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“Agora se nos oferece esta resolução ao dilema: na base das perversões há, em
todos os casos, algo inato, mas algo que é inato em todos os homens, por mais que
sua intensidade flutue e possa com o tempo ser realçada por influências da vida.
Trata-se das raízes inatas da pulsão sexual, dadas em sua constituição mesma, que
numa série de casos (perversões) se desenvolvem até converter-se nos verdadeiros
portadores da atividade sexual (perversa), outras vezes experimentam uma
supressão (recalcamento) insuficiente, de tal maneira que podem atrair a si,
mediante um rodeio, na qualidade de sintomas patológicos, uma parte considerável
da energia sexual, enquanto que nos casos mais favorecidos, situados em ambos os
extremos, permitem, graças a uma restrição eficaz e algum outro processamento, a
gênese da vida sexual denominada normal.”
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O que acontece, como já vimos, é que a pulsão, devido ao seu caráter indomável e
transgressor, busca satisfazer-se a qualquer custo. Ela tenta apossar-se inteiramente do objeto,
mas, diante das limitações, toma qualquer parte deste como ponto erótico. Assim, ainda no
processo sexual considerado normal, no qual o alvo sexual não é mais do que a união dos
genitais no ato do coito, reconhece-se rudimentos daquilo que, se desenvolvido, levaria às
“aberrações” descritas como perversões. Trata-se aqui das relações intermediárias com o
objeto sexual antes do coito que passam a ser consideradas alvos sexuais preliminares.
Freud (1905) acrescenta que os desvios do alvo sexual são acompanhados por uma
supervalorização do objeto sexual que raramente se restringe aos genitais. Ela propaga-se por
todo o corpo, abrangendo assim todas as sensações do objeto sexual. Desta forma, outras
partes do corpo são elevadas à condição de meta sexual. Podemos dizer aqui que as
tendências perversas atestam o trabalho de idealização no próprio núcleo da pulsão, que deve
assim ser satisfeita, ainda que seja sob a forma de transgressão.
Uma das formas de transgressão sexual qualificada como perversa é a substituição do
objeto sexual considerado normal por um outro que guarda certa relação com ele, embora seja
impróprio para servir ao alvo sexual. Tal substituto denominado “fetiche” é geralmente uma
parte do corpo do outro (ex. cabelos, pé) ou um objeto inanimado que tem relação com a
pessoa que o substitui, fundamentalmente com a sua sexualidade (p. ex.: roupas íntimas). A
escolha do fetiche manisfesta, de acordo com Freud (1905), a influência de uma impressão
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Ahora se nos ofrece esta resolución del dilema: en la base de las perversiones hay en todos los casos algo
innato, pero algo que es innato en todos los hombres, por más que su intensidad fluctúe y pueda con el tiempo
ser realzada por influencias vitales. Se trata de unas raíces innatas de la pulsión sexual, dadas en la constitución
misma, que en una serie de casos (perversiones) sé desarrollan hasta convertirse en los portadores reales de la
actividad sexual, otras veces experimentan una sofocación (represión) insuficiente, a raíz de lo cual pueden
atraer a sí mediante un rodeo, en calidad de síntomas patológicos, una parte considerable de la energía sexual,
mientras que en los casos más favorecidos, situados entre ambos extremos, permiten, gracias a una restricción
eficaz y a algún otro procesamiento, la génesis de la vida sexual llamada normal (1905, p. 156).