador com a organização do
trabalho, culminando com a célebre publicação em 1980 do livro Travail: usure mental- essai de
psycopatologie du travail, que foi traduzido para o português em 1987 como o título: A loucura
do trabalho: estudos de psicopatologia do trabalho (LANCMAN e UCHIDA, 2003; MENDES,
2007).
Em meados da década de 90, Dejours enfoca seus estudos nas vivências dialéticas do
sofrimento-prazer decorrentes do trabalho e nas estratégias utilizadas pelos trabalhadores para
conter, mitigar ou transformar o sofrimento advindo da organização do trabalho. Segundo suas
pesquisas apontavam, estas estratégias (estratégias coletivas de defesa) caracterizavam-se numa
tentativa de evitar o adoecimento e, consequentemente manter ou aumentar a produtividade.
Assim, ele desvia seu olhar das doenças mentais e volta suas pesquisas para aspectos como:
organização do trabalho; prazer e sofrimento; estratégias coletivas de defesa, passando então a
denominar o seu campo de pesquisa de Psicodinâmica do Trabalho (LANCMAN e UCHIDA,
2003, NASSIF, 2005; MENDES, 2007).
26
A Psicodinâmica do Trabalho estuda a “normalidade”, uma vez que os trabalhadores apesar
do frágil equilíbrio entre o sofrimento e as defesas contra este, conseguem em sua maioria,
abstrair a loucura e as doenças psicossomáticas. (DEJOURS, 1994, 2004a; LANCMAN e
UCHIDA, 2003).
Em relação à questão do estudo da normalidade Lancman e Uchida (2003) destacam que:
“[...] o que o autor defende a partir desse momento é que não se deve confundir estado de
normalidade com estado saudável. Se, de um lado, a normalidade pode refletir equilíbrio saudável
entre as pessoas, pode, de outro, ser um sintoma de um estado patológico, ou seja, o
estabelecimento de um precário equilíbrio entre as forças desestabilizadoras dos sujeitos e o
esforço destes e dos grupos no sentido de se manterem produtivos e atuantes à custa de muito
sofrimento e que se estenderá também em sua vida fora do trabalho (LANCMAN e UCHIDA,
2003, p.82)”.
Dejours (1994, 2006) infere que a normalidade apresenta-se não como ausência de
sofrimento, mas sim como uma luta (individual e coletiva) contra o sofrimento no trabalho. Desta
forma, a normalidade não implica ausência de sofrimento, mas caracteriza-se como uma vivência
dialética do trabalhador com sentimentos como prazer-sofrimento sem que haja descompensação
mental e loucura.
Sendo assim, o sofrimento é caracterizado por uma luta entre o funcionamento psíquico e
mecanismos de defesa utilizados, em contrapartida às pressões desestabilizantes da organização
do trabalho numa tentativa de conservar um equilíbrio psíquico possível, mesmo que este seja à
custa de sofrimento mascarado sobre a égide de conformismo e aparente comportamento social
de normalidade (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994; MERLO, 2002).
A Psicodinâmica do Trabalho também aborda as situações geradoras de prazer na interação
do trabalhador com seu trabalho, pois este não possui somente a faceta de sofrimento, mutilação e
morte, mas pode ser permeado de relações sociais prazerosas, sentimento de gostar da profissão,
se sentir útil e realizado, funcionando como operador de saúde e de prazer (DEJOURS, 1992;
MERLO, 2002).
Desta forma, o objeto da psicodinâmica do trabalho é o estudo da análise dinâmica dos
processos psíquicos mobilizados pelo trabalhador para o confronto com a sua realidade de
trabalho que pode gerar vivências dialéticas de sofrimento-prazer, contentamento-
descontentamento, satisfação-insatisfação, e as estratégias utilizadas pelo indivíduo para mediar
tais contradições da organização do trabalho (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994;
ALDERSON, 2004; MENDES, 2007).
27
Lancman e Ushida (2003) inferem que:
[...] a Psicodinâmica do Trabalho, ao tentar entender a ação de um determinado sujeito em um
contexto determinado de trabalho, sabe que todo comportamento é motivado, tem um sentido. Se
uma certa conduta é insólita, isso se deve ao sofrimento subjetivo e às estratégias defensivas
contra esse sofrimento. A inteligibilidade desse ato do sujeito vem não da conduta que ele
expressa, mas do sofrimento que o motiva (LANCMAN; UCHIDA, 2003, p.85).
A psicodinâmica do trabalho determina cada indivíduo como um sujeito único, sem igual,
que possui uma história de vida singular, vivências particulares, portador de desejos e projetos de
vida. Porém quando se insere na coletividade de trabalho, este sujeito é absorvido por uma
organização do trabalho na qual ele tenta adaptar-se da melhor maneira possível, e em busca de
sua inserção e aceitação por parte do grupo acaba por participar das estratégias elaboradas por
esta coletividade de trabalhadores (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994; MERLO, 2002).
A ideologia defensiva tem como objetivos mascarar, conter e ocultar uma ansiedade do
grupo envolvido em relação ao trabalho, portanto possuí características específicas relacionadas à
organização do trabalho na qual os sujeitos estão envolvidos, e conta com a participação de todos
os trabalhadores que realizam suas atividades em determinado setor (DEJOURS, 1992)
Dejours (1992) destaca que a ideologia defensiva é funcional em nível do grupo, de sua
coesão, de sua coragem, e é funcional também em nível do trabalho; é garantia da produtividade.
Numerosas profissões possuem sistemas defensivos bastante estruturados que possuem
características próprias da profissão.
O autor op cit (1992, p. 193) infere que para elaboração da ideologia defensiva:
“[...] É preciso a participação de um grupo trabalhador, isto é, não apenas uma comunidade que
trabalhe num mesmo local, mas com um trabalho que exija uma divisão de tarefas entre os
membros da equipe [grifo do autor]. No caso do trabalho parcelado e repetitivo, onde pouca
comunicação entre os trabalhadores e onde a organização do trabalho é muito rígida, pouco
espaço para a elaboração de ideologias defensivas” (DEJOURS, 1992, p,73).
As estratégias coletivas de defesa criadas pelos grupos de trabalhadores são construídas,
organizadas e gerenciadas pelos próprios com o intuito de resistir às agressões psíquicas impostas
pela organização do trabalho, buscando alternativas para manter a estabilidade do grupo e
freqüentemente quando um indivíduo não partilha desta ideologia criada pelo grupo ele é
excluído do mesmo (DEJOURS, 1992, 1994, 2004a).
Quando ocorre a segregação do trabalhador por parte do grupo, este se torna desprovido
de defesas frente à organização do trabalho transformando a ansiedade que antes era coletiva em
individual e levando à comportamentos como alcoolismo, atos de violência “anti-social”,
descompensações psicóticas, depressão, loucura e até à morte. Além disso, manifestações
28
somáticas como uma maior incidência de subnutrição facilitando a ocorrência de patologias
diversas (DEJOURS, 1992).
Para o desenvolvimento de pesquisas no âmbito da psicodinâmica do trabalho os
estudiosos elaboraram uma base teórico-metodológica que articula saberes de diversas áreas
como: filosofia, psicanálise, sociologia e ergonomia para a construção de suas bases teóricas e
metodológicas (MENDES, 2007).
A Psicodinâmica do Trabalho incorpora conceitos sociológicos para caracterizar e detalhar a
organização taylorista; conceitos ergonômicos para identificar o espaço existente entre trabalho
real e trabalho prescrito; e, enfim, conceitos psicanalíticos, tais como os de sublimação, para
apreender o indivíduo que entra no universo do trabalho como portador de uma história singular
que foi construída desde sua infância (MERLO, 2002).
A metodologia utilizada nos estudos de psicodinâmica do trabalho como destaca Dejours
(2004b, p.105- 106) “surge de uma demanda a ser pesquisada”, em seguida define-se os sujeitos
que participarão do estudo, reúnem-se informações sobre o processo de trabalho e posteriormente
procede-se uma visita para conhecimento da organização real do trabalho. Esta fase é descrita
como pré-pesquisa.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, os trabalhadores são ouvidos sobre as questões
inerentes ao objeto da pesquisa. Esta metodologia preconiza que os sujeitos sejam ouvidos
atentamente para abstrair os temas consensuais e objetos de discussão contraditória entre os
participantes do estudo, observando os contrastes e paradoxos, buscando os elos existentes entre
as expressões de sofrimento e/ou prazer, com o objetivo de remeter o pesquisador à verdade da
relação dos trabalhadores com o seu próprio trabalho (DEJOURS, 2004a).
Posteriormente procede-se a análise dos dados obtidos através dos discursos dos
trabalhadores e das observações do pesquisador.
O sofrimento e o prazer, sendo dados essencialmente subjetivos, seria ilusório querer objetivá-los.
Esses dados passam tanto em suas descrições como na percepção, na detecção e na formulação
pela subjetividade do pesquisador [...] O objetivo é dar forma ao que, para o pesquisador, em seu
contato com os trabalhadores, parece surpreendente, espantoso, incompreensível [...] (DEJOURS,
2004 a, p. 122)
Após a análise dos dados por parte do pesquisador, procede-se a última etapa da
metodologia que se trata da validação e refutação dos dados que tem como objetivo rejeitar ou
reelaborar discussões, acrescentar novas contribuições. O pesquisador elabora então um relatório
final apresentando os resultados obtidos e os desdobramentos que surgiram da investigação e que podem
gerar novas pesquisas (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994).
29
Esta abordagem se mostra bastante útil para prevenir doenças relacionadas ao trabalho,
modificar aspectos apontados como negativos na organização do trabalho, auxiliar nos tratamento
e reabilitação de patologias. A metodologia adotada pelas pesquisas fundamentadas nos preceitos
da Psicodinâmica do Trabalho considera os aspectos subjetivos do trabalhador e a interação deste
com o seu trabalho, além disso, fornece oportunidade para o trabalhador pensar em sua situação
no trabalho e como esta influencia sua vida fora do ambiente laboral, e também fornece
condições para discutir com a coletividade aspectos relativos à organização do trabalho numa
análise crítica da realidade de trabalho na qual está inserido.
Como assevera Merlo (2002, p.140-141):
A metodologia da Psicodinâmica do Trabalho encontrou muita ressonância entre os pesquisadores
e técnicos brasileiros que atuam na área da Saúde do Trabalhador (psicólogos, médicos do
trabalho, fisioterapeutas, engenheiros de segurança, etc.). E isso ocorreu pela capacidade dessa
disciplina em preencher lacunas epistemológicas importantes no conhecimento em saúde do
trabalho, que haviam sido relegadas a um segundo plano ou simplesmente negadas (MERLO,
2002, p.140-141)
Corroborando com o descrito acima, Mendes (2007, p. 23-24) destaca que os estudos em
Psicodinâmica do Trabalho têm apresentado avanços significativos. Estes se iniciaram no início
dos anos noventa, em especial na Universidade de Brasília, onde em 1994 foram defendidas as
primeiras dissertações de mestrado e, em 1999, a primeira tese de doutorado. A autora ( op cit )
ressalta ainda que atualmente esta linha de pesquisa vem assumindo posição de destaque no
programa de pós-graduação da referida universidade.
Na Universidade de Brasília foi fundado o Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e
Trabalho (GEPSAT), que tem como objetivo criar um espaço coletivo para debate e construção
do conhecimento em Psicodinâmica do Trabalho. Deste grupo participam alunos de graduação,
pós-graduação e diversos profissionais que apresentam interesse por esta temática. O GEPSAT
viabilizou a vinda do Professor Christophe Dejours ao Brasil no ano de 2006, objetivando
promover reflexões, debates e intercâmbios de pesquisa na linha da Psicodinâmica do Trabalho
(MENDES, 2007).
Mendes (2007) infere que na atualidade a Psicodinâmica do Trabalho tem estudado:
[...] patologias sociais como a banalização do sofrimento, a violência moral e a exclusão do
trabalho, a servidão voluntária, a hiperaceleração, os distúrbios osteomusculares, a depressão, o
alcoolismo e o suicídio, repercutindo uma inversão de perspectiva teórica inicial, que passa a ter
como ponto de partida a psicodinâmica das situações de trabalho para o entendimento das
psicopatologias do trabalho (MENDES, 2007, p.36).
30
Durante a busca de respaldo para a construção do referencial teórico deste estudo,
observei que existem inúmeros estudos acerca da psicodinâmica do trabalho, pois esta apresenta
um extenso leque de possibilidades para o desenvolvimento de pesquisas. Por ser uma linha de
pesquisa relativamente nova, muitos pesquisadores poderão utilizar-se de seus pressupostos para
a realização de diversas pesquisas, enriquecendo as discussões acerca deste assunto,
possibilitando a construção de saberes e conhecimentos.
No caso dessa dissertação verifiquei que a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho
adequou-se ao objeto de estudo por tratar da subjetividade dos trabalhadores de Enfermagem que
atuam na organização laboral do Centro Cirúrgico e também por buscar captar o prazer-
sofrimento dos enfermeiros decorrente do trabalho nessa unidade assistencial. Destaca-se
igualmente que apesar da organização laboral do Centro Cirúrgico caracterizar-se por um
potencial elevadíssimo para o adoecimento psíquico e somático, os enfermeiros permanecem
trabalhando, apesar do sofrimento emitido nos seus discursos, o que aponta para a possibilidade
de elaboração de estratégias defensivas por esse coletivo de trabalho.
31
A HISTÓRIA DO CENTRO CIRÚRGICO E A INSERÇÃO DOS ENFERNEIROS NESTE
CENÁRIO
Esta seção surgiu da necessidade de uma revisão histórica abordando a missão do Hospital
na sociedade ao longo dos tempos, o surgimento e desenvolvimento do Centro Cirúrgico,
articulando com a trajetória histórica e a inserção da Enfermagem nestes cenários.
Por se tratar de um estudo com embasamento no materialismo histórico, considerei
relevante fazer esta contextualização histórica partindo de certos questionamentos que foram
primordiais para apreender a totalidade do objeto desse estudo. Assim, algumas questões
precisavam ser respondidas: Como era o trabalho da Enfermagem ao longo dos principais
períodos da história da civilização? Como as evoluções tecnológicas e científicas influenciaram o
trabalho das enfermeiras ao longo dos tempos? Quais determinantes sócio-políticos, econômicos
e culturais propiciaram o surgimento e conformação atual do Centro Cirúrgico?
Na tentativa de esclarecer estas questões que tanto me inquietavam e acirravam minha
curiosidade, parti para um estudo exploratório e o resultado dessa investigação encontra-se
contextualizada nessa seção teórica.
Relatos de procedimentos cirúrgicos, descrições de instrumentais foram confirmados em
escavações arqueológicas, o que atesta que os homens primitivos praticavam cirurgias, seja
como instinto de preservação da vida, quando o homem procurou coibir o sangramento dos
ferimentos com as próprias mãos, ou até mesmo com o objetivo de expulsar espíritos malignos
que ocupavam o corpo (FERREIRA e RIBEIRO, 2000; PINHO, 2002)
No século I, em Roma, o cirurgião grego Galeno utilizava técnicas para ferver o
instrumental cirúrgico, o que era considerado avançado para a época (PINHO, 2002).
Existem registros de que na Roma do Século II foram construídos locais para acolhimentos
de doentes junto aos templos destinados aos deuses, sendo estes os primeiros estabelecimentos
com características hospitalares que se têm notícia (ORNELLAS, 1998).
Nesta época são raros os registros acerca da Enfermagem, sendo a Índia o único país que
possuía critérios para a escolha dos enfermeiros que atuariam nos supostos hospitais. Esses
critérios embasam-se em qualidades como: asseio, habilidade, inteligência, conhecimento de arte
32
culinária e preparo de remédios, além dos pressupostos morais de pureza, dedicação e cooperação
(SOUZA apud PAIXÃO, 1995).
Na Idade Média, o Cristianismo e o poder da Igreja Católica predominavam, incutindo no
povo a necessidade de aceitação com resignação sobre tudo que lhes aconteciam, pois assim era a
vontade de Deus, sendo a caridade e a abnegação o único caminho para a vida eterna. Souza
(1995) relata que neste período verifica-se a ascensão da incipiente Enfermagem, a qual era
desenvolvida pelos religiosos.
Nesta época, os supostos cirurgiões realizavam procedimentos paliativos como lancetar
furúnculos, curativos em feridas externas de tumores de mama e em locais que não fosse
necessária abertura de cavidade. Assim, evitavam o abdômen, qualquer local de cavidade e
também o sistema nervoso central, pois existiam medos e tabus envolvendo estes locais. As
cirurgias aconteciam em qualquer local: na casa do cirurgião, num campo de batalha ou num
convés de navio. Não havia preocupação com higiene, anti-sepsia e assepsia (POSSARI, 2004).
A cirurgia era tratada como uma prática rebaixada e profana, pois os cirurgiões eram
considerados uma categoria intelectualmente inferior à dos médicos, sobretudo dos clínicos, que
mantinham estreita relação com a classe dominante (JOUCLAS, 1991).
Desta forma, quando os cirurgiões se deparavam com uma situação em que o ato cirúrgico
era iminente e inevitável, realizavam tal procedimento com o intuito de livrar seus clientes do
sofrimento, porém havia complicações que, muitas vezes, não conseguiam ser controladas
caracterizando-se primordialmente em dor, hemorragia e infecção. Eram utilizadas algumas
alternativas para minimizar a dor durante o ato cirúrgico tais como: álcool, éter, ópio ou haxixe
também conhecido como maconha indiana (SILVA, 1996; POTER, 2001; POSSARI apud
LACLETTE, 2004).
Somado às possíveis complicações inerentes à cirurgia, existia o fato que “o hospital que
funcionava na Europa desde a idade Média, não era de modo algum, um meio de cura, não era
concebido para curar” (FOUCAULT, 1996, p. 101).
E mesmo nestas condições adversas, os cirurgiões reivindicaram um local específico para a
realização dos procedimentos, sendo nesta época, mais precisamente no século XII, no “Hotel
Dieu” de Paris, que se criou um local específico para a realização das cirurgias, instituindo-se
assim, o Centro Cirúrgico (SCHMIDIT apud RIBEIRO, 2004).
33
Avançando no contexto histórico-social e econômico, iniciou-se o enfraquecimento do
feudalismo e ocorreu o desenvolvimento de outra forma de gerar riquezas denominada
mercantilismo, o qual serviu de base para o nascimento do modelo capitalista de produção,
transformando a estrutura sócio-econômica, cultural e religiosa da sociedade.
Como destaca Souza (2003), o pensamento predominante desta época era que os pobres e
doentes deveriam ter direito à assistência social e de saúde, pois como enfermos, poderiam
contaminar a população, causando epidemias. Dessa forma, ocorria o comprometimento do
processo produtivo e a geração de riqueza. Assim, a lógica era isolar os doentes em hospitais,
segregando-os socialmente.
As modificações sociais, políticas e econômicas foram intensas nos séculos XV e XVI,
gerando um movimento cultural denominado Renascimento. Este movimento foi idealizado por
intelectuais e apoiado pelos reis, que por descontentamento com os dogmas da Igreja Católica e
com a supremacia papal, geraram transformações radicais nas artes, nas ciências e na literatura
(KOSHIBA e PEREIRA, 2004).
Estas alterações de ordem religiosa tiveram influência direta sobre a Enfermagem e os
hospitais. Este foi um contraponto à evolução das ciências as quais se desenvolveram
significativamente e a Enfermagem viveu um período de decadência, desencadeada pela reforma
protestante liderada por Martinho Lutero, fruto do seu descontentamento com os preceitos da
Igreja Católica. Ocorreu então, uma grave crise no catolicismo, levando à saída das ordens
religiosas dos hospitais (SOUZA apud LIRA E BONFIM, 1995).
A mudança no contexto histórico repercutiu diretamente na assistência prestada nos
hospitais. Pires (1989) destaca que os hospitais se transformaram em depósitos humanos e os
cuidados eram prestados por pessoas que também eram marginalizadas pela sociedade e de moral
duvidosa como os bêbados, as prostitutas e os vagabundos. Verifica-se então, um período
obscuro e crítico na Enfermagem, que ainda hoje sofre seus reflexos, gerando um estigma que
permanece arraigado ao imaginário popular.
No século XIX, ocorram mudanças nos objetivos do hospital, deixando de ser local de
segregação de excluídos e desvalidos, se transformado num espaço de curar. A partir desse
momento, o médico torna-se o dono do processo de trabalho e assume o poder nos hospitais
(FOUCAULT, 1996). Esse profissional que até então se encontrava fora da instituição hospitalar,
34
insere-se neste contexto e impõe um poder de decisão sobre a organização e o processo de
trabalho hospitalar que afeta diretamente a Enfermagem.
No final do século XIX, verifica-se uma mudança no cenário da Enfermagem, quando se
constatam mudanças positivas na prática da Enfermagem e, conseqüentemente, na forma da
sociedade simbolizar a profissão. A Enfermagem transforma-se numa profissão moderna e com
embasamento científico (SOUZA, 1995).
Nesta época também ocorrem evoluções significativas no conhecimento anestésico-
cirúrgico e, conseqüentemente, no espaço que hoje é caracterizado como centro cirúrgico.
Destacam-se o advento da utilização de agentes anestésicos eficazes para supressão da dor (1842)
e a utilização, em 1848, das primeiras técnicas assépticas (POSSARI, 2004).
No dia 16 de outubro de 1846, no Hospital de Massachutts em Boston, foi realizado um
importante procedimento cirúrgico, a retirada de tumor no pescoço de um paciente,
caracterizando-se em um marco da cirurgia moderna, pois ele foi submetido à anestesia por
inalação de gases químicos, até então nunca antes utilizado (POTER, 2001; POSSARI, 2004).
Nos idos de 1856, Florence Nightingale inicia suas atividades como enfermeira em
Kaiserswerth, na Alemanha, numa Escola para Enfermeiras de elevada moral e respeitabilidade.
A partir então, iniciou-se uma trajetória profissional que culminou na transformação da
Enfermagem, antes obscura e nada valorizada pela sociedade (NASH, 1980; GEORGE et al,
1993, PINHO, 2002).
Paralelamente a estes acontecimentos, verifica-se a introdução de conceitos de
microbiologia nos hospitais por Lister (1874). Esse médico atestou que os microorganismos eram
responsáveis pela supuração das feridas, inclusive as operatórias. Ele utilizou ácido carbolítico
como anti-séptico de fraturas expostas e, posteriormente utilizou esta mesma substância para
pulverizar as salas de cirurgia, dando origem a uma técnica de desinfecção das salas operatórias
que perdurou por vários anos. Lister também foi o pioneiro em utilizar instrumental cirúrgico
esterilizado (PINHO, 2002).
em 1882, o cirurgião Nauber instituiu o uso do avental cirúrgico para diminuir o risco de
infecção. No ano de 1889, Halstead, cirurgião do Hospital John Hopkins, solicitou a criação de
luvas de borracha para proteger as mãos da enfermeira que atuava em suas cirurgias, uma vez que
ela era alérgica aos sabões e anti-sépticos utilizados para a degermação das mãos. Esta prática foi
35
bem aceita e adotada pelos demais profissionais posteriormente. Assim, este fato marcou o início
da utilização de luvas no ambiente de Centro Cirúrgico (PINHO, 2002, POSSARI, 2004).
O cirurgião Hunter Robb do Hospital John Hopkins, em 1894, solicitou que fossem
designados enfermeiros para atuar no Centro Cirúrgico com o intuito de melhorar a assistência
prestada aos clientes. A partir de então, o enfermeiro tornou-se essencial para a organização do
trabalho no Centro Cirúrgico (POLASKI, 1996; PINHO, 2002). Ressalta-se que:
foram as alunas do Curso de Enfermagem, do Boston Trainning School (Massachusetts General
Hospital), as primeiras a freqüentarem os Centros Cirúrgicos no ano de 1901. Elas assistiam as
cirurgias realizadas e treinavam a técnica de degerrmação das mãos. Neste período, os enfermeiros
tinham a assistência limitada as salas de cirurgia, atuando exclusivamente durante os
procedimentos cirúrgico-anestésicos. Esse fato dificultava a implantação do processo de
enfermagem (PINHO, 2002, p. 24).
Foi no século XX, entre 1900-1919, que a Enfermagem Perioperatória passou a atuar
também na casa do cliente, orientando acerca dos cuidados com a higiene e alimentação.
Ressalta-se que um maior desenvolvimento dessa especialidade na Enfermagem ocorreu durante
a Segunda Grande Guerra (1939-1945), quando as enfermeiras norte-americanas passaram a ser
responsáveis pelos procedimentos anestésicos e a atuarem como primeiro auxiliar de cirurgia.
Durante todo este processo de transformações, o trabalho dos enfermeiros também apresentou um
cunho diferenciando, centrado em tarefas administrativas para o perfeito funcionamento do setor
(ARZUZA, 1995, PINHO, 2002)
Após o término da segunda guerra mundial, a criação de novos equipamentos,
conhecimentos e técnicas cirúrgicas transformaram gradualmente a dinâmica do trabalho e, na
década de 50, observa-se que o Centro Cirúrgico se apresentava como um setor complexo,
padronizado e especializado. Nesse momento, verifica-se que os enfermeiros atuantes nesse
contexto, começam a se organizar cultural e politicamente, fundando as associações americanas e
européias de Centro Cirúrgico para padronização e sistematização da assistência (ARZUZA,
1995; PINHO, 2002; SCHMIDT, 2004).
A partir da década de 70, começou a surgir entre os profissionais uma preocupação com a
qualidade da assistência prestada no Centro Cirúrgico, com foco na relação enfermeiro-cliente
(AMARANTE, 1997). Scmidt (2004) apud Jouclas infere que ocorreram grandes modificações
na atividade dos enfermeiros do Centro Cirúrgico, destacando que em 1978 houve a definição da
assistência perioperatória pela Association of Operating Room Nurses (AORN), centrada na
assistência de qualidade ao cliente no período pré, trans e pós-operatório.
36
Na cada de 80, as pesquisas e o ensino voltados para a prática assistencial no Centro
Cirúrgico abrangiam questões administrativas, atribuições e competências do enfermeiro de
Centro Cirúrgico e o cuidado perioperatório. Foi nesta época que surgiram as propostas de
implementação de uma assistência que visava o cuidado integral ao cliente em situação cirúrgica
(ARZUZA, 1995, GUIDO, 2003). E, recentemente, na década de 90, as pesquisas em
enfermagem se direcionaram para a compreensão da complexidade do cuidado perioperatório e
para assistir o cliente da melhor forma possível, adequando a realidade do serviço (GUIDO,
2003). Hoje, observa-se uma grande preocupação em se prestar uma assistência perioperatória
digna, humanizada e centrada nos preceitos de qualidade ao cliente cirúrgico.
Em 1992, como destaca Pinho (2002), foi criada a Sociedade Brasileira de Enfermeiros de
Centro Cirúrgico (SOBECC), com sede em São Paulo, a qual visa aprimorar os conhecimentos
dos enfermeiros através da realização de cursos, publicações de periódicos e formação de
especialistas nesta área. A partir de 1997, houve a criação de sedes regionais em todo o país e,
atualmente, a entidade promove congressos em nível nacional a cada dois anos. Nesses eventos
também são realizados prova de conhecimento específico para obtenção de título de especialista
em centro cirúrgico.
Na atualidade, o Centro Cirúrgico possui determinadas características que possibilitam
identificá-lo como um setor crítico, fechado, destinado à realização de procedimentos cirúrgicos,
utilizando tecnologia complexa para prestar uma assistência de excelência aos clientes. No
entanto, é importante enfatizar que apesar de ser um setor fechado, apresenta elevado fluxo de
profissionais. Por ser um setor com elevado risco de morte dos clientes, os profissionais estão
sempre atentos para prevenir complicações perioperatórias (GHELLERE, ANTÔNIO E SOUZA,
1993; CARVALHO e LIMA, 2001; SCHMIDT, 2004).
De acordo com Ghellere, Antônio e Souza, (1993, p. 18), o Centro Cirúrgico tem como
principais finalidades:
- Realizar intervenções cirúrgicas e encaminhar o paciente à unidade de origem, na melhor
condição possível de integridade.
- Servir de campo de estágio para a formação e o aprimoramento de recursos humanos e;
- Desenvolver programas e projetos de pesquisa, voltados especialmente para o desenvolvimento
científico e tecnológico de ponta (GHELLERE, ANTÔNIO e SOUZA, 1993, P.18).
A organização estrutural deste setor é bastante complexa, pois deve contar com uma
estrutura física específica e adequada, uma vez que é uma unidade assistencial que interage e
37
depende de outros setores para seu pleno funcionamento, como por exemplo: Central de Material
e Esterilização, Rouparia, Farmácia, Oxigenoterapia, Radiologia.
Envolvendo ainda a questão da estrutura física, é importante destacar que o centro cirúrgico
divide-se em três áreas: irrestrita, semi-restrita e restrita. A área irrestrita é caracterizada como de
circulação livre, composta pelos vestiários e corredor de entrada, o sendo necessária a
utilização de roupas privativas. A área semi-restrita permite a circulação de profissionais, mas
desde que paramentado com a roupa do Centro Cirúrgico. Esta área é composta por: corredores,
copa, sala de estar, secretaria, expurgo sala da chefia de enfermagem e médica. Na área restrita só
é permitida a entrada com roupa privativa do setor, gorro e máscara facial. Esta área compõe-se
de: salas de operações, lavabos, sala de recuperação anestésica, sala de raio X (GHELLERE,
ANTÔNIO e SOUZA, 2003; SCHMIDT, 2004).
Ressalta-se que na Instituição estudada, os profissionais não utilizam mais as sapatilhas ou
pro- pés, pois seu uso é controverso, isto é, estudos têm demonstrado que a sua utilização não é
eficaz na prevenção ou redução das infecções do sítio cirúrgico (APECIH, 2003).
É importante destacar que no Centro Cirúrgico, os avanços científicos e tecnológicos são
constantes, impulsionando os enfermeiros a acompanhar estas mudanças através da capacitação
permanente. Esta capacitação constante é uma das exigências do mercado de trabalho, que exige
dos profissionais de Centro Cirúrgico um preparo profissional diferenciado e qualificado (CRUZ
e SOARES, 2004). Adicionado a esta questão, verifica-se que o trabalho em centro cirúrgico
requer uma elevada carga física e mental de seus trabalhadores, dado à especificidade das
atividades e da organização laboral (ROCHA E BRONZATTI, 2000).
Em centro cirúrgico é preciso pensar em ciência e tecnologia como necessidade para
implementação de um fazer cuja prática possibilite tratamentos rápidos, redução de riscos, menos
tempo de hospitalização a fim de minorar o sofrimento e prolongar a vida com qualidade
(ROCHA; BRONZATTI, 2000, p. 29).
Por outro lado, há um importante aspecto referente ao uso de tecnologia de ponta e
conhecimentos avançados de que trata Meyer (2002) e que merece destaque. Refere-se à barreira
e ao bloqueio que a tecnologia pode causar na relação enfermeiro-usuário. Tal fato tem potencial
para se desenvolver porque o manuseio de máquinas e equipamentos avançados, a administração
e controle de drogas poderão tornar-se foco principal da atenção dos enfermeiros, resultando
numa posição secundária para a clientela assistida.
38
Com relação à dinâmica de funcionamento do Centro Cirúrgico do HUPE e o quantitativo
de enfermeiros, verifiquei junto a Coordenadoria de Enfermagem que ele funciona atualmente
com catorze enfermeiros: sendo dois nos regime de contrato administrativo, um chefe da unidade,
um enfermeiro no turno da manhã, uma enfermeira no turno da tarde, cinco enfermeiros
plantonistas no serviço diurno, três enfermeiros plantonistas no serviço noturno e três enfermeiros
plantonistas no serviço diurno da sala de Recuperação Anestésica. Estes enfermeiros realizam
atividades distintas de acordo com seu cargo, mas que se complementam e às vezes se
sobrepõem.
Para um melhor entendimento das atribuições desses enfermeiros considerei conveniente
separá-las de acordo com o cargo que ocupam no Centro Cirúrgico. O registro dessas atribuições
foi feito fundamento nos estudos de Ghellere, Antônio e Souza (2003), uma vez que o manual de
normas e rotinas que dispõe sobre o papel e atribuições dos enfermeiros está em fase de
elaboração. Sendo assim, segue uma breve descrição das atribuições dos enfermeiros que atuam
no Centro Cirúrgico do HUPE, o que caracteriza o trabalho prescrito dos mesmos.
Cabe ao enfermeiro chefe de unidade:
- Estabelecer diretrizes gerais, normas, procedimentos e rotinas inerentes ao Serviço de
Enfermagem de Centro Cirúrgico;
- Participar do planejamento, execução e avaliação das atividades do Centro Cirúrgico;
- Assessorar a Chefia Geral do Centro Cirúrgico e a Coordenadoria de Enfermagem em assuntos
relativos à Enfermagem no Centro Cirúrgico.
- Planejar, executar e avaliar Programas de Treinamento e Educação Permanente da equipe de
enfermagem do setor, residentes de enfermagem e dos demais serviços do hospital relativos a
assuntos de Centro Cirúrgico;
- Proporcionar integração da unidade do Centro Cirúrgico com as demais unidades do hospital;
- Realizar a previsão e provisão de materiais;
- Executar escala de serviço mensal dos funcionários da equipe de enfermagem do setor;
- Realizar o planejamento de férias e folgas mensais dos funcionários de enfermagem do Centro
Cirúrgico;
- Receber e controlar os pedidos de cirurgia, planejando seu atendimento em conjunto com os
demais enfermeiros, médicos e outros profissionais;
39
- Proceder a articulação com outros serviços intra e extra-hospitalar, visando inclusive, a
prevenção e o controle de infecções hospitalares;
- Participar na formação e aperfeiçoamento de profissionais da área de saúde;
- Representar o Centro Cirúrgico em reuniões, cursos, jornadas e congressos promovidos por
associações de classe ou instituições de ensino;
- Implementar meios de controle de infecções e medidas para a assepsia do ambiente cirúrgico;
- Incentivar e supervisionar o controle periódico de saúde dos funcionários do setor;
- Coordenar e implementar, em parceria com o chefe de enfermagem do Serviço de Central de
Material e Esterilização, o programa teórico específico dos residentes de enfermagem do Centro
Cirúrgico;
- Participar de reuniões convocadas pela Coordenadoria de Enfermagem ou Direção do Hospital;
- Participar do processo de seleção do pessoal que irá atuar no Centro Cirúrgico.
Os enfermeiros plantonistas, líderes de equipe, aos enfermeiros dos turnos manhã e tarde
tem as seguintes funções:
- Receber o plantão e tomar providências sobre intercorrências ocorridas no plantão anterior;
- Providenciar que as cirurgias iniciem no horário estipulado;
- Assegurar o bom andamento do programa operatório, tomando providências para que não
ocorram atrasos;
- Checar a escala de funcionários, identificar ausências e providenciar o remanejamento de
pessoal quando necessário;
- Comunicar faltas e licenças médicas à Supervisão de Enfermagem;
- Receber o cliente no setor e realizar sua admissão em impresso próprio;
- Encaminhar o cliente para local específico a fim de aguardar pelo procedimento cirúrgico;
- Coordenar e supervisionar as atividades desenvolvidas pelos residentes, auxiliares e técnicos de
Enfermagem;
- Prover as salas de cirurgias de pessoal, material e equipamentos necessários à realização dos
procedimentos cirúrgicos;
- Realizar a escala do pessoal de acordo com o programa operatório previsto para o dia seguinte,
confeccionando a escala dos instrumentadores e circulantes específicas de cada sala de cirurgia;
- Verificar o estado de conservação e funcionamento dos equipamentos, aparelhos e materiais,
solicitando conserto ou substituição dos mesmos quando necessário;
40
- Supervisionar o desenvolvimento das atividades e assistência de enfermagem nas salas
cirúrgicas;
- Supervisionar e controlar a limpeza do ambiente do Centro Cirúrgico;
- Supervisionar a data de validade dos materiais e instrumentais esterilizados e encaminhá-los
para re-processamento quando houver indicação;
- Controlar o gasto diário de entorpecentes no setor e repô-los sempre que necessário;
- Protocolar e encaminhar as peças cirúrgicas e materiais biológicos coletados durante os
procedimentos cirúrgicos aos laboratórios específicos;
- Supervisionar o uso do uniforme adequado e a utilização de equipamento de proteção individual
pela equipe do setor;
- Participar da elaboração de normas, rotinas e procedimentos do setor;
- Cumprir e fazer cumprir o regulamento do hospital, normas, rotinas e procedimentos do Centro
Cirúrgico, ordens de serviço, circulares e outras determinações que sejam estabelecidas;
- Participar de reuniões convocadas pela Chefia do setor, Coordenadoria de Enfermagem ou
Direção do Hospital;
- Realizar procedimentos técnicos de maior complexidade na assistência direta ao cliente;
- Realizar reuniões periódicas com a equipe de enfermagem para discussão das atividades no
Centro Cirúrgico.
Cabe ao enfermeiro da sala de Recuperação Anestésica:
- Receber o plantão e tomar providências sobre intercorrências ocorridas caso sejam necessárias;
- Receber o cliente na sala de Recuperação Anestésica para que aguarde o procedimento
cirúrgico, esclarecendo suas dúvidas;
- Realizar as anotações referentes à entrada do cliente no setor e ao encaminhamento para a sala
de operação em impresso próprio;
- Receber o cliente em pós-operatório imediato, instalar a monitorização não-invasiva nos
clientes;
- Realizar registro das condições de saúde do cliente em impresso próprio;
- Checar sinais vitais a cada quinze minutos, registrá-los e atentar para alterações no estado de
saúde;
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- Observar atentamente o cliente, caso detectado qualquer alteração de vel de consciência, de
comportamento, sangramentos, ou qualquer indício de complicação pós-operatória, comunicar à
equipe cirúrgica e ao anestesista;
- Administrar medicações prescritas em caso de náusea, vômito, febre, dor e comunicar ao
anestesista responsável pelo cliente;
- Após alta assinada e carimbada pelo anestesista, providenciar o encaminhamento do cliente para
o setor de origem;
- Coordenar as atividades desenvolvidas pelo pessoal de enfermagem e pelos residentes de
enfermagem;
- Supervisionar e controlar a limpeza do setor;
- Realizar procedimentos técnicos de maior complexidade;
- Checar material de reanimação cardio-pulmonar do setor;
- Participar da elaboração de normas, rotinas e procedimentos do setor;
- Cumprir e fazer cumprir o regulamento do hospital, normas, rotinas e procedimentos do Centro
Cirúrgico, ordens de serviço, circulares e outras determinações que sejam estabelecidas;
- Participar de reuniões convocadas pela Chefia do setor, Coordenadoria de Enfermagem ou
Direção do Hospital;
- Realizar reuniões periódicas com a equipe de enfermagem para discussão das atividades na
Recuperação Anestésica;
A partir da descrição das atribuições cabíveis para cada enfermeiro que compõe a hierarquia
da organização do trabalho do Centro Cirúrgico do HUPE, constata-se a complexidade laboral
que envolve o setor e as cargas de trabalho que os enfermeiros estão expostos durante o exercício
de suas atividades.
Pude observar durante a coleta de dados, que muitas vezes os enfermeiros realizam
atividades que não estão prescritas, ou seja, se distanciam ou se somam ao trabalho prescrito,
caracterizando-se como o trabalho real. Devido às peculiaridades da organização do trabalho em
Centro Cirúrgico, os enfermeiros precisam realizar ajustes e adaptações nas suas atividades,
regulações ergonômicas, a fim de dar conta da tarefa. Essas regulações são as atividades
demandadas pelo trabalho real. Seguem algumas atividades que observei como inerentes do
trabalho real:
42
- Controlar a entrada dos profissionais da equipe multidisciplinar no setor devido à falta de
roupas no setor;
- Realizar improvisações e adaptações de materiais para que não haja prejuízo ao atendimento do
programa operatório;
- Fazer trocas ou solicitar materiais nas enfermarias do hospital para suprir a falta de insumos no
setor objetivando a não suspensão de cirurgias;
- Conduzir o cliente da enfermaria de origem ao Centro Cirúrgico e vice-versa quando da
ausência do profissional responsável pelo transporte dos clientes;
- Providenciar reparo de materiais e equipamento externos ao Centro Cirúrgico como os
elevadores do corredor central que transportam o cliente ao setor;
- Discussões com profissionais da equipe multidisciplinar devido à problemas administrativos e
estruturais do setor como falta de materiais, mobiliário e equipamentos insuficientes ou com
defeito.
A realização destas atividades muitas vezes dificulta que os enfermeiros desenvolvam ações
que seriam essenciais para uma melhor assistência de enfermagem perioperatória, como a visita
aos clientes em período pré e pós-operatório.
43
TRABALHO, SAÚDE E SUBJETIVIDADE
Esta seção buscou caracterizar como o trabalho é importante na vida dos indivíduos,
interferindo diretamente na subjetividade, construindo / reconstruindo identidades, e também se
revelando como um fator que incide marcadamente no processo saúde-doença dos trabalhadores.
Marx (1971) destaca que o trabalho apresenta-se como uma forma de metabolismo entre o
homem e a natureza, e não só uma forma de criar “valores de uso”, mercadorias que são
absorvidas pelo capital, mas o trabalho vai além disso, pois reflete-se como condição da
existência do homem, independente da sociedade em que se está inserido.
Como destaca Dejours (2004a, p.29),
[...] o trabalho é mais do que o ato de trabalhar ou de vender sua força de trabalho em busca de
remuneração. Há também a remuneração social pelo trabalho, ou seja, o trabalho enquanto fator de
integração a determinado grupo com certos direitos sociais.
Dejours (2004a, p.29) enfatiza que o trabalho tem uma importante função psíquica, pois “é
um dos grandes alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de significados”. Sendo assim, o
trabalho está diretamente ligado à construção da identidade e da subjetividade do indivíduo.
A subjetividade é um conceito complexo e amplamente estudado em diversas áreas do
conhecimento e que se encontra diretamente arraigado à forma do sujeito relacionar-se com o
mundo.
Para Losicer (1995, p.68), o termo subjetividade veio a englobar o que antes era
denominado “ser- humano”, “indivíduo”, “psiquismo”, “eu- privado”, “homem íntimo” e busca
compreender as experiências vividas pelos indivíduos.
Como destaca Dimenstein (2000, p.116), a subjetividade é:
Uma forma particular de se colocar, de ver e estar no mundo que não se reduz a uma dimensão
individual. A subjetividade é um fato social construído a partir de processos de subjetivação, o
qual é engendrado por determinantes sociais históricos, políticos, ideológicos de gênero, de
religião, conscientes ou não. Dessa forma, em diferentes contextos culturais, diferentes
subjetividades são produzidas
Morin (1996, p.45) infere que a subjetividade envolve afetividade, autonomia, liberdade,
consciência, sendo forma que o sujeito busca de organizar seu comportamento e assegurar sua
autonomia a partir de mudanças e influências do mundo externo.
Como a dimensão subjetiva é importante para a relação do sujeito com o mundo, faz-se
relevante destacar que a subjetividade está presente também na forma que este sujeito relaciona-
se com o mundo do trabalho.
44
Para Nardi (2006, p. 42) a relação subjetividade-trabalho remete à maneira que os “sujeitos
vivenciam e dão sentido às suas experiências de trabalho”. Pois, sendo o mundo do trabalho
extremamente dinâmico, esta relação nunca estará estagnada, mas em constante movimento e
transformação.
Um dos conceitos fundamentais para o entendimento da relação trabalho-subjetividade e
saúde, refere-se ao conceito de organização do trabalho, que para Dejours, Abdoucheli e Jayet
(1994) trata-se da divisão das tarefas, repartições, cadências, enfim, o modo operatório prescrito.
Assim como, os autores acrescentam que a organização do trabalho recorta também a divisão dos
homens: repartição das responsabilidades, hierarquia, comando, controle. Os autores (op cit, p.
26-27) complementam este conceito quando configuram a organização do trabalho como a
“vontade de um outro, de um grupo ou de uma instituição, que se opõe ou mesmo se impõe aos
trabalhadores”. A resposta do organismo à esta imposição/oposição pode caracterizar-se por
sofrimento, alienação e descompensação psíquica, ou como um processo de somatização no qual
o corpo não resistindo à esta pressão, torna-se incapaz de funcionar adequadamente (DEJOURS,
ABDOUCHELI & JAYET, 1994).
A organização do trabalho configura-se de várias formas, podendo apresentar características
mais flexíveis, democráticas, na qual se observam margem para o diálogo e para deixar fluir a
criatividade do trabalhador, com uma configuração menos complexa e fragmentada. Mas também
pode ser apresentar como autoritária, extremamente complexa e fragmentada na qual, dado ao
grau de fragmentação, o trabalhador tem dificuldade de identificar o produto final do seu
trabalho. Tais características dependerão da forma como se institui a organização prescrita do
trabalho, do conhecimento que a hierarquia superior tem acerca da totalidade que envolve o
processo produtivo e dos meandros relacionados à execução da tarefa e das atividades.
Grande parte das organizações laborais apresenta algum grau de fragmentação de tarefas.
Na realidade do trabalho hospitalar, a fragmentação das tarefas é caracterizada por prescrições de
“normas” e “rotinas”, sendo estas, freqüentemente elaboradas pelas chefias, pouco ou nada
discutidas com aqueles que as executam, o que resulta em algum grau de sofrimento psíquico
para os trabalhadores. Tal sofrimento é originado pela negação do conhecimento prático do
trabalhador, de seus desejos e aspirações.
Ressalta-se que uma organização do trabalho que fragmenta, que dita normas e rotinas sem
dialogar com os trabalhadores, choca-se com a dimensão subjetiva dos mesmos, e ainda, conduz
45
algumas vezes, à impossibilidade do trabalhador executar a atividade da forma como foi
prescrita, devido, por exemplo, a inúmeros motivos: materiais insuficientes ou inadequados,
déficit de pessoal, condições laborais inadequadas, entre outros. Tal impossibilidade origina uma
fragilidade na autoconfiança do trabalhador, o que repercute negativamente em dimensão
subjetiva e no processo saúde-doença.
Concordo com Beck (2001) quando esta destaca que
A rotinização e a fragmentação do trabalho através das normas e rotinas podem contribuir também
para o atendimento parcelado do paciente e, principalmente, dissociado do seu contexto de vida
pessoal e familiar. A norma pode torna-se perversa, quando ela é a finalidade em si, sendo um
meio para estabelecer padrões de regularidade (BECK, 2001, p.35).
Faz-se relevante destacar que a organização do trabalho é entendida sob duas óticas: a
organização prescrita do trabalho e a organização real do trabalho. De acordo com Oliveira
(2002, p. 351), o “trabalho prescrito é o que é determinado, que é pré-escrito para ser executado
por trabalhadores [...]. O trabalho pode ser prescrito verbalmente ou por escrito”. O mesmo autor
destaca que “o trabalho prescrito é o que a organização do trabalho oferece para o mesmo, que
chamamos de tarefa”. É importante destacar que se entende como tarefa tudo o que o trabalhador
deve fazer e como fazê-lo. A organização prescrita do trabalho é uma tentativa de normatizar e
gerenciar o trabalho, numa busca da padronização de ações, com o intuito de diminuir acidentes e
erros na execução das tarefas. Contudo, na maioria das vezes isto não é alcançado e como
ressaltam Dejours (2004a, p. 63) “chega ao limite de tornar impossível a execução do trabalho.
As prescrições da organização do trabalho levam às vezes, à desorganização!”.
A organização real do trabalho é aquela que é feita de acordo com as condições que os
trabalhadores têm, adequando equipamentos, força física, condições emocionais, tipo de material
disponível ao que é preciso executar. Segundo Oliveira (2002, p. 353), a organização real do
trabalho caracteriza-se como a “maneira de o trabalhador executar a tarefa que lhe é
determinada”. Para Dejours (2004a, p. 63), a organização do trabalho real é o “afastamento das
prescrições para dar início á atividade de interpretação”. Assim, através da interpretação
particular da tarefa (trabalho prescrito) é que o trabalhador irá realizar na sua atividade (trabalho
real).
Com certa freqüência, o trabalhador tem dificuldades em seguir a organização do trabalho
prescrito, pois é necessário que ele faça regulações na dinâmica do trabalho para dar conta da
tarefa. Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) destacam que haverá sempre um hiato entre o trabalho
46
prescrito e o trabalho real, porém quanto maior for o distanciamento entre o prescrito e o real,
maior será o sofrimento do trabalhador, porque terá que fazer adaptações, improvisações,
regulações que tornam o trabalho penoso.
De acordo com os autores (op cit), um dos caminhos para minimizar as contradições que
permeiam o trabalho prescrito e o trabalho real é:
[...] flexibilizar a organização do trabalho, de modo a deixar maior liberdade ao trabalhador para
rearranjar seu modo operatório e para encontrar os gestos que são capazes de lhe fornecer prazer,
isto é, uma expansão ou uma diminuição de sua carga psíquica de trabalho. Na falta de poder
assim liberalizar a organização do trabalho, precisa-se resolver encarar uma reorientação
profissional que leve em conta as aptidões do trabalhador, as necessidades de sua economia
psicossomática, não de certas aptidões somente, mas de todas, se possível, pois o pleno emprego
das aptidões psicomotoras, psicossensoriais e psíquicas parece ser uma condição de prazer no
trabalho (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET 1994, p.31-32).
Para que isto efetivamente ocorra, é preciso que as gerências estejam entrosadas de tal
forma com os meandros da organização do trabalho, deixando de prescrever regras, normas,
rotinas distanciadas da realidade laboral, fugindo do papel de meras “ditadoras de ordens”,
“checadoras de escalas” e “fiscalizadoras”. Faz-se relevante que aqueles que prescrevem a
organização laboral conheçam como o trabalho é executado pelos trabalhadores, tentando
incansavelmente adaptar a tarefa ao trabalhador. Pois, como estabelecem Dejours, Abdoucheli e
Jayet (1994, p. 55), “mudar o poder de mãos na empresa não resolveria a questão do sofrimento e
levaria apenas a mudar a responsabilidade entre atores”.
Considerar estas situações que envolvem a organização do trabalho significa valorizar o
trabalhador em sua subjetividade e assegurar e/ou resgatar a sua saúde. Sobre este aspecto,
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) fazem uma importante análise:
Uma boa adequação entre organização do trabalho e a vida mental do trabalhador é possível, desde
que aquela considere as exigências intelectuais, motoras e psicossensoriais da tarefa com as
necessidades daquele que trabalha e que o conteúdo do trabalho seja fonte de uma satisfação
sublimatória. Para isto, é necessária uma análise precisa da psicodinâmica da relação homem-
trabalho (DEJOURS, 1994, p. 138).
Observa-se um aumento progressivo do número de trabalhadores de saúde atuando em
unidades hospitalares, ressaltando-se principalmente profissionais da equipe de enfermagem, que
em sua maioria desenvolvem suas práticas profissionais nos hospitais. Acerca da organização do
trabalho hospitalar, Pitta (1994) infere que:
O hospital tem sido um lugar nevrálgico de aglutinação de trabalhadores que inclui desde médicos,
enfermeiros, auxiliares, fisioterapeutas, telefonistas, nutricionistas, operadores de máquinas e
auxiliares outros, numa extensa lista de profissões e ocupações (PITTA, 1994, p.17).
47
O objetivo do hospital é ofertar atendimento em saúde e sempre que possível curar pessoas.
Os trabalhadores que atuam neste espaço lidam cotidianamente com vidas humanas em situações
de vulnerabilidade, fragilidade e gravidade. No caso específico da Enfermagem, lidar com estas
situações é muito mais acentuado do que nas demais profissões, pois esta equipe permanece com
o doente vinte quatro horas por dia e este aspecto do trabalho de Enfermagem, coloca os
profissionais em contato direto com a dor, o sofrimento e a morte, o que torna o trabalho difícil e
até mesmo penoso para quem o realiza.
Souza (2003) destaca que a dinâmica do trabalho hospitalar é permeada de emoções,
sentimentos e outras peculiaridades que atingem a subjetividade do trabalhador. Esta
problemática também é explorada por Pitta (1994) quando destaca que:
Cabe, portanto, aos que trabalham no hospital produzir uma homeostasia entre vida e morte, entre
saúde e doença, entre cura e óbito que tende a transcender suas impossibilidades pessoais de
administrar o trágico e, por cumplicidade, caberá também ao enfermo comportar-se com elegância
e discrição, de modo a fazer com que a dura tarefa seja mais suave para eles e para quem os assiste
(PITTA, 1994, p.32).
Além destes aspectos subjetivos que envolvem a organização do trabalho no hospital, uma
característica importante a ser destacada é que o hospital também se apresenta como um local
onde os avanços tecnológicos e científicos são notórios e que os profissionais devem estar
ininterruptamente se capacitando a fim de dar conta do aparato tecnológico que permeia o
trabalho dos enfermeiros hospitalares. Além dessa característica, destaca-se que a produção do
conhecimento aplicado no trabalho hospitalar é cada vez mais acelerada. Os conceitos e práticas
mudam com muita freqüência e os profissionais se sentem pressionados a acompanhar as
mudanças. Como destacam Cruz e Soares (2004):
As mudanças rápidas da ciência e da tecnologia exigem do enfermeiro hospitalar ampliação de
seus conhecimentos, capacidade para identificar, avaliar e solucionar questões advindas da prática
para tomada de decisão fundamentada na gica, com habilidade e competência (CRUZ e
SOARES, 2004, p.112).
Todos estes aspectos fazem parte do processo de trabalho dos profissionais de saúde que é
analisado por Pires (1996) da seguinte forma:
[...] o processo de trabalho dos profissionais de saúde têm como finalidade a ação terapêutica de
saúde; como objeto - o indivíduo ou grupos doentes, sadios expostos a riscos, necessitando de
medidas curativas, preservar a saúde ou prevenir as doenças; como instrumentos de trabalho - os
instrumentos e as condutas que representam o nível técnico, conhecimento que é o saber de saúde
e o produto final é a própria prestação da assistência de saúde que é produzida no mesmo
momento que é consumida (PIRES, 1996, p. 202).
O processo de trabalho da Enfermagem apresenta-se muito fragmentado em decorrência de
uma organização do trabalho que também se apresenta fragmentada. Verifica-se assim, uma
48
assistência ao cliente sem continuidade, na qual cada profissional é responsável por determinadas
tarefas e, ao realizar apenas determinada tarefa, este profissional muitas vezes perde a visão do
“todo”, isto é, não tem conhecimento do processo de trabalho em sua totalidade. González
(2001), analisando o processo de trabalho de enfermeiros assistenciais, faz uma relevante
inferência:
Cada trabalho foi subdividido, de acordo com as habilidades, ou seja, de acordo com as
características técnicas das ações, de modo que o resultado aparece depois que muitos
trabalhadores foram envolvidos no processo, cada um fazendo uma parcela do produto final
(GONZÁLES, 2001, p.50).
Além do exposto, o processo de trabalho esbarra em problemas relacionados a condições de
trabalho, pois a precarização dos hospitais públicos leva os profissionais ao improviso devido à
escassez de materiais, número de pessoal insuficiente, afetando diretamente os profissionais de
saúde que prestam assistência ao cliente. Como destacam Lisboa (1998) e Souza (2003), as
condições de trabalho nas quais estão inseridos os profissionais de enfermagem são de extrema
precariedade, onde se encontram equipamentos danificados, falta de materiais permanentes e de
consumo, levando os profissionais a alterações na economia psicossomática
1
dos mesmos,
podendo causar desgaste, sofrimento e adoecimento físico e psíquico.
Esta realidade de desvalorização e precariedade é encontrada na instituição de saúde onde o
objeto desse estudo emergiu, refletindo direta e negativamente nas condições de trabalho dos
profissionais e no processo saúde-doença dos mesmos.
Como destacam Araújo et al (2004), o hospital ainda se caracteriza como um espaço de
hegemonia médica, onde o trabalho da enfermagem permanece situado como coadjuvante. Esta
realidade se aplica ao HUPE, que apesar de ser um hospital universitário ainda tem uma forte
hierarquização e, principalmente, ainda um processo de trabalho ligado à figura do médico.
Este fato dificulta o desempenho das atividades dos enfermeiros, pois as disputas de poder ainda
são freqüentes e os conflitos entre os profissionais ainda ocorrem (SOUZA, 2003).
A autora (op cit) realizou sua pesquisa nesta mesma instituição e concluiu que a
solidificação do poder médico no hospital envolve questões históricas e de gênero, além do
contraponto intelectual versus manual. Este contexto complexo perpetua a hegemonia médica,
1
Por economia psicossomática, entendem-se as potencialidades funcionais e psíquicas de cada indivíduo, que podem ser
consumidas em termos do substrato orgânico da mente e das energias do trabalhador resultando em desgaste físico e psíquico
(SOUZA, 2003, p. 12).
49
que interfere diretamente no processo de trabalho dos demais profissionais, fragilizando a
autonomia dos mesmos.
Estes aspectos afetam diretamente os enfermeiros no que diz respeito ao reconhecimento
por seu trabalho, pois muitos profissionais acreditam que seu trabalho não é reconhecido e nem
valorizado pela sociedade e até mesmo por outros profissionais da área de saúde.
Dejours (2006) infere que “o reconhecimento não é uma reivindicação secundária dos que
trabalham. Muito pelo contrário, mostra-se decisivo na dinâmica de mobilização subjetiva da
inteligência, da personalidade no trabalho”. O autor complementa asseverando que, quando o
trabalho passa desapercebido em meio à indiferença geral ou é negado pelos outros, pode
acarretar um sofrimento que é muito perigoso para a saúde mental:
Do reconhecimento depende na verdade o sentido do sofrimento. Quando a qualidade de meu
trabalho é reconhecida, também meus esforços, minhas angústias, minhas dúvidas, minhas
decepções, meus desânimos adquirem sentido. Todo esse sofrimento, portanto, não foi em vão;
não somente prestou uma contribuição à organização do trabalho, mas também fez de mim, em
compensação um sujeito diferente daquele que eu era antes do reconhecimento. O reconhecimento
do trabalho, ou mesmo da obra, pode depois ser reconduzido pelo sujeito ao plano da construção
de sua identidade. E isso se traduz afetivamente por um sentimento de alívio, de prazer, às vezes
de leveza d’alma ou até de elevação (DEJOURS, 2006, p.34).
Um dos fatores que leva ao não reconhecimento do trabalho dos enfermeiros é que muitas
vezes estes profissionais realizam um trabalho que não se mostra de forma aparente e palpável,
quando, por exemplo, o enfermeiro do Centro Cirúrgico adia momentaneamente o envio do
pedido semanal de materiais para segurar a mão e proferir palavras de incentivo ao cliente que
adentrou o setor e encontra-se fragilizado e receoso em relação ao ato cirúrgico. Desta forma,
muitas vezes o trabalho “não aparece”, pois não produz resultados efetivos para o Capital.
Como destacam Araújo et al (2004) apud Gonçalves (1994), o trabalho em saúde gera um
produto que é consumido imediatamente à sua produção, portanto não produz mais-valia
diretamente, mas ao produzir um efeito útil que é consumido no mesmo momento, transforma-se
em mercadoria com um valor a ser comercializado.
Este trabalho que é realizado pelos enfermeiros e que não tem forma de um objeto
propriamente dito acaba sendo considerado como trabalho imaterial.
Numa outra vertente, encontra-se o trabalho que realmente aparece, como por exemplo,
quando o enfermeiro que atua na recuperação anestésica realiza a troca de sete curativos no pós-
operatório imediato ou realiza a punção venosa de vários clientes no pré-operatório. Estas ações
50
são percebidas como produtivas e podem até mesmo ser quantificáveis, o que caracteriza o
trabalho material do enfermeiro.
Como destaca Antunes (2006, p.127), “a particularidade da mercadoria produzida pelo
trabalho imaterial [...] consiste no fato de que ela não se destrói no ato do consumo”. O trabalho
imaterial não produz mercadorias propriamente ditas e podem ser diretamente consumidas pela
sociedade, mas trata-se de um processo produtivo que segundo o autor (op cit) converte o
trabalhador num sujeito ativo, o qual deixa de ser um comandado e faz parte do processo
decisivo, analisa situações, oferece alternativa frente a ocorrências inesperadas.
Como inferem (Lazzarato e Negri, 2001), o trabalho imaterial produz acima de tudo uma
relação social, sendo a subjetividade a matéria-prima deste tipo de processo produtivo. Assim, os
trabalhadores imateriais satisfazem uma demanda do consumidor através da interação social com
o mesmo e não reproduz a capacidade física do trabalhador de transformar matéria-prima num
objeto concreto para o consumo.
É importante destacar que o trabalho material e imaterial estão imbricados, pois mesmo
com a crescente informatização e substituição do trabalho humano por máquinas, sempre a
necessidade de transferência do saber intelectual e cognitivo da classe trabalhadora para a
maquinaria, transformando-se assim, trabalho material em imaterial (ANTUNES, 2006).
O autor (op cit) destaca que a nova forma de ser do trabalho no mundo contemporâneo
envolve uma maior inter-relação e interpenetração entre atividades produtivas e improdutivas,
atividades laborativas e de concepção, levando a uma reestruturação produtiva do capital.
Essas mudanças são acompanhadas pela Enfermagem quando os enfermeiros do Centro
Cirúrgico, por exemplo, prestam apoio ao cliente que está com receio do ato cirúrgico, realizam
atividades que envolvem comunicação, dimensão intelectual e capacidade cognitiva, não
gerando, porém, um objeto de trabalho palpável e reconhecido pelo Capital.
É relevante procurar entender como estas questões se apresentam para os profissionais de
enfermagem do HUPE, ampliando as discussões de como esta organização laboral complexa e
conflituosa, repercute no trabalho, na subjetividade e na saúde dos mesmos. Frente a esta
problemática, ocorre o dilema entre querer prestar uma assistência adequada aos clientes e não
possuir condições de trabalho adequadas, gerando insatisfações de âmbito diversas, repercutindo
assim, no processo saúde-doença desses trabalhadores.
51
Para aprofundar a discussão sobre as repercussões da organização do trabalho no processo
saúde-doença dos enfermeiros do centro cirúrgico, é importante contextualizar sobre os conceitos
de saúde e de doença.
O conceito de saúde instituído pela Organização Mundial de Saúde na Carta de Ottawa
(1986, p.01) define saúde como: “completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a
ausência de doenças”.
A definição da Constituição Federal (1990) infere que saúde
É resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente,
trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso aos
serviços de saúde. É assim antes de tudo, o resultado das formas de organização social
da produção, as quais podem gerar desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1990).
Os conceitos de saúde apresentados por estes órgãos apresentam-se muito amplos e de certa
forma até mesmo utópicos, pois para alcançar tal conceito de saúde, o indivíduo deverá usufruir
de um perfeito equilíbrio em todos os planos de sua vida. No entanto, na sociedade em que
vivemos, este conceito é praticamente inalcançável para a maioria da população, inclusive para os
trabalhadores de Enfermagem, que estão envolvidos num processo de trabalho que não propicia a
vida saudável.
Além disso, toda uma herança cultural e social para definir o que é saúde e o que é
doença, que devem ser levada em conta quando trazemos à discussão estes conceitos. Para
Gualda & Bergamasco (2004, p.25) “Se por um lado, a saúde é considerada uma condição básica
para qualidade de vida, a doença representa uma ameaça ao senso de segurança e é geradora da
ansiedade”.
Estes conceitos apresentam-se de fato muito particulares, pois se perguntarmos a vários
indivíduos o que entendem por saúde e doença, obteremos as mais variadas respostas, pois estes
conceitos estão atrelado ao discernimento pessoal e às questões sócio-culturais do meio em que
estes estão inseridos.
Caponi (1997) ressalta que
O conceito de saúde deve considerar e integrar as variações e as anomalias, deverá ser
suficientemente relativo para atender às particularidades que para uns e para outros estão contidos
em suas percepções do que seja saúde e enfermidade. É o sujeito que falará se considera-se sadio
ou doente (CAPONI, 1997, p.298).
Torna-se complexo encontrar um conceito de saúde que atenda todas estas prerrogativas, no
entanto, optei por considerar como concepção de saúde:
52
A existência de saúde, que é física e mental, está ligada a uma série de condições irredutíveis umas
às outras. Pensar saúde, hoje passa por pensar o indivíduo em sua organização da vida cotidiana,
tal como esta se expressa não só através do trabalho, mas também do lazer ou de sua ausência, por
exemplo: do afeto, da sexualidade, das relações com o meio ambiente. Uma concepção ampliada
de saúde passaria então por pensar a recriação da vida sobre novas bases (VAITSMAN apud
PAIM, 1997, p.17).
Com conceitos de saúde tão amplos e generalistas, a doença acaba por nos dizer mais sobre
uma pessoa do que a saúde propriamente, pois o estado de bem-estar completo muitas vezes nos
escapa à atenção, ao passo que quando os órgãos quebram o seu silêncio e instala-se a doença,
notamos que aquele corpo não encontra-se no seu estado normal de funcionamento
(MORRIS,1998).
A concepção de doença também apresenta características e conceitos individuais e de
acordo com o julgamento dos indivíduos. Cada pessoa que desenvolve determinada patologia a
vivencia de uma forma particular através não do desenrolar dos sintomas, mas também através
das conversas com os profissionais de saúde, com pessoas que tem um quadro semelhante,
através de literatura popular, podendo caracterizar a doença na perspectiva dos outros ou da sua
própria narrativa (GOOD, 1996).
Como concepção de doença busquei apoio em Kleinman (1988):
As doenças variam na sua forma, algumas são breves e interferem de forma mínima na vida das
pessoas. Algumas m curso mais longo e outras ainda que nunca desaparecem. Estas últimas são
consideradas doenças crônicas que variam grandemente. Algumas impõem pesadas perdas
funcionais, as quais tornam a pessoa quase totalmente deficiente, enquanto outras são menos
incapacitantes (KLEIMAN, 1988,p.19).
Saúde e doença como destacam Andrade, Soares e Júnior (2001), compõe momentos de um
processo maior, que se refere à vida das pessoas e às suas necessidades, sejam elas moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer.
Numa reflexão voltada para a saúde do trabalhador, o processo saúde-doença é definido
por Laurell (1982) como:
o processo saúde doença é determinado pelo modo como o homem se apropria da natureza em um
dado momento, apropriação que se realiza por meio de processo de trabalho baseado em um
determinado desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção (LAURELL,
1982,p.18).
Essa apropriação da natureza por parte do trabalhador tem como objetivos construir sua
identidade através do trabalho, trazer reconhecimento, possibilidades de consumo e em
contrapartida também pode causar danos à saúde física e psíquica dos indivíduos, dependendo de
que forma este interagem com seu trabalho.
53
Como elucidam Haag, Schuck e Lopes (1997):
O processo saúde-doença do trabalhador resulta da complexa e dinâmica interação das condições
gerais de vida, das relações de trabalho e do controle que os próprios trabalhadores colocam em
ação para interferirem nas suas próprias condições de vida e trabalho (HAAG, SCHUCK e
LOPES, 1997, p.06).
O potencial de adoecimento é decorrente da forma que o trabalho é instituído, assim, as
transformações atuais no processo de trabalho, carga horária excessiva, péssimas condições de
trabalho, vínculos empregatícios que não oferecem garantias trabalhistas, acabam por levar o
trabalhador ao desgaste físico e mental, desmotivação, insatisfação, podendo levá-lo a processos
patológicos diversos (LUNARDI FILHO, 1999; SOUZA, 2003).
É relevante destacar que o processo saúde-doença dos trabalhadores também está
diretamente atrelado ao ambiente de trabalho com todas as suas nuances de exposição dos
trabalhadores aos mais diversos fatores de riscos ocupacionais. Dessa forma, considerei relevante
trazer essa temática para ser contextualizada na seção teórica que se segue.
54
SAÚDE DO TRABALHADOR: RISCOS OCUPACIONAIS NO AMBIENTE
HOSPITALAR
O hospital é reconhecidamente um ambiente que expõe seus trabalhadores à diversos
riscos ocupacionais, ressaltando-se que os profissionais da saúde muitas vezes estão em contato
direto com os riscos sem nem percebê-los, espoliando-os e os conduzindo para um processo lento
e insidioso de adoecimento. Portanto, é necessária que se faça uma ampla discussão para que
cada vez mais os profissionais fiquem conscientes dos riscos a que estão expostos no ambiente
hospitalar.
Além disso, faz-se relevante que os trabalhadores estejam atentos para alterações em seus
organismos e que realizem os exames periódicos de saúde, pois de acordo com Mendes e Dias
(1999), as doenças ocupacionais podem se manifestar após vários anos de exposição aos riscos, o
que torna o estabelecimento do nexo causal da exposição e do dano ocorrido muito difícil. Assim,
estimular os trabalhadores na identificação precoce das alterações em sua saúde, antes que se
instale a doença é extremamente importante e facilita a prevenção de prejuízos muitas vezes
irreversíveis à saúde dos mesmos.
Existem órgãos e legislações específicas voltadas para as questões da saúde do trabalhador,
mas destacarei neste momento a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é o órgão
mundial responsável pela saúde e segurança do trabalhador. Assim, devido à influência da OIT,
no Brasil existem leis que regulamentas as questões que envolvem “trabalho”, personificadas
pelas Normas Regulamentadoras (COSTA, 2007).
Faz-se relevante destacar as seguintes Normas Regulamentadoras (NRS): a NR-09 que
normatiza o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, a NR- 15 (Atividades e operações
insalubres), NR-16 (Atividades e operações perigosas), a NR- 17 que aborda a Ergonomia e
estabelece parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características
psicofisiológicas dos trabalhadores, e a mais recente NR-32, promulgada em maio de 2006,
voltada para Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde. Esta Norma trata dos riscos
do trabalho no ambiente hospitalar, sendo assim, ela tem estreita ligação com os aspectos
abordados nesta pesquisa (COSTA, 2007).
Um conceito relevante que deve ser abordado nessa seção teórica é a noção de risco, que é
definido por Bulhões (1998, p.41) como perigo, inconveniente, dano ou fatalidade eventual,
55
provável, às vezes até previsível”. Os fatores de risco encontrados no ambiente laboral são
denominados como riscos ocupacionais e são classificados de acordo com o tipo de agente
envolvido.
O Ministério da Saúde, no Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde sobre
Doenças Relacionadas ao Trabalho, Brasil (2001, p.33), conceitua risco ocupacional como uma
condição ou conjunto de circunstâncias que tem o potencial de causar um efeito adverso, que
pode ser: morte, lesões, doenças ou danos à saúde, à propriedade ou ao meio ambiente”.
Os trabalhadores podem estar expostos a riscos em seu ambiente de trabalho sem percebê-
los como tal, como destaca Mauro (1997):
No ambiente de trabalho, o risco ocupacional pode ser ou estar oculto (por ignorância, falta de
conhecimento ou de informação), latente (o risco se manifesta e causa danos em situações de
emergência ou condição de estresse), e real (conhecido, mas sem possibilidade de controle, quer
pela inexistência de soluções, quer pelos altos custos ou pela falta de vontade política) (MAURO,
1997, p.10).
Os riscos ocupacionais mais comumente observados no ambiente hospitalar, inclusive no
Centro Cirúrgico são os riscos biológicos, os riscos químicos, os riscos físicos, os riscos
ergonômicos e os riscos de acidentes (MAURO et al, 2004).
Como risco biológico, Bulhões (1998) assevera que:
Os riscos biológicos abrangem doenças transmissíveis agudas e crônicas, parasitoses, reações
tóxicas e alérgicas a plantas e animais. Para o trabalhador hospitalar, este risco é representado
principalmente por infecções causadas por bactérias, vírus, rickettsias, clamídias e fungos
(BULHÔES, 1998, p.179).
O conceito de Souza (2000) acerca de riscos biológicos complementa o anterior quando
ressalta que as doenças infecciosas estão diretamente relacionadas à exposição dos trabalhadores
à sangue ou outros fluidos corpóreos, à deficiência de higiene, limpeza e a inadequadas
eliminações de lixo. A autora destaca também que a contaminação dos trabalhadores geralmente
ocorre através de contato com sangue ou secreção de vias aéreas, levando ao adoecimento dos
trabalhadores.
Outro tipo de risco evidenciado no contexto hospitalar e no Centro Cirúrgico é o risco
químico. Este é caracterizado pela exposição a substâncias químicas, sob a forma de gases,
partículas, poeiras, líquidos, que podem ser irritantes, intoxicantes e causar efeitos adversos no
organismo, podendo inclusive, produzir dermatoses profissionais (irritação da pele e mucosas),
alergias respiratórias, leucopenia, aplasia de medula, lesões celulares, alterações no DNA, más
56
formações congênitas e abortos espontâneos (BULHÕES 1998; SOUZA, 2000, MAURO et al,
2004).
Bulhões (1998) complementa este conceito quando infere que:
Os trabalhadores de saúde estão expostos à enorme variedade de produtos tóxicos [...] Anestésicos,
esterilizantes, detergentes e medicamentos diversos são diariamente manipulados pelo trabalhador
de Enfermagem [...] Apesar disso, os efeitos produzidos por essas substâncias são raramente
associados à toxicidade das mesmas (BULHÕES 1998, p. 227).
Especificamente no caso do Centro Cirúrgico, destacam-se os gases anestésicos como os
halogenados que podem causar aborto espontâneo e má formação congênita e os detergentes
enzimáticos, estes últimos utilizados para retirar resíduos de sangue e secreções dos
instrumentais, que podem gerar dermatoses, alergias respiratórias (MAURO et al, 2004).
Felizmente, o glutaraldeído não é mais utilizado no Centro Cirúrgico do HUPE, mas o foi por
muitos anos em local inapropriado, sem ventilação adequada. Ressalto que eu mesma manipulei
esta substância química sem Equipamento de Proteção Individual (EPI) adequado como
preconizam as Normas de Biossegurança, quando atuava no Centro Cirúrgico. Hoje, a partir do
conhecimento que adquiri, percebo os riscos ocupacionais a que estava exposta. Ainda acrescento
que os efeitos em longo prazo e acumulativo da manipulação deste tipo de substância ainda são
pouco conhecidos.
Quanto ao risco físico, seja ele decorrente de agentes naturais ou artificiais, Bulhões o
define como:
Agentes físicos compreendem: Radiações ionizantes (raios-X, raios gama, raios beta, partículas
gama, prótons, nêutrons); radiações não ionizantes (ultravioleta, luz solar ou artificial,
infravermelho, microondas, freqüência de rádio, raio laser); variações atmosféricas (calor, frio e
pressão atmosférica); vibrações oscilatórias (ruído e vibração) (BULHÕES, 1998. p. 238-239).
Para Mauro (2004 et al, p. 342), os riscos físicos são “agressões ou condições adversas de
natureza ambiental que podem comprometer a saúde do trabalhador”. No Centro Cirúrgico
uma gama de fatores causadores de riscos físicos, podendo-se destacar: radiações ionizantes
devido à exposição aos raios-X durante as cirurgias; frio devido às baixas temperaturas impostas
pelos aparelhos de ar condicionado e que podem levar a afecções do trato respiratório superior; e
radiações ionizantes devido aos monitores das salas de cirurgia.
Como risco de acidentes, Mauro et al (2004, p. 342) os define como “ligados à proteção das
máquinas, arranjo físico, ordem e limpeza do ambiente de trabalho, sinalização, rotulagem de
produtos e outros que podem levar a acidentes de trabalho”.
57
Em relação ao trabalho da Enfermagem, merece destaque o risco de acidentes com pérfuro-
cortantes, que é definido por Bulhões (1998) da seguinte forma:
Agulhas, tesouras, bisturis, pinças e escalpes fazem parte do trabalho diário do pessoal de
enfermagem. Picadas e cortes acidentais produzidos por esses materiais também. Ora, grande
variedade de doenças pode ser transmitida pelo sangue e acidentes permitindo contato com o
mesmo, representam significativo fator de risco. As infecções devidas ao HIV e aos vírus das
hepatites B, C, D e G, por exemplo, podem ser reconhecidas como complicações do acidente do
trabalho com ferimento inicial (BULHÕES, 1998, p. 210).
A conscientização dos trabalhadores sobre a utilização de material de proteção individual e
o respeito às Normas de Biossegurança é imprescindível para que não ocorra contaminação dos
trabalhadores com microorganismos, evitando que adquiram doenças como Hepatite B e C e
HIV.
No Centro Cirúrgico o contato com agulhas, tesouras, pinças, lâminas de bisturis, fios de
sutura e outros materiais com capacidade de corte e perfuração é constante, portanto, a equipe
deve estar esclarecida e sempre atenta aos riscos de contaminação que tais materiais oferecem.
Inclusive, os profissionais devem ser orientados e estar familiarizados com a rotina de
atendimento de acidente com material pérfuro-cortante da Instituição, pois um fluxograma
determinado pela Divisão de Saúde do Trabalhador do Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE).
Avançando nos riscos ocupacionais, menciono o risco ergonômico que é definido por
MAURO, (1997, p.11) como “fatores de natureza bio- psico- social do meio ambiente
profissional que, com base na Fisiologia, na Psicologia e na Organização do trabalho, podem
produzir desequilíbrio no processo de adaptação do homem ao trabalho, desgaste humano”.
Para abordar as questões do risco ergonômico relacionadas com o levantamento e esforço
físico no Centro Cirúrgico, destacam-se as condições do mobiliário, como no caso do transporte
dos clientes que é realizado com o auxílio de macas, cujas rodas podem estar com pouca
lubrificação, o que dificulta o seu manuseio, demandando um maior esforço físico por parte do
trabalhador que executa a tarefa. Outro exemplo é a sala onde são acondicionados os materiais
esterilizados provenientes da Central de Material, local em que existem estantes altas, as quais
para alcançar a prateleira mais alta, é necessário a utilização de uma “escadinha” que nem sempre
está disponível.
Na abordagem dos riscos ergonômicos também são considerados: trabalho estático e
dinâmico e cargas físicas suportáveis. No Centro Cirúrgico, o que ocorre é um trabalho dinâmico,
58
pois o programa operatório precisa ser cumprido em tempo hábil, o que demanda um ritmo de
trabalho acelerado. A carga física é bastante elevada, pois a manipulação de peso é constante,
uma vez que os enfermeiros transportam os clientes em macas, muitas vezes auxiliam a passagem
do cliente da maca para a mesa de cirurgia, carregam caixas de instrumentais cirúrgicos pesadas,
enfim, realizam diversas atividades que demandam força física. Essas práticas se realizadas com
posturas inadequadas, como destaca BULHÕES (1998), podem levar a sérios problemas de
coluna vertebral ou lesões ósteo- musculares.
E todos os fatores anteriormente citados também contribuem para uma carga psíquica
elevada. As alterações no processo saúde-doença decorrentes da carga psíquica são caracterizadas
como fatores de risco ergonômico em sua vertente psicossocial.
O desgaste e a fadiga também são caracterizados por Mauro (1997) como riscos
ergonômicos de característica psicossocial. Pois, quando os trabalhadores são expostos a estas
condições adversas de trabalho, ocorre um gasto de energia muito grande por parte destes, o que
leva a um processo de cansaço e, posteriormente, fadiga e desgaste. E, como destacam Silva,
Kurcgant e Queiroz (1998), o desgaste não é facilmente identificado, pois não uma
sintomatologia clássica que o determine, as manifestações podem ocorrer num período de tempo
variável, o que dificulta a associação de determinado evento ao desencadeamento do processo de
desgaste do trabalhador.
González (2001, p.55), investigando questões relacionadas à organização do trabalho
hospitalar, infere que a carga psíquica “está relacionada à atenção constante, ritmo acelerado de
trabalho, estresse, insatisfação, trabalho repetitivo e parcelado, horas extras, dobras de plantão,
responsabilidades, falta de comunicação, de criatividade e de autonomia”. Todas estas situações
atingem duramente a dimensão subjetiva do trabalhador, afetando insidiosamente a energia
psicossomática dos mesmos.
O risco psicossocial está diretamente relacionado com a organização do trabalho, através da
divisão do trabalho, parcelamento e rotinização das tarefas, falta de pausas para descanso,
podendo gerar estresse, tensão, insatisfação, desgaste, e por fim, adoecimento psíquico dos
trabalhadores (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994; SILVA, KURCGANT e QUEIROZ,
1998).
No Centro Cirúrgico, como eu mesma vivenciei, inúmeros fatores que resultam em
elevado risco psicossocial, pois o ritmo de trabalho acelerado, as relações interpessoais
59
predominantemente tensas, enfermeiros agregando uma série de responsabilidades a fim de
resultar no perfeito funcionamento do setor, entre outros determinantes, originam uma carga
psíquica significativa. Além disso, existem fatores que também influenciam negativamente na
dimensão psíquica dos trabalhadores de enfermagem desse cenário como: a fragmentação das
tarefas e o distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real.
Como destaca Dejours (2004a), tornou-se evidente a contradição da organização do
trabalho prescrita e da organização do trabalho real, pois se chega ao ponto em que as leis, regras,
normas, regulamentações, formam um corpo de tamanha complexidade, que fica impossível
concilia-las entre si, tornando impossível a realização do trabalho.
Estas contradições que permeiam o trabalho e as questões organizacionais atuam
diretamente na subjetividade dos enfermeiros, as quais oscilam entre sentimentos de frustração,
desânimo, angústia, revelando um sofrimento psíquico absurdo, podendo resultar em processos
patológicos clássicos. Como destaca Davezies (1999), as patologias são o resultado de uma
penosidade levada a um nível que ultrapassa a capacidade do organismo de adaptar-se à
organização do trabalho que lhe é imposta.
60
CAPÍTULO 3
APOIO TEÓRICO-METODOLÓGICO
TIPO DO ESTUDO
O estudo teve uma abordagem qualitativa, pois o fenômeno estudado encontra-se inserido
numa realidade particular, envolvendo aspectos subjetivos da percepção, que são difíceis de
serem quantificáveis. Segundo Minayo (1994) a abordagem qualitativa:
[...] se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha
com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde
a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994. p.21-22).
Chizzotti (2005) salienta que na abordagem qualitativa, uma relação dinâmica entre o
sujeito e o fenômeno a ser estudado, caracterizando-se como um vínculo indissociável entre o
mundo objetivo e real, e a subjetividade do sujeito. O autor ainda infere que o sujeito interpreta
os fenômenos, atribuindo-lhes significado para a construção do conhecimento.
Faz-se relevante destacar que na Psicodinâmica do Trabalho, a metodologia qualitativa é a
mais adequada para apreender os fenômenos a ela relacionados, como asseveram Dejours,
Abdouchele e Jayet (1994, p.22): “tratando-se de carga psíquica, não é possível quantificar uma
vivência, que é em primeiro lugar e antes de tudo qualitativa. O prazer, a satisfação, a frustração,
a agressividade, dificilmente se deixam dominar por números”.
Com base nas inferências anteriormente citadas, acredito que a pesquisa qualitativa
apresentou-se mais adequada para analisar o objeto desse estudo, favorecendo a apreensão da
percepção, emoções, sentimentos dos enfermeiros que atuam no Centro Cirúrgico frente à
organização do trabalho na qual estão inseridos.
Optei por um estudo descritivo, “pois as descrições dos fenômenos estão impregnadas dos
significados que o ambiente lhes outorga, e como aquelas são produtos de uma visão subjetiva,
rejeita toda a expressão quantitativa, numérica, toda medida” (TRIVIÑOS, 1987, p 128.).
Rudio (2003) destaca que o estudo descritivo busca captar informações “do que existe”, a
fim de descrever e interpretar o que realmente acontece entre o ambiente, o pesquisador e os
sujeitos. Dessa forma, o processo de análise das percepções, dos sentimentos, das emoções, das
61
vivências dos enfermeiros, deu-se de forma narrativa e interpretativa, aproximando-se da
pesquisa descritiva.
- MÉTODO DO ESTUDO
Ao selecionar o objeto de estudo, pude perceber que este se insere numa realidade com
particularidades físicas, sociais, históricas, culturais e estruturais, fazendo parte de um processo
dinâmico, o qual envolve a organização e o processo de trabalho do Centro Cirúrgico, que por
sua vez, se encontra em constante transformação. Este processo dinâmico da realidade, muitas
vezes leva o sujeito a conviver com contradições que refletem na forma como ele percebe sua
prática profissional. Estas contradições resultam em sentimentos opostos, mas que um não tem
significância sem o outro, tal qual os dois lados de uma moeda, que são diferentes, mas fazem
parte do mesmo objeto. Souza (2003), em sua pesquisa sobre a dimensão subjetiva das
enfermeiras que atuavam num hospital universitário, captou tais contradições evidenciando que
as enfermeiras têm sentimentos de satisfação e insatisfação, realização e frustração, repulsa e
atração reafirmando a dicotomia que envolve o mundo do trabalho das enfermeiras.
Por estas características que imprimem dinamismo, contradições e transformação da
realidade estudada, optei por orientar o estudo a partir dos pressupostos do método dialético, com
embasamento no materialismo histórico. A dialética conforme destaca Konder (1992), é o modo
de pensarmos a realidade que nunca se apresenta estática, mas em permanente mudança, sendo
que estas mudanças lhe conferem um caráter contraditório. Portanto, a realidade não está
estagnada, não é caracterizada por verdades imutáveis, mas está sempre em processo de mudança
e desenvolvimento, desta forma, nunca encontraremos uma realidade definitiva.
Complementando esta idéia, Almeida (1995), apresenta a seguinte definição:
O materialismo histórico tem como objeto de estudo a sociedade e as leis gerais de seu
desenvolvimento. É materialista porque sustenta que a produção material é a base sobre a qual se
estabelece o modo de viver dos homens, o que determina toda a vida da sociedade (ALMEIDA,
1995, p83).
Este método revelou-se adequado ao que desejava investigar, porque ele também permitiu o
aprofundamento e apreensão das questões que envolviam o mundo do trabalho dos enfermeiros
do centro cirúrgico, ou seja, a organização do trabalho, o modo operatório, a produtividade, os
62
meandros subjetivos e objetivos que perpassam a relação desses trabalhadores com o seu
trabalho.
Abrantes, Silva e Martins (2005, p. 93) inferem que “na concepção materialista sujeito e
objeto tem uma existência objetiva, e na visão dialética, formam uma unidade de contrários,
agindo um sobre o outro”. Desta forma, os mesmo autores elucidam que o sujeito irá agir sobre o
objeto para a transformação deste. Porém, o objeto não se transforma sozinho, neste processo de
intervenção do sujeito sobre o objeto, os dois transformam-se. Este conceito foi pertinente para o
estudo, pois na análise das informações verifiquei que os enfermeiros encontram-se inseridos
numa determinada organização do trabalho e eles sofrem as influências dessa organização e, por
sua vez, a organização laboral também se modifica a partir dessa interação dinâmica e contínua
do sujeito-objeto.
Marx (1971), estudioso que lançou as bases do materialismo histórico infere que o trabalho
caracteriza-se como a atividade na qual o homem interage com a natureza, e através deste
intercâmbio, o homem modifica a natureza e a si mesmo. O autor aponta que, a partir da
introdução do modelo capitalista de produção, trabalho passou a ser fonte de padecimento para o
trabalhador, uma vez que ele perdeu o controle sobre o que produzia, explorado em sua mais
valia, sem condições dignas de trabalho e de vida.
Konder (1992) embasado em Marx considera a divisão do trabalho como a responsável por
uma deformação no trabalho e sua organização.
As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um
“estranhamento” entre o trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto do trabalho, antes
mesmo dele se realizar pertence à outra pessoa. Por isso, em lugar de reconhecer-se em suas
próprias criações, o ser humano se sente ameaçado por elas, em lugar de libertar-se, acaba
enrolado em novas opressões (KONDER, 1992, p.30).
Este enfoque de que o modo como o trabalho no modelo capitalista se desenvolve, pode
gerar sofrimento e alienação, está em consonância com o que busquei investigar, ou seja,
conhecer como a organização laboral do Centro Cirúrgico, com suas particularidades,
contradições e transformações, repercute na subjetividade dos enfermeiros, incidindo
negativamente no processo saúde-doença desses trabalhadores.
Nos pressupostos do materialismo histórico e o método dialético existe a necessidade de
compreender o contexto sócio-econômico-histórico no qual se insere o objeto de estudo, para
assim, captar uma visão mais aprofundada do fenômeno. Sobre esta questão Konder (1992) faz a
seguinte análise:
63
Em cada ação empreendida, o ser humano se defronta, inevitavelmente, com problemas
interligados. Por isso, para encaminhar uma solução para os problemas interligados, o ser humano
precisa ter uma certa visão de conjunto deles: é a partir da visão do conjunto que a gente pode
avaliar a dimensão de cada elemento do quadro. A visão de conjunto que permite ao homem
descobrir a estrutura significativa da realidade com que se confronta, numa situação dada. E é essa
estrutura significativa - que a visão de conjunto proporciona - que é chamada totalidade (
KONDER, 1992, p.36-37).
O mesmo autor enfatiza que para trabalhar com a totalidade, devemos atentar que esta é
mais do que a soma das partes que a constituem. A totalidade resulta da articulação,
contextualização e interpretação da realidade que se pretende apreender.
Complementado este conceito, busquei apoio em Demo (1987, p.98), que destaca que “este
método propõe a visão da totalidade, no sentido de esforçar-se por recortar menos a realidade e
de não formalizá-la em partes estanques”. Demo (op cit) salienta que devemos estudar a
totalidade do fenômeno, pois a visão das partes que o compõe impossibilita uma apreensão da
dinâmica da realidade.
Segundo Konder (1992), a relevância de se captar a totalização que envolve o objeto de
pesquisa, quando se trabalha com o método dialético, fundamenta-se na seguinte questão:
Para trabalhar dialeticamente com o conceito de totalidade, é muito importante sabermos qual é o
nível de totalização exigido pelo conjunto de problemas com que estamos defrontando; e é muito
importante, também, nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de um processo
de totalização (que nunca alcança uma etapa definitiva e acabada). Afinal a dialética - maneira de
pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na
realidade humana - negar-se-ia a si mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses,
recusando-se a revê-las, mesmo em face de situações modificadas (KONDER, 1992, p. 39).
Assim, fundamentada no método dialético, foi necessário compreender a totalidade que
envolvia a organização do trabalho no Centro Cirúrgico, a estrutura hospitalar no qual ele está
inserido, sua história, valores, missão, perfil de produtividade e tudo mais que representa a busca
pelo conhecimento mais abrangente que envolve o cenário da pesquisa. Após conhecer esta
totalidade, captar as repercussões que o trabalho no Centro Cirúrgico apresenta no processo
saúde-doença dos enfermeiros mostrou-se um processo menos árduo.
O materialismo histórico dialético possui três leis que o regem: lei da passagem da
quantidade à qualidade e vice-versa; lei da interpenetração dos contrários ou lei da contradição e
lei da negação da negação. Para trabalhar com o método dialético é importante conhecer e aplicar
estas leis durante o processo de análise a fim de captar a totalidade que envolve o fenômeno a ser
pesquisado. Sendo assim, considerei relevante trazer para esta discussão algumas características
que envolvem as leis do materialismo histórico.
64
Lei da passagem da quantidade à qualidade e vice-versa.
Esta lei ressalta que quantidade e qualidade são características de todos os objetos e estão
inter-relacionadas e interdependentes. Para melhor entendimento desta lei é preciso apreender
que os objetos têm determinadas características (qualidades) que os representam, e se estas
características forem alteradas, este objeto se transformará em outro objeto, diferente do anterior
(TRIVIÑOS, 1987). É importante destacar que a qualidade do objeto não muda por uma simples
mudança de quantidade, mas sim, através de uma série de mudanças quantitativas que irão mudar
a qualidade do objeto, transformando-o então em um objeto diferente do anterior.
Um exemplo clássico utilizado para exemplificar este fenômeno é o da ebulição da água.
Primeiramente temos a água que em temperatura ambiente encontra-se no estado líquido, incolor,
inodoro e insípido, porém quando alcança a temperatura de 100°C passa então para o estado
gasoso, assumindo a forma de vapor. Desta forma, uma mudança quantitativa caracterizada por
um aumento dos graus de temperatura, causou uma mudança qualitativa, na qual a água passou
de um estado a outro (KONDER, 1992; DEMO, 1987; TRIVIÑOS, 1987).
Outro aspecto a ser observado nesta lei é que as mudanças não ocorrem sempre num mesmo
ritmo, podendo ser mais lentas ou acontecer abruptamente, caracterizando os “saltos” de
qualidade.
A característica principal desta lei refere-se ao fato de que, ao mudarem, as coisas não mudam
sempre no mesmo ritmo. O processo de transformação por meio do qual elas existem passa por
períodos lentos, nos quais se sucedem apenas alterações quantitativas e por períodos de aceleração,
que precipitam alterações qualitativas, isto é, “saltos”, modificações radicais (KONDER, 1992,
p.58).
Esta lei explicita como ocorrem as modificações de uma determinada realidade para uma
nova realidade. Considero importante enfatizar que estarei estudando uma realidade que em outro
momento foi explorada por outros pesquisadores como Souza (2003), que em sua tese de
doutorado buscou caracterizar a organização e o processo de trabalho no HUPE, as estratégias
que as enfermeiras utilizavam para tentar minimizar os efeitos negativos da organização laboral
na economia psíquica dessas profissionais. Ao estudar a organização do trabalho no Centro
Cirúrgico da mesma Instituição, encontrei nuances diferentes da realidade anteriormente
encontrada, evidenciando modificações que esta realidade vem sofrendo ao longo do tempo, a
partir de mudanças dinâmicas e contínuas no contexto social, político, econômico e cultural-
tecnológico do cenário em foco. E futuramente, os pesquisadores que optarem por investigar esta
realidade, encontrarão provavelmente características diferentes das encontradas por mim.
65
Lei da interpenetração dos contrários ou Lei da contradição.
Esta lei mostra que diversos aspectos da mesma realidade encontram-se entrelaçados, mas
podem caracterizar-se como contrários, isto é, aspectos diferentes uns dos outros, porém,
dependentes entre si, estando assim, numa interação e interpenetração permanente. Porém,
quando as contradições de um determinado objeto atingem uma significativa interação, surge
então, um novo objeto ou fenômeno com qualidades diferentes do objeto anterior, caracterizando
assim a transformação (TRIVIÑOS, 1987; KONDER, 1992, GIL, 1999).
Neste estudo, busquei apreender as contradições que permeiam a realidade estudada, para a
partir daí, iniciar um caminho de conhecimento da totalidade que envolvia o fenômeno estudado
e assim, conseguir atingir os objetivos do estudo. Ressalto que muitas contradições foram
captadas nos discursos dos enfermeiros, as quais se mostraram num estreito processo de ligação e
de interpenetração, no qual os sujeitos muitas vezes não percebem que estão inseridos em um
mundo dialético, de múltiplos paradoxos.
Lei da negação da negação.
Esta lei explica as relações entre o antigo e o novo após as transformações que o objeto ou
fenômeno sofre. E este novo objeto possui características diferentes, mas também possui muitas
características do objeto antigo, não eliminando completamente o as particularidades do antigo
objeto. Conforme ocorrerem mudanças com este objeto novo, imediatamente ele iniciará um
processo de transformação, passando a ser negado por outro fenômeno, que o transformará
dinâmica e continuamente em outro objeto, caracterizando a negação da negação (TRIVIÑOS,
1987).
Esta lei, segundo Konder (1992), conta de que o movimento geral da realidade faz
sentido, quer dizer, não é absurdo, não se esgota em contradições inteligíveis, nem se perde na
eterna repetição do conflito entre teses e antíteses, entre afirmações e negações. A afirmação
engendra necessariamente a sua negação, porém, a negação não permanece como tal: tanto a
afirmação como a negação são superadas, e o que acaba por prevalecer é uma síntese, é a negação
da negação.
Busquei conhecer as características da organização do trabalho do Centro Cirúrgico e
apreender como ela influencia, modifica e deixa suas marcas na vida dos trabalhadores desse
setor. Assim, evidenciei que há um processo que une o sujeito ao objeto e que ambos se
66
modificam continuamente, mas que mantêm algumas particularidades que mostram que os
sujeitos de ontem ainda são os de hoje, porém com transformações que acabam por alterar a
engrenagem homem-trabalho e trabalho-homem, numa eterna negação da negação, gerando a
síntese, antítese e novamente a síntese.
CENÁRIO DO ESTUDO
O cenário da pesquisa foi o Centro Cirúrgico do Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE), localizado na cidade do Rio de Janeiro. Este hospital caracteriza-se por ser uma
Instituição de grande porte com seiscentos (600) leitos das mais diversas especialidades médicas,
cirúrgicas, pediátricas e unidades intensivas. Oferece atendimento à saúde nos três níveis:
primário, secundário e terciário. Na estrutura que compõe o Hospital Universitário Pedro Ernesto
existem os prédios anexos que são: Radiologia, Centro Universitário de Controle do Câncer
(CUCC) e o recém inaugurado Núcleo Perinatal.
A Unidade de Centro Cirúrgico fica no 5º andar do prédio principal. Em sua estrutura física,
dispõe de vinte (20) salas de cirurgia, espaço para recepção de clientes, sala de recuperação
anestésica, copa e sala para refeições, vestiários feminino e masculino. Das vinte salas, somente
onze (11) estão funcionando devido à escassez de materiais e equipamentos, déficit de pessoal e
problemas na estrutura física. As cirurgias são realizadas de segunda à sexta-feira, com uma
produtividade de aproximadamente trinta e cinco (35) cirurgias de caráter eletivo por dia, que são
discriminadas num programa operatório.
Este programa operatório é confeccionado durante todos os dias úteis da semana, na
Secretaria do Centro Cirúrgico, de acordo com os programas operatórios parciais entregues pelas
diversas especialidades cirúrgicas. Nestes programas parciais constam: o nome do cliente,
enfermaria, leito, diagnóstico, cirurgia proposta, equipe cirúrgica, a necessidade do uso de bolsas
de sangue e de serviço de radiologia. Os procedimentos operatórios são ordenados por sala de
operação (SO), pois as especialidades ocupam salas específicas do Centro Cirúrgico. O programa
operatório parcial é enviado à Chefia de Enfermagem do setor e à Chefia do Serviço de
Anestesiologia para que as equipes sejam escaladas. Geralmente o Enfermeiro do turno da manhã
é que realiza a escalação dos instrumentadores e circulantes de acordo com a experiência
67
profissional, pois existem instrumentadores que atuam somente na Cirurgia Plástica, outros na
Cirurgia Cardíaca, outros na Oftalmologia. O programa parcial é então devolvido à Secretaria do
Centro Cirúrgico para que seja confeccionado o Programa Operatório Definitivo.
O Centro Cirúrgico também realiza cirurgias de urgência, as quais atendem às situações
emergenciais e de risco de vida de clientes que se encontram internados nas diversas clínicas do
HUPE. O número de cirurgias de urgência realizadas diariamente é variável, situando-se em
torno de dez. É importante ressaltar que no Centro Cirúrgico não são realizadas cirurgias de
emergência vindas de fora do HUPE, pois este hospital não possui um serviço de emergência
destinado à clientela externa. Este tipo de cirurgia só ocorre eventualmente, quando são atendidos
clientes que sofrem algum tipo de trauma nas imediações do hospital e não têm condições de
serem removidos para outra instituição.
Aos finais de semana e feriados o número de cirurgias realizadas é bastante reduzido.
Atualmente dificilmente programa operatório nos finais de semana, sendo executadas apenas
cirurgias de urgência.
A escolha do cenário deveu-se ao fato da facilidade de acesso, do conhecimento sobre a
rotina de trabalho no Centro Cirúrgico e da existência de um contato prévio com alguns possíveis
sujeitos do estudo, o que acredito ter facilitado o processo de coleta de dados. Além disso, o
cenário escolhido é o local em que surgiu o desejo de investigar a problemática situada, o que
também implicará em um retorno positivo para a Instituição, pois a pesquisa reuniu e analisou
dados de relevância para pensar uma organização laboral que possa favorecer o trabalho, mas
também a saúde do trabalhador.
OS SUJEITOS DO ESTUDO
Polit, Beck e Hungler (2004, p.234-235) ressaltam que “uma amostra aleatória não é o
melhor método para selecionar quem serão bons informantes, isto é, pessoas conhecedoras,
articuladas, ponderadas e que desejem falar longamente com o pesquisador”. Portanto, embasada
nestas autoras elaborei critérios para seleção dos sujeitos, buscando selecioná-los de forma que eu
pudesse captar o máximo de informações e, assim, atingir os objetivos do estudo.
68
A relação entre os sujeitos e o pesquisador é muito importante, devendo se estabelecer um
vínculo afetivo e de confiança para que os sujeitos não se sintam inibidos ao serem entrevistados
e observados, revelando assim, dados importantes para elucidar a situação problema.
Esta questão é mencionada por Chizzotti (2005) quando este elucida que:
Cria-se uma relação dinâmica entre o pesquisador e o pesquisado que não será desfeita em
nenhuma etapa da pesquisa, até seus resultados finais. Esta relação viva e participante é
indispensável para se apreender os vínculos entre as pessoas e os objetos, e os significados que são
construídos pelos sujeitos. O resultado final da pesquisa não será fruto de um trabalho meramente
individual, mas uma tarefa coletiva, gestada em muitas microdecisões, que a transformam em obra
coletiva (CHIZZOTTI, 2005, p. 84).
Assim, atenta a todas essas questões obtive um quantitativo de onze sujeitos, enfermeiros
que atuam no Centro Cirúrgico. Três enfermeiros eram do turno da manhã (no período de sete da
manhã às treze horas); um atua no período da tarde (de treze às dezenove horas); quatro
plantonistas estavam alocados na escala 12 x 36 horas semanais; um enfermeiro realizava uma
escala 12 x 60 horas semanais (de sete às dezenove horas); e dois enfermeiros eram plantonistas
do serviço noturno (de dezenove horas às sete da manhã).
Informo que dos doze enfermeiros com vínculo estatutário que atuam no setor, apenas um
se recusou a participar do estudo.
Foram entrevistados somente enfermeiros com vínculo estatutário, que atuavam no Centro
Cirúrgico há pelo menos um ano, pois supus que estes já tivessem um conhecimento mais
aproximado e concreto da realidade que compõe a dinâmica do trabalho no cenário escolhido.
Foram excluídos os enfermeiros que atuam como residentes e com vínculo de contrato
temporário, porque em sua grande maioria, são recém-formados e ávidos por adquirir e/ou
consolidar conhecimentos teórico-práticos e, portanto, as repercussões de uma organização do
trabalho no processo saúde-doença desses trabalhadores talvez fossem pouco percebidas ou
valorizadas por eles.
Outro aspecto para a exclusão desse grupo de trabalhadores foi o fato de atuarem em
contrato de trabalho temporário, que tem duração média de um ano, podendo ser prorrogável por
mais um, e como não permaneceriam na Instituição, o envolvimento desses trabalhadores com o
cenário de estudo considerei ser diferenciado, pois provavelmente não teriam a mesma percepção
daqueles que vivenciam cotidianamente e por longos anos a problemática investigada.
Com o fito de melhor caracterizar os sujeitos do estudo, apresento a seguir um breve perfil
dos mesmos. Esta caracterização foi explicitada em forma de tabelas e quadros com as seguintes
69
informações: tempo de formado dos sujeitos; tempo de atuação no Centro Cirúrgico e se estes
possuíam especializações lato e/ou strictu senso.
Ressalto que dos onze entrevistados, oito (72,7 %) eram do sexo feminino e três (27,3 %) do
sexo masculino. Os resultados referentes ao tempo que os sujeitos tinham de formado encontram-
se explicitado na tabela apresentada a seguir.
Tabela 1 Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de formação
Tempo de Formação
Numero de Trabalhadores (n)
%
0 - 5 anos
-
-
5 - 10 anos
-
-
10 - 15 anos
-
-
15 20 anos
03
27,3
20 25 anos
05
45,4
25 30 anos
01
9,1
30 35 anos
02
18,2
TOTAL
11
100
Evidenciou-se que todos os sujeitos do estudo eram enfermeiros há mais de quinze anos, mas
a maior parte deles (45,4 %) encontrava-se na faixa entre 20 a 25 anos de formados.
Em relação ao tempo de atuação dos participantes no Centro Cirúrgico, os resultados são
apresentados na tabela abaixo.
Tabela 2 Perfil dos trabalhadores com relação ao tempo de atuação no Centro Cirúrgico
Tempo de Atuação no Centro
Cirúrgico
Número de Trabalhadores (n)
%
0 - 5 anos
05
45,4
5 - 10 anos
-
-
10 - 15 anos
03
27,3
15 20 anos
01
9,1
20 25 anos
02
18,2
Acima de 25 anos
-
TOTAL
11
100
70
Conforme é explicitado na tabela 2 ficou evidenciado que grande parte dos enfermeiros
atuam no Centro Cirúrgico até cinco anos (45,4 %) e a seguir existe um quantitativo de três
sujeitos (27,3 %) trabalhando nesse setor entre 10 e 15 anos.
Outro aspecto abordado na caracterização dos sujeitos foi em relação à especialização dos
sujeitos do estudo. Esta questão foi levantada para evidenciar se os enfermeiros que atuam no
Centro Cirúrgico possuíam especialização nesta área. Os resultados evidenciados foram os
apontados no quadro abaixo.
Quadro 1 Perfil dos trabalhadores em relação aos cursos de especialização realizados
Especialização
Número de
Trabalhadores (n)
Residência em Enfermagem
03
Administração Serviços/ Hospitalar
04
Saúde Publica
02
Mestrado
02
Obstetrícia
01
Enfermagem do trabalho
01
Não Possui Especialização
03
Dos onze participantes do estudo, três não possuem especialização, quatro entrevistados
realizaram mais de um tipo de especialização e nenhum dos entrevistados possui especialização
em Centro Cirúrgico. Esse fato sugere que os sujeitos adquirem conhecimentos e experiências
profissionais acerca da assistência nesse setor ao desenvolver suas atividades laborais no próprio
cenário, ou seja, na prática cotidiana e/ou através de conhecimento empírico que é transmitido
por outros enfermeiros que ali trabalham.
TÉCNICAS DE COLETA DOS DADOS
Para a coleta de dados utilizei as técnicas de entrevista semi-estruturada e a observação
participante assistemática. A escolha por dois métodos de pesquisa visou uma maior riqueza de
informações, além do desejo da validação das informações, verificando aproximações e
71
distanciamentos entre o que se captou na entrevista, com os dados coletados a partir das
observações.
A entrevista é uma técnica que permite um maior vínculo entre o pesquisador e o sujeito do
estudo, pois o pesquisador encontra-se presente na entrevista, observando gestos, expressões
faciais que são manifestações importantes, podendo auxiliar na análise das informações.
Triviños (1987) destaca que esta técnica, parte de questionamentos básicos, apoiados em
teorias e hipóteses importantes para a pesquisa, dando margem ao surgimento de novas questões
e hipóteses que vão apresentando-se no desenrolar das entrevistas.
Acerca desta forma de coleta de dados, Chizzotti (2005) discorre que:
O entrevistador deve manter-se na escuta ativa e com a atenção receptiva a todas as informações
prestadas, quaisquer que sejam elas, intervindo com discretas interrogações de conteúdo ou com
sugestões que estimulem a expressão mais circunstanciada de questões que interessem à pesquisa.
A atitude disponível à comunicação, a confiança manifesta nas formas e escolhas de um diálogo
descontraído devem deixar o informante inteiramente livre para exprimir-se, sem receios, falar
sem constrangimentos sobre seus atos e atitudes, interpretando-os no contexto em que ocorrem
(CHIZZOTTI, 2005, p. 93).
O roteiro de entrevista (APÊNDICE A) contou com três questões abertas e com uma parte
inicial para levantar dados de identificação. Realizei a testagem do instrumento no mês de maio
de 2007 com dois enfermeiros que não se encaixavam no critério de inclusão dos sujeitos. Esse
procedimento revelou que as questões formuladas atendiam ao objeto e objetivos do estudo, não
havendo necessidade de modificar as perguntas previamente elaboradas.
Após receber o parecer do Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto
(ANEXO A) liberando a coleta de dados, pude realizar as entrevistas e a observação participante,
iniciando pelas entrevistas, as quais aconteceram no período de junho a agosto de 2007. Elas
foram realizadas no próprio Centro Cirúrgico, utilizando-se a sala da chefia de enfermagem, ou
as salas operatórias que não estavam sendo utilizadas no momento das entrevistas. Estes locais
propiciaram um ambiente mais adequado para a realização das entrevistas e afastado da agitação
habitual do setor.
Antes de iniciar as entrevistas pedia para que os sujeitos lessem e assinassem o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B), caso concordassem com os termos nele
contido. Solicitava também a permissão para gravar os depoimentos em aparelho de MP3 e
assegurava que as informações colhidas seriam utilizadas apenas para fins acadêmicos. Esses
cuidados foram fundamentados na Resolução 196/96, que normatiza as regras para pesquisas com
serem humanos. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era entregue aos participantes
72
em duas vias, ambas eram assinadas pela pesquisadora e pelos participantes, sendo que uma
permanecia com o entrevistado e a outra com a pesquisadora.
O sigilo dos participantes foi garantido através da utilização de pseudônimos provenientes
de nomes de entidades da mitologia grega. Ressalto que após a transcrição das entrevistas, estas
foram revisadas pelos participantes para que fizessem alterações caso não concordassem com o
conteúdo transcrito. Informo que nenhuma modificação no conteúdo foi sugerida pelos
participantes.
A observação minuciosa do contexto em que o fenômeno está inserido faz-se primordial,
com o intuito de conhecer a realidade em todas as suas particularidades, para que o pesquisador
possa obter dados que reflitam com maior fidedignidade o ambiente e os sujeitos do fenômeno
estudado, portanto, foi utilizada a técnica de observação livre ou assistemática que se mostrou
bastante apropriada para uma melhor compreensão do problema estudado.
Como elucida Triviños (1987, p.153), a técnica de observação não é simplesmente olhar,
mas sim prestar atenção nas características do objeto observado.
O autor op cit (1987, p. 153) infere que:
Observar um “fenômeno social” significa, em primeiro lugar, que determinado evento social,
simples ou complexo, tenha sido abstratamente separado de seu contexto para que, em sua
dimensão singular, seja estudado em seus atos, atividades, significados, relações, etc.[...] para
descobrir seus aspectos aparenciais e mais profundos, até captar, se for possível, sua essência
numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contradições, dinamismos, de relações,
etc.
Segundo Marconi e Lakatos (2007, p. 170), a observação assistemática, que também é
chamada de observação espontânea, informal, livre ou ocasional, não utiliza qualquer tipo de
técnica, sem planejamento e sem especificação prévia dos quesitos a serem observados.
Realizei 24 horas de observação, distribuídas em três manhãs (de 08 às 12 horas), duas
tardes (de 14 às 18 horas) e duas noites de (19:30 às 21:30 horas). As observações apreendidas
foram registradas sob a forma de anotações de campo, que tiveram como objetivo registrar os
fatos que auxiliaram no processo de caracterização da organização laboral do Centro Cirúrgico e
as repercussões da mesma no processo saúde-doença dos enfermeiros.
Como destaca Triviños (1987, p.155) As anotações de campo consistem em registrar com
exatidão o fenômeno observado, através da descrição de comportamentos, ações, palavras,
atitudes que revelam valores, significados do sujeito e do ambiente no qual esta envolvido. Sob
73
cada comportamento, atitude, idéia, existe um substrato que não podemos ignorar se quisermos
descrever o mais exatamente um fenômeno.
A técnica de observação revelou-se importante para compreender a problemática do estudo,
pois me aprofundei na realidade de trabalho do Centro Cirúrgico e na atuação dos enfermeiros
nesse espaço. Também interagi com os sujeitos no seu ambiente de trabalho propiciando uma
apreensão mais ampla e completa da realidade estudada, captando esta realidade de forma um
pouco mais totalizante.
MÉTODO DE ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES COLETADAS
Para a análise dos dados optei pelo método de análise de conteúdo. Pelas características do
estudo, adicionado à escolha de trabalhar com o materialismo histórico e o método dialético, que
buscam estudar detalhadamente uma realidade em seu contexto histórico e social, este método de
análise de dados mostra-se adequado. Como infere (Triviños 1987, p.160): “o método de análise
de conteúdo, em alguns casos, pode servir de auxílio para instrumentos de pesquisa de maior
profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, no método dialético”.
A análise de conteúdo foi amplamente estudada, mas a obra que alcançou maior
notoriedade acerca do tema chama-se L’analyse de contenu, de autoria de Laurence Bardin,
publicada em Paris em 1977 (RODRIGUES e LEOPARDI, 1999).
A análise de conteúdo é definida como um conjunto de técnicas de análise das
comunicações, que aplicados aos discursos tem por finalidade uma melhor interpretação das
mensagens neles contidos. Outro aspecto a ser destacado na análise de conteúdo é que “oscila
entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade” (BARDIN, 2007,
p.09).
Rodrigues e Leopardi (1999) trazem também um importante conceito da análise de
conteúdo quando destacam:
A análise de conteúdo constitui um todo cuja utilização em pesquisa é de indiscutível
importância. Os procedimentos envolvidos na mesma são estruturados de forma a promover uma
organização dos dados através de fases ou etapas, que conduzem a um resultado estruturalmente
organizado do seu conteúdo. É um método que oferece uma margem de flexibilidade de execução
capaz de favorecer diferentes abordagens filosóficas na essência de seus conteúdos (RODRIGUES
& LEOPARDI,1999, p. 11-12).
74
Após a transcrição das entrevistas, realizei inúmeras leituras do material obtido (pré-
análise) a fim de iniciar um processo de captação das unidades de registro (UR). Os conteúdos
que se aproximavam ou significavam a mesma mensagem eram marcados com o auxílio de
canetas coloridas, assim como os que se distanciavam das respostas da maior parte dos sujeitos.
Esse procedimento deu origem a trinta e duas UR, que foram reagrupadas originando três
categorias, as quais foram denominadas conforme segue abaixo:
1- As percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico;
2- Trabalho material e trabalho imaterial dos enfermeiros no Centro Cirúrgico;
3- Repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos enfermeiros.
Na primeira categoria analiso as características da organização e do processo de
trabalho no Centro Cirúrgico, apontando aspectos relativos à dinâmica laboral que afetam a
subjetividade dos enfermeiros.
Na segunda categoria trato do trabalho das enfermeiras que é valorizado pela
organização do trabalho e pelo capitalismo, pois propicia a produção e eleva os lucros. Em
confronto com essa situação, discuto o trabalho que não aparece, o imaterial, ou seja, aquele
que não é valorizado na engrenagem do modelo capitalista de produção e que essa não
valorização repercute na percepção dos enfermeiros acerca do trabalho, assim como na
dimensão subjetiva dos mesmos.
E na categoria relativa às repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos
enfermeiros discuto os agravos a saúde decorrentes de uma organização laboral não-
racional, e as conseqüências da dinâmica do trabalho no Centro Cirúrgico na dimensão
emocional e física desses trabalhadores.
75
CAPÍTULO 4
TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo destina-se a apresentar o resultado da análise advinda das informações coletadas
através das entrevistas e da observação participante. As informações coletadas foram ricas, pois
evidenciaram os sentimentos dos enfermeiros e as formas com eles percebem a organização do
trabalho na qual estão inseridos.
Durante a fase de coleta me senti imersa na realidade de trabalho desses profissionais, que
partilharam comigo suas percepções, emoções e vivências acerca do trabalho no ambiente de
Centro Cirúrgico, do coletivo profissional e das interações com os outros profissionais.
As Percepções dos enfermeiros sobre o trabalho no Centro Cirúrgico
Esta categoria buscou discutir como os enfermeiros percebem e configuram a organização e o
processo de trabalho no Centro Cirúrgico, caracterizando a partir da ótica dos enfermeiros e das
observações efetuadas, a dinâmica de funcionamento deste setor. Nesse processo de apreensão
das informações e do trabalho de análise, constatei que a organização laboral gera uma
multiplicidade de emoções e sentimentos contraditórios, os quais se complementam e se
interpenetram, interferindo na subjetividade e no modo operatório dos trabalhadores que ali
atuam.
As contradições que ficaram evidentes nas falas dos entrevistados quando refletem sobre o
trabalho no Centro Cirúrgico corroboram com o método dialético, destacando-se a lei da
contradição, a qual aponta que os diversos aspectos da realidade encontram-se entrelaçados e,
mesmo que muitas vezes pareçam contrários, são dependentes entre si e permanecem numa
interação permanente. Assim, pude perceber que prazer e sofrimento, frustração e alegria,
motivação e desmotivação, satisfação e insatisfação encontram-se unidos como as duas faces de
uma mesma moeda, no qual um não sobrevive sem o outro, revelando que estas contradições são
importantes para alimentar o funcionamento psíquico dos enfermeiros. Porém, trazendo mais uma
76
lei da dialética, a da passagem da quantidade para qualidade, infiro que dependendo das
transformações dessa realidade, sentimentos negativos podem predominar e a partir daí modificar
a percepção dos enfermeiros sobre suas atividades, podendo assim, atingir e deteriorar a saúde
desses trabalhadores.
Para uma melhor análise dos dados, considerei apropriado separá-los de forma que
primeiramente abordarei as percepções positivas que emergiram das entrevistas e posteriormente
trarei a análise das percepções desagradáveis, as quais repercutem negativamente na
subjetividade dos enfermeiros.
O trabalho pode trazer sentimentos bons e positivos para a subjetividade do trabalhador. Estes
sentimentos emergem quando os enfermeiros se reportam ao objeto do seu trabalho, ou seja, o
cuidado ao ser humano e quando esse cuidado é adequadamente prestado. A partir dessa
perspectiva também surge o sentimento positivo de utilidade e de dedicação. Os depoimentos que
se seguem destacam esses aspectos positivos do trabalho no Centro Cirúrgico.
“... hoje eu tenho um prazer imenso em vir trabalhar...” (Atena)
“Bem...o meu sentimento é sempre de ânimo porque eu adoro o Centro
Cirúrgico, eu adoro o meu trabalho, apesar de todos os problemas que
tem, eu venho é... animada...” (Gaia)
“Olha, eu tenho um bom sentimento do dever cumprido, porque eu trato
muito bem os pacientes como eu gostaria de ser tratada, quando estiver
no lugar deles [choro] [silêncio]” (Ártemis)
“... geralmente eu tenho bons sentimentos... é... de ajuda ao próximo, de
trabalho em equipe, de realização profissional, de vencer obstáculos...”
(Zeus)
“... mas os sentimentos que emergem, depende... Mas de uma maneira
geral eu gosto muito do que eu faço, eu acho que o fato de você gostar
muito da profissão facilita muito.” (Cassiopéia)
Como destaca Lisboa (1998, p.147): “na verdade quando penso acerca do prazer, da
satisfação, da alegria e da felicidade advindas do trabalho, penso naquilo de que realmente gosto
77
quando desenvolvo a atividade no meu cotidiano”. A autora (op cit) também infere que nem tudo
é sofrimento, pois os enfermeiros não iriam se manter em seus trabalhos se estes fossem só
sofrimento.
Penso que o prazer desses profissionais venha do fato de gostarem da sua profissão, se
sentirem bem por poder ajudar o próximo, serem úteis, ter a sensação de dever cumprido para
com eles e com a profissão.
Dialeticamente ao sentimento de prazer estão as situações que causam sofrimento aos
enfermeiros como: falta de pessoal, falta de material, distanciamento entre trabalho prescrito e
trabalho real, relações interpessoais conflituosas, disputas de poder.
O número insuficiente de profissionais no Centro Cirúrgico é um dos fatores que
repercute de forma negativa na subjetividade dos enfermeiros, pois aparentemente o quantitativo
de pessoal é adequado, porém existem as aposentadorias, óbitos e licenças de funcionários que
não são repostos, mas os nomes dos funcionários que se encontram nessas situações permanecem
na escala. Isso é algo incoerente, mas a organização prescrita do trabalho explica que é uma
estratégia para não cair no esquecimento sobre o porquê do déficit de pessoal.
Atualmente a maioria do pessoal do setor é composta por contratos administrativos e o
quadro de funcionários efetivos da instituição é cada vez menor. uma certa rotatividade do
pessoal contratado, pois estes precisam sair da Instituição a cada dois anos, isso faz com que
ocorra um período de adaptação dos trabalhadores recém contratados, resultando assim, em
lentidão das atividades e necessidade de capacitação e treinamento desse pessoal. A carência de
recursos humanos torna-se um problema para ser administrado pelos enfermeiros do Centro
Cirúrgico, como o destacado nas seguintes falas dos depoentes.
“... ver a escala dos auxiliares que estão naquelas salas, ficar ciente do
que está faltando, das coisas que foram quebradas, quem vai faltar, quem
vai chegar atrasado...” (Gaia)
“... se alguém vai faltar, quem já avisou que não vai vir ...” (Afrodite)
“... e eu sempre colaborando com tudo porque temos pouco pessoal, os
auxiliares, os técnicos são poucos, então eu entro na luta também”
(Ártemis)
78
Porque você sabe que tem pouca gente, isso é outro problema né?
Que estressa, né? Pouca quantidade de funcionários...” (Cassiopéia)
Quando número reduzido de pessoal ou quando uma falta, a situação deve ser
contornada no próprio setor, pois por ser um local totalmente diferenciado do restante do
hospital, não como recorrer a remanejamentos que os auxiliares e técnicos que atuam nas
unidades de internação não conhecem a rotina de funcionamento do Centro Cirúrgico. Nos
depoimentos, vários entrevistados revelam o quantitativo adequado de pessoal como uma das
primeiras preocupações ao assumir o plantão. Porém, diferentemente das unidades clínicas da
Instituição, neste setor os enfermeiros não assumem a função dos auxiliares e técnicos na falta
dos mesmos. O único local do Centro Cirúrgico que tal fato acontece é a sala de Recuperação
Anestésica (RA).
Durante a observação da dinâmica de trabalho dos enfermeiros do Centro Cirúrgico, notei que
uma situação que afeta diretamente o desenvolvimento das atividades desses profissionais, é a
falta de materiais.
Souza (2003), em seu estudo evidenciou que a falta de materiais afeta a subjetividade dos
trabalhadores, pois estes se dispõem a prestar uma assistência de qualidade, o que muitas vezes
não é possível devido à falta de materiais adequados ou a sua insuficiência quantitativa. A autora
(op cit) infere ainda que
“ [...] o planejamento laboral precisa ser todo modificado devido á insuficiência de insumos
básicos para o atendimento de enfermagem, alterando também o ritmo de trabalho, porque se
necessita incorporar outras atribuições como: improvisar, adaptar, ou mesmo realizar escambo de
material com outras unidades. E isso parece uma avalanche que não para nunca, incidindo sobre a
subjetividade das enfermeiras, ocasionando sofrimento psíquico (Souza, 2003; p. 254-255).”
A realidade da Instituição é permeada pela falta qualitativa e quantitativa de insumos
materiais, o que é amplamente apontado pelos entrevistados em seus depoimentos como um fator
que dificulta a realização do trabalho e acarreta repercussões diretas na subjetividade. Os
depoentes relataram que esse problema causa sentimentos de impotência, estresse, e houve um
entrevistado que ao aludir a falta de material, sentiu-se tão fortemente afetado que chorou, sendo
necessário interromper a entrevista e retomá-la posteriormente. Os depoimentos a seguir
expressam de maneira significativa esta situação.
79
“Não, não tem como resolver, eu não posso criar roupa, eu não tenho
como fabricar instrumental, né? Então a gente fica administrando uma
situação que é... você se sente impotente... é mais ou menos isso”.
(Andrômeda)
“Essa falta de suprimentos, essa falta de pessoal, entendeu? Você não
saber a quantas você vai conseguir resolver seu problema, que é fazer
com que saia todo o mapa operatório...” (Hera)
“Mas essa falta de material, falta de aparelhagem, isso às vezes deixa a
gente muito aborrecida... estressada [choro]” (Ártemis)
“... o serviço noturno passa o plantão pra gente e a gente começa a
perceber que as dificuldades que a gente vai estar vivenciando durante o
dia [risos] principalmente em termos de material de sala né... assim se as
salas vão atender as cirurgias que estão propostas...” (Afrodite)
“ ... cada plantão é uma novidade, cada plantão é uma dificuldade, cada
plantão é um material que falta, é uma coisa diferente, um problema a
ser resolvido, quer dizer a gente não tem, não consegue se organizar em
termos de rotina de serviço.” (Deméter)
A falta constante de insumos materiais reflete diretamente no trabalho dos Enfermeiros no
Centro Cirúrgico, afetando a subjetividade dos mesmos, conforme foi anteriormente analisado.
Mas este aspecto também incide na relação interpessoal dos enfermeiros com os outros
profissionais que ali atuam, caracterizando-se em um duplo determinante para alterar a dimensão
subjetiva desses profissionais. Isto é, os cirurgiões e os anestesistas indagam aos enfermeiros
sobre porque não há determinado material.
Assim, os enfermeiros têm que parar suas atividades e explicar inúmeras vezes a crise
financeira que o hospital está passando, e que isso, está além da tarefa de solicitar material para o
almoxarifado, recebê-lo, armazená-lo, para posteriormente distribuir nas salas operatórias. Esta
problemática está ligada a administração geral da Instituição, e por sua vez, a política neoliberal
de enxugamento da máquina pública, ou seja, a diminuição de repassa de verbais para setores
como saúde, educação e transporte.
Como destaca Lisboa (1998):
A estrutura econômica e social do país e a política dos últimos governos não nos levam a crer que
a saúde pública seja uma das metas de prioridade do governo federal. Isto traz angústia às
enfermeiras que não vêm resolutividade dos seus problemas imediatos (LISBOA, 1998, p. 102).
80
Esta concepção é reforçada pro Araújo et al (2004) que destacam que
[...] o ambiente de serviços público de saúde cuja precarização e degradação vem se aprofundando
nos últimos tempos ( e que perdura no Brasil, no início deste novo milênio), em função de
constantes cortes nos recursos destinados à saúde, corrupção, formas de gestão equivocadas e
manipulação eleitoreira, vem criando um solo desfavorável sobre os/as profissionais de saúde[...]
(Araújo et al, 2004, p.148)
Porém, algumas vezes, ao fornecerem tais explicações, recebem respostas hostis ou
desagradáveis que, no cotidiano do trabalho, se acumulam e acabam incidindo negativamente na
saúde mental dos enfermeiros.
Ao realizar a observação no setor pude constatar tal realidade ao presenciar um residente
médico da oftalmologia indagar à enfermeira se os capotes esterilizados haviam chegado.
Diante da resposta negativa da mesma, ele indagou: Estes capotes estão vindo de jegue?”. A
Enfermeira se dirigiu a mim e disse: “Tá vendo? Foi isso que te falei!”.
Esta situação causa estresse, insatisfação, sentimento de impotência, pois como os
enfermeiros são responsáveis por repor materiais no setor, eles acabam por ser culpabilizados”
por qualquer material que esteja em falta.
Como está tão arraigado nos enfermeiros a responsabilidade de suprir o setor com insumos
hospitalares e, mesmo que racionalmente saibam que a falta de materiais não passa pela
negligência, eles sentem-se culpados, levando-os ao improsivo e a adaptação de equipamentos e
materiais. Esta realidade é destacada pelos seguintes depoimentos:
“E aquela briga em função de falta de material de você ficar tentando
improvisar, é guardando material que é mais importante pra uma
cirurgia ou outra, mais ou menos isso.” (Andrômeda)
“... falta de material muito [ênfase], não temos é cardioscópio, PNI
[pressão não invasiva] em número suficiente então a gente tem que ficar
driblando, fazendo jogo de cintura pra aqui, pra ali, pra conseguir tudo a
contento, improvisando da melhor maneira possível pra que não
prejudique o paciente.” (Ártemis)
A gente trabalha à base do improviso na grande maioria das vezes...”
(Deméter)
E de uma certa forma a gente acaba se sentindo culpado realmente,
porque a gente tenta resolver todos os problemas né?”(Deméter)
81
Essa improvisação primeiramente pode funcionar de maneira positiva para a subjetividade
do trabalhador, pois o mesmo sente-se útil ao poder resolver uma situação emergencial, de forma
que o andamento do mapa operatório não seja prejudicado e conseqüentemente o cliente não
sofra as conseqüências da falta de material. Porém, no momento em que o improviso torna-se
rotina na realidade de trabalho, acaba afetando negativamente a subjetividade dos enfermeiros,
pois quando não é possível improvisar ou o material não pode ser substituído por outro, surgem
novamente os questionamentos sobre o porquê da falta de determinado material. E essa situação
eu registrei nas minhas observações de campo, quando uma enfermeira relatou ao anestesista que
a cirurgia estava suspensa porque não tinha como conseguir determinado material, o médico fez a
seguinte colocação: “Ué! Mas nos plantão de fulano deram um jeitinho!”.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) inferem que “quebra-galho, inventividade,
cooperação e confiança estão em parte, ligadas ao prazer no trabalho”. Esta relação de confiança
das equipes em relação ao enfermeiro desenvolvido através da prática do improviso funciona
como uma forma de estabelecer a competência do profissional, pois se o mesmo consegue
garantir que todas as cirurgias sejam realizadas, apesar da falta de materiais, este será classificado
como interessado, envolvido, competente.
Porém a outra face da moeda também está presente e ocorre quando a prática do improviso
não pode ser realizada. Como destacam os autores (op cit, p. 102),
Se quebro-galhos, corro o risco de ser punido; se não o faço, corro o risco de ser acusado de falta
de iniciativa. É exatamente esta a injunção paradoxal que é: causa de sofrimento, causa de mal-
entendidos, causa de sonegação e circulação de informações, causa de fechamento sobre si
mesmo e de desconfiança individual, causa de sentimento de injustiça, causa de fechamento de
coletivos face a outros coletivos e de constituição de antagonismos e conflitos inter-equipes
(DEJOURS, ABDOUCHELI & JAYET, 1994, P,102).
O improviso ou “quebra-galho” utilizado em muitas situações pelos enfermeiros também
destaca o distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real, pois como asseveram
Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994, p. 107), “o quebra-galho enquanto tal não pode ser prescrito”.
Esta disparidade é evidenciada nos depoimentos a seguir:
“... não é um trabalho onde você tem uniformidade, onde você pensa
antes e consegue chegar até o final em cima do seu planejamento, ele é
quase que de momento, né.” (Andrômeda)
“... de improvisação, é... de tentar vencer essa dificuldade de falta de
material que é uma constante aqui no setor...” (Zeus)
82
“Quando você consegue ter tudo pra trabalhar, você consegue trabalhar
com tranqüilidade, até porque cada um sabe o que tem que fazer, vo
não fica atrelada a nenhum obstáculo, porque o que estressa são
exatamente os obstáculos do dia à dia. Essa falta de suprimentos, essa
falta de pessoal, entendeu? Você não saber à quantas você vai conseguir
resolver seu problema, que é fazer com que saia todo o mapa
operatório..” (Hera)
Então, esse dia eu acho que é muito confuso porque primeiro você não
consegue fazer um planejamento ideal e se você não consegue fazer um
planejamento, você não tem como se planejar, que dizer, por mais que
você se planeje, o planejamento até fica por conta assim... amanhã eu
vou chegar de manhã a primeira coisa que eu vou resolver é
isso...[pausa] Porque você já sabe que esta furado... então como as coisas
não rolam adequadamente, quer dizer, as instâncias maiores que
deveriam estar vendo, ter planejamento, organização né? Prever e prover
o hospital pra você atender aquilo... sabe que está furado! Então, não
tem jeito! Então, você já chega de manhã com tudo furado! Então, o caos
se instala, quando você recebe plantão... porque você sabe que está
furado!” (Afrodite)
“... quer dizer, a gente aqui trabalha basicamente no improviso, na base
do improviso [ênfase], né?” (Deméter)
Nas falas dos entrevistados percebe-se que eles sabem que ocorre um descompasso entre o
que deve ser feito (trabalho prescrito) e o que realmente é realizado (trabalho real).
O trabalho prescrito é definido por Daniellou, Laville e Teiger (1989, p.48) como: “[...]
maneira pela qual o trabalho deve ser executado: o modo de utilizar as ferramentas e as
máquinas, o tempo concedido para cada operação, os modos operatórios e as regras a respeitar".
Como assevera Oliveira (2002, p.350), “o trabalho pode ser prescrito verbalmente ou por
escrito”, e irá constituir-se como tarefas que devem ser executadas pelo trabalhador.
O autor (op cit) infere que o trabalho será composto então de duas partes, uma relativa às
condutas, instruções, métodos de trabalho, denominada de tarefa, e a outra parte, que é a maneira
como o trabalhador efetivamente executa o que lhe foi determinado, denominada de atividade.
Esta diferenciação entre tarefa e atividade, ou seja, entre trabalho prescrito e trabalho real, faz-se
relevante para o entendimento do sofrimento que emerge no trabalhador quando um
distanciamento significativo entre o prescrito e o real.
83
Ferreira e Barros (2002, p. 06) definem tarefa como: a face visível do trabalho prescrito
sob a forma de: cumprimento de metas; modos de utilização do suporte organizacional;
cumprimento de prazos; e obediência aos procedimentos e às regras.
Assim, nos depoimentos dos entrevistados apreende-se que nem sempre é possível
cumprir o planejamento, pois este se encontra atrelado ao que os entrevistados denominaram de
obstáculos ou “furos”, os quais são relativos à falta de materiais e a falta de pessoal. Desta forma,
o trabalho é realizado do jeito como é possível mediante as dificuldades impostas pela
organização do trabalho, caracterizando o que a ergonomia chama de atividade, decorrente do
trabalho real. Oliveira (2002, p.351) destaca a atividade: “é como o trabalho real acontece de fato,
como se a realização do objetivo proposto, com os meios disponíveis e nas condições dadas
[...].”
A discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real pode acarretar interferências
na saúde dos trabalhadores através de modificações do modo operatório, o que acarreta aumento
da carga de trabalho, gerando alterações físicas, cognitivas e psíquicas (DANIELLOU, LAVILLE e
TEIGER, 1989; FERREIRA e BARROS, 2002).
Nas falas dos entrevistados pude analisar que a dificuldade de executar a rotina planejada
gera alterações na subjetividade dos enfermeiros, as quais se manifestam através de estresse,
ansiedade, angústias, labilidade de humor, decorrentes de não conseguirem realizar seu trabalho
da forma como gostariam, sem gerar prejuízo para o cliente e para os profissionais que atuam no
setor.
Outra análise apreendida a partir das falas dos sujeitos e das observações de campo trata
das relações interpessoais no Centro Cirúrgico. Estas foram mencionadas inúmeras vezes como
uma questão difícil e geradora de sofrimento psíquico.
No entanto, os sujeitos ressaltaram que o relacionamento interpessoal com os integrantes
da equipe de Enfermagem é harmonioso, não havendo conflitos e desavenças. Alguns
entrevistados referiram-se à equipe de Enfermagem como uma família da qual fazem parte.
Depreendo que esta situação advém do fato do Centro Cirúrgico ser um setor fechado, que
restringe o contato destes profissionais com os demais da Instituição, propiciando a criação de
vínculos afetivos mais estreitos e agradáveis nesse ambiente. Tal fato pode ser evidenciado nos
depoimentos a seguir.
84
“... até porque a gente aqui formou uma família, né... é um setor fechado,
então você cria apego ás pessoas, então é um ambiente que se torna
familiar pra gente.” (Atena)
“... então o ambiente de trabalho, os profissionais que trabalham aqui, eu
gosto muito dessas pessoas né?” (Deméter)
Fernandes, Oliveira e Silva (2006) enfatizam que
Os trabalhadores quando criam relações afetivas entre si, tendem a um intercâmbio mais
equilibrado entre o pensar, o fazer e o sentir. Assim, pensamentos, atividades e
sentimentos funcionam harmonicamente, configurando o bem-estar, a saúde física e
mental e a qualidade de vida do trabalhador (Fernandes, oliveira e Silva, 2006;p.107).
Os autores (op cit) destacam que quando uma cumplicidade harmônica na equipe,
tende a acontecer a redução do estresse, ampliam-se as possibilidades de sucesso, diminuem e/ou
eliminam-se os riscos ocasionados pelas condutas isoladas e descontextualizadas.
As relações satisfatórias entre os membros da equipe de Enfermagem facilitam o
desenrolar do trabalho e amenizam as dificuldades encontradas no dia-a-dia decorrentes da
organização laboral do setor. Estas reflexões podem ser constatadas nos depoimentos a seguir.
“Porque eu me sinto tipo assim é... hoje eu consigo, dentro da minha
equipe, sentir grande carinho por parte de todos, preocupação, sabe...
aquela coisa de me sentir é... parte integrante do grupo né?” (Hera)
“Mas intra equipe de enfermagem acho que flui melhor... a gente não tem
problema... tem problema no dia a dia... mas não é aquele problema de
funcionário “problema” [ênfase]. Tem funcionário problema ... mas não
é grosso. [...]. Nesse ponto a gente ainda é uma elite...” (Afrodite)
Ainda abordando as relações interpessoais, também a interface do Centro Cirúrgico com
os trabalhadores que atuam em outros setores do hospital como: almoxarifado, divisão de
material, unidades de internação, central de material e esterilização, rouparia, farmácia. Esses
relacionamentos são caracterizados como conflituosos, pois, na atual situação, em que a falta de
insumos é generalizada, muitas vezes os profissionais de tais setores, como forma de se
protegerem das cobranças, acabam tornando-se rudes e agressivos, gerando assim conflito e
relações interpessoais desarmônicas, como exemplificados nos seguintes depoimentos:
85
“Liga pra divisão de material... Ah não tem! Não vai chegar não! Liga
pro almoxarifado... Ah, num tem, num vai chegar não e ai vem o num sei
que e num sei que lá!” (Afrodite)
“... o chefe do CAM [Coordenadoria de Assistência Médica] me ligou
e falou que eu estava ...é... boicotando o trabalho no Centro Cirúrgico.”
(Afrodite)
“... e briga com divisão de material porque não tem determinado
material... briga com o almoxarifado e liga pra direção e liga pras
chefias e comunica os problemas de falta de material.” (Gaia)
As relações interpessoais com os médicos de diversas especialidades foram citadas em
todos os depoimentos como conflituosas e causadoras de sofrimento psíquico para os
entrevistados.
Como destaca Foucault (1996), o hospital é um espaço de hegemonia médica, pois no
século XIX, quando o hospital passa a ter um caráter curativo, estes profissionais que atuavam
em sua maioria nas residências dos clientes, se inserem no ambiente hospitalar e se apropriam do
processo de trabalho. Esta hegemonia permanece até os dias de hoje e, no Centro Cirúrgico, esta
realidade não é diferente.
Como constatado por Lisboa (1998) e por Souza (2003), os médicos que realizam
atividades no Centro Cirúrgico não seguem as normas e rotinas do setor, acham que podem tudo,
não são acessíveis ao diálogo e têm dificuldades em trabalhar com a equipe multidisciplinar. Este
tipo de conduta gera conflitos e disputas acirradas de poder, afetando a autonomia dos demais
profissionais.
Essa situação dificulta a relação dos enfermeiros com os trabalhadores da equipe médica, que
em determinados momentos acreditam que são hierarquicamente superiores, portanto querem dar
ordens à equipe de Enfermagem. Além disso, no Centro Cirúrgico existem médicos de diversas
especialidades e cada um acredita que sua especialidade é mais importante, formando-se uma
verdadeira “guerra de egos”, na qual os enfermeiros participam ora como mediadores desses
conflitos inter-equipe médica, ora como depositários das queixas e da prepotência dos “super
ego” da medicina. Tal problemática pode ser evidenciada nos depoimentos a seguir:
86
“Esse centro cirúrgico é tão diferente de todos os que eu passei, não
foram muitos, ma esse aqui você vê... é peculiar, você trabalha com
equipes é... definidas em função de feudos [gripo meu]. Essa sala é da
neuro, essa sala é da ortopedia, aqui é da equipe não sei né... e por
especialidade e é uma coisa assim muita fechada...” (Andrômeda)
Tipo o médico entrou sem verde no Centro Cirúrgico porque ele achou que ele
ia olhar a cirurgia ou então porque ele achou que naquele momento era uma
emergência muito grande a presença, era inevitável a presença dele na sala...
um R1 [residente médico do primeiro ano]. Aí o que acontece... conversei uma
vez, conversei duas, conversei três, não adiantou, fiz um memorando pra minha
chefe né?” (Hera)
... ainda tem a questão das várias equipes que tão dentro... que é
complicado porque cada um ali é Deus né? O anestesista é Deus! O
cirurgião é Deus!” (Afrodite)
Mas não por quê? Porque todos são prioridade! Então você... assim
a relação interpessoal é muito complicada, porque todos se acham
essenciais e fundamentais e urgentíssimos. Todos se acham prioridade...
né...” (Afrodite)
Para os enfermeiros, lidar com essa situação é extremamente desgastante, pois não existem
distinções de uma especialidade para outra. Todas as especialidades cirúrgicas são essenciais para
garantir ou resgatar a saúde daqueles que vão se submeter a uma operação. A preocupação dos
enfermeiros é que o programa operatório seja atendido sem “dar preferência” à determinada
equipe cirúrgica, o que muitas vezes não é entendido pelos médicos. Essa problemática também
foi apreendida durante as observações de campo e expressões com: “a enfermagem
embarrerando o mapa, as minhas cirurgias”, caracteriza-se como um exemplo típico em que os
cirurgiões acham que os enfermeiros privilegiam algumas especialidades cirúrgicas em
detrimento de outras.
Observei uma situação que me chamou atenção. A empresa responsável pela limpeza do setor
estava em greve, o que dificultou a higienização das salas após o término das primeiras cirurgias
eletivas do programa operatório. Dessa forma, médicos de diversas especialidades cirúrgicas
dirigiram-se à enfermeira plantonista para saber quando o próximo cliente iria ser operado.
Diante da resposta da enfermeira de que dependeria da limpeza das salas, estes saíam
descontentes, sendo que um deles disse: “Incrível como vocês fazem de tudo pra atrasar a vida
87
da gente!”. Através desse episódio, pude constatar como este tipo de atitude interfere na
dimensão subjetiva dos enfermeiros. Inclusive, enfatizo que a enfermeira protagonista do relato
anterior, teve que ouvir diversas vezes a mesma pergunta, respondendo da mesma forma e, ainda
sendo acusada de estar dificultando a realização das cirurgias.
Também ficou nítido nesta situação, que os profissionais médicos desconhecem a
organização do trabalho no Centro Cirúrgico e da Instituição como um todo, pois para eles a
prioridade é que as cirurgias eletivas de sua especialidade aconteçam de modo seqüencial e de
preferência sem nenhum problema que possa interferir na suposta seqüência.
“Eles não querem saber que às vezes o pessoal nosso está na sala e são
três horas da tarde e ainda não almoçou. Eles não querem saber! Eles
querem saber que as cirurgias deles têm que ir pra frente e às vezes a
gente tem que peitar esse pessoal se não a coisa não vai.” (Perseu)
“Existe um mal planejamento da chefia do Centro Cirúrgico, isto é, o
mapa cirúrgico daqui não é feito pelos enfermeiros, entendeu? É feito por
um médico, que é o chefe médico... tipo assim, hoje ele botou três
tireóides, sendo que a gente tem uma caixa de tireóide decente e duas
ruins. O cara tem que abrir duas pra poder fazer uma, e a terceira?
você tem que ficar vendo da onde você pode tirar instrumental. Qual é o
instrumental de qual especialidade que você pode abrir pra tentar suprir,
então são coisas que realmente você tem que administrar e nisso você
tem que ser hábil entendeu?” (Hera)
Estas relações conflituosas com os médicos afetam o processo de trabalho do enfermeiro e,
em contrapartida, a sua subjetividade, pois eles percebem seu trabalho como um embate
constante, gerando sofrimento psíquico e interferindo na qualidade da assistência. Ressalto
também que os enfermeiros, em sua grande maioria, se esforçam cotidianamente para que não
ocorram iatrogenias, como é possível verificar nos depoimentos a seguir.
“A equipe cirúrgica, às vezes não entende determinadas situações,
começam a querer te botar na parede... te culpar de uma série de coisas,
já começa a vir o confronto, e aí... a partir do momento que há confronto,
a coisa não vai bem não é? Eu acho que se houve confronto, alguma
coisa em prejuízo vai ficar não é? Ou seja, a estabilidade, ou seja, o
próprio fluxo da cirurgia, o tempo gasto.” (Perseu)
88
É o anestesista que quer entrar na sala com uma outra cirurgia sem que
a anterior tenha saído e sem que a sala seja limpa adequadamente. É o
médico querendo usar o mesmo saco, frasco de aspiração de um pro
outro. É médico querendo operar com o mesmo capote três, quatro
pacientes como agora mesmo eu tive um da oftalmo:”Ah, mas eu sujo
a luva” “Ah! Mas fora eu opero assim!” Lá fora você opera assim, na
minha instituição a norma é para cada paciente um capote. Então, é essa
coisa de você ter um embate, entendeu? Freqüente, você tem que não ter
medo desse embate, porque se tiver não fica aqui [risos]. Porque o dia
inteiro você quebra pedra, entendeu?” (Hera)
“... quando você entra em sala pra ver... fazer supervisão de sala... não
sei que... você tem que... Não dá pra você colocar a luva assim? A
máscara? Em vez de estar em baixo do nariz? Em cima do nariz. Não
senta no chão! Entendeu? Troca o capote de uma cirurgia pra outra!
Quer dizer, em supervisão de sala, você ainda tem que ensinar o óbvio.
Porque, além disso, ainda são estéreis, né? a gente é que não é né?
Então, é o tempo todo brigando pra coisa acontecer certo!” (Afrodite)
Com a análise das entrevistas e as observações, constatei que os enfermeiros apresentam-
se com “elo” de comunicação entre as equipes do Centro Cirúrgico, os demais setores do
hospital e, muitas vezes, entre a equipe multidisciplinar (cirurgiões de diversas
especialidades, anestesistas, técnicos de radiologia, auxiliares e técnicos de Enfermagem),
que atuam no setor. As informações ficam centralizadas no enfermeiro e os demais
profissionais sempre se dirigem a ele para esclarecer dúvidas, obter informações sobre
materiais e/ou clientes. Desta forma, o enfermeiro lida freqüentemente com pessoas com
diferentes personalidades e diferentes formações profissionais e familiares, o que em algumas
situações afeta a sua subjetividade, pois se conflito, se desarmonia, então ele está no
epicentro do fenômeno. Como destacam Fernandes, Oliveira e Silva (2006)
É bem verdade que aparecem grandes divergências em qualquer grupo de pessoas quando elas
trabalham ou quando estudam qualquer assunto. Isto mostra a individualidade e a complexidade de
cada pessoa. Contudo, divergências, quando apontadas e bem conduzidas pelo líder grupal,
poderão contribuir para o crescimento intergrupal de uma maneira considerável. Do contrário,
senão houver boa condução pelo der, os resultados não serão construtivos (FERREIRA,
OLIVEIRA e SILVA, 2006, p. 136).
O trabalho dos enfermeiros nesse Centro Cirúrgico, no qual a organização do trabalho é
permeada de relações de poder extremamente demarcadas, de relacionamentos interpessoais
89
conflituosos e que, um distanciamento grande entre o trabalho prescrito e o trabalho real,
devido principalmente à carência de recursos humanos e insuficiência no quantitativo e
qualitativo de insumos hospitalares, o que conduz esse profissional ao sofrimento psíquico e a
alteração de sua dimensão subjetiva. Esta organização laboral, na forma como está constituída
tem grande potencial para o adoecimento dos enfermeiros, apesar de no material analisado
aparecerem situações de prazer.
90
Trabalho Material e Trabalho Imaterial
Nesta categoria serão discutidos os aspectos relativos ao trabalho dos enfermeiros que
contraditoriamente em alguns momentos é valorizado e reconhecido e em outras circunstâncias,
não há reconhecimento ou visibilidade.
Como infere Dejours (2005), o reconhecimento é uma forma de compensação pela
contribuição do trabalhador à eficácia da organização do trabalho. Desta forma, o trabalhador que
mobiliza sua inteligência e subjetividade em prol da organização do trabalho espera algum tipo
de reconhecimento.
Dejours (2004a, p.73) destaca que o reconhecimento é concedido com base em um
julgamento que pode ser efetuado por chefias, subordinados ou pelos próprios pares. O autor
segue destacando que o julgamento trata
do trabalho realizado e é centrado no fazer e não sobre a pessoa. Mas em contrapartida, o
reconhecimento da qualidade do trabalho realizado pode inscrever-se na esfera da personalidade,
em termos de ganho no registro da identidade. Em outras palavras, a retribuição simbólica
conferida por reconhecimento pode ganhar sentido em relação às expectativas subjetivas e à
realização de si mesmo (DEJOURS, 2004, P.73).
O trabalho reconhecido traz benefícios à subjetividade do sujeito que se sente satisfeito e
realizado com seu trabalho e recompensado por seu esforço. Porém, quando em contrapartida, o
trabalhador não percebe reconhecimento pelo trabalho realizado, inicia-se um ciclo contínuo de
sofrimento capaz de desestruturar a identidade e a personalidade, levando-o à doença mental
(DEJOURS, 2006).
Será reconhecido o trabalho que contribuir de forma satisfatória com a organização do
trabalho vigente. Em nossa sociedade, será reconhecido o trabalho que gera mais-valia para o
Capital, que gera produtos que possam ser consumidos e resultar em lucratividade.
Aproximando estas reflexões à realidade laboral dos enfermeiros do Centro Cirúrgico,
evidenciei que estes realizavam inúmeras atividades fundamentais para a dinâmica do trabalho,
numa organização laboral caracterizada com complexa, confusa, conflituosa e, geralmente, que
não reconhece a qualidade do trabalho desenvolvido.
91
“... que a gente corre atrás de apagar incêndio o tempo todo, um
trabalho não reconhecido. Você aqui no papel de enfermeiro é mais um
na correria, né... perante os outros profissionais você não tem
reconhecimento como você sendo uma pessoa especializada no setor.
(Atena)”.
“Muito estresse, pouco reconhecimento né... (Atena)
“Falta de reconhecimento, falta desse reconhecimento por parte das
outras pessoas, das outras equipes, né? Multiprofissional... é ... que às
vezes boa parte das pessoas não sabem da importância e porque eu
aqui no setor.” (Zeus)
“É frustrante, é frustrante, porque você vê que você ali não tem um papel
importante, entendeu?”. (Andrômeda)
“Meu Deus! Pode contar nos dedos no dia que isso acontece, de um dia
algum profissional chegar pra você... parabéns! Você foi excelente!
[ênfase]” (Perseu)
“E o pouco reconhecimento que a gente tem dos outros profissionais que
aqui trabalham junto com a gente. Não da equipe de enfermagem, mas a
equipe médica né?” (Deméter)
Dejours (2006) concebe que
Os trabalhadores se esforçam por fazer o melhor, pondo nisso muita energia, paixão e
investimento pessoal. É justo que essa contribuição seja reconhecida. Quando ela não é, quando
passa desapercebida em meio á indiferença geral ou é negada pelos outros, isto acarreta um
sofrimento muito perigoso para a saúde mental (DEJOURS, 2006, P. 34).
Esta situação foi denotada nas falas dos enfermeiros, quando estes refletem sobre o pouco
reconhecimento conferido as atividades que desenvolvem, ao esforço e a dedicação dispensada à
dinâmica laboral do Centro Cirúrgico. Es Tal situação leva-nos a crer que são apenas mais um na
escala ou são vistos como máquinas, podendo ser substituídos facilmente sem prejuízo ao
funcionamento do setor.
“que vo foi um número a mais na escala ou um número que é
necessário na escala, mas naquela impotência de que se eu tivesse em
92
casa ou aqui as coisas fluiriam do mesmo jeito, então a minha pessoa não
é tão importante pra, pra o desenvolvimento do setor.” (Andrômeda)
“... vão botar uma velhinha e vai funcionar efetivamente bem entendeu?”
(Afrodite)
Eu me sinto como profissional sub-aproveitado... acho que poderia ser
bem mais aproveitado como profissional, trazer mais benefícios para a
instituição e pro paciente.” (Apolo)
Uma depoente fez comparações do trabalho dos enfermeiros do Centro Cirúrgico com o
trabalho dos bastidores de uma peça de teatro, onde os espectadores vão assistir a encenação
valorizando o desempenho dos atores, mas, por exemplo, não notam o cenário. Esta analogia se
adequa ao trabalho da enfermagem que é essencial, porém não é a atividade fim nesse ambiente
laboral. Por isso, não tem visibilidade, não é valorizado e, portanto, configura a imaterialidade
deste trabalho.
“Porque é um trabalho tão, digamos assim... é uma peça de teatro né,?
Ninguém vai ver quem é... quem fez o cenário, a iluminação, são todas
essenciais, né? Mas a peça são os artistas que tem que fazer, você vai ver
uma peça porque o artista tal é formidável... Você não diz que o cenário
está maravilhoso, que a iluminação está perfeita! Então... eu tenho
essa sensação, que a gente é isso...entendeu? A gente é o cenário que está
ali, a gente é a iluminação, a gente é essencial... mas é um essencial que
passa desapercebido, entendeu?” (Afrodite)
As atividades descritas pelos enfermeiros ao relatarem um dia de trabalho no Centro
Cirúrgico caracterizam-se como primordiais para o sucesso dos procedimentos cirúrgicos. Esses
profissionais providenciam materiais; alocam trabalhadores de enfermagem certos nos lugares
adequados; garantem o prosseguimento do programa operatório. Atividades eminentemente
burocráticas, que passam desapercebidas pelos profissionais que trabalham no setor, pelos
clientes, pelos demais profissionais da instituição, incluindo o próprio coletivo de Enfermagem e
a hierarquia superior. Este trabalho que não aparece, de bastidores, o qual não gera um número a
ser quantificado, um objeto palpável, reforça a questão do trabalho imaterial destes sujeitos.
Os enfermeiros do Centro Cirúrgico realizam inúmeras atividades e, muitas vezes,
absorvem atribuições que não são de suas responsabilidades. Isto ocorre porque os enfermeiros
sentem-se comprometidos com a organização e o processo de trabalho, além do próprio cliente.
93
Mas vivenciar tal situação cotidianamente, de forma ininterrupta, desagrada a esses profissionais,
pois além de gerar uma sobrecarga de trabalho, elevação do ritmo laboral, pode gerar também
conflitos com os demais membros da equipe multidisciplinar, causando repercussões psíquicas
como: estresse, descontentamento, tristeza, angústia, labilidade de humor, entre outros.
E tudo é enfermagem... Quer dizer... a gente parece que fecha a
linha...tudo.. tudo é enfermagem!” (Afrodite)
“Todo um trabalho nosso enquanto é... Na verdade o trabalho é das
supervisoras, do que está acontecendo, entendeu?” (Hera)
“... mas o que aparecer a gente consegue dar um jeito né? Como sempre!
Na maioria das vezes a enfermagem sempre um jeito! E a gente se
acostuma de uma forma tal de dar um jeito, que mesmo quando a coisa
não é de nossa responsabilidade e a gente acaba ficando rotulada como a
categoria que deve fazer tal coisa! E no dia que não der jeito a culpa é
nossa! [ênfase] Mesmo o problema não sendo nosso! [ênfase] (Perseu)”.
“E a enfermagem sempre tem que ser aquela que tem que dar jeito em
tudo né? Quando dá, está tudo bem! No dia que não der ... Pode ter feito
mil! [ênfase] O dia que você faz uma errada, você tá ferrado!” (Perseu)
Na análise destes depoimentos também fica caracterizado o trabalho imaterial do
enfermeiro que dedica muitas horas de sua jornada laboral na resolução de problemas de ordem
burocrática, assumindo funções que não deveriam ser de sua responsabilidade (como o controle
dos conjuntos dos pijamas utilizados no setor). Ele afasta-se do seu objeto de trabalho, o cuidado,
trabalha incansavelmente, mas no final do dia, não lhe é reconhecido o esforço e dedicação, o
pouco consegue dar a visibilidade de suas ações, as quais são essenciais para a dinâmica do
trabalho no Centro Cirúrgico. Ou seja, o que ocorre ao final de uma jornada de trabalho é o
desgaste físico e mental, em contra partida, a “mercadoria produzida” não tem uma forma
objetiva, não é palpável, não tem valor para o Capital. (LAZARATTO e NEGRI, 2001;
ANTUNES, 2006).
O processo de trabalho dos enfermeiros foi definido por Pires (1996) como um processo
que tem como objeto o cuidado e como produto final, a assistência de saúde prestada, a qual é
94
produzida e instantaneamente consumida. Mas no Centro Cirúrgico, uma modificação neste
processo de trabalho, pois ao dedicar-se às atividades burocráticas, o enfermeiro se afasta cada
vez mais de seu objeto de trabalho, o que gera uma perda de identidade profissional e uma
frustração muito grande.
“... Você mal consegue dar conta... no final do dia você exausta, o que
eu fiz? É... como enfermeira líder? O que que eu desenvolvi como
enfermeira líder? Entendeu? diretamente com este doente... quer dizer
indiretamente eu fiz muita coisa mas... e diretamente com esse doente? é
muito frustrante! porque é muito desgastante, e ao final do dia.. assim o
que é que eu fiz?” (Afrodite)
“Ah! É um trabalho em grande parte de cumprimento de rotinas e
algumas vezes pouco contato com o cliente, uma vez que a gente fica
preso a certos cumprimentos de rotina e acaba não tendo espaço às vezes
de ficar diretamente com o paciente, né?” (Apolo)
Apesar dos enfermeiros estarem afastados do cuidado direto, percebo que eles
desenvolvem ações que garantem a assistência, impedem que as cirurgias sejam suspensas, que se
cometam iatrogenias, como impedir que uma cirurgia se desenvolva numa sala que não esteja
devidamente limpa. Considero estas ações como de cuidado indireto. No entanto, os enfermeiros
estão tão imersos numa rotina laboral massacrante, inseridos em uma organização do trabalho
extremamente alienante que nem se dão contam que tais ações também se caracterizam como
cuidado.
“Ah, igual hoje! Tem médico aí que diz: quero operar só de capote... Ah!
É uma coisinha, outra coisinha, não a gente bota capote!... Olha
você não vai entrar de capote. Mas ai vem o professor, o professor
mor e também diz: não mas é uma coisinha...que num sei que...” É
então tudo bem? que eu vou botar no meu livro de ordens e
ocorrências o que está acontecendo e vou escrever no prontuário do
paciente se você insistir, entendeu?” (Hera)
“Numa outra ocasião também nós estávamos com problema de roupa e
tinha algumas cirurgias pra entrar... não dava pra entrar todas, e eu fui
junto com o programa cirúrgico a um profissional da anestesia, o staff do
dia, e cheguei pra ele e falei... Olha só! A gente está com esse problema
assim, assim... Pô! Vamos aqui no mapa ver o que seria prioritário pra
entrar?” (Perseu)
95
“... orientação que você em relação a técnicas, em relação a forma de
tratar o paciente, de colocação na mesa...” (Andromeda)
É mister destacar que este distanciamento do cuidado direto ao cliente não ocorre com os
enfermeiros que atuam na Recuperação Anestésica, pois neste local os enfermeiros prestam
cuidado direto aos clientes em período de pré e pós-operatório.
Este distanciamento do cuidado direto ao cliente, imposto pela organização do trabalho aos
enfermeiros do Centro Cirúrgico, reflete as modificações no mundo do trabalho contemporâneo.
As repercussões do neoliberalismo e de seu modelo organizacional levam a substituição do
trabalho material pelo trabalho imaterial, numa crescente utilização das capacidades cognitivas e
intelectuais em detrimento do trabalho motor. Verifica-se também, que como reflexo desse
modelo produtivo prima-se pela substituição do trabalho manual pelo intelectual. Observa-se
também a questão da polivalência, ou seja, um bom profissional faz tudo, resolve tudo, estando
preparado para as imprevisibilidades e para as altas demandas de trabalho (LAZZARATO e
NEGRI, 2001; ANTUNES, 2006).
ainda o aspecto do suporte emocional dirigido a subjetividade do cliente em situação
cirúrgica, na qual a humanização da assistência é um determinante para assegurar o bem-estar
emocional da clientela. Durante as observações de campo, registrei inúmeras situações que
caracterizaram essa análise, nas quais verifiquei os enfermeiros segurando nas mãos dos clientes,
oferecendo palavras confortadoras, cuidando de mãe que tinham seus filhos em salas de cirurgia,
orientando pacientemente familiares aflitos por notícias dos que estavam operando. Enfim, estas
atividades não têm valor para o Capital, nos moldes neoliberal, caracterizando-se como um
trabalho que não aparece porque não gera produtividade, definitivamente é um trabalho imaterial.
96
Repercussões do trabalho no processo saúde-doença dos enfermeiros.
Esta categoria teve como enfoque as repercussões da organização do trabalho no processo
saúde-doença dos enfermeiros que atuam no Centro Cirúrgico.
Ao questionar os depoentes se eles percebiam alguma alteração em seu corpo após uma
jornada de trabalho, a maioria referiu em primeiro lugar alterações na dimensão emocional e
posteriormente alterações na dimensão física.
A organização laboral no Centro Cirúrgico é bastante complexa, fragmentada, marcada por
conflitos que resultam em sentimentos contraditórios e muitas vezes permeada de sofrimento
psíquico, afetando diretamente a subjetividade dos trabalhadores que atuam neste ambiente.
Como infere Dejours (1992, 2006), não há neutralidade do trabalho diante da saúde
mental. Esta afirmação pôde ser constatada nos depoimentos apresentados a seguir:
“Principalmente mental. Nos dias que tem mais trabalho e que são os
dias mais complicados com muitas cirurgias, com pouca sala, pouco
pessoal, quando a gente chega em casa de noite a gente chega esgotada,
esgotada [enfatizou] mentalmente, nem o físico, não mais o físico, é
claro que o físico também, com o decorrer do tempo o físico...”. (Atena)
“... o mental é imediato, você se esgota fácil, é o problema que você nota
a cada plantão, é o mental”. (Atena)
Percebo. O mental é aquela sensação de impotência de que você apenas
cumpriu com a sua carga horária” (Andrômeda)
“... estresse, estresse mesmo... estresse mental, o desgaste mental é muito
grande! Eu acho até que sobrepõe o físico.” (Afrodite)
“... e é muito desgastante! É muito estressante! Eu, no final do dia, estava
estressada, eu ficava tanto que eu entrei de rias... Elas já estavam
marcadas para outro mês, mas eu tinha que entrar de qualquer jeito!
[risos]” (Afrodite)
97
“Mas acho que mais é o estresse que é o cansaço, vontade de tomar um
banho daqueles, relaxar. A cabeça fica também cheia, você tem vontade,
tem necessidade realmente de fazer um relaxamento, de colocar uma
música e relaxar porque senão não agüenta não!” ( Hera)
“Ah com certeza! A gente sente sim, por exemplo, né? Normalmente em
situações como essa que eu acabei de falar, você se sente tremendamente
estressado [ênfase]” (Perseu)
“Mas é o que eu falei... Eu acho que o cansaço físico não é, não é tanto
pelo esforço que a gente faz, pelo que a gente anda aqui dentro que é
muito grande, a gente anda muito, eu acho que não é só por isso, eu acho
que o desgaste maior é... é... a gente tentar a todo momento vencer estas
dificuldades que a gente ta passando hoje aqui dentro do hospital. Eu
acho que essa é a dificuldade maior né? O estresse, a questão da...da...
gente tentar superar as dificuldades né?” (Deméter)
“... cansativo e estressante, basicamente é mais estressante por causa dos
problemas que surgem... problemas administrativos, que são muitos e
muitas vezes mais estressantes do que o trabalho em si...” (Apolo)
Durante as entrevistas pude observar através das expressões corporais e faciais dos
sujeitos, das linguagens não-verbal e para-verbal, que ao relatarem sobre a interferência do
trabalho em suas dimensões emocionais, estes relatos se caracterizaram como extremamente
sofridos. Pois, registrei momentos de lágrimas nos olhos. Foi preciso interromper entrevistas e
posteriormente retomá-las, uma vez que os depoentes precisavam dar vazão livremente a suas
emoções.
Como os depoimentos apontaram, as manifestações que são primeiramente percebidas
pelos enfermeiros são as que ocorrem em sua dimensão mental, através de desgaste emocional,
estresse, irritabilidade, e estas repercussões, de acordo com os depoimentos precedem as
manifestações na dimensão física.
Em alguns casos, os entrevistados citaram situações que nitidamente lhes causaram
sofrimento psíquico, apesar de não utilizarem termos como sofrimento psíquico, desgaste
emocional. Ficaram claras as manifestações de sofrimento dos enfermeiros em decorrência da
98
organização do trabalho. Como na entrevistas selecionada a seguir, em que os depoentes
emocionaram-se e houve necessidade de encerrar as entrevistas.
“Eles não querem saber... Eles não chegam pra você e falam... Olha só,
como é que voestá ? Podemos fazer isso assim, assim? Pra que se
trabalha em equipe? Isso não acontece. Acontece o seguinte: “Olha!
Vamos ter que puxar a cirurgia tal tal, tal, tal, assim, assim, porque
senão vai ser suspensa!” [ênfase] Então a coisa é jogada pra cima de
você [ênfase], de maneira que você se sinta... Se for suspenso a culpa é
minha, entendeu? Vamos ter que puxar! [ênfase] Mas ninguém
pergunta... às vezes você não tem condições de puxar, porque você não
tem equipe, não tem pessoal pra aquilo não é? E começa o estresse,
começa a pressão!” (Perseu)
“Hoje mesmo teve uma jovenzinha de dezessete anos que amputou a
perna, isso dói muito...” [choro] (Ártemis)
Como destaca Dejours (1992, 1994), a organização do trabalho age sobre a dimensão
psíquica do trabalhador e através de determinados gestos, posturas, pode produzir
manifestações somáticas no corpo do trabalhador como aumento doenças cardiovasculares,
musculares, digestivas. Os depoentes relataram dores em membros inferiores, varizes,
hipertensão arterial, obesidade, alterações posturais como manifestações físicas decorrentes do
trabalho no Centro Cirúrgico.
“... é claro que o físico também, com o decorrer do tempo o físico... eu
penso assim... ah... é... a conseqüência do físico vem ao longo dos anos,
né... vo começa a adquirir problemas posturais, de varizes, porque
anda muito aqui dentro”. (Atena)
“E em lado físico é pressão alta, eu tive, é... ganhei muito peso ali dentro
você num tem um horário certo de... de se alimentar, pra você levar é
difícil, é dificultoso, é ruim, pra você comer a comida dali é aquela
mesma coisa de sempre, que não precisa nem comentar, né? Então, eu
ganhei muito peso sim... Líquido você não consegue beber, porque agora
é que tem uma, um bebedouro com água tratada e tudo, mas logo no
início a gente não tinha nada disso, se bebe muito refrigerante porque é
o, é a opção que se tem e água que é bom a gente quase não ingere”.
(Andrômeda)
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“Apesar de sair daqui satisfeita por ter feito, dado o melhor de mim,
mesmo assim a gente sai muito cansada fisicamente, as pernas doem, é
claro, de tanto andar pra e pra e mentalmente por essa falta de
material”. (Ártemis)
“... porque o físico ali é empurrar maca... que é desgastante pra burro...
quer dizer... no final do dia você tá cansada...” (Afrodite)
“... e as macas são maravilhosas. Você sabe, aquelas macas
maravilhosas [ênfase] pra não dizer ao contrário né? Que não tem um ali
um XW, W-40 né? Sei lá, pra botar e amolecer a roda dura né? Você vai
pra um lado a maca vai pro outro, em termo de desgaste, eu acho que é
mas esse ... entendeu? Assim, na questão da maca ...” (Afrodite)
“... e a gente fica o tempo todo circulando pra e pra cá, né? Quer
dizer... o desgaste das pernas... e o... e o... e a história da maca que a
coluna que vai pro espaço depois de algum tempo né?” (Afrodite)
“Bem, com certeza algumas varizes aparecem, de andar pra e pra cá,
às vezes uma gastritezinha leve aparece...” (Gaia)
“Num preciso nem ser após a jornada do trabalho...[risos]... durante o
trabalho [...] dependendo do nível que a coisa acontecendo, por mais
que eu me mantenha serena entendeu? Tento levar tudo com simpatia,
com bom humor sabe.” (Hera)
“ E isso claro! Isso vai te trazer problema físico! Pode trazer uma
hipertensão.” (Perseu)
O Centro Cirúrgico possui uma planta física composta de um corredor muito longo onde
ficam distribuídas as salas de cirurgia e os enfermeiros realizam vários deslocamentos neste
corredor durante sua jornada de trabalho. Muitas vezes, nestes deslocamentos ocorre um
concomitante deslocamento de peso ao empurrar as macas com os clientes para a recuperação
anestésica ou para as salas de cirurgia, demandando utilização de uma força física acentuada.
100
Estes deslocamentos são constantes e se realizados com posturas inadequadas como destacam
Bulhões (1998) e Farias, Mauro e Zeitoune (2006), podem causar lesões ósteo-musculares e
sérios problemas de coluna vertebral.
De acordo com Bulhões (1998), a posição de tem como aspecto positivo o fato de
existir uma possibilidade de mudança rápida de postura e grande campo de atuação, como
aspecto negativo, há o risco de estase sanguínea das extremidades inferiores.
Desta forma, as dores nos membros inferiores e varizes podem surgir em decorrência do
tempo elevado que os profissionais permanecem de ou circulando pelos corredores. Somado a
isto, existe o fato de poucas cadeiras disponíveis para os enfermeiros do setor sentarem, pois
existem duas cadeiras na área de recepção de pacientes, duas cadeiras na sala da chefia de
enfermagem que nem sempre estão disponíveis, pois este espaço é muitas vezes destinado à
realização de reuniões, na recuperação anestésica existem três cadeiras e dois bancos de ferro
extremamente altos.
Como o ritmo de trabalho é acelerado, a ingestão de líquidos e a alimentação muitas vezes
são negligenciadas. Bulhões (1998) enfatiza que há necessidade do trabalhador alimentar-se
adequadamente em horários e locais adequados. Porém, o contexto estudado, por se tratar de um
setor fechado, as refeições são realizadas num curto espaço de tempo, no próprio setor, fornecidas
por uma firma terceirizada através de “quentinhas”, sendo que o cardápio não é muito variado e o
próprio aspecto das refeições não é atrativo. Tal situação leva os enfermeiros a se alimentarem
inadequadamente.
Durante minha observação no setor, presenciei um curioso debate sobre qual o sabor de
determinado salgado servido em forma de “bolinho”. Os profissionais que almoçavam num
pequeno grupo, incluindo residentes de enfermagem e medicina, auxiliares e técnicos de
enfermagem estavam mobilizados em descobrir qual a matéria prima do referido alimento e, até o
momento que deixei o recinto, ainda não haviam chegado a um consenso. Esse fato caracteriza a
baixa qualidade das refeições ofertadas aos trabalhadores no Centro Cirúrgico.
O grande volume de trabalho, somado ao ritmo intenso causam uma sobrecarga de
trabalho para os enfermeiros, pois o enfermeiro é visto pelos outros profissionais como o
responsável pelo funcionamento adequado do Centro Cirúrgico. Esta sobrecarga de atividades
provoca desgaste físico e mental aos trabalhadores. Porém, como os próprios entrevistados
relataram, a carga psíquica do trabalho sobrepõe a carga física.
101
Dejours (1992, p. 57) assevera que “de uma desarmonia entre o conteúdo ergonômico do
trabalho (exigências físicas, químicas, biológicas) e a estrutura da personalidade pode emergir
uma insatisfação e, correlativamente um sofrimento que são de natureza mental e não física”.
E o autor (op cit, 1994, p. 31) ainda infere que um trabalho intelectual, no caso dos
enfermeiros do Centro Cirúrgico, traduzido como trabalho burocrático, de planejamento, pode se
revelar de maior carga psíquica do que um trabalho manual. Desta forma, a solução apontada
pelo autor seria uma flexibilização da organização do trabalho para diminuir a carga psíquica
gerando prazer no trabalho.
Os entrevistados destacaram em suas falas que a organização do trabalho no Centro
Cirúrgico gera manifestações psíquicas tão demarcadas que mesmo ao final da jornada de
trabalho, ao deixarem o setor, as preocupações, aborrecimentos o acompanham.
“... as pessoas acham que você tem que resolver pronto e acabou... que
você não tem nenhum problema a não ser resolver aquele, que você não
tem nada da sua vida particular...” (Atena)
“Quando você chega em casa tem uma outra jornada que é a sua
doméstica né... mas que você tão cansada que você deixa a desejar as
coisas que você gostaria de realizar... então lazer, lazer [ênfase], você
praticamente não tem, o horário num, num te disponibiliza, finais de
semana você tem as coisas da casa pra fazer então cinema, teatro, bate-
papo, visitas, isso daí é praticamente impossível, praia nem se fala...”
(Andrômeda)
“... que tipo assim eu chego em casa às vezes eu não consigo ter forças
nem pra conversar com a minha família, tamanho o desgaste corporal,
entendeu?” (Hera)
“... você tem vontade, tem necessidade realmente de fazer um
relaxamento, de colocar uma música e relaxar porque senão não agüenta
não!” (Gaia)
“Tem que ter uma válvula de escape e a minha é fazer trabalho manual,
fazer alguma coisa que não seja Centro Cirúrgico, eu estudo coisas que
não são Centro Cirúrgico, e leio coisas que não são Centro Cirúrgico e
eu brinco, eu pinto, eu faço trabalhos manuais, ta? Relaxar!” (Gaia)
102
“Ah, eu me sinto bastante cansada! Eu chego em casa muito cansada
realmente.”(Deméter)
Estes depoimentos contradizem uma ideologia reproduzida na Enfermagem, que é
apreendida desde a graduação, de que ao entrar no trabalho o profissional deve deixar sua vida
pessoal do lado de fora do hospital e ao encerrar a jornada, as preocupações, estresses
provenientes do trabalho devem ser deixadas no hospital. Esta concepção é, no mínimo insólita,
como se fosse possível realizar esta separação de trabalho / vida pessoal tão facilmente. Como
infere Dejours (1992, p.46), “o homem que é condicionado ao comportamento produtivo da
organização do trabalho, fora desta, conserva a mesma pele, a mesma cabeça”.
O que ocorre de fato é que as repercussões negativas na dimensão subjetiva dos
trabalhadores não ficam restritas ao ambiente de trabalho. Os enfermeiros não deixam os
problemas do trabalho no vestiário do Centro Cirúrgico, mas carregam consigo os problemas e
preocupações decorrentes do mundo do trabalho, resultando no que infere Dejours (1992, p.46 ):
“contaminação do trabalho no tempo de lazer”.
Dejours (1992, p.45) assevera que poucos são os trabalhadores que podem organizar o
lazer de acordo com seus desejos e suas necessidades, levando em conta o custo financeiro das
atividades fora do trabalho, o tempo absorvido por atividades como deslocamentos, tarefas
domésticas. É muito difícil a utilização deste tempo fora do trabalho de forma harmoniosa para
contrabalançar os efeitos nocivos da organização do trabalho.
Por ser uma profissão eminentemente feminina, o que ocorre muitas vezes, é que o tempo
fora do trabalho é dedicado às atividades domésticas, atenção aos familiares, educação dos filhos,
caracterizando uma dupla ou tripla jornada de trabalho.
“... até também porque quando chega em casa tem uma criança pequena
pra cuidar, tem “n” coisas, tenho “n” coisas pra fazer. [risos]
(Cassiopéia)
“... brincar com seu filho, com a sua filha, entendeu? Às vezes eu chego
em casa super cansada, tomo um banho e falo assim pra ela,
preciso de um tempo pro banho tá? Depois a gente brinca. E às vezes eu
vou até dez, onze horas da noite brincando, quer dizer, mas o cansaço
baixa.” (Cassiopéia)
O hospital ainda se apresenta como um espaço de hegemonia médica, o trabalho da enfermagem
permanece ainda como coadjuvante, pois trata-se de uma profissão de gênero feminino que tem
103
como características reforçadas: meiguice, passividade, devoção e amor ao próximo que são
encaradas como qualidades da mulher e mãe de família. (Oliveira e Scavone, 1997).
Assim, o trabalho de Enfermagem nada mais seria do que um prolongamento das atividades
do lar, com responsabilidades junto aos membros da família, cuidar da casa, organizar o
ambiente doméstico, enfim, tudo o que envolve o bom andamento da casa e da família é
responsabilidade da mulher (Lopes, 1996, Lisboa, 1998, Waldow, 1999).
Desta forma, o que ocorre é que geralmente as trabalhadoras possuem duplo ou triplo
vínculo de trabalho e ainda acumulam as tarefas relacionadas ao lar e aos cuidados com a família.
A dupla ou tripla jornada não é uma opção dos trabalhadores, mas sim um reflexo da
precarização e degradação das condições de trabalho em nossa sociedade, e apresenta-se como
uma alternativa de garantir uma remuneração que garanta a sobrevivência (Araújo et al, 2004).
A dupla e às vezes tripla jornada de trabalho realizada pela mulher tem repercussões sobre
seu corpo, pois como atesta Avedaño (1997) esta é uma das condições que degrada a saúde das
trabalhadoras.
São necessárias reflexões sobre como o trabalho em uma organização do trabalho, as
condições de trabalho desfavoráveis afetam diretamente a dimensão psíquica dos trabalhadores
de Enfermagem, de ambos os sexos, causando os mais diversos sentimentos dialéticos em relação
ao trabalho que realizam.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desenvolver este estudo, no qual evidenciei a percepção dos enfermeiros sobre a organização
do trabalho no Centro Cirúrgico foi bastante gratificante, embora apreender as contradições
relativas ao sofrimento e prazer que surgem dialeticamente do cotidiano de trabalho destes
profissionais não foi tarefa fácil. Ao realizar as entrevistas e inserir-me no contexto estudado,
verifiquei que emergiram sentimentos de angústia, apreensão, desgaste, porém em contrapartida
surgiram sentimentos de satisfação, recompensa, tornando esta vivência muito significativa,
marcante e importante tanto em nível profissional quanto pessoal.
O estudo evidenciou que o sofrimento e o prazer dos enfermeiros em relação ao trabalho
encontram-se dialeticamente imbricados. Inúmeras situações se inscrevem no âmbito do
sofrimento psíquico e algumas remetem a experiências de prazer no e pelo trabalho, mas os dois
sentimentos parecem caminhar juntos, um se sobrepondo ao outro numa relação dinâmica e
dialética, em que a emergência de um sentimento ou de outro está na dependência dos elementos
do processo de trabalho, das características da organização laboral e da subjetividade dos
profissionais.
O sofrimento foi evidenciado quando os entrevistados se referiram às dificuldades
encontradas para realizar suas atividades laborais no Centro Cirúrgico, devido ao quantitativo de
pessoal insuficiente, falta de materiais e equipamentos, que muitas vezes leva os profissionais a
improvisar, instituindo uma prática de “quebra-galho”, a qual evidencia um afastamento marcante
entre o trabalho prescrito e o trabalho real.
Também foram apontadas como fatores desencadeantes de sofrimento pelos enfermeiros, as
relações conflituosas com os profissionais da equipe multidisciplinar, sobretudo os médicos,
muitas vezes gerando disputas de poder originando estresse e desgaste emocional, repercutindo
diretamente na dimensão subjetivas dos enfermeiros.
Aliados às condições descritas acima, o relacionamento com os setores com os quais o Centro
Cirúrgico possui interface tais como almoxarifado, farmácia, central de material e esterilização,
foi citado como conflituoso e desgastante pelos participantes do estudo.
Outro fator de sofrimento psíquico foi a falta de reconhecimento pelo trabalho
desenvolvido, no qual os enfermeiros alegam que o esforço, compromisso, responsabilidade e
105
envolvimento com a assistência não são valorizados. Esse conjunto de adjetivos para descrever o
trabalho cotidiano do enfermeiro situa-se na esfera do trabalho imaterial, trabalho esse subjetivo e
que não é privilegiado pelo Capital e, portanto, pela organização do trabalho. E outro
desdobramento dessa situação é que os enfermeiros apresentam a sensação de que seu trabalho
não é tão importante para o setor e para a instituição, criando uma sensação de que não farão falta
ao setor ou que são facilmente substituíveis como peças desgastadas ou quebradas de uma grande
engrenagem.
Considero relevante destacar que a valorização dos enfermeiros no Centro Cirúrgico por
parte da Coordenadoria de Enfermagem e dos gestores do hospital é primordial para fortalecer a
identidade destes profissionais como trabalhadores, para que estes se sintam parte de uma equipe,
e inseridos numa instituição que considera o seu trabalho importante para alcançar sua missão.
Pois como destaca Dejours (1999) os trabalhadores quando realizam suas atividades laborais
buscam o reconhecimentos por parte de seus pares.
Em contrapartida às experiências de sofrimento captadas nas entrevistas, emergiram as
manifestações de prazer que foram caracterizadas pelos enfermeiros como: gostar da profissão
pela questão do cuidado ao ser humano, sentir-se bem e útil por poder ajudar o próximo, sensação
de dever cumprido para consigo e para com a profissão.
As relações interpessoais dos enfermeiros com os profissionais da equipe de enfermagem
foram referenciadas como harmônicas e de cumplicidade, o que contribui para um melhor
desenrolar do processo de trabalho e, por isso, evidenciam-se como fonte de prazer.
Desta forma, foi constatado que embora o trabalho dos enfermeiros no Centro Cirúrgico
seja permeado de fatores que causam sofrimento, ansiedade e estresse, há também os sentimentos
positivos que despertam sentimentos que motivam estes trabalhadores a permanecerem nesta
organização laboral que muitas vezes se apresenta hostil.
Os resultados também evidenciaram que os enfermeiros sentem que absorvem atribuições
e papéis de outros profissionais, aumentando a carga de trabalho física e psíquica, causando
repercussões subjetivas e aumento do cansaço físico para estes trabalhadores. Uma maior
aproximação entre trabalho prescrito e trabalho real deve ser empreendida através de algumas
ações: o estabelecimento de um modelo assistencial para especificar as atividades dos
enfermeiros no Centro Cirúrgico, inclusive para conhecimento dos profissionais da própria
equipe de Enfermagem e da equipe multidisciplinar do Hospital Universitário Pedro Ernesto; o
106
oferecimento de uma infra-estrutura de trabalho que ofereça insumos hospitalares em quantidade
e qualidade adequadas; e um quantitativo de trabalhadores de enfermagem compatível e
capacitado com as características laborais do Centro Cirúrgico, com o ritmo de trabalho e com o
volume de atividades demandadas nesse cenário.
Outro aspecto importante destacado pelos entrevistados referente à forma como o trabalho
está organizado no Centro Cirúrgico, foi em relação às repercussões do trabalho na dimensão
subjetiva dos enfermeiros que se sobrepõem às repercussões na dimensão física. Os enfermeiros
evidenciaram que o cansaço mental após uma jornada de trabalho é latente, trazendo muitas vezes
repercussões em sua vida fora do trabalho, como a convivência com os familiares e o pouco
tempo disponível para o lazer, caracterizando o que Dejours (1992) chama de contaminação do
tempo de lazer pelo trabalho.
Como repercussões na dimensão física foram captados problemas posturais, de varizes, de
dores nas pernas, hipertensão, além de dificuldades para alimentar-se e ingerir líquidos. Algumas
medidas como acompanhamento nutricional e atividades como ginástica laboral minimizariam
estes problemas. Novos estudos acerca dos sintomas físicos com o intuito de reduzir e prevenir
riscos decorrentes da organização do trabalho no Centro Cirúrgico devem ser realizados.
Os resultados apontados suscitaram reflexões sobre como minimizar os sentimentos
negativos decorrentes da organização do trabalho que está instituída no Centro Cirúrgico, de
modo a criar um ambiente não tão prejudicial à subjetividade dos trabalhadores que ali atuam.
Embora modificar uma realidade tão complexa não seja tarefa fácil, mas contando com o amor à
profissão, dedicação e prazer de poder fazer algo pelo próximo que foram revelados nos
depoimentos, caracteriza-se como o estopim para mudanças a favor de melhores condições de
trabalho.
As discussões e debates com o coletivo da enfermagem sobre os aspectos relativos à
saúde dos trabalhadores devem ser promovidos, com o intuito de construir coletivamente um
cenário de trabalho mais prazeroso, trazendo benefícios para a vida profissional e pessoal dos
enfermeiros.
Após este percurso, considero que os objetivos foram atingidos e as questões norteadoras
foram respondidas, porém surgem diversas outras perguntas a serem respondidas, possibilitando
novas investigações acerca desta temática, como por exemplo: diante das percepções apontadas
pelos enfermeiros em relação à organização do trabalho na qual estão inseridos, quais fatores
107
influenciam estes profissionais à permanecerem num ambiente que causa repercussões psíquicas
tão demarcadas e latentes? Assim, penso que novas pesquisas devem ser elaboradas no intuito de
produzir conhecimento na área da saúde do trabalhador, contribuir para fazer massa crítica na
Enfermagem e dessa forma, melhorar as condições de trabalho dessa equipe de saúde.
108
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Relação Trabalho de Enfermagem e Saúde do Trabalhador. Revista Brasileira de Enfermagem,
Brasília, v.51, n . 4, p.603-614, outubro/dezembro, 1998.
SOUZA, M. Controle de Riscos nos Serviços de Saúde. Acta Paulista de Enfermagem, São
Paulo, v. 13, número especial, Parte I, p. 197-202, 2000.
SOUZA, N. V. D. O. A imagem e o Significado da Assistência de Enfermagem: Representações
de Enfermeiras sobre o Cliente com Problemas Urológicos. 1995. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem)- Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro.
SOUZA, N. V. D. O. Dimensão Subjetiva das Enfermeiras Frente à Organização e ao
Processo de Trabalho em um Hospital universitário. 2003. Tese (Doutorado em
Enfermagem) Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro.
117
TRIVIÑOS, Introdução á Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1987, 175 p.
WALDOW, V.R.A. A opressão na enfermagem: um estudo exploratório. In: LOPES, M. J. M;
MEYER, D. E; WALOW, V. R. (orgs). Gênero & Saúde. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
Cap 08.
118
APÊNDICES
119
APÊNCICE A
Este instrumento destina-se a coletar das da pesquisa intitulada “A Percepção dos
Enfermeiros Sobre a Organização do Trabalho no Centro Cirúrgico de um Hospital
Universitário”, que tem como objetivos: descrever a organização do trabalho do Centro Cirúrgico
do Hospital Universitário Pedro Ernesto e analisar a organização do trabalho no Centro Cirúrgico
e seus desdobramentos para o processo saúde-doença dos enfermeiros. As informações serão
gravadas em fitas magnéticas para posterior transcrição.
ROTEIRO DE ENTREVISTA
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Sexo:
Local e data de graduação:
Cursos de Especialização:
Tempo em que atua no Centro Cirúrgico:
1. Descreva um dia de trabalho seu no Centro Cirúrgico.
2. Quais sentimentos emergem ao pensar em seu cotidiano de trabalho?
3. Você percebe alguma alteração no seu corpo (físico e mental) após jornada de trabalho no
Centro Cirúrgico?
120
APÊNDICE B
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado (a) Sr. (a),
Eu, Elaine Diana Kreischer, aluna do Programa de Mestrado da Faculdade de Enfermagem da
UERJ, solicito por meio deste a sua colaboração em participar da pesquisa que estou realizando sobre a
Percepção dos Enfermeiros acerca da Organização do Trabalho no Centro Cirúrgico, que tem como
objetivos: descrever a organização do trabalho do centro cirúrgico do Hospital Universitário Pedro
Ernesto; e analisar a organização do trabalho no centro cirúrgico e seus desdobramentos para o processo
saúde-doença dos enfermeiros. Aceitando, Vª Sª. permitirá que eu observe o seu cotidiano de trabalho e
também participará de uma entrevista gravada e, portanto, necessito de vossa autorização para realizá-la.
Ressaltamos que Sª. tem o direito a esclarecimentos sobre dúvidas que surjam e , para isto,
deve dirigir-se a Coordenação de Pós Graduação da Faculdade de Enfermagem da UERJ na AV.
Boulevard 28 de Setembro n° 157- 7º andar- Vila Isabel. A qualquer momento pode recusar-se ou
interromper sua participação sem que isto lhe traga qualquer prejuízo. Garantimos o sigilo sobre todas as
suas informações e que seu anonimato será preservado.
Por fim, esclarecemos que suas informações serão utilizadas apenas para a realização deste estudo
que tem como orientadora a Profª Drª Norma Valéria Dantas de Oliveira Souza.
Termo de Consentimento
Decalro que entendi as informações contidas neste Termo de Consentimento e concordo em
participar da pesquisa.
Rio de Janeiro: ____ / ____ / ______ _________________________________________
Nome do Participante
Rio de Janeiro: ____ / ____/ ______ _________________________________________
Assinatura do Pesquisador
121
ANEXOS
122
ANEXO A
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