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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em História Comparada
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A participação do Jornal do Brasil no
processo de desestabilização e deposição
do presidente João Goulart
Autor: Márcio Santos Nascimento
Orientadora: Anita L. Prestes
Março de 2007
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2
AGRADECIMENTOS
AGRADEÇO A TODOS QUE COLABORARAM DIRETA OU
INDIRETAMENTE PARA QUE ESTE TRABALHO FOSSE CONCLUÍDO.
AGRADEÇO A DEUS AS OPORTUNIDADES SEMPRE RENOVADAS
DE CRESCIMENTO INTELECTUAL E MORAL.
AGRADEÇO À PROFESSORA ANITA QUE ME ACOMPANHOU DESDE
A GRADUAÇÃO ATÉ A FINALIZAÇÃO DESTE TRABALHO,
ACREDITANDO EM MIM E COLABORANDO PARA MEU
CRESCIMENTO ACADÊMICO.
À MINHA MÃE E AVÓ, QUE DOMÉSTICAS, POUCO
ALFABETIZADAS E SEM APOIO DE SEUS MARIDOS ME
ESTIMULARAM A CHEGAR ATÉ AQUI.
À PATRÍCIA, MULHER DA MINHA VIDA, E FERNANDA QUE SOUBE
DIVIDIR O COMPUTADOR COMIGO QUANDO EU PRECISAVA
ESCREVER A DISSERTAÇÃO.
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3
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ................................................................................2
ÍNDICE ........................................................................................................3
INTRODUÇÃO............................................................................................4
O BRASIL NOS ANOS 1960 ...................................................................13
A IMPRENSA E O GOLPE ......................................................................34
AS MENSAGENS DO JORNAL DO BRASIL ..........................................54
CONCLUSÃO............................................................................................87
FONTES PESQUISADAS.........................................................................95
Bibliografia.................................................................................................96
4
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é mostrar como o Jornal do Brasil colaborou para que o
golpe civil-militar de 1964 fosse aceito pelos seus leitores. Também por que uma empresa
jornalística comprometida com a informação e a liberdade colaborou com a deflagração de
um movimento antidemocrático. Isso foi realizado a partir do acompanhamento do jornal
através dos editoriais e das notícias das primeiras páginas, desde outubro de 1963 até 1º de
abril de 1964.
O estudo dos editoriais se justifica porque por seu intermédio podemos ter idéia do
ponto de vista dos diretores do jornal e, de certa forma, do público para o qual ele é
dirigido. Um jornal reflete sempre, mesmo que minimamente, a opinião dos seus principais
anunciantes e leitores, em particular numa conjuntura como a dos anos 1960, de Guerra
Fria, aguçamento das lutas sociais, engajamento de amplos setores sociais na conquista das
reformas de base, etc.
A análise das primeiras páginas permite que se possa para se perceber a mensagem
imediata que o jornal quer passar, para o público leitor. As chamadas de primeira página,
assim como as fotos, não são colocadas de forma aleatória. São escolhidas para influenciar,
para mostrar algo, para causar algum impacto no leitor, seja esse impacto positivo ou
negativo.
As balizas cronológicas foram escolhidas porque o mês de outubro de 1963 revelou-
se rico em acontecimentos como a greve dos funcionários do gás e da Light no estado da
Guanabara, além da ameaça de greve dos bancários, mediada pelo próprio presidente, e
duramente criticada pelo Jornal do Brasil. Houve a proposta de uma greve geral em São
Paulo, quando o comandante do II Exército se colocou claramente a favor dos patrões e
contra os grevistas. A pedido de João Goulart foi regulamentada, pelo Ministério da
Fazenda, a lei de remessa de lucros das multinacionais, tendo ficado a mesma na iminência
de ser implementada. Houve uma entrevista concedida por Carlos Lacerda, governador do
estado da Guanabara, em viagem aos Estados Unidos, em que este afirmava que a queda do
presidente era iminente e que só faltava se escolher a data. Esta afirmação foi considerada
ofensiva pelos ministros militares, que queriam prender Carlos Lacerda, mas seria preciso
que o governo federal interviesse na Guanabara, e o presidente da república decretasse
estado de sítio no país, pedido que seguiu para o Congresso e foi rejeitado. Foram
5
encontradas armas ultra-modernas num sítio no Rio de Janeiro, o que provaria haver uma
ação desenvolvida contra o governo federal, inclusive com apoio internacional. Março de
1964 foi escolhido, porque o golpe aconteceu nesse mês, ocasião em que o presidente
deposto.
A partir da análise da coleção de exemplares do Jornal do Brasil no período citado,
realizei pequenas comparações entre o material colhido e as opiniões do Última Hora sobre
alguns temas mais relevantes do governo João Goulart, acompanhando a opinião destes
jornais sobre o pedido de estado de sítio solicitado pelo Executivo no final de agosto de
1963 e os juízos que os informativos faziam da figura de João Goulart, analisando desde
este período até o golpe de 1º de abril de 1964. A coleção do JB do período assim como
partes da coleção do jornal Última Hora constituem minha fonte primária, além dos livros
citados na bibliografia.
O presente trabalho adota numa linha interpretativa que se enquadra dentro da
chamada História Política, por que, embora sabendo que os órgãos de imprensa servem
para representar interesses de grupos econômicos, reconheço que há outros fatores a serem
considerados além da questão econômica, como a disputa pelo poder político e a
hegemonia de determinados grupos sobre outros. Enfim, considero que a questão política
não é mero apêndice do fator econômico. Vemos o político como tendo vida própria, apesar
de interagir com o econômico e dele sofrer importante influência.
Ao considerar a autonomia relativa da política, é possível recorrer às considerações
de René Rémond sobre a história política
1
, quando este autor afirma que a história política
por muito tempo teve um prestígio enorme porque contava a história do Estado, mas depois
foi deixada de lado, sendo considerada superficial e inferior. Entre os fatores que
contribuíram para o descrédito da história política, estão o papel de Freud e algumas
interpretações baseadas em Marx. O primeiro valorizou o inconsciente atribuindo aos
impulsos sexuais o comportamento dos indivíduos, ocultando-se, por exemplo o apetite
pelo poder que também está presente nos seres humanos. Já algumas das interpretações que
se baseavam em Marx valorizavam a luta de classes a partir do processo econômico,
considerando a história política ligada às superestruturas e, por isso, sendo apenas
conseqüência, um efeito de fatores estruturais.
1
RÉMOND, René. “Por uma história presente”. In René Rémond (org.). Por uma história política, Rio de Janeiro,
editora UFRJ e FGV , 1996 pág. 185 a 204.
6
Mas a experiência das guerras mundiais, as relações internacionais e as crises da
economia liberal ajudaram a mostrar que o político tinha uma consistência própria, e não
era só um decalque ou fruto de uma relação causal de fatores. Outro fator que fortalece a
história política é a massa de documentos de que ela dispõe, e, como não há história sem
documento, a história política tem tudo para manter seu lugar e prestígio entre os
pesquisadores.
É importante esclarecer o que seria o político, como especificá-lo em relação ao
econômico ou social, e René Rémond nos ajuda considerando a política “a atividade que se
relaciona com a conquista, o exercício e a prática do poder”
2
. Mas o autor afirma que não
se trata de qualquer poder, já que existem relações de poder na família, na escola, no
trabalho, etc. O poder de que trata a política é o poder de Estado. Mas o poder político não
se resume apenas ao poder de Estado, porque ele irradia para outros setores como a política
habitacional, a política energética, etc.
Embora a política possua consistência própria, não chega a manter outras esferas
sob sua dependência. Acontecimentos revolucionários ou golpes de estado são provocados
por uma multiplicidade de fatores, entre eles o político. Esta é a relação com o tema do
presente trabalho, porque o golpe de 1964 teve várias influências, mas é considerado na
nossa dissertação na sua dimensão política, pela busca do poder de Estado para, ao nosso
ver, dar-se ao país uma orientação de acordo com as necessidades da economia mundial e
dos interesses de setores internos que temiam reformas mais profundas das estruturas do
Brasil.
Quando se discute o golpe civil-militar de 1964 e suas causas pode-se encontrar
várias versões. Segundo Jorge Ferreira
3
, há duas visões tradicionais sobre o golpe, uma de
esquerda e outra de direita. De acordo com a de direita, Goulart era um demagogo,
influenciado pelos comunistas e com o desejo de permanecer no poder. Por isso manipulava
as massas trabalhadoras, dando apoio aos comunistas e aos grupos que queriam instaurar
uma ditadura de caráter socialista.
Na visão tradicional de esquerda, Jango era um líder de massa burguês simpático às
reformas, mas dentro de certos limites, sem grande aprofundamento, que pudesse beneficiar
2
22 RÉMOND, René.Do político”. Id. Ib., p. 444.
3
FERREIRA, Jorge, “O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964”. In Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves
Delgado (org.). O Brasil republicano,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. v 3,. P. 345-404.
7
os setores populares. E por isso não teria agido de forma mais firme nem em relação às
reformas reivindicadas pelos movimentos sociais, nem contra o golpe. Se agisse contra os
golpistas, mobilizando a população, poderia provocar uma situação com conseqüências que
fugiriam ao seu controle.
No capítulo citado, Jorge Ferreira diz que haveria ainda a versão que aponta as
grandes estruturas como responsáveis pelo golpe civil-militar de 1964. A mais conhecida e
disseminada desse tipo seria a do “colapso do populismo no Brasil”, que tem em Octávio
Ianni seu principal representante. Nessa versão, o golpe teria sido o resultado da
contradição entre a crise estrutural do padrão agrário-exportador e os modelos de
desenvolvimento associado com empresas estrangeiras, cada vez mais questionado por
segmentos nacionalistas. O motivo do golpe nesta explicação estrutural seria porque o
processo de industrialização por substituição das importações evoluira até um estágio em
que o crescimento econômico exigiria regimes autoritários para regular os conflitos. Assim,
a economia seria regulada num determinado sentido, sem a participação popular ou de
qualquer setor que pudesse barrar a acumulação de capitais, o processo industrial e o
desenvolvimento das forças produtivas em benefício do grupo desenvolvimentista
industrial e exportador associado ao grande capital.
Jorge Ferreira critica essa interpretação, porque ela criaria uma inevitabilidade do
golpe, um determinismo por conta de uma estrutura econômica autônoma da sociedade,
auto-regulando-se, anulando os atores coletivos, grupos sociais e seus conflitos.
Concordamos que o evento de 1964 não pode ser explicado só pelo fator econômico, mas
este influenciou na deflagração do golpe, pois havia interesses econômicos do grande
capital internacional no país.
Por outro lado, ao ser feita uma leitura mais atenta de Ianni, pode-se discordar de
Jorge Ferreira, porque o livro O colapso do populismo no Brasil trata na maior parte do
tempo do difícil equilíbrio, proposto pelo populismo, de conciliar interesses burgueses e
das massas ao mesmo tempo, em que o econômico tem seu papel, mas o fator determinante
do golpe teria sido o clímax de um antagonismo entre classes com interesses opostos,
dentro de uma crise econômica e política.
Sobre o populismo e o equilíbrio do antagonismo de classes nos diz Ianni:
(...) Numa sociedade burguesa, é sempre muito difícil legitimar a
participação política das massas trabalhadoras. Os donos do poder político
8
e os grupos econômicos dominantes sempre foram obrigados a enfrentar
duas ordens de pressões, quanto aos seus vínculos com as massas. De um
lado, os setores mais conservadores e reacionários da sociedade brasileira
sempre protestaram com violência contra o jogo político com as massas.
Eles viam nesse jogo o prenúncio da destruição do poder burguês e das
suas ligações externas. Além disso, esses mesmos setores protestavam que
estas eram utilizadas para reforçar a capacidade de barganha (interna e
externa) da burguesia industrial interessada no mercado brasileiro. Por
outro lado, a própria burguesia comprometida com o populismo sempre foi
ambígua e dividida, com relação aos limites do seu jogo com as massas. O
populismo sempre foi, malgrado as distorções político-ideológicas que lhe
são inerentes, um mecanismo de politização das massas. A politização dos
trabalhadores dos centros urbanos e industriais nas campanhas eleitorais
(municipais, estaduais e federais), nos movimentos nacionalistas, nas lutas
antiimperialistas e nos debates pelas reformas de base (institucionais)
favoreceu e desenvolveu a politização dos assalariados. (IANNI, Octávio.
O colapso do populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização brasileira,
1988, 40ª edição, p. 177-178).
Octávio Ianni defende a tese de que o populismo brasileiro teria surgido com
Vargas, que deu às massas trabalhadoras a possibilidade de participar das estruturas de
poder. No ano de 1964 a politização das massas forçou o rompimento deste frágil equilíbrio
de interesses burgueses e dos trabalhadores do campo e das cidades.
Sobre o colapso do populismo e o golpe podemos ler na conclusão do livro:
A verdade é que a política com massas estava indo muito longe,
numa época de enfraquecimento do poder político da burguesia. O jogo
com as massas, preconizado e realizado por um setor da própria burguesia,
já não era mais suportado pela classe dominante. Os riscos se acumulavam.
Além do mais, o populismo começava a estender-se para a sociedade
agrária. As ligas camponesas e os sindicatos rurais estavam sendo
multiplicados e dinamizados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Igreja Católica de acordo com as
técnicas, os símbolos e a linguagem do populismo. A própria luta pela
reforma agrária funcionava como um meio para fazer crescer a força do
“trabalhismo rural”. Diante dessa situação, as burguesias agrária,
industrial, comercial e financeira aliam-se. Elas compreendem que a crise
traz consigo várias possibilidades de resolução do impasse. (IANNI,
Octávio. O colapso do populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização
brasileira, 1988, 40ª edição, p. 179-180).
O exposto nos leva a pensar de maneira diferente de Jorge Ferreira, uma vez que O
colapso do populismo no Brasil trata do esgotamento de um modelo político e não de uma
estrutura econômica que teria levado ao golpe.
9
Segundo Jorge Ferreira, existe ainda uma outra interpretação, que atribui o golpe a
uma Grande Conspiração de setores externos ao país, como CIA, empresas estrangeiras e
Departamento de Estado norte-americano. As mesmas teriam se associado a grandes
latifundiários, empresários e políticos reacionários. O autor conclui que esta visão
minimizaria a ação conflituosa entre grupos políticos e classes sociais dentro do país.
Mas o que se deduz das pesquisas feitas sobre o evento, é que houve efetivamente
uma conspiração internacional e, inclusive, uma disposição real de ação armada norte-
americana no Brasil a favor da queda de João Goulart
4
, mostrando que há fundamento na
teoria chamada por Jorge Ferreira de “Grande Conspiração”, apesar de esta sozinha não
explicar a destituição do presidente.
Caio Navarro de Toledo, na revista Crítica Marxista
5
, levanta várias questões, como
o abandono da expressão “Revolução de 1964” nos meios civis e inclusive por alguns
militares, além dos questionamentos críticos ao golpe civil-militar feitos até mesmo por
jornais considerados ícones do conservadorismo civil, como O Globo e O Estado de São
Paulo, demonstrando o que o autor considera como uma derrota no plano ideológico dos
setores que estiveram à frente do golpe.
Segundo Caio N. de Toledo, uma vez que a direita sofreu uma derrota ideológica,
com o abandono da expressão “Revolução de 1964” mesmo por parte dos grupos de direita,
tanto da parte dos militares, quanto dos órgãos de grande imprensa que representam os
grupos conservadores reconhecendo a não existência de uma revolução, restou aos
representantes das Forças Armadas apresentarem a visão de um golpe preventivo, para
impedir que o país caísse num caos ou guerra civil, devido a uma radicalização dos setores
de esquerda.
Nos meios acadêmicos, nos últimos anos, tem ganhado força a versão citada acima
ou variantes dela, de que houve um golpe para salvar o país do radicalismo das esquerdas,
ou de que a direita deu um golpe para preservar seus interesses, mas as esquerdas estavam
também dispostas a romper com a legalidade. Caio Navarro de Toledo opina que Jorge
4
São vários os livros baseados em pesquisas feitas no Brasil e em arquivos de organismos norte-americanos que
comprovam os esforços e articulações dos EUA para retirar Jango do poder à força. Julgo suficiente para este trabalho a
leitura do artigo de Moniz Bandeira “O golpe militar de 64 como fenômeno de política internacional” no livro 1964:
Visões críticas do golpe,organizado por Caio Navarro de Toledo editado pela Editora da Unicamp.
5
TOLEDO, Caio Navarro de, “1964: golpismo e democracia. As falácias do revisionismo”. Crítica marxista, no 19
outubro 2004, Rio de Janeiro, p. 27 a 48.
10
Ferreira faz parte do grupo acadêmico que corrobora a idéia de um contra-golpe de direita,
por considerar tanto os setores conservadores, quanto os ligados aos movimentos populares
como as Ligas Camponesas, as lideranças sindicais, seguidores de Leonel Brizola, etc.
golpistas, determinados a romper com a democracia para impor seus projetos.
Jorge Ferreira afirma, no capítulo citado, que trabalha para entender o golpe civil-
militar de 1964 não pelas visões tradicionais, mas usando “as identidades e os interesses
dos atores coletivos envolvidos no processo, bem como as lutas políticas e conflitos sociais
que eles patrocinaram”
6
. Mas, para Caio Navarro de Toledo, ele valoriza demasiado a
força das esquerdas.
O principal argumento de Caio Toledo é que Jorge Ferreira, como outros
“revisionistas”, não apresenta documentos provando que as esquerdas preparavam um
golpe. O que teria ocorrido em relação às esquerdas seria um excesso de palavras, mais do
que uma ação real em direção ao golpe.
Sobre este debate, no livro 1964 – A conquista do Estado, de René Dreyfuss, temos
acesso a uma farta documentação que mostra uma preparação anterior ao golpe por parte da
direita, o que até hoje não foi comprovado em relação às esquerdas.
No texto de Jorge Ferreira há outras divergências com Dreifuss, como, por exemplo,
na conclusão, quando o primeiro afirma que desde 13 de março até 1º de abril havia um
conflito político entre grupos antagônicos levado ao nível de medir forças no sentido da
“tomada do poder e da imposição de projetos”
7
, igualando as forças da direita e da
esquerda. Mas sabe-se que os conspiradores já vinham mobilizando os militares, políticos e
órgãos da grande imprensa, recebendo ajuda financeira de grandes empresas nacionais e
internacionais, da CIA e do Departamento de Estado norte-americano
8
para destituir o
presidente, entretanto a mesma organização e estrutura não existia entre as esquerdas.
Enfim, pelas pesquisas documentais levantadas até hoje, não parece acertado igualar os
“setores antagônicos” num mesmo nível de organização e de força para a deflagração de
um golpe.
6
FERREIRA, Jorge. Id.ib., p.347.
7
FERREIRA, Jorge. Id.ib., p. 400.
8
DREIFUSS, René A. 1964: A conquista do Estado, Petrópolis, Vozes, 1981. Capitulo V.
11
Marcelo Badaró também faz uma análise da historiografia dos últimos anos sobre o
golpe civil-militar de 1964
9
, chegando às mesmas conclusões que Caio N. de Toledo, sobre
a falta de fundamento documental das teses de um golpe das esquerdas que estivesse em
marcha, ou de uma intransigência destes setores que estariam dispostos a romper com a
legalidade e o jogo democrático para impor as reformas que pleiteavam. Os dois também
concordam que as novas interpretações acabam inocentando os golpistas, dividindo a
responsabilidade da instauração de um regime antidemocrático com os setores que mais
sofreram com a ditadura militar.
Mesmo que houvesse de um lado Leonel Brizola, na rádio Mayrink Veiga, pregando
a formação de grupos revolucionários e de outro a proposta de guerrilhas no interior do
país, nem o “grupo dos onze” proposto por Brizola nem guerrilhas rurais se desenvolveram
ou estruturaram a ponto de impedir que o golpe fosse bem sucedido ou iniciaram qualquer
tipo de ação que ameaçasse a democracia. Além disso, tais propostas não refletiam a
maioria esmagadora das opiniões dos movimentos de esquerda.
Pela obra de Caio Navarro de Toledo, O Governo Goulart e o Golpe de 64, sabemos
que Jango já fora taxado de “demagogo sindicalista” pela grande imprensa
10
desde 1950
quando ele ainda era deputado federal pelo PTB, e mantinha ligações muito estreitas com
os sindicatos. Percebemos também que tanto militares como empresários criticavam
ferozmente João Goulart, considerando-o manipulador da classe operária. Isso mostra que
os setores dominantes e conservadores da sociedade, antes da renúncia de Jânio Quadros, já
combatiam João Goulart.
As críticas e acusações feitas pelos órgãos de imprensa contra Jango tinham raízes
na sua militância política varguista e na sua posição conciliadora. Ao longo de toda a sua
trajetória política, João Goulart esteve ligado aos sindicatos e lhes deu possibilidade de
opinar e influir nas decisões do governo, além de prometer medidas populares,
amedrontando as elites econômicas. Acreditamos que as apreciações do autor somam com
esta proposta de pesquisa no sentido de que a prevenção, o medo e a ojeriza que Goulart
causava em alguns setores e grupos sociais, além de sua história política, forneciam
munição para seus opositores trabalharem no nível da grande imprensa.
9
MATTOS, Marcelo Badaró, “Os trabalhadores e o golpe de 1964: um balanço da historiografia”, História & Luta de
Classes. no 1, abril 2005, Rio de Janeiro, p. 7 a 19.
10
TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64, 4ª edição, São Paulo, brasiliense, 1984.
12
A obra clássica e mais conhecida sobre o assunto, e provavelmente uma das mais
completas até o momento é a obra de René Armand Dreifuss 1964: A conquista do Estado,
em que, embora o autor não trate especificamente da imprensa e do golpe militar, há um
farto material informativo baseado em pesquisas. Mostra-se também como os setores
golpistas se estruturavam para agir no nível dos órgãos de comunicação para a preparação
psicológica do golpe e o descrédito dos movimentos populares.
A partir das informações dessa obra conclui-se que duas entidades tiveram um papel
crucial, no nível ideológico, nos acontecimentos de 1
o
de abril de 1964: o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD).
O IPES se apresentava oficialmente como uma entidade formada por homens de negócio e
intelectuais que defendiam uma reforma moderada das instituições políticas e econômicas,
colocando-se de forma apartidária, mas que possuía ligações com diversos grupos civis e
militares, relações econômicas com multinacionais, tinha posição anticomunista e recebia
financiamento de banqueiros e empresários nacionais e multinacionais, coordenando “uma
sofisticada e multifacetada campanha política, ideológica e militar”
11
contra João Goulart e
as forças democráticas. O IBAD desenvolvia os objetivos encobertos do IPES agindo nos
meios políticos, movimentos estudantis, operários, camponeses, buscando congregar todas
as forças antigovernistas.
Dreifuss nos mostra que havia um grupo tático que era como um departamento do
IPES, criado exclusivamente para agir junto à opinião pública, chamado Grupo de Opinião
Pública – GOP
12
provando que alguns órgãos de imprensa foram financiados, ou receberam
apoio político e ideológico, para atacar Jango e fazer uma ampla e maciça campanha contra
ele e seu governo. Estas informações me levaram a pesquisar mais e tentar aprofundar os
trabalhos que tratam desse assunto.
De uma forma geral, sabe-se que os grandes órgãos de imprensa se colocaram
contra João Goulart, com exceção da rede de jornais Ultima Hora, que defendia Jango. A
grande maioria criticou o chefe do Executivo e tentou desacreditá-lo ou deixou clara sua
desconfiança nas medidas do seu governo.
11
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p. 163.
12
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p. 192.
13
O BRASIL NOS ANOS 1960
A proposta deste capítulo é fazer uma contextualização do Brasil no começo da
década de 60 do século XX, até o golpe de 1964, no nível internacional e nacional. No nível
nacional, tento montar um quadro da situação do país nos aspectos econômico, social e
político, relacionando esses fatores com as pressões de diversos segmentos sociais por
reformas que beneficiassem as camadas menos favorecidas e desenvolvessem o país.
O período que antecede o golpe civil-militar de 1964 pode ser caracterizado, tanto
no nível nacional como no internacional, como de antagonismos. Não é preciso recuar
muito no tempo para se entender os choques que ocorrem, e de que é participante o país,
como protagonista ou coadjuvante. Como coadjuvante, sua participação refere-se ao
cenário internacional, onde como nação satélite do capitalismo é envolvido na questão da
disputa pelo controle de um maior número de países do mundo, promovido pelos EUA e
URSS, sofrendo mais diretamente a influência norte-americana, principalmente a partir de
1959 com a revolução cubana, e a posterior adesão de Cuba à área de influência soviética.
A GUERRA FRIA – No clima de guerra fria da década de 60, os EUA estavam muito
preocupados com o avanço da influência soviética sobre a América Latina, principalmente
após o caso cubano. E especificamente sobre Cuba, a principal nação capitalista
preocupava-se muito em destruir o sistema socialista cubano. Por ocasião da crise dos
mísseis, no final de 1962, quando a URSS estabelecera uma base de lançamento de mísseis
neste país centro-americano, e ocorre um forte protesto dos norte-americanos com
propostas até de se usar a força armada contra Cuba, o Brasil opõe-se a tal iniciativa. João
Goulart era contrário ao intervencionismo norte-americano em Cuba, em conseqüência
disto desentendendo-se com os norte-americanos, e dando subsídios para as críticas que
aconteceram tanto na América do Norte quanto no próprio Brasil. A posição brasileira
referente à crise dos mísseis e à intervenção norte-americana foi de conciliação, passando
João Goulart a ser classificado em Washington
13
como demagogo e vacilante.
No Brasil, muitos setores sociais e políticos eram contrários aos EUA, o que
provavelmente não agradava a estes últimos, por que por pressão daqueles, o país poderia
apoiar Cuba, contrariando ainda mais a vontade da potência do norte. No momento da crise
13
BANDEIRA, Moniz. O governo João Goulart. As lutas sociais no Brasil: 1961-1964, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1978, p. 81.
14
dos mísseis, não só a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT) se colocaram contrários aos Estados Unidos, mas o governo do Rio
Grande do Sul, com Leonel Brizola, e o líder da bancada do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB) na Câmara Federal, Almino Afonso, entre outros líderes. Houve passeatas e
protestos em frente à embaixada norte-americana, com confrontos entre manifestantes e
forças públicas, que usaram gás lacrimogêneo e jatos de água
14
.
Importante ressaltar que nesse tempo, o Brasil mantinha relações com países do
leste europeu, com o bloco socialista, o que desgostava também os norte-americanos. É
sabido de todos, que, quando da renúncia de Jânio Quadros, João Goulart estava na China,
em missão oficial, com fins comerciais, e isto incomodava muito aos EUA, que não viam
com bons olhos que o Brasil negociasse com tais países.
A guerra fria que opunha as duas mais poderosas nações do mundo, e que se
intensificava na América Latina devido à situação cubana, influía no Brasil que era
pressionado a aliar-se de forma incondicional aos desejos dos EUA, mas que tentava
manter uma política minimamente independente, fazendo com que as autoridades norte-
americanas se voltassem contra João Goulart. Exemplo disto é a posição do embaixador
americano Lindon Gordon, ao se manifestar contrario à concessão de maior poder a Jango,
quando do plebiscito de janeiro de 1963
15
, que fez o país retornar ao regime presidencialista
e concedeu o poder decisório, de direito, ao presidente. Independente do plebiscito, a
posição do Brasil de não se alinhar com os norte-americanos, segundo o desejo destes, fez
com que houvesse declarações da imprensa daquele país e do próprio presidente Kennedy
desfavoráveis ao Brasil e à sua política econômica.
Pelo que foi exposto, fica claro que o choque entre URSS e EUA atingia o Brasil, e
por que os EUA passaram a ter motivos para preocupar-se com o governo brasileiro: a todo
custo era necessário impedir que o “comunismo” se alastrasse pela América Latina, como
no caso de Cuba, e ter o máximo de países submissos. Mas no Brasil a correlação de forças
não era tão favorável ao que os EUA queriam.
O que provavelmente mais preocupava os norte-americanos não deveria ser a
questão do Brasil tornar-se socialista, o que era bem pouco provável, mas sim que este
14
BANDEIRA, Moniz. Id. Ib., p. 83.
15
BANDEIRA, Moniz. Id. Ib., p. 87.
15
viesse a buscar um caminho de ação independente, fora da subordinação direta aos EUA, e
o temor do radicalismo de alguns setores que pudessem pôr em risco interesses comerciais
e financeiros. Isto por causa da política conciliadora de João Goulart, que não deixava de
ser uma incógnita para Washington. A política de Jango de tentar harmonizar interesses
diferentes, o seu reformismo burguês, dava margem à atuação de setores nacionalistas e
grupos mais extremistas junto ao governo, o que impedia a subordinação total do Estado ao
grande capital. Por isso, o
“imperialismo norte-americano, aquela altura, já estava convencido de que
se lhe impunha a tarefa de expelir Goulart do Governo brasileiro, como
contingência da contra-revolução, para conter o avanço das massas e o
transbordamento da democracia formal”. (BANDEIRA, Moniz . O governo
João Goulat. As lutas sociais no Brasil. 1961-1964, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1978, p. 119).
OS MOVIMENTOS SOCIAIS DIANTE DA CRISE – Por outro lado, o país passava por
uma profunda crise econômica, devido à política que Juscelino Kubitschek havia
promovido, cujas conseqüências eram mais fortes nos anos sessenta. Isso causava choques
entre trabalhadores e empregadores, empresários e governo, além da ação norte-americana,
que tendia a desestabilizar ainda mais a economia brasileira já que o Brasil dependia do
dinheiro e dos investimentos do país mais rico da América.
A crise econômica pode ser explicada da seguinte forma: a industrialização
brasileira avançara muito com Vargas, principalmente a partir de 1937, com uma série de
medidas voltadas para o desenvolvimento desse setor, como a criação da Companhia
Siderúrgica Nacional, entre outras. Quando se encerra o ciclo getulista no Brasil, com o
suicídio de Vargas, o país encontra-se num outro patamar de desenvolvimento, com a elite
industrial brasileira sendo a grande beneficiaria desse processo.
Ao Juscelino Kubitschek assumir a presidência em 1956, encontra um caminho
iniciado por Getúlio, o que muito facilita a implantação da sua política desenvolvimentista
resumida na frase “cinqüenta anos em cinco”. Essa política de Juscelino privilegiava o setor
industrial voltado para os bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos.
Mas além de continuar a valorização da produção industrial, o modelo daquele período opta
16
também “pela internacionalização da economia brasileira”
16
, com um grande
beneficiamento para a burguesia industrial nacional, que se associa ao capital estrangeiro, e
para o capital internacional que se expande no país.
Mas essa abertura econômica não ocorreu de forma gratuita. Havia toda uma
pressão internacional para que a economia brasileira se abrisse ao capital internacional.
Segundo R Dreyfuss, a Segunda Grande Guerra pode ser considerada um marco, pois a
partir dela houve a “consolidação econômica e a supremacia do capital monopolista nos
centros industriais e financeiros”, organizados em torno de “corporações multinacionais”
17
No governo de Juscelino Kubitschek as empresas nacionais se associam às
multinacionais, o que provocou um grande desenvolvimento industrial no país, mas com
uma profunda dependência do capital externo, tornando o capitalismo brasileiro “tanto
transnacional quanto oligopolista e subordinado aos centros de expansão capitalista”
18
. E
para financiar o desenvolvimento, Kubitschek evitaria taxar os lucros dos empresários,
passando a utilizar a inflação para financiar o desenvolvimento.
“Por meio destes expedientes logrou-se obter o clima propício para a
montagem, em tempo recorde e em bloco dos setores mais modernos e
dinâmicos da estrutura industrial brasileira, responsáveis pela implantação
da acumulação capitalista no país. Dentre eles destacavam-se ramos como
o automobilístico, o de construção naval, o de mecânica pesada e outros,
sob o controle em sua maioria, do capital externo.” (MENDONÇA, Sônia
Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento, Rio
de Janeiro, Graal, 1986, 2ª edição, p. 49).
Mas essas transformações tiveram um custo: o processo de concentração do capital
e das empresas, a inflação e a dívida externa. Esse o quadro que João Goulart irá herdar,
após o curto período de Jânio Quadros na presidência. Tal situação se agravou, porque a
partir de 1962, há uma crise na economia como efeito do colapso provocado pela política
juscelinista. Segundo Sônia Mendonça, esta era uma crise típica do capitalismo
monopolista. Crise de super-acumulação, que, para ser solucionada, seria necessário que
houvesse taxas decrescentes, para que um grande volume de capital inativo pudesse
valorizar-se. Gerava-se “uma massa de capital inativa, cuja destruição – em decorrência da
16
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento, Rio de Janeiro, Graal,
1986, 2ª edição, p. 47.
17
DREIFUSS, René A. 1964: A conquista do Estado, Petrópolis, Vozes, 1981, p. 49.
18
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p. 49.
17
própria estagnação e da concentração de empresas – era condição prévia para uma nova
expansão produtiva.”.
19
A crise do país era grave, o ano de 1963 demonstra bem isso: “Inflação alta, índice
de custo de vida batendo em 81% (em 1962, fora de 55%). Déficit orçamentário: Cr$ 504,6
bilhões (mais de um terço dos gastos totais). Taxa do PIB: 1,5% (a mais baixa dos últimos
anos).”.
20
Diante dessa situação, o governo brasileiro possuía duas alternativas: ou pedia
empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o que significaria submeter-se ainda
mais ao capital internacional, aumentando o arrocho sobre a classe operária e setores
médios, seguindo as diretrizes do grande capital e satisfazendo os interesses imperialistas;
ou se opunha a tais interesses, buscando uma melhor distribuição da renda, uma maior
intervenção na economia e implantando as reformas de base, que eram um conjunto de
propostas de mudanças para o país, englobando o setor bancário, educacional, econômico,
agrário, etc., voltadas para uma melhor distribuição de renda, combate ao analfabetismo,
restrição aos latifúndios, enfim, medidas visando ao desenvolvimento do país e das classes
subalternas. Em qualquer uma das escolhas, o governo enfrentaria pressões e protestos.
Também havia a pressão dos EUA para que fossem tomadas medidas de estabilização
monetária, condicionando qualquer ajuda financeira a uma subordinação brasileira aos seus
interesses.
No plano econômico percebe-se, então, um conflito de interesses entre o capital
internacional, nas imposições dos EUA, e a política conciliadora reformista-burguesa de
João Goulart. Também os diferentes grupos, que detinham os meios de produção,
pressionavam o governo devido às greves, aos aumentos salariais que o governo dava aos
trabalhadores, à sua atenção a algumas reivindicações e pressões de sindicatos. Estes
pleiteavam do governo melhores condições de vida para os trabalhadores e melhores
salários. Os setores de esquerda também exigiam do governo medidas protecionistas, mais
populares, contrárias aos interesses da burguesia brasileira industrial e financeira, associada
ao capital externo e à burguesia internacional.
19
MENDONÇA, Sônia Regina de. Id. Ib., p. 71.
20
MORAES, Denis de. A esquerda e o golpe de 64 – Vinte e cinco anos depois, as forças populares repensam seus mitos,
sonhos e ilusões, Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1989, p. 122.
18
Além da questão econômica, a sociedade do início dos anos 60 se encontrava em
grande ebulição, com vários movimentos reivindicatórios, não só devido à crise econômica
que empurrava as massas para as ruas reclamando por melhores salários, contra a inflação
alta e o desemprego, mas havia uma maior conscientização das pessoas quanto à sua
participação (ou força) política, com os sindicatos se tornando mais independentes do
controle do Estado, ou mesmo tendo maior influência na tomada de decisões do Executivo,
já que João Goulart dava essa possibilidade a algumas organizações sindicais.
Nesse período há uma intensa participação da sociedade em geral. A política
passava a ser assunto dos movimentos sociais, e não só dos políticos; o início dos anos 60
“nos revela tempo de euforia desenvolvimentista, de acelerada politização da sociedade, de
amplos debates sobre a eficácia revolucionária da arte, de explosão de reivindicações dos
trabalhadores urbanos e rurais.”
21
. Assim as propostas nacionalistas, desenvolvimentistas,
antiimperialistas e pelas reformas de base encontravam maior eco nessas camadas
subalternas da sociedade.
A onda de politização que atingiu a sociedade e a despertou para uma maior ação,
participação e reivindicação em prol de suas necessidades também se fazia presente no
setor estudantil, universitário e secundário. Os estudantes da União Nacional dos
Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), por
exemplo, passaram a ter uma participação muito ativa em campanhas sanitárias, atividades
comunitárias no campo, etc. A União Nacional dos Estudantes (UNE), por meio do seu
Centro Popular de Cultura, levava música e arte para as favelas e subúrbios, mantinha uma
editora para publicar material crítico social e político, além de colaborar em campanhas
para erradicação do analfabetismo usando o método de Paulo Freire. Os intelectuais
(progressistas), por sua vez, de igual modo criaram organizações para pressionar o
Executivo pelas reformas de base.
Em relação ao movimento operário, desde 1963 vinha ganhando uma certa
autonomia, através do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), fora da tutela do
Ministério do Trabalho, fazendo forte oposição às medidas do governo que feriam seus
interesses. O próprio governo legalizou o CGT, e passou a estimular a sindicalização rural.
Notamos que, embora ainda presas ao governo, aos poucos associações sindicais íam
21
MORAIS, Denis de. Id. Ib., p. 24.
19
conseguindo autonomia e promovendo grande agitação política: o CGT ameaçou uma
greve geral para forçar o Congresso a aprovar as reformas de base, trabalhadores de
engenhos de açúcar em Pernambuco paralisaram seus trabalhos, e no campo terras foram
invadidas. Mesmo nas forças armadas havia uma indisposição entre subalternos e
superiores, além de movimentos de protesto contra a situação econômica em que estavam
os militares.
Embora devamos relativizar a questão da participação de trabalhadores, estudantes e
de outros segmentos sociais nos movimentos sociais e políticos que antecederam o golpe
civil-militar de 1964, pois nem sempre a participação ou adesão de pessoas de um
determinado grupo, partido ou sindicato é total a uma causa, com o comprometimento de
todos, a verdade é que o período foi muito rico de protestos, passeatas, greves e
mobilizações pelas Reformas de Base.
Conforme ia ocorrendo uma maior autonomia do movimento operário, aumentavam
as greves. Desde novembro de 1963 que se aguçavam os confrontos entre as classes, com
paralisações de trabalhadores e invasões de terras, sendo que em São Paulo e no Rio de
Janeiro as greves se generalizavam tanto entre funcionários de empresas públicas quanto
em empresas privadas. Segundo Moniz Bandeira, em 1963, só no Rio de Janeiro ocorreram
cinqüenta greves, sendo que nos primeiros quinze dias de janeiro de 1964 houve dezessete
greves
22
. Hoje se sabe através de trabalhos recentes sobre o movimento operário anterior a
1964, que o número de greves foi maior que o apresentado por alguns pesquisadores. Só no
Rio de Janeiro, em 1963, o número de greves foi de setenta e sete
23
e não cinqüenta.
Dênis de Morais afirmou que o grande número de greves não significava um poder
real nas mãos dos trabalhadores, por que até 1964 era baixo o índice de sindicalização das
categorias assalariadas e apenas as cúpulas sindicais é que, estreitando relações com Jango,
passaram a ter maior influência no quadro político
24
. Assim as principais greves do período
teriam um caráter mais político, embora associadas a reivindicações salariais e trabalhistas,
como por exemplo o movimento paredista em defesa da posse de João Goulart (1961), a
greve geral de julho de 1962 contra a indicação de Auro de Moura Andrade para Primeiro
22
BANDEIRA, Moniz. Id. Ib., p. 155.
23
MATTOS, Marcelo B. (Coord.). Greves e repressão policial ao sindicalismo carioca, Rio de Janeiro: APERJ/FAPERJ,
2003.
24
MORAES, Dênis de. Id. Ib., p 35 e 36.
20
Ministro, e a greve geral de setembro de 1962 para a convocação do plebiscito visando a
volta do presidencialismo. Como os dirigentes sindicais tinham um envolvimento grande
com João Goulart, dirigiam suas reivindicações preferencialmente ao aparelho de Estado.
Isso levou os sindicatos a fazerem mais pressão junto ao Governo do que junto às classes
patronais, a terem poucas raízes no meio dos trabalhadores e a alimentarem a falsa ilusão
de poder.
Mas o ponto de vista acima, que se baseou numa visão muito próxima da data do
golpe, não parece exato, por que pesquisas recentes mostram que, em 1963 e 1964, não
havia predominância de greves no setor público e, que estas não dependiam só das cúpulas
sindicais. Havia uma base importante de organização tanto entre trabalhadores do setor
público quanto do setor privado. Tais pesquisas mostram, inclusive, que o número de
greves no setor privado era às vezes maior do que no setor público
25
.
De qualquer forma, o período que antecede o golpe civil-militar de 1964 é um dos
mais ricos da história brasileira em relação à participação popular em movimentos
reivindicatórios, às ações nacionalistas em defesa dos interesses do país, aos movimentos
comunitários contra a pobreza, a favor da erradicação do analfabetismo, e à organização de
movimentos de estudantes e intelectuais em torno de questões favoráveis ao
desenvolvimento do país, o que extrapolava a proposta conciliadora de Jango, e
principalmente amedrontava os grupos conservadores.
As reivindicações dos segmentos progressistas da sociedade poderiam ser resumidas
na palavra nacionalismo. O nacionalismo estava presente nas manifestações em prol das
reformas de base, que representavam o desejo de um país mais desenvolvido, independente
dos interesses internacionais, democrático e que beneficiasse os grupos sociais menos
favorecidos.
Na esteira da onda nacionalista que caracterizava o Brasil dos anos sessenta, é
importante destacar o papel do Partido Comunista Brasileiro. O PCB não possuía o registro
reconhecido legalmente, mas teve uma presença significativa através de membros presentes
em diversas organizações sociais e políticas. Os comunistas se orientavam pela resolução
do V Congresso do partido de 1960, que pregava a união de todas as forças anti-
25
MATTOS, Marcelo B. Id. Ib., capítulo II.
21
imperialistas e democráticas para a emancipação do Brasil do domínio norte-americano, o
crescimento industrial e o fim da concentração fundiária, visando o desenvolvimento
econômico e capitalista do Brasil. O partido pugnava por medidas de caráter nacionalista e
democrático.
Desta forma a presença de comunistas nas direções sindicais, no CGT, na UNE, na
Petrobrás, e mesmo no parlamento, pois muitos estavam em legendas como o Partido
Trabalhista Brasileiro e o Partido Socialista Brasileiro, e a própria pessoa de Luiz Carlos
Prestes, que tinha acesso a Jango, influenciaram e reforçaram o clima nacionalista que
antecedeu o golpe de 1964.
Uma instituição que participou das discussões nacionalistas da época foi o ISEB
(Instituto Superior de Estudos Brasileiros). O Instituto teve uma vida curta pois foi
fundado em 1955 e extinto em 1964, mas no período por mim estudado promovia debates,
cursos, palestras e seminários para os mais diferentes segmentos sociais (desde estudantes
secundários, oficiais das Forças Armadas, parlamentares, etc.) e publicava artigos e livros.
O Instituto reunia intelectuais de várias áreas das ciências humanas até de pontos de vista
diferentes, mas que acreditavam que um debate democrático poderia levar o Brasil ao
desenvolvimento. O ISEB era um centro irradiador de idéias e discussões, e funcionou
como um “centro de formação política e ideológica, de orientação democrática e
reformista”
26
.
A ampla mobilização popular incomodava as classes dominantes, que julgavam
serem as únicas a terem direito de influir nas decisões do Estado, além de alguns generais
conservadores, que também não viam com bons olhos as ações grevistas e o movimento
sindical. Daí haver notícias divulgadas na grande imprensa de preparação de guerrilhas pela
esquerda, notícias que alimentavam a guerra psicológica contra o Governo. As associações
rurais e outras entidades patronais lançavam manifestos e proclamações contra o perigo
comunista e supostos planos para a bolchevização do país, enquanto a onda de greves e
invasões de terras no campo “açulava o instinto de conservação das classes dominantes”
27
.
26
TOLEDO, C. N. de, “50 anos de fundação do Iseb” , Jornal da Unicamp, Campinas, 8 a 14 de agosto de 2005, p. 11.
27
BANDEIRA, Moniz. Id. Ib., p 121.
22
A PREPARAÇÃO DO GOLPE CONTRA JOÃO GOULART – Houve, no período
estudado, duas entidades que tiveram um papel muito importante como instrumentos
ideológicos para o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964. Foram elas o IPES e o IBAD.
O Instituto de Pesquisas Sociais – IPES, órgão criado em 29 de novembro de 1961, e que
possuía como princípio a unificação dos diversos associados civis e militares, ligações
econômicas com multinacionais, posição anticomunista e o desejo de reformular o Estado
segundo uma visão tecnoburocrática
28
pró empresários. O IPES recebia financiamento de
banqueiros e empresários nacionais e multinacionais, ou diretamente de empresas nacionais
ou multinacionais, e de forma encoberta “coordenava uma sofisticada e multifacetada
campanha política, ideológica e militar”
29
contra João Goulart e as forças democráticas. O
Instituto Brasileiro de Ação Democrática – IBAD agia nos meios políticos, nos
movimentos estudantis, operários, camponeses, buscando congregar todas as forças
antigovernistas. Enquanto o IPES se apresentava oficialmente como uma organização
formada por homens de negócio e intelectuais que defendiam uma reforma moderada das
instituições políticas e econômicas, colocando-se de forma apartidária e visando estudar as
propostas políticas e econômicas de Jango, sob um ponto de vista técno-empresario liberal,
o IBAD se expunha mais, desenvolvendo os objetivos encobertos do IPES
30
.
Sobre o trabalho de doutrinação promovido pelo IPES junto à sociedade para
persuadi-la da necessidade da queda de Jango, Dreifuss nos apresenta as seguintes
informações, ao tratar das técnicas e mecanismos que foram desenvolvidos para convencer
os setores dominantes:
“O IPES conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião
pública, através de seu relacionamento especial com os mais importantes
jornais, rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados
(poderosa rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateaubriand, por
intermédio de Edmundo Monteiro, seu diretor-geral e líder do IPES), a
Folha de São Paulo (do grupo de Octávio de Frias, associado do IPES), o
Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde (do Grupo Mesquita, ligado ao
IPES, que também possuía a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo).
Diversos jornalistas influentes e editores de O Estado de São Paulo estavam
diretamente envolvidos no Grupo de Opinião Pública do IPES. Entre os
demais participantes da campanha incluíam-se J Dantas, do Diário de
28
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p 163.
29
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p 164.
30
Para um maior conhecimento sobre o IPES e o IBAD, e suas formas de ação na conspiração que derrubou João Goulart,
sugerimos a leitura do livro de René Armand Dreyfuss, citado na bibliografia, especialmente o capítulo III item 3, e todo o
capítulo V; e outro livro, citado na bibliografia, de Moniz Bandeiara, capítulo V.
23
Notícias, a TV Record e a TV Paulista, ligadas ao IPES através de seu líder
Paulo Barbosa Lessa, os ativistas ipesianos Wilson Figueiredo e José Carlos
Barbosa Moreira do Jornal do Brasil...” (René A Dreifuss.1964: A
Conquista do Estado, Petrópolis, Vozes, 1981, pág. 233, 2ª edição.).
Uma das provas da enorme mobilização da sociedade no início da década de
sessenta, ocorre quando das eleições de 1962, pois apesar dos volumosos investimentos do
IPES e do IBAD, as esquerdas saíram fortalecidas das eleições. O complexo IPES/IBAD
foi, nas eleições de 1962, o grande financiador dos candidatos contrários ao nacional-
reformismo, juntamente com donativos de empresas estrangeiras e do governo norte-
americano, que também agia via Central de Inteligência Americana (CIA) junto ao IBAD.
Mas a intensa efervescência político-social das massas trabalhadoras no período, equilibrou
a ação das forças reacionárias, como se pode notar pelo resultado das eleições. Brizola
elegeu-se deputado federal pelo Estado da Guanabara com excepcional votação, a Aliança
Trabalhista-Socialista (PTB-PSB) teve o maior número de legendas (408.602), contra a
segunda colocada que representava as forças contrárias a Jango, União Democrática
Nacional – UDN (241.879). O PTB duplicou sua bancada no Congresso e ocorreu o
fortalecimento da Frente Parlamentar Nacionalista, formada pela esquerda, que
intensificava a campanha pelas reformas de base, que eram propostas para modificações de
caráter nacionalista no país, incluindo as reformas agrária, educacional, econômica, etc.
31
Em 1963 a população votaria em massa pelo retorno ao presidencialismo, com cerca de
nove milhões de votos favoráveis, uma votação maior que a da eleição de Jânio Quadros
para presidente em 1961, considerada recorde, com seis milhões de votos.
32
Além do temor da mobilização popular, que incomodava as classes dominantes, os
acontecimentos político-partidários multiplicavam as esperanças nas possibilidades de um
projeto nacional autônomo, contra os interesses do bloco multinacional e associado,
erguendo-se perspectivas de um capitalismo nacional, mais voltado para o social e mais
distributivo da renda. Por isso, empresários, proprietários rurais, militares agrupados na
Escola Superior de Guerra (ESG) e em comandos de unidades importantes, a Embaixada
norte-americana, políticos da UDN e PSD e as grandes corporações multinacionais
observavam toda aquela mobilização popular com grande preocupação.
31
BANDEIRA, Moniz. Id. Ib., p 75 e 76.
32
BANDEIRA, Moniz. Id. Ib., p 88.
24
O golpe de 1964 ocorreu num momento em que a sociedade brasileira estava em
ebulição por causa das reivindicações pelas chamadas Reformas de Base. Foi talvez um dos
momentos-chave da história política nacional pelos seguintes motivos: primeiro, porque até
aquele período tinham sido poucas as vezes em que vários setores da população estavam
participando ativamente dos debates e propostas de transformação do país. Em segundo
lugar, a conjuntura internacional exigia da classe dirigente do país uma posição política,
econômica e ideológica atrelada aos interesses dos EUA. Outro motivo relevante era a
proposta de orientação de desenvolvimento do país que as elites possuíam e não abriam
mão, em detrimento das propostas dos grupos sociais subalternos que pleiteavam as
Reformas de Base.
Sobre o primeiro aspecto ressaltado acima, percebe-se que os setores subalternos
como camponeses, trabalhadores urbanos, estudantes e intelectuais progressistas passavam
a lutar por transformações sociais, aproveitando o momento de liberdade que possuíam, ao
mesmo tempo em que percebiam as contradições do projeto de desenvolvimento
implementado por Juscelino Kubitschek, que naquele momento se mostravam mais
contundentes, como a inflação, o aumento das desigualdades de riqueza, o desemprego, etc.
A maturidade que parte da sociedade brasileira demonstrava naquele momento
significava uma consciência de classe adquirida pela vivência das desigualdades,
confirmando as teses de Thompson sobre consciência de classe
33
, ao discutir classes
sociais. O autor afirma que este conceito é inseparável do de luta de classe, porque as
pessoas experimentam a exploração na sociedade por ela estar estruturada de uma
determinada maneira, e por isso começam a lutar por seus interesses, percebendo-se como
classe. E aquele quadro da historia do Brasil representava um momento de crescimento da
consciência de classe de alguns setores populares, que começavam a lutar de forma mais
organizada pelos seus interesses.
A manifestação e o amadurecimento da luta de classes na sociedade brasileira vem
revelar que a hegemonia de um grupo social, mesmo que dominante, não é absoluta graças
às contradições do capitalismo e à exploração de uns grupos sobre outros, como
demonstrado por Thompson
34
. No caso do Brasil, nos anos sessenta do século XX, apesar
33
THOMPSON, E. P. Tradición, Revuelta y Consciencia de clase, La sociedad inglesa del siglo XVIII: ¿ Lucha de
clases sin clases? Barcelona, Ed. Critica, 1984. P. 13 – 56.
34
THOMPSON, E. P Id. Ib.
25
de se viver numa sociedade capitalista com valores e ideologia burgueses, a situação de
exploração dos trabalhadores e dominação das elites propiciou o aparecimento de uma
consciência independente da imposta pelos órgãos de dominação ideológica, como o desejo
dos trabalhadores, estudantes, camponeses e setores médios de mudanças na economia, na
política, na educação e a reforma agrária. Neste período observa-se uma certa autonomia
ideológica por parte dos setores populares tanto dos valores apregoados pelos grupos que
dominavam a grande imprensa de massa, quanto do próprio governo de Jango de tradição
varguista, acostumado a controlar os sindicatos e lideranças de trabalhadores.
Mas o nível de consciência de classe a que chegava a sociedade brasileira nos anos
sessenta e as propostas dos setores progressistas eram muito difíceis de serem implantadas
naquele momento, porque iam de encontro aos interesses da alta burguesia industrial e
financeira, que se aliara aos interesses internacionais e não admitia nem reformas de cunho
nacionalista, nem transformações que prejudicassem seus interesses. Hobsbawm
35
, ao tratar
de consciência de classe, afirma que programas como os da pequena burguesia ou
camponeses geralmente não têm como se realizar, por não estarem de acordo com a
realidade sócio-econômica de uma sociedade. Este caso pode ser aplicado ao Brasil dos
anos 60, porque as reivindicações eram, para as elites brasileiras daquele momento, muito
radicais, além do que o mundo capitalista caminhava para a dependência e a submissão
cada vez maior dos países pobres em relação aos ricos. Juscelino Kubitschek tinha fincado
no Brasil as raízes do capital internacional, num processo de dependência e associação do
Brasil ao grande capital difícil de regredir, e a própria conjuntura internacional não era
favorável ao avanço de reformas progressistas na América Latina. Os EUA já haviam
perdido uma batalha na América Central, em Cuba, e embora qualquer reforma ocorrida no
Brasil ficasse muito distante de uma tomada de poder pelos setores de esquerda,
transformações, por menores que fossem no Brasil afetariam os interesses estadunidenses.
Havia, portanto, uma inviabilidade do estabelecimento de alguns programas de
classe que não estariam de acordo com a evolução histórica do Brasil naquele momento,
por não estarem em uníssono com as necessidades econômicas e políticas nacionais e
internacionais. Exemplos de sucesso de movimentos populares foram o fim do Estado
Novo, que ocorreu porque foi pleiteado por vários setores sociais, e havia uma conjuntura
35
12 HOBSBAWM, Eric J. Mundos do Trabalho, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. Capítulo 2 Notas sobre consciência
de classe.
26
internacional desfavorável a ditaduras. Outro exemplo de mobilização popular bem
sucedida foi a pressão para que Jango assumisse a presidência, após a renúncia de Jânio
Quadros, mesmo com a alta oficialidade do Exercito e alguns políticos conservadores sendo
contra. Nestes casos, os movimentos foram bem amplos, atingindo diversos grupos sociais.
Mas a conjuntura do Brasil no referido período era pouco favorável aos setores
progressistas e aos seus anseios de reforma, pois, para que tais transformações ocorressem,
teria que haver uma maior consciência de classe, para uma organização e mobilização
intensas dos grupos que pregavam as reformas.
Outra questão relacionada ao golpe de 1964 é a da consciência de classe da
burguesia. No Brasil os grupos favoráveis ao golpe estavam cientes de seus interesses e
conseguiram mobilizar partes importantes da sociedade em seu favor a partir de temas que
eram muito caros à sociedade em geral, como o medo do comunismo, o risco de um caos
social, a crise econômica, possíveis tendências autoritárias do presidente João Goulart, etc,
evidenciando o que Hobsbawm irá chamar de “poderosa consciência de classe da
burguesia”,
36
que consegue produzir movimentos mais elásticos, agitando bandeiras que
afirmam não ser classistas, mesmo agindo de forma classista.
A politização da sociedade atingiu também o meio militar. Os militares subalternos
começaram a se mobilizar nos quartéis por direitos democráticos que lhes eram vedados,
como o acesso à universidade, votar e ser votado, mudanças nos regulamentos
disciplinares, lei de promoções, estabilidade aos cinco anos de caserna, financiamento da
casa própria, possibilidade de ingresso na Academia Militar das Agulhas Negras. Soldados,
marinheiros, fuzileiros navais, cabos e sargentos queriam casar e constituir família,
independentemente do tempo de serviço, além de ansiarem também por participação
política. Um dos exemplos desses movimentos foi a revolta de cerca de quinhentos
sargentos da Marinha, Aeronáutica e Exército, em Brasília, em setembro de 1963, sob a
alegação de que o Supremo Tribunal Federal havia recusado reconhecer a elegibilidade dos
sargentos, já que alguns deles haviam se candidatado, sido eleitos, mas tiveram seus
mandatos cassados.
36
HOBSBAWM, Eric J. Id. Ib.,, p. 46.
27
Deve-se ressaltar que a politização dos meios militares sempre existiu, mas no bojo
dos acontecimentos e do amadurecimento de vários segmentos sociais dos anos 1960, os
militares participam também de movimentos a favor de seus interesses.
O antagonismo ao nível político-partidário incidia diretamente sobre o presidente
João Goulart, que devido à sua política conciliadora começava a ser criticado por elementos
de esquerda e de direita, com ambos os grupos desconfiando das suas posições ora à
esquerda, ora à direita. Os setores de esquerda usavam de todos os expedientes ao seu
alcance para pressionar Jango pelas reformas de base, enquanto que os setores de direita,
além das pressões partidárias representadas pela oposição no Congresso, via UDN
principalmente, íam se organizando para desfechar o golpe, ao lado de uma campanha
muito intensa de descrédito do Presidente e de atemorização da população, notadamente
nos setores médios, para legitimar o golpe que se tramava.
A pressão nacionalista era feita desde grupos da sociedade civil, como estudantes,
trabalhadores e intelectuais, até ações de parlamentares, como Leonel Brizola, que em mais
de uma vez propôs até uma ação armada do governo pró-esquerda, além de um programa
apresentado por este na rádio Mayrink Veiga, em que fazia apelos à população para que
esta reagisse a favor das reformas de base, pacificamente ou não. No campo também havia
mobilização dos trabalhadores rurais pela reforma agrária.
Mas apesar de toda a mobilização e barulho, esses setores, naquele momento,
careciam de maior solidez, sem ter grande consistência na organização, mobilização e
preparação, ao menos no nível em que os setores reacionários se organizavam. Por mais
que Brizola propusesse uma organização, pacífica ou não, para a manutenção da ordem
democrática, provavelmente nem ele nem os outros setores de esquerda, tinham noção do
trabalho metódico e determinado desenvolvido contra Jango.
A atuação dos políticos favoráveis ao Presidente com poder de representação na
Câmara estava limitada na sua prática de defesa da democracia e dos interesses do país, por
que, de um lado, qualquer proposta nacionalista e democrática encontraria forte oposição
por parte de parlamentares da UDN e associados, tendo então uma grande dificuldade de
vitória, estando limitados à burocracia, lentidão e sabotagens de seus opositores. Por outro
lado, estavam limitados pelo próprio Executivo, que evitava atitudes mais progressistas,
preferindo buscar a rota da conciliação, só se decidindo por medidas mais contundentes
28
contrárias ao capital internacional e às elites conservadoras brasileiras, quando o golpe já
era iminente, e suas bases já estavam minadas pelo trabalho bem sucedido de descrédito
desenvolvido contra ele.
Os trabalhadores por si sós não poderiam promover as reformas de base, pois não
tinham força e organização para tal, privilegiando em sua ação lutar pela manutenção de
direitos trabalhistas, melhores condições de trabalho, de salários, etc. E seu principal
mecanismo de pressão política eram as greves, cabendo um papel maior ao Executivo e ao
Congresso. No campo, apesar das invasões de terras e de alguns poucos movimentos mais
organizados, como em Pernambuco, os trabalhadores estavam sujeitos ao clientelismo, que
dificultava aos camponeses tornarem-se mais independentes dos senhores de terras. A
mobilização desses trabalhadores era recente, sendo ainda embrionária a sindicalização
rural, apesar de estimulada pelo governo federal. Havia também a própria resistência dos
latifundiários, que abertamente pegavam em armas para atacar os ocupantes de terras,
ameaçando o próprio Governo, no caso de desapropriação das suas propriedades.
Assim, carecia de mais força a mobilização da sociedade, que se voltava para
pressionar pelas reformas de base, além do que não havia preparação no sentido de se
organizar para um possível golpe contra o Governo, mesmo porque, ás vésperas de abril de
1964, todos falavam de golpe, fosse da direita ou da esquerda, vulgarizando-se este termo,
que aparecia freqüentemente na mídia. Isso fazia com que as pessoas se acostumassem e se
preocupassem menos com a possibilidade de o golpe vir a ocorrer.
Ainda se tratando de uma possível ação conspiratória contra o Governo, as
entidades e personalidades de esquerda mais conscientes da possibilidade de um golpe, ou
que tinham conhecimento da conspiração, não se preocupavam tanto porque tinham plena
confiança no dispositivo militar de João Goulart, que sufocaria qualquer rebelião dos
elementos de direita tão logo eles colocassem a “cabeça para fora”.
Enquanto os legalistas seguiam confiando no dispositivo militar de João Goulart, o
IPES e sua unidade tática IBAD seguiam seus projetos apoiados nos recursos financeiros,
estratégicos e políticos da Central de Inteligência do governo norte-americano, das
multinacionais de países centrais capitalistas, das forças conservadoras associadas e com
interesses ligados ao capital internacional
37
.
37
DREIFUSS, René A. Id. Ib., “A formação do IPES” p 162 a 171.
29
Seguia-se à preparação do golpe o desenvolvimento de campanhas de descrédito do
Governo e a instituição de organizações para infiltrarem-se nos movimentos
reivindicatórios dos meios militares e civis, nas cidades e nas zonas rurais e para criar
organizações paralelas a estas
38
.
No meio político-partidário muitos políticos, até governadores, estavam associados
para agir contra João Goulart. Nos meios militares, generais eram envolvidos com a
conspiração, ligando-se ao IPES, tendo a Escola Superior de Guerra sua importância no
desenvolvimento da conspiração, que derrubou o governo de Jango
39
.
Os conspiradores buscaram também formas de retirar o apoio ao Governo nos
setores legalistas civis e militares, através de um trabalho na imprensa de uma forma geral.
E neste ponto talvez até alguns setores de esquerda tenham se iludido de seu poder, porque
a forma como a imprensa valorizava, inventava ou aumentava o que ocorria em relação às
esquerdas, fossem declarações de Brizola e de Prestes, fossem os movimentos populares,
greves, insatisfações dos militares, sublevações e até mesmo declarações de temores ao
comunismo, tomada de terras, bolchevização, etc., fazia com que no país, naquele clima de
guerra fria e de vitória da revolução em Cuba e sua adesão ao regime soviético, muitos
chegassem realmente a acreditar numa ação de comunização do país ou de grande poder
das esquerdas
40
.
Uma prova do grande sucesso da campanha dos conspiradores via imprensa contra
os movimentos progressistas foi o comício do dia de 13 de março de 1964, quando
reuniram-se cerca de 200.000 pessoas para ouvir João Goulart na Central do Brasil. Foi
decretado meio expediente nas repartições públicas naquela sexta-feira, para que houvesse
o máximo de manifestantes durante o comício, ao passo que em São Paulo reuniram-se
mais que o dobro deste número, cerca de 500.000 pessoas na “Marcha da Família com
Deus pela Liberdade”. Por mais que o governo de São Paulo tivesse alugado ônibus para
levar pessoas gratuitamente ao comício, pago alguns grupos para estarem presentes,
decretado feriado nas repartições públicas, ou que o número de manifestantes tenha sido
38
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p 164.
39
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p 369.
40
Sobre as formas de ação dos conspiradores no trabalho de criar pânico na sociedade, para terem o apoio da opinião
pública quando de uma intervenção armada para tirar João Goulart do poder, ver o livro de René Armand Dreifuss
indicado na bibliografia, capítulo V, especialmente a página 192 que fala do Grupo de Opinião Pública – GOP do IPES.
30
aumentado pela imprensa ou por órgãos oficiais do estado paulista, a diferença do número
de manifestantes é muito grande, o que demonstra o poder de persuasão, e de manipulação
da imprensa e seu sucesso.
Entre os esforços de mobilização desenvolvidos pelos grupos golpistas, o medo do
comunismo foi um dos fatores mais importantes trabalhados junto à opinião pública.
Segundo Rodrigo Patto S Motta a “ameaça comunista” foi o argumento político decisivo
para justificar o golpe político de 1964, bem como para convencer a sociedade ou parte dela
da necessidade de medidas repressivas contra as esquerdas
41
. Para este autor, houve três
matrizes principais do anticomunismo brasileiro: o catolicismo, o nacionalismo
conservador e o liberalismo econômico. Assim as advertências e campanhas de que o país
sofria um sério risco de comunização a partir da utilização destas três matrizes, durante o
governo de João Goulart, conseguiram convencer setores expressivos da sociedade de que
para se evitar tal situação seria preciso retirar à força o presidente da República.
Na visão de Rodrigo Motta, no Brasil, a Igreja Católica foi a instituição mais
empenhada em combater o comunismo ao longo do século XX. E isto influenciou
enormemente a sociedade brasileira, de forte tradição católica. A mobilização que o
Vaticano fazia contra o comunismo era por que o reconhecia como uma séria ameaça
contra a religião. Já no final do século XIX, o papa Leão XIII condenava o abuso dos
patrões, mas atacava o comunismo.
No caso dos anos 60 do século XX, o empenho dos católicos contra o comunismo
foi mais intenso. Há várias cartas pastorais tratando exclusivamente do assunto, que eram
lidas nas catedrais, matrizes, igrejas, capelas e comunidades religiosas. Os religiosos, aliás,
ocupavam não só os púlpitos, mas espaços sociais externos às igrejas para atacar o
comunismo.
A segunda matriz ideológica – o nacionalismo conservador, entendendo-se por este
tema a defesa da ordem, da integração, da tradição e centralização, conseguiu sensibilizar
contra o comunismo por alegar que ele representava interesses externos ao Brasil. E um
setor social muito receptivo foi o dos militares devido às propostas de defesa da pátria e da
nação.
Diz-nos Rodrigo P Sá Motta sobre este segundo aspecto:
41
MOTTA, Rodrigo P Sá. Em guarda contra o perigo vermelho, São Paulo, Perspectiva: FAPESP, 2002. Introdução
XXII.
31
O destaque alcançado pelos membros das Forças Armadas no
campo do nacionalismo anticomunista é explicado por características
peculiares à instituição. Nos meios militares havia já uma tendência natural
a respeitar o status quo e refutar os projetos revolucionários, fruto de seu
papel constitucional de garantidores da ordem. Eles eram preparados para
defender as instituições constituídas contra tentativas de ruptura
revolucionária e daí era natural que encarassem o comunismo como
ameaça. Na qualidade de defensores da ordem também consideravam seu
papel preservar a integridade nacional, e, neste sentido, a proposta
comunista soava ofensiva por enfatizar e estimular o antagonismo entre os
grupos sociais. Outro aspecto significativo é que os militares tinham um
profundo respeito pela noção de hierarquia e forte “espírito de corpo”, o
que os levava a temer as conseqüência de uma revolução para a estrutura
das Forças Armadas”.
(MOTTA, Rodrigo P Sá. Em guarda contra o perigo vermelho,
São Paulo,
Perspectiva: FAPESP, 2002. pág. 37)
Reforçou ainda o anticomunismo entre os militares o levante de 1935, porque os
militares revolucionários foram acusados de uma prática inaceitável, que seria a traição à
pátria e, principalmente, às Forças Armadas.
A terceira matriz foi o liberalismo econômico e político: o comunismo era acusado
de atacar a propriedade privada, de sufocar a liberdade e praticar o autoritarismo político.
No ano de 1964, os anticomunistas exploraram muito a questão da democracia em oposição
ao comunismo. Mas a palavra “democracia” não significava participação popular, era só
retórica em oposição à palavra “comunista”. Esse discurso retórico servia também, segundo
Rodrigo Motta, para mostrar alinhamento internacional com os EUA e o mundo “livre,
ocidental e cristão”.
42
Essas três matrizes se ligavam a três grupos sociais muito importantes: os religiosos,
sendo os membros do clero católico seus principais representantes, os militares, devido ao
discurso nacionalista, e os empresários por causa do discurso liberal.
Por outro lado surgiram várias organizações de esquerda no Brasil, como a Ação
Popular (AP), Ligas Camponesas, Política Operária (POLOP), como fruto da empolgação
de vários setores sociais com a possibilidade de transformações sociais, em parte pelo
sucesso da revolução de Cuba, em parte pelo desejo mesmo de transformar o país. E
quando Jango assume a presidência, há o medo do fortalecimento dos comunistas. Mais
ainda, o presidente tinha uma posição pró Cuba e contra o boicote norte-americano a esse
42
MOTTA, Rodrigo P Sá. Id.ib., p. 41.
32
país, o que era identificado como fruto de uma influência comunista sobre o presidente, e
que prejudicava os interesses do Brasil junto aos EUA.
As pregações radicais de Brizola davam argumentos aos anticomunistas, que o
chamavam de Fidel brasileiro. E, a partir de abril/maio de 1963, há um surto de greves,
depois há o movimento dos sargentos em Brasília. Isso tudo aguçou os discursos
anticomunistas, que denunciaram durante todo o ano de 1963 a infiltração comunista nos
sindicatos, nas Forças Armadas e em outros setores do governo, promovendo o medo entre
os que acreditavam numa real ameaça comunista no país.
O medo do comunismo foi muito bem explorado e amplamente desenvolvido por
meio da imprensa de massa e conseguiu realmente sensibilizar grande parte da sociedade,
favorecendo os golpistas, que, muito bem articulados e com grande clareza do que queriam
abortaram o processo de ascensão da consciência e mobilização dos setores populares,
mantendo privilégios e preservando interesses seus e de grupos externos que estavam
associados ao mesmo processo de controle e domínio das estruturas políticas e econômicas
da nação.
Nos esforços de preparação do golpe, os conspiradores deram grande valor à ação
junto à opinião pública e a imprensa teve um papel importante, sendo um dos campos com
atenção privilegiada pelo núcleo dirigente do IPES, que elaborou uma estratégia
abrangendo todos os órgãos de comunicação. Anúncios que prejudicavam o governo de
João Goulart ou relacionados de forma negativa ao comunismo eram pagos para saírem na
imprensa escrita, jornalistas eram recrutados, enfim uma grande e sofisticada rede de ação
contrária ao Governo foi montada, visando favorecer o golpe. Dênis de Moraes afirma que
com “poucas exceções, os veículos de comunicação funcionavam como correias de
transmissão da máquina de propaganda ideológica anticomunista e antijanguista.”
43
O Jornal do Brasil, enquanto órgão de grande imprensa e ligado à elite burguesa,
deu sua contribuição para o favorecimento do golpe, como a maioria dos jornais da época,
tendo um peso muito grande porque era, se não a maior, uma das maiores empresas
jornalísticas brasileiras, enquadrando-se entre os grupos conservadores e reacionários do
período, que se incomodavam com a mobilização popular, temendo que o nacional-
43
MORAES, Dênis de. Id. Ib., p. 130.
33
reformismo tendesse a um reformismo nacionalista que atingisse seus interesses ou de seus
associados.
34
A IMPRENSA E O GOLPE
O objetivo deste capítulo é refletir sobre a importância da imprensa na disseminação
de valores e idéias na sociedade moderna, trazer informações básicas sobre o Jornal do
Brasil, discutir o conceito de liberalismo que orientou as ações do JB e apontar as relações
entre o jornal e o IPES.
O PAPEL DA IMPRENSA – O interesse em pesquisar um jornal, deve-se ao fato de a
imprensa desempenhar hoje uma função importante nas sociedades modernas, dado seu
papel de trazer a informação. Segundo Nelson Werneck Sodré, existe uma estreita relação
entre o desenvolvimento da imprensa e o da sociedade capitalista, com uma ligação
dialética entre as duas, pela influência que a “difusão impressa exerce sobre o
comportamento das massas e dos indivíduos”
44
.
As sociedades capitalistas se tornam mais complexas com o tempo e a imprensa
possui relação com tal fenômeno, porque quanto mais o capitalismo se desenvolve, mais se
concentram os capitais e os meios de produção nas mãos de poucos, e a imprensa também
vai seguir esse caminho ao longo do século XX. Como na década de 60 há uma diminuição
da liberdade de imprensa, a partir do aumento do preço do papel, tornando mais difícil o
aparecimento de jornais, ficando tal iniciativa para grupos fortes
45
, deduz-se que a imprensa
vai se tornar monopólio de uns, não sendo difícil que passe a expressar o pensamento de
segmentos economicamente fortes da sociedade e de seus associados.
Fazendo considerações sobre a mídia, Pierre Nora
46
afirma que esta torna o
acontecimento monstruoso, dando-lhe vida. Esta afirmação serve igualmente para os
jornais, devido à contribuição dos mesmos para a divulgação dos acontecimentos,
moldando a opinião pública de acordo com interesses, que dada a concentração dos meios
de comunicação, em particular os jornais, nem sempre são os dos seus leitores.
A imprensa, segundo Alzira Alves de Abreu e Fernando Lattman-Weltman
47
, é um
dos atores mais diretamente envolvidos nos grandes processos de transformação política e
44
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil, São Paulo, Martins Fontes, 1983, 3ª edição, Introdução, p.
1.
45
SODRÉ, Nelson Werneck. Id. Ib., p. 416.
46
LE GOFF, Jaques e NORA, Pierre. História Novos Problemas, Rio de Janeiro, Francisco Alves Editora, 1988, 3ª
edição, p. 183.
47
ABREU, Alzira A e LATTMAN-WELTMAN, Fernando, “Fechando o cerco: a imprensa e a crise de agosto de 1954”,
in Ângela de Castro Gomes (org.). Vargas e a Crise dos Anos 50, Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994, p. 24.
35
sócio-cultural da sociedade brasileira. Deduz-se, então, que a opinião pública sofre uma
grande influência dos órgãos de comunicação, tendo estes relevante papel nos
acontecimentos decisivos na história do Brasil.
Jean-Jacques Becker
48
, tratando da opinião pública, questiona até que ponto ela
seria fabricada, discutindo a manipulação e o condicionamento que a imprensa produz.
A relação imprensa e opinião pública não é uma via de mão única, existe uma
troca de influências entre as duas pois “a manipulação só tem chance de ser bem sucedida
quando acompanha as tendências profundas da opinião pública”
49
. Por isso, ao se estudar o
discurso da imprensa, há a possibilidade de se penetrar no entendimento e nas opiniões não
só do grupo diretor do jornal, mas também do publico para quem ele é dirigido. No nosso
caso, o Jornal do Brasil, como grande empresa jornalística, estava voltado mais para os
setores médios da sociedade, pequenos empresários, profissionais liberais, como também
para os grandes empresários, industriais, enfim também para a burguesia.
Para este trabalho, utilizarei o conceito de opinião publica, entendendo tal expressão
como juízo de valor, que é feito por um grupo ou grupos em relação a determinado assunto.
Tal juízo enquanto opinião é distante da ciência dos entendidos, podendo ser chamado
também de senso comum. Este conceito pressupõe uma sociedade livre e articulada, com
centros onde se formam opiniões não individuais interessadas em controlar a política do
governo
50
.
Segundo Bobbio, a concepção de Karl Marx sobre opinião pública é que ela seria a
ideologia do Estado de direito burguês, sendo a publicidade uma arma inventada pela
burguesia em seu próprio favor. O público não representa a sociedade em seus diferentes
segmentos, porque a sociedade burguesa não é a sociedade geral
51
, embora entendendo que
a sociedade em geral não é tão manipulável e direcionada, existindo uma autonomia
relativa dos diferentes grupos da sociedade, mesmo que influenciáveis pela grande
imprensa, desenvolvendo juízo sobre os assuntos não só pela influência de grupos
dominantes, mas também por fatores culturais, éticos e políticos próprios.
48
BECKER, Jean-Jacques, “A Opinião Pública”, in René Rémond (org.). Por uma história política, Rio de Janeiro,
Editora UFRJ e FGV, 1996, p 192.
49
BECKER, Jean-Jacques. Id. Ib., p. 192.
50
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco (org.). Dicionário de Política, Brasília, UnB, 2º
vol.,1995, 8ª edição, p 844.
51
BOBBIO, Norberto. Id. Ib., p. 844.
36
Quanto às camadas médias urbanas ou setores médios, os entendo como grupos
sociais intermediários entre a burguesia, o operariado e camponeses, estando ligados a
setores não produtivos da sociedade, como professores, políticos, intelectuais e militares,
tendendo em conseqüência disto, a reproduzirem a ideologia burguesa como sendo sua
52
.
Quando o golpe ocorreu, na madrugada de 31 de março para 1
o
de abril de 1964, e a
notícia alcançou o país, embora tenha havido a tentativa de reação por parte de alguns
grupos populares, e o início de uma mobilização de setores militares legalistas,
principalmente no sul, vários segmentos sociais e a maior parte da classe média apoiou o
acontecimento. Nesse sentido é importante que se estude a ação dos golpistas, para tentar
entender o motivo de uma certa aceitação por parte da sociedade do movimento militar que
destituiu o presidente.
Por outro lado, a imprensa exerce influência se houver terreno favorável. E
estudar os caminhos seguidos pelos golpistas para legitimar o golpe nos ajuda a
compreender a ideologia dominante das elites no período, a posição de diferentes setores da
sociedade de medo do comunismo, diante da guerra fria e a revolução de 1959 em Cuba.
Como menos de três décadas encerrou-se o governo militar no Brasil, o tema
ainda está pouco discutido. Já a preocupação no Brasil com a comunicação e a cultura de
massa “só começou a ganhar força na Academia somente no limiar da década de 70”
53
.
Então há também muito o que se pesquisar sobre a ação legitimadora de alguns setores da
imprensa sobre o golpe.
Nesse sentido, somos levados de igual modo a perguntar, refletindo sobre os
acontecimentos de março de 1964, quando os militares destituíram o governo civil e se
estabeleceram no poder, qual a importância que determinados jornais tiveram para se criar
na opinião pública a idéia favorável à intervenção militar. Como foi trabalhada junto à
opinião pública a questão do golpe de 64, para que, quando este ocorresse, alguns setores
da sociedade lhe fossem favoráveis ou lhe oferecessem pouca resistência?
Só mais recentemente, após o fim do governo militar no Brasil e a
redemocratização, é que a historiografia tem dado ênfase à questão da imprensa e do golpe
52
CARDOSO, Fernando H. e BRIGNOLI, Hector P. El Concepto de Clases Sociales: Bases para uma discusion, Madri,
Editorial Ayuso, 1976, cap II.
53
GOLDENSTEIN, Gisela T, Do Jornalismo político à indústria cultural. Summus editorial, 1987, volume 19, p. 21.
37
militar de 1964. Não há um número grande de trabalhos sobre este tema, tanto de jornais
que defendiam João Goulart, quanto de jornais que eram hostis a ele e ao seu governo. No
entanto, os trabalhos de pesquisa já feitos sobre a grande imprensa e o golpe despertam
nosso interesse para pesquisar cada vez mais os caminhos psicológicos e emocionais
utilizados para atacar as ações do governo e o chefe do executivo, por que se fazia isto e o
sucesso no seu público alvo. Para tentar responder à pergunta acima, este estudo se baseará
no Jornal do Brasil, por ele ser uma empresa jornalística muito forte na época no Rio de
Janeiro, que não era mais a capital do Brasil, mas onde ainda se concentrava a vida política
do país.
A IMPORTÂNCIA DO JORNAL DO BRASIL – Nelson Werneck Sodré afirma que o
Jornal do Brasil surge em 1891
54
, já como grande empresa, com uma estrutura sólida,
sendo um dos primeiros jornais a se modernizar. Em 1916 possuía o maior parque gráfico
da imprensa brasileira
55
. Ao longo de sua história, até antes dos anos 1960, o jornal traz
constantes demonstrações de pioneirismo, como apresentar anúncios coloridos na última
página, dedicar uma página inteira aos esportes, entre outras coisas. Essas informações
servem para mostrar que o periódico era sólido, forte e uma das mais bem estruturadas
empresas jornalísticas do Rio de Janeiro.
No ano de 1956 o informativo dá nova demonstração de força ao iniciar uma ampla
reforma que termina em 1959, período em que só grandes grupos jornalísticos tinham
condições de sobreviver, por causa do preço do papel e das dificuldades em se comprar
equipamentos de impressão. Nelson Werneck Sodré escreverá que, nos anos 1950:
“A concentração da imprensa seguia seu curso inexorável; tornava-se cada
vez mais difícil lançar jornal novo; o número dos que desapareciam eram
crescente. Finda a Guerra Mundial, abria-se amplo horizonte à liberdade de
pensamento; cada vez mais se verificava, na prática, que tal liberdade era
meramente teórica: só grandes capitais poderiam montar grandes
empresas, como os jornais” (SODRÉ, Nelson Werneck. História da
imprensa no Brasil, São Paulo, Martins Fontes, 1983, 3ª edição, p. 395).
Pelas afirmações acima fica bastante claro que o Jornal do Brasil na década de 60
era uma forte empresa jornalística. Tratava-se de um jornal sólido, que já existia antes do
início dos movimentos que desembocariam no golpe de 1964.
54
SODRÉ, Nelson Werneck. Id. Ib., p. 251.
55
SODRÉ, Nelson Werneck. Id. Ib., p. 346.
38
Do ponto de vista de sua posição política, o Jornal do Brasil, na sua fundação, era
um jornal de tendências monarquistas, que criticou a República até 1919, quando passa a
ter uma posição moderada em relação à política deste ano até 1930. Essa posição moderada
de 1919 a 1930 é conseqüência da mudança de proprietários, pois em 1919 o conde Ernesto
Pereira Carneiro assume o periódico que estava em estado de insolvência, devido ao
encarecimento do preço do papel durante a I Guerra Mundial
56
.
O conde Pereira Carneiro consegue reorganizar financeiramente o jornal, que segue
numa posição política discreta durante todo o governo Vargas. Apesar de não tomar
posições políticas definidas pró ou contra o governo, o periódico apóia medidas
governamentais dos anos 1940, como, por exemplo, o cancelamento do registro do PCB em
1947. No ano de 1950, coloca-se a favor da legalidade se opondo a um movimento de
oposição a que Vargas assumisse o poder, movimento esse desenvolvido por Carlos
Lacerda e a UDN, mas fez oposição a João Goulart, ministro do trabalho de Vargas
57
.
Nos anos 1950 o Conde Pereira Carneiro se afasta da direção do jornal por motivos
de doença, vindo a falecer em 1953. Assume o jornal sua viúva Marina Dunshee de
Abranches Pereira Carneiro, contando com a colaboração de Manuel Francisco do
Nascimento Brito, genro do conde. Mas a mudança na direção não muda a postura do jornal
de discrição diante da conjuntura política, defendendo sempre a legalidade, como no caso
de 1961, criticando o que considerava erros dos governos, mas sem se engajar muito em
alguma posição
58
.
Por que o JB defendeu a queda de Jango em 1964 depois de defender sua posse em
1961? Por que teve um discurso a favor da legalidade, mudando algum tempo depois? Em
primeiro lugar, deve-se considerar que o Jornal do Brasil defendeu em 1961 que se
respeitasse a Constituição, mas deixando bem claro sua posição de antipatia a João Goulart,
como se lê no editorial de 5 de setembro, na página 5 pela afirmação de que Jango era uma
pessoa “a cuja conduta sempre fizemos restrições”, mas defendendo que ele assumisse pelo
motivo de que era o que a constituição prescrevia.
56
ABREU, Alzira Alves de, BELOC, Israel, LATMAN-WELTMAN, Fenrnado e LAMARÃO, Sergio Tadeu de
Almeida. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930, vol. III, Rio de Janeiro ed FGV, 2ª ed. 2001, p. 2869
57
ABREU, Alzira Alves de, . Id. Ib., p. 2869.
58
ABREU, Alzira Alves de, . Id. Ib., p. 2869.
39
Isto não demonstra ao meu ver contradição na conduta do jornal. Pelo contrário,
isso serve para demonstrar que o informativo era liberal, enquadrando-se numa variante do
liberalismo que poderíamos chamar de vertente conservadora. Embora essa questão seja
discutida mais adiante, cito neste momento para tentar complementar a citação do
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro quando explica a oposição do JB ao governo
Jango da seguinte forma:
“Restaurado o presidencialismo e organizado o novo ministério, foi
estabelecido como objetivo prioritário do governo encontrar uma fórmula
que conciliasse a continuidade do desenvolvimento do país com um
programa antiinflacionário. Goulalart decidiu então pôr em prática o Plano
Trienal elaborado por Celso Furtado. Ainda nesse momento, o Jornal do
Brasil deu apoio ao governo, mostrando-se favorável ao plano. Entretanto, a
política antiinflacionária gerava intensa oposição nos meios operários, o
que criava embaraços à sua execução. A falência do Plano Trienal e a maior
inclinação do governo para a esquerda veio provocar a ruptura definitiva do
Jornal do Brasil com João Goulart.” (
ABREU, Alzira Alves de, BELOC, Israel,
LATMAN-WELTMAN, Fenrnado e LAMARÃO, Sergio Tadeu de Almeida. Dicionário
Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930, vol. III, Rio de Janeiro ed FGV, 2ª ed. 2001, p.
2871).
O jornal defendia uma política antiinflacionária e um desenvolvimento do país,
dentro de uma forma conservadora que se aliava à prática da democracia e respeito à
constituição, desde que não atingisse aos seus interesses e do grupo a que o periódico fazia
parte.
Pelo que pesquisei no Jornal do Brasil, questiono a forma como este, segundo os
autores da enciclopédia acima, “deu apoio ao governo”, pois os editoriais lidos desde
outubro de 1963 demonstram críticas muito ácidas e muita desconfiança com tudo o que
Jango fazia para que tivesse dado apoio ao governo uns oito meses antes e em outubro fosse
tão crítico e contundente contra o presidente.
Já o jornal Última Hora foi fundado em 1951 como jornal vespertino, e a partir de
1954 passou a ser matutino. Segundo Nelson W. Sodré, com o fim da ditadura Vargas,
Getúlio percebeu que não poderia mais controlar ou subornar a grande imprensa, por isto
optou pela abertura de créditos a empresas jornalísticas que, em troca, viessem a apoiá-lo:
“Vargas julgou que esse caminho, largamente batido, lhe permitiria ter pelo
menos um órgão oficioso, de base popular, capaz de permitir-lhe enfrentar
a maciça frente de jornais controlados pelas agências estrangeiras de
publicidade. Foi assim que vultosos e rápidos créditos possibilitaram, em
1951, a Samuel Wainer fundar o vespertino Última Hora, que logo
conquistou lugar de destaque na imprensa carioca e brasileira.” (SODRÉ,
40
Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil, Sao Paulo, Martins
Fontes, 1983, 3
a
edição, p. 399).
Pelo exposto percebe-se que o UH vai ser um defensor dos governos populistas. Por
isso vou utilizá-lo como contraponto a algumas mensagens do JB para ver como os dois
jornais trabalhavam alguns acontecimentos relativos ao governo de João Goulart.
Há na obra de René A Dreifuss a seguinte afirmação sobre o JB: “o Jornal do
Brasil, por trás de sua fachada de órgão informativo, era usado como importante canal de
divulgação para a campanha ideológica da elite orgânica”
59
. Por este motivo acreditamos
poder analisar o referido informativo, auxiliando na compreensão do papel do jornal no
apoio aos golpistas, e contribuindo de alguma forma com os trabalhos que já existem ou
existirão sobre o assunto grande imprensa e o golpe militar que destituiu o presidente civil
em abril de 1964.
Sobre a participação do Jornal do Brasil no apoio ao golpe e o aparente paradoxo da
participação de jornais em atos contra a democracia, Maria Helena Capellato nos ajuda a
compreender esta questão, quando diz que no Brasil:
“A imprensa liberal se norteou pelos princípios do liberalismo
político, embora seus representantes tenham feito concessões quando
julgaram necessário. Mas para defender os próprios interesses e os da
classe a que pertenciam, aceitaram medida repressoras e antiliberais nos
momentos em que sentiram ameaçada a ordem social: nessa situação
apoiaram o “tirano” e depois foram vítimas dele. Porque os proprietários
de jornal, na salvaguarda de seus interesses e manutenção dos privilégios
de classe, preferiram ser vítimas da “tirania do poder” do que da “tirania
das massas”. O “tirano” recusa-lhes liberdade, só que protege seus bens.”
(CAPELATO, Maria Helena. Os Arautos do Liberalismo, São Paulo,
editora brasiliense, 1989 p. 245-246).
Embora o trecho acima trate da imprensa brasileira no início do século XX e do
jornal “O Estado de São Paulo”, acredito que isto se aplique à grande imprensa de uma
forma geral, mesmo no período relacionado à nossa pesquisa.
O DISCURSO LIBERAL – A afirmação acima transcrita da pesquisadora vem, Inclusive,
ao encontro da nossa proposta de discutir o liberalismo de que o JB se dizia partidário.
59
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p. 167.
41
Numa sociedade capitalista, o domínio dos meios de comunicação e dos meios de produção
pertencem a uma minoria que, por questão de sobrevivência, se esforça por manter o
controle da sociedade nos níveis econômico, político e ideológico, através do discurso de
defesa da propriedade privada, da participação política e da livre concorrência,
constituindo, no Brasil, a essência do pensamento liberal.
Ao refletir sobre capitalismo, me baseio nos comentários de Norberto Bobbio sobre
Karl Marx, entendendo que a base do sistema capitalista é a relação entre trabalho
assalariado e capital, mais exatamente a valorização do capital através da mais-valia
extorquida do trabalhador. O capitalismo consistindo, portanto, num modo de produção
baseado na exploração do trabalhador por quem possui dinheiro e os meios de produção, já
o Estado liberal proporcionaria uma base de legitimação ao capitalismo, não por meio de
um domínio direto do capitalismo, mas em termos de dependência funcional
60
.
Se o Estado liberal proporciona bases de “legitimação do capitalismo”, poderíamos
concluir que um estado liberal seria incompatível com a democracia, pois legitimando o
capitalismo legitimaria a desigualdade. Acredito que assim seja, mas penso que dentro do
liberalismo e da democracia, mesmo num Estado burguês, seja possível transformações
estruturais a favor das camadas populares através da mobilização e pressão dessas mesmas
camadas.
Num Estado liberal o direito à propriedade privada é fundamental para quem tem
posses, pois só numa sociedade onde é possível acumular bens materiais imóveis ou móveis
pode existir a diferenciação social e a preservação do que já se possui. A participação
política pelo sufrágio universal e o direito a concorrer a cargos do Legislativo e Executivo
possibilita o acesso à criação e à manutenção de leis que protejam os interesses de classe. A
livre concorrência não só permite o crescimento dos mais fortes, como serve de
impedimento ao acesso dos mais fracos. Paradoxalmente a liberdade de concorrer é a
negação da concorrência para os que não têm recursos.
Tratando do controle ideológico, a massificação dos valores do ter e ascender
economicamente, que no fundo interessa mais a quem possui recursos do que a quem não
possui, traz sempre a sedução de que todos podem, levando à aceitação por parte de grande
60
BOBBIO, Norberto. Id. Ib., p. 142 e143, 5ª ed. Vol. II.
42
parte da sociedade, de valores que na prática beneficiam mais a quem já tem, alimentando
as diferenças sociais e a exploração.
Num sistema de competição como o capitalista, para um ganhar outro precisa
perder, e o perdedor é que alimenta a riqueza do grande. Esse talvez seja o grande paradoxo
desumano do sistema, principalmente num país como o nosso de pouca justiça social.
Mas a defesa da trilogia propriedade privada, participação política e livre
concorrência, que exprime no fundo o desejo de manutenção de privilégios de um grupo
sobre outros é o que constitui a ideologia liberal e estará presente nos discursos e na postura
do Jornal do Brasil. Qualquer avanço das liberdades e direitos que ponha em risco os
benefícios de grupos privilegiados será considerado subversão da ordem.
Fazendo ainda considerações sobre o conceito de liberalismo e o Jornal do Brasil,
ou posturas antidemocráticas que se dizem defensoras do liberalismo, é importante ressaltar
que esse conceito é muito discutido e controverso, podendo haver as mais diversas
considerações sobre o tema, sendo difícil inclusive uma definição do que realmente seria.
Um ponto em que todos concordam é que o liberalismo tem início no século XVII
em oposição ao Antigo Regime e suas características principais, que eram o poder do rei, os
privilégios da nobreza, o poder do clero e a falta de participação política da burguesia, um
novo grupo social em ascensão. Desse modo, foi desenvolvido e defendido por ideólogos
burgueses dentro de uma determinada conjuntura, em favor de um grupo que começava a
agir como classe social e não possuía compromissos com a participação política de toda a
sociedade, como é o ideal democrático das sociedades atuais.
Tanto na Inglaterra quanto na França durante o século XVIII as transformações
políticas que limitaram os poderes dos reis não pretendiam, no início, abrir a participação
política a todas as pessoas. Na Inglaterra os eleitores tinham que possuir bens e uma
determinada renda, na França revolucionária a primeira constituição de 1792 prescrevia o
voto censitário. A idéia da participação de todas as pessoas, ricas ou pobres, e mesmo
analfabetas é conquista de meados do século XIX para cá e em alguns países é uma prática
de algumas décadas após o século XX, como no caso do Brasil.
Usando como marco da minha reflexão a independência do Brasil, podemos dizer
que as idéias liberais foram defendidas com os mesmos objetivos que foram iniciadas na
43
Europa: direito às elites participarem do poder político. Os grandes fazendeiros queriam
manter as conquistas implementadas por Dom João VI, que eram a liberdade de comerciar
com o exterior e o direito a controlar a política do país, excluindo quaisquer reformas que
prejudicassem os latifúndios, o poder dos grandes proprietários, etc.
Como já discutido por diversos autores especialistas no assunto, o liberalismo
brasileiro seguiu um caminho diferente do seguido na Europa. Nosso liberalismo foi
adaptado à nossa realidade agrária, escravocrata, latifundiária e elitista. Mas talvez isso não
inviabilize o ponto de vista de que em sua raiz nosso liberalismo foi pensado da mesma
forma que nos seus primórdios na Inglaterra de Locke.
Embora no século XX possamos atribuir ao liberalismo características gerais como
a defesa da liberdade de associação, de propriedade, de expressão, de religião, etc. que são
muito mais amplas que as entendidas em séculos anteriores, pode-se dizer que o liberalismo
permanece fiel à sua origem que seria, em essência, a defesa dos interesses burgueses, que
são diferentes dos de outros grupos sociais, hoje no caso dos grupos subalternos.
Nossa sociedade defende valores burgueses como se fossem valores de todos, mas a
prova de que estes valores são para uma classe especifica é verificada em momentos como
o do golpe civil-militar de 1964 ocorrido no Brasil. As liberdades apregoadas para todos
são apenas para alguns, que se julgam no direito de retirar os direitos dos outros quando se
sentem ameaçados.
Talvez por isto Maria H. Capelato tenha escrito nas conclusões de seu livro
“Na sua essência o projeto liberal não se distingue do antiliberal: ambos
fundamentam a dominação. Nesse sentido concluo que os liberais são
também autoritários. Há, porém, diferenças significativas entre essas
duas vertentes do pensamento dominante. No projeto antiliberal a
questão da democracia está excluída; na perspectiva liberal ela tem
limites de classe bem definidos, mas não é negada”. (CAPELATO, Maria
Helena. Os Arautos do Liberalismo, São Paulo, editora brasiliense, 1989
p. 244).
Como o termo liberalismo possui vários sentidos, ao nos referirmos ao liberalismo
do JB queremos dizer que no nível político ele vai se colocar como defensor da democracia
parlamentar, do equilíbrio político entre os Poderes, enfim da prática democrática formal.
No nível econômico significará a liberdade que caberá ao Estado dar à iniciativa privada
44
para agir e desenvolver-se, estimulando a economia. Na maioria das vezes em que nos
referimos à postura liberal do Jornal do Brasil, será mais relacionada ao liberalismo
político.
Como o liberalismo vindo da Europa adaptou-se às características brasileiras,
podemos considerar que há matrizes do liberalismo, um tipo de liberalismo democrático,
ligado às camadas populares que se identificam com o discurso liberal de liberdade de
expressão, participação política, etc e tentam aprofundar a participação política e liberdade
de expressão para lutar por transformações mais profundas nas instituições políticas e
econômicas, e um liberalismo conservador, que prega os mesmos princípios de liberdade
de expressão, participação política, defesa da propriedade privada, etc mas não
aprofundando tais princípios ao nível de uma maior participação das camadas populares e
de transformações estruturais que prejudiquem os interesses dos latifundiários, os grandes
lucros dos banqueiros, multinacionais e grandes empresas.
O JB, então, se enquadraria numa vertente liberal conservadora, porque o periódico,
enquanto órgão burguês, apelará para o uso de meios que não os democráticos para resolver
impasses e lhe garantir a situação de beneficiário de uma determinada conjuntura. O
liberalismo do jornal, repetimos, será de vertente conservadora e, desse modo, o JB se
sentirá bastante à vontade para criticar os setores de esquerda e acusá-los de comunistas,
em defesa da democracia que acreditava ser a correta.
Diante do que já foi discutido acima, não há então paradoxo na questão de órgãos da
imprensa defenderem atos contrários à democracia, porque práticas antidemocráticas
seriam toleráveis em sociedades burguesas que se dizem adeptas do liberalismo, mesmo
porque, segundo uma matriz de liberalismo conservador, a democracia possui limites bem
definidos.
Quero ressaltar ainda que outra característica das elites brasileiras era de que as
camadas populares e mais pobres da população eram incapazes de agir por conta própria,
constituindo-se como massa de manobra de elementos que conspiravam contra a ordem
social (burguesa). Então um golpe como o de 1964 ocorreu sob a desculpa de que era
necessário para manter a própria democracia. O povo era imaturo cabendo às elites o direito
de preservar o sistema. Uma visão elitista que escondia uma ação de defesa dos interesses
45
de classe. E o Exército, enquanto órgão de preservação da ordem, caminhou nesse sentido,
como bem mostrado por Maria Victoria Benevides. Essa autora, ao tratar do golpe e da
posição da UDN vai afirmar que
A legitimação do golpismo reunia os udenistas e os militares em profícua
comunhão na crença da ‘legitimidade do regime’ e no temor da ‘ascensão
das massas’. Os udenistas reforçavam seu lado elitista-autoritário (‘o povo
não sabe votar’) e os militares a sua crença nos mitos da segurança
nacional, contra ‘as ameaças da luta de classes’. O anticomunismo, enfim,
estará na raiz que justifica o golpismo: o golpe é legítimo porque quer
destruir um regime ilegítimo. Convém afirmar, no entanto, que a
preocupação com o legalismo (mesmo nos seus aspectos meramente
formais) permanecia presente sobretudo para os militares, cujo valor
fundamental sempre foi a defesa da ordem, e não a democracia”
(BENEVIDES, Maria V de Mesquita. A UDN e o udenismo, Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1981 p. 263)
REFLEXÕES SOBRE GRAMSCI E O JB – Sobre a contribuição ideológica do JB para
o golpe acho muito conveniente a discussão sobre partido político em Gramsci, porque o
autor de Cadernos do Cárcere pensa o partido político como organismo que na sociedade
civil vai além de uma simples agremiação que reúne simpatizantes de uma idéia política ou
determinada ideologia. O entendimento do autor sobre partido político é bem amplo, pois
seria o organismo que, na sociedade civil, elaboraria as diretrizes políticas, educaria e
apresentaria os homens que poderiam aplicar tais diretrizes
61
.
Por causa desta visão Gramsci vai afirmar que “no mundo moderno, em muitos
países, os partidos orgânicos e fundamentais, por necessidade de luta ou por alguma outra
razão, dividiram-se em frações, cada uma das quais assume o nome de partido (...)” A
função do partido pode então ser ocupada por organizações diferentes, e neste sentido
preciso, “um jornal (ou um grupo de jornais), uma revista (ou um grupo de revistas) são
também ‘partidos’, ‘frações de partido’ ou ‘funções de determinados partidos’”
62
.
Pelo escrito acima podemos considerar que embora o JB fosse um jornal, ele
desempenhou um papel que foi além de um simples órgão informativo, pois ao participar
da campanha ideológica que colaborou com a destituição de João Goulart, agiu, ao nosso
ver, desempenhando a função do partido ou grupo que trabalhava pela deposição de Jango,
tendo uma participação ideológica importantíssima, junto com outros órgãos de imprensa,
61
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 341-342.
62
Idem, ibidem, p. 350.
46
para o descrédito do presidente e temor ao comunismo, servindo aos interesses
imperialistas norte-americanos e aos grupos que seriam prejudicados com a implantação
das reformas de base ou contrários ao desenvolvimento da democracia no Brasil.
Em outras palavras, podemos afirmar que o Jornal do Brasil agiu durante o período
pesquisado como uma força capaz de influenciar ideologicamente a sociedade contra Jango,
assim como outros órgãos de imprensa, tendo talvez maior alcance e sucesso do que
algumas agremiações políticas do período, como a UDN, devido ao seu papel de divulgador
e disseminador de idéias para o grande público.
Muito ricas as reflexões de Gramsci sobre as funções que um órgão de imprensa
pode desempenhar como partido político enquanto disseminador de idéias e formador de
opiniões, porque nos anos 1960, e principalmente hoje, um jornal, revista ou mesmo
noticiário de rádio e televisão tem acesso mais rápido, direto e impactante sobre o público
consumidor das informações do que uma agremiação político-partidária.
A ação de um órgão de imprensa é mais rápida porque quem recebe a informação
não precisa se deslocar de sua casa para ir a um local determinado, como a sede do partido,
para ter acesso às idéias e pontos de vista do formador de opinião. O receptor já receberá a
informação em sua própria casa, ou em lugares habitualmente visitados por ele mesmo.
Sem considerarmos que muitas vezes o próprio individuo procura o órgão de informação
acreditando encontrar nele um saber, uma informação que trará um valor em si, o de mantê-
lo atualizado. Já a ação de dirigir-se a uma reunião de partido num determinado dia,
horário, com condições nem sempre estimulantes de clima, tempo, etc, predispõe a poucas
pessoas participarem de associações com fins político-partidários.
A questão do receptor da informação recebê-la de forma direta relaciona-se ao fato
de que ao recebermos uma informação de um órgão de imprensa, esta já vem pronta,
censurada e arrumada de acordo com tal ou qual interesse. Para um receptor menos
precavido as informações poderão induzi-lo a ter uma postura simpática ou antipática
diante dos fatos informados, mesmo que inconsciente. Por outro lado ele não é obrigado a
refletir criticamente sobre o que houve, vê ou lê porque o que muitas vezes busca é saber o
que aconteceu. A postura de um indivíduo ante um órgão de informação tende a ser
passiva.
47
O impacto maior que um órgão de imprensa pode ter sobre uma pessoa em
comparação à uma agremiação com fins ideológicos e políticos é porque a rapidez com que
as informações são passadas, o uso da sonoplastia, a seleção de notícias, a maneira de
colocação de palavras, a montagem que se faz sobre um texto ou entrevista de forma que se
receba o fato de um jeito e não de outro causa um impacto emocional sobre as pessoas.
Além da própria confiabilidade que colocamos sobre o órgão que escolhemos para nos
informar. Isto faz com que os órgãos de imprensa funcionem como verdadeiros partidos ou
braços de agremiações político-partidárias.
A 31 de março de 1964 os setores conservadores promoveram um golpe destituindo
o presidente João Goulart, acabando com as possibilidades de implantação de um projeto de
desenvolvimento nacionalista e popular para o Brasil. Como já exposto, a vitória do
movimento não ocorreu só pelo uso da força, mas principalmente pela maciça propaganda
ideológica junto à sociedade em geral. Essa situação nos remete aos escritos de Gramsci e a
um conceito muito importante em sua obra, o conceito de hegemonia
63
. Este conceito trata
da forma de dominação de uma classe sobre outra, dos meios utilizados por um
determinado grupo social para que seu controle seja aceito com um mínimo de violência.
Para Gramsci esse tipo de dominação passa pela esfera ideológica, porque se há um
mínimo de coerção física, é porque o grupo social dominado aceita no nível das idéias a
dominação como algo comum e até necessário.
O idealizador do conceito de hegemonia vê esse domínio ocorrendo no nível das
superestruturas, através da influência na sociedade civil, embora considere o controle dos
mecanismos de coerção do Estado importantes.
Como há esta dominação no nível superestrutural? Para Gramsci os canais
utilizados pelos dominadores serão a escola, a religião, o serviço militar, etc. que cuidariam
de incutir na mente dos dominados uma unidade ideológica que favoreça aos dominantes.
Assim a hegemonia seria a capacidade de se unificar grupos sociais com interesses e
necessidades opostas em torno de um ideal que é benéfico para o grupo dominante.
A partir das reflexões de Gramsci concluímos que a burguesia impõe à sociedade os
seus valores e sua visão do mundo, interligando ao Estado as mais diversas instituições
sociais para exercer sua hegemonia de classe dominante.
63
GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci, Rio de Janeiro, Graal, 1978.
48
A importância desse conceito para esta pesquisa consiste em que para o sucesso do
golpe foi necessário um trabalho muito bem feito no nível ideológico para que uma boa
parte da sociedade aceitasse ativa ou passivamente a destituição do presidente João Goulart.
A ação militar ocorrida a 31 de março foi o coroamento de um trabalho feito com bastante
antecedência pelos grupos golpistas.
O Jornal do Brasil, assim como outros órgãos de imprensa, foram utilizados para
amedrontar as pessoas e condicioná-las a aceitarem que o presidente não estava em
condições de governar o país e que havia um clima insustentável que só seria resolvido com
a retirada de João Goulart.
Enfim, o golpe militar de 1964 foi bem sucedido não só pelo uso da força, mas
principalmente pela intensa propaganda contrária ao presidente, aos líderes de esquerda e
aos movimentos populares. A ação militar promovida foi o desfecho.
O sucesso do golpe de 1964 se deu pelo amplo trabalho desenvolvido pelos setores
golpistas entre diversos grupos sociais, revelando na prática a justeza do conceito de
Gramsci sobre sociedade civil e sociedade política. Segundo este autor, no nível da
superestrutura há duas esferas, sociedade civil e sociedade política
64
. A sociedade política
compreende as instituições públicas, como o governo, a burocracia, forças armadas, etc,
que concentrariam o monopólio legal da violência. Já a sociedade civil compreende
organismos “privados” e voluntários (partidos, organizações sociais, meios de
comunicação, escolas, igrejas), que elaborariam e difundiriam ideologias e valores
simbólicos que visariam à direção da sociedade. Por este motivo, o golpe de 1955 foi
frustrado e o de 1964 teve êxito, uma vez que os interessados neste último souberam
trabalhar no nível da sociedade civil para a aceitação mínima do acontecimento.
65
Nessa linha de raciocínio, o Estado não seria só um aparelho burocrático coercitivo,
mas a combinação de sociedade civil e política. E antes mesmo de se conseguir o controle
do Estado, mais importante é conseguir o controle da sociedade civil, como os golpistas de
1964 fizeram, tentando mobilizar para sua causa os mais diversos grupos sociais como
64
SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil, Petrópolis, RJ, Vozes, cap 2.
65
No final de 1955 houve uma tentativa de golpe para impedir a posse do candidato eleito à presidência
Juscelino Kubitschek. Políticos da UDN e militares conservadores tentaram assumir o poder, mas foram
frustrados pelo contragolpe chefiado pelo militar legalista general Henrique T. Lott, que tinha grande
prestígio junto às tropas.
49
movimentos religiosos, donas de casa, políticos, militares, etc. Isto porque na sociedade
civil é que se decide a hegemonia, isto é, o controle ideológico.
Teríamos então em 1964 o aguçamento da luta de classes no Brasil, com a
consciência de alguns setores subalternos sobre sua própria exploração, entendendo-se
como grupos sociais explorados, e se movimentando contra os grupos dominantes. Não
chegou a haver uma crise de hegemonia, mas teve lugar a disputa pela hegemonia na
sociedade civil entre os valores difundidos até o momento e os que começavam a se
desenvolver entre os setores populares, independentes da dominação ideológica dos setores
conservadores. Contudo, a capacidade de reação e de mobilização dos grupos dominantes
foi maior e, defendendo bandeiras que eram mais suas do que da sociedade em geral, mas
que carregavam valores muito fortes no imaginário social, como ordem, caos, comunismo,
etc, conseguiram sobrepor seus valores e interesses, desenvolvendo um movimento muito
mais elástico e abrangente, que culminou num golpe de força para fazer valer o que já era
consenso mínimo no país.
Embora a hegemonia para Gramsci se fundamente também em bases materiais, pois
se os grupos subalternos se submetem a uma dominação é porque vêem suas necessidades
parcialmente contempladas, o que complementará a dominação ideológica, penso que o
papel da propaganda no período, que soube explorar muito bem principalmente o
anticomunismo, foi mais importante do que os benefícios materiais que não existiam
naquele tempo para os grupos subalternos. Pelo contrário, havia uma crise econômica, e,
claro, quando ocorre o golpe, os fuzis calaram as vozes contrárias ou insatisfeitas. Por outro
lado, as cassações, prisões, desmantelamentos de entidades sindicais, culturais e estudantis
logo após o golpe, acompanhadas pela capitulação do presidente João Goulart, selaram a
vitória dos golpistas.
A contribuição ideológica do JB ao golpe também foi no sentido de que o tempo
inteiro ele apresenta como alarmismo as denúncias de um golpe de direita contra a
democracia, defendendo justamente o contrário, de que radicais ou Jango é que preparavam
um golpe, os primeiros para implantar um regime totalitário comunista, e o segundo para
perpetuar-se no poder. Isso fica bem claro no segundo editorial, de 23 de outubro de 1963,
sob o título “Armas ocultas”, quando ao tratar do encontro de armas com pessoas e
instituições que faziam oposição ao governo, o editorial afirma que o governo estaria se
50
aproveitando dessa situação para semear medo, radicalismo e intranqüilidade; que o poder
público tinha que reprimir o contrabando, e que os as ações e atividades dos grupos de
esquerda estariam levando os proprietários a se armarem. O mesmo editorial de 23 de
outubro iguala os setores de esquerda e de direita como se os dois estivessem se armando, e
acusa as Forças Armadas de estarem sendo parciais, chamando de “alarmismo” as
afirmações de que se estariam contrabandeando armas para depor Jango. Finaliza dizendo
que “nós não aceitamos que a apreensão de armamentos clandestinos fique somente nas
explorações alarmistas e muito menos que as Forças Armadas se deixem envolver por elas,
dando cobertura a soluções contra a pureza do regime”.
O JORNAL DO BRASIL E O IPES – Uma vez que o IPES aglutinou várias forças
contrárias à democracia e contra Jango e serviu como o principal instrumento de ação
ideológica para o golpe, financiando artigos de jornais e revistas, a produção de filmes,
pagando a vários profissionais de imprensa para trabalhar contra o governo de João Goulart
e ajudando na organização de grupos paralelos de participação popular nos movimentos
estudantis, sindicais, etc, cabe a pergunta sobre qual a ligação entre o Jornal do Brasil e o
IPES.
Além das transcrições já feitas para este trabalho sobre o JB que se encontram no
livro de René Dreifuss, há uma relação que este faz entre um dos seus jornalistas e o IPES
quando trata do Grupo de Opinião Pública (GOP) e sua ação no Rio de Janeiro, quando cita
várias personalidades importantes do período afirmando:
“Esse grupo de pessoas trabalhava no rádio e na televisão, juntamente com
Aristides Visconti e Antônio Peixoto do Vale e que, também, com Wilson
Figueiredo (editor do Jornal do Brasil) havia formado uma equipe algum
tempo antes do aparecimento formal do IPES. Essa equipe foi incorporada
às unidades de doutrinação e propaganda do IPES e cobria as atividades da
elite orgânica”. (René A Dreifuss.1964: A Conquista do Estado,
Petrópolis, Vozes, 1981, p 192, 2ª edição)
No que me foi possível pesquisar nos arquivos do IPES no Arquivo Nacional,
encontrei a confirmação da tese de Dreifuss sobre a ligação entre Wilson Augusto
Figueiredo e o IPES. A relação que existe entre Wilson Figueiredo e o JB é que ele
trabalhou no periódico no início dos anos 1960 assim como trabalhou também no IPES. Ao
51
que parece, o jornalista seguiu carreira no jornal chegando a ser, inclusive, seu vice-
presidente nos anos 1990 e 2000.
No final do ano 2000 quando finalizava minha monografia de final de curso sobre o
JB, tive a oportunidade de conversar com o senhor Wilson Figueiredo, que me recebeu
gentilmente, sendo ele naquele momento o vice-presidente do periódico. Na ocasião,
confirmou ser editorialista e colunista do Jornal do Brasil entre 1962 e 1965, assinando a
Segunda seção (que no ano 2000 chamava-se Informe JB), tendo ele a responsabilidade de
coordenar as notícias de política do jornal. Segundo o entrevistado, quando assumiu as
funções acima descritas, já não trabalhava mais com o IPES, tendo uma passagem muito
curta na entidade, entre 1961 e 1962, além de, segundo o próprio, seus trabalhos com o
instituto serem um trabalho temporário, um biscate (free lancer).
Realmente o sr. Wilson Figueiredo entrou para o IPES em 06 de dezembro de
1962
66
como pode-se ver em sua ficha de inscrição, tendo depois saído da organização,
tendo um período de associação muito breve, menos de dois anos.
No Arquivo Nacional não pude ter acesso a todas as atas o IPES, como o
pesquisador René Dreifuss, mesmo porque extrapolaria os objetivos e tempo da minha
dissertação e, ao que me pareceu, nem todas as atas estariam lá arquivadas. Mas confirmei
que Wilson Figueiredo trabalhou no GOP, recebendo por trabalhos feitos ao Grupo de
Opinião Pública em 1962 em regime part-time, conforme recibo de vencimentos dos
funcionários do IPES de 1962
67
.
Quando do meu encontro com o sr. Wilson Figueiredo, o mesmo se defendeu
afirmando que enquanto jornalista fazia o trabalho que lhe mandavam fazer, escrevendo o
que lhe era recomendado. Mesmo que enquanto jornalista ele não tivesse noção do quadro
total que se montava para a queda de João Goulart, já que era apenas uma peça temporária
da seção Rio de Janeiro do GOP, será que isso exime o jornalista dos efeitos da ação
ideológica do IPES para o fim da democracia no país em 1964 ?
Mas e as relações entre o JB e o IPES ? Será que havia contatos entre os dois? Até
que ponto o Jornal do Brasil sabia que os golpistas agiam e colaborava com estes? A
66
Arquivo Nacional, Fundo IPES AP 25, QL. Caixa 20 pacote 2, SDP. Fichas de inscrição do IPES.
67
Arquivo Nacional, Fundo IPES AP 25, QL. Caixa 2 pacote 2, SDP. Vencimentos dos funcionários do IPES
entre 1962 e 1965, s/d.
52
reposta é que havia ligações entre o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e o Jornal do
Brasil sim, como se pode comprovar de uma correspondência enviada do Instituto e datada
de 11 de janeiro de 1964 que transcrevo
68
:
Ao sr. M. F. Nascimento Brito
D. D. Diretor do “Jornal do Brasil”
Prezado Senhor:
O Engenheiro Haroldo Poland, Presidente deste Instituto, envia-lhe os anexos
documentos, solicitando suas ordens no sentido de serem publicados nesse prestigioso
órgão.
Atenciosamente,
C. C. Friedrich
Séc. Geral Exº
Como é sabido Manuel Francisco do Nascimento Brito era o então presidente do
jornal, Haroldo Cecil Polland foi um dos fundadores do IPES no Rio de Janeiro e desde o
ano de 1962 (fundação do IPES) fazia parte da sua direção no estado da Guanabara
69
.
Não sabemos quais documentos ou informações estavam anexos à carta, mas esta
carta é suficiente para mostrar que o Jornal do Brasil mantinha contato com os golpistas,
inclusive editando material a pedido destes.
As ligações entre o JB e o IPES já eram de se esperar, porque, como as pesquisas de
Dreifuss mostram, grandes empresários e empresas nacionais e internacionais estavam
ligadas ao IPES. Por outro lado um jornal de prestígio tão grande, de posição conservadora
e voltado para segmentos não populares deveria relacionar-se com grandes empresas e
empresários mantendo-os como anunciantes, amigos, aliados e simpatizantes dos mesmos
pontos de vista.
Acreditamos ser importante considerar ainda a ação de empresas internacionais de
comunicação sobre a imprensa brasileira, tanto “fazendo pressão através das agências de
68
Arquivo Nacional, Fundo IPES AP 25, QL. Caixa 3 pacote 2, SDP. Correspondência 1962-1969.
69
DREIFUSS, René A. Id. Ib., p. 174.
53
publicidade sobre as grandes empresas de jornais, rádios e televisão” quanto instalando no
Brasil “a própria imprensa estrangeira”.
70
Devido à grande força que a mídia escrita, falada e televisiva possuem como
formadoras de opinião transmissoras de valores – e após os acontecimentos de Cuba em
1959 e a vitória de segmentos nacionalistas nas eleições de 1962 era muito importante que
houvesse a participação dos órgãos de imprensa norte-americanos junto aos mesmos órgãos
do Brasil, sendo que tais organizações não só financiaram empresas de comunicação
brasileiras favoráveis aos interesses imperialistas dos EUA, como conseguiram vir para
nosso país passando por cima da Constituição.
No ano de 1963 houve, inclusive, a formação de duas Comissões Parlamentares de
Inquérito (CPIs) para investigar essa questão da imprensa estrangeira no Brasil e tratar do
financiamento que o IBAD fizera a candidatos eleitos nas eleições de 1962 de oposição ao
governo.
70
SODRÉ, Nelson Werneck. Id. Ib., p. 434.
54
AS MENSAGENS DO JORNAL DO BRASIL
Nesse capítulo são discutidas as mensagens do Jornal do Brasil que encontrei ao
longo dos editoriais e primeiras páginas. Para enriquecer a pesquisa, recorri ao jornal
Última Hora com o objetivo de comparar com a visão deste último alguns fatos noticiados
e comentados pelo JB. A divisão que fiz é temática, isto é, ao analisar a coleção do
informativo pesquisado, percebi que algumas idéias se repetiam. Tais idéias tornaram-se os
temas que trabalharei neste capítulo para apresentar de uma forma mais clara as mensagens
que o dito periódico passava ao seu público leitor. Embora minha divisão seja temática,
esforcei-me por organizá-la de forma cronológica também, trabalhando os assuntos de
acordo com a sucessão dos meses de outubro de 1963 a março de 1964. Por outro lado,
cada idéia discutida é apresentada na seqüência dos meses citados acima. Entretanto, vez ou
outra, ao citar o mês da notícia complementei com o ano, mesmo estando claro que se
tratando de janeiro, fevereiro ou março, só pode ser de 1964 e se cito outubro, novembro ou
dezembro, só pode ser de 1963.
Os temas são os seguintes: a questão das relações internacionais e a necessidade de
alinhamento do Brasil com os EUA; a influência no governo de elementos radicais,
entendendo-se como elementos radicais os comunistas e ao mesmo tempo o temor ao
comunismo; o desejo de Jango de implantar uma república sindicalista; possíveis
tendências continuístas e autoritárias de João Goulart; a descrença no Governo pela
incapacidade do presidente de governar; a proximidade do caos devido às greves,
problemas econômicos, etc; um chamamento à ordem por causa dos movimentos
populares, greves, passeatas e discursos radicais de alguns políticos; e finalmente o apoio a
uma ação militar, quando ocorre um pedido claro para que as Forças Armadas
interviessem para resolver o caos e anarquia em que o país estava mergulhado, segundo o
ponto de vista do jornal.
Nas críticas e acusações feitas pelo Jornal do Brasil a João Goulart e seus aliados,
verificamos que se repetiam as idéias citadas acima, que consideramos relevantes. E foi por
meio de tais idéias que esse órgão de imprensa conseguiu semear a antipatia pelo governo
civil e a simpatia por uma solução de força para resolver o que se apontava como
problemas.
55
Os editoriais do jornal apareciam na sexta página e em geral em número de três. O
primeiro era sobre a política do país, e os demais, que eram menores, tratavam de assuntos
da cidade, como violência, serviços públicos, etc. O editorial de domingo geralmente era
único. Neste período não havia edição do diário às segundas e o exemplar de domingo
servia também para o dia seguinte. Devido a esta situação, quando cito um editorial de um
determinado dia estarei sempre me referindo ao primeiro editorial, que se constitui como o
mais importante para nossa pesquisa. Quando cito um editorial que não seja o primeiro,
farei a referência. Sobre as primeiras páginas, estas serão utilizadas mais para corroborar os
assuntos dos editoriais. A parte substancial do trabalho baseia-se nos editoriais.
Já o UH não circulava aos domingos e seu editorial era na página 4, mas às vezes
aparecia um comentário tipo editorial na primeira página. Como este periódico é menos
importante para minha pesquisa não valorizei esses editoriais, só os comentários de
primeira página e nestes só os assuntos que considerei mais importantes para comparar com
as opiniões do JB.
Havia duas edições do UH no Estado, uma para Niterói e outra para o Rio de
Janeiro; as notícias eram praticamente as mesmas, e por este motivo todas as referências
feitas a este periódico serão das edições do Rio de Janeiro. Nos primeiros meses de 1964 o
jornal teve duas edições diárias, acreditamos que uma matutina e outra vespertina. As
noticias das duas edições eram também as mesmas, assim como, às vezes, comentários de
primeira página tipo editorial. Por este motivo, quando tratei de uma notícia ou comentário
do jornal que não estivesse nas duas edições diárias, citei o número da edição, pois as duas
edições do mesmo dia tinham números diferentes.
Ao estudar as primeiras páginas do jornal de Samuel Wainer, temos a impressão de
que Jango era o mediador preocupado com os trabalhadores e com o Brasil. O chefe de
Estado sempre atento, equilibrado, popular e querido. O grande vilão para o UH era Carlos
Lacerda, apresentado como grande inimigo da Guanabara e do Trabalhismo de Jango.
A inflação era uma preocupação constante nas páginas do Jornal do Brasil. A partir
das críticas à inflação, o periódico parte para acusações ao governo de João Goulart,
considerado o principal responsável pela espiral inflacionária. Mesmo às vésperas do golpe
civil-militar de 1964, este tema ainda era um dos pretextos para se justificar a intervenção
armada.
56
Tratando o fator econômico, no editorial de 15 e 16 de janeiro, lê-se que os males
do país no período eram mais devidos “à campanha subversiva e personalista do Presidente
da República contra a ordem vigente”, sendo isto a causa de “todos os males que nos
afligem no momento”, do que na ordem social e econômica. Para o jornal, a orientação
econômica e social que Juscelino Kubitschek tinha implantado era boa, porque havia
trazido ao país os maiores índices de crescimento de renda per capita, o que Jango com sua
pregação contra a ordem econômica e social impediu que continuasse, em detrimento de
benefícios para o povo (através de empregos), e para os empresários (através de
investimentos).
Essas afirmações explicitam bem a posição do jornal, pois em instante algum são
postos em questão os efeitos colaterais, sociais e econômicos, que a política implementada
por Kubitschek trouxe ao país. Nenhuma alusão à grande dependência em que a economia
nacional se colocara, ao endividamento externo do país, ao parque industrial de bens de
consumo durável e à concentração de renda ocorrida.
Quando nos editoriais se fala sobre crise econômica, distribuição de renda, aumento
salarial ou melhorias para a vida dos trabalhadores, o jornal faz afirmações de melhorias
para os trabalhadores “nos moldes da democracia representativa”, a partir de um “processo
democrático”, na “justiça social cristã”, no “respeito à Constituição”, e a necessidade do
controle da inflação. Esta se resolveria não com aumento aos trabalhadores, o que geraria
mais inflação segundo o jornal, mas com diminuição nos gastos públicos, combate à
corrupção no governo, fim dos discursos radicais que amedrontavam os investidores
estrangeiros e aceitação de orientações dos EUA e do FMI. O periódico defende práticas
recessivas, limitadoras do poder aquisitivo dos trabalhadores, sem tocar nos interesses dos
grandes grupos do capital nacional e internacional, apelando ainda para a nacionalidade,
constitucionalidade e justiça cristã.
Apesar das críticas feitas ao governo de João Goulart, o jornal não se coloca
imediatamente pela sua queda, mas contra a inflação; num segundo momento apela para a
manutenção da ordem e da democracia acima de tudo; depois passa para críticas contra o
comunismo, sempre pregando a legalidade e a justiça social, o temor de grupos radicais, até
chegar ao ponto em que indica ações do presidente visando um golpe para perpetuar-se no
57
poder, afirmando que o país estaria no auge da agitação, da guerra civil e da tomada de
poder por elementos radicais, finalmente apelando para a intervenção armada.
Nos editoriais analisados, o diário defende a justiça social e o crescimento do país,
mas alimenta o medo ao comunismo, ao radicalismo das classes mais baixas que
postulavam melhores salários e melhores condições de vida. O que agradava aos setores
médios, sempre sensíveis aos discursos liberais, e que servia para conseguir apoio quando
se criticasse alguma reivindicação mais audaciosa ou um protesto mais violento.
Poucas vezes o jornal apóia o Governo, fazendo-o apenas quando este toma ou
anuncia medidas relacionadas à guerra contra a inflação, e quando, no nível internacional, o
Brasil se aproxima dos EUA e de países a este alinhados, por exemplo quando resolvem-se
problemas diplomáticos com a França e quando J. Goulart age em prol do que o periódico
entendia como ordem. Entre dezenas de editoriais que falam do Governo, menos de cinco o
elogiam. João Goulart desagradava pela sua política conciliadora, e o Jornal do Brasil não
o apoiava; quando isto ocorria, era mais para passar a idéia de um diário equilibrado, que só
fazia oposição para o bem da sociedade e do próprio Presidente, em defesa do regime.
Para finalizar as considerações sobre a posição do jornal, seu editorial de 27 de
fevereiro de 1963, que tem o título de “O direito de reunião”, critica o impedimento que
houve a uma reunião (ou comício) promovida por Leonel Brizola em Belo Horizonte. O
impedimento foi violento e nesse artigo se defende a democracia e os direitos que todos
teriam de reunir-se. Critica as radicalizações, por que seriam características de
“democracias cambaleantes”. Percebe-se o apelo liberal do periódico pela democracia e as
liberdades, mas como ficará demonstrado, tratava-se democracia em palavras, mas limitada
na prática.
Alinhamento com os EUA: Nos editoriais, em quase todas as vezes em que se tratou sobre
a situação internacional, referia-se sempre a Cuba e a Fidel Castro ou conclamava-se o
Governo a se unir aos EUA pela democracia e a não se isolar.
A conjuntura internacional era tratada sem estardalhaço, dentro dos espaços a que
tinha direito no jornal: da segunda página em diante. Na primeira página não se percebe a
valorização dos acontecimentos internacionais. Vez ou outra se destaca alguma situação de
guerra ou de conflitos na África e problemas na Europa, mas não era comum. A política
58
nacional costumava tomar mais os espaços da primeira página. Nas primeiras páginas
também, vez ou outra se traziam notícias relacionadas a Cuba, Estados Unidos, e URSS.
Dos editoriais analisados no nosso período de estudo, dentre os que tratam de
assuntos internacionais, há uma exceção, o de 24 de janeiro, que elogia o Presidente João
Goulart por ter reatado relações com a França, resolvendo os problemas franco-brasileiros.
Mas o periódico só elogia tal acontecimento por significar alinhamento com um país
capitalista do Ocidente.
Na primeira página do dia 10 de outubro de 1963 lemos a seguinte notícia: “EUA
são contra golpes militares, adverte Kennedy”, e no dia seguinte, no segundo editorial, sob
o título de “Contra o golpe”, diz-se que a fala de Kennedy deveria ser entendida como o fim
do “big stick” e ao mesmo tempo
“liquida, por exemplo, com os equívocos montados pela nossa máquina
esquerdista, segundo os quais o Departamento de Estado era instigador
embuçado das soluções golpistas que aqui se urdiam, para forçar o
Governo brasileiro a cumprir os compromissos assumidos pelo Presidente
Goulart, a começar pela compra da Bond and Share.”
A primeira página do dia 10 apresenta o governo de Washington como defensor da
democracia e contra soluções de força, e no dia seguinte, pelo editorial, tentava-se
desacreditar os que denunciavam a preparação do golpe, minimizando a causa do golpe ao
problema da encampação de empresas norte-americanas.
No início de novembro de 1963 houve em São Paulo uma reunião sobre a Aliança
para o Progresso
71
. No exemplar do dia 10 e 11 de novembro lemos no editorial “Hora da
fraqueza”, que trata da reunião sobre a Aliança para o Progresso, que a Aliança passaria
por uma hora de prova de fraqueza porque alguns “pagam tributo verbal de fidelidade sem
outra intenção do que disfarçar hostilidades e real má vontade, como é o caso do Governo
brasileiro”. O JB criticava a não adesão imediata do Brasil à proposta norte-americana.
A 19 de novembro o JB apresenta uma única foto na primeira página, usando de
uma simbologia a partir da foto, para deixar bem claro que o Brasil não caminhava com os
71
Um programa de ajuda econômica e social dos Estados Unidos para a América Latina iniciado em 1961. O objetivo da
Aliança era impedir radicalizações na América Latina que prejudicassem os objetivos norte-americanos. Claro que essa
ajuda significava também maior submissão dos países que aceitassem o apoio norte-americano. Por este motivo Cuba
colocou-se imediatamente contra a Aliança, e o Brasil colocava-se favorável ao programa, mas com reservas.
59
EUA. Esta foto apresenta representantes dos EUA e do Brasil sentados à mesa. Acima da
foto a frase “RUMOS OPOSTOS”, e embaixo da foto lê-se: “Harriman entre Lincoln
Gordon e Araújo Castro: Gordon aponta num rumo, o Chanceler (referindo-se a A Costa)
indica outro”. Na foto eles estão mesmo apontando para lados opostos. A conotação usada
pelo jornal é interessante porque usa o momento registrado naquela foto para reforçar a
idéia de que o Brasil não estava concordando com os EUA. No segundo editorial do
exemplar deste dia novamente lê-se que o Brasil não poderia “negar a valia da cooperação
norte-americana em níveis condizentes com as possibilidades daquele País, e com as reais
necessidades da economia nacional”.
No segundo editorial do dia 13 de novembro de 1963 encontramos críticas ao
discurso de João Goulart na abertura das discussões para a Aliança para o Progresso,
porque o Presidente exaltava um exclusivismo latino-americano, e um isolacionismo
nacional. Já o UH apoiou o discurso de Jango e trouxe na primeira página o resumo da
mensagem do discurso do presidente na frase: “PALIATIVOS, NÃO”. O jornal afirmava
que o programa não atingiria o “essencial para a América Latina, que é o desenvolvimento,
mas no acessório, que são os planos assistenciais, mais ou menos filantrópicos, mais ou
menos propagandísticos, e com uma acentuada característica de paliativo”.
Nos dias 23, 24 e 25 e 26 de novembro o JB dará grande cobertura tanto nas
primeiras páginas quanto nos editoriais ao assassinato de Kennedy. Sendo que no dia 23
(sábado), na primeira página lê-se que o assassino do presidente norte-americano foi um
“castrista” (seguidor de Fidel Castro).
No dia 24 e 25 o segundo editorial tem como título “Apoio negativo”, que critica
Jango por estar dando apoio verbal ao presidente argentino, que anulou contratos
petrolíferos com empresas estrangeiras. Diz que Jango teria escolhido o tema no momento
oportuno “de aprofundar as nossas divergências com os Estados Unidos”.
Acreditamos que devido à sua linha ideológica, o jornal via como absolutamente
necessário que o Brasil unisse forças aos Estados Unidos, por dois motivos básicos: o país
do norte possuía recursos suficientes para tirar o Brasil da bancarrota e levá-lo aos
patamares de crescimento do tempo de J. K., e para unir forças contra o comunismo.
Exemplo disto é o editorial de 21 de fevereiro de 1964, que analisa os esforços dos norte-
americanos com a Aliança para o Progresso, acusando João Goulart de estar desprezando,
60
desconsiderando a ajuda proposta para o desenvolvimento das Américas, afirmando ser a
posição do presidente ambígua, porque como resolver os problemas de desenvolvimento e
comércio exterior, não aceitando o “principal programa político-econômico” do continente?
Num editorial do início de janeiro, o diário coloca que o país recebia com satisfação
“a informação de não haver moratória unilateral tomada pelo Brasil, o que caracterizaria
tendências isolacionistas”. Tratava este editorial da preocupação que o país decretasse, sem
acordo com o FMI, a decisão de suspender os pagamentos referentes à dívida externa.
Como já expliquei anteriormente, o Brasil passava por uma grave crise financeira, e a
suspensão do envio de divisas para o exterior era uma possibilidade, desejada pelos setores
de esquerda partidária e de movimentos sociais nacionalistas.
Como os editoriais de domingo e segunda-feira tratavam de um único assunto, que
escrito em letras grandes tomava verticalmente um terço da página, podemos considerá-los
mais importantes, porque, se em outros dias, havia três ou quatro assuntos tratados, nestes
dias era apenas um, e certamente este assunto escolhido era de grande importância para o
periódico. Um desses editoriais, de 12 e 13 de janeiro, trata das relações mundiais tendo
como título “Política externa independente”, em que acusa Cuba de estar treinando
venezuelanos para derrubar o governo constitucional de Venezuela e, por isto, a política
externa independente estaria em jogo e ameaçada, cabendo ao Brasil apoiar seu vizinho e
opor-se a Cuba, porque tais ações cubanas colocariam em risco a confiança, o respeito e as
liberdades de cada país. Na terça-feira (dia 14), o primeiro editorial, que era sempre o
maior, com o título de “Paz ameaçada”, era sobre a questão internacional e Cuba,
afirmando-se que o “fidelismo” ameaçava a paz mundial, acusando-o de estar por traz de
acontecimentos violentos contrários aos EUA, ocorridos no Canal do Panamá. Para o jornal
Cuba deveria ser respeitada, mas não as ações de Fidel Castro, porque “o fidelismo livre
para expandir-se gera a negação daquilo tudo que é preciso preservar”.
O Jornal Última Hora valorizava mais as questões da Guanabara e do país, de forma
que, embora trouxesse informações internacionais na primeira página, como o assassinato
de Kennedy, as eleições na América Latina, os assuntos relacionados a Cuba, etc, não
chamava tanta atenção para esses temas.
Apesar do JB esforçar-se por mostrar João Goulart como uma figura contrária aos
EUA, isso não era verdade porque o que o presidente queria era que o Brasil tivesse um
61
mínimo de autonomia para governar-se, e em momento algum Goulart colocou-se contra o
governo norte-americano, apenas buscava conseguir acordos, como o da Aliança para o
Progresso, que supostamente ajudassem o país, preservando sua autonomia.
Temor a elementos radicais e ao comunismo: Para conquistar a opinião pública e até
setores que apoiavam Jango, o JB estabelecia constantes relações entre elementos e
organizações de esquerda, como Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola, CGT e PCB, com o
Governo e denunciava um provável controle dessas lideranças e entidades sobre o
Executivo. Sempre que possível, o jornal relacionava agentes externos (comunismo, Cuba,
Fidel Castro) a agentes internos, simpáticos a tal postura “antidemocrática e anticristã”,
segundo o periódico.
Quando há o pedido do estado de sítio no começo de outubro, lemos no editorial do
dia 6 e 7 (domingo e segunda) que o “sítio será o instrumento da implantação da ditadura
dos totalitários, dos partidários do capitalismo de Estado, semelhante aos que existem na
União Soviética e em Cuba”. Diz-se ainda que o sítio não causava repulsa a Luís Carlos
Prestes, insinuando que com o sítio não haveria só o risco de uma ditadura por parte de
João Goulart, mas a possibilidade do controle do governo por elementos comunistas e
radicais. O que mostra a relação que o periódico estabelecia entre Jango e elementos
subversivos.
O JB demonstra preocupação com o comunismo mesmo quando acontecimentos
ligados ao assunto ocorriam do outro lado do Atlântico. Por exemplo, o terceiro editorial de
23 de outubro trata de uma Assembléia da ONU em que a China mais uma vez não teria
sido aceita, e que isso teria acontecido por que a ONU congregaria países “que se
comprometeram formalmente com a causa da paz”. Embora, nem por isso, a China perderia
em “periculosidade e potencialidade agressiva”, e esta não aceitação não significaria
segurança para o mundo “amante da paz”, mas que era um esforço que valeria a pena para
se diminuir a Guerra Fria.
Igualmente o segundo editorial do dia 24 de outubro comenta a passagem de um
furacão sobre Cuba que teria trazido muitos prejuízos materiais, mas a verdadeira
dificuldade do povo cubano seria o regime implantado por Fidel Castro, que não teria um
62
“espírito cristão”. No final, o editorial prevê um fim bem próximo para o líder da revolução
cubana.
No dia 27 de novembro (quarta) o segundo editorial com título “Moral da história”
trata da chamada “Intentona comunista” de 1935. Lemos que o motivo dos comunistas
abandonarem a Aliança Nacional Libertadora e partirem para o golpe foi o radicalismo,
tendo sido esta a raiz do golpe de 1937. Diz-se que ainda havia comunistas sonhadores que
não percebiam a irrealidade de seus sonhos no Brasil daquele tempo, afirmando que eles
ameaçavam toda a “evolução da estrutura política brasileira” que não comportaria mais
golpes nem de esquerda nem de direita. Já no dia 28 de novembro, na primeira página, há
uma foto de Jango ao lado de militares com a chamada abaixo da foto: “Goulart ouve alerta
das Forças Armadas contra o comunismo”.
Dentre os editoriais, o de 12 e 13 de janeiro, que se referem a uma agressão externa
que a Venezuela estaria sofrendo de Cuba (o treinamento de venezuelanos, feito por Fidel,
para derrubar o governo da Venezuela), o jornal pergunta se o Governo brasileiro ficaria ao
lado de Cuba ou da Venezuela, dispensando proteção diplomática “à ação subversiva do
fidelismo que põe em risco a paz” (mundial), por que toda gente sabia “da tendência de um
importante setor do Governo Goulart favorável ao rompimento total” com a Organização
dos Estados Americanos (OEA), o que significaria rompimento com os Estados Unidos.
A relação do Governo com elementos radicais, segundo o jornal, era de mão dupla.
Há críticas constantes ao presidente João Goulart, que ora estaria se deixando levar por
elementos radicais e sendo manipulado, ora estaria se utilizando deles, como em 19 e 20 de
janeiro, num editorial que acusa o Presidente de estar agindo de forma unilateral para impôr
as reformas sem discuti-las, e de utilizar como elementos de pressão “forças satélites”, que
seriam o brizolismo, o sindicalismo e as esquerdas em geral, para impor-se e intimidar o
Congresso. Outra acusação de suposta proteção e apoio do Presidente a elementos
comunistas e radicais encontramos em 23 de janeiro, quando se acusa o Governo de querer
punir a TV Tupi pela crítica de Carlos Lacerda trazida ao ar sobre a greve dos funcionários
do serviço do gás, e por outro lado, deixar a rádio Mayrink Veiga levar ao ar
pronunciamentos do Brizola, deixando que este “diga o que quer”.
Havia a denúncia de proteção de Jango a Brizola, ou de manipulação brizolista
sobre o Presidente, por que o ex-governador do Rio Grande do Sul era cunhado de João
63
Goulart e possuía uma trajetória mais coerente em relação à política nacional, desde a
encampação, em 1959, da Companhia de Energia Elétrica Riograndense, subsidiária da
American & Foreign Power (Bond & Share). Brizola mobilizara o povo no sul para garantir
a posse de J Goulart na presidência e, quando era governador, fazia pregações quase sempre
radicais, tendo obtido expressiva votação para a Câmara Federal em 1962. João Goulart era
conciliador, o que não ocorria com Leonel Brizola, que poderia empurrar Jango para
posições mais populares e nacionalistas.
O jornal denuncia mais de uma vez a ação de comunistas na Petrobrás como no dia
7 de novembro, no terceiro editorial intitulado “Ameaça subversiva”, quando afirma que os
comunistas estariam em postos de comando da estatal, pretendendo “criar sobre uma crise
artificial uma crise real – a paralisação do refino em todo o país”. Acusa ainda Jango de
estar deixando os comunistas livres na empresa. No final de janeiro, há uma denúncia de
corrupção na Petrobrás, com desvio de verbas e desmoronamento da empresa. O editorial
de 26 e 27, intitulado “Decomposição da Petrobrás”, afirma que ela estaria sendo desviada
de seus objetivos, que dois dos seus diretores eram comunistas confessos, e que os
trabalhadores eram utilizados para fins ideológicos e pessoais, havendo até um orçamento
paralelo na Petrobrás para financiar propaganda e atividades comunistas e subversivas.
Exige do Presidente e do Legislativo ações definitivas contra as “infiltrações graves na
orientação” da empresa.
O Última Hora concordará com o JB na crítica aos comunistas da Petrobrás, no seu
comentário de primeira página do dia 8 de novembro (sexta), com o título “encampação e
realidade”, que trata de um ultimato da CGT para a encampação das refinarias particulares.
O jornal discorda que a CGT trate disso, e afirma não acreditar na notícia, embora a
reivindicação fosse justa, mas que não deveria ser conduzida desta forma. Essa ação seria
do “grupo comunista” que “controla o movimento sindical na Petrobrás”. Para o
informativo, aquele não seria o momento ideal para a encampação. Mas percebe-se que o
UH preserva o presidente, e ao mesmo tempo verifica-se o peso que o anticomunismo tinha
na sociedade daquele tempo.
Nos editoriais dos dias seguintes, o JB utiliza o caso Petrobrás para afirmar que o
comunismo, o negocismo e a corrupção estariam acabando com a Petrobrás (28 de janeiro).
O Governo estaria se deixando levar por pressões espúrias, um poder invisível montado
64
pela conspiração subversiva que daria passagem para que corruptos e revolucionários
agissem na Petrobrás (01 de fevereiro), e que isto também estaria ocorrendo em muitas
outras empresas federais. Em 02 e 03 de fevereiro afirma que o Governo, como a Petrobrás,
estaria sendo dominado por agentes do movimento comunista, mascarados de agentes
sindicais. Este poder teria superado o próprio Presidente, e o setor militar também já teria
perdido o controle da área petrolífera. Este foi um dos alvos para onde as forças contrárias a
Jango apontavam suas armas para desacreditá-lo junto à opinião pública: primeiro sua
passividade perante os comunistas, depois a perda do controle da situação.
A 13 de fevereiro lê-se no editorial que Luiz Carlos Prestes era ouvido com mais
interesse por João Goulart do que os membros do governo e que os sindicatos tinham mais
força do que os partidos. No dia seguinte critica a proposta de Programa Mínimo do
governo, dizendo que na verdade este era máximo, pois já teria até o apoio de Luís C
Prestes, tendo em seu conteúdo “toda a programação revolucionária” de Leonel Brizola.
Esta proposta de programa de governo, para o Jornal do Brasil, congregaria os “grupos
mais radicais dentro e fora do Governo”.
Mas por que Jango estaria se apoiando nos comunistas? Os editoriais de 03 e 13 de
março procuram esclarecer o radicalismo de Leonel Brizola e o apoio de João Goulart.
Respectivamente, as explicações são que Brizola não poderia se candidatar à presidência
por ser parente de J. Goulart; então alimentaria a subversão para passar por cima da
Constituição e chegar ao poder; quanto ao Presidente, era tolerante com os radicais para
alimentar ao máximo um clima de agitação e perpetuar-se no poder como o único capaz de
solucionar a crise.
Ressalto a imagem que o periódico passava sobre Brizola e Jango, porque para os
setores contrários à esquerda, era necessário desacreditar ao máximo as facções mais
nacionalistas ou contrárias à subordinação total ao grande capital, a fim de que a opinião
pública não as visse como legítimas para defender os interesses do país. Brizola não era
lembrado como o ex-governador que garantiu a posse de João Goulart, defendendo a
democracia de que o diário se dizia partidário, e o espírito conciliador de João Goulart era
relacionado à idéia de passividade, diante de pressões radicais. A forma de buscar o
descrédito era através do ataque pessoal e da acusação de sede de poder e de autoritarismo.
65
Também acusações sobre corrupção e desvio de recursos públicos, como no caso da
Petrobrás, serviram para sensibilizar bastante os leitores.
República sindicalista: Encontramos nos editoriais referências também a uma “república
sindicalista”, que o Presidente estaria querendo implantar. Esta idéia de “república
sindicalista” foi muito divulgada naquele período.
“República sindicalista”, para o Jornal do Brasil, era a utilização, pelo Governo,
dos sindicatos atrelados ao Estado, para benefício deste, através de um poder dado às
organizações sindicais, que ficariam acima de partidos e instâncias de poder legalmente
constituídas. Com este poder os sindicatos poderiam fazer pressão junto ao Congresso e à
sociedade, para as mudanças desejadas pelo Presidente. Os sindicatos ficariam fiéis ao
Governo pelo favorecimento feito aos líderes sindicais com empregos em empresas
públicas, voz de poder para mudanças governamentais, etc. Por meio destes expedientes
João Goulart conseguiria manter as lideranças sindicais sob seu controle, e as usaria para
amedrontar a sociedade e fazer pressão junto aos patrões e ao Legislativo.
A 1º de outubro de 1963, a primeira página traz a manchete “Greve suspensa,
Goulart garante bancos abertos”, e um editorial com o título “Trégua precária”. Critica-se o
clima de greves e o risco de greve geral a que o país estaria sujeito, tratando principalmente
da negociação de Jango com o sindicato dos bancários, quando o presidente pessoalmente
solicitou à Justiça que não julgasse a greve até que ele conversasse com os grevistas.
Considera esse acordo como uma trégua precária, por que outros setores produtivos
estariam ameaçando também entrar em greve. Seria, portanto, passageira a paz que estaria
reinando com a volta dos bancários ao trabalho e com a suspensão do risco de uma greve
geral.
Neste mesmo editorial, vê-se a instauração de uma república sindicalista, por que
Jango se prestaria “ao papel de falso mediador trabalhista, para melhor servir à sua
condição de líder sindical”. Afirma-se que o “Presidente da República que tenta pressionar
uma Côrte de Justiça Trabalhista, para poder pressionar, direta e violentamente, uma das
partes em dissídio, não é de forma alguma “Presidente de todos os brasileiros”. É o
presidente de uma classe.” E finaliza-se dizendo que o
“fabricante de crises é o único responsável pela ausência de paz e harmonia
no País. Falando em conciliar classes tem conseguido instalar a luta de
66
classes, simplesmente porque não é capaz de preservar o poder de compra
dos salários e vencimentos e de aumentar a oferta de empregos pelo
desenvolvimento, que só será retornado quando ocupar a Presidência quem
inspire confiança a “todos os brasileiros”.
No final de outubro, encontramos uma referência escrita à república sindicalista
preconizada por João Goulart, quando da proposta de uma greve geral em São Paulo. A
primeira página do dia 29 de outubro de 1963 (terça-feira), traz como uma das chamadas
principais “Greve de 700 mil pára indústria paulista”. No editorial lemos a acusação ao
presidente de ser conivente com as greves por ainda não ter se esforçado em regulamentar
o direito a greve, e isto possibilitaria as greves indiscriminadas, que seriam usadas
politicamente pelo Presidente. O governo não regulamentaria as greves para que elas
pudessem acontecer livremente, omitindo-se diante dessa situação; depois entraria em cena
para aceitar as pressões dos trabalhadores, num “jogo de cartas marcadas”. Isto estaria
agravando o quadro de greves pelo país, e no final do editorial lê-se que “a hora é do salve-
se quem puder”.
Na primeira página do dia 30, vê-se como manchete “Fracassa greve em São Paulo:
só 30% param”. Há foto de trabalhadores diante de uma fábrica, esperando sua abertura
para entrar, e acima da foto lê-se com letras pequenas “o momento é de trabalho”. Já no
editorial com título “A lição de São Paulo” diz-se que São Paulo teria dado uma lição em
João Goulart, por que o governo paulista teria se colocado contra a greve. O Comando do II
Exército se colocara contra os grevistas oferecendo-se para “preservar a autoridade do
Governo paulista”, e o operariado democrata reagiu corajosamente, assim como o povo não
se enganou. Nessa situação teria havido “afirmação dos poderes constituídos, fidelidade aos
compromissos com a ordem pública, e não uma capitulação desmoralizante”. Sobre a
república sindicalista lemos: “Escapou à sinuosa estratégia do Presidente e dos pregoeiros
da República Sindicalista (grifo nosso) que São Paulo é precisamente o alvo mais difícil de
atingir numa conspiração de interesses tão subalternos”.
A primeira página do UH, no dia 30, traz a seguinte chamada: “Greve paulista
resiste à fúria da polícia” e denuncia que a polícia paulista estaria invadindo sindicatos,
prendendo trabalhadores em massa, e que a cidade estaria uma “verdadeira praça de
guerra”. A foto da primeira página é da polícia espancando trabalhadores grevistas. No dia
31 de outubro, na primeira página, o jornal afirma que os trabalhadores de Jundiaí teriam
67
aderido à greve, mas que a FIESP insistia em dizer em que “a parede falhou”, ou seja que a
greve havia fracassado. O jornal denuncia novamente a “violenta repressão” da polícia,
com mais de mil presos.
Sobre o episódio da greve de São Paulo e a posição do comandante Peri Beviláquia,
do II Exército, que teria colocado suas tropas em prontidão contra os grevistas, surgem
boatos de que por pressão de sindicatos ele seria afastado do cargo de comandante do II
Exército, o que realmente aconteceu. O JB critica tal acontecimento, como prova de que os
sindicatos tinham poder até de derrubar um general, mas ressalta no editorial de 30 de
outubro que “nenhum outro general das Forças Armadas se prestará ao papel humilhante de
aceitar a tutela de desordeiros e de entregar-lhes ao saque o patrimônio de legalidade e de
civismo do Exercito”.
No dia 31 de outubro, a primeira página do Jornal do Brasil trata ainda dos efeitos
da greve, mas desta vez destacando que o movimento grevista estava enfraquecido e que
haveria conflitos entre policiais e grevistas. Há a foto de um carro da polícia virado de
cabeça pra baixo, e a informação de que grevistas “viraram um veículo Radiopatrulha”, e
um policial teria sido baleado gravemente. Não há nenhuma informação sobre excessos da
polícia ou do governo. Já no editorial com título “Grevebrás”, diz-se que a greve de São
Paulo teria fracassado porque sua liderança não teria raízes com os trabalhadores.
Curiosamente o UH apresenta uma foto da mesma radiopatrulha da polícia virada,
mas contrariamente ao JB, ressalta a violência policial, e não trata do fato de um policial
ferido. A foto mostrada será só para ressaltar a violência que estava ocorrendo na greve.
O editorial de 16 de janeiro do JB afirma que o Governo estaria apoiando mais as
cúpulas sindicais, “desenraizadas” das classes trabalhadoras, e algumas organizações
sindicais como CGT e Pacto da Unidade e Ação (PUA), do que a população. Daí não ter
regulado ainda o direito à greve, o que beneficiaria os chefes sindicais que estariam
propondo greves indiscriminadamente, em prejuízo dos trabalhadores e da nação. Sobre a
greve dos funcionários do serviço de fornecimento de gás, afirmava que “uma liderança
sindical posta a serviço de táticas políticas antidemocráticas, e ao mesmo tempo de
ambições pessoais primárias, pretende implantar na ordem social, o principio do fato
consumado pela força intransigente”. Isto por que os funcionários teriam parado totalmente,
sem atender sequer aos hospitais, desrespeitando os direitos mínimos de cidadania.
68
Acusava-se o governo de estar comprometido demais com a greve para tomar alguma
providência. No editorial do dia seguinte, declara-se que havia um clima de anarquia se
abatendo sobre o país, com a possibilidade de uma greve geral, devido à ação dos
sindicatos, por que não eram mais apenas os funcionários do gás em greve, mas também
dos bondes e da Light.
O jornal acusava constantemente o Presidente de tentar reformas fora dos quadros
democráticos, utilizando-se dos sindicatos, como a 19 e 29 de janeiro, quando acusa o
Governo de estar querendo unilateralmente impôr as reformas utilizando-se dos sindicatos,
forças satélites, segundo o jornal, num grau de radicalização e intimidação que estaria
caminhando para o golpe ou a revolução.
Os sindicatos eram considerados pelo Jornal do Brasil como o V Exército do
Governo (editorial de 07 de fevereiro), O Executivo era fraco em suas ações e precisava dos
sindicatos para promover agitações, sendo as organizações sindicais um dos elementos de
desestabilização da Nação.
O jornal dirige-se pouco aos trabalhadores fazendo apelos mais ao Executivo, ao
Legislativo, às Forças Armadas. A classe trabalhadora é homogeneizada nas palavras
nação, sociedade, país. A única vez que se dirige aos trabalhadores é no primeiro editorial
de janeiro de 1964, em que o periódico apela à união nacional contra a inflação, com a
dedicação de todos os setores da sociedade, cabendo particularmente aos trabalhadores não
exagerarem nas reivindicações por maiores salários, evitando as greves.
Nos dias 08, 09 e 10 de fevereiro de 1964 respectivamente, a questão sindical volta
a preocupar o jornal, trazendo como títulos dos editoriais: “A questão sindical – I” e “A
questão sindical – II”. No editorial de sábado afirma-se que o sindicalismo era necessário
para beneficiar os trabalhadores e a nação, mas que no Brasil carecia de um vício de
origem, o de estar atrelado ao Estado, acusando o Presidente de o estar utilizando em
proveito próprio. A seguir registra-se o surgimento de outros pactos entre patrões e
empregados à margem do governo como sendo necessários para corrigir tal distorção, mas
expressa-se o medo de que o choque entre os sindicatos atrelados e não atrelados ao Estado
pudesse levar a uma revolução sindical. O editorial de domingo e segunda é mais explícito
quanto ao medo do movimento sindical independente que crescia. Segundo o Jornal do
Brasil, isto poderia ser “ameaçador”, com conseqüências imprevisíveis.
69
No dia 17 de março de 1964, sobre a mensagem que o Presidente mandara ao
Congresso (após o comício do dia 13), diz-se que esta seria mais um ultimato do que uma
mensagem, pois teria desconsiderado o poder Legislativo, querendo impôr reformas. E para
implantá-las, “o Presidente da República contrapõe o seu dispositivo comuno-sindical, de
origem e expressão clandestina à autoridade dos corpos representativos do regime”. No dia
seguinte há novas críticas: João Goulart deixara o “clube da agitação” (organizações
sindicais) atacar o Congresso e a Constituição e ficar livre para agir com greves e
desordens. Diz-se que o CGT era “órgão ilegal de uma máquina de pressões espúrias”. A
21 de março outra referencia ao CGT: “órgão de vanguarda presidencial para os seus
dispositivos de pressão”.
Nos dias de março que antecedem ao golpe, a impressão que se tem, pelos
editoriais, é que a “república sindicalista” já estaria instalada. No editorial de 28 de março
(edição extra), ao tratar da rebelião dos marinheiros, afirma-se que o novo ministro da
Marinha teria sido escolhido a partir de uma lista tríplice que o CGT havia apresentado ao
Presidente.
Embora a acusação de que Jango usava os sindicatos para criar o caos e governar
por cima das instituições democráticas da república, o fato de haver muitas greves nas
empresas privadas e de se notar que mesmo nas empresas estatais havia greves no sentido
de se pressionar o presidente a tomar tais ou quais medidas, são prova de que Jango não
utilizava os sindicatos a seu favor, mas sim que seu espírito conciliador habituado a tratar
com os trabalhadores fazia com que ele, em muitos momentos, tentasse intermediar os
conflitos entre patrões e empregados.
Autoritarismo e continuísmo de João Goulart: Entre as críticas a João Goulart
encontradas nos editoriais do Jornal do Brasil, muitas tratam de uma suposta conduta
autoritária e continuísta. A acusação de autoritarismo e de uma suposta aspiração
continuísta do presidente foi constante. Esta era a explicação que se dava para a “república
sindicalista” que o Presidente estaria implantando, juntamente com a subversão da ordem,
para através dela manter-se no poder. Há uma relação entre o autoritarismo e o continuísmo
de João Goulart, assim como com o “clube da agitação”.
70
No começo de outubro, lê-se no editorial do dia 2 que a classe política estaria
perdida diante da “desordem e desgoverno”, e que Jango teve a chance de promover as
reformas de base mas não o fez, preferindo valorizar o plebiscito de retorno ao
presidencialismo.
A 3 de outubro de 1963, a primeira página do JB noticia “Goulart denuncia
conspiração contra o Governo”, e traz informações de que os militares afirmariam ter
informações de uma trama conspirativa coordenada por Lacerda e com vínculos com São
Paulo. Já no editorial, sob o título de “Jogo claro”, critica-se a declaração de Jango em
cadeia de rádio e tv de que estariam tramando um golpe contra ele, e afirma-se que “o jogo
está claro: primeiro incendiar o País. Atirar uns contra os outros, implantar a desordem, o
desalento, a anarquia. Depois, apresentar-se como capaz de repor as coisas nos lugares,
com a supressão de liberdades e violação de direitos políticos de pessoas e Estados”. O
jornal UH trata da declaração de Jango em cadeia de rádio e tv, apresentando a fala do
presidente como um alerta feito à nação, mas o Chefe do Executivo não deixaria que
nenhum golpe acontecesse. Esse periódico apresenta Jango como o líder capaz de preservar
o país de golpes contra a democracia.
Nos dias 4 (sexta) e 5 (sábado) de outubro de 1963 a primeira página e os editoriais
do JB trataram do pedido do estado de sítio pelo governo. O jornal questiona contra quem
seriam usados esses poderes, afirmando que o país precisava de “paz e trabalho”, além do
que o presidente não estaria sabendo utilizar nem os poderes ordinários, quanto mais
poderes especiais (dia 4). Já no dia 5 o periódico coloca-se contra o sítio e, no editorial com
título “Não”, afirma: “O País rejeita o sítio e novas experiências ditatoriais. Coloque-se o
Congresso à altura. Não assinem os partidos sua sentença de morte. Reaja a Imprensa à
mordaça. Mantenham a ordem as Forças Armadas.”
O estado de sítio acaba não sendo aprovado pelo Congresso e Jango o retira, mesmo
podendo insistir na sua aprovação. O JB afirma que Jango só o fez por ter sido controlado
pelo Legislativo (editorial de 8 de outubro). A opinião do Última Hora será diferente, como
podemos ler na edição do dia 8 de outubro (terça), quando uma das principais chamadas da
primeira página será “Liquidação do sítio reforçou o apoio popular a Jango”, e, no dia 9
(quarta), na primeira página, há uma fala de Jango sobre a retirada do pedido do sítio:
“Quem Recua Para Ficar Com O Povo Não Se Humilha, Mas Se Engrandece”. Segundo o
71
UH, a proposta inicial do sítio teria sido modificada e, se fosse aprovada, poderia ter um
efeito contrário ao que o Governo queria – a intervenção na Guanabara e a prisão de Carlos
Lacerda.
No dia 13 e 14 de outubro de 1963, o primeiro editorial do JB tem como título
“Crise brasileira”. Nele se lê que “ninguém tem o direito de iludir-se sobre o que está se
passando no Brasil. As crises sucessivas só estão servindo para minar as resistências
democráticas”, e finaliza dizendo que as “minorias totalitárias” seriam as únicas a ganhar
com as crises, e Jango as estaria promovendo com fins continuístas, mas que estaria na
verdade cavando a própria sepultura.
No meio de outubro, João Goulart reúne-se com os governadores e nos editoriais do
JB desses dias próximos ao encontro acusa-se o governo federal de estar querendo
pressionar os governadores para mandar neles, acuar Carlos Lacerda, intervindo na
Guanabara e depois em todo o país, como pode-se ler no editorial de 17 de outubro
intitulado “Medidas Excepcionais”. No dia 18, lemos no editorial “Advertência”, ainda
sobre o mesmo assunto, que uma intervenção na Guanabara e depois nos outros Estados
romperia “o equilíbrio democrático heroicamente mantido pelo País desde que ascendeu ao
Poder o Sr. João Goulart”. A opinião do UH sobre essa reunião de governadores era de que
o presidente estava cada vez mais forte, como se vê na primeira página do dia 21 de
outubro (segunda) pela chamada “Manifesto dos Governadores Impressiona Meios
Políticos”, afirmando que 13 governadores haviam dado apoio total a Jango.
No dia 8 de novembro de 1963, sob o título “Vigília permanente”, lê-se no editorial
do JB que a democracia brasileira estaria ameaçada a partir de 15 de dezembro com o
recesso do Congresso. “Com o Congresso fechado tudo poderá acontecer. Um Governo que
ousou pedir sítio ilegal – verdadeiro golpe – a um Congresso reunido, é capaz de ousar
muito mais com um Congresso em férias”. Pelo editorial nota-se uma preocupação muito
grande com a possibilidade de um golpe, que seria praticamente iminente, à espera de um
descuido da sociedade. No editorial do dia 13 de novembro, o jornal propunha que o
Congresso não entrasse em recesso. No dia 14 de novembro, noticia o jornal na primeira
página que o Congresso aceitara a proposta do senador Moura Andrade de convocação
extraordinária a partir de 16 de dezembro. Com esta notícia, o JB deixava claro que a classe
política brasileira não confiava em Jango.
72
OÚltima Hora poucas vezes vai tratar da “vigília”. No dia 9 de novembro de 1963
(sábado), noticia na primeira página “Escândalo Na Convocação Do Congresso”, criticando
essa vigília como sendo uma manobra para os parlamentares ganharem mais dinheiro,
denunciando que os gastos com a convocação extraordinária seriam enormes. No dia 19 de
dezembro de 1963, na primeira página anuncia “VIGILÂNCIA CÍVICA FRACASSOU:
PLENÁRIO E SENADO ÀS MOSCAS”, e na página quatro, na parte que tratava de
política, o periódico ironiza a situação, informando que fracassara a “vigilância cívica” do
Congresso. O Senado nem chegara a abrir a sessão por falta de corum, e a Câmara abriu a
sessão e a fechou com apenas três deputados no plenário. Informa ainda que o senador
Moura Andrade (autor da proposta) teria sido um dos primeiros a deixar Brasília.
No editorial de 19 e 20 de janeiro de 1964, o JB acusa o Presidente de estar
utilizando “forças satélites” para intimidar a sociedade e impôr sua vontade. Em outros
editoriais encontraremos afirmações de que o chefe do Executivo estaria utilizando
organizações como a CGT para alimentar a agitação, visando continuar no poder e
pressionar a Nação (18 de março).
O Jornal do Brasil trabalha muito com os discursos e as afirmações de Jango, que
são associados às idéias de autoritarismo, antidemocracia, subversão, etc. No dia 03 de
janeiro de 1964, o editorial trata do discurso presidencial de fim de ano, e analisa uma das
afirmações de “a qualquer custo” trazer desenvolvimento e justiça social para a Nação.
Segundo o periódico, tal afirmação não casaria com o jogo democrático e agir assim seria
querer implantar uma ditadura, como a do Estado Novo, quando “soçobraram dignidades e
liberdades”.
Outro exemplo é quando, com o editorial sob o título de “Resistência e reforma”
(20 de março), utiliza-se uma afirmação do Presidente de que “... nós vamos permanecer
todos juntos e democraticamente”, para afirmar que o permanecer declarado tinha o sentido
de permanecer na presidência, e não o sentido de continuar unido às forças democráticas,
sendo Jango o presidente ou não. Dessa interpretação o jornal deduz que só se permanece
pela reeleição, e só se consegue a reeleição pela mudança constitucional. Logo Jango
estaria buscando ferir realmente e alterar a Constituição, mesmo tendo afirmado que “não
aceitaria nunca ser ditador”. E o editorial propõe que o Congresso assuma as reformas,
73
dentro da Constituição, propondo uma união pela democracia (resistência), daí o título com
as palavras resistência e reforma.
No dia 08 de janeiro de 1964, o editorial “Um ano depois”, trata do aniversário de
um ano de volta ao presidencialismo, e diz que o Presidente teria se aproveitado do fim do
parlamentarismo para voltar-se contra o Congresso, na busca de poderes pessoais, sem
preocupar-se com a Nação. Entre as reformas e a restauração de seus poderes pessoais,
Jango teria optado pela restauração de seus poderes.
O UH trata, na terça (07 de janeiro), do aniversário do retorno ao presidencialismo
com um comentário de primeira página intitulado “O Grande Plebiscito”, lamentando que
apesar de um ano de presidencialismo, as reformas ainda não tivessem saído do papel.
Apontava como responsáveis por isso Carlos Lacerda e a UDN, que teriam votado contra a
Emenda Constitucional para possibilitar a reforma agrária, o PSD que estaria se aliando à
UDN, a omissão de homens públicos como Jânio Quadros e as esquerdas que não estariam
se entendendo.
A correlação entre Estado Novo e João Goulart, era sempre feita pelo Jornal do
Brasil, como se Jango estivesse caminhando na mesma direção. No dia 09 de janeiro, há a
acusação de que o Executivo teria indicado um “pelego” para a direção da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). E quando se armavam os palanques para
o comício do dia 13 de março, na primeira página do dia 12, há a foto do palanque sendo
montado e uma associação entre a arrumação daquele palanque para João Goulart e a
arrumação feita para Vargas quando do golpe de 1937.
O ano de 1964 era politicamente importante, por que os partidos políticos teriam
suas convenções para escolher seus candidatos à corrida presidencial nas eleições de 1965.
Enquanto diversos partidos marcavam convenções para tratar de seus prováveis candidatos,
o PTB não se manifestava, como também João Goulart, presidente do PTB, em relação ao
seu candidato ao pleito de 1965. O editorial de 11 de janeiro, intitulado “Desinteresse
interessado”, acusa o chefe do PTB de não ter deixado o partido manifestar-se pela
sucessão, por estar tentando tomar o poder de forma antidemocrática.
No dia 13 de fevereiro, lemos que Jango estaria pronto para, por decretos, convocar
plebiscitos, e tomar medidas por cima do Legislativo, entre elas a de sua permanência na
presidência. No dia seguinte o jornal volta a esta idéia com a afirmação de que o Programa
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Mínimo proposto pelo Presidente era máximo, e certamente não passaria pelo Congresso,
mas que isso seria premeditado, para com a não aprovação da Câmara se convocar um
plebiscito para impôr as reformas e modificar a lei eleitoral.
Quando as primeiras vozes se levantam a favor do direito de reeleição e
elegibilidade de parentes do presidente (o que beneficiava Leonel Brizola), o jornal não
perde tempo, e no editorial de 11 de março critica a afirmação de Miguel Arraes favorável à
reeleição de João Goulart e à elegibilidade de parentes do chefe do Executivo. Diz que tal
afirmação seria antidemocrática por beneficiar diretamente o dirigente daquele período, e
até aquele momento ninguém tinha defendido tal tese abertamente, tendo o Executivo e
seus “áulicos” utilizado a tática de “pregar as reformas de base com emendas
constitucionais, para chegar ao capítulo político das inelegibilidades”, e que esta era a
“única alteração que realmente interessa ao continuísmo caudilhesco”.
As acusações feitas pelo jornal ao Presidente, quando próximas à deflagração do
golpe se tornam mais fortes, deixando clara a suposta incompatibilidade entre o regime
democrático e o Chefe do governo. Após o comício de 13 de março, no dia seguinte, o
periódico afirma que Jango havia deixado bem clara sua escolha antidemocrática, ao propor
emenda constitucional, e reforma da Constituição, com o objetivo de manter-se no poder.
No outro dia ratifica afirmações do editorial anterior, salientando que o Presidente teria
lançado um desafio ao Congresso, ao escolher definitivamente o caminho da ilegalidade,
unindo-se a foras da lei, plantando no povo a subversão e propondo reformas radicais.
A questão de J. Goulart ser autoritário ou querer continuar no poder era mais um
argumento para tentar desestabilizar o presidente, associando essa possível característica de
Jango a outros fatores de descrédito a sua figura. Isso porque o presidente não se referia ao
desejo de continuar no poder, nem tratou diretamente sobre esse assunto pelo conhecimento
das minhas pesquisas. De forma que o JB tentava associar Jango ao golpe que Vargas dera
em 1937 iniciando um governo autoritário, o Estado Novo, para sensibilizar seu público
leitor a partir de um acontecimento não muito distante, o Estado Novo acabara em 1945,
com Jango que era um herdeiro do trabalhismo de Vargas.
Descrença no governo e incapacidade governamental: Percebemos nos editoriais
constantes considerações referentes a não resolução dos problemas do país, tanto por desejo
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de alimentar tais problemas para deles extrair proveito político, quanto por incapacidade
própria. Assim, independente das manipulações que João Goulart fizesse, ele por si só não
seria o homem que reuniria condições suficientes para governar.
No dia 19 de novembro, no terceiro editorial, lemos que os “anos de Governo
trabalhista trouxeram ao brasileiro mais uma certeza: a incapacidade política e
administrativa” na área do abastecimento, criticando a criação da SUNAB e o esforço do
governo de controlar o aumento dos preços e o desaparecimento de alguns gêneros do
mercado.
O editorial do dia 2 e 3 de dezembro afirma que o Presidente estaria cometendo um
“crime contra o Brasil com a lei de remessa de lucros e sua regulamentação”. Isso por que
Jango solicitou a regulamentação da lei de remessa de lucros, para que ele pudesse aprová-
la. Segundo o UH, a lei foi realmente assinada a 18 de janeiro de 1964, no Palácio Rio
Negro, em Petrópolis. Contrariamente ao que o JB achava, o diário de Wainer vai elogia
Jango pela medida, dando grande espaço, na primeira página do dia 18, a este assunto.
A 03 de janeiro, ao tratar de um discurso do Presidente, dentre diversas críticas, uma
delas era de que a queda da taxa de crescimento do país não se devia tanto à falta das
reformas de base, mas principalmente à lei de remessa de lucros, à inquietação política
gerada pela “pregação revolucionária do reformismo”, e à “política salarial de inspiração
demagógica”. O editorial caracteriza o Governo como “inapetente” para proporcionar um
bom governo democrático, que ocorreria pela convocação de partidos, líderes de opinião e
candidatos à presidência.
Os editoriais de final de janeiro e inicio de fevereiro, alguns tratando da Petrobrás,
estabelecem uma relação direta entre esta estatal e o Brasil, afirmando que em ambos
haveria um aniquilamento da autoridade administrativa, e que todas as esperanças, que o
país havia acumulado ao longo de decênios em relação ao seu desenvolvimento e
crescimento, iam se desfazendo paulatinamente, por que o Executivo estaria jogando por
terra os esforços de crescimento do país (e da Petrobrás), destruindo conquistas de vários
anos. Afirmam ainda que o país, em nome da democracia, já estaria conformado com o
saldo que o governo de Jango deixaria: desemprego, inflação, empobrecimento.
Quando se completa um ano de retorno do presidencialismo, lemos no editorial de
08 de janeiro, sob o título “Um ano depois”, que ninguém teria comemorado o aniversário
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da volta ao presidencialismo, porque o Presidente não teria conseguido satisfazer os anseios
da Nação pelas reformas. O esquecimento seria um recalcamento coletivo causado pela
frustração com o governo, isto porque Jango estaria “perdendo-se no governo”. Enfim, após
um ano de presidencialismo restaurado, J. Goulart não teria montado um programa de
governo para resolver os problemas do país, e as pessoas não teriam lembrado de tal
aniversário por decepção e descrença. Percebe-se que o jornal quer passar a idéia de que
Jango está desacreditado, sem apoio e sem condições de governar.
Massifica-se também a idéia da incompatibilidade entre reformas e Executivo em
muitos editoriais: o de 05 de fevereiro diz que a aspiração nacional seria a implantação das
reformas, mas que se encarnadas pelo Presidente seriam falsas, porque ele não as queria. A
necessidade das reformas era inadiável, mas a presença de Jango na presidência era a não
execução delas. No início de março (03 e 07 de respectivamente) o Jornal do Brasil afirma
que o Presidente estaria sendo irresponsável e imobilista para tratar da inflação e dos
problemas sociais; e sobre a necessidade da reforma bancária, o principal entrave seria a
falta de firmeza do Executivo. No final de fevereiro (dia 28), esta descrença é levada ao
nível internacional por que, segundo o periódico, os banqueiros estrangeiros não fariam
negociações, nem acreditariam num governo que não estivesse resolvendo seus problemas,
podendo tal situação gerar uma crise financeira e colocar em risco o regime.
Em um país, como o Brasil, com grande população rural e concentração fundiária,
era natural que a questão agrária estivesse na pauta das reformas, sendo assunto muito
discutido na época. OÚltima Hora vai apoiar todas as iniciativas de Jango relativas à
reforma agrária, inclusive no dia 19 de dezembro (quinta), num comentário de primeira
página intitulado “Fim do Leilão de Terras”, critica o PSD de ficar alarmado contra a
proposta de Jango de declarar de utilidade pública as terras num raio de 10 km dos eixos
rodoviários federais. Segundo o texto quando Jango propunha alterar a Constituição para
fazer a reforma agrária, o PSD dizia que as leis existentes eram suficientes, mas quando ele
tentava usar as leis vigentes, sua postura era chamada de “comunizante”.
O UH elogia na primeira página, com a chamada “Três Armas em Ação Pela
Reforma Agrária”, inclusive com foto, na edição do dia 25 e 26 de janeiro (sábado e
domingo), um convênio assinado entre as Forças Armadas e a Superintendência para a
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Reforma Agrária (SUPRA) para que os militares apoiassem a Superintendência na
desapropriação de terras.
Segundo o Jornal do Brasil, a reforma agrária era mais um expediente do Governo
para alimentar a agitação social, sendo um dos carros chefes para o Presidente levar a
Nação à desordem. Já no dia 04 de janeiro, o editorial caracteriza um decreto da SUPRA,
editado pelo Governo, como mais um fator de desestabilização social, econômica e política
do país.
A 19 de fevereiro, com o título de “Pânico Agrário”, afirma-se que o Governo teria
criado um clima generalizado de pânico no país, sendo responsável pelos assassinatos e
invasões de terras e pelo temor causado aos proprietários com o risco de desapropriação de
terras por decreto, e que o próprio Governo não teria condições de resolver tal situação (de
pânico agrário) dentro da “justiça social cristã”, apelando para as Forças Armadas.
A discussão que o jornal trazia ao público leitor em relação à oposição à proposta de
reforma agrária de João Goulart (SUPRA), era de que ele queria centralizar em suas mãos a
desapropriação de terras, ao invés de delegar ao Congresso que promovesse uma lei
discutida entre todos os parlamentares, o que faria emergir uma lei mais de acordo com as
necessidades do país, ou que a divisão de terras ficasse a cargo dos governos estaduais,
mais conhecedores das suas realidades regionais. Mas o jornal não discutia o fato de que a
bancada ruralista era forte, e com poder suficiente para vetar ou prolongar infinitamente
uma proposta de reforma agrária (ainda hoje, 42 anos depois isto ocorre), ou que os
governadores estaduais teriam as mesmas dificuldades diante de relutância de prefeitos
donos de terras ou com parentes nesta situação, isto supondo que os próprios governadores
não teriam latifúndios ou parentes, amigos e aliados latifundiários.
Para alimentar a descrença no Governo e demonstrar a incapacidade de João
Goulart, o jornal apresenta freqüentemente o Presidente como sendo vítima de pressões.
Segundo o periódico, Jango utilizaria os sindicatos e as greves para fins continuístas, mas
seria vítima também desta relação, pois ficaria nas mãos destes. Por exemplo no dia 01 de
fevereiro, acusa o Governo de não ter dado solução ao escândalo da Petrobrás, por estar
sufocado pela pressão sindical que não o estaria deixando agir. Segundo o editorial haveria
um aniquilamento da autoridade administrativa, “encurralada pelo cerco sindical”, que
aprisionaria o comando político. No dia 07 de fevereiro, volta-se a alimentar esta idéia,
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afirmando que João Goulart não governava por estar dominado por pressões de seus
próprios “cúmplices”.
Uma ilustração da idéia de pressão que Jango sofreria, sendo este um dos motivos
que o impediria de governar, encontramos no dia 21 de março na primeira página, que
apresenta como destaque duas fotos, uma de um órgão público depredado, com a inscrição
“O emprego da força”, e outra foto, ao lado, de uma multidão com a frase “A força do
desemprego”, comentando o protesto de uma multidão de desempregados, escrevendo que
o Presidente decidira empregar alguns dos manifestantes (5.380 deles) em órgãos públicos.
Já no editorial lemos que a direção do país estaria perdida em meio a pressões e programas
desencontrados de órgãos como o CGT e o PC.
O jornal criticou em diversas ocasiões a posição pendular do Presidente, que ora
tendia à esquerda, ora à direita, o que não só alimentava a crença de um Executivo indeciso,
como também de que este se utilizava das situações em proveito próprio, fosse pelo “clube
da agitação” ou pela direita, sendo que pelo “clube” seria mais fácil por ser o caminho da
inconstitucionalidade. No editorial de 18 de janeiro, encontramos a acusação ao Governo de
que não estaria se definindo explicitamente pelo capitalismo ou pelo socialismo, preferindo
manter-se num discurso vago de “valorização social”. Dentro desses “equívocos
reformistas”, estaria propondo uma frente ampla de apoio às reformas, com pessoas de
pontos de vista opostos, como Luiz Carlos Prestes e Gustavo Capanema, o que seria uma
utopia, e não resolveria problemas como a reforma agrária, reforma bancária, etc.
Nota-se pelo editorial de 18 de janeiro duas questões: a crítica direta do jornal à
política conciliadora de João Goulart; e a vontade do Jornal do Brasil, de acordo com sua
postura de defensor da iniciativa privada, de que o Presidente se definisse pelo lado do
capitalismo, que ficasse contra as os “foras da lei”, os que só conheciam o “emprego da
força”, enfim os radicais, seguindo dentro da “justiça social cristã”. Qualquer outra escolha,
fosse a do socialismo (bastante improvável), ou da conciliação, não seria aceita. Como as
elites e o grande capital sabiam que Jango seguiria na conciliação, ou tenderia para as
reformas, promoviam ações para seu descrédito e destituição.
Jango não era menos ou mais capaz do que outros presidentes da república, mas sua
política conciliadora dava munição para que fosse taxado de vacilante, dúbio e de ser
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levado por pressões de sindicatos, propondo projetos utópicos de desenvolvimento do país.
A incapacidade governamental era mais uma falácia do JB contra Jango.
Proximidade do caos: nos editoriais do período pesquisado, o Jornal do Brasil alimenta
num nível crescente o temor a um caos que estaria se implantando no país. Nos dias
27 e 28 de outubro, no editorial intitulado “Resistência”, lemos que o quadro econômico,
político e social do país poderia ser sintetizado na frase: “caos como instrumento”. Caos
por que se estaria num “desgoverno completo” e “instrumento” por que este caos seria
usado para “possibilitar a revolução ideológica e extremista”. Fala-se da inflação que
“esmagaria” a classe média e os “os homens de empresas” pelos efeitos dessa inflação e
da “elevação nominal dos salários”, além de haver greves de “caráter ilegal e político” (a
maior parte delas). Não haveria administração, nem programa de Governo. Isso tudo seria
o caminho para a “comunização do Brasil”. Diz-se que os democratas já estariam reagindo
contra a ação dos que queriam transformar o
“Brasil em república socialista, nos modelos cubano ou chinês, cuja
realidade pré-revolucionária encontra no quadro brasileiro atual um quase
perfeito similar. A penetração, já profunda, de elementos comunistas nas
atividades sociais e políticas do País, não pode ser mais tolerada. Nem pode
a Nação suportar que ao caos, laboriosamente preparado, seja feita vista
grossa pelos que têm responsabilidades para com os destinos da Nação”.
Nos dias 21 e 22 de novembro de 1963 (quinta e sexta), o jornal chama a atenção na
primeira página para conflitos ocorridos na Venezuela, onde teriam ocorrido tiroteios na
capital Caracas e havia dezenas de mortos por conta de ataques da esquerda revolucionária
que não queria a realização de eleições. Na Argentina, ocorriam atentados terroristas em
Buenos Aires. E no editorial do dia 22 com o título de “Profetas do caos”, acusa-se Jango
de estar forçando uma situação de criar o caos no país. Como na quinta-feira, ao lado das
fotos dos incidentes em Caracas, na primeira página há uma denúncia do deputado federal
Armando Falcão de que João Goulart preparava um golpe. Provavelmente o jornal, pelas
fotos e chamadas da primeira página, queria chamar a atenção para o radicalismo que
estaria ocorrendo na América Latina, e que isto poderia ocorrer no Brasil.
As edições dos primeiros dias de dezembro, nas primeiras páginas, são referentes à
situação da Venezuela, que teria eleições, e mostram fotos do Exército nas ruas, de pessoas
fugindo de grupos armados que faziam oposição ao Governo. Noticia-se ainda ameaças de
80
terroristas venezuelanos que não queriam que as pessoas participassem do pleito. No
segundo editorial do dia 1 e 2, há comentários sobre a acusação venezuelana feita na OEA
de que as armas dos rebeldes do país provavelmente teriam vindo de Cuba, e entre outras
críticas ao governo lemos que a “ação terrorista na Venezuela tem conotações que torna
oportuna a defesa dos princípios democráticos no Brasil”. Diz-se que assim que as
esquerdas venezuelanas se viram com armas na mão partiram para a ação revolucionária, e
que as “esquerdas negativas” do Brasil tinham o mesmo projeto, mas ainda não o teriam
posto em prática por falta de apoio da opinião pública. O caso da Venezuela era usado pelo
JB para tentar amedrontar a opinião pública do Brasil, como se pode deduzir das fotos e
notícias das primeiras páginas e desse editorial.
Na edição de 15 e 16 de dezembro (sábado e domingo) o editorial trata da
possibilidade de Leonel Brizola ser nomeado Ministro da Fazenda, sendo que o mesmo
seguiria as prescrições de Luiz Carlos Prestes, que queria isolar o país do capitalismo
internacional e pouco a pouco encampar as empresas nacionais. Nos dias anteriores, o
jornal tratou do mesmo assunto em editoriais, mais o último é mais claro quanto aos riscos
que apresenta para a nomeação de Brizola para o Ministério da Fazenda. Inclusive na
primeira página desse dia vemos uma foto de Brizola rodeado de pessoas, e um pequeno
texto do jornal afirmando que “um grupo de adeptos da filosofia política e da doutrina
econômica do Deputado Leonel Brizola... reuniu-se ontem... para reivindicar o Ministério
da Fazenda para o ex-Governador do Rio Grande do Sul...”
O Última Hora no dia 05 de dezembro (quinta) faz referências sobre a nomeação de
Brizola para o Ministério da Fazenda, com uma nota na primeira página da Secretaria de
Imprensa da Presidência da República, informando que Jango não teria manifestado desejo
de substituir nenhum ministro e não haveria reforma ministerial. No dia 07, na mais
importante notícia da primeira página, o próprio Jango nega a nomeação de Brizola para ser
ministro. No dia 12, a principal chamada da primeira página é “Queda do Ministério é
Boato e Brizola Afirma: - Nunca reclamei nenhum posto”. O próprio Brizola vinha
desmentir os boatos de que assumiria algum Ministério.
No JB do dia 09 de janeiro, o editorial trata de uma denúncia de conspiração no Rio
Grande do Sul, ressaltando a necessidade da mobilização do Congresso, por que o regime
democrático estava em perigo, e o Presidente, com suas ações, estaria caminhando no
81
sentido de possibilitar tal coisa. Coloca a situação como sendo muito grave, não podendo a
sociedade ficar conformada, caminhando para o “Estado-Novo sem reação”, à beira da
convulsão político-social.
Sobre conspirações, o Última Hora também vai fazer denúncia de um golpe que
estaria sendo planejado para tomar o país (10 de dezembro), e que teria a participação de
chefes civis, militares e apoio de governadores. Segundo o jornal, o golpe estaria planejado
para o dia 12, mas teria sido adiado, porém o Governo estava à par da situação e iria esperar
o golpe ser iniciado para agir de forma fulminante.
Nota-se nos dois jornais que a notícia de golpe é apontada para lados opostos. No
UH, a direita estaria preparando um golpe para tirar Jango do poder, atentando contra a
democracia; no JB, Jango é que estaria agindo no sentido de dar um golpe. Mas o JB nada
noticia na primeira página do dia 9 de janeiro sobre alguma denúncia de golpe, só discute
isso no editorial.
Ao falar das greves de janeiro, o caos continuaria próximo, e desta vez com a
possibilidade de uma greve geral, o risco do “fechamento oficial do país” (editorial de 17
de janeiro); a culpa do Governo nesse processo seria de que ele sempre atendia às
reivindicações dos sindicatos, o que estimularia várias categorias a fazer novas
paralisações.
A proximidade do caos não ameaçava só as cidades, mas também o campo. A 19 de
fevereiro (no editorial), o Governo é acusado de estar incitando um clima de agitação
agrária, ao criar expectativas em relação à reforma agrária, com fazendeiros se armando,
invasões acontecendo, havendo ainda conflitos com vítimas. O editorial avisa que já havia
um clima de pânico geral com o temor dos proprietários de perderam suas terras por
decreto, ou de terem suas terras divididas anarquicamente com a complacência do Governo.
Declara que o Executivo estaria conduzindo o país a acontecimentos como o de Goiás,
quando um lavrador foi assassinado devido ao conflito por terras. O Jornal do Brasil
considerava esse caos no campo muito grave, porque um lavrador tinha sido assassinado,
mas poderia ser “amanhã um fazendeiro”.
É flagrante, nesse discurso da possibilidade de amanhã ser um fazendeiro
assassinado, o temor aos movimentos sociais reivindicatórios. O lavrador de Goiás
assassinado não era o primeiro, pois muitos já tinham sido mortos e feridos no confronto
82
com fazendeiros. Nenhum proprietário, segundo notícias do periódico, tinha sofrido
atentado que ameaçasse sua vida (se tivesse o jornal sem perda de tempo o exploraria ao
máximo), mas só a possibilidade de que isso ocorresse era considerado alarmante, como se
a morte de um camponês fosse menos importante do que a de um proprietário. A morte de
camponeses era a proximidade do caos, mas a de um fazendeiro ou latifundiário era o
próprio caos.
No final de março o caos mais que próximo já é visível, como no dia 26, em que o
editorial faz um levantamento sombrio do país, salientando que se estaria num risco
irremediável de “secessão fratricida”; que o Governo e seus aliados comunistas ou filo-
comunistas estariam abertamente agindo tenaz e coordenadamente contra a lei, a ordem
social e econômica, a democracia representativa e o Congresso, com reflexos na imprensa,
Forças Armadas e economia. Como aquele dia era véspera da semana santa, o jornal propõe
uma reflexão e mobilização pela democracia cristã. As propostas religiosas do periódico
caracterizam sua postura católica, refletindo uma imagem de busca da harmonia, da
pacificação. Esta imagem equilibrava os editoriais de críticas ao Presidente e seus aliados,
mostrando que o JB era movido sempre pelo espírito cristão, pela busca da concórdia e pela
compreensão. Se criticava, era movido pela busca da união do país, não pela sua divisão.
No dia 23 de março (segunda) o Última Hora, no comentário de primeira pagina
(edição 4310), intitulado “GRANDE DEFORMAÇÃO”, diz que após o comício do dia 13
as forças anti-reformistas manipulavam a repercussão do comício tratando-o como um
divisor de águas entre legalidade e ilegalidade. Diz que a direita teria se mobilizado tanto
devido ao apoio popular às reformas, e daí a grande possibilidade dela ser bem sucedida. E
afirma que Jango não estava pregando o golpe e jamais saíra da legalidade ou propora isso.
Para o jornal, não havia caos nem riscos de golpe de esquerda ou de Jango, apenas o
desespero de setores de elite que se viam incomodados pelo sucesso do comício do dia 13 e
pelas medidas anunciadas por João Goulart.
No dia 27 de março, o Jornal do Brasil comenta a rebelião dos marinheiros,
culpando o Presidente e destacando que entre os próprios membros do Governo haveria
desunião. No dia seguinte, quando o jornal não seria editado por ser sábado, feriado da
semana santa, é publicada uma edição extra, com mais de 95% de seu conteúdo tratando da
rebelião “vitoriosa” dos marinheiros, mostrando que o caos já estaria instalado. Na edição
83
ordinária de 29 e 30 de março, a primeira página tem total destaque para a rebelião,
trazendo as seguintes frases: “Almirantes denunciam comunização do país”, “O estado de
direito submergiu no Brasil”. Há ainda um comentário na primeira página intitulado “Na
ilegalidade”, em forma de editorial, onde se lê que as fotos dos sediciosos mostrariam o
clima que sempre antecede as revoluções, como a de 1917, que as Forças Armadas tinham
sido feridas nos fundamentos da autoridade e disciplina, e que, quando a “hierarquia se
dissolve”, “surgem as milícias político-militares, preconizadas pelos comunistas e filo-
comunistas”.
No final do mês de março, o UH trata da fiscalização do governo contra
comerciantes que vendiam produtos deteriorados, acima do preço tabelado, que sonegavam,
etc, e outras medidas populares como uma tabela de preços fixada pelo Governo, abono
salarial para servidores e muitas, muitas críticas a Carlos Lacerda. Só no dia 27 de março a
primeira página do UH trará o mesmo tema do JB, a rebelião dos marinheiros, com as
seguintes chamadas: “3000 MARUJOS SUBLEVADOS DESACATAM ORDEM DE
PRISÃO”, “TENSÃO NO PAÍS COM A CRISE NA MARINHA”. Há muitas fotos dos
marinheiros revoltados e do líder da rebelião José Anselmo. Enquanto o JB noticiava os
acontecimentos relacionando-os à crise de governo, comunização do país, caos e desordem,
o UH tratava o acontecimento com preocupação por representar um movimento de
contestação dentro de uma Força Armada, e por haver o risco de luta entre os sublevados e
forças legalistas.
A idéia do caos próximo tão trabalhada pelo JB a partir dos acontecimentos pode ser
explicada, a meu ver, pelo que o UH chamou de “grande deformação”, ou seja, havia
greves, conflitos no campo, questões de indisciplina nas Forças Armadas, inflação alta,
crise econômica, pregações radicais de elementos de esquerda, etc, mas a principal questão
não eram tais fatos, e sim a forma como eram passados para o grande público pelo jornal:
uma subversão da ordem, da paz e harmonia da sociedade.
Chamamento à ordem: O Jornal do Brasil fez constantes apelos à ordem e à harmonia
nos editoriais. Isto servia para aumentar o medo dos setores médios, pois só se apela para a
ordem e a harmonia quando elas não existem ou estão desaparecendo, e para se fazer
84
oposição aos movimentos reivindicatórios, porque não via com bons olhos a mobilização
popular. Os chamamentos à ordem evoluem dos apelos ao Congresso e à sociedade
(camadas médias, seus leitores), para o pedido de uma ação armada, pelo Exército, que
salvaria o regime democrático dos comunistas e fidelistas.
A 12 de outubro de 1963, vê-se na principal foto da primeira página do JB
metralhadoras e informa-se que o Exército apurava o encontro de armas num sítio em
Jacarepaguá, levadas para lá provavelmente por carros do Estado (da Guanabara). Como o
dono do sítio tinha ligações com Carlos Lacerda, as armas deveriam servir para uma
“possível resistência contra o Governo federal, no caso de ser intentado um golpe através
da pretendida decretação do estado de sítio”.
No editorial do mesmo dia com o título de “As grandes lealdades”, lemos que o
momento era de lealdades “à pátria” e “à democracia” e que uma sublevação de sargentos
em Brasília, a denúncia de ministros militares sobre contrabando de armas e a preparação
de um provável ataque de pára-quedistas contra Carlos Lacerda só enfraqueciam as Forças
Armadas, numa situação em que mais do que nunca o país teria precisado tanto delas.
No exemplar do JB citado acima há o apelo à ordem e às Forças Armadas, tão
necessárias ao Brasil, para “repelir e esmagar os dispositivos clandestinos de orientação
ideológica e política contrária à Democracia”. Também se minimiza o encontro de armas
que serviriam para preservar a democracia e a vida de Carlos Lacerda, como será descrito
no decorrer das reportagens desse dia e de outros no periódico sobre este acontecimento.
Um dia antes, o Última Hora denuncia a descoberta do arsenal em um sítio de
Jacarepaguá, mostrando na primeira página como foto principal armas (metralhadoras
Thompson) apreendidas pelo Exército e um rádio transmissor-receptor com o emblema da
Aliança Para o Progresso. O JB mostra só as armas na sua foto da primeira página com o
rádio ao fundo sem dar ênfase ao emblema da Aliança para o Progresso e no dia 15 de
outubro noticia, na primeira página, que as armas seriam para prevenir a ação de invasores
numa fazenda no Estado. Já os noticiários do Última Hora (18 de outubro) são de que as
armas eram para matar Jango e sua família. Pois próximo ao sítio onde as armas foram
encontradas havia outro que pertencia a Jango e onde ele ia muito com a família.
Na primeira página do primeiro número do JB de 1964 lemos a chamada “Goulart
pede reformas em 1964 contra a inflação”, e, no primeiro editorial de janeiro de 1964, o
85
periódico faz um apelo ao equilíbrio e à ordem social, que segundo aquele artigo partiria
também do controle da inflação, apresentada como “ameaça ao país”, e há uma
conclamação para uma união geral, de todas as classes contra o “tumor inflacionário” que
estava “minando, já de modo nítido as energias, a vontade e o esforço do ordeiro e
abnegado povo brasileiro” em favor do “progresso da nação”.
Na convocação que fazia à sociedade, solicitando a união de todos, dava-se grande
responsabilidade ao setor público, que deveria conter gastos e desenvolver todos os
esforços possíveis para controlar a espiral inflacionária. A seguir atribuía aos trabalhadores
um importante papel, porque a política salarial deveria ser a “pedra de toque da orientação
antiinflacionaria”, com os aumentos, reajustamentos de salários e dissídios tendo que estar
de acordo com a política de contenção da inflação, para o crescimento da renda real, clara
alusão de que os funcionários públicos e trabalhadores em geral não deveriam pedir
aumentos altos. Isto por que diminuir a inflação traria o “progresso econômico e crescente
bem estar social dentro dos quadros da democracia representativa”. O Jornal do Brasil
defendia os interesses patronais com esse editorial, por que ao dividir responsabilidades,
não citava os empresários e patrões para que reajustassem no mínimo seus preços e
abrissem mão de parte de seus lucros. Se a proposta era de “uma guerra nacional à
inflação”, nada mais justo que todos fizessem seus sacrifícios.
O periódico explicita também o que ele entendia por ação do setor público (leia-se
governo federal) para o controle inflacionário: conter a inflação para a manutenção da
ordem sem uma intervenção exagerada. Tanto que ao tratar de um dos problemas ligados à
desvalorização da moeda naquele período, que era o desaparecimento de alguns gêneros de
consumo para forçar seu aumento quando estes tinham os preços tabelados, o jornal afirma
que eram necessárias medidas que estimulassem o pronto suprimento dos gêneros, e não
uma “intervenção burocrática canhestra e perturbadora”. Controle da inflação sim, mas
preservando o laissez-faire.
No dia 21 de janeiro há um apelo à ordem no campo, ao comentar de conflito na
Paraíba entre camponeses e um bando armado que protegia um encarregado de uma usina.
O editorial propõe que se resolva logo o problema da reforma agrária, com a
regulamentação do Estatuto do Trabalhador Rural, para que a divisão de terras acontecesse,
86
não como vingança do camponês contra os proprietários, mas como conseqüência natural
da evolução social do Brasil.
A 19 de fevereiro, a primeira página traz duas fotos grandes. Uma das fotos mostra
uma bandeira hasteada numa vara e um homem ao lado com uma foice; acima da foto a
frase: “a foice e a bandeira”, abaixo da foto outra frase: “Os invasores da Cidade dos
Meninos hastearam a bandeira brasileira numa vara e protegem-na com foices” (trata-se da
invasão de uma propriedade rural na cidade de Duque de Caxias, no estado Rio de Janeiro).
A outra foto traz um homem no meio de uma plantação com um rifle; na parte de cima da
foto a frase “winchester 44”, e abaixo da foto lemos “Este homem e seu rifle são a garantia
de um fazendeiro de Goiás”. Havia ainda uma chamada que dizia “Proprietário de terras
mata camponês a tiros”. Como já tratei desta notícia no item “Proximidade do caos”, cito
novamente para relacionar ao editorial do mesmo dia que apresenta um quadro de pânico
agrário generalizado, acusa o Governo de complacência e faz dois apelos à ordem. Um ao
Congresso, acusando-o de imobilidade, afirmando que tal imobilismo nem salvaria as
propriedades do campo, nem o regime democrático. O outro apelo era feito às Forças
Armadas, para que agissem no campo dando a palavra final, porque o clima seria de guerra
entre proprietários e camponeses armados.
No mês de março os apelos à ordem se radicalizam com o jornal utilizando os
acontecimentos políticos e sociais para amedrontar ainda mais, via editoriais e primeiras
páginas, os setores médios. Após o comício do dia 13, o editorial pergunta se o papel das
Forças Armadas seria defender o deputado Leonel Brizola nas suas afirmações ilegais ou
dar proteção a um discurso de reforma constitucional de João Goulart. Convoca os políticos
elegíveis à presidência ou não a responderem a estas propostas inconstitucionais, dizendo
ser essa a “missão de todos nós”, lutar pelas eleições contra propostas inconstitucionais.
Nesse apelo à ordem convoca-se o Congresso e as Forças Armadas. O Congresso deveria
tomar as rédeas da vida política do país, para esvaziar o discurso radical de João Goulart; já
as Forças Armadas deveriam respeito à Constituição, não podendo apoiar os que se
colocavam contra ela. Manter a ordem naquele momento deixava de ser função dos poderes
representativos, e começava a ser função de um poder moderador (armado).
O JB na sua primeira página do dia 22 e 23 de março traz como principal chamada
“Kubitschek candidato: reformas dentro da Lei”. Segundo o jornal, Juscelino Kubitschek
87
fez declarações defendendo a democracia e colocando-se contra qualquer tipo de golpe,
afirmando que era possível realizar reformas sem radicalismo. No dia 24 de março o
editorial é todo voltado para esse pronunciamento, onde se lê que as afirmações de
Kubitschek “lavavam os espíritos até aqui submetidos ao processo do negativismo dirigido
às fórmulas radicalizadoras do desespero”, desmoralizando os que “nos colocavam entre as
reformas janguistas e o caos, entre a submissão à política oficial de salvação e a ilegalidade,
entre o reformismo ambicioso de poder continuísta do Sr. João Goulart e o reformismo
fidelista do Deputado Leonel Brizola”.
Os apelos feitos pelo JB para que a ordem fosse restabelecida era outra invenção do
jornal, pois atribuía aos acontecimentos do período, no campo, por exemplo, a uma
desordem que precisava ser superada o mais rápido possível se não poderia desestruturar o
país mergulhando-o numa guerra civil no campo ou até revolução nas cidades.
Chamamento às Forças Armadas Quando criticava o Presidente e sua suposta conduta
subversiva, antidemocrática e continuísta, o jornal se voltava para o Congresso, apelando
para que este agisse para enfraquecer os efeitos da postura de Jango. O Jornal do Brasil era
contrário a João Goulart, mas se apresentava como defensor do jogo democrático, apelando
para o equilíbrio dos poderes para neutralizar o Presidente. O chefe do Executivo, por sua
vez, no mês de março vai corresponder mais às expectativas dos setores progressistas e o
jornal então irá apelar para ações contrárias ao discurso que sempre apresentou, sob a
desculpa de que o Presidente tendia para os comunistas.
No editorial de 8 de outubro quando trata da retirada do pedido de estado de sítio
pelo governo, o JB alerta as Forças Armadas para estarem vigilantes quanto às
manipulações do Presidente e os “agitadores, que dominam parcelas cada vez maiores do
Governo”. Essa evocação das Forças Armadas contra o Presidente e seus “agitadores”
deixa claro que o jornal apoiava uma intervenção armada, uma vez que a ordem
estabelecida fosse ameaçada ou o liberalismo e a democracia (como era entendida pelo
periódico) estivessem em risco.
O editorial do dia 22 e 23 de março trata da reforma administrativa e vê tal assunto
como um desafio para o Congresso por que o acusa de “uma amizade longa e duradoura
88
com o Executivo, ao preço de uma política empreguista que encontra na velha estrutura
administrativa, um ambiente ideal para proliferar”, mas
“votando as reformas, na rigidez apolítica que a administração pública está
exigindo, os congressistas dariam demonstração de coragem e se
penitenciariam do abuso que cometeram no comércio eleitoral que
repartem com o Executivo. Ambos se beneficiam da desorganização, mas
os dois devem privar-se dessa utilização espúria”.
Este não é o único editorial que critica o Congresso, mas é o que possui críticas
mais contundentes. Acusando os congressistas de coniventes com o Presidente, e de co-
responsáveis no caos que dominava o país, não restaria outra saída a não ser a intervenção
do Exército.
As acusações que o Jornal do Brasil fazia ao Congresso eram pretexto para
sensibilizar os setores médios a aderirem à idéia do golpe e não uma acusação que pudesse
ser comprovada à luz da observação. Boa parte dos congressistas tinha sido eleita pelo
esquema montado pelo IPES e IBAD
72
e os mesmos de forma alguma fariam acordos e
conchavos com o Executivo da forma como o jornal relatava. A acusação de que o diário
poderia fazer ao Congresso era de não conseguir harmonizar-se com o Presidente. Mas
apresentando todo o Congresso como desonesto, legitimava-se uma intervenção militar, já
que não haveria mais como resolver a situação por vias democráticas.
Para reforçar a tese da incompatibilidade entre João Goulart e a “ordem
democrática”, o diário entrevista um oficial de altíssima patente que tinha ligação direta
com a queda do Estado-Novo. No dia 19 de março, na primeira página, há uma fala do
Marechal Eurico Gaspar Dutra (a pedido do Jornal do Brasil), convocando todos a se
unirem aos democratas, devido à “gravidade das circunstâncias que caracterizam a atual
situação brasileira” a fim de se evitar uma “secessão interna”, com seguidos apelos à
ordem, disciplina, respeito aos Três Poderes. No editorial do mesmo dia intitulado “A voz
do soldado”, reforça-se a pregação contra o comunismo, a defesa do respeito à Constituição
e ao desenvolvimento do país dentro da ordem, para se evitar a guerra civil.
Na primeira página do dia 20, o jornal atribui a Dutra a afirmação de que só voltaria
a se manifestar sobre a situação com um “fuzil na mão”, lê-se sobre o apoio que teve a fala
72
BANDEIRA, Moniz. Id. Ib., p 120 e DREIFUSS, René A. Id. Ib., p. 320 e 321.
89
de Dutra e que diversos militares o apoiaram, publicando a posição favorável de alguns em
relação a uma ação militar para se preservar o regime (democrático) do país.
Para conseguir o apoio dos setores militares leais a Goulart o jornal também
apresentou na primeira página a afirmação do Marechal Henrique Teixeira Lott (dia 20), de
que se fosse preciso, teria que agir dentro dos princípios que sempre teria defendido. A fala
de Lott possuía peso naquela ocasião, por que ele chefiara em 1955 uma ação militar,
quando era general e Ministro da Guerra, colocando tanques e tropas na rua para garantir a
posse de Juscelino Kubitschek, que tinha sido eleito Presidente pelo voto direto. Foi um
contragolpe a favor da democracia, contra militares reacionários e políticos conservadores
que tentaram impedir o início do pleito de Juscelino. O marechal Lott, por esse motivo,
estava credenciado a criticar qualquer tipo de golpe. E da forma como o jornal apresentava
essa fala, parecia que ele se voltava contra Jango e as forças de esquerda, por estas serem
contrárias aos princípios democráticos.
O jornal tentava também induzir o posicionamento dos leitores às soluções por ele
apregoadas, como o apelo à ação armada. Percebe-se isso, quando se lê uma pergunta feita
pelo periódico, que sugere a utilização das palavras sim ou não, mas com a resposta
subjacente já determinada. No dia 14 e março o jornal pergunta no editorial: É papel das
Forças Armadas defender posturas inconstitucionais? Se a resposta era não, ficava a
sugestão de que tais instituições de Estado deveriam agir para manter a constitucionalidade,
agindo contra João Goulart.
Às vésperas do golpe, aparecem os apelos diretos a que o Exército interviesse. O
jornal apresentava a ação do Exército como a única capaz de salvar o país. Todas as
esperanças teriam se perdido, e agora só restava a ação armada para defender a legalidade.
No dia 27 de março, quando o editorial trata da rebelião dos marinheiros, diz-se que o País
estaria num clima geral de subversão, caos e indisciplina. A subversão já teria alcançado até
as Forças Armadas, no caso a Marinha, e o Presidente seria o principal culpado por tal
situação. O fracionismo estaria presente até no próprio Governo. Afirma-se ainda que além
do Presidente ser o “arquiteto” da ilegalidade, que alias já teria fugido ao seu controle,
haveria uma falta de autoridade, e que deveriam ser dirigidas “nossas expectativas para os
setores não contaminados das Forças Armadas (...) para o Exército”, principalmente
porque este ainda estaria “imune à vaga subversiva”.
90
Na edição de 29 e 30 de março, a primeira página é totalmente dedicada à rebelião
dos marinheiros e tem como título “Almirantes denunciam a comunização do país”. Em um
comentário (tipo editorial) ainda na primeira página, diz-se que o clima de legalidade
submergiu no país e as Forças Armadas tinham sido feridas no seu fundamental – a
hierarquia, a disciplina e o respeito – e a Marinha estava dividida. Acredito que essa
mensagem do jornal era dirigida principalmente aos militares, com o objetivo de retirar o
apoio que setores legalistas pudessem demonstrar ao Presidente. Como a questão da
hierarquia é muito cara aos militares, uma intervenção armada seria não só para retirar o
país do caos, mas para preservar a espinha dorsal das Forças Armadas – sua hierarquia.
No editorial do mesmo dia lê-se que o Exército e a Aeronáutica não poderiam ficar
indiferentes a si mesmos a ao papel que desempenhavam na preservação de um mínimo de
vida civilizada e democrática. Esta não indiferença se aplicava “principalmente ao Exército
que, tem poder preventivo capaz de impedir males muito maiores do que aqueles que já nos
atingem sob a forma de insegurança pessoal e familiar”.
Contrariamente, o Última Hora vai noticiar nos últimos dias de março na primeira
página o seguinte: “NOVO MINISTRO DA MARINHA EMPOSSADO E
MARINHEIROS LIBERADOS” e “DECISÃO DE JANGO RESOLVEU A CRISE”
(edição de 28 e 29 de março, sábado e domingo); no dia 30 de março o jornal nada traz de
relevante sobre o tema; e no dia 31 “10.000 SARGENTOS ACLAMARAM O
PRESIDENTE NO AUTOMÓVEL CLUBE”, e “JANGO: - EU NÃO PERMITIREI A
DESORDEM EM NOME DA ORDEM (edição 1268). Pelo noticiado nas primeiras
páginas dos dias 28/29 e 31 de março do UH, a situação estaria sob controle e Jango não
estaria a favor de desordens ou indisciplina.
Nos dias de março que antecederam ao golpe civil-militar de 1964 Jango foi
envolvido em questões, como o perdão aos marinheiros rebelados e a reunião dos
sargentos, que minaram o resto de apoio que tinha junto aos militares legalistas e deram o
motivo esperado por alguns golpistas para agir. A conjuntura que se formou em torno de
João Goulart e que foi explorada pelos seus adversários foi tão forte que não adiantou ele
afirmar que era contrário à desordem, a favor da democracia, etc. Prevaleceu o clima criado
pelos grandes órgãos de imprensa contra ele, com acusações que não eram verdadeiras, mas
encontraram terreno fértil na opinião pública devido à guerra fria, ao sucesso da revolução
91
em Cuba, à sua posição conciliadora e mediadora entre patrões e empregados, sua ligação
com o varguismo, às inúmeras greves do período, e aos conflitos no campo.
92
CONCLUSÂO
Nos meses em que acompanhei o JB, tive a sensação de que este parte da
preocupação com o econômico, seguindo para as críticas ao político e social, utilizando-se
dos acontecimentos no setor sindical, no campo e nas manifestações da população em geral.
Como qualquer periódico burguês, com a importância que possuía de ser uma das maiores
empresas jornalísticas da América Latina e com interesses diretos no sucesso financeiro dos
seus anunciantes e no seu próprio, o Jornal do Brasil preocupava-se com a queda do valor
da moeda nacional, com a questão dos aumentos salariais e as definições da política
econômica do país.
O Jornal do Brasil usava chavões como “a Nação espera...”, “a Nação quer...”, “o
povo pede...”, “o povo deseja...”, “o país necessita...”, colocando-se como porta-voz do
“povo”, tentando sensibilizar os leitores para suas opiniões, apresentado-as como de
consenso em toda a sociedade, homogeneizando-a numa única categoria – o povo.
Sobre a postura do jornal, alguns decênios após o golpe, um dos seus diretores a
definiu como sendo naquele tempo e ainda hoje de tipo “católico, liberal-conservador,
constitucional e defensor da iniciativa privada”
73
. Logo percebe-se que não poderia haver
apoio do jornal ao Presidente Goulart.
No editorial de 06 de março de 1964, o JB diz que “nunca foi do nosso propósito
pregar o tratamento hostil” ao Presidente. Apesar disso, o jornal fez oposição ao Presidente
ao lado de um tratamento hostil, principalmente em março. Mais de uma vez agrediu o
Presidente e os que se colocavam ao seu lado, e quando Jango dá maior atenção às
esquerdas, satisfazendo algumas reivindicações nacional-reformistas e dos trabalhadores, é
acusado de manipulador e de joguete nas mãos de comunistas e de radicais, figura sem
poder, defendendo sua deposição.
Sobre as questões internacionais, o Jornal do Brasil era defensor dos EUA, crítico
contundente de Fidel Castro, da União Soviética, da China e sempre açulava o medo ao
comunismo e à sua expansão na América Latina, apontando a necessidade de união com os
EUA.
73
FERREIRA, Marieta de Moraes. A reforma do Jornal do Brasil, in A imprensa em transição. Alzira Alves de Abreu...
[et al] Rio de Janeiro, FGV, 1996, p. 152. Essa afirmação é atribuída a Manuel F do Nascimento Brito, ex diretor-
presidente do Jornal do Brasil.
93
O medo do comunismo foi um dos recursos mais utilizados pelos golpistas contra os
movimentos nacionalistas ou de esquerda, para desestruturar e desmobilizar iniciativas
contra o imperialismo capitalista. O movimento nacional-reformista no Brasil não possuía
compromissos com Moscou nem da parte do Presidente, nem dos que o acompanhavam. As
mudanças que Jango propunha poderiam ser classificadas no máximo como nacionalistas,
no entanto qualquer discurso que colidisse com os interesses capitalistas internacionais ou
dos associados nacionais, era classificado como comunista. Por outro lado, o adjetivo
comunista soava igual a um palavrão, como se percebe da “grave acusação”, do editorial do
dia 26 e 27 de janeiro de 1964, de que dois dos dirigentes da Petrobrás eram comunistas
confessos. Ao fazer considerações sobre o termo comunismo, seu campo semântico é de
palavras e idéias semelhantes a antinacionalista, antidemocrático, anticristão,
desequilibrado, contrário à paz e à harmonia, contra a ordem.
A idéia da suposta implantação por parte de Jango de uma “república sindicalista”,
assim como do favorecimento a elementos comunistas, foram temas bastante explorados
para colaborar na desestruturação e desprestigio de João Goulart. O medo que foi difundido
sobre o poder dos sindicatos, ou sobre a possibilidade destes passarem a controlar o
Governo e subverterem a ordem, aglutinou até setores legalistas das Forças Armadas para a
destituição de Jango.
O Jornal do Brasil também relacionou a ameaça do comunismo ao desejo de J.
Goulart permanecer no poder, na medida em que o Presidente deixaria os comunistas livres
para agir. Daí a necessidade de retirar Jango do poder para se evitar que esta força
dominasse o país. Prova disto é o editorial de 13 de março de 1964, que acusa João Goulart
de estar usando os comunistas, sendo complacente com esta corrente “radical”, para
aumentar na sociedade o medo ao comunismo, e depois reprimi-los autoritariamente, ou
seja, estaria alimentando a agitação, o medo, para depois reprimi-los e surgir como homem
providencial. Nos seus propósitos continuístas, seria capaz de manipular e trair quem
estivesse à sua volta.
O jornal também alimentou sempre que pôde a descrença no governo, acusando-o
de não ter vontade política para promover as transformações que o país necessitava e,
principalmente, estar dominado pelos próprios instrumentos que utilizava (sindicatos e
94
elementos comunistas). Esses os motivos que o impediam de promover o desenvolvimento
do país.
Mesmo as conseqüências da política econômica do governo Kubitschek, assim
como as pressões do governo norte-americano que se refletiam no nível econômico do país,
eram imputadas a João Goulart. Apesar de estar a apenas dois anos à frente do Brasil, e um
ano com poder real (presidencialista), sem falar das pressões internas como as oposições na
Câmara e em alguns Estados, a imagem que o Jornal do Brasil passa é a de um governante
que estaria afundando o país, manipulando e sendo manipulado, sem vontade de resolver os
problemas, mas com forte espírito de ditador, amante do poder.
O jornal também divulgou constantemente a idéia de um caos que estaria próximo.
Um dos caminhos do caos seriam as greves manipuladas pelo presidente. A 16 de janeiro,
fazendo considerações sobre a greve dos funcionários do serviço de fornecimento do gás,
afirma-se que o Governo estaria comprometido com diversas organizações sindicais, e por
isto, além de não resolver o problema das greves, enquadrando-as na justiça e definindo o
regulamento da lei de greve, ainda estaria se aproveitando delas, e mesmo incentivando-as,
para causar desestruturação social. Já em relação aos funcionários grevistas, diz que estes
estariam abusando do direito à greve, por não atenderem aos hospitais, e daí estarem
desrespeitando direitos mínimos de outros cidadãos. O Governo estaria assim “entregando
o povo às feras”, comprometido com aquela ação de desrespeito à dignidade humana. Então
teríamos no país uma “crise de autoridade, de um lado, e crise de critérios legítimos e éticos
do outro”. No dia seguinte lê-se que a anarquia já estaria instalada e visível por todos, e o
Governo estaria também em greve de governar, tolerando as paralisações.
Como se percebe nas linhas do Jornal do Brasil o caos já existiria, estando pronto
para ser capitalizado pelos comunistas ou pelo próprio Presidente. Só restava esperar uma
revolução como a de 1917, com milícias político-militares substituindo as forças da
legalidade num país fora do estado de direito, atentando contra fazendeiros e patrões. Uma
vez que tais apelos conseguissem eco nos setores médios, estes seriam favoráveis a uma
solução de força, representada nas instituições constituídas como mantenedoras da ordem –
as Forças Armadas, principalmente o Exército.
A direção do jornal, assim como grandes proprietários de terras, empresários, e
elites políticas sabiam que esse poder atribuído às massas e sindicatos não era suficiente
95
para criar o caos e modificar as estruturas da sociedade brasileira, como já comentado no
capítulo I. Através do medo que se transmitia nas linhas dos editoriais e nas primeiras
páginas em relação ao caos, o periódico trabalhava muito a falta de ordem, a falta de
controle, entre outros jargões, já que os termos “ordem”, “disciplina” e “controle” são
muito importantes na ideologia burguesa e com grande alcance nos setores médios, que os
absorvem se tornando muito mais sensíveis a tais apelos. As constantes referências ao
estado de anarquia foram expedientes muito utilizados para sensibilizar os leitores, assim
como a inflação, outro assunto muito relevante para os setores médios, que em meio àquela
crise empobreciam.
O Jornal do Brasil passava a idéia através de seus editoriais de que o “povo
brasileiro” era “abnegado”, “ordeiro”, “esforçado”, caracterizando a “desordem”, os
“interesseiros”, os elementos da desarmonia como externos, não pertencendo à Nação. Por
isto fará constantes apelos à ordem e qualquer um, que parecesse contrário à abnegação, ao
devotamento e à ordem, era agente de forças externas e contrário aos interesses do Brasil.
Essa temática servia tanto para aglutinar opiniões a favor do discurso liberal do jornal,
quanto para mostrar ao público leitor os que não eram verdadeiros brasileiros.
Nas linhas editoriais ia aparecendo, aos poucos, apoio maior à intervenção armada,
como a única alternativa para resolver o impasse que se apresentava, por que os
congressistas não correspondiam às necessidades do país. Como já foi citado, no editorial
de 22 e 23 de março, encontramos idéias desenvolvidas pelo Jornal do Brasil que se situam
na transição entre a descrença nos parlamentares e o apelo a um golpe militar. Ao falar da
reforma administrativa e de sua necessidade, apelando ao Congresso para que votasse esse
anteprojeto, que já tramitava na Câmara, expressa sua descrença no Executivo, mas
também recrimina o Legislativo: “É na desorganização administrativa do País que uma
parte da opinião pública, mais crítica em seus juízos, identifica interesses da política de
nomeações, peça importante nas relações entre o Congresso e o Poder Executivo”.
Curiosamente o jornal só vê como legítimo empregar o Exército para proteger os
proprietários das invasões de terras, mas não para garantir a reforma agrária, pois o jornal
se dizia defensor da reforma agrária, como já mostramos em mais de um editorial.
No mínimo em dois editoriais o jornal condena que o Governo utilizasse as Forças
Armadas: quando há a possibilidade dos militares auxiliarem na reforma agrária proposta
96
pelo Presidente (o editorial “Pânico Agrário” de 19 de fevereiro) e quando há militares no
palanque do comício de 13 de março. Não era legítimo, para o diário, usar-se a força para
garantir a divisão de terras proposta pela SUPRA, ou que os militares defendessem “foras
da lei” no comício da Central. Mas era legítimo que o Exercito agisse no campo para evitar
os conflitos decorrentes da luta entre camponeses sem terra e fazendeiros, o que na prática
significava mais proteger as propriedades das invasões em vez de desarmar senhores de
terras e camponeses. Mais uma vez a necessidade da “ordem” se fazia presente para evitar
prováveis radicalismos contra as classes proprietárias.
Mas o presidente, após o comício do dia 13 de março, vai optar por apoiar as forças
nacionalistas e propor medidas favoráveis às Reformas de Base. Isto será considerado
radicalismo por parte do JB que vai apelar abertamente para uma ação armada.
Nos esforços para mobilizar a opinião pública a favor do golpe militar, o jornal
utilizou falas de militares identificados como contrários a ditaduras como o ex-presidente
Dutra, que esteve envolvido na deposição de Getúlio Vargas e no fim do Estado Novo. Este
inclusive tinha sido convidado a se pronunciar a pedido do próprio Jornal do Brasil. Se
talvez a fala de Eurico Dutra pudesse ser interpretada como contrária ao trabalhismo e
Goulart, esse não era o caso do pronunciamento de Henrique Lott, outro militar de alta
patente e que agiu defendendo justamente um candidato considerado representante do
getulismo (Juscelino Kubitschek), apoiando sua posse, como já discutido no capítulo III.
O Jornal do Brasil tinha evoluído em suas idéias, conforme os acontecimentos do
país, na direção da necessidade de uma ação armada, já que o clima de agitação açulado
pelo Presidente já o engolira, estando o país entregue “às feras” e não havia mais
possibilidade de reação dentro dos quadros representativos da democracia; o Legislativo era
imobilista e conivente, e as próprias Forças Armadas (com a revolta dos marinheiros) agora
eram atingidas. A ação do Exército, para o Jornal do Brasil, era apontada como a salvação
dos brasileiros e do Brasil.
Havia também uma animosidade do periódico em relação ao Presidente, porque
quando ele sai de sua posição conciliadora tendendo para os setores populares, é taxado de
manipulador das massas, pois estaria alimentando suas reivindicações para levá-las à
radicalização e dar um golpe para manter-se no poder, o que conseguiria porque as massas
o veriam como o único a satisfazer suas demandas, e os patrões amedrontados também o
97
apoiariam, como a única figura com possibilidade de conter os excessos das classes mais
baixas. A acusação de que Jango queria perpetuar-se no poder esteve bastante presente nos
editoriais.
Não quero com isto afirmar que João Goulart não quisesse continuar no poder, e a
reeleição naquele momento era inconstitucional, mas apenas ressaltar que o diário, pela sua
posição conservadora, escondia-se por trás de um discurso liberal, de defesa do Brasil e da
democracia para seguir o caminho do medo de uma radicalização dos setores populares, de
uma postura inconstitucional do Presidente e do domínio do país de forças radicais, para
justificar a destituição de João Goulart, figura que não era simpática ao jornal.
O Jornal do Brasil defendeu a queda de João Goulart, e ajudou, dentro do seu
círculo de influência, a criar um clima de insegurança e insatisfação frente ao governo
deposto em 1964. O motivo do apoio do JB ao golpe deveu-se aos interesses,
principalmente econômicos, que ligavam os grupos que eram prejudicados pela política
conciliadora de Jango a esse jornal, já que o maior sucesso de tais grupos significaria a
manutenção de anúncios que garantiriam a existência do próprio JB.
Mas não é só a questão econômica que influi nessa situação. Pode-se ressaltar
também a rede de amizades e simpatias que há entre os donos de jornais, industriais,
banqueiros e empresários. Cabe destacar também que os diretores do diário possuíam sua
visão própria (burguesa) sobre o quadro político e econômico do país e pela sua posição
sócio-econômica tendiam a fazer oposição à forma que o presidente deposto orientava o
país.
Apesar das acusações a João Goulart, este não possuía compromisso com o
comunismo ou socialismo. Ele buscava reformas para o país dentro de limites, que não
ameaçavam tanto os interesses da burguesia e dos latifundiários. Buscava fazer concessões
às massas, mas mantendo-as sob controle. Sua postura burguesa-reformista tencionava dar
um ou outro anel, preservando-se os dedos. O que impossibilitou sua prática de
manipulação foi a mobilização política do período por parte das massas, a crise econômica
que herdou dos governos anteriores e principalmente a pressão do capital internacional e
dos EUA, que sufocaram as tentativas de reorganização econômica do Brasil.
A grande pressão feita sobre Jango era não só para se bloquear a política de
concessões, mesmo que parciais, aos trabalhadores, mas para se implantar uma nova
98
política econômica no país, da qual o Jornal do Brasil era partidário, como deixou claro em
mais de um editorial, de estabelecimento de um poder voltado para beneficiar o capital
nacional associado e internacional. Isto porque além da posição conciliadora de João
Goulart, a crescente conscientização das classes trabalhadoras fazia com que houvesse uma
pressão sobre o Presidente a favor de medidas mais favoráveis aos trabalhadores, em
detrimento dos patrões.
Aproveitando sua missão de formador de opinião e divulgador de fatos, o JB
desempenharia uma função ideológica, ou de partido político, de uma força dirigente capaz
de criar um clima junto ao seu público leitor de pânico ante os acontecimentos do período e
antipatia ante o presidente João Goulart. É lógico que esse jornal sozinho não foi o
responsável pela queda de Jango, mas seu esforço diário e continuado agindo direta e
indiretamente contra o governo, junto com outros órgãos de imprensa, sob os auspícios do
IPES ou de pessoas e grupos que não queriam o avanço da participação popular e das
reformas que o país precisava, agiu de forma poderosa para o desfecho dos acontecimentos
no final de março de 1964.
Devemos destacar ainda os fatores que colaboraram para o sucesso do trabalho
ideológico a favor do golpe, como a questão de que já havia na opinião pública um temor
ao comunismo semeado de longa data pela Igreja Católica e outros grupos religiosos, a
ideologia liberal que predominava na sociedade brasileira de necessidade da propriedade
privada, liberdade de expressão, sufrágio universal, etc. e que era apontada como
inexistente nas sociedades socialistas e o medo de que a ação dos sindicatos levasse a um
caos invertendo a ordem do país. Enfim a ideologia burguesa presente na sociedade
brasileira era um terreno fértil para que os ataques, acusações e argumentos contra Jango e
os movimentos sociais do período fossem mal vistos ou desacreditados.
O papel do Jornal do Brasil na criação do clima que favoreceu o apoio da opinião
pública à queda do governo civil em 1964 foi de auxiliar os setores de oposição a Jango,
numa campanha de difamação, que passou pelas acusações de que este não conseguia
diminuir a inflação que estava sem controle e impedindo o desenvolvimento do Brasil. O
Presidente era acusado de levar o país ao isolacionismo em relação aos EUA, ou a uma
aproximação de países de posturas antidemocráticas; de que junto ao governo havia a ação
de elementos corruptos, antidemocráticos, contrários ao país e a favor de uma subversão da
99
ordem; de que João Goulart favorecia os sindicatos, dando-lhes poder para agir
politicamente ou com greves, com o intuito de manter-se no poder por ser autoritário e
querer continuar na presidência, e em decorrência disto ser um governante incompatível
com as reformas que o país necessitava.
Assim o jornal apresenta a necessidade de uma intervenção para se bloquear os
efeitos das ações do Presidente, denunciando um clima de caos que estaria se aproximando
do país, inicialmente apelando para a ordem através de uma ação parlamentar, para depois
acusar o próprio parlamento de imobilidade frente à situação iminente de guerra civil e
bolchevização do país, chamando as Forças Armadas para agir e “salvar” o Brasil. Neste
ponto, a queda de João Goulart era apresentada como medida de manutenção da harmonia
entre as classes e pacificação da sociedade.
Sob a desculpa de se preservar o regime, o Jornal do Brasil colabora com a
alimentação do clima de antipatia ao Presidente e favoreceu sua queda, tendo sua cota de
responsabilidade no aborto da democracia brasileira do período. Aborto porque os
movimentos sociais cresciam, as organizações trabalhistas buscavam autonomia e a
sociedade em geral caminhava para uma maturidade democrática.
Apesar das acusações a Jango, este nem era antidemocrático no sentido de ser
contrário aos princípios básicos do liberalismo como a propriedade privada, a participação
política, respeito aos Poderes da república, liberdade de expressão, etc. Nem se emprenhou
por uma reforma constitucional que permitisse sua continuidade, não tinha inclinação
golpista, não era controlado pelos comunistas, não fomentava a subversão nas Forças
Armadas, nem apostava num caos para subverter a ordem social e econômica do país.
O Jornal do Brasil, como empresa rica e poderosa com todo um patrimônio a
defender, círculo de amizades a preservar, interesse de defesa dos anunciantes ricos que
ajudavam a sustentar economicamente o jornal e ele próprio um periódico representante de
uma classe, não admitiria mudanças que em essência não eram contrários à sua
sobrevivência, pois no período não se cogitava de implantação do socialismo no Brasil, mas
que pudessem ameaçar seus lucros e o desenvolvimento de seus aliados.
100
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ARQUIVO NACIONAL
FUNDO IPES AP 25, CÓDIGO DO FUNDO: QL. SEÇÃO DE GUARDA SDP
BIBLIOTECAS
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BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS SOCIAIS (IFCS)
DA UFRJ.
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