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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ATENÇÃO À SAÚDE COLETIVA
ROSANA BUBACH
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A SAÚDE DOS
GERENTES BANCÁRIOS EM UMA INSTITUIÇÃO NO
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
VITÓRIA
2006
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ROSANA BUBACH
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A SAÚDE DOS
GERENTES BANCÁRIOS EM UMA INSTITUIÇÃO NO
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Atenção à Saúde Coletiva do Centro de Ciências da
Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Saúde
Coletiva, na área temática Saúde do Trabalhador.
Orientadora: Profª. Drª. Denise Silveira de Castro
Co-Orientadora: Profª. Drª. Maria Elizabeth Barros de Barros
VITÓRIA
2006
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Bubach, Rosana, 1975-
B917o A organização do trabalho e a saúde dos gerentes bancários em uma
instituição no Estado do Espírito Santo / Rosana Bubach. – 2006.
114 f.
Orientadora: Denise Silveira de Castro.
Co-Orientadora: Maria Elizabeth Barros de Barros.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Ciências da Saúde.
1. Saúde e trabalho - Espírito Santo (Estado). 2. Bancários - Espírito
Santo (Estado). 3. Gerentes - Espírito Santo (Estado). I. Castro, Denise
Silveira de. II. Barros, Maria Elizabeth Barros de. III. Universidade
Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências da Saúde. IV. Título.
CDU: 614
ROSANA BUBACH
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E A SAÚDE DOS
GERENTES BANCÁRIOS EM UMA INSTITUIÇÃO NO
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Atenção à Saúde
Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito para obtenção do Grau de Mestre em Saúde Coletiva na área
temática Saúde do Trabalhador.
Aprovada em 15 de dezembro de 2006.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________
Profª Drª Denise Silveira de Castro
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
_____________________________________________
Profª Drª Maria Elizabeth Barros de Barros
Universidade Federal do Espírito Santo
Co-Orientadora
_____________________________________________
Profª Drª Ana Lúcia Coelho Heckert
Universidade Federal do Espírito Santo
_____________________________________________
Profº Drº Luiz Henrique Borges
Universidade Federal do Espírito Santo
_____________________________________________
Profª Drª Elizabeth Maria Andrade de Aragão
Universidade Federal do Espírito Santo
_____________________________________________
Profª Drª Rita de Cássia Duarte Lima
Universidade Federal do Espírito Santo
Aos que se inquietam inusitadamente
em frente às interfaces saúde-trabalho
e fazem da inquietude um convite à
provocação.
A todos os atores que se entrelaçam
neste campo de batalhas da Saúde do
Trabalhador: trabalhadores-
estudantes-pesquisadores- educadores-
profissionais da saúde... “sob premissas
nem sempre explicitadas”.
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, amigo e fiel, que me renovou com sua força e perseverança.
À minha orientadora Denise, que, sensivelmente, permitiu expandir seus entornos e
me acolheu em minhas diferenças e tropeços e à minha co-orientadora Beth
Barros, que, amável e maternalmente, me recebeu e apoiou. Ambas se
completaram nessa jornada.
Ao Luiz Henrique, que sempre se colocou disposto a colaborar e a participar.
Às minhas inesquecíveis professoras da Psicologia que participaram e contribuíram
como puderam, especialmente à Aninha, Beth Aragão e à minha sempre
inspiradora Soninha, que esteve presente em todas etapas as desse
desenvolvimento, desde a semente... e sempre confiou em seu desabrochar.
À minha instituição de trabalho, na pessoa do superintendente em gestão, que,
desde o início, se mostrou de “portas abertas” a esta pesquisa. Aos meus colegas
de trabalho que participaram fidedignamente deste estudo e aos meus colegas de
equipe que muito contribuíram e colaboraram para o desenvolvimento desta
pesquisa, especialmente, à Jane, Ivanna, Cláudia, Fabrício.
Ao meu amigo e amigas de turma deste mestrado que sempre se mantiveram
unidos e apoiando um ao outro nessa complexa jornada, em especial à Regininha
que se fez muito amiga e presente. Às amigas que não faziam parte da turma, mas
colaboraram, cada uma de uma forma particular e especial: Cândida, Sheila,
Geruza e Raphaela.
A toda minha rede de amigos que me deu força e apoio: Érika que ajudou muito
com sua disponibilidade para diversas leituras e considerações; Flavinha, Solange,
Pablo e Adriana, que me deram ânimo e motivação; Priscila que sempre esteve ao
meu lado, mesmo na distância.
À minha família que se mostrou compreensiva e paciente em momentos de minha
ausência, em especial: à minha doce e adorável Mãe, que sempre me apoiou e me
deu forças; ao meu Pai em seu devir-brandura; à Nathália, minha enteada, pelo
carinho; à minha sogra, D. Áurea, pela paciência; ao meu indescritível marido,
Luciano, que soube tolerar bem de perto, com exemplar maestria, tantos momentos
nem sempre de alegrias, mas também de angústia e irritação.
Paciência
Composição: Lenine e Dudu Falcão
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não pára
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida é tão rara
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência
Será que é o tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára (a vida não pára não)
Será que é tempo que me falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não pára (a vida não pára não...a vida não pára)
RESUMO
Resgata as transformações nas relações de trabalho na atualidade, provenientes em
grande parte do processo de reestruturação produtiva, e que assolam os
trabalhadores, precarizam o trabalho e fomentam o desemprego. Destaca o sistema
bancário nacional, que sofre mudanças como a segmentação da clientela, a
diversificação de produtos destinados à venda e a incorporação de novas
tecnologias, colaborando para a intensificação do processo de trabalho,
flexibilização da jornada e acentuada redução salarial, dentre outros agravos, e
exige um trabalhador mais qualificado, polivalente. Objetiva analisar a relação entre
a organização do trabalho bancário e a saúde desses trabalhadores, mais
especificamente dos gerentes de relacionamento e atendimento de um determinado
banco estatal no Estado do Espírito Santo. Foca os trabalhadores gerentes por
conta da inquietação em frente à extensa jornada de trabalho, ao excesso de tarefas
a desempenhar com gestão, atendimento a clientes e atingimento de metas, à
responsabilização pelas operações e, ainda, ao caráter de mobilidade/instabilidade
que vivenciam por ocupar uma função de confiança. Trata-se de uma pesquisa de
campo, qualitativa e de cunho exploratório. Conhece a atividade de trabalho dos
gerentes de relacionamento e atendimento, por meio de entrevistas semi-
estruturadas com cinco trabalhadores e retorna a cada um destes mais de uma vez,
conforme a necessidade de esclarecimentos. As questões norteadoras buscam
abranger temas como: o que é ser gerente; a relação entre o trabalho prescrito e o
trabalho real; o fazer do trabalho e a vida de maneira geral, buscando uma
articulação entre a atividade do gerente e a sua saúde, ou seja, sua capacidade de
ultrapassar o normal momentâneo e estabelecer novas normas. A discussão e
análise dos dados produzidos dão-se a partir das contribuições do Campo da Saúde
do Trabalhador, considerando a concepção de saúde proposta por Canguilhem, e os
conceitos da abordagem ergológica, entendendo que toda situação de trabalho é
singular e precisa conhecer o curso da experiência dos trabalhadores. Ressalta, a
partir desses atores, que ser gerente remete a uma intensa mobilização e a um total
engajamento diante da principal prescrição imposta: cumprir as metas. Para tanto,
os gerentes são controlados e sentem-se ameaçados, o que gera medo e
obstaculiza a expressão do sofrimento e das renormatizações. Por outro lado,
também resistem à dominação e buscam sentido num cotidiano que carece de
enfrentamentos, negociações e constantes (re)invenções.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Organização do trabalho. Saúde. Gerentes
bancários.
ABSTRACT
It rescues the transformations in the present work relationships, most of them came
from productive restructuring process, sinking their workers, putting the work as if it
was weak and promote the unemployment. It emphasizes the national bank system
that suffers with changes such as client segmentation, diversification of products
which were made specially to be sold and incorporation of new technologies. This
contributes to intensify the work process, to make work-time more flexible and a
considerable salary reduction, among other problems, it also demands a more
qualified, polyvalent worker. Thus, this study has as a main goal to make an analysis
between the bank work organization and their workers health, mainly talking about
the relationship of managers with their front desk workers in a specific estate bank in
Espírito Santo. It focus on the manager workers because of their behavior in front of
the too long hours of work; the excessive number of tasks to be developed like the
customer service and the achievement of goals; the responsibility for the operations
and also in the mobility/instability of the personality of each person, that are
experienced by the fact of staying in trustable function. It is related to a field,
qualitative and exploratory research. It knows the manager’s worker related to their
front desk people, by semi-structured interviews with five workers and returns to talk
with one of them considering the necessity of further clarification. The main questions
intend to cover topics here are: what is it like to be a manager; the relation among the
written and real work, how to work and the life in a general manner, looking for an
articulation between the manager’s activities and his or her health, i.e., his or her
abilities to overcome the moment situation and to set new rules. The discussion and
analysis of the collected data are given by the contributions of the Worker’s Health
Field, considering the meaning of health purposed by Canguilhem’s and the concepts
of the ergologic approach, understanding that each work situation is unique and that
is necessary to know the workers experiences’. It emphasizes, from these actors,
that to be a manager has to take into consideration the intensive mobilization and the
completely engagement in front of the main imposed assignment: to achieve the
goals. By this reason, managers are controlled and feel themselves threatened,
resulting in fear and obstacles to express the sufferings and restandardization. On
the other hand, managers also resist to the domination as well as they search for a
sense in an everyday routine with many lacks confrontations, negotiations and
constant (re)inventions.
Key-words: Worker’s health. Work organization. Health. Bank managers.
LISTA DE SIGLAS
AIS – Ações Integradas de Saúde
CCQ – Círculo de Controle de Qualidade
CNST – Conferência Nacional em Saúde do Trabalhador
CRST – Centro de Referência em Saúde dos Trabalhadores
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos
EUA – Estados Unidos da América
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
LER – Lesão por Esforço Repetitivo
MOI – Movimento Operário Italiano
NR17 – Norma Regulamentadora de Ergonomia
PQC – Programa de Qualidade Total
PRC – Plano de Racionalização e Competitividade
PST – Programa de Saúde do Trabalhador
SEEB – Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários
SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
TB – Técnico Bancário
TST – Tribunal Superior do Trabalho
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 11
1 SAÚDE: DO DIREITO À (CRI)AÇÃO............................................................................................... 20
1.1 SAÚDE: UMA QUESTÃO DE DIREITO...................................................................................... 20
1.2 SAÚDE: UMA QUESTÃO DE (CRI)AÇÃO.................................................................................. 27
2 O TRABALHO................................................................................................................................... 34
2.1 ALGUMAS DIMENSÕES HISTÓRICAS E SOCIAIS .................................................................. 34
2.1.1 Os padrões taylorista/fordista de produção........................................................................ 37
2.2 O TRABALHO ATUAL: A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA .................................................. 38
2.3 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O TRABALHO BANCÁRIO NO BRASIL .................... 44
2.3.1 Os modos de ser e de trabalhar do bancário a partir da reestruturação produtiva ........ 47
3 O TRABALHO DOS GERENTES BANCÁRIOS.............................................................................. 53
3.1 SOBRE A GERÊNCIA................................................................................................................. 53
3.1.1 A prática social e a gerência................................................................................................. 54
3.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOS GERENTES DE RELACIONAMENTO E
ATENDIMENTO............................................................................................................................. 57
3.2.1 O trabalho prescrito dos gerentes de relacionamento a atendimento............................. 59
3.2.2 As contribuições da abordagem ergológica: o trabalho como atividade e uso de si..... 62
4 A REALIZAÇÃO DA PESQUISA ..................................................................................................... 67
4.1 O ESTUDO.................................................................................................................................. 67
4.2 O CENÁRIO................................................................................................................................. 67
4.2.1 A instituição pesquisada........................................................................................................ 68
4.3 OS ATORES................................................................................................................................ 69
4.4 FALANDO DO TRABALHO DE CAMPO..................................................................................... 69
5 CONHECENDO O TRABALHO DOS GERENTES.......................................................................... 72
5.1 UMA BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE A LINGUAGEM ......................................................... 72
5.2 AS DIVERSAS AGÊNCIAS......................................................................................................... 73
5.3 MAS... O QUE É SER GERENTE?............................................................................................. 75
5.4 DO PRESCRITO AO REAL......................................................................................................... 79
5.5 O TRABALHO DE GERENTE NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA......... 83
5.5.1 Sob os ditames do tempo...................................................................................................... 86
5.6 SER COBRADO E VIGIADO....................................................................................................... 88
5.7 ENTRE A DISCIPLINA E O MEDO: O SOFRIMENTO............................................................... 90
5.8 ALGUMAS “SAÍDAS”?................................................................................................................. 94
5.9 E COMO PRODUZIR SAÚDE?................................................................................................... 97
6 CONSIDERAÇÕES......................................................................................................................... 100
7 REFERÊNCIAS............................................................................................................................... 102
ANEXOS.......................................................................................................................................... 110
ANEXO A – AUTORIZAÇÃO DA INSTIUIÇÃO PESQUISADA ...................................................... 111
ANEXO B – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA....................................................................... 112
APÊNDICE – TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO ....................................................... 113
11
INTRODUÇÃO
“Nós vos pedimos com insistência:
Não digam nunca: ‘Isso é natural!’
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época que reina a confusão,
Em que corre sangue,
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade
Se desumaniza,
Não digam nunca: ‘Isso é natural!’
Para que nada passe a ser imutável!”
Bertold Brecht
As transformações do modelo econômico decorrentes da reestruturação produtiva,
da integração mundial dos mercados financeiros, da internacionalização das
economias, da desregulamentação e abertura dos mercados, em suas causas e
conseqüências político-sociais, vêm atingindo, de forma acelerada e diferenciada,
sobretudo nas últimas décadas, amplos setores da população trabalhadora
(MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1999).
Essas transformações acabam gerando a precarização do trabalho e dos
trabalhadores, fomentando o desemprego, a instabilidade, objetivando a redução
dos custos e criando condições para variar modos de produção e produtos com a
intenção de acompanhar o mercado.
De maneira geral, é perceptível o foco da reestruturação produtiva em âmbito
internacional e, como reestruturação interna, no âmbito das empresas, por meio de
modelos que visam a garantir a maior competitividade possível. No entanto, ambas
estão imbricadas, uma vez que a reestruturação interna é interpelada e moldada
pelas imagens do “âmbito global” (SELIGMANN-SILVA, 2001).
Globalização, Mercado, Modernidade, simplesmente Sistema... são assim
identificados os prováveis responsáveis por tamanha inflexibilidade de tais
processos econômicos que atingem a vida humana, dificultando, muitas vezes, a
criação de estratégias de enfrentamento, já que não se expressam, em sua maioria,
por meio de nomes que detêm o poder, seja na gestão política, seja nas grandes
empresas e instituições.
12
As forças modeladoras do caráter transnacional são em boa parte
anônimas e, portanto, difíceis de identificar. Não formam um sistema ou
ordem unificados. São um aglomerado de sistemas manipulados por atores
em grande parte ‘invisíveis’ [...].
[...] ninguém parece estar no controle agora (BAUMAN, 1999, pp. 65 e 66).
Conforme Seligmann-Silva (2001), diversos também são os impactos das
reestruturações produtivas sobre a saúde dos trabalhadores, tanto dos que perdem
seus empregos quanto dos que sofrem para mantê-los. A introdução de novas
estratégias de gestão e das inovações tecnológicas, apesar de trazerem grandes
avanços operacionais, imprimem tensão constante, irritabilidade devido à carga
excessiva de trabalho, dificuldade de estabelecer vínculos por causa do
esgotamento profissional, cronificação e agravamento de doenças, além de prejuízo
para a criatividade.
1
Se focarmos os aspectos atuais gerados pela reestruturação produtiva na
organização do trabalho e, paralelamente, focarmos a saúde dos trabalhadores
bancários, veremos que o sistema bancário nacional se destaca dentre os setores
que mais sofreram drásticas conseqüências nessas duas últimas décadas.
Os bancos são a ponta de lança desse processo, uma vez que detêm e processam a
informação, variável determinante para que decisões sejam tomadas em tempos
cada vez menores. Para tanto, aos trabalhadores bancários não só é fundamental o
acesso à informação, como também a capacidade de interpretá-la, a fim de
identificar as melhores possibilidades de investimento para seus clientes (DIEESE,
1997).
2
Outra variável importante, nesse processo de globalização que atinge diretamente o
sistema financeiro, é a tecnologia, que, além de garantir a agilidade na tomada de
decisões, permite a multiplicação dos produtos oferecidos aos clientes e a
racionalização do processo de trabalho.
Além dessas variáveis em consideração, a institucionalização da figura do banco
múltiplo, no fim da década de 80 do século passado, impulsionou os bancos
brasileiros a se reajustarem, ampliando o campo de atuação para atender às
1
O termo criatividade, neste trabalho, será entendido não como capacidade de produzir solução para
os problemas, mas como invenção deles (KASTRUP, 1999).
2
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
13
múltiplas demandas dos clientes, acarretando o redimensionamento das atividades,
a intensificação do processo de terceirização e a diminuição contínua dos postos de
trabalho.
3
Dentre as mudanças internas que ocorreram nos bancos, destacam-se a
segmentação da clientela, a diversificação de produtos e a incorporação de novas
tecnologias, com ênfase no auto-atendimento e em modificações nas formas de
gestão da força de trabalho.
As mudanças na organização do trabalho bancário: intensificação do processo de
trabalho, flexibilização da jornada, acentuada redução salarial, bem como as
agravantes relações e exigências na execução das tarefas têm alterado o que se
exige como perfil desses trabalhadores e requerido deles maior qualificação, maior
poder de decisão, polivalência e iniciativa, evidenciando-se num cenário
extremamente doloroso/desconfortável para a categoria (DIEESE, 1997).
Diante das marcantes e rápidas transformações que vem sofrendo essa classe de
trabalhadores, faz-se jus que seja realizada uma análise das relações que a
organização do trabalho bancário engendra na saúde desse coletivo de
trabalhadores.
Para subsidiar e ampliar estudos que relacionam saúde e trabalho, com o foco na
organização do trabalho, a abordagem da Saúde Coletiva e da Medicina Social
Latino-Americana incorporaram o conceito “processo de trabalho”, extraído da
economia política na sua acepção marxista (MINAYO-GOMES; LACAZ, 2005). Esse
conceito passou a ser definidor do que é denominado campo de estudos da Saúde
do Trabalhador, devido a seu poder explicativo da gênese dos agravos à saúde em
segmentos específicos de trabalhadores.
A Saúde Coletiva, como traz Laurell (1989), integra uma corrente que se propôs ao
estudo do processo saúde/doença a partir do questionamento sobre os limites da
Medicina para explicar a produção social desse processo em uma coletividade e
3
Estudos do DIEESE (1997) no SEEB do Rio de Janeiro revelam que o número de funcionários
diminuiu de 812 mil em 1989 para 497 mil em 1996.
14
mesmo sua incapacidade de transformar sensivelmente as condições de saúde da
população.
4
No âmbito da Saúde Coletiva, afirma-se o campo da Saúde do Trabalhador, que
considera o trabalho como organizador da vida social, como espaço de dominação e
submissão do trabalhador pelo capital, mas, igualmente, de resistência, de
constituição e do fazer histórico, atrelando aos próprios trabalhadores a capacidade
de pensar e se pensarem e, principalmente, de agir no conjunto das representações
da sociedade (MENDES; DIAS, 1991). Conforme Brito (2005), o Campo da Saúde
do Trabalhador representa um avanço em comparação com diferentes abordagens
contemporâneas sobre a relação trabalho-saúde, em cuja constituição o Brasil teve
papel decisivo. Originou-se da luta dos trabalhadores pelo direito à saúde, no bojo
da Reforma Sanitária Brasileira e com inspiração no Movimento Operário Italiano,
visando a estudar as relações entre trabalho e saúde e nelas intervir, mas
incorporando a experiência/subjetividade dos trabalhadores nas pesquisas e ações,
apontando, assim, uma noção de saúde entendida como conquista, luta contínua e
espaço de criação, em meio às forças políticas (CANGUILHEM, 2000).
Mas, por que o interesse em estudar os bancários no âmbito da Saúde dos
Trabalhadores? O que move esse intuito-ação?
O contato com o campo da Saúde dos Trabalhadores se deu no Curso de
Psicologia, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e me entrelaçou por
premissas não bem explicitadas, como ressaltam Minayo-Gomes e Thedim-Costa
(1997, p. 24): “[...] a princípio é uma meta, um horizonte, uma vontade que entrelaça
trabalhadores, profissionais de serviços, técnicos, e pesquisadores sob premissas
nem sempre explicitadas”. Esse contato inquieta o corpo de maneira inusitada diante
de determinadas situações de trabalho. Assim, nos últimos anos (2001 e 2002) da
graduação, foi proporcionado o contato com o Centro de Referência em Saúde do
Trabalhador do Espírito Santo e a participação no projeto de extensão: “Inventando
o Cotidiano Escolar: uma Experiência de Singularização”, que objetivou intervir nos
processos de adoecimento/saúde dos professores de uma escola pública do
município de Vitória-ES. Além disso, foi realizado um trabalho-intervenção no Corpo
4
Nesse sentido, diferencia-se do campo da Saúde Pública - que afirma que os discursos biológicos
detêm o monopólio do campo da saúde - e rompe com ele (BIRMAN, 2005).
15
de Bombeiros Militar do ES, pela disciplina de Análise Institucional, propondo-se
analisar as questões saúde/trabalho que enredam os bombeiros. Nesse trabalho, foi
sugerido pensar, juntamente com esses trabalhadores, em formas alternativas mais
saudáveis que contribuíssem com o funcionamento das práticas desenvolvidas por
eles.
Além dessas experiências e estudos (que se confirmaram na Especialização
Transdisciplinaridade e Clínica), ser docente num curso técnico em Segurança do
Trabalho levou-me, junto com os alunos, a pensar e a analisar o processo de
trabalho de diferentes trabalhadores, expressando um desejo e desafio de luta por
ambientes e relações de trabalho mais dignos, que possibilitem maior autonomia e
participação desses atores.
Essa trajetória despertou-me o interesse em fazer parte de um programa de pós-
graduação que possibilitasse estudos na área de Saúde do Trabalhador. Sendo
assim, uma vez que me integro no Programa de Pós-Graduação em Atenção à
Saúde Coletiva da UFES, com esse propósito de estudo, fui contactada para ser
empregada em um banco público, por meio de um concurso realizado já há quatro
anos, no ano de 2000... e decido aceitar o desafio. A partir de então, deparo-me com
um palco de situações de trabalho a que estão/estamos expostos os bancários.
Essas situações logo me inquietaram, chamaram a minha atenção e atraíram meu
olhar já imbuído pela área da saúde do trabalhador... e vislumbrei uma possibilidade
de pesquisa dessas nuances.
Da necessidade de focar a pesquisa num conjunto de trabalhadores, numa equipe,
num grupo ou num cargo ou função específica, vem à tona o impulso em estudar
aqueles que estivessem numa posição hierárquica mais “desprivilegiada”,
correlacionando, “inocentemente”, a posição desempenhada com o grau maior ou
menor de sofrimento para desempenhá-la. À primeira vista, parecia, para mim, e
acredito que ainda parece para uma considerável parcela de pessoas, que sofrem
mais com o trabalho aqueles que estão na base da pirâmide das hierarquias que
formam as relações produtivas. No entanto, ao verbalizar sobre essas intenções
acadêmicas e pessoais com uma querida amiga-ex-professora, fomos percebendo
que o grupo que mais me intrigava no fazer da sua atividade era o grupo dos
16
gerentes de relacionamento e atendimento
5
e que, na verdade, eu estava incapaz
de reconhecer.
Assim sendo, dei-me conta do que me inquietava no trabalho desses gerentes: a
falta de horário estipulado para início e fim da jornada diária, acarretando em até 12
horas ou mais de trabalho; a responsabilidade das ações, tanto das exercidas por
eles quanto daquelas realizadas por toda a equipe que coordena; o excesso de
tarefas a desempenhar, incluindo não só as que dependem da presença do cliente,
como também aquelas que permanecem mesmo após o encerramento do
atendimento ao público; como ainda a gestão dos funcionários que estão sob sua
subordinação, pois os atende em suas demandas de informação e gerência de
relacionamentos interpessoais consigo, com os clientes e com a própria equipe; a
instabilidade de permanecer na função e até mesmo na região onde está localizada
a agência, uma vez que se trata de um cargo em comissão, caracterizando uma
função de confiança que, na verdade, representa um acréscimo no salário e não
uma incorporação
6
a este, o que facilita a mobilidade.
Ademais, são os gerentes de relacionamento e atendimento os mais cobrados em
termos de metas a alcançar; são como o final de uma escada que deve “dar jeito” de
cumprir o que se pede.
Alguns gerentes, como os de atendimento, por exemplo, são ainda responsáveis
pela gestão de trabalhadores terceirizados, como estagiários, vigilantes e pessoal de
serviços gerais.
Além dessa explanação, que não pretende se esgotar por aqui, cabe também
explicitar a minha implicação com esse trabalho. Para a Análise Institucional –
abordagem que desenvolve um conjunto de conceitos e instrumentos para a análise
e intervenção nas instituições
7
– implicação é justamente a análise dos vínculos
5
É importante esclarecer que, quando me refiro a gerentes de instituição bancária neste trabalho, não
estou me referindo aos gerentes gerais das agências, que vivenciam outros aspectos do trabalho
bancário, mas sim aos próprios gerentes de relacionamento e atendimento das agências.
6
A não ser que se trate de mais de dez anos na fuão, conforme entendimento do Tribunal Superior
do Trabalho (TST), Súmula nº 372, 1996.
7
Instituição aqui não deve ser confundida com a organização como estabelecimento em que se
trabalha (termo já utilizado nesta dissertação com esse fim), mas, neste caso, no sentido que lhe dá a
Análise Institucional, refere-se a certas formas de relações sociais, tomadas como gerais, que se
instrumentam nas organizações e nas técnicas, sendo nelas produzidas, (re)produzidas,
transformadas e/ou subvertidas (RODRIGUES; SOUZA, 1991).
17
(afetivos, profissionais e políticos) com as instituições em questão naquela
intervenção, em tal ou qual organização e, de forma mais generalizada, a análise
desses mesmos vínculos com todo o sistema institucional. Remete-se às
identificações, vínculos e rivalidades (RODRIGUES; SOUZA, 1991).
Queria entender “como pode uma psicóloga trabalhando no banco?”, queria
conhecer mais esse trabalho, pelos motivos de conhecimento e inquietações que já
apresentei, mas, também, por vontade de compreender melhor o ambiente onde eu
estava trabalhando, as relações complexas que ali se estabelecem. Durante o
exame de qualificação, foi constatado que essas implicações transpareceram num
primeiro enfoque da pesquisa – no qual eu estaria privilegiando as questões do
trabalho e valorizando menos as questões que se relacionavam com a saúde – as
quais puderam ser discutidas e analisadas com a banca examinadora.
Então, com a autorização (ANEXO A) da Superintendência da instituição para
executar esta pesquisa, deu-se início a ela.
A princípio, foi vislumbrado o trabalho em grupo, entendendo que este é ou pode ser
um dispositivo,
8
capaz de produzir focos mutantes de criação (BENEVIDES
BARROS, 1994). No entanto, devido à dificuldade de reunir esse grupo de
trabalhadores com aspectos singulares que a função exige, em virtude de serem
raras as oportunidades em que se encontram (uma, talvez duas vezes ao ano),
foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, de cunho exploratório, com cinco
trabalhadores. Quero esclarecer aqui que não foi meu interesse buscar um grande
número de sujeitos, mas, sim, detalhar, dar vez, vazão a assuntos, sentimentos e
problemáticas nem sempre explorados e expressados por esse grupo da categoria
dos bancários. Além disso, distingui os sujeitos que participaram da pesquisa como
porta-vozes
9
das questões do todo por que passa o setor da categoria de
trabalhadores em estudo no momento da pesquisa. Para isso, foi planejado que se
realizassem mais encontros com cada trabalhador, retornando a eles cada vez que
se considerava que ainda havia algo que poderia ser dito ou mais explorado, pelo
menos naquele momento, uma vez que sempre temos o que dizer sobre nosso
8
A noção de dispositivo aponta algo que faz funcionar, que aciona um processo de decomposição,
que produz novos acontecimentos (BENEVIDES BARROS, 1994, p. 151).
9
O porta-voz, para a Análise Institucional, pode desempenhar seu papel porque nele se dá uma
articulação entre sua fantasia inconsciente e o acontecer do grupo em que se insere (KAMKHAGI,
1982).
18
trabalho e suas relações com a vida e a saúde e que não seria possível, nem foi
nosso objetivo, exaurir essas questões.
Daí norteei, como objetivo deste trabalho, já justificado em âmbitos acadêmicos e
pessoais, analisar a organização do trabalho dos gerentes de relacionamento e
atendimento em um banco estatal no Estado do Espírito Santo, relacionando-a com
a saúde desses trabalhadores. Conseqüentemente, propus-me a evidenciar as
minúcias do trabalho real
10
desses gerentes e sugerir/indicar propostas de
intervenção que tratem da questão saúde/trabalho, uma vez que é propósito que
esta pesquisa seja ferramenta para uma possível intervenção.
Para tanto, além de fazer parte de um estudo no Campo da Saúde do Trabalhador,
que pertence ao âmbito da Saúde Coletiva, busquei respaldo teórico no conceito de
saúde de Georges Canguilhem (2000), que entende a saúde como a possibilidade
de ultrapassar a norma que define o normal momentâneo, a possibilidade de tolerar
as infrações do meio à norma habitual e de instituir novas normas em situações
novas, ou seja, o autor entende o humano como ser capaz de viver num meio em
uma atividade de oposição à indiferença, capaz de produzir novas normas em seu
meio, capaz de (cri)ação; e nos estudos da abordagem da Ergologia – abordagem
inspirada em diversas influências, como a Ergonomia de linhagem francesa; o
Movimento Operário Italiano (MOI) e a própria obra de Canguilhem. Da abordagem
ergológica, podemos fazer uso do conceito de atividade de trabalho, sempre
remetendo à demanda por renormatização e inventividade e ao caráter não
totalmente padronizável da vida e do trabalho (BRITO; ATHAYDE, 2003).
Assim, este trabalho foi delimitado em capítulos da seguinte forma: o primeiro
capítulo foi estruturado de forma a discorrer sobre a saúde no Brasil, sua história de
lutas e conquistas como uma questão de direito e num caminho que ainda
percorremos em direção à (cria)ação.
O segundo capítulo apresenta os conceitos teóricos que balizam esta pesquisa
acerca do trabalho, algumas questões históricas, econômicas, ideológicas e sociais;
bem como ilustra o processo da reestruturação produtiva, que tomou corpo no Brasil
10
O trabalho real é o trabalho efetivamente realizado.
19
depois da década de 1990, e as repercussões que gerou no trabalho bancário e nos
modos de ser e de trabalhar do trabalhador bancário.
O terceiro capítulo, por sua vez, dedica-se, de maneira breve, aos estudos sobre a
gerência, a fim de focar, especificamente, a organização do trabalho dos gerentes
de relacionamento e atendimento da instituição bancária pesquisada, vinculando-a
ao trabalho prescrito dessa função e à relação com um trabalho entendido como
atividade e uso de si (contribuições da abordagem ergológica que serão discutidas
adiante).
No quarto capítulo, descrevo a trajetória metodológica percorrida para realizar meu
objetivo e caracterizo a instituição pesquisada.
No quinto, proponho-me a analisar as questões que se relacionam entre a saúde e o
trabalho desse setor da categoria dos bancários. Discuto temas como “o que é ser
gerente”; o trabalho prescrito e o trabalho real; o trabalho de gerente no contexto da
reestruturação produtiva; ser cobrado e vigiado; sofrimento; algumas saídas e como
produzir saúde.
Finalmente, no sexto capítulo, dedico-me às considerações que podem ser traçadas
após esta pesquisa e as sugestões que podem ser levantadas.
20
1 SAÚDE: DO DIREITO À (CRI)AÇÃO
1.1 SAÚDE: UMA QUESTÃO DE DIREITO
Diversos autores-pesquisadores debruçam-se no intuito de compreender-transformar
o processo de trabalho em suas relações com a saúde dos trabalhadores e, assim,
produzem materiais teórico-metodológicos que auxiliam as demais práticas nesse
incansável caminho de compreensão-intervenção. Sendo assim, buscamos também,
nesta pesquisa, a contribuição daqueles que suscitaram debates e conquistas, a fim
de sustentarem nossas discussões acerca do conceito/transformações da saúde no
Brasil e sua relação com a vida dos trabalhadores, não sendo nosso objetivo aqui
delinear com detalhes a teoria que constitui esses campos, mas sim buscar pontos
de apoio para nossa análise.
Durante a segunda metade da década de 70 do século passado, no Brasil, tomou
corpo um movimento pela democratização da saúde que possibilitou a formulação
do projeto da Reforma Sanitária Brasileira. Esse projeto objetivava mudanças nas
políticas de saúde e foi sustentado por uma produção teórico-crítica de base
conceitual. Assim, Paim (1997) nos traz que diversos estudos e artigos publicados
atestam a vitalidade desse movimento e contemplam, com distintas ênfases, os
aspectos político-ideológicos, organizativos e técnico-operacionais da Reforma
Sanitária. Mesmo que o debate desenvolvido não tenha chegado a configurar um
novo paradigma,
11
teve a importância de questionar a concepção de saúde restrita à
dimensão biológica e individual do modelo médico-assistencial privatista, além de
apontar diversas relações entre a organização dos serviços de saúde e a estrutura
social.
A década de 80 do século XX, por sua vez, constituiu um marco no
desencadeamento dessas transformações ideológicas e estruturais. Os primeiros
anos foram caracterizados pela eclosão da crise da Previdência Social que se
refletiu em três principais vertentes: ideológica, financeira e político-institucional
11
Utilizado na análise do desenvolvimento científico, paradigma trazia a idéia de um conjunto de
pressupostos, conceitos e valores aceitos e compartilhados por uma comunidade científica em uma
determinada disciplina. Nas palavras do referido autor, paradigmas seriam “[...] as realizações
científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, apud PAIM, 1997, p. 11).
21
(MENDES, 2001). Em 1983, foram implantadas as Ações Integradas de Saúde
(AIS), projeto formalizado por portaria conjunta entre os Ministérios da Saúde, da
Previdência Social e da Educação e Cultura e que objetivou a reorganização
institucional da assistência à saúde, a fim de evitar ações paralelas entre as
instituições sanitárias. Com o término do regime militar e o surgimento da Nova
República em 1985, o movimento social se intensificou e foi possível uma discussão
maior sobre os rumos que deveria tomar o sistema de saúde que se encontrava em
estado caótico, ineficiente, autoritário e descomprometido com a saúde da
população (RODRIGUES NETO, 1994). Em 1986, ocorreu o evento político-sanitário
mais importante da década, a VIII Conferência Nacional de Saúde, para a qual
confluiu todo o movimento de mudanças e mobilizações populares que vinha sendo
desenhado desde o início dos anos 70.
A VIII Conferência Nacional de Saúde apresentou particularidades em relação às
demais conferências, por duas características principais: o caráter democrático
(presença de dirigentes institucionais, técnicos, estudiosos, políticos e lideranças
sindicais e da população) e a dinâmica processual, uma vez que teve início por meio
de conferências municipais, depois estaduais até chegar ao âmbito nacional.
Os processos que se iniciaram após a VIII Conferência Nacional de Saúde,
desenvolvidos pela Comissão Nacional da Reforma Sanitária, a partir de 1987,
caracterizaram-se por ações desenvolvidas no Executivo: com a implantação do
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que avançou no sentido da
estadualização da saúde e da municipalização dos serviços, considerado por
técnicos sanitaristas como estratégia intermediária ao Sistema Único de Saúde; e,
no Congresso Nacional: com a elaboração da nova Constituição Federal.
Na Carta Constitucional de 1988, consagrada como marco e expressão de uma
tendência de reconhecimento da atenção à saúde como um direito social, emerge a
sistematização do modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), consolidado e
formalizado como um conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por
instituições públicas federais, estaduais e municipais ou por instituições privadas
contratadas (BRASIL, 1988). Seu objetivo é organizar um sistema público de saúde
de forma descentralizada, regionalizada e hierarquizada, segundo níveis de
22
complexidade tecnológica, visando a garantir o acesso integral da população a todos
os níveis
12
de atenção médico-hospitalar (BARROS et al., 1996).
Dessa forma, a Constituição buscou, explicitamente, assegurar o acesso universal e
igualitário – sem restrições e discriminações derivadas de posições diferenciadas na
heterogênea e complexa estrutura social brasileira – às ações (políticas e
programas) e a serviços de promoção, proteção e prevenção da saúde.
Até a Constituição de 1988, a saúde não era, então, direito de todos, mas um
benefício previdenciário restrito aos contribuintes (a quem tivesse carteira assinada e
pagasse à Previdência Social) ou um bem de serviço comprado na forma de
assistência médica. A parte da população que não pudesse pagar pelos serviços de
saúde ou que não tivesse vínculo com o Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS) era chamada de indigente ou carente e só podia contar com uma ação de
misericórdia prestada por hospitais filantrópicos, como as Santas Casas. Daí por que
a definição constitucional, para que fosse viabilizada de fato, envolvia a definição e
implantação de uma estrutura de atenção que abrangesse a todos os brasileiros e
operasse dentro dos princípios da máxima eqüidade,
13
alterando,
conseqüentemente, as principais características do perfil de política de atenção à
saúde, forjado durante a situação autoritária que vigorou no Brasil por três décadas
e prevaleceu até meados dos anos 80.
A partir de 1988, passou a ser responsabilidade do Estado assegurar os meios para
que as pessoas tenham acesso aos bens e serviços que lhes garantam a saúde. A
“[...] saúde como direito de todos e dever do Estado” (BRASIL, 1988, art. 196) é um
princípio básico da Reforma Sanitária que deve ser cumprido com a implantação do
SUS e, quando se fala em SUS, deve-se ter a clara idéia de que se trata,
efetivamente, de um sistema, isto é, de que é formado por várias instituições dos
12
Os níveis foram sintetizados na prevenção primária (medidas inespecíficas ou de promoção e
específicas ou de proteção), na prevenção secundária (recuperação da saúde) e na prevenção
terciária (reabilitação) (PAIM, 2002).
13 “
[...] igualdade de condições e oportunidades entre todas as unidades político-administrativas da
Federação Brasileira, para a realização dos ‘funcionamentos’ e para o desenvolvimento das
‘capacidades’ necessárias à organização e implementação de respostas eficazes aos principais
problemas que afetam a população em cada local” (LUCCHESE, 2003, p. 442).
23
três governos (União, Estados e Municípios) e pelo setor privado
14
contratado e
conveniado, de forma complementar, como se fosse um mesmo corpo.
Na verdade, a instituição do SUS, ao invés de encerrar a luta por um sistema de
saúde idealmente concebido como tal, abriu um ciclo permanente de construção do
setor. Esse processo, no Brasil, representou grande avanço rumo à organização da
assistência, uma vez que estabeleceu diretrizes e princípios que expressam na
saúde a cidadania conquistada. Conforme Mendes (2001, p. 70), os princípios do
SUS são:
[...] universalidade do acesso, integralidade da assistência, igualdade da
assistência, participação da comunidade (através dos Conselhos de Saúde
e das Conferências de Saúde),
15
descentralização político-administrativa,
regionalização, hierarquização e capacidade de resolução dos serviços em
todos os níveis de atenção.
Assim, considera-se que a Constituição Brasileira esteja entre as mais avançadas do
mundo no campo do direito à saúde que, além do SUS, ainda previu a elaboração e
aprovação das Leis Orgânicas.
Em 1990, foram regulamentadas a Lei nº 8.080 (mais conhecida como Lei Orgânica
da Saúde) e a Lei nº 8.142, que tratam das normas gerais para a organização e
funcionamento do SUS e da participação da comunidade em sua gestão e
transferências intergovernamentais de recursos financeiros para a área,
respectivamente.
Conforme a Lei nº 8.080/90, Capítulo I, é objetivo do SUS a assistência às pessoas
por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a
realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas, incluindo
ainda, em seu campo de atuação, a execução de ações de vigilância sanitária; de
vigilância epidemiológica; de saúde do trabalhador; e de assistência terapêutica
integral.
14
Uma vez contratado pelo SUS, o serviço privado deve atuar como se fosse público, usando as
mesmas normas deste (RODRIGUES NETO, 1994).
15
O controle social no SUS se dá por meio dos Conselhos de Saúde e das Conferências de Saúde
(Nacionais, Estaduais e Municipais) que partem do princípio de que é importante que a sociedade
participe das decisões e proponha ações e programas para a resolução de seus problemas
associados à saúde e, principalmente, controle a qualidade dos serviços públicos, o modo como eles
são implementados e fiscalize a aplicação dos recursos destinados à saúde (SILVEIRA et al., 2005).
24
O movimento pela Reforma Sanitária Brasileira, que culminou na institucionalização
do SUS, colaborou nesse sentido. Pela primeira vez, foram definidas as ações,
programas e competências do sistema quanto à Saúde do Trabalhador que há tanto
estava em voga no País entre profissionais, técnicos e pesquisadores, com destaque
para as discussões no âmbito da VIII Conferência Nacional de Saúde e na
realização da I Conferência Nacional em Saúde do Trabalhador (CNST), no ano de
1986. A CNST foi marcada pela incorporação da atenção à saúde dos trabalhadores
como uma prática de Saúde Pública, na rede básica, pelos Programas de Saúde do
Trabalhador (PST). Mais tarde, já na década de 1990, foi dada a transição dos PST
para os Centros de Referência em Saúde dos Trabalhadores (CRST), que
incorporaram as categorias conceituais de análise do trabalho, atuando por meio de
equipes multiprofissionais e com a participação sindical nos Conselhos Gestores
(LACAZ, 1997; MINAYO-GOMES; LACAZ, 2005).
No ano de 1994, deu-se a II CNST, que afirmou a necessidade da unificação de
órgãos com vistas a uma efetiva política de caráter intersetorial, com participação
social. Já em 2005, a III CNST foi convocada e realizada por ato conjunto dos
ministros da Saúde, do Trabalho e Emprego e da Previdência Social, o que
representou um começo na busca da superação das resistências que vêm travando
o processo de unificação das ações de Estado em Saúde do Trabalhador (MINAYO-
GOMES; LACAZ, 2005). Lamentavelmente, até o momento, dezembro de 2006,
ainda não foi publicado o relatório final dessa conferência.
Nessa linha de menções e análises, Mendes e Dias (1999, p. 431) afirmam:
O processo de construção do campo da Saúde dos Trabalhadores orienta-
se em torno de um eixo comum: a luta dos trabalhadores por melhores
condições de vida e trabalho, através do reconhecimento de seu saber, o
questionamento das alterações nos processos de trabalho, o exercício do
direito à informação, e do direito de recusa ao trabalho perigoso e
insalubre, buscando a humanização do trabalho.
Sendo assim, vale ressaltar que a continuação desse processo de implementação
do SUS favorece e estimula o debate acerca das questões sobre a saúde e ainda
amplia seu conceito ao inserir outros elementos de influência:
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e
serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
25
organização social e econômica do País. (BRASIL, 1990, art. 3º, grifo
nosso).
A ampliação do conceito de saúde no Brasil leva-nos, agora, a relacioná-la, com
maior proximidade, com o campo do trabalho e da sua organização. Conforme
Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997), a configuração do Campo da Saúde do
Trabalhador pôde ser observada melhor acompanhando o processo de
democratização do País e com estudos orientados, predominantemente, para o
trabalho industrial. No entanto, mais recentemente, com as inovações tecnológicas
introduzidas no processo de produção, com as exigências de qualidade e com as
novas formas de gestão e controle da força de trabalho, é que a atenção às
repercussões da organização do trabalho ganhou espaço.
Situando-se no domínio da Saúde Coletiva e com raízes na Medicina Social Latino-
Americana, a Saúde do Trabalhador no Brasil constitui-se num campo que recebe
contribuições de diferentes disciplinas, num caminho dito, por diversos autores,
interdisciplinar e multiprofissional, em que se diferencia da Medicina do Trabalho e
da Saúde Ocupacional (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997). Entretanto,
nessa via de permanente construção, podemos falar da Saúde do Trabalhador como
um campo transdisciplinar,
16
como ressalta Osório (2005), em que o
entrecruzamento de diversas práticas produz um novo enfoque, cujos limites são,
necessariamente, indefinidos e se mantêm abertos para receber outras influências
das disciplinas que o constituíram e de novas disciplinas.
A Medicina do Trabalho e a Saúde Ocupacional, que antecederam e ainda convivem
com o campo da Saúde do Trabalhador, estão associadas no sentido de limitarem-
se a interpretar a intercessão do trabalho no processo saúde-doença apenas numa
dimensão técnica (LACAZ, 1997). Naquelas perspectivas, os riscos existentes no
ambiente de trabalho são mantidos externos ao trabalhador e sua relação com o
corpo é avaliada de forma reducionista, sendo detectada por meio de instrumentos
das ciências físicas e biológicas. A Saúde do Trabalhador, por outro lado, emerge
rompendo
16
A noção de transdisciplinaridade subverte o eixo de sustentação dos campos epistemológicos,
graças ao efeito de desestabilização tanto da dicotomia sujeito/objeto quanto da unidade das
disciplinas e dos especialismos – que autorizam o saber que é melhor para o outro. É transcender a
disciplinaridade, o que não significa negar as disciplinas, nem ser contrário às especializações
(PASSOS; BENEVIDES BARROS, 2000).
26
[...] com a concepção de causalidade que vincula a doença a um agente
específico, ou a um grupo de fatores de risco presentes no ambiente de
trabalho, e busca superar o enfoque da ‘determinação social’ reduzido ao
processo produtivo a partir da discussão da subjetividade no trabalho
(MENDES; DIAS, 1999, p. 431).
A Saúde do Trabalhador se define não como uma disciplina homogênea, mas por
metas e eixos de ação, cujo ponto fundamental é o compromisso com a mudança do
complexo quadro de saúde da população brasileira. Um de seus eixos,
significativamente influenciado pela experiência italiana por meio do Movimento
Operário Italiano (ODDONE, 1986), está na valorização das demandas e dos
conhecimentos (saber/poder) advindos da experiência, fazendo com que a
participação dos trabalhadores seja considerada fecunda e indispensável nas
pesquisas e ações. As investigações são feitas por "[...] etapas sucessivas de
aproximação a um problema ou conjunto de problemas" (MINAYO-GOMEZ;
THEDIM-COSTA, 1997, p. 26), considerando que o ambiente de trabalho comporta
relações complexas e mutantes, não admitindo nunca a conclusão definitiva, a última
palavra.
Além disso, parte da compreensão de que é nos grupos humanos, definidos pela
sua inserção social específica – e não nos indivíduos isolados – que vão se
manifestar, de forma mais clara, os nexos biopsíquicos historicamente determinados,
pois os ambientes são, antes de tudo, uma síntese das formas sociais (LAURELL;
NORIEGA, 1989). A partir daí, a referência central para o estudo dos condicionantes
da saúde-doença é o conceito marxista de processo de trabalho, que permite
ampliar as discussões que estabelecem articulações simplistas de causa-efeito,
considerando a dimensão social e histórica do trabalho e da saúde (MINAYO-
GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).
Por sua vez, a atual crise, decorrente das transformações no mundo do trabalho,
traz novos desafios para esse campo de investigação na realidade brasileira. O
recrudescimento do movimento sindical e da aliança entre este e o movimento
sanitário exige novos enfoques tanto para as práticas do SUS como para a
investigação, como afirmam Porto e Almeida (2002).
Nesse tempo de construção do SUS, muito conhecimento novo e instrumental de
gestão de sistemas e serviços de saúde foi formulado, registrando o compromisso
27
com a construção de um serviço de saúde centrado no usuário, entendendo-o como
sujeito desse processo, com a gestão pensada de forma participativa. O SUS
compreende um processo duradouro de acumulação, de responsabilidade coletiva,
síntese de muitos saberes e da atividade de vários atores atuando em saúde como
agentes técnicos e também políticos. O processo de construção do SUS não foi
pontual e estanque, pois depende de uma série de arranjos políticos e sociais. Sua
consolidação estará sujeita a mudanças organizativas, estruturais e políticas e que
não se darão sem conflitos, o que é comum quando se trata de uma transformação
desse âmbito (MERHY, 2003).
Aspiramos, assim, a afirmar a positividade desse processo de luta pela reforma
sanitária e de institucionalização do SUS, identificando-o como a possibilidade de
atestar que, em meio a essa conjuntura efervescente, de diversificadas contestações
político-sociais que se espalharam pelo País, há um elemento disparador da
transformação radical do conceito de saúde, que, além de atrelá-lo a uma questão
de direito, relaciona-o com diversos outros aspectos da vida que,
concomitantemente, condicionam e determinam a saúde da população – como é o
caso do trabalho no cotidiano de grande parte dos brasileiros – bem como possibilita
o acesso desses cidadãos à atenção à saúde e à participação em sua gestão.
Cabe, diante dos dilemas e desafios enfrentados e a enfrentar, que os atores
implicados com a saúde dos trabalhadores busquem alternativas que viabilizem
preservar os avanços e conquistas e aperfeiçoar o processo, lutando, como nos
instigam Minayo-Gomes e Lacaz (2005), pela união nessa empreitada dos
Ministérios da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social, por uma integração da
produção científica e pela reconquista da força dos movimentos sociais, tão
enfraquecidos neste tempo da reestruturação produtiva. É nesse sentido que
pretendemos dar destaque a esta pesquisa, dando visibilidade às relações que se
fazem pertinentes entre a saúde e o mundo do trabalho e sua organização.
1.2 SAÚDE: UMA QUESTÃO DE (CRI)AÇÃO
Falar de saúde como conceito, nesta pesquisa, faz-se fundamental, uma vez que é a
noção/conceito que adotamos que dá sentido e demarca as análises pertinentes ao
28
trabalho dos gerentes bancários de relacionamento e atendimento, nosso objetivo
central.
Em nossa explanação sobre o que vem a ser saúde, contamos, prioritariamente,
com as contribuições de um filósofo e médico francês chamado Georges
Canguilhem, que nos oferece uma direção que afirmamos e assumimos como
conceito de saúde neste trabalho.
Canguilhem (2000) evidencia o ser humano como um ser ativo, não sendo
indiferente às condições nas quais a vida é possível. Atrai. Escolhe. Toma direção. É
atuante na relação com o meio, sendo capaz de recriá-lo, tornando-o vivível, porque
o meio em si não é fiel: o homem vive num mundo de acidentes possíveis, no qual
nada acontece por acaso, tudo ocorre sob a forma de acontecimentos. “É nisso que
o meio é infiel. Sua infidelidade é exatamente seu devir,
17
sua história”
(CANGUILHEM, 2000, p. 159).
Afirma o autor, principalmente, que tanto a saúde quanto a doença fazem parte da
vida. Ambas são normas de vida, já que não há vida sem normas de vida, porém
ressalta que são normas diferenciadas. A doença é uma norma inferior, repelida pela
vida. Não permite superações, não se recria, não inventa. Tem a ver com
paralisação, ao passo que a saúde é literalmente a capacidade de enfrentar as
infidelidades do meio, inventando novas normas, sendo normativa. E a característica
de ser normativa, como ressalta Caponi (2003), nada tem a ver com normalidade. A
saúde não pode ser associada à normalidade. O normal, a normalidade, define-se
em termos de freqüência estatística, o que se encontra em maior quantidade na
média da população. Ou seja, esse conceito bioestatístico não permite espaço para
sofrimentos individuais. Para Canguilhem (2000), só é possível falar de normal
quando vinculamos o indivíduo a seu meio, quando consideramos como ele
responde às demandas impostas pelo meio: “O ser vivo e o meio, considerados
separadamente, não são normais, porém é sua relação que os torna normais um
para o outro” (CANGUILHEM, 2000, p. 112).
17
Devir [devenir] é o conteúdo do próprio desejo; devir não é uma generalidade; é uma realidade, a
própria consistência do real. Todo devir forma um bloco que se desterritorializa. Não se abandona o
que se é para devir outra coisa, mas uma outra forma de viver e de sentir assombra ou se envolve na
nossa e a “faz fugir” (ZOURABICHVILI, 2004).
29
É o anormal que desperta o interesse teórico pelo normal. As normas só são
reconhecidas como tal nas infrações. A norma, assim, é sempre individual, não é
uma média, mas é uma noção-limite que define o máximo da capacidade de um ser.
Cada indivíduo tem sua própria concepção do que seria normal para si mesmo, que
medida seria suficiente para determinadas condições biológicas.
Por outro lado, a própria norma também muda ao longo do tempo, indicando que
indivíduos com os mesmos órgãos podem ser tomados como normais ou anormais a
depender de sua capacidade de lidar com o novo. Num mesmo indivíduo, esse limiar
pode variar ao longo do tempo. Assim, para Canguilhem (2000), o homem normal é
o homem normativo, o ser capaz de instituir novas normas, mesmo orgânicas, o que
lhe confere a capacidade de inovar, ao passo que uma norma única de vida é
sentida privativamente e não positivamente.
Por esse ângulo, Canguilhem (2000, p. 158) caracteriza a saúde como: “[...] a
possibilidade de ultrapassar a norma que define o normal momentâneo, a
possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir novas normas em
situações novas”.
A partir daí, ser saudável não significa não apresentar enfermidades, mas, sim, em
contato com elas, ser capaz de enfrentá-las e criar outros rumos possíveis para a
vida; tem a ver com as ações determinadas das pessoas em todos os momentos e
circunstâncias do viver. Nesse sentido, adoecer pressupõe-se como um componente
constituinte da própria saúde. A doença está na origem da atenção especulativa que
a vida dedica à vida por intermédio do homem. São as doenças, como novos modos
de vida, que renovam incessantemente o terreno a ser explorado pela fisiologia, ao
mesmo tempo em que dissipam antigos erros e favorecem seus progressos. A luta
do sujeito e a busca por espaços variados e alternativos de expressão nos indicam
um exemplo de luta pela saúde. Podemos ainda radicalizar com a afirmação de
Canguilhem (2000, p. 24): “A saúde significa o luxo de poder cair doente e se
restabelecer”.
30
Nesse aspecto, Canguilhem, contrariando o pensamento dominante da época,
18
afirma que a doença não é considerada uma variação da dimensão da saúde, ela é
uma nova dimensão da vida, é prevista como um estado contra o qual é preciso lutar
para poder continuar a viver, isto é, é prevista como um estado anormal em relação
à persistência da vida que desempenha aqui o papel de ser normativa. A doença é
vinculada à diminuição da capacidade de regulação do ser vivo. A partir daí, o
doente é doente por só poder admitir uma norma e prestar obediência irrestrita a ela.
O doente não é anormal por ausência de norma, e sim por incapacidade de ser
normativo.
Além disso, não há distúrbio patológico em si, o anormal só pode ser apreciado
numa relação. “A fronteira entre o normal e o patológico é imprecisa para diversos
indivíduos considerados simultaneamente, mas é perfeitamente precisa para um
único e mesmo indivíduo considerado sucessivamente” (CANGUILHEM, 2000, p.
150). Como é o caso do exemplo resgatado por Coelho et al. (1999): um indivíduo
com astigmatismo seria normal numa sociedade agrícola e anormal na marinha ou
na aviação, onde o exercício de suas atividades estaria comprometido.
Por outro lado, Canguilhem (2000) ressalta, de modo inovador para sua época (e
quem sabe ainda para os dias atuais), que a interpretação de um sintoma patológico
deve levar em consideração tanto o aspecto negativo quanto o aspecto positivo,
elegendo a doença como, ao mesmo tempo, privação e reformulação. A doença
pode ser um momento favorável para busca de reparações que sinalizem para um
novo momento de vida, para gerar um aprendizado na doença e por meio dela. No
entanto, não se trata de um retorno às normas anteriores, já que a vida não conhece
a reversibilidade, mas reparações que são realmente inovações fisiológicas. Nesse
caso, a gravidade da doença estará relacionada com o quanto é mais fácil ou mais
complicado exercitar essas possibilidades de inovação.
Inovando, o sujeito fortalece seu corpo e sua capacidade de enfrentamento diante
das adversidades do meio. Contudo, Canguilhem (2000) assegura que a forma e as
funções do corpo humano não são apenas expressões das condições impostas à
18
Na época em que Canguilhem defendeu sua tese, 1943, o pensamento dominante era de que os
fenômenos patológicos nos organismos vivos nada mais são que variações quantitativas, para mais
ou para menos, dos fenômenos fisiológicos correspondentes.
31
vida pelo meio, mas expressões dos modos de viver socialmente adotados no meio.
Além disso, reconhece a influência recíproca entre o meio e o sujeito:
O organismo não está jogado num meio ao qual ele tem que se dobrar,
mas, ao contrário, ele estrutura seu meio ao mesmo tempo em que
desenvolve suas capacidades de organismo (CANGUILHEM, 2000, p.258).
Tanto que os meios em que a vida se desenvolve e os modos de vida próprios do
homem nos grupos técnico-econômicos são caracterizados não tanto pelas
atividades que lhe são oferecidas mas, sobretudo, pelas atividades que eles
escolhem. De acordo com Canguilhem, “[...] o meio do ser vivo é também obra do
ser vivo que se furta ou se oferece eletivamente a certas influências” (2000, p.143).
Tais perspectivas do humano como ser capaz de inovar, como também de atuar
sobre o meio ao mesmo tempo em que o estrutura com suas escolhas, enfatizam
sua relação íntima não somente consigo mesmo, mas, principalmente, com o social,
permitindo-nos trazer essa implicação para o mundo do trabalho, no qual o ser é
ativo no meio, sendo, então, produtor desse meio.
Assim, o ser trabalhador é sujeito da constituição e concretização de seu processo
de trabalho, o que já mencionamos como um dos eixos de ação do Campo da
Saúde do Trabalhador. Ademais, em frente a essa interpretação e para reforçá-la,
podemos ainda recorrer ao conceito de “uso-de-si” que Schwartz (2004) nos propõe.
Nesse conceito, os trabalhadores se movimentam e se organizam em uma tentativa
de gestão das infidelidades do meio, o que revela o funcionamento de
compromissos microgestionários. Segundo o autor (2000), falar de um “uso-de-si”
implica, justamente, dizer que é necessário recorrer às suas próprias capacidades, a
seus próprios recursos e às suas próprias escolhas para gerir essa infidelidade, para
fazer alguma coisa.
Logo, cabe às ações e aos atores envolvidos com a Saúde do Trabalhador
considerar e assumir a postura de perceber o sujeito trabalhador como um ser
normativo, capaz de atuar na produção de propostas e intervenções que visem ao
processo de trabalho implicado nas concepções de saúde-doença. Todavia, até que
ponto, hoje, os trabalhadores estão sendo vistos e considerados sujeitos ativos? Até
que ponto têm condições de escolha e criação?
32
Se, como nos contribui também Dejours (1986) com seus estudos, a saúde está
atrelada à forma pela qual o indivíduo interage com os eventos da vida, como está a
saúde dos trabalhadores que estão tendo autonomia limitada para inter-agir em seu
processo de trabalho?
A saúde é, para cada um, ter meios de traçar um caminho pessoal e original, tendo
mais a ver com um objetivo, um estado a se aproximar, e não apenas alcançar e,
uma vez alcançado, mantido (DEJOURS, 1986).
A luta, no âmbito da Saúde do Trabalhador, está também voltada para a modificação
do modo como trabalhadores doentes são censurados: as doenças não devem ser
interpretadas como crimes, atrelando aos interessados sempre alguma forma de
responsabilidade, seja por excesso, seja por omissão. O poder e a tentação de se
tornar doente são uma característica essencial da fisiologia humana. Como traz
Valéry (apud CANGUILHEM, 2000): a possibilidade de abusar da saúde faz parte da
saúde.
Enfim, Canguilhem (2000) ressalta que a saúde não deve ser tratada como uma
ciência no seguinte sentido: não é um conceito científico, mas sim filosófico e vulgar,
no sentido de estar ao alcance de todos, que pode ser enunciada e motivada por
qualquer ser humano vivo; não pertence à ordem dos cálculos, das tabelas
comparativas, cheias de procedimento estatístico; não é exclusiva das investigações
biomédicas e do que se diz especialista da saúde, mas é pertencente a cada um, a
cada sujeito com suas dores e prazeres, como disse também Dejours (1986, p. 8):
“[...] a saúde das pessoas é um assunto ligado às próprias pessoas”.
Nesse sentido, não há uma oposição ao saber que é científico, mas há uma
convocação para que os profissionais da saúde se coloquem como capazes de
auxiliar na tarefa de dar o sentido que para cada um não seja evidente e, assim,
assumir uma postura de tradutor mais do que de único conhecedor. Todos nós
estamos autorizados a dizer sobre saúde e, nesse sentido, autorizamos aos
especialistas que nos auxiliem na tarefa de dar um sentido àquilo que, sozinhos, não
estamos conseguindo decifrar (CANGUILHEM, 2000; CAPONI, 2003).
Além disso, como ressalta Caponi (2003), só podemos falar de saúde quando
possuímos os meios para enfrentar nossas dificuldades e compromissos, e a
33
conquista e ampliação desses meios é uma tarefa individual e, ao mesmo tempo,
coletiva. Quando o homem inventa formas de vida, inventa também modos de ser
fisiológicos. É pela variação das normas sociais e vitais que se produzem variações
nas constantes estatísticas que consideramos constantes funcionais. Nesse caso,
consideramos que compete aos programas de Saúde Coletiva criar estratégias de
prevenção das doenças capazes de minimizar a exposição a riscos desnecessários,
como muitos que ocorrem nos diversos ambientes de trabalho a que estamos
sujeitos e, simultaneamente, gerar políticas de promoção da saúde que permitam
maximizar a capacidade que cada indivíduo possui para tolerar, enfrentar e corrigir
riscos ou traições, que, inevitavelmente, fazem parte da nossa história (CAPONI,
2003).
34
2 O TRABALHO
Trabalho e vida se entretecem, se misturam. Como ilustra Dejours (1993), por meio
das diversas relações do indivíduo com seu trabalho, a saúde está implicada no
mais alto nível.
Falar de trabalho, sobre seus diversos modos e formas de funcionamento em
variados momentos da história, mesmo que não nos dispusemos a traçar em
detalhes suas questões, colabora para sustentar os demais olhares que vamos
buscar com aqueles que pensam e escrevem sobre ele e suas relações com o
homem e, conseqüentemente, com a saúde. Dessa forma, analisar o processo da
reestruturação produtiva é importante para esta dissertação, na medida em que se
relaciona com o trabalho bancário na atualidade, produzindo os modos de ser e de
trabalhar do bancário e, ainda, colabora para empreendermos mais especificamente
sobre a atividade do gerente de relacionamento e atendimento.
2.1 ALGUMAS DIMENSÕES HISTÓRICAS E SOCIAIS
Cada momento histórico traduz suas questões econômicas, sociais e políticas e o
trabalho marca sua função diferenciada com elas conforme cada um desses
momentos. Quando resgatamos uma sociedade, como a da Grécia Antiga, por
exemplo, constatamos que o grego não possuía, em seu vocabulário, um termo que
designasse o trabalho de maneira geral. Hoje, facilmente vinculamos trabalho à
produção, à criação de valor social. O grego, entretanto, não conseguia abarcar num
único termo as multiplicidades de tarefas que desempenhava, como a agricultura
(que se apresentava mais como uma forma de conduta religiosa) e o artesanato (que
permitia aos diversos talentos individuais se exercerem nas atividades que lhe eram
próprias, sendo incabível organizar a produção para obter mais com a mesma
quantidade de trabalho). Daí por que não ser possível universalizarmos a concepção
de trabalho e, ainda, afirmar que estamos tratando da essência do humano
(GONDAR, 1989).
No século IV, com o início oficial do Cristianismo e da ordem monástica, um conjunto
de práticas vai empreender uma nova administração do corpo, do tempo, dos
desejos e das ações humanas. Gondar (1989) ressalta que esse é o momento na
35
história que, pela primeira vez, o trabalho regulado por um tempo e tomado como
uma quantidade abstrata começa a se formar. A partir daí, aparece o trabalhador
como alguém que despende energia de modo controlado e disciplinado, a fim de
purificar o espírito. O trabalho recebe, assim, o estatuto de um bem moral. Por meio
do trabalho, a medida regular do tempo modifica, pouco a pouco, as ações humanas
e insere um novo modo de viver e de se organizar, insere uma vida regular e
disciplinada.
Aos poucos, já na Idade Média, o trabalho foi perdendo o sentido de sacrifício e foi
se relacionando com a idéia de produção. Com o crescimento dos burgos,
19
foi se
desvinculando da idéia de sobrevivência da época da Idade Antiga e se atrelando à
noção de propriedade e excedente. O comércio passa a exigir uma centralização
entre as trocas e as moedas. Surge a nova classe, a burguesia, que logo se
fortalece e começa a precisar de empregados para alavancar sua produção. O
homem, aqui, é encarado como senhor da natureza, fundamento da moral, base de
uma nova sociedade autorizada pela razão.
Os interesses burgueses, entretanto, sobrepujaram as exigências da eternidade
cristã. A fé e o dogma punham obstáculos ao novo desenvolvimento, à expansão
das indústrias. Deus é destituído do lugar supra-histórico e, nele, assume o homem
como o senhor da natureza, base de uma sociedade autorizada pela razão e
construída sobre os princípios materialistas positivos.
O trabalho perde seu propósito de culto ou salvação para ter, no próprio homem, seu
fundamento e, enunciado como essência do homem, impõe que é necessário
trabalhar.
Segundo Borges (2001), a incapacidade que apresentou a Idade Média de garantir a
sobrevivência dos diferentes estratos sociais coloca em xeque o modelo de
organização que apresentava e, com o Renascimento e a propulsão do
Mercantilismo, surgem as condições materiais necessárias de concentração de
riquezas que darão origem ao capital, estabelecendo a burguesia como classe
dominante no sistema capitalista de produção.
19
Cidades da época medieval que eram cercadas por muros.
36
Nasce um outro trabalho (que apropria) e um outro trabalhador (que é expropriado).
Com as fábricas, o artesão, que detinha todo o conhecimento do processo de
produção, todo seu saber-fazer e seu próprio modo de fazer, vê-se numa situação
na qual só lhe resta vender sua força de trabalho por um salário, como se fosse mais
uma mercadoria no mercado, ao burguês-capitalista, que passa a controlar o
processo de trabalho e a deter o produto desse trabalho.
Sobre esse trabalhador fabril incide uma descoberta de seu corpo como objeto e
alvo de poder; um corpo que se manipula, modela, treina e que precisa obedecer.
Um corpo dócil. Segundo Foucault (1987, p. 118), “[...] é dócil um corpo que pode
ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”.
Para tanto, põem-se em uso métodos de controle sobre esse corpo, que realizam a
sujeição constante de suas forças e lhe impõem uma relação de docilidade-utilidade,
a que Focault (1987) chamou de “disciplinas”, fórmulas gerais de dominação nos
séculos XVII e XVIII, embora existissem há muito nos conventos, exércitos e
oficinas. Nesse caso, diferentemente da disciplina imposta pelas ordens monásticas,
que não tinham o interesse direto com o incremento da produtividade econômica.
Nesse sentido, a dinâmica capitalista, como nos indica Marx (1983), não se detém
apenas na produção de mercadorias que tenham valor de troca no mercado, mas
também atinge a produção do humano, a sua forma de ser e viver no mundo,
aprimorando-se, de maneira selvagem e perversa, a cada dia. Assim, podemos ir
além no entendimento de que a subjetividade deve ser percebida como produto de
um processo social, sendo o sujeito, ao mesmo tempo, não só produto, mas também
produtor, constituído por, e constitutivo de vastas redes de trabalho social. O
trabalho é tanto sujeição quanto subjetivação, considerando que o que é aceito
como trabalho, ou como atividade criadora de valor, depende sempre dos valores
existentes em um dado momento histórico, ou seja, o trabalho não pode ser definido
simplesmente como atividade, como qualquer atividade, mas como atividade
específica, socialmente aceita como produtora de valor. Sendo assim, a definição
das práticas reconhecidas como trabalho não é estabelecida de uma vez por todas,
mas é determinada histórica e socialmente, constituindo um ponto móvel de
contestação social (NEGRI; HARDT, 2004).
37
2.1.1 Os padrões taylorista/fordista de produção
Esclarecemos que não é nosso objetivo cumprir toda a trajetória dos movimentos
que engendraram o capitalismo, da sua gênese até os dias atuais, mas sim resgatar
alguns aspectos históricos, econômicos, políticos, ideológicos e sociais que se
fazem pertinentes para a análise que buscamos efetivar nesta dissertação. Para
tanto, consideramos importante caracterizar, sinteticamente, os padrões de
acumulação taylorista/fordista de produção que vigoraram na grande indústria ao
longo de quase todo o século XX, sobretudo a partir da segunda década, para,
posteriormente, tratarmos do toyotismo e da reestruturação produtiva que permeiam
o mercado global e produzem marcas específicas no trabalho bancário e nos modos
de ser desses trabalhadores.
O padrão taylorista, adotado no início do século XX, baseava-se na produção em
massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais
homogeneizada. As operações realizadas pelos trabalhadores passaram a ser, com
esse modelo de produção, racionalizadas, controladas e disciplinadas ao máximo
pela gerência, a fim de combater o desperdício na produção; o tempo das operações
foi reduzido e o ritmo de trabalho aumentado, visando à intensificação das formas de
exploração (ANTUNES, 1999). Esse tempo foi estruturado com base no trabalho
parcelar e fragmentado, decompondo as tarefas e tornando o trabalho repetitivo,
resultado de um estudo pormenorizado dos tempos e movimentos que se
denominou “Análise Científica do Trabalho”.
20
Esse processo destronou o
trabalhador qualificado e se apropriou de sua arma: o saber-fazer. Ademais, como
afirma Antunes (1999, p. 37), o taylorismo pôde aumentar a jornada de trabalho e
tirar dela até o dobro de valor,
21
ou mais, que já se produzia:
[...] paralelamente à perda de destreza do labor operário anterior, esse
processo de desantropomorfização do trabalho e sua conversão em
apêndice da máquina-ferramenta dotavam o capital de maior intensidade
na extração do sobretrabalho (grifo do autor).
20
Conforme Araújo [199-?], a inclusão da palavra “científica” nessa denominação tem o propósito de
evitar questionamentos e contestações.
21
A esse mais-valor da mercadoria, que não é pago pelo capitalista, Marx (1983) chamou de mais-
valia, que também pode ser conseguida quando a jornada permanece e se investe em tecnologias
que diminuem o tempo de produção.
38
Uma vez que o trabalho foi estudado, analisado, simplificado, enfim, dominado e
controlado pela gerência, o trabalhador adequado para a função a exercer poderia
ser mais facilmente escolhido. Não havia mais a necessidade de se encontrar
“homens extraordinários”, mas sim o homem certo (com habilidades específicas)
para o lugar certo (FLEURY; VARGAS, 1983).
Seguindo como um aprimoramento do taylorismo, despontam, também, na segunda
década do século XX, os princípios da linha de montagem do fordismo. Os princípios
de Ford foram aplicados inicialmente na indústria automobilística e logo tiveram sua
expansão para as demais indústrias dos principais Países capitalistas.
Tratou-se da inserção da produção em série pela esteira rolante de funcionamento
ininterrupto, que combinava com as operações extremamente parceladas e
mecânicas dos trabalhadores, fixos em seus postos de trabalho. O “sucesso” dessa
nova organização aparece nos resultados da produção em grande escala, reduzindo
drasticamente o tempo gasto com a produção e intensificando o trabalho (FLEURY;
VARGAS, 1983).
Tal processo de produção expandiu-se também para o setor de serviços,
implantando a sistemática baseada na acumulação intensiva, uma produção em
massa executada por operários predominantemente semiqualificados, possibilitando
o desenvolvimento do operário-massa, o trabalhador coletivo das grandes empresas
verticalizadas e fortemente hierarquizadas (ANTUNES, 1999).
Conclui-se, conforme Antunes (1999), que a introdução da organização científica
taylorista e sua fusão ao fordismo representaram a forma mais avançada da
racionalização capitalista do processo de trabalho ao longo de várias décadas do
século XX, dando seus primeiros sinais de esgotamento apenas no início dos anos
1970, com o fortalecimento (mesmo que provisório) do movimento sindical e da
organização do operário-massa.
2.2 O TRABALHO ATUAL: A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
Em resposta à crise do capital (que se expressa, dentre outras causas, na queda da
taxa de lucro) nos anos 70 do século XX, os anos 80 foram palco para profundas
transformações/reestruturações no mundo do trabalho, em sua forma de inserção na
39
estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e no seu sistema
ideológico e político de dominação. Essas transformações se deram nos países de
capitalismo avançado
22
e tiveram desdobramentos e inflexões diferenciadas, a partir
da década de 1990, nos países industrializados do chamado Terceiro Mundo.
Com a derrota da luta operária pelo controle social da produção, estavam
dadas então as bases sociais e ideo-políticas para a retomada do processo
de reestruturação do capital, num patamar distinto daquele efetivado pelo
taylorismo e fordismo (ANTUNES, 1999, p. 45).
Tratava-se, para o capital, de reorganizar o ciclo produtivo preservando seus
fundamentos essenciais. Assim, inicia-se, nesse período, uma mutação nos padrões
de acumulação, visando ao alcance de um processo produtivo mais dinâmico e
hegemônico.
Foi uma década de grande salto tecnológico. A automação, a robótica e a
microeletrônica invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas
relações de trabalho e de produção do capital.
Novos processos de trabalho emergem, nos quais o cronômetro taylorista e a
produção em série e de massa fordista são “substituídos”, ou simplesmente
mesclam-se, pela flexibilização da produção e das relações no trabalho. Dentre as
experiências do capital que se diferenciaram do binômio taylorismo/fordismo,
destaca-se, principalmente, o toyotismo, que emerge no Japão, mas logo se
expande para os demais países receptores, que combinam elementos desse modelo
com particularidades de cada país, como as condições econômicas, sociais, políticas
e ideológicas (ANTUNES, 2005).
O toyotismo advém da necessidade: de o trabalhador operar várias máquinas
simultaneamente; de a empresa responder à crise financeira aumentando a
produção sem aumentar o número de trabalhadores; da importação de técnicas de
gestão em supermercados nos EUA que originaram o kanban (que visa a produzir
somente o necessário e fazê-lo no melhor tempo, repondo os produtos somente
depois da venda); e da expansão do método kanban para empresas subcontratadas
e fornecedoras (ANTUNES, 2005).
22
Como Alemanha, Itália e EUA.
40
Nesse contexto, novos padrões de gestão da força de trabalho são buscados, dos
quais os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), a “gestão participativa” e a
“qualidade total” são expressão não só do mundo japonês, mas de vários países de
capitalismo avançado e países subordinados de industrialização intermediária,
23
dado que os capitalistas percebem que podem multiplicar seu lucro explorando a
imaginação, a capacidade de cooperação e colaboração e as virtualidades da
inteligência dos trabalhadores, ou seja, podem fazer uso de um trabalhador
polivalente. Alguns autores entendem que esses dispositivos não passam de uma
apropriação do fazer e saber do trabalho, que neles fica implícito o processo de
tentativa de eliminação da organização autônoma dos trabalhadores, tentando a
própria empresa fomentar o trabalho em equipes e levar o trabalhador a se enxergar
como parte da concepção do processo produtivo, enquanto o que realmente
determina o que e como produzir nesse modelo é a lógica do sistema produtor de
mercadorias demandado pelo mercado consumidor, e não o trabalhador
participativo.
O cenário é de formas transitórias de produção, cujos desdobramentos são também
agudos para as conquistas e direitos trabalhistas, que são desregulamentados e
também flexibilizados.
O novo paradigma produtivo que se estabelece nos principais países capitalistas
recusa a produção em massa, a acumulação rígida de base taylorista e fordista, para
dar lugar à acumulação flexível, que se sustenta num mercado cada vez mais
segmentado e instável. Flexíveis também se tornam os processos de trabalho, o
mercado, os produtos e os padrões de consumo. Rápidas mudanças geram um
desenvolvimento desigual, tanto em setores como em regiões geográficas,
possibilitando um vasto movimento do emprego no setor de serviços. Em condições
de acumulação flexível, parece que sistemas de trabalho alternativos, como práticas
de trabalho do setor informal, podem coexistir, lado a lado, no mesmo espaço, de
uma maneira que empreendedores capitalistas possam escolher livremente entre
eles. No entanto, como afirmam Antunes e Alves (2004), é necessário acrescentar
que as mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão também afetaram
fortemente o mundo do trabalho nos serviços, que cada vez mais se submeteram à
23
Como Brasil, México, Argentina, dentre outros da América Latina.
41
racionalidade do capital e à lógica dos mercados. Como exemplo, citam a enorme
redução do contingente de trabalhadores bancários no Brasil dos anos de 1990, em
função da reestruturação do setor.
Outra característica significativa do toyotismo é atender a um mercado interno que
solicita produtos diferenciados e pedidos pequenos. A produção é voltada e
conduzida diretamente pela demanda. O consumo é que determina o que será
produzido, e não o contrário, como no fordismo.
Dessa forma, para atender às demandas de mercado tão individualizadas, é preciso
que a produção se sustente num processo produtivo flexível, que permita o operário
operar várias máquinas. O trabalhador deve ser polivalente, multifuncional. Deve ser
flexível também em seus direitos, em seu tempo total de trabalho, nas formas
instáveis de contratação. É preciso, ainda, a flexibilização da organização do
trabalho, que haja uma integração de maneira horizontal, estendendo-se as áreas
produtivas de elementos básicos às subcontratadas ou “terceiras”, acarretando,
também, a expansão desses métodos e procedimentos para toda a rede de
fornecedores. Assim, kanban, just in time, flexibilização, terceirização,
subcontratação, CCQ, controle de qualidade total, eliminação do desperdício,
“gerência participativa”, “sindicalismo de empresa”, entre tantos outros, propagam-se
intensamente.
Como conseqüências desse processo para o mundo do trabalho, que se agravam
cada vez que aumenta a competitividade e a concorrência intercapitais, podemos
salientar as mais destrutivas, como a precarização e a intensificação da exploração
do trabalho, a degradação crescente e globalizada do meio ambiente,
24
o radical
aumento do desemprego estrutural e o retrocesso da ação sindical.
25
Além disso,
podemos, também, ressaltar o individualismo exacerbado, que encontrou condições
favoráveis para sua propagação. Em frente à forte repressão que se abateu sobre os
sindicatos japoneses, por exemplo, as empresas aproveitaram para combinar
repressão com cooptação, buscando agregar os sindicalizados ao que denominaram
sindicalismo de empresa, que fornecia benefícios e vinculava ainda mais o sindicato
à hierarquia das empresas (ANTUNES, 1999, 2005).
24
Em virtude, principalmente, da redução de tempo entre a produção e o consumo, convertendo em
descartável e supérfluo o que deveria ser preservado.
25
Sobre os efeitos da reestruturação produtiva para os sindicatos no Brasil, ver Leite (1997).
42
Se as “lições japonesas” são copiadas por toda parte é porque correspondem à fase
atual de um capitalismo que se caracteriza pelo crescimento da concorrência, pela
diferenciação e pela qualidade, condições originais do método toyotista e que são
corroboradas e mantidas pelo neoliberalismo e pela globalização.
A vigência do neoliberalismo, ou de políticas sob sua influência, propiciou
condições em grande medida favoráveis à adaptação diferenciada de
elementos do toyotismo no Ocidente. Sendo o processo de reestruturação
produtiva do capital a base material do projeto ideo-político neoliberal [...]
(ANTUNES, 1999, p. 58).
Se formos caracterizar, em poucas palavras, o que vem a ser o neoliberalismo,
podemos aferir que foi uma estratégia ideológica e política diante da crise do capital
dos anos 1970 e que buscou, efetivamente, fortalecer o Estado em sua capacidade
de romper com o movimento sindical e, paradoxalmente, enfraquecê-lo em relação
aos gastos sociais (contendo gastos com bem-estar) e nas intervenções
econômicas, fomentando o desemprego e garantindo um exército de reserva de
trabalho, o que, na verdade, favoreceu o aumento da desigualdade e da exclusão,
tão necessárias para dinamizar as economias avançadas (ANDERSON, 1995).
Como afirma Mendonça (2004), as novas tecnologias só foram possíveis à medida
que as políticas neoliberais permitiram maior flexibilidade do trabalho no mercado
interno e maior intercâmbio entre as nações no mercado externo. Dessa forma,
como traz Abdalla (2004), não se pode fazer recair a responsabilidade do modelo de
globalização sobre a tecnologia em si mesma, como se ela tivesse autonomia em
relação às formas concretas de produção e organização da sociedade humana.
Nesse sentido, a globalização – como reconfiguração do mercado segundo os
interesses dos mais fortes – colabora com o afrouxamento dos freios, com a
desregulamentação, a liberalização, a flexibilidade, a fluidez crescente e a facilitação
das transações nos mercados financeiro imobiliário e trabalhista, aliviando a carga
tributária etc. Assim, abrir as fronteiras e abandonar qualquer idéia de política
autônoma é condição preliminar, docilmente obedecida, para receber assistência
econômica dos bancos mundiais e fundos monetários internacionais (BAUMAN,
1999).
A introdução e expansão do toyotismo na “Velha Europa” tenderá a enfraquecer
ainda mais o que se conseguiu preservar do Welfare State, uma vez que o modelo
43
japonês está muito sintonizado com a lógica neoliberal. A crise do “Estado do bem-
estar social” e dos seus mecanismos de funcionamento acarretou a crise fiscal do
Estado capitalista e necessitou da retração de gastos públicos e da sua
transferência para o capital privado, incrementando, acentuadamente, as
privatizações, contorno mais evidente da reorganização do sistema ideológico e
político de dominação do capital (ANTUNES, 1999).
Todavia, o toyotismo não deve ser entendido como novo modo de organização
societária, livre das mazelas do sistema produtor de mercadorias e nem deve ser
concebido como um avanço em relação ao capitalismo da era fordista e taylorista,
mas deve ser analisado em que medida se diferencia das várias formas existentes
de fordismo, uma vez que, como ressalta Antunes (2005), a subsunção do ideário do
trabalhador àquele veiculado pelo capital, a sujeição do ser que trabalha ao “espírito”
Toyota é de muito maior intensidade, é qualitativamente distinta da lógica despótica
do fordismo. A lógica do toyotismo é mais consensual, mais envolvente, mais
participativa, em verdade mais ideológica e manipulatória.
Essas transformações, presentes e em curso, em maior ou menor escala,
dependendo de inúmeras condições dos diversos países onde são vivenciadas,
afetam diretamente o operariado industrial tradicional e o trabalhador do setor de
serviços ou informal, acarretando metamorfoses no ser do trabalho, em como se
evidencia o universo da consciência e da subjetividade do trabalho de maneira
integral, e não apenas formal como no taylorismo/fordismo. No entanto, não
caminham em direção à eliminação da classe trabalhadora, mas para sua
precarização e utilização de maneira ainda mais intensificada, aumentando, cada
vez mais os níveis de exploração do trabalho (ANTUNES, 1999; ANTUNES; ALVES,
2004).
Enfim, podemos afirmar que o paradigma fundamental do pós-fordismo, como modo
de produção largamente socializado, é o do trabalho imaterial, da cognição, da
criatividade livre do trabalho vivo, constituinte e aberto. O trabalhador imaterial
aparece como uma força de trabalho com novas características, é dotado de uma
capacidade de gestão que supera o perímetro da empresa e deve desenvolver
atividades culturais (informacionais) e de tipo gerencial. Enquanto o trabalhador
taylorista executa em silêncio as ordens hierárquicas, o trabalhador pós-fordista
44
trabalha falando, comunicando-se. O trabalhador imaterial produz, inova, coordena e
consome. No fordismo, a valorização visava aos corpos disciplinados na fábrica
taylorista (bem como em outras instituições, como hospitais, escolas, quartéis...) e
provocava uma separação conseqüente da estrutura produtiva em face do território.
Na sociedade pós-fordista, no entanto, é a alma que se mobiliza no trabalho. A
valorização não conhece mais limites, nem espaciais (a fábrica, o escritório...), nem
temporais, pois envolve o tempo de vida como um todo (COCCO, 2004).
2.3 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O TRABALHO BANCÁRIO
NO BRASIL
A busca incessante pela acumulação flexível trouxe profundas transformações nos
setores econômicos do Brasil, talvez ainda mais, como afirma Filgueiras (2001), para
o setor financeiro, que passou a necessitar de uma grande flexibilidade na tomada e
implementação das decisões, em decorrência da especificidade e da natureza das
atividades que exerce e dos serviços que produz.
O referido processo de reestruturação dos bancos é compreendido como
uma das características constitutivas do processo de reestruturação do
próprio capitalismo, mais amplo e complexo do que ocorre no âmbito dos
espaços produtivos; trata-se de um processo de intensificação da
internacionalização do capital, acompanhado pela expansão do ideário
neoliberal (SEGNINI, 1999, p. 184).
Além disso, o processo da globalização acirrou a competitividade com a entrada dos
bancos estrangeiros, acarretando, também, privatizações, concentração e
desnacionalização da atividade bancária. Todos esses fatores levaram à
necessidade de criação de novos produtos e à reorganização do trabalho,
expulsando os clientes das agências e impactando consideravelmente o emprego
nesse setor (DIEESE, 1997, FILGUEIRAS, 2001).
A desregulamentação do sistema e as inovações de produtos e serviços vieram a
ser consideradas condição de sobrevivência para qualquer centro financeiro mundial
inserir-se no sistema global, que expressa um contexto de intensificação da
mundialização dos mercados e dos fluxos financeiros e cuja velocidade possibilita a
concretização da internacionalização dos bancos. O volume de serviços prestados
cresceu intensamente, os bancos passaram a receber tributos e contribuições da
Previdência Social, a fazer operações de cobrança, venda de seguros e títulos de
45
capitalização, a administrar diferentes tipos de investimentos e a oferecer linhas de
crédito, dentre outros serviços.
Sendo assim, o sistema financeiro, ao mesmo tempo em que atua como agente no
processo de reestruturação mais amplo, também vivencia reestruturações nos
processos produtivos, no sentido de se adequar à lógica do livre mercado que
reforça a competição já antes existente (SEGNINI, 1999).
Segundo Filgueiras (2001), a reestruturação se expressa na reorganização e
reconversão de segmentos produtivos, bem como na adoção de novos padrões de
gestão e na inserção de um novo paradigma tecnológico e organizacional. Tal
processo de reestruturação do sistema financeiro no Brasil, sob coordenação da
regulatória e fiscalizadora instituição do Banco Central, resulta em alguns ajustes do
sistema bancário, especialmente após o Plano Real (governo Itamar Franco), em
1994, conforme expõe Segnini (1999), como a redução no número de empresas por
falências, fusões e incorporações (sobretudo no conjunto dos bancos médios, a fim
de buscar melhores condições de competitividade no mercado) ou privatizações,
possibilitando intenso processo de concentração bancária no País, o que permitiu a
expansão do capital estrangeiro no sistema bancário. Essas medidas acarretaram
uma forte redução no mercado de trabalho bancário, tanto pela eliminação quanto
pela fusão de postos de trabalho, bem como pelo uso intensivo das tecnologias da
informação. Foram ajustes relativos também à composição dos produtos bancários,
aumentando a oferta de produtos e serviços, a fim de manter e ampliar as carteiras
de clientes, bem como a lucratividade num contexto de intensa competitividade; e o
ajuste de aumento do poder de intervenção do Banco Central na administração e na
abertura de novos bancos.
Do ponto de vista tecnológico, destaca-se a substituição da automação rígida de
base eletromecânica para a automação flexível (programável por meio da
informação) de base microeletrônica, exigindo, conseqüentemente, uma maior
qualificação da parcela nuclear da força de trabalho (FILGUEIRAS, 2001).
As inovações tecnológicas, ao mesmo tempo em que podem potencializar as
capacidades humanas (e até mesmo reduzir a jornada ou tempo de trabalho),
podem, inclusive, “desconfigurar e aviltar a personalidade humana”, sacrificando os
46
indivíduos (LUKÁCS, 1981, apud ANTUNES, 2005). No entanto, não são
unicamente a causa das mudanças no mundo do trabalho. Estas também estão
relacionadas com fatores históricos e geográficos, com o ambiente macroeconômico,
com a natureza das políticas econômicas adotadas e com a correlação de forças
entre as classes e segmentos sociais (FIGUEIRAS, 2001; COCCO, 2004). Logo,
como confirma Segnini (1999), as mudanças na organização do trabalho bancário
não são em detrimento apenas das inovações tecnológicas, mas, acima de tudo, de
opções econômicas, políticas e sociais.
Numa análise mais detalhada da inserção da tecnologia no sistema financeiro no
Brasil, veremos que a fase mais recente do processo de automação bancária iniciou-
se no final dos anos 1980 e vem se desenvolvendo até o momento atual pela
externalização das informações e operações nas agências. Exemplos disso, como
traz Filgueiras (2001), são o surgimento dos caixas automáticos, do atendimento por
meio do telefone (centrais de atendimento) e a implantação dos home banking
(bancos virtuais).
Contudo, mesmo com o processo de automação se desenvolvendo desde os anos
60 do século passado, não houve desemprego, e o setor bancário apresentava-se
como um dos mais rentáveis e lucrativos no mercado. O aumento da inflação e o
apoio de políticas econômicas específicas colaboraram para o surgimento de novos
bancos. Somente após o Plano Cruzado (governo Sarney, 1986), enquanto durou o
controle da inflação, foi desencadeado um movimento contrário no setor, que passou
a sofrer uma recessão singular e especial. Muitas agências fecharam e iniciou-se
uma fase de demissões em massa, caracterizando o processo da reestruturação
produtiva (FILGUEIRAS, 2001). Na verdade, desde que a inflação deixou de ser uma
fonte segura de lucratividade, algumas tendências intensificaram-se, como a
evolução e o uso intensivo de tecnologias da informação que permitem automatizar
os serviços e reduzir custos; a terceirização dos trabalhos, como transporte, limpeza,
segurança, manutenção...; diferentes formas de gestão que objetivam a fusão de
postos de trabalho e a redução dos níveis hierárquicos (SEGNINI, 1999).
Após o Plano Collor (governo Fernando Collor de Mello), em 1990, o setor bancário
passa mais uma vez por uma onda de racionalização. Segundo Filgueiras (2001), de
1989 a 1990, são menos 77 mil bancários no País. A automação é confirmada pela
47
criação dos cartões magnéticos, pelo atendimento personalizado a clientes de alta
renda e pelos caixas eletrônicos para clientes de renda média (FILGUEIRAS, 2001).
O Plano Real (governo Itamar Franco, 1994), por sua vez, associado ao processo de
privatizações, intensificou a concorrência e levou à falência diversas instituições de
pequeno porte (FILGUEIRAS, 2001).
Nos bancos estatais, outrora um espaço privilegiado em termos de condições de
trabalho e relações salariais, despontou, também, a precarização das condições de
trabalho e recaiu sobre os trabalhadores um constante receio de privatização
(SEGNINI, 1999). Os programas de “qualidade total” começaram a ser introduzidos
nos primeiros anos da década de 1990, como parte das estratégias governamentais
de lhes imprimir um perfil de empresa privada. Todavia, sob uma contextualidade de
desestruturação do sistema bancário estatal, o conteúdo ideológico dos programas
ficou submerso, num primeiro momento, pelas políticas de intenso ajuste
organizacional, que imprimiram um clima de perplexidade e medo nos locais de
trabalho (JINKINGS, 2002).
Atualmente, as funções e divisões de tarefas nos estabelecimentos de maneira
geral, vêm sendo redesenhadas, apontando um processo de despecialização, com a
introdução da polivalência e a redefinição de funções tradicionais (FILGUEIRAS,
2001). De qualquer forma, o contexto é de permanente lucratividade, mesmo que as
altas taxas registradas no período inflacionário fossem reduzidas no período de
estabilização da moeda (SEGNINI, 1999).
2.3.1 Os modos de ser e de trabalhar do bancário a partir da
reestruturação produtiva
A reestruturação produtiva no setor financeiro demarca a passagem de uma cultura
de estabilidade e segurança para uma cultura de instabilidade e insegurança que
afeta os modos de ser e trabalhar dos bancários. O investimento que a empresa
deseja dos sujeitos do trabalho diz de uma mobilização subjetiva total e
incondicional ao seu projeto e aos objetivos de lucratividade (GRISCI; BESSI, 2004).
Em uma pesquisa realizada por Segnini (1999), é registrado que o bancário
compreende estar trabalhando mais intensamente, comumente realizando horas
48
extras e percebendo salários cada vez menores em comparação com anos
anteriores.
Nos bancos, os programas de modernização tecnológica possibilitam grande
redução de custos operacionais e a destruição de postos de trabalho, enquanto a
sobrecarga de tarefas e o prolongamento da jornada laboral seguem como realidade
cotidiana dos que se mantêm empregados. Não obstante, transforma-se também a
matéria-prima, o dinheiro, com que o bancário se acostumou a lidar em seu
cotidiano. Com a automatização da sua atividade, os bancários manipulam símbolos
de valor ainda mais fantasmagóricos: sua tradicional matéria-prima – o papel-
dinheiro – vai sendo rapidamente substituída por impulsos eletrônicos derivados das
memórias dos computadores. E o produto do seu trabalho disfarça-se, agora, nos
dados informatizados que representam as cifras e os valores da mercadoria-dinheiro
em circulação (JINKINGS, 1995).
Nesse novo ambiente criado pela reestruturação produtiva contemporânea, redefine-
se a atividade bancária e as habilidades requeridas para a sua realização. As
estratégias mercadológicas dos bancos, direcionadas para a “qualidade no
atendimento”, convertem muitos trabalhadores, alocados nas agências e centrais de
atendimento, em bancários-vendedores dos serviços e “produtos” financeiros dos
bancos. Observa-se uma redução dos trabalhadores envolvidos nos serviços
operacionais e administrativos, enquanto aumenta, relativamente, a participação de
gerentes e assessores técnicos na estrutura funcional (JINKINGS, 2002).
Na atualidade, a “inculcação ideológica” torna-se mais complexa, à medida que
novos padrões de dominação de classe se impõem como resposta à crise
capitalista. Nos ambientes produtivos, recriam-se táticas para o aumento da
produtividade do trabalho, mascaradas sob o discurso patronal de “participação”,
“qualidade total”, “competitividade”. A concessão de prêmios de produtividade, a
partir de metas estabelecidas pelas gerências, assim como o desenvolvimento de
um eficiente e sofisticado sistema de comunicação empresa-trabalhador – por meio
de jornais, revistas, boletins via Internet ou vídeos de ampla circulação nos
ambientes de trabalho – são alguns dos mecanismos concebidos para aperfeiçoar
as condições de intensificação e disciplina do trabalho. Além desses, destaca-se a
criação de equipes de “qualidade total”, como importante instrumento patronal para
49
alcançar a docilidade
26
e a mobilização dos trabalhadores aos projetos de
lucratividade das empresas (JINKINGS, 2002).
Conclui-se que as novas formas de estruturar o trabalho, com o aumento da
informatização e da intelectualização, passam a aliar, no processo de trabalho, o
trabalho material e imaterial.
O trabalho imaterial, como já buscamos definir, seria o que se extingue no momento
de sua produção, agregando características pessoais do próprio trabalhador. Trata-
se de capacidades de mobilização, cooperação e criação que são dificilmente
comandadas ou passíveis de controle externo ao trabalhador. Lazzarato e Negri
(2001) argumentam que o trabalho imaterial é o que se encontra no cruzamento,
seria a interface da nova relação produção/consumo e é o que ativa e organiza a
relação produção/consumo. Essa ativação, no caso, é materializada dentro e através
do processo comunicativo. É o trabalho imaterial que dá forma e materializa as
necessidades, o imaginário e os gostos do consumidor. Nesse sentido, vemos
presente e destacado o trabalho imaterial no trabalho bancário durante o processo
da reestruturação produtiva.
O trabalho imaterial, além de produzir objetos concretos, produz informação,
conhecimento, serviços, valores; e é definido como imaterial, também, porque incide
sobre algo imaterial, que é a subjetividade humana, ou seja, as formas de vida, as
maneiras de sentir, de amar, de perceber, de viver (GRISCI; BESSI, 2004). Entende-
se subjetividade não como sinônimo de interioridade, conforme Pelbart (2000, p. 37),
a subjetividade "[...] não é algo abstrato, trata-se da vida, mais precisamente, das
formas de vida, das maneiras de sentir, de amar, de perceber, de imaginar, de
sonhar, de fazer, mas também de habitar, de vestir-se, de embelezar-se, de fruir,
etc.". Modos de subjetivação dizem respeito, portanto, à construção de modos de
viver a partir da concretude do mundo. Desde essa lógica, "[...] a subjetividade não é
ponto de partida, mas é resultante de múltiplos processos, agenciamentos coletivos"
(FERREIRA NETO, 2000, p.107). Portanto, os modos de subjetivação são
construídos e atravessados por processos concretos do mundo. Como refere Naffah
Neto (1998, p.70-71):
26
Conforme Foucault (1987), em Vigiar e Punir.
50
[...] o mundo não é tão somente exterior, nem tão somente interior; está
sempre fora e dentro ao mesmo tempo ou, melhor dizendo, constitui-se
numa imbricação de um exterior e de um interior, fluindo e refluindo por
movimentos de projeção e introjeção [...]. Ao fora aprendemos a chamar de
mundo; ao dentro de subjetividade.
O trabalho imaterial, assim sendo, demandaria um novo tipo de trabalhador,
diferente do "operário massa" do modo de produção taylorista-fordista, que se
caracterizava como "[...] duplamente massificado: pelos contingentes de forças de
trabalho concentrados nas grandes fábricas e pela tendencial indistinção, do ponto
de vista da divisão técnica do trabalho, de suas características pessoais, subjetivas"
(COCCO, 2001, p.18). A nova configuração do trabalho demanda que o trabalhador
seja mobilizado não apenas como objeto de trabalho, pois é chamado a ser também
sujeito desse processo, sendo suas características pessoais, antes massificadas,
agora tidas como fator competitivo para as empresas, no sentido de que, para se
produzir o bem imaterial, é necessário construir o bem imaterial, que se constitui no
desejo, opiniões, gosto das pessoas, ou seja, a construção do cliente (GRISCI;
BESSI, 2004).
Dessa forma, o trabalho imaterial passa a ter papel preponderante, em especial para
o setor de serviços, como citam Lazarato e Negri (2001), para o próprio setor dos
grandes serviços bancários, em que a comunicação entre produção e consumo
sempre se verificou de forma mais intensa, configurando o desenvolvimento do que
esses autores, utilizando-se de nomenclatura cunhada por Christian du Tertre,
definem como "relação de serviço". Tal relação ocorre pela superação da
organização taylorista dos serviços, caracterizando-se por uma maior intervenção do
consumidor na constituição do produto:
O produto 'serviço' torna-se uma construção e um processo social de
'concepção' e de inovação. Nos serviços, os empregos de back-office (o
trabalho clássico em serviços) diminuem, enquanto aumentam os de front-
office (as relações com os clientes). Existe, portanto, um deslocamento da
pesquisa humana em direção ao exterior da empresa (LAZZARATO;
NEGRI, 2001, p. 44-45).
Em face ao trabalho imaterial, (re)organizam-se teorias e práticas de gestão, uma
vez que o modo de trabalho capitalista global requer de quem trabalha, além de
qualificação e performance, características, como iniciativa, mobilidade, cooperação,
domínio do processo, capacidade de prever e eliminar falhas, capacidade de
51
comunicação e de interação com o próprio trabalho e com os demais trabalhadores
e, principalmente, com os clientes (GRISCI; BESSI, 2004).
É nessa linha que o trabalho bancário assume um status diferenciado no mercado
financeiro, uma vez que deixa de atuar simplesmente de maneira a operacionalizar
pequenos trabalhos burocráticos, passando a uma posição de consultoria de
negócios, sendo demandadas características próprias do trabalho imaterial
(JINKINGS, 1995). As instituições financeiras acabam sendo o instrumento que
proporciona a autonomia do capital, por meio do trabalho bancário, que sofre intensa
reestruturação (GRISCI; BESSI, 2004).
Tal panorama de modificações provoca mudanças no agir do trabalhador bancário,
que tem de constituir-se em sujeito de respostas cada vez mais rápidas, uma vez
que o seu trabalho se torna, a cada dia, mais ágil, acompanhando a velocidade dos
computadores. Se as tarefas bancárias, em sua grande maioria, não exigem mais
um alto grau de qualificação, porque são mais repetitivas, requerem um alto grau de
atenção e responsabilidade (SEGNINI, 1999). O bancário tradicional,
autodenominado antigo, que tinha como principal meio de trabalho a moeda,
começa a ceder espaço para um novo profissional que tem na informação sua
principal ferramenta de trabalho (DIEESE, 2001b), sendo dele demandadas
características próprias do trabalho imaterial (GRISCI; BESSI, 2004).
A maneira como a lógica destrutiva do capital e sua reestruturação produtiva
repercutem sobre a vida e a saúde dos trabalhadores revela-se, no cotidiano do
trabalho bancário, marcada pela ansiedade e pelo medo. O sofrimento psíquico,
causado pelo contexto de precarização social e pelas formas brutais da
reorganização do trabalho, degrada, progressivamente, a saúde física e mental
(SELIGMANN-SILVA, 1994); destaque para as Lesões por Esforços Repetitivos
(LERs), que surgem provocadas por movimentos manuais e repetitivos e mobiliário
inadequado, mas também pela sobrecarga psíquica (JINKINGS, 2002).
Por sua vez, a ação sindical, nos ambientes laborais, não tem conseguido minimizar,
de forma significativa, as decorrências lesivas dos movimentos de transformação do
trabalho para as condições de vida e trabalho dos bancários. A luta coletiva que, nos
anos 1980, tornou massivas as assembléias, passeatas e greves bancárias, em
52
todas as regiões do País, dá lugar a atividades e manifestações com participação
mais restrita de uma base sindical tolhida pelo medo do desemprego ou integrada,
ideologicamente, às estratégias patronais (JINKINGS, 2002).
53
3 O TRABALHO DOS GERENTES BANCÁRIOS
Após traçarmos um panorama da reestruturação produtiva e da sua relação com os
bancários de maneira geral, explanaremos, brevemente, sobre o tema gerência, com
o objetivo de nos focar nos sujeitos desta pesquisa: os gerentes de relacionamento e
atendimento de uma empresa estatal no Estado do Espírito Santo.
3.1 SOBRE A GERÊNCIA
O capitalismo industrial começa quando um significativo número de trabalhadores é
empregado por um único capitalista. Como descreve Braverman (1981), logo no
início da reunião de produtores, surge o problema da gerência de forma rudimentar.
As funções de gerência despontaram devido ao próprio exercício do trabalho
cooperativo e ao surgimento de empresas novas, com pouca experiência, exigindo
funções de concepção e coordenação que foram assumindo a forma de gerência na
indústria capitalista.
As primeiras fases do capitalismo industrial foram marcadas pelos contratos feitos
diretamente ou pela mediação do empregador subcontratador, o capataz, que
mesclava as funções de supervisão com a prática de tomar a seus cuidados
algumas máquinas e fazer o pagamento de quem as operasse. No entanto, essa
fase foi apenas uma forma de transição, na qual o capitalista ainda não havia
assumido a função essencial de direção e controle sobre o processo de trabalho.
Braverman (1981, p. 67) cita que a gerência, desde seu início, necessitou de
métodos coercitivos para extrair do empregado o máximo possível de trabalho:
Dentro das oficinas, a gerência primitiva assumiu formas rígidas e
despóticas, visto que a criação de uma ‘força de trabalho livre’ exigia
métodos coercitivos para habituar os empregados às suas tarefas e mantê-
los trabalhando durante dias e anos.
Associa, ainda, observações de que as indústrias modernas se assemelham a
prisões, reformatórios e orfanatos, no sentido de que os trabalhadores modernos
foram levados a seu papel não tanto pelo atrativo ou recompensa monetária, mas
pela compulsão, pela força e pelo medo.
54
Em todos esses esforços, os capitalistas estavam tateando em direção a uma prática
e teoria da gerência. Ao criar novas relações sociais – distinguindo os que executam
o processo daqueles que administram e se beneficiam dele – e transformando o
modo de produção, viram-se diante de problemas de administração diferentes dos
processos de produção anterior.
Aos poucos, a gerência vai se tornando um instrumento perfeito e sutil,
empenhando-se num papel de controlar. Segundo os teóricos da gerência, exercer o
controle passa a ser fundamental em todos os sistemas gerenciais. O eixo sobre o
qual gira toda a gerência moderna é o controle do trabalho por meio do controle das
decisões que são tomadas no curso do trabalho.
O próprio Taylor não estava interessado, a princípio, no avanço da tecnologia – o
que, para Braverman, também oferece meios para o controle direto sobre o processo
de trabalho. Àquele interessava o controle de trabalho em qualquer nível de
tecnologia e aplicou-se a esse objetivo com tanta ênfase que fixou padrões daquela
época em diante.
Ao administrador inspirado em Taylor passou a caber o cargo de reunir o
conhecimento de posse do trabalhador e classificá-lo, tabulá-lo e reduzi-lo a regras,
leis e fórmulas. O planejamento, que até então cabia totalmente ao trabalhador,
passou a ser realizado, em grande parte, pela gerência, enaltecendo a distância
entre o trabalhador que planeja e o que executa o trabalho (BRAVERMAN, 1981).
E Taylor não foi único em seu propósito, escolas como as de Relações Humanas
corroboraram estudos das condições sob as quais os trabalhadores podem ser mais
bem induzidos a cooperar no esquema de trabalho imposto, procurando, ainda,
determinar com antecipação a adaptabilidade dos trabalhadores por meio do uso de
testes psicológicos, não levando em consideração, no entanto, a tendência coletiva
de resistência dos trabalhadores às exigências patronais.
3.1.1 A prática social e a gerência
A reestruturação produtiva que assolou o mundo do trabalho, principalmente a partir
dos anos 80 do século passado, no Brasil, resgata as chamadas novas tecnologias
de gestão organizacionais que passam a pregar a flexibilização dos processos de
55
produção, reforçada pela “onda” da Gestão da Excelência, modelo capaz de conter,
em seu bojo, preceitos necessários ao alcance do sucesso competitivo das
organizações produtivas ocidentais. O estímulo à inovação, a proximidade com o
cliente, o maior envolvimento das pessoas na produtividade, o compromisso com os
valores e resultados organizacionais, a busca da agilidade nas decisões e processos
colaboraram para produzir, como traz Junquilho (2001), o homem gerencial, o que
busca, na organização, a sua satisfação e nela projeta suas realizações e valores,
vinculando a figura do gerente a de um rei, um Deus onipotente, um super-herói, que
já nasce líder... asséptico às influências sociais, históricas e políticas e que caberia a
qualquer contexto organizacional.
No entanto, Junquilho (2001) resgata os estudos de Reed (1984, 1985, 1989, apud
JUNQUILHO, 2001) sobre gestão para contrapor essa “onda” de Gestão da
Excelência. Para ele, podem-se destacar três perspectivas de análise conforme os
estudos sociológicos sobre gestão nas últimas décadas: a técnica, que vê a gestão
como instrumento tecnológico neutro e racional que objetiva o alcance de resultados
coletivos, preestabelecidos e não atingíveis sem a sua aplicação; a política, que
concebe a gestão como processo social, dando ênfase à questão do conflito de
interesse entre grupos nas organizações; a crítica, na qual a gestão é vista como
mecanismo de controle social, atrelada a imperativos de ordem econômica, impostos
por uma ordem capitalista de produção e, de qualquer forma, não negando a
questão dos conflitos políticos entre grupos organizacionais. Os gerentes são vistos
como responsáveis pela manutenção da ordem capitalista, mas também
subordinados a ela.
Reed passa a pensar numa abordagem que incorpora à análise de gestão, ao
mesmo tempo, os níveis institucional, organizacional e comportamental, permitindo
intercessões entre a ação gerencial, a dinâmica da organização e o contexto
macroestrutural, ou seja, expõe, como alternativa, a perspectiva da “prática social”,
capaz de integrar questões inerentes aos dilemas éticos e políticos aos quais as
organizações e os seus gestores são submetidos no dia-a-dia.
Dessa forma, os atores gerenciais passam a ser vistos não só como agentes
responsáveis pelo exercício da disciplina e dos interesses organizacionais, mas
também como vivenciadores de conflitos e contradições, dado que as organizações
56
são, também, por sua vez, tomadas como cenário de contradições que refletem na
prática gerencial.
A prática social concilia, de maneira complementar e não excludente, condutas e
atos de agentes humanos com as estruturas sociais que são referências para
aqueles mesmos agentes em processo de interação social. Para Reed (1985, apud
JUNQUILHO, 2001), as organizações são pensadas como conjunto de práticas nas
quais seus indivíduos estão rotineiramente engajados na manutenção ou
reestruturação dos sistemas de relações sociais em que eles estão coletivamente
envolvidos.
Junquilho (2001) infere que os gerentes devem ser tomados exclusivamente como
agentes imparciais e defensores dos interesses organizacionais. O trabalho
gerencial deve ser percebido como dotado de tensões que são inerentes às relações
de produção que pressupõem conflitos de interesses quanto à distribuição de
recursos e gestão do trabalho, perpassando todo o universo organizacional,
incluindo também aí os gerentes.
Grande parte da literatura que versa sobre a análise do trabalho gerencial não leva
em consideração a inserção dos processos histórico-sociais, que são subjacentes
aos comportamentos dos gerentes, focando em diferenças individuais, não
contextualizando a atividade gerencial e separando o trabalho gerencial do seu
contexto histórico-social e político. Junquilho (2001) mostra que autores clássicos,
como Taylor, Fayol, Bernard, Dalton, Mintzberg e Kotter, evidenciam essas posturas
e afirma que o trabalho gerencial deve ser classificado como político, já que o
gerente não só desenvolve habilidades interpessoais específicas para conseguir que
resultados sejam alcançados, mas também porque envolve a produção e reprodução
de propriedades institucionais que atuam como mediadoras na relação conflituosa
entre capital e trabalho.
Os primeiros estudos clássicos de Fayol (1970) sobre o trabalho gerencial, apesar
de contribuírem para o reconhecimento de aspectos distintos, são imprecisos e
generalizantes ao definirem que esse trabalho é composto de uma série de funções
básicas como: planejar, coordenar, controlar, comandar e organizar.
57
Mintzberg (1973, 1990 apud JUNQUILHO, 2001), no entanto, constata que essa
concepção diz muito pouco em relação ao que os gerentes realmente fazem no
cotidiano. Em seu entender, o trabalho gerencial apresenta as seguintes
características: o manejo de informações, a diversidade e a complexidade, tornando-
se necessário o desenvolvimento de atividades nem sempre planejadas. Suas
pesquisas indicam que os gerentes são submetidos a uma sobrecarga de atividades
inerentes a visitas externas, atendimento a telefonemas, conversa e reuniões
informais, sendo continuamente pressionados por demandas de última hora,
configurando um trabalhador que está mais voltado à ação de cunho pontual e
imediato do que àquela planificada e relacionada com o médio e o longo prazo. Além
disso, ao contrário do que se pensa, acabam também executando uma série de
atividades muito repetitivas.
Junquilho (2001) demonstra, em sua apresentação, o quanto é difícil generalizar a
gerência numa definição universal e indica, a partir de seu estudo, um trabalhador
bem menos racional, ordenado e planejado em suas atividades do que dito por
diversas outras correntes teóricas.
Para ele, os gerentes não agem somente de acordo com as normas e interesses
organizacionais, mas, por participarem de uma sociedade, trazem para o mundo do
trabalho diferentes expectativas e interesses derivados de suas experiências sociais
de suas vidas extra-organizacionais.
3.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOS GERENTES DE
RELACIONAMENTO E ATENDIMENTO
Neste capítulo, trataremos da organização como forma de se organizar o trabalho e,
nesse sentido, utilizamos o conceito de Dejours de “organização do trabalho” e nos
colocamos a compreender que relações tece com a saúde dos trabalhadores
gerentes de relacionamento e atendimento.
Para Dejours (1994), organização do trabalho é, primeiramente, a divisão do
trabalho e sua repartição entre os trabalhadores – repartição de responsabilidades,
hierarquia, comando, controle – podendo-se ampliar essa definição para aspectos
como o ritmo, a extensão e a intensidade da jornada de trabalho, a duração das
58
pausas e o relacionamento entre os trabalhadores, principalmente entre a chefia e
subordinados.
Telles e Alvarez (2004) entendem que a organização do trabalho diz respeito à
definição de tarefas e à preparação do trabalho. Nesse sentido, a Ergonomia de
linhagem francesa pode contribuir para a organização do trabalho em três aspectos:
os procedimentos prescritos, a divisão do trabalho e a organização temporal do
trabalho (que são nada mais nada menos que parte de elementos do trabalho
prescrito). No entanto, para compreender a organização do trabalho, essas autoras
ressaltam a importância de verificar alguns aspectos que, geralmente, não são
levados em consideração se a abordagem for limitada a esse conceito da
Ergonomia. A partir daí, corroboram a idéia de ser importante considerar fatores que
influenciam as escolhas organizacionais e que não estão diretamente relacionados
com as situações de trabalho, adotando a noção de norma antecedente da
abordagem ergológica para colaborar com a complementação da análise, o que
permite reconhecer a relevância da história e dos valores envolvidos em qualquer
situação de trabalho.
Nessa linha, para analisar a organização do trabalho e a relação que engendra na
saúde do gerente bancário, faz-se relevante considerar os aspectos do trabalho
prescrito nas tarefas dos gerentes, a distância que se forma entre o trabalho
prescrito e o trabalho real da atividade, que abordaremos em seguida, bem como
considerar aspectos que dizem respeito à história dos bancos e dos bancários, às
implicações de ser gerente, à relação de cada um com o trabalho e aos valores
envolvidos nessa atividade, ou seja, evidenciar o que a abordagem ergológica
entende por normas antecedentes e que já começamos a descrever.
Resumidamente, podemos afirmar que a organização do trabalho dos gerentes de
relacionamento e atendimento circula entre a gestão de sua equipe e da clientela,
entre o controle da segurança e a responsabilidade sobre as negociações
financeiras (sobre as quais existem metas estipuladas para cada agência).
Geralmente, trabalham mais que oito horas diárias, até porque não fazem registro do
ponto de assiduidade. Além disso, como já exposto, o cargo tem a particularidade de
ser caracterizado como cargo em comissão, no qual o trabalhador corre o risco de, a
partir de um dado momento “qualquer”, perder a função ou ser remanejado de
59
agência dentro do pólo
27
em que se encontra lotado. Então, uma vez no cargo de
gerente, o trabalhador deve corresponder às atribuições principais que estão listadas
detalhadamente nos normativos.
Além disso, o trabalho do gerente bancário em questão, o relacionamento com os
clientes e a equipe, os resultados e o alcance ou não das metas são controlados de
maneira direta por um gerente hierarquicamente superior, que se encontra num local
de administração externo ao ambiente de agência, na superintendência. Esse
controle é possível de ser realizado por meio de auditorias, sistemas, emissão de
relatórios diários e, ainda, mediante avaliações informatizadas que são,
freqüentemente, realizadas pela equipe de trabalho, pelo gerente geral e até mesmo
por alguns clientes.
Mas, o que diz a prescrição dessa função? Além da cobrança das metas, que pode
ser efetivada de forma escrita ou mesmo verbal, o que consta, literalmente, nos
manuais?
3.2.1 O trabalho prescrito dos gerentes de relacionamento a
atendimento
A noção de trabalho prescrito é fundamental na Ergonomia de linhagem francesa,
28
disciplina que busca a adaptação do trabalho às pessoas (TELLES; ALVAREZ,
2004). Por trabalho prescrito entende-se um conjunto de condições e exigências a
partir das quais o trabalho deverá ser realizado. Inclui, portanto, dois componentes:
as condições determinadas de uma situação de trabalho (características do
dispositivo técnico, ambiente físico, matéria-prima utilizada, condições
sócioeconômicas etc.) e as prescrições vinculadas às ordens emitidas pela
hierarquia (oralmente ou por escrito) como as normas, as ordens, os procedimentos,
os resultados a serem obtidos, em termos de qualidade, prazo, produtividade etc.
27
Por exemplo, no Espírito Santo, existem dois pólos: Norte (que compreende toda a região de Vitória
e o norte do Estado), e Sul (que compreende toda região de Vila Velha, Cariacica, Viana e o sul do
Estado).
28
Constituída, formalmente, após a Segunda Guerra Mundial, é praticada atualmente a partir de
abordagens diversas, sendo uma delas a Ergonomia centrada na análise das atividades em situações
reais de trabalho.
60
Importante parte do trabalho prescrito específico dos gerentes de relacionamento e
atendimento, nosso foco, consta registrada num manual normativo de fácil acesso
na instituição pesquisada. Para a realização desta dissertação, foi utilizado o de
última vigência, 5-9-2006.
Para conhecermos o que regem os manuais, é relevante saber também que os
cargos de gerentes de relacionamento e de gerente de atendimento são
caracterizados como cargos em comissão, ou seja, diferenciam-se dos cargos
efetivos da instituição, principalmente quanto ao nível de responsabilidade e
complexidade, e sua ocupação é de caráter transitório. Para ter alcance a um
desses cargos, é necessário ter sido qualificado pelo exercício das atividades de
gerente hierarquicamente inferior ou por meio de processo seletivo interno. Uma vez
definido abrir um processo seletivo interno, é a unidade demandante que delimitará
a metodologia, os instrumentos, os parâmetros e critérios de avaliação, com os
respectivos pesos, para a inscrição no cargo. Geralmente, é realizada uma
entrevista por um Comitê de Avaliação Gerencial, composto pelo gestor ou seu
representante, e empregados titulares de cargo em comissão de nível hierárquico
igual ou superior ao do objeto de seleção. Tal entrevista apresenta caráter decisório
no processo de avaliação e seleção. Sua finalidade é observar as características
pessoais que possam contribuir para o desempenho do cargo.
Alguns requisitos pessoais (avaliados a partir de testes, currículo e entrevistas) são
básicos para a função, por exemplo: capacidade de análise e síntese; objetividade;
facilidade para comunicação; capacidade de negociação; facilidade para realizar
trabalhos em equipe; postura ética e profissional; resistência a frustrações; equilíbrio
emocional; visão sistêmica e específica; flexibilidade... além de outros de âmbito
burocrático e de análise curricular e funcional, ou seja, características que são
importantes para atender ao manual normativo que rege essa função.
As atribuições dos cargos de gerente de relacionamento e de gerente de
atendimento são diferenciadas. No entanto, é importante justificar que, nesta
pesquisa, estamos utilizando ambos os cargos em virtude de que, na maioria das
agências da região pesquisada, de médio e pequeno porte, o gerente de
atendimento exerce as atribuições do gerente de relacionamento, além das suas.
61
Conforme o Manual de Diretrizes de Provimento e Especificação de Cargo Efetivo e
Cargo em Comissão (2006) da instituição, o gerente de atendimento é responsável
pela qualidade no atendimento, pela identificação das necessidades dos clientes e
pela administração do fluxo de atendimento às pessoas na agência, de modo a
viabilizar a realização de negócios pelos segmentos.
29
Suas principais tarefas são:
gerenciar e coordenar as atividades realizadas no auto-atendimento, balcão e
penhor, garantindo agilidade e qualidade no atendimento; identificar clientes,
conforme os padrões de segmentação estabelecidos, e encaminhá-los às gerências
de relacionamento correspondentes, assegurando a realização de negócios;
direcionar e “aculturar” clientes para a utilização dos canais de auto-serviço;
planejar, implementar e acompanhar o dimensionamento de recursos materiais e
humanos, observando o fluxo de clientes na agência; acompanhar e avaliar
resultados e cumprir metas atribuídas à área de atuação; coordenar o
desenvolvimento de sua equipe de trabalho, acompanhando o desempenho
individual, promovendo ou apresentando sugestões para aperfeiçoamento
profissional.
O gerente de relacionamento, por sua vez, é responsável pelos resultados da
carteira de clientes sob sua gestão, identificando oportunidades e realizando
negócios por meio de relacionamentos rentáveis e de longo prazo. Suas principais
tarefas são: planejar, acompanhar e avaliar o desempenho da sua carteira de
clientes, contribuindo, também, para o alcance das metas de sua agência; identificar
oportunidade de realização de negócios por meio do acompanhamento das
necessidades dos clientes do seu segmento de atuação; atuar proativamente no
relacionamento a fim de assegurar resultados estabelecidos; comercializar,
prioritariamente, produtos e serviços definidos como foco para seu segmento e
outros que atendam às demandas dos clientes; identificar o potencial de consumo
do cliente e atuar na venda direcionada; assegurar a qualidade das informações e
serviços prestados; manter atualizados os dados cadastrais dos clientes de sua
carteira; coletar informações sobre necessidades dos clientes a fim de identificar
produtos e serviços não contemplados, repassando essas informações ao gerente
superior do seu segmento; coordenar o desenvolvimento de sua equipe de trabalho,
29
Conforme descreveremos melhor na caracterização da instituição pesquisada, a partir do ano 2000,
foi adotado na empresa o modelo de segmentação de clientes, de acordo com a faixa de renda e
volume de negócios.
62
colaborando no planejamento das ações, acompanhando resultados de
desempenho individual e promovendo ou apresentando sugestões para o
aperfeiçoamento.
A partir desse panorama, vêm algumas questões: como se dá a articulação dessa
forma de se organizar o trabalho na saúde desses trabalhadores? Como
efetivamente realizam as tarefas que lhes são prescritas?
3.2.2 As contribuições da abordagem ergológica: o trabalho como
atividade e uso de si
A noção de trabalho prescrito, sobretudo, integrou uma concepção mais ampla: a da
distância entre este e o trabalho real, evidenciada uma vez que a Ergonomia de
linhagem francesa centrou sua atenção nas situações reais de trabalho.
Aproximando-se de seu objeto de estudo – o trabalho humano em situações reais –
a Ergonomia mostrou, conforme Telles e Alvarez (2004), que o trabalho efetuado
(trabalho real) não corresponde jamais ao trabalho esperado, fixado por regras,
orientado por objetivos determinados, segundo representações das condições de
realização (trabalho prescrito), uma vez que, ao realizar a tarefa, a pessoa se
encontra diante de diversas fontes de variabilidades: como as do sistema técnico e
organizacional, a sua própria invariabilidade e a dos outros (provenientes de fadiga,
ritmicidade, efeitos da idade, experiência...) e as dos coletivos de trabalho.
Assim, segundo Teiger (1993, apud Telles; Alvarez, 2004), um terceiro termo se
introduziu no sistema homem-tarefa como termo intermediário que a Ergonomia
começa a utilizar para pensar seu objeto: a atividade de trabalho, que consiste na
realização do trabalho prescrito, considerando-se as restrições e as vantagens
dispostas pelas variabilidades. Uma vez que a tarefa está relacionada com o
trabalho prescrito, tratando do que deve ser feito, a atividade é o que se faz.
Segundo as autoras, pode-se afirmar que a atividade corresponde à maneira pela
qual as pessoas se engajam na gestão dos objetivos do trabalho, num lugar e num
tempo determinados, servindo-se dos meios disponíveis ou inventando outros meios.
Para tanto, para fazer frente a tais variabilidades e produzir sentido no trabalho, a
pessoa se engaja por inteiro, a cada momento, com seu corpo biológico, sua
63
inteligência, seu psiquismo e com os respectivos conhecimentos decorrentes de sua
história e de suas relações com os outros, ou seja, a noção de atividade está
associada à dinâmica da própria vida.
Embora, no Brasil, ainda não haja demandas expressivas para intervenções
ergonômicas, principalmente que solicitem a abordagem centrada na análise da
atividade, o Ministério do Trabalho publicou, em 1978 (modernizada em 1990), a
NR17 (Norma Regulamentadora de Ergonomia), que trata da Ergonomia neste País.
Logo, desde então, passou a ser mais solicitada por sindicatos e serviços de
Medicina e segurança do trabalho e até por diretores de empresas, que visavam à
melhoria dos postos de trabalho. Contudo, essas intervenções foram limitadas ao
mobiliário e ao layout, não proporcionando mudanças em relação aos aspectos
organizacionais.
Conforme Telles e Alvarez (2004), mesmo no Brasil não existindo muitos
ergonomistas, no sentido estrito do termo, a Ergonomia influencia a prática de tipos
diversificados de profissionais, o que favorece a abertura a outras abordagens
pluridisciplinares, como é o caso da Ergologia.
Podemos acrescentar que, se uma das metas principais do campo da Saúde do
Trabalhador é a prevenção e a promoção da saúde dos trabalhadores, os maiores
desafios são ampliar a capacidade de compreender e analisar o trabalho, além de
aprimorar os procedimentos metodológicos adotados (BRITO, 2004). É nesse
sentido que a Ergologia mostrou que o trabalho efetivamente realizado – a atividade
– é sempre singular, principalmente a partir da noção de distância entre trabalho
prescrito e trabalho real, adotada por diversas teorias e abordagens fora da
Ergonomia (TEIGER,1993, apud TELLES; ALVAREZ, 2004) .
Em relação à Ergologia, essa noção de distância tem papel essencial; além de ter
sido adotado outro termo (normas antecedentes) para designar aspectos
usualmente definidos pela Ergonomia como trabalho prescrito. Contudo, mesmo se
podendo dizer que não existe diferença de natureza entre ambos os conceitos,
Schwartz (apud TELES; ALVAREZ, 2004) evidencia certos elementos que não
fazem parte da definição de trabalho prescrito. O conceito de normas antecedentes
remete às questões dos valores presentes nas situações de trabalho, como em todo
64
grupamento humano, fazendo referência às construções históricas da humanidade.
Nesse âmbito, é objetivo da Ergologia contribuir com a Ergonomia, no sentido de
possibilitar que os valores sejam desvelados com suas micro-histórias. Não é
objetivo da Ergologia, no entanto, buscar a substituição de um termo por outro, mas
sim provocar um pensamento sobre o trabalho prescrito a partir do que essa
abordagem denomina de normas antecedentes.
A Ergologia se coloca, assim, não como uma disciplina, no sentido de um novo
domínio do saber, mas, sobretudo, como um modo de enfocar o trabalho e produzir
conhecimento sobre ele e suas relações, com base em quatro pressupostos, a
saber: pensar o geral e o específico segundo a dialética entre o universal e o
singular; fomentar a articulação entre as diversas disciplinas e a interrogação sobre
seus saberes; encontrar, em todas as atividades situadas, as normas antecedentes
e as variabilidades; e, por fim, promover um certo regime de saberes sobre o
humano, visto que não pode ser antecipado por ser sempre uma descoberta
(SCHWARTZ, apud BRITO, 2004).
Para a Ergologia, sempre há, na situação de trabalho, uma reinvenção parcial dos
modos operatórios, mesmo que mínima e, assim, da relação com o meio
originalmente concebido. Como nos alerta Brito (2004), não podemos cometer o erro
de considerar os trabalhadores como simples executores das tarefas que lhes são
incumbidas, além de vítimas passivas desse processo de constrangimento,
subordinação e exploração. Não se pode negar que os debates sobre as
transformações do trabalho em curso colocaram em pauta questões centrais, como
o trabalho simbólico, comunicacional, imaterial, assim como a exigência de
implicação do trabalhador na produção. Mas, de qualquer forma, a autora questiona
se não estaríamos presos na armadilha que foi construída pelo próprio capitalismo,
reproduzindo e reforçando a idéia do trabalhador como mão-de-obra ou força de
trabalho – o que Marx procurou denunciar como produção do capital e, então,
combater – empobrecendo nossas análises.
Não podemos admitir o trabalho segundo a pretensão do taylorismo, totalmente
desprovido de (cri)ação, que se teria esgotado no trabalho dos profissionais da
concepção, das prescrições.
65
A abordagem ergológica, segundo Alvarez e Muniz (2001), tenta encontrar, em cada
circunstância de atividade, um núcleo de renormatização. Dessa maneira, cada um
de nós, no cotidiano do trabalho, pode se descobrir a si mesmo e aos outros não
como mero(s) executante(s) de uma instrução, totalmente submisso(s) às normas,
mas, antes, como ator(es) de uma realização parcialmente original, de uma
renormatização, ou seja, de uma atualização das normas por alguma pessoa, no
aqui e agora.
Ninguém escapa à história que vai se construindo e que obriga a gerenciar a
infidelidade do meio. As pessoas, singularmente (já que um não pode viver o
trabalho no lugar do outro), no exercício de seu ofício, a toda hora se deparam com
problemas a resolver no aqui e agora e cada experiência única faz existir, molda,
seu ofício de trabalho. Se tudo está em movimento, é impossível obedecer às
normas ao pé da letra, sob pena de fracassar na missão que nos foi confiada. Essa
concepção se aproxima do conceito de saúde de Canguilhem (2000), no sentido de
que ser saudável é ter a possibilidade de ultrapassar a norma que define o normal
momentâneo, a possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir
novas normas em situações novas.
A capacidade normativa que Canguilhem confere singularmente aos humanos,
possibilita-nos afirmar o quanto o trabalho é uso de si. Nas diversas situações de
trabalho, em frente ao que escapa, foge, varia, precisamos colocar em ação o uso
de si, ou seja, é preciso escolher e decidir em meio a um debate de normas e
valores. Para trabalhar, é necessária a invenção, a (cri)ação. Se o meio é infiel, e
podemos admitir que o meio de trabalho é infiel, no qual nunca se renova
exatamente de uma situação de trabalho a uma outra, é mister gerir essa
infidelidade. E gerir não como pura execução (o que seria afirmar que o meio é fiel),
mas como uso de si, o que significa dizer que é necessário recorrer a suas próprias
capacidades, a seus próprios recursos e a suas próprias escolhas para gerir essa
infidelidade, para fazer alguma coisa (SCHWARTZ, 2000). E é a isso que Schwartz
(2000) chama de “vazio das normas”, pois é onde as normas antecedentes são
insuficientes, porque não existe somente execução.
Podemos, ainda, ir mais longe nessa discussão. Se pensarmos que somos
determinados inteiramente pelas normas, pelas exigências de um meio exterior,
66
podemos afirmar que não estamos a viver, mas nos aproximando do que seja
extremamente patológico, visto que a vida é sempre tentar se criar parcialmente,
mesmo que pouco, mas sempre.
Logo, se for adotada uma visão limitada e genérica do trabalho, a análise a ser feita
não explorará o movimento do processo de trabalho, correndo o risco de considerar
apenas o que antecede e independe da atividade – as normas antecedentes. Assim,
estarmos atentos às tentativas de renormatizações e às permanentes mudanças do
processo de trabalho, ao uso de si que colocamos em ação em cada situação,
possibilitará uma melhor leitura da realidade e a compreensão do papel do trabalho
na vida das pessoas e na configuração não só do adoecimento, mas,
principalmente, da defesa da saúde (BRITO, 2004).
67
4 A REALIZAÇÃO DA PESQUISA
4.1 O ESTUDO
Para dar maior visibilidade aos aspectos envolvidos na relação trabalho-saúde
encontrados na atividade dos gerentes bancários, assim como para revelar as
estratégias de defesa e afirmação da vida que se dão no cotidiano de realização das
tarefas, fez-se necessário, assumindo postura de cartógrafa, analisar a organização
e o processo de trabalho desses trabalhadores, à luz das contribuições do campo da
Saúde do Trabalhador e dos conceitos da abordagem ergológica, partindo do
entendimento de que toda situação de trabalho é singular e precisa conhecer o
curso da experiência dos trabalhadores.
Por cartografia, diferentemente de um mapa geográfico que é uma representação de
um todo estático, entende-se um desenho que acompanha e se faz, ao mesmo
tempo, em que os movimentos de transformação da paisagem. Neste caso, trata-se
da paisagem do processo de trabalho focalizando a organização do trabalho, uma
vez que paisagens psicossociais também são cartografáveis (ROLNIK, 1989).
Assumir postura de cartógrafo, nesse sentido, é estar mergulhado nas intensidades,
é estar atento às linguagens que encontra, devorando as que parecerem elementos
possíveis para composição das cartografias que se fazem necessárias.
Assim, esta pesquisa trata de um estudo exploratório, que busca a compreensão do
trabalho e sua relação com a saúde por meio de um estudo de campo, sem, com
isso, pretender chegar a conclusões absolutas e inquestionáveis, mas, sobretudo,
revelar possibilidades de pensar e intervir no trabalho com vistas a uma vida mais
saudável – de abertura ao risco, de enfrentamentos e renormatizações.
4.2 O CENÁRIO
Esta pesquisa foi realizada em um banco estatal no Estado do Espírito Santo,
abrangendo três agências de atendimento a clientes da Grande Vitória.
Os dados coletados seguiram as diretrizes e normas regulamentadoras de
pesquisas envolvendo seres humanos, que constam na Resolução nº. 196, de 10 de
68
outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, conforme
aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Espírito Santo (ANEXO B).
4.2.1 A instituição pesquisada
A instituição pesquisada é um banco público que atua com operações típicas de um
banco comercial e também como executor de ações sociais do Governo Federal.
Em 1989, houve uma expansão das atividades da empresa, que modificou
expressivamente sua forma de funcionamento. Por autorização do Banco Central do
Brasil, passou a atuar como banco múltiplo, com um incremento de atividades
voltadas para o mercado financeiro, entrando em concorrência direta com os demais
bancos atuantes no mercado.
A atuação como banco múltiplo exigiu dos empregados uma mudança de postura:
passou-se a cobrar uma atitude mais ativa de busca de clientes e vendas de
produtos. Vender, até então, não era prioritário na atuação do banco.
Dentre os processos de reestruturação desencadeados pela empresa, destacam-se
a criação de um Programa de Qualidade Total, denominado PQC, programa que não
chegou a ser implementado na sua totalidade, e o Plano de Racionalização e
Competitividade (PRC), baseado nos princípios da reengenharia, que provocou uma
revisão completa da forma de atuação do banco, com descentralização
administrativa, enxugamento de unidades, redistribuição de processos, realocação
de empregados, planos de demissão voluntária, incentivos à aposentadoria,
readequação física das instalações, terceirização de processos e outras mudanças
ainda em curso.
Além disso, com o fim de aumentar a competitividade, a partir de janeiro de 2000, a
empresa passa a adotar o modelo de segmentação de clientes, que busca
estratificar os clientes por faixas de renda e volume de negócios, alterando a
estrutura de funcionamento das agências e determinando intensa mudança na
organização do trabalho. A partir desse modelo, as agências (que passaram a ser
chamadas pontos de venda) foram reestruturadas quanto aos aspectos físicos,
tecnológicos e de pessoal. A divisão do trabalho e a divisão de homens também
69
foram alteradas, no sentido em que os funcionários passaram a ficar dispostos de
forma a atender ao público separadamente, sem perder a possibilidade de realizar
vendas (MERLO; BARBARINI, 2002; GRISCI; BESSI, 2004).
Paralelamente à implantação do modelo de segmentação de clientes, no ano 2000,
também foi realizado um concurso público para contratação de novos funcionários.
O anterior ocorrera em 1989. A realização desse concurso foi vista como uma
tentativa de desestabilizar seus funcionários, ameaçando demitir para contratar os
novos cargos, agora designados técnicos bancários (TB), com características
distintas e salários aquém dos demais.
4.3 OS ATORES
Os trabalhadores participantes da pesquisa são os gerentes de atendimento e os
gerentes de relacionamento do referido banco, tendo-se o cuidado de garantir o
sigilo da identificação desses profissionais e da instituição em estudo.
Para escolher os gerentes a serem entrevistados, procuramos não restringi-los a um
ou outro segmento, de maneira que participaram cinco gerentes, abrangendo todos
os segmentos. Da mesma forma, não foi restringido o sexo. Todos que foram
contactados aceitaram participar sem restrição.
4.4 FALANDO DO TRABALHO DE CAMPO
Para ter o maior acesso possível às formas, aos modos de ser e de fazer o trabalho,
bem como às dificuldades e singularidades que caracterizam a função de ser
gerente bancário de relacionamento e atendimento na instituição pesquisada,
utilizamos a entrevista semi-estruturada, com a finalidade de disparar nesses
trabalhadores um processo de narrativa e descrição concernente a seu próprio
trabalho.
Na pesquisa qualitativa, segundo Lakatos e Marconi (1990, p. 66),
[...] o acesso verbal, a conversa, tem papel especial (cf. Langer, 1985). É
difícil inferir significâncias subjetivas a partir de observações. É necessário
deixar o próprio sujeito falar, eles mesmos são, inicialmente, os experts de
seus próprios conteúdos de significâncias.
70
Assim, a pesquisa se deu por meio da realização de entrevistas individuais, visto que
não foi possível reunir um grupo de gerentes, com esse propósito, num horário em
comum, devido até mesmo à realidade e peculiaridades de trabalho que vivenciam
diariamente.
Essa metodologia permitiu a inclusão na análise de aspectos subjetivos e de
conflitos vividos pelo gerente bancário no curso da realização de seu trabalho,
atendendo ao objetivo proposto. Além disso, em sua escolha, também foi levado em
consideração o fato de a pesquisadora fazer parte da instituição em pesquisa.
Assim, foram requeridas as "dicas", os detalhes que são dados pela experiência e
aqueles que caracterizam um modo mais pessoal de lidar com as situações comuns
do cotidiano de trabalho.
Segundo Dejours (1994), provocar a explicitação e a clarificação do conteúdo, dos
modos operatórios e da organização do trabalho pelo trabalhador permite revelar e
tornar consciente os pontos obscuros, as zonas de conflito e as interfaces que se
tornam difíceis de serem suportadas.
Como nos afirma Schwartz (2000), “não é fácil falar sobre o trabalho”. Adotamos,
nessa metodologia, a possibilidade de retornar ao trabalhador, marcar novas
entrevistas e voltar a ele sempre que se fizesse necessário, o que possibilitou
compreender algum tema que não tenha ficado claro no primeiro encontro,
permitindo que o trabalhador o desenvolvesse ainda mais. As questões norteadoras
foram abertas com o propósito de provocar a fala livre, visando a atingir os objetivos
propostos e abordando temas como: o que é ser gerente; a relação entre o trabalho
prescrito e o trabalho real; o fazer do trabalho e sua implicação com a vida, de
maneira geral, buscando intercessão entre a atividade do gerente e a sua saúde,
sua capacidade de renormatizações.
Para dar início ao processo da pesquisa, foram seguidos os seguintes passos:
primeiramente, realizamos (de maneira aleatória dentro da região a ser pesquisada)
um contato prévio com o trabalhador para informá-lo da pesquisa, saber de sua
disponibilidade e agendar um horário para a entrevista, no próprio local de trabalho;
no encontro agendado, fizemos uma breve explanação do propósito da pesquisa e
foi apresentado o Termo de Consentimento Informado (ANEXO C), aguardando a
71
leitura e assinatura do documento; a seguir, foi apresentada a introdução da
entrevista estruturada da seguinte forma:
Sou funcionária do banco e aluna do Programa de Pós-Graduação em
Atenção à Saúde Coletiva na UFES (Universidade Federal do Espírito
Santo). Interessei-me por esse assunto observando e pensando como meu
trabalho/pesquisa poderia contribuir para melhorar, transformar, a relação
trabalho-saúde dos gerentes bancários. Assim, gostaria que você pudesse
falar como é seu trabalho, como você o realiza. Eu já sei um pouco, mas
gostaria de saber mais sobre o dia-a-dia da sua atividade.
As “entrevistas” foram gravadas e transcritas, conforme informação contida no termo
assinado, para maior aproveitamento e fidelidade dos dados.
72
5 CONHECENDO O TRABALHO DOS GERENTES
5.1 UMA BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE A LINGUAGEM
Os debates atuais sobre o trabalho e suas transformações têm feito emergir, entre
outras questões, a da dimensão comunicacional do trabalho. Conforme Boutet
(1993), a parte lingüística e interacional têm sido explorada por pesquisadores de
diversas disciplinas, dentre eles, Schwartz (1988), Faïta (1989), Lacoste (1989),
Bakhtin (1981).
Para Boutet (1993), o objetivo é compreender as relações entre atividade de
trabalho e atividade de linguagem, é poder compreender o engajamento complexo
dos sujeitos em sua fala, não o reduzindo (o engajamento) ao enunciado
30
dos
conhecimentos, mas permitindo entender por que “dizer seu trabalho” representa,
freqüentemente, uma tarefa difícil e “nunca” satisfatória.
A linguagem proporciona, em qualquer situação social, pelo menos as propriedades
que Boutet (1993) lista: o processo de colocar em palavras tem uma função de
descoberta para os sujeitos, permitindo a construção ou elaboração de saberes e de
conhecimentos novos, que não preexistiam antes de as enunciar; os discursos
31
são
mais freqüentemente analisados pelo que querem dizer. Procura-se transmitir ao
outro palavras que façam sentido para ele, moldadas, também, às organizações
materiais que são as línguas e que impõem exigências particulares ligadas ao
sistema fonético, morfológico ou sintático. As comunicações no trabalho não se
acompanham apenas de diálogos finalizados, pois a atividade de linguagem é um
processo ao mesmo tempo cognitivo, psíquico e afetivo, e a enunciação engaja os
sujeitos como indivíduos singulares complexos que possuem e exprimem, ao mesmo
30
Enunciados não são aqui considerados nem uma proposição, nem um ato de fala, nem uma
mistificação psicológica de alguma entidade que se situasse abaixo ou mais por dentro daquele que
fala. Nesse sentido, o enunciado não é restrito a uma verbalização permeada pelas regras da
gramática. Podemos reconhecer como enunciado toda e qualquer manifestação de um determinado
saber que seja aceito, repetido e transmitido. Ou seja, os enunciados são os elementos que, em
conjunto, constituem um discurso, sinalizando o regime de verdade em um espaço e época
determinados (FOUCAULT, 2002).
31
Para Foucault (2000), o discurso é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada
área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa. O
discurso é um acontecimento histórico e político, não cabendo o interesse de questionar quem fala,
mas sim como a fala foi produzida.
73
tempo, conhecimentos, saberes, emoções e afetos. Ou seja, a atividade de
linguagem é também um processo corporal.
A atividade de linguagem supõe, necessariamente, a dimensão da língua, entendida
como um sistema de signos e uma organização particular desses signos, sendo,
portanto, exterior aos sujeitos, arbitrária, um conjunto de exigências sobre a qual a
margem de manobra ou iniciativa dos locutores é bastante reduzida, além de ser
coletiva, visto que nenhuma língua pode ser propriedade de um indivíduo, se sua
essência é criar laços sociais entre os sujeitos.
Sendo assim, é com esse material semiótico coletivo que cada indivíduo vai exprimir
sua experiência, seus desejos, saberes, afetos, aspectos extremamente singulares.
Logo, temos um paradoxo: cada indivíduo utilizará uma língua arbitrária,
coletivamente elaborada, para exprimir uma experiência única, como é o caso das
situações de trabalho.
Daí que Schwartz (apud SOUZA-e-SILVA, 2004) afirma a dificuldade de falar sobre o
trabalho, o que muitas vezes provoca a sensação de incompetência lingüística. No
entanto isso confirma que o material semiótico à disposição é sempre lacunar,
particularmente nas situações de trabalho. Além disso, o desejo de colocar a
experiência em palavras é raramente uma atividade voltada para si, mas,
fundamentalmente, para o outro. Assim, para falar do trabalho, o indivíduo dirige-se
a outro que partilha só parcialmente (ou nada) sua experiência.
Em nosso caso, há um conhecimento prévio do que vem a ser o trabalho dos
gerentes de relacionamento e atendimento, contudo, só o trabalhador possui
propriedade para falar de seu trabalho, o que compreendemos justificar o fazer
desta pesquisa.
5.2 AS DIVERSAS AGÊNCIAS
Seguindo o enfoque dado, consideramos, ainda, importante, antes mesmo de iniciar
nossa análise propriamente dita, o fato de que cada agência da instituição
pesquisada, localizada numa região particular, também apresenta peculiaridades
ímpares, o que influi tanto na elaboração coletiva da linguagem, quanto nos modos
de ser e de fazer o trabalho. Os públicos variam de um lugar a outro, instigando os
74
trabalhadores a se adequarem ao atendimento, o que remonta às formas de como
falar, agir e abordar, bem como à forma de se organizar o trabalho – uma vez que
cada agência, a depender de sua dimensão, é caracterizada por um porte específico
que acarreta diferenças salariais para os gerentes de maneira geral e no número
desses em cada segmento, influenciando muito na divisão do trabalho e na própria
cobrança e exigência da produção de resultados.
Essas particularidades podem ser demonstradas nas falas abaixo, dos gerentes.
O atendimento muda de agência para agência. Aqui tem essa
característica: este segmento é composto 80% por pessoas simples que
têm muito dinheiro; uma faixa etária mais elevada; são mais
conservadores; mais carentes de confiança que de informação.
Agência menor parece que o relacionamento é mais... até com os colegas
é mais íntimo, entendeu? É mais chegado, você conhece todo mundo,
conhece mesmo, até a família, você conhece todo mundo.
Lugar pequeno, a sensação que dá é que seu risco é menor. Você sabe de
todo mundo que tá entrando na agência, onde ele mora, o que ele faz,
quem é a família dele... quando entra uma pessoa estranha, aí você
começa a se preocupar mais em olhar uma assinatura, porque ele tá aqui,
o que quer... Aqui, não, aqui você tá correndo risco direto.
Contudo, quando os gerentes ressaltam essas singularidades, além de demonstrar
que as agências e sua clientela são diferentes umas das outras, chamam a atenção
para que essa diversidade seja considerada melhor, quando as metas são
elaboradas e cobradas, partindo das reais condições de trabalho que possuem:
A meta que eles colocaram pra nós é maior que a nossa capacidade, no
sentido... não é nem questão que você não tem mercado, você tem pra
fazer, mas o problema é que você tem muita demanda de gente aqui o dia
inteiro, [...] em média passa mil pessoas por aqui, aquele andar, só entra
bolsa escola [...].
Não é que a meta é inatingível, em questão de mercado, em termo de
mercado você tem onde trabalhar isso, o que você não tem é tempo e
condição de tá fazendo esse trabalho em função do povão que você tem
que atender; você chegou aqui uma hora dessas
32
e a minha mesa ainda
tá essa bagunça toda, então, quer dizer, a gente trabalha muito aqui, já era
pra ter outra agência ‘deste banco’, eu acho que pelo menos mais duas
davam conta.
32
Às 19 horas.
75
5.3 MAS... O QUE É SER GERENTE?
Conforme já expomos, para se tornar gerente, é necessário ter sido qualificado pelo
exercício das atividades de gerente hierarquicamente inferior ou por meio de
processo seletivo interno, o que reporta à realização de uma entrevista de caráter
decisório e que permite observar as características pessoais importantes para o
cargo.
Daí, conforme podemos apreender com os trabalhadores, tornar-se gerente já é um
desafio e tanto. Cada processo é composto por várias fases e todas elas implicam
esperança e, ao mesmo tempo, tensão. Inclusive, conforme a fala de um deles, o
processo é mais abrangente e complexo do que parece:
Eles analisam tudo, não é só aquele momento da entrevista, eles têm todo
um histórico. Junta seu gerente geral, entendeu? Junta seus colegas...
opiniões... vão formando, então, a opinião deles. Não é só aquela prova e
aquela entrevista. Se fosse só a prova e a entrevista... [...] é uma pressão
psicológica horrível. Você vai ficando nervosa, não tem jeito.
Na verdade, espera-se que todos tenham vontade de ser gerentes, mesmo que isso
não passe por todos os trabalhadores bancários. No entanto, todos, ou a maioria, se
inscrevem nos processos, nem que seja apenas para “enganar” seus superiores,
dizendo ter tal interesse:
[...] alguns não querem assumir essa responsabilidade. Eu não vejo que
todos queiram ser gerentes, mesmo com a questão financeira, nem todos
querem ser gerentes. Com aquela questão de nível de estresse, questão
do receio com a responsabilidade... Porque você pode perceber que todos
hoje, para poder ser gerentes, têm que fazer um teste e nem todos querem
fazer esse teste. Alguns fazem o teste por fazer, para mostrar que têm
interesse, outros nem isso fazem. [...] em uma agência bancária você tem
como crescer só sendo gerente. Hoje, você já pode crescer sendo caixa
executivo, que retornou esse ano, né? Ou você vai ser um agente ou ser
gerente, você não tem outra função intermediária aí, dentro de uma
agência.
Sendo assim, uma vez gerente, o que é preciso fazer? Como se deve ser?
Foram múltiplas as considerações sobre “o que é ser gerente”. Tentaremos expor
algumas delas aqui a partir das seguintes falas:
A tarefa de gerente é negociar. No caso de gerente empresarial... é buscar
cliente, trazer cliente, é trabalhar a carteira, né? A carteira que já tem na
agência e não tá trabalhada... fazer negócio, focar no resultado, fazer o
resultado, lógico que nunca esquecendo a equipe, porque o gerente
sozinho não faz nada. A equipe tem que tá bem treinada pra fazer a
máquina funcionar.
76
É, a maior atividade é tá emprestando, porque eu posso trabalhar o mês
todo, tabelar tudo, mas se eu não emprestar nada, para a
superintendência, eu não trabalhei, o negócio deles é emprestar.
Basicamente, a atividade do gerente é emprestar, negociar, cumprir as metas. Além
disso, tem que se ater à equipe, até mesmo para conseguir alcançar o que é
cobrado. Assim, seu papel também é administrar, instruir, solucionar, motivar e,
ainda, promover a equipe perante seus superiores:
Um terminal que não esteja funcionando, um sistema que não esteja
funcionando, o problema de um atendimento de um cliente que chega na
agência para ser atendido... É uma situação que ele precisa tirar uma folga,
umas determinadas férias. Então você tem que administrar o empregado,
tudo que ele necessita, tá? Administrar o estresse do dia-a-dia do
atendimento. Então você é pressionado dessa forma. E você tem que estar
ali sempre de forma a ajudar a compreender.
Hoje mesmo a gente tava falando que o superintendente vai vir aqui
amanhã, aí o gerente geral mandou falar pra que todos saibam sobre as
campanhas que estão em andamento, aí eu perguntei se ele sabia quantas
campanhas nós temos hoje, ele respondeu: ‘Eu não sei, mas você tem que
saber pra passar pro pessoal’.
O gestor, acho que o papel dele é dar... tentar dar essa sacudida,
conversar, né? Botar pra frente.
Você não pode aumentar salário de um empregado, você não tem esse
poder de aumentar salário, né? O reconhecimento é a única coisa que você
pode fazer. É mostrar o que ele tem de bom, e que ele consegue fazer um
bom trabalho. Então você mostra esse profissional para a gerência até
mesmo para a superintendência. Isso você tem como fazer. E é uma
cobrança do empregado. Essa cobrança é muito boa... pro gerente é o
papel dele também fazer isso, mostrar que aquele empregado, ele quer
crescer e que ele tem condições de crescer.
Pelo que vemos, é necessário saber fazer uso dessa equipe, corriqueiramente
denominada “apoio” para, literalmente, ter apoio e atingir o objetivo de cumprir
metas. Por outro lado, parece ser importante vigiar (ou confiar), cuidar para que
esteja saindo tudo conforme as regras:
A gente procura colocar a pessoa mais centrada pra fazer a avaliação de
risco de crédito. É aquela pessoa que tem mais dificuldade de se
relacionar, que não é muito extrovertida; as pessoas que são mais
extrovertidas a gente procura colocar pra atender o público. É uma coisa
que é um pouco complicada, porque a gente tem que adequar as pessoas
à função correta.
E você tem o atendimento daquelas seis horas, e o cliente quer estar
sendo atendido pelo gerente, e você não tem aquela questão de controle
de todo o processo que é feito pelo seu apoio. Você tem que confiar,
confiar e confiar. E essa situação te leva ao estresse também, muito
estresse. Tem colegas que não suportam esse nível de estresse.
77
Só a equipe, no entanto, não é capaz de cumprir as metas, o gerente precisa
também colocar-se à disposição para o operacional, para o dia-a-dia, para a solução
de problemas com os clientes que só cabe a ele dentro da agência resolver, ou
absorver? Como vemos:
O gerente hoje, além de ele ser... ele é um gestor, mas, além de um gestor,
ele operacionaliza também, porque você não tem quantidade de
empregados suficiente para só fazer gestão sobre a situação. Hoje ele é
um profissional que também põe a mão na massa, ele não tem condições
de só coordenar uma equipe.
O cliente, quando está insatisfeito com algum tipo de produto, até mesmo
de serviço, ele quer falar com o gerente, não fala com o apoio, né? E ele
vem de uma forma carregada, então você tem que dá toda uma forma de
absorver aquilo que o cliente está passando sem fazer aquele transtorno
todo. Acalmar o cliente de uma forma, porque você tem que resolver o
problema, ninguém vai resolver o problema a não ser você. Ele já passou
pela equipe de apoio, já passou por outros atendimentos.
Da ação de atender o gerente veicula uma estratégia de alcançar o que precisa. É
por meio do relacionamento que consegue o retorno necessário, mesmo que, muitas
vezes, até contrarie seus valores e privilegie aqueles que têm mais condições de lhe
responder, ou melhor, de responder aos objetivos do capitalismo:
Eu acredito que, hoje em dia, os gerentes estão buscando relacionamento,
alguns com mais dificuldade, mas tão buscando. Porque todos sabem que
em todo segmento é essencial. Se você não atende bem... se você vai num
lugar e não é bem atendido, você volta? Não volta. É tudo igual, que nem
supermercado.
Eu sempre procurei tratar as pessoas com respeito, com atenção,
buscando atender às necessidades dela, oferecendo os produtos deste
banco, mas não empurrando os produtos, tentando fazê-la entender que é
uma via de mão dupla, que ela precisa de mim e eu preciso dela. [...] eu
nunca destratei nem inadimplente. Eu não destrato. Inadimplente
principalmente, você tem que tratar muuuito bem [...]. Não é tratar bem só o
cliente que tem muita coisa, que te dá muito retorno. É lógico que você não
consegue atender todo mundo da mesma forma, você tem que direcionar
pra aquele que te dá maior retorno porque você tem uma meta a cumprir.
Na realidade, a gente fala que não é diferenciado, mas é. Se chega um
empresário de grande porte e pede algo, não tem como eu deixar ele
esperando, mas, ao mesmo tempo, eu não posso tá fazendo isso pra todo
mundo. Aí eu falo: ‘Eu te dou um malote
33
e tal... ’ e tem aqueles que estão
aqui todo dia pra sacar dinheiro e não tem como você fazer isso pra todo
mundo. Tem uns clientes que você tem que fazer. Agora, falar que o
tratamento é igual pra todo mundo não tem como ser. A forma de tratar o
33
Dar um malote significa comodidade para o cliente, que vai deixar todas suas contas e operações
no banco para serem operacionalizadas e pegá-las no dia seguinte. No entanto, não são todos que
têm o privilégio de ter malote, é preciso ter um relacionamento, ter produtos e operações rentáveis
para o banco.
78
ser humano é igual pra todo mundo. Agora, tem uns que você tem que
privilegiar: esse é o sistema capitalista.
O esforço do trabalhador no apelo ao atendimento demonstra ser tamanho que o
gerente tem que procurar se colocar, e sempre, de maneira tranqüila, centrada, e
deve “abrir mão” até de seus gostos e opções na vida, de modo a proporcionar um
encontro rentável – ao banco, no caso.
Mas você tem que ser uma pessoa centrada, acho que esse segmento
exige isso. Você tem que ser centrada, não pode ser estressada. Falar
nesse tom de voz que eu estou falando (bem baixo).
Gerente tem que ter empatia, ele tem que agradar, ele tem que mostrar
também o lado dele, né? Ele tem que se gerenciar, ele tem que ser um
consultor, como se fala hoje, ele tem que ser o político. O cliente tem que
acreditar nesse gerente, tem que ser uma pessoa de confiança, pessoa
que vai resolver as situações naquele determinado momento. Não só o
produto, ele tem que também ter a questão interpessoal, a empatia com o
cliente. Então ele tem que ser multi, né? Dessa forma [...]. Hoje eu falo que
o gerente não pode ter time de futebol, não pode ter religião, não pode ter
partido político. Você tem que falar, realmente, a forma do cliente naquele
sentido. Você não pode ser superior nem inferior, você tem que ser igual.
Diante dessas atribuições construídas em torno do que é ser gerente, ainda fica
aquela voltada ao relacionamento interno ao banco. Além de o gerente ser o
responsável principal pelo atendimento ao público externo, pela equipe, por todas as
operações que são realizadas no âmbito de sua gerência, dele ainda é exigida uma
atenção diferenciada com os próprios colegas de trabalho, como é apresentado no
relato abaixo:
Se você senta aqui e começa a trabalhar e pára só na hora da saída, pra
você não tem nenhum tipo de interação, você passa a semana sem ver seu
colega, então é isso que a gente, aqui, nessa agência particularmente, tem
que estar se policiando, porque eu acho muito importante que a gente não
perca esse elo de ligação, porque, tipo assim, se seu colega tá com
problema, se seu colega tá angustiado, vai e dá apoio. O papel do gerente
tem que ser esse também, é mais um dos papéis de tá tentando, pelo
menos em alguns dos momentos que a pessoa precisa, não é ficar
passando a mão na cabeça, é tentando fazer com que as pessoas saibam
que você está ali para qualquer eventualidade.
A partir de todas as pressões que sofre, fica a questão: gerente... ou sanduíche?!
Quando eu saí da agência, eu chorei muito porque... não pelas coisas boas
que eu passei, porque eu também passei por coisas ruins, mas pela
pressão que eu tive que agüentar em alguns momentos pra não estar
passando isso pra ninguém, e eu falei: ‘Valeu muito a pena, porque eu
consegui dar amor próprio à equipe que não tinha’.
O gerente hoje é pressionado de todas as formas. Ele é um indivíduo
pressionado. Ele tem que atingir a meta, ele é pressionado pelos
79
empregados, né? Pela sua equipe, de baixo para cima, e ele é pressionado
pela sua chefia, de cima para baixo. Então ele fica naquela questão de
sanduíche, porque ele tem que fazer com que a equipe seja motivada, que
a equipe dê resultado, porque ele não consegue fazer resultado sozinho,
porque não tem jeito de você atingir sozinho, e ele tem que fazer resultado,
e aí a parte de cima cobra aquele resultado. Então há uma situação e você
não tem como cobrar da sua equipe. Você tem como fazer com que ela se
motive, da necessidade disso de você fazer aquele resultado. Então ele
fica naquela prensa, naquele sanduíche. De um lado, a equipe e, de outro
lado, quem cobra esse resultado.
Ou seja, como nos atestam Grisci e Bessi (2004), em face às transformações do
modo capitalista global, transformam-se as teorias e práticas de gestão, requerendo
de quem trabalha, além de qualificação e performance, características como
iniciativa, mobilidade, cooperação, domínio do processo, capacidade de prever e
eliminar falhas, capacidade de comunicação e de interação com o próprio trabalho e
com os demais trabalhadores e, principalmente, com os clientes.
Assim, vimos que, diante do que é imposto pela hierarquia e pelo próprio coletivo de
trabalhadores, o gerente precisa dar tudo de si, recorrendo às suas próprias
capacidades, recursos e escolhas para realizar seus diversos papéis que, na
verdade, não estão descritos em nenhum manual ou orientação, como veremos na
próxima análise.
5.4 DO PRESCRITO AO REAL
Ao discutirmos sobre o que é ser gerente, logo emerge a questão sobre a prescrição
e o trabalho real desses trabalhadores. Podemos retomar o enfoque da linguagem
pensada por Bakhtin (apud BOUTET, 1993) para trazer considerações acerca do
que nos propomos tratar aqui.
Segundo seu entendimento da dialogia, Bakhtin afirma que todo enunciado, todo
discurso é tomado em um fluxo ininterrupto de palavras. Os diálogos produzidos com
os outros se inscrevem numa continuidade de discursos, numa cadeia de
enunciações que não tem nem início nem fim. Toda palavra retoma uma outra
palavra, responde, contesta, modifica, repete um discurso já produzido... mesmo se
não se tem a consciência e se pensa que se produz algo novo. Para Bakhtin, nosso
pensamento, nosso julgamento é elaborado a partir de um universo discursivo “já aí”.
Daí ser difícil falar sobre o trabalho, ter palavras para expressá-lo como se quer. Tal
contribuição remete à distinção estabelecida entre trabalho prescrito e trabalho real,
80
uma vez que o trabalho prescrito está diretamente em relação com o linguajeiro (por
meio de normas, regulamentos, relatos... escritos ou falados) e o trabalho real não
dá lugar a uma mesma atividade social de verbalização, ao contrário, ele se faz, se
completa, é o lugar dos saberes-fazer incorporados, é o próprio lugar do não-dito, do
secreto, daquilo que não pode se exprimir, pois é o lugar onde se conduz
diferentemente daquilo que é prescrito fazer.
Assim, discorrer sobre a atividade dos gerentes de relacionamento e atendimento
poderia ser tarefa simples se esta se resumisse apenas em ir em busca, por
exemplo, do manual normativo da instituição que rege essa função, como já
listamos.
Por sua vez, conforme nos alerta também Dejours (1994), a execução estrita dos
modos operatórios prescritos conduziria, de fato, a incoerências, à perda de tempo e
dinheiro, ou até, em certos casos, a impossibilidades materiais. Logo, respeitar
fielmente toda prescrição pode tornar impossível fazer o trabalho, como se vê nas
falas abaixo de um gerente:
Outra coisa que desgasta muito é o excesso de demanda que a gente
recebe. Se a gente for levar em consideração e fizer tudo que eles pedem
pra gente fazer... é impossível.
Eu fico atendendo, aí é um atendimento que, para o que este banco quer,
não é producente, porque um cara quer tirar um talão de cheque
embaixo, ele não consegue porque tem que tirar a marca, tem que ir
desbloquear, só com a senha do gerente que você consegue fazer aqui.
Então fica tudo em cima do gerente. O cara atende, mas não tem a senha
pra resolver, então sobrecarrega muito, dá um desgaste [...]. Se tá
atendendo, pedindo pra fazer algo a mim ou a outro, a gente fica um pouco
frustrado, porque a gente fica o dia todo e não produz nada, só resolve um
problema, só fazendo papel de bombeiro pra apagar incêndio.
Assim, também podemos perceber o quanto o trabalho do gerente de
relacionamento e atendimento é imprevisível, dinâmico e centralizado em sua
responsabilidade:
Então, lá embaixo eu consigo dar apoio. Mas, aqui em cima, só quando eu
subo e não subo sempre. O dia que pega, e o cara me liga pedindo
socorro, eu largo tudo aqui e vou lá e os meninos tomam conta aqui.
Tem muita coisa pra fazer, tem dia que eu já chego e já vou pro segundo
andar, eu não tenho rotina fixa, tem dia... é, digamos, por exemplo, eu
chego e a porta do auto-atendimento tá arrombada, eu faço o chamado,
porque é nossa obrigação, e aqui a gente não tem um agente
administrativo.
81
Isso confirma que o trabalho real desses gerentes, aquele que é efetivamente
realizado, é muito distante do trabalho que está prescrito. O cotidiano, o conjunto de
atividades que desenvolvem, implica, todos os dias, novas formas de ser e de fazer
que se incorporam. Não passa apenas por uma simples execução, mas carece de
um total engajamento do trabalhador em frente às variabilidades a que está sujeito.
Como dito, engajamento do corpo, do psiquismo, com sua história e valores. Ou
seja, o trabalho real relaciona a dinâmica da própria vida com uma constante
(re)invenção, servindo-se dos meios disponíveis. Segundo Dejours (1994), para
preencher e ultrapassar as incoerências, as inconveniências, as insuficiências e as
impossibilidades práticas da organização prescrita do trabalho, as escolhas técnicas
e operárias feitas pelos trabalhadores devem ser entendidas a partir da mobilização
efetiva da iniciativa, da inventividade, da cooperação.
Nesse sentido, a atividade do gerente reporta ao conceito de saúde que adotamos.
Diante das variabilidades, o gerente tem a possibilidade de ultrapassar a norma que
define o normal momentâneo e de instituir novas normas. E isso é saúde:
Então a função gerencial, hoje, ela cobra muito. Você tem uma
responsabilidade, mas eu gosto, me motiva, eu gosto de lidar com gente,
gosto muito de atender gente, se me colocar em função, mesmo se for
gerencial em retaguarda, me dá sono, me dá desânimo. Muito papel, não
gosto. Eu gosto de ver gente, de movimento, de sair, de visitar, entendeu?
De fazer negócio, de fechar, isso aí me dá motivação.
Quando você atende o telefone, tem demanda de serviço. E acaba vindo
mais ligação em cima, porque a telefonista sabe que você atende e joga,
entendeu? Aí eu tive uma saída, eu encontrei uma saída, né? Eu aprendi a
bloquear o telefone.
Não tem fórmula, cada dia você está aprendendo mais, você não tem uma
fórmula de atuação. Você tem que ter o conhecimento, mas a forma de
atuação, de cada pessoa é diferente, né? Elas não são iguais. [...] você não
pode... o gerente não pode ser antipático. Claro que ele tem que conduzir,
tem que ser educado, porque existe uma normativa da empresa, existe
uma situação toda, existe o foco da empresa, mas sem que o cliente
perceba nesse sentido, porque, se você cria uma antipatia, você não
consegue fazer mais nada. Porque a concorrência está aí, vai para outra
instituição que vai oferecer do mesmo jeito. Então você tem que ter toda,
todo um mecanismo de atuação, toda uma forma de atuação. Cada
empresa ou cada pessoa física ela é de forma diferente. Mesmo que seja
um atendimento-padrão, a empresa seja padrão, uma atuação-padrão, mas
cada cliente ele é... ele é diferente.
Todavia, nem sempre essa mobilidade está atrelada à saúde. Muitas vezes, o
trabalhador gerente se vê em circunstâncias que poderiam ser caracterizadas como
82
mais custosas à sua capacidade de instituir novas normas, comprometendo a
possibilidade de expansão e invenção, como eles mesmos afirmam:
A gente tem que tá descobrindo a melhor forma de atendê-lo. E a melhor
forma de atendê-lo é descobrir quais são as angústias dele, quais são os
desejos dele, quais são as necessidades... e isso, às vezes, estressa a
gente.
Mas se ele (o cliente) começar a gritar, você tem que falar mais baixo
ainda, tá? Aí ele abaixa o tom. É lógico que, depois que ele sai, você tá
assim, né? [tremendo]. Você descompensa, eu descompenso, mas... na
frente dele... Eu não sei se isso é bom pra minha saúde. Às vezes você
precisa explodir também, né? Mas, na frente do cliente...
Chegou num ponto que eu não tava agüentando mais. O telefone tocava e
eu tremia. Eu chegava em casa e não agüentava ouvir o telefone tocar.
[...] eu acho que é inerente a todos os gerentes. Você não tem que se ater
à questão financeira, à questão que está se colocando aqui. A gente tem
que procurar ouvir muito, às vezes o cliente não quer falar e a gente tem
que perguntar. É, como diz o outro: ‘suntá um pouco o assunto’, vai dando
linha, e aí ele vai se abrindo até que você tenha uma idéia da situação para
que você possa adequar ou um produto, ou uma aplicação ou uma solução
pro cliente para que melhor atenda ele. E, às vezes, a gente até se iguala à
profissão do psicanalista. Tem muita gente que chega aqui preocupado, ou
tá doente daquilo, angustiado, aí a gente tem que tentar tranqüilizar as
pessoas.
Por outro lado, no processo
34
desta pesquisa, coube uma curiosa questão: os
gerentes de relacionamento e atendimento conhecem o manual que rege a função?
Qual não foi nossa surpresa com algumas respostas:
Nunca vi.
[...] O manual acho que deve ter, porque tem que ter, mas, na verdade,
ninguém olha. A gente acompanha olhando as metas, o que tá bom, o que
não tá, o que precisa fazer pra melhorar...
A partir disso, permitimos um olhar diferenciado sobre essa questão, a ponto de nos
indagarmos: existe mesmo um trabalho prescrito para esses gerentes?
Tem as metas pra você bater, se você bater, aí tá feito seu trabalho, agora,
como você vai fazer pra atingir... Tem as normas pra você seguir, os
normativos pra você poder fazer. Como você vai fazer pra conseguir
conquistar esse cliente, pra fazer essa meta... Aí não tá escrito em lugar
nenhum. Aí é com você. Aí você vai criando habilidades, você vai
crescendo, você vai amadurecendo, você vai aprendendo, você vai
apanhando, você vai caindo e levantando... e vai em frente, quanto mais
experiência você vai adquirindo, né? Por isso que o relacionamento é
importante, é muito importante, porque hoje, no mercado, todos os bancos
têm tudo.
34
Processo devido à sua variabilidade, seu caráter sempre renovado. Na verdade, esta pesquisa se
inicia desde quando entro no banco.
83
Este banco não passa isso pra gente. É a gente que monta estratégia, o
que eu vou trabalhar primeiro... qual o foco... a superintendência passa pra
gente algumas dimensões [...]. Então o foco do gerente hoje é: olhar o que
que este banco quer de mim... ele quer que eu faça isso, isso e isso...
Como eu vou fazer pra chegar a isso? Onde eu vou buscar?
Na verdade, você tem que ter o foco assim, né? [mostrou com as mãos
abertas ao lado dos olhos]. Você tem que ter o crédito, mas focando aquele
item que te dá mais rentabilidade... tem que ser supermulher, super
homem, você tem que olhar o cliente, ajudar o cliente, não queimar o seu
cliente, não acabar com seu cliente também, porque senão você perde,
né?... direcionar o produto certo pra aquele momento pra ele e focando
também os produtos que a gente tem que fazer, o que que precisa... tudo,
não existe uma tarefa determinada.
Segundo esses relatos, afirmamos que o prescrito, para esse gerente, se resume
numa determinação: bater as metas. Para esse fim, vai importar pouco o como, a
que preço foi alcançado, se com desgaste excessivo do gerente e/ou da equipe, de
maneira geral. Não existe também uma regra, uma estratégia global, uma norma-
padrão que todos possam seguir e, em qualquer agência, para chegar ao resultado
esperado. Cada trabalhador gerente tem que ir descobrindo, ir aprendendo, entre
erros e acertos (mais acertos que erros), o que nos faz entender que, na atividade
de gerente bancário, há um peso maior do uso de si pelos outros, significando que
cada um entra em um meio onde as exigências são muito fortes (SCHWARTZ,
2000). No caso, aqui denominado como o famoso “jogo de cintura”, como
exemplifica a fala seguinte:
O manual tá ali porque tem que tá, pra gente ter uma orientação. Pra gente
seguir 99,5%, 100%, não dá não. Acho que por isso que existe gerente,
porque senão nem precisaria, né? Tá tudo ditadinho ali, se não precisa ter
jogo de cintura, se não precisa resolver nada... todo mundo faz.
5.5 O TRABALHO DE GERENTE NO CONTEXTO DA
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
Anteriormente, dispomos como se deu, e ainda se processa, a reestruturação
produtiva do capitalismo e, mais especificamente, no trabalho bancário, como
também traçamos um paralelo dessa vertente com os novos modos de ser e de
trabalhar. Assim como afirma Filgueiras (2001), a busca incessante pela acumulação
flexível trouxe profundas transformações nos setores econômicos do Brasil, talvez
ainda mais para o setor financeiro.
84
Trata-se de grandes saltos tecnológicos atrelados às permissões das políticas
neoliberais e que possibilitaram outros focos de exploração, como da imaginação, da
capacidade de cooperação, da colaboração e das virtualidades da inteligência dos
trabalhadores, como é expresso nos exemplos abaixo:
Este banco passa pra superintendência fazer, ela distribui... Agora existe o
plano participativo, né? Que ela passa pra agência, e a agência vai colocar
quanto que acha que pode fazer, e concorda ou não, discute, e chega num
consenso... Antes nem era assim, era imposto... Mas acaba sendo imposto,
né? Porque acaba discutindo e... esse ano aqui... ano passado, nossa
meta era 12 milhões,
35
por exemplo, de capitação de pessoa jurídica, a
gente colocou um pouco mais, mas a gente sabia que a superintendência
queria 24 milhões. No final, o que que aconteceu? Ficamos com 23
milhões. A gente sabia o que eles queriam, mas nós, nós não vamos
colocar... é dar a mão à palmatória. Aí no final...
[...] agora a gente tá trabalhando no PNP (Plano de Negócios
Participativos), como que é participativo, se eles mandam pra gente fazer já
com os números? Vamos reunir, se não tiver o número que eles querem,
eles mudam, então fica uma coisa: faz de conta pra dizer que tá tendo a
participação de todo mundo. Se a gente não tiver isso bem claro pra gente
eu vou sofrer muito, vou pirar.
Os dispositivos de participação dos trabalhadores, como os CQCs, já discutidos no
capítulo sobre o trabalho atual, não passam de uma apropriação do fazer e saber do
trabalho, numa tentativa implícita (ou explícita e imposta) de eliminação da
organização autônoma dos trabalhadores, buscando a própria empresa fomentar o
trabalho em equipes e levar o trabalhador a se enxergar como parte da concepção
do processo produtivo, enquanto o que realmente determina o que e como produzir
nesse modelo é a lógica do sistema produtor de mercadorias demandado pelo
mercado consumidor, e não o trabalhador participativo – o que parece claro e
adoecedor para os gerentes.
A partir desse panorama, torna-se simples empreender das falas dos gerentes o
processo da reestruturação como mudança extrema nos modos atuais de trabalhar.
Como podemos citar:
Tem muito TB
36
aqui, eu acho até muito bom trabalhar com TB, porque não
tem vícios, né? Tá aprendendo devagar, igual a você tá, então não tem
aquele ranço... porque este banco mudou muito nesse tempo. Eu tô há 19
anos neste banco e... nossa mãe! Eu sou da época que a máquina
autenticadora no caixa era aquela grande e, quando faltava luz, você
puxava a manivela.
35
A fim de mantermos o sigilo da identidade dos gerentes que participaram dessa pesquisa, este e
outros números foram alterados, sem, no entanto, comprometer o entendimento do leitor.
36
Técnicos bancários.
85
Houve uma mudança muito grande desde a época que nós surgimos como
funcionário deste banco com a situação de hoje. Antigamente você
trabalhava, era uma demanda natural, as pessoas (os clientes) vinham pra
este banco... hoje não, hoje você tem que buscar no mercado, né? Você
tem que tá preparado com o conhecimento todo, de tudo quanto é produto,
é um leque muito grande. Este banco atua no mercado em processos
bastante complexos e é incomparável com outra instituição conhecida, pelo
menos com o que a gente tem acompanhado, né? Não tem a questão
somente do banco comercial, nós temos outras atividades e isso demanda,
assim, muito do profissional deste banco, né, do conhecimento, da
exigência, e não é como instituição particular, ou outra instituição
financeira, você tem vários focos, né? Você acaba se perdendo um pouco
nessa quantidade de foco que você tem.
Percebe-se que o novo cenário, criado pela reestruturação produtiva
contemporânea, redefine a atividade bancária e as habilidades requeridas para a
sua realização, demandando características próprias do trabalho imaterial. Como é
demonstrado na fala acima, agora o gerente precisa sair em busca do cliente, o que
não era necessário a um tempo, confirmando as mudanças nas estratégias
mercadológicas dos bancos, agora direcionadas para a qualidade no atendimento.
Essa nova configuração do trabalho, do trabalho imaterial, demanda que o
trabalhador gerente seja mobilizado a ser também sujeito desse processo, sendo
suas características pessoais, antes massificadas, agora tidas como fator
competitivo, no sentido de que, como citamos Grisci e Bessi (2004): para se produzir
o bem imaterial, é necessário construir o bem imaterial, que se constitui no desejo,
opiniões, gosto das pessoas, ou seja, a construção do cliente.
Passa a se fazer necessário um trabalhador gerente polivalente e flexível. Contudo,
segundo Sennett (2004), entendendo que a flexibilidade é a capacidade de ceder e
recuperar-se, como a árvore que se dobra ao vento e volta à posição normal, o
comportamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil de uma árvore, ou
seja: ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas. Nesse
sentido, o gerente trabalhador precisa colocar-se flexível às exigências
contemporâneas, ao mesmo tempo em que precisa manter-se saudável para esses
enfrentamentos, uma vez que essa flexibilidade nada tem a ver com a capacidade
de renormatização da vida, de invenção, pois retrata um movimento já previamente
determinado pelo sistema, que minimiza o exercício da liberdade e da autonomia.
De qualquer forma, Sennett (2004, p. 33) ainda alerta sobre os perigos dessa
flexibilidade: “O que é singular na incerteza é que ela existe sem qualquer desastre
86
histórico iminente; ao contrário, está entremeada nas práticas cotidianas de um
vigoroso capitalismo. A instabilidade pretende ser normal”.
5.5.1 Sob os ditames do tempo
Um dos destaques das transformações vivenciadas pelo processo da reestruturação
produtiva tem sido a mudança na noção de tempo, das novas maneiras de organizá-
lo.
Conforme Deleuze (1992), estamos deixando para trás as sociedades disciplinares –
descritas por Foucault (1987), situadas nos séculos XVII e XVIII, com apogeu no
início do século XX – que se propunham à capitalização do tempo, aperfeiçoando o
esquadrinhamento inicializado pelas ordens monásticas para transformá-lo em
operador fundamental aos modos de produção daquela época, para entrarmos em
sociedades de “controle”, que funcionam não mais por confinamento,
37
mas por
controle contínuo e comunicação instantânea.
Para exercer esse controle e o imediatismo da comunicação, podemos destacar o
uso exacerbado da internet e das mensagens eletrônicas, que invadiram o ambiente
empresarial. Aliás, Deleuze (1992) atesta que, se fôssemos corresponder um tipo de
máquina a esse tipo de sociedade, esse tipo seria o computador, perfeito
instrumento para essa finalidade que, como vemos, faz parte do cotidiano de
trabalho dos gerentes e imprime mudanças em seu processo de trabalho:
[...] de manhã cedo, a gente chega: tem que dar uma olhada na caixa de e-
mail, que é uma quantidade absurda de mensagens que você recebe todo
dia. Se você for olhar todas as mensagens, você nem trabalha, então a
gente tem que fazer uma triagem sobre os títulos mais importantes.
O tempo, agora, apresenta uma noção de tempo virtual, contabilizado em metas e
marcando um ritmo acelerado na produção e na busca de informações atualizadas,
o que é visto claramente na atividade dos gerentes bancários:
[...] a mudança é muito, muito... você vê que um processo de habitação ele
é bastante extenso, e a mudança ela é... a todo momento, né? Não vou
falar diariamente, mas, inicialmente, é uma mudança muito grande, você
tem que estar sempre sendo atualizado.
Como nos traz Sennett (2004, p. 21), o controle agora é o de curto prazo:
37
Como os espaços fechados da família, da escola, da fábrica, do hospital, da prisão.
87
Os líderes empresariais e os jornalistas enfatizam o mercado global e o uso
de novas tecnologias como características distintivas do capitalismo de
nossa época. Isso é verdade, sim, mas não vê outra dimensão da
mudança: novas maneiras de organizar o tempo, sobretudo o tempo de
trabalho. O sinal mais tangível dessa mudança talvez seja o lema ‘Não há
longo prazo’.
Por outro lado, enquanto nas sociedades disciplinares não se parava de recomeçar,
nas sociedades de controle nunca se termina nada. Curto prazo, sim, porém
contínuo, como traz Deleuze (1992) e como é retratado na seguinte fala:
No meio do ano, às vezes, você tá bem aí... aí tem que adequar de novo,
tem que distribuir de novo. Aí, às vezes, a agência que já tá bem, que já
deu o sangue... acaba recebendo mais meta porque: ‘Tá bem? Então pode
ajudar mais!’ [risos]
Esse ritmo frenético impresso no cotidiano de trabalho dificulta o uso desse tempo
para outras coisas que não seja a produção. No caso do gerente, obstaculiza seu
olhar para o que não seja cumprir metas, mesmo até que se estenda a jornada de
trabalho, como exemplifica esta fala:
Então você tem essa preocupação. Você quer, você tem que fazer os
números, e esses números têm que estar cem por cento corretos. Se não
estiverem cem por cento corretos, você responde por aquilo. E você é
quem assina, quem são os responsáveis são os gerentes. Quem faz o
atingimento das metas, quem empresta são os gerentes. A
responsabilidade é do gerente. Então você tem que fazer o seu trabalho,
tem que verificar se aquele seu apoio está fazendo correto o processo. E
você não tem tempo para isso, porque você trabalha oito horas, até mais
que oito horas, trabalha dez, onze, doze, você não assina o ponto, né?
Você não tem esse tipo de controle, do tempo que você trabalha pra este
banco, e você não tem esse tempo de fazer a conferência de todo o
processo dentro da agência.
Conforme o depoimento que segue, se o gerente não consegue atender às
exigências e às normas em tempo hábil, vê-se como incompetente e incapaz, mas
não se põe a analisar como está se dando, ou sendo imposta, a organização do
trabalho em sua instituição:
Agora eu tenho que aprender a sair às 18 horas, a sair no meu horário. Eu
adoro o horário de verão e não tô podendo curtir ele, mas não é por aí, isso
demonstra até uma falta de competência de estar fazendo, por exemplo,
isso que está na minha mesa era pra ter sido resolvido ontem, não era pra
tá aqui.
Assim, como podemos destacar, é caracterizada, também na atividade dos gerentes,
uma lógica ainda disciplinar de organização do tempo, que não lhes permite de lidar
com o que seja intempestivo, imprevisível, infiel, assim como é a vida e o meio em
que se vive.
88
5.6 SER COBRADO E VIGIADO
Como percebemos até aqui, a partir dos relatos apresentados, os gerentes têm de
cumprir as metas estabelecidas. Mas, como se dá esse processo? Como chega a
eles essa prescrição/exigência fundamental?
Conforme eles mesmos nos explicam, a destinação para tal cumprimento vem de
instâncias muito superiores, que extrapolam os limites da própria superintendência,
primeiro órgão superior na hierarquia da instituição que está diretamente relacionado
com os gerentes nas agências. Aliás, a superintendência também é partícipe do
escalonamento por que passa a cobrança.
Este banco tem um foco, tem uma estratégia pro que precisa, então vai
repassando isso, é uma cadeia, vai repassando isso, é efeito cascata, vai
espremendo de cima pra abaixo, se a agência não faz... o superintendente
é cobrado, que cobra do gerente regional, que cobra de quem? Da gente. A
cobrança da meta vem em cima do gerente. O gerente que organiza a
equipe pra atingir a meta, então a responsabilidade da meta é em cima do
gerente, e vem de escala, né? [...] e o gerente... filtra isso e distribui pra
equipe. E aí quem tem que tá acompanhando, quem tem que tá em cima, o
que que tá precisando, o que não tá... pra tá direcionando? O gerente.
Entendeu? Existe uma meta de N produtos, aí quem tem que tá olhando:
‘oh, gente, a gente precisa disso’; ‘a gente precisa fazer isso, a gente
precisa vender isso’; ‘isso aí não tá legal’. É o gerente. Acho que essa
responsabilidade, essa motivação até para os empregados, tem que tá
sendo passada pelo gerente. Esse entrosamento, vamos dizer assim.
[...] existe a superintendência, o gerente regional... onde tem aquela
questão de controle, é mais controle do que... e é uma exigência, um
acompanhamento dos batimentos das metas.
Podemos destacar que o gerente é a ponta do final desse encaminhamento. É nele
que chegam todas as pressões que vêm descendo degraus. Pressões ora amenas,
ora a todo vapor, provocando desconforto e indignação:
[...] num primeiro momento, eles cobram, né? Cobram, ligam, vêm
conversar, faz reunião, passa e-mail, pede produto... Eles perguntam o que
está acontecendo, se está com algum problema, eles procuram
acompanhar mesmo.
Eu que não agüento: pô, cara fica ligando todo dia me cobrando! A função
dele seria tá aqui vendo a dificuldade que a gente tem pra tá tentando
ajudar. O nome da função dele: gerente de mercado,
38
tem que tá no
mercado, mas ele fica enfiado no escritório só cobrando pelo telefone.
O gerente poderia passar e, geralmente, passa adiante essas pressões, cobrando
de sua equipe, mas sabe que a responsabilidade virá sobre ele especificamente.
38
Atualmente, a denominação dessa função é Gerente Regional de Negócios.
89
Para que essa cobrança seja exercida de maneira eficaz e diariamente, por telefone,
e-mail, em reuniões... toda a instituição conta com sistemas que permitem total
controle a partir das contribuições das novas tecnologias da informática:
Tem um sistema pra gente acompanhar todo dia, essa meta é medida
diariamente...
É o ‘Avgestão’, a gente olha, a matriz olha, aí manda: ‘oh, a
superintendência precisa de consórcio, tem que fazer consórcio’; ‘a
superintendência tá mal... não sei o quê’, aí passa pro superintendente. O
superintendente passa pro gerente de mercado, eles mandam pra gente, e
a gente corre atrás pra fazer.
Cada gerente de mercado acompanha seu segmento... e manda
parabéns... quando precisa de um produto pede... manda e-mail pedindo...
Embora estejamos mais afastados das sociedades disciplinares e mais próximos das
sociedades de controle, como nos afirma Deleuze (1992), esses depoimentos
remetem ao que Foucault (1987, p. 147) debate sobre a vigilância nas sociedades
disciplinares: “[...] a vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na medida
em que é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma
engrenagem específica do poder disciplinar”. Nesse caso, a disciplina fabrica
indivíduos em sua forma capilar de existir; é a técnica específica de um poder que
toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu
exercício.
Mesmo que essa vigilância tenha se aprimorado aos recursos atuais das sociedades
de controle, mantém sua característica de ser perpétua e constante nos indivíduos,
não bastando olhá-los às vezes ou ver se o que fizeram é conforme à regra. “É
preciso vigiá-los durante todo o tempo da atividade e submetê-los a uma perpétua
pirâmide de olhares” (FOUCAULT, 2002, p. 62), mesmo que sejam virtuais.
Este banco tem condições de auditar, mesmo fora, né? Não precisa da
pessoa física na agência. Existe auditoria física na unidade e existe
também através do sistema. Tudo nós somos auditados. Tudo o que você
faz, alguma situação que a auditoria fiscaliza, né? Tem como ver os
processos, ela solicita e você tem que estar respondendo. Então você tem
que saber o que que você está fazendo.
Nesse sentido, Foucault (1987) discorre ainda sobre um outro instrumento do poder
disciplinar que também é destacado pelos gerentes: o exame. Para Foucault, o
exame faz de cada indivíduo um “caso”, um indivíduo tal como pode ser descrito,
90
mensurado, medido, comparado com outros; também o indivíduo que pode ser
treinado ou retreinado, que tem que ser classificado, normalizado, excluído.
Como na fala abaixo, o exercício desse poder faz de tal descrição um meio de
controle e um método de dominação.
É preocupação constante do gerente se os números estão acontecendo,
porque ele é avaliado através dos números, está virando um CPF. Esse
CPF está conseguindo produzir assim, então esse CPF está ok. Se esse
CPF não tiver condição técnica nenhuma, esse CPF está vulnerável a
alguma situação.
O negócio são os números. Lá em Brasília eles estão olhando os números,
eles não conhecem você.
5.7 ENTRE A DISCIPLINA E O MEDO: O SOFRIMENTO
A disciplina que se exerce na atividade dos gerentes faz “funcionar” um poder
relacional que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos: a autocobrança.
Eu sou muito exigente comigo mesmo, apesar de não demonstrar isso para
muita gente, mas eu me cobro muito, então é ate um paradoxo, eles me
cobram e eu não dou atenção, mas quando eu me cobro e aí eu dou
atenção, eu dou muito mais ouvido ao meu coração do que às pessoas.
De meta, não que alguém me ligue, eu me cobro muito, por exemplo, se a
agência tem uma meta de mil reais no mês, eu não fiz, eu me sinto mal por
isso.
Assim, depreende-se o quanto o gerente-indivíduo está envolvido no objetivo da
instituição. Sente-se mal se não consegue contribuir na medida em que é exigido e
cria artifícios para não se sentir dominado, mas, de uma forma ou de outra, termina
por atender às exigências do sistema do capital.
Por outro lado, o gerente também procura resistir em frente a tantas pressões... e
desabafa:
Porque, com a base que a gente tem hoje, a gente não consegue atingir
essa meta e a cobrança é muito grande e pesada, e aí foca o dilema: como
a gente vai atrás de novos clientes se a gente tá cheio de problema aqui na
agência, porque a equipe é toda nova?
Tem empresa que, quando a gente visita e mostra a relação dos
documentos necessários, o cara quase cai pra trás, porque dos outros
bancos só pedem 10% dos documentos que este banco pede. Então é
difícil, a gente tem que ficar trabalhando com empresas menores,
empresas menores você precisa de números muitos maiores pra você
conseguir atingir os resultados.
91
Nós, que trabalhamos na linha de frente, na área de agência, a gente sabe
disso, que é impossível hoje o empregado ter o conhecimento mesmo do
início até o fim de todo o processo. Ele pode ter um conhecimento
superficial, mas o conhecimento mesmo da questão operacional, isso não.
Nesse desabafo, emerge o sofrimento:
O outro segmento também não tá conseguindo atingir a meta que eles
colocaram. É muito alta. O pessoal fica todo se descabelando, fala que não
dorme, que leva troço pra casa pra tá fazendo, pega manual de habitação
pra tá levando pra casa pra estudar à noite...
Então o gerente é pressionado nesse sentido todos os dias. Todo problema
ele tem que resolver. E ele tem que atingir as metas que são cobradas por
ele. Então ele vira realmente o seu limite. E tem o nível de estresse, muitos
colegas que sofrem de estresse e, claro, tem momentos que você não
consegue nem dormir à noite, né? Algum tipo de problema, se você fez um
empréstimo e esse empréstimo inadimpliu e você fica pensando naquela
situação, porque hoje você tem um rendimento, um salário, você empresta
muito mais do que isso. Você tem uma meta hoje de milhões. Você ganha
mil. Você não sabe se todo processo tá correto, né? Você pode ter cortado
um documento, vamos se dizer, um rendimento, a renda da pessoa, pode
ter cortado alguma situação, uma vírgula que esteja errada no
processo....você é responsabilizado, então você tem essa preocupação.
Do sofrimento faz parte o medo de perder a função. Como veremos nos relatos
abaixo, é o fantasma (o terror) que ronda a vida dos gerentes. É a sanção que
podem sofrer, se não corresponderem ao que se “pede”. No caso da instituição
estudada, os gerentes não podem perder o emprego facilmente, a não ser por um
processo administrativo, uma justa causa, uma vez que todos os empregados são
concursados e têm certa estabilidade. No entanto, perder a função é, praticamente,
perder o emprego, principalmente pela redução salarial que sofrem, daí o medo que,
segundo Dejours (2001), gera condutas de obediência e submissão. Por outro lado,
não se render ao medo possibilita driblar melhor a situação que pressiona:
O mais importante é a experiência no cargo de gerente, porque você acaba
perdendo o medo e eu, por exemplo, não tenho medo de perder a função.
Eu sinto ainda que muitos colegas têm, mas eu não tenho medo de perder,
se eu perder: beleza! Eu vendo meu carro. Eu não preciso andar de carro,
não vou gastar gasolina, a minha casa é quitada, então vou viver, vou
colocar meus filhos numa escola pública e vou me virar, mas nada
desesperador, então a importância de você tá trabalhando tranqüilo,
principalmente em relação a seus superiores, é o fato de você tá tranqüilo
com a sua função. Aquela pessoa que tem medo de perder a sua função
não sabe administrar a situação.
Então você conheceu nosso antigo superintendente... mas você já deve ter
ouvido falar, o cara era o monstro, era terrorismo, então a grande angústia
de todos os gerentes hoje tá 20% do que era, é o medo de perder a função,
então eu acho que, a partir do momento que você não tem medo de perder
a função, você age com mais tranqüilidade, com mais imparcialidade, o
cara pode tá falando no seu ouvido em plena sexta-feira, eu sei que é
92
errado, mas eu finjo que vou atender e não atendo, mas eu sei o resultado
que vai dar...
Antigamente acontecia bastante. É a questão do terrorismo, assim,
propriamente dito, entre aspas, né? Para aquele profissional que não
atinge uma determinada meta: esse profissional está preterido, não tem
nenhuma, vamos assim dizer: ‘vamos acompanhar o profissional’, ‘vamos
ver se ele tem alguma recuperação?’... Não, simplesmente ele era trocado
e era substituído. Esse era um dos critérios utilizados. E o profissional era
penalizado. Não importava a quantidade de tempo de função que ele tinha,
né? O total de experiência.
O gerente que tem resultado, tem os números, né? Ele vai... tem certeza
da continuidade do cargo. Com isso é um estresse na função gerencial
muito grande. Se ele faz os números, independente de como, aí depois
vamos ver como é que foram feitos esses números. Então não tem essa
conferência. Tem os números... Se tem os números, esse profissional está
lá no topo, né? Vamos colocar assim. Se não tem números, aí ele tá num
patamar onde é vulnerável.
Fica claro nessas falas que o gerente sofre com toda cobrança e pressão para
atingir as metas. A partir daí, então, cabe uma pergunta: por que não deixam de ser
gerentes?... Seria possível?
Eles respondem:
Você vira refém da função de gerente, no caso. Porque você hoje é
escriturário. Isso é uma grande situação que acontece também de estresse
dentro da função gerencial. Por quê? O que que acontece hoje? Hoje você
tem um complemento do seu salário, você vive daquele seu salário, você
acostuma com o salário, tem um padrão de vida daquele salário, e você
vive e depende do salário. Se você perder a função de gerente, você vai
voltar a ser escriturário e vai receber muito menos daquilo que você recebe
[...]. Refém do bolso, vamos colocar assim. Mesmo que você se dedique
profissionalmente, né? Tem a questão de alguns profissionais, têm a
questão de status, outros não, meramente questão realmente financeira. E
você acaba ficando refém dessa função gerencial.
Algumas vezes eu tenho vontade de chutar o balde, né? Em certas
situações que você passa que você ‘ah, não, não quero isso mais para
mim... e tal...’, mas aí você repensa e você diz ‘poxa, então eu vou fazer o
quê? Vou tá trabalhando, vou largar a função de gerente? Eu vou atuar da
mesma forma?! E eu recebo por isso, né!’. Aí você volta um pouco atrás.
Mas passa isso também. Passa pelo nível de estresse que você enfrenta a
cada dia, né? Pelas situações que você enfrenta, pelos problemas que
você enfrenta, nada disso tudo é flores, existem também os espinhos
nesse sentido, né? E existem situações que o estresse te toma conta
também. Tem momentos que passam pelo estresse ‘não, agora eu não
aguento mais não, acho que passou meu tempo, outro vai assumir agora
para poder dar continuidade ao trabalho’, mas aí você pensa ‘poxa, eu vou
estar trabalhando da mesma forma, eu vou atuar do mesmo jeito, então eu
vou continuar sendo gerente’.
Sendo assim, vendo-se como reféns da função, por que não procuram ajuda?
93
Hoje o colega... mesmo que ele tenha esse nível de estresse, ele não vai
assumir essa postura, até mesmo por receio, até por... ele não vai solicitar
ajuda para um outro colega, ele não vai solicitar ajuda. Alguns falam, né?
Conversam, se soltam, colocam isso para fora, alguns são dessa forma, e
outros não, outros até internalizam essa situação e acabam ficando até
doente mesmo, né? Mas, como as pessoas como os clientes são
diferentes, os profissionais, nossos colegas de serviço são diferentes, e
uns externam isso, conversam, jogam para fora, conversam com outros
colegas e conseguem estar eliminando essa válvula de escape. Outros
não, outros ficam guardando, por receio, porque ele não vai procurar o
profissional, um chefe imediato para falar que ele está passando mal,
porque ‘Pô, esse camarada não tem condições de estar assumindo a
gerência’. Então, por receio mesmo.
Pedir ajuda parece significar atestar que não têm competência para exercer tão
prestigiosa função. Pela fala acima (e pela que segue também), pode-se destacar
que os gerentes se vêem como diferentes dos demais, das demais pessoas, dos
clientes. Vêem-se como superiores, o que os impede de assumir que também
sentem, que também sofrem, que também precisam de ajuda.
E o sofrimento insiste. E abala o corpo. E abala a capacidade de normatizar, de
construir novas normas para o enfrentamento, despotencializa:
A gente tem que ter muita paciência e isso acaba às vezes afetando até
nossa capacidade de manter controle, mas a gente tem que manter. A
gente vai... por isso que a incidência de gastrite e úlcera entre a gente é
muito grande, porque a gente tem que, literalmente, estar engolindo sapo,
tá engolindo situações que o ser humano comum talvez tivesse estourado,
na realidade, a nossa vontade, muitas vezes, é estourar.
A gente tem que ser discreto, então tudo isso exige cuidados excessivos,
que normalmente as pessoas têm com seus clientes, a gente tem que ter
redobrado.
Olha, eu acho que, quando você faz algo que você gosta... mesmo que
você sinta algo no seu corpo, eu, por exemplo, tenho problema no braço,
se eu digitar muito ou ficar muito estressada dói muito.
Existe estresse, cansaço, cobrança, trabalhando mais que quando você
não era gerente; família fica um pouco sentida com isso aí... existe, com
certeza. Cansaço a mais, preocupação, à noite, às vezes, sem dormir,
agitação.
Por sua vez, ainda têm o caráter da renovação do estresse... e da cobrança... e do
medo... que a cada ano que se reinicia:
Existe como fazer um comparativo como é que tá você num determinado
dia, numa determinada semana, num determinado mês. Porque existe uma
meta anual, mas essa meta anual eu tenho que atingir durante o... dia-a-
dia. Não posso deixar ela para o final, senão eu não consigo atingir. Desde
o início do ano. No primeiro dia do ano você já se preocupa, qual é a sua
meta para aquele ano para você estar... E o estresse, é engraçado, porque
94
você... tudo que você faz durante o ano se perde. Você começa no
segundo zerado. Você tem que manter aquilo que você conquistou naquele
ano passado e começar um novo ano. Então os clientes que continuam na
sua carteira são os mesmos. Então você tem que estar trabalhando mais
ainda os seus clientes e trazendo clientes novos para que se atinjam essas
metas. Então é uma situação que não acaba, não acaba, não tem fim.
Mesmo assim, os gerentes resistem e sobrevivem. O que (e como) fazem para
vivenciar esses dilemas?
5.8 ALGUMAS “SAÍDAS”?
Diante de tantas facetas que provocam angústia, estresse, medo, sofrimento... na
atividade de gerente, esse trabalhador encontra defesas, estratégias para resistir. É
o ser humano ativo evidenciado por Canguilhem (2000) que está em jogo. Que
escolhe, toma direção, que não é indiferente às condições da vida, às condições do
trabalho. Acima de tudo é produtor do meio em que vive, em que trabalha:
Eu já tenho minha forma de lidar com a pressão, tá entendendo? Hoje eu
tenho várias atividades fora daqui que me dão suporte emocional. Então eu
tenho algumas coisas que eu faço fora daqui que eu gosto muito. Até uns
três anos atrás, minha vida era este banco. Era muito pior pra mim, era
quando eu trabalhava em casa até umas dez, onze horas da noite e de fato
eu vinha pra cá trabalhar. Então, de repente, eu fui percebendo que eu tava
desgraçando minha saúde e tipo assim: só ‘este banco’ que tava
ganhando, eu mesmo não tava ganhando nada e, então, eu fui percebendo
e agora eu só fico aqui até mais tarde, ou se for fazer uma coisa que
excede o meu limite, se for bom pra mim também, se eu tiver ganhando
alguma coisa também, então vem o pessoal; então foi aí que eu comecei a
procurar outras atividades e realmente isso me ajuda muito.
Porque o estresse, se você tem, tá comprovado que se você tem uma
espiritualidade, se você tem... acredita em alguma coisa, você consegue
conviver melhor no dia-a-dia.
Eu, pelo menos, busco, acredito que cada colega, ele busca uma forma de
estar extraindo isso, né? Vamos colocar... esse nível de estresse. Uns
fazem esporte... um outro entra em música, alguma coisa desse tipo. Então
todo colega tem que fazer, né? É uma forma de eliminar esse estresse...
ou, então, fazer uma academia, ou fazer um outro tipo de esporte... alguma
coisa nesse sentido aí, né? Para eliminar, porque, se ele fizer só trabalho-
casa, casa-trabalho, trabalho-casa, ele vai fadigar, entra em fadiga
totalmente. Ele tem que ter uma válvula de escape.
No entanto, percebemos que são estratégias totalmente individualizadas. Cada um
busca uma forma de sobrevivência, a sua forma, no isolamento das forças. Não se
fala em alguma ação coletiva promovida pela instituição e voltada para o debate que
relaciona a organização do trabalho com a saúde desses trabalhadores.
95
Destaca-se, ainda, outro mecanismo utilizado por muitos gerentes e pela instituição
como estratégia, ou de renovação por parte do gerente, ou de prevenção de riscos
por parte da instituição; e que tem se tornado comum e perigoso: a mudança de
segmento ou agência.
Quando você fica muito tempo em um determinado local trabalhando, os
problemas são os mesmos, aí vira um cotidiano muito grande, então você
acaba, né... aí você mudando, muda de tudo, muda de problema, muda de
situação, parece começar de novo, parece que você está entrando na
empresa novamente, começando do zero. Aí você tem outro gás, você tem
outra conquista, você tem, além da conquista de meta, você tem a
conquista das pessoas, isso é uma conquista, eu diria ... nesse sentido, na
mudança, né? Eu acho isso... deu certo para mim, está dando certo, então,
nesse período, vai fazer X anos que eu sou gerente, deu... está dando
certo, é um período muito longo, se você analisar, muito longo, já era para
estar mudando.
O gerente que fica aí um ano, dois anos, três anos, quatro anos, dez anos
no mesmo local, isso é complicado, o nível de estresse dele já está
saturado, está saturado com tudo, até com ele próprio. Então você não tem
um começo, tudo é um começo. Então eu tive essa sorte nesse sentido,
né? E busquei esse diferencial pra poder agüentar isso aqui.
Existe a questão administrativa deste banco pra que o gerente não
permaneça, pra não criar vícios de administração ou até mesmo na
questão de atendimento aos clientes.
Perigoso, porque o gerente tem tomado esse artifício, de início, apenas partindo da
instituição, como algo renovador, que alivia, o que não podemos negar por completo,
mas, por outro lado, pode se tratar de uma armadilha contra o próprio gerente, no
sentido de que a situação geradora de estresse e sofrimento permanece intacta
quanto ao debate que a põe em questão e análise. Como esclarece Dejours (2001,
p. 36): “[...] as estratégias defensivas podem também funcionar como uma armadilha
que insensibiliza contra aquilo que faz sofrer”, podendo até mesmo tornar tolerável o
sofrimento.
Nos relatos seguintes, podemos notar que, ao mesmo tempo em que o gerente quer
enunciar que mudança é algo bom, demonstra, de maneira confusa, sua insatisfação
em frente a ela, que exige um esforço além do comum:
Eu acho que mudança é muito bom, é bom pra qualquer ser humano. Faz a
gente crescer, faz a gente remexer. Dá motivação, entendeu? Se repensar.
Tem um certo momento que bate assim aquele cansaço. Nossa... parece
assim... parece que eu tô perto... tô perto de me aposentar e parece que
tem que começar tudo de novo, e eu tô cansada, entendeu? Tem hora que
dá aquele... começar tudo de novo, conhecer todo mundo outra vez... Mas
isso é bom pra gente, dá aquele momento de cansaço, mas... ao mesmo
tempo, você toma um gás.
96
Alguns clientes já estavam apegados a outros gerentes também,
entendeu? Você tem que tá entrando, você tem que tá conquistando a
confiança, fazendo ele acreditar em você... Então tudo isso gera um
desgaste emocional, um cansaço mesmo. Então tem hora que dá aquele
peso: ‘nossa, tô cansada, ai por que que eu tô aqui, por que eu fui sair da
agência X?’ Entendeu? Então dá esse desgaste emocional, esse
cansaço... mas é bom, acho que toda mudança faz bem pro ser humano.
Faz crescer.
E até o perfil dos clientes é diferente. A conduta nossa tem que ser bem
diferente, muda tudo, é a mesma empresa, mas muda. Não muda o modo
de trabalhar, mas muda o cliente, mudam os colegas, muda tudo. Até você
adquirir uma confiança, né? Até no colega mesmo, quem você pode
realmente confiar.
Às vezes, a mudança alivia, porque permite perceber como era a sobrecarga
anterior.
Por eu já estar lá há muito tempo, todos os clientes me conheciam, então
assim, eu atendia três pessoas ao mesmo tempo, telefone tocando, fora
colega. Então eu já tava sentindo uma sobrecarga, entendeu? Pra mim foi
um descanso vim pra cá, foi um prêmio mesmo, foi uma bênção de Deus,
porque eu não percebia como eu tava sufocada, fui perceber depois que eu
vim pra cá.
De início assusta, dilacera as pessoas e as relações produzidas; mas, depois, vira
costume, silencia.
Fulano foi o primeiro que saiu de lá, tanto que ele trabalhou dez anos lá,
desde que ele entrou neste banco também. E foi uma choradeira quando
ele saiu, que ninguém tava acostumado com isso... agora, não, agora... o
ser humano acostuma com tudo, né?
Quando eu saí... você sente, parece que tá te arrancando alguma coisa,
você tá deixando alguma coisa. Mas, depois que isso acontece a primeira
vez, as outra vezes já não tem mais tanto assim, né? Porque você adquire
muitas amizades, isso é muito importante. A questão de equipe, quando
você faz uma integração com as pessoas, você deixa amigos, deixa
colegas de trabalho, mas você adquire outros, né? Isso, dentro dessa
administração, eu acho, como já falei, salutar nesse sentido. Até mesmo
com o aprendizado, uma agência com outra realidade você tem outros
tipos de demandas.
Não era comum... gerente ficava na agência... e ficava ali... não tinha essa
mudança, essa mudança eu acho válida, só que... a gente quando não tá
acostumado todo mundo leva aquele choque, né? Então, desestabilizou
assim, emocionalmente, né? Até a equipe mesmo, mas é, hoje em dia
ninguém nem comenta mais ‘Ah, você vai, você vai (como se estivesse
chorando), não vai não’ e não sei o quê... mas, daqui a pouco, tudo se
ajeita rapidinho. Quem foi também... quem fica acho que sente mais falta
do que quem foi. Porque quem foi é um novo desafio, né? Novas pessoas,
muda tudo, você se adapta rapidinho... e não tem como ficar chorando pelo
passado, né? Agora, quem ficou é que sente mais falta. Eu percebi das
vezes que eu fiquei, porque eu fiquei bastante tempo, né? E... quando eu
mudei...
97
Algumas vezes, no entanto, em contato com o que Dejours (2001) define como o
real do trabalho,
39
permite questionamentos:
É... o banco prega o relacionamento, mas, ao mesmo tempo, faz essa
rotatividade. Eu acho que é uma incoerência. Porque o cliente reclama
muito, eles sentem. E o mercado agradece... porque, na outra agência,
várias vezes mudou o gerente do banco H, trocou no banco R... e os
clientes vieram pra mim. E agora tá acontecendo o oposto, porque eu já
ouvi falar, né? Não tenho confirmação, mas já ouvi falar... eles devem tá
adorando. Porque eu fiquei muito tempo lá, todo mundo me conhecia, que
quando eu saí até eles adequarem o jeito... Aí acham que o gerente não
confia neles, tem uns que são sistemáticos... Aí é complicado, a gente tem
que ser profissional e ir quebrando isso devagar no cliente, né? Ir
conquistando a confiança dele.
5.9 E COMO PRODUZIR SAÚDE?
Procuramos, neste estudo, entender o gerente trabalhador como ser ativo, que
interage e que reage para manter-se vivo, com saúde.
Vivemos num mundo de acidentes possíveis, onde as infidelidades do meio, os
fracassos, os erros e o mal-estar fazem parte da nossa história. Nesse sentido, é a
partir da capacidade única de enfrentar as variações e as infrações do meio que
podemos pensar a saúde.
A vida, assim como o trabalho, a todo tempo foge da padronização e da previsão,
impulsionando os gerentes ao movimento. Como já começamos a destacar, o
gerente hesita em frente aos entraves da organização do trabalho, mas, mesmo com
dificuldade, renormatiza e consegue estabelecer estratégias num movimento de luta
pela saúde.
Aliás, ser saudável não significa não apresentar enfermidades, mas, sim, em contato
com elas, ser capaz de enfrentá-las e criar outros rumos possíveis para a vida; tem a
ver com as ações determinadas das pessoas em todos os momentos e
circunstâncias do viver.
Lido bem porque já foi o tempo que eu tive uma angústia de tá atendendo
meu superior o mais rápido possível.
Se eu tivesse certeza que eu tava deixando de fazer alguma coisa pra
fazer corpo mole, ou que eu podia fazer de outra de forma, tudo bem, eu
até ficaria preocupado, mas eu sei que a gente tá fazendo. O que eles
39
“O real do trabalho é compreendido como aquilo que, na experiência do trabalho, se dá a conhecer
ao sujeito por sua resistência ao domínio, ao savoir-faire, à competência, ao conhecimento e até à
ciência” (DEJOURS, 2001, p. 61).
98
querem que a gente faça é impossível. Então, tipo assim, ele fala comigo e
é aquele negócio: eu finjo que eu escuto e ele finge que escuta minhas
reclamações e nós vamos levando.
Criativamente, o gerente descola “saídas” para resistir, para vivenciar seu cotidiano
de forma mais leve para sua vida, inventa. Nesse sentido, não há como plagiar ou
seguir uma prescrição. É necessário gerir. Como afirma Schwartz (2004, p. 23): “[...]
a gestão, como verdadeiro problema humano, advém por toda parte onde há
variabilidade, história, onde é necessário dar conta de algo sem poder recorrer a
procedimentos estereotipados”. Supõe escolhas e arbitragens que estão, acima de
tudo, vinculadas aos valores de cada trabalhador.
E o gerente também encontra potência em seu trabalho. A atividade de gerente não
é de toda custosa e negativa. Há vida, há brilho, há recompensas:
Eu gosto do que eu faço, eu gosto dos clientes, eu gosto de gente, eu
gosto de falar.
Tem vantagens financeiras, né? E pessoais mesmo, de reconhecimento,
de você está se motivando, porque você tá sendo visto, tá querendo
crescer mais...
Não adianta você ir pra gerência só pelo salário, não, porque você vai se
cansar e se desgastar muito mais. Uma das coisas que me fez optar a
fazer a prova de gerente foi isso: porque eu já gostava, já trabalhava, já era
eventual. Já assumi, já fechava agência e abria a agência na época... só
faltava o salário [risos], entendeu? Que pra muita gente é o mais
importante. O salário é importante, a saúde financeira é importante, você
pode dar uma qualidade de vida, né? Melhor pra sua família, uma escola
melhor pro seus filhos... mas não é tudo. Na minha concepção não vem em
primeiro lugar. Primeiro lugar é: se você não pode fazer o que você gosta,
você tem que gostar do que você faz, procurar encontrar... é... coisas boas
naquilo que você faz, entendeu? Motivação e satisfação mesmo. Eu sinto
satisfação em ver um cliente crescendo, em tá ajudando, tá motivando,
mesmo emprestando dinheiro, mas vendo que ele tá pagando, que ele tá
crescendo com aquele dinheiro.
Numa balança pra mim, hoje eu não volto atrás. Eu não volto atrás. A gente
tem que tá sempre buscando ir pra frente, né? Não buscando um
crescimento desenfreado a qualquer custo, mas uma coisa estruturada,
legal, você tem que tá tendo sentido na sua vida de você tá buscando algo
melhor, tá caminhando pra frente, você não pode cortar simplesmente. E
até parece que não, mas a família tá sendo prejudicada entre aspas,
porque os filhos também gostam de ver que a mãe tá bem, o pai tá bem...
de até esse lado de falar: ‘há, minha mãe é gerente daquele banco’,
entendeu? Eles gostam disso, e aí acaba a família também te valorizando.
Se você tá dentro de casa e não faz nada, você é mais um móvel da casa,
mas, se você tá sobressaindo, isso puxa a família também, os filhos, pra
querer crescer, querer ser alguém, querer estudar, ter pelo menos o que
tem hoje, entendeu? Isso motiva os filhos também.
99
Trabalhar é, de certa forma, arriscar-se, colocar em jogo os próprios limites, as
próprias capacidades. É escolha. E escolhas que, por menores que sejam, escolhem
talvez modos de vida (SCHWARTZ, 2000), nos quais é possível o fracasso, mas
também a saúde, a potência, a afirmação.
100
6 CONSIDERAÇÕES
Fazer este trabalho, que, como a amiga Raphaela (DAROS, 2005, p.172) bem
destacou em sua dissertação: “[...] fazer pesquisa também é trabalhar”; foi um
trabalho e tanto. Afinal, de uma forma ou de outra, também faço parte desse jogo
real; sendo daí que brotou a inquietação pelo exercício da atividade desses
gerentes.
Conversar com esses trabalhadores, entrevistá-los a partir de um diálogo sobre o
trabalho, sobre sua atividade, contribuiu, acima de tudo, para fazer entender que
mundo é esse, que percalços e que vitalidades circulam.
Numa postura de cartógrafa, mergulhada nas intensidades e atenta às linguagens e
aos elementos de composição, foi-se delineando uma linha de compreensão, de
cumplicidade, ao mesmo tempo de admiração e respeito por esses trabalhadores.
Esta pesquisa buscou dar visibilidade à relação entre a organização do trabalho e a
saúde. No entanto, é importante ressaltar que a relação apresentada aqui foi a
paisagem que podemos focalizar nesse momento e que não se pretende final e
acabada. Longe de ser estática, não busca conclusões absolutas e cristalizadas.
Pelo contrário, interessou-se em trazer contribuições para o debate que pode ser
instigado.
Se, por um lado, não podemos fechar os olhos em frente ao que faz sofrer e adoecer
no trabalho, não podemos também generalizar que tudo é sofrimento e
adoecimento.
Não se pode neutralizar o espaço das escolhas a serem feitas, conscientemente, ou
não.
Somos capazes de inventar, individual ou coletivamente, estratégias de defesa. No
caso dos gerentes, percebemos que recorrem basicamente às defesas individuais
que, muitas vezes, simplesmente anestesiam. Contudo, mostram-se atuantes numa
busca de renormatizações. Tentam extrapolar o prescrito, ir além.
Nessa ação, nessa intervenção, o gerente não se põe apenas como vítima de todo
processo dominador e ameaçador. Dominação e ameaças existem, mas não
101
podemos deixar de considerar que nenhum sistema funciona por si. Os sistemas
funcionam, se as pessoas consentirem em fazê-los funcionar, dedicando-lhe sua
inteligência e sua subjetividade (DEJOURS, 1998).
Nesse aspecto, ressaltamos que o gerente deve se ver como parte também agente
do sistema que cobra, que exige, que ameaça e deve se colocar mais como ator em
busca de um cenário mais saudável, de enfrentamentos, de abertura ao risco.
Para tanto, para que esses trabalhadores possam fazer uso da discussão que faz
entender e que alimenta a potência e a criação, esperamos que esta pesquisa possa
indicar pistas que incitem a negociação entre as forças que atuam nesse processo,
esperamos que este trabalho possa ser utilizado como instrumento de intervenção,
fomentando encontros e análises pelo coletivo dos trabalhadores, bem como novos
estudos desse complexo contexto.
102
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110
ANEXOS
111
ANEXO A – AUTORIZAÇÃO DA INSTIUIÇÃO PESQUISADA
112
ANEXO B – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
113
APÊNDICE – TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Concordo com a participação no projeto de pesquisa abaixo discriminado, nos
seguintes termos:
Projeto: A organização do trabalho e a saúde dos gerentes bancários em uma
instituição no Estado do Espírito Santos
Responsável: Rosana Bubach
Orientador: Profª. Drª. Denise Silveira de Castro
Instituição: Universidade Federal do Espírito Santo
O objetivo desta pesquisa é analisar a organização do trabalho dos gerentes
bancários de um banco estatal no ES e a saúde desses trabalhadores.
Participarão da pesquisa os gerentes de relacionamento e atendimento da região
Sul do Estado do Espírito Santo que, voluntariamente, participarão de uma
entrevista individual que poderá ocorrer em até três encontros em dias diferentes.
As entrevistas serão gravadas para maior aproveitamento e fidelidade dos dados e,
após serem transcritas, as fitas serão destruídas.
Os resultados da pesquisa serão divulgados na dissertação que ficará disponível na
biblioteca da UFES. Também serão apresentados em congressos e publicações de
artigos em periódicos especializados, contribuindo para o corpo de conhecimento
que se tem produzido sobre o assunto pesquisado. Esperamos, também, que os
resultados possam contribuir para a construção de estratégias de intervenção que
visem melhorar a saúde do gerente trabalhador bancário.
Quaisquer dúvidas podem ser sanadas com a pesquisadora Rosana Bubach (27-
9995-2718/ 3346-4899) ou a orientadora Profª. Drª. Denise Silveira de Castro (27-
3335-7287).
IDENTIFICAÇÃO
Nome completo:
Tempo na função: Tempo na instituição:
Idade: Sexo: Escolaridade: Agência:
114
Declaro estar ciente dos objetivos da pesquisa “A organização do trabalho e a
saúde dos gerentes bancários em uma instituição no Estado do Espírito
Santos” desenvolvida pela mestranda Rosana Bubach.
Autorizo a publicação dos dados obtidos pela pesquisadora com a garantia de que
serão confidenciais e que será mantida em sigilo minha identidade.
Estando assim de acordo, assino o presente termo de compromisso em duas vias.
_______________________________________
Participante
_______________________________________
Rosana Bubach
Pesquisadora
_______________________________________
Profª. Drª. Denise Silveira de Castro
Orientadora da pesquisa
Vila Velha, ___ de ______________ de 2006.
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