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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
A PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NO
SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO
(GATT/OMC-1947/2001)
Sérgio Gil Marques dos Santos
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, do
Departamento de Ciência Política da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo,
para obtenção do título de Doutor em
Ciência Política
.
Orientadora: Profª. Dra. Elizabeth Balbachevsky
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São Paulo
2005
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
A PARTICIPAÇAO DOS PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO NO SISTEMA
MULTILATERAL DE COMÉRCIO
(GATT/OMC-1947/2001)
Sérgio Gil Marques dos Santos
São Paulo
2005
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A meus gatos
Bimbo, Duquesa e Pérola,
in memoriam
Vitória, Valentim, Natascha,
Theodoro, Antonietta,
Joaquim Nicolau, Ludoviko e
Leopoldo
A Afonso Carlos Marques dos Santos e Rose Rondelli,
Amigos que se foram,
restando o enorme afeto que se encerra em meu peito
3
AGRADECIMENTOS
Tese terminada, é hora da prestação de contas, não aquela de bolsas – que não
tive – mas outra, bem mais agradável de se efetuar, a de agradecer aos inúmeros
amigos que, durante o tempo do Doutorado e da elaboração desse trabalho, deram-me
apoio, solidariedade, companhia, amizade, afeto, muitas vezes pela presença constante
e cativa, algumas vezes pela conveniente ausência. E em cinco anos de residência
nessa cidade, vindo do Rio de Janeiro sem conhecer a quase ninguém, são muitas as
pessoas a quem devo o reconhecimento de ter tido a colaboração ou terem me
propiciado condições para que eu pudesse chegar até ao final dessa senda.
A Elizabeth Balbachevsky, seria pouco dizer que é apenas orientadora, amiga,
com a palavra certa e precisa no momento necessário, sem mais, por desnecessário.
Eu sequer a conhecia, quando, imbuído de ousadia e desfaçatez, enviei-lhe uma
mensagem cujo assunto era: Proposta de Doutorado. Arrisquei, pois o máximo que ela
poderia dizer era: – Que carioca abusado! Ela abriu a mensagem e, no dia seguinte,
respondeu-me convidando-me a encontrá-la em São Paulo. Vim, conversamos, a
proposta era sobre ciência e tecnologia, fui mudando, mudando, e ela sempre
apoiando, apondo arestas, corrigindo, sugerindo, melhor não poderia ter sido. Esse é
seu estilo, respeitoso, cuidadoso, afetuoso e eu só posso dizer que tive muita sorte em
conhecê-la e com ela conviver.
A José Augusto Guilhon Albuquerque, cuja liderança intelectual formou a muitos
de nós, internacionalistas, por sua acuidade, brilhantismo e pela capacidade de acolher
e agregar, sem discriminar, a todos que o procuram, tolerante com os erros dos
inocentes, implacável com a presunção dos arrogantes, sem deixar de exigir
compromisso e competência, respeitando e estimulando o núcleo de privilegiados que
com ele convivem.
4
A Henrique Altemani de Oliveira, que me ofereceu oportunidade ímpar ao me
convidar para lecionar nas Faculdades Integradas Rio Branco, quando Coordenador do
Curso de Relações Internacionais, confiando na minha capacidade, abrindo
perspectivas profissionais e pessoais inimagináveis. Parte do rumo que esta tese
tomou derivou de suas sugestões quando integrante da banca de qualificação, tornando
a tarefa de elaborá-la bem mais desafiadora.
A Denilde Holzhacker, amiga desde o primeiro momento da vinda a São Paulo,
primeira companheira no Núcleo de Relações Internacionais da USP, ao partilharmos a
mesma mesa quando do exame de idiomas para a seleção ao Doutorado e, daí não
mais nos largarmos, começando a lecionar juntos e seguindo a mesma trajetória, lado a
lado, todo o tempo, nos melhores e piores momentos, e, junto com Daniel Holzhacker,
seu marido e, também meu amigo, dividimos a mesa, o bom vinho, o amor pelos gatos,
formando a constelação dos librianos.
Todas as pessoas citadas acima integram o Núcleo de Pesquisa em Relações
Internacionais da Universidade de São Paulo (NUPRI), espaço construído pelo
Professor Guilhon Albuquerque, que se tornou a grande referência acadêmica em
relações internacionais, onde me inserí e encontrei o ambiente propício para ampliar
conhecimentos. E lá, outros amigos fiz, compartilhando momentos de aprendizado, de
amizade, de brincadeiras, de debates, de estudos, de pesquisa. Assim, lá conhecí
Bruno Ayllón, grande amigo, carinhoso, mas de humor tão cáustico que nos diverte a
valer, além do seu amor crítico e incondicional pelo Brasil. Também no NUPRI, a
amizade veio em forma de Jaciara Ferreira Bento e Silva, outra grande companheira
dos primeiros momentos de São Paulo, com seu marido Edmar. E mais Elizabeth
Pedrosa e Alejandro, Newton Hirata, Silvana Braz e Marcelo, Flávio Antonio, Juca
Niemeyer e Lu.
5
Aos professores do Curso de Pós-Graduação em Ciência Política da USP e, em
especial, ao falecido Professor Braz Araújo, em cuja disciplina pude aprofundar
conhecimentos de teoria de relações internacionais, úteis a essa tese, como pude,
igualmente, conviver com um grande mestre.
Aos Professores Luiz Olavo Baptista e Newton Silveira, do Curso de Pós-
Graduação em Direito da USP, do Largo de São Francisco, que me receberam em suas
disciplinas sem qualquer diferenciação e que muito me ensinaram sobre o objeto desta
tese.
A Professora Vera Thorstensen que, com sua incansável peregrinação, muito me
fez aprender e incutir a paixão por meu objeto de pesquisa, a Organização Mundial do
Comércio.
A Secretaria da Pós-Graduação em Ciência Política, na pessoa desse ser
afetuoso, sempre com a palavra amiga nas horas difíceis e com o sorriso estampado ao
nos receber, a nossa Rai, pois sem ela nosso caminho seria muito mais árduo.
A Maria Luci Buff Migliori, a fada madrinha que me fez reviver a paixão de
ensinar, ao insistir para voltar a lecionar, nas Faculdades Tancredo Neves, no Curso de
Relações Internacionais, quando Coordenadora, abrindo caminhos para outras
experiências na área.
A Rodrigo Cintra, por sugestões, indicações para este trabalho e pela amizade
que nos cerca, mesmo quando distantes.
A Ângela Tsatlogiannis, minha amiga do coração, companheira das orgias
gastronômicas.
A Gunther Rudzit, pelo apoio, pela amizade e pela confiança.
6
A André Borini Ferreira Dias, que tem o dom de me aceitar a fazer tudo o que
digo que não vou fazer, pois acaba sempre vencendo com seu sorriso iluminado.
A Ludmila Trombetta, amiga de todos os momentos e de todas as horas, sempre
disposta a ajudar, incapaz de dizer não e, graças a isso, muito pude adiantar desse
trabalho. E, ainda, dividimos “o nosso filho Freddy”, o cão maltês mais simpático do eixo
Ribeirão Preto-São Paulo.
A Dimas Melo, pelo afeto, pela confiança e pela lealdade à nossa amizade.
A Regiane Bressan, com sua beleza fulgurante, pela gentileza, pelo carinho e por
sua devoção aos animais.
A Juliana Costa, pela presença constante que, com carinho e doçura, tornou-se
amiga do peito.
A Pamela Veneri, corajosa, forte, doce, sorridente, amiga sempre.
A Lívia Rebechi, meiga, perseverante, sempre com uma palavra de gentileza e
conforto no momento que se precisa.
A Gabriela Giacomin, inquieta, persistente, sagaz, destemida, e plena de ternura.
A Carla Fornari, tão apaixonada pelos gatos como eu, franca, honesta e
adorável.
A Caio Fornari, lutador apaixonado, vibrante e com grande coração.
A Bruno Garms, destemido a enfrentar as ondas da vida.
7
A Diogo Sales, corajoso, ousado, honesto, meu grande amigo.
A Renato Pereira, pela força, pelo afeto, pelo companheirismo.
A meus ex-alunos do Curso de Relações Internacionais das Faculdades
Tancredo Neves, em especial à minha primeira orientanda de Monografia Fabianne
Ykemoto, pela manutenção da nossa amizade.
A meus alunos ainda em curso de Relações Internacionais das Faculdades Rio
Branco e também amigos, meu obrigado pelo afeto constante, pela amizade, pelo
companheirismo, pelas baladas, pela alegria e pela felicidade de participar do presente
e do futuro de todos, em especial Rogério Barrios, Paola Prado, Mariana Mabi Mian,
Nathalia Britto, Lessandra Tonin, Claudia Campos, Camila Berger, Marcella Florêncio,
Marcone Souza, Ariane Cason, Juliana Carvalhal, Daniela Teixeira, Isys Israel, Renata
Fonseca, João Luiz Franco Carneiro, Nayara de Campos, Mônica Buava, Thaiza
Giacomelli, Jorge Ferreira dos Santos Filho, Guilherme Peres, Rudiger Peres, Ana
Assis, Carla Silotto, Roberta Soeiro, Gabriela Felippe, Itaci Marques, Andréa Bischoff,
Adriana de Oliveira Maria, Luis Maluf, Luiz Mochiatti, Lorenzo Madrid, Bruno Rossi,
Rutembergue Fonseca, Caio Nahas, Marcelo Gonçalves, Adriana Benatti, Natália
Fróes, Paula Martins de Sousa, Aline Pimenta, João Lindenberg, Juliana Palhares,
Djoice Bastos, Miguel Augusto, Heloisa Rocha, Guilherme Romão, Clara Miranda,
Rodolfo Nishimura, Fabiana Aragão Campos.
À turma de formandos de 2005 do Curso de Relações Internacionais das
Faculdades Rio Branco em especial: Roberta Dohani – a baixinha mais adorável,
grande batalhadora, forte como uma montanha e de alegria insuperável; Nancy Ueda,
absolutamente brilhante, arguta e gentil; Paula Meyer, irrequieta, curiosa e grande
companheira de baladas. E mais, Camila Olivatto, Glauber Jorge, Rodrigo Sanchez,
Audrey Banks, Amanda Seabra.
8
Aos alunos do Curso de Diplomacia e Relações Internacionais da Universidade
São Marcos, pela alegria contagiante e pelo afeto constante, citando Thais Medeiros
Cruz, Tiago Guabiraba, Stefani Braga, Clarissa Barbosa, Mari Maruyama, Lara Salviati
Debeus, Anderson Bergerhoff, Claudia Nogueira, Charlys Albuquerque, Gabriela
Ladeira, Guilherme Fonseca, Nadia Petean e lembrando de Rogério Monteiro, André
Matos e Carolina Ferme.
Aos alunos do Curso de Relações Internacionais da FAAP, em especial à minha
orientanda Fabiola Nesi, aos formandos da turma do 2º semestre de 2005, a meus
orientandos Thais Fernandes, Fernanda Sales e Bruno Senatro, por aguardarem a
conclusão deste trabalho, e a meus alunos do 5º período de 2005, em especial José
Antônio de Almeida Castro – que me deu muita força e pensamento positivo para
concluir essa tese – e, mais, Eduardo Gradiz, Bruno Lourenção, Guilherme Cataneo,
Maria Carolina Rollo Pontes, Rafael Bock, Nicolas Tommasino, Renan Abi Chedid e
Gisele Novoas. E a meus orientandos do Fórum FAAP pela paciência de compreender
minha situação, Paulo Caselato e Luis Gonçales Dora, além de Maria Carolina Rollo
Pontes.
A Rafael Felipe Fontes, amigo virtual até o momento de terminar essa tese, que,
junto com Lessandra Tonin, foram meus companheiros a aplacar a solidão dos
momentos finais de elaboração desse trabalho, via MSN, cuidando, zelando, afagando
e estimulando.
A Chico Supino, pela atenção nas horas do desespero cada vez que o
computador tinha uma pane, por ser o maior admirador do feijão caseiro feito por mim,
e mais, por ser amigo sempre presente a hora.
A Geraldo Coutinho, que me conduz com segurança, atenção e amizade.
A Terezinha Cardoso e Kátia Evangelista, pelos cuidados do meu lar.
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A meus pais afetivos Eneida e Luiz Vasconcelos e à minha amada irmã Helena,
com muitas saudades.
Aos amigos cariocas que não me esqueceram, Márcia Amaral, Maria Helena
Cabral de Almeida Cardoso, Sonia Silva, Ana Lúcia Carvalho de Oliveira, Cibele Verani,
Marli Ganime, Marília Bandeira, Edi e Carlos Chagas, Simone Monteiro, Beatriz Lenz e
Mônica Levy.
À Fundação Oswaldo Cruz, na pessoa de seu Presidente Paulo Buss, por ter me
proporcionado meios de cursar o Doutorado e desenvolver esse trabalho. E ao pessoal
da Secretaria do Gabinete da Presidência, pelo apoio constante.
E, por fim, à cidade de São Paulo que, mesmo sem estátua, me recebeu de
braços abertos e me ofereceu tantas oportunidades.
10
RESUMO
Esta presente tese atém-se ao tema do sistema comercial multilateral, materializado
sucessivamente na proposta da Organização Internacional do Comércio (OIC), no Acordo Geral
de Tarifas e Comércio (GATT) e na Organização Mundial do Comércio (OMC). Toma como
objeto de análise a atuação dos países em desenvolvimento, em seu âmbito, empreendendo
uma retrospectiva histórica, com o objetivo de compreender como esses países conseguiram
fazer valer seus interesses, ou não, em um ambiente que não foi por eles criado. Para atingir o
objetivo proposto, empreende a reconstituição da trajetória dos países em desenvolvimento
desde a construção e abortamento da OIC, por um lado, e da estruturação – que seria
provisória – e da consolidação do GATT e, posteriormente da OMC, até ao lançamento da
Rodada Doha de Negociações Multilaterais ou Agenda de Doha para o Desenvolvimento, pelo
exame da conformação de suas coalizões no cenário multilateral, visando a arrancar
concessões do bloco dos países desenvolvidos. A questão principal que se coloca nesse
trabalho consiste em discernir sobre a quais estratégias os países em desenvolvimento
recorreram, visando a minimizar os impactos causados por regras que, em muitas vezes, não
iam ao encontro de seus interesses e necessidades. Ou, em termos gerais, como países não-
dominantes no cenário internacional conseguiram mobilizar outros atores e formar alianças, no
âmbito de negociações multilaterais comerciais? Ainda, resgata a articulação desses países e
suas propostas alternativas ao GATT no âmbito do cenário econômico multilateral, por meio da
formação do Movimento dos Não Alinhados, do Grupo dos 77 e elaboração da proposta da
Nova Ordem Econômica Internacional nas décadas de 1960 e 1970. Conclui pela validade da
argumentação segundo a qual coalizões reforçam o poder de barganha, e o consenso constitui
elemento de fortalecimento da posição desses países, tornando-se, igualmente, importante fator
de negociação para o prosseguimento da liberalização do comércio mundial.
Palavras chaves:
Comércio Internacional
Países em Desenvolvimento
Nova Ordem Econômica Internacional
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)
Organização Mundial do Comércio (OMC)
11
ABSTRACT
The present thesis focuses on the multilateral trade system successively materialized in
the proposal of the International Trade Organization (ITO), in the General Agreement on Tariffs
and Trade (GATT) and the World Trade Organization (WTO). The object of this analysis is the
performance of developing countries, in their ambit, by undertaking a historical retrospective
aiming at understanding how these countries were capable of asserting, or not, their interests in
an environment which is not of their own making. In order to achieve the proposed objective, a
reconstitution of the course of action of the developing countries is made, from the creation and
abortion of the ITO on the one hand, and the structuring – which was to have been provisory –
and the consolidation of GATT and later of the WTO, to the launch of the Doha Round of
Multilateral Negotiations or Doha Development Agenda. This was possible by examining the
formation of these countries´ coalitions in the multilateral scenario with the purpose of obtaining
concessions from the block of developed countries. The main issue approached in this paper is
the discernment of which strategies the developing countries resorted to so as to minimize the
impact caused by rules that often did not attend to their interests and needs. In other words,
how could non-dominating countries mobilize other actors and form alliances, concerning
multilateral commercial negotiations, in the international scenario? In addition, this analysis
approaches the relations among these countries and their alternative proposals, different from
the GATT proposals, in the multilateral economic scenario, by means of the formation of the
Non-Aligned Movement, of the Group of Seventy-Seven and the beginning of the New
International Economic Order in the 60s and the 70s. It also supports the validity of the
arguments that claim that coalitions reinforce the bargaining power, and that consensus not only
strengthens the position of these countries but also becomes an important factor for negotiation
in the promotion of the liberalization of world trade.
Keywords
International Trade
Developing Countries
New International Economic Order
General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)
World Trade Organization (WTO)
12
ÍNDICE
Introdução....................................................................................................................................................14
Capítulo I
A Carta de Havana e a criação da Organização Internacional do Comércio: o protagonismo dos países
em desenvolvimento ……………………………………………………...........................................................31
Capítulo II
O fiasco da OIC e o prosseguir do GATT (1947-1963): países em desenvolvimento como atores
coadjuvantes…………………………………………………………………………….......................................65
Capítulo III
A formulação da Agenda do Desenvolvimento: GATT x UNCTAD e a Nova Ordem Econômica
Internacional..................………………………………………………………………………..........…......…....106
Capítulo IV
Crise do multilateralismo e novos temas na Rodada Uruguai do GATT: coalizões
fragmentadas.............................................................................................................................................152
Capítulo V
A articulação dos países em desenvolvimento na Conferência de Doha: o caso da flexibilização das
regras de propriedade intelectual..............................................................................................................196
Conclusão..................................................................................................................................................243
Bibliografia.................................................................................................................................................255
13
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de tese atém-se ao tema do sistema comercial multilateral,
materializado sucessivamente na proposta da Organização Internacional do Comércio
(OIC), no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e na Organização Mundial do
Comércio (OMC). Toma como objeto de análise a atuação dos países em
desenvolvimento, em seu âmbito, empreendendo uma retrospectiva histórica, com o
objetivo de compreender como esses países conseguiram fazer valer seus interesses,
ou não, em um ambiente que não foi por eles desenhado.
Com efeito, o projeto que deu origem a esta tese atinha-se à atuação dos países
em desenvolvimento com vistas a obter a flexibilização das regras do Acordo dos
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) na questão
relativa a acesso a medicamentos, no decorrer do processo que desencadeou na
Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública, durante a IV Conferência Ministerial da
OMC, em Doha, em 2001. Ou seja, o que buscava compreender era como uma
coalizão de países em desenvolvimento, auxiliada por algumas organizações não-
governamentais, atingiu dobrar as posições dos países desenvolvidos e alcançar uma
proeminente vitória, consubstanciada, inclusive, por uma declaração especial, à parte
da Declaração Final da Conferência, o que em termos de GATT/OMC constituiu fato
inédito. Ocorre que um trabalho de pesquisa tem vida própria e, como se sabe, é ele
que conduz o pesquisador e não ao contrário, à medida que os dados vão aflorando e
revelando caminhos e universos não imaginados quando da elaboração do projeto
inicial.
Tudo começou quando a banca de qualificação do projeto, em dezembro de
2003, propôs que se retrocedesse até às tentativas dos países em desenvolvimento de
delinear uma agenda que contestava, ou pelo menos procurava atenuar, a rigidez da
lógica do livre comércio embutida no antigo GATT, a partir do processo de
descolonização de Ásia e África, por meio da atuação nas Nações Unidas e,
14
posteriormente, na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD), nos anos 1960 e 1970, conhecida como Agenda do Desenvolvimento ou,
ainda, a Agenda do Terceiro Mundo. Pois bem, na busca de documentação e
bibliografia, se foi escavando e descobrindo cada vez mais, até que, por meio das
bases eletrônicas de periódicos disponíveis na Universidade de São Paulo, chegou-se
aos primeiros números da revista International Organization, desde 1947. E, de 1947 a
1964, o referido periódico trazia as aide-mémoire de todas as reuniões das
organizações que estavam compondo o nascimento do sistema internacional
multilateral do pós-II Guerra, construído pelas potências vencedoras do conflito, ainda
durante o seu desenrolar. E lá estavam as compilações dos debates e das
negociações que engendraram o sistema comercial multilateral, desde as tratativas
para a criação da Organização Internacional do Comércio, por meio da Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, realizada em Londres, em 1946, passando
pela reunião do Comitê Preparatório em Genebra e a própria Conferência de Havana,
em 1947/1948. Concomitantemente, encontravam-se registradas todas as reuniões do
GATT, desde a primeira rodada, simultânea à reunião do Comitê Preparatório, e todas
as sessões do Acordo Geral, indo até ao lançamento da Rodada Kennedy, em 1964.
Daí em diante, a revista viria a se dedicar exclusivamente à publicação de artigos
acadêmicos.
Em vista disso, e diante do tesouro em mãos, a proposta efetuada pela banca de
qualificação de retroceder aos anos 1960, foi ampliada para meados dos anos 1940,
procedendo ao percurso da construção e abortamento da Organização Internacional do
Comércio, por um lado, e da estruturação – que seria provisória – e posterior
consolidação do Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Porém, o foco sobre os países
em desenvolvimento foi mantido e, então, com esse material bruto a ser trabalhado, o
objeto da pesquisa foi refeito, ou seja, consistiu em mostrar como os países em
desenvolvimento atuaram em um cenário que, a princípio, lhes era inóspito, onde
posavam de meros coadjuvantes e, como, paulatinamente, foram erguendo a voz, na
intenção e no propósito de fazer com que esse sistema considerasse as suas
15
necessidades e seus interesses, formando, para tal, grupos e coalizões. Assim sendo, o
trabalho teve a pretensão de reconstituir a trajetória de participação desses países, bem
como a conformação de suas coalizões no cenário multilateral, visando a arrancar
concessões do bloco dos países desenvolvidos. A questão principal que se coloca
nesse trabalho consiste em discernir sobre a quais estratégias os países em
desenvolvimento recorreram, visando a minimizar os impactos causados por regras
que, em muitas vezes, não iam ao encontro de seus interesses e necessidades. Ou, em
termos gerais, como países não-dominantes no cenário internacional conseguiram
mobilizar outros atores e formar alianças, no âmbito de negociações multilaterais
comerciais?
Em termos teóricos, o objeto de estudo referido neste projeto atrela-se ao tema
das Relações Internacionais e, de forma específica, a área dos Regimes Internacionais
ou do Multilateralismo
1
, cujas abordagens dividem-se entre Realistas, Neo-
institucionalistas (que alguns denominam como pluralistas ou mesmo neo-liberais) e
Neo-realistas. Krasner (1983) efetua uma outra classificação, que compreende
estruturalistas convencionais, estruturalistas modificados e Grocianos, respectivamente.
Os primeiros seriam os realistas enquanto os segundos seriam os neo-institucionalistas.
Ainda segundo Krasner, os regimes internacionais podem ser definidos como uma
forma de instituição internacional, na qual há uma convergência significativa entre os
Estados a respeito de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de
decisão em torno do qual convergem as expectativas dos atores em determinada área
das relações internacionais. O que distingue a posição dessas visões é a importância,
utilidade e eficácia desses regimes (KRASNER, 1983).
Para os realistas, os regimes têm pouco ou nenhum impacto nas relações
internacionais, refletindo apenas a estrutura de poder entre países dominantes e não-
dominantes, e não alteram significativamente essa hierarquia de poder (STRANGE,
1
Multilateralismo é entendido a partir da concepção de Ruggie, que o define como aquele “...that it coordinates
behavior among three or more states on the basis of generalized principles of conduct” (RUGGIE, 1998: 335).
16
1983). Nesta perspectiva, o ambiente internacional é essencialmente anárquico, em
que a busca da segurança leva os Estados inexoravelmente para o conflito, sendo,
portanto, os regimes maximizadores da primazia de Estados fortes sobre outros, em um
cenário onde atuariam apenas Estados unitários. Para Mearsheimer (1998), por
exemplo, na arena internacional, os Estados visariam a maximizar suas posições de
força e poder, ampliando suas condições de barganha. Portanto, o papel das
instituições internacionais seria enfraquecido ou anulado, na medida que nada obrigaria
aos Estados a aceitar a prevalência de suas regras. Ademais, os Estados, no sistema
internacional, temeriam uns aos outros, de modo que cada um deve ao menos
suspeitar do outro e ser relutante em confiar. Cada Estado, no sistema internacional,
visaria a assegurar sua própria sobrevivência, podendo depender dos outros para sua
segurança. As alianças seriam temporárias e de acordo com as conveniências do
momento. Mesmo na concepção neo-realista, como definida por Waltz (1979), que
substitui Estados por unidades, o sistema determinaria o seu comportamento e sua
lógica de ação no ambiente anárquico, levando-as conflito, mesmo que não sendo essa
a intenção inicial, mas inevitável, na busca dos interesses nacionais.
Para os neo-institucionalistas, como Keohane e outros, a despeito desse
ambiente anárquico, ou por conta dele, existiria a possibilidade da cooperação e da
viabilidade dos regimes internacionais. Diferentemente de Waltz e toda a trajetória
realista, que entende o conflito como inerente ao jogo internacional, Keohane vislumbra
a cooperação, mesmo quando os Estados estão voltados a seus interesses imediatos e
egoístas (KEOHANE: 1984). Neste sentido, a ação das instituições multilaterais
tenderia a promover a cooperação, principalmente na ausência de uma soberania forte
que puna os desertores, cumprindo as tarefas de partilhar as informações, reduzir os
custos de transação entre Estados, fornecer incentivos a concessões comerciais, bem
como mecanismos de resolução de disputas. Por outro lado, Keohane e Nye (1989)
afirmam que, no lugar do Estado unitário, existem redes de relações envolvendo
temáticas diversas, para além das questões de segurança, como comércio, meio
ambiente, etc., configurando relações transnacionais que englobam outros atores que
17
não somente o Estado, como empresas e organizações não-governamentais, o que os
levou à definição do conceito de “interdependência complexa”, englobando Estados e
sociedades. Essas redes, formalizadas em instituições internacionais ou não,
configuram os Regimes, na acepção de Krasner e Ruggie (1983). No ambiente da
interdependência complexa, o recurso à coerção, pela força militar, perderia valor,
encontrando os Estados fortes dificuldades de impor suas vontades em todos os temas
de seu interesse. No mundo complexo, cada tema tem uma dinâmica própria, que
envolve atores diversos, tornando a vinculação também mais complexa. Esta vasta teia
de temas será costurada em organizações internacionais, às quais recorrerão Estados
fracos, por ser menos dispendioso, e Estados fortes, que tentarão estabelecer uma
interdependência assimétrica em grupos específicos de tema, como fonte de poder. O
grau de assimetria dependerá do peso dos atores envolvidos e da natureza da relação,
o que implicará na distribuição desigual dos custos da transação (KEOHANE: 1992).
Quanto menos for dependente um ator, maiores os recursos de poder sobre
determinado tema. No entanto, instituições multilaterais, em condições adequadas,
podem propiciar a cooperação e a formação de coalizões entre Estados mais fracos,
contendo o poder dos mais fortes.
Rebatendo Mearsheimer, Keohane & Martin (1998) começam por desmontar
suas argumentações, afirmando que este inicia seu artigo lembrando que os principais
governos têm enfatizado o valor das instituições. E – prosseguem – que poderia ter
adicionado que eles investem significativos recursos materiais e de reputação em
instituições como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), União
Européia, OMC e outros foros multilaterais. E indaga como se poderia interpretar todo
este investimento em instituições que estão se expandindo, se elas não possuem
qualquer significado? Pois é exatamente em caso de conflitos, segundo o autor, que as
instituições podem entrar fornecendo "pontos focais construídos", que façam com que
determinada solução cooperativa prevaleça. Da mesma forma que as instituições
podem reduzir o medo da trapaça, elas podem reduzir o medo dos ganhos desiguais
permitindo, assim, o surgimento da cooperação. O compartilhamento de informações é
18
um dos principais mecanismos neste processo, considerando-se, também que o
funcionamento das instituições depende fortemente da operação da reciprocidade
específica e difusa dos participantes. Keohane & Martin concluem que as instituições
desempenham papel relevante nas relações internacionais embora superestimar este
papel pode levar, aí sim, a uma "falsa promessa" de sua atuação. Porém, num mundo
limitado pelo poder do Estado e interesses divergentes, e onde se torna improvável que
haja governo hierárquico efetivo, as instituições internacionais, ao operarem na base da
reciprocidade, podem ser componentes de uma paz duradoura.
Assim sendo, utiliza-se como referencial teórico básico, neste trabalho, as
concepções de Keohane e seus colaboradores, por abrangerem categorias conceituais
como interdependência complexa, que envolve a participação de Estados, empresas e
organizações da sociedade civil em torno de temáticas diversas e globais, assim como
a possibilidade de coalizões entre países não-dominantes, em torno desses mesmos
temas e o papel que as instituições multilaterais podem desempenhar para a
cooperação e a construção do consenso, minimizando os conflitos. Portanto, baseado
nas premissas de Keohane sobre as possibilidades de cooperação internacional,
mesmo no âmbito de uma relação assimétrica, pressupõe-se, para efeitos de
sustentação teórica desse estudo, que, a despeito das regras mais ou menos rígidas
que, tanto outrora quanto atualmente, regularam e regulam o comércio internacional, há
espaço, no âmbito de uma organização multilateral, como o antigo GATT e, mormente,
a Organização Mundial do Comércio, para eventuais arranjos e negociações que
atenuem situações potencialmente explosivas. Por outro lado, tais foros permitem que
países de menor relevância política ou comercial, articuladamente – tanto entre atores
estatais quanto não estatais – ecoem as reivindicações de seus pretensos direitos.
Ou seja, não se quer dizer que os interesses dos Estados não se encontrem
presentes nas instituições multilaterais ou que eles deixarão de tentar maximizá-los,
porém, no embate das negociações e das barganhas havidas, é que constroem a
perspectiva do mínimo denominador comum que gera o consenso possível. Como bem
19
demonstra Virally (1972), há uma tensão permanente entre os interesses dos Estados e
a dinâmica das organizações, que são espaços fundamentalmente destinados à
cooperação e à negociação entre seus integrantes. A despeito de sua obra ter sido
elaborada no período da Guerra Fria, muitos de seus postulados conceituais ainda
guardam verossimilhança com a dinâmica do sistema multilateral contemporâneo.
Segundo o autor, o sistema de Organizações Internacionais visa a organizar a
sociedade internacional, sendo que a coexistência em uma mesma instituição das
superpotências e da quase totalidade dos Estados, grandes e pequenos, amigos ou
inimigos, faz desta um fator novo da política mundial. Tal fator não é independente da
política das grandes potências, pois cada uma vai utilizar sua influência com vistas a
seu favor. Porém, estas influências, encontram-se, de alguma maneira, canalizadas
pelas regras da organização, que as inserem no âmbito das influências exercidas por
todos os demais Estados, produzindo combinações múltiplas e mutantes. De tal,
resulta, salvo exceções, que nenhum Estado, por mais forte que seja, pode se gabar de
ser “o mestre do jogo”, o que não impede de, em alguns casos, bloquear seu
funcionamento, não limitando tal fato a Organização a desempenhar seu papel como
ator autônomo na cena mundial. Para Virally, a Organização Internacional apresenta
duas perspectivas que são diferentes, mas, que, ao mesmo tempo, se confundem. Em
assim sendo, a Organização Internacional é, à sua vez, uma estrutura social (vista do
seu interior) e um ator autônomo (vista do exterior). Como estrutura social, delimita e
regula um jogo de forças, a qual sua configuração imprime uma característica
determinada, mas da qual permanece relativamente passiva, tornando-se objeto de
manipulação de parte dessas forças que tentam deformá-la na busca da consecução de
seus objetivos. Como ator autônomo, comporta-se ela mesma como uma força,
pesando no jogo social e procurando orientá-lo, igualmente, para a obtenção dos seus
próprios objetivos. Esta dualidade fundamental induz sempre a certo equívoco em sua
ação institucional, pois, sendo autônoma, se desenvolve seguindo suas próprias leis e
as decisões tomadas pelos órgãos institucionais, mas não é independente, posto que
teleguiada pelas forças que atuam em seu interior, mas com as quais não se confunde.
O que é inquietante e desconcertante em uma Organização Internacional é que meio
20
interior e meio exterior se confundem. A Organização Internacional se apresenta como
uma estrutura social no interior da qual todos os Estados têm tomado ou são chamados
a tomar lugar. Simultaneamente, comporta-se como ator autônomo no seio da
sociedade internacional global (VIRALLY, 1972).
Partindo do pressuposto acima enunciado por Virally, essa arena onde os
Estados vão entrecruzar seus interesses, tentando moldar a face da organização, e que
produz essa multiplicidade de combinações mutantes, cujos resultados finais,
ensejados pelo confronto e pela cooperação denotam seu perfil, propicia, por
conseguinte o espaço para a diversidade de coalizões.
No caso da mais poderosa organização multilateral erigida nos novos tempos da
globalização, a Organização Mundial do Comércio, que busca resolver as dissensões
comerciais pelo consenso entre seus membros, diluindo potenciais escaladas de
disputas que poderiam redundar em conflitos, como no passado, esse quadro teórico-
conceitual se apresenta rico e desafiador. E mesmo anteriormente à sua criação, ainda
quando das negociações da Rodada Uruguai (1986-1994), por conta da inserção de
novos temas, diversas combinações surgiram, transformadas em coalizões, algumas
efêmeras, outras mais duradouras.
Lafer observa que, justamente devido a tais características, a OMC proporciona
a formação de coalizões de composição altamente flexível, que variam em torno dos
temas que estão sendo negociados, derrogando a clássica formação monolítica dos
anos 1960-1970, consubstanciada no Movimento dos Não-Alinhados e no Grupo dos 77
(G-77), aglutinando uma plêiade de países em desenvolvimento. De acordo com a
posição dos países em torno de determinado tema, as coalizões variam em sua
formação, não fixando regras de fidelidade absoluta, dadas a sua heterogeneidade e
assimetria de poder predominantes na OMC, gerando as chamadas por Lafer de
“coalizões de geometria variável”, apenas existentes em um contexto multilateral, na
21
busca da construção do consenso visando à conclusão dos acordos (LAFER, 1998;
LAFER, 1999).
Em consonância com Lafer, Singh considera, igualmente, que essa característica
pertinente às negociações multilaterais favorece os países em desenvolvimento, ao
permitir-lhes circular com maior desenvoltura nesse ambiente (to wiggle room), ou, em
tradução literal, ondular. Da mesma forma, o ambiente de negociações multilaterais
permite mudar agendas (agenda-setting) e construir coalizões (coalition building), por
meio de negociações táticas que preenchem o espaço entre as estruturas de poder e
os resultados, surgindo o cenário propício para atuação dos países com menores
recursos de poder. Pois, nesse ambiente, não apenas os que gozam de poder têm
condições de estabelecer agendas e construir coalizões, mas o que não tem poder,
igualmente, possuem condições de assim agir
2
. Em termos conceituais, estruturas de
poder delineiam preferências iniciais e negociações, sendo que estas últimas, por sua
vez, conformam interesses e resultados e, por extensão, o exercício de poder. Daí que
a teoria de wiggle room torna-se a melhor para explicar as alterações de preferências e
seu descarte. E negociações táticas respondem por essas mudanças,
fundamentalmente agenda-setting e coalition building, propiciando, assim, espaço para
manobras, porém não devendo ser supervalorizadas (SINGH, 2003).
Narlikar, uma das autoras pioneiras em abordar a temática das coalizões e o
envolvimento dos países em desenvolvimento no âmbito do sistema GATT/OMC,
imputa ser extremamente desafiador, do ponto de vista intelectual como também de sua
significância estudar o tema, que quase nunca era voltado às relações comerciais.
Considerando os vínculos existentes entre os temas englobados pela OMC e sua
jurisdição no campo das políticas econômicas domésticas, geram-se novas dificuldades
para os países em desenvolvimento, mas, inversamente, proporcionam ampliar o seu
poder de barganha e levar tais temas à mesa de negociações e, aí, as coalizões
2
O autor, inclusive, ressalta não ser por outro motivo que os Estados Unidos têm preferido, ultimamente,
enfronharem-se em negociações bilaterais por avaliarem não estar vulneráveis a alterações de agendas pré-
estabelecidas (SINGH, 2003).
22
acarretam maneiras de explorar essas possibilidades. Poder de barganha, segundo
Narlikar, compreende a capacidade de se opor a algo colocado à mesa de negociações
e permutar concessões que sejam minimamente aceitáveis para ambas as partes. Ao
contrário, o poder de barganha deficiente torna vulnerável uma parte, sendo essa uma
questão crítica para os países em desenvolvimento. E três são os níveis de
vulnerabilidade e fragilidade no caso desses países, sendo o primeiro o doméstico, isto
é, a ausência ou insuficiência de uma estatalidade enraizada assim como a
fragmentação interna, fatores que implicam na incapacidade de implementar políticas
domésticas e levá-las externamente; o segundo nível de vulnerabilidade é o regional
em que conflitos dessa natureza ampliam a instabilidade e impedem a cooperação
econômica nesse âmbito e, por fim, o nível internacional, o ingresso tardio nos
organismos internacionais os torna mais tomadores de regras do que geradores de
agendas. Daí, então, que as coalizões aumentam o poder de barganha de países
frágeis, pelo compartilhamento (NARLIKAR, 2003)
3
. Coalizões, em sua concepção, são
definidas como “
a set of governments that defend a common position in a negotiation through explicit
coordination
”, as quais reforçam legitimidade de uma proposta, seja em uma organização
cujo processo deliberativo se dê pelo voto da maioria, seja em instituições baseadas no
consenso como a OMC. A necessidade dessa legitimidade é buscada, igualmente,
pelos países desenvolvidos, por meio da busca de aliados. Além do mais, para os
países em desenvolvimento, com parcos recursos diplomáticos, as coalizões
representam instrumentos únicos que melhoram sua posição de barganha, assim como
geram alguns benefícios. O primeiro deles é servir de escudo a eventuais represálias
de países desenvolvidos, se contrariados por um dos membros da coalizão, pois
calcularão o custo de ação coletiva dessa natureza. O segundo benefício acarreta na
divisão de trabalho e troca de informações entre seus membros, já que muitos países
têm recursos bastante limitados e, alguns sequer conseguem manter uma
representação permanente na OMC. E, o terceiro benefício consiste na ampliação de
3
Narlikar exemplifica pela experiência de pequenos países europeus que passaram a obter visibilidade maior no
GATT, a partir dos anos 1960, por integrarem a nascente Comunidade Econômica Européia (NARLIKAR, 2003).
23
seu BATNA ou Best Alternative to Negotiated Agreement
4
, pelo fato de dispor de
aliados no momento de enfrentar seus maiores adversários em determinado tema, no
âmbito de negociações comerciais multilaterais (NARLIKAR, 2004).
Desde os tempos do antigo GATT, a regra predominante do processo decisório
era o consenso que, posteriormente, foi institucionalizado na OMC, ou seja, a instituição
multilateral mundial possui uma cultura baseada no consenso em que a negociação
prevalece sobre o veto. Resulta daí, segundo Narlikar, a importância de formação de
coalizões que ampliem o poder de negociação dos países em desenvolvimento.
Considerando assim que, diante do exposto, o sistema comercial multilateral,
baseado no consenso, engendra a formação de coalizões múltiplas e variadas que, ao
final, definem os termos dos acordos, a hipótese central desse trabalho apóia-se na
suposição de que os países em desenvolvimento, articulados mutuamente, ou mesmo
com outros países desenvolvidos, conseguem otimizar os resultados de acordos em
relação aos termos inicialmente propostos.
Vale lembrar que as hipóteses do projeto original, embora restritas à
flexibilização do Acordo TRIPS no tocante a acesso a medicamentos, continham essas
mesmas pressuposições, estando assim concebidas:
A formação de coalizões entre países em desenvolvimento, no tocante ao
tema da propriedade intelectual e a questão de acesso a medicamentos
ampliou as possibilidades de vitória em suas reivindicações, permitindo a
flexibilização da interpretação do TRIPS.
4
BATNA, sigla de
Best Alternative to Negotiated Agreement
, significa os trunfos que uma parte negociadora dispõe
para não aceitar os termos de determinado acordo, considerando mais benéfico recusá-los.
24
O papel dos atores sociais transnacionais residiu na sua capacidade de
articulação, pressão, difusão da informação, em escala global, para além das
fronteiras nacionais, propiciando a sensibilização da opinião pública
internacional e a formação de uma extensa rede de apoio aos objetivos dos
países em desenvolvimento.
Dada a necessidade de estabelecimento de consenso nas decisões da OMC,
a adoção de uma estratégia propositiva pelos países em desenvolvimento
fortaleceu sua posição nas negociações, bem como validou o papel da OMC
como locus de negociação multilateral e redução de conflitos.
Ou seja, a primeira e a terceira hipóteses continuam prevalecendo sobre todo o
processo. Quanto à segunda, considerando a ampliação do marco temporal do
trabalho, implicaria em outra tese. Além disso, os desdobramentos do caso específico
suscitaram algumas dúvidas acerca de sua plausibilidade.
A presente tese encontra-se dividida em cinco capítulos que acompanham a
ordem cronológica e evolutiva do sistema comercial multilateral, destacando a atuação
dos países em desenvolvimento.
O Capítulo I procede a um retrospecto da participação dos países em
desenvolvimento no sistema multilateral de comércio, tendo como ponto de partida as
negociações para a formulação da Carta de Havana e a implementação da
Organização Internacional do Comércio (OIC), o primeiro organismo multilateral a
pretender tratar das questões relacionadas às regras atinentes ao comércio
internacional, no bojo do amplo projeto de construção de organizações internacionais,
engendrado pelas potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, ainda durante o
desenrolar do conflito. Discorre sobre as causas da frustração da proposta e os
impactos desse resultado para os países em desenvolvimento.
25
O Capítulo II segue percorrendo a participação dos países em desenvolvimento,
ainda à época denominados subdesenvolvidos, no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT), desde a sua criação como instância provisória e sua permanência
como híbrido de acordo internacional e organização multilateral, a partir do final dos
anos 1940, até o início da década de 1960, quando sua ação foi bastante limitada, dado
o escopo igualmente limitado do Acordo, período em que atuavam como meros
coadjuvantes, dispondo de restrita margem de barganha.
Com o processo de descolonização, intensificado nos anos 1950 e 1960, muitos
dos novos Estados soberanos acederam ao GATT, beneficiados por cláusula
facilitadora, como também ingressaram maciçamente no sistema das Nações Unidas,
chegando a construir uma ampla maioria, ao se associarem com outros países em
desenvolvimento, como os da América Latina, os quais buscavam alternativas ao
modelo de desenvolvimento econômico e industrial, visando à superação do
subdesenvolvimento, tomando como base as idéias e propostas concebidas pela
Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), ainda no final dos anos 1940 e
começo dos anos 1950. Nessa dinâmica de formação de coalizões, conseguiram
engendrar uma Agenda de Desenvolvimento, a partir da realização da Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e sua ulterior institucionalização,
como também pela própria manutenção da coalizão, também chamada de terceiro-
mundista, por intermédio da criação do Grupo dos 77. Com tais ações e iniciativas,
atravessaram verticalmente o conflito característico da Guerra Fria, o Leste-Oeste,
gerando a necessidade de entendimento e atendimento das demandas oriundas do
baixo acesso a condições de desenvolvimento e industrialização, promovendo ao
primeiro plano das relações internacionais a questão Norte-Sul, ora percebida como
conflito, ora como diálogo, culminando com a aprovação das Resoluções da
Assembléia Geral das Nações Unidas, pleiteando a adoção de uma Nova Ordem
Econômica Internacional, constituindo esse período o Capítulo III.
26
No entanto, a reação dos países desenvolvidos, atentos às mudanças dos
paradigmas econômicos, sociais e tecnológicos, surgidos com a crise do petróleo e
seus impactos no sistema de welfare-state, e, pouco depois, com a emergência de nova
revolução tecnológica, pela informática, biotecnologia e química fina, aliada ao início do
esfacelamento do império soviético, não tardaria. Estados Unidos e Grã-Bretanha, que
haviam conduzido ao poder lideranças conservadoras, Ronald Reagan e Margareth
Thatcher, animaram-se a empreender a reviravolta. Deu-se, então, a crise do
multilateralismo modelado pela ação dos países em desenvolvimento nos anos 1960 e
1970. No campo das relações comerciais em âmbito multilateral, teve-se o lançamento
da Rodada Uruguai do GATT, a qual introduziu uma série de temas, antes alheios ao
escopo do Acordo Geral, como serviços, investimentos e propriedade intelectual, de
interesse para a expansão de suas economias, caracterizando a etapa seguinte, a da
globalização, configurando tal panorama o Capítulo IV.
Acuados por diversos fatores, os países em desenvolvimento poucas condições
detinham de esboçar reação mais efetiva, além dos protestos formais. Como resultado,
foi formulada uma miríade de acordos, que redesenharam as relações econômicas e
comerciais internacionais, resgatando a antiga proposta de uma organização
multilateral comercial, porém aos moldes desenhados pelos países desenvolvidos, a
Organização Mundial do Comércio. Passados alguns anos, os países em
desenvolvimento voltavam a se articular para obter maiores espaços nessa arena
multilateral, empreendendo forte reação às tentativas de lançamento de uma nova
rodada, a Rodada do Milênio, na III Conferência Ministerial da OMC, em Seattle, em
1999, a qual terminou inviabilizada. Dois anos depois, em Doha, uma ampla coalizão,
apoiada desta vez pelas organizações não-governamentais, conseguiu frear muitos dos
projetos e posições defendidas pelos países desenvolvidos, levando à necessária
construção do consenso, principalmente no tocante a um dos temas mais polêmicos
que cercava a IV Conferência, a questão relativa, no campo da propriedade intelectual,
a acesso a medicamentos, sendo esse o Capítulo V.
27
As fontes utilizadas, como já declarado anteriormente, basearam-se, no caso dos
Capítulos I e II, nos informes trazidos pela revista International Organization, os quais
foram complementados com análises provenientes da literatura especializada, tanto a
da época quanto a atual. No caso dos Capítulos III e IV, a narrativa histórica foi
remontada a partir das próprias fontes secundárias que, devotadas essencialmente à
análise, apresentavam os fatos em fragmentos, obrigando a uma paciente e
enriquecedora reconstituição. No que se refere ao Capítulo III, que trata
especificamente da Agenda do Desenvolvimento e da Rodada Tóquio do GATT, foi
utilizada predominantemente a literatura da época, principalmente no tocante ao
primeiro tópico, pois parece haver poucas produções acadêmicas atuais, reflexivas
sobre aquele momento. Já quanto ao Capítulo IV, referente à Rodada Uruguai e seus
antecedentes imediatos, aí já se encontra maior prodigalidade de fontes recentes. No
que se refere ao Capítulo V, dada a eventualidade próxima, as fontes primárias
oriundas de periódicos e de relatos proporcionados pela Missão brasileira em Genebra
tornou o trabalho de reconstituição mais facilitado, sendo também complementado por
fontes secundárias. Quanto a esse Capítulo, vale advertir que o período que encerra a
presente tese vai até ao lançamento da Rodada Doha, não adentrando às negociações
dela própria, ou seja, o trabalho é terminado com o final da IV Conferência Ministerial
da OMC.
A relevância científica deste trabalho encontra amplo respaldo, pois a temática
sobre regimes internacionais e do multilateralismo alcança proeminência nos meios
acadêmicos e governamentais. Se, por um lado, desde os anos 1970, neo-realistas e
neo-institucionalistas debatem sobre o seu grau de eficácia e utilidade no sistema
internacional, por outro, desde os anos 1990, os regimes internacionais, sejam as
grandes Conferências Internacionais temáticas que resultaram em agendas
propositivas, sejam as instituições multilaterais, têm dominado o espectro das relações
internacionais como grande arena de interação entre os Estados Nacionais.
28
Nesse cenário, a Organização Mundial do Comércio, desde 1995, transformou-
se em grande arena de debates e embates entre países, englobando os mais variados
temas que, até mesmo, extrapolariam as relações de trocas comerciais, como meio
ambiente, padrões trabalhistas, investimentos e concorrência. Cada tema define
arranjos diferentes entre países, quebrando, de alguma forma, o monolitismo das
relações Norte-Sul. Não obstante constituir-se foro de negociações e deliberações
entre Estados, sua atuação tem sido foco das atenções de diversos atores não estatais
como empresas transnacionais e organizações não-governamentais, transformando-a
em arena multilateral de elevada complexidade de interesses. Justifica-se, ainda sob
esse aspecto, a relevância deste trabalho pela importância atribuída à participação dos
países em desenvolvimento na OMC, como fator de legitimidade da Organização. Por
um segundo aspecto, destaca-se a visibilidade que a OMC possui no cenário
internacional, envolvendo ampla gama de atores, estatais e não estatais, sendo que,
estes últimos vêm centrando sua atuação sobre os diversos temas em pauta e
promovendo alianças com Estados, buscando a prevalência de seus objetivos. Acresce
a isso, o fascínio que a OMC apresenta ao pesquisador da área de relações
internacionais ao proporcionar manancial rico em possibilidades de aplicações teóricas,
fazendo ver que os postulados conceituais de forma alguma devem ser percebidos
como estanques e rígidos, mas sim como instrumentos que aguçam a capacidade de
análise, tal a possibilidade de combinações diversas entre eles.
Além disso, procede a um resgate histórico da atuação dos países em
desenvolvimento, não disponível na literatura brasileira de relações internacionais,
trazendo à tona a persistente atuação desses países na busca de espaços para seus
anseios. Resgata, ainda, uma trajetória que, apesar de hoje improducente, constituiu
marco da afirmação desses países no cenário multilateral da época, a formulação da
Agenda do Desenvolvimento das décadas de 1960 e 1970. No momento em que se
enfatiza novamente a questão do desenvolvimento nas relações internacionais –
exemplificada na preocupação externada pela própria OMC de denominar o Programa
de Trabalho de Doha como Agenda de Doha para o Desenvolvimento e a repercussão
29
da XI Conferência da UNCTAD em 2004 – a recuperação dessa memória tem sua
procedência.
Vale ressaltar a dificuldade de se trabalhar com a categoria de países em
desenvolvimento, destacada na própria literatura consultada. Se dos anos 1940 até
meados dos anos 1960, poder-se-ia vislumbrar tais países como um todo relativamente
homogêneo, a partir daí essa categorização tornou-se muito mais diversificada e
complexa, como demonstra esse trabalho, tendo, muitas vezes, se encontrado
dificuldades para acoplar o conceito em países tão díspares como, por exemplo,
Gâmbia e Argentina, ou Papua Nova Guiné e Coréia do Sul.
Por fim, vale destacar que se buscou escapar, neste trabalho, a formulações
eivadas de maniqueísmo que antepusessem, previamente, países desenvolvidos contra
países em desenvolvimento como uma eterna luta de classes, evitando-se, igualmente,
quaisquer perspectivas que os apresentassem como algozes e vítimas ou vilões e
coitadinhos.
30
Capítulo I
A Carta de Havana e a criação da
Organização Internacional do Comércio:
o protagonismo dos países em desenvolvimento
A arquitetura multilateral erigida no pós-II Guerra Mundial vinha sendo delineada
ainda durante o pleno desenrolar do conflito nos campos de batalha entre as forças da
Europa democrática e aquelas do Eixo nazi-fascista. Mesmo antes da entrada dos
Estados Unidos no conflito, configurando a efetiva mundialização da Guerra (SARAIVA,
2001: 233), as sementes do esforço cooperativo, o qual se propunha a ser implantado
após a derrota da Alemanha e da Itália, encontravam-se na Declaração Conjunta
firmada entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, assinada por Franklin D. Roosevelt
e Winston S. Churchill, denominada Carta do Atlântico, em 14 de agosto de 1941.
Em seus propósitos, constavam os princípios que a coalizão anglo-americana
concebia para o mundo pós-guerra, sendo que, nos dois primeiros itens, se preconizava
o respeito aos limites da ação dos Estados em relação dos direitos de outros, fossem
de ordem territorial ou de outras quaisquer, assim como eventuais alterações de
traçados fronteiriços apenas poderiam ocorrer por meio da vontade livremente expressa
das populações envolvidas. O terceiro item propugnava pelo direito à soberania e ao
auto-governo dos países que haviam sido despojados forçosamente dessa condição.
Para além dos enunciados eminentemente políticos da construção do mundo do
pós-II Guerra, havia, ainda, dois itens mais que tratavam de aspectos atinentes às
relações econômicas e comerciais entre os Estados. Assim sendo, o quarto item
propugnava pelo amplo acesso, igualitária e independentemente da dimensão de cada
país e de sua respectiva posição no conflito, ao comércio e às matérias-primas
necessárias ao desenvolvimento dos Estados. A este item, segue-se o quinto, o qual
estabelecia o empenho na mais absoluta colaboração entre as nações no sentido de
31
assegurar e alcançar, globalmente, melhores padrões trabalhistas, desenvolvimento
econômico e seguridade social. Os três itens restantes clamavam pela necessidade de
paz e segurança para todas as nações
5
.
Vale salientar que a coalizão anglo-americana guardava amplas divergências,
principalmente no que dizia respeito às respectivas concepções do que deveriam ser as
regras futuras que balizariam o comércio internacional. Assim, enquanto os Estados
Unidos pregavam o amplo acesso a todos os mercados, a Grã-Bretanha, ciosa dos
domínios que ainda dispunha, direta ou indiretamente, pela Commonwealth, resistia à
tamanha amplidão e agarrava-se ao sistema de preferências comerciais, o que lhe
ajudava a manter poder e influência econômicos e políticos, assim como ter elementos
de barganha para assegurar o compromisso norte-americano em reduzir suas tarifas.
Para atrair a adesão britânica e conciliar ambas as posições, o Presidente norte-
americano Franklin Roosevelt teria garantido ao Premier Winston Churchill que seriam
preservadas as preferências já existentes, o que de fato acabou consagrado na Carta
de Havana (AARONSON, 1991: 175; MILLER, 2000: 4-5).
Dessa Carta de princípios, a qual a União Soviética, posteriormente, viria a
aderir, desenvolveu-se o mais amplo sistema multilateral conhecido na história das
relações internacionais: no campo da garantia da paz e da segurança coletiva entre os
Estados, é criada a Organização das Nações Unidas; no campo da cooperação
econômico-comercial, surgiriam o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – Banco Mundial - e a proposta
Organização Internacional do Comércio (OIC)
6
.
Assim, entre novembro e dezembro de 1943, em Teerã, Estados Unidos, Grã-
Bretanha, União Soviética e China deram passos adiante para a criação de uma
organização mundial visando à manutenção da segurança e da paz, a qual seria
5
The Atlantic Charter (1941). Disponível em http://usinfo.state.gov/usa/infousa/facts/democrac/53.htm.
6
Em inglês,
International Trade Organization (ITO)
.
32
composta de um Comitê Executivo, uma Assembléia Geral e o Diretório dos quatro,
melhor delineada em Dumbarton Oaks, em agosto de 1944. Daí, em junho de 1945, em
San Francisco, estabelecia-se a criação da Organização das Nações Unidas,
abrangendo as nações vitoriosas. O então diretório dos quatro acabou incluindo a
França, como integrante dos países detentores do poder de veto no Conselho de
Segurança.
No campo econômico, os Acordos de Bretton Woods alicerçaram a criação do
FMI e do Banco Mundial. A primeira instituição tendo como missão assegurar a
estabilidade do sistema financeiro mundial, através do monitoramento das taxas de
câmbio e da transformação das moedas nacionais em unidades conversíveis ao ouro
ou ao dólar norte-americano, dentre outras atividades. Quanto ao Banco Mundial, cabia
financiar projetos de desenvolvimento econômico, inicialmente voltados para a
reconstrução da Europa conflagrada pela Grande Guerra e, posteriormente, apoiar
projetos de infra-estrutura para países em desenvolvimento.
O último vértice do triângulo econômico multilateral seria consubstanciado na
pretendida criação da OIC, cuja raison d’être residia na convicção, por parte dos
Estados Unidos, de que parte considerável da eclosão do conflito mundial devera-se às
medidas protecionistas que predominaram no comércio internacional no período entre-
guerras, o que teria levado o país a perder terreno na participação do comércio mundial
(FEIS, 1948: 40; ALMEIDA, 1999: 103 ; CARVALHO & SILVA, 2003: 93)
7
. Havia o
temor de que, cessados os esforços de reconstrução do imediato pós-Guerra, o
intercâmbio comercial norte-americano pudesse voltar a declinar, até porque muitos
países talvez não viessem mais a necessitar de produtos procedentes dos Estados
Unidos. Fazia-se, então, imperioso, que medidas fossem propostas para evitar tal
7
As medidas protecionistas prevalecentes durante o período entreguerras deveram-se à queda dos preços agrícolas, a
partir de 1920 no mercado internacional, o que levou aos Estados Unidos, pressionados pelos agricultores locais, a
imporem barreiras comerciais à importação tanto a produtos agrícolas quanto a industriais, causando a ampliação do
débito europeu por conta dos custos da I Guerra Mundial, para com os norte-americanos que, por sua vez, instaram
ao pagamento da dívida (CARVALHO & SILVA, 2003: 93).
33
ocorrência. Da mesma forma, supunha-se estar superada a fase de acordos bilaterais,
que pouco benefícios poderiam trazer e, além disso, se em outros campos as
conversações multilaterais avançavam, similarmente no campo comercial elas deveriam
ter lugar (FEIS, 1948: 41). Por outro lado, prossegue Feis, o governo norte-americano
empenhava-se em manter o modelo tradicional do sistema capitalista, conduzido pela
iniciativa privada e primado pela competição, liberto de regras rígidas. Portanto,
tornava-se preciso lutar contra forças contrárias a essa concepção, desde o
empobrecimento causado pela Guerra quanto à percepção do ainda apenas
desinteresse soviético. Contudo, alguns elementos ajudavam a construir essa
proposta, como a necessidade de produtos importados, especialmente dos Estados
Unidos, facilitando a penetração da idéia da redução de barreiras tarifárias (FEIS, 1948:
41).
Em 1946, entre 15 de outubro e 26 de novembro, reuniam-se em Londres
representantes de quase uma vintena de países
8
, para instalar o Comitê Preparatório
da Conferência Internacional sobre Comércio e Emprego, convocado pelo Secretário
Geral das Nações Unidas, Trygve Lie
, conforme resolução do seu Conselho Econômico
e Social, datada de 18 de fevereiro de 1946, constituindo este o encontro inaugural de
outros sucessivos, com vistas à articulação de políticas comerciais e a eliminação de
barreiras ao comércio, em nível internacional.
9
O texto básico para as discussões, elaborado pelo Departamento de Estado dos
Estados Unidos, em setembro de 1946, intitulado Suggested Charter for an International
Trade Organization, tendo como aporte sugestões de governos e grupos econômicos
privados, detalhava as medidas necessárias para a remoção de barreiras comerciais e
a conseqüente ampliação das trocas comerciais mundiais.
8
Originalmente os países escolhidos pelo Conselho Econômico e Social foram África do Sul, Austrália, Bélgica,
Brasil, Canadá, Chile, China, Cuba, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Holanda, Índia, Líbano, Luxemburgo,
Nova Zelândia, Noruega, Tchecoslováquia e União Soviética, sendo que, no entanto, esta última resolveu não
participar do evento e, ainda, Bélgica, Holanda e Luxemburgo formaram uma única delegação.
9
Contudo, o objetivo dos trabalhos do Comitê Preparatório consistia em organizar os trabalhos para a convocação da
Conferência, não representando os delegados, necessariamente, a posição oficial dos seus respectivos países.
34
Os debates em torno do documento proposto eram levados a cabo por meio de
cinco Comitês: Atividade Econômica e Emprego; Restrições, Regulações e
Discriminações; Práticas Comerciais Restritivas; Acordos Intergovernamentais sobre
Comodity; Administração e Organização, tendo sido criado mais um, além dos cinco
originais, qual seja, o Comitê Conjunto sobre Desenvolvimento Industrial, reclamado
pelos países menos desenvolvidos, que perseguiam uma perspectiva mais assertiva
para o avanço do desenvolvimento industrial de suas economias nacionais.
O primeiro Comitê elaborou proposições para a adoção de políticas multilaterais
de pleno emprego
10
, a título de obrigações internacionais “to maintain full employment and
high stable levels of effective demand
11
, as quais as nações membros encarregar-se-iam de
cumprir, como fundamental para o alcance do objetivo de ampliação dos níveis de
comércio mundial, restando, no entanto, à competência de cada país implantar tal
requisito. O segundo Comitê tratou de questões relacionadas à redução de tarifas,
eliminação de preferências comerciais
12
e de restrições quantitativas, vindo a formular
um código de comércio, o qual conferia maior autonomia aos países do que o proposto
originalmente no rascunho da Carta, permitindo, ainda, caso se tornasse necessário, o
estabelecimento de cotas de importação em caso de graves ameaças de esgotamento
das reservas comerciais externas de um país. O terceiro Comitê não chegou a
consenso a respeito da elaboração de um código de regras sobre Práticas Comerciais
Restritivas, destinado a impedir abusos por parte de corporações monopolísticas, por
divergências havidas entre Estados Unidos e Grã-Bretanha, coibindo a ação da então
10
O termo em inglês “Full Employment” não dispõe de conceituação precisa, podendo variar em sua significação
conforme a evolução do mercado de trabalho, porém, dos anos 1940 até os anos 1960, a acepção mais corrente era a
definida pelo economista britânico William Beveridge, constante em sua publicação
Full Employment in a Free
Society
, de 1944, segundo a qual, tal condição se daria quando houvesse maior oferta de vagas, em condições
salariais adequadas, do que pessoas desempregadas, em uma determinada comunidade (ETXEZARRETA, 1999: 2-
3); tal premissa foi incorporada, inicialmente por Roosevelt, e mantida por Truman nas políticas do
Fair Deal
, a
agenda de recuperação econômica de sua Administração para o pós-guerra, composta de vinte e um pontos.
11
Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In: International Organization, Vol. 1, No. 1 (Feb. 1947): 139.
12
Permitia-se a manutenção das preferências já existentes, sendo vedada, no entanto, sua ampliação e recomendável
sua redução.
35
futura OIC nesse campo
13
, sendo aí derrotada proposta dos países subdesenvolvidos
quanto à perspectiva de formação de cartéis que viessem a prejudicar o
desenvolvimento econômico desses países, assim como sua atuação no setor de
serviços
14
. O quarto Comitê debruçou-se sobre dificuldades específicas dos produtos
primários, o papel dos acordos intergovernamentais de commodities e o relacionamento
de diversas agências internacionais no campo da política comercial, sugerindo que um
comitê interino sobre commodities, visando ao desdobramento destas questões, fosse
estabelecido até à posterior criação da OIC. O quinto Comitê tratou da criação da OIC
propriamente. Por fim, o Comitê Conjunto sobre Desenvolvimento Industrial propôs
estender a faculdade de estabelecer cotas de importação, nos moldes do segundo
Comitê, aos países que objetivassem promover seu desenvolvimento industrial, desde
que aprovado pela OIC.
Os trabalhos realizados pelo Comitê Preparatório foram reunidos e analisados
pelo Comitê de Redação, em encontro havido em 20 de janeiro de 1947, em New York,
ocasião em que se elaboraram proposições destinadas a cobrir pontos em itens sobre
os quais não se havia chegado a consenso. Nova reunião do Comitê Preparatório dar-
se-ia em abril, desta vez em Genebra, simultaneamente à ocorrida sobre reduções
tarifárias, de igual responsabilidade do Comitê
15
. Da mesma forma, a criação da
própria Organização, a OIC, seria debatida nessa reunião assim como o delineamento
de seu processo decisório, isto é, se a definição do peso do voto dar-se-ia por
participante ou por seu peso no volume internacional do comércio.
13
Segundo Bahadian (1992: 19), a proposta original dos Estados Unidos sugeria que os Membros viessem a adotar
ações adequadas com o objetivo de obstar formas de restrição à concorrência, ao acesso a mercados ou à criação de
monopólios, que pudessem desvirtuar os propósitos que norteavam a criação da OIC, em oposição a alguns países
europeus e ao Canadá, que não vislumbravam apenas efeitos nocivos na formação de cartéis ou trustes, mas
instrumentos de cooperação entre empresas (BAHADIAN, 1992: 25).
14
A primeira proposta foi de autoria do Brasil e a segunda da Índia, com apoio de Brasil, Chile e Cuba, sendo
arrolados como serviços os setores financeiro e de seguros, navegação e transportes e comunicação (BAHADIAN,
1992: 28; LAFER, 1971: 43).
15
Esta primeira reunião sobre reduções tarifárias viria a dar origem ao
General Agreement on Tariffs and Trade
(GATT), agregando, além dos participantes originais de Londres, a Birmânia, o Ceilão (atual Sri Lanka), o
Paquistão, a então Rodésia do Sul (atual Zimbábue) e a Síria, tornando-se estes os 23 países signatários do GATT-
1947.
36
A segunda sessão do Comitê Preparatório teve início em 10 de abril estendendo-
se até 30 de outubro de 1947, prazo durante o qual foram definidos os termos do draft
da Carta instituidora da Organização Internacional do Comércio, em 22 de agosto
16
. O
documento, que viria a ser apreciado na Conferência Mundial de Havana sobre
Comércio e Emprego, definia uma série de propósitos e objetivos, quais fossem:
1) promoção da ação nacional e internacional para a manutenção da
estabilidade e expansão da economia mundial;
2) desenvolvimento econômico e industrial, particularmente em países
subdesenvolvidos, e fluxo de capital entre países para o investimento
produtivo;
3) acesso de todos os países a mercados, produtos e facilidades
produtivas que fossem necessárias a seu desenvolvimento;
4) redução de tarifas e barreiras comerciais e eliminação de tratamento
discriminatório;
5) meios de capacitar os países a absterem-se de práticas restritivas, e
6) solução dos problemas do comércio internacional por meio de
consultas e cooperação.
Em seus nove capítulos e cem artigos, a Carta proposta abrangia não somente a
liberalização comercial, em seu sentido estrito, como também temas relacionados à
estabilidade do emprego e da atividade econômica, estímulo ao investimento
internacional público e privado, política comercial, práticas comerciais restritivas,
acordos sobre commodities, mecanismos de solução de controvérsias e, por fim,
instituía a Organização Internacional do Comércio, no que Drache denomina de caso
sem paralelo, em que todos esses temas eram amigavelmente conciliáveis e não
historicamente antagônicos (s.d.: 4), configurando um momento singular da história
...when ideas, institutions and actors shared a common interest...”, o qual considera de rara
ocorrência, ao reconstruir o sistema mundial de comércio sob a ótica da revolução
16
Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In:
International Organization
, Vol. 2, No. 1 (Feb. 1948): 134.
37
keynesiana, em que se transformavam o pensamento econômico e as práticas do
Estado (DRACHE, s.d.: 6).
A conclusão do documento, entretanto, não ocultava polêmicas que ainda viriam
a ser objeto de novas negociações, particularmente o Capítulo III, que dispunha sobre a
questão do desenvolvimento econômico e as excepcionalidades necessárias visando a
sua garantia. A natureza do aspecto controverso residia na possibilidade de adoção,
tanto por parte de países desenvolvidos quanto de países subdesenvolvidos de
medidas protecionistas. Porém, para evitar o abuso da utilização dessas medidas, o
referido Capítulo determinava que, em alguns casos, o recurso a práticas restritivas
quantitativas poderia ser empregado para incentivar o desenvolvimento de
determinadas atividades industriais ou setores da agricultura, o que, de qualquer forma,
deveria ser justificado e sujeito ao monitoramento da Organização ou, até mesmo, a
seu prévio consentimento.
Ao mesmo tempo em que era finalizada a proposta da Carta da OIC, e
avançando até o citado prazo final de 30 de outubro, os 23 países participantes
concluíam negociações para a redução de diversos obstáculos ao comércio,
perfazendo um total de mais de uma centena de acordos, configurando o surgimento do
General Agreement on Tariffs and Trade (GATT). Este conjunto de acordos
coadunava-se com a própria Carta, cujo Artigo 17 instava aos membros da futura OIC,
a qual o GATT deveria ser incorporado, a encetar negociações visando à redução
substancial de tarifas e demais encargos sobre o comércio internacional, assim como
preconizava a eliminação de preferências em bases reciprocamente vantajosas. O
acordo envolvia barreiras comerciais e controle, com ênfase em tarifas, preferências,
quotas, controles internos, regulações aduaneiras, comércio estatal e subsídios. O
GATT veio a entrar em vigor, provisoriamente, em 01 de janeiro de 1948
17
,
condicionado à plena efetividade quando os países restantes viessem a depositar, junto
17
O GATT obtém sua condição provisória com as imediatas adesões de Austrália, União Aduaneira Benelux
(Bélgica, Holanda e Luxemburgo), Canadá, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos.
38
ao Secretário Geral das Nações Unidas, seus respectivos termos de adesão, até atingir
85% do comércio mundial.
Enquanto isso, tinha início, em 21 de novembro de 1947, a Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, na cidade de Havana, englobando cerca
de 60 países, com o objetivo de deliberar sobre a proposta da Carta da Organização
Internacional do Comércio. No decorrer dos debates, três temas despertaram
polêmicas, sendo o que mais as suscitou foi o referente às medidas de precaução, que
dividiu, de um lado, os países subdesenvolvidos e, de outro, os países desenvolvidos,
sendo que os primeiros defendiam a revogação do “prévio consentimento” para a sua
adoção, em oposição aos Estados Unidos, os quais consideravam que a ausência
desse instrumento poderia vir a tornar ineficazes os dispositivos da Carta que obstavam
o erguimento de barreiras ao comércio.
O segundo tema a gerar celeumas consistiu na demanda dos países do Oriente
Médio e Próximo
18
, que desejavam formar uma zona preferencial de tarifas, proposta
combatida tanto pelos Estados Unidos quanto pelos países da Europa Ocidental.
O terceiro tema a suscitar acesos debates residiu em torno do processo de
tomada de decisão da própria Organização, envolvendo a definição do sistema de
votação, isto é, pelo voto ponderado, defendido pelos Estados Unidos, ou pela
modalidade cada país, um voto. Concluiu-se, ao final, pela adoção do segundo modelo
– cada país, um voto – sob a condição, imposta pelos Estados Unidos, pela qual este
país e as sete maiores economias ocidentais tivessem assento permanente no board
da OIC, assim como, igualmente em troca, esperavam que pequenos países viessem a
desistir de suas demandas por cláusulas de escape adicionais no texto da Carta. Em
meio a tantas diferenças, até 15 de janeiro de 1948, as delegações haviam acordado
sobre apenas três pontos: os objetivos básicos da OIC; funções técnicas e
18
Afeganistão, Egito, Grécia, Irã, Iraque, Líbano, Síria e Turquia.
39
especializadas da Organização; o processo decisório baseado no sistema cada país,
um voto.
A razão de tamanha demora na redação final da Carta calcou-se, principalmente,
nas dissensões existentes entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos em
torno de diversos temas. Desde o recurso à utilização de restrições quantitativas ao
comércio assim como o estabelecimento de novos sistemas de tarifas preferenciais,
debatendo-se esta última categoria de países contra a exigência de ambas as medidas
requererem o prévio consentimento da Organização.
No primeiro caso, os países subdesenvolvidos, especialmente da América
Latina e do Oriente Médio, argumentavam que a proibição do emprego de medidas
protecionistas poderia vir a ameaçar as suas ainda incipientes indústrias. Traduzindo
essa posição, o México expressava que os motivos que levaram à retração do comércio
internacional no passado recente advinham não da incidência de tarifas elevadas, nem
de restrições quantitativas e controle de trocas, mas sim do baixo poder de compra, que
poderia ser agravado pela redução tarifária, a qual causaria a interrupção do
desenvolvimento econômico dos países menos industrializados
19
.
No segundo caso, relativo aos acordos comerciais preferenciais, os países sul-
americanos, tendo o Chile como porta-voz, porém excetuando-se o Brasil, adotavam a
posição de que a América Latina constituía um bloco econômico homogêneo, sendo,
portanto, a formação de um acordo preferencial na área, decorrência óbvia, daí a crítica
ao critério de prévio consentimento da OIC. Tal posição confrontava-se com a
externada por Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Suécia e Noruega, que até se
dispunham, como meio termo para a obtenção de consenso sobre o tema, a aceitar a
19
Também a Grécia manifestava a preocupação dos países cujas economias estavam fortemente baseadas em
produtos não enquadrados como necessidades básicas os quais, por sua condição de fragilidade, careciam de
mecanismos de proteção, tais como o uso de medidas quantitativas discriminatórias.
40
formação desses acordos, desde que com o prévio consentimento da Organização e
que acarretassem mais benefícios do que prejuízos.
20
Todavia, as divisões não se verificaram somente entre o bloco dos países
desenvolvidos contra o bloco dos países subdesenvolvidos. Quando entraram em cena
os debates sobre subsídios às exportações, os Estados Unidos restaram solitários na
posição segundo a qual deveria haver flexibilidade dos controles definidos na proposta
inicial da Carta, enfrentando a oposição de Canadá, Grã-Bretanha e França, reforçados
pelos países subdesenvolvidos. Estes últimos temiam que tal facilitação mantivesse o
sistema de comércio mundial nos níveis então existentes, dada a superioridade dos
países desenvolvidos, enquanto os demais oponentes defendiam a necessidade de
salvaguardas para evitar que subsídios às exportações não se tornassem um
instrumento de ampliação da participação de um único país nas exportações mundiais.
Outro tema a levantar questionamentos e contrapor os Estados Unidos aos
países subdesenvolvidos versava sobre os investimentos estrangeiros, o qual, embora
não estivesse disposto detalhadamente na Carta proposta, em seu Artigo 12,
despertava preocupações sobre o grau de inserção em questões de política doméstica,
considerando-se a vagueza da redação do citado Artigo. Os Estados Unidos
argumentavam – chegando a apresentar emenda a respeito – que os investimentos
externos só poderiam ser objeto de acordos bilaterais. O México invocava a Doutrina
Calvo
21
, e propunha um adendo a ser incorporado nesse sentido, pelo qual o
investimento externo deveria estar unicamente sujeito à legislação do país onde se
20
Com efeito, Noruega e Suécia se posicionavam radicalmente contrárias a esse tipo de acordo, porém consideravam
que, se percebessem uma tendência mundial nesse sentido, passariam a agir similarmente.
21
Formulada pelo diplomata e historiador argentino Carlos Calvo (1824-1906), a Doutrina assevera que, aos
investidores, é facultado apenas o recurso às instâncias judiciais do país em que se encontram estabelecidos, com
vistas a resolver disputas relacionadas aos investimentos, assim como nacionais de outros países não possuem
privilégios quanto a disputas eventuais em Estados onde se encontrem, em relação a nacionais desses mesmos
Estados, tendo sido amplamente aplicada na América Latina, incorporada em Constituições e Tratados.
41
encontrasse abrigado, não recebendo acolhida favorável por parte dos Estados Unidos
e de outros países
22
.
Os trabalhos da Conferência vieram a se encerrar em 24 de março de 1948,
quando se promulgou a Ata Final
23
, contendo a Carta de Havana e instituindo a
Organização Internacional do Comércio, a qual foi aprovada por 53 dos 56 países aptos
a deliberar
24
. Composta de nove Capítulos e 106 Artigos, estabelecia as bases futuras
do comércio internacional, definia um código de conduta comercial e, para administrar
esse sistema, dotava a nova Organização de competências e instrumentos para assim
proceder. Possuía uma ampla abrangência, que se estendia muito mais além de
práticas comerciais, no sentido estrito de transações de mercadorias
25
.
Feis (1948: 42) tece, no já citado trabalho, críticas à profusão de artigos e
competências e, conseqüentemente, às confusões e incongruências daí derivadas.
Aludindo à figura de uma complexa trama, afirma que partes e subpartes, como artigos,
seções e parágrafos entrelaçavam-se uns com os outros, criando um documento
“desconcertante”. Acusa que, para satisfazer às vontades de algumas delegações, que
queriam dar a impressão de grandes contribuintes na elaboração do texto no retorno a
seus países, outras passagens desdiziam o que haviam conseguido, para desfazer o
que chamava de “gift language”. Sob um aspecto, a Carta estabelecia um padrão de
comportamento que cada país presumia receber de outro, mantendo ideais de uma
sociedade comercial mundial unificada, mas, sob outro, concedia-lhes ampla liberdade
para agir em seu próprio proveito, pois nenhum Membro era obrigado a adotar
quaisquer medidas ou ações que resultassem em sérios prejuízos a si próprio,
22
Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In:
International Organization
, Vol. 2, No. 1 (Feb., 1948): 135.
23
Em termos formais, “FINAL ACT OF THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND
EMPLOYMENT: HAVANA CHARTER FOR AN INTERNATIONAL TRADE ORGANIZATION”.
24
Argentina e Polônia abstiveram-se de assinar enquanto a Turquia alegou que não havia recebido instruções em
tempo de seu governo para aprovar o documento, fazendo-o em 26 de julho de 1948.
25
A narrativa factual que se segue é baseada em “International Trade Organization (Interim Comission)”. In:
International Organization, Vol. 2, No. 2 (Jun., 1948): 365-373 e no texto integral em língua inglesa da Carta de
Havana, disponível em http://www.worldtradelaw.net/misc/havana.pdf
.
42
resguardando-lhes uma ampla liberdade de ação, não acarretando, portanto, em
quaisquer tipos de restrições. Assim sendo, o autor, contemporâneo à elaboração da
Carta, depositava forte ceticismo quanto à sua validade e eficácia (FEIS, 1948: 43).
Para corroborar tal crença, baseava-se na declaração do Sub-Secretário de Estado dos
Estados Unidos, William L. Clayton, ao afirmar que a Carta não constituía um acordo e,
sim, seis acordos: políticas comerciais, emprego, desenvolvimento econômico e
investimento privado internacional, cartéis, commodities, e a fundação da Organização
Internacional do Comércio como uma nova agência das Nações Unidas, sendo, com
isso, impossível satisfazer a todas as partes.
Logo no Capítulo 1 da Carta de Havana, consignando seus “Propósito e
Objetivos”, asseverava-se que, em consonância com os propósitos estabelecidos pela
Carta das Nações Unidas, especialmente no que se referia ao alcance de elevado
padrão de vida, pleno emprego e condições de progresso econômico e social e
desenvolvimento, definidos no Artigo 55 daquela Carta de Havana, as Partes
comprometiam-se, a atingir seis objetivos primordiais, quais fossem:
1) Contribuir para a estabilidade e a expansão da economia mundial, através do
amplo e permanente aumento do volume de renda e demanda, para o
incremento da produção, consumo e troca de bens;
2) Incentivar e apoiar o desenvolvimento industrial e econômico em geral,
particularmente dos países em estágio inicial de desenvolvimento industrial, e
encorajar o fluxo de capital para investimento produtivo;
3) Promover o acesso a todos os países, em bases igualitárias, a mercados,
produtos e facilidades de produção, necessário a seu desenvolvimento e
prosperidade econômicos;
4) Promover recíproca e vantajosa redução de tarifas e outras barreiras ao
comércio e eliminação de tratamento discriminatório no comércio
internacional;
43
5) Capacitar os países, pelo incremento a seu desenvolvimento econômico e
comercial, a absterem-se de utilizar medidas que possam vir a abalar o
comércio mundial, reduzir o emprego produtivo e retardar o progresso
econômico; e
6) Propiciar o entendimento mútuo, consultas e cooperação para a solução de
problemas relacionados ao comércio internacional nos campos do emprego,
desenvolvimento econômico, política comercial, práticas comerciais e
políticas de commodities.
E, para o cumprimento daquele propósito e dos objetivos arrolados, instituíam a
Organização Internacional do Comércio.
Prosseguindo, o Capítulo II “Emprego e Atividade Econômica”, nos artigos
reservados à questão do emprego e trabalho, destacava, no caput do Artigo 2, a
importância do emprego, da produção e da demanda para o alcance do propósito da
Carta, ao reconhecer que a ausência de condições de trabalho, como o desemprego e
o subemprego, comprometeriam os objetivos da Carta e, para evitar tal situação, o
Artigo 3 preconizava que os Membros deveriam empreender políticas e ações que
ampliassem as oportunidades de emprego aos que desejassem e fossem capazes de
trabalhar, ressaltando, ainda, que não se tratava, somente, de uma preocupação
eminentemente nacional, mas que se estendia ao nível internacional, na medida que o
propósito e objetivos da Carta beneficiariam a todos os países. E, adiante, o Artigo 7
dispunha sobre emprego e padrões trabalhistas justos, ao asseverar que os Membros
reconheciam os direitos dos trabalhadores, assegurados em acordos, declarações e
convenções inter-governamentais, sublinhando que todos tinham interesse comum no
estabelecimento e manutenção de padrões trabalhistas vinculados à produtividade,
incluindo-se melhoria de salários e condições de trabalho, assim como que condições
injustas de trabalho, notadamente no que se referia à produção destinada à exportação,
causava dificuldades ao comércio internacional, instando os Membros a tomar as
atitudes necessárias à eliminação de tais distorções.
44
No tocante à Atividade Econômica, a Carta garantia que, em situações em que
ocorressem dificuldades na balança de pagamentos de um Membro causadas por
desajustes crônicos na balança de pagamentos de outros Membros, aquele poderia
tomar providências para sanar o problema (Artigo 4) e, ainda, que os Membros
poderiam adotar salvaguardas necessárias a evitar pressões inflacionárias ou
deflacionárias oriundas do exterior (Artigo 6), além do que, as conseqüências havidas
por conta da eventual redução da demanda de outros Membros em relação a algum
mereceria consideração especial.
O Capítulo III, que discorria sobre “Desenvolvimento Econômico e
Reconstrução”, um dos mais longos e detalhados da Carta de Havana, estabelecia, em
seu Artigo 8, que os recursos humanos e materiais mundiais diziam respeito e deveriam
beneficiar a todos os países, acrescentando que o desenvolvimento industrial e
econômico em geral, de todos os países, notadamente daqueles menos desenvolvidos,
assim como aqueles que se encontravam em processo de reconstrução após a
devastação causada pela II Guerra Mundial, forneceriam oportunidades para a geração
de empregos, de aumento da produtividade do trabalho, incremento da demanda de
bens e serviços e expansão do comércio internacional. Grande parte dos artigos
contidos neste Capítulo preconizava condições especiais de tratamento a países menos
desenvolvidos bem como àqueles destruídos pelo conflito havido recentemente e em
fase de reconstrução de suas estruturas econômicas nacionais. Assim sendo, tinha-se
como exemplo, a prerrogativa de se estabelecer restrições quantitativas visando ao
desenvolvimento econômico de determinados setores industriais, ressalvando que a
utilização inadequada de tais medidas poderia afetar negativamente o comércio
internacional. Outro exemplo consistia em que, por solicitação dos Membros, a
Organização propriamente dita, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas,
(ECOSOC) bem como outras organizações intergovernamentais poderiam auxiliá-los no
estudo das potencialidades de seus recursos naturais, da mesma maneira que o
poderiam fazer na elaboração de planos de desenvolvimento econômico e/ou
reconstrução e respectivo financiamento (Artigo 10). O Artigo 11 propugnava pela
45
cooperação entre os Membros com vistas a fornecer capitais, materiais, equipamentos
modernos, técnicas e tecnologias e habilidades gerenciais para os países arrolados no
Artigo 10. Quanto ao Artigo 12, campo de embate entre os Estados Unidos – que
propunham regras rígidas de proteção aos investimentos estrangeiros – e a América
Latina, com o apoio de Índia e Austrália, a versão final da Carta de Havana dispunha
que os investimentos internacionais, os quais não deviam ser discriminados por sua
origem, desempenhavam importante papel na promoção ao desenvolvimento
econômico e à reconstrução, acarretando, por conseguinte, progresso social.
Ressalvava, no entanto, que, sem prejuízo dos acordos internacionais sobre a matéria,
dos quais os Membros fossem signatários, cabia aos Estados tomarem medidas
necessárias para assegurar que os investimentos externos não seriam usados para
interferir em assuntos nacionais ou em influir na formulação de políticas públicas
nacionais, podendo, ainda, determinar se, e em que extensão, os investimentos seriam
permitidos. Prevaleceu, assim, a proposição dos países menos desenvolvidos,
rejeitando a clássica visão norte-americana de defesa incondicional dos direitos de
propriedade. Em assim sendo, alguns autores, como Graham, consideram que a Carta
deixou uma grande margem de vulnerabilidades no tratamento da questão, ao não
amarrar compromissos rígidos de ambas as partes, isto é, Estado e investidores
(GRAHAM, 1996: 70)
26
.
O Artigo 13 reconhecia a faculdade dos Membros de adotarem medidas
protecionistas voltadas à implantação, desenvolvimento ou reconstrução de setores
industriais específicos ou ramos da agricultura, definidos em políticas de assistência
governamental. O Artigo 15 vinculava ao desenvolvimento econômico dos países
subdesenvolvidos ou à reconstrução econômica do pós-II Guerra, dentre outras
circunstâncias especiais não denominadas, a celebração de acordos preferenciais entre
países, desde que comunicada previamente à Organização, a qual deveria submeter à
26
Algumas das falhas apontadas por Graham na redação final da Carta de Havana consistiam na ausência de
compromissos explícitos quanto ao cumprimento das regras de não discriminação e tratamento nacional e, ainda,
pelo fato de não haver qualquer menção a incentivos por parte dos Estados para atrair investimentos e nem exigência
de performance sobre os investidores (GRAHAM, 1996: 70).
46
votação a proposta, sendo aprovada se obtivesse a maioria de dois terços,
caracterizando a excepcionalidade do Artigo 16, que conceituava o Tratamento Geral
da Nação Mais Favorecida (MFN)
27
.
O Capítulo IV versava sobre “Política Comercial”, cuja Seção A disciplinava
sobre questões relativas a tarifas, preferências, taxações internas e regulação. E como
exposto imediatamente acima, o referido Artigo 16 explanava o conceito fundamental
do livre comércio, qual seja, a Cláusula da Nação Mais Favorecida
28
, que define que
toda e qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedidos a um Membro
sejam, necessária e obrigatoriamente, estendidos a todos os demais Membros,
incidindo sobre quaisquer produtos originários de um país ou destinados a qualquer
outro país, válida a todas as regras e formalidades vinculadas à exportação e
importação como tarifas aduaneiras, encargos ou transferência de pagamentos
relacionados ao intercâmbio comercial. O Artigo 17 instava aos Membros encetar
negociações diretas visando à redução substancial de tarifas e outros encargos sobre o
comércio internacional, assim como à eliminação das preferências arroladas no
parágrafo 2 do Artigo 16, em bases mutuamente vantajosas, sendo que as margens
existentes não deveriam ser ampliadas
29
. Com efeito, o disposto no Artigo 17
incorporava as negociações que vinham se desenrolando no âmbito do GATT,
dispondo sobre o andamento destas, vigência futura e sua compatibilidade com a Carta
27
Em inglês:
Most-Favoured-Nation Treatment
.
28
Segundo Piot, trata-se, de dispositivo muito antigo, quando era concedida unilateralmente por um novo país a
países de civilização antiga, garantindo-lhes primazia de influência (PIOT, 1956: 10-11), enquanto que, para Lafer,
com base em autores ingleses, a Cláusula assumira aspectos mais definidos quando do Tratado de Amizade
celebrado entre Grã-Bretanha e Portugal, tornando-se o padrão das relações
econômicas comerciais ditadas por
aquele país e favorecendo sua posição internacional, desde então e até o início do século XX (LAFER, 1971: 41).
29
As preferências arroladas no parágrafo 2 do Artigo 16 não obrigavam a sua eliminação, porém o Artigo 17
preconizava que assim se fizesse, consistindo elas nos acordos preferenciais existentes entre os Estados Unidos e
Cuba e Filipinas, respectivamente, suas antigas possessões obtidas quando da Guerra Hispano-Americana de 1898; a
Commonwealth Britânica [incluindo, além de suas possessões, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul,
Irlanda, Rodésia do Sul (atual Zimbábue), Ceilão (atual Sri Lanka) e Birmânia]; França e suas possessões; Bélgica,
Holanda e Luxemburgo e as possessões das duas primeiras; Estados Unidos e suas dependências; Portugal e
possessões; Chile, de um lado e Argentina, Bolívia e Peru, de outro; União Aduaneira Sírio-Libanesa, de um lado e
Palestina e Transjordânia (atual Jordânia), de outro; Colômbia, Equador e Venezuela; países da América Central, e,
Argentina, de um lado e Bolívia, Chile e Paraguai, de outro. Cf. Carta de Havana, Artigo 16 § 2 (a) e (d)
relacionados aos acordos EUA/Cuba e EUA/Filipinas e Anexos A a J para os demais, na ordem citada.
47
de Havana. O Artigo 18 discorria sobre outro princípio basilar do livre comércio, qual
seja, o tratamento igualitário, não-discriminatório e não menos favorável a um produto
originário de um país após o ingresso no mercado do país importador, como leis,
regulamentos, taxas, exigências, etc. Contudo, as disposições do artigo não se
aplicavam a compras governamentais, assim como não se tornavam obstáculos ao
pagamento de subsídios exclusivamente a produtores domésticos fornecedores de
compras governamentais. Subseqüentemente, o Artigo 19 também reservava
prerrogativas aos Membros de estabelecer regulamentos internos referentes à exibição
de filmes cinematográficos, por meio da definição de quotas de exibição de filmes
nacionais em relação a produtos de origem estrangeira, como forma de proteção à
indústria cinematográfica local.
A Seção B tratava de restrições quantitativas a exportações e importações, em
que, igualmente, se assentava outro princípio fundamental do livre comércio, o qual
estipulava que somente as tarifas constituíam os únicos instrumentos de proteção
permitidos, vedando-se a aplicação de outras barreiras como quotas, licenças de
importação ou exportação ou quaisquer outras medidas destinadas a efetuar
procedimentos defensivos. Contudo, uma série de exceções atenuava as rígidas
disposições do caput do Artigo 20, como a necessidade de medidas a serem adotadas
pelos Membros proibindo exportações com vistas a prevenir ou amenizar as
conseqüências derivadas da eventual escassez de alimentos; proibição ou restrição de
exportações ou importações necessárias à definição de padronizações ou regulações
para a classificação de produtos no comércio internacional ou restrições necessárias a
quaisquer produtos agrícolas ou pesqueiros, necessárias ao reforço de medidas
governamentais concernentes à regulação da produção. Feis considera, em seu artigo
(1948: 45), que a aplicação integral desse dispositivo transformaria radicalmente o
comércio mundial e, em tempos de paz, não existiriam barreiras desse tipo.
Porém, já o Artigo 21 disciplinava matéria relativa ao equilíbrio da balança de
pagamentos, ao permitir que um Membro pudesse restringir quantidades ou valores
48
referentes a mercadorias importadas, com o objetivo de salvaguardar sua posição
financeira, desde que fosse atendida uma série de condições
30
. As restrições impostas
não poderiam se revestir de qualquer caráter discriminatório contra qualquer Membro
específico (Artigo 22), assim como deveriam evitar danos desnecessários aos
interesses econômicos e comerciais de qualquer Membro, cabendo que tais restrições
fossem progressivamente levantadas e, por fim eliminadas, assim que estivesse sanada
a situação geradora do recurso à exceção. Restrições também eram permitidas, tanto
para atender aos pressupostos do Artigo 3, referente ao cumprimento das deliberações
sobre pleno emprego produtivo e crescimento da demanda, quanto para o atendimento
das condições especiais dispostas no Artigo 9, relativas aos esforços requeridos para a
reconstrução do período pós-II Guerra, assim como para o desenvolvimento industrial.
Embora não se considerasse necessária a prévia aprovação da Organização para a
aplicação de tais restrições por parte de um Membro, qualquer outro Membro que se
considerasse prejudicado por uma ação restritiva poderia a ela recorrer, visando à
correção do pretenso dano
31
. Segundo Feis (1948: 47), no desenho inicial da Carta,
ainda em Genebra, constava a necessidade da prévia aprovação da Organização para
que restrições quantitativas fossem implementadas em prol dos esforços do
desenvolvimento econômico-industrial. Contudo, já em Havana, o bloco dos países
subdesenvolvidos, formado por América Latina, Oriente Médio e Ásia, fortemente
presente à Conferência, estava determinado a levar avante programas de
industrialização – segundo o autor sem levar em conta os custos e as dimensões de
mercado – e, para tal, utilizar o recurso da aplicação de restrições quantitativas, uma
vez que a perspectiva que envolvia o bloco era a de que esses países só atingiriam o
status de nação se conseguissem produzir o que anteriormente lhes era fornecido pelos
países industrializados, operando a sinonímia entre produção industrial e
30
As condições impostas para que se aplicasse o disposto no Artigo 21 consistiam na necessidade do Membro em
repelir a ameaça iminente de, ou interromper, um grave declínio de suas reservas monetárias ou, ainda, em caso
destas reservas se encontrarem em nível crítico, possibilitar que alcançassem níveis mais razoáveis ou efetivamente
mais seguros.
31
A Carta estabelecia um período de transição, até março de 1952, quando, a partir desta data, a Organização poderia
tomar medidas mais efetivas visando ao controle e prevenção de abusos do recurso a medidas restritivas à
importação e a eventuais exceções às regras de não-discriminação, previstas no Artigo 23.
49
independência. Corroborando-o, Lafer atribui, especificamente, à ação de Brasil e
Índia, a extensão da aplicação de restrições quantitativas às necessidades de
desenvolvimento e, ainda, ressalta a tentativa da Austrália, secundada por Chile,
Colômbia e Índia, de ampliar as exceções aos países subdesenvolvidos, visando a
facultar-lhes a possibilidade de usar todos os instrumentos comerciais disponíveis com
o objetivo de incrementar o desenvolvimento, inclusive elevação de tarifas, o que
acabou sendo inviabilizado por Estados Unidos e Canadá (LAFER, 1971:43). Voltando
a Feis, daí explicar-se-ia a alteração da redação final quanto à obrigatoriedade da
prévia aprovação da OIC
32
, comparada ao draft discutido em Genebra, o que levaria ao
dilema entre preservar os objetivos originais do documento ou assegurar a mais ampla
participação dos países subdesenvolvidos na Organização.
A Seção C discorria sobre Subsídios, cujo Artigo 25 impunha que todos os
Membros que mantivessem subsídios de qualquer natureza deveriam,
obrigatoriamente, notificar a Organização e, ainda que, qualquer Membro que se
considerasse prejudicado pelo emprego de subsídio de outro Membro, poderia avocar a
abertura de negociações bilaterais ou com a intermediação da OIC, tendo em vista a
perspectiva de redução do nível de subsídios empregados. O Artigo seguinte vedava a
concessão de subsídios à exportação que resultassem em preços menores do que os
praticados domesticamente, sendo que o disposto neste Artigo 26 deveria entrar
plenamente em vigor até dois anos após a promulgação da Carta
33
. As Seções
subseqüentes tratavam, respectivamente, de comércio estatal, com ênfase a garantir
que as empresas estatais não obtivessem privilégios em operações comerciais que
acarretassem em ações discriminatórias sobre empresas privadas, pautando suas
atividades por princípios eminentemente comerciais como preço, qualidade e outros
critérios de natureza pertinente à concorrência comercial (Seção D); a Seção E
disciplinava sobre Disposições Comerciais Gerais, ao conceituar temas como anti-
32
O § 5 (c) do Artigo 21 tornava facultativa a consulta prévia à Organização para a aplicação de medidas restritivas.
33
Todavia, no caso de produtos primários, algumas exceções foram asseguradas pelo Artigo 27, descaracterizando-as
como concessão de subsídios, como, por exemplo, um sistema de estabilização de preços domésticos.
50
dumping, valoração aduaneira e marcas de origem; e, por fim, a Seção F, intitulada
Disposições Gerais, apresentava, primeiramente, a Cláusula de Escape, no Artigo 40,
que permitia que, em caso de a redução tarifária acarretar um incremento das
importações a ponto de causar sérios danos – ou mesmo ameaçar fazê-lo – o Membro
estaria livre para suspender, no tempo que fosse necessário, as concessões efetuadas
previamente. Para Feis (1948: 44), esta prerrogativa seria um dos indicadores que
anulariam os efeitos preconizados em geral pela Carta, pois, em períodos de intensa
competição, tal direito poderia ser invocado, obstaculizando quaisquer esforços de
redução tarifária. Também o Artigo 43, para o autor, que rezava que nada na Carta
poderia ser arrolado para impedir que os Membros adotassem medidas relacionadas à
conservação de recursos naturais exauríveis, desde que acompanhadas da contenção
da exploração e do consumo domésticos, permitiria aos Membros furtarem-se de
proceder a reduções de tarifas pertinentes, por exemplo, a recursos minerais ou
agrícolas
34
.
Ainda neste Capítulo, se apresentava como destaque o Artigo 44, que conferia
tratamento às áreas de livre comércio e às uniões aduaneiras, declarando que tais
mecanismos de integração se constituíam meios de aproximação e aprofundamento da
liberdade de comércio entre países, portanto, não havendo nada que impedisse a
formação de tais acordos, desde que não erigissem barreiras às partes não integrantes,
obrigando, porém, que sua formação e o respectivo plano de compromissos fossem
comunicados à Organização que julgaria sua procedência em conformidade com as
regras estabelecidas
35
. Nesse ponto, os países sul-americanos acabaram por vencer
as resistências dos países industrializados, anteriormente contrários à formação de
acordos comerciais preferenciais.
34
Neste segundo caso, especificamente, o autor questionava se um país, alegando desenvolver programas de
conservação do solo, poderia se recusar a negociar tarifas incidentes sobre produtos alimentícios.
35
De acordo com o § 5 do Artigo 44, não se poderia estabelecer elos entre os acordos preferenciais mencionados no
citado § 2 do Artigo 16.
51
O Capítulo V dispunha sobre Práticas Comerciais Restritivas, o qual coibia aos
Membros efetuar tais práticas, consideradas incompatíveis com os propósitos da Carta,
concebidas como impeditivas ao livre comércio, ao acesso a mercados e à
concorrência, denotando sua natureza monopolística, produzindo, desta forma, efeitos
danosos à expansão da produção e do comércio, incluindo, no texto do Artigo 46, tanto
as empresas privadas quanto as empresas públicas, sendo passíveis de investigação
por parte da Organização. No entanto, as investigações que viessem a ser levadas a
cabo pela OIC não implicavam, necessariamente, em aplicação de sanções ou
quaisquer outros instrumentos punitivos, e, sim, na solicitação ou recomendação de que
o Membro adotasse medidas saneadoras que, posteriormente, deveriam ser a ela
relatadas (Artigo 48). Preteridos em sua primeira tentativa quando da Conferência
Preparatória, os países subdesenvolvidos, desta feita, obtiveram inserir na Carta, em
seu Artigo 53, sobre Procedimentos Especiais Relativos a Serviços, disposições que
consideravam setores como transportes, telecomunicações, seguros e bancário,
elementos substanciais do comércio internacional e, portanto sujeitos ao mesmo
enquadramento previsto no Artigo 46 (LAFER, 1971: 43-44).
O Capítulo VI tratava dos Acordos Intergovernamentais sobre Commodity, cujo
Artigo 55 reconhecia as eventuais dificuldades enfrentadas pelas commodities
primárias, as quais poderiam afetar o comércio internacional que as envolvia e, por
conta, igualmente reconhecia a necessidade de tratamento especial, por meio de
acordos intergovernamentais, que se destinavam a cumprir os objetivos de prevenir ou
amenizar dificuldades econômicas causadas pelo desequilíbrio entre produção e
consumo. Os Acordos, igualmente, aplicar-se-iam nos casos de flutuação acentuada de
preços, visando a atingir um razoável grau de estabilidade, traduzida em preços
acessíveis aos consumidores e retorno adequado aos produtores, assim como na
manutenção e desenvolvimento dos recursos naturais, buscando se evitar sua
exaustão, dentre outras possibilidades (Artigo 57).
52
O Capítulo VII dispunha sobre a Organização propriamente dita, sua estrutura de
funcionamento, Membros originais e processo decisório. Assim, o Artigo 71
considerava Membros originais todos os Estados convidados a participar da
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, cujos governos tivessem
aceitado os termos contidos na Carta de Havana, até a data de 30 de setembro de
1949, conforme rezava o § 1 do Artigo 103, ou, se até o prazo mencionado, a Carta não
tivesse entrado em vigor, valeria o disposto no § 2, alínea (b)
36
. Além dos Estados
soberanos, poderiam ser considerados Membros originais os territórios aduaneiros que
tivessem sido, igualmente à época da Conferência, convidados pelas Nações Unidas,
cujo detentor da tutela tivesse aceitado os termos da Carta
37
.
No que dizia respeito ao desempenho das funções atinentes à Organização, o
Artigo 72 as definia como núcleo de informação referente ao comércio internacional;
promoção de acordos bilaterais e multilaterais relativos ao tratamento igualitário entre
estrangeiros, nacionais e empresas; instrumento de expansão do comércio
internacional; promoção da colaboração com outras organizações intergovernamentais,
em particular o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e com estas em
geral
38
.
A estrutura da Organização, detalhada nos Artigos 73 e seguintes, estabelecia
seu corpo diretivo, pelo qual a Conferência dos Membros, realizada anualmente,
constituía-se como o órgão máximo de deliberação, definindo-se o processo decisório
pela modalidade cada Membro, um voto, ficando o quorum definido pela maioria
36
A data citada referia-se ao prazo estipulado pelo Artigo 103 § 2 (b), o qual dispunha que caso até lá, a Carta não
tivesse entrado em vigor, através do depósito de instrumento de ratificação efetuado pelos governos junto às Nações
Unidas, aqueles que já o tivessem feito, poderiam, a convite do Secretário Geral dessa Organização, deliberar sobre
em quais condições a Carta deveria adquirir vigência.
37
O § 3 do mesmo Artigo 103 determinava que qualquer território aduaneiro não convidado, à época, à Conferência,
poderia tornar-se Membro da Organização, desde que proposto pelo Membro responsável pela condução de suas
relações diplomáticas, porém detentor de autonomia na condução de suas relações comerciais e sujeito à aprovação
da OIC.
38
Os Artigos 86 e 87 definiam, detalhadamente, a forma de cooperação com as Nações Unidas e outras organizações
intergovernamentais, respectivamente, sendo que, no primeiro caso, a OIC é declarada como uma agência da ONU,
mediante acordo que seria celebrado entre as partes.
53
simples dos presentes e votantes, no que Drache qualifica de governança democrática
no plano internacional, em que o peso da maioria prevaleceria sobre o controle da elite
(DRACHE, s.d: 20). Em seguida, criava-se um Conselho Executivo
39
, composto de
dezoito Membros, designados pela Conferência
40
, sendo que oito deles deveriam
representar a maior parcela de participação no comércio mundial, tendo cada Membro
um voto e as decisões seriam tomadas por maioria. Por fim, ter-se-iam as Comissões,
cujas funções seriam definidas pela Conferência e deveriam se reportar ao Conselho
Executivo, sendo que seus integrantes seriam indicados por este Comitê, não
excedendo a sete componentes cada. A par dos órgãos colegiados, a Organização
contaria com um Diretor Geral e seu conjunto de assessores, sendo aquele designado
pela Conferência, mediante indicação do Conselho Executivo.
O Capítulo VIII, nos Artigos 93 e seguintes, disciplinava as regras relativas a
Solução de Controvérsias, segundo as quais as disputas, inicialmente, poderiam ser
resolvidas através de negociações diretas entre as partes envolvidas. Contudo, caso
não se chegasse a soluções a contento, a parte reclamante recorreria ao Conselho
Executivo, que procederia a uma investigação sobre o caso em pauta, o qual tomaria
uma posição sob a forma de ação, recomendação ou decisão, podendo, ainda, a parte
descontente impetrar recurso junto à Conferência
41
.
Por fim, o último Capítulo arrolava as Disposições Gerais da Carta, como
exceções, emendas, retirada dos Membros, vigência, aplicação territorial e os anexos
inseridos em seu corpo. Ainda, inseridas na Carta, constavam seis resoluções votadas
pela Conferência, sendo a primeira delas a que criava a Comissão Interina para o
Comércio Internacional
42
, a qual elegeu um Comitê Executivo
43
, em anexo à Resolução,
39
Executive Board
no original em inglês.
40
Uma união aduaneira poderia ser designada para o Comitê, como um Membro singular.
41
Na Carta de Havana, não ficavam estabelecidos os modos de eventual punição ou coerção para que um Membro
fosse compulsoriamente obrigado a cumprir as resoluções decorrentes da Solução de Controvérsias.
42
Essa Comissão foi composta pelos governos que haviam aprovado essa primeira resolução e considerados
Membros originais da Organização, nos termos do Artigo 71 da Carta.
43
Executive Commitee
no original em inglês.
54
com o objetivo de desempenhar algumas funções pré-estabelecidas, como convocar a
primeira sessão regular da Organização e preparar sua agenda provisória bem como
definir o primeiro orçamento anual da OIC e elaborar o rascunho do acordo com as
Nações Unidas, dentre outras atribuições
44
.
Uma das primeiras questões a serem tratadas pelo Comitê Executivo referiu-se à
indicação de um Conselheiro de Desenvolvimento Econômico, tendo-se definido que o
nome seria indicado pelo Secretário Geral a partir de uma lista de nomes sugerida pelo
Comitê, deliberando, ainda, indicar representantes de alguns de seus integrantes para
compor um painel consultivo junto ao Secretário Geral com o objetivo de elaborar um
relatório sobre Desenvolvimento Econômico
45
. Restava apenas, então, a partir desses
passos, aguardar as ratificações dos países e seus respectivos instrumentos de
depósito para implementar a Organização. Enquanto isso não acontecia – e jamais
viria a acontecer – o Comitê Executivo reunia-se periodicamente para tratar de assuntos
da estruturação da OIC, como os desenhos dos acordos com outras organizações
internacionais, particularmente com as Nações Unidas e o Fundo Monetário
Internacional, elaborar os relatórios citados nas resoluções anexas à Carta e outras
atividades.
Até a data de 31 de outubro de 1949, somente Austrália e Libéria haviam
ratificado suas adesões, o que motivou o Secretário Executivo da Comissão a oficiar
questionários aos governos sobre os processos de adesão, recebendo respostas de
quatro países: Dinamarca, França, Noruega e Estados Unidos
46
, que o haviam feito em
44
Para a composição deste primeiro Comitê Executivo foram respeitados os mesmos critérios de distribuição
definidos pelo Artigo 78 acerca da composição do Conselho Executivo, sendo eleitos os cinco países ou uniões
aduaneiras com maior participação no comércio mundial, a saber: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, França e
Benelux; em seguida foram selecionados mais dois paises com importância potencial maior, a saber: China e Índia; e
por fim os restantes, a saber: México, Brasil, Colômbia, El Salvador, Egito, Filipinas, Noruega, Austrália, Itália,
Tchecoslováquia e Grécia; e tendo se elegido o representante da Grã-Bretanha, Eric Wyndham White, Secretário
Geral da Comissão.
45
Foram indicados representantes da Austrália, Brasil, China, Egito, França, Índia, México, Filipinas, Grã-Bretanha
e Estados Unidos.
46
Cf. “International Trade Organization (Interim Comission)”. In:
International Organization
, Vol. 4, No 2 (May,
1950): 325.
55
abril, porém o Congresso norte-americano protelava a apreciação da proposta. Com
efeito, todos os demais países esperavam a submissão da proposta pelo Executivo ao
Congresso, como condição à sua subseqüente definição. Em dezembro de 1950, o
Presidente norte-americano Harry Truman resolve não reapresentar a Carta de Havana
ao Congresso, provocando uma reação generalizada, inicialmente encabeçada pela
Grã-Bretanha e seguida pela Holanda que, da mesma forma, não submeteram-na aos
respectivos parlamentos
47
. Decretava-se, assim, o fim da Organização Internacional do
Comércio.
Feis, ainda em 1948, vaticinava sobre a possibilidade da Carta jamais ser levada
a efeito e, mesmo que tal fato ocorresse, suscitava dúvidas sobre sua capacidade de
cumprir os objetivos nela constantes ou obter influência sobre os eventos vindouros a
ela atinentes. Considerava-a muito mais um amontoado de interesses particulares
costurados em um documento do que, necessariamente, um acordo comum entre
Membros, mesmo representando um passo importante de representação da vontade e
do ideal de cooperação econômica se comparado ao passado então imediatamente
recente (FEIS: 1948: 50). Posição eminentemente contrária é argumentada por
Drache, ao asseverar que a Carta trazia em si elementos inovadores como uma nova
perspectiva de economia política, ao superar aquela mais antiga que tratava comércio e
investimentos como um conjunto de regras destinado a proteger apenas os interesses
dos investidores ou a considerar comércio, desenvolvimento, padrões trabalhistas e
políticas domésticas como compartimentos isolados, mas, inversamente, teriam os
Membros buscado integrar um ambicioso programa de redução de barreiras comerciais
a um amplo leque de temas como investimentos, desenvolvimento, padrões trabalhistas
e práticas antimonopolistas (DRACHE, s.d: 8). E sugere que a fusão de princípios
liberais, como a redução das barreiras comerciais e eliminação de quotas, com
questões relacionadas a desenvolvimento econômico, práticas restritivas de comércio e
medidas anti-depressão econômica, constituía-se em uma política deliberada dos
mentores da Organização, assim como a idéia de criar um código comercial, sem, no
47
Cf. “International Trade Organization”. In:
International Organization
, Vol. 5, No 2 (May, 1951): 384-385.
56
entanto, impor regras rígidas a seu cumprimento, visando a sua aceitação por todos os
Membros, independentemente de suas respectivas orientações de política econômica:
economias de mercado, de planejamento estatal ou em desenvolvimento,
“...agreeing to
recognize diversity and asymmetry, rather than uniformity of condition...
” (DRACHE, s.d: 12-14).
Lafer considera que a Carta representou a aglutinação de tendências opostas,
isto é, entre os países desenvolvidos – particularmente Estados Unidos, Grã-Bretanha e
Canadá – que advogavam o livre comércio, com exceção de algumas áreas como a
agricultura – e os países subdesenvolvidos, que lutavam pela instituição de
mecanismos que acarretassem em atalhos para o desenvolvimento. Portanto, e nesse
ponto concorda integralmente com Drache que, ao não ser ratificada, significou a perda
dos avanços obtidos nesse processo negociador por parte dos países
subdesenvolvidos, pois os itens incorporados pelo GATT tratavam basicamente dos
princípios do livre comércio (LAFER, 1971: 44; DRACHE, s.d: 24). Segundo Evans,
ainda em Genebra, em 1947, quando, concomitantemente, negociava-se o GATT e os
termos da Carta de Havana como um todo, a insistência dos países subdesenvolvidos
em enfatizar, e obter, a inclusão de exceções constantes do Artigo 18, demonstrava o
temor da competição desenfreada desses países em relação aos Estados Unidos,
temor, porém, que não lhes era exclusivo, estendendo-se igualmente à Europa, ao
associar reconstrução e necessidade de desenvolvimento em um único grau, a despeito
de haver uma lógica predominante nas negociações de não se aprofundar as distinções
entre Membros (EVANS, 1968: 74). A força quantitativa demonstrada pelos países
subdesenvolvidos, já em Havana, perfazendo o total de 32 participantes em 56,
conforme quadro abaixo, teria acabado por enfraquecê-los, pois, ao obter a inclusão de
diversas exceções em nome do desenvolvimento econômico, permitiu aos países
desenvolvidos ter o álibi necessário para descumprir aquilo que havia sido acordado
(EVANS, 1968: 74-75)
48
.
48
Segundo a contagem estabelecida por Evans, não explicitada em qual critério foi baseada, em Havana, o total de
países considerados subdesenvolvidos chegava a 32, entre 56 participantes (EVANS, 1968: 74), ressalvando que,
nessa categoria, não se incluía qualquer país europeu; contudo, não foram encontrados critérios oficiais da época que
definissem o enquadramento preciso entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
57
QUADRO I
PAÍSES PARTICIPANTES DA CONFERÊNCIA DE HAVANA
POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO
CATEGORIA
PAÍSES
DESENVOLVIDOS
Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, China,
Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha,
Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Nova
Zelândia, Noruega, Portugal, Rodésia do Sul,
Suécia, Suíça, Tchecoslováquia, União Sul-
Africana.
SUBDESENVOLVIDOS
Afeganistão, Argentina, Bolívia, Birmânia, Brasil,
Ceilão, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Egito, El
Salvador, Equador, Filipinas, Guatemala, Haiti,
Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Líbano, Libéria,
México, Nicarágua, Panamá, Paquistão, Peru,
República Dominicana, Síria, Transjordânia,
Uruguai e Venezuela.
Elaborado a partir de Evans (1968: 74).
Cabe salientar que, a despeito desse enquadramento tomar como base o critério
estabelecido pelo autor, pode-se depreender que não fugia demasiadamente à lógica
geopolítica da época, pois, países europeus como Grécia, Portugal, Irlanda e Turquia,
assim como a China, eram aliados norte-americanos, enquanto a União Sul-Africana e
a Rodésia do Sul eram governados por regimes de minoria branca, ligados à
Commonwealth Britânica.
58
Como Drache explicita, o que começou como uma idéia dos Estados Unidos,
acabou sendo abarcada pelos países subdesenvolvidos – ou developing countries
como os conceitua – que participaram ativamente no desenho da Organização, fugindo
completamente ao roteiro concebido pelo Departamento de Estado, contribuindo assim
para arregimentar a posição do Congresso, dominado pelo Partido Republicano, de
recusar a ratificação da Carta (DRACHE, s.d: 7). E mais do que se envolver com a
proposta norte-americana, Drache afirma que o desenho da Carta, como elaborado a
seu final, teria sido bastante diverso, se não tivesse havido a participação efetiva dos
países subdesenvolvidos, transformando o que considera uma modesta iniciativa anglo-
americana em um amplo dispositivo que agregou em um mesmo diapasão comércio,
moeda, investimento, emprego e desenvolvimento (DRACHE, s.d: 21), amalgamando
assim, princípios keynesianos e adeptos maiores do livre comércio, que se
reconciliavam pragmaticamente após os antagonismos do entreguerras.
Entre 24 de março de 1948 – quando se finalizaram os trabalhos da Carta, até
1950, enquanto se aguardavam as démarches para a sua ratificação, e quando,
finalmente, tornou-se patente que os Estados Unidos, principais mentores da proposta
original, não iriam fazê-lo, o mundo assistira ao desencadeamento da Guerra Fria, a
consolidação da bipolaridade e todos os seus corolários – a guerra civil grega, o Plano
Marshall, o bloqueio de Berlim, a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte
– assim como ao primeiro conflito armado em seu bojo, a Guerra da Coréia, alterando
as prioridades da política externa norte-americana. Além disso, como ressalta Sato
(1994: 13), a posição econômico-financeira americana, ao final da Guerra e no início
dos anos 1950, era acentuadamente superior a dos países europeus, fato que lhes
conferia uma autonomia em relação aos arranjos multilaterais, particularmente aqueles
vinculados ao comércio internacional. Graças a essa pujança econômica e atuando
tanto como exportadores e importadores em grande escala, os interesses diversificados
da sociedade norte-americana não vislumbravam posições consensuais em torno da
59
letra e do espírito da Carta de Havana (SATO,1994: 13)
49
. Aggarwal, contudo,
considera que os fatores arrolados adiante se constituíam positivos para que os
Estados Unidos assumissem o que denomina de responsabilidade global, porém,
citando Diebold Jr. – em sua obra “The End of ITO”
50
– que apontava que a formação
de uma coalizão, unindo “protecionistas e perfeccionistas” – estes últimos considerados
os adeptos radicais do livre comércio – ambos temerosos dos compromissos que os
princípios da Carta poderiam acarretar a seus interesses, inviabilizou a sua aprovação
no Senado (AGGARWAL, 1999: 5), que jamais chegou a apreciar a proposta
encaminhada por Truman, que, igualmente não teria se empenhado em aprová-la.
Acrescentando à falta de empenho de Truman, Odell & Eichengreen apresentam
duas outras hipóteses explicativas para o fracasso da ratificação da Organização pelo
Congresso norte-americano: a opção de saída (exit option), o distanciamento entre os
negociadores dos Estados Unidos no processo de elaboração da Carta e as respectivas
forças de apoio e interesse (agent slack), além do citado papel de Truman em não se
empenhar em exercer sua liderança presidencial (presidential leadership) com vistas à
aprovação da proposta, ao estabelecerem a comparação com o êxito da aprovação da
criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994. A opção de saída
desdobrava-se em duas, a institucional e a regional, sendo a primeira a mais viável
para os Estados Unidos, representada pelos avanços já obtidos no âmbito das
negociações do GATT, restritas, especificamente, aos acordos bilaterais de redução
tarifária, os quais eram posteriormente estendidos aos demais parceiros, pela Cláusula
da Nação Mais Favorecida. Ou seja, diante das inúmeras modificações que o projeto
original dos EUA sofrera durante o processo negociador e dadas as dificuldades de sua
aprovação – e ainda apoiado na autorização concedida pelo Reciprocal Trade
Agreement Act (RTAA) de 1934 – a opção pelo GATT, como saída institucional, tornou-
49
Sato observa que, em 1950, o Produto Nacional Bruto americano era da ordem de US$ 381 bilhões, superior aos
de União Soviética, Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental, Itália e Japão em conjunto, cujos valores somados
atingiam à cifra de US$ 356 bilhões (SATO, 1994: 13).
50
Refere-se à clássica obra de Diebold Jr., William.
The End of ITO
.
Essays in International Finance No. 16
.
Princeton: Princeton University, October: 1952. pp. 1-37.
60
se a mais conveniente para levar adiante o projeto de liberalização comercial,
desprovido de todos os demais itens constantes da Carta de Havana, como emprego,
desenvolvimento, práticas restritivas ao comércio, investimentos e todas as exceções
nela embutidas. Por outro lado, avaliam os autores, naquele momento, os Estados
Unidos não possuíam uma saída regional, em termos comerciais, vinculada a seus
objetivos geopolíticos (ODELL & EICHENGREEN, 1998: 182-183 e 194-195)
51
.
No que se refere ao distanciamento entre os negociadores e os interesses
domésticos (agent slack), Odell & Eichengreen afirmam que aqueles se isolaram,
despreocupando-se em galvanizar o necessário apoio doméstico à aprovação da Carta,
tendo como complicador ainda maior as concessões que foram por eles efetuadas,
colaborando para ampliar a oposição à aprovação. Com efeito, esse distanciamento ter-
se-ia dado desde o início do processo de lançamento da idéia junto à Grã-Bretanha, em
1941, e se estendido até 1948, deixando todos os grupos de interesse e o Congresso à
margem e, quando se buscou renovar o mandato do Ato de 1934, em 1945, nenhuma
explicação teria sido apresentada a respeito da formação de uma organização
internacional e nem de como se transformariam negociações bilaterais em multilaterais.
Agravando tal quadro, fatores domésticos levaram a oposição republicana a vencer as
eleições parlamentares de 1946, formando maioria tanto na Câmara dos
Representantes quanto no Senado, cujos líderes voltaram-se contra o programa de
acordos comerciais, os quais foram alterados pelo Presidente. A partir desse momento,
então, que os negociadores começaram a expor as propostas da constituição da
Organização e a chamar representantes do setor privado e do Congresso para
acompanhá-los às conferências. Com o estopim dos eventos decorrentes da Guerra
Fria, as negociações comerciais foram perdendo espaço na relevância da política
externa norte-americana, relegando a prioridade até então conferida à montagem da
51
Já para a Grã-Bretanha, ao contrário, a saída regional era a sua melhor opção, tanto no que dizia respeito à Europa,
considerados os objetivos da reconstrução financiados pelos próprios Estados Unidos, no bojo do Plano Marshall,
quanto pela sua vinculação à Commonwealth e seu sistema de preferências comerciais, o qual defendera com afinco
nas negociações da Carta de Havana, chegando os autores a considerar que a história dessas negociações são,
parcialmente, a história das concessões americanas aos britânicos (ODELL & EICHENGREEN, 1998:183).
61
Organização Internacional do Comércio. Finalmente, em abril de 1949, Truman envia a
proposta de ratificação da Organização ao Capitólio, mas já considerando que,
naquelas circunstâncias, valia mais investir na continuidade dos acordos amparados
pelo GATT, opção essa já considerada no ano anterior, quando se solicitou,
novamente, a prorrogação do RTAA. E foi nesse momento, então, que se formou a
coalizão aludida por Diebold, em que os protecionistas protestavam contra certos
preceitos da Carta, como os relacionados à idéia de pleno emprego, de um lado e, de
outro, os que a consideravam atentatória aos princípios do liberalismo comercial, os
perfeccionistas. E, já em plena Guerra Fria, havia os que acusavam a embrionária
Organização e suas propostas de serem tolerantes ao comunismo e, com a eclosão da
Guerra da Coréia, Truman jogou a toalha e sepultou a comumente denominada
natimorta Organização Internacional do Comércio, caracterizando a terceira hipótese
dos autores, atinente à ausência da liderança presidencial (ODELL & EICHENGREEN,
1998:195-200).
A Organização Internacional do Comércio pode ser entendida como a mais
ampla arena multilateral do sistema erigido no imediato pós-II Guerra, em uma
perspectiva assaz ambiciosa, ao buscar articular temas como liberalização comercial,
emprego e padrões trabalhistas, investimentos, práticas restritivas de comércio que,
anteriormente, eram matérias da alçada dos Estados soberanos. Ao pretender regular
a ação dos Estados quanto a esses temas, defrontou-se com uma série de obstáculos
que o espírito negociador das delegações presentes, tanto em Londres, quanto em
Genebra e, principalmente Havana, buscaram transpor com vistas a viabilizar a
Organização.
Projeto idealmente concebido pelos Estados Unidos, então presidido pelo Partido
Democrata de Franklin Roosevelt e Harry Truman, na perspectiva de desmantelar os
esquemas protecionistas, sobre os quais atribuíam parte da responsabilidade pela
generalização do conflito armado que tomou o mundo, teve sua proposta
profundamente alterada pelas resistências enfrentadas por aqueles que tratavam de
62
preservar seus antigos sistemas de preferências, baseados nas estruturas de seus
ainda remanescentes impérios coloniais, como a Grã-Bretanha, principalmente, mas
também a França, Bélgica, Holanda e Portugal, obtendo sucesso em incluir uma série
de dispositivos na Carta de Havana que lhes garantissem a permanência desses
sistemas.
Em outra ponta, os países subdesenvolvidos encontraram, na Conferência de
Havana, seu pioneiro espaço para levantar e apresentar as demandas decorrentes da
necessidade de superar a divisão internacional do trabalho, a qual classificava os
países em produtores de manufaturados e em produtores de commodities primárias.
Quantitativamente majoritários e árduos defensores de seus pontos de vista, obtiveram
inserir na Carta, igualmente, uma série de disposições que atenuavam, sobremaneira,
os princípios preconizados pela liberalização comercial. Eventualmente aliados a
países considerados desenvolvidos, mas com dilemas similares em algumas questões,
como a Austrália ou a Grécia, transformaram o documento final produzido em Havana
no primeiro que reconhecia as necessidades peculiares ao desenvolvimento econômico
e industrial, articulando-as ao mesmo nível daquelas implicadas na tarefa de
reconstrução do pós-II Guerra, fazendo a Organização diferir das outras duas
concebidas como parte do triângulo econômico-financeiro-comercial multilateral, o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, ambos nada afeitos, em seus
primórdios, às preocupações relativas ao desenvolvimento dos países pobres.
A despeito do espírito negociador e das concessões efetuadas em relação ao
projeto original, a Carta de Havana acabou por não se materializar. Os eventos
decorridos do surgimento da Guerra Fria, adiante já referidos, levaram o principal
patrocinador da idéia, os Estados Unidos, a desviar o foco de suas atenções para
outras frentes, que se tornaram prioritárias no âmbito da política de contenção da
temida ameaça do comunismo mundial, protagonizada pela União Soviética. Aliada a
esta conjuntura, a reviravolta da política interna norte-americana, com a vitória do
Partido Republicano nas eleições de 1946, comprometeu a tramitação da ratificação da
63
Carta pelos Estados Unidos, de um lado, pelos temores das exigências que seus
preceitos poderiam acarretar para os interesses de determinados setores da economia
do país e, de outro, pelo reduzido apoio doméstico angariado à proposta pelo suposto
isolamento que em que se deu a negociação no campo externo, agravado pelo pouco
empenho do Executivo, por conta das prioridades externas surgidas. Diante disso,
todas as negociações tornaram-se vãs e as conquistas alcançadas pelos países
subdesenvolvidos desvaneceram-se, restando, como alternativa, o prosseguimento das
negociações no âmbito do GATT, a única parte remanescente da Carta, justamente a
que dispunha sobre a liberalização comercial, por meio das negociações diretas e
bilaterais de redução tarifária.
64
Capítulo II
O fiasco da OIC e o prosseguir do GATT (1947-1963):
países em desenvolvimento como atores coadjuvantes
Enquanto se sucediam as negociações para a elaboração do draft da Carta de
Havana, em agosto de 1947, em Genebra, vinte e três países participantes
negociavam, simultaneamente, em tratativas bilaterais, acordos visando à redução de
barreiras tarifárias e outras barreiras ao comércio
46
. Nessa modalidade de negociação,
o país fornecedor de um determinado produto, ou seja, o exportador, solicitava à outra
parte, o seu principal importador, a redução de tarifas incidentes sobre o produto, que,
se atendida, era posteriormente estendida a todos os demais países que
comercializavam aquele produto com o importador, em cumprimento à Cláusula da
Nação Mais Favorecida. Esta dinâmica de negociações seria parte integrante da Carta
de Havana, em seu Capítulo IV e, particularmente o Artigo 17, denominado de Política
Comercial, e visava, portanto, a seu cumprimento. Nessa primeira rodada de
negociações, foram abrangidos cerca de dois terços das importações dos países
negociadores e, aproximadamente, metade do total das importações mundiais
47
. Em
30 de junho de 1948, o Acordo passou a vigorar com a assinatura de 22 dos 23
países
48
, na condição de Protocolo de Aplicação Provisória, por força de solução de
compromisso entre países que, de um lado, preferiam que o GATT apenas fosse
implantado juntamente com a Carta de Havana e, de outro, os Estados Unidos,
submetidos à autorização parlamentar e receosos de que as reduções tarifárias obtidas
se desvanecessem, caso se prolongassem os procedimentos de ratificação da
Organização Internacional do Comércio (SRINIVASAN, 2000: 11).
46
Além da redução tarifária, incluíam-se preferências, quotas, controles internos, regulações aduaneiras e subsídios.
47
Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In:
International Organization
, Vol. 2, No. 1, (Feb., 1948):
134.
48
Apenas o Chile solicitou que se aguardasse sua assinatura, devido a necessários trâmites legislativos internos,
formalizada em fevereiro de 1949. Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International
Organization
, Vol. 2, No. 3, (Sep., 1948): 537.
65
Diferentemente da distribuição de países por categoria de desenvolvimento
durante as Conferências que levaram à elaboração da Carta de Havana, na primeira
rodada de negociações do GATT registrava-se ligeira igualdade quanto à participação
dos países subdesenvolvidos, perfazendo onze dos vinte e três integrantes iniciais
52
.
QUADRO II
ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO
PARTES CONTRATANTES ORIGINAIS
POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO
1947
CATEGORIA
PAÍSES
DESENVOLVIDOS
Austrália, Bélgica, Canadá, Estados Unidos,
França, Grã-Bretanha, Holanda, Luxemburgo, Nova
Zelândia, Noruega, Tchecoslováquia, União Sul-
Africana.
SUBDESENVOLVIDOS
Birmânia, Brasil, Ceilão, Chile, China, Cuba, Índia,
Líbano, Paquistão, Rodésia do Sul, Síria.
Elaborado a partir de Michalopoulos (1999:2)
O Acordo Geral era, inicialmente, dividido em três partes, sendo a Parte I, o que
definia, propriamente, o corpo do acordo de concessões tarifárias, abrangendo os
Artigos I e II, os quais dispunham sobre o regime das relações comerciais entre países
e as regras as quais se aplicavam as concessões tarifárias. A Parte II englobava um
conjunto de regras sobre política comercial, estendendo-se do Artigo III ao Artigo XXIII
52
Michalopoulos adverte, no entanto, que não havia uma distinção formal entre os dois grupos nem quaisquer
provisões que assegurassem exceções aos países subdesenvolvidos (MICHALOPOULOS, 1999: 2).
66
e a Parte III, partindo do Artigo XXIV e indo até o Artigo XXXV, dispondo sobre
aplicação territorial, acordos de integração regional, mecanismos de acessão e
conceituação de Parte Contratante, negociações tarifárias e alterações de
compromissos. Posteriormente, em 1964, foi adicionada a Parte IV, contendo os três
últimos artigos (XXXVI, XXXVII e XXXVIII) vinculados à questão de Comércio e
Desenvolvimento. Segundo Lafer (1971:45-46), a divisão foi estabelecida em função
da sua provisoriedade e da busca de anular quaisquer perspectivas de conflito com as
legislações nacionais já existentes. Dessa forma, as Partes I e III, de caráter mais
conceitual e operacional, que imprimiam funcionamento ao Acordo, não encontravam
problemas para imediata vigência, mesmo que a título provisório. No entanto, a Parte
II, concernente à Política Comercial, visando a não confrontar com as legislações
nacionais de todas as Partes Contratantes e, também, a não depender de sua
modificação, rezava que ela só seria aplicada, em sua mais plena extensão, quando
não inconsistente com as legislações existentes, sendo que tal dispositivo permanecia
válido para as Partes Contratantes que acedessem posteriormente (LAFER, 1971: 45-
46).
Uma segunda sessão, ainda no bojo dessa primeira rodada, foi realizada em
Genebra, entre 16 de agosto e 14 de setembro de 1948, reunindo as 22 Partes
Contratantes
49
, ocasião em que buscaram ajustar algumas de suas disposições à
redação final da Carta de Havana, especialmente no que dizia respeito às exceções
garantidas aos países subdesenvolvidos e àqueles envolvidos nas tarefas de
reconstrução do pós-II Guerra. Além disso, aceitou-se a realização de uma série de
negociações para abril de 1949, na próxima rodada, que resultariam na futura adesão
de novas Partes, na etapa final das conversações, ao GATT
50
e, ainda, autorizou-se a
Paquistão e Ceilão modificar, limitadamente, suas tarifas sobre alguns produtos e, ao
Brasil, ampliar suas taxas de importação à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos. Outras
49
Como se tratava de um Acordo Comercial provisório e não de uma organização internacional, os países signatários
foram denominados de Partes Contratantes.
50
As novas Partes Contratantes seriam Dinamarca, El Salvador, Finlândia, Grécia, Haiti, Itália, Nicarágua, Peru,
República Dominicana, Suécia e Uruguai.
67
questões consideradas residiram na autorização aos Estados Unidos para conceder
tratamento preferencial a seus territórios em fideicomisso do Pacífico. Também, o
governo de Cuba aceitou discutir com os Estados Unidos a contestação destes sobre a
anulação de concessões tarifárias sobre têxteis, efetuadas anteriormente
51
. Em
dezembro de 1948, a África do Sul foi autorizada a impor controles sobre suas
importações, sob alegação de exaustão de suas reservas monetárias, convertendo-se
na primeira Parte Contratante a utilizar as prerrogativas de exceção à não-
discriminação
52
.
Em abril de 1949, tem início a segunda rodada de negociações do GATT, em
Annecy, França, contando com a participação dos 23 países originais e de mais onze,
predispostos a efetuar suas acessões. Na ocasião, se discutiu uma série de temas,
como a posição da Palestina, a situação da industria têxtil cubana, disputas comerciais
entre Índia e Paquistão e a formação da união aduaneira entre a África do Sul e a
Rodésia do Sul, que acabou sendo aprovada na segunda sessão, em meados de julho.
De outra forma, Estados Unidos e Tchecoslováquia enfrentavam-se, por conta das
restrições impostas a importações tchecas procedentes daquele país, pela
desconfiança norte-americana de que os produtos seriam utilizados para fins militares,
sendo rejeitadas as queixas do governo tcheco
53
. Este embate denotava, claramente, a
transposição dos conflitos da Guerra Fria para a arena comercial, sendo a
Tchecoslováquia, após o golpe comunista neste país em 1948, o único vinculado à
União Soviética que permanecera como Parte Contratante do GATT e partícipe das
negociações em torno da elaboração da Carta de Havana.
51
Cf. “International Trade Organization: Interim Commission”. In:
International Organization
, Vol. 3, No. 1, (Feb.,
1949): 161.
52
Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International Organization
, Vol. 3, No. 2,
(May., 1949): 354.
53
Os produtos questionados pelos norte-americanos referiam-se a escavadeiras para minas de carvão, que os Estados
Unidos supunham ser destinadas a minas de urânio, assim como rolamentos, que presumiam seriam empregados em
aeronaves ou para outros fins militares. Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International Organization
, Vol. 3, No. 3, (Aug., 1949): 542-543.
68
A Rodada de Annecy foi adiada até agosto de 1949, quando se deu a terceira
sessão das 23 Partes Contratantes e, em separado, a realização de mais de uma
centena de negociações bilaterais de tarifas, envolvendo 34 países. No primeiro
evento, por conta das restrições impostas pela África do Sul, que levou a uma consulta
ao GATT sobre contração das importações por este país, foram estabelecidos
procedimentos para consultas, inclusive nos intervalos das rodadas
54
. Igualmente ali,
foram renegociados os compromissos de redução tarifária, solicitados durante a
segunda sessão, de Brasil, Ceilão e Paquistão. No segundo evento, 147 acordos
bilaterais foram concluídos envolvendo as Partes já pertencentes ao GATT e aquelas
que desejavam aceder ao Acordo Geral, à exceção da Colômbia, que não concluiu
acordos com alguns parceiros
55
. Em 30 de novembro de 1949, cinco países
responderam positivamente ao convite para aceder ao GATT: Áustria, Filipinas,
Guatemala, Peru e Turquia, enquanto Colômbia, Islândia e Nepal recusaram-no.
Durante a quarta sessão, aberta em fevereiro de 1950, a Tchecoslováquia opôs-se,
solitariamente, à proposta aprovada de se conceder um assento, na condição de
observador, ao governo alemão-ocidental e, em março, o governo da China
Nacionalista anunciava sua retirada do GATT sem explicações
56
.
Uma quarta sessão foi realizada entre fevereiro e abril de 1950, quando se
definiu que a rodada seguinte teria início em setembro daquele ano, em Torquay,
Inglaterra. Outras questões relativas a princípios reguladores do comércio internacional
foram debatidas nesta sessão como a que se esclareceu que alguns tipos de restrição
confrontavam-se com o Artigo 11 do Acordo Geral como, por exemplo, vincular a
compra, por um país importador, de um produto considerado essencial, à exigência de
se comprar um outro produto da mesma procedência. Preocupações foram
54
Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International Organization
, Vol. 3, No. 4,
(Nov., 1949): 718-719.
55
Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 4, No. 1,
(Feb., 1950): 136-138.
56
Logo após a tomada do poder pelos comunistas, em Pequim, o governo instalado em Taiwan – China Nacionalista
– anunciou sua retirada do Acordo Geral, ato que jamais foi reconhecido pela República Popular da China. Cf.
“International Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International Organization
, Vol. 4, No. 2, (May.,
1950): 326.
69
manifestadas no sentido de que restrições impostas em virtude de problemas na
balança de pagamento tendessem a se tornar permanentes, com o intuito de proteger a
indústria doméstica da competição externa e, para evitar a sua possível ocorrência,
recomendou-se que programas mínimos de importação fossem mantidos até a solução
da crise da balança de pagamentos. Da mesma forma, tipos específicos de uso
indevido de restrições foram considerados como contrários ao Acordo Geral, como a
manutenção, por um país, de restrições por conta da crise da balança de pagamentos,
que priorizasse a importação de produtos calcada na competitividade da indústria
doméstica, ou seja, aplicar a prerrogativa da utilização das restrições em função da
capacidade industrial do país; ainda, a imposição, por um país, de obstáculos
administrativos à plena utilização de quotas de importação, com vistas a proteger a
indústria doméstica e, por fim, o uso de restrições a importações como mecanismo de
retaliação contra um país que tenha se recusado a firmar um acordo bilateral comercial.
Os países europeus que praticavam baixos níveis tarifários como Bélgica,
Holanda, Luxemburgo e Suécia reclamavam que outros países europeus vinham,
ainda, praticando altas tarifas, como forma de proteção a suas indústrias e agricultura,
sendo citados França, Itália e Alemanha Ocidental e, como alternativa, oporiam
resistência à remoção de restrições quantitativas
57
. Nesse aspecto, a crítica seria
efetivamente direcionada à França, contando com o apoio dos Estados Unidos, que
percebiam a renitência francesa como atitude defensiva diante da crescente força
competitiva dos demais países europeus. Nessa sessão, mais cinco países tornaram-se
Partes Contratantes: Dinamarca, Finlândia, Itália, Libéria e Nicarágua. O primeiro
Relatório sobre Aplicação Discriminatória de Restrições às Importações revelou que
vinte Partes Contratantes, tanto países desenvolvidos quanto subdesenvolvidos,
57
Na rodada seguinte, em Torquay, teve lugar uma sessão especial para encontrar solução para o desequilibro entre
os países europeus divididos entre aqueles que praticavam baixos níveis tarifários e aqueles de altas tarifas, sem
êxito, sendo que essa questão ganhara relevância na Europa em função da política de se remover os controles
exercidos por quotas de importação, restando apenas tarifas como principal barreira comercial. Cf. “International
Trade Organization”. In:
International Organization
, Vol. 5, No. 2 (May, 1951): 384 e “International Trade
Organization”. In:
International Organization
, Vol. 5, No. 3 (Aug., 1951): 609.
70
estavam aplicando tais restrições com o objetivo de assegurar suas finanças externas
58
.
Enquanto o primeiro era divulgado, o Segundo Relatório das Atividades do GATT,
intitulado Liberating World Trade, alertava que, embora as restrições quantitativas só
pudessem ser empregadas, temporariamente, nos casos permitidos – controle agrícola
interno, promoção ao desenvolvimento econômico ou dificuldades financeiras - como
barreiras comerciais, deixavam brechas para sua utilização como instrumentos de
barganha e que interesses outros poderiam resistir a seu término quando as
necessidades que as fizeram gerar se encerrassem
59
.
A terceira rodada do GATT, em sua quinta sessão, é aberta em Torquay, em
setembro de 1950, estendendo-se por sete meses, com a presença de 44 países, dos
quais 32 eram Partes Contratantes, sete em processo de acessão e cinco
observadores
60
, buscando avançar em novos cortes tarifários em relação à primeira
rodada, em Genebra, os quais, após a conclusão, foram inseridos no Acordo Geral.
Independentemente, constituiu-se grupo de trabalho de onze Partes com o objetivo de
fiscalizar e agilizar as Partes que viessem a protelar o início de negociações ou arrastá-
las demasiadamente. Duas questões relevantes do cenário pós Guerra agitaram a
reunião: a resistência das Partes em atender a solicitação dos Estados Unidos, feita
anteriormente, de estender o tratamento de Nação Mais Favorecida ao Japão, levando-
os a retirá-la, e a discussão da relação do Plano Schumann com a Cláusula de Nação
Mais Favorecida, semente do processo de integração européia.
58
Esses países eram Austrália, Brasil, Canadá, Ceilão, Chile, Dinamarca, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia,
Holanda, Índia, Itália, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Rodésia do Sul, Suécia, Tchecoslováquia e União da
África do Sul.
59
Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International Organization
, Vol. 4, No. 3,
(Aug., 1950): 494-497.
60
Os países em processo de acessão eram Áustria, Alemanha Ocidental, Coréia do Sul, Filipinas, Peru, Turquia e
Uruguai, enquanto os observadores eram México, El Salvador, Guatemala, Venezuela e Suíça. Cf. “International
Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International Organization
, Vol. 5, No. 1, (Feb., 1951): 211-213.
71
Na ocasião, mais uma vez, a França protagonizou sua resistência em abrir seus
mercados, ao apresentar uma alentada lista de produtos sobre os quais requeria poder,
unilateralmente, elevar tarifas que já havia acordado, em negociações anteriores, a
reduzir sua incidência, levando Estados Unidos e Canadá a anunciarem que não
negociariam com países que mantivessem suas tarifas não fixadas, considerando que
se havia definido que acordos assinados em Genebra e Annecy valeriam até 01 de
janeiro de 1951 e, caso se fosse revê-las, deveria se notificar antes da abertura da
Rodada Torquay. Grã-Bretanha e Estados Unidos também se desentenderam quando
a primeira apresentou uma lista de bens sobre os quais solicitava concessões, porém
se recusava a atender aos reclamos norte-americanos contra a manutenção de seu
sistema de preferências imperiais. Por sua vez, os Estados Unidos retiraram
concessões efetuadas à China por conta de sua retirada do Acordo Geral
61.
O Canadá solicitava a criação de um comitê permanente, destinado a tratar de
problemas surgidos nos intervalos das sessões, pois as reclamações entre as Partes
Contratantes se sucediam a todo o tempo. Tanto assim que, nesta sessão, submeteu-
se questionário às Partes para que informassem quais as medidas de restrições a
importações que estavam sendo aplicadas motivadas por crise na balança de
pagamentos e medidas discriminatórias garantidas por exceções transitórias do período
da reconstrução, no imediato pós-II Guerra. Da mesma forma, diante de constantes
reclamações no sentido de que concessões que haviam sido efetuadas eram,
posteriormente, derrogadas por ações de governos que não respeitavam os acordos
concluídos, definiu-se um código de práticas comuns sobre a administração de
restrições ao comércio, contendo onze itens.
Na retomada da sessão, em janeiro de 1951, a França baixava o tom, atenuando
sua intenção de elevar brutalmente suas tarifas e assegurando compensações nos
casos em que assim o fizesse.
61
Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 5, No. 1,
(Feb., 1951): 211-213.
72
Do conjunto de 105 acordos esperados para ser firmados em Torquay, os que
mais se destacavam eram aqueles que envolviam Alemanha Ocidental e Grã-Bretanha,
França e Estados Unidos e os que consolidariam, por um período adicional de três
anos, as reduções negociadas entre Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos, Itália,
França e países do Benelux, tanto em Genebra, em 1947, quanto em Annecy, em 1949.
No entanto, as dissensões entre Estados Unidos e Grã-Bretanha permaneceram,
quando esta manteve sua recusa em reduzir as taxas sobre produtos norte-americanos
e, em represália, aqueles, igualmente, mantiveram os ônus impostos sobre as
importações da Commonwealth, assim como Austrália, Nova Zelândia e África do Sul
não estavam dispostos abrir mão das preferências no âmbito da Commonwealth,
levando os Estados Unidos a interromperem negociações com esses países
62
.
Ao fim da Rodada, em abril de 1951, foram concluídos três documentos, sendo o
primeiro o que tratava da acessão das novas Partes Contratantes
63
, a ser efetivada
quando assinassem o Protocolo de Torquay; o segundo, denominado como Protocolo
de Torquay, consolidando todos acordos negociados referentes às reduções tarifárias
e, o terceiro, firmado por 19 Partes, consistia na Declaration on Continued Application of
the Present Schedules, determinando que as concessões efetuadas em Genebra,
Annecy e Torquay vigorariam até 01 de janeiro de 1954.
Os compromissos fechados na Rodada que se encerrava, englobavam cerca de
8.700 concessões tarifárias – incluindo consolidação de tarifas – das quais
aproximadamente três mil delas envolviam sete países que não eram, inicialmente,
Partes do GATT, principalmente de Áustria e Alemanha Ocidental, cada uma
perfazendo 21 pares de negociações, de um total de 147 em toda a Rodada. Por outro
lado, quatro Partes Contratantes – todos países subdesenvolvidos – não negociaram
62
Cf. “International Trade Organization”. In: Vol. 5, No. 2 (May, 1951): 382-384.
63
Áustria, Alemanha Ocidental, Coréia do Sul, Filipinas, Peru e Turquia, sendo que, na sétima sessão, Coréia e
Filipinas tiveram seus prazos de assinatura dilatados para maio de 1952, enquanto o Uruguai ainda sequer havia
assinado o Protocolo de Annecy (1949), obtendo prazo para assinar ambos até abril de 1953 e vindo a se tornar Parte
Contratante do GATT em dezembro deste ano.
73
quaisquer concessões tarifárias
64
. Mas as negociações não ocultavam o espectro da
Guerra Fria que se instalara nas relações internacionais a partir de 1947, pois a única
nação da Europa Oriental Parte do GATT, já satelizada pela União Soviética, a despeito
de ter negociado uma série de acordos com países do Ocidente europeu e outros
subdesenvolvidos, se opôs a reconhecer a Coréia do Sul e a negar o direito à acessão
da Alemanha Ocidental, alegando descumprimento dos Acordos de Potsdam, que
preconizavam a reunificação alemã
65
.
Ao fim de Torquay, em 1951, já reinava a certeza de que a Organização
Internacional do Comércio não seria ratificada e que apenas o GATT sobreviveria. Se
os Estados Unidos não haviam conseguido angariar apoio interno, tenha sido das
forças políticas ou do mundo dos negócios para a empreitada de formalização da OIC,
restava ainda ao Executivo resgatar a concepção original em torno dos princípios
fundamentais do livre comércio. Para tanto, contavam ainda com o Reciprocal Trade
Agreement Act, de 1934, sucessivamente renovado, que autorizava ao Presidente
encetar negociações bilaterais com outros países para garantir acesso a mercados para
produtos norte-americanos, dinâmica que locomovia o GATT. Ou seja, segundo Ostry,
a força do GATT residia exatamente em sua fraqueza, considerando-se sua estreiteza
de objetivos e seus compromissos de natureza menos coercitiva (OSTRY, 1998: 6).
Por outro lado, o próprio êxito da Rodada Torquay acentuou o desinteresse pela
Organização (SATO, 1994: 9) e ampliou a perspectiva dos Estados Unidos de que o
Acordo Geral atendia às preocupações predominantes na estratégia econômica do pós-
II Guerra e na consolidação dos mercados capitalistas, em contraposição às
experiências comunistas, no âmbito da rivalidade da Guerra Fria (GORTER, 1954: 2).
Ainda segundo Gorter, o GATT, a despeito dessa fragilidade, era defendido em dois
níveis, embora considerasse discutíveis os argumentos arrolados. O primeiro
argumento alegava que, sem a existência do Acordo, o montante de comércio bilateral
sujeito à aplicação de medidas discriminatórias haveria aumentado demasiadamente.
64
Birmânia, Libéria, Nicarágua e Síria, sendo que esta última acabaria por retirar-se do GATT em agosto de 1951.
65
Cf. “International Trade Organization”. In:
International Organization
, Vol. 5, No. 3 (Aug., 1951): 608-609.
74
Nesse sentido, o GATT tornou-se um escudo do bilateralismo e um promotor do
multilateralismo. O segundo argumento em defesa do Acordo Geral residia, à época,
em considerar que as condições políticas e econômicas vigentes no período favoreciam
os arranjos multilaterais, sendo o GATT um dos meios para tal. Sua crítica a essa visão
otimista do Acordo, como um expoente do multilateralismo, era calcada nas
constatações de que, justamente nesse período do pós-II Guerra, as economias
nacionais estavam cada mais vez tomadas pela idéia do planejamento econômico em
larga escala, exigindo, por conta disso, controles estritos sobre o comércio exterior
como um todo e, nesse caso, o bilateralismo seria um suporte necessário ao
planejamento interno. O segundo argumento é por ele contraditado pela ocorrência das
turbulências político-ideológicas características do período da Guerra Fria, em que um
mundo havia se transformado em dois mundos, o que afastava as premissas positivas
daqueles que compreendiam o multilateralismo suposto no GATT como instância de
cooperação comercial, citando como exemplos, a China, após a Revolução maoísta,
isolada comercialmente das nações democrático-ocidentais, a Alemanha, então ainda
não integrada ao restante da Europa Ocidental e o Japão, igualmente imobilizado, não
se configurando, assim condições para a existência de uma experiência multilateral
efetiva no sistema de comércio internacional (GORTER, 1954: 6). Gorter reproduz a
sentença de Diebold Jr., ao afirmar que o “
GATT is the ITO manqué...”, isto é, falho,
capenga, buscando preencher o vácuo deixado pela malsinada Organização
Internacional do Comércio sem jamais conseguir fazê-lo, sendo, portanto, uma batalha
eternamente frustrante (GORTER, 1954: 7). Sendo bastante diferente da proposta da
OIC, exatamente por seu atributo falho, ele ganharia força por sua fraqueza e por seu
escopo mais estreito, portanto, menos coercitivo, menos regulador. Gorter converge
com Ostry nesse aspecto, ao qualificar o GATT como uma entidade de caráter vago,
solto, onde cada país resguardava plenamente sua soberania, sendo, contudo,
exatamente essa ausência de poder, a sua força. No GATT, eram tantas as exceções
que bastaria a um país apenas demonstrar a sua boa vontade (GORTER, 1954: 8-9).
75
Essa lógica de negociações bilaterais, onde o principal exportador de um produto
negociava com o principal importador a redução da incidência tarifária e, em troca,
obtinha concessão equivalente, pelo princípio da reciprocidade, predominou em todas
as Rodadas realizadas, desde a primeira em Genebra, em 1947, até a quinta, em 1961,
passando por Annecy, em 1949, e Torquay, transcorrida entre 1950 e 1951 e, ainda,
Genebra, em 1956. À medida que o GATT, embora jamais tenha vindo a se converter
em uma organização internacional, adquiriria algumas feições de institucionalidade,
sessões regulares, de relativa periodicidade, geralmente anuais, eram mantidas com o
propósito de gerenciar o Acordo, analisar a procedência das queixas de uma Parte
contra outra ou outras e, ainda, buscar soluções para pontos de interpretação do
Acordo ou dificuldades apresentadas pelas Partes. Também, nessas sessões, eram
deliberados os processos de acessão de novas Partes Contratantes, por maioria de
dois terços e decididos momentos convenientes para a realização de novas rodadas
sendo que, após Torquay, quando, simultaneamente, se deu a quinta sessão, as
rodadas não mais coincidiram com os períodos das sessões.
Durante a sexta sessão, realizada em Genebra, entre 17 de setembro e 26 de
outubro de 1951, foi aprovada resolução, por 24 votos a um e quatro abstenções, que
desobrigava aos Estados Unidos a manterem seus compromissos para com a
Tchecoslováquia, a qual declarou que não atribuiria validade à decisão (HUDEC, 1999:
104)
66
. E na sétima sessão, havida igualmente em Genebra, entre 02 de outubro e 10
de novembro de 1952, ressurgiram as queixas, já verificadas na sessão anterior,
provenientes de diversos países europeus, junto com Austrália, Nova Zelândia e
Canadá, contra os Estados Unidos, devido a suas restrições a importações de produtos
lácteos, em razão da adoção da Seção 104, intitulada Defense Product Act, a qual, no
entendimento dos reclamantes, infringiam disposições do GATT, implicando, ainda, em
anulação e prejuízo a concessões efetuadas anteriormente, embora reconhecessem
que o país vinha empreendendo esforços para relaxar tais imposições. E, finalmente,
66
Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In:
International Organization
, Vol. 6, No. 1 (Feb.,
1952): 127-128.
76
as Partes Contratantes concordaram em abrir negociações com o Japão, visando a
atender à solicitação norte-americana referente a sua acessão
67
.
A oitava sessão do GATT, que também teve lugar em Genebra no período de 17
de setembro a 24 de outubro de 1953, registrou duas acirradas polêmicas. A primeira
delas constou de uma solicitação da Grã-Bretanha de derrogar o cumprimento (waiver)
do disposto no Artigo 1, relativo a “no-new-preference”, pelo qual, o sistema imperial de
preferências tarifárias era permitido, contanto que a margem de preferências – que
significava a diferença entre tarifas sobre importações da Commonwealth e de não
membros – não fosse elevada, supostamente com o objetivo de mudar o esquema de
proteção agrícola de seu mercado interno. Intensas negociações acabaram permitindo
a aprovação parcial do waiver, recaindo apenas sobre alguns produtos. A segunda
celeuma residiu na proposição, patrocinada pelos Estados Unidos, de aprovar um
status especial para o Japão, na condição de membro associado provisório, em função
do qual, as Partes poderiam negociar com este país, mas necessariamente não fazê-lo,
se assim não o desejassem, havendo, por conseguinte, uma flexibilidade na regra de
Tratamento de Nação Mais Favorecida. A oposição partia da Grã-Bretanha, sob a
alegação de que, se o Japão entrasse no GATT, os países poderiam vir a elevar suas
barreiras contra todos os demais, pois concessões efetuadas a um, deveriam ser
estendidas a todos e, portanto, prejudicar as exportações britânicas e de outros países,
ou mesmo que tal não ocorresse, estar-se-ia ferindo as regras do Acordo Geral. Ao
fim, o status pretendido foi aprovado, abstendo-se Grã-Bretanha, Austrália, Nova
Zelândia, União da África do Sul e Rodésia do Sul, sendo aprovada declaração que
facultava aos países a extensão de concessões feitas a outros, porém, não
necessariamente, o Tratamento de Nação Mais Favorecida lhe era automaticamente
concedido. Ainda nesta sessão, o GATT divulgou o relatório de atividades International
Trade, 1952, que considerava ter havido uma espetacular recuperação do comércio
67
Igualmente, na sétima sessão, foram confirmadas as acessões de Áustria, Alemanha Ocidental, Peru e Turquia, por
terem assinado o Protocolo de Torquay. Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol.
6, No. 4 (Nov., 1952): 647-649.
77
internacional, ultrapassando o maior pico registrado em 1929, antes da crise
econômica, em 24%
68
.
A nona sessão do GATT, que se iniciou em 28 de outubro de 1954, em Genebra,
teve como principal tema a proposta de revisão do Acordo Geral tendo em vista o seu
fortalecimento. O debate levantado pelo Chairman da sessão e representante do
Canadá, L. Dana Wilgress, sustentava que a alternativa à consolidação do GATT seria
o retorno à anarquia comercial, ao nacionalismo econômico, à arbitrariedade de
barreiras impostas e a incentivos artificiais às exportações. Acompanhando essa
posição, a Grã-Bretanha se declarava favorável ao revigoramento do GATT e ao reforço
das regras sobre políticas comerciais, o que resultaria em obstáculos a práticas
discriminatórias e a violações. Porém, sem abdicar de seu papel de, ainda, presumida
potência colonial, sugeria que disposições sobre subsídios a exportações deveriam ser
fortalecidas, assim como ampliadas as disposições sobre tratamento a territórios
coloniais, especialmente no que se referia às suas necessidades de desenvolvimento,
em que indústrias nascentes dependeriam das exportações para a metrópole, não
podendo ter seu crescimento restringido às dimensões de suas economias. O
posicionamento da Grã-Bretanha era, via de regra – com alguma alteração aqui e ali –
seguido pela maior parte dos seus parceiros da Commonwealth, com a exceção da
Austrália. Assim, a Nova Zelândia apoiava restrições quantitativas às importações por
motivo de instabilidade na balança de pagamentos, porém criticava os subsídios às
exportações, enquanto o Ceilão clamava que os países subdesenvolvidos deveriam ter
algum tipo de tratamento especial que lhes permitisse aplicar quotas de importação,
tarifas e acordos de commodities, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento
econômico.
Em certos aspectos, a Austrália tendia a se aproximar da posição dos países
subdesenvolvidos – assim como a Tchecoslováquia – ao defender a negociação de
68
Ainda, no transcorrer dessa sessão, a Libéria efetivou sua retirada do GATT. Cf. “International Trade
Organization”. In:
International Organization
, Vol. 7, No. 4 (Nov., 1953): 584-588.
78
acordos de commodities, e a apoiar medidas de proteção às economias em
desenvolvimento, mas era adepta da idéia da revogação do instrumento da “no-new-
preference”, identificando-se aí com a posição britânica.
Quanto aos Estados Unidos, estes se manifestavam por um sistema de acordos
mais amplos e estáveis, defendendo a existência de uma organização permanente. Por
outro lado, criticavam a manutenção de restrições a importações americanas de bens
por países cuja situação econômica e competitiva havia melhorado substancialmente,
considerando a presença de tais restrições ininteligível. Porém, alegavam que não
permitiriam o ingresso de produtos agrícolas indiscriminadamente apoiados nos preços
norte-americanos, propugnando pela discussão em torno dos subsídios às exportações
de produtos agrícolas. No conjunto, os Estados Unidos apresentaram uma gama de
temas para debate, dentre os quais se destacava a necessidade da adoção de medidas
excepcionais de tratamento para países subdesenvolvidos
69
.
Com efeito, as discussões e, principalmente, a modalidade então predominante
de negociação de concessões tarifárias, produto a produto, a partir do principal
exportador, eram monopolizadas pelos países desenvolvidos, considerando-se, ainda,
as exceções para a redução tarifária para produtos agrícolas. Nesse aspecto, ressalta
Lafer (1971: 48-49), os países subdesenvolvidos se situavam completamente à margem
do sistema mundial de regras comerciais, sendo discriminados por todas as formas,
primeiramente, por não serem principais exportadores de mercadoria alguma e
segundo, pela não obrigatoriedade do cumprimento da Parte II do Acordo, que
dispunha sobre regras de boa conduta comercial.
69
Mais detalhadamente, os Estados Unidos propuseram uma pauta de cinco pontos para discussão no âmbito da
reforma do GATT: 1) necessidade de um secretariado permanente e outros órgãos; 2) necessidade de exceções
especiais para os países em desenvolvimento; 3) problemas de quotas e subsídios às exportações; 4) disposições
concernentes às restrições às importações por problemas na balança de pagamentos, 5) disposições concernentes à
duração das concessões tarifárias. Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 9,
No. 1 (Feb., 1955): 174-178.
79
Os países da Europa Ocidental, notadamente a França, buscavam vincular as
questões relacionadas ao comércio internacional a perspectivas regionais. A posição
francesa defendia que caberia às organizações européias, fundamentalmente à então
Organização para a Cooperação Econômica Européia, a atribuição de competências
relacionadas aos acordos e arranjos regionais. E, ainda, alertava que uma ampliação
das tarefas do GATT em direção a maior conversibilidade monetária e maior
liberalização comercial exigiria redobrados cuidados e deveria considerar as condições
e o progresso social de cada país e região. Acentuando a defesa do regionalismo,
Bélgica, Holanda e Luxemburgo apresentavam proposta que autorizaria aos países da
Europa Ocidental a discriminar bens cotados em dólar e a restringir as importações com
vistas à intensificação da integração econômica européia.
Paradoxalmente, a Alemanha Ocidental criticava a perspectiva de regionalização
do comércio internacional, assim como apelava para a eliminação integral das
restrições quantitativas às importações, pondo-se, igualmente, contrária à manutenção
das cláusulas de escape que se apoiavam nas necessidades das reparações de guerra.
Propunha, também, a introdução de cláusula impeditiva à ação dos cartéis, por
considerar que a atividade destes grupos poderia prejudicar a liberalização comercial,
retomando a proposta incorporada na Carta de Havana, embora a ela não aludisse,
porém, desta vez, foram os Estados Unidos que se opuseram frontalmente à idéia.
Enquanto isso, os países escandinavos e a Holanda voltavam a reclamar da
vulnerabilidade dos países que praticavam tarifas reduzidas e dispunham-se, como
defesa, a manter as restrições por quotas.
Ao final, as Partes concluíram por criar quatro grupos para discutir temas
relacionados a restrições quantitativas, o primeiro; o segundo sobre programa tarifário;
sobre outras barreiras ao comércio o terceiro e, finalmente, o quarto concernia a
questões de natureza organizacional, como a instituição de um secretariado e sobre
emendas ao GATT. E foi este quarto grupo, junto com o primeiro, que chegou ao
delineamento de acordo, em que se alinhavaram alguns pontos como o
80
estabelecimento de uma organização permanente com poderes para gerenciar o GATT
e atuar como campo de resolução de disputas e condução de negociações relativas a
acordos comerciais internacionais. A concepção da organização implicaria na
existência de uma assembléia, um comitê executivo para agir celeremente em
circunstâncias não previstas, além de um secretário geral e um elemento de ligação
para atuar junto ao Fundo Monetário Internacional. E o primeiro grupo veio a concluir
acordo referente à permissão de aplicação de restrições quantitativas em benefício de
países subdesenvolvidos, sujeita à criação de um sistema de revisão.
Após o recesso de fim de ano, a sessão foi retomada, durante a qual os Estados
Unidos declararam estar dispostos a ter limitada a possibilidade de subsidiar
exportações de produtos agrícolas desde que nenhum país viesse a assim proceder,
pois se tal ocorresse, obteria uma porção, que considerariam injusta do mercado
mundial e, que, também, caso um país viesse a alegar dano substancial devido à
pratica de subsídio por um país exportador, ambos discutiriam o assunto. A proposta
norte-americana não necessariamente angariou simpatia por parte de países como o
Canadá, a Holanda, a Austrália e a Nova Zelândia, por não considerarem-na
suficientemente convergente com as posições que eram por estes defendidas, porém,
avaliavam que aqueles não apresentariam concessões adicionais
70
.
Na retomada dos trabalhos, no começo de 1955, a proposta de se criar uma
estrutura organizacional para o GATT foi aperfeiçoada, sendo que, além da assembléia,
que reuniria todas as Partes Contratantes, haveria uma associação de países não
participantes que manifestassem interesse em acompanhar as discussões e
negociações. Caberia à assembléia designar dezesseis Partes para compor o comitê
executivo, cuja distribuição obedeceria a critérios de localização geográfica combinada
a volume de comércio e a sede em Genebra contaria com um pequeno contingente de
funcionários. Também o processo deliberativo sofreria mudanças, pois o que
70
Cf. “International Trade Organization”. In:
International Organization
, Vol. 9, No. 1 (Feb., 1955): 174-178.
81
anteriormente era decidido por maioria de dois terços, inclusive a acessão de novas
Partes, passaria a ser consensual. Assim sendo, a reformulação do GATT, com vistas
a conferir-lhe maior vigor, guardava semelhanças, embora poucas, com a frustrada
tentativa de se erigir a Organização Internacional do Comércio, mas mantendo sua
esfera de competência exclusivamente à Política Comercial
71
. A nova organização, que
seria denominada Organization for Trade Cooperation, dependeria da aprovação dos
Estados Unidos, que assinaram os protocolos de emenda do GATT em março de 1955,
mas ressalvando que, embora a autorização fornecida pelo Congresso norte-americano
ao Executivo para encetar negociações no âmbito do Acordo Geral incluísse as
emendas, para que o país ingressasse em uma nova organização internacional, esse
passo teria que passar pelo crivo do Legislativo
72
.
Enquanto a proposta de constituição da nova organização não se consumava, o
que novamente não iria ocorrer, em março de 1955, as Partes empreenderam revisão
ao Acordo Geral, em que se incluiu os Artigos XVIII, referente à modificação de
compromissos, e XXVIII bis, sobre negociações tarifárias, transformando-o em espaço
de negociações permanentes (WEINRICHTER, 1999: 3). Para os países menos
desenvolvidos, a revisão efetuada na estrutura do GATT resultou na alteração das
disposições contidas no Artigo XVIII, que dispunha sobre Assistência Governamental ao
Desenvolvimento Econômico, as quais passaram a permitir que estes países – com
baixos níveis de qualidade de vida e em estágios iniciais de desenvolvimento –
alterassem as concessões tarifárias já consolidadas, visando a proteger as indústrias
nascentes, assim como aplicar restrições quantitativas sobre importações, com o
propósito de assegurar a estabilidade de sua balança de pagamentos contra a
demanda por importações gerada por seus programas de desenvolvimento, desde que,
em assim procedendo, o fosse de maneira não-discriminatória. Caso o país
71
Cf. “International Trade Organization”. In:
International Organization
, Vol. 9, No. 2 (May, 1955): 278-279.
72
A Austrália, um dos dois únicos países que havia ratificado a proposta de criação da Organização Internacional do
Comércio, condicionou sua aceitação à nova organização após ratificação pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha.
Cf. “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 9, No. 4 (Nov., 1955): 599.
82
preenchesse apenas a segunda condição, ou seja, se encontrasse em processo de
desenvolvimento, mas não dispusesse de baixa qualidade de vida, poderia, igualmente,
usufruir desta prerrogativa, se necessário fosse
73
.
Em 1955, o total de países subdesenvolvidos que eram Partes Contratantes do
GATT elevara-se a dezesseis, conforme quadro adiante, porém ainda em número
insuficiente para propiciar alterações significativas a estes, das regras vigentes no
âmbito do Acordo Geral.
QUADRO III
73
Especificamente, o primeiro Artigo indicava que, em casos de países com baixos padrões de vida e estágios
iniciais de desenvolvimento, lhes seria facultada a prerrogativa de retirar ou modificar concessões efetuadas, com
vistas a promover o surgimento de indústrias que pudessem elevar aqueles padrões, desde que notificando e
negociando com as Partes Contratantes mais afetadas (Seção A); em seguida, reconhecia que os países em
desenvolvimento tinham o direito de aplicar restrições às importações em caso de ameaça a suas reservas ou priorizar
importações de produtos considerados essenciais a seu desenvolvimento, desde que evitando danos desnecessários a
outras Partes Contratantes (Seção B), bem como permitir que fosse efetuada assistência governamental para a
promoção de indústrias específicas (Seção C); o artigo subseqüente dispunha que negociações multilaterais poderiam
ser empreendidas, levando-se em conta as necessidades dos países em desenvolvimento, flexibilizando a utilização
de proteção tarifária, com vistas às necessidades de desenvolvimento ou outras circunstâncias relevantes. Cf.
Annex
I: Chronology of PrincipalProvisions, Measures and Other Initiatives in Favour of Developing and Least Developed
Countries in the GATT and the WTO. Disponível em www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/anexi_e.doc
.
83
ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO
PARTES CONTRATANTES POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO
1955
CATEGORIA
PAÍSES
DESENVOLVIDOS
Alemanha Ocidental, Austrália, Áustria, Bélgica,
Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia,
França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Itália,
Japão,
Luxemburgo, Nova Zelândia, Noruega,
Rodésia do Sul, Suécia, Tchecoslováquia, União
Sul-Africana.
SUBDESENVOLVIDOS
Birmânia, Brasil, Ceilão, Chile, Cuba, El Salvador,
Haiti,
Índia, Indonésia, Líbano, Nicarágua,
Paquistão, Peru, República Dominicana, Turquia,
Uruguai.
Elaborado a partir de dados disponíveis pela Organização Mundial do Comércio
A décima sessão, realizada no período de 27 de outubro a 03 de dezembro de
1955 abordou uma ampla variedade de temas, donde se destacaram a discussão do
draft de um eventual acordo sobre commodities e a acessão do Japão. O debate em
torno das commodities versava sobre a proposta elaborada pelo grupo de trabalho
criado na sessão anterior, o qual rascunhou um acordo internacional, que seria
desmembrado do GATT e definiria uma série de princípios e procedimentos para
negociações futuras. Como diversos pontos não encontraram convergência, as Partes
decidiram que as conversações prosseguiriam após o encerramento da sessão,
sugerindo a criação de um novo grupo que redigiria um draft conclusivo sobre a
questão.
84
No tocante à acessão do Japão como trigésima quinta Parte Contratante do
GATT, a candidatura recebeu mais do que dois terços dos votos necessários à
aprovação, porém quatorze Partes notificaram que deixariam de fora das disposições
do GATT, as suas respectivas transações comerciais com o país, com base no Artigo
35 do Acordo Geral
74
.
Em janeiro de 1956, era aberta a quarta rodada de negociações tarifárias do
GATT, vindo a se encerrar em 23 de maio daquele ano, contando com a participação
de 22 Partes Contratantes
75
e a representação da Comunidade Européia do Carvão e
do Aço, vindo a abranger cerca de sessenta negociações intergovernamentais e
incidindo em torno de US$ 2,5 bilhões anuais em importações
76
.
Logo após, iniciavam-se os trabalhos da décima primeira sessão das Partes
Contratantes do GATT, levada a cabo entre 11 de outubro e 17 de novembro de 1956.
Novamente, veio à tona a criação de um aparato organizacional para o GATT, quando
foi suscitada, pelo Canadá, a questão do fiasco norte-americano para sua adesão,
seguido pela Austrália, que teceu pesadas críticas à política comercial dos Estados
Unidos, colocando em dúvida sua liderança do sistema por tal fiasco e, também, pelo
programa de descarte de excedentes agrícolas. Nessa sessão, igualmente, foi
discutida a proposta de transformação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço
em união aduaneira, composta pelos seus seis integrantes originais – Bélgica, Holanda,
França, Luxemburgo, Alemanha Ocidental e Itália – os quais deram garantias às Partes
74
O Artigo 35 do GATT/1947 dispunha que as Partes Contratantes podiam abster-se de assumir as obrigações
atinentes ao Acordo, sendo esses quatorze países Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Cuba, França, Grã-Bretanha,
Haiti, Holanda, Índia, Luxemburgo, Nova Zelândia, União da África do Sul e Federação da Rodésia e Niassalândia
(resultante da junção de Rodésia do Sul e do Norte, atual Malawi). A narrativa sobre a décima sessão está baseada
em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 10, No. 1 (Feb., 1956): 226-
228.
75
Verifica-se uma discrepância nesses dados, pois a fonte aqui utilizada, a International Organization, relata
nominalmente as 22 Partes participantes, porém a fonte oficial da atual Organização Mundial do Comércio apresenta
26 Partes.
76
A narrativa sobre a Quarta Rodada de negociações taririas está baseada em “General Agreement on Tariffs and
Trade”. In:
International Organization
, Vol. 10, No. 3 (Aug., 1956): 517.
85
de que nada seria realizado que não se coadunasse com os princípios do GATT
relativos a uniões aduaneiras e a acordos de livre comércio, considerando as Partes ser
então prematuro conduzir uma avaliação da proposta, uma vez que ainda não fora
concluída. Situação parecida se discutiu em relação à Nicarágua, que estava em vias
de formar uma área de livre comércio com seus vizinhos centro-americanos, os quais,
no entanto, não eram Partes do GATT, sendo aprovado acordo neste sentido, segundo
o qual, as tarifas e outras barreiras ao comércio entre Nicarágua, El Salvador, Honduras
e Costa Rica, incidentes sobre suas transações comerciais, seriam eliminadas num
prazo de dez anos, contados a partir da data da instituição da área de livre comércio da
América Central
77
.
Atuando pela primeira vez na história do GATT, no curto espaço de tempo de
quatro dias, entre 24 e 28 de abril de 1957, o Comitê Inter-sessional contou com a
presença de 31 das 35 Partes Contratantes para debater, fundamentalmente, o projeto
de constituição do Tratado do Mercado Comum Europeu. Como não se encontrou
consenso para lidar com a questão, foi criado um programa de trabalho preparatório,
com a duração necessária, em conjunto com o Comitê Interino do Tratado europeu, a
ser supervisionado pelo secretariado do GATT. Referente ao segundo passo do
processo de integração européia, o Japão manifestava sua preocupação de que os
territórios ultramarinos dos países pertencentes ao Mercado Comum tivessem um
status econômico privilegiado
78
.
A décima segunda sessão, ocorrida entre 17 de outubro e 30 de novembro de
1957, empenhou grande parte de suas atividades para tratar do projeto de formação da
Comunidade Econômica Européia e, também, dos aspectos comerciais pertinentes à
criação da Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom). Em encontro
77
A narrativa sobre a décima primeira sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 11, No. 1 (Winter, 1957): 205-207.
78
A narrativa sobre a reunião do Comitê Inter-sessional está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”.
In:
International Organization
, Vol. 11, No. 3 (Summer, 1957): 579-580.
86
ministerial havido entre 28 e 30 de outubro, decidiu-se, então, criar um comitê para
avaliar o conteúdo do Tratado instituidor da Comunidade Econômica e suas inter-
relações com as obrigações concernentes ao GATT, subdividido em quatro outros
comitês para analisar tarifas, restrições por balança de pagamentos, territórios
ultramarinos e política de proteção à agricultura. Como questões pertinentes aos temas
debatidos não teriam ficado suficientemente esclarecidas, encarregou-se o Comitê
Inter-sessional a dar prosseguimento ao assunto, assim como designá-lo para
acompanhar as negociações de formulação do Tratado, que se desenrolavam em Paris.
Em relação à formação da área de livre comércio da América Central, a Nicarágua
relatou que as negociações seguiam seu curso, mas não se haviam completado os
trâmites de assinatura do tratado.
Nessa sessão, a Alemanha Ocidental, enfim, apresentou um programa de
liberalização comercial, após ter sofrido uma saraivada de críticas, em sessões
anteriores, por conta das restrições impostas por problemas relativos à balança de
pagamentos, embora muitos de seus parceiros comerciais o tenham considerado
insuficiente, tendo sido sugerido ao país que reapresentasse nova proposta, a qual
seria discutida no Comitê Inter-sessional.
No decorrer dos trabalhos da sessão, foi levantada a questão do desequilíbrio da
participação dos países subdesenvolvidos no comércio internacional, ressaltando-se a
dificuldade destes países em manterem sua posição em relação aos países
industrializados, face ao declínio dos preços das commodities primárias e do amplo
recurso ao protecionismo agrícola. E, com o objetivo de analisar a tendência do
declínio do nível das exportações dos países subdesenvolvidos e seu impacto em
médio prazo, resolveu-se formar um panel de experts não-governamentais, o que, de
toda forma, não implicaria em qualquer juízo de valor sobre a política comercial de cada
uma das Partes Contratantes ou qualquer recomendação a respeito.
87
A questão de ser exercido algum controle sobre práticas comerciais restritivas,
evitando abusos por parte de cartéis e monopólios, voltava ao tema de debate no
GATT, por iniciativa da Noruega, decidindo-se que o secretariado deveria levantar
material relevante sobre o assunto. Ainda, nesta sessão, se deram as acessões de
Gana e Malásia, condicionadas ao dispositivo do GATT, segundo o qual, países em
processo de emancipação nacional, poderiam se tornar Partes Contratantes de pleno
direito quando obtivessem autonomia na formulação de sua política comercial, desde
que patrocinada pela antiga metrópole
79
.
Um novo encontro do Comitê Inter-sessional foi aberto em 14 de abril de 1958,
reunido por três semanas, com a participação das 37 Partes Contratantes, quando
foram discutidas as disposições relativas à instituição do Tratado de Roma que criava a
Comunidade Econômica Européia, debruçando-se, especificamente, sobre as tarifas
aduaneiras comuns estabelecidas pela nova Comunidade, o emprego de restrições a
importações em razão da balança de pagamentos, a questão da política agrícola e a
associação dos territórios ultramarinos como integrantes do mercado e o significado de
tal associação para o comércio mundial. No tocante à manutenção das restrições por
balança de pagamentos impostas pela Alemanha Ocidental, o Comitê considerou
insatisfatório o tratamento dado pelo governo alemão e recomendou a este que
relatasse à próxima sessão as providências tomadas.
Previamente à realização da décima terceira sessão, entre 20 de outubro e 22 de
novembro de 1958, acontecera um encontro ministerial reunindo as Partes Contratantes
em que se discutiu a situação do comércio internacional, percebida pelos ministros
como promissora quanto à expansão das atividades comerciais internacionais, assim
como avaliavam progresso quanto ao cumprimento dos objetivos do GATT. Contudo,
concordaram que obstáculos ainda se apresentavam, principalmente no que dizia
respeito aos países menos desenvolvidos, afetados por problemas de pagamentos e
79
A narrativa sobre a décima segunda sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 12, No. 2 (Spring, 1958): 261-263.
88
pela situação existente referente às commodities primárias, além de vislumbrarem
dificuldades que entravavam o crescimento do comércio mundial de produtos agrícolas,
sem, no entanto, listá-las. Nessa ocasião, foi divulgado o relatório produzido pelo Panel
de Experts, incumbido de analisar as tendências do comércio mundial e a inserção dos
países subdesenvolvidos nessa dinâmica, conforme deliberado na sessão anterior.
Nesse documento, denominado Trends in International Trade, igualmente conhecido
como Haberler Report, havia algumas recomendações para adoção pelas Partes como
aumento da ajuda econômica; maior liqüidez internacional; moderação do
protecionismo agrícola na Europa e nos Estados Unidos bem como uma alteração de
métodos de proteção, propondo seu deslocamento de um sistema de apoio a preços
para um sistema de pagamento de deficiências; redução de proteção contra a
importação de produtos minerais e, por fim, preconizava que se evitassem medidas
desviantes do comércio em acordos econômicos regionais
80
.
Por conseguinte, os debates predominantes durante a sessão refletiram os
termos e as recomendações contidas no citado relatório, girando em torno das
perspectivas e necessidades de expansão do comércio internacional, a atenção aos
países subdesenvolvidos, o protecionismo agrícola e as conjecturas para a realização
de uma nova rodada de redução tarifária. Em virtude, decidiu-se pela elaboração de
um programa de ação voltado para a expansão do comércio internacional, criando-se,
para tal, três comitês, sendo o primeiro dedicado a avaliar a possibilidade de se
promover uma rodada efetivamente multilateral de negociações tarifárias no âmbito da
estrutura do GATT; ao segundo comitê foi atribuída a tarefa de analisar questões
relacionadas à produção agrícola, inclusive procedendo a consultas junto a outros
organismos internacionais para levantar dados sobre o emprego, pelas Partes
Contratantes, de medidas não-tarifárias destinadas a proteger a produção agrícola ou,
ainda, identificar os apoios conferidos aos produtores domésticos e, de posse destes
dados, analisá-los de que forma as regras do GATT estariam se demonstrando
80
O panel de experts, encabeçado pelo economista norte-americano de origem austríaca Gottfried Haberler, que deu
nome ao Relatório, foi composto por outros três economistas: Jan Tinbergen (Prêmio Nobel em 1969), James Meade
(Prêmio Nobel em 1977) e Oswaldo Campos.
89
inapropriadas para promover a expansão do comércio internacional. Por fim, o terceiro
comitê tinha por encargo estudar e propor outras medidas voltadas para a expansão do
comércio, concentrando-se, prioritariamente, na manutenção e expansão dos ganhos
de exportação dos países menos desenvolvidos.
Em relação à formação da Comunidade Econômica Européia, a sessão deliberou
prorrogar qualquer resolução final. Nessa ocasião, Brasil e Chile comunicaram que, em
conjunto com a Argentina, planejavam dar passos para promover, por meio de acordos,
a integração econômica de seus países, de forma gradual e progressiva.
A décima quarta sessão do GATT deu-se entre 11 e 30 de maio de 1959, tendo
como principal marco a definição dos pressupostos para a realização de uma nova
rodada de negociações tarifárias, cuja data foi prevista para setembro de 1960. As
definições estabeleceram quatro categorias de negociação sendo a primeira, as
negociações encetadas entre as Partes Contratantes visando a novas concessões; a
segunda referia-se a renegociações com os membros da Comunidade Econômica
Européia para ajustes na tarifa comum, levando em consideração as tarifas
consolidadas no âmbito do GATT; a terceira tratava de renegociações nos
compromissos de redução tarifária então já existentes, os quais se desejava
implementar antes do fim do período de três anos, ainda à época, em vigor e,
finalmente, negociações com países que pretendiam aceder ao GATT. Nessa sessão,
a Espanha foi admitida como observadora, a Iugoslávia como associada, por um
período de três anos renováveis, mas sem direito a voto, e aprovou-se Israel como
integrante provisório, sendo que sua acessão seria plenamente efetivada após a
realização da nova rodada de negociações
81
.
Ainda em 1959, se realizou a décima quinta sessão, de 26 de outubro a 20 de
novembro, em cujos primeiros três dias, as Partes debateram diversos temas, dentre os
81
A narrativa sobre a décima quarta sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 13, No. 3 (Summer, 1959): 487-488.
90
quais, a necessidade de se empreender o máximo esforço para apoiar os países menos
desenvolvidos que não haviam conseguido partilhar da melhoria das condições
econômicas e a exigência de que os acordos regionais, a exemplo da Comunidade
Econômica Européia e da Associação Européia de Livre Comércio, considerassem os
interesses comerciais de outros países e resguardassem os princípios do Acordo Geral.
Visando a garantir os interesses dos países exportadores de produtos agrícolas,
a sessão deliberou que, pela primeira vez, além das negociações envolvendo
concessões tarifárias, a rodada que se iniciaria em setembro de 1960, poderia
comportar negociações em torno de barreiras não tarifárias como subsídios e taxas
internas, porém facultando às Partes aceitar ou não tais negociações, no que,
prontamente, a Comunidade Econômica Européia declarou que trataria, tão somente,
de tarifas.
Um dos comitês instalados durante a décima terceira sessão, em 1958, relativo
às dificuldades enfrentadas pelos países menos desenvolvidos, apresentou, nessa
sessão, suas recomendações no sentido de que as Partes Contratantes devessem
examinar suas barreiras ao comércio com aqueles países, em especial, tarifas, taxas e
encargos internos, restrições quantitativas e outras medidas, com o objetivo de
promover os ganhos de exportação, tornando os países menos desenvolvidos menos
condicionados à concessão de ajuda externa, assim como colaborando para robustecer
suas economias e expandir seu grau de desenvolvimento.
Em vistas do que viria a se constituir a Associação Latino-Americana de Livre
Comércio (ALALC), Brasil, Chile, Peru e Uruguai informaram às Partes que avançavam
as tratativas para a formação institucional que pretendia viabilizar a integração
econômica do subcontinente, sendo recebida a nota favoravelmente, contudo alertando
91
para que não se tornasse um instrumento de distorção e sim de expansão do
comércio
82
.
Após mais um fracasso na tentativa de se institucionalizar o GATT, através da
Organization for Trade Cooperation, as Partes buscaram criar uma mínima estrutura
permanente para o Acordo Geral. Assim sendo, a décima sexta sessão, ocorrida entre
16 de maio e 04 de junho de 1960, em Tóquio, deliberava pela criação de um conselho
para solucionar questões surgidas entre as sessões ordinárias e regulares, aberto a
todos países que o quisessem integrar. Uma outra providência no sentido da maior
estruturação consistiu em se autorizar o Secretário Executivo do GATT a aumentar o
número de profissionais e a ampliar as instalações físicas da sede em Genebra.
De outra forma, três itens vinculados a associações entre países colocavam-se
em pauta. A primeira dizia respeito à formação da Associação Européia de Livre
Comércio (EFTA), composta por sete países. Pairavam dúvidas acerca da consonância
de seus termos com as regras do GATT, levantadas principalmente pelos Estados
Unidos, considerando que a ausência de menção, no acordo, à agricultura e à pesca,
significava que todas as trocas comerciais entre seus membros, como dispunha o
GATT, não estavam incluídas. As demais referiam-se à criação da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, como sucedânea da Organização
Européia para a Cooperação Econômica e a celebração do Tratado de Montevidéu,
fundando a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), integrando sete
países latino-americanos
83
.
A décima sétima sessão, de 31 de outubro a 19 de novembro de 1960, continuou
a se deter na avaliação das três experiências de integração econômica regional em
82
A narrativa sobre a décima quinta sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 14, No. 1 (Winter, 1960): 221-222.
83
A narrativa sobre a décima sexta sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 14, No. 3 (Summer, 1960): 490-491.
92
curso à época, a Comunidade Econômica Européia, a Associação Latino-Americana de
Livre Comércio e Associação Européia de Livre Comércio. Embora as Partes
considerassem que as três propostas encontravam-se atreladas ao espírito do Artigo
XXIV do GATT, relativo à formação de áreas de livre comércio e uniões aduaneiras, as
dúvidas registradas nas sessões anteriores ainda persistiam, levando-as a exigir novos
detalhamentos sobre tarifas no caso das duas últimas propostas, e sobre a Política
Agrícola Comum somada ao que consideravam possíveis efeitos danosos ao comércio
internacional, dado o privilégio conferido aos territórios associados – vale dizer, às
colônias ultramarinas remanescentes, no caso da CEE.
Também se retornava às questões relacionadas aos efeitos das políticas
agrícolas sobre o comércio internacional e aos obstáculos enfrentados pelos países
menos desenvolvidos para a ampliação de sua participação nas trocas comerciais
internacionais, após a análise empreendida pelos dois grupos de trabalho, que
apresentavam seus respectivos relatórios. No primeiro caso, houve a percepção de
que, em maior ou menor grau, a questão da exploração e comercialização agrícolas,
sempre sofreu algum tipo de intervenção governamental, voltadas para apoiar e
subsidiar produtores domésticos, anulando quaisquer concessões tarifárias efetuadas
anteriormente e causando efeitos gravemente distorcivos ao comércio, fugindo de
qualquer padrão aceitável de produção e comercialização. Quanto à situação dos
países menos desenvolvidos, o relatório pertinente demonstrava a continuidade da
estagnação comercial, a despeito da flexibilidade concedida poucos meses antes por
alguns países industrializados no tocante a restrições por quotas, tendo sido os ganhos
obtidos julgados como bastante irrelevantes. A crítica contida no relatório acabou por
gerar acalorado debate pautado por acusações mútuas, em que os países menos
desenvolvidos responsabilizavam os países industrializados por manterem sua política
de proteção, através de quotas de importação para têxteis e outras manufaturas
simples, no que estes retrucavam que os de baixo desenvolvimento deveriam
diversificar o leque de produtos destinados à exportação e intensificar processos de
93
integração comercial regional como fator que poderia vir a beneficiá-los
84
. Segundo
Raghavan, não houve atitudes tomadas efetivamente em favor dos países em
desenvolvimento, restando-as no campo das promessas, pois as resoluções que seriam
implementadas na rodada seguinte de negociações tarifárias, a Rodada Dillon (1961),
jamais o foram, e, para agravar, foi quando exatamente se deu início às restrições de
importações de produtos industriais oriundos desses países, baseadas, segundo o
autor, em teorias estranhas àquelas referidas ao livre comércio que tomam como base
as vantagens comparativas (RAGHAVAN, 1986).
A décima oitava sessão, bem mais curta, realizada entre 14 e 19 de maio de
1961, teve grande parte de sua agenda tomada pelo debate em torno do processo de
integração da Comunidade Econômica Européia, em que, mais uma vez, a discussão
abordando o favorecimento dos territórios associados foi a tônica dominante,
materializado por acordos preferenciais. De um lado, várias Partes Contratantes
consideravam que não ainda haviam vislumbrado, na letra do Artigo XXIV, alguma
solução para a questão. De outro, a CEE alegava que nos três anos de exercício da
tarifa comum, não se haviam verificado prejuízos a terceiras partes, como
demonstravam as estatísticas relativas à movimentação comercial do período. Como
não se atingia a qualquer consenso sobre a questão, protelou-se a perspectiva de
algum arranjo para adiante. Quanto a ALALC, os países dela integrantes comunicaram
que já haviam depositado os respectivos instrumentos de ratificação
85
.
Refletindo o forte movimento de descolonização, iniciado em meados da década
de 1950 e atingindo seu ápice no início dos anos 1960, as Partes Contratantes, nessa
sessão, deliberaram por se disporem, através do GATT, a fornecer ajuda e orientação
para a formulação de suas políticas comerciais e aduaneiras, sendo que, dois novos
84
A narrativa sobre a décima sétima sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization, Vol. 15, No. 1 (Winter, 1961): 206-207.
85
Formaram a ALALC, inicialmente, Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai.
94
Estados já haviam recentemente acedido ao GATT em 1961, Nigéria e Serra Leoa,
somando o Acordo Geral 39 Partes Contratantes
86
.
A décima nona sessão, novamente de curta duração, ocorrida entre 13 de
novembro e 09 de dezembro de 1961 – e, particularmente, o encontro ministerial havido
entre 27 e 30 de novembro – tratou de temas que prenunciariam mudanças que viriam
a transformar a dinâmica do GATT nos anos subseqüentes, como, por exemplo, a
percepção do esgotamento da prática de negociações para a redução de tarifas pelo
esquema produto a produto que, se havia alcançado substanciais ganhos, já não
correspondia à crescente complexidade do comércio internacional àquele momento. E
que, portanto, as Partes deveriam estudar alguma forma de negociação que levasse à
redução linear de tarifas. Antecedendo aos resultados da Rodada que seria realizada
em 1964, recomendavam que, no tocante aos países menos desenvolvidos, lançavam
a sugestão de que fosse adotada posição mais flexível ao grau de reciprocidade
esperada. E recomendava-se que se fossem formulados planos de ação visando à
redução progressiva – se possível com prazo definido – e, até mesmo, à eventual
eliminação de barreiras existentes às exportações dos países menos desenvolvidos. E,
em conexão às preconizadas necessidades de expansão comercial dos países menos
desenvolvidos, instava-se que fossem criadas possibilidades de acesso a mercados
para produtos agrícolas, por meio de procedimentos que servissem de base para a
negociação com esse intuito, propondo que os produtos tropicais tivessem livre entrada
nos mercados importadores.
Ao analisar os diversos projetos de integração econômica regional então em
curso (CEE, EFTA, ALALC, América Central e Borneo), permaneciam insolúveis as
questões envolvendo as especificidades da Comunidade Econômica Européia, no que
tangiam à Política Agrícola Comum, à tarifa comum e à associação dos territórios
ultramarinos, deliberando-se observar tais questões tomando por base a interpretação
86
A narrativa sobre a décima oitava sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 15, No. 3 (Summer, 1961): 530-531.
95
jurídica do Artigo XXIV: 5 (a) que regulamentava os arranjos para a formação de uniões
aduaneiras, com o objetivo de assegurar às demais Partes esclarecer pontos que
viessem a evitar danos às suas exportações.
Por fim, nessa sessão, o Secretário Geral da nova Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que sucedia à antiga OECE, afirmava que
um dos objetivos da nova organização, após ter atingido aquele da “inter-liberalização
da Europa”, consistia em tratar assuntos comerciais em amplitude mundial, em
consonância com as regras do GATT
87
.
Em julho de 1962 se encerravam os trabalhos da Conferência das Partes
Contratantes que englobara três conjuntos de negociações: a primeira tratou das
renegociações das tarifas da Comunidade Econômica Européia com as demais Partes
Contratantes; a segunda, a rodada geral de negociações tarifárias, conhecida como
Rodada Dillon
88
e, a terceira, a negociação com países acedentes ao GATT. Em
relação a CEE, em função da adoção da tarifa comum, houve necessidade de se definir
uma única tarifa européia para todas as outras Partes, sendo que, em algumas
situações, as tarifas já se encontravam consolidadas por Partes individuais
anteriormente. Já a Rodada Dillon, ainda realizada em termos de negociações
bilaterais, envolveu transações comerciais em torno de US$ 5 bilhões, quase o dobro
da rodada de 1956. As candidaturas à acessão plena abrangeram Portugal, Israel,
Camboja e Espanha, tendo os três primeiros completado todo o processo negociador
89
.
87
Nessa sessão, o GATT chega a 40 Partes Contratantes de pleno direito com a acessão de Tanganica (futura
Tanzânia, após sua união com Zanzibar) em dezembro de 1961. A narrativa sobre a décima nona sessão está baseada
em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 16, No. 1 (Winter, 1962): 259-
261.
88
A Rodada Dillon foi assim denominada, por ter sido proposta pelo então Sub-Secretário de Estado dos Estados
Unidos, Douglas Dillon.
89
Apenas Portugal e Israel foram logo admitidos como Partes Contratantes em maio e julho de 1962,
respectivamente, enquanto o Camboja, por jamais ter ratificado internamente o protocolo de acessão, acabou não
integrando o GATT-1947. Cf. “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 16,
No. 4 (Autumn, 1962): 889.
96
A vigésima sessão, realizada entre 23 de outubro e 16 de novembro de 1962,
teve como destaque a convocação de reunião ministerial extraordinária, marcada para
o início do ano seguinte, proposta por Estados Unidos e Canadá, com o objetivo de
discutir programa de ampla liberalização e expansão comercial de produtos primários e
secundários, atribuindo ênfase à busca de soluções para a primeira categoria de
produtos, vinculada aos entraves comerciais dos países menos desenvolvidos. Duas
questões estiveram fortemente presentes nos debates, as quais discorriam sobre a
Política Agrícola Comum da CEE e os problemas comerciais dos países menos
desenvolvidos, tratados especialmente por dois comitês do Programa de Expansão do
Comércio do Acordo Geral, por solicitação do Conselho do GATT. Em relação à
primeira questão, embora a CEE tivesse fornecido garantias de que a política européia
para o setor agrícola não acarretaria em prejuízos às demais Partes Contratantes,
considerava-se que ainda residia elevado grau de incerteza quanto ao impacto dessa
política para os países exportadores de produtos agrícolas. Quanto aos problemas dos
países menos desenvolvidos, foi proposto um programa de ação que consistia em cinco
pontos a serem considerados: 1) interdição de novas tarifas e barreiras não-tarifárias; 2)
eliminação de restrições quantitativas sobre as exportações até 31 de dezembro de
1965; 3) permissão, pelos países industrializados, de livre entrada de produtos tropicais
a partir de 31 de dezembro de 1963; 4) eliminação de tarifas sobre produtos primários
de importância na pauta comercial dos países menos desenvolvidos; e, 5) redução
mínima de 50%, no período de três anos, de barreiras tarifárias para produtos
processados e semi-processados, provenientes dos países menos desenvolvidos. Em
23 de outubro de 1962, Trinidad e Tobago e Uganda, recém independentes da
dominação britânica, acediam ao GATT como novas Partes Contratantes
90
.
Em maio de 1963, o encontro ministerial solicitado por Estados Unidos e
Canadá, e aprovado pelas Partes na última sessão, com o propósito de debater os
problemas enfrentados pelos países menos desenvolvidos, teve acrescido em sua
90
A narrativa sobre a vigésima sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International
Organization
, Vol. 17, No. 1 (Winter, 1963): 306-309.
97
agenda mais dois itens que se entrelaçavam com o original: acordos para a redução ou
eliminação de tarifas e outras barreiras ao comércio e assuntos correlatos e medidas
para acesso a mercados de produtos agrícolas e outros produtos primários.
No primeiro caso, o Programa de Ação sugerido foi aumentado em mais dois
pontos, mantidos os cinco primeiros definidos na vigésima sessão, isto é, no sexto
ponto se propunha a redução progressiva dos encargos fiscais internos e taxas sobre
produtos, no todo ou em sua maior parte, produzidos nos países menos desenvolvidos;
o sétimo ponto apontava o estabelecimento de relatório de procedimentos efetuados
pelos países industrializados em seu progresso na remoção das barreiras mencionadas
nos pontos anteriores. Embora os países industrializados, à exceção daqueles da CEE,
tenham declarado concordar com os termos do Programa de Ação, o viam com
reservas, pois nem todos os pontos seriam possíveis de ser atendidos, ao menos em
prazo ágil. No que se referia à redução substancial de tarifas, tanto para produtos
primários quanto para processados e semi-processados, alegavam que fariam todos os
esforços para que este objetivo fosse alcançado, mas no âmbito das negociações do
GATT. Quanto às disposições para impedir a aplicação de novas tarifas e barreiras
não-tarifárias, estes ministros concordavam com a proposta, porém ressalvavam que,
em circunstâncias especiais que viessem a compelir seus países que tal atitude se
tornasse inevitável, estariam dispostos a empreender consultas com o país interessado
a respeito do produto em causa. E os Estados Unidos adicionaram o argumento
segundo o qual a legislação norte-americana impunha que reduções tarifárias só
poderiam ocorrer a cada cinco anos. Já os ministros da CEE concordavam com os
propósitos genéricos do Programa e se declaravam totalmente dispostos a contribuir
para o alcance de seus objetivos, porém salientaram que estes estavam voltados
unicamente para a eliminação de barreiras ao comércio, mas que, por si só, tais
medidas não resolveriam a questão, sendo necessárias outras para obter a aceleração
dos ganhos de exportação dos países menos desenvolvidos, como por exemplo, a
concertação de uma ação internacional voltada para a organização do comércio
internacional em produtos de interesse desses países e, ainda, o empreendimento de
98
esforços destinados a assegurar o crescimento das exportações com base em preços
remunerativos, estáveis e eqüitativos.
Os ministros dos países menos desenvolvidos, por seu lado, manifestavam
decepção e desapontamento por conta das posições expressadas pelos países
industrializados, acrescentando que o programa era o mínimo para atender às
necessidades dos seus países e a habilitá-los a contribuir para a expansão do comércio
internacional, podendo significar um compromisso efetivo entre as dificuldades
declaradas por alguns dos países industrializados e suas responsabilidades no âmbito
do GATT.
Novamente à exceção da CEE, os ministros concordavam que deveria haver
total acesso a mercados para produtos tropicais e que a instabilidade dos preços e a
inadequação dos ganhos eram os fatores que mais afetavam os produtores.
Manifestavam concordância, ainda, em apoiar a proposição de que não se deveria
impor novas barreiras tarifárias ou não-tarifárias ao comércio destes produtos. Como
resultado do debate, definiu-se a criação de um grupo de trabalho encarregado de
estudar e relatar às Partes Contratantes propostas no sentido de assegurar
preferências sobre produtos selecionados pelos países industrializados aos países
menos desenvolvidos e, igualmente, assegurar preferências sobre produtos
selecionados de países menos desenvolvidos a seus similares. Por fim, acordaram
todos em resolução adotada, em estabelecer um Comitê de Ação, ao qual caberia
apoiar a implementação do Programa de Ação assim como coordenar outras medidas
que pudessem vir a ajudar aos países menos desenvolvidos a fortalecer sua posição
comercial e capacidade de exportação, no entendimento de que a expansão do
comércio internacional destes países colaboraria para o respectivo desenvolvimento
econômico.
O ensejo dessa reunião foi aproveitado para se marcar a realização de uma nova
rodada de negociações, porém, diante do entendimento de que o modelo que havia
99
predominado por quase duas décadas, encontrava-se esgotado, estabeleceu-se uma
série de princípios que viria a alterar a dinâmica de negociação, a partir da ocorrência
da Rodada Kennedy, em 1964. Dentre esses princípios, definiu-se a que rodada de
liberalização deveria ser a mais ampla e abrangente possível e, para tanto, caberia
cobrir todas as classes de produtos e envolver tanto barreiras tarifárias quanto não-
tarifárias. Considerava-se, igualmente, esgotada a modalidade de negociação produto
a produto sendo, portanto, necessário que a negociação tomasse como parâmetro um
plano substancial de redução linear de tarifas, em nível de igualdade, em que exceções
deveriam ser avaliadas e justificadas. Porém, situações atípicas estavam previstas,
como nos casos da ocorrência de disparidades significativas de níveis tarifários,
devendo, nessas circunstâncias, serem aplicadas regras especiais. Embora o princípio
de reciprocidade, ao lado do Tratamento de Nação Mais Favorecida, devesse ser o fio
condutor das negociações, previa-se a possibilidade de surgirem situações nas quais a
incidência geral de tarifas já era extremamente inferior em relação à praticada por
outras Partes. No caso dos produtos agrícolas, preconizava-se que as negociações
deveriam levar à obtenção de condições que ampliassem o acesso a mercados para
esses produtos e que todos os esforços deveriam ser empreendidos para maximizar o
nível de redução de barreiras às exportações dos países menos desenvolvidos,
alertando que os países industrializados poderiam não esperar receber reciprocidade
daqueles
91
.
A vigésima primeira sessão, realizada entre 24 de fevereiro e 20 de março de
1964, tinha como pauta principal o tratamento às questões comerciais relacionadas aos
países menos desenvolvidos. O Comitê de Ação, instituído na reunião ministerial de
maio de 1963, com o objetivo de estudar a situação desses países no âmbito do quadro
do GATT, lançava seu relatório, que trazia embutida a proposta de inserção de um novo
capítulo do GATT, vinculando comércio e desenvolvimento, antecipando o que viria a
ser a Parte IV do Acordo Geral. Os debates em torno do relatório destacavam a
91
A narrativa sobre a reunião ministerial realizada em maio de 1963 está baseada em “General Agreement on Tariffs
and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 17, No. 4 (Autumn, 1963): 994-996.
100
relevância da questão, concordando, na síntese feita pelo Chairman da reunião, o
canadense J.H. Warren, ser apropriada e oportuna a introdução na estrutura do GATT
de termos que traduziriam as inquietações que vinham se desencadeando ultimamente,
sugerindo que estes dispositivos deveriam compor um capítulo à parte, salientando que
a questão era convergente com o tema da Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento, que se iniciaria no dia 23 de março daquele ano. Decidiu-
se, por conseguinte, que o Comitê prepararia o protocolo de emenda ao Acordo Geral
apresentando sua versão até 30 de setembro ao Conselho do GATT e este às Partes
até meados de novembro, impreterivelmente
92
.
Com a acessão de grande parte dos países descolonizados, o total de países em
desenvolvimento acedidos ao GATT elevou-se de 16, em 1955, para 40 Partes
Contratantes em 1964, já significando a maioria, porém como no Acordo Geral,
prevalecia a norma do consenso e não do voto unitário, tal montante não implicou em
alterações da regras relativas ao comércio internacional, levando esses países a se
mobilizarem no âmbito da Assembléia Geral das Nações Unidas.
92
A narrativa sobre a vigésima primeira sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In:
International Organization
, Vol. 18, No. 3 (Summer, 1964): 665-669.
101
QUADRO IV
ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO
PARTES CONTRATANTES POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO
1964
CATEGORIA
PAÍSES
DESENVOLVIDOS
Alemanha Ocidental, Austrália, Áustria, Bélgica,
Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos,
Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia,
Holanda, Israel, Itália, Japão,
Luxemburgo,
Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Rodésia do
Sul, Suécia, Tchecoslováquia, União Sul-
Africana.
SUBDESENVOLVIDOS
Alto Volta, Birmânia, Brasil, Camarões, Ceilão,
Chade, Chile, Chipre, Congo, Costa do Marfim,
Cuba, Daomé, El Salvador, Gana, Gabão, Haiti,
Índia, Indonésia, Jamaica, Kuwait, Líbano,
Madagascar, Malásia, Mauritânia, Nicarágua,
Níger, Nigéria,
Paquistão, Peru, Quênia,
República Centro Africana, República
Dominicana, Senegal, Serra Leoa, Tanzânia,
Togo, Trinidad e Tobago, Turquia, Uganda,
Uruguai.
Elaborado a partir dos dados disponíveis pela Organização Mundial do Comércio
O GATT consistiu fundamentalmente em projeto dos Estados Unidos, que o
lideraram e viabilizaram, na perspectiva de criação de um sistema comercial mundial
mais aberto, a partir das iniciativas levadas a cabo ainda nos anos 1930, a despeito da
tolerância ao protecionismo europeu e japonês do imediato pós-II Guerra, com vistas à
futura adesão de ambos ao princípio do livre comércio, opondo, com o advento da
Guerra Fria a noção de prosperidade do Ocidente frente ao comunismo (SPERO &
102
HART, 1997: 54-55). Paulatinamente, foi obtendo maior solidez institucional, ao criar
algumas estruturas executivas e burocráticas visando à administração da
implementação das regras comerciais, permitindo a passagem posterior para
negociações efetivamente multilaterais (SPERO & HART, 1997: 54), a partir da Rodada
Kennedy (1964-1967). Em busca da definição do que seria o “espírito” do GATT,
Weinrichter enquadra-o como ambíguo –
“neither flesh nor fish” – à medida que, de um
lado, constituía uma parte da Carta da OIC, portanto vinculado à uma estrutura
fortemente institucionalizada, sem, no entanto, a ela fazer menção, mas, por outro, não
reproduzia os acordos comerciais efetuados na década de 1930, ficando a meio
caminho. Assim sendo, esse caráter ambíguo lhe teria propiciado flexibilidade para
evoluir de acordo com as necessidades que se lhe apresentavam com o tempo
(WEINRICHTER, 1999: 3). Srinivasan compila alguns aportes que reforçam a
ambigüidade do GATT, como John Jackson, em sua obra “Restructuring the GATT
System”, de 1990, em que este, previamente, distingue dois modelos de instituições
internacionais, em que o primeiro é, fundamentalmente, fórum de negociações,
desprovido de regras e obrigações precisas ou mecanismos de coerção; o segundo
consiste em uma instituição dotada de regras concretas, as quais os governos
consideram-nas necessárias, dispondo então, dos respectivos mecanismos para sua
implementação. Jackson daí infere que o GATT não se encaixaria em nenhum dos
dois modelos rigidamente, todavia gravitando em direção ao segundo, porém
conservando aspectos do primeiro (SRINIVASAN. 2000, 13).
Desde a obtenção da certeza de que a Carta de Havana não seria ratificada pelo
Congresso dos Estados Unidos e, em conseqüência, a Organização Internacional do
Comércio não seria efetivamente implantada, a saída encontrada, de extrema
conveniência para os setores descontentes com os rumos e delineamentos que a Carta
havia adquirido, consistiu no prosseguimento do Acordo Geral de Tarifas e Comércio
(GATT), que resguardava os objetivos principais daqueles que advogavam,
primeiramente, o livre acesso a mercados, onde o aspecto coercitivo, por mínimo que
fosse, de uma organização internacional não se encontrava densamente presente.
103
Baseava seu funcionamento na dinâmica de negociações bilaterais em torno da
redução de barreiras ao comércio internacional, principalmente tarifas, onde o principal
exportador de um produto conclamava a seu principal importador a encetar
conversações visando a obter maior acesso àquele mercado e, uma vez obtida a
redução, essa concessão era estendida a todos os demais países interessados, em
cumprimento ao princípio do Tratamento da Nação Mais Favorecida. Tal dinâmica
perdurou de 1947 a 1961, quando o modelo começara a apresentar sinais de exaustão.
Assim, bilateral sem sê-lo, multilateral sem o ser, o GATT tornou-se, com o
passar dos anos e a crescente complexidade da dinâmica do comércio internacional,
um ente híbrido, pois, era um Acordo Geral com feições de organização internacional,
mas, claramente, não o era. Dispunha de um sistema de regras rígidas, mas que era
facultado às Partes Contratantes – e eram partes de um contrato porque não eram
membros de uma organização institucionalizada – adequar-se a tais regras ou não,
porquanto a todas as regras, cabiam as exceções. Por não possuir o caráter coercitivo,
sobreviveu com a condição de não impor regras obrigatórias e não se sobrepor às
soberanias nacionais. Na segunda tentativa de se tornar uma organização, por meio da
proposta da Organization for Trade Cooperation, esbarrou, novamente, na resistência
de americanos e britânicos. Arranjou-se uma reformulação, que lhe garantiu maior
estruturação, à medida que as relações internacionais comerciais se tornavam mais
intensas e complexas.
Composto, majoritariamente, pelos países capitalistas do sistema ocidental, com
a única exceção da Tchecoslováquia até meados da década de 1960, deixava à
margem todos os demais países vinculados ao sistema socialista de produção.
Inicialmente, e até o início da década de 1960, os países desenvolvidos detinham a
maioria de sua composição, sendo as deliberações arranjadas por quorum de dois
terços.
104
A dinâmica de negociação requerida, por sua vez, baseada nas conversações
bilaterais entre principais exportadores e importadores, relegava a plano secundário, os
poucos países subdesenvolvidos, ou menos desenvolvidos, no âmbito do GATT.
Tímidas iniciativas, bastante distantes das conquistas impressas na Carta de Havana,
pouco traziam em resultados, até porque as commodities primárias não desfrutavam de
qualquer tipo de tratamento especial e, além disso, por força das inúmeras exceções,
praticamente todo o comércio relativo a produtos agrícolas estava fora do escopo do
GATT.
Praticamente nenhuma opção restava a esses países, porém, com o processo
de descolonização, acentuadamente a partir de meados da década de 1950 e a
emergência de líderes nacionalistas no então denominado Terceiro Mundo, o panorama
iria apresentar alguns sinais de transformação. Nesse aspecto, o dispositivo do GATT
que assegurava acessão imediata, livre de trâmites de negociações tarifárias às antigas
colônias européias, desde que a metrópole nelas praticasse as regras do Acordo Geral,
permitiu que grande parte dos novos Estados soberanos, principalmente de África, a ele
acedesse no início dos anos 1960.
105
Capítulo III
A formulação da Agenda do Desenvolvimento:
GATT x UNCTAD e a Nova Ordem Econômica Internacional
A ascensão dos países subdesenvolvidos ao cenário internacional tem início com
o fim da II Guerra Mundial, quando se dá a primeira onda de descolonização do século
XX, representada pela independência do subcontinente indiano, então dominado pelo
Império Britânico. Índia, Paquistão, Birmânia e Ceilão assumiam a condição de Estados
soberanos entre 1947 e 1948, seguidos da extinção dos protetorados britânico e
francês sobre as antigas possessões otomanas no Oriente Médio: Líbano e Síria, pelo
lado francês e a Palestina, pelo lado britânico, este dando origem à atual Jordânia, aos
territórios palestinos e a Israel, após a partilha efetuada em 1948. E, no ano seguinte,
se consolidava a independência da Indonésia do domínio holandês
53
.
Uma segunda onda de descolonização, em meados da década de 1950, é
caracterizada pelo fim do império colonial francês na Indochina, de onde surgiram
Camboja, Laos e Vietnam.
A terceira onda é iniciada em 1957, na África, com a independência de Gana,
sob a liderança de Kwame Nkrumah
54
e segue, ora negociada, ora conflitiva, por toda a
África, do Maghreb à região subsaariana, à exceção das possessões portuguesas, que
ainda esperariam por quase vinte anos mais, seguindo até meados da década de 1960,
abrangendo, ainda, algumas possessões britânicas no Caribe.
53
Com efeito, a independência indonésia já havia sido proclamada unilateralmente pelo General Ahmed Sukarno, em
1945, e reconhecida pela Holanda que, posteriormente, reverteu sua posição, mas, diante das pressões exercidas
pelos Estados Unidos, acabou cedendo (PAQUELIN, 2005: 2).
54
Kwame Nkrumah (1909-1972) integrou uma geração de líderes africanos que lutou pela independência do
continente, como Julius Nyerere, da Tanzânia, Kenneth Kaunda, de Zâmbia, Jomo Kenyatta, do Quênia, Sekou
Touré, da Guiné, dentre vários outros, e é considerado o pai do Pan-Africanismo, movimento que vislumbrava a
união de toda a África como força política.
106
Uma quarta onda, finalmente, é desencadeada na década de 1970, com o fim do
protetorado britânico sobre os emirados do Golfo Pérsico
55
, a conquista da autonomia
da maior parte das possessões britânicas no Caribe e das últimas possessões
francesas no Oceano Índico, culminando com a retirada de Portugal e a conseqüente
derrocada do último grande império colonial em África, com as libertações de Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
QUADRO V
ONDAS DO PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO
56
1947-1980
FASE PERIODO PAISES METROPOLE
Índia, Paquistão, Sri Lanka
(ex-Ceilão) e Birmânia
Grã-Bretanha
Líbano e Síria
França
Palestina (Jordânia,
Israel e territórios palestinos)
Grã-Bretanha
1
1947-1949
Indonésia
Holanda
55
Refere-se aos emirados de Omã, Qatar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, uma vez que o Kuwait já havia
resgatado sua soberania em 1962.
56
Não foram aqui computadas as emancipações dos territórios adjudicados em fideicomisso à Austrália, Nova
Zelândia e África do Sul desde a época da Liga das Nações, assim como as independências ocorridas após 1980 e as
secessões ocorridas como Bangladesh e Eritréa.
107
QUADRO V (cont.)
2
1954-1955
Camboja, Laos, Vietnam
França
Gana, Nigéria, Gâmbia, Serra
Leoa, Quênia, Zâmbia,
Malawi, Uganda, Somália,
Sudão, Tanzânia, Botsuana,
Lesoto, Suazilândia, Ilhas
Maurício, Chipre, Malta,
Malásia, Cingapura, Kuwait,
Iêmen do Sul, Maldivas,
Jamaica, Trinidad e Tobago,
Guiana, Barbados
Grã-Bretanha
Senegal, Costa do Marfim,
Togo, Guiné, Mali, Camarões,
Gabão, Mauritânia, Níger,
Burkina Faso (ex-Alto Volta),
Benin (ex-Daomé), Chade,
Argélia, Tunísia, Marrocos,
Congo, República Centro
Africana, Madagascar
França
Burundi, Ruanda, Congo
Bélgica
3
1957-1968
Guiné Equatorial
Espanha
108
QUADRO V (cont.)
Bahamas, Dominica,
Granada, Santa Lúcia, São
Vicente e Granadinas,
Seychelles, Bahrein, Omã,
Qatar, Emirados Árabes
Unidos, Fiji, Tonga, Kiribati,
Tuvalu, Ilhas Salomão,
Vanuatu
Grã-Bretanha
Comores, Djibouti
França
Angola, Moçambique, Guiné-
Bissau, Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe
Portugal
4
1970-1980
Suriname
Holanda
Elaborado a partir de dados coletados disponíveis em Enciclopédia do Mundo Contemporâneo (1999).
Esses movimentos de libertação nacional trouxeram ao panorama das relações
internacionais quase uma centena de novos Estados, atores politicamente soberanos,
não necessariamente dotados de força de qualquer tipo.
Smith explana três hipóteses correntes sobre a dinâmica deste processo,
constituindo a primeira delas a transformação dos grupos locais que, inicialmente
forneceram suporte à dominação e, igualmente dela se beneficiaram – as aristocracias
nativas – posteriormente passaram a opor-se à colonização. Tornando-se capazes de
agregar as diferentes tendências domésticas e articular os interesses locais,
negociaram a transição para a independência. A segunda explicação reside na
suposição de que sempre houve alguma forma de oposição à dominação, não
perceptível ao poder colonizador o qual, não estabelecendo vínculos que resistissem à
mudança do panorama internacional, terá propiciado o surgimento de novas
109
expressões do nacionalismo, que convergiriam para extinguí-lo. Por fim, a terceira
tendência explicativa recai sobre a manutenção do poder colonial, a despeito do
rompimento dos vínculos políticos, por meio da perpetuação do poder econômico e da
dependência da antiga metrópole, que se convencionou denominar de
“neocolonialismo”, situação em que o imperialismo operou apenas a mudança na forma,
porém não efetivamente (SMITH, 1977: 1-3). Acresce, ainda, que as superpotências
surgidas da II Guerra Mundial não nutriam simpatias pela permanência da estrutura
colonial dos grandes impérios, embora os Estados Unidos, por força de sua aliança com
os europeus, com a constituição da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),
já sob o viés da Guerra Fria, acabassem por tolerar a manutenção desses domínios, o
que foi percebido pelos líderes nacionalistas que lutavam contra a opressão colonial
como traição e levando-os a não vislumbrá-los como aliados em prol da causa da
independência (CALVOCORESSI, 1991: 139).
Entre a primeira e a segunda fase da descolonização, surgiria um movimento
que pretendeu unir esses novos países em uma plataforma comum, como alternativa ao
espectro delineado pela Guerra Fria, posteriormente denominado Movimento dos Não-
Alinhados. Ou seja, a posição anti-européia das lideranças anti-coloniais não
acarretava em sua identificação com as posições tanto dos Estados Unidos como com
as da União Soviética, opondo-se à rigidez dos preceitos comunistas, de um lado, e, de
outro, ao ferrenho anti-comunismo de Washington, exemplificado pela campanha do
Senador McCarthy, levando-os a adotar uma perspectiva pragmática do sistema
internacional (CALVOCORESSI, 1991: 139-140). O termo “Não-Alinhado” foi cunhado
pelo Primeiro-Ministro indiano Jawarharlal Nehru
57
, ao proclamar a eqüidistância entre
as duas superpotências da Guerra Fria – Estados Unidos e União Soviética – quando
de uma reunião em conferência realizada em Colombo, capital do então Ceilão, atual
57
Calvocoressi salienta a importância da figura de Nehru, que já era visto como personalidade mundial antes mesmo
de se tornar Primeiro-Ministro indiano, o qual mesclava a inspiração e os valores da democracia ocidental como
também se deixava fascinar pelos esforços soviéticos de industrialização autônoma, embora rejeitasse as práticas de
Stalin e a arrogância dos anti-comunistas norte-americanos, tornando-se, assim, o principal ideólogo do Movimento
dos Não-Alinhados (CALVOCORESSI, 1991: 140).
110
Sri Lanka, no ano anterior. O conceito de não-alinhamento significava a observância de
um número determinado de itens como o respeito à integridade territorial, não-
agressão, não intervenção em assuntos internos, igualdade e reciprocidade e
coexistência pacífica (KOCHER, 2004: 3)
58
.
Nesse mesmo período, mais exatamente em 1952, surgia o termo “Terceiro
Mundo”, cunhado pelo economista francês Alfred Sauvy, em alusão ao Terceiro Estado
da Revolução Francesa, o qual obtém uma dimensão política, ao delimitar os países
que não pertenciam ao bloco dos países vinculados à aliança militar ocidental e nem ao
bloco soviético, mas, principalmente, uma dimensão econômica, ao discernir um grupo
de países, quantitativamente majoritário no cenário internacional, porém destituído de
recursos de poder econômico, não vinculado inteiramente a uma dinâmica capitalista ou
à outra socialista, ou seja, o Primeiro e o Segundo Mundos, respectivamente
(PAQUELIN, 2005: 13).
A sucessão dos eventos que marcaria o início da Guerra Fria levaria à
concepção inicial de neutralidade, porém distintamente do sentido clássico de não
envolvimento em conflitos, desdobrando na idéia de neutralismo, o qual pressupunha a
existência de relações de igual intensidade para com ambos os lados e, em
decorrência, capacitado a revestir-se do papel mediador do conflito, configurando-se
como neutralismo positivo. Tal posição evidenciaria a percepção da fragilidade de
poder dos novos Estados assim como a negação da exigência de tomada de posição. A
forma de manifestar o caráter positivo de sua atuação e de explanar suas posições era
definida pela realização de conferências periódicas e pela participação na Assembléia
Geral das Nações Unidas (CALVOCORESSI, 1991: 141), que veio a se tornar a maior
tribuna e barricada desses países na luta por condições consideradas adequadas a seu
desenvolvimento, porém, inicialmente, temiam que o organismo apenas reprisasse a
dicotomia do sistema internacional, reticência derrubada pela Índia (CALVOCORESSI,
58
Esses princípios foram baseados no Panch Shila ou Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, inspirados pelo
budismo, e definidos quando do encontro entre o Primeiro-Ministro da China Chou en-Lai e Nehru em abril de 1954.
111
1991: 141-142). Assim, concebido fundamentalmente por Nehru, e acrescido do
Presidente indonésio Ahmed Sukarno e do Presidente do Egito e revolucionário
nacionalista, Gamal Abdel Nasser, os três organizaram a Conferência de Bandung,
Indonésia, entre 17 e 24 de abril de 1955, com a participação de 29 países, sendo seis
da África e o restante da Ásia
59
, designada previamente como Encontro Afro-Asiático,
em reunião na cidade indonésia de Bogor, em fins de 1954.
A reação à realização da Conferência por parte das quatro grandes potências
suscita controvérsias, inferidas por meio de alguns relatos trazidos à baila mais
recentemente, quando do qüinquagésimo aniversário do evento. Tawa afirma que a
percepção da imprensa ocidental qualificava o evento como uma forma de acuamento
aos países desenvolvidos, orquestrada pela União Soviética e executada pela China,
que dissimulava sua parceria com Moscou. Prosseguindo, expõe que documentos
diplomáticos há pouco divulgados dão conta de que a Grã-Bretanha buscava convencer
os países anti-comunistas de Ásia e África a participar, com o intuito de tornar seus
resultados incoerentes e disparatados
60
, posição similar à da França e a qual se
buscava convencer aos Estados Unidos. Já em relação à União Soviética, a despeito
da receptividade e das declarações de apoio desta, muitos participantes não a teriam
poupado de críticas, fazendo com que Bandung se tornasse um entrave ao avanço do
comunismo no Terceiro Mundo como um todo sem, necessariamente, descambar numa
retórica anti-comunista (TAWA, 2005). Dessa Conferência nasceria o reverenciado
“espírito de Bandung”, muito citado, mas vagamente conceituado pela literatura que
trata do tema, ora definido como “libertário” no sentido de alternativo ao status quo do
sistema internacional de então (SARAIVA, v.2, 2001: 50); como “energia gregária” que
59
Os participantes de Bandung foram, pela Ásia, Afeganistão, Líbano, Síria, Iraque, Arábia Saudita, Jordânia, Iêmen,
Turquia, Irã, sendo a delegação palestina distribuída entre as da Síria e Iêmen – enquanto Israel foi vetado pelos
árabes – além da China, Indonésia, Filipinas, Índia, Ceilão, Japão, Laos, Camboja, Nepal, Tailândia, ambos os
Vietnam, Paquistão e Birmânia, e, pela África, Egito, Etiópia, Sudão, Libéria, Líbia e Gana, que só se tornaria
plenamente independente dois anos depois (TAWA, 2005).
60
Matéria publicada no jornal britânico The Financial Times de 22/04/2005 confirma a existência de tais
documentos, que abordavam questões como “comunismo colonial” e liberdade de religião no mundo comunista,
usados como tática de convencimento aos governos considerados amigos como a própria Índia, o Ceilão, o
Paquistão, a Tailândia, a Turquia, o Iraque e o Irã, como contraposição à China. Cf. “Lessons of Bandung, then and
now” – The Financial Times. Disponível em http://hellondon.net/cgi-bin/printnews.pl?NewsCode=1297
.
112
teria contagiado a todos, independentemente de suas opções político-ideológicas
(KOCHER, 2004: 4). Hansen define que, com efeito, teriam ocorrido duas conferências:
a primeira, a oficial, da qual muito se desconhece e se dá pouca importância; a
segunda, aquela que se acreditou ter havido, mítica, que delineou os Princípios ou o
“Espírito de Bandung” (HANSEN, 1966: 182 in HOLDEN, 2003: 1). Ou, ainda, preservar
o direito de tomar posições em conformidade com os interesses estritamente nacionais
de cada país (GRANT, 1995: 568).
Contudo, mesmo imbuídos de tal espírito, o outro espírito, o da Guerra Fria, se
fazia presente nas posições das delegações presentes a Bandung e, posteriormente,
no seio do Movimento dos Não-Alinhados. Em setembro de 1954, portanto meses antes
de Bandung, ainda sob os impactos da Guerra da Coréia, Estados Unidos, Grã-
Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, França, Paquistão, Tailândia e Filipinas celebravam
o Pacto de Manila, com o objetivo de repelir mutuamente, agressões estrangeiras a
seus integrantes, entendidas aí como agressões comunistas. Em fevereiro de 1955,
Grã-Bretanha, Irã, Iraque, Turquia e Paquistão firmam um Tratado de Amizade, com o
Pacto de Bagdad, que se desdobraria na Organização do Tratado Central, com a
associação dos Estados Unidos em janeiro de 1959. Pelo outro lado, o Afeganistão
recebia ajuda da União Soviética, que se aproximava da Índia e da Indonésia. Assim,
jamais logrou ser uniforme e muito menos distanciado dos conflitos entre as duas
superpotências e, ainda, veio a proceder a alterações de percurso ao passar do
discurso meramente político para a luta pelo desenvolvimento econômico (GRANT,
1995: 568).
Segundo Calvocoressi, o principal êxito da Conferência, para seus próprios
líderes, foi o auto-conhecimento permitido pelo encontro, que lançou as bases para a
atuação conjunta nas Nações Unidas, ampliando-lhes os laços de solidariedade e
segurança bem como incrementando sua força no cenário internacional, pontos esses
que desempenhariam fator de atração para os novos Estados, surgidos no decorrer das
sucessivas fases do processo de descolonização (CALVOCORESSI, 1991: 146).
113
Alguns poucos anos antes, o economista argentino Raúl Prebisch levantava a
questão da perspectiva da perpetuidade da dependência econômica dos países latino-
americanos, por força da divisão internacional do trabalho, pela qual os países
industrializados produziam manufaturas e os países pobres, ou subdesenvolvidos,
estariam condenados a cultivar a agricultura de exportação, tornando-se meramente
especializados em produtos primários. A continuidade desse modelo iria, cada vez
mais, aprofundar as diferenças existentes, ampliando o distanciamento entre o centro
industrializado e a periferia agrária. Com a previsivelmente crescente escalada
tecnológica dos países centrais, este gap tenderia a se ampliar, tornando inviável e
inexorável a perspectiva dos países da periferia superarem tal dicotomia. Fazia-se
necessário, então, que os governos da América Latina formulassem e implementassem
políticas que viessem a reverter tal quadro. Surgia, assim, no âmbito da então recém
criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), como organismo regional
das Nações Unidas, em 1948, a proposta de desenvolvimento de uma política de
substituição de importações, pela qual, na contramão da proposta norte-americana do
livre comércio, seriam aumentadas as tarifas de importação para os produtos
industrializados, induzindo a criação de parques industriais próprios.
Concomitantemente a esse processo, seria incentivada a formação de processos de
integração econômica regional, com o propósito de articular as políticas
macroeconômicas e evitar a concorrência entre os países da região, nascendo assim, a
primeira tentativa de integração latino-americana, a Associação Latino-Americana de
Livre Comércio (ALALC), em 1960. A idéia cepalina foi amplamente difundida no
contexto latino-americano, tendo, em muitos casos, como, por exemplo, os do México,
Brasil, Chile e Argentina, propiciado intensamente o processo de industrialização da
América Latina. E, nessa perspectiva, preconizava pela ampliação da participação do
subcontinente nas trocas comerciais mundiais, visando a fortalecer sua posição no
âmbito das negociações então correntes no GATT (BRAGA, 2002: 9-19).
Simultaneamente, Europa Ocidental e Japão, com o apoio dos Estados Unidos,
recobravam-se dos danos infligidos pela II Guerra Mundial, ganhando competitividade
econômica internacional.
114
Nos anos 1960, o Movimento dos Não-Alinhados é formalmente criado, obtendo
ampla visibilidade política com a adesão da Iugoslávia, então comandada pelo
Marechal Josip Broz Tito, herói de guerra no combate à ocupação nazista, mantenedor
da unidade iugoslava e dissidente do bloco soviético, embora se mantendo fiel aos
princípios marxistas-leninistas
61
. A adesão de Tito projetaria o Movimento que,
concomitantemente, seria reforçado pela adesão de grande parte dos países egressos
do processo de descolonização da África, ocorrido na segunda metade da década de
1950 em diante, acarretando em seu crescimento e na obtenção de relativa força,
assentado numa plataforma de luta contra o colonialismo, o imperialismo e o
neocolonialismo, vistos esses dois como formas de dominação econômica.
Assim, a primeira Conferência, que lançou o Movimento dos Não-Alinhados
como força política, ou Terceira Força, alternativa à bipolaridade da Guerra Fria, teve
lugar em Belgrado, entre 01 e 06 de setembro de 1961. E é, exatamente nesse
momento, que as tensões da Guerra Fria voltavam a se enunciar com a construção do
Muro de Berlim, a retomada das experiências nucleares soviéticas, a tentativa de
invasão norte-americana à Baía dos Porcos para tentar derrubar o regime de Fidel
Castro em Cuba, a eclosão da Guerra do Congo e a ruptura entre União Soviética e
China e os conflitos entre a força colonial francesa na Argélia e Tunísia. Com a adesão
em bloco dos africanos, ampliou-se a divisão entre radicais e moderados e as
resoluções provindas da Conferência adquiriram tonalidade exacerbada, ao
concentrarem-se na luta contra o colonialismo e não nos esforços pela paz, como
propusera Nehru, por meio de sua revogação imediata e não gradual, assim como foi
ignorada a explosão de um artefato nuclear soviético, na véspera do encontro
(CALVOCORESSI, 1991: 147)
62
.
61
A cooptação de Tito para a proposta do neutralismo se deu durante visita de Nehru e Nasser, a Brioni, Iugoslávia,
em 1956, que propiciou ao Movimento extrapolar seu alcance para além da delimitação Ásia-África
(CALVOCORESSI, 1991: 146).
62
Uma série de outras conferências realizar-se-iam periodicamente: Cairo (1964), Lusaka (1970), Argel (1973),
Colombo (1976), Havana (1979), Nova Delhi (1983), Harare (1986), Belgrado (1989), Jakarta (1992), Cartagena de
Indias (1995), Durban (1998) e Kuala Lumpur (2003).
115
Grande parte desses países advindos dos movimentos de emancipação política,
graças às prerrogativas concedidas pelo Artigo XXXV do GATT, viria a aceder ao
Acordo Geral sem, necessariamente, ser obrigados a percorrer as maratonas de
negociações de redução tarifária, tornando-se, automaticamente, Partes Contratantes.
Além disso, acorreram também às Nações Unidas como novos membros, superadas as
reticências iniciais. Diante da ausência de perspectivas de mudança de tratamento
para paises menos desenvolvidos no GATT, esses países mudariam o eixo de suas
démarches para as Nações Unidas e, a partir desse momento, passariam a convergir
sua atuação com os países latino-americanos, os quais vinham implantando as
propostas veiculadas pela CEPAL. Desde 1958, a reorientação para as Nações Unidas
iria calcar uma série de Resoluções da Assembléia Geral, voltadas para a temática do
desenvolvimento e para a definição de políticas dedicadas às questões dos países em
desenvolvimento
63
, culminando na Resolução 1710 (XVI) de 19 de dezembro de 1961,
a qual definiu a década de 1960 como a Década do Desenvolvimento, como transcrito
abaixo em seu item 1:
“1. Designates the current decade as the United Nations Development
Decade, in which Member States and their peoples will intensify their
efforts to mobilize and to sustain support for the measures required on the
part of the both developed and developing countries to accelerate
progress toward self-sustaining growth of the economy of the individual
nations and their social advancement so as to attain in each under-
developed country a substantial increase in the rate of growth, which
country setting its own target, taking as the objective a minimum annual
rate of growth of aggregate national income of 5 per cent at the end of the
Decade.”
64
No entanto, houve uma Resolução imediatamente anterior, a 1707 (XVI),
denominada International Trade as the Primary Instrument for Economic Development,
63
Como, por exemplo, as Resoluções 1316 (XIII)
International Co-Operation For Economic Development of Under-
Developed Countries
; 1323 (XIII)
Questions Relating to the Promotion of International Trade and to Assistance in
the Development of Less-Developed Countries
, ambas de 12 de dezembro de 1958; 1392 (XIV)
Interrelationship of
the Economic and Social Factors of Development, de 20 de novembro de 1959; 1515 (XV) Concerted Action for
Economic Development of Less Developed Countries
, de 12 de dezembro de 1960;
1524 (XV)
Financing for
Economic Development of Less Developed Countries trough Long-Term Loans and in other Advantageous Ways,
and Ensuring and Increasing Share in the World Trade for their Products, de 15 de dezembro de 1960.
64
Cf. Resolução 1710 (XVI) da Assembléia Geral das Nações Unidas de 19 de dezembro de 1961, estabelecendo a
década de 1960 como
United Nations Development Decade: a programme for international economic co-operation
.
116
também de 19 de dezembro de 1961, cujo conteúdo designava ao Secretário Geral a
tarefa de proceder a levantamento acerca da conveniência de se convocar uma
conferência internacional sobre comércio e desenvolvimento, patrocinada pelas Nações
Unidas, a qual foi aprovada com o voto do bloco soviético e dos países em
desenvolvimento e o voto contrário do Ocidente e a maioria da América Latina, em que
procede à primeira menção à possível realização da Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento
65
. Já na sessão do Conselho Econômico e Social
(ECOSOC), na qual o levantamento efetuado pelo Secretário Geral foi apresentado,
havia se ampliado o apoio à convocação da Conferência, inclusive com a mudança de
posição dos Estados Unidos, agora favoráveis, no que se desdobrou na adoção da
Resolução do Conselho Econômico e Social 917 (XXXIV), de 03 de agosto de 1962,
deliberando sobre a sua realização e instalando o Comitê Preparatório para formular-
lhe a agenda e a documentação pertinente (GARDNER, 1968: 104).
Assim sendo, a aliança entre asiáticos e africanos com os países da América
Latina acabou por levar à aprovação da Resolução da Assembléia Geral 1785 (XVII),
de 08 de dezembro de 1962, endossando a Resolução do ECOSOC, chancelando a
convocação da Conferência. Nesta Resolução, seus muitos considerandos assim
arrazoavam:
“Considering that extensive development of equitable and mutual
advantageous of international trade create a good basis for the
establishment of neighbourly relations between the States, helps to
strengthen peace and an atmosphere of mutual confidence and
understanding among nations and promoter higher living standards, full
employment and more rapid economic progress in all countries of the
world,
Convinced further that accelerated economic development of the
developing countries depends largely on a substantial increase in their
share international trade,
Noting the terms of trade continue to operate to the disadvantage of the
developing countries, thus accentuating their unfavourable balance-of-
payments position and reducing their capacity to import,
65
Segundo Gardner, a votação se deu no âmbito do Segundo Comitê da Assembléia Geral, quando se registraram 45
votos favoráveis à proposta, 36 contrários e 10 abstenções (GARDNER, 1968: 104).
117
Bearing in mind that exports of a relatively limited range of primary
commodities constitute a major source of foreign exchange for the
developing countries and, consequently, are basic for their development,
Mindfull of the need to eliminate obstacles, restrictions and discriminatory
practices in world trade which, in particular, adversely affect the
necessary expansion and diversification of exports of the primary
commodities and semi-manufactured and of manufactured goods by the
developing countries,
(….)
Convinced that the promotion of higher rates of economic growth
throughout the world and the evolution of new and more appropriate
pattern of international trade will require the adaptation of the institutional
framework for international co-operation in the field of trade,…”
66
Portanto, aí ficavam consubstanciadas as tentativas dos países em
desenvolvimento de mudar o cenário do tratamento da questão do comércio
internacional para além do âmbito do GATT, onde suas reivindicações resultavam
ineficazes para o que consideravam ser necessário alterar as perspectivas de expansão
do crescimento econômico e da redução da desigualdade dos meios de troca. Em
algumas das passagens do citado preâmbulo, transparecia a presunção de ampliar a
abrangência do escopo da temática do comércio internacional, por meio da menção a
assuntos para além do livre comércio, como por exemplo, full employment, commodities
primárias e uma nova estrutura organizacional, que remontavam à idéia da finada
Organização Internacional do Comércio, onde o espaço de atuação dos países em
desenvolvimento prenunciava-se mais equânime do que no GATT.
A Conferência, realizada entre março e junho de 1964, em Genebra, com a
participação de todos os membros das Nações Unidas, contou com a presença de
2.000 delegados, e teve, exatamente, Raúl Prebisch como seu Secretário Geral. Do
evento, provieram diversas resoluções que viriam a ocasionar algumas alterações na
dinâmica do comércio mundial, sendo uma delas a proposta de relativização da
Cláusula da Nação Mais Favorecida, através da introdução do conceito da
reciprocidade menos que total, ou seja, as concessões efetuadas pelos países
desenvolvidos não necessariamente obrigariam aos menos desenvolvidos efetuá-las na
66
Excertos do preâmbulo da Resolução 1785 (XVII),
United Nations Conference on Trade and Development
, de 08
de dezembro de 1962.
118
mesma escala, conforme o estabelecido na nova parte integrante do GATT, a Parte IV,
relativa a Comércio e Desenvolvimento.
Segundo Bello (2000: 17), três conjuntos de resoluções emanaram da
Conferência da UNCTAD, sob a liderança de Prebisch, sendo a primeira a negociação
da estabilização dos preços das commodities através da fixação de um piso mínimo,
abaixo do qual não cairia. A segunda resolução referiu-se à adoção de uma sistemática,
pela qual exportações dos países menos desenvolvidos encontrariam maiores
facilidades para penetrar no mercado dos países desenvolvidos, sem necessariamente,
terem requeridas a mesma equivalência, isto é, conceder as mesmas liberalidades
tarifárias nos seus respectivos mercados para importação provenientes dos países
industrializados. A terceira resolução consistiu em uma reformulação do conceito de
assistência externa, que deixou de ser entendida como algo carititativo, evoluindo para
uma concepção de cooperação técnica e compensatória às perdas sofridas pelos
países menos desenvolvidos por conta da queda do poder de compra das commodities
(BELLO, 2000: 17).
No que tangia, especificamente, à relativização do princípio do tratamento
igualitário, no âmbito do comércio internacional, ação nesse sentido já vinha se
desenvolvendo no âmbito do GATT, quando o Comitê de Ação veio a emitir relatório
com propostas semelhantes, visando a que fosse introduzido aos termos do Acordo
Geral disposições relacionadas a algum tipo de tratamento especial e diferenciado para
países menos desenvolvidos. Srinivasam cita Kenneth Dam ao salientar que este
asseverara, em sua obra de 1970, The GATT: Law and International Economic
Organization, que tal medida já se constituía como reação às ações que vinham se
desenrolando com vistas à preparação da UNCTAD I, antecipando, assim, o que viria a
ser deliberado na Conferência (SRINIVASAN, 2000: 24).
A convergência das duas ações levou o GATT a acrescentar ao texto do Acordo
Geral a Parte IV, abrangendo os Artigos XXXVI, XXXVII e XXXVIII, durante a realização
119
da Rodada Kennedy, aberta em maio de 1964. Logo nos itens relativos ao Artigo
XXXVI, constava o claro reconhecimento de que a acentuada dependência dos países
menos desenvolvidos aos produtos primários e a existência de uma capacidade
limitada e restrita de produção e exportação desta mesma categoria de produtos
constituía-se fator impeditivo ao desenvolvimento e à acumulação de riqueza e bem-
estar de suas populações, fazendo-se mister empreender esforços e ações que
ampliassem a participação desses países no comércio internacional e,
conseqüentemente, ampliar os recursos provenientes de sua capacidade exportadora,
através do acesso a mercados de produtos manufaturados e transformados,
fortalecendo sua perspectiva de desenvolvimento (GATT: Artigo XXXVI, §5 e §6). Em
vista disso e, para tanto, as Partes Contratantes desenvolvidas declaravam não esperar
reciprocidade em relação aos compromissos por elas assumidos nas negociações
comerciais com vistas a reduzir ou eliminar tarifas e outras barreiras ao comércio com
as Partes Contratantes menos desenvolvidas (GATT: Artigo XXXVI, §8).
Ainda, ao fim da realização da I Conferência da UNCTAD, mais exatamente em
15 de junho de 1964, a coalizão entre países asiáticos, africanos e latino-americanos
firmou sua permanência, através da constituição do Grupo dos 77, o grupo dos países
menos desenvolvidos nela representados
67
. Esses países lançaram, então, a
Declaração Conjunta dos Setenta e Sete Países, a qual tinha por objetivo manter e
aprofundar a articulação dos interesses coletivos do mundo em desenvolvimento,
potencializando a capacidade de negociação do bloco no âmbito das Nações Unidas, aí
incluídas todas as suas agências, assim como promover a cooperação técnica entre
eles. Em 1967, com a realização do seu primeiro encontro ministerial, o Grupo adotou
a Carta de Argel
68
, instituindo uma organização permanente e o desenvolvimento de
ações que levaram-no a se fazer representar em diversas instâncias das Nações
67
Joint Declaration of the Seventy-Seven Developing Countries Made at the Conclusion of The United Nations
Conference on Trade and Development, Geneva, 15 June 1964.
Disponível em http://www.g77.org/Docs/
Joint%20
Declaration.html
68
First Ministerial Meeting of the Group of 77: Charter of Algiers. Algiers, 10-25 October 1967. Disponível em
http://www.g77.org/Docs/algier%7E1.htm
120
Unidas (FAO, UNIDO, FMI e Banco Mundial). Com efeito, a criação do G-77,
atualmente composto por 135 países, inaugurou, ainda em plena Guerra Fria, um outro
tipo de recorte nas relações internacionais, além do já havido Leste-Oeste, o Norte-Sul,
ora visto como conflito, ora como diálogo. Diferentemente da concepção inicialmente
política e geoestratégica do Movimento dos Não-Alinhados, cuja fundamentação
principal residia na perspectiva do distanciamento do conflito Leste-Oeste, a agenda do
G-77 era, essencialmente constituída pela luta em prol de melhores condições de
desenvolvimento econômico para os países dele integrantes e, com essa perspectiva,
não havia qualquer tipo de exclusão de pertencimento (membership), por critérios
político-ideológicos, permitindo agregar países que não tinham vez no Movimento dos
Não-Alinhados, como o Brasil, por exemplo. Seu lema era constituído pelos 3D:
descolonização, desarmamento e desenvolvimento, evocando forte espírito de
nacionalismo e de busca de vias autóctones de crescimento econômico e social,
provocando inquietações de outra natureza e a formação de um novo front para o
Ocidente.
Para Diaz-Alejandro (1975), ocorreriam diferentes percepções sobre o enfoque
da dicotomia que oporia nacionalismo x internacionalismo ou cosmopolitismo. As
atitudes tomadas pelos atores acabariam sendo influenciadas por essas percepções no
âmbito das relações Norte-Sul. Assim, nacionalismo, para o Norte, rememoraria as
políticas e ações do nazi-fascismo e de seus assemelhados como o franquismo
espanhol ou, na melhor das circunstâncias, o nacionalismo evocado pelo General De
Gaulle. Em oposição, para o Sul, internacionalismo ou cosmopolitismo reviveria a
dominação colonial, representada por governantes ou empresários exógenos, os quais,
provindos de culturas distintas e longínquas, estariam apenas dispostos a estabelecer
algum tipo de tirania. Nacionalismo e cosmopolitismo seriam igualmente percebidos,
pelo Norte e pelo Sul respectivamente, como fatores de supressão da dignidade
humana, da auto-determinação e da diversidade cultural. No que diz respeito ao
nacionalismo especificamente, nos países desenvolvidos o fenômeno se caracterizaria
como agressivo, visando a desqualificar e inferiorizar o outro para dominar, enquanto
121
nos países em desenvolvimento, se definiria como defensivo, manifestado pela
desconfiança do estrangeiro (DIAZ-ALEJANDRO, 1975: 221-222).
Com o estabelecimento da coalizão entre os países em desenvolvimento, em
defesa do nacionalismo econômico, cristalizavam-se, assim, os grupos formados no
âmbito da UNCTAD, definindo-se, por conseguinte, as posições negociadoras,
consolidadas em três correntes principais, ou seja, o Grupo B, que abrangia os países
desenvolvidos, membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE); o Grupo D, composto pelos países socialistas do Leste Europeu
69
e o G-77, ou Grupo B, envolvendo os países em desenvolvimento, que englobaram os
grupos A e C originais, além de alguns poucos países que não se filiavam a grupos
específicos, os independentes, como China e Israel (RAMSAY, 1984: 388).
As análises referentes à realização da Conferência, bem como à ação da
UNCTAD, nos anos posteriores, enfatizam dois fatores que a definiram como locus
fundamental da ação dos países do Terceiro Mundo nas discussões e negociações
acerca da dinâmica do comércio internacional e, por conseguinte, no incremento de sua
participação no sistema multilateral nos anos 1960-1970. Primeiramente, a atuação de
Prebisch como Secretário Geral e, até por força de tal condição, vindo a constituir-se
como segundo fator, seu papel de articulação do Terceiro Mundo e a conseqüente
utilização da UNCTAD, já institucionalizada como agência das Nações Unidas, por esse
bloco de países
70
.
Gardner, em artigo escrito logo após a realização da UNCTAD I, considerava ser
o GATT o principal espaço multilateral de negociações comerciais, do qual se
69
Compunham o Grupo D em 1964, além da União Soviética, a então República Democrática Alemã, Bulgária,
Hungria, Polônia, Romênia, a então Tchecoslováquia e a Mongólia, sendo que Cuba e Vietnam posteriormente a este
aderiram, mas mantiveram sua participação no G-77 (CUTLER, 1983: 122).
70
Por força da Resolução da Assembléia Geral 1955 (XIX) de 30 de dezembro de 1964, intitulada
Establishment of
the United Nations Conference on Trade and Development as an Organ of General Assembly, da qual se tornavam
membros todos os Estados pertencentes às Nações Unidas e suas agências especializadas e à Agência Internacional
de Energia Atômica.
122
posicionava como ardoroso defensor por atribuir ao Acordo Geral o papel de fórum de
negociações para redução de barreiras, de formulador de regras atinentes às políticas
comerciais, de intérprete e árbitro do entendimento dessas regras e canal de criação de
novas políticas comerciais, formando esse conjunto o espaço de debates e definição
das regras do comércio mundial (GARDNER, 1964: 688). Ademais, discordava
vivamente daqueles que definiam o GATT como
“a rich man’s club”, dado o número
crescente de países menos desenvolvidos a ele pertencentes (GARDNER, 1964: 696)
.
No entanto, a partir do evento relativo a UNCTAD I, concomitantemente à realização da
Rodada Kennedy, o GATT tinha que partilhar a cena, em Genebra, assinalando o fato
de que as necessidades especiais dos países em desenvolvimento passavam a ser
levadas em conta, a par das permanentes negociações sobre redução de barreiras
comerciais. Salientando o esforço dos países em desenvolvimento em articular a
Conferência e a relevância por eles atribuída ao qualificá-la como a de maior monta
desde a de San Francisco, sublinhava que, sem dúvida, se tratava do maior evento já
realizado, dado o envolvimento de tantos países, o número de delegados e a sua
duração ao cabo de três meses. Nesse contexto, Gardner apontava que o objetivo
primordial da UNCTAD, conforme moldado pelos países em desenvolvimento e que
teve Prebisch como seu articulador, consistia em encontrar meios de reduzir o gap para
que estes países conseguissem financiar seus esforços de desenvolvimento a partir de
suas exportações, pois o Secretário Geral, em seu relatório à UNCTAD, estimava que
tal gap viria a atingir à cifra de US$ 20 bilhões anuais em 1970. A despeito de não
corroborar completamente tais estimativas, considerava válidos os argumentos que
indicavam a necessidade de se reverter a tendência de redução da participação dos
países em desenvolvimento no comércio mundial, se se quisesse que índices
satisfatórios de crescimento fossem alcançados por esses países. Efetivamente, tal
participação se reduziu de 30% para 20% entre as décadas de 1950 e 1960, pois as
exportações avançavam bem menos que as importações, uma vez que 90% daquelas
eram representadas por produtos agropecuários e matérias-primas, cuja demanda
pouco se elevava
71
. Juntavam-se a este fator, outros como as medidas protecionistas
71
O questionamento sobre as estimativas aventadas por Prebisch, segundo Gardner , repousavam sobre o ano em que
123
dos países desenvolvidos, ao aumento da produção, por estes países, dos produtos
que importavam dos países em desenvolvimento e, por fim, à queda da produção de
produtos primários pelos países em desenvolvimento, causando a baixa de seus preços
(GARDNER, 1964: 696-698). Por todo esse cenário, Gardner atribuía à UNCTAD um
significado político, na medida que os países em desenvolvimento começavam a
vislumbrar que a ajuda externa oferecida pelos países ricos e os investimentos
privados, além do panorama comercial de então, não trariam possibilidades efetivas de
desenvolvimento por si só. Daí a formação de uma ampla coalizão visando a ampliar
seu poder de barganha, com a formação do G-77, atuando como bloco monolítico e
homogêneo – conformando um novo alinhamento de forças – que se auto-definia como
o maior destaque da Conferência
72
, e o que lhe conferia significado histórico, donde
concluía o autor que isso fazia da UNCTAD o mais importante evento coletivo
internacional da história então recente, inaugurando o conflito Norte-Sul em detrimento
do Leste-Oeste. E acentuava que esse alinhamento inédito de forças não colocava
apenas o Ocidente em situação constrangedora, mas também deixava a União
Soviética em posição que pouco tinha a oferecer além de declarações de apoio aos
países em desenvolvimento, pois suas propostas de redução tarifária eram de parco
significado prático, até por força do rígido modelo comercial soviético. Por conseguinte,
toda a atenção estava voltada para o Ocidente, transformando o conflito Norte-Sul no
que era sua essência, Oeste-Sul. Gardner, ainda, arrolara quatro áreas de controvérsia
entre os participantes da UNCTAD I, constituindo-se a primeira na questão de acesso a
mercados em que os países em desenvolvimento exigiam a abolição de todas as
formas de proteção contra as importações de matérias-primas e produtos alimentícios
por parte dos países desenvolvidos, bem como a concessão de tarifas preferenciais
para as importações, por parte destes, de produtos manufaturados e semi-
a análise tomou como ponto de partida, 1950, quando foi deflagrada a Guerra da Coréia, momento em que os preços
das commodities elevaram-se de forma atípica (GARDNER, 1968: 108).
72
Essa auto-definição é derivada da declaração do representante do Brasil naquele momento, Chanceler João
Augusto de Araújo Castro, durante a 4ª Sessão Plenária, em 24 de março de 1964 (GARDNER, 1964: 698), portanto
a uma semana do golpe militar no país que, posteriormente, procedeu à troca da delegação brasileira, por considerá-
la afinada com os princípios da Política Externa Independente (VIZENTINI, 1998: 69).
124
manufaturados
73
. A segunda área referia-se às políticas de commodities e sua
vinculação à deterioração dos termos de troca com os países desenvolvidos, visando
não apenas a garantir a estabilidade dos preços, mas elevá-los em relação às
importações de produtos industriais, embora reconhecessem que estes últimos
detinham condições de escapar a tipos de controles dessa natureza, buscando
tornarem-se menos dependentes do fornecimento de matérias-primas, investindo na
transformação da base econômica para produtos sintéticos, onde, mais uma vez, se
evidenciava a influência das teorias de Prebisch em suas posições
74
. A terceira área
dizia respeito aos temas financeiros e àqueles denominados invisíveis como débitos,
seguros e frete.
No entanto, a quarta área revestiu-se de maior celeuma, ao tratar da
conformação de arranjos institucionais para as relações comerciais mundiais. Os países
menos desenvolvidos, apoiados pelo bloco comunista, levantavam a bandeira da
criação de uma organização internacional que englobasse o GATT e procedesse à
reavaliação de todos os acordos comerciais então existentes, enquanto os Estados
Unidos e seus aliados ocidentais se puseram radicalmente contrários, donde emergiu o
compromisso de institucionalizar a nova dinâmica da Conferência no âmbito do sistema
Nações Unidas, consistindo, ainda, na realização periódica de conferências, na criação
do Trade and Development Board, integrado por 55 países, e a inserção, no
Secretariado das Nações Unidas, de novo secretariado para lidar especificamente com
a matéria (GARDNER, 1964: 698-702). Além disso, a Conferência deliberou pela
criação de três comitês, responsáveis por commodities, produtos industriais assim como
invisíveis e finanças (LOVE, 2004: 8).
73
Esta área converteu-se em divisor na posição dos países desenvolvidos, pois, enquanto a Europa demonstrava
simpatia pela proposta, à medida que já praticavam regimes preferenciais para suas antigas colônias, os Estados
Unidos consideravam que sua adoção não representaria ganhos significativos para as exportações dos países menos
industrializados e acabaria por criar uma nova prática discriminatória (GARDNER, 1964: 700).
74
Como saída, os países em desenvolvimento propunham a criação de mecanismos compensatórios automáticos,
recusada pelos países desenvolvidos (GARDNER, 1964: 701).
125
A demanda pela criação de uma organização que resgatasse, de alguma forma,
a OIC e a ela subordinasse o GATT poderia, na percepção do Terceiro Mundo, e da
América Latina em particular, conceder mais espaço e poder político a este, como
outrora obteve e, de acordo com Love, a UNCTAD pareceu acatar tais expectativas,
não apenas pela ocorrência da Conferência em si, mas, principalmente, por sua
estruturação em mais alto nível no âmbito das Nações Unidas, além de ser justamente
Prebisch aquele quem vai ocupar o cargo máximo do novo secretariado (LOVE, 2004:
3). Gardner, similarmente, aponta que, justamente o fiasco da criação da OIC e da
Organization for Trade Cooperation, em 1955, acabaram por, ironicamente, propiciar a
criação da UNCTAD (GARDNER, 1968: 102), que constituía o alvo primordial dos
países em desenvolvimento, exemplificado no Relatório elaborado por Prebisch,
intitulado Towards a New Trade Policy for Development, indicando a criação de uma
nova organização internacional comercial, onde acentuava o papel de um secretariado
intelectualmente independente, provido de capacidade e autoridade para submeter
proposições aos governos, no âmbito da estrutura das Nações Unidas (GARDNER,
1968: 104-105).
As negociações em torno da formalização de uma instância internacional
dedicada à temática comercial buscavam unir os interesses dos países em
desenvolvimento, junto com o bloco comunista
75
, de fazer ressurgir a OIC, ou algo
assemelhado, sem necessariamente implicar nos empecilhos que a criação de uma
organização completamente nova traria, particularmente para os Estados Unidos, dado
o requisito da autorização congressual
76
. Assim como Love, Gardner enfatiza que o
acordo alcançado representou uma vitória sem precedentes dos países em
75
Em 1955, durante uma sessão do ECOSOC, a União Soviética propusera moção que instava à imediata ratificação
da OIC, como estratégia do que, segundo Gardner, seria a pretensão de quebrar a hegemonia do Ocidente sobre as
regras comerciais mundiais e, para tal, aliar-se aos países em desenvolvimento, assim como encontrar espaço para o
comércio do país (GARDNER, 1968: 103; CUTLER, 1983: 123-124).
76
Mais detalhadamente, as posições apresentadas pelos comunistas clamavam pela vigência imediata da OIC,
enquanto a América Latina igualmente se referia a ela se referia, mas aceitava algo em torno da proposta de Prebisch,
o que também agradava aos afro-asiáticos, porém como etapa precedente à futura recriação da OIC e, por fim, os
ocidentais, que se opunham a tais propostas, orientavam-se para a otimização dos acordos já existentes (GARDNER,
1968: 105).
126
desenvolvimento, pois haviam conseguido realizar a Conferência e institucionalizar uma
nova agência internacional, dobrando a resistência inicial dos países desenvolvidos
(GARDNER, 1968: 106).
Não obstante o consenso obtido quanto à criação dessa estrutura, o rolo
compressor do que viria a se constituir, ao final da Conferência – o G-77 – fazia aprovar
resoluções que atropelavam a minoria, representada pelos países desenvolvidos, em
temas considerados bastante sensíveis, mesmo que fossem meramente
recomendatórias, comprometendo as chances de construção de novos consensos. Daí
a proposição norte-americana de que os procedimentos que fariam funcionar a nova
estrutura deveriam conter mecanismos que acarretassem na facilitação da busca de
posições conciliatórias entre as partes, antes de se desembocar na votação
propriamente, o que, conforme Gardner, conferiria o espírito que predominaria na
tomada de decisões (GARDNER, 1964: 702-703).
Porém, essa militância dos países em desenvolvimento guardava relação direta
com a própria noção de Prebisch, pela qual a organização deveria possuir cunho
efetivamente ativista e ser desprovida de neutralidade política (LOVE, 2004: 5)
77
, o que,
por outro lado, não significava que este perdia a perspectiva pragmática ao perceber
que apenas o apoio dos países desenvolvidos outorgaria efetividade às resoluções que,
em assim sendo, transformavam-se em acordos. Tal percepção exigia que, para fazer
avançar a operação de conciliação, tornava-se necessária longa e penosa barganha,
tanto dentro quanto exteriormente à Organização. Contudo, a barganha só teria se
tornado possível pela formação do G-77, que, para Prebisch, teria fortalecido o papel
dos países em desenvolvimento e ampliado sua capacidade de pressão na busca de
seus interesses, sendo tal êxito motivo para que este peregrinasse pelo mundo,
pregando
“the UNCTAD evangel” (LOVE, 2004: 8-9).
77
Entrevista de Raúl Prebisch a David Pollock entre 21 e 23 de maio de 1985 (LOVE, 2004:5).
127
Na mesma perspectiva do relacionamento intrínseco entre os países em
desenvolvimento e o exercício das funções do Secretariado por Prebisch, Walters
(1971) configurava sua análise a respeito da UNCTAD reformulando pressupostos, que
considerava convencionais, de estudo de organizações internacionais que partiam da
avaliação do cumprimento dos objetivos estabelecidos institucionalmente, quando, no
caso em pauta, preconizava que o que se deve dar atenção consiste no impacto que
uma determinada organização causa no sistema internacional em que se insere, ainda
que não atenda aos objetivos pré-determinados que levaram à sua criação. Partindo
dessa diferente perspectiva de análise, avaliava que os aspectos que se cabia
concentrar seria no uso que, em particular, os países em desenvolvimento faziam da
UNCTAD. Ou seja, a organização tornar-se-ia um instrumento de articulação,
agregação e pressão por demandas, por parte dos países em desenvolvimento,
visando à reformulação do ambiente econômico e político internacional, voltado a
repercutir suas posições e ampliar seus interesses em assuntos por eles considerados
importantes. Portanto, o que transformaria a UNCTAD em algo mais do que uma
organização internacional, e o que derivaria em sua importância, é que ela se delineou
como o espaço de articulação de interesses desses países, revestindo-se de plataforma
para as mudanças então por eles requeridas das relações econômicas internacionais.
E, mais uma vez, com vistas a corroborar sua hipótese e em consonância com outros
autores, ressaltava o papel desempenhado pelo Secretariado, na pessoa de Prebisch,
que, inclusive, promovia encontros e debates entre os membros do G-77 unicamente,
mas não com os membros de outros grupos, tornando-se porta-voz dos países menos
desenvolvidos, papel assumidamente declarado quando advogava que não se podia
adotar posição de neutralidade nas questões relativas ao desenvolvimento, o que teria
levado um diplomata ocidental a exclamar:
“...this is not a secretariat – it’s a sectariat”
(WALTERS, 1971: 821; GARDNER, 1968: 107). Diante disso, a UNCTAD
desempenhou papel de articulação do que, a princípio, seriam reivindicações difusas e
vagas, fornecendo aos países em desenvolvimento uma arena para a formulação de
demandas peculiares a estes países. Igualmente, permitiu que engendrassem conflitos
128
de forma a administrá-los com vistas a obter resultados concretos, invés de clamar
furiosamente por tratamentos adequados a seus problemas.
Outra característica apresentada consistiu na capacidade dos países em
desenvolvimento em manterem sua coesão, a despeito das investidas do Ocidente,
constituindo tônica dominante no âmbito da UNCTAD. As diferenças entre os membros
do G-77, que poderiam causar seu fracionamento em função da multiplicidade de
demandas e da distribuição desigual de resultados, mais reforçariam do que
fragmentariam o Grupo
78
, o que por sua vez, impunha aos países desenvolvidos a
necessidade de empreender fenômeno similar de agregação de interesses, por
intermédio da OCDE (WALTERS, 1971: 824-825). Para além das funções de
articulação e agregação de interesses, a UNCTAD teria atuado como meio de se
apresentar uma visão de mundo de uma nova ordem econômica que levasse em conta
as necessidades de desenvolvimento dos países menos industrializados, sustentada
em estudos e análises que conferiu o embasamento para a coerência dos seus
clamores e, aí, mais uma vez, segue ressaltado o papel de Prebisch que, com os
relatórios por ele elaborados para a UNCTAD I e UNCTAD II, expunha a razoabilidade
das demandas (WALTERS, 1971:826-827) e os impactos por eles causados, que, por
sua vez, mobilizava-os a articular tais demandas (GARDNER, 1968: 107)
79
,
conformando para a Organização amplas funções de comunicação política. Como
conseqüência dessas características, a UNCTAD teria acabado por sensibilizar as
demais instituições internacionais como o FMI, o BIRD e o GATT, dentre outras, para as
necessidades dos países em desenvolvimento, fazendo-as proceder a algumas
alterações nos seus princípios e normas ou em regras e procedimentos. O FMI
concedeu, em 1965, a partir de solicitação da UNCTAD, uma ampliação de facilitação
78
O autor cita como exemplo as diferentes posições em torno das negociações para a criação do Sistema Geral de
Preferências (SGP) que, poderiam vir a produzir cisões no Grupo, pois os países então já beneficiados, mormente as
ex-colônias africanas de França, que já gozavam de preferências específicas, não desejavam ver ampliadas para
outros países mais avançados no seio do Grupo, o que, porém não ocorreu, tendo sua coesão sido mantida
(WALTERS, 1971: 824), tema este que será retomado mais adiante.
79
Gardner salienta, especificamente, o Relatório elaborado para a UNCTAD I, ao centralizar sua argumentação em
torno do conceito de
trade gap
, e a responsabilidade dos países desenvolvidos em envidar esforços para reduzí-lo
(GARDNER, 1968:107).
129
financeira compensatória para os países em desenvolvimento com dificuldades em
seus pagamentos, motivados por queda temporária nas exportações de commodities
primárias. No caso do BIRD, cabia registrar o relatório da Comissão de
Desenvolvimento Econômico, ou Comissão Pearson
80
, cujas propostas buscavam
articular as demandas provenientes da UNCTAD com as políticas específicas do Banco
Mundial, voltadas aos países em desenvolvimento e que foram assumidas como
documento da instituição. E no tocante ao GATT, houve a inserção da nova seção que
ressalvava as especificidades dos países em desenvolvimento (WALTERS, 1971: 828-
831; GARDNER, 1968: 109). Tais resultados responderiam às indagações sobre o que
a UNCTAD poderia fazer em prol dos países em desenvolvimento, o que para Gardner,
se viabilizaria pela ocorrência de três características, quais fossem, um secretariado
dotado de componente ideológico próprio; centro de tomada de decisões que
aglutinaria as demandas dos pobres sobre os ricos e espaço generalizado de avaliação
sobre regras de comércio, ajuda financeira e outras questões relacionadas aos países
em desenvolvimento (GARDNER, 1968: 106).
Entre o final da I Conferência da UNCTAD e a realização da II Conferência, em
1968, ocorria a sexta rodada de negociações do GATT, denominada Rodada Kennedy,
em homenagem ao presidente norte-americano, havia pouco assassinado, John F.
Kennedy, a mais longa então havida na história das relações comerciais multilaterais,
perfazendo três anos, de 04 de maio de 1964 a 30 de junho de 1967, contando com a
participação de 62 Partes Contratantes. Além da introdução da nova Parte do Acordo
Geral, essa rodada trouxe, também, como inovação, a alteração da modalidade de
negociação de redução tarifária, pois, pela primeira vez, deixava de seguir o esquema
produto a produto, que restringia os acordos ao nível bilateral, para inaugurar a
80
A referida Comissão, formada por iniciativa do presidente do Banco Mundial, George Woods, foi implantada por
seu sucessor Robert McNamara, em 1968, com o objetivo de avaliar as políticas de assistência ao desenvolvimento,
promovidas pelo Banco, em seus vinte anos de existência, tendo sido convidado para liderá-la o ex-Primeiro-
Ministro canadense Lester Pearson, o qual, junto com uma equipe de sete economistas (Roberto Campos, do Brasil;
Douglas Dillon, dos Estados Unidos; Saburo Okita, do Japão; Sir W. Arthur Lewis, de Santa Lúcia; Sir Edward
Boyle, da Grã-Bretanha; Robert Ernest Marjolin, da França e Wilfried Guth, da Alemanha) elaborou o relatório, no
ano seguinte, intitulado
Partners in Development
.
130
modalidade, já cogitada anteriormente, de redução linear de tarifas (across-the-board),
atingindo um nível de redução de tarifas sobre produtos industriais, praticadas por
países desenvolvidos, em cerca de um terço efetivamente. Além disso, foram
deliberados o Acordo Internacional sobre Cereais, o qual tinha como objetivo proceder
à estabilização dos preços internacionais, e o Código Anti-dumping que, no entanto, foi
rejeitado pelo Congresso dos Estados Unidos.
Contudo, as transformações na dinâmica do comércio internacional envolvendo o
relacionamento entre países desenvolvidos e menos desenvolvidos não ocorreram
imediatamente. Mais adiante, com a realização da II Conferência da UNCTAD, ela
própria já institucionalizada como Agência das Nações Unidas, em 1968, em Nova
Delhi, Índia, um passo seguinte foi dado visando à consecução dos objetivos
preconizados na Conferência original, qual tenha sido, a criação do Sistema Geral de
Preferências (SGP), que consistia na redução parcial ou total de tarifas de importação,
concedida unilateralmente pelos países desenvolvidos, incidentes sobre determinados
produtos, quando originários e procedentes de países em desenvolvimento. Em
outubro de 1970, o Sistema foi aprovado pelos membros da OCDE, vindo a ser
autorizado pelo GATT em 1971
81
.
No processo de negociação para a implantação do SGP, igualmente, o empenho
de Prebisch e sua habilidade em exercer o cargo de Secretário Geral da UNCTAD com
o viés dos países em desenvolvimento, tornou-se fundamental para a aceitação da
proposição pelos países desenvolvidos, a começar dos Estados Unidos que,
historicamente, sempre foram contrários à concessão de quaisquer modalidades de
preferências comerciais. Além disso, havia que se uniformizar as posições do G-77
sobre a questão, pois o Grupo se apresentava dividido entre um sistema de
81
Waiver for Generalised System of Preferences (BISD, 18
th
Suppl., 1972, p 24). Cf. Annex I: Chronology of
Principal Provisions, Measures and Other Initiatives in Favour of Developing and Least Developed Countries in the
GATT and the WTO. Disponível em www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/anexi_e.doc
131
preferências seletivas ou outro de preferências generalizadas, sendo que, no tocante à
primeira opção, se alinhavam os países que já detinham tratamento preferencial, por
conta das políticas comerciais da Comunidade Européia. Assim, para derrubar a
oposição norte-americana, sob esse aspecto, Prebisch elaborou a estratégia de
caracterizar a concessão do sistema preferencial como algo temporário e sob a forma
de etapas prévias de cortes tarifários. Sob outro aspecto, visando a forçar a união no
seio do G-77 em volta do sistema generalizado e evitar a cisão do Grupo, fez ver aos
Estados Unidos que o seu apoio à proposta seria a maneira mais conveniente de
quebrar o elo entre a Comunidade Européia e seus parceiros africanos e, ainda, jogava
com os interesses dos Estados Unidos na América Latina, que temiam sabotados pelos
europeus, conseguindo, assim, o apoio do então Presidente Lyndon Johnson em 1967
(GARDNER, 1968: 109-110)
82
. De forma mais detalhada, Bhattacharya (1976) definia o
conflito residente sobre a concessão de preferências em polarizações tridimensionais,
confrontando demandas e interesses entre países desenvolvidos, entre países em
desenvolvimento e, entre essas duas categorias mutuamente, ressaltando, no entanto,
que no caso do SGP, se atingiu o acordo, cujo principal mérito caberia igualmente a
Prebisch, a quem atribui influência para a obtenção de tal feito. Primeiramente,
relembra a tradicional oposição norte-americana à concessão de preferências,
acrescendo em reforço à contrariedade dos Estados Unidos à proposta, sua
interferência nos resultados da Rodada Kennedy, comprometendo a perspectiva de
redução de barreiras tarifárias e, ainda, que preferências prejudicariam os produtores
mais capazes, além de esbarrar no pensamento predominantemente protecionista do
Congresso. Em segundo lugar, as divergências no interior do G-77 relacionavam-se à
própria heterogeneidade de sua composição, opondo os menos desenvolvidos àqueles
mais avançados dentre o conjunto dos países em desenvolvimento quanto à extensão
dos benefícios advindos com a criação do SGP. Nesse contexto, os primeiros,
representados pela Associação dos Estados Africanos e Madagascar, almejavam a
82
Gardner reproduz literalmente a passagem do discurso do Presidente Johnson, durante a Conferência de Chefes de
Estados Inter-Americanos, realizada em 1967, em Punta Del Este, Uruguai, afirmando: “We are ready to explore
with other industrialized countries – and our own people – the possibility of temporary preferential advantages for all
developing countries in the markets of all the industrialized countries” (GARDNER, 1968: 110).
132
manutenção das preferências concedidas pela Comunidade Européia, alegando que,
para não perder o benefício, o SGP deveria cobrir todos os produtos e, não apenas, os
produtos manufaturados. Apoiando a generalização da concessão das preferências,
encontravam-se os países da América Latina, carreados por Brasil, Argentina e Chile,
os quais vinham promovendo intensivo processo de industrialização de suas
economias, por entender que as preferências seletivas já existentes prejudicavam seus
interesses comerciais
83
. No último campo de divergências, debatiam-se Estados
Unidos e Comunidade Européia sobre o tipo de preferências, em que aqueles
consideravam as práticas européias, e particularmente as francesas, discriminatórias e
prejudiciais às exportações norte-americanas (BHATTACHARYA, 1976: 75-80). Para o
autor, Prebisch, ao levar para a UNCTAD as suas propostas iniciais para a América
Latina e tornar sua ideologia a matriz do exercício do Secretariado, tentaria derrubar o
conceito de igualdade de tratamento predominante no GATT, mesmo que a concepção
de trade gap não surtisse o mesmo efeito sobre Ásia e África. Em termos de trocas
comerciais, logrou internacionalizar o conceito que era, essencialmente, latino-
americano, como fator de inibição ao desenvolvimento dos países menos
industrializados. E tendo migrado de sua concepção original de substituição de
importações para promoção às exportações, a partir da evolução industrial das
economias latino-americanas, defendeu firmemente a adoção do SGP, neutralizando a
perspectiva adversa de alguns países da própria América Latina
84
assim como obtendo
a reiteração do apoio norte-americano, já no governo do Presidente Richard Nixon,
utilizando a pressão dos países latino-americanos. Por fim, a própria dinâmica de
negociações no âmbito da UNCTAD, dividida em grupos, propiciou a tomada de
83
Bhattacharya demonstra que, mesmo países em desenvolvimento não pertencentes ao grupo africano-malgache,
apoiavam sua pretensão de ampliação de cobertura do SGP para produtos agrícolas, pois, segundo o autor, em 1970,
apenas dez países perfaziam 48.6% do total de exportações de produtos manufaturados de todo o conjunto de países
em desenvolvimento, sendo estes Hong Kong, Coréia do Sul, Israel, Paquistão, Índia, México, Cingapura, Egito,
Argentina e Brasil (BHATTACHARYA, 1976: 78).
84
Nos anos 1960, alguns países latino-americanos, como o Brasil no Governo Castelo Branco, e a Colômbia, no
Governo Lleras Restrepo, defendiam a adoção de preferências seletivas hemisféricas, em represália às restrições
européias ao comércio com a região (BHATTACHARYA, 1976: 82).
133
posição pragmática que evitou o esfacelamento das coalizões existentes
(BHATTACHARYA, 1976: 85-90).
Em 1970, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamava, mais uma vez, a
década que se abria voltada para o desenvolvimento, por meio da Resolução 2262
(XXV), de 24 de outubro de 1970, com vigência a partir de 01 de janeiro de 1971
85
.
Em setembro de 1973, em Tóquio, pouco antes do desencadeamento da crise do
petróleo pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), logo após a
Guerra do Yom Kippur, um encontro ministerial das Partes Contratantes do GATT
propunha o lançamento de uma nova rodada de negociações comerciais, a
denominada Rodada Tóquio, a sétima e penúltima realizada ainda nos termos do
Acordo Geral de 1947 e a de maior duração até então, encerrando-se seis anos depois,
em fins de 1979, e contando com o número recorde de participantes, no total de 102.
A Rodada Tóquio cobriu uma gama bem mais ampla de acordos em relação às
anteriores, como a reinterpretação de artigos referentes a Subsídios e Medidas
Compensatórias (Artigos VI, XVI e XXIII), favorecendo os países em desenvolvimento.
As negociações almejaram não apenas à redução de tarifas utilizando fórmulas de
aplicação generalizada como, também, pela primeira vez na história do GATT, tratou de
barreiras não-tarifárias, como as Barreiras Técnicas ao Comércio, englobando, ainda,
acordos sobre Licença de Procedimentos de Importação, Compras Governamentais,
Valoração Aduaneira (Artigo VII) e dando uma nova redação ao Acordo Anti-dumping,
substituindo o formulado na Rodada Kennedy. Além destes, abrangeu acordos sobre
produtos específicos como carne bovina, produtos lácteos e aeronaves civis
(THORSTENSEN, 2001: 30-31). Para os países menos desenvolvidos, o ganho
principal consistiu na adoção da Cláusula de Habilitação (Enabling Clause), de 29 de
novembro de 1979, oficialmente intitulada Differential and more Favourement Treatment
Reciprocity and Fuller Participation of Developing Countries, reafirmando o disposto na
85
Cf.
International Development Strategy for Second United Nations Development Decade
.
134
Parte IV do Acordo Geral, ao reiterar que o princípio da reciprocidade não seria
considerado intocável no tocante ao comércio com os países menos desenvolvidos,
dispondo em sua letra que:
“Following negotiations within the framework of the Multilateral Trade
Negotiations, the CONTRACTING PARTIES decide as follows:
1. Notwithstanding the provisions of Article I of the General Agreement,
contracting parties may accord differential and more favourable treatment to
developing countries, without according such treatment to other contracting
parties.
2. This provision applies to: (a) preferential tariff treatment by developing
contracting parties under the GSP; (b) differential and more favourable treatment
with respect to non-tariff measures governed by instruments multilaterally
negotiated under the GATT; (c) regional or global arrangements among
developing countries for mutual reduction or elimination of tariffs and, in
accordance with criteria or conditions prescribed by the CONTRACTING
PARTIES for mutual reduction of non-tariff measures on products imported from
one another; (d) special treatment on the least developed among developjng
countries in the context of any general or specific measures in favour of
developing countries.
3. Differential and more favourable treatment accorded under this clause (a)
shall be designed to facilitate and promote the trade of developing countries and
not to raise barriers or create undue difficulties for the trade of any other
contracting parties; (b) shall not constitute an impediment to the reduction and
elimination of tariffs and other restrictions on an MFN basis; (c) shall in the case
of such treatment accorded by developed contracting parties to developing
countries be designed and, if necessary, modified, to respond positively to the
development, financial and trade needs of developing.
4. (…)
5. The developed countries do not expect reciprocity for commitments made by
them in trade negotiations to reduce or remove tariffs and other barriers to the
trade of developing countries, i.e., the developed countries do not expect the
developing countries, in the course of trade negotiations, to make contributions
which are inconsistent with their individual development, financial and trade
needs. Developed contracting parties shall therefore not seek, neither shall less-
developed contracting parties be required to make, concessions that are
inconsistent with the latter's development, financial and trade needs. (…)
86
86
Cf. “Treatment of Developing Countries”. Disponível em http://www.wto.org/english/docs_e/ legal_e/enabling
_e.pdf
135
O tratamento especial e diferenciado, doravante conferido aos países em
desenvolvimento, se estendia a todos os acordos e códigos estabelecidos nessa
Rodada, como os referentes a Barreiras Técnicas ao Comércio, a Subsídios e Medidas
Compensatórias, Compras Governamentais e Valoração Aduaneira (FINLAYSON &
ZACHER, 1981: 583-584)
87
.
A despeito da participação recorde de Partes Contratantes e dos ganhos obtidos
pelos países em desenvolvimento, a Rodada Tóquio deparou-se com o elevado número
de free-riders, isto é, países que não participavam dos acordos concluídos, uma vez
que não havia tal imposição, mas que acabavam se beneficiando de seus resultados
(THORSTENSEN, 2001: 36). No caso específico da Rodada Tóquio, esse número
chegou a mais de dois terços das Partes Contratantes, principalmente, os países
menos desenvolvidos em meio aos países em desenvolvimento, que usufruíam do
chamado sistema GATT à la carte, em que se escolhia qual o menu desejado dentre as
ofertas disponíveis, graças à extensão da Cláusula da Nação Mais Favorecida. Além
desse fator, verificava-se o aumento de práticas protecionistas em alguns setores
considerados inseridos nos entremeios nebulosos das regras do GATT, como
siderurgia, agricultura e têxteis (PETERSMANN, 1995: 28-32). Michalopoulos analisa
que, embora a Cláusula de Habilitação tivesse sido adotada, guardava-se, ainda, ampla
liberalidade e discricionariedade em seu emprego, produzindo o efeito do desinteresse
e a conseqüente abstenção quando da assinatura dos vários acordos concluídos
durante a Rodada, mesmo que tais acordos contivessem cláusulas relativas a
tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, sob alegação de
que estes apenas foram chamados a participar quando já se havia alinhavado os
acordos, sem sua participação (SRINIVISAN, 2000: 26; MICHALOPOULOS, 2000: 7-
8)
88
. Da mesma forma, Page (2001), tomando por base o relato do representante norte-
87
Nos casos, por exemplo, do Acordo de Barreiras Técnicas ao Comércio, os países em desenvolvimento não eram
obrigados a adotar padrões internacionais ou regulamentos técnicos que fossem inapropriados a seu
desenvolvimento; e do Acordo de Compras Governamentais, igualmente ficaram liberados de abrir seus mercados
(FINLAYSON & ZACHER, 1981:583-584).
88
Dentre os Acordos citados constam os relativos a Subsídios e Medidas Compensatórias, Barreiras Técnicas ao
Comércio e Compras Governamentais (MICHALOPOULOS, 2000: 8) e Valoração Aduaneira (PAGE: 2001:14).
136
americano nas negociações, Alonzo McDonald, assevera que as negociações durante a
Rodada centraram-se entre Estados Unidos e Comunidade Européia, não havendo
temas de interesse direto para os países em desenvolvimento, como, por exemplo,
agricultura, mantida sob exclusão, sendo que os países que já operavam a mudança de
seu perfil exportador para manufaturas apenas começavam a se defrontar com
barreiras não tarifárias
89
. Como não havia a obrigação de se aceitar todos os acordos e
os países desenvolvidos não se sentiam pressionados pelos países em
desenvolvimento, adveio o fato de a grande maioria destes permanecer alheia aos
resultados finais da Rodada (PAGE, 2001: 14-15)
90
. Em perspectiva oposta, Eckes Jr.
salienta a assimetria das relações comerciais dos Estados Unidos que, por conta das
concessões efetuadas pelo país durante a Rodada Tóquio, aliadas aos denominados
eventos exógenos como a alta dos preços do petróleo, transformaram o superávit
comercial norte-americano de US$ 8,9 bilhões em 1975 em déficit de US$ 34 bilhões
em 1978. A par, as reduções tarifárias concedidas pelos Estados Unidos, a instituição
das preferências comerciais, via SGP, a países que haviam se tornado industrialmente
competitivos, assim como a então Alemanha Ocidental, e a manutenção do
protecionismo japonês teriam convertido os supostos ganhos da Rodada Tóquio em
reles quimera (ECKES Jr., 1999: 87-93).
O período decorrido da realização da Rodada Tóquio, ou seja, de 1973 a 1979,
foi precisamente aquele em que uma série de acontecimentos iria marcar o apogeu e o
ocaso da participação e do ativismo dos países em desenvolvimento no sistema
multilateral mundial. Verificava-se, a partir de 1973, o choque causado pelo aumento
abrupto dos preços do petróleo decretado pela OPEP, a Conferência do Movimento dos
Não-Alinhados em Argel, a aprovação da moção pleiteando a Nova Ordem Econômica
Internacional, a détente entre Leste e Oeste e, no outro extremo do período, a
89
Como exemplo de aplicação de barreiras não tarifárias, constam as restrições sobre exportações de vestuário,
porém os países as enfrentavam não aumentando as exportações ou fugindo para outros setores não restringidos
(PAGE, 2001: 14).
90
No entanto, nem todos os países em desenvolvimento colocaram-se à margem das negociações, como, por
exemplo, Brasil, Argentina e Índia, que chegaram a assinar alguns acordos (PAGE: 2001: 15).
137
ascensão de Margareth Thatcher e Ronald Reagan ao poder das duas principais
potências capitalistas mundiais e o início do processo de desmantelamento da União
Soviética, com a invasão do Afeganistão.
Um ano após a abertura da Rodada Tóquio, a Assembléia Geral das Nações
Unidas dava início à Sexta Sessão Especial, ocorrida entre 09 de abril e 02 de maio de
1974, voltada para tratar especificamente do tema relacionado a matérias-primas e
desenvolvimento, por solicitação da Argélia. Efetivamente, essa proposição surgiu
quando da realização da 4ª Conferência do Movimento dos Não-Alinhados, na capital
argelina, entre 05 e 09 de setembro do ano anterior, quando já se evidenciava a
movimentação por parte dos países produtores de petróleo, principalmente os árabes,
com o intuito de pressionar pela alta dos preços e utilizar o produto como arma política
contra o apoio do Ocidente a Israel
91
, sendo, na ocasião, votada moção favorável à
formação de associação de produtores de petróleo para instar pela retirada de Israel
dos territórios ocupados em 1967
92
. Inicialmente, portanto, a Sessão destinava-se a
considerar questões relacionadas a produtos primários e terminou por desdobrar-se no
debate sobre o reordenamento das relações entre o Norte industrializado e o Sul pobre,
ampliando o escopo de seu objetivo, a partir do êxito alcançado pelo emprego
econômico e político desencadeado pelos países produtores de petróleo e sua
conseqüente expansão para outras matérias-primas. Tal disposição para a utilização
das matérias-primas como elemento de mobilização e articulação dos países em
desenvolvimento, desencadeada pelo exemplo da OPEP é enunciada pelo Presidente
da Argélia, Houari Boumedienne, em discurso encaminhado à Sexta Sessão Especial,
em que explicita que...
91
Em 15 de setembro de 1973, portanto quase uma semana após a realização da 4ª Conferência do Movimento dos
Não-Alinhados, a OPEP estabelecia uma frente de negociação, composta de seis países do Golfo Pérsico (Abu
Dhabi, Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Qatar), para pressionar pela elevação dos preços do petróleo e coibir o
apoio ocidental a Israel, com base em acordo celebrado em Teerã, em 1971, entre a OPEP e as companhias
ocidentais de petróleo, que ampliou, mediante a ameaça de embargo do fornecimento, de 50% para 55% a sobretaxa
sobre o comércio de petróleo.
92
Logo após, no dia 06 de outubro, forças árabes, compostas por Egito e Síria, atacavam Israel durante o feriado do
dia mais sagrado para a religião judaica, o Yom Kippur (Dia do Perdão) e, dois dias depois, as negociações visando à
revisão do acordo de Teerã fracassaram, culminando, no dia 17 de outubro, com a decretação do embargo do
fornecimento aos Estados Unidos e na quadruplicação dos preços para o mercado internacional.
138
“The OPEC action is really the first illustration and at the same time the
most concrete and most spetacular illustration, of the importance of raw
material prices for our countries, the vital need for the producing countries
to operate the levers of price control, and lastly, the great possibilities of a
union of raw material producing countries...This action should be viewed
by the developing countries...as an example and a source of hope”.
(BOUMEDIENNE in SMITH, 1977:4).
A perspectiva de transferir para outras matérias-primas o êxito obtido pela OPEP
pareceu atrair produtores de outras commodities levando diversos outros países a
entoar generalizadamente da valorização de seus produtos (HANSEN, 1975: 923)
93
.
Segundo Rothstein (1979), além do acirramento dos ânimos dos países em
desenvolvimento, presumivelmente estivesse embutida uma estratégia de reverter a
baixa dos preços de matérias-primas, que começara a acontecer devido aos efeitos do
choque do petróleo, quando, por conta da escalada recessiva dos países desenvolvidos
e dos índices inflacionários, retraíram-se as importações, tendo como desdobramento
uma crise de balanço de pagamento para os países do Terceiro Mundo. Para o autor,
ao invés de se produzir ajustes necessários à adequação a essa situação que se
configurava, buscaram escapar por esses meios (ROTHSTEIN, 1979: 44).
A esses fatores se juntaram as tentativas de amainar os rigores do boicote e da
elevação demasiada dos preços. De início, os Estados Unidos viriam a tentar articular
uma ofensiva diplomática gradual que consistia na realização de um primeiro encontro
entre os países industrializados, sendo que, posteriormente, haveria um segundo com
os países em desenvolvimento importadores de petróleo, um terceiro articulando ambos
os grupos, visando a atenuar os impactos e pensar fontes alternativas de fornecimento
de energia e, por fim, todos unidos para confrontar a OPEP em um quarto encontro.
93
Diversos movimentos para montar cartéis de produtores de matérias-primas foram efetuados após a ação da OPEP
como o dos produtores de bauxita, que formaram a
International Bauxite Association
, e os produtores de fosfato
triplicaram seus preços, bem como consultas entre países em desenvolvimento relativas a outras commodities foram
feitas e, ao menos uma dúzia de países menos desenvolvidos criaram ministérios de recursos naturais (HANSEN,
1975: 923), tornando commodities tão importantes para os países em desenvolvimento, no início dos anos 1970,
quanto o SGP o fora em meados dos anos 1960 (BHAGWATI, 1984: 25).
139
Tal proposta acabou bloqueada pela Europa Ocidental e Japão, mais temerosos devido
à maior dependência do fornecimento, fazendo com que a França apresentasse
proposta alternativa, no sentido de que, primeiramente, houvesse um encontro com os
países árabes e, posteriormente, sugeria que as Nações Unidas realizassem uma
conferência mundial sobre energia, prontamente aceita pela Argélia, resultando, assim,
na convocação da Sexta Sessão Especial (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 316-317).
Assim, por intermédio das Resoluções 3201 (S-VI) e 3202 (S-VI), de 01 de maio
de 1974, proclamavam a necessidade de se instituir uma Nova Ordem Econômica
Internacional, e o subseqüente Programa de Ação, respectivamente. Em seus termos,
a primeira Resolução recomendava a predominância da cooperação entre as nações e
reformulação das condições econômicas e sociais, visando à transformação da divisão
internacional do trabalho e da distribuição das riquezas mundiais, conforme
parcialmente transcrita abaixo:
“We, the Members of the United Nations,
(…)
Solemnly proclaim our united determination to work urgently for the
ESTABLISHMENT OF A NEW INTERNATIONAL ECONOMIC ORDER
based on equity, sovereign equality, interdependence, common interest,
and co-operation among all States, irrespective of their economic and
social systems which shall correct inequalities and redress existing
injustices, make it possible to eliminate the widening gap between the
developed and the developing countries and ensure steadily accelerating
economic and social development and peace and justice for present and
future generations (…)”
94
.
Esse conjunto de Resoluções tomava por base a dinâmica
precedentemente desenvolvida pelos países em desenvolvimento, no âmbito da
Assembléia Geral das Nações Unidas, sustentada por uma gama de Resoluções
aprovadas anteriormente, como, por exemplo, a Resolução 3171 (XXVIII) de 17 de
dezembro de 1973, que dispunha a respeito dos direitos de soberania permanente
sobre recursos naturais, calcando-se, ainda, nas deliberações oriundas dos Encontros
94
Excertos da Resolução 3201 (S-VI) de 01 de maio de 1974, intitulada
Declaration on the Establishment of a New
International Economic Order
.
140
do G-77, ocorridos em Argel (1967) e Lima (1971), porém, sua fonte principal pautou-se
na Declaração da Conferência dos Não-Alinhados de Argel, em 1973 (GOSOVIC &
RUGGIE, 1976: 313-314).
Dessa disposição de se erigir a Nova Ordem Econômica Internacional, se
consolidaria a Charter of Economic Rights and Duties of States, de 12 de dezembro de
1974, adotada pela Resolução da Assembléia Geral 3281 (XXIX), em votação que
contou com a rejeição dos países desenvolvidos
95
, tenha sido pela oposição ou
abstenção da proposta, por considerá-la não equilibrada, tendo em vista seus
interesses (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 314). Segundo Sneyd (2003), direitos eram
especialmente concernentes aos países em desenvolvimento, como a ampla soberania
sobre seus recursos naturais e a regulação de suas atividades econômicas, enquanto
obrigações não se constituíam impedimentos às estratégias de desenvolvimento
desses países, impondo-se apenas sobre os países desenvolvidos, os quais, por sua
vez, a consideravam desprovida de reciprocidade (SNEYD, 2003: 37).
A segunda vertente da mobilização havida durante a Conferência de Argel
redundou na convocação da Sétima Sessão Especial da Assembléia Geral, que centrou
seus debates em torno do tema do desenvolvimento e da cooperação econômica
internacionais, ocorrida entre 01 e 16 de setembro de 1975. Tal Sessão, igualmente,
resultou do que se passou a denominar de “diplomacia do petróleo”, por,
obrigatoriamente, ter que passar a lidar com a força dos países produtores e o jogo
exercido pelos países desenvolvidos para minorar os efeitos da elevação dos preços.
De certa forma, o impacto do choque do petróleo acabaria por desarranjar, ao
menos momentaneamente, a divisão econômica internacional entre Norte e Sul, por
causar a quebra da aliança dos países industrializados – Estados Unidos, Europa
95
A Resolução foi aprovada por 120 votos, tendo seis votos contrários (Bélgica, Dinamarca, Alemanha Ocidental,
Luxemburgo, Grã-Bretanha e Estados Unidos), e dez abstenções (Áustria, Canadá, França, Irlanda, Israel, Itália,
Japão, Holanda, Noruega e Espanha), porém, Austrália, Nova Zelândia, Suécia e Finlândia votaram favoravelmente à
Carta (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 314).
141
Ocidental e Japão – bem como por estabelecer a cisão entre os países em
desenvolvimento, distinguindo produtores e consumidores de petróleo. Assim, a
exemplo da circunstância anterior, novamente os Estados Unidos tentaram
desencadear uma reação contra a situação, propondo a realização de um conclave
entre produtores e consumidores, sendo, outra vez, driblados pela França, que buscou
ampliar a participação incluindo, além das duas primeiras categorias, os países em
desenvolvimento, que não se restringiria unicamente a tratar de preços do petróleo.
Logo a proposição francesa foi vastamente aceita pelos próprios Estados Unidos, pelos
demais membros da Comunidade Européia, pela OPEP e pelos países em
desenvolvimento reunidos em Dacar, Senegal, durante a Conferência dos Países em
Desenvolvimento sobre Matérias-Primas, realizada em fevereiro de 1975, os quais
adotaram, para o Encontro Preparatório que seria realizado em Paris, em abril seguinte,
uma posição comum, incluindo os membros da OPEP, englobando temas econômico-
financeiros, comércio e ciência e tecnologia (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 317-318).
Nesse encontro, fissuras ameaçaram surgir no interior do bloco dos países em
desenvolvimento, opondo os membros da OPEP àqueles importadores de petróleo,
pois, enquanto os primeiros defendiam a idéia de se abordar todos os temas, conforme
deliberado em Dacar, os segundos, representados no evento, protestavam contra os
danos causados em suas economias por conta da elevação dos preços do petróleo
96
e
o então Zaire alegava ser utópico tratar de todas as matérias-primas em uma única
conferência, mas acabaram seguindo a posição inicial. Similarmente, o bloco dos
países desenvolvidos apresentava posições algo distintas, pois, se a Comunidade
Européia se dispunha a debater energia e assuntos correlatos, os Estados Unidos
desejavam debater apenas energia e questões a ela relacionadas, embora não se
negassem a ampliar a pauta futuramente, porém, não naquele evento. Ao final, as
posições no âmbito de cada bloco voltaram a se reunir, permanecendo as coalizões
originais. Para os autores, tanto os países em desenvolvimento quanto os
96
Como exemplo, o Brasil alegava que 40% das rendas decorrentes de exportação eram consumidas na aquisição de
petróleo e a Índia, 80% (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 318).
142
desenvolvidos, perceberam os elos estabelecidos entre a questão do petróleo e os
temas relativos à Nova Ordem Econômica Internacional, produzindo nestes últimos uma
disposição negociadora (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 318-319).
Para a Sétima Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, a disposição às
negociações por parte dos Estados Unidos havia se ampliado, pois o Secretário de
Estado Henry Kissinger avaliaria que Paris não adicionara avanços suficientes ao
diálogo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, daí a importância a ela
atribuída pelos primeiros, reconhecida em reunião prévia da OCDE. Ali, se encetavam
estratégias que pretendiam que a Sessão alcançasse êxito que resultaria no
aperfeiçoamento das relações econômicas internacionais para os interesses dos países
em desenvolvimento
97
.
A predisposição dos países industrializados acabou por acarretar na prevalência
de atitudes mais moderadas por parte dos países em desenvolvimento, quando da
preparação da agenda da Sessão, no âmbito do ECOSOC, ao reconhecer que alguns
temas mais polêmicos poderiam comprometer os resultados possíveis, tendo assim
sido excluídos assuntos como soberania permanente sobre recursos naturais,
associações de produtores e controle sobre corporações multinacionais. Além disso,
foram reduzidos os itens considerados prioritários, assim como se introduziu, por
solicitação dos Estados Unidos, o tema de alimentos e agricultura e, por fim, se decidiu
que teria conotação política, no sentido de traçar linhas de ação e parâmetros, não
sendo declaratória ou técnica. Arrolaram-se, daí, os temas pertinentes à Sessão,
abrangendo comércio internacional, transferência efetiva de recursos e reforma
monetária internacional, ciência e tecnologia, industrialização, alimentos e agricultura,
bem como a reestruturação dos setores econômicos e sociais das Nações Unidas
97
Nessa perspectiva, consideravam ser possível atingir tal objetivo, enquanto a Itália pregava que se parasse de atuar
defensivamente, tomando iniciativas e a França reconhecia a inevitabilidade de mudanças, que cedo ou tarde teriam
que ocorrer; já a Grã-Bretanha declarava estarem os países industrializados ansiosos pelo êxito das negociações e,
por fim, Holanda, Suécia, Noruega e Nova Zelândia requeriam que a premissa das negociações se baseasse no
conceito da Nova Ordem Econômica Internacional (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 320).
143
(GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 321-322; HIRSCH, 1976: 524). Para os países
desenvolvidos, tornara-se a oportunidade de atenuar a intensidade do conflito Norte-Sul
e, por conseguinte, fazer retroceder a escalada de confrontação (MELTZER, 1978:
995). Para Hirsch, tratava-se de conversão às demandas dos que antes nada tinham –
como em 1964 na UNCTAD – e que, naquele momento, possuíam uma única coisa, o
petróleo, ou seja, o poder de uma mercadoria (HIRSCH, 1976: 524).
.
Durante o desenrolar da Sessão as posições iam se estabelecendo e
restaurando as divergências fundamentais em que o G-77 clamava por mudanças
profundas na estrutura das relações econômicas internacionais de uma parte, e, de
outra, o bloco dos países desenvolvidos não se mostrava disposto, até por presumir
que algumas das reivindicações como comércio, poder de compra, decisões sobre
investimento em pesquisa e desenvolvimento estavam fortemente vinculadas a
decisões e estratégias pertinentes ao setor privado e não à esfera governamental.
Especificamente, a posição norte-americana era a de que não se havia que alterar
essencialmente o sistema de livre iniciativa e os princípios da economia internacional,
orientada para o mercado, mas apenas adequá-la às dos países em desenvolvimento.
Já a Comunidade Européia tinha alguns constrangimentos quanto à excessiva
proeminência do mercado na economia internacional, mas em questões específicas
como, por exemplo, mudanças estruturais, guardava convergências com os Estados
Unidos. Destoando da posição majoritária do Ocidente, Austrália, Nova Zelândia e
países escandinavos expressavam alguma afinidade com as demandas do G-77
98
. Em
relação às regras do GATT, o G-77 preconizava por disposições permanentes que
garantissem acesso preferencial e sem reciprocidade ao mercado dos países
desenvolvidos, assim como conceder o mesmo caráter de permanência ao SGP, o que
98
Dentre as questões debatidas que dividiam os blocos, constava a relativa a mercados e definição dos preços das
matérias-primas e commodities, em que o G-77 requeria estivesse em consonância com o programa elaborado pela
UNCTAD, que priorizava um acordo negociado de preços ao invés da variação do mercado, a qual encontrava apoio
dos escandinavos, Austrália e Nova Zelândia; enquanto a Comunidade Européia se dispunha a aceitar uma
estabilização da flutuação de preços, os Estados Unidos recusavam-na, porém mostravam-se dispostos a discutir algo
em torno de estabilização de ganhos de exportação (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 325-326).
144
era rejeitado pelos países desenvolvidos, preferindo manter a negociação de tais
questões no âmbito da Rodada Tóquio bem como não avançar nos parâmetros
definidos no escopo da Declaração de abertura da Rodada, em 1973. Quanto aos
debates concernentes à ciência e tecnologia, inclusive ao sistema de patentes e
transferência de tecnologia, o G-77 reivindicava maior acesso ao conhecimento detido
pelos países desenvolvidos com vistas a seu desenvolvimento, sendo, igualmente,
contra-argumentados sob a alegação de que tais questões eram da competência do
setor privado (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 323-327).
No tocante à reforma das Nações Unidas, pretendida pelo G-77 e, também pelo
Ocidente, porém sob pontos de vista mais uma vez opostos, as posições se
apresentavam comuns quanto ao diagnóstico da ação da Organização. O Ocidente
criticava acidamente a expansão de suas atividades e a crescente politização do
processo de tomada de decisão, em situação particularmente desconfortável por sua
condição de minoria durante as votações, refém da chamada “tirania da maioria” que, a
seu ver, apenas produzia declarações retóricas e de pouca efetividade, comprometendo
suas funções de negociação e articulação e contribuindo para seu declínio,
constituindo-se a gota d’água desse processo, a aprovação da Resolução que
comparava o sionismo a formas de racismo e discriminação racial
99
, claramente
influenciada pela utilização do petróleo como arma política no âmbito das Nações
Unidas. Da mesma forma, considerava necessário estancar a proliferação de agências
e outros órgãos, tendência evidenciada a partir da institucionalização da UNCTAD em
1964, o que acarretava em gastos orçamentários e de pessoal. Todos esses fatores,
de acordo com essa posição, resultavam na fragilidade das organizações internacionais
como um todo (MELTZER, 1978: 996-997). Ao contrário, o G-77 reivindicava o
fortalecimento do papel da Assembléia Geral, definindo-o como órgão maior e atuando
como instância de articulação e delineamento de políticas para o GATT, o FMI e o
BIRD, que deveriam implementá-las, assim como ampliar o poder decisório da
UNCTAD para transformá-la em órgão central das Nações Unidas para comércio e
99
Resolução 3379 (XXX), de 10 de novembro de 1975, intitulada
Elimination of all forms of racial discrimination
.
145
desenvolvimento econômico (MELTZER, 1978: 1001-1002). Visando a aproximar as
duas correntes contrárias, criou-se um Comitê Ad Hoc, presidido pelo representante de
Gana, que preparou um texto consolidado que, dentre outros temas, propunha que as
deliberações deveriam se basear em consenso prévio e informal, mas a desconfiança
se instalou, pois o G-77 temia que o exercício do consenso se tornasse uma tentativa
de despolitizar as Nações Unidas, bem como constituísse estratégia para obter a
fragmentação do Grupo, durante a fase de consultas. Além disso, vislumbrava que as
propostas de racionalidade implicariam em álibi para reduzir os compromissos
orçamentários necessários ao funcionamento da Organização (MELTZER, 1978: 1004-
1012).
Dos debates e negociações havidas durante a Sétima Sessão, deliberou-se pela
adoção da Resolução 3362 (S-VII), de 16 de setembro de 1975
100
que, exatamente por
ter o caráter político e de guia das negociações que se desdobrariam, aproximava, de
forma tênue, as posições divergentes acerca dos variados temas em pauta. O
prosseguimento pretendido das negociações seria consubstanciado na posterior
Resolução 3506 (XXX), de 15 de dezembro de 1975
101
, conclamando pela constante
revisão e implementação das políticas adotadas na Resolução anterior.
Justamente nesses desdobramentos das negociações, os autores prediziam que
a unidade do G-77 seria alvo da ação dos países desenvolvidos visando a enfraquecê-
la, por meio da cooptação da facção moderada, oferecendo algumas concessões ao
mesmo tempo em que buscariam afastar as reivindicações de mudanças estruturais
(GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 342). Calvocoressi sugere que essa tentativa foi
producente pelo aparecimento da OPEP como força distinta no interior do G-77 e pelo
poder econômico do Ocidente, convergindo com Smith (1976:11), a despeito dos
esforços envidados pelo Grupo, pois a efetividade das propostas em direção a uma
100
Formalmente,
Resolution adopted on the Report of the Ad Hoc Committee of the Seventh Special Session, 3362
(S-VII). Development and International Economic Co-operation.
101
Resolução 3506 (XXX).
Implementation of the decisions adopted by the General Assembly at its Seventh Special
Session
.
146
Nova Ordem Econômica Internacional sucumbiu àquele poder. E uma das armas
utilizadas teria sido precisamente a manutenção dos laços de dependência, no caso da
Comunidade Européia – e da França em particular – com suas antigas colônias, por
meio de sucessivos aportes de ajuda econômica, iniciados pela Convenção de
Yaoundé, em 1964 e as subseqüentes assinaturas da Convenção de Lomé, a partir de
1974, estendidas ao chamado Grupo ACP, então constituindo 46 países de África,
Caribe e Pacífico. E, exatamente, enquanto esse grupo de países, apesar da ajuda
fornecida, mais se endividava e empobrecia, até pelos altos custos da importação de
petróleo, os membros da OPEP mais enriqueciam, acarretando na obsolescência do
conceito de Terceiro Mundo e a constituição do Quarto Mundo, por estes representado
(CALVOCORESSI, 1991: 156-161). Por sua vez, Rothstein afirma que se a OPEP,
para o Terceiro Mundo, significava um caminho a seguir e, fundamentalmente,
perspectiva de recursos para os países menos aquinhoados com algum poder de
barganha econômica, havia a percepção de que a ajuda fornecida pelos países
exportadores de petróleo em quase nada compensaria os danos a eles infligidos, porém
tal percepção não era tornada pública, fosse por medo, euforia ou tardia esperança de
algum tratamento privilegiado (ROTHSTEIN, 1979: 46). Ademais, Smith indicava, com
base em dados da OCDE, que a propalada ajuda da OPEP aos demais países do
Terceiro Mundo, com o objetivo de amenizar o custo da elevação dos preços do
petróleo, em 1974, montou a US$ 9.6 bilhões, sendo 57,5% destinada a Egito e Síria e
menos de 4% para a África, assim como 80% da renda excedente dos membros da
OPEP, naquele mesmo ano, fora direcionada para os países industrializados, sendo
que, majoritariamente, para os Estados Unidos (SMITH, 1977: 9) e cifras semelhantes
são apresentadas por Calvocoressi (1991: 161). Por outro lado, tanto Smith quanto
Hirsch mantinham dúvidas acerca da viabilidade da extensão da cartelização
empregada pela OPEP para outras matérias-primas, devido à fragmentação da coalizão
causada pelos interesses específicos da OPEP e pelo surgimento de uma categoria de
países bem-sucedidos nos processos de transformação de suas economias, citando
como exemplo Hong Kong, Malásia, Cingapura, Coréia do Sul e, incertamente, o Brasil
147
(NIC’s)
102
, que formariam, ambos os grupos, uma espécie de classe média, destacada
dos demais (HIRSCH, 1976: 525), ou pela improbabilidade de envergar tal ação, pela
ausência de base diversificada de exportações e de reservas financeiras suficientes
(SMITH, 1976: 8), fatores que constituiriam a Nova Ordem Econômica internacional
uma ameaça falaciosa para o Ocidente. Similarmente, Gasiorowski (1985), ao analisar
os níveis de interdependência econômica dos países em desenvolvimento, operando
com variáveis relativas a comércio internacional e fluxo de capital internacional, entre as
décadas de 1960 e 1970 inclusive, concluía pela vulnerabilidade destes frente ao Norte,
por conta de seu elevado grau, o que colocaria em risco a própria soberania desses
países, ressalvando as posições mais confortáveis dos chamados NIC’s
(GASIOROWSKY, 1985: 341-342)
103
. E no tocante às relações econômicas entre os
países em desenvolvimento, ou relações Sul-Sul, igualmente verificava-se reduzida
interação, sendo as relações Norte-Sul as detentoras de primazia e, corroborando os
demais autores, à medida que um grupo distinto de países em desenvolvimento se
destacava de todo o restante, os vizinhos mais frágeis tenderiam a formar alianças com
os países desenvolvidos, temendo a penetração daqueles em suas atividades políticas
e econômicas (ROSENBAUM & TYLER, 1975: 271-272).
Portanto, grande parte da literatura, contemporânea ao próprio período de
debates e reivindicação de construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional,
antepunha severas dúvidas acerca de sua viabilidade e efetividade, dados o alto grau
de dependência do Sul e a crescente diferenciação entre os países em
desenvolvimento, pelo emprego do petróleo como arma política e econômica, sob um
aspecto, e pelo êxito de processos intensivos de industrialização de alguns poucos
países – especialmente Leste da Ásia e América Latina – os quais passariam a ter
demandas peculiares a essa transformação, sob outro aspecto.
102
Em inglês, Newly Industrializing Countries.
103
Em sua pesquisa, Gasiorowsky arrolara como NIC’s México, Argentina, Brasil, África do Sul, Israel, Hong Kong,
Cingapura, Coréia do Sul, Índia e Turquia (GASIOROWSKY, 1985: 333).
148
Cox (1979), ao indagar no que precisamente consistiria o conceito de Nova
Ordem Econômica Internacional, respondia à questão, dividindo-o em quatro níveis: o
primeiro nível definia como sendo um conjunto de demandas específicas alinhadas em
documentos oficiais incorporadas em conferências internacionais, emanadas do
Movimento dos Não-Alinhados e do G-77; no segundo nível, constituía-se como
processo de negociação entre Norte e Sul, no âmbito de vários fóruns e instituições
internacionais, visando à obtenção de acordos que redefiniam ou criavam políticas e
agências. No terceiro nível, tornou-se o debate acerca da estrutura básica desejável
para as relações econômicas internacionais que, por sua vez, implicava na abordagem
de teorias atinentes ao conceito de imperialismo, causas do subdesenvolvimento e
limites físicos ao crescimento. E o quarto nível, enfim, desdobrar-se-ia no debate
intelectual, fracionado em várias vertentes
104
, que contaria tanto com participantes
ativos nas negociações quanto com acadêmicos, mas todos vinculados em uma série
de redes sobre o tema e, em suma, todos os níveis encontrar-se-iam intimamente
relacionados (COX, 1979: 258-260).
Em 1977, o Presidente francês Giscard D’Estaing promovia a Conferência
Internacional sobre Cooperação Econômica, conhecido como Diálogo Norte-Sul,
laconicamente encerrada em junho daquele ano, a despeito de ter gerado alguns
resultados como o compromisso dos países desenvolvidos de efetuar dotação de US$
1 bilhão para países menos desenvolvidos e a subscrição do Fundo Comum para
produtos primários.
104
As vertentes arroladas por Cox eram os monopolistas liberais, porta-vozes do
establishment
, predominante nos
países desenvolvidos, cuja maior expressão consistia na Comissão Trilateral; a segunda seria uma variante social-
democrata, igualmente de tendência liberal, mas sensível às questões dos países em desenvolvimento, sendo um dos
representantes da corrente, o Clube de Roma; a terceira seria uma categoria semi-oficial das posições do Terceiro
Mundo, representada por intelectuais engajados, o Fórum do Terceiro Mundo; a quarta vertente expressaria as
posições dos neo-mercantilistas, representada por pensadores políticos norte-americanos que entenderiam a política
econômica como instrumento de objetivos políticos, podendo tanto ser de direita ou de esquerda e; como quinta
vertente ter-se-ia o materialismo histórico que, evidentemente, priorizava a questão do desenvolvimento sobre o
processo de produção dividindo-se em várias correntes, sendo seus expoentes Gunder Frank, Immanuel Wallerstein,
Christian Palloix e Paul Sweezy (COX, 1979: 260-266).
149
A segunda crise do petróleo, em 1979, desencadeada pela revolução islâmica no
Irã, seguida pelo confronto entre este país e o Iraque, veio agravar ainda mais a
situação de distanciamento entre o restrito grupo de países produtores de petróleo e
todos os demais, pelo incremento da situação de endividamento, assim como
comprometendo seriamente as propostas de remodelação das relações econômicas
internacionais, tornando-se o tema central da UNCTAD V em Manila, Filipinas, como já
o havia sido durante a UNCTAD IV em Nairobi, Quênia, em 1976 (CALVOCORESSI,
1991: 161).
Em 1980, uma Comissão Independente
105
, liderada pelo ex-Chanceler da
Alemanha Ocidental Willy Brandt, publicava o Relatório North-South: a Programme
Survival, mais conhecido como Relatório Brandt, propondo a redistribuição de recursos
financeiros em socorro aos países mais pobres, não sob a forma de ajuda, mas de
investimento em programas de erradicação da fome e da miséria, provinda dos países
industrializados e dos membros da OPEP, ensejando um amplo esforço de cooperação
econômica internacional que, pela ausência de apoio, caiu no vazio. E, a partir da
década de 1980, a escalada do endividamento – levando mesmo à moratória por parte
de alguns países – e a reação empreendida pelos países desenvolvidos sepultaria a
Agenda do Desenvolvimento e seu corolário, a pleiteada Nova Ordem Econômica
Internacional.
Assim sendo, desde o início do processo de descolonização, ocorrido após o
término da Segunda Guerra Mundial, e sua intensificação entre o final da década de
1950 e meados da década de 1960, com a libertação das colônias britânicas, francesas
e belgas do Continente africano, o panorama multilateral engendrado pelas potências
vencedoras do conflito sofreria profundas modificações. Com o ingresso maciço dos
novos Estados soberanos nas Nações Unidas e suas agências, no GATT e a tomada
de consciência de sua força política como novo ator internacional, forjando o Movimento
105
A Comissão continha dezoito membros de diversas nacionalidades, procedências e atividades, destacando-se,
além do próprio Brandt, o ex-Premier britânico Edward Heath, o ex-Premier sueco Olof Palme, o ex-Presidente
chileno Eduardo Frei e o ex-chanceler indonésio Adam Malik.
150
dos Não-Alinhados, inicialmente e, depois, o Grupo dos 77, em aliança com os países
da América Latina, o multilateralismo tornou-se instrumento de tentativa de mudança da
ordem econômica e política mundial, formando a heterogênea coalizão do Sul.
Apoiados em sua ampla maioria quantitativa, os membros do chamado Terceiro Mundo
vão conduzir diversas alterações de rumo nas organizações internacionais, como a
criação da UNCTAD e a obtenção de reformas parciais do GATT, com vistas à
conquista de tratamento especial e diferenciado em suas relações comerciais com o
Norte desenvolvido. Durante esse período, que se estendeu do início da década de
1960 a meados da década de 1970, o multilateralismo de feições terceiro-mundistas
atingiria seu auge. No entanto, o grande movimento que lhe daria forças para avançar
na direção da construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional e a revisão dos
paradigmas das relações econômicas internacionais – a utilização do petróleo como
instrumento de barganha política e econômica – igualmente trouxe, como corolário, o
seu declínio, por conta do crescente endividamento e do conseqüente empobrecimento
de suas economias. Concomitantemente, se começa a empreender uma forte reação
dos países centrais, mormente Estados Unidos e Grã-Bretanha, por meio da ascensão
das forças politicamente conservadoras, porém economicamente liberais, acuando
esses países pelo empunhamento de uma agenda voltada para a democracia, os
direitos humanos e a preservação ambiental, fatores de elevada vulnerabilidade política
do Terceiro Mundo, além da limitação do sustento financeiro dessas organizações.
Assim sendo, esse modelo de multilateralismo começaria a entrar em crise e a derrogar
as conquistas obtidas pelos países em desenvolvimento naquele período. A partir dos
anos 1980, uma nova agenda adentraria ao cenário internacional, levando à crise desse
multilateralismo e à forja de um novo modelo de organização internacional, associado
ao fim da Guerra Fria e ao surgimento do processo de globalização. No comércio
internacional, essa remodelação acarretaria na realização de uma nova rodada de
negociações do GATT, radicalmente diferente de todas as anteriores, a Rodada
Uruguai, vindo a modificá-lo profundamente e fazendo surgir a Organização Mundial do
Comércio (OMC), em que o consenso – e não mais o voto – passava a ser a tônica
dominante dos processos de tomada de decisão, derrubando a “tirania da maioria”.
151
Capítulo IV
Crise do multilateralismo e novos temas
na Rodada Uruguai do GATT: coalizões fragmentadas
Os estertores da mobilização em torno da Nova Ordem Econômica Internacional
que se prenunciavam quando das fendas surgidas no âmbito do Grupo dos 77, iriam se
agravar ainda mais a partir de 1979. A segunda crise do petróleo, naquele mesmo
ano, aprofundaria as cisões, ampliando o distanciamento e aguçando a
heterogeneidade da ampla coalizão, por debilitar os países mais frágeis, que
dependiam do fornecimento do insumo para seu crescimento. As reuniões, tanto da
UNCTAD V, em Manila, quanto do Movimento dos Não-Alinhados, em Havana,
denotavam a vulnerabilidade econômica da maioria dos países em desenvolvimento e a
sua cizânia político-ideológica. Simultaneamente, os Estados Unidos empreendiam
manobras para transferir a outros organismos as questões relacionadas à pauta então
presente (SNEYD, 2005: 11) enquanto aumentavam as novas preocupações dos
países recém-industrializados, mais centrados na busca de inserção de seus produtos
no mercado internacional (HART, 1983: 145).
A V Conferência da UNCTAD, realizada em Manila em 1979, a despeito de
lançar algumas propostas relacionadas às relações entre o Norte e o Sul, concentrou
muito de suas atenções sobre os debates atinentes à solvência dos países em
desenvolvimento. Com efeito, foi precedida pela Reunião Ministerial do G-77, ocorrida
em Arusha, Tanzânia, a qual lançou o Arusha Program for Collective Self-Reliance, que
veio a ser incorporado pela agenda de Manila, estendendo as deliberações da Rodada
Tóquio do GATT sobre o SGP, ao ampliá-lo para as trocas específicas entre os países
em desenvolvimento, como se denominou o Global System of Trade among Developing
Countries (LOVE, 2004: 15). No entanto, o outro tema predominante foram as
condições de viabilidade econômico-financeira dos países em desenvolvimento, cada
152
vez mais enredados na teia dos empréstimos efetuados pelos bancos privados, que
estavam abarrotados dos excedentes financeiros dos países-membro da OPEP, ou os
chamados petrodólares, substituindo o papel tradicional do Fundo Monetário
Internacional (KASAHARA, 2004:19), bem como a tentativa de obter algum tipo de
tratamento para a questão de acesso à energia, após o impacto da alta dos preços do
petróleo ocasionado pela ação do novo regime iraniano (BHAGWATI, 1984: 27).
Junto a isto, a Conferência dos Não-Alinhados, em Havana, havida em setembro
de 1979, igualmente operava divergências, estas de cunho ideológico, entre os países
nela representados. Durante a Conferência, Fidel Castro tentaria aprovar resolução que
declarava ser o socialismo, y compris a União Soviética, um aliado natural do
Movimento, exatamente quando esta se imiscuía no Afeganistão, enfrentando severa
oposição da Índia e da ala mais moderada do Movimento. Resultaria tal moderação,
igualmente, da emergência de lideranças mais conservadoras e não tradicionalmente
vinculadas à temática da Nova Ordem Econômica Internacional nos governos de países
em desenvolvimento (SNEYD, 2003: 59)
106
.
Enquanto, cada vez mais, a coalizão dos países em desenvolvimento se
diferenciava e enfraquecia, os Estados Unidos, e o Ocidente em geral, empreendiam
movimentos para retomar a condução das negociações sobre as relações econômicas
internacionais, alcançando tal objetivo no decorrer da década de 1980. A eleição de
Margareth Thatcher como Primeira-Ministra da Grã-Bretanha em 1979, seguida quase
que imediatamente da eleição de Ronald Reagan como Presidente dos Estados
Unidos, no ano seguinte, iriam ambas produzir uma guinada no cenário internacional,
coincidindo com o momento em que a União Soviética se envolvia em sua aventura no
Afeganistão ao mesmo tempo em que enfrentava crises econômicas e crescentes
contestações, tanto internamente, pela voz de seus dissidentes, quanto externamente,
106
Sneyd cita, especificamente, como exemplos, a saída de Luís Echeverría da Presidência do México (1970-1976),
incisivo combatente da agenda terceiro-mundista, e o fim do governo comandado por Velasco Alvarado (1968-
1975), durante o regime militar de acento esquerdista, no Peru, como fatores de moderação das lideranças dos países
em desenvolvimento em prol da Nova Ordem Econômica Internacional (SNEYD, 2003: 87).
153
com o desafio apresentado pela movimentação dos operários poloneses, fundadores do
Movimento Solidariedade, inaugurando o que seria a Fase IV das Negociações Globais
Internacionais (BHAGWATI, 1984: 26-27)
107
. Nesse panorama, que desembocaria dez
anos mais tarde no fim da Guerra Fria, assistiu-se a seu recrudescimento e ao epílogo
do exercício da tolerância ocidental, principalmente britânico-americana, no que se
referia tanto ao diálogo com a União Soviética, exercitado pela détente, quanto à
prudente sensibilidade aos reclamos dos paises em desenvolvimento. Durante o
derradeiro espasmo da Agenda do Desenvolvimento, conforme preconizada pelo G-77
– a Conferência de Cancun sobre o Desenvolvimento Internacional, em 1981 – o
Presidente norte-americano decretava a morte da Nova Ordem Econômica
Internacional, invalidando quaisquer perspectivas de acordo, já condenadas desde a
preparação do evento, a despeito das tentativas de algumas lideranças internacionais
para alcançá-los (SNEYD, 2003: 61). O Norte passava a ter a percepção de não mais
precisar do Sul e de ter supervalorizado a ameaça da OPEP e da formação de cartéis
similares nos anos 1970 (SNEYD, 2003: 58).
A adoção de políticas de ajustamento econômico no Norte, sob a égide dos
princípios monetaristas ortodoxos, levaria o Ocidente a uma fase de retração do
crescimento e de escalada da inflação e do desemprego. Concomitantemente, nos
países em desenvolvimento não produtores de petróleo, agravava-se a crise da dívida e
as taxas de inflação também se elevavam, porém a índices muito mais expressivos e
comprometedores para o crescimento econômico. Como fator complicador, verificava-
se o declínio das exportações desses países, parte devido ao processo de estagnação
da economia, parte à queda da demanda de produtos requeridos pelos países
desenvolvidos, ampliando ainda mais o gap entre o Norte e o Sul. O cenário
apresentou-se então propício para o retorno mais desabrido dos defensores do livre
107
As fases arroladas por Bhagwatti compreenderiam a Ordem Econômica Internacional Liberal e a Pax Americana
do pós-II Guerra (Fase I); o surgimento da OPEP e da Nova Ordem Econômica Internacional (Fase II);
Déjà vu
e
retorno, caracterizada pela falência das estratégias do Sul (Fase III); Retorno à Postura Forte (Fase IV), denotada
pelo que chama de Negociações Globais, após o segundo choque do petróleo, quando os países em desenvolvimento
se mobilizam por encontrar saídas para a crise que se prenunciava e, a última, A Recessão Mundial e seus
Desdobramentos (Fase V), que seria uma fase de inação (BHAGWATI, 1984: 21-27).
154
comércio, que voltavam a propugnar pelo fim do protecionismo, tipicamente
proeminente nesses momentos de crise, criando, assim, terreno para a articulação dos
países ocidentais e a retomada da ofensiva nas negociações comerciais,
consubstanciada na Reunião Ministerial da OCDE, seguida da Cúpula de Ottawa do
Grupo dos Sete (G-7), em junho e julho de 1981, respectivamente, da qual transcreve-
se abaixo o item da Declaração, no tocante ao comércio:
“TRADE
21. We reaffirm our strong commitment to maintaining liberal trade
policies and to the effective operation of an open multilateral trading
system as embodied in the GATT.
22. We will work together to strengthen this system in the interest of all
trading countries, recognizing that this will involve structural adaptation to
changes in the world economy.
23. We will implement the agreements reached in the Multilateral Trade
Negotiations and invite other countries, particularly developing countries,
to join in these mutually beneficial trading arrangements.
24. We will continue to resist protectionist pressures, since we recognize
that any protectionist measure, whether in the form of overt or hidden
trade restrictions or in the form of subsidies to prop up declining
industries, not only undermines the dynamism of our economies but also,
over time, aggravates inflation and unemployment.
25. We welcome the new initiative represented by the proposal of the
Consultative Group of Eighteen that the GATT Contracting Parties
convene a meeting at Ministerial level during 1982, as well as that of the
OECD countries in their program of study to examine trade issues.
26. We will keep under close review the role played by our countries in the
smooth functioning of the multilateral trading system with a view to
ensuring maximum openness of our markets in a spirit of reciprocity, while
allowing for the safeguard measures provided for in the GATT.
27. We endorse efforts to reach agreement by the end of this year on
reducing subsidy elements in official export credit schemes.”
108
108
Declaration of the Ottawa Summit July, 21 1981: Trade. Disponível em http://www.g8.utoronto.ca/summit/
1981ottawa /communique/trade.html
155
Assim, como parte da estratégia de buscar fóruns mais adequados e menos
vulneráveis aos interesses do Norte, reafirmava-se o ambiente do GATT como o ideal
para rearrumar as peças no tabuleiro do xadrez Norte-Sul. E daí se tomava a decisão
de se realizar a Reunião Ministerial de 1982. Srinivasan afirma que a insatisfação dos
países desenvolvidos com os considerados privilégios derivados da não-reciprocidade e
do tratamento especial e diferenciado, desfrutados pelos países em desenvolvimento,
aliada à percepção de que começavam a se operar mudanças naqueles primeiros em
direção ao setor de serviços, com ênfase nos de alta tecnologia, mobilizou-os, assim,
para propor a realização de uma nova rodada que incluísse os então chamados novos
temas, quais fossem, investimentos, serviços e propriedade intelectual relacionada ao
comércio. Além desses fatores, outros de ordem interna teriam influenciado na decisão
do Governo Reagan de efetuar tal proposição, por sentir que se fazia necessário opor-
se à forte tendência protecionista que se espalhava no Congresso (SRINIVASAN, 2000:
28). Em assim sendo, na Reunião Ministerial do GATT, em novembro de 1982, os
Estados Unidos instaram pela inclusão do tema da propriedade intelectual, juntamente
com serviços e investimentos, na pauta de negociações. Segundo Abreu (2001), estes
preferiam o GATT por considerarem sua influência nas agências da ONU mais difusa
(ABREU, 2001: 92), enquanto os países em desenvolvimento teriam interesse, na
eventualidade de uma nova rodada, de aprofundar temas que, efetivamente, sempre
passaram ao largo do GATT, como agricultura e têxteis, mas receberam com
desconfiança a proposta norte-americana, considerando que pudesse justamente
representar uma manobra para que tais temas assim permanecessem, porquanto
adotando posição fortemente contrária e defensiva (SRINIVASAN, 2000: 28; ABREU,
2001: 92).
No jogo entre os temas em pauta que interessavam aos países desenvolvidos e
àqueles aos países em desenvolvimento, cada um possuía sua própria dinâmica que se
entrecruzaria ao final. No caso da propriedade intelectual, assim como serviços, as
tratativas visando à inclusão do tema remontavam a bem antes do início da mobilização
efetiva por parte dos Estados Unidos. Começaram timidamente ainda durante o
156
período da Rodada Tóquio, pela ação de indústrias de renome que defendiam a
necessidade, junto ao Governo norte-americano e à Comunidade Européia, de
estabelecer um código de restrição comercial a bens contrafeitos, isto é, pirateados,
formando uma coalizão em 1978, a Anti-Counterfeiting Coalition, que chegou a aglutinar
uma centena de grandes empresas (SINGH, 2003: 10; BASSO, 2000: 156)
109
. A este
grupo inicial se agregariam conglomerados do setor de agronegócios, como a
Monsanto, FMC e Stauffer (SELL, 1998: 132). Esse movimento inicial seria reforçado
pela adesão de gigantes do setor farmacêutico e de informática, fundamentalmente IBM
e Pfizer, já fortemente globalizadas e intensivas em inovação tecnológica, junto ao
Governo norte-americano, visando a intensificar a proteção à propriedade intelectual,
tanto em outros países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento.
Inicialmente, o propósito era obter a reforma da Convenção de Paris – o regime
internacional da propriedade industrial – no âmbito da Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI)
110
, agência das Nações Unidas onde, porém,
reproduzia-se a sistemática deliberativa de todo o sistema multilateral, ou seja, cada
Estado, um voto e, evidentemente, os países em desenvolvimento detinham a maioria.
O sistema de propriedade industrial, em escala internacional, surgiu em 1883,
quando alguns poucos países firmaram o acordo da Convenção da União de Paris para
a Proteção da Propriedade Industrial
111
, em que se comprometiam a reconhecer as
invenções nacionais ou estrangeiras, assim como as marcas, em seus respectivos
territórios, em troca dos direitos de exploração, pelo inventor, por um determinado
tempo. Dessa forma, concedia tratamento igual, em seus países, a invenções nacionais
ou estrangeiras requisitadas naquele país ou, ao contrário, não contemplava esse
109
A coalizão era liderada pela Levi Strauss e formada, ainda, por Samsonite, Izod, Chanel e Gucci, dentre outras
(SINGH, 2003: 9-10).
110
A OMPI é uma agência especializada das Nações Unidas para a propriedade intelectual, criada em 1967, em
substituição aos
Bureaux Internationaux Réunis pour la Protection de la Propriété Intellectuelle
de 1892.
111
Firmaram o Acordo, em 20 de março de 1883, Brasil, Bélgica, Espanha, França, Itália, Sérvia, El Salvador, Suíça,
Portugal, Guatemala e Holanda.
157
direito nem a nacionais ou estrangeiros (BARBOSA, 1998: 22)
112
. Em troca da
divulgação da invenção, esta tem sua propriedade protegida por determinado período,
por instrumento legal, garantindo o monopólio de sua eventual exploração. Atualmente,
constituem-se três os requisitos necessários para que uma invenção tenha reconhecido
este direito: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Novidade significa que
nada antes, sob qualquer forma, tenha sido descoberto ou revelado que possa permitir
a outrem reproduzir a invenção; atividade inventiva refere-se ao fato de que a invenção
não seja uma decorrência óbvia do estado da técnica, comprovando-se ter havido um
esforço intelectual em sua criação, fato esse que impede que descobertas realizadas
em substâncias ou matérias encontradas em estado da natureza sejam patenteadas e,
por fim, a aplicação industrial diz respeito à escala econômica da invenção, um produto
ou um processo que pode ser reproduzido, em forma industrial e comercial. Assim, a
noção de reconhecimento da propriedade intelectual pressupõe benefícios mútuos em
que inventor e sociedade ganhem. Segundo Barbosa (1999), essa troca propiciaria
uma dinâmica inventiva, pois ao reconhecer a propriedade da invenção, porém
limitando-a a uma temporalidade específica, obrigaria o mesmo inventor a fazê-lo
constantemente, para não correr o risco de ser superado pelos concorrentes. Assim,
conforme o autor, o reconhecimento social da propriedade privada constituiria sua
própria negação (BARBOSA, 1999: 24). Diversas revisões a esse acordo inicial foram
efetuadas
113
, das quais se destacam as de Haia, em 1925 e Estocolmo, em 1967, mas
esses princípios gerais se mantiveram intocados. No âmbito do princípio do tratamento
nacional estabelecido na Convenção e reiterado nas revisões posteriores, cabia às
legislações nacionais definir o que era matéria patenteável e, portanto, alguns países se
davam ao direito de restringir a cobertura da proteção patentária a determinadas
categorias de produtos ou processos, utilizando este mecanismo como estratégia de
política industrial para se capacitarem tecnologicamente, sem necessariamente terem
112
Barbosa ressalta que tais dispositivos não requeriam a uniformização ou adequação das legislações nacionais ao
Acordo, apenas estabelecendo equivalência de direitos a nacionais e estrangeiros em um mesmo Estado nacional,
exemplificando o caso da Suíça, que não concedia patente nem a uns e nem a outros, até por utilizar tal opção como
instrumento de política industrial, ao copiar livremente invenções alemãs, mas tendo a de seus cidadãos concedidas
na Alemanha, pois este país reconhecia-as todas (BARBOSA, 1998: 23).
113
Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967).
158
que pagar por direitos de licenciamento e uso de tecnologias. Afigurava-se, então,
dessa faculdade, a mobilização das grandes indústrias visando a garantir seus
investimentos em pesquisa e desenvolvimento, livres da possibilidade de cópias ou
outros tipos de apropriação sem a devida recompensa.
Em fevereiro de 1980, tinha início, em Genebra, a Conferência Diplomática para
a Revisão da Convenção de Paris, promovida pela OMPI, demandada pelo G-77,
estendendo-se por quatro anos, até março de 1984, opondo radicalmente os membros
da OCDE e o Grupo, capitaneado por Índia e América Latina. A alegação por parte dos
países em desenvolvimento consistia na avaliação da impropriedade das disposições
da Convenção de Paris a seus esforços de desenvolvimento, corroborada pela
UNCTAD, por manter o monopólio dos países desenvolvidos, inviabilizando a
exportação de produtos que detinham algum componente de tecnologia exógena
patenteada. Mesmo não sendo integrante da Convenção de Paris, a Índia propugnou
por sua revisão, junto com o Grupo Andino, que havia reforçado provisões para regular
questões como investimento externo e transferência de tecnologia.
Concomitantemente, a UNCTAD produzia, entre 1974 e 1975
114
, dois relatórios que
encampavam a posição dos países em desenvolvimento e apelava pela revisão da
Convenção em favor deles. Em oposição, os membros da OCDE responderam que o
G-77 não vislumbrara os fatores positivos do sistema, assim como não apoiaram a idéia
da revisão, com algumas exceções
115
, tendo sido os Estados Unidos mais incisivos na
contra-argumentação, ao declararem que a pretensão poderia desestimular a
transferência de tecnologia. A Conferência atravessou por seguidos impasses em
suas diversas sessões, realizadas ao longo dos quatro anos de duração
116
, como
licença compulsória, caducidade e cobertura dos direitos de patente sobre produto
114
O primeiro relatório, intitulado
The Role of Patent System in the Transfer of Technology to Developing Countries
,
foi elaborado em conjunto com a OMPI e o ECOSOC, embora tenha havido versões de que a responsabilidade de
suas afirmações e conclusões coube efetivamente a UNCTAD; já o segundo relatório, de exclusiva autoria da
UNCTAD, intitulava-se
The International Patent System as an Instrument for National Development
.
115
As exceções foram Canadá, Espanha, Portugal, Nova Zelândia, Austrália e Turquia.
116
A sessão inaugural ocorreu em Genebra, em 1980, seguida pela de Nairobi em 1981 e, novamente Genebra em
1982 e 1984.
159
importado, tomando por base o texto da Revisão de Estocolmo de 1967, sem chegar a
qualquer acordo que satisfizesse a todas as partes (SELL, 1998: 107-130)
117
.
No caso dos direitos autorais, regulados pela Convenção de Berna, ou
Convenção da União de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas, de 09
de setembro de 1886, vinha da IBM, simultaneamente à pressão contrária aos acordos
de propriedade industrial, a mobilização empreendida com o objetivo de estender a
proteção dos direitos autorais sobre o software. Ambas as empresas passaram a unir
esforços por meio do GATT’s Advisory Committee on Trade Policy and Negotiation
(ACTPN)
118
, assim como se empenharam na formação de pessoal para o U.S. Trade
Representative (USTR) e na reformulação da Section 301 of the Trade Act
119
, a qual
ampliava o escopo de alcance das sanções aplicáveis a outros países, por meio de
emendas adicionadas em 1984 e 1988. Desta forma, os países que não respeitassem
os direitos de propriedade intelectual perderiam, em conseqüência, os benefícios
tarifários conferidos pelo Sistema Generalizado de Preferências (RYAN, 1998: 68-70;
SELL, 1998: 133). A par, as empresas envidavam esforços no convencimento da
necessidade de se aumentar a proteção conferida pelo instituto da propriedade
industrial, junto ao Congresso e a setores do Executivo, precisamente como meio de
carrear investimentos para os países em desenvolvimento, ou seja, a decisão de
ampliar a esfera de atuação dessas empresas e, de acordo com essa lógica, colaborar
para a produção da riqueza desses países, condicionava-se à garantia de um ambiente
desprovido de risco. Por intermédio de conferências, buscavam demonstrar que a
ausência desse ambiente seguro implicava em prejuízos à competitividade dos Estados
Unidos, por afetar as indústrias intensivas em inovação. Portanto, a partir de meados
117
O Art. 5 quater, que garantia a extensão dos direitos sobre produtos importados no âmbito da União, foi dos que
provocou maior polêmica, pois o reconhecimento da validade de tais direitos impedia a decretação de licença
compulsória para exploração no país e caducidade da patente, porém alguns países em desenvolvimento, como o
Brasil, não aderiram integralmente à Revisão de Estocolmo.
118
Trata-se de órgão consultivo, criado pelo Trade Act de 1974, administrado pelo USTR, composto por
representantes do setor privado, com o objetivo de subsidiar as negociações comerciais norte-americanas.
119
A
Section 301 of Trade Act,
de 1974, confere ao Presidente dos EUA poderes para tomar quaisquer medidas com
vistas a reforçar os direitos americanos garantidos por acordos comerciais, bem como eliminar atos, práticas e
políticas que onerem ou restrinjam os interesses comerciais americanos, permitindo, também, às empresas investigar
ações de governos estrangeiros que ameacem o comércio americano (SELL, 1998: 133).
160
dos anos 1980, intensificava-se a pressão norte-americana pelo reconhecimento de
patentes, em escala global, para todos os setores tecnológicos, incluindo-se o
farmacêutico e a moderna biotecnologia, além da informática, sob influência de
segmentos empresariais norte-americanos, preocupados com o baixo índice de
proteção à propriedade intelectual em países em desenvolvimento e com a perda de
competitividade de seus produtos, diante de nações emergentes, como, por exemplo,
os Tigres Asiáticos (RYAN, 1998: 71; SELL, 1998: 135).
O fiasco da Conferência Diplomática para a Revisão da Convenção de Paris e a
mobilização das grandes indústrias tornaram-se fatores decisivos para que os Estados
Unidos levassem para o âmbito do GATT a questão da revisão dos Acordos
Internacionais de Propriedade Intelectual. Além disso, durante toda a década de 1980,
o país empreendia negociações bilaterais com diversos outros visando à alteração de
suas legislações sobre o tema buscando reforçar a proteção dos diretos de propriedade
intelectual
120
.
Ao lado da temática da propriedade intelectual, outro assunto a preocupar os
países desenvolvidos eram os serviços que, diferentemente do primeiro, não possuíam
qualquer regime internacional ou conjunto de acordos voltados à sua regulação in
totum, tendo sua primeira manifestação, no tocante à junção com o comércio – Trade in
Services – no âmbito da OCDE, que definiu seu escopo conceitual
121
. Como derivados
da ampla revolução tecnológica principiada na década de 1970 (CASTELLS, 2000: 64-
70), com o advento da informática e sua potencial aplicação aos mais diversos campos
da atividade econômica, os serviços otimizaram os recursos e, por conseguinte, os
lucros de setores como o financeiro e o bancário nos países ocidentais e,
particularmente, nos Estados Unidos, configurando-lhes vantagem comparativa
120
Em 1982, os Estados Unidos encetaram negociações junto à Coréia do Sul, México, Cingapura, Taiwan e
Hungria, visando ao reforço das garantias à proteção da propriedade intelectual, por pressão das indústrias, tendo os
três últimos países procedido a alterações em suas respectivas legislações nesse sentido (SELL, 1998: 132).
121
Havia alguns acordos relacionados à natureza técnica de setores específicos como telecomunicações, aviação
civil, fretamento e correios (SINGH, 2003: 12).
161
justamente no momento em que o país via seu déficit comercial crescer. Daí que tal
percepção desencadeou a articulação de interesses de instituições, mormente nos
Estados Unidos e Grã-Bretanha, levando os primeiros a criarem a Interagency Task
Force on Services and the Multilateral Trade Negotiations junto à própria Casa Branca,
bem como setores específicos no Departamento de Comércio e no USTR. A despeito
dessas ações, ainda não havia, por parte do Governo norte-americano, uma agenda
efetiva para o tema, porém, com o agravamento da crise econômica mundial nos anos
1980, atentou-se, segundo cálculos do Departamento de Comércio, que o setor
empregava cerca de 70% do total de empregos e que 10% do total do comércio
mundial de serviços, cujo montante de transações alcançava a cifra de US$ 350
bilhões, cabia aos Estados Unidos, levando a empresas como IBM, American Express e
outras do setor financeiro e de seguros a intensificar a pressão para transformar
serviços como tema de comércio (SINGH, 2003: 12-13).
Nesse contexto, abria-se a 38ª Sessão do GATT, em nível ministerial, em 1982,
com vistas a debater a respeito da proposta de lançamento de uma nova rodada de
negociações multilaterais, com base no arrazoado elaborado pelo Comitê Preparatório,
abrangendo uma lista de trinta temas, que incluíam uma extensão bem maior em
relação àqueles discutidos tradicionalmente até a Rodada Tóquio, o que se poderia
explicar pela excessiva prevalência de interesses de cada Parte Contratante
(SRINIVASAN, 2000:28-29). E diante dos referidos interesses, ocorria a tentativa dos
Estados Unidos de inserir ambos os temas – propriedade intelectual e serviços – na
agenda do GATT, sendo que, no que se referia a serviços, a Comunidade Européia,
excetuada a Grã-Bretanha, vinha um passo atrás, temerosa do poderio norte-americano
no setor e, portanto, defendendo uma abordagem mais lenta (SINGH, 2003: 13).
De pronto, alguns países em desenvolvimento, particularmente Brasil e Índia, se
opuseram frontalmente à qualquer discussão acerca dos dois temas em pauta. Em
relação à propriedade intelectual, e ainda restrito ao tema da contrafação, o argumento
baseava-se na justificativa de ser a OMPI o foro adequado para tratar do tema, uma vez
162
que o GATT não teria competência para deliberar sobre bens intangíveis (BASSO,
2000: 156-157). No tocante a serviços, os mesmos países contestaram a proposição,
igualmente sob o argumento de que o GATT não seria a arena apropriada e que o que
lhes inquietava era o progressivo protecionismo em agricultura e têxteis, bem como
demandavam a implementação dos Acordos da Rodada Tóquio (SINGH, 2003: 13). Já
os países de industrialização recente, particularmente os do Leste Asiático, defendiam
a realização de uma nova rodada, porém com objetivos distintos dos países
desenvolvidos, quais fossem, obter a aplicação efetiva dos princípios do GATT na
busca de acesso a mercados destes últimos que, cada vez mais, ampliavam a escalada
protecionista contra a importação de bens manufaturados (WINTERS, 1990: 1297).
Contudo, a despeito da oposição do grupo que viria a ser liderado por Brasil e Índia, a
Reunião Ministerial de 1982 acabou por considerar a possibilidade de inclusão dos
novos temas e se deliberou para prosseguir a discussão na 40ª Sessão, em 1984
122
.
Nesse ínterim, a dicotomia entre Norte e Sul, predominante nas décadas de 1960
e 1970, começaria a ceder espaço à crescente fragmentação do bloco dos países em
desenvolvimento, embora ainda presente no GATT, como espelho desfocado da
formação do G-77, no Informal Group of Developing Countries
123
. Contudo, as divisões
em seu âmbito acabariam por engendrar uma série de novas coalizões que iriam fugir
ao padrão até então verificado, em virtude dos múltiplos e distintos interesses em
conformidade com os graus diferenciados de desenvolvimento desses países. Além da
manutenção residual da coalizão clássica, voltada contra o Norte, surgiam cruzamentos
de interesses inéditos entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
Assim, construía-se o G-10, como o primeiro tipo, o Café au lait e o Grupo de Cairns,
como o segundo tipo, no decorrer das negociações que levaram ao lançamento da
Rodada Uruguai e durante seu próprio transcurso.
122
Em 1983, o Primeiro-Ministro do Japão, Yasuhiro Nakasone, propôs o lançamento de uma nova rodada,
abrangendo todos os novos temas, porém diante da persistência da posição dos países em desenvolvimento, não se
foi avante (SRINIVASAN, 2000: 29).
123
Comandado pelos chamados Big Five - Argentina, Brasil, Egito, Índia e Iugoslávia
– agregava também Chile,
Jamaica, Paquistão, Peru e Uruguai, mas possuía forte elasticidade, chegando, eventualmente, a contar com as
participações de Israel, Turquia, Espanha ou Grécia (NARLIKAR, 2003: 35).
163
O primeiro caso, o G-10, representava a oposição à introdução dos novos temas,
entoada por Brasil e Índia, principalmente, e acompanhada por outros oito países,
incluindo, assim, os Big Five, a que se somavam Cuba, Nigéria, Nicarágua, Peru e
Tanzânia (NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002: 489), cuja principal ação
consistia nas tentativas de bloquear a entrada dos novos temas e, em decorrência, o
lançamento da nova rodada, igualmente denominada como coalizão de veto
(ALBUQUERQUE, 2000: 14), denotando uma atitude nitidamente defensiva (LIMA,
2000: 79). Além de, marcadamente, se declarar contrário a quaisquer tratativas sobre
os novos temas, recusava-se à interação com as demais coalizões que surgiram no
período (NARLIKAR, 2004: 6).
Narlikar (2003) vislumbra fatores positivos e negativos da atuação do G-10, tanto
no princípio quanto no decorrer da Rodada. De um lado, por levar para o GATT a
politização Norte-Sul que ocorria em outras arenas, mas ali era inédita, revestindo-se tal
ação de dupla importância, sendo a primeira exigir dos outros países que possuíam
agendas opostas respostas de como, por meio de estudos, se entendia Serviços, tanto
para os países desenvolvidos quanto para aqueles pequenos países menos
desenvolvidos e, a segunda, tornar os países em desenvolvimento protagonistas da
nova Rodada. De outro lado, ao partir da perspectiva de bloqueio em direção à
estratégia de redução de danos, incluindo questões que limitassem o alcance do acordo
final, o Grupo conseguiria fragilizar o próprio acordo. Todavia, registrou fracassos como
arrastar para a derrota, dada a amplitude de sua agenda, toda a agenda inicial dos
países em desenvolvimento e, ainda, ao proceder à alteração de sua posição para a
negociação em dois planos – two-track negotiations – considerando-se a criação
posterior da Organização Mundial do Comércio (OMC), tornou possível a retaliação
cruzada (NARLIKAR, 2003: 77).
A segunda coalizão apresentou-se como a mais surpreendente de todas, pois
agregava países desenvolvidos e em desenvolvimento, os quais, aparentemente,
164
deveriam apresentar posições bastante díspares entre si, porém logo se mostraram
suficientemente coesos. Tratava-se do denominado Café au lait, por reunir
fundamentalmente Colômbia e Suíça, originando-se da atividade intermediadora
empreendida pelo Embaixador colombiano Felipe Jaramillo, cuja maior atuação
concentrava-se no tema relacionado a Serviços, o Jaramillo Process, tornando-se
gênese da fórmula de single-issue coalition (NARLIKAR, 2004: 7; SINGH, 2003: 13)
124
.
Originalmente composto por países em desenvolvimento, de início atuava com o G-10,
porém, esse preferiu seguir separadamente, em sua estratégia defensiva
125
. Ainda,
apresentava dois perfis de composição, sendo o primeiro constituído pelos
exportadores de serviços – os Entusiastas – e integrado pelos NIC’s do Leste Asiático,
assim como de outros países que tentavam obter ganhos na negociação, como, por
exemplo, Chile, Colômbia, Uruguai e Jamaica. O segundo grupo era composto de
pequenos países que temiam a exclusão do processo e os conseqüentes custos dessa
situação (NARLIKAR, 2003: 86-87). Quando o G-10 resolveu adotar um caminho
próprio, ao propor um draft que excluía Serviços da agenda de negociações, constituiu-
se como G-20
126
, ao recusar a proposição do primeiro
127
. Evitando reproduzir o
comportamento do G-10 em apresentar um draft próprio e gerar mais impasses,
aproximou-se de outro grupo, o G-9
128
, formado por países industrializados, e a junção
de ambos redundou no Café au lait. Eivado de pragmatismo, buscou aproximar-se do
grupo dos países mais fortes, o QUAD, composto de Estados Unidos, Comunidade
Européia, Japão e Canadá, tendo este último atuado como elemento de entendimento.
124
Segundo Narlikar, a aproximação entre os membros da coalizão foi desencadeada pela necessidade de se
desenvolver estudos e trocas de informações sobre o tema Serviços, tendo sido o Embaixador Jaramillo o escolhido
para coordenar os encontros do grupo e, por conta de sua atuação, logrou estabelecer um vínculo entre os membros,
o qual foi reconhecido pelo GATT em sessão de 1985 (NARLIKAR
for
TUSSIE & LENGYEL, 2002: 489).
125
Nesse momento, o Embaixador colombiano, inclusive, liderava os dois grupos: o
Informal Group of Developing
Countries
e o
Jaramillo Process
(NARLIKAR, 2003: 97).
126
O G-20 era composto por Bangladesh, Chile, Cingapura, Colômbia, Coréia do Sul, Costa do Marfim, Filipinas,
Hong Kong, Indonésia, Jamaica, Malásia, México, Paquistão, Romênia, Sri Lanka, Tailândia, Turquia, Uruguai,
Zaire e Zâmbia (NARLIKAR
for
TUSSIE & LENGYEL, 2002: 489).
127
Narlikar salienta que, de toda forma, não se estabeleceu um confronto entre os dois grupos, exemplificando com o
apoio dado pela Coréia do Sul à posição do Brasil de afirmar junto ao
Prepcom
que, caso não fossem assegurados
compromissos em questões como “standstill and rollback” e salvaguardas, a Rodada nada representaria para os
países em desenvolvimento (NARLIKAR, 2003: 87-88).
128
O G-9 era composto por Austrália, Áustria, Canadá, Finlândia, Islândia, Nova Zelândia, Noruega, Suécia e Suíça,
sendo os participantes europeus então membros da Associação Européia de Livre Comércio.
165
Derivou daí o draft, apresentado por Colômbia e Suíça, ao Comitê Preparatório –
Prepcom – que acabou por viabilizar o lançamento da Rodada Uruguai, ao obter o
apoio da maioria das Partes Contratantes (NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002:
489-490). Buscando ainda mais se distanciar da estratégia desempenhada pelo G-10,
o draft proposto pelo Café au lait destacava que o documento representava a posição
de grande número das Partes Contratantes, assim como o declarava aberto a
sugestões e consultas. Ainda, na perspectiva de cobrir o mais amplamente possível as
premissas das Partes para a negociação, incluía críticas ao protecionismo e
propugnava pela idéia da abertura comercial, como também reiterava o princípio do
tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento, obtendo apoio
dos países desenvolvidos por selar o compromisso de que os países menos
desenvolvidos poderiam vir a fazer concessões na expectativa de que tal procedimento
viesse a melhorar seu desempenho econômico e comercial bem como esperavam
participar mais efetivamente do GATT (NARLIKAR, 2003: 95-96)
129
.
Ainda em 1983, o Diretor Geral do GATT, Arthur Dunkel, designava Comissão
para analisar a viabilidade do lançamento de nova rodada, cujo relatório foi divulgado
em 1985, vindo a receber ácidas críticas dos países em desenvolvimento que, por sua
vez, por meio da Índia, apoiada por 24 Partes Contratantes, apresentava outro texto em
que reiterava a refutação aos novos temas e insistia na discussão de têxteis e nas
questões relativas a “standstill and rollback”
130
. Em contrapartida, a Suécia promovia
reunião em Estocolmo, com a participação de 24 Partes, na qual se deliberou por uma
proposta pela qual se discutiria, de um lado, bens, e de outro, serviços. Enquanto os
Estados Unidos pressionavam mais e mais, inclusive firmando acordos bilaterais nos
129
Em vista da perspectiva de envolver as economias menores, produtoras de bens primários, o draft inseriu temas
para negociação como produtos tropicais, produtos à base de recursos naturais, bem como têxteis e agricultura
(NARLIKAR, 2003: 96).
130
“Standstill and rollback” referiam-se a compromissos de não se estabelecer novas medidas restritivas ou
distorcivas ao comércio, assim como extinguí-las ou adequá-las à conformação das provisões do GATT,
particularmente no que diziam respeito aos países em desenvolvimento.
166
quais já se inseriam os novos temas
131
, a OCDE como um todo intensificava ações no
mesmo sentido. As perspectivas de solução do impasse começaram a se prenunciar
quando o Embaixador suíço articulou o G-9, o qual delineou o draft apresentado ao
Prepcom em junho de 1986. E foi exatamente nesse ponto, a partir da reação do G-10,
que se daria o fracionamento do bloco dos países em desenvolvimento, puxado pelo
Embaixador sul-coreano, juntando o G-20 ao G-9 e, por conseguinte, articulando o Café
au lait, liderado por Colômbia e Suíça (SINGH, 2003: 13-15).
Por sua vez, o Prepcom dispunha de tempo bastante estreito, pois o mandato
estabelecido pelo Conselho do GATT para a apresentação do esboço da nova Rodada
expiraria em 31 de julho de 1986 (BASSO, 2000: 158). Em quatro encontros, o Café au
lait alinhavou o draft proposto para o lançamento da nova rodada, incluindo Serviços e
Propriedade Intelectual e, atendendo às demandas do G-10, incluía a implementação
dos Acordos definidos pela Rodada Tóquio. O G-10, que enfrentara a deserção da
Argentina, apresentou outra proposta excluindo todos os novos temas e esta elaborou
sua proposição isoladamente, na qual admitia a inserção de Serviços, mas não a
referente à Propriedade Intelectual. Por fim, Arthur Dunkel encaminhou as três
propostas ao Ministro das Relações Exteriores do Uruguai, presidente do Encontro
Ministerial de Punta del Este, apontando que a primeira proposição contava com maior
margem de apoio, sendo esta a aprovada por 40 Partes Contratantes (BASSO, 2000:
158; SINGH, 2003: 15)
132
.
Em 20 de setembro de 1986, era lançada a Rodada Uruguai do GATT, a mais
longa e a última da trajetória do Acordo Geral – tendo se estendido por nove anos – por
meio da Declaração de Punta del Este, composta de duas partes, que se dividiam em
Negociação sobre Comércio de Bens (Parte I) e Negociação sobre Comércio em
131
Em 1986, simultaneamente à abertura da Rodada Uruguai, os Estados Unidos firmaram acordo bilateral com a
Coréia do Sul em que o tema da propriedade intelectual constava em seus termos e, no ano seguinte, acordo firmado
com Israel trazia itens sobre Serviços, que demonstravam ser o modelo idealmente requerido para o tratamento do
tema (SINGH, 2003: 14).
132
No último momento, a Comunidade Européia tentaria efetuar uma reversão de posição juntando ao G-10, em
provável descontentamento pela inclusão do tema da Agricultura na Rodada (SINGH, 2003: 15).
167
Serviços (Parte II)
133
, ficando todos os demais temas inseridos na primeira parte,
inclusive Propriedade Intelectual. Em seus Princípios, reiteravam-se o Tratamento
Especial e Diferenciado para países em desenvolvimento, assim como a aplicação dos
compromissos relativos a “standstill and rollback”. Nos temas sujeitos à negociação, no
âmbito da Parte I, encontravam-se os temas tradicionais como Tarifas, Medidas Não-
Tarifárias, mas se introduziam Têxteis e Vestuário, Agricultura, Investimentos, e
Propriedade Intelectual, além de Serviços
134
. No tocante à Propriedade Intelectual,
havia um duplo sentido tanto no enunciado quanto na explanação do tema, pois ao
inserir a questão da contrafação, pareceria que esta última seria a tônica das
negociações e não o tema em sua mais absoluta acepção (SINGH, 2003: 16), como
segue abaixo:
“Trade-related aspects of intellectual property rights, including trade in
counterfeit goods
In order to reduce the distortions and impediments to international trade,
and taking into account the need to promote effective and adequate
protection of intellectual property rights, and to ensure that measures and
procedures to enforce intellectual property rights do not themselves
become barriers to legitimate trade, the negotiations shall aim to clarify
GATT provisions and elaborate as appropriate new rules and disciplines.
Negotiations shall aim to develop a multilateral framework of principles,
rules and disciplines dealing with international trade in counterfeit goods,
taking into account work already undertaken in the GATT.
These negotiations shall be without prejudice to other complementary
initiatives that may be taken in the World Intellectual Property
Organization and elsewhere to deal with these matters”.
135
133
A exclusão de Serviços do âmbito do GATT e a conseqüente definição de seu mandato como item à parte resultou
da ação do G-10, diante da inevitabilidade da admissão do tema na Rodada Uruguai, visando a evitar o cruzamento
das negociações e troca de concessões (MERCADANTE, 1998: 417; ABREU, 2001: 94).
134
Cf. General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), Punta Del Este Declaration, Ministerial Declaration of 20
September 1986
. Disponível em http://www.sice.oas.org/trade/Punta_e.asp
135
Cf.
General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), Punta Del Este Declaration, Ministerial Declaration of 20
September 1986, Trade-related aspects of intellectual property rights, including trade in counterfeit goods.
Disponível em http://www.sice.oas.org/trade/Punta_e.asp
168
O entendimento ambíguo dos termos referentes à Propriedade Intelectual da
Declaração foi gerando impasses sucessivos, no decurso das negociações, pois, de um
lado, os países desenvolvidos se colocaram completamente unívocos enquanto os
países em desenvolvimento ainda despertavam para o alcance do que, afinal,
conformava a agenda envolvendo o tema (SINGH, 2003: 16). Ao mesmo tempo, a
articulação dos segmentos empresariais se mantinha ativa, sob a liderança da IBM e
Pfizer, por meio da construção de uma ampla coalizão, materializada no Intellectual
Property Committee (IPC)
136
, o qual dispunha de pessoal especializado para atuar junto
a Washington e Genebra. No âmbito dos direitos autorais e copyrights, outra coalizão
era formada, a International Intellectual Property Alliance (IIPA), agregando editoras,
gravadoras e empresas dos ramos de entretenimento e informática, mais voltada, no
entanto, para pressionar pelo reforço das legislações dos países em desenvolvimento,
por meio dos acordos bilaterais (RYAN, 1998: 69-70)
137
. Visando a fortalecer sua
posição e estender a articulação a suas congêneres européia e japonesa, a UNICE e a
Keidanren
138
, com as quais o IPC promoveu sucessivos encontros para estruturar suas
propostas, finalizadas no Basic Framework of GATT Provisions on Intellectual Property,
lançada em junho de 1988, a qual foi imediatamente apoiada pelos países
desenvolvidos. No entanto, vale salientar que a única divergência havida entre a
posição da coalizão norte-americana frente às de Europa e Japão residiu na questão da
licença compulsória, em que a primeira, por força dos interesses das indústrias
farmacêuticas dos Estados Unidos que não queriam efetuar concessões a respeito, em
hipótese alguma, posição essa que acabou atenuada (SINGH, 2003: 16-17).
136
A coalizão abrangia, além das duas empresas já mencionadas, a Merck, General Electric, DuPont, Warner
Communications, Hewlett-Packard, Bristol-Myers, FMC Corporation, General Motors, Johnson & Johnson,
Monsanto e Rockwell International (RYAN, 1998: 69).
137
Formavam a IIPA a American Association of Publishers, Motion Picture Association of America, Recording
Industry Association of America, American Film Marketing Association, National Music Publishers’ Association,
Computer and Business Equipment Manufacturers Association, a qual aderiram posteriormente o consórcio The
Business Software Alliance e um grupo de companhias de videogame, a Interactive Digital Software Association
(RYAN, 1998: 70).
138
Union des Industries de la Communauté Européenne
e Federação de Negócios do Japão, respectivamente.
169
Enquanto a posição dos países desenvolvidos cada vez mais se tornava una e
forte, buscando dilatar o alcance do mandato definido pela Declaração Ministerial,
englobando todos os temas relacionados à propriedade intelectual – patentes, marcas,
direitos autorais, desenhos, indicações geográficas e segredos comerciais – os países
em desenvolvimento, particularmente o G-10, perceberam que se havia extrapolado o
que entendiam configurar a agenda inicial, isto é, contrafação. Especificamente Brasil e
Índia evocaram protestos contra a proposta dos países desenvolvidos, assim como
tentavam excetuar patentes farmacêuticas e de produtos alimentícios do escopo do
acordo, mas raros apoios angariaram entre os próprios países em desenvolvimento,
temerosos da pressão dos Estados Unidos em particular
139
. Até Montreal, em 1988,
nenhuma possibilidade de consenso havia sido alcançada e três propostas foram
encaminhadas, respectivamente a do Brasil, da Suíça e dos Estados Unidos, tendo
anteriormente sido repelido texto intermediário proposto pela Suécia, considerado
demasiadamente brando pelos Estados Unidos, mas extremamente rigoroso pelo
Brasil. Já na Conferência de Mid-Term Review, em Montreal, em dezembro de 1988,
Brasil e Índia começaram a flexibilizar sua rígida posição, facilitando o entendimento
durante a sessão do Trade Negotiations Council (TNC), em abril de 1989 (SINGH,
2003: 18).
Nesse percurso, enquanto em Propriedade Intelectual a agenda se expandia
tendo em vista os interesses dos países desenvolvidos, em Serviços acontecia o
movimento oposto, pois se os interesses ocidentais se retraíam, receosos de um acordo
de grande amplitude, os países em desenvolvimento começaram a vislumbrar possíveis
ganhos, como, por exemplo, regulação do movimento de mão-de-obra. Ou seja, no
âmbito do Grupo de Negociações em Serviços (GNS)
140
, os países em desenvolvimento
139
Os Estados Unidos mantinham a escalada de pressões bilaterais, invocando a
Section 301
e abrindo listas de
investigações, em ritos sumários, sobre práticas consideradas danosas aos direitos de propriedade intelectual,
arrolando inicialmente Coréia do Sul, Brasil, Índia, Taiwan, México, China, Arábia Saudita e Tailândia, tendo esta,
inclusive, perdido os benefícios do SGP (RYAN, 1998: 78).
140
Ainda em 1987, a despeito das dificuldades iniciais no processo negociador, o GNS tomou a si o desempenho de
cinco atividades, quais fossem, definição conceitual e levantamento estatístico sobre Serviços; admissão dos
conceitos de tratamento nacional, Cláusula da Nação mais Favorecida, e transparência; relação de setores que seriam
170
passaram a adotar um perfil mais atuante e propositivo, contribuindo para a definição
de termos e princípios, o que não impedia que houvesse eventuais manifestações
contra pressões precipitadas por parte daqueles. A consolidação da mudança de
posição dos países em desenvolvimento, particularmente de Brasil e Índia, viria a se dar
pelas guinadas em direção à abertura econômica, a partir do fim da década de 1980,
que acarretaram na maior penetração das empresas estrangeiras de serviços nos
mercados agora disponíveis, daí a percepção da necessidade da regulação do setor.
Em contrapartida, os países desenvolvidos, que haviam forçado a inserção do tema no
campo das relações comerciais internacionais, visando à liberalização, passavam a
defender necessidade de regulação do setor, tendo os Estados Unidos apresentado
proposta para debate que dava conta da liberalização gradual do tema como um todo,
porém previa a possibilidade de arranjos próprios para setores específicos
141
. Todas
essas atenuantes, vindas tanto de uma parte quanto de outra, acabaram por propiciar,
às vésperas de Montreal, a iminência de um acordo, mesmo havendo dezenas de
propostas à mesa.
Entre Montreal e Bruxelas, ou seja, entre 1989 e 1990, foram pré-definidos
alguns termos do Acordo sobre Serviços, como a divisão entre os modos de
fornecimento
142
e a extensão dos princípios comerciais como tratamento nacional e
acesso a mercados. Persistiam, ainda, as questões relativas à aplicação da Cláusula
cobertos pelo acordo; inventário de acordos internacionais já então existentes; levantamento de medidas de incentivo
ou obstáculos ao comércio em serviços e, em 1988, deliberou-se que serviços poderiam ser fornecidos por meio de
diversas modalidades de prestação como movimento de consumidores, fornecedores, organizações comerciais e
fluxos transfronteiriços (SINGH: 2003, 19).
141
Um estudo elaborado pelo
Office for Technology Assessment
considerava que os Estados Unidos mantinham sua
posição de competitividade em alguns ramos de Serviços, como telecomunicações e informação tecnológica, mas
vinha perdendo espaços em outros setores como bancos, finanças, engenharia e construção (SINGH, 2003: 19).
142
A versão final do GATS definiu quatro modalidades de prestação de serviços: a)
cross border supply
: movimento
do produto do serviço através da fronteira, ou seja, do território de um Membro para qualquer outro Membro ou
transfronteira; b) consumption abroad: movimento do consumidor através da fronteira, ou seja, dentro do território
de um Membro para o de qualquer outro Membro ou serviços de consumo no exterior; c)
commercial presence
:
presença comercial do prestador, ou seja, prestador de serviço de um Membro, através de presença comercial no
território de qualquer outro Membro; e d) presence of natural persons: movimento temporário de pessoa física, ou
seja, prestação de serviço de um Membro, por meio de presença de pessoa natural desse Membro no território de
qualquer outro Membro ou presença de pessoas físicas (MERCADANTE, 1998: 418).
171
MFN e à inclusão dos setores a constar do futuro Acordo, sendo que os países em
desenvolvimento buscavam introduzir itens que, de alguma forma, pudessem a vir
beneficiá-los, articulando coalizões nesse sentido, mormente no que dispunha sobre
movimentação de trabalhadores não qualificados. Assim sendo, o GNS debruçou-se
sobre o arrolamento de setores específicos que integrariam o Acordo, por meio de
testes que vieram a reduzir a listagem inicial de treze setores e de mais de uma centena
de subsetores, e fizeram perceber as limitações de aplicação do Acordo. Outra questão
a suscitar polêmica referia-se ao processo de liberalização, em que os Estados Unidos
pleiteavam pela forma de lista negativa (top down), segundo a qual os países definiriam
quais setores e subsetores manteriam ainda protegidos, enquanto a Comunidade
Européia, apoiada pelos países em desenvolvimento defendiam a lista positiva (bottom
up), ou seja, os setores que os países se comprometeriam a liberalizar, posição essa
que acabou por prevalecer na versão final do Acordo, o qual, por proposta de Estados
Unidos, Suíça, Nova Zelândia e Coréia do Sul, visando a permitir cobertura ampla de
setores e compromissos específicos, tomou a denominação definitiva de General
Agreement on Trade in Services (GATS).
E, se de um lado, os países em desenvolvimento reivindicavam a extensão de
tratamento especial e diferenciado, de outro, os países desenvolvidos requeriam a
exclusão de alguns setores e subsetores, como, por exemplo, a Comunidade
Européia
143
e os próprios Estados Unidos
144
, ressaltando-se a ironia de que no início do
processo eram os países em desenvolvimento aqueles reticentes em negociar o tema
Serviços (SINGH, 2003: 22-23).
Finalmente, em julho de 1990, o Embaixador colombiano Felipe Jaramillo
elaboraria um draft, repleto de parênteses, ou seja, ressalvas, que tentava conceber
143
O exemplo mais notório de solicitação de exclusão de subsetores específicos referiu-se ao audiovisual, pelo qual a
Comunidade Européia, por demanda da França, obteve introduzir o princípio da exceção cultural, pelo qual mantinha
a prerrogativa de legislar sobre políticas de acesso a mercado cultural e subsídios à produção, fora do alcance do
GATS (SINGH, 2003: 22; ALBUQUERQUE & SANTOS, 2003: 40).
144
Da mesma forma, os Estados Unidos, devido ao reduzido nível de coesão doméstica, propuseram a derrogação da
Cláusula MFN para os ramos de fretamento, aviação civil e telecomunicações básicas (SINGH, 2003: 22).
172
uma síntese do Acordo, o qual enfrentou uma série de objeções, tanto dos Estados
Unidos quanto dos países em desenvolvimento, notadamente Índia, Brasil e Egito,
sendo que estes alegaram que a proposta extrapolava o mandato negociador
145
. Nos
anos imediatamente seguintes à reunião de Bruxelas, os debates em torno da extensão
da Cláusula MFN e dos compromissos setoriais mantiveram-se predominantes na
agenda de negociações. Em relação ao primeiro assunto, alguns países requeriam
isenções sobre a aplicação da Cláusula, mas os Estados Unidos se mantinham
irredutíveis, alegando que não a concederiam para países que efetuassem ofertas
setoriais seguras. Quanto aos compromissos setoriais, o grande complicador residia no
de telecomunicações, que acabou sendo empurrado para adiante, tendo sido concluído
apenas em 1997. Ademais, um dos setores mais polêmicos consistiu no de audiovisual,
que tinha a oposição da Comunidade Européia contrária aos interesses dos Estados
Unidos que lutavam pela abertura do setor e, nesse aspecto, a Índia se colocou ao lado
destes enquanto o Brasil se posicionou junto à Comunidade (SINGH, 2003: 24-25).
Ao fim, o Acordo GATS, composto de 29 artigos, admitiu a extensão da Cláusula
MFN, porém ressalvadas as isenções, constante na chamada Lista Nacional que cada
Membro define, aplicando, ainda, os princípios de tratamento nacional, transparência,
liberalização progressiva e tratamento especial e diferenciado para países em
desenvolvimento (MERCADANTE, 1998: 420-422).
Entre 1989 e 1990, se as coalizões se embaralhavam em Serviços, em
Propriedade Intelectual permaneciam claramente estruturadas entre países
desenvolvidos e países em desenvolvimento. Contudo, as posições radicalmente
contrárias do G-10 relativas ao tema começavam a esmaecer, dadas a vulnerabilidade
econômica de alguns e a pressão constante dos Estados Unidos em nível bilateral,
afora a ampliação da prevalência da abertura econômica, especialmente em Brasil e
Índia, então lideres do Grupo, passando a operar no âmbito de uma estratégia de
145
O próprio Embaixador Jaramillo, em nome pessoal, encaminhou o draft que, no entanto, acabou atropelado pelas
manifestações ocorridas durante o encontro de Bruxelas contrárias às negociações agrícolas, que inviabilizaram a
reunião (SINGH, 2003: 23).
173
redução de danos, ou seja, buscando obter concessões que trouxessem alguns ganhos
e menores perdas (SINGH, 2003: 20; ABREU, 2001: 94; ALBUQUERQUE, 2000: 14).
Esses dois fatores, que acarretaram em alterações das posições de Brasil e Índia, são o
que Ostry (2000) classifica de dimensões bilateral e unilateral presentes nas barganhas
que influenciaram os resultados da Rodada, além da multilateral, ou seja, escolher
entre sofrer as sanções dos Estados Unidos e aceitar um acordo multilateral, essa se
tornou a melhor opção, além da própria virada das políticas econômicas forjadas por
países vulnerabilizados pelo peso das dívidas, aderindo aos novos paradigmas dos
anos 1990 (OSTRY, 2000: 3-4). Assim sendo, Brasil e Índia apresentavam sucessivas
proposições relacionadas ao tratamento da licença compulsória, ou a patentes
farmacêuticas ou a prazos de vigência do futuro acordo e questões pertinentes às
necessidades de desenvolvimento, bem como ainda tentavam transferir o tema para o
escopo da OMPI. Embora ainda restassem inúmeras divergências, em fins de 1989, as
negociações apresentavam alguma possibilidade de consenso, ainda que os países em
desenvolvimento preferissem protelar a conclusão de um acordo, tendo em vista a
possível barganha com as negociações relativas à Agricultura e a Têxteis, emperrando
o andamento do processo. A reação dos países desenvolvidos não tardaria, pois,
visando a apressar o resultado, Estados Unidos, Comunidade Européia, Japão e Suíça
apresentaram esboço de acordo final em março de 1990, motivando, logo a seguir, uma
contraproposta, elaborada com a ajuda da UNCTAD, submetida por quatorze países
em desenvolvimento
146
, denominada Talloires text
147
, a qual, porém, mais buscava
alcançar alguns ganhos relativos à interpretação dos Artigos 7 e 8
148
do futuro Acordo,
do que configurava uma oposição veemente. A partir daí, constituiu-se o grupo 10 + 10
(divisão igualitária entre países desenvolvidos e em desenvolvimento), onde estes
últimos conseguiram arrancar algumas concessões, cedendo igualmente em um ponto
146
Argentina, Brasil, Chile, China, Colômbia, Cuba, Egito, Índia, Nigéria, Paquistão, Peru, Tanzânia, Uruguai e
Zimbábue (SINGH, 2003: 21).
147
A denominação do documento deveu-se ao nome da cidade onde foi discutido, próxima a Genebra (SINGH,
2003: 21).
148
Os Artigos citados referem-se à definição dos Objetivos e Princípios do Acordo.
174
ou outro
149
. Juntos, os 10 + 10 produziram cinco propostas que foram incorporadas ao
draft que seria discutido na reunião de Bruxelas, a qual acabou em fiasco por causa do
impasse relacionado ao tema da Agricultura (SINGH, 2003: 20-22).
Nos derradeiros meses de 1991, praticamente todo o acordo de Propriedade
Intelectual já se encontrava finalizado, sendo realizado o último encontro do grupo em
18 de dezembro. Nesse período, os países em desenvolvimento, apoiados pela
Comunidade Européia, obtiveram concessões adicionais, como a ampliação do período
de transição para a implementação do acordo que foi estipulado entre cinco a dez anos,
dependendo do grau de desenvolvimento do país. Em contrapartida, os Estados
Unidos forçaram a adoção do instituto do pipeline
150
e, em troca, Comunidade Européia
e Índia propuseram a concessão de Exclusive Marketing Rights
151
por cinco anos se o
produto fosse materializado anteriormente à concessão ou indeferimento da patente
(SINGH, 2003: 24).
Assim, dentre os acordos e anexos que vieram a estabelecer as novas regras do
comércio internacional, já em um panorama da chamada “globalização” ou “economia
global”, resultantes da Rodada Uruguai, encerrada em Marrakesh em 1994, firmou-se o
Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights Agreement (TRIPS), abrangendo
direitos do autor e direitos conexos, patentes, marcas, indicações geográficas,
desenhos industriais, topografias dos circuitos integrados, proteção de informação
confidencial e contratos de licenças de tecnologias. Sua gênese derivou do
149
Nesse caso, a Índia propôs aliar uso governamental e licença compulsória em troca de desistir de se opor ao tema,
obtendo o apoio de Estados Unidos, Comunidade Européia, Japão e Canadá, inserindo-se o arranjo no acordo final
(SINGH, 2003: 21).
150
O instituto do
pipeline
foi introduzido no Acordo visando a garantir proteção patentária retroativa à sua vigência,
em países que, anteriormente, não a concediam tanto para produtos farmacêuticos quanto para produtos químicos
para a agricultura, desde que os detentores da tecnologia tivessem efetuado o pedido no país de origem, buscando
garantia ainda na fase de pesquisa e desenvolvimento, contando a data da prioridade para efeito da retroatividade,
conforme disposto no Artigo 70.8 do Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights Agreement (TRIPS)
(SILVEIRA, 1998: 202).
151
Também aplicável a patentes farmacêuticas, dispunha que deveriam ser garantidos, por países que à época da
entrada em vigor do Acordo não concedessem proteção patentária ao setor, direitos exclusivos de comercialização
até que se concedesse ou se indeferisse o pedido, visando a evitar a concorrência de produtos similares, incorporado
ao Acordo pelo Artigo 70.9 (SILVEIRA, 1998: 203).
175
entendimento, entre os países desenvolvidos, de que o sistema de proteção à
propriedade intelectual enfeixado pela OMPI já não dava mais conta da complexa rede
de interesses do comércio internacional verificado a partir dos anos 1970,
principalmente aqueles relacionados às empresas transnacionais, preocupadas com a
ampla proteção das tecnologias por elas desenvolvidas (BASSO, 2000: 159).
A despeito da desconfiança inicial dos países em desenvolvimento, os temas de
relevante interesse para estes acabaram por ser inseridos nas negociações da Rodada
Uruguai, como Agricultura e Têxteis. Nesse primeiro tema, igualmente se desenhou
uma coalizão que escapava aos moldes tradicionais compelidos pela divisão Norte-Sul,
com o estabelecimento do chamado Grupo de Cairns
152
, pouco antes da abertura da
Rodada, em agosto de 1986
153
, formado então por dezoito países exportadores, que
aglutinava tanto países desenvolvidos quanto países em desenvolvimento
154
. Tinha
como perspectiva, pressionar pela efetiva incorporação do tema às regras do GATT
que, historicamente, por força principalmente da obstrução dos países da Europa
Ocidental, secundados pelo Japão, foi mantido à margem das negociações e repleto de
exceções (HIGGOTT & COOPER, 1990: 591)
155
. A iniciativa de arregimentar esse
grupo de países partiu da Austrália que, logo, assumiu-lhe a liderança, com o intuito de
alçar o tema de uma discussão técnico-burocrática para uma dimensão política da qual
não se pudesse esquivar, tendo em vista os interesses dos países desenvolvidos
quanto à inserção dos novos temas. A motivação fundamental teria sido em reação à
queda dos preços do mercado agrícola ocasionada pela proliferação de subsídios,
152
A denominação do grupo se deveu ao fato de que seu primeiro encontro se deu na cidade de Cairns, estado de
North Queensland, Austrália.
153
Encontros prévios, ainda sem intenção de formar uma coalizão foram realizados em Montevidéu, com a
participação de Argentina, Austrália, Brasil, Nova Zelândia e Uruguai, em abril de 1986, seguido por outro ocorrido
em Pattaya, Tailândia, em julho, contando com mais países (NARLIKAR, 2003: 129).
154
Formaram inicialmente o Grupo de Cairns Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa
Rica, Filipinas, Fiji, Guatemala, Hungria, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Tailândia e Uruguai, sendo
que, em 1998, a Hungria se retiraria devido à admissão de sua candidatura à União Européia, enquanto Fiji, por força
de sua vinculação ao Grupo ACP e por ser beneficiário do Protocolo do Açúcar da Convenção de Lomé, encontra-se
virtualmente excluído, face ao antagonismo das duas situações; a África do Sul foi admitida em 1997 e o Paquistão
em 2005.
155
A exceção mais notória era a relacionada ao Artigo XVI do GATT, que vedava o emprego de subsídios a
exportações, menos para produtos primários.
176
realçada pela decisão tomada, no Governo Reagan, de ampliar o Export Enhancement
Program
156
, em meados de 1986, ao vender trigo subsidiado à União Soviética,
construindo uma coalizão de produtores médios que não subsidiavam as exportações
agrícolas, envolvendo países de todas as regiões do globo que eram, ao mesmo tempo,
prejudicados pela política norte-americana, conclamando por uma ação coletiva
(HIGGOTT & COOPER, 1990: 611-612; THIES, 2003: 414)
157
. Com efeito, até o
lançamento da Rodada Uruguai, apenas 55% das tarifas aplicadas pelos países
desenvolvidos e 18% pelos países em desenvolvimento, incidentes sobre o comércio
agrícola, encontravam-se consolidadas e, a par, desde a crise do mercado agrícola, nos
anos 1980, ocorrera o emprego generalizado de medidas não-tarifárias, como taxas
variáveis sobre importações, estabelecimento de quotas, preços mínimos de importação
e restrições voluntárias às exportações (MATTHEWS, 2001: 79; GIFFORD, 2003: 2).
Outro fator que teria desencadeado a formação do Grupo teria sido a recusa da França
em chancelar o draft que lançaria a Rodada, o qual, inclusive, já havia sido endossado
pela Comunidade Européia, por temer que viesse a acarretar em compromissos
efetivos de liberalização agrícola (NARLIKAR, 2003: 129).
A primeira reunião do Grupo definiu, de um lado, um escopo de intenções que
pregava a plena integração do tema da Agricultura ao âmbito do GATT, por meio do
fortalecimento e da implementação de disciplinas e regras efetivas pertinentes ao tema.
Por outro lado, criticava a superficialidade com que certos itens, como subsídios
agrícolas e ajustes de políticas internas, estavam sendo tratados. Ainda, enfatizavam a
importância de uma aliança tácita com os Estados Unidos, visando a estabelecer uma
frente comum contra a Comunidade Européia, conforme trechos da Declaração Final do
encontro, lançada em 27 de agosto de 1986, transcritos abaixo:
156
O Export Enhancement Program foi criado em 1985, pelo Governo Reagan com o propósito de subsidiar os
agricultores norte-americanos, visando a enfrentar a competição dos países subsidiadores, mormente a Comunidade
Européia, por meio de pagamento bonificado, propiciando aumentar a venda de produtos americanos a preços abaixo
dos custos de exportação com o objetivo de ganhar mercados.
157
Nas palavras do Primeiro-Ministro australiano Bob Hawke, cabia formar um grupo constituído por países com
interesses comuns, em uma perspectiva de atuação de longo prazo (HIGGOTT & COOPER, 1990: 612).
177
“Ministers agreed that there was an urgent need to reform and liberalise
agricultural trade so as to improve the economic prospects of all
participating countries.
(…)
Ministers emphasised the importance of the MTN negotiations addressing
agricultural trade issues as a high priority. In this context they undertook
to seek the removal of market access barriers, substantial reductions of
agricultural subsidies and the elimination, within an agreed period, of
subsidies affecting agricultural trade.
Ministers expressed the view that the preparations made in Geneva to
develop a draft ministerial declaration to launch a new round of
negotiations had achieved progress in several areas and reflected many
of the concerns which needed to be addressed. Deficiencies remain,
however, including the inadequate treatment of agricultural subsidies and
the lack of a specific reference to domestic agricultural adjustment
policies.
(…)
In particular they welcomed the statement by the observer from the United
States that the United States' objectives in the negotiations will include
‘the phase out of all export subsidies affecting trade in agriculture and of
all other measures that restrict access and distopt trade in agricultural
products’.”
158
As posições delineadas quando das démarches para o lançamento da Rodada
Uruguai no campo da Agricultura distinguiam-se entre os adeptos de uma reforma
radical e os que preconizavam uma liberalização comercial, sendo que os primeiros
exigiam que todos as Partes se submetessem a todas as normas, revogando as
exceções especiais, bem como a eliminação de todas as distorções relativas ao
comércio agrícola e o fim dos subsídios às exportações. Nesse momento, os Estados
Unidos, apoiados pelo Grupo de Cairns, divulgavam proposta, denominada de “opção
zero”, pela qual seriam eliminados, num prazo de dez anos, subsídios domésticos,
tarifas sobre importações e subsídios às exportações (HIGGOTT & COOPER, 1990:
158
Cf. 1st Cairns Group Ministerial Meeting - Ministerial Meeting of Fair Traders in Agriculture, Cairns, Australia
27 August 1986
. Disponível em http://www.cairnsgroup.org/meetings/min01_declaration.html
178
612; THIES, 2001: 415)
159
. Aqueles que defendiam a liberalização progressiva –
Comunidade Européia e Japão fundamentalmente – pressupunham a manutenção dos
direitos dos países de adotar políticas agrícolas internas de acordo com seus
respectivos interesses agrícolas como, ainda, lutavam pela redução gradual do nível de
proteção pela ampliação das cotas de importação, redução de tarifas e barreiras não-
tarifárias. Tal perspectiva se devia à crescente oferta de produtos agrícolas e à
conseqüente depreciação de preços, fazendo aumentar a onda protecionista. No
embate entre os adeptos de uma reforma radical e os que preconizavam uma
liberalização comercial, os primeiros acabaram por vencer, devido à ação do Grupo de
Cairns e o apoio dos Estados Unidos (DE MATTIA & BARBAGALO, 1998: 272-273;
HIGGOTT & COOPER, 1990: 615). No ano seguinte, em 1987, o Grupo apresentaria,
junto ao Grupo de Negociações Agrícolas, proposta diferenciada em relação à opção
zero norte-americana, considerando a hipótese de diminuição da pressão inicial por
meio do congelamento de restrições de acesso a mercados, caracterizando, com tal
procedimento, sua passagem de coalizão de agenda-setting para de negociação
(NARLIKAR, 2003: 130).
Assim, os termos constantes da Declaração que lançou a Rodada, no tocante à
Agricultura, preconizavam que:
“The CONTRACTING PARTIES agree that there is an urgent need to
bring more discipline and predictability to world agricultural trade by
correcting and preventing restrictions and distortions including those
related to structural surpluses so as to reduce the uncertainty, imbalances
and instability in world agricultural markets.
Negotiations shall aim to achieve greater liberalization of trade in
agriculture and bring all measures affecting import access and export
competition under strengthened and more operationally effective GATT
rules and disciplines, taking into account the general principles governing
the negotiations by:
(i) improving market access through, inter alia, the reduction of import
barriers;
159
Thies salienta que os Estados Unidos fizeram a proposta de opção zero, contando com o apoio de seus produtores
domésticos, porém cientes de antemão que a Comunidade Européia jamais a aceitaria (THIES, 2001: 415).
179
(ii) improving the competitive environment by increasing discipline on the
use of all direct and indirect subsidies and other measures affecting
directly or indirectly agricultural trade, including the phased reduction of
their negative effects and dealing with their causes;
(iii) minimizing the adverse effects that sanitary and phytosanitary
regulations and barriers can have on trade in agriculture, taking into
account the relevant international agreements.”
160
Segundo Subedi (2003), pode-se inferir que, tendo em vista os termos da citada
Declaração, não havia elementos nela que defendessem uma liberalização imediata ou
uma eliminação abrupta dos subsídios, mas sim a inauguração de negociações visando
à liberalização gradual Embora, aparentemente, haja uma contradição com as
avaliações empreendidas pelos autores referidos logo anteriormente, tal impressão é
desfeita quando arrola os diversos significados que a Declaração comportava,
enfatizando seus impactos para os países em desenvolvimento. Desta forma, exalta,
primeiramente, a importância de ter trazido para o GATT uma área comercial de largo
alcance, qual fosse, o comércio agrícola; em segundo lugar, considera que se permitiu
vislumbrar maior avanço para os países em desenvolvimento que procuravam ampliar o
acesso a mercados dos países desenvolvidos; em terceiro, destaca que os países
desenvolvidos aceitaram a inclusão da Agricultura em troca da aceitação de Comércio
em Serviços, reforçando o poder de barganha dos países em desenvolvimento e, por
último, a inserção do tema sob a égide do GATT conferia maior relevância para os
países em desenvolvimento com vistas à formulação de um sistema comercial mundial
mais inclusivo e abrangente, por contar com a participação efetiva e real de mais países
(SUBEDI, 2003: 32).
Em termos substantivos, os três principais atores do processo de negociação
agrícola vieram a definir as três principais agendas referentes à Agricultura, envolvendo
redução de subsídios domésticos, redução de subsídios às exportações e a
160
Cf. General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), Punta Del Este Declaration, Ministerial Declaration of 20
September 1986, Agriculture
. Disponível em http://www.sice.oas.org/trade/Punta_e.asp
180
transformação de barreiras não-tarifárias em barreiras tarifárias, ou tarificação, com
perspectivas futuras de redução. Em relação ao primeiro item da agenda, a
Comunidade Européia oferecia uma redução de 30% enquanto os Estados Unidos
requeriam 75%, além de 90% para os subsídios às exportações, os quais, por sua vez,
eram condicionados à negociação pela Comunidade como decorrência de eventual
acordo sobre o primeiro item (THORSTENSEN, 1992: 97).
A tomada de posição do Grupo de Cairns no processo negociador, articulada por
meio de mecanismos coletivos de consulta, coordenação e ação, buscava destacar que
o tema da Agricultura era o eixo central da Rodada, sem o que não ocorreriam
progressos nas demais áreas mandatadas (GIFFORD, 2003: 2). Tanto assim que, se
até Montreal, em Agricultura nenhuma perspectiva de acordo havia sido aventada, por
conta do conflito reinante entre Estados Unidos, que visavam a eliminar todos os
subsídios distorcivos ao comércio agrícola, e Comunidade Européia, que não
demonstrava qualquer sinalização ou disposição de proceder a alterações na Política
Agrícola Comum (PAC), em abril de 1989, quando diversos outros temas já haviam
desbastado alguns pontos de divergência, alguns membros do Grupo de Cairns, em
sua maioria latino-americanos, ameaçaram paralisar por completo a Rodada caso
algum progresso não fosse alcançado (WINTERS, 1990: 1299; OSTRY, 2000: 2).
Porém, ainda em julho, o impasse permanecia, quando o draft elaborado pelo Chairman
do Grupo de Negociações Agrícolas veio a incorporar as posições advogadas pelos
Estados Unidos e pelo Grupo de Cairns
161
, o qual foi recomendado para análise aos
negociadores dos países participantes do Encontro de Cúpula do G-7, realizado em
Houston, entre 09 e 11 de julho, conforme deliberação divulgada a seu final que
buscava aproximar as posições conflitantes, por meio de jogo de palavras, de modo
que cada um viesse a interpretá-las conforme seus interesses, embora a ênfase do
161
O referido draft assumia as posições defendidas pelos Estados Unidos e pelo Grupo de Cairns, no que dizia
respeito à eliminação rápida dos subsídios às exportações e à conversão tarifária (WINTERS, 1990: 1300).
181
texto implicasse no enfraquecimento da posição européia, viabilizando a continuidade
da Rodada (WINTERS, 1990: 1299-1300)
162
.
Em boa parte, a articulação das posições do Grupo de Cairns com os Estados
Unidos era efetuada pelo Canadá, o que garantia, igualmente, a proeminência da
temática da liberalização agrícola no âmbito das reuniões do G-7 e da OCDE, dentro do
que se compreendia uma estratégia de atuação do Grupo de dividir tarefas em espaços
e fóruns onde seus membros detivessem maior atuação e desenvoltura. Assim, além
da ação empreendida pelo Canadá, aos países em desenvolvimento cabia enfatizar as
preocupações e a permanência da temática agrícola nas demais organizações
internacionais como a FAO e a UNCTAD, por exemplo. Já a Austrália, como líder do
Grupo, articulava sua consolidação, buscando dotar-lhe de coerência, por meio do
exercício de atividades coordenadoras, até mesmo por considerar ser o GATT a sua
única opção para obter ganhos em acordos comerciais, não levando em conta, à época,
a perspectiva de celebração de acordos bilaterais. Dada a heterogeneidade de sua
composição, não se constituía tarefa simples manter a coesão do Grupo, pois, de um
lado, haveria constrangimentos por parte dos países em desenvolvimento em conviver
com países desenvolvidos e, de outro, estes priorizavam a necessidade de tratamento
especial e diferenciado
163
. Outro motivo a semear a cizânia no Grupo era a posição
canadense que, embora desempenhando o papel de elo com os países desenvolvidos,
diversas vezes não vinculava a retórica à prática em suas políticas comerciais como,
por exemplo, a falta de cumprimento aos princípios relacionados a “standstill and
rollback”, assim como refutava arcar com os custos de mobilização internacional
162
Efetivamente, os termos contidos nos parágrafos referentes à Agricultura, no âmbito da parte relativa ao Sistema
Comercial Internacional, acentuavam que “...The outcome of the GATT negotiations on agriculture should (...)
ensure that agricultural policies do not impede the effective functioning of international markets” (§ 21) e, ainda, que
“...The achievement of this objective requires each of us to make substantial, progressive reductions in support and
protection of agriculture--covering internal regimes, market access, and export subsidies…” (§ 22). Cf.
Houston
Economic Declaration July 11, 1990 G-7 Summit: Houston, July 9-11, 1990
. Disponível em
http://www.g8.utoronto.ca/summit/1990houston/communique/trade.html
163
Os autores citam os casos de Brasil – membro do G-10 – e Argentina, que aprofundavam suas demandas em
busca de recursos para enfrentar os problemas gerados pela crise das dívidas, embora ressaltem que a Argentina,
apesar disto, mostrou-se um dos países que mais apoiaram a unidade do Grupo durante toda a Rodada (HIGGOTT &
COOPER, 1990: 617).
182
requerida, gerando forte mal-estar entre os demais membros, que o percebiam como
free rider no seio do Grupo e, culminando com todo esses fatores, encetou negociações
que redundaram na assinatura do acordo bilateral de livre comércio com os Estados
Unidos, privilegiando-o em relação aos demais parceiros quanto às trocas comerciais
com este país (HIGGOTT & COOPER, 1990: 614-618).
O fiasco da Mid-Term Review produziria mudanças de posição das Partes,
principalmente dos Estados Unidos, que abandonaram a posição inicial da opção zero,
enquanto a Comunidade Européia cedia aos pleitos do Grupo de Cairns, aceitando uma
redução mínima de 10% dos subsídios domésticos e reduções progressivamente
substanciais em tempo que viria a ser acordado no futuro, facilitando a flexibilização da
posição norte-americana selada no encontro do Grupo de Negociações Agrícolas em
novembro de 1989 (HIGGOTT & COOPER, 1990: 614-618)
164
.
A Reunião de Bruxelas, que selaria o fim da Rodada Uruguai, em dezembro de
1990, acabou em impasse, por conta do recrudescimento das divergências entre
Estados Unidos e Comunidade Européia, que mais uma vez recuou, movida em parte
pelas manifestações de milhares de agricultores nas ruas da capital belga.
No final do ano seguinte, o Diretor Geral do GATT, Arthur Dunkel, elaboraria um
draft de Acordo Final, tomando por base as negociações que prosseguiam após o
impasse, o qual seria rejeitado pela Comunidade Européia três dias depois, por
discordar das disposições relacionadas à Agricultura. Sem perspectivas de conclusão
satisfatória a todas as Partes, a situação perduraria por algum tempo, sendo quebrada
em dois momentos cruciais, quando, primeiramente, em 1992, Estados Unidos e
Comunidade Européia lograriam destravar as negociações agrícolas, pelo Acordo de
Blair House, que selou alguns compromissos que viabilizaram o fim do impasse
164
Embora ressaltem a importância da atuação do Grupo de Cairns para a saída do impasse e o encontro de uma
proposta minimamente comum, os autores atribuem forte significado à mudança de Governo nos Estados Unidos,
com a eleição do Presidente George Bush e a conseqüente substituição do chefe do USTR, Clayton Yeutter por Carla
Hills (HIGGOTT & COOPER, 1990: 622).
183
(SHARMA, 2000). No ano seguinte, em março, o Presidente da Argentina, Carlos
Menem, enviava, em nome de 37 países em desenvolvimento, correspondência aos
Presidentes dos Estados Unidos e da Comunidade Européia e ao Primeiro-Ministro do
Japão, conclamando que fosse dada prioridade à conclusão da Rodada, pois, muitos
deles, ao seguirem as regras de liberação econômica a partir dos anos 1990, tornar-se-
iam vítimas do seu fracasso, considerando que os países desenvolvidos estavam se
desinteressando da dinâmica do sistema multilateral, no que entendiam estarem, os
países em desenvolvimento, irremediavelmente vinculados a seu êxito. E, para tanto,
defendiam a adoção integral do Dunkel Draft, como a base de negociações, ainda que
não atendesse totalmente seus interesses. Porém, principalmente Estados Unidos e
Comunidade Européia conspiravam contra o draft ao apresentar emendas sobre os
mais variados temas e, em contrapartida, os países em desenvolvimento agiam
semelhantemente (BERTHELOT, 1993: 351-352)
165
. No mesmo ano de 1993, os
membros do QUAD concluíam negociações relativas a tarifas e acesso a mercados,
encerrando-se a versão final de todos os Acordos, incluindo o que criava a Organização
Mundial do Comércio, em 15 de dezembro de 1993, tendo sido a Rodada formalmente
cumprida em 15 de abril de 1994, em Marrakesh.
No entanto, o Acordo de Blair House sofreria duras críticas do Grupo de Cairns,
o qual, em comunicado divulgado após sua 13ª Reunião Ministerial, proximamente à
conclusão da Rodada, em outubro, manifestava seu descontentamento por ter sido
alijado das negociações, as quais acusava de terem se transformado em um assunto
transatlântico, contendo ainda fortes alfinetadas à Comunidade Européia em especial, e
saindo em defesa do Dunkel Draft, conforme passagens transcritas abaixo:
165
Os temas os quais os países desenvolvidos apresentavam emendas eram Medidas anti-
Dumping
, Medidas
Sanitárias e Fitosanitárias, Subsídios, Agricultura, Propriedade Intelectual e relativos à própria criação da
Organização Mundial do Comércio e, em troca, os países em desenvolvimento retrucavam com propostas de
modificação em Têxteis e Vestuário e nos próprios acordos colocados em causa por Estados Unidos e Comunidade
Européia (BERTHELOT, 1993: 351-352).
184
” The Uruguay Round has only 58 days to run. The date of 15 December
is a real deadline. It cannot be extended. The remaining two months must
be used to ensure that the Round succeeds.
(…)
Ironically at this critical stage, some of those who have most to gain
amongst the larger industrial countries appear to be the most reluctant to
make the final effort required to positively conclude the Round. Narrow
interest groups in these countries must not be allowed to frustrate the
successful conclusion of the negotiations.
(…)
The negotiations on agriculture cannot be completed without the full
involvement of the Cairns Group and all the other parties concerned. As
major stakeholders in world agricultural trade the Group insists that
agriculture is not simply a trans-Atlantic affair.
(…)
The Draft Final Act remains the basis for concluding the negotiations. The
Cairns Group is not party to the Blair House accord, containing proposals
which would dilute the Draft Final Act. The Group can only take a final
position on the Blair House accord in appropriate multilateral negotiations
when it has been tabled and all of the market access outcomes are known
and can thus be evaluated. Notwithstanding this, it is With alarm that we
note the further efforts to weaken the Draft Final Act disciplines on
agriculture. Clearly such efforts seriously jeopardise an overall acceptable
outcome on agriculture (…)”.
166
A despeito de não se ter obtido uma ampla liberalização do mercado agrícola,
como desejavam o Grupo de Cairns e, até mesmo, os Estados Unidos, o fato de se ter
abrigado o setor no âmbito das regras e disciplinas do GATT e abarcado os três pilares
almejados inicialmente
167
, passou a ser considerado como resultado positivo naquele
momento, mesmo que as conquistas tenham sido bastante limitadas em relação ao alvo
inicial (JANK & ARAÚJO, 2003: 59-60; AGOSIN, 1995: 373-374).
166
Cf.
13th Cairns Group Ministerial Meeting, Geneva, Switzerland, 18 October 1993. Communiqué.
Disponível em
http://www.cairnsgroup.org/meetings/min13_communique.html
167
Constituem-se os três pilares Acesso a Mercados, Redução dos Subsídios Domésticos e Redução dos Subsídios às
Exportações.
185
Embora não tenha conseguido emplacar totalmente os propósitos que originaram
a formação do Grupo, Cairns tornou-se a única coalizão que sobreviveu a toda a
Rodada e, até mesmo depois, mantendo-se como grupo atuante até recentemente. O
G-10 não suportou as mudanças dos paradigmas econômicos internacionais e a
pressão em particular dos Estados Unidos, desvanecendo-se os motivos que o criaram,
quais tenham sido, a reação contrária à introdução dos então novos temas na Rodada
(OSTRY, 2000: 4).
Também o Café au lait, mesmo sendo um tipo diferente de coalizão quando
comparado ao G-10, ou seja, mais de negociação diplomática do que de veto,
inaugurando a perspectiva do single-issue coalition, acabou por sucumbir, mas delineou
um novo marco de formação de coalizões em negociações comerciais multilaterais
(NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002: 490). Ainda, segundo Narlikar, a coalizão
colheu êxitos em virtude de suas estratégias pouco ambiciosas e por sua característica
inclusiva que podem ser exemplificadas em diversas atuações. De início, por dar voz e
espaço aos países menores e, em seguida, pela perspicaz noção de tempo, acabou por
viabilizar a Rodada Uruguai e uniu as duas dimensões ao inserir as demandas
daqueles países durante o processo de agenda-setting. Além disso, o fato de focar
unicamente no tema de Serviços colaborou para forjar a unidade da coalizão,
diferentemente do G-10, permitindo, ademais, manter posições flexíveis em termos de
agenda e de estratégia de negociação. Igualmente, o desempenho de atividades de
levantamento e pesquisa, efetuadas pelo ainda iniciante Jaramillo process, favoreceu a
coesão da aliança, na medida que as posições individuais de todos eram conhecidas,
fortalecendo-a
168
. No entanto, não alcançou sobrevida devido ao fato de ter deixado de
acompanhar o prosseguimento das negociações que eles próprios haviam conseguido
viabilizar, bem como pela ausência de maior institucionalização que propiciasse
assegurar sua manutenção. Dentre as lições que, conforme Narlikar, foram legadas
pelo Café au lait reside, uma delas, na realpolitik do processo de coalition-building,
168
Aliado a isto, segundo Narlikar, a prática de pesquisa permitiu maior acesso dos países menores, carentes de
expertise e conhecimento, contribuindo como fator de agregação ao Grupo (NARLIKAR, 2003: 98).
186
revestida, além da agregação de recursos, na necessária legitimidade externa que lhe
conferiu influência, independentemente do seu peso político ou econômico, legitimidade
essa que foi edificada pelos procedimentos de pesquisa, pela abordagem positiva, pela
postura abrangente e inclusiva e pela convicção de reciprocidade e aderência aos
princípios e à dinâmica do GATT, ao recusar o caminho do bloqueio de agendas ou
posições extremadas (NARLIKAR, 2003: 96-102).
Assim, se o G-10 não terá sobrevivido por seu radicalismo e o Café au lait por
não ter elaborado meios de se institucionalizar, o Grupo de Cairns atravessou incólume
a toda Rodada Uruguai, permanecendo vivo e forte até a V Conferência Ministerial de
Cancun, em 2003, o que, de toda forma, não significou sua irrelevância. Após ter
obtido vitórias parciais como a inclusão efetiva do tema da Agricultura no âmbito do
GATT e prosseguir lutando para intensificar a aplicação dos termos do Acordo final, o
Grupo buscou novas perspectivas de atuação como, por exemplo, buscar
descaracterizar a vinculação entre questões não-comercias e a dinâmica do comércio
agrícola, pretendida pela Comunidade Européia e seus aliados restritivos à
liberalização
169
. Narlikar observa que os condicionantes do sucesso do Grupo se devem
a três fatores, sendo o primeiro, a configuração do interesse de seus membros, que se
alinhavam para permitir uma coesão no âmbito da própria coalizão e implicando,
igualmente, em peso coletivo que redundou em maior capacidade de influência ao
privilegiar a perspectiva em sentido lato da questão agrícola sem se ater ao tratamento
de commodities específicas
170
; o segundo fator consistiu em defender uma agenda
calcada em propósitos liberalizantes, contando, por conseguinte, com o apoio dos
Estados Unidos e, por fim, as estratégia desenvolvidas foram fator fundamental para a
obtenção de coesão interna e legitimidade externa, a qual, compreendeu atuar como
169
Dentre esses temas não-comerciais estão as medidas de precaução, o conceito de multi-funcionalidade
(preservação do meio-ambiente, fixação do homem ao campo), segurança alimentar e bem-estar animal.
170
Nesse aspecto, a autora salienta o caso do Brasil que, pouco antes era vinculado a e co-líder do G-10, optou por
integrar o Grupo de Cairns, mesmo estabelecendo-se em coalizão com países desenvolvidos, em atenção a variáveis
econômicas e ideológicas já que não dependia maciçamente dos recursos de exportação de produtos agrícolas como
os demais membros e, em assim agindo, garantiu a introdução do item sobre produtos tropicais, que não eram
relevantes para os outros, e da exigência de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, a
qual não era preocupação inicial do Grupo, respectivamente (NARLIKAR, 2003: 137-138).
187
coalizão intermediadora entre os dois maiores atores, os Estados Unidos e a
Comunidade Européia, ao invés de desafiá-los, além de se coadunar com a agenda
liberalizante do GATT (NARLIKAR, 2003: 132-141).
O balanço empreendido sobre os resultados da Rodada Uruguai e, em especial
sobre seu impacto para os países em desenvolvimento, em geral, convergem para o
desequilíbrio de forças que acabaram por favorecer os países desenvolvidos. Pois,
segundo tais análises, se, por um lado, fortaleceu e revigorou as disciplinas do GATT e,
embora de maneira não premeditável, forjou a nova Organização Mundial do Comércio,
por outro, terá distribuído desigualmente seus ganhos. Demonstram, no entanto, que a
Rodada se transformou no divisor de águas das regulações multilaterais do comércio
internacional. De um Acordo Geral que sobreviveu a quase meio século, dotado de
caráter acentuadamente voluntário, emergiu uma organização de caráter altamente
coercitivo, por conta da instituição de princípios como o single undertaking e o
aperfeiçoamento do Mecanismo de Solução de Controvérsias. Cabe salientar que,
segundo Ricupero (1998), a introdução do princípio do single undertaking, pelo qual
todos os acordos valem igualmente para todos, visando a expelir a prática dos free
riders, freqüentes na Rodada Tóquio, encontrou forte apoio entre os países em
desenvolvimento, por conta das práticas protelatórias e excepcionais que incidiam
sobre as negociações agrícolas nas rodadas anteriores, tendo sido inserido na
Declaração de lançamento da Rodada Uruguai. Porém, foi sendo reinterpretado,
principalmente pela Comunidade Européia e Canadá, que perceberam que os acordos
que emergiriam da Rodada trariam uma série de obrigações e, portanto, sua adoção
evitaria a repetição das escapadas antes permitidas, sendo proposto que fosse, então,
transferido para o escopo da nova organização, sendo que aqueles que a ela
aderissem, tornavam-se membros e os que não aceitassem todos os acordos,
particularmente os países em desenvolvimento, permaneceriam no antigo GATT
esvaziado, e sujeitos às retaliações bilaterais (RICUPERO, 1998: 16-17;
THORSTENSEN, 2001: 43).
188
Para Agosin (1995), reiterando a avaliação pouco otimista sobre a Rodada para
os interesses dos países em desenvolvimento, as melhorias obtidas em acesso a
mercados não implicariam em ganhos para o livre comércio em si, dado o grau de
controle exercido nas concessões e, ainda, teria como agravante, os obstáculos que as
novas disciplinas do GATT, baseadas em padrões predominantes nos países
desenvolvidos, impõem aos países em desenvolvimento quanto à formulação de
políticas voltadas para seu próprio crescimento. Contudo, ressalva que justamente o
Mecanismo de Solução de Controvérsias poderia vir a se constituir em fator inovador,
pois significaria para países menores e sem trunfos negociadores, instrumento de
defesa que barraria as políticas protecionistas dos países desenvolvidos (AGOSIN,
1995: 371). Nesse último aspecto, encontra convergência com Michalopoulos (2000)
que avalia positivamente a criação do dito mecanismo, por conferir maior grau de
certeza aos países em desenvolvimento como meio de proporcionar proteção contra os
países desenvolvidos e maiores possibilidades de resultados favoráveis, se comparado
a disputas bilaterais, fora do escopo da Organização Mundial do Comércio. Todavia,
contrariamente a Agosin, Michalopoulos atribui à Rodada Uruguai a ampliação de
acesso a mercados para os países em desenvolvimento, devido à inclusão, nas
disciplinas do GATT, de temas de especial interesse para esses países, como
Agricultura e Têxteis e Vestuário, por exemplo, acrescentada ao aperfeiçoamento do
Acordo de Salvaguardas que extinguiu a possibilidade de aplicação do instituto de
Restrições Voluntárias às Exportações, além da redução de tarifas sobre bens
industriais, da ordem de 34%. Reconhece, no entanto, que os países em
desenvolvimento perderam autonomia legiferante por terem que participar dos Acordos
sobre Propriedade Intelectual, Serviços e Investimentos – respectivamente TRIPS,
GATS e TRIMS – temas que antes dispunham de ampla liberdade de ação, valendo o
mesmo para outros acordos, dos quais outrora não participavam (MICHALOPOULOS,
2000: 13-14)
171
. E é nesse ponto que Ostry (2002) destaca a profunda diferença entre
o antigo GATT e a nova OMC, pois, com a inserção desses até então chamados novos
171
Refere-se, especificamente, aos Acordos de Subsídios, Barreiras Técnicas ao Comércio, Valoração Aduaneira e
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (MICHALOPOULOS, 2000: 14).
189
temas, mesmo que não idênticos – uma vez que tratam de questões diferentes –
possuem característica comum à medida que abrangem sistemas legais e regulatórios,
de natureza doméstica, incorporados à esfera econômica internacional. Tal
propriedade conota-lhes forte grau de intromissão no âmbito das soberanias nacionais,
não apresentando, portanto, nenhuma similitude com o rarefeito modelo de integração
do GATT, centrado somente em barreiras externas e dotado de salvaguardas que
preservavam o espaço doméstico, marcando, assim, a passagem de um modelo de
regulação negativa, do GATT ou, o que os países não deviam fazer, para outro de
regulação positiva, da OMC, ou, o que os governos devem fazer (OSTRY, 2002: 3).
Messerlin (1993) lembra que o GATT conferia plena liberdade às Partes Contratantes,
sendo o que seus participantes queriam que ele fosse, ou seja, se quisesse ser
protecionista, o GATT o seria, levando em conta apenas o interesse de seus produtores
nacionais, mas, se tomasse em causa o equilíbrio de interesses entre produtores e
consumidores, o GATT adquiriria tônus de liberalização comercial, ou seja, o GATT
desenvolvia o ritmo que suas Partes desejavam individualmente (MESSERLIN, 1993:
256).
Page (2001) pressupõe que algumas lições devem ser extraídas da experiência
da Rodada que operou a maior transformação ocorrida na regulação das relações
comerciais mundiais, desde a tentativa de criação da OIC nos anos 1940-1950. A
primeira delas é depreendida do fato de que os países que obtiveram alguns ganhos
foram aqueles que participaram ativamente das negociações e, aqueles que assim não
se comportaram perderam, muito embora os ganhos possam ser superestimados até
para justificar a participação. No decorrer da Rodada, mais de três dezenas de países
acederam ao GATT, como reflexo da crença de os países em desenvolvimento se
considerarem parte importante nas negociações e que a OMC se tornara o mais
importante fórum de negociações comerciais. A segunda decorre que alianças
formadas entre países desenvolvidos geram acordos que, posteriormente, são impostos
aos países em desenvolvimento, mas quando ocorrem divergências de posições entre
aqueles, os segundos podem tirar proveito para se fazerem valer, potencializado ainda
190
mais se formadas alianças com países desenvolvidos como caso no do Grupo de
Cairns, ou seja, quando há interesses divididos entre países poderosos, resultados
satisfatórios para os países em desenvolvimento são factíveis (PAGE, 2001: 25-26). Tal
perspectiva é corroborada por Draper & Sally, ao asseverar que, após a Rodada
Uruguai, o tipo de coalizão que passou a predominar foi a chamada coalizão à la carte,
de caráter altamente pragmático, misturando variadas combinações de países em
desenvolvimento assim como com países desenvolvidos, delineando uma minoria de
países em desenvolvimento que passou a tomar parte ativamente na cena multilateral
comercial (DRAPER & SALLY, 2005: 6).
À guisa de ilustração, segue abaixo quadro demonstrativo da expansão da
quantidade de Partes Contratantes do GATT, desde o início da Rodada Kennedy, em
julho de 1964 até ao fim da Rodada Uruguai, em 1986.
191
QUADRO VI
ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO
ACESSÃO DE PARTES CONTRATANTES
(JULHO DE 1964-DEZEMBRO DE 1994)
ANO DE ACESSÃO
PARTE CONTRATANTE
1964 Malawi, Malta
1965 Burundi, Gâmbia
1966 Guiana, Iugoslávia, Ruanda, Suíça
1967 Argentina, Barbados, Coréia do Sul, Irlanda, Polônia
1968 Islândia
1970 Egito, Ilhas Maurício
1971 Romênia, Zaire
1972 Bangladesh
1973 Cingapura, Hungria
1978 Suriname
1979 Filipinas
1981 Colômbia
1982 Tailândia, Zâmbia
1983 Belize, Maldivas
1986 Hong Kong, México
1987 Antigua e Barbuda, Botswana, Marrocos
1988 Lesoto
1990 Bolívia, Costa Rica, Tunísia, Venezuela
1991 El Salvador, Guatemala, Macau
1992 Moçambique
1993 Bahrein, Brunei Darussalam, Dominica, Eslováquia, Fiji, Mali, Santa Lucia, São
Vicente e Granadinas, Suazilândia
1994 Angola, Djibouti, Granada, Guiné, Guiné-Bissau, Emirados Árabes Unidos,
Eslovênia, Honduras, Ilhas Salomão, Liechtenstein, Papua Nova Guiné,
Paraguai, Qatar, St. Kitts e Nevis
Elaborado a partir de dados disponíveis pela Organização Mundial do Comércio.
192
Vale salientar que, tendo em vista o exposto, do princípio da Rodada Kennedy ao
final da Rodada Uruguai, 65 novas Partes Contratantes acederam ao Acordo Geral,
sendo que desse total, 37 o fizeram no decurso da última Rodada, dos quais 23 em
seus dois anos finais, o que vem a embasar as asserções de Page a respeito da
percepção da importância que países mais frágeis passaram a atribuir à nascente
Organização Mundial do Comércio, aliada ao temor, alegado por Ricupero, de ficar fora
das regras multilaterais e expostos à coerção bilateral. Outro fato de destaque é que, a
partir de 1966, começaram a aceder ao GATT os países comunistas, sendo o primeiro a
Iugoslávia, seguida de Polônia (1967), Romênia (1971) e Hungria (1973), os quais
vieram se juntar à então solitária Tchecoslováquia
172
.
Portanto, pode-se definir a Rodada Uruguai como o corolário do processo que se
iniciou em fins dos anos 1970, fragmentando a ampla coalizão terceiro-mundista do
Movimento dos Não-Alinhados e do Grupo dos 77, que conheceu seu apogeu naquela
década, ao requerer a Nova Ordem Econômica Internacional.
A reação desencadeada pelas novas lideranças conservadoras na política,
porém liberais no campo econômico, vieram a minar a heterogênea formação dos
países em desenvolvimento, acrescida dos choques sucessivos do petróleo e seus
impactos sobre muitas das combalidas economias de países dependentes do
fornecimento do insumo, muitos já suficientemente endividados pela necessidade de
financiar o próprio crescimento, outros simplesmente para poder pagar as suas próprias
contas relativas à importação do produto. Enquanto os países desenvolvidos iam
conseguindo recuperar-se economicamente e, ao mesmo tempo, percebiam que o
emprego político do petróleo havia sido fortemente superestimado, a cizânia entre os
países em desenvolvimento ia se alastrando, dividindo-os entre os novos ricos do
petróleo, os recém-industrializados do Leste Asiático, os latino-americanos endividados
e uma massa de africanos e outros asiáticos abaixo da linha da pobreza. Culminando
172
Após o desmembramento da antiga Tchecoslováquia, os dois novos Estados, República Tcheca e Eslováquia,
foram admitidos automaticamente como Partes Contratantes do GATT, em 1993.
193
tal processo, o outro lado da balança da Guerra Fria dava seus primeiros sinais de
colapso, ao se aventurar nos desertos do Afeganistão e, simultaneamente, defrontar-se
com uma crise econômica sem precedentes, fatores que somados, levariam à ruína da
experiência do socialismo concreto, deixando o campo livre para o “inimigo capitalista”,
que encontrava livre terreno para sua expansão. E essa expansão foi impulsionada
pelo avanço das novas tecnologias, principalmente da informática e da biotecnologia,
que acarretariam na revolução da própria dinâmica capitalista, que passava a se
assentar majoritariamente nos bens intangíveis, inaugurando a economia do
conhecimento.
Compelidos pela crise econômica e defasados pelos novos paradigmas
tecnológicos, além de perderem sua aliada – ao menos em termos retóricos, a União
Soviética – os países em desenvolvimento tiveram que se ater à supremacia dos novos
paradigmas e ao esvaziamento dos fóruns onde esbanjavam sua maioria quantitativa. A
articulação das corporações empresariais, preocupadas em assegurar o retorno de
seus investimentos, cada vez mais elevados, encontrou eco e apoio nos países
desenvolvidos que voltavam a entender o GATT como o foro ideal para regular os
novos temas da dinâmica econômica internacional, especificamente Serviços,
Propriedade Intelectual e Investimentos, considerando ainda a tradição das decisões
por consenso. Graças ao fracionamento da coalizão dos países em desenvolvimento e
à prevalência dos interesses dos grupos em detrimento do bloco outrora unívoco, uma
nova rodada foi lançada que se constituiria como divisor de águas na regulação do
comércio internacional ao inserir os bens intangíveis como temas comerciais e, mais
ainda, transformar as novas regras oriundas desse novo concerto em regulação
positiva, por meio de mecanismos como o single undertaking, ao requerer a adequação
dos regulamentos nacionais e, por conseguinte, relativizando o conceito clássico de
soberania nacional, tendo em vista a opção de restar à margem do quadro regulatório e
seus conseqüentes ônus.
194
Por fim, a emergência da Organização Mundial do Comércio, como sucedânea
do GATT, com sua vastidão de temas, veio a consolidar a perspectiva de múltiplas
coalizões, variáveis em relação aos temas e à composição de seus integrantes,
sepultando a clássica divisão Norte-Sul.
195
Capítulo V
A articulação dos países em desenvolvimento
na Conferência de Doha: o caso da flexibilização das regras
de propriedade intelectual
Criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja dinâmica deliberativa
definiu como regra o consenso entre seus Membros
173
, pelo disposto no Artigo 9.9,
embora a modalidade de votação não tenha sido descartada, a não ser em último caso.
Com isso, esquivou-se da perspectiva de se reproduzir na OMC os mecanismos
encontrados no âmbito das Nações Unidas que permitissem a produção de maiorias
sem a devida efetividade de implementação dos Acordos. E, como visto, a OMC possui
uma série de enforcements que, dificilmente, se coadunariam com processos
deliberativos não consensuais. Consenso é definido como a ausência de objeções dos
Membros presentes, em torno de determinada matéria ou acordo. É fato que o
consenso já prevalecia no antigo GATT, embora o Artigo XXV do Acordo Geral
dispusesse que as deliberações fossem tomadas pelo critério de cada Parte, um voto.
No entanto, como ressalta Narlikar, os países em desenvolvimento jamais se
interessaram em usufruir dessa maioria, principalmente a partir dos anos 1950, quando
começaram a aceder maciçamente ao GATT, com vistas à revisão dos seus termos
(NARLIKAR, 2005: 13). A par, o ambiente advindo do pós-Guerra Fria transformou as
querelas comerciais em conflitos de interesse, os quais propiciam inúmeras
perspectivas de barganha (HIRSCHMAN in LAFER, 1998: 35). Junta-se a esta
condição, a amplitude dos Acordos abrangidos pela OMC, o que faz, inclusive,
diferenciar-se da própria noção de consenso presente à época do GATT e do aumento
do número de Membros (LAFER, 1998: 35). Além do mais, efetivamente, a OMC não
possui qualquer vinculação formal com as Nações Unidas, por se tratar de um Acordo
173
A partir da criação da OMC, os países e territórios aduaneiros pertencentes ao GATT e doravante passaram a ser
designados como Membros de uma organização internacional, ratificada por todos, diferentemente do GATT que,
por não possuir caráter institucional, denominava-os como Partes Contratantes.
196
revestido de total independência e não guardar, mediante seus próprios dispositivos,
explicitamente, ligação direta com aquele organismo, mas apenas por meio de acordos
de cooperação (SACERDOTI, 1998: 58). Acresce, ainda que, todas as antigas Partes
Contratantes do GATT dispunham de até um ano para optar pelos Acordos da OMC,
renunciando ao Acordo Geral.
Como órgão máximo de deliberação, a Conferência Ministerial da OMC, reunindo
os representantes responsáveis pela negociação das políticas comerciais dos
Membros, a cada dois anos, tornou-se o grande momento de arrancada, ou de
paralisia, das conversações em torno dos avanços dos acordos celebrados desde a
Rodada Uruguai.
A I Conferência Ministerial, ocorrida em Cingapura, em 1996, já significou um
desses momentos quando novos temas começaram a ser ventilados para ser discutidos
no âmbito da Organização. Dentre esses temas, constavam Padrões Trabalhistas (core
labour standards), Investimentos, Concorrência, Transparência em Compras
Governamentais e Facilitação de Comércio.
Padrões Trabalhistas foi levado à pauta da Conferência pelos países
desenvolvidos, particularmente por Estados Unidos e Noruega, que vinculavam,
mormente pelos norte-americanos, a questão da proteção dos trabalhadores, sujeitos a
situações de exploração, ao comércio internacional. Em princípio, defendiam a
liberdade de associação, organização e reivindicação, erradicação do trabalho forçado
e do emprego de mão-de-obra infantil, assim como o fim de toda e qualquer
discriminação no mercado de trabalho. Com efeito, essa pauta refletia a forte
preocupação dos países desenvolvidos pela evidência da avalanche de produtos
vendidos a baixos preços, no mercado desses países, oriundos de países em
desenvolvimento, principalmente de parte da China, Índia e economias de países de
segunda linha do Leste Asiático, como Tailândia, Filipinas, Indonésia, onde a proteção
ao trabalho é bastante tênue ou mesmo inexistente. Como acentua Lafer (1998), trata-
197
se de tema de enorme complexidade por envolver questões éticas, outras relacionadas
à liberdade política, respeito aos direitos humanos e, ça va sans dire, questões de
competitividade comercial, como concorrência desleal. Da parte dos países em
desenvolvimento, a proposição foi percebida como manobra protecionista visando a
impedir a expansão das economias menos desenvolvidas, por meio da introdução de
seus produtos em mercados consumidores de maior vulto (LAFER, 1998: 58). Remete,
ainda, à questão que havia ficado para trás, quando da falência da criação da OIC, sem
a abrangência complexa atual, quando procurava vincular comércio e emprego. O
tema acabou por não ser deliberado nessa Conferência que, a despeito de reconhecer
a relevância do tema, embora considerasse que não possuía viés protecionista,
remeteu-o à competência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por entender
ser o organismo internacional competente para discutí-lo. No entanto, o tema voltaria à
baila mais adiante e, desde então, a OIT vem tratando sobre a questão (MANSOOR,
2004: 3; HOWSE, 1999: 11).
Quanto aos demais quatro temas, que foram arrolados sob a denominação de
Temas de Cingapura, deliberou-se que deveriam voltar a ser debatidos mais adiante e,
para tal, foram criados grupos de trabalhos para cada um deles. Especificamente
quanto a Investimentos, o Acordo firmado ao final da Rodada Uruguai previa que seus
dispositivos fossem aperfeiçoados até cinco anos após sua vigência, sendo
intimamente relacionados ao tema de Política de Concorrência. Sua adoção plena
significaria a efetiva harmonização multilateral do tema, uma vez que o TRIMS excetuou
os países em desenvolvimento de seu alcance temporariamente, quando da ocorrência
de oscilações na balança de pagamentos, conforme definido pelo Artigo XVIII do GATT-
1994
174
. Ficou vedado se empregar medidas relacionadas ao comércio que o
distorcessem, por meio da utilização de mecanismos como exigência de conteúdo
nacional ou índice de nacionalização. Além do mais, o TRIMS restringe-se a Bens,
ficando ao largo do seu escopo Serviços e Propriedade Intelectual, temas sensíveis aos
174
O GATT-1994, referente a Bens, foi um dos acordos emergidos da Rodada Uruguai, substituindo o antigo GATT-
1947.
198
interesses dos países desenvolvidos. Nesse aspecto, os países desenvolvidos,
pressionados pelas grandes corporações multinacionais ou transnacionais, pleiteiam
pela ampliação do Acordo, em vista de seus interesses globais, enquanto alguns países
em desenvolvimento
175
ainda consideram que política de investimentos deva continuar
a ater-se à alçada estrita das soberanias nacionais (LAFER, 1998: 55-56; TROYANO,
1998: 568-572; THORSTENSEN, 2001: 102-104).
Política de Concorrência diz respeito à regulação de monopólios e fornecedores
exclusivos de serviços, por via da harmonização multilateral, remetendo à questão das
Práticas Restritivas ao Comércio da OIC, no âmbito das disciplinas da OMC, porém o
tema é dotado de grande complexidade por se entrelaçar com questões relativas a
dumping, propriedade intelectual, investimentos, monopólios estatais, assim
configurando, da mesma forma, intenso debate entre países desenvolvidos e alguns
países em desenvolvimento, como Índia, Paquistão, Egito e membros Associação das
Nações do Sudeste Asiático (ASEAN)
176
(LAFER, 1998: 56; THORSTENSEN, 2001:
334-338).
Transparência em Compras Governamentais revelava a preocupação dos
Estados Unidos com o baixo índice de adesão ao Acordo Plurilateral de Compras
Governamentais, aceito por pouco mais de 20 países, bem como a questão da
corrupção e do restrito acesso à capacidade compras efetuadas pelo setor público.
Depreende-se, daí, que fica criada a confusão entre transparência e acesso a
mercados, separando as posições dos países desenvolvidos e, mais uma vez, alguns
países em desenvolvimento (LAFER, 1998: 74; THORSTENSEN, 2001: 344).
Por fim, Facilitação de Comércio significa a simplificação de procedimentos
alfandegários, por meio da padronização e harmonização de documentações e outros
175
Explicitamente, opunham-se ao Acordo Índia, Paquistão, Bangladesh, Malásia, Indonésia, Zimbábue, Tanzânia,
Quênia e Cuba (LAFER, 1998: 56).
176
Integram a ASEAN Brunei Darussalam, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar (ex-
Birmânia), Tailândia e Vietnam.
199
códices relativos ao comércio internacional. Novamente, o tema era requerido pelos
países desenvolvidos e os países em desenvolvimento detentores de competitividade
em suas exportações, em oposição àqueles que alegavam não ter condições de
implantar as reformas exigidas (THORSTENSEN, 2001: 346-350).
Com a conclusão dos Acordos da Rodada Uruguai, predominava a noção de que
novas rodadas não seriam mais necessárias e, que, portanto, caberia à OMC,
ordinariamente, levar avante as questões relativas ao comércio internacional. E, assim
aconteceu na chamada abordagem pós-Rodada Uruguai – diferentemente da
conclusão das rodadas do antigo GATT, quando tudo retornava à calmaria até que
nova onde protecionista agitasse a todos – pois diversos acordos setoriais continuaram
a ser negociados e concluídos (SCHOTT, 1998: 5-6). Todavia, em 1997, a
Comunidade Européia começaria a aventar a possibilidade da eventual abertura de
uma nova Rodada de Negociações Multilaterais. O objetivo consistiria em inserir novos
temas que viriam a ampliar seu poder de barganha, frente às investidas sobre questões
que eram a ela particularmente sensíveis, como a liberalização agrícola (AMORIM,
2000: 103).
A II Conferência Ministerial, realizada em Genebra, em 1988, culminou com as
comemorações do 50º aniversário do sistema multilateral de comércio, marcado pela
entrada em vigor do antigo Acordo Geral bem como reiterar os princípios da OMC, além
de definir o Programa de Trabalho da III Conferência.
A III Conferência Ministerial, ocorrida em Seattle, em 1999, tinha como hipótese
de trabalho lançar uma nova Rodada de Negociações Multilaterais, denominada de
Rodada do Milênio. Marcada por tumultos generalizados de rua, promovidos pelos
movimentos contrários à globalização, a Conferência se encerrou melancolicamente,
diante das abissais divisões que deram o tom das posições dos Membros, bem como
da rebelião maciça dos países menos desenvolvidos. Em relação à esta última causa,
sempre foi habitual a prática no antigo GATT do Green Room, ou seja, a realização de
200
reuniões fechadas em que pouco mais de quinze países – os mais atuantes e
poderosos – tomavam as decisões, que acabavam sendo aceitas pelos demais, em
troca de alguma compensação (THORSTENSEN, 417-418). A par disso, não se
encontrava consenso em qualquer um dos temas que comporiam o mandato
negociador da nova Rodada. Assim sendo, tanto em temas tradicionais quanto em
relação aos novos temas, nenhuma posição se aproximava
177
.
No que tocava aos temas já tradicionais, em Agricultura, por exemplo, o Grupo
de Cairns insistia em avançar na liberalização do comércio agrícola, visando a resgatar
o propósito inicial da Rodada Uruguai, inviabilizado pelo Acordo de Blair House entre
Estados Unidos e Comunidade Européia. Esta, por sua vez, radicalizava ainda mais
sua posição, ao desejar introduzir os conceitos de multi-funcionalidade e bem-estar
animal, que os países em desenvolvimento entendiam como manobra diversionista, de
puro caráter protecionista, que evitaria maiores pressões sobre a abertura de seu
mercado. Havia, ainda, no âmbito da Agricultura, mais um tema a causar celeuma, só
que, desta feita, divergiam Estados Unidos e Comunidade Européia por conta do
acesso a mercados dos produtos geneticamente modificados, que esta vedara por meio
da decretação de moratória para esse tipo de produto. Em Serviços, os países
desenvolvidos demandavam por maior liberalização de setores em áreas de profundo
interesse e altamente promissoras em relação aos mercados dos países em
desenvolvimento, como Bancos e Finanças, Telecomunicações, Consultoria e
Transportes e a abertura de negociações para o setor marítimo. Em Acesso a Mercado
de Bens, reproduzia-se a mesma polarização entre os dois campos, em que os países
desenvolvidos visavam à redução de barreiras tarifárias, enquanto os países em
desenvolvimento, em de busca de proteção às suas indústrias domésticas, alegavam
que ainda se encontravam em fase de adaptação às novas regras definidas na última
rodada. Alguns desses temas, para poder concluir a Rodada Uruguai, foram deixados
para negociação futura, chamados de built-in-agenda.
177
A narrativa que se segue, relativa aos acontecimentos que precederam à III Conferência Ministerial está baseada
em Thorstensen (2001: 409-412).
201
Por outro lado, havia as demandas específicas dos países em desenvolvimento,
como aquelas relacionadas às chamadas Medidas de Implementação dos Acordos da
Rodada Uruguai, ao reclamar por avaliações e modificações dos Acordos, como as
cláusulas de tratamento especial e diferenciado. Na percepção desses países, tais
prerrogativas estariam sendo ignoradas pelos países desenvolvidos, os quais, por sua
vez, aceitavam apenas proceder à identificação dos entraves encontrados, sem
necessariamente supor que se devesse efetuar qualquer tipo de revisão.
Em relação aos novos temas, os dois mais polêmicos Temas de Cingapura, isto
é, Investimentos e Concorrência, igualmente causavam divisões, como desde a própria
Conferência Ministerial que lhes atribuiu o nome. Ambos os temas eram de principal
interesse da Comunidade Européia, que requeria suas respectivas harmonizações,
visando a discipliná-los no âmbito da OMC. Especificamente, no caso de
Investimentos, considerava ser necessário que houvesse compatibilidade dos diversos
acordos existentes com as regras da Organização, assim como garantir proteção aos
investimentos internacionais. Já no caso de Política de Concorrência, definir
multilateralmente as regras a respeito de concorrência desleal.
Padrões Trabalhistas, tema que havia sido considerado de competência da OIT,
voltava à cena, sob pressão dos sindicatos norte-americanos e europeus, que se
sentiam ameaçados pela concorrência derivada tanto da importação de produtos
quanto da mobilização de indústrias para países onde a proteção ao trabalho e as
condições salariais lhes seriam desvantajosas, com o conseqüente aumento do
desemprego local. No outro espectro, os países em desenvolvimento percebiam a
reintrodução da questão como mais uma manifestação do protecionismo dos países
desenvolvidos. Semelhante percepção era estendida ao tema relativo a Meio
Ambiente, o qual os países desenvolvidos buscavam correlacionar mais rigorosamente
com as questões comerciais, em atenção às preocupações ambientais de suas
sociedades.
202
Antes mesmo da realização da Conferência, como afirma Amorim (2000) –
diferentemente das vezes anteriores, quando se buscava aproximar posições nas
reuniões preparatórias e encontros prévios – nos ocorridos em Budapeste e Lausanne,
desta feita, deu-se o enrijecimento de posições, não havendo clima adequado para
negociações (AMORIM, 2000: 107). Assim, diante de tantos impasses e posições
exacerbadas, acrescidos das manifestações de rua que chegaram mesmo a impedir o
acesso dos Ministros à sede do evento, a Conferência foi suspensa ao terceiro dia sem
emitir sequer Declaração Final.
Evidentemente que a causa a que mais se deu destaque para o fiasco da
Conferência de Seattle foi a mobilização das organizações não-governamentais e dos
movimentos anti-globalização, os quais, por sua vez, cantaram vitória e entoaram loas à
supostamente previsível morte da OMC. Os artigos publicados no Le Monde
Diplomatique por militantes desses movimentos eram iniciados por expressões como
“Après la victoire de Seattle, il faut maintenant construire un autre avenir” (PETRELLA, 2000: 6) ou,
ainda,
“Le succés du mouvement civique à Seattle...” (GEORGE: 2000: 4). Contudo, outras
análises dão conta que muito mais críticas foram as condições inerentes à própria
dinâmica institucional da OMC, herdada do GATT, que ainda não soubera proceder à
transição para uma organização mundial, levando a Conferência ao fracasso, como a
exclusão da maior parte dos países de menor desenvolvimento relativo, com reduzido
poder de barganha, que, então, resolveram alterar as regras do jogo (AMORIM, 2000:
113-114; THORSTENSEN, 2001: 417-418; SCHOTT, 2000: 5-6).
Após o abalo, a OMC retornaria à normalidade no início de 2000, procurando
efetuar o balanço dos acontecimentos e analisar as providências que deveriam ser
tomadas no sentido de corrigir os rumos que se faziam necessários, principalmente no
tocante à questão da participação dos países mais frágeis, visando à maior inserção no
processo decisório, assim como tratar outro assunto crucial, que se constituía
igualmente alvo de críticas, que era a ausência de transparência, ambos interligados.
No primeiro caso, deliberava-se por proporcionar maior acesso a mercados aos países
203
de menor desenvolvimento relativo, por meio da ampliação dos mecanismos
preferenciais a eles disponíveis, embora eles almejassem a liberalização total para seus
produtos. Os países desenvolvidos ofereceram isenções para produtos mais sensíveis,
frustrando os países menores e, ainda, desagradando os países em desenvolvimento,
preocupados que a medida pudesse vir a causar algum tipo de distorção comercial
178
.
Quanto à transparência, problema de múltiplas dimensões, pois envolvia questões
relacionadas ao processo decisório da organização, por meio do consenso, assim como
a dinâmica das reuniões informais, ou o Green Room. No primeiro caso, a regra foi
mantida, porém sem conseguir solucionar a questão da participação de todos. No
segundo, definiu-se que as reuniões continuariam, mas comunicadas a todos os
Membros e seguidas da divulgação de seus resultados. Outra dimensão referia-se à
participação de outras organizações internacionais intergovernamentais e das
organizações não-governamentais, encontrando-se, nesse aspecto, divididos os países
desenvolvidos e os em desenvolvimento. No caso das primeiras organizações citadas,
os países desenvolvidos, advogavam pela presença ampla, enquanto os países em
desenvolvimento eram partidários do acesso restrito e, quanto às organizações não-
governamentais, do mesmo modo, os países desenvolvidos defendiam a participação
irrestrita enquanto os países em desenvolvimento, ao contrário, se opunham à
presença destas organizações por considerar que tal situação iria dificultar o
entendimento em torno de posições negociadas, já que estariam sob vigilância e
pressão (THORSTENSEN, 2000/2001: 124-127).
Os preparativos para a IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do
Comércio se iniciaram sob o impacto do fracasso do lançamento da Rodada do Milênio.
Delegações dos então 142 Membros começaram a discutir os pontos constantes da
agenda de antemão com uma dúvida primordial, qual fosse, se se deveria lançar uma
nova Rodada de Negociações Multilaterais ou discutir a implementação dos acordos
178
Outra questão de relevância para os países de menor desenvolvimento relativo refere-se à capacitação de pessoal
técnico requerida para participar e acompanhar das reuniões da OMC, decidindo-se por uma série de providências
nesse sentido, como, por exemplo, aumento de recursos destinados a treinamento (THORSTENSEN, 2000/2001:
125).
204
existentes e, mais uma vez, verificavam-se divergências de posições de países e blocos
a respeito, assim como em relação aos temas que constariam da agenda.
De uma parte, Comunidade Européia, Noruega, Suíça, Japão e Coréia do Sul
defendiam a realização de nova Rodada, com inclusão ampla de temas como meio
ambiente e padrões trabalhistas, visando a garantir suas posições de competitividade,
além de avaliarem que novos temas serviriam para contrabalançar a pressão sobre
Agricultura e Serviços. De outra parte, os Estados Unidos, ainda sem dispor da
autorização do Congresso para novas negociações comerciais, defendiam a realização
da rodada, porém com alcance restrito a alguns temas como Agricultura, Serviços, Bens
Não-Agrícolas, Facilitação de Comércio e Comércio Eletrônico, todos de interesse dos
exportadores americanos. No entanto, não aceitavam Meio Ambiente e recusavam-se
a discutir Anti-dumping, ponto extremamente sensível para os interesses industriais do
país e alvo constante das demandas de países exportadores com alto grau de
competitividade, como o Brasil e o Japão, em setores defasados da produtividade
norte-americana. Da parte de alguns países desenvolvidos, em geral caracterizados
por comportamento mais aguerrido nas negociações, como Índia, Egito, Paquistão e
Malásia, encontravam-se posições mais reticentes ao lançamento de nova rodada,
condicionando sua concordância desde que, primeiramente, fossem implementados os
Acordos da Rodada Uruguai e, mesmo assim, sem a introdução de novos temas. E,
por fim, outro grupo de países em desenvolvimento, composto de Brasil, Argentina e
México, tinha interesse nos temas relacionados à Agricultura, bem como negociação e
revisão de acordos existentes como Anti-dumping, Subsídios e TRIMS, mas guardavam
cautela ou reserva sobre Serviços, Meio Ambiente e Padrões Trabalhistas,
considerando os dois últimos como ocultação de medidas protecionistas da parte dos
países desenvolvidos.
E novamente a ciranda das divergências em torno dos mesmos pontos voltava a
girar. Nos chamados “Velhos Temas” como em Agricultura, se repetia o confronto entre
os protecionistas, integrados pela Comunidade Européia, Noruega, Suíça, Japão e
205
Coréia do Sul, e os que defendiam a liberalização, capitaneados pelo Grupo de Cairns.
Em Têxteis e Vestuário, opunham-se os países exportadores, que alegavam poucos
ganhos derivados do Acordo da Rodada Uruguai, como Índia, Paquistão, Japão, Hong
Kong e os países membros da ASEAN, aos Membros da OCDE, todos importadores.
Em Bens Não-Agrícolas, os países desenvolvidos seguiam praticando picos tarifários
para proteger alimentos e têxteis enquanto os países em desenvolvimento iam
procurando manter seus próprios níveis de tarifas, considerados demasiadamente altos
pelos primeiros. Quanto a Serviços, o bloco dos países desenvolvidos, liderados por
Comunidade Européia e Estados Unidos, na condição de principais exportadores,
visava aos grandes mercados consumidores, como os de Brasil e Índia que, portanto,
mostravam-se fortemente resistentes. Em Regras de Comércio, como Anti-dumping,
Subsídios e Salvaguardas, instalava-se o confronto entre Estados Unidos, Comunidade
Européia, Canadá e Austrália, como utilizadores, em contraposição a Japão, Coréia,
membros da ASEAN e Hong Kong, que são exportadores de produtos industrializados.
Outra questão polêmica, dada a crescente incidência, era a respeito dos Acordos
Regionais onde se abria o confronto entre Comunidade Européia, os integrantes do
North American Free Trade Association (NAFTA) e o Mercosul contra membros
independentes como Japão, Hong Kong, Coréia e Índia, que se sentiriam prejudicados
pelas barreiras desses blocos. Em Propriedade Intelectual, acirravam-se as disputas
entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno das polêmicas sobre
microorganismos, acesso a medicamentos e proteção da biodiversidade.
Quanto aos chamados “Novos Temas”, ocorria a polarização entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento quanto aos Temas de Cingapura (Investimentos,
Concorrência, Transparência em Compras Governamentais e Facilitação de Comércio),
bem como Comércio Eletrônico e, em relação a Padrões Trabalhistas e Meio Ambiente,
havia o receio dos países em desenvolvimento de que se constituíssem, a partir de sua
inserção ou aprofundamento, novas barreiras ao comércio.
206
Em outubro de 2001, o Embaixador Stuart Harbinson, de Hong Kong e Chairman
do Conselho Geral, lançava os documentos preliminares à Conferência, quais fossem, o
referente às Medidas de Implementação dos Acordos da Rodada Uruguai e o draft da
Declaração Ministerial que conteria os termos das negociações, o qual imediatamente
sofreria ácidas críticas, principalmente no capítulo referente à Agricultura, por não ter
sido do agrado dos países em desenvolvimento, que alertaram que, sem negociações
agrícolas efetivas, não haveria
Rodada. Residia a principal crítica no fato de o
documento estar redigido de forma que apontava para negociações de longo prazo e
graduais. Em meados do mesmo mês, representantes de 22 Membros reuniam-se em
Cingapura, em busca de acordo que viabilizasse o lançamento de nova Rodada de
Negociações Multilaterais, durante a IV Conferência, manifestando o temor que novo
fracasso ocorresse caso as negociações não chegassem a bom termo, o que poderia
colocar em causa a própria existência da Organização, pela impossibilidade de atingir
resultados palpáveis e concretos para atingir maior grau de liberalização do comércio
mundial.
Dentre todos os pontos divergentes, havia um que acabou por extrapolar as
negociações intramuros da OMC e foi alçado à condição de campanha pública mundial,
aquele que tratava sobre acesso a medicamentos e sua relação com o TRIPS.
Justamente, desde fins de 1996, o Brasil tornou legalmente obrigatória a
distribuição de medicamentos anti-retrovirais aos portadores de HIV/AIDS, lançados
comercialmente no início do ano anterior
179
. O inédito programa – para os padrões
brasileiros de atenção à saúde pública – desenvolvido pela Coordenação Nacional de
DST/AIDS do Ministério da Saúde, englobando também atendimento ambulatorial pela
rede pública, acompanhamento da evolução do tratamento através de exames
laboratoriais de última geração, assim como campanhas de prevenção à contaminação
e de adesão ao tratamento, passou a receber elogios e reconhecimento da comunidade
médica nacional e internacional, de organismos internacionais (Nações Unidas e
179
Lei nº 9.313 de 13 de novembro de 1996.
207
Organização Mundial da Saúde) e de organizações não-governamentais. Como
resultado da ação governamental, os índices de mortalidade da doença decresceram
sensivelmente, assim como permitiram uma sobrevida qualitativamente elevada aos
seus portadores, tanto sintomáticos quanto assintomáticos
180
. Buscando escapar ao
monopólio dos laboratórios multinacionais produtores desses medicamentos, o
Ministério da Saúde, através da Rede de Laboratórios Farmacêuticos Oficiais, passou a
produzir substitutos genéricos. Os medicamentos anti-retrovirais, produzidos
localmente, não afrontavam as regras do TRIPS, uma vez que todos foram
desenvolvidos anteriormente à Lei de Propriedade Intelectual de 1997
181
.
No caso dos medicamentos surgidos – e protegidos – após a introdução dessa
regra legal, o Ministério da Saúde valeu-se dos dispositivos previstos nos artigos 68 e
71 da referida Lei, para instar aos laboratórios multinacionais a reduzirem seus preços
para o Brasil
182
. Dessa forma, brandindo a combinação desses dois artigos, o Governo
brasileiro obteve a redução de preços de alguns medicamentos novos, que considerava
abusivos, assim como utilizou seu poder de compra e a mobilização causada pelo êxito
de seu programa de atenção
183
.
Ainda que tendo alcançado sucesso em obter a redução dos preços destes
medicamentos, sempre através de negociações com os laboratórios farmacêuticos, tal
feito não impediu que os Estados Unidos abrissem um painel na Organização Mundial
180
Ver dados da Coordenação Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde do Brasil. In: www.aids.gov.br
181
De um total de então 12 medicamentos componentes do esquema de controle do HIV, à época, o Brasil produzia
sete deles, sendo o restante diretamente adquirido dos laboratórios produtores, que são patenteados inclusive no
Brasil, já em consonância com a nova legislação.
182
Reza o artigo 68 que será dado o licenciamento compulsório caso não se tenha iniciada a produção interna da
tecnologia patenteada, após três anos da concessão, desde que se configure a existência de abuso do poder
econômico. Já o artigo 71 permite que tal licenciamento seja feito em situações de emergência nacional ou de
interesse público, regulamentado pelo Decreto nº 3.201 de 06/10/99, que delimita a licença compulsória de patente,
nos casos citados, apenas para uso público não-comercial. No caso da aplicação de ambos os artigos, está garantido o
direito de recurso à Justiça e o pagamento de
royalties,
em conformidade às regras do TRIPS.
183
Tal pode ser exemplificado nos acordos obtidos com a Merck, que reduziu o preço do Efavirenz em 59% e, logo
depois, quando do último embate com o laboratório suíço Roche, que comercializa o medicamento Nelfinavir, sob
licença da Pfizer para fora do mercado americano, obtendo uma redução em torno de 58%, além da promessa de
seria iniciada a produção local pela Roche em futuro breve.
208
209
do Comércio, em janeiro de 2001, no último dia da Administração Clinton, acusando a
lei brasileira e, em particular o artigo 68, de violar as regras do TRIPS e ameaçar os
investimentos realizados pelos laboratórios, mesmo não tendo o Brasil, até então, se
utilizado efetivamente dessa prerrogativa para “quebrar patentes”
184
. Repetia-se,
assim, a força do lobby dos laboratórios farmacêuticos sobre o Governo americano, a
exemplo do ocorrido durante as negociações para a definição da agenda da Rodada
Uruguai. Após negociações bilaterais, Brasil e Estados Unidos – já na Administração
George W. Bush – chegaram a um entendimento sobre a questão: o Brasil avisaria aos
Estados Unidos, com antecedência, de sua eventual intenção de “quebrar uma patente”
e estes retiraram sua queixa em junho, não sem antes consultar a indústria
farmacêutica
185
. Ademais, o Brasil estava preparando ação idêntica contra aquele país,
para demonstrar que a lei de propriedade intelectual norte-americana continha
dispositivos idênticos à brasileira. Teria contado, também, o peso da opinião pública,
refletida em editorial do New York Times, em apoio ao Brasil. De fato, o temor
americano consistia em que outros países em desenvolvimento pudessem seguir o
exemplo brasileiro e adotassem o mesmo mecanismo na fase de adequação de suas
legislações nacionais enquanto, por sua vez, as empresas temiam que os próprios
países desenvolvidos questionassem os preços praticados nos respectivos mercados
internos. Como exemplo, a Tailândia, onde a epidemia alcança elevado índice de
morbi-mortalidade e onde são realizados testes-piloto de desenvolvimento de vacina
anti-HIV, já havia ameaçado os laboratórios com o recurso à licença compulsória, tendo
obtido redução de preços superior à esperada.
184
Tecnicamente, o termo “quebrar patentes”, empregado vulgarmente, é inadequado, pois pressupõe uma supressão
total e definitiva de direitos, equivalente a confisco ou cassação, o que não é o caso, pois mesmo em caso de
aplicação de licença compulsória, é devido o pagamento de
royalties
ao titular da invenção, sendo ainda tal situação
de caráter temporário.
185
Quando o Ministério da Saúde do Brasil ameaçou a Roche com o licenciamento compulsório para a produção do
Nelfinavir, o laboratório protestou alegando que, pelos termos desse acordo, o Governo americano deveria ter sido
avisado, pois a patente é americana e pertence a Pfizer. O Brasil retrucou o argumento, uma vez que sua relação era
com a Roche e que se estava invocando o artigo 71, que não havia sido objeto do acordo e sim o artigo 68.
210
Enquanto se desenrolava a disputa entre Brasil e Estados Unidos no âmbito da
OMC, outro embate se dava, sendo, dessa vez, entre os laboratórios produtores e o
Governo da África do Sul. O país reconhecia patentes para substâncias farmacêuticas
desde 1978, por meio do Patents Act nº 57. Todavia, com a adoção, em 1997, do
Medicines and Related Substances Control Act Amendments, ficava permitida a
produção local ou importação de medicamentos genéricos, mesmo que protegidos pela
legislação anterior. Em reação, 39 laboratórios
186
questionaram a legalidade da
Emenda junto à Suprema Corte de Apelação, alegando ser ela contrária aos princípios
do TRIPS, do qual é o país signatário. Com a atuação do Brasil e o recrudescimento da
epidemia em toda a África subsaariana e, em especial na África do Sul, a ação ganhou
repercussão internacional quando da ocorrência do julgamento em março de 2001. O
Governo sul-africano recebeu apoios de toda a ordem como da Cruz Vermelha
Internacional, do New York Times e, concretamente, da Índia, que se propôs a fornecer
matérias-primas, e do Brasil, que ofereceu tecnologia de formulação
187
. Sob intensa
pressão das organizações não-governamentais e da opinião pública em geral, os
laboratórios retiraram a ação em troca da garantia do Governo sul-africano de respeitar
as regras multilaterais
188
. A mobilização das ONGs também colocou em evidência os
altos custos do tratamento anti-HIV nos países desenvolvidos. Segundo avaliação da
firma IMS Health, de um total de US$ 317,2 bilhões gastos em medicamentos, em geral,
186
Dos 39 laboratórios, três eram grandes produtores de medicamentos anti-retrovirais: GlaxoSmithKline, Merck e
Bristol-Myers Squibb.
187
O fornecedor de medicamentos genéricos anti-HIV é uma empresa privada indiana, Cipla LTD, que os oferecia a
países africanos a valores 40% mais baratos do que a proposta feita pelas multinacionais, e é a mesma da qual o
Brasil importa matéria-prima para a produção dos genéricos formulados localmente. Como já dito, a Índia, em
conformidade com as regras do TRIPS, terá reconhecido patente para medicamentos em 2005, estando livre para
comercializá-los aqueles fora do alcance dessa data. Porém, ao mesmo tempo em que oferece medicamentos aos
países em desenvolvimento, a Índia sofre críticas por não ter uma política de atenção aos portadores de HIV/AIDS
do país, o que motiva os laboratórios multinacionais a afirmar que a empresa não estaria preocupada com os doentes
de AIDS, mas apenas interessada em conquistar mercados, embora caiba ressaltar que se trata uma empresa privada.
Nessa disputa, na mesma semana em que ocorria o julgamento na África do Sul, a Cipla pedia formalmente licença
ao governo desse país para exportar medicamentos anti-retrovirais.
188
Enquanto isso, esses mesmos laboratórios negociavam a redução de preço dos medicamentos com outros países
africanos como Senegal e Costa do Marfim, e outros ainda, como Quênia e Etiópia, declararam a AIDS emergência
nacional, como primeiro passo para a importação de medicamentos genéricos.
211
no mundo em 2000, 88% desse valor o foram nos Estados Unidos, Europa e Japão
189
,
desgastando ainda mais sua imagem também nos países desenvolvidos.
Em abril, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, durante sua 57ª
Sessão Anual, aprovava moção apresentada pelo Brasil, por 52 votos, com a solitária
abstenção dos Estados Unidos, considerando acesso a medicamentos como direito
fundamental, conforme transcrita parcialmente abaixo:
“1.Estime que l’accès aux médicaments, dans le contexte de pandémies
telles que celle de VIH/sida, est un des éléments essentiels pour la
réalisation progressive du droit de chacun de jouir pleinement du droit au
meilleur état de santé physique et mentale qu’il est capable d’atteindre;
2.Invite les États à mettre en œuvre des mesures, conformément au droit
international applicable, y compris les accords internationaux auxquels ils ont
adhéré, qui contribueraient:
a) À mettre à disposition, en quantités suffisantes, des produits
pharmaceutiques et des techniques médicales servant à traiter des
pandémies telles que celle de VIH/sida ou les infections opportunistes les
plus courantes qui y sont associées;
b) À offrir à tous, y compris aux secteurs les plus vulnérables de la
population, la possibilité d’avoir accès sans discrimination à ces produits
pharmaceutiques et techniques médicales, à un prix abordable pour tous, y
compris les groupes socialement défavorisés;
c) À donner la certitude que les produits pharmaceutiques ou techniques
médicales servant à combattre des pandémies telles que celle de VIH/sida
ou les infections opportunistes les plus courantes qui y sont associées, quels
que soient leur source et pays d’origine, sont scientifiquement et
médicalement appropriés et de bonne qualité
190
.
189
Conforme dados do IMS Word Review 2000. In: http://www.ims-global.com/ insight/news_story/0103/
news_story_010314.htm
190
Cf. Resolução E/CN.4/RES/2001/33 da Comissão de Direitos do Homem das Nações Unidas, intitulada
Accès aux
médicaments dans le contexte de pandémies, telles que celle de VIH/sida, 71
e
seance, 23 avril 2001
.
212
Em maio de 2001, também a Organização Mundial da Saúde apoiaria a causa
defendida pelo Brasil, aprovando moção, durante sua Assembléia Geral, conclamando
a todos os Estados Membros a...
“(8) to support, encourage and provide incentives for increased
investment in research related to HIV/AIDS, including social and
behavioural research, and in the development of new preventive and
therapeutic approaches and technologies, including in particular HIV/AIDS
vaccines and microbicides;
(…)
(10) in order to increase access to medicines, to cooperate constructively
in strengthening pharmaceutical policies and practices, including those
applicable to generic drugs and intellectual property regimes, in order
further to promote innovation and the development of domestic industries
consistent with international law;”
191
.
No mês seguinte, em junho, a Assembléia Geral das Nações Unidas promovia
Sessão Especial sobre HIV/AIDS, cuja Declaração Final afirmava a prioridade do
acesso a tratamento, nos trechos que se seguem:
“15. Recognizing that access to medication in the context of pandemics
such as HIV/AIDS is one of the fundamental elements to achieve
progressively the full realization of the right of everyone to the enjoyment
of the highest attainable standard of physical and mental health;
16. Recognizing that the full realization of human rights and fundamental
freedoms for all is an essential element in a global response to the
HIV/AIDS pandemic, including in the areas of prevention, care, support
and treatment, and that it reduces vulnerability to HIV/AIDS and prevents
191
Cf.
Fifty-Fourth World Health Assembly WHA 54.10 Agenda 13.6, 21 May 2001 Scaling up the response to
HIV/AIDS.
213
stigma and related discrimination against people living with or at risk of
HIV/AIDS;
17. Acknowledging that prevention of HIV infection must be the mainstay
of the national, regional and international response to the epidemic; and
that prevention, care, support and treatment for those infected and
affected by HIV/AIDS are mutually reinforcing elements of an effective
response and must be integrated in a comprehensive approach to combat
the epidemic;
18. Recognizing the need to achieve the prevention goals set out in this
Declaration in order to stop the spread of the epidemic and
acknowledging that all countries must continue to emphasize widespread
and effective prevention, including awareness-raising campaigns through
education, nutrition, information and health-care services;
19. Recognizing that care, support and treatment can contribute to
effective prevention through increased acceptance of voluntary and
confidential counselling and testing, and by keeping people living with
HIV/AIDS and vulnerable groups in close contact with health-care
systems and facilitating their access to information, counselling and
preventive supplies;”
192
.
O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, em seu Relatório de
Desenvolvimento Humano do ano de 2000, chegou a defender a suspensão do
pagamento de royalties, em caso de interesse público.
Apertando o cerco contra os laboratórios, organizações não-governamentais,
militantes da causa da AIDS ou da saúde pública e dos direitos humanos, como a
“Médicos sem Fronteiras”, Oxfam Internacional, Third World Network, Human Rights
Watch e outras, desencadearam uma campanha mundial em apoio ao Brasil e aos
demais países em desenvolvimento em sua luta contra a AIDS, acusando-os de
estarem apenas interessados em lucros e indiferentes à vida humana. Durante o
processo judicial corrido na África do Sul, militantes de diversas ONGs atuaram
192
Cf.
Declaration of Commitment on HIV/AIDS "Global Crisis — Global Action" United Nations General Assembly
Special Session on HIV/AIDS June 25-27 2001
.
214
ativamente, pela imprensa ou pela Internet, na mobilização da opinião pública. A ONG
“Médicos sem Fronteiras” lançou campanha pelo acesso a medicamentos a baixo custo,
anunciando que iria adquirir medicamentos genéricos fabricados por empresas
indianas. Durante a reunião ordinária do Conselho do TRIPS, na OMC, em junho de
2001, voltada para debater a questão de acesso a medicamentos e a relação com a
propriedade intelectual, mais de cem organizações não-governamentais divulgaram
declaração em apoio à revisão dos termos do Acordo multilateral.
A solicitação de inclusão do tema na reunião ordinária do Conselho do TRIPS foi
feita pelos 41 países africanos que são membros da OMC, com vistas a abrir as
discussões preparatórias para a IV Conferência Ministerial da OMC, que viria a ser
realizada em Doha, Catar, em novembro. Dois documentos foram apresentados para o
debate, sendo um pela Comunidade Européia e, outro, por um grupo de países em
desenvolvimento
193
. O documento europeu considerava que o TRIPS, em seu
conteúdo, abria possibilidades para a flexibilização de sua aplicação não carecendo de
revisão, mesmo que tais exceções não fizessem menção explícita à saúde pública.
Reiterava, também, a importância da garantia dos direitos de propriedade intelectual
para o estímulo à criatividade e à inovação, inclusive, no tocante a novos
medicamentos. O documento concluía afirmando que melhorias das condições de
saúde pública deveriam ser integradas por políticas e ações de ordem social,
econômica e sanitária, que se complementariam entre si, atendo-se o TRIPS à questão
de acesso a medicamentos, não podendo, portanto, ser o Acordo responsabilizado pela
crise de saúde pública dos países em desenvolvimento, reiterando a disposição da CE
em colaborar para sua resolução
194
. Já o documento dos países em desenvolvimento
afirmava, em seu preâmbulo, que a questão sobre TRIPS e saúde pública não
193
Barbados, Bolívia, Brasil, Equador, Filipinas, Grupo Africano, Honduras, Índia, Indonésia, Jamaica, Paquistão,
Paraguai, Peru, República Dominicana, Sri Lanka, Tailândia e Venezuela. O Grupo Africano (Membros da OMC)
englobava, à época, 41 dos 53 países do continente.
194
Documento IP/C/W/280 12 de junho de 2001 (01-2903). In: www.wto.org
215
constituía fato isolado, mas que integrava um processo que deveria assegurar aos
Membros da OMC que o dito Acordo não minaria o direito dos Membros de formular
suas próprias políticas de saúde pública bem como o de adotar medidas para sua
proteção. Embora considerassem que o TRIPS permitia a implementação de políticas
de saúde pública, seria necessário explicitar os pontos onde isto parecesse obscuro,
ampliando sua flexibilidade. Prosseguia invocando todas as manifestações em torno
dos efeitos do TRIPS sobre a saúde pública e os apoios recebidos à causa da
flexibilização: o affair sul-africano, as resoluções da OMS e das Nações Unidas, a XI
Cúpula de Chefes de Estado e Governo do Grupo dos Quinze (G-15)
195
e, finalmente, o
apoio de organizações não governamentais como a “Médicos Sem Fronteiras”, Oxfam e
Consumers International. Tratava-se de um documento político, mas também técnico,
pois esmiuçava, artigo por artigo, os ditames do TRIPS que impediriam maior
desenvoltura nas questões pertinentes às políticas de saúde pública. Um dos termos
mais contundentes é o que, ao tratar do Artigo 7, afirmava que os direitos de
propriedade intelectual não existiam no vácuo, mas que se suporia beneficiarem a
sociedade como um todo e não apenas a garantir direitos privados. E, por fim,
declarava que, onde os proprietários de patentes falhassem em cumprir os objetivos do
TRIPS e de políticas de saúde pública, os Membros poderiam tomar medidas para
garantir a transferência e a disseminação de tecnologias que melhor proporcionassem
acesso a medicamentos
196
.
Em setembro, já com vistas à formulação do draft da Declaração Ministerial a ser
discutido em Doha, novamente reuniu-se o Conselho do TRIPS. Desta feita, três foram
os projetos apresentados, sendo o primeiro o dos países em desenvolvimento,
acrescido das adesões de Bangladesh, Cuba e Haiti; o segundo, de um grupo de
países desenvolvidos (Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão e Suíça) na primeira
195
O G-15 foi constituído em 1989 com o objetivo de promover a cooperação Sul-Sul e o diálogo Norte-Sul sobre
comércio, investimento e tecnologia. È composto por Argélia, Argentina, Brasil, Chile, Egito, Índia, Indonésia,
Jamaica, Malásia, México, Nigéria, Peru, Quênia, Senegal, Sri Lanka, Venezuela e Zimbábue. A XI Cúpula realizou-
se em Jacarta, Indonésia, em maio de 2001.
196
Documento IP/C/W/296, 19 de junho de 2001. In: www.wto.org
216
parte e, na segunda parte, apresentado por Canadá, Estados Unidos, Japão, Nova
Zelândia, República Tcheca e Suíça; o terceiro, de Hong Kong-China, que tratava
especificamente da questão de licença compulsória. A peça principal do primeiro
documento afirmava que
“…Nothing in the TRIPS Agreement shall prevent Members from
establishing or maintaining marketing approval procedures for generic
medicines and other healthcare products, or applying summary or
abbreviated marketing approval procedures based on marketing
approvals granted earlier for equivalent products.”
197
.
O segundo documento, emanado pelos países desenvolvidos, reiterava os
termos daquele anteriormente apresentado pela Comunidade Européia quanto ao papel
da propriedade intelectual para o avanço do conhecimento e quanto à combinação de
políticas voltadas para a saúde pública, reconhecia
“...that it is, therefore, the common responsibility of international
organizations, governments, non-governmental organizations and private
actors, through their areas of responsibility, to contribute to the promotion
of the most favourable conditions for improving access to medicines for
treatment of HIV/AIDS and other pandemics;”
198
.
Reafirmava, ainda, que o TRIPS dispunha de flexibilidades, as quais deveriam
ser utilizadas pelos Membros para oferecer medicamentos necessários aos tratamentos
de HIV/AIDS e de outras pandemias.
No entanto, o round final estava reservado para a Conferência Ministerial da
Organização Mundial do Comércio, em Doha, em novembro de 2001. Seria lá que se
197
O documento discorria ainda sobre a liberdade de autorização às importações paralelas, liberdade de estabelecer
as razões para outorga de licenças compulsórias, possibilidade de conceder licenças compulsórias à produção no
exterior, procedimentos de aprovação de comercialização abreviada para genéricos, possibilidade de utilizar
informações confidenciais por exigência do interesse público, abstenção de imposição ou de ameaça de imposição de
sanções dentro ou fora da OMC, prorrogação dos períodos de transição para os países em desenvolvimento e países
menos avançados, vigilância contínua por parte do Conselho do TRIPS. Conforme Documento IP/C/W/312
WT/GC/W/450 de 04 de outubro de 2001 (01-4803). In: www.wto.org
198
Documento IP/C/W/313 de 04 de outubro de 2001 (01-4779). In: www.wto.org
.
217
teria a interpretação definitiva das regras constantes do Acordo TRIPS aplicadas à
saúde pública e, em especial, à questão das políticas nacionais voltadas à terapêutica
da AIDS. O Brasil, liderando um grupo de países em desenvolvimento, apresentou uma
proposta visando a tornar claras e definidas as regras no âmbito do TRIPS, que
permitissem flexibilizar o monopólio conferido pelos direitos de patente, no que se
refere a acesso a medicamentos, enfrentando a oposição de Estados Unidos, Canadá,
Suíça, Japão e outros. Ampliando o campo de desentendimento, os países
desenvolvidos julgavam o TRIPS instrumento satisfatório para a resolução de situações
dessa natureza, enquanto os países em desenvolvimento reivindicavam uma
declaração mais incisiva, como um adendo ao Acordo, que os resguardassem de
sanções futuras. Daí, a posição de que “nada no Acordo TRIPS não impede e não
deverá impedir os membros de tomar medidas para proteger a saúde pública”.
O embate já se daria na própria conceituação do tema, pois, enquanto os países
desenvolvidos aceitavam conversações sobre acesso a medicamentos, os países em
desenvolvimento argumentavam em torno de emergência de saúde pública, termo que
lhes permitiria maior lastro para futuras ações. A divergência residia nas possibilidades
que se abririam diante de situações que permitissem o recurso à utilização da
prerrogativa, a ser definida pelo acordo final. Acesso a medicamentos restringiria esse
recurso a situações específicas enquanto saúde pública tornava-se uma definição
extremamente abrangente.
Tal polêmica, evidentemente, é derivada do reforço das regras da propriedade
intelectual no âmbito multilateral, pela elaboração do TRIPS, e sua passagem para a
OMC, organização extremamente fortalecida pelos instrumentos coercitivos que dispõe.
Dentre as diversas modificações introduzidas pelo TRIPS, no que se refere
especificamente a patentes, definiu-se por sua extensão a todos os setores
tecnológicos
199
. A partir de iniciativa do Brasil, associado a outros países em
199
Cf.
TRIPS Agreement
: 1994, art.27.1.
218
desenvolvimento, o TRIPS, em suas Disposições Transitórias (Art. 65), estabeleceu a
adoção parcelada de patenteamento a setores tecnológicos não anteriormente
protegidos, conferindo o prazo de dez anos, ou seja, 2005, para os países em
desenvolvimento – categoria em que se incluíam Brasil e Índia, quanto a patentes
farmacêuticas
200
. Portanto, no caso desses dois países, o TRIPS obrigava-lhes a
adotar, até o fim deste prazo, o patenteamento de produtos e processos nesse setor.
No entanto, o Brasil adequou sua legislação a estas regras sete anos antes do prazo
201
,
decorrente das incessantes pressões bilaterais empreendidas pelos Estados Unidos
202
.
Já a Índia só veio a reconhecer patente para medicamentos em 2005, estando até
então livre para comercializá-los, sem o pagamento de royalties.
Em tese, ao mesmo tempo em que preconiza a livre circulação de mercadorias
em âmbito internacional, a patente assegura os direitos de propriedade intelectual de
processos e produtos com o devido reconhecimento do monopólio temporal e de
pagamento de royalties por uso de terceiros, evitando a pirataria e as contrafações
(SOARES, 1995: 99). Diferentemente dos acordos anteriores que fundamentaram as
questões de propriedade intelectual em nível internacional, como a Convenção da
União de Paris (1883) e suas subseqüentes revisões, os quais reservavam aos países
o direito de criarem salvaguardas ou exceções, através do não-reconhecimento de
proteção a determinadas categorias de produtos ou processos, o TRIPS se firma como
um acordo que não apenas busca a harmonização das legislações, garantindo o mais
amplo livre comércio, respeitando-se os direitos de propriedade intelectual, mas impõe-
se como uma legislação multilateral que obriga a adequação das legislações nacionais
dos países signatários a seus ditames, sob pena de aplicação de sanções ou
200
A Lei nº 5.772/71 – antigo Código da Propriedade Industrial do Brasil – não contemplava a patenteabilidade de
produtos e processos farmacêuticos e alimentícios (restrição estendida à biotecnologia, conforme entendimento do
INPI, a época). O
Patent Act
da Índia, de 1970, contemplava patente apenas para processo farmacêutico, limitado a
um período de 07 anos.
201
Tal fato se deu com a entrada em vigor da Lei nº 9.279/96, com vigência a partir de maio de 1997 que, além de
conferir patenteabilidade na área farmacêutica, a nova Lei derrogou a excepcionalidade para produtos alimentícios e
químicos em geral.
202
Existe ampla bibliografia a respeito das pressões norte-americanas sobre o Brasil para que o País adotasse regras
mais rígidas relativas à propriedade intelectual, por meio de retaliações comerciais e outras formas de pressão sendo
que, para tal, dentre muitas, vale citar TACHINARDI (1993), LYRIO (1994), ALMEIDA (1994).
219
represálias, por meio do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC,
caracterizando total ineditismo no campo dos direitos da propriedade intelectual
(SOARES, 1995: 114). Acresce que, pelo princípio do single undertaking, todos se
renderam a tal situação, pois, segundo Stegemann (2000), se, aparentemente, países
em desenvolvimento, países recém-industrializados e países em regime de economia
de transição decidiram fazê-lo, foi porque nutriam expectativas acerca de eventuais
compensações derivadas de outros acordos do bloco geral da OMC, embora ressalte
que muitos países não procederam a essa escolha por conta de acesso a mercados,
mas em razão de não ter, efetivamente, escolha, já que era de conhecimento amplo, ao
final da Rodada Uruguai, que a alternativa que se apresentava consistia em se sujeitar
aos acordos bilaterais, sem sequer ter acesso às prerrogativas conferidas pelo
Mecanismo de Solução de Controvérsias (STEGEMANN, 2000: 1242-1243). E é
justamente pelas possibilidades geradas pelo ambiente multilateral que os países em
desenvolvimento disporiam de alternativas, contidas no próprio Acordo do TRIPS para
até mesmo corrigi-lo, pois, conforme Kongolo (2000), há vários artigos em seu texto que
poderiam ser utilizados como estratégia por esses países, do ponto de vista interno,
enquanto que, como estratégias externas, caberia fundar um sistema regional que
considerasse, de um lado, os direitos de propriedade intelectual e, de outro, o que
chama de herança tradicional (KONGOLO, 2000: 350)
203
.
Com a adoção do Acordo de Propriedade Intelectual, no âmbito da criação da
Organização Mundial do Comércio, o sistema da propriedade intelectual deixava de se
ater especificamente à esfera da OMPI para se alocar à competência da OMC,
sujeitando-se às mesmas regras que ditam o comércio internacional, relativas a
garantias de competitividade, livre concorrência e circulação de mercadorias. Essa nova
modalidade de acordo internacional, de caráter global, leva a três ordens de
consideração, que acabam por convergir e entrecruzar-se, quais sejam, a política, a
econômica e a social. A primeira trata do papel dos Estados Nacionais como fonte
203
Kongolo cita, por exemplo, no caso das alternativas permitidas pelo próprio Acordo TRIPS, o Artigo 27.2 que
trata da noção de ordem pública e a exceção conferida para a proteção do ambiente e o Artigo 30, que prevê também
exceções aos direitos dos titulares (KONGOLO, 2000: 350).
220
exclusiva de seus respectivos arsenais legais, na busca do seu interesse específico e
de suas populações, no exercício de sua condição de Estados independentes e na
aplicação do conceito de soberania nacional. A segunda trata do poder econômico e,
no caso específico do TRIPS, da revolução tecnológica em curso, principalmente nos
campos da informação e da biotecnologia, e da garantia do monopólio das tecnologias,
geradas majoritariamente nos países e/ou blocos mais avançados, primordialmente
Estados Unidos, Europa e Japão, a partir dos grandes conglomerados empresariais.
Ou seja, em princípio, aos países que não possuem capacitação para acompanhar a
vaga revolucionária das novas tecnologias, estaria reservado o papel de importador de
conhecimentos e técnicas, ou mesmo de produtos acabados, uma vez que impedidos
de obtê-los pelo poder coercitivo das regras multilaterais e por força de suas próprias
legislações nacionais, a elas adaptadas, a menos que paguem royalties por tais
conhecimentos e técnicas. E a terceira, a que garantia acesso a suprimentos
essenciais, sem obstáculos, à manutenção da saúde e do bem-estar social.
Outro fato novo, que marca a ruptura em relação aos sistemas anteriores,
relaciona-se à dissociação entre a produção do conhecimento, intangível, e a produção
material em escala, tangível. E é a intangibilidade da produção, traduzida em elementos
como conhecimento, informação, tecnologia e marca, que confere domínio na economia
globalizada (FURTADO,1999: 106-107). Assim, a propriedade intelectual, protegendo o
direito desses elementos intangíveis, agora reconhecido internacionalmente pelo
acordo do TRIPS, assegura o patamar de expansão do capital. Reichman (1995)
considera que a transmissão das leis de propriedade intelectual para o campo
econômico internacional estabelecerá, gradualmente, padrões mínimos universais
regendo as relações entre países de maior grau de inovação e outros menos
adiantados, em um mercado mundial integrado. Ainda, que, ao superar a Convenção
de Paris no tocante à limitação territorial, o TRIPS reconheceu a força das indústrias
baseadas no conhecimento, que alteraram radicalmente a natureza da competição
internacional (REICHMAN, 1995: 346-347). O mesmo autor manifesta a preocupação
de que, ao não adotarem essas novas regras, alguns países em desenvolvimento
221
acabariam por se prejudicar, na medida que isto despertaria a ocorrência de ações
protecionistas por parte de países desenvolvidos, o que beneficiaria mais estes do que
os primeiros (REICHMAN, 1997: 91-92). Correa (2000), por sua vez, afirma que seja
tarefa difícil proceder à avaliação dos impactos do TRIPS sobre os países em
desenvolvimento, em seu conjunto, dada a disparidade dos níveis de desenvolvimento
econômico e tecnológico entre eles. No entanto, é possível supor que no caso de
países de maior grau de industrialização, o impacto da adesão às regras de
propriedade intelectual recairia sobre as condições de obtenção de tecnologia externa,
além do preço dos produtos protegidos e da perspectiva de produção baseada em
processos imitativos. Já nos casos de países com reduzido nível de industrialização, o
efeito se daria sobre os preços dos produtos que passaram a ser protegidos ou que a
proteção tenha sido assegurada (CORREA, 2000: 24)
204
.
No campo da biotecnologia, essa questão torna-se absolutamente vital, por
encerrar segmentos de aplicação que envolvem a vida humana e a sobrevivência dos
povos, alimentação e saúde, o que leva também sua extensão ao terreno da ética ou da
chamada bioética. O debate em torno dos alimentos geneticamente modificados, do
acesso a medicamentos e de novas possibilidades terapêuticas – a partir da engenharia
genética – tem se tornado campo de preocupações, estudos e de definição de políticas
públicas por parte de organizações não-governamentais, acadêmicos e Governos em
todo o mundo, tomados de perplexidade pelo potencial cada vez maior das inovações
nesse campo e pela polêmica em torno de seu monopólio versus a quem se destinam
essas inovações, em última instância ao bem-estar da humanidade, denotando a
questão no campo social. O caso mais gritante dessa polêmica vinha sendo o do
acesso a medicamentos e terapias pelas populações dos países em desenvolvimento
ou menos desenvolvidos, atingidas pela epidemia de HIV/AIDS. Essa situação agrava-
204
Correa considera que, além desses fatores, os direitos de propriedade intelectual constituiriam apenas uma das
facetas que poderiam influir sobre o fluxo de investimentos estrangeiros – à época da Rodada Uruguai, a
argumentação dos países desenvolvidos era a de que maior grau de segurança desses direitos incentivaria o aumento
dos investimentos – pois outros fatores atuam como atração como tamanho do mercado, políticas macroeconômicas,
etc. (CORREA, 2000: 24).
222
se, sobretudo, no caso do continente mais empobrecido, a África e particularmente a
região subsaariana, que não possui condições de adquirir os medicamentos – todos de
custo bastante elevado – para distribuir à população afetada e, menos ainda, de
capacitação para desenvolver uma produção local, seja pela transferência formal de
tecnologia, seja pela formulação a partir de tecnologias já em domínio público ou cópias
ilegais. Essa questão insere-se, mais amplamente, em como se promover um amplo
acesso a medicamentos de última geração, uma vez que os acordos internacionais
asseguram o monopólio da exploração, através da patente, por vinte anos. Da mesma
forma, outra questão vem sendo colocada acerca do acesso aos recursos genéticos da
biodiversidade, “matéria-prima” para a criação de novos alimentos e medicamentos, em
sua maior parte presentes nos países em desenvolvimento ou menos avançados e
distanciados da corrida tecnológica. E, por conseguinte, coloca-se a questão sobre a
quem pertence, exclusiva ou cooperativamente, os direitos de propriedade intelectual,
resultantes das inovações decorridas do uso desses recursos, que envolvem as
reservas da biodiversidade e os conhecimentos tradicionais, utilizados pelas
populações originárias desse ambiente?
205
Tomando-se a idéia de Barbosa (1999) sobre a dinâmica inventiva e a questão
levantada por Reichman (1995) sobre o reconhecimento pelo TRIPS da importância da
indústria do conhecimento, pode-se verificar um intenso esforço de capacitação e
investimento das empresas de maior porte em pesquisa e desenvolvimento de produtos
por meio do emprego das técnicas de biotecnologia como a engenharia genética, a
biologia molecular, a genética molecular, a imunologia molecular, a bioquímica
molecular e de formação de massa crítica que abrange todo o processo produtivo,
desde os estudos iniciais de viabilidade até o produto final, numa escala de centenas de
milhões de dólares, associado a uma forte estrutura de marketing. Garantidas pela
proteção patentária, que confere direitos exclusivos de exploração das tecnologias, seja
205
Trata-se de questão igualmente polêmica que, para uma corrente de interpretação, coloca em choque os preceitos
estipulados pela Convenção da Diversidade Biológica, que assegura que os recursos da biodiversidade pertencem aos
Estados frente aos desígnios do Acordo TRIPS que definem ser qualquer tecnologia desenvolvida propriedade
privada de quem assim procedeu, sendo que tal questão foi mandatada no termo negociador da Rodada Doha.
223
pela produção, importação ou pelo licenciamento a terceiros por duas décadas em
escala mundial, as empresas geradoras de tecnologia nesses setores necessitam obter
um retorno financeiro altamente compensador de seus investimentos, que lhes permita
uma contínua capacidade de inovação.
Essa constante capacidade de inovação possibilitada pelos fatores descritos e
empreendida por empresas fortemente capitalizadas, cujas matrizes estão sediadas
basicamente nos Estados Unidos e Europa, gera um acúmulo de conhecimento, capital
e domínio do mercado mundial bastante concentrado, configurando os grandes
conglomerados multinacionais. Essas formações, de características oligopolísticas,
assim, habilitam-se a agregar novas potencialidades de expansão das fronteiras de
conhecimento e de mercado, a partir de elementos até recentemente pouco valorizados
como a formulação de medicamentos a base de produtos naturais, oriundos do
complexo da biodiversidade, e o desenvolvimento de novas vacinas, ampliando seus
patamares de competitividade. Esse conjunto de ações e estratégias imprime um ritmo
acelerado de desenvolvimento tecnológico industrial e, igualmente, dos paradigmas
científicos, fazendo-os cair em rápida obsolescência. No aspecto econômico, a força do
capital se revela preponderante, ultrapassando as fronteiras nacionais, elegendo alguns
e excluindo outros, numa roda ditada pela competitividade. No aspecto científico-
tecnológico, esse mesmo capital deita sua força na geração do conhecimento e na
inovação tecnológica continuada, onde produzir subordina-se ao saber. E a proteção
de conhecimentos e inovações, garantidas em acordos multilaterais pelas novas regras
da propriedade intelectual, sob pena de sanções comerciais que não mais apenas
retaliações bilaterais, assegura um domínio e uma concentração de técnicas difíceis de
serem rompidas ou burladas. Quando todo este modelo se aplica à sobrevivência,
como medicamentos e alimentos que, por sua vez, se tornaram segmentos industriais
altamente competitivos e rentáveis, insere-se a questão da ética e da eqüidade entre os
povos.
224
Como reação a esse estado de coisas, surgiu uma onda cujo propósito
fundamental consiste em construir a definição de “bens públicos globais” ou “bens
públicos mundiais”, apresentada como uma concepção revolucionária. Sen (2000),
Prêmio Nobel de Economia, estabelece uma distinção sobre o que se pode adquirir
para uso próprio – os bens privados – e o que se pode usufruir ou “consumir juntos”
como um padrão de bem-estar social e os meios que promovem a eqüidade, como
saúde e educação, que seriam os bens públicos, não necessariamente de mercado
(SEN, 2000: 153). Essa reação vem, diante do quadro sanitário dos países em
desenvolvimento, e da situação africana em particular, contestando ativamente o
sistema mundial de patentes reforçado pelo TRIPS, e a própria OMC, protestando
contra todo o processo de globalização.
Portanto, a campanha dos países em desenvolvimento, mobilizada pelo êxito do
Programa brasileiro de atenção aos portadores de HIV/AIDS, constituiu plataforma
fundamental para as organizações não-governamentais internacionais que refutam a
dimensão acachapante da globalização econômica que, em sua perspectiva, atenderia
somente aos interesses do capital internacional oligopolizado em detrimento do bem-
estar das populações mundiais, considerando a OMC e todos os seus acordos, a
síntese perfeita desse processo. E, por tal, tornaram-se aliados de primeira hora na
empreitada dos países em desenvolvimento para alcançar a flexibilização do Acordo de
Propriedade Intelectual.
A atuação dessas organizações não-governamentais de alcance mundial, ou
atores transnacionais da sociedade civil organizada, foi proporcionada,
primordialmente, pelo fim da Guerra Fria, de um lado e, pelo avanço tecnológico dos
meios de comunicação e transporte de outro. A literatura a respeito desse fenômeno
aponta, consensualmente, para a crescente participação e influência das organizações
não-governamentais no âmbito das relações internacionais e nos processos
multilaterais, primeiramente pela revolução engendrada pelas telecomunicações e a
instantaneidade com que os fatos são apresentados à opinião pública, tornando o
225
mundo uma efetiva aldeia global (VILLA, 1999: 21; SMITH, 1998: 26). Outras razões
seriam de caráter político, dado o pluralismo ocidental que permite, mais facilmente, a
emergência de organizações societais (VILLA, 1999: 22), ou, ainda, o crescimento de
organizações internacionais, voltadas para estimular a cooperação em torno de temas
de comércio e política econômica, buscando reforçar capacidades internacionais para
solucionar problemas coletivos, como a manutenção da paz e o monitoramento
ambiental (SMITH, 1998: 95). Embora alguns autores dêem diferentes denominações
para esses atores, todos os caracterizam de forma mais ou menos idêntica. Villa (1999)
propõe uma caracterização ampla, a qual seria “agente societal que estabelece um tipo
inovador de vinculações extra-estatais, baseando-se em contatos, coligações e interações através das
fronteiras nacionais ante os quais os órgãos centrais da política externa estatal, ou supranacional, têm
relativa, ou nenhuma, capacidade regulatória”
(VILLA, 1999: 22). Keck & Sikkink (1999)
denomina-os Transnational Advocacy Networks (TANs), redes de ativistas que se
distinguem pela centralidade de idéias, valores e princípios que motivam sua formação
constituindo “forms of organizations characterized by voluntary, reciprocal and horizontal patterns of
communication and exchange (...) organized to promote causes, principled ideas and norms, and often
involve indivíduals advocating policy changes...”
(KECK & SIKKINK, 1999: 89-91). Outros,
como Smith (1998), chamam-nos de Transnational Social Movement Organisations
(TSMOs), os quais seriam ONGs que se engajam internacionalmente e objetivam, em
primeiro lugar, trazer mudanças progressivas em temas específicos, assinalando a
presença de uma rede transnacional global, que emergem de redes pré-existentes ou
associações, que proporcionam interações entre indivíduos com interesses comuns; em
segundo lugar, fornecem novas e contínuas possibilidades de expressão a populações
marginalizadas; em terceiro lugar, buscam criar vínculos onde os laços entre pessoas
ou grupos sejam fracos e, em quarto lugar, como atividade principal, formatar e
conduzir um discurso público transnacional sobre questões globais (SMITH, 1998: 95-
96), partilhando normas, modos e influência política com objetivo temático limitado,
sendo exemplos Anistia Internacional, Greenpeace e Oxfam (MARTENS, 2000, 118).
Emergem em torno de temas que, atuando em rede, procuram promover e avançar em
suas missões e campanhas, tanto em nível nacional, quanto internacional por meio de
226
conferências internacionais e outros formas que ajudam a fortalecer a própria rede
(KECK & SIKKINK, 1999: 92-93). Primam pela capacidade de mobilizar
estrategicamente informações para ajudar a criar novos temas e categorias visando a
persuadir, pressionar e ganhar influência sobre organizações e governos muito mais
poderosos, tentando não somente influenciar resultados políticos como também
transformar os termos e a natureza do debate. Atuam procurando influenciar da mesma
forma que outros grupos sociais e, por essas organizações não disporem de poder, no
sentido tradicional do termo, usam o poder da informação, idéias e estratégias, visando
a alterar as informações e o contexto de valores, segundo os quais os Estados
elaboram suas políticas (KECK & SIKKINK, 2000: 94-95). Aliás, para Villa (1999), é a
influência que fornece o campo de delimitação da atuação dos atores transnacionais.
Na medida que não dispõem dos mecanismos de coerção, no sentido weberiano do
monopólio do uso legítimo da força, como os Estados Nacionais, resta aos atores
transnacionais a utilização da influência, no sentido, igualmente weberiano, da ação
politicamente orientada, voltada para a construção do consenso (VILLA, 1999: 23-24).
Portanto, a influência não está vinculada a instituições que sejam fontes de autoridade
formal, mas repousa “...nas respostas societais globais que apresentam, em face dos desequilíbrios
sistêmicos gerados pelos novos fenômenos transnacionais de segurança como os desajustes ecológicos,
saúde, identidade cultural e qualidade de vida dos cidadãos em todo o planeta
” (VILLA, 1999: 24).
Também Keck & Sikkink (2000) definem os tipos e meios de influência, que seriam a
criação e a atenção para um tema e o estabelecimento da respectiva agenda; a
influência sobre posições superficiais de Estados e Organizações; a influência sobre
procedimentos institucionais; influência sobre mudança política em atores alvo, sejam
sobre Estados, organizações regionais ou internacionais ou atores privados e a
influência sobre o comportamento dos Estados (KECK & SIKKINK, 2000: 98). Villa
(1999) categoriza os meios de influência para cada ator alvo, sendo que, para o sistema
interestatal recorre a pesquisas, propostas, alianças e negociações, além da
propaganda; para o sistema supranacional, como as Conferências, por exemplo, busca
alianças com Estados contra propostas de outros visando à construção de consensos;
e para o sistema transnacional, voltam-se, em geral, para as multinacionais ou para
227
ONGs com visões divergentes sobre uma mesma questão (VILLA, 1999: 27-29).
Kriesberg (1997) adverte, no entanto, que a capacidade de influência das organizações
sofre alguns tipos de constrangimento em suas ações como os custos de transação
decorrente de atuar em nível internacional, a competição entre elas e as dificuldades de
se implementar uma ação coordenada no plano internacional. A par, diferentemente de
outros atores globais, as organizações transnacionais são desprovidas de poder
enquanto que – reconhece – os Estados ainda continuam os mais poderosos dentre
todos, principalmente se mais ricos. Tal situação, no entanto, longe está de incapacitar
sua ação, conferindo-lhes o cenário internacional chance de desempenhar papel
peculiar no processo político global e ampliar sua influência sobre as políticas
transnacionais (KRIESBERG, 1997: 15-16).
Especificamente, quanto à interação entre atores transnacionais e organizações
internacionais, Smith (1998) considera que estes proporcionam transparência às
negociações entre países que, normalmente, se dão de forma obscura. Devido às
pressões encaminhadas pelos atores transnacionais, os governos tendem a fazer mais
concessões e ter maior responsabilidade (accountability) nessas arenas (SMITH, 1998:
102-103). Martens (2000) considera, igualmente, que essa interação possibilita ganhos
para as ONGs, pois ganham visibilidade, devido à atenção da mídia – principalmente
quando da realização das Conferências globais – e, por conseguinte, obtém êxito para
suas causas, fazendo coro com Smith (MARTENS, 2000: 121-122). Como Villa (1999)
mesmo ressalta, esse constitui seu método de ação, por meio da sensibilização da
opinião pública, da ação direta e do acompanhamento da mídia (VILLA, 1999: 29).
Martens levanta outro ponto positivo para as ONGs na participação junto às
Organizações Internacionais, pois ampliam suas redes através do contato com outras
ONGs, fortalecendo suas conexões (MARTENS, 2000, 122). Contudo, tanto Martens
quanto Villa ressalvam a importância do papel dos Estados Nacionais: Martens afirma
que os Estados ainda decidem os procedimentos e conteúdos das Conferências assim
como determinam a participação das ONGs e quais delas influenciam em seus
228
resultados (MARTENS, 2000: 122)
206
, enquanto Villa lembra que aos Estados ainda
compete
“...o atributo da soberania, definindo normas, regulamentos e políticas em determinado
território e, com isso, definindo pautas para a ação dos atores transnacionais
”, porém, tendo em
vista que os fenômenos globais são, por natureza, descentralizados, fogem ao controle
desses Estados, propiciando a influência dos atores transnacionais (VILLLA, 1999: 31).
Isto posto, a IV Conferência Ministerial da OMC se tornou palco fundamental
para a demonstração de força e influência das organizações não-governamentais,
principalmente no tocante à flexibilização do Acordo TRIPS e da relativização dos
direitos de propriedade intelectual, pois representava, nessa perspectiva, o embate
entre o que consideravam os direitos do capital e os direitos da Humanidade.
A IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, realizada em
novembro de 2001, em Doha, abrangeu diversos temas relativos ao comércio
internacional, pendentes em grande parte de negociação e resolução entre seus
Membros. Tanto os chamados temas “velhos” (redução de tarifas, subsídios, anti-
dumping, etc.) quanto os temas “novos” (meio-ambiente, padrões trabalhistas,
investimentos e concorrência, comércio eletrônico, etc.), provocavam cisões assim
como determinaram coalizões de interesses que variavam conforme cada um deles.
Além das divergências sobre os diversos temas a constar da agenda,
assombravam, ainda, o cenário da Conferência, ameaçando seu êxito, as reações de
grupos organizados, e outros nem tanto, ao processo de globalização; a profusão de
acordos regionais e bilaterais firmados à margem de um grande acordo multilateral
global, que só a OMC poderia promover e; por fim, o excesso de disputas comerciais,
havido por conta da indefinição de regras que apenas um consenso global poderia
206
Em relação à Organização Mundial do Comércio, as organizações da sociedade civil participam das Conferências
Ministeriais, na condição de observadoras, após preencherem os requisitos estabelecidos pela Organização. De 1996
(I Conferência) a 2001 (IV Conferência), o número de organizações mais que quintuplicou. No entanto, além dessa
participação nas Conferências, o raio de ação dessas organizações limita-se a participação em simpósios temáticos,
contatos com o Secretariado e reuniões regulares. É editado um boletim, de periodicidade mensal, exclusivamente
para as organizações não-governamentais, relatando as atividades da OMC.
229
prescrever. Por outro lado, havia o reconhecimento da necessidade de se lançar uma
nova Rodada, como fato novo e positivo que produzisse alguma dose de otimismo no
panorama mundial, principalmente após a ocorrência dos atentados de 11 de setembro.
Mas não era apenas esse o único fator perturbador naquele momento, pois já se
vislumbrava a escalada de uma recessão mundial, agravada por aquele terrível
acontecimento. Além disso, após o fracasso de Seattle, urgia criar-se uma imagem de
legitimidade e, principalmente, de efetividade à Organização, por meio da redução do
nível de protecionismo das economias mais poderosas e da maior inserção dos países
em desenvolvimento e menos avançados no sistema mundial de comércio (AMORIM &
THORSTENSEN, 2002:58)
207
.
No início dos trabalhos, verificavam-se diversos pontos nevrálgicos a dificultar a
perspectiva de se encontrar entendimentos, sendo o maior deles, o tema da
liberalização agrícola, seguidos pela celeuma sobre patentes e saúde pública, e mais
Anti-dumping e Medidas de Implementação, os chamados temas tradicionais e, Meio
Ambiente, tema considerado novo, embora já estivesse em discussão no âmbito do
cotidiano da OMC. Ainda como complicadores, os chamados Temas de Cingapura, ou
temas novíssimos, principalmente Investimentos e Concorrência e, em menor escala,
Transparência em Compras Governamentais e Facilitação de Comércio.
207
Entendimento semelhante é expresso por Robert B. Zoellick, então diretor do U.S. Trade Representative, em
documento de 30 de outubro de 2001 (ZOELLICK, 2001: 4-5).
230
QUADRO VII
DISTRIBUIÇÃO DA POSIÇÃO DOS MEMBROS
POR CATEGORIA DE TEMAS TRADICIONAIS
OMC/Doha-2001
ATORES EM CONTENDA
TEMAS TRADICIONAIS
POSIÇÃO POR MANTER
POSIÇÃO POR REVER
Agricultura
Comunidade Européia, Japão,
Coréia do Sul, Noruega, Suíça
Grupo de Cairns, Estados Unidos
Propriedade Intelectual
Estados Unidos, Canadá,
Suíça, Japão
Brasil, Índia, Grupo Africano
Anti-dumping
Estados Unidos
Japão, Coréia do Sul, Brasil
Medidas de
Implementação
Estados Unidos e
Comunidade Européia
Índia, Egito, Paquistão, Malásia
Elaborado a partir de Amorim & Thorstensen, (2002).
231
QUADRO VIII
DISTRIBUIÇÃO DA POSIÇÃO DOS MEMBROS
POR CATEGORIA DE TEMAS NOVOS
OMC/Doha-2001
ATORES EM CONTENDA
TEMAS NOVOS
FAVORÁVEIS
CONTRÁRIOS
Investimentos e
Concorrência
Comunidade Européia, Japão
Índia, Egito, Paquistão,
membros da ASEAN
Padrões Trabalhistas
Comunidade Européia e
Estados Unidos
Brasil, Índia, Egito, Paquistão,
Malásia, membros da ASEAN
Comércio e Meio Ambiente
Comunidade Européia,
Noruega, Suíça
Grupo de Cairns
Elaborado a partir de Amorim & Thorstensen (2002).
Assim, pairava, até então, sobre a OMC, o espectro de um novo fracasso – que
até a véspera da Conferência de Doha parecia iminente – o qual poderia colocar em
causa a própria existência da Organização, pela impossibilidade de atingir resultados
palpáveis e concretos com vistas a um maior grau de liberalização do comércio
mundial, à promoção do desenvolvimento econômico e à inserção das economias dos
países em desenvolvimento e menos avançados no comércio mundial. Até às vésperas
da realização da Conferência, não havia qualquer perspectiva de acordo sobre os
232
diversos temas em questão, sendo que, aos países em desenvolvimento, todos
tocavam de perto.
Em dezembro de 2001, dois anos após o fracasso do lançamento da Rodada do
Milênio, durante a Conferência Ministerial de Seattle, a Organização Mundial do
Comércio logrou construir, durante a IV Conferência Ministerial, em Doha, uma agenda
de negociações que veio a configurar a Rodada de Doha ou a Agenda de Doha para o
Desenvolvimento. Tal feito só se tornou possível por conta das concessões de todas as
partes em busca de um consenso mínimo que viabilizasse o lançamento desta nova
Rodada. Assim, buscando evitar o fiasco da Conferência, os Membros acabaram por
ceder em suas posições iniciais, em meio a intensas negociações, que selaram o
lançamento da nova Rodada e a extensão de seu mandato, que se encerraria em 01 de
janeiro de 2005, sendo que as negociações tiveram início em janeiro de 2002,
aplicando-se o princípio do single undertaking, pelo qual os resultados constituiriam
parte de um compromisso único ou, no jargão da OMC “nada estará acordado enquanto
tudo não estiver acordado”.
No trade off das negociações entre os atores em contenda, cada um cedeu um
pouco, em busca do consenso possível, ou o que se poderia denominar de
“concessões pelo consenso”, relativas a cada um dos temas polêmicos
208
.
No tema da Agricultura, Comunidade Européia, Suíça, Noruega, Coréia do Sul
e Japão aceitaram discutir a revisão de suas práticas protecionistas, comprometendo-se
com a extinção gradual dos subsídios, porém, “sem prejulgar os resultados das
negociações”. Em troca, os Estados Unidos, que haviam se aliado ao Grupo de Cairns
nesta questão, dispuseram-se a colocar em pauta o tema de anti-dumping, ferramenta
protecionista a qual o país tem recorrido intensamente. No quesito a respeito das
relações entre patentes e saúde pública, os Estados Unidos acabaram por ceder,
208
A narrativa que se segue, sobre a construção do consenso em Doha, é baseada em Amorim & Thorstensen (2002:
62-77).
233
aceitando a flexibilização do Acordo TRIPS em casos de emergência de saúde pública,
cedendo também o Brasil quantos aos termos finais da Declaração pertinente, e a Índia,
que se propunha a rever todo o Acordo.
No que se refere às Medidas de Implementação, tema que se atém aos acordos
da Rodada Uruguai ainda passíveis de aplicação, alguns países em desenvolvimento,
como Índia, Egito, Paquistão e Malásia, chegaram mesmo a ameaçar boicotar o
lançamento de uma nova Rodada. Consistia este tema uma das principais
reivindicações destes países, sob a alegação de que, antes de se cogitar em
estabelecer um novo mandato de negociações, era preciso concluir a implementação
dos acordos decorrentes da Rodada anterior que, até aquele momento, em quase nada
os havia beneficiado no que tangia a uma efetiva liberalização comercial, sendo eles,
por isso, frontalmente contrários à adoção de novos temas. Aí, cederam Comunidade
Européia e Estados Unidos que, inicialmente, aceitavam apenas identificar essas
medidas sem, necessariamente, ter que proceder à sua revisão. Nesse aspecto, o
Brasil desempenhou papel fundamental, ao assegurar a inclusão desse tema no
conjunto de temas sujeito ao princípio do single undertaking, bem como a Declaração
sobre TRIPS e Saúde Pública, logrou obter uma declaração em separado
209
.
Meio Ambiente terminou por entrar na Rodada, como desejava a Comunidade
Européia, contudo, sem os requisitos que lhe eram tão caros, como os princípios da
precaução, multi-funcionalidade e bem-estar animal, vistos por seus adversários na
Agricultura como mero estratagema protecionista. Substancialmente, incluiu-se o
estudo da compatibilidade entre as regras da OMC e os diversos Acordos Multilaterais
Ambientais no que diz respeito às suas cláusulas comerciais, assim como a proposição
para a redução ou eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias para bens ou
serviços ambientais e, igualmente, “sem prejulgar os resultados das negociações”.
209
Implementation-related issues and concerns, Decision of 14 November 2001. Disponível em http://www.wto.org/
english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_implementation_e.htm
234
Para os novíssimos temas, Investimentos e Concorrência, fortemente
combatidos pela Índia e seus aliados próximos, encontrou-se uma solução, no mínimo,
curiosa. Excluídos do mandato de negociações pertencente à Rodada, criaram-se
Grupos de Trabalhos para tratar dos seus termos, sendo que só seriam iniciadas as
negociações após a realização da V Conferência Ministerial, em Cancun, em setembro
de 2003, caso houvesse “consenso explícito”, embora não se soubesse exatamente o
que queria dizer tal expressão, pois todas as deliberações tomadas no âmbito da OMC
o são por consenso. Valeu o mesmo dispositivo para Transparência em Compras
Governamentais e Facilitação de Comércio. Ou seja, os Temas de Cingapura não
entraram no mandato da Rodada, mas também não saíram, situação que se arrastaria
desde a Conferência de Cingapura até a Conferência de Cancun.
QUADRO IX
CONCESSÃO DOS MEMBROS POR
TEMAS PARA O CONSENSO
OMC/Doha-2001
Membro que cedeu
Tema em que cedeu
Em que ponto cedeu
Comunidade Européia
Agricultura
Aceita a inserção da expressão
“phasing out”
(extinção gradual dos subsídios),
mas sem prejulgamento do
resultado das negociações
Estados Unidos, Suíça,
Canadá, Japão
Patentes e Saúde Pública
Aceitaram a flexibilização do
TRIPS em caso de emergência
de saúde pública
Estados Unidos
Anti-dumping
Aceitou abrir negociações
235
QUADRO IX (cont.)
Estados Unidos e
Comunidade Européia
Medidas de Implementação
Aceitaram como parte integrante
das negociações
(single undertaking)
Comunidade Européia, Japão,
Índia, Malásia e ASEAN
Temas de Cingapura
Tema aceito para discussão,
mandatado mediante
“consenso explícito”
Comunidade Européia e
Grupo de Cairns
Meio Ambiente
Tema mandatado, porém sem o
alcance pretendido
Comunidade Européia e
Estados Unidos
Padrões Trabalhistas
Tema mantido no âmbito da OIT
Comunidade Européia e
Estados Unidos
Comércio Eletrônico
Tema não mandatado
Elaborado a partir de Amorim & Thorstensen (2002).
No entanto, a matéria considerada a mais polêmica da Conferência resultou,
surpreendentemente, na primeira a alcançar o consenso. As partes ultimaram
entendimentos sobre a redação final do parágrafo 4º da Declaração sobre Propriedade
Intelectual e Patentes, de forma a definir-se tempos verbais que promovessem o
necessário consenso. Assim, o emprego do verbo dever no futuro condicional – “does
not and should not prevent” – ao invés de “shall not”, como desejavam inicialmente os
países em desenvolvimento, propiciou as bases do entendimento que evitou o
confronto. Os Estados Unidos cederam em algo e o Brasil também, conforme
demonstram partes do texto da Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública que, pela
relevância que foi atribuída ao tema, foi desmembrada da Declaração Final:
236
“1. We recognize the gravity of the public health problems afflicting many
developing and least-developed countries, especially those resulting from
HIV/AIDS, tuberculosis, malaria and other epidemics.
2. We stress the need for the WTO Agreement on Trade-Related Aspects
of Intellectual Property Rights (TRIPS Agreement) to be part of the wider
national and international action to address these problems.
3. We recognize that intellectual property protection is important for the
development of new medicines. We also recognize the concerns about its
effects on prices.
4. We agree that the TRIPS Agreement does not and should not prevent
members from taking measures to protect public health. Accordingly,
while reiterating our commitment to the TRIPS Agreement, we affirm that
the Agreement can and should be interpreted and implemented in a
manner supportive of WTO members' right to protect public health and, in
particular, to promote access to medicines for all.
In this connection, we reaffirm the right of WTO members to use, to the
full, the provisions in the TRIPS Agreement, which provide flexibility for
this purpose.”
210
.
As posições mais radicais, como a da Índia, que insistia na proposta original dos
países em desenvolvimento de rever o Acordo, e outras, mais radicais ainda, de
algumas ONGs, que se batiam contra todo o espírito do TRIPS, foram demovidas.
Indubitavelmente, os termos da Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública
representaram uma vitória do poder de pressão e, principalmente, de negociação dos
países em desenvolvimento. Mas, como declarou o Embaixador do Zimbábue na OMC
e presidente do Conselho do TRIPS, Boniface Chidyausiku, trata-se de “uma apólice de
seguros” (ESP, 15/11/2001: B10), algo para ser utilizado em caso de “emergência de
saúde pública”, conceito que, aliás, a Declaração reservou a cada país como interpretar
ou definir. O TRIPS foi preservado, e até mesmo fortalecido, pois todos reiteraram seu
210
Excertos da
Declaration on the TRIPS agreement and public health, Adopted on 14 November 2001
. Disponível
em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_trips_e.htm
237
compromisso com seus termos e com o direito da propriedade intelectual. Ou seja, tem-
se agora um passe livre para agir, em caso de necessidade.
Analistas (WINESTOCK & COOPER, 2001: B12) consideram que o episódio da
ameaça americana de “quebrar a patente” do medicamento Cipro, pertencente à Bayer
alemã, quando da perspectiva de uma escalada terrorista biológica, após os atentados
de 11 de setembro, teria levado os Estados Unidos a perceberem a importância da
flexibilização do Acordo. Sem dúvida que tal questão pode ter colaborado para a
resolução da contenda, mas não só. Igualmente, segundo alguns analistas, quando do
julgamento na Suprema Corte sul-africana, o Governo norte-americano já não havia
dado apoio integral às reivindicações dos laboratórios farmacêuticos multinacionais, o
que já demonstraria certa reserva em relação aos astronômicos lucros dessas
empresas, em grande parte gerado pelo alto custo do tratamento contra HIV/AIDS no
próprio país
211
, alterando a posição norte-americana, graças à mobilização da opinião
pública (BLOCK, 2001: B16; COOPER, ZIMMERMAN & MCGINLEY, 2001: B11). Ainda
durante as negociações em Doha, o lobby dos laboratórios farmacêuticos tentou
pressionar o negociador americano com o objetivo de alterar o resultados das
negociações, sem sucesso.
Fruto da construção do consenso possível, a Declaração Final da IV Conferência
exprime, em seu teor, ambivalências que dão margem a diversas interpretações,
fazendo com que se a leia conforme a ótica dos interesses de cada parte envolvida. Às
vezes mesmo, parece se contradizer em seus termos. Expressões empregadas para
satisfazer a todos os Membros terminaram por engendrar uma tessitura que viria a
provocar uma série de impasses nas negociações em andamento. No entanto, há uma
tônica dominante dos textos resultantes de Doha, a qual enfatiza a maior inserção dos
países em desenvolvimento e menos desenvolvidos no comércio internacional, como
211
No início do processo judicial, o Governo americano, durante a Administração Clinton, colocou a África do Sul
na lista de países enquadrados na Section 301, a legislação americana que impõe sanções aos países considerados
contrários a seus interesses comerciais. Ainda, durante a campanha eleitoral, os Estados Unidos mudaram sua
posição, não tomando parte, posição reiterada pelo Governo Bush e, também, pela União Européia.
238
promotora do desenvolvimento e condição necessária para o estabelecimento de um
efetivo sistema multilateral de comércio (AMORIM & THORSTENSEN, 2002: 59-60). A
boa intenção encontra-se presente em todas as Declarações: na Declaração Final, na
definição do Programa de Trabalho, em que a maior parte dos temas alude à integração
dos países em desenvolvimento e menos avançados no sistema mundial de comércio,
na Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública e na Declaração sobre Medidas de
Implementação. Tal predominância, reiteradamente afirmada, refletiria a preocupação
em responder tanto às críticas internas, dos Membros menos influentes da
Organização, que até Seattle eram relegados a plano secundário nas negociações,
como também aos movimentos anti-globalização, que acusam ser a OMC um “clube de
ricos”.
Diante de todos os impasses previsíveis, porém evitados na undécima hora,
Sally (2003) atribui a alguns fatores o êxito do lançamento da Rodada, sendo o primeiro
a atuação do Embaixador Stuart Harbinson, Chairman do Conselho Geral e condutor
das negociações imediatamente anteriores à Conferência, ao conseguir conferir um
ambiente de transparência e confiabilidade, por meios de consultas permanentes,
restaurando o que havia sido perdido em Seattle. A segunda causa teria sido o
atentado de 11 de setembro, pois, sem a sua ocorrência, dificilmente se teria auferido o
consenso necessário, dentre outros motivos, não só porque as ONGs encontravam-se
menos barulhentas naquele momento, mas, principalmente, pelo cenário que se
desenhou após a tragédia, ou seja, uma crise política internacional somada à escalada
recessiva que se formava, colaborando para a demonstração de cooperação que
Seattle, igualmente, não tivera (SALLY, 2003:9). Laird (2002) salienta que, no entanto,
o êxito da Rodada, que na verdade, tem outro nome oficialmente – Programa de
Trabalho – só seria alcançado se fossem levados em conta os reclamos dos países em
desenvolvimento, pois, após Seattle, estes têm muito pouca vontade de negociar
quaisquer temas que não estejam vinculados a seu interesse direto (LAIRD, 2002: 59-
60).
239
Narlikar afirma que os resultados constantes do Programa de Trabalho definido
em Doha, que conformaram o mandato negociador da Rodada, derivaram do impacto
da ação das diversas coalizões atuantes no processo. Assim, as questões relativas aos
interesses dos países menos desenvolvidos são fruto dos esforços da coalizão
denominada Small and Vulnerable Economics Group
212
, composta por Membros
insulares em sua maioria. Outro resultado da ação de coalizões foi a decisão de
protelar (waiver) o Acordo de Parceria entre o Grupo ACP e a Comunidade Européia,
pela articulação dos países pertencentes àquele Grupo com o Grupo Africano. Da
mesma forma, a Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública deveu-se à ação da coalizão
homônima (NARLIKAR, 2004:10).
Cabe ressaltar que, a despeito de todas as críticas que são dirigidas à
Organização, praticamente todos os países são Membros da OMC ou estão em
processo de acessão
213
. Além daqueles que já eram Partes Contratantes do GATT e
que, em seguida se tornaram Membros, mais vinte países a ela acederam, entre 1996 e
2005, conforme demonstra o quadro abaixo:
212
A coalizão é composta por Barbados, Dominica, Fiji, Granada, Ilhas Mauricio, Ilhas Salomão, Jamaica, Lesoto,
Papua Nova Guiné, Santa Lucia, Trinidad e Tobago.
213
Em acessão estão Afeganistão, Andorra, Argélia, Azerbaijão, Bahamas, Belarus, Butão, Bósnia-Herzegovina,
Cabo Verde, Casaquistão, Guiné Equatorial, Etiópia, Iêmen, Irã, Iraque, Laos, Líbano, Líbia, Montenegro, Rússia,
Samoa, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Seychelles, Sudão, Tajiquistão, Tonga, Ucrânia, Usbequistão, Vanuatu,
Vietnam.
240
QUADRO X
MEMBROS ACEDIDOS A OMC APÓS SUA CRIAÇÃO
1996-2005
ANO
MEMBRO
1996
Bulgária, Equador
1997
Mongólia, Panamá
1998
Quirguistão
1999
Estônia, Letônia
2000
Albânia, Croácia, Geórgia, Jordânia, Omã
2001
China, Lituânia, Moldova
2002
Taipe Chinesa (Taiwan)
2003
Armênia, Macedônia
2004
Camboja, Nepal
2005
Arábia Saudita
Elaborado a partir de dados disponíveis pela OMC
Erigida a nova Organização Mundial do Comércio, em vigor desde 01 de janeiro
de 1995, dotada de todo seu aparato regulador e mesmo coercitivo definido pelos
países desenvolvidos, coube aos países em desenvolvimento, naquele primeiro
momento, atuar ainda de forma bastante tênue, após a avalanche de pressões sofridas
durante as negociações e a própria fase de conclusão dos Acordos que lhe deram
origem. Evitou-se, igualmente, uma “onusização” da OMC, adotando-se o critério
241
deliberativo do consenso, em nada semelhante ao do GATT, pois se tratava de uma
organização bem mais complexa e, ainda, se adicionava o princípio do single
undertaking em que todos os Acordos estavam amarrados uns aos outros. Já em
Cingapura, em 1996, novos temas, de interesse dos países desenvolvidos foram
esboçados e percebeu-se que era ainda precoce introduzí-los em nova etapa
negociadora e, por conseguinte, foram protelados para posterior discussão. Em
Genebra, motivo de comemorações pela ocasião do qüinquagésimo aniversário do
sistema multilateral de comércio, pouco de significativo ocorreu, gestando a grande
surpresa para Seattle, em 1999.
Embora se presumisse que não haveria novas rodadas, após criada a OMC, os
temas que já se enunciavam configuravam uma complexidade de negociações que,
habilmente, a Comunidade Européia pleiteou que conformassem uma nova Rodada de
Negociações, até para evitar que nas negociações dos temas built-in-agenda, ficasse a
mercê das demandas por maiores concessões visando à liberalização na Agricultura.
Diante dos impasses sucessivos, e agravados pelos movimentos contrários à
globalização, Seattle redundou em um fracasso sem precedentes na história do sistema
multilateral do comércio em seus mais de cinqüenta anos de existência. Nunca um
encontro ministerial, desde o antigo GATT, deixara de emitir uma declaração final ou
termo de compromisso. Inédito também o fato de ocorrer uma rebelião maciça dos
países de menor desenvolvimento relativo, que manifestavam ali sua profunda
insatisfação pelo constante processo de exclusão a que eram submetidos, por meio da
prática de se tomar decisões, concentradas em poucos atores, em recinto fechado – o
célebre Green Room – as quais depois estes países eram meramente participados.
Assim, muito mais que as manifestações que a mídia colocou em evidência, foi a
revolta dos menores participantes que paralisou o jogo e colocou em causa toda a
Organização. E, exatamente, esse poder lhes foi conferido pela regra adotada do
consenso. E a Rodada do Milênio simplesmente não aconteceu, percebendo-se que,
naquele momento, os países em desenvolvimento começavam a aprender a utilizar as
regras do jogo que não foram feitas nem por eles e nem para eles.
242
Embora combalida, a OMC seguiu seu ritmo de trabalho, buscando proceder a
uma avaliação interna dos seus procedimentos e de suas práticas, com vistas a não
mais repetir o ocorrido. Ao menos na retórica, a preocupação com os países em
desenvolvimento e, particularmente, aqueles de menor desenvolvimento relativo
passava a ser tônica dominante nas manifestações oficiais.
Dois anos depois, quando das vésperas da realização da IV Ministerial, as
divergências em torno dos mesmos pontos se reproduziam, causando o temor de novo
fracasso que poderia acometer gravemente a Organização. Porém, os eventos de 11
de setembro perpetraram uma atmosfera de solidariedade e cooperação, por conta do
choque provocado pela ação do inimigo invisível e intangível, colaborando para a
construção de um consenso mínimo que permitiu o lançamento da Rodada, cuja maior
referência se tornou a questão do desenvolvimento. Temas dos mais polêmicos como
aquele da relação entre acesso a medicamentos e propriedade intelectual, que veio a
forjar uma nova single-issue coalition, alcançou resultado tranqüilizante para todos os
Membros. Assim, colaborou para a obtenção do acordo, o ambiente favorável à
negociação que permeou toda a IV Conferência Ministerial, tanto que em relação aos
demais temas polêmicos, todas as partes antagônicas cederam em suas posições
iniciais, para alcançar o consenso que permitisse o lançamento da nova Rodada de
Negociações Multilaterais. Também relacionado ao trauma de Seattle, em Doha houve
o entendimento de que se deveria envolver, de maneira mais efetiva, todo o conjunto de
países em desenvolvimento nas negociações e não apenas os mais relevantes, como
ocorria anteriormente, desde os tempos do GATT.
243
CONCLUSÃO
A história da participação dos países em desenvolvimento no sistema
comercial tem sido caracterizada por uma trajetória oscilante, porém tenaz na busca da
prevalência de seus interesses e necessidades, inerente à perspectiva do
desenvolvimento econômico e de maior envolvimento no ordenamento econômico
mundial.
Assim o foi quando das negociações para o estabelecimento da Organização
Internacional do Comércio (OIC) quando, ao receberem o projeto delineado pelo
Departamento de Estado dos Estados Unidos, cuja ênfase repousava sobre a idéia do
livre comércio, almejaram inserir diversos pontos que, somados às exceções obtidas
para a reconstrução européia, alargaram-no o suficiente para que se sentissem
efetivamente atendidos e representados no que viria a constituir a nova Organização.
Ainda poucos, em maioria latino-americanos, foram ativos e altivos, levando à mesa de
negociações as demandas e expectativas voltadas ao crescimento econômico e à
industrialização. A par, como instância provisória de aplicação imediata, se desenhava
o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), dedicado exclusivamente a negociações
de redução tarifária para produtos industriais, aplicando-se a Cláusula da Nação Mais
Favorecida (MFN) que garantia a reciprocidade das concessões, no esquema produto a
produto.
Frustrada a implantação da Organização Internacional do Comércio pelo
desinteresse de seus próprios idealizadores, motivados por disputas internas sobre as
diferentes percepções da Carta de Havana e pelos embates da Guerra Fria que se
instalara, restou o GATT que, com suas rodadas periódicas, lograva atender aos
interesses dos adeptos do livre comércio, obtendo sucessivos e bem sucedidos cortes
tarifários, principalmente nas rodadas consecutivas àquela primeira de Genebra, em
1947, as de Annecy e Torquay, em 1949 e 1951, respectivamente. Ocorre que a lógica
do GATT em nada satisfazia aos interesses dos então ainda denominados países
244
subdesenvolvidos, pois pelo princípio estabelecido, nada tinham a oferecer a não ser
produtos primários, virtualmente excluídos das negociações. Ou seja, de protagonistas
atuantes nas Conferências de Londres, Genebra e Havana, passaram à condição de
meros coadjuvantes em meio às rodadas negociadas entre europeus e norte-
americanos, sendo as únicas disputas dignas de nota a que movia os Estados Unidos
contra o sistema de preferências imperiais mantidos pela Grã-Bretanha e seus antigos
domínios e a querela contra a Tchecoslováquia, única Parte Contratante integrante do
mundo socialista.
Lentamente, os países em desenvolvimento começaram a ecoar sua voz nas
sessões ministeriais do GATT, já rotinizadas, mediante a evidência do fracasso da OIC.
Em 1955, quando do primeiro processo de revisão do GATT, instituiu-se novo
dispositivo ao Artigo XVIII, conferindo algumas exceções aos países em
desenvolvimento, permitindo a alteração ou retirada de concessões tarifárias efetuadas
para a proteção a indústrias nascentes (infant industries) e o recurso a Restrições
Quantitativas à Balança de Pagamentos, assim como, desde que notificado
previamente, adotar medidas não conformes às regras do GATT visando à promoção
de setores industriais específicos. Tal concessão não serviu para aplacar as críticas
dos países em desenvolvimento que insistiam em algum tipo de tratamento especial
assim como a facilitação de acesso a mercados para produtos primários. Em 1958, era
lançado o Haberler Report, elaborado por equipe de quatro economistas, o qual
recomendava que fosse reduzida a proteção do mercado agrícola dos países
desenvolvidos, isso no mesmo momento em que era firmado o Tratado de Roma,
fundando a Comunidade Econômica Européia, que viria, logo depois, por meio da
Política Agrícola Comum, a fortalecer o bastião da resistência européia ao acesso a seu
mercado. Propunha ainda que se encontrassem mecanismos para a estabilização dos
preços das matérias-primas, principais itens de exportação dos países em
desenvolvimento. Nada das recomendações do referido Relatório foi adotada, a
despeito das tonitruantes declarações de solidariedade.
245
Simultaneamente a esse processo, desencadeado a partir do final dos anos 1940
e intensificado na segunda metade dos anos 1950, ocorriam as ondas de
descolonização das possessões européias, primeiramente na Ásia e, depois, na África,
tenha sido por negociações transacionadas entre a metrópole e a elite local, tenha sido
por movimentos de libertação nacional que, em alguns casos, recorreram até mesmo à
luta armada. As lideranças desses novos Estados, extremamente preocupadas com a
viabilidade econômica e política de seus países, recusavam-se a aceitar a ordem
bipolar da Guerra Fria que os instava a tomar partido em um dos dois campos reinantes
do sistema internacional, ou seja, entre os Estados Unidos com sua ordem capitalista e
a União Soviética com sua ordem totalitária. Gerou-se, daí, o movimento de
solidariedade afro-asiática, que engendrou o famoso “Espírito de Bandung”, advogando
os princípios da coexistência pacífica, não intervenção e não agressão, dentre outros,
desencadeando, posteriormente, no Movimento dos Não Alinhados, que viria a ganhar
o apoio de outros países fora desse eixo, mormente a Iugoslávia de Tito, que transitava
com desenvoltura nos agora três mundos – capitalista, comunista e subdesenvolvidos.
Essas dezenas de novos Estados soberanos vão maciçamente engrossar as
fileiras dos organismos internacionais existentes, tanto as Nações Unidas quanto o
GATT, sendo que, no caso desse último, beneficiados por dispositivos que
asseguravam sua acessão automática, independentemente de negociações tarifárias
prévias, caso a antiga metrópole aplicasse suas regras no território. Como prevalecia a
prática do consenso no GATT, tal não redundou na formação de maioria que
acarretasse em mudança radical de seus princípios. Porém, nas Nações Unidas, no
âmbito da Assembléia Geral, esses novos membros foram encontrar os pioneiros,
dentre os quais, os países latino-americanos, até então, porta-vozes quase solitários da
plataforma do desenvolvimento, que vinham implementando a proposta de
industrialização por substituição de importações, concebida por Raúl Prebisch, quando
da criação da Comissão Econômica da América Latina (CEPAL), nos final dos anos
1940.
246
O encontro das duas vertentes no seio das Nações Unidas aumentou o reclamo
por condições adequadas ao desenvolvimento desses países, levando à proclamação
da década de 1960 como a Década do Desenvolvimento. E prosseguiram na
articulação que redundou, em oposição à rigidez do GATT, na convocação da
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), cujo
primeiro secretário geral foi justamente Raúl Prebisch.
Como efeito desse movimento, o GATT introduziria ao texto do Acordo Geral a
sua Parte IV, intitulada Comércio e Desenvolvimento, que atenuava o princípio da
reciprocidade, estabelecido pela Cláusula MFN, ao estipular que os países
desenvolvidos não deveriam esperar dos países em desenvolvimento, concessões no
mesmo nível que por eles houvesse sido efetuada, assim como reconhecia a
necessidade de melhorar as condições de acesso a mercados para produtos primários
de forma que seus preços garantissem renda suficiente para os países produtores e
fossem justos para os consumidores.
A segunda conseqüência desse processo foi a institucionalização da UNCTAD
como agência das Nações Unidas que, para os países em desenvolvimento, deveria se
constituir no grande foro de negociações comerciais, em alternativa ao GATT, onde não
encontravam espaço adequado e receptivo para suas demandas.
Outro desdobramento desse movimento foi a criação da primeira ampla coalizão
dos países em desenvolvimento, o Grupo dos 77 (G-77), que não sofria dos
constrangimentos de membership exigidos ao Movimento dos Não Alinhados e voltados
especificamente para o debate e a apresentação das reivindicações de ordem
econômica desses países, coroando a junção havida no início da década de 1960,
tendo sido o papel desempenhado por Prebisch fundamental para consolidar não
apenas a plataforma como a união do Grupo, significando a internacionalização de suas
idéias. O segundo passo consistiu na formulação da proposta do Sistema Generalizado
de Preferências, que procurava ampliar o acesso a mercados dos países desenvolvidos
247
e relativizar ainda mais a Cláusula MFN. Prebisch logrou superar as divisões em torno
da proposta, surgidas pelo temor dos países menos desenvolvidos entre aqueles em
desenvolvimento de ser o Sistema inicialmente direcionado apenas para os produtos
manufaturados e semi-manufaturados, por conta da alteração do perfil de países que já
operavam a transformação de suas economias como os da América Latina e Leste da
Ásia. Ainda, tratou de convencer os principais defensores do livre comércio e ardorosos
batalhadores contra a instituição de quaisquer sistemas preferenciais, os Estados
Unidos, a apoiarem sua proposta, operando um hábil jogo contra a Europa. Na II
Conferência da UNCTAD, em 1968, já institucionalizada como agência das Nações
Unidas, o SGP foi aprovado, sendo posteriormente adotado pelo GATT em 1971.
1973 marcaria o ano do início das transformações da ordem econômica mundial,
pois em setembro começava a Rodada Tóquio, estendendo-se até 1979, que, pela
primeira vez, agregaria novos acordos à esfera do GATT, assim como deliberaria pela
Enabling Clause que ampliava o escopo da não reciprocidade e estendia o sistema
generalizado de preferência para o intercâmbio comercial entre os países em
desenvolvimento. Porém, o grande impacto se daria com o prenunciado emprego do
petróleo como instrumento de barganha econômica, acelerado com a ocorrência da
Guerra do Yom Kippur. Em retaliação aos países ocidentais simpatizantes a Israel, os
membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) promoviam um
boicote aos Estados Unidos e a alguns países europeus e, mais ainda, decretavam
uma elevação dos preços da ordem de 400% indiscriminadamente, tanto para países
desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Tal atitude fez com que alguns países em
desenvolvimento concebessem a proposta de empregar a mesma estratégia para
outros produtos primários, fazendo os países desenvolvidos temerem por uma escalada
mundial de cartelização de matérias-primas. Logo depois, na Conferência do
Movimento dos Não Alinhados em Argel, é lançada a proposta de uma Nova Ordem
Econômica Internacional, cujo mote fundamental consistia na revisão da divisão
internacional do trabalho. Uma série de encontros e conferências, inaugurando a
chamada oil diplomacy, foi encetada visando a encontrar meios que viessem a atender
248
às reivindicações dos países em desenvolvimento assim como arrefecer os ânimos que
garantissem o abastecimento para os países desenvolvidos.
Em conseqüência, foram realizadas as VI e VII Sessões Especiais da
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1974 e 1975, respectivamente, sendo que a
primeira lançava formalmente a plataforma da Nova Ordem Econômica Internacional e
a segunda discutia propostas que favorecessem os países em desenvolvimento assim
como a reforma da própria instituição, cujo propósito era voltado à sua reorientação
para esses países.
Os apelos inflamados do chamado Terceiro Mundo viriam, de um lado, a esboçar
as primeiras reações dos países desenvolvidos e, por outro, a começar a fragmentar a
ampla coalizão dos países em desenvolvimento. Assim, os países desenvolvidos
davam início a propostas visando a estabelecer algum mecanismo de consenso no
âmbito da UNCTAD ou do Conselho Econômico e Social, com o intuito de combater o
que chamavam de “tirania da maioria”, cujo ápice foi a equiparação do sionismo como
forma de discriminação racial. De outra forma, os países em desenvolvimento
dependentes das importações de petróleo, ainda que timidamente, manifestavam
insatisfações contra o tratamento igualitário conferido pelos países produtores sem
levar em conta as necessidades de seu desenvolvimento industrial.
Enquanto os países desenvolvidos paulatinamente se recuperavam do primeiro
choque, os países em desenvolvimento recorriam a empréstimos externos para pagar
precisamente a conta petróleo, porém desta vez não mais ao Fundo Monetário
Internacional, mas aos bancos privados internacionais, abarrotados dos petrodólares.
Esse processo, acentuadamente declinante para os países em desenvolvimento,
chegaria a seu auge ao fim da década de 1970, quando uma conjunção de fatores se
agregaria para golpear a articulação terceiromundista. A eleição da liderança
conservadora encabeçada por Margareth Thatcher na Grã-Bretanha, seguida quase
249
imediatamente pela de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, inspirados, no campo
econômico, pelas doutrinas monetaristas de cunho ortodoxo impregnadas de acento
liberal, viriam a trazer a idéia da primazia do mercado sobre o Estado, colaborando para
forte expansão das grandes empresas investidoras de tecnologia do Ocidente. Junta-
se a tais fatos, a invasão soviética sobre o Afeganistão que abalaria a hegemonia
comunista na Europa Oriental, minada posteriormente pela eleição do papa polonês e
da contestação operária neste país, implicando no recrudescimento da Guerra Fria. A
par, a segunda crise do petróleo, gerada pela revolução islâmica no Irã, agravaria a
situação dos países em desenvolvimento, expondo a lenta agonia do Terceiro Mundo,
cada vez mais endividado e empobrecido.
Os modelos alternativos à ordem liberal, que se instalava, começavam a entrar
em crise, todos centrados na ação do Estado, fossem o welfare state europeu, o
socialismo concreto soviético ou a substituição de importações latino-americanas,
restando menos vulneráveis os novos países industrializados (NICs) do Leste Asiático.
E, por conseguinte, a ampla coalizão do Terceiro Mundo também começava a se
esfacelar, quando Reagan decreta unilateralmente a morte da Nova Ordem Econômica
Internacional, no momento em que os lideres mundiais se encontravam reunidos para
buscar saídas para os países em desenvolvimento.
De outro lado, novas coalizões surgiam, porém, não formadas por Estados e sim
por grandes empresas preocupadas e interessadas em proteger os vultosos
investimentos efetuados em tecnologia e em garantir mercados seguros da contrafação.
Tinha início a reação dos países desenvolvidos, debilitados economicamente os
países em desenvolvimento, para inserir novos temas, como propriedade intelectual e
serviços, no âmbito do GATT, decorrentes da fantástica escalada tecnológica, calcada
em setores de ponta que viriam a revolucionar o conhecimento, a biotecnologia e a
informática, como também a química fina e novos materiais. Considerando que as
agências das Nações Unidas não se constituíam ambiente favorável às suas
250
pretensões, o GATT, pela norma vigente do consenso, tornava-se campo mais seguro
para tal intento. A primeira investida foi infrutífera, porém estava demarcado o terreno
para a próxima vez, o que veio a ocorrer em 1986.
Em princípio, os países em desenvolvimento, aglutinados no Informal Group of
Developing Countries, reflexo do G-77 no GATT, tentaram bloquear a agenda proposta,
porém a unidade logo foi se desvanecendo, colocando-se de um lado, Brasil e Índia,
liderando a coalizão do G-10, vetando a ampliação da agenda. De outro, um grupo de
vinte países em desenvolvimento que, parte constituída pelos NICs – os quais tinham
interesse em ampliar suas exportações para os mercados externos – e parte, temerosa
de ficar à margem do processo, formaram o G-20, tendo como base primordial a
iniciativa do Embaixador colombiano de montar grupos de estudos e consultas para
avaliar o tema de Serviços, dinâmica posteriormente denominada Jaramillo Process.
Assim, enquanto uma coalizão se opunha veementemente a tratar da questão, outra foi
em busca de perspectiva negociadora pragmática. A fissura se daria quando o G-10
apresentou draft reafirmando sua posição, levando o G-20 para outro extremo,
juntando-se ao G-9, grupo de países desenvolvidos, principalmente europeus,
formando uma nova coalizão, inédita em termos da política comercial, o Café au lait,
cujo nome é atribuído por suas duas principais lideranças, Colômbia e Suíça. E foi
esse grupo que viabilizou o lançamento da Rodada Uruguai do GATT, ao apresentar
draft que incorporava as principais demandas de todos os lados. Ou seja, aqueles que
apontavam para a radicalização acabaram isolados e, posteriormente, na negociação
de ambos os novos temas, foram flexibilizando suas posições por conta do próprio
processo de adequação de suas economias à Nova Ordem Mundial, representada
justamente por esses dois novos temas, que representavam a inauguração da
economia ou era do conhecimento.
Nos temas de interesse dos países em desenvolvimento, particularmente
Agricultura, pouco antes do início da Rodada, outra coalizão foi forjada, igualmente de
característica inédita, juntando países em desenvolvimento e desenvolvidos, o Grupo
251
de Cairns, sob a liderança da Austrália, voltada para combater o protecionismo agrícola
europeu. Situação incomum, em que, nesse caso, Estados Unidos e Comunidade
Européia estavam em pólos opostos, dando início ao surgimento de diferentes
clivagens em torno da variedade de temas que seriam incorporados no decorrer da
Rodada, ficando o Grupo mais próximo da posição norte-americana que, nessa
perspectiva, era até mais radical, exigindo imediata abertura dos mercados e redução
rápida dos subsídios agrícolas.
Tanto Cairns quanto Café au lait inauguravam a dinâmica de formação de single
issue coalitions, dotadas de características negociadoras e propositivas, fazendo
perceber que coalizões de veto, pura e simplesmente, não encontrariam espaço no
GATT, habituado ao consenso, e muito menos na rede complexa que se formava com a
inserção da diversidade de temas. O G-10 e o Café au lait acabaram sucumbindo
antes mesmo do princípio das negociações, mas por motivos diferentes. O G-10 se
esvaziou quando suas duas principais lideranças, Brasil e Índia se dispuseram a
negociar, e o Café au lait por não ter construído laços que propiciassem sua
sobrevivência após o cumprimento de seus objetivos. Restou Cairns como modelo de
sobrevivência, buscando sempre novas causas em torno do mesmo tema, mantendo o
Grupo bastante atuante até há pouco tempo atrás. Ambos fizeram escola, pois quase
todas as coalizões surgidas já no âmbito da nova Organização Mundial do Comércio
(OMC) eram – e são – fundamentalmente single issue coalitions.
A dinâmica criada pela OMC, definindo o consenso como processo deliberativo
maior e a adoção do princípio do single undertaking levou à formação de uma série de
coalizões móveis, compostas por diferentes atores, desprovidas de regras fixas de
pertencimento e alinhamento, colocando muitas vezes os integrantes de uma mesma
coalizão em oposição em outra coalizão, configurando a chamada geometria de
coalizões variáveis.
252
As sucessivas Conferências Ministeriais da OMC, órgão máximo deliberativo,
transformaram-se em momentos cruciais da organização e do avanço da liberalização
comercial. Cingapura, em 1996, já apresentava outros novos temas – ou novíssimos –
que opunham países desenvolvidos a países em desenvolvimento, mas não houve
veto, deixando-se simplesmente para se negociar posteriormente após a conclusão dos
grupos de estudos formados para analisá-los ou, no caso de padrões trabalhistas,
considerá-lo de competência da Organização Internacional do Trabalho. Em Genebra,
o mesmo se deu em Comércio Eletrônico, protelando-se as negociações.
Entre Genebra e Seattle, apareceram as primeiras especulações, movidas pela
Comunidade Européia, acerca do lançamento de nova rodada de negociações
multilaterais, embora houvesse entendimento generalizado que novas rodadas não
seriam mais necessárias, cabendo à OMC a condução das negociações, em nível
ordinário. No entanto, buscando escapar do ataque dos países que visavam a seu
mercado agrícola, trouxe a proposta como estratagema objetivando dotar-se de
elementos maiores de barganha.
Não houve consenso em Seattle quanto à inclusão dos novíssimos temas, dada
a oposição de alguns países em desenvolvimento que cobravam, antes de tudo, a
implementação de acordos da Rodada Uruguai e o prosseguimento de outros,
relacionados a temas que eram de sua conveniência e interesse, como Agricultura,
processo conhecido como built-in-agenda. Além disso, igualmente fato inédito, ocorreu
a rebelião dos países de menor desenvolvimento relativo que, tradicionalmente, ficavam
à margem do processo negociador e deliberativo, aceitando tudo o que era antes
tratado a portas fechadas por grupo restrito de países – o Green Room – que constituía
prática herdada do antigo GATT. E, muito mais por essa ferrenha oposição do que
pelas manifestações de rua protagonizadas pelos movimentos contrários à globalização
– que viam na nova OMC sua mais perfeita tradução, diferentemente do GATT que
tinha um aspecto essencialmente técnico – a III Conferência redundou em fracasso
absoluto. O que difere a fugaz tentativa de se lançar a Rodada do Milênio da bem
253
sucedida instalação da Rodada Uruguai é que, em primeiro lugar, os países em
desenvolvimento não se opuseram gratuitamente à inclusão dos novos temas, mas
aprenderam a utilizar o poder de barganha que dispunham para exigir a implementação
de acordos que os beneficiavam, embora valha salientar que não se tratava de posição
unânime, mas de alguns deles. Em segundo lugar, a revolta provocada pelos menores
não aconteceu para negar a Organização ou o sistema, mas para pleitear maior
participação e audiência, recusando-se ao papel de massa de manobra. Ou seja, todos
passaram a entender a dinâmica de trade off propiciada pela Organização, fruto da
vinculação de todos os temas e da própria condição do consenso.
Para a IV Conferência Ministerial, a perspectiva da ausência de consenso
novamente se avizinhava com a repetição das divisões entre os temas, acrescido por
outro mais polêmico, a questão relativa a acesso a medicamentos, o qual ganhou
intensa relevância pelo êxito do Programa brasileiro de atenção a portadores do
HIV/AIDS e pela dramática situação africana, opondo a coalizão de TRIPS e saúde
pública, apoiada pelas organizações não-governamentais, contra alguns países
desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Japão e Suíça. Com os atentados de
11 de setembro e a iminência de uma escalada recessiva mundial e a encruzilhada em
que se encontrava a OMC, todas os Membros cederam em suas posições iniciais,
possibilitando condições para se chegar ao consenso e viabilizar o lançamento de nova
rodada de negociações multilaterais, intitulada Agenda de Doha para o
Desenvolvimento, cuja tônica dominante era a maior inserção dos países em
desenvolvimento e, particularmente os de menor desenvolvimento relativo no sistema
comercial multilateral.
Mais uma vez, em Doha, a norma deliberativa do consenso facilitou o
entendimento, considerando as circunstâncias externas, e todos, de alguma forma,
perderam ou ganharam. Foram inúmeras as posições e coalizões estabelecidas para
as negociações, mas no trade off, todas apresentavam atitudes propositivas e não
254
negativas ao processo, tentando apenas, maximizar seus ganhos e interesses, mas
diante da perspectiva de tudo perder, cederam em algo.
Diante do exposto, pode-se depreender que as hipóteses enunciadas
originalmente são passíveis de confirmação, uma vez que coalizões reforçam o poder
de barganha dos países em desenvolvimento, e o consenso constitui elemento de
fortalecimento da posição desses países, tornando-se, igualmente, importante fator de
negociação para o prosseguimento da liberalização do comércio mundial. Se os países
em desenvolvimento, no decorrer do processo de multilateralização do comércio
mundial desde a OIC, passando pelo GATT e, principalmente, culminando na OMC,
oscilaram em poder e influência, os mais de cinqüenta anos desse sistema significaram
aprendizado de como transitar e ondular em um ambiente que não fora por eles criado
nem para eles desenhado.
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