partida para uma nova vida, rumo incerto para Severo, ele lança um último olhar à paisagem e
imprime, mais uma vez, a identidade que a sociedade hegemônica buscava firmar no
imaginário social sul-rio-grandense:
O velho entrevirou-se no lombilho e olhou mais uma vez para trás. Lá longe, no
alto, entre figueiras, estava a estância velha; um pouco à esquerda, no vale, a
Granja, cintada pelo arroio, e no fundo do horizonte, que começava e esfumar-se, a
linha escura da serra. E adivinhou, mais do que viu, outros sítios conhecidos: o
capão Grande, com troncos de tarumã clareando à incidência do sol, a restinga, o
Umbu, a estrada das tropas. Todos os pagos: toda a sua vida. A sua e a dos seus
antepassados, nascidos ali e dali irradiando pela campanha em longos anos de lutas
e trabalhos. E ele, agora, ia abandonar o cenário de tantas existências queridas.
Tinha que ser. A vida nova repelia-o (Velhos tempos).
De acordo com Sergius Gonzaga (1980, p. 120), “despejados de seu espaço ou
simplesmente ameaçados pelo colapso de um capitalismo arcaico, os trabalhadores assumiam
uma concepção idílica do passado”, cultivavam a nostalgia de um mundo tradicional, anterior
à ruptura modernizadora, mas não empunham armas para enfrentar a estrutura vigente. O
clima saudosista dos dominados impedia qualquer manifestação contrária ou violenta contra
dominadores. Ambas as classes assistiriam à restauração de um hipotético paraíso perdido, de
uma paisagem utópica, exclusivamente na esfera da linguagem oral e, depois, escrita, criando-
se assim, pode-se dizer, um saudosismo benigno, não-virulento, que mais tarde na “fantasia
de uma comunidade humana ideal, localizada no passado remoto, ganharia importância”
(Ibidem) e transformar-se-ia no atual “Movimento Tradicionalista Gaúcho”, o MTG.
O Rio Grande consolidou a sua expressão de forte identidade regional, sem possuir
necessariamente o perfil gauchesco, que começou a ser inventado, de forma gradual, a partir
do imaginário da Campanha Gaúcha, que representou, por muito tempo, a primeira e mais
importante região reconhecida pelo restante do país. Além de ser distinta pelo seu valor
bélico, já que chegou a ser, durante décadas, uma das principais forças militares brasileiras,
foi espaço da primeira e rústica indústria sul-rio-grandense, a empresa do charque.
Quando, em 1868, a Sociedade Partenon iniciou a formação do sistema literário rio-
grandense, foram louvados os tipos representativos mais caros à classe dirigente. Gonzaga
(1980, p. 125) afirma que se sedimentava ali o começo da apologia de figuras heróicas
elevadas à condição de símbolos da grandeza de um povo. Os paradigmas de honra, liberdade
e igualdade procedentes da Revolução Farroupilha, tornaram-se essenciais ao futuro mito do
gaúcho. Se por um lado Darcy Azambuja segue o rastro dos integrantes da Sociedade,
louvando e enriquecendo o mito gauchesco, por outro, ele mostra, também, o começo da ruína