Download PDF
ads:
Impressões Capixabas
165 anos de jornalismo no Espírito Santo
José Antônio Martinuzzo (Organizador)
Ananda Bisi
Andressa Zanandrea
Carlos Calenti Trindade
Ceciana França
Daniella Zanotti
Danilo Bicalho
Fernanda Coutinho
Fernanda Pontes
George Vianna
Gleyson Tete
Guido Nunes
Juliana Bourguignon
Karina Moura
Kênia Freitas
Letícia Rezende
Luciana Silvestre
Luciano Frizzera
Melina Mantovani
Milena Simões Murta
Patrícia Arruda
Patricia Galleto
Raquel Machado
Renata Murari
Ronald Alves
Thiago Dal Col
Nota sobre esse e-book:
Essa é uma versão integral do livro impresso, reformatada para se adequar melhor ao meio
digital. Podem ocorrer pequenos erros, que são decorrentes dos processos usados nessa
conversão. No caso específico do livro 4, não foi usado o reconhecimento ótico pelo
scanner, mas o arquivo pdf original do livro. Para ter acesso aos outros e-books do projeto
Coca, visite o site.
Marcus Vinícius Jacob
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Projeto Comunicação Capixaba – CoCa
Editor e organizador – Professor José Antonio Martinuzzo
Revisão – Vitor Bourguignon
Capa e Projeto Gráfico – Ceciana França e Guido Nunes
Fotos – Arquivos pessoais dos entrevistados, Arquivo Público do Estado do Espírito Santo e
Gustavo Forattini (Capa)
Impressão – Imprensa Oficial do Estado do Espírito Santo
Edições anteriores Rádio Club Espírito Santo – Memórias da
Voz de Canaã; Balzaquiano – Trinta anos do Curso de Comunicação
Social da Ufes; e Diário Capixaba – 115 anos da Imprensa Oficial do
Estado do Espírito Santo.
Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Artes
Departamento de Comunicação Social
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
________________________________________________________________________
Impressões capixabas : 165 anos de jornalismo no Espírito Santo / José Antonio
I347 Martinuzzo (organizador) ; colaboradores Ananda Bisi ... [et al.]. - Vitória :
Departamento de Imprensa Oficial do Espírito Santo, 2005.
404 p. : il. , p&b ; 22cm.
2. Jornalismo - Espírito Santo (Estado) - 1840-2005. 2. Imprensa - História -
Espírito Santo (Estado). 3. Comunicação. I. Martinuzzo, José Antonio. II. Bisi,
Ananda. III. Título.
CDU: 070 (815.2)
CDD: 070.5098152
________________________________________________________________________
Eugenia Magna Broseguini – CRB 12ª Região – nº 408
ads:
Prefácio
O jornalismo impresso capixaba fez história. E continua fazendo. Os ideais republicanos foram
propagados entre nossos antepassados também por intermédio de uma ação centrada em jornais, na
capital e no interior do Estado. A causa republicana configurou-se como um dos grandes motores
do jornalismo capixaba na segunda metade do século XIX.
Muniz Freire, o primeiro presidente eleito do Espírito Santo, foi um desbravador do
jornalismo. Tendo acumulado experiência na Imprensa em Recife e São Paulo, onde foi estudar
Direito, Freire, aos 21 anos, em 1882, fundava juntamente com Cleto Nunes e Afonso Cláudio o
jornal A Província do Espírito Santo, em defesa da causa republicana e dos interesses capixabas.
Ao longo do século XX, a imprensa não deixou de participar e influir na vida política, social,
econômica e cultural do Espírito Santo. Cito especialmente o jornal Posição, que teve papel
importante na mobilização política nos tempos da ditadura. Juntamente com os companheiros do
movimento estudantil, compartilhei da tarefa de distribuição deste jornal que é um capítulo à
parte 8 na história da luta capixaba pela reconstrução da democracia em nosso País.
Também não poderia deixar de registrar o relevante papel desempenhado pela Folha
Capixaba, O Diário, A Gazeta, A Tribuna, dentre tantos outros, que marcaram ou marcam nosso
cotidiano.
No início deste século, por exemplo, nosso jornalismo impresso fez importantes e corajosas
coberturas que muito contribuíram para que se virasse a página de corrupção e assalto da
máquina pública pelo crime organizado, àquela época reinante no âmbito dos poderes públicos
capixabas.
A Imprensa é um fenômeno das sociedades modernas, em que se estabelecem os poderes
institucionais e organizam-se os movimentos sociais, funcionando o jornalismo como um
importante mediador entre as esferas de poder e decisão política. Ou seja, a Imprensa é um
elemento crucial à política e à democracia que o mundo vem constituindo nos últimos três séculos.
E parece que no futuro não será diferente. Numa era de relações sociais mediadas por
mensagens da mídia, o jornalismo não só mantêm seu papel de informar e formar opinião,
como também se coloca como lugar privilegiado de debate e diálogo de idéias e projetos de vida
coletiva.
Nesse sentido, é importante que se multipliquem os canais de emissão jornalística e, na mesma
medida, se ampliem os meios de acesso da população a tais conteúdos – quando estava no
Senado, por exemplo, dei entrada na Comissão de Educação ao projeto de TVs comunitárias.
Informação, comunicação e educação são pilares fundamentais para a conquista de uma sociedade
de homens e mulheres emancipados, para uma realidade de cidadãos.
A recuperação da história e a elaboração de uma memória do jornalismo impresso capixaba,
objetivos desta publicação, contribuem para o processo de formação da identidade capixaba.
Também nos ajudam a entender nossa trajetória até aqui, fornecendo- nos, dessa forma,
elementos importantes para projetar o futuro.
Como afirmamos, os ideais que ajudaram a constituir o Espírito Santo moderno obtiveram nos
jornais espaço privilegiado, tendo na figura do jornalista Muniz Freire um grande repórter das
potencialidades capixabas. Que os jornais de hoje possam continuar somando para um futuro digno
para todos os capixabas, problematizando o presente, discutindo alternativas e
apontado possibilidades.
No momento em que o nosso Estado reconstrói sua máquina pública e inicia uma outra fase de
sua história político-institucional e econômica, estabelecendo as bases de uma nova era capixaba, a
atuação do jornalismo tem sido peça fundamental. Que boas e melhores notícias estejam sempre na
pauta de todos os capixabas, inclusive nas manchetes dos jornais.
Paulo Hartung Governador do Estado do Espírito Santo .
Apresentação
O quarto volume do projeto Comunicação Capixaba (CoCa), coordenado pelo professor José
Antonio Martinuzzo, do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito
Santo (Ufes), é resultado de uma pesquisa cuidadosa acerca do jornalismo impresso. Trata-se de um
produto acadêmico consistente e de leitura indispensável, realizado pelos alunos do curso de
Comunicação Social da Ufes, sob a orientação do professor Martinuzzo.
A rigor, o jornalismo impresso em terras capixabas possui uma história peculiar e que merece
ser contada. Não obstante as novas tecnologias que alimentam mídias mais modernas,
configurando novos e modernos canais de comunicação, o jornalismo impresso possui um traço
marcante como veículo inserido no cotidiano da comunidade. Desde O Estafeta, passando por O
Diário, até os atuais A Gazeta, A Tribuna e Notícia Agora, os jornais impressos possuem uma
marca indelével na história do Espírito Santo.
Rever a trajetória dos jornais capixabas enriquece a nossa história e nos propicia conhecer os
caminhos percorridos até os dias atuais. Os acontecimentos mais marcantes da cena
capixaba podem ser resgatados por meio dos jornais, em cujas páginas podemos compreender a
evolução do Espírito Santo, nos registros dos episódios mais significativos.
Nesta edição, Martinuzzo e seus alunos não dispensam a abordagem de uma questão
fundamental, que é a de tratar do futuro do jornalismo impresso. Com efeito, o jornal feito com
tintas gráficas suscita algumas análises atuais que dão conta de seu estado terminal; outras, porém,
asseveram que o seu espaço nas comunicações é insubstituível, inalienável.
O certo é que estamos diante de um trabalho de grande importância acadêmica, produzido com
dedicação e rigor, cujo resultado deve-se ao esforço do professor Martinuzzo e de seus alunos.
Como reitor da Ufes, quero parabenizar mais essa excelente produção do projeto CoCa,
concebido com o apoio do Governo do Estado do Espírito Santo, um indispensável parceiro da
nossa Universidade. Deixo o meu reconhecimento em nome da comunidade acadêmica.
Rubens Sergio Rasseli Reitor da Ufes
Introdução
O quarto volume do Projeto CoCa é dedicado a um tema que está na pauta das discussões
acerca do futuro da comunicação:
o jornalismo impresso. Originado há vários séculos, mas com suas raízes modernas localizadas
há pouco mais de 100 anos, o jornalismo impresso é uma prática comunicacional que suscita, no
mínimo, duas correntes de pensamento em tempos de novas mídias, tecnologias digitais e internet.
Há aqueles que prevêem o fim das notícias diárias entregues aos leitores a partir da
combinação de tinta e papel. Outros apostam numa reconfiguração do produto, mas não no seu fim.
Existem os que vão além: não é só o impresso que tem sua extinção decretada, mas o próprio
jornalismo.
Este não é um livro sobre o futuro, mas sobre a história do jornalismo. No entanto, isso não
quer dizer que não existam correlações entre essas duas temporalidades. A abordagem acerca do
passado certamente coloca esta publicação a serviço das discussões sobre os dias que virão, pois o
futuro nada mais é que a conseqüência de nossa caminhada.
Iniciamos este volume com uma breve recuperação da história do jornalismo impresso no
mundo e no Brasil. Em seguida, contamos os primórdios dessa atividade em terras capixabas, do
inaugural O Estafeta, em 1840, até 1926. Esse capítulo se baseia num exaustivo estudo elaborado
pelo historiador Heráclito Amâncio Pereira. O inventário A Imprensa no Espírito Santo reúne dados
sobre mais de 400 publicações, entre jornais e revistas que circulavam em todo o Estado. Publicado
pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, foi apresentado no oitavo Congresso de
Geografia, em 1926.
A seguir, abordamos os jornais diários de maior representatividade socioeconômica, cultural e
política no Estado. A Gazeta, A Tribuna e Notícia Agora têm suas trajetórias descritas, com
maior ou menor detalhamento, de acordo com disposição que encontramos por parte das fontes em
nos atender durante a feitura deste livro.
Logo após, recuperamos a história de um dos maiores ícones do jornalismo impresso capixaba:
O Diário. O capítulo foi escrito essencialmente a partir dos depoimentos reunidos no livro O Diário
da Rua Sete, organizado, em 1998, pelo jornalista Antônio de Pádua Gurgel, a quem agradecemos a
cooperação e o compartilhamento do conteúdo. Os autores também fizeram novas pesquisas e
entrevistas, constituindo um texto bastante rico em informações sobre “o maior jornal da Rua Sete”.
O Jornal da Cidade, eternizado pelas polêmicas colunas assinadas por sua proprietária Maria
Nilce Magalhães, assassinada em 1989, é o tema do sétimo capítulo. Em seguida, convidamos
os leitores a fazer um giro pelo Interior do Estado, com uma análise dos principais veículos que
constituem o jornalismo impresso feito além das fronteiras da Grande Vitória.
O capítulo nono é também um convite a uma outra viagem. Um passeio pelo mundo
alternativo dos veículos impressos produzidos fora do esquema comercial da indústria cultural. Os
autores recuperaram informações sobre o comunista Folha Capixaba, dos anos de 1940, e o
Posição, dos anos 70, e também analisaram a imprensa ligada a sindicatos e à Igreja Católica nos
tempos de luta contra a ditadura e de abertura política.
O décimo capítulo traz uma análise da produção de revistas em terras capixabas, marcando
uma trajetória que vai desde as publicações focadas em cultura, no início do século XX, até
os veículos destinados ao consumismo e à fixação pela exposição pública, tão marcantes neste
começo de milênio.
Um início de milênio que, conforme salientamos, debate o futuro do jornalismo impresso,
numa discussão marcada pela perspectiva do fim ou pela certeza de repaginações. Nesse
sentido, formulamos um convite aos professores do Departamento de Comunicação Social da Ufes
para escrever sobre o jornalismo e suas perspectivas. A professora doutora Ruth Reis aceitou o
convite.
Confira suas reflexões no capítulo décimo primeiro.
A decretação inescrupulosa de diversos “fins é uma febre nesta virada de século. Talvez
porque estejamos num momento de tantas e velozes mudanças, desnorteados pelo tempo real e
aturdidos pela espacialidade global/virtual, a vida contemporânea parece ser um eterno começo
sem-fim. Ademais, as tecnologias digitais são tão alucinantes que a revogação do passado e
seus costumes e práticas é dada como certa.
Como subjetividades marcadas pela intermitente reconfiguração identitária, esta executada
essencialmente por processos comunicacionais, somos levados, em um primeiro momento,
a concordar ou mesmo apostar no fim do passado. Mas, pensando bem e olhando a nossa trajetória
de humanos em perspectiva, podemos notar que o que mais fizemos foi reciclar nossos hábitos, sem
grandes rupturas.
Não há como negar que as tecnologias digitais de comunicação e informação estejam
transformando a prática jornalística que herdamos da moderna era industrial. Em todas as
especialidades, podem-se notar mudanças de apuração, produção, publicação, recepção e interação
entre jornalistas e seus públicos.
Mas se o impresso acabará, essa é uma questão que, por hora, só pode ser tratada como
prognósticos e leituras do passado. Por exemplo, há alguns anos, com a popularização dos
computadores e o boom da internet, pensava-se que o consumo de papel e de livros sofreria um
grande baque. Nada disso ocorreu. No mundo e no Brasil, os investimentos em produção de papel
só vêm crescendo. A indústria cultural planetária não deixou de lado o negócio dos livros e registra
movimentações expressivas em todos os cantos do planeta.
Certamente, tendo pela frente novos consumidores criados diante das telas de computador e
ligados no mundo via celular e outros artefatos tecnologicamente radicais, além da concorrência da
atualização segundo a segundo dos sites de notícias, há de se transformar o jornalismo impresso,
mas sua extinção nos parece lenda de início de milênio.
Com algum exercício de serenidade, podemos vislumbrar um impresso mais analítico e
opinativo, algo que as revistas semanais já exercitam há muitas décadas. Mas, para isso, será
preciso que se constitua uma nova prática nas redações dos jornais e se crie uma nova cultura de
produção e de consumo do impresso, com jornalistas mais bem preparados para a análise e
interpretação do mundo e um público que se ajuste a esse novo tipo de produto jornalístico diário.
Como se vê, este livro conta uma história essencialmente moderna, de um velho personagem
em mutação. Mas, para além do registro da memória de tempos idos, essa publicação também
se coloca como uma alternativa para se entender o atual movimento sociocultural e econômico, ao
mesmo tempo em que ajuda compreender as origens e as marcas do jornalismo on-line que se
faz no presente e se fará no futuro.
Foram imprescindíveis à realização deste livro o apoio do Governo do Estado do Espírito
Santo, por intermédio do Departamento de Imprensa Oficial e do Arquivo Público Estadual, o
suporte do Departamento de Comunicação Social e da Universidade Federal do Espírito Santo, e a
colaboração dos entrevistados, que dispensaram um tempo precioso na atenção aos alunos.
Como sempre registramos neste espaço, salientamos que esta publicação não esgota o tema.
Muito pelo contrário. É apenas uma contribuição à formação de uma memória da comunicação no
Espírito Santo. Não busque o leitor um completo relatório de veículos impressos capixabas. Na
Grande Vitória, por exemplo, o foco foram os grandes jornais, sendo que muitas experiências, como
o Jornal Metropolitano, citando de memória, ficaram para uma outra oportunidade de pesquisa.
Os livros do Projeto CoCa são elaborados pelos alunos do sexto período do curso de
Jornalismo da Ufes como um laboratório de produção editorial, tendo em vista a formação em
comunicação organizacional. A pauta é discutida coletivamente – nesse sentido, vale o registro de
que o capítulo sobre a imprensa alternativa, tema que merece um livro à parte, foi
sugestão/reivindicação dos seus autores, que acabaram produzindo um verdadeiro livro dentro do
livro.
Definidos os capítulos, os alunos são reunidos em duplas ou pequenos grupos e partem para a
pesquisa e produção. Eles são orientados durante esse processo, mas têm autonomia para
escolher fontes, enfoques e estilo de texto. O que se tem é uma coletânea, executada em torno de
um tema principal, sem a pretensão de alcançar todos os elementos, personagens e, neste caso,
jornais/ revistas a ele relacionados. Que as lacunas possam inspirar novos trabalhos que se juntarão
a este na constituição de uma memória mais completa e multiautoral.
Além das condicionantes do tempo – os livros são feitos e publicados no período de um
semestre letivo – e do processo de aprendizado, registramos que dentre as limitações à produção
de uma memória, objetivada por este projeto, está a falta de receptividade das fontes.
Esse foi um problema e tanto na produção deste volume. Pelos relatos dos alunos, muitas
personagens importantes do jornalismo impresso capixaba se recusaram a dar entrevistas. Outras
não repassaram informações e documentos prometidos. Mas, felizmente, há quem entenda o
propósito do projeto e a importância da memória para a constituição de uma realidade diferente e,
mesmo estando fora do Estado e do País, se dispôs a dar entrevistas.
Em razão desta realidade, cabe uma abordagem acerca da importância da memória. Memória
não é passado, é leitura presente do que passou com vistas a um futuro desejado. E por que
a memória é importante? Ela é a principal referência para a constituição de nossa identidade.
Entendendo-se identidade como o autoconhecimento e a diferenciação em relação ao outro, a
memória é o que nos dá elementos para nos conhecermos e demarcarmos nossas peculiaridades no
mundo.
A comunicação capixaba, como de resto o Estado do Espírito Santo, carece de memória. Sem
sabermos o que fomos, sem conhecermos nossa caminhada, falta-nos algo essencial na
construção de um futuro melhor e com maior autonomia social, cultural, política e econômica: falta-
nos uma identidade concreta e objetiva. E identidade é memória em ato.
Se pudemos resgatar a memória do jornalismo impresso capixaba do século XIX, é porque
uma inteligência visionária chamada Heráclito Amâncio Pereira dedicou tempo e esforço a
reunir informações numa época queo tem paralelo com a atualidade em termos de facilidade de
comunicação.
O quanto esse material pode nos ajudar a entender a economia, a cultura, a política capixaba
de então nem se pode imaginar. depende de os capixabas de hoje e do futuro tentarem
buscar explicações sobre as suas razões de ser e os condicionantes de seus olhares para o horizonte.
Talvez por terem sido raras as figuras como Heráclito Amâncio Pereira nos falte a cultura da
busca pelo autoconhecimento;
talvez por isso tenhamos tanta dificuldade em produzir memória no presente. A continuar
assim, o futuro não se apresenta com as melhores perspectivas. Quem não sabe o que é pode fazer
muito pouco por si e pelos outros. Tem como destino a periferia e a dominação. Por um outro
futuro, memória já!
José Antonio Martinuzzo Professor organizador e editor do Projeto CoCa .
Jornalismo impresso:
Interesse público ou comércio de notícias?
Milena Simões Murta
A natureza do jornalismo está no medo. O medo
do desconhecido que leva o homem a querer exatamente
o contrário, ou seja, conhecer.
Felipe Pena (2005)
Selecionar, apurar, organizar, contar. Estas são algumas das atividades cotidianamente
exercidas por qualquer jornalista frente aos fatos da vida. E o resultado desse trabalho, as notícias,
as reportagens, é produto de primeira necessidade no mundo contemporâneo.
Numa realidade globalizada, em que a nossa superfície de contato é o planeta inteiro, a
qualquer tempo e hora, o jornalismo nos confere, em alguma medida, os dons divinos da
onisciência, onipresença e, por que não?, da onipotência.
Mas, nesse frenesi midiatizado que se tornou a vida atual, pouco se reflete acerca dessa
máquina de produzir relatos sobre o cotidiano. É tudo tão “normal” que nem paramos para
pensar sobre as especificidades do jornalismo e suas artimanhas para influenciar de modo tão
marcante as mentes contemporâneas.
O hoje decantado jornalismo impresso foi o precursor de tudo, de todas as modalidades
jornalísticas, tendo desempenhado, ao longo dos séculos XIX e XX, um importante papel na
constituição do modelo de sociabilidade que compartilhamos atualmente, qual seja, um regime
dramaticamente dependente dos conteúdos da mídia, incluindo os informativos.
Desde seus primórdios, a atividade jornalística sempre esteve vinculada à necessidade que o
homem tem de saber, de vencer a ignorância que afeta seu cotidiano. Ainda que existissem
cientistas, navegadores ou astronautas para pesquisar e descobrir as engrenagens do mundo, era
preciso que houvesse também alguém que traduzisse tais relatos exóticos para a linguagem do senso
comum e tivesse ainda a capacidade de tornar públicas tais reportagens.
Reportar informações, contar uma história. Há quem diga que o jornalista realiza
primordialmente duas ações: entender o fato e explicá-lo para as outras pessoas por intermédio de
um suporte (papel, TV, rádio, internet). E, nesse processo, o jornalista dispõe de certa autonomia
discursiva para elaborar a versão dos fatos, o que, para muitos, corresponde à verdade dos fatos.
O senso comum é algo tão forte que jamais os jornalistas publicarão como fato afirmações que
o contradigam. Por outro lado, é o jornalismo quem coleta novos itens a serem integrados a
esse conjunto de conhecimentos. Como? Através da mídia, onde estão incluídos todos os tipos de
manifestação cultural presentes no espaço público. É o que diz Pena (2005, p. 29): “A mídia
assumiu a privilegiada condição de palco contemporâneo do debate público. Na
contemporaneidade, as representações substituem a própria realidade”.
Para realizar essa tarefa de falar e produzir senso comum a partir de um mundo complexo, o
jornalista é portador de uma autoridade cultural, um contrato tácito estabelecido com a sociedade.
Tais profissionais formam uma verdadeira comunidade que compartilha noções semelhantes
acerca do funcionamento das relações socioeconômicas, culturais e políticas, produzindo versões
socialmente aceitas acerca da vida e seus mais diversos acontecimentos.
Conforme afirma Zelizer (1992, p. 11), “imprensados entre o público e o evento a ser descrito,
os repórteres são capazes de construir aquilo que lhes parece ser preferível e
estrategicamente importante, graças à suposição de que eles dispõem de alguma autoridade acerca
das matérias que narram”.
Mas essa autoridade – que existe – não é insulada, resultando mesmo de uma constante
negociação entre repórteres, empresários e consumidores de notícia. O campo jornalístico é
subordinado aos índices de audiência, ou, como define Bourdieu (1997), aos “veredictos do
mercado”.
O jornalista é portador de uma autoridade que negocia com interesses comerciais e políticos,
que dialoga com a memória coletiva e o senso comum, mas, verdadeiramente, possui
uma autoridade cultural nada desprezível. Porém, como esse diálogo se desenvolve? Suas rotinas
produtivas e suas narrativas se sustentam no tripé “objetividade, imparcialidade e
neutralidade”, que, por mais que seja utopia ou mero discurso, encontra eco e mantém a vigorosa
relação jornalismo-sociedade.
Essa cultura é tão marcante que o Código de Ética do Jornalismo Brasileiro, no seu Artigo 7,
destaca: “O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se
pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”.
Relatar a realidade de um modo descomprometido, imparcial e impessoal – será que isso
realmente existe? Uma das primeiras coisas que se aprende ao estudar jornalismo é: o
jornalista deve ser o-b-j-e-t-i-v-o. Contudo, será que é possível desligar-se da memória pessoal e
coletiva e despir-se de tudo o que constrói nossa personalidade (preconceitos, carências, ideologias,
preferências) antes de produzir uma matéria?
Não! É sabido que não. A subjetividade, que se opõe à objetividade, é algo inevitável. E, por
mais que os jornalistas insistam em responder às seis questões básicas do lide – o quê, quem,
como, quando, onde e por quê –, colocando-as no início da notícia, não há garantias de
objetividade. Há, no máximo, intenção de ser objetivo.
Existem, ainda, vários atributos da busca pela objetividade, dentre eles: apresentação de
possibilidades conflitantes, ou seja, os dois lados da moeda; relação de provas auxiliares; citação
de fatos suplementares que comprovem o que se está dizendo; e a disposição de falas de
testemunhas.
Para além do contrato social, Gaye Tuchman (1993, p. 78) aponta a objetividade como um
ritual estratégico que o profissional utiliza para se proteger. A autora acredita que o jornalista
busca a objetividade, primeiramente, para neutralizar potenciais críticas e, depois, para seguir
rotinas confinadas pelos limites cognitivos da racionalidade. Essas críticas podem ocorrer sob a
forma de repressão ainda dentro da redação ou até de fontes que se sintam prejudicadas por alguma
deturpação do que informaram.
O fato é que, conforme estabelecido no Código de Ética, o compromisso é com a verdade dos
fatos, mesmo que isso não signifique automaticamente ser objetivo. A objetividade completa não
existe. Mas, conforme ressalta Pena (2005 p. 51), “a sociedade confunde o texto com o discurso, o
que fica claro na separação dogmática entre opinião e informação”. Mesmo que seja como um
ideal, a objetividade sustenta um contrato fundamental desde os tempos modernos entre os
jornalistas e os cidadãos: o contrato que autoriza a produção de versões da vida, numa indústria que
teve no impresso o primeiro espaço de comunicação de massa.
A seguir, um pouco da trajetória do jornalismo impresso, que se confunde com a história do
próprio jornalismo, esse incrível produtor do real. Faremos um rápido passeio pela
trajetória mundial e brasileira, para abrir caminho ao detalhamento dessa história aqui no Espírito
Santo, o tema deste livro.
O Impresso na história do Jornalismo
Os relatos orais foram, sem discussão, a primeira forma de jornalismo que existiu, a primeira
grande mídia da humanidade. Os mensageiros, apregoadores e, mais tarde, trovadores eram
responsáveis pela transmissão e circulação das notícias. Mas a escrita em suporte manuseável
trouxe à comunicação atributos de valor como portabilidade, difusão para além dos limites
presenciais do enunciador, precisão das mensagens e fidedignidade dos relatos.
As Acta Diurna, relatos diários do cotidiano político e social do Império Romano, são
consideradas como um dos primeiros modelos de jornalismo impresso. Todavia, como o jornalismo
impresso não se estabelece somente pela periodicidade, é no século XIII que encontramos seus
principais vestígios iniciais. A Europa, mais especificamente Itália, França e Alemanha, em
plena Idade Média, iniciou o processo de firmação do jornalismo através das Letteri d’Avvisi
(Itália), Nouvelles à la Main (França) e Geschriebene Zeitungen (Alemanha). Todas elas eram
espécies de cartas manuscritas, que traziam informações sobre os mercados e se fundamentavam no
desenvolvimento do comércio. Seu público consumidor era restrito, e sua difusão, razoável, pois as
notícias circulavam em torno de safras, colheitas e transações comerciais e financeiras.
Aqui destacamos Gutenberg, que, no século XV, imprimiu a Bíblia, ficando conhecido assim
como o revolucionário da impressão.
Mas, segundo Pena (2005, p.27), a invenção dos tipos móveis é atribuída aos chineses. O
primeiro livro impresso conhecido é do ano de 868, e a invenção do tipo móvel, de 1040.
Em geral, a criação desses protótipos de impressora muito facilitou a propagação das notícias.
No século XVI, sobretudo na Itália, as Letteri d’Avvisi passaram a ser gazzetes, ou gazetas
(uma referência à moeda utilizada em Veneza). As gazzetes são o embrião dos jornais de hoje,
principalmente pela periodicidade com que eram publicadas. As notícias, no entanto, continuavam
em torno da pauta comercial. O diferencial era a forma menos séria, menos completa e mais
apelativa.
Já naquele momento, era mais importante alcançar um maior número de pessoas do que
informar em profundidade.
Nessa época, não podemos deixar de mencionar outro fator que potencializou a necessidade de
relatos: a expansão marítima.
Após a descoberta da América, as mensagens regulares se tornaram elementos estratégicos
para a exploração das colônias.
É como explica Gontijo (2004, p.211): “As viagens geravam um enorme volume de
informações sobre povos e culturas completamente desconhecidos e de oportunidades de negócios
até então inexploradas”.
Apesar do grande número de analfabetos e de grandes dificuldades nos transportes, a
sociedade começou a perceber como as gazetas estavam se transformando num poderoso veículo
de comunicação. Imediatamente, lideranças políticas trataram de descobrir maneiras de controlar o
que era veiculado.
Por causa disso, os impressos do século XVI estavam fortemente submetidos às pressões das
autoridades e dos próprios interesses comerciais de quem os produzia. Segundo Gontijo, surgia uma
nova modalidade de negócio, “um misto de prestação de serviço, atividade industrial e comercial”.
Para que o público consumidor das notícias fosse ampliado, bem como os lucros, os impressos
investiam na linguagem popular e até mesmo no tratamento sensacionalista das notícias.
No século XVII, surgem as primeiras publicações propriamente jornalísticas. Na Alemanha,
em 1609, inicia-se a publicação semanal Ordianri Avisa. Na Espanha, o primeiro folheto semanal é
a Gaceta de Madrid, em 1661. Em Portugal, tem-se A Gazeta, em 1641. No final do século XVIII, a
imprensa diária chega à França e à Inglaterra.
No século XIX, verificou-se o crescimento da atividade jornalística, a partir da expansão do
capitalismo e da ampliação da urbanização efetivamente, o jornalismo impresso é um
fenômeno urbano-industrial.
Em meados desse século, a informação barata dos penny press, que fazem referência ao “um
centavo” necessário para comprar jornais, ampliou o público dos diários nos Estados Unidos e
fez movimentar o mercado publicitário.
As tecnologias também influenciaram decisivamente nos destinos do jornalismo. Os avanços
na rapidez de transmissão da informação, com o auxílio do telégrafo, favoreceram a criação das
agências de notícias, como a Agence Havas, na França (1836), a Associated Press, nos Estados
Unidos (1844), e a Reuters, na Inglaterra (1851). Traquina (2004, p. 54) explica:
O impacto do telégrafo no jornalismo foi
significativo porque consolidou tudo o que a penny press
tinha posto em movimento: permitiu que os
jornais funcionassem em tempo real, ajudou a fomentar
a criação de uma rede mais vasta de pessoas
empregadas integralmente no trabalho de produzir
informação, que rapidamente alargaram ao nível
internacional a sua cobertura jornalística, num processo
continuado até hoje na globalização do jornalismo, e
introduziu alterações fundamentais na escrita das notícias,
uma linguagem telegráfica.
Com a instituição da empresa de comunicação, ou seja, uma organização destinada
exclusivamente a produzir e vender notícias, sustentada pela publicidade e pela vendagem de
jornais, o jornalismo se distancia cada vez mais da explícita tutela políticoeconômica para se firmar
como um campo. Agora, estamos em fins do século XIX, falando de uma realidade de primeiro
mundo, notadamente a norte-americana.
Conforme afirma Traquina (2004, p.36), “a emergência do jornalismo com seus próprios
‘padrões de performance e integridade moral’ tornou-se possível com a crescente
independência econômica dos jornais em relação aos subsídios políticos, método dominante de
financiamento da imprensa no início do século XIX”.
O século XX assistiu ao crescimento da indústria da comunicação, influenciada pelo
surgimento de novas mídias (rádio, TV, internet) e também pelo sombreamento planetário do
modo capitalista urbano-industrial e burguês de viver. Registre-se que a indústria de mídia,
fortemente ancorada no jornalismo, é um grande negócio do capitalismo e, ao mesmo tempo, o seu
mais poderoso preposto ideológico na atualidade.
Para arrematar esta história, vale reportar as cinco épocas distintas que Ciro Marcondes Filho
demarcou para o jornalismo, segundo relata Pena (2005):
1) Pré-história do jornalismo, de 1631 a 1789, caracterizada por produção artesanal e bem
próxima do livro;
2) Primeiro jornalismo, de 1789 a 1830, marcado pelo conteúdo literário e político,
comandado por escritores, políticos e intelectuais;
3) Segundo jornalismo, de 1830 a 1900, caracterizado pelo surgimento da imprensa de massa,
início da profissionalização dos jornalistas, instituição de reportagens e manchetes, estruturação de
empresas e utilização de publicidade;
4) Terceiro jornalismo, de 1900 a 1960, com imprensa monopolista, enormes tiragens,
formação de grandes grupos de mídia; e
5) Quarto jornalismo, a partir de 1960, marcado pelas tecnologias eletrônicas e digitais,
interatividade, velocidade, atualização intermitente, valorização da imagem e crise da imprensa
escrita.
O Brasil
Em nosso País, o jornalismo impresso só deslanchou a partir de 1808, com a chegada da
Família Real, o que demonstra uma defasagem de mais de 300 anos em relação à Europa. Antes
disso, as notícias circulavam principalmente pela ação dos tropeiros, que se configuravam como
verdadeiros veículos de comunicação, ou por intermédio da militância intelectual da elite
tupiniquim.
A estratégia da Coroa Portuguesa era evitar a circulação de informações.
Havia controle rígido, com punições severas em caso de transgressões. Sem a autorização da
metrópole para imprimir, as notícias escritas circulavam através de cartas ou pasquins, que eram
manuscritos e afixados em pontos de maior circulação ou recopiados e jogados por debaixo das
portas.
A luta pela independência do Brasil foi um dos fatores que 30 impulsionou a formação de
grupos e a produção de folhetins.
Mesmo assim, durante muito tempo, as notícias dos movimentos políticos ficavam restritas aos
conchavos nos porões. É como diz Gontijo (2004, p. 276): “O debate de idéias seguia
acontecendo em diferentes pontos do país, apesar de todas as dificuldades de comunicação. O livro
e os textos manuscritos foram sem dúvida a principal ferramenta de disseminação de informações,
na falta de impressoras e de um sistema de correios eficiente”.
Resumindo: a instalação da primeira tipografia no Brasil, a fundação de jornais e periódicos,
tudo isso foi possibilitado graças à vinda Família Real e à instalação da Imprensa Régia. Em 10
de setembro de 1808, saiu o primeiro número de A Gazeta do Rio de Janeiro, patrocinado pela
corte. Em junho do mesmo ano, Hipólito José da Costa, de Londres, lançou o seu Correio
Braziliense.
Gontijo nos relata que foi somente a partir dos anos de 1820, com a Independência e a abertura
dos primeiros cursos de Direito no País, que a imprensa ganhou vulto. Nesse sentido, em 1823, a
Assembléia Nacional promulgou a primeira lei de imprensa, garantindo a liberdade de expressão,
pois a instalação da Imprensa Régia não mudou em nada a realidade do aparato de controle
da informação.
Com a nova realidade descrita acima, jornais e pasquins experimentam a pauta política para
alimentar a disputa pelo poder.
Durante várias décadas, registra-se um jornalismo impresso bastante panfletário e
sensacionalista. Duas grandes causas – o fim da escravidão e a proclamação da República e suas
conquistas – vão funcionar como a base para o surgimento do jornal como empresa, no final do
século XIX.
Grandes nomes da literatura e do direito passam a escrever nos prestigiosos espaços da imprensa. A
urbanização e o desenvolvimento do capitalismo no País, acalentados pela ideologia de ordem e
progresso, juntamente com a influência dos imigrantes europeus que aqui aportaram com o hábito
de ler e produz jornais alternativos, acabou por impulsionar a imprensa no Brasil.
Grandes grupos começaram a se formar e alguns de seus periódicos existem até hoje, como o Jornal
do Brasil e, posteriormente, O Globo.
No Brasil, a profissionalização ou autonomização do jornalismo, basicamente o impresso, só vem a
ocorrer por volta dos anos 50, a partir da reprodução do modelo de objetividade e rotinas produtivas
lançadas mais de 50 anos antes nos Estados Unidos.
Os maiores jornais do Brasil investiram num discurso e em processos que referendassem a posição
de autonomia e profissionalização do jornalismo. Por essa época, as escolas de
Comunicação tornam-se uma realidade em nosso País.
Mas a ligação direta com os grupos de poder nunca foi desfeita.
Ao longo do século XX, registra-se a formação de influentes grupos de mídia, que passam a
concentrar as novas modalidades de jornalismo (rádio, TV e internet). Atualmente, seis redes
nacionais de TV – Globo, SBT, Record, Bandeirantes, Rede TV!
E CNT – controlam quase 700 veículos em todo o País. E, em torno delas, estão 50 jornais diários,
mais de 300 canais de TV e outras 300 e tantas emissoras de rádio, sem falar dos portais de internet.
Os maiores grupos de mídia são: Organizações Globo, Grupo Folha, Grupo Abril, Grupo Estadão,
Grupo RBS e CBM – Companhia Brasileira de Mídia.
Todas essas organizações estão às voltas com a discussão e o ajustamento de suas mídias impressas
de jornalismo, principalmente, os diários. Concorrência de novas mídias, custos de
produção, enxugamento de quadros, dilemas de cobertura e posicionamento frente ao “tempo real”
e ao “vivo’’ da internet e da TV, dentre tantas outras questões, colocam o jornalismo impresso, que
foi a origem de tudo, no centro das discussões neste início de século XXI.
Diante desse quadro, o jornalismo impresso vai reciclar-se ou desaparecer? Mas essa é uma outra
história – a história do futuro.
Fiquemos com os relatos do passado, especificamente do nosso Espírito Santo, que, inclusive, nos
ajudam a entender o presente e a pensar e refletir sobre os dias que virão.
Cronologia do surgimento dos periódicos nos Estados brasileiros
1811 – Bahia, Idade de Ouro do Brasil
1821 – Pernambuco, Aurora Pernambucana
1821 – Maranhão, Conciliador Maranhense
1822 – Minas Gerais, Compilador Mi-neiro
1822 – Pará, Paraense
1823 – São Paulo, O Paulista
1824 – Ceará, Diário do Governo do Ceará
1826 – Paraíba, Gazeta da Parayba do Norte
1827 – Rio Grande do Sul, O Diário de Porto Alegre e Constitucional Rio-Grandense
1829 – Estado do Rio de Janeiro (Niterói), Eco na Vila Real da Praia Grande
1830 – Goiás, Matutina Meiapontense
1831 – Alagoas, Íris Alagoense
1831 – Santa Catarina, O Catharinense
1832 – Rio Grande do Norte, Natalense
1832 – Sergipe, Recopilador Sergipano
1835 – Piauí, Correio da Assembléia Legislativa do Piauhi
1839 – Mato Grosso, Themis Mattogrossense
1840 – Espírito Santo, O Estafeta, com apenas um número.
1849 – O Correio da Vitória
1851 – Amazonas (província do Império a partir de 1850), Cinco de Setembro
1854 – Paraná (província do Império a partir de 1853), Dezenove de Dezembro
Fonte: Gontijo (2004)
Referências bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
CHILDS, Harwood L. Relações públicas, propaganda e opinião pública. Rio de Janeiro: FGV, 1976.
FREITAS, S. Comunicarte. Campinas. v.2, nº.4. 1984.
GONTIJO, Silvana. O livro de ouro da comunicação. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.
TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo, porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2004.
TUCHMAN, G. A objetividade como ritual estratégico. In: TRAQUINA,
Nelson. (org). Jornalismo - questões, teorias e “estórias”. Lisboa, Vega, 1993.
ZELIZER, B. Covering the body: the Kennedy assassination, the media, and the shaping of collective
memory. Chicago and London: University of Chicago Press, 1992.
Os primórdios da Imprensa no Espírito Santo
Andressa Zanandrea e Luciano Frizzera
O historiador Heráclito Amâncio Pereira reuniu, em um inventário, dados sobre jornais,
revistas e outras publicações impressas que circulavam em todo o Estado do Espírito Santo no
período compreendido entre 1840 e 1926. O trabalho A Imprensa no Espírito Santo foi publicado
pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e apresentado no oitavo Congresso de
Geografia, em 1926. Na ocasião, foi considerado um “estudo cuidadoso de grande alcance para a
vida social e política do Espírito Santo”.
No trabalho estão registradas mais de 400 publicações. Possivelmente havia outras, mas, já
naquela época, havia dificuldade em se encontrar os exemplares, sendo esses os que foram
encontrados por Heráclito Amâncio Pereira. Esta foi a primeira catalogação da imprensa capixaba.
O que havia sido feito anteriormente era deficiente e permeado de erros.
Como podemos perceber ao longo do inventário, logo que as primeiras tipografias chegaram
ao Espírito Santo, havia poucas publicações. O número foi se expandindo com o passar dos anos, e
a tiragem dos periódicos também foi aumentando. Entre 1840 e 1860, foram publicados apenas 13
jornais. A partir de 1880, os números começam a ficar mais expressivos. Entre 1880 e
1900, surgiram 100 jornais. Mas, de 1900 a 1926, o número foi mais que o triplo: 320 publicações.
Apesar do grande número, foram poucos os que perduraram. Muitos publicaram somente
uma edição e grande parte não durou mais que um ano – lembrando que a maioria deles não saía
diariamente.
Com o material que temos em mãos, não somos capazes de fazer amplas análises. Mas, ao
longo do texto, podemos apontar os vínculos mantidos por esses jornais, como os políticos e os
de classe. No entanto, muitos desses periódicos não existiam por razões políticas, mas somente
como órgãos escolares, publicações destinadas às mulheres ou puramente humorísticas.
Em 1840, houve a primeira tentativa de se estabelecer um jornal no Estado. Em 15 de
setembro, o alferes Ayres Vieira de Albuquerque Tovar firmou contrato com o Governo
Provincial para publicar atos oficiais. Assim, fundou O Estafeta, na Capital do Espírito Santo.
Pelo contrato, Ayres Tovar comprometia-se a publicar um jornal duas vezes por semana,
ficando o Governo com o direito a 120 exemplares de cada número, pelos quais pagaria 10 mil réis.
O jornal tinha como diretor de oficinas José Marcellino Pereira de Vasconcellos. No entanto,
circulou somente uma vez. Em 1848, sua tipografia foi vendida a Pedro Antônio de
Azeredo, secretário do Governo, que em 1849 criaria o primeiro impresso de notoriedade: o Correio
da Victoria.
O primeiro número do Correio circulou em 17 de janeiro. O jornal tinha Azeredo como
proprietário e redator, e era impresso em papel de linho azulado. A primeira pessoa que o leu antes
de sua distribuição foi o coronel José Francisco de Andrade Almeida Monjardim. Era uma folha
política, literária e noticiosa.
No ano anterior, em 26 de setembro, Azeredo e o Governo Provincial assinaram um contrato
de dez anos para a publicação dos atos oficiais, que, para isso, marcava a quantia de um conto
de réis. Para cada folha de impressão, Azeredo receberia 10 mil réis.
Em março de 1849, foi lavrado contrato, entre o proprietário do Correio e a Comissão de
Política da Assembléia Provincial, para a publicação dos atos legislativos na sessão daquele ano. A
comissão de política, então, compunha-se dos seguintes membros:
José da Silva Vieira Rios, Wenceslau da Costa Vidigal e Francisco Rodrigues Barcellos Freire.
Na edição de 3 de janeiro de 1852, o Correio publica sua posição: o “dogma político –
monarquia, constituição e liberdade – dá guarda à defesa do oprimido, e censura o opressor e o
crime, procurará vulgarizar os melhoramentos morais e materiais que se tenham feito em benefício
da espécie humana; promoverá quanto em si estiver o engrandecimento desta terra, em que vive,
acompanhará a administração da província nos benefícios que lhe tiver de fazer, e mesmo lhe
lembrará aquelas mais urgentes e exigidas precisões para o bem do povo; - publicará enfim os atos
do governo e daquelas repartições que se quiserem de sua colunas utilizar: é esta sua missão, é este
o sacerdócio mais nobre e sagrado da imprensa livre, e ordeira – é esta a profissão de princípios que
vêm hoje fazer em público o Correio da Victoria”. Termina franqueando suas colunas aos cultores
das boas letras e prometendo invitar todas as forças para o engrandecimento da província.
Em 25 de junho de 1852, a Assembléia cassou o contrato e, em 3 de julho, o Correio declarou
que deixava de publicar os atos oficiais e franqueava suas colunas a todas as publicações. Esta foi a
independência da publicação, como disse em seu editorial, intitulado Nossa missão da imprensa.
Não obstante, de 18 de setembro de 1852 em diante, tornou a dar publicidade aos atos da
secretaria do governo, sendo assinado novo contrato aos 30 de julho de 1853. O Correio foi
bissemanal (quartas e sábados) até 13 de janeiro de 1872, quando começou a circular três vezes por
semana (terças, quintas e sábados). Defendia a política conservadora, deixando de ser publicado em
1873, com a cisão levantada no seio do partido. Tinha quatro páginas.
Entre seus colaboradores estavam Rangel Sampaio, Emílio da Silva Coutinho, João Luiz da
Fraga Loureiro, Antônio Joaquim Rodrigues e José Joaquim Rodrigues, que foi seu redator
durante três anos (1852-1854). Com a morte de Azeredo, passou, em janeiro de 1872, a ser
prioridade de Joaquim Francisco Pinto Ribeiro e gerido por Aprígio Guilhermino de Jesus; antes,
em 1869, estivera sob a redação de Tito da Silva Machado. Tornou-se, depois, propriedade de
Jacintho Escobar Araújo.
O noticiário local era muito resumido, havendo dias em que deixava completamente de
aparecer no jornal, que não deixava de ser atochado com transcrições de notícias da corte. A
tiragem era pequena e havia correspondente no Rio de Janeiro. Os anúncios eram poucos e na
maioria sobre escravos fugidos. O comércio ainda não sabia se servir dessa poderosa arma de
propaganda.
No Correio de 10 de setembro de 1859 foi publicado em folhetim um ensaio de crônica sob o
título A Semana. Seria essa a primeira crônica aparecida na imprensa capixaba.
O terceiro jornal capixaba foi A Regeneração, que surgiu em 17 de dezembro de 1853, na
Capital. Era um periódico bissemanal literário, imparcial e de regular formato, que se publicou até
fevereiro de 1856. Conforme a tradição, exerceu inflncia salutar sobre os costumes da sociedade.
O proprietário e redator era Manoel Ferreira das Neves, professor público da segunda cadeira de
primeiras letras da Capital, e entre seus colaboradores contava- se José Marcellino Pereira de
Vasconcellos. Manteve contrato com a Assembléia Provincial, para a publicação de seus atos,
em 1854, por 200 mil réis. Diz-se que foi um dos melhores periódi- cos, pelas matérias, boa redação
e nitidez de impressão.
Em 17 de julho de 1856, surge O Capichaba, na Capital. Era um periódico político e noticioso,
aparecido como órgão das idéias de um dos lados da Assembléia Provincial (minoria) e para
combater pela eleição de um espírito-santense patriota e ilustrado como deputado pela província à
Câmara Temporária. Publicava-se às quintas- feiras. Seu 15º e último número circulou em 23 de
outubro.
Em 2 de janeiro de 1857, surge O Semanário, na Capital. Era um jornal de instrução e recreio,
de publicação semanal (sextas- feiras). Era de exclusiva propriedade e direção do major
José Marcellino Pereira de Vasconcellos. Suspendeu a publicação aos 6 de novembro do mesmo
ano, em vista de alteração na saúde do diretor, reaparecendo aos 10 de fevereiro do ano seguinte.
O número 50, último, traz a data de 3 de abril de 1858. Tinha oito páginas. Possuía 202 assinantes:
41 na Capital; 130 em outros pontos da província e fora dela.
Em 19 de agosto de 1859 surge o Aurora, na Capital. Era um periódico literário, científico e
per accidens político, que saía às sextas- feiras, tendo cada número oito páginas. A folha avulsa
era vendida a 160 réis. Suspendeu a publicação, depois de haver publicado dezesseis números, por
motivo de se ter retirado desta capital o Dr. Joaquim dos Santos Neves, seu redator.
Durante o ano de 1860, surgem sete publicações na Capital. O Mercantil, A Liga, O
Indagador, O Maribondo, O Picapau, O Periódico dos Pobres, que substituiu O Picapau em 9 de
dezembro. Todos duraram pouco.
No mesmo ano, em 7 de setembro, começou a circular também O Provinciano. Era um jornal
político, noticioso e órgão do Partido Conservador, que tinha como editor-proprietário Emílio
Francisco Guizã e como redatores principais José Camillo Ferreira Rabello e Antônio Joaquim
Rodrigues, que, ao retirar-se da redação, foi substituído por Joaquim José Fernandes Maciel.
Publicava-se às quintas feiras e aos domingos. Tinha quatro páginas.
Em 1861, surgiram na Capital os jornais União Capichaba, O Clarim, O Desapprovador e O
Tempo. O primeiro data de 3 de fevereiro e era político progressista. O primeiro número de O
Clarim – que era político, literário e noticioso – circulou em de abril.
O Desapprovador era noticioso, político e recreativo, tendo aparecido em 5 de outubro.
O Tempo circulou pela primeira vez em 1º de novembro, sob a redação de José Marcellino
Pereira de Vasconcellos. Era um órgão político e advogado das idéias do Partido Liberal. Em
1862, suspendeu a publicação durante quatro meses. Sua tipografia foi administrada por Manoel
Antônio de Albuquerque Rosa até 12 de agosto de 1863.
Em 1863, foram publicados na Capital pela primeira vez A Borboleta, Amigo do Povo, Liberal
e O Monarchista, um jornal político e noticioso. O dono e editor era Manoel Antônio de
Albuquerque Rosa. Surgiu como órgão do Partido Conservador com o fim de O Provinciano e
usava sua tipografia. Estava sob a redação de Joaquim José Fernandes Maciel (redator-chefe),
Antônio Joaquim Rodrigues e José Camillo Ferreira Rabello. Publicava-se às quintas-feiras e
domingos, com quatro páginas. Parou de circular no fim de 1865.
Em 2 de abril de 1864, surge o Jornal da Victoria. Defendia as idéias do Partido Liberal. Seus
redatores eram os engenheiros Manoel Feliciano Moniz Freire (redator-chefe e
proprietário), Leopoldo Augusto Deoclecian de Mello e Cunha, o bacharel José Corrêa de Jesus. O
gerente era Delecarliense Drumond de Alencar Araripe, que, em 1866, tornou-se o proprietário do
jornal.
Entre seus colaboradores estavam Manoel Augusto da Silveira e João Zeferino Rangel de S.
Paio. O Jornal da Victoria substituiu O Tempo, cuja tipografia herdou, e circulava às quartas-feiras
e aos sábados, trazendo também atos oficiais. Devido à falta de assinaturas em número suficiente
para cobrir as despesas, suspendeu a publicação em 29 de dezembro de 1869, com o número 588.
Em 1866, é publicado o primeiro periódico fora da Capital.
O primeiro número de O Itabira circula em Cachoeiro do Itapemirim em 1º de julho. O jornal
era redatoriado por Basílio Carvalho Daemon, editorado por João Paulo Ferreira Rios e usava a
tipografia de O Monarchista. Era literário, agrícola, comercial e noticioso. Tendo-se tornado
violento, foi obrigado a suspender a publicação, sendo substituído em 1868 por O Estandarte.
Na Capital, em 23 de julho, surge o Diário Victoriense, órgão literário e noticioso, sob a
redação de Emílio Francisco Guizã, seu proprietário. Era publicado diariamente, com exceção
dos domingos e dias santos. Surge também O Escorpião, de caráter pilhérico, em 16 de dezembro.
Em 26 de janeiro de 1867, é publicado O Filho do Escorpião, em substituição a O Escorpião.
No mês de julho, circula, em Anchieta, o primeiro número do Estrella do Sul, que passa a ser
impresso na Capital em 5 de janeiro de 1868.
Em 24 de agosto, sai o primeiro número do Sentinella do Sul, na Vila do Itapemirim. Defendia
o Partido Liberal, sendo propriedade de uma associação. Estava sob a direção política do Dr.
Climaco Barbosa, administração de Ângelo Ramos e redação de Horta de Araújo, Maximiano
Bueno, Macedo Pires de Amorim, Antão e Manoel Joaquim de Lemos. Publicava-se aos
sábados, passando a circular aos domingos, em 22 de setembro. Sustentou grandes lutas com O
Itabira, tornando-se violento. Deu o nº 52 a 16 de agosto de 1868 e suspendeu a publicação, mas
ainda circulou em 1869.
Em 15 de março de 1868, surge, na Capital, O Cidadão, defen- sor do Partido Liberal e
redigido por José Corrêa de Jesus. A Voz do Povo surge em 27 de agosto, também defensor do
Partido Liberal e também redigido por José Corrêa de Jesus. Em Cachoeiro, é criado O Estandarte,
para substituir O Itabira, em 5 de abril.
Tinha como redator e proprietário Basílio Carvalho Daemon, e os colaboradores eram os
mesmos de O Itabira. Circulava semanalmente, aos domingos, e era político, literário, noticioso
e defensor do partido conservador.
Em 31 de março do ano seguinte, é publicado A Liga, na Capital.
Em 8 de setembro de 1870, circula pela primeira vez, na Capital, O Espírito Santense. O
fundador e primeiro redator foi Marcellino Pereira de Vasconcellos, e o gerente e editor, Manoel
Antônio de Albuquerque Rosa. Era político, científico, literário, noticioso e defendia idéias
conservadoras. Tinha correspondentes na França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Estados Unidos e
em algumas repúblicas do Sul, os quais enviavam notícias quinzenalmente.
Entre seus colaboradores, podemos citar José Joaquim Pessanha Póvoa, Mucio Teixeira,
Affonso Cláudio, padre Antunes de Siqueira, professor Aristides Freire, Manoel Rodrigues, Ubaldo
Rodrigues, Antônio Athayde, Almeida Nobre, Amâncio Pereira, Cleto Nunes Pereira, Candido
Brizindor, Eduardo Gomes Ferreira Velloso, Sebastião Mestrinho, Miguel Thomaz Pessoa, Edgardo
Daemon, Magno Machado, J. Firmino dos Santos, Godofredo Autran, Emílio da Silva Coutinho, M.
H. de Moraes, Adrião Rangel, Ignácio Thomaz Pessoa, A. d’Oliveira Costa (correspondente em
Paris) e Coriolano de Oliveira.
Era publicado três vezes por semana. Tendo suspendido a circulação por cerca de cinco meses,
reapareceu em 2 de junho de 1880. H. A. Binner foi seu impressor, até 2 de abril de 1874, quando
passou a ser impresso por Miguel Pereira Gambôa.
Em 1877, a despesa com o pessoal de suas oficinas atingia 420 mil réis mensais. Tinha quatro
páginas e sua tiragem era de 500 exemplares.
Seus adversários chamavam-lhe a Bíblia da Mentira, o Carrilhão da Victoria, Órgão
Cabeleira, Grande Realejo, Órgão do Percevejo Viajante, entre outros. O jornal durou até 14 de
junho de 1889.
Em 5 de agosto de 1872, O Conservador começa a circular na Capital. Era bissemanal e
começou a ser publicado como aprendizagem de arte tipográfica e passatempo do então
estudante Manoel Corrêa de Vasconcellos. Tornou-se político mais tarde, sendo então de
propriedade e redação do capitão Francisco Urbano de Vasconcellos. Colaboravam Tito da Silva
Machado, José Joaquim Pessanha Póvoa, Joaquim Corrêa de Lírio e outros. Chamavam- lhe
também Periquito.
No ano seguinte, em 16 de março, chegou às ruas A União. Era um órgão liberal redigido por
Tito da Silva Machado e outros. Saía às quintas-feiras e aos domingos, mas suspendeu a publicação
por falta de recursos, em março de 1874. Tinha quatro páginas e entre seus colaboradores estava o
padre Antunes de Siqueira.
Em 3 de janeiro de 1875, na Vila do Itapemirim, surge O Operário do Progresso. Em seu
artigo de apresentação, comprometia-se a ser imparcial em questões pessoais e políticas, e a
esforçar-se pelo desaparecimento do analfabetismo. Com quatro páginas, publicava-se aos
domingos e trazia matérias sobre ciência, artes e indústria. Seu redator-proprietário era Augusto A.
Pereira César e eram colaboradores José Feliciano Horta de Araújo, Leopoldo Augusto Deocleciano
de Mello e Cunha e Joaquim Adolpho Pinto Pacca. O último número circulou aos 2 de abril de
1876.
Em 24 de setembro, sai, na Capital, o primeiro número de A Aurora. Eram seus redatores
Moniz Freire, Affonso Cláudio e João Monteiro Peixoto, então estudantes do Atheneu Provincial.
Publicava-se semanalmente e ocupava-se de ciências, literatura e indústria. Foi o primeiro
periódico nascido na província por iniciativa de estudantes.
Em 1º de dezembro, circula O Commercio, que manteve discussões com O Espírito Santense,
pois atacou o conselheiro Costa Pereira e outros conservadores. Com quatro páginas e tiragem
de 500 exemplares, circulava às terças-feiras e aos sábados, passando a ser semanal em fevereiro de
1876.
Foram seus redatores José Joaquim Pessanha Póvoa e José Feliciano de Noronha Feital
(também proprietário). Entre seus colaboradores estavam Francisco de Lima Escobar Araújo,
também revisor, e Benjamin Constant Pereira da Graça. A publicação foi suspensa ainda em 1876.
Em 14 de maio de 1876, surge O Itapemirinense, na Vila do Itapemirim.
Era um periódico noticioso, literário, comercial, agrícola e imparcial em política, publicado
aos domingos. Na Capital, circula A Gazeta do Commercio, em 24 de junho. Era um
órgão democrático, de quatro páginas, que foi publicado até 1878, ano em que foi substituído pelA
Gazeta da Victoria. O proprietário era Dr. José Joaquim Pessanha Povoa e entre seus
colaboradores estavam Cleto Nunes Pereira e Affonso Cláudio.
No mesmo ano, em 6 de agosto, A Liberdade é publicado pela primeira vez, na Capital. Era
um semanário de quatro páginas, que tinha por objetivo o desenvolvimento das letras e ciências e
estava sob a redação de José de Mello Carvalho Moniz Freire e Candido Vieira da Costa, além de
ter colaboração de Affonso Cláudio e Cleto Nunes Pereira. Durou pouco. Surge também, em 5 de
outubro, o Opinião Liberal, periódico de quatro páginas e publicação semanal. Defendia o Partido
Liberal e estava sob a direção do advogado Francisco Urbano de Vasconcellos, sendo seus
proprietários Alpheu A. Monjardim de Andrade e Almeida, Azambuja Meirelles e Leopoldo A. D.
de Mello e Cunha.
Em 7 de janeiro de 1877, sai, em Cachoeiro de Itapemirim, o primeiro número de O
Cachoeirano. Era de propriedade e redação de seu fundador Luiz de Loyola e Silva.
Com o nº 52, aos 23 de fevereiro de 1879, completou o segundo ano e paralisou sua
publicação. Reapareceu em 15 de junho.
Em 1881, apresentou-se como órgão imparcial, sendo propriedade de João de Loyola e Silva,
que assumiu a chefia de redação.
Em 27 de dezembro de 1887, José Feliciano Horta de Araújo deixou de fazer parte de sua
redação.
Tornou-se órgão republicano, a partir de 29 de julho de 1888, sob a redação do Dr. Antônio
Gomes Aguirre e do farmacêutico Bernardo Horta, que já faziam parte da redação. Em 23 de
setembro do mesmo ano, os títulos das seções passaram a indicar os assuntos nelas tratados: “De
malho em punho (editoriais); A nova fase; Álbum do povo; Por dentro e por fora (notícias);
Em busca de Chanaan; Psiu...; Nós e os nossos; Quem diz o que quer... (ineditoriais); Mundo oficial
(editais); Dobrando sinos; A fama voa (anúncios); No parnaso; Colunas do povo”.
Em 17 de novembro de 1889, com a Proclamação da República, editou um número especial.
Paralisou a publicação durante o mês de dezembro, a fim de reformar seu material tipográfico.
No ano seguinte, suas seções tomaram as denominações: “Pró-Pátria (editorial), Revista Semanal,
Avisos, Literatura e Recreio, Coluna Livre, Editais, Anúncios”.
Aos 15 de junho, tornou-se órgão do Club Republicano 4 de maio, passando a ser redatoriado
pelo farmacêutico Bernardo Horta de Araújo, Lydio Marianno, José Feliciano Horta de Araújo e
Custódio Maia, sendo Leopoldino Lima o seu administrador e João de Loyola e Silva o seu gerente.
Custódio Maia retirou-se do corpo de redação em 14 de setembro, e, aos 18 de janeiro do ano
seguinte, a administração ficou a cargo de Adolpho Corrêa de Toledo.
De 10 de maio a de junho, suspendeu a publicação, mais tarde reaparecendo como órgão
imparcial e com programa completamente mudado, prestando apoio ao governo do barão
de Monjardim.
Em 10 de abril de 1892, Alfredo Moreira Gomes deixou de ser co-proprietário e retirou-se da
redação. Na ocasião, O Cachoeirano apresentou-se como órgão político, comercial e agrícola,
passando a dirigi-lo Bernardo Horta de Araújo, auxiliado por Costa Cavalcanti e Dias de Freitas e o
professor Quintiliano Azevedo.
De 17 de julho até o fim do ano, encarregou-se da redação João Loyola e Silva.
Começou a publicar serviço telegráfico na Capital Federal, a 1º de agosto de 1893. Opôs-se ao
golpe de Estado de 3 de novembro de 1891 e ao governo de Marechal Floriano, havendo
aderido abertamente ao movimento revolucionário chefiado pelos almirantes Custódio e Saldanha.
Suspendeu a publicação em 3 de dezembro de 1893, por haver sido vendida a tipografia.
Reapareceu em 6 de janeiro de 1894, quando comprou a tipografia de Opinião.
Em 1901, foi órgão do partido Construtor-Autonomista. No número de 23 de julho de 1905,
apareceu a seção “Notas avulsas”, destinada à literatura amena, como ligeiro passatempo
aos avessos à política.
Suspendeu a publicação por ter sofrido empastelamento na noite de 4 de julho de 1906,
voltando em março de 1907, sob a direção de Bernardo Horta, redator-chefe, e Victor de
Moraes, redator-gerente.
Em 1911, tornou-se propriedade de uma associação, sendo seu gerente Alexandre Ramos.
Tendo suspendido a publicação logo após a campanha presidencial de 1912, voltou pouco depois,
aos 4 de agosto do mesmo ano, sob a gerência de Alexandre Ramos, prometendo defender os
interesses do povo como órgão independente e imparcial e não tomar parte em questões políticas.
Em 1916, porém, colocou-se em oposição à candidatura de Bernardino Monteiro à Presidência
do Estado. Aos 6 de maio, José Bento Vidar Júnior assumiu a chefia da redação, de acordo com a
vontade do diretório oposicionista do município. Com o triunfo da chapa Bernardino-Athayde, O
Cachoeirano paralisou a publicação, voltando em outubro do mesmo ano, sob a direção de Alfredo
de Souza Monteiro, então, sob a bandeira do Partido Republicano do Espírito Santo.
A 1º de novembro de 1921, iniciou uma nova fase, sob direção do Dr. Francisco Gonçalves e
gerência de José Sobreira.
A princípio, publicava-se aos domingos. Depois aparecia duas vezes por semana, mas tornou a
circular semanalmente até 4 de setembro de 1915, quando começou a dar edições vespertinas
às quartas-feiras e sábados. Na época em que Heráclito fez a pesquisa, saía todas as quintas-feiras.
Possuía quatro páginas, sendo que, no período de 26 de agosto de 1894 a 11 de novembro do
mesmo ano, foi impresso em duas páginas devido à falta de papel. Tem seis e, às vezes, mais
páginas, na fase atual.
Entre seus colaboradores, nas diferentes fases de sua existência, estão Horta de Araújo, Maria
Leonilda, Antônio Carlos da Fonseca, Bernardo Horta, Ildefonso Vianna, Eugênio
Amorim, Godofredo da Silveira, M. C. de Vasconcellos, Deolindo Maciel, Virgílio Vidigal, Oscar
Leal, Antônio Gomes Aguirre, Affonso Cláudio, Moreira Gomes, Coelho Lisboa, Silva Lima, José
Marcellino, João Freitas, Jeronymo de Souza Monteiro, José Lino, Joaquim Ayres, Manoel
Fernandes, Pe. Antônio Fernandes da Silva, padre Carloto Fernandes da Silva, Júlio Leite, Victor de
Moraes, José Batalha Ribeiro, Cel. Antônio da Silva Marins, João Motta, Mário Imperial, Narciso
Araújo, Benjamim Silva, José Calasans de Mello Rocha, Antônio Vieira, Tertuliano de Loyola,
Moacyr Moraes, Sizenando de Mattos Bourguignon, padre Carlos Regattieri, Belisario Vieira da
Cunha, Everaldino Silva, Sylvio Júlio e Attílio Vivacqua.
Em abril de 1877, surge, na Capital, um pequeno periódico dedicado ao sexo feminino: o
Jornal das Moças. Era redigido por um “pai de família”. Em 2 de dezembro, aparece, na Capital, O
Echo dos Artistas. Era contra a aristocracia e de propriedade do editor Benedicto Ferreira de
Carvalho e Corrêa. Suspendeu a publicação, por ter se tornando violentíssimo, no oitavo número,
em 20 de janeiro de 1878. Assinava-se na razão de 500 réis mensais para a Capital, e 3 mil réis o
trimestre para fora. Avulso custava 120 réis. Tinha quatro páginas.
Entre seus colaboradores estavam Affonso Cláudio, Cleto Nunes, Joaquim Lyrio, Pedro Lyrio,
Alexandre Costa e Candido Brizindor. Nas palavras de Amâncio Pereira: “Fez uma
trajetória rápida, mas de efeito pela independência que sustentou”.
A Gazeta da Victoria surge em 24 de janeiro de 1878, substituindo A Gazeta do Commercio.
Em 4 de março de 1879, passou a ser órgão democrático e, em abril de 1881, tornou-se folha
comercial, política, literária e noticiosa.
Durou até 1889, ano em que esteve sob a redação de Pessanha Povoa e Joaquim Corrêa Lyrio.
Circulava às terças, quintas e sábados.
Tinha quatro páginas, com tiragem de 300 exemplares.
Faziam parte de seu corpo de colaboradores Gonçalo Marinho de Albuquerque Lins, Affonso
Cláudio, Ignácio Thomaz Pessoa, Amâncio Pereira, Antônio Athayde, Henrique Cancio,
Braulio Cordeiro Jr., Horácio Costa, Benevides L. Barbosa, Olympio Hygino, Pedro Lyrio, Genezio
Lopes, Gomes Netto, Manoel Augusto da Silveira, Moniz Freire, padre Antunes de Siqueira,
Marins Jr., Mucio Teixeira, Emílio da Silva Coutinho e Candido Brizindor.
Em 27 de janeiro de 1878, surge, na Capital, o Actualidade. Desapareceu com o falecimento
de seu redator, ocorrido em 30 de outubro de 1879. Folha política, literária, comercial e órgão
do Partido Liberal. Estava sob a direção do bacharel José Corrêa de Jesus, sendo seu editor
Benedicto Ferreira de Carvalho. Era continuador das idéias pregadas no Jornal da Victória, União e
Opinião Liberal. Tinha quatro páginas.
Em 7 de agosto, começou a se denominar A Actualidade. Devido ao fato de que o expediente
do Governo ocupava a maior parte das colunas, o Espírito Santense chamava-lhe o “órgão do
expediente”.
O primeiro número de Idéa, um semanário literário, saiu em 1º de setembro de 1878. Era de
propriedade e redação dos tipógrafos de O Espírito Santense e durou até 1880. Afonso Cláudio
e outros eram os seus colaboradores.
Em 7 de setembro de 1878, surge, na Capital, o Sete de Setembro.
Durou pouco, mas pelo menos um ano. Era literário e noticioso, e estava sob a redação de
Amancio Pereira, Lydio Mululo e Pedro Lyrio, então estudantes do Atheneu Provincial. O papel
verde e amarelo para imprimir o primeiro número foi emprestado por Pessanha Povoa, de A Gazeta
da Victoria.
Em 11 de abril de 1878, A Gazeta da Victoria anunciou o aparecimento de O Bonito. Seria um
periódico “crítico e chistoso, para mostrar a calva de certos moços tesoureiros de
sociedades quebradas e de outros pedantes”.
Em 20 de julho de 1879, surge O Operário, na Vila de Itapemirim.
Era um periódico comercial, agrícola e literário, que se declarava neutro na luta do partidos
locais. O editor era Candido Gonçalves Pereira Lopes. Durou até 19 de dezembro de 1880.
Em 15 de julho de 1880, aparece, na Capital, O Horisonte. Era do Partido Liberal. Durou até o
número 36, de 6 de junho de 1885, sendo substituído por O Liberal. Quando A Gazeta da
Victoria suspendeu a publicação dos atos oficiais, em março de 1882, O Horisonte começou a fazê-
lo. Tinha quatro páginas e era vespertino.
Em 3 de junho de 1882, tornou-se matutino e passou a sair duas vezes por semana, às quartas e
aos sábados. A tiragem era de 500 exemplares. Entre seus colaboradores estavam José
Joaquim Pessanha Povoa, Elizeu Martins, Tiburcio de Oliveira, Cerqueira Lima, Paulo de Freitas e
Manoel Rodrigues de Campos.
Em 15 de março de 1882, o Província do Espírito Santo surge na Capital. Foi fundado por
Cleto Nunes Pereira e José de Mello Carvalho Muniz Freire. Consagrava-se aos interesses da
província e filiava-se à política liberal. Publicava-se inicialmente três vezes por semana e tinha
quatro páginas. Em 3 de janeiro de 1883, tornou-se diário.
Aos domingos, a primeira página era dedicada à literatura. Mantinha correspondentes no Rio
de Janeiro, em São Paulo, Paris e nos municípios da província. Teve a primeira Marinoni
(impressora rotativa, que imprimia 10 mil exemplares por hora, necessitando apenas de três
operários) do Espírito Santo. Sua tiragem inicial era de mil exemplares, mas chegou a 1600 em
1889. Com o advento da República, passou a se denominar Diário do Espírito Santo (1889) e O
Estado do Espírito Santo (1890).
Tinha como colaboradores José Joaquim Pessanha Povoa, Affonso Cláudio, Adelina Lyrio,
Joaquim de Salles Torres Homem, Mucio Teixeira, Francisco Peçanha, coronel Augusto
Calmon Nogueira da Gama, Ferreira Vianna, Adelino Fontoura, Tiburcio de Oliveira, Emilio da
Silva Coutinho, Gama Rosa, Cerqueira Lima e Francisco de Lima Escobar Araújo.
Na Vila do Itapemirim, surge, em de maio de 1882, A Gazeta do Itapemirim. Durou até 2 de
novembro de 1884. Publicava-se aos domingos, com quatro páginas, e tinha como
colaboradores Alvaro Mario Pacca, Amâncio Pereira, Antonio Hautequestt, A.
Rodrigues, Candido Gonçalves Pereira Lopes, entre outros.
Em 20 de agosto de 1882, foi criado O Pyrilampo, órgão da sociedade Amor às Letras, de
estudantes do Atheneu Provincial.
Era publicado duas vezes por mês e teve como redatores João Magalhães Junior, Aldano
Paiva, Lydio Mululo e José Antonio Monjardim. Os colaboradores eram Amâncio Pereira, J. Lirio,
B.
Bastos, Pessanha Povoa, Jose Batalha Ribeiro, entre outros.
Em 1º de setembro de 1882, foi lançado, na Capital, O Baluarte.
Era um semanário literário, recreativo e noticioso, com quatro páginas. Entre os colaboradores
estavam Ignácio Thomaz Pessoa, Aristides Freire e Francisco Amalio Grijó.
Em 7 de setembro de 1882, surge O Mitra. Impresso na tipografia de O Horisonte, era um
periódico satírico e humorístico, de redação de José Joaquim Pessanha Povoa. Publicou 16
números, em quatro páginas. No mesmo ano, em 5 de outubro, surge O Filho, periódico crítico e
literário. O nome se deveu à falta de caracteres para o cabeçalho. As existentes só davam para
formar esse nome.
Em 7 de janeiro de 1883, apareceu A Passagem de Vênus. Era um semanário crítico, literário e
científico. Em 8 de julho, aparece A Folha da Victoria, publicado duas vezes por semana, em
quatro páginas, com tiragem de 600 exemplares. Era político, comercial, agrícola, literário e
noticioso. Tinha como colaboradores Candido Costa, Ubaldo Rodrigues, Adelina Lyrio, Tiburcio de
Oliveira, entre outros. Durou até 24 de julho de 1890, sendo substituída pelo Federalista.
Em 1º de novembro, surge o Vasco Coutinho, na Capital. Diziase alheio às lutas políticas e
pertencia ao capitão Odorico José Mululo, sendo redatoriado por José Joaquim Pessanha Povoa.
Deixou de circular em 16 de maio de 1884.
Em 4 de fevereiro de 1884, edita-se, na Capital, o semanário Magnólia. Era dedicado às
mulheres e impresso na tipografia do Vasco Coutinho. No mesmo ano, em 10 de fevereiro, surge A
Meditação.
Era de propriedade do Província do Espírito Santo e tinha como escopo a elevação do espírito
de classe e a dignificação da arte. Em 3 de julho, surge O Arado, que tinha publicação bissemanal.
Suspendeu a publicação no ano seguinte, sendo substituído por O Liberal. Em 6 de setembro,
aparece O Porvir, um periódico literário, dedicado aos artistas. Já em 6 de outubro, é
publicado Lúcifer, um jornal crítico e literário.
Em agosto de 1884, foi publicado o primeiro Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial e
Agrícola da Província do Espirito Santo.
Interrompeu a publicação em 1887 e reapareceu em 1889. Tinha auxílio do governo
provincial.
Em 12 de abril de 1885, foi criado O Constitucional, na Vila do Itapemirim. Em 25 de julho de
1886, passou a ser publicado em Cachoeiro, onde findou em 25 de dezembro de 1889. Era
político, agrícola e comercial, sendo órgão do Partido Conservador.
Tinha quatro páginas e era publicado aos domingos. Em 1889, passou a ser bissemanal.
Em 17 de junho, surge O Liberal, na Capital. Ele vem para substituir O Horisonte e O Arado.
Como os anteriores, era órgão do Partido Liberal. Seus redatores foram José Joaquim Pessanha
Povoa e Maximino Maia. Era publicado três vezes por semana, com quatro páginas. Em 16 de
agosto do mesmo ano, é publicado O Athleta. O periódico circulava três vezes por mês e era
redigido por membros da sociedade Amor às Letras, assim como O Pyrilampo.
Em 1º de janeiro de 1886, circula o primeiro número de A Regeneração, em Anchieta.
Em 2 de abril de 1889, publica-se O Semanal. Durou 44 números, até 18 de agosto de 1890.
Era órgão dos alunos do Atheneu Provincial, redigido pelos estudantes Affonso de
Magalhães, Enéas Tagarro e Sebastião Barroso. Em 18 de agosto, circula A Violeta, em Cachoeiro.
Era um semanário literário, noticioso e recreativo.
Suspendeu a publicação em agosto de 1890. Com o advento da República, o Província do
Espírito Santo mudou de nome, para Diário do Espírito Santo. O primeiro número saiu em 23
de novembro, com tiragem de 1600 exemplares. No ano seguinte, em 1º de janeiro, seria substituído
por O Estado do Espírito Santo.
O Estado tinha como redatores Moniz Freire e Cleto Nunes. Em 2 de outubro, tornou-se órgão
do Partido Republicano Construtor e Cleto Nunes saiu da redação. Tinha tiragem de 1700
exemplares e era impresso em quatro páginas. Foi órgão do Governo de março de 1892 a 1905 e
cessou a publicação em 6 de agosto de 1911, devido a um empastelamento.
Aos domingos, publicava uma página literária. Estavam entre seus colaboradores: Horacio
Costa, José Joaquim Pessanha Povoa, Antonio Athayde, Affonso Cláudio, Ignácio Pessoa,
coronel Augusto Calmon Nogueira da Gama, Argeu Monjardim, Manoel de Alvarenga, Graciano
Neves, Olympio Lyrio, Henrique Cancio, Zozimo Fraga e Manoel Monjardim.
Em 2 de fevereiro de 1890, publica-se O Lidador. Era um semanário literário, recreativo e
noticioso, sob a redação de Phedro Daemon. Publicou 24 números, cessando em outubro do mesmo
ano. Em março, circulou O Rouxinol, em Anchieta. Era dedicado às mulheres.
O Diário Official do Estado Federal do Espírito Santo surgiu em 23 de maio. Foi criado pelo
decreto de 20 de fevereiro de 1890, em vista da rescisão do contrato que o governo mantinha com
O Estado do Espírito Santo para a publicação dos atos oficiais. Em 1891, passou a se denominar
Correio Official do Estado Federal do Espírito Santo.
Em 30 de julho, publica-se O Federalista, órgão democrático da União Republicana Espírito-
Santense. Publicava-se às quintas e aos domingos, com quatro páginas. Teve como
colaboradores José Francisco Monjardim, Ricardo Vieira de Faria, entre outros.
No dia 31, publicou-se O Pharol. Era um semanário, órgão do Partido Operário do Estado.
Em 1º de janeiro de 1891, surge o Commercio do Espírito Santo. No ano seguinte, tornou-se
órgão do Partido União Espírito-Santense.
Em 18 de novembro de 1896, tornou-se órgão do Partido Republicano Federal. Em 20 de
junho de 1904, criou a Seção Italiana, às quintas-feiras, com artigos de literatura, notícias, versos e
outros interesses da colônia. Em 1º de janeiro de 1909, deixou de lado a feição partidária. Em 1912,
passou a ser publicado com o nome de Commercio. Era um jornal diário de quatro páginas, com
tiragem de 1500 exemplares. Trazia aos domingos uma página literária. Teve a colaboração de
Antonio Aguirre, Antero de Almeida, Amâncio Pereira, Argeu Monjardim, Jose Monjardim, Luiz
Adolpho Thiers Velloso, Bernardo Horta, Domingos Vicente, Manoel Augusto da Silveira, Affonso
Magalhães, Lydio Mululo, Antonio Ferreira Coelho, Ricardo Vieira de Faria, entre outros.
Em 1º de fevereiro de 1891, surge o Companheiro do Silencio, em Cachoeiro. Era um
semanário, órgão do Partido Republicano- Construtor. Publicou 27 números, até 23 de julho. A
partir do número , de 6 de agosto, passou a se denominar Affonso Cláudio, sendo publicado até 29
de novembro. Ainda na primeira quinzena de fevereiro, surge o Amigo do Povo, em Anchieta. Em
de abril, começa a ser publicado o Correio Official do Estado Federal do Espírito Santo,
substituindo o Diário Official. No ano seguinte, passa a se chamar simplesmente Correio Official.
Foi extinto pela Junta Governativa em 24 de março de 1892, por causa da despesa que causava. A
tipografia, que custava 10 contos de Réis, foi vendida para O Estado do Espírito Santo, por três
contos de Réis.
Em 15 de agosto de 1891, publica-se O Norte do Espírito Santo, o primeiro jornal de São
Mateus. Era um semanário oposicionista ao Governo do Estado, que se publicava aos domingos.
Em 4 de janeiro de 1892, surge, em Anchieta, A Voz do Sul. Era um órgão político e literário,
fundado e dirigido por José Madeira de Freitas e Torquato Moreira. Era filiado ao Partido
Construtor.
Durou até o ano seguinte e teve como colaboradores Affonso Cláudio e Gonçalo Marinho de
Albuquerque Lima.
No mesmo ano, surgiram vários periódicos que duraram pouco:
A Chrysalida e O Município duraram dias; A Revolta durou cinco meses. Já A Opinião durou
dois anos, até 1894. O Echo da Lavoura, de Iconha, durou pelo menos até 1894.
Em 1º de janeiro de 1893, publicou-se O Alto Guandu, em Afonso Cláudio. Era uma
publicação dominical de quatro páginas, que foi suspensa em 11 de agosto de 1895. No mesmo ano,
surgiram jornais que duraram pouco tempo: O Alecrim, em Cachoeiro; O Alegre, em Alegre; O
Artista e O Democrata, na Capital.
Em 1894, surgiram O Operário (Capital); Verdade (Alegre); O Município (São Pedro do
Itabapoana); O Leopoldinense (Santa Leopoldina).
Em 6 de outubro, publica-se o Sul do Espírito Santo, em Cachoeiro. Era filiado ao Partido
Construtor, passando a ser órgão do Partido Republicano Federal, em 1896.
Em 1895, publicam-se O Aymorés (São Mateus); O Gladiador (Cachoeiro); A Experiência
(Santa Leopoldina); A Pátria, Treze de Julho, Alvorada e O Combate – que sucedeu o
Treze de
Julho – (na Capital). Nesse ano, foi publicado também L’immigrato, primeiro jornal escrito em
língua estrangeira no Estado, que se propunha a defender os interesses da colônia italiana. Circulava
quatro vezes por mês, sendo impresso na Capital.
Em 1896, circulam O Papagaio, A Borboleta (Cachoeiro) e O Artista (Vitória). No ano
seguinte é a vez de O Relâmpago (Cachoeiro) e A Lyra (Vitória).
Em 1898, publicam-se O Alvor, Pimpão, Echo do Sul, A Folha Azul, O Binóculo (Cachoeiro);
O Tic-Tac, A Borboleta (Vitória); O Imparcial (Santa Leopoldina); e A Pátria (São Pedro do
Itabapoana).
Ainda em São Pedro do Itabapoana, surge, em 1º de janeiro, A Evolução, órgão do Partido
Construtor-Autonomista, com tiragem de 500 exemplares.
No ano seguinte, publicam-se A Gazeta Titteraria, A Gazeta do Povo (Capital); A Flecha
(Castelo); O Bilontra e A República (Vila do Itapemirim). Este tinha tiragem de 600 exemplares.
Em fevereiro de 1900, declarou-se filiado ao Partido Construtor-Autonomista.
Em 1900, surgem A Bomba, A Lanterna, O Jornalzinho (Cachoeiro);
A Alvorada, Auxiliadora, O Beijo – dedicado às mulheres – e Polyanthéa (Capital). O último
foi uma publicação especial, de quatro páginas, em virtude do quarto centenário do descobrimento
do Brasil, por iniciativa de Amâncio Pereira e A. Moreira Dantas.
Em 1901, a Polyanthéa foi destinada a homenagear o Marechal Floriano Peixoto. No mesmo
ano, foram publicados também O Pandego (Cachoeiro) e O Caboclo (Vila do Itapemirim), que
pugnava pela reforma da Constituição Federal e pela incorporação do território espírito-santense ao
de Minas Gerais.
A Polyanthéa para o Marechal Floriano foi publicada novamente em 1902. Ainda naquele ano,
foram publicados O Bodoque, O Opúsculo (Vila do Itapemirim); O Carnaval – revista
carnavalesca do Club Az de Copas, cuja venda foi revertida para a Santa Casa de Misericórdia
(Vitória) –; A Brisa (Vila Velha); e O Progresso (São Pedro do Itabapoana). Este era um semanário
que, em junho de 1904, tornou-se órgão do Partido Construtor-Autonomista, denominado O Rebate.
Em 1903, houve apenas um periódico: O Cravo, em Vila do Itapemirim.
Em 1904, publicam-se: O Norte (São Mateus); O Pharol (Vila Velha), O Tentamen (Viana);
Observador Catholico (Vila do Itapemirim);
O Martelo, Argos, Homenagem da Imprensa, O Operário – revista carnavalesca
(Cachoeiro). Também em Cachoeiro, circulou o Alcantil, com tiragem de mil exemplares de quatro
páginas.
Ainda no mesmo ano, circulou pela primeira vez O Livro (Capital), que publicou somente três
números, reaparecendo em 21 de abril de 1914 como órgão do Colégio Amâncio. Sua tiragem era
de 500 exemplares, com distribuição gratuita. Ainda naquele ano, surgiu O Rebate (São Pedro do
Itabapoana), órgão do Partido Construtor-Autonomista, e depois do Partido Construtor. Em 1913,
virou órgão dos interesses do Governo Municipal. Suspendeu a publicação em 30 de março de
1913, voltando em 4 de março de 1916, como órgão oposicionista e defensor da candidatura de
Pinheiro Junior à Presidência do Espírito Santo.
Em 1905, publicam-se A Reforma (São Pedro do Itabapoana);
O Combate (Capital); A Reacção (São Mateus), Itabira, O Tentamen (Cachoeiro); O
Itapemirim (Vila do Itapemirim). Em comemoração ao terceiro aniversário do Clube Álvares
Cabral, publica-se o Vera Cruz, em 9 de julho. Por ocasião do encerramento do ano letivo na escola
regida pelo professor Amâncio Pereira, publicouse, em 5 de dezembro, o Honra ao Mérito. No
mesmo ano, em 10 de janeiro, foi publicado o Jornal Official, criado por um decreto no dia anterior.
Era dirigido pelo coronel Augusto Calmon e por Ignácio Thomaz Pessoa.
Em 1906, são criados O Piyrlampo, A Voz da Penha – semanário católico –, O Ferrinho, O
Prestígio, Guttenberg (Vitória); O Caçador – revista carnavalesca –, O Areópago, O Pierrot
(Cachoeiro); e, novamente, o Honra ao Mérito, da escola de Amâncio Pereira. Em comemoração ao
Sete de Setembro, publicou-se também Polyanthéa.
No ano seguinte, circulam O Vadio, O Lepidóptero (Cachoeiro);
O Binóculo (São Pedro do Itabapoana); Gazeta da Tarde, O Raio e O Corisco (Vitória). Ainda
na Capital, publica-se, em 18 de agosto, o primeiro número do Diário da Manhã, órgão do Partido
Construtor, mas que, em 30 de agosto de 1909, torna-se o órgão oficial do Governo do Estado.
Tinha quatro páginas e, em 24 de fevereiro de 1912, passa a se chamar apenas
O Diário.
Em 1908, surgem Lábaro da Paz (São José do Calçado); A Navalha, O Tentamen, O
Gafanhoto (Cachoeiro); O Typo (Vila do Itapemirim).
Na Capital, circulam O Binóculo e Sete de Setembro, órgão dos alunos da Escola Jeronymo
Monteiro. Do segundo número em diante, passou a se chamar A Pátria. Era publicado em dias
de festas nacionais e escolares.
No ano seguinte, publicam-se o semanário A Opinião, o dominical O Beijo (Anchieta); O
Imparcial (Alfredo Chaves); O Santa Leopoldina – edição única – (Santa Leopoldina). Na Capital,
surgem O Tamoyo – jornal de anúncios da casa de mesmo nome, de quatro páginas, distribuído
gratuitamente – e Trabalha e Confia, distribuído por ocasião da inauguração dos serviços de água e
luz.
Em 1910, circulam O Radio, Álbum – com 12 páginas –, O Anthelmintico (Cachoeiro); A
Serra (Serra); Correio do Sul (Vila do Itapemirim); O Tentamen (São Pedro do Itabapoana); O
Charivari (Anchieta). Na Capital, são publicados O Popular, O Rubimense, A Escola – órgão dos
alunos do Grupo Escolar Gomes Cardim, que circulava em dias de festas nacionais e escolares. Em
2 de abril, circula a Revista Illustrada, semanário de crítica, arte e literatura, que publicou números,
com tiragem de mil exemplares.
Em 1911, saem Novo Horizonte (Cariacica); O Alegrense – semanário com quatro páginas e
tiragem de 500 exemplares – (Alegre);
O Calçado – dominical que substitui o Lábaro da Paz – (São José do Calçado); O Brasil, O
Gato (Anchieta); O Trabalho (Viana);
O Ideal (Cachoeiro). Na Capital, publicam-se A Notícia, O Tiro, Pharol, O Palco, O Chaleira,
A Victoria, além do Diário do Povo. O último era um órgão político e noticioso, cujo primeiro
número circulou em 21 de julho. Fazia oposição ao Governo de Jeronymo Monteiro. Publicou 214
números de quatro páginas, sendo o último em 18 de maio de 1912. Tinha como colaboradores José
Horácio Costa, Octávio Araújo, Adolfo Fraga, Eurípedes Nogueira da Gama Pedrinha, César
Velloso, Olympio Lyrio, José Lyrio, Philomeno Ribeiro, José Cândido de Vasconcellos,
Aristóbulo Leão, Kosciuszko Leão e outros.
Em janeiro de 1912, publica-se a Revista Militar da Força Pública do Estado do Espírito
Santo, na Capital. Tinha publicação mensal.
Foi fundada pelo diretor de segurança pública, Lafayette Valle, tenente-coronel Pedro Bruzzi,
comandante do Corpo Militar de Polícia, major-fiscal Alfredo Pedro Rabayolli, capitão
ajudante João de Barros, capitão Ramiro Martins, Archimimo M. de Mattos, diretor do Gabinete de
Identificação e Estatística. O número 5, último, publicado em maio, tem 18 páginas de texto, além
de dois suplementos com os retratos dos fundadores da Revista, do presidente da República,
Marechal Hermes da Fonseca, e dos presidentes Jeronymo Monteiro, que terminava o
quadriênio 1908-1912, e Marcondes de Sousa, que iniciava o peodo de 1912-1916.
No mesmo ano, surgem também Rio Pardo (Vila do Rio Pardo);
A Estrella (Cachoeiro); A Ré-publica (Cariacica); O Raio Illustrado, Commercio – que
substitui o Commercio do Espírito Santo –, O Diário que, em 18 de março de 1913, volta a se
chamar Diário da Manhã –, A Verdade, Victoria, O Pagode, O Telephone, Jornal Official,
A Cruzada, A Tarde, A Tribuna, O Botão, O Diabo – que, a partir do número 3, passa a se chamar
O Raio, para, em 1914, ser substituído por O Besouro – (Capital).
Ainda na Capital, surge, em 1º de setembro, O Olho, semanário humorístico, que tinha como
redatores Aristóteles da Silva Santos, Urbano Xavier, Oskar Araujo e Luiz da Fraga Santos.
Tomou forma de revista em 5 de janeiro de 1913, passando a ter dezesseis páginas de texto,
além das páginas de anúncios e da capa em papel colorido. Findou no número 30, em 2 de agosto de
1913.
Em 1913, surgem O Muquyense (Muqui); O Echo (Vila do Itapemirim);
A Semana (São Pedro do Itabapoana); O Imparcial (São José do Calçado); A Encrenca
(Anchieta); O Affonso Claudio (Afonso Cláudio); Progredior – publicação quinzenal de
distribuição gratuita, com tiragem de 10 mil exemplares de quatro páginas –, Alvorada, O Estudante
(Capital).
Ainda em Vitória, publica-se o Diário da Manhã, em 18 de março.
Era órgão do Partido Republicano Construtor do Estado, mas, em 1921, declara-se órgão
oficial do Estado. Em 1915, foram instalados em suas oficinas três linotipos. Em 31 de janeiro de
1926, foi inaugurada a nova máquina de impressão roto-plana Duplex Press, dos fabricantes Buhler
Irmãos, de Unzwall, Suíça, especialmente fabricada para o Diário
, que imprimia 6 mil
exemplares por hora, dobrando, colando, numerando e cortando as páginas. Funcionou no
pavimento térreo do atual Palácio Anchieta e teve como colaboradores Aristeu Aguiar, Manoel
Ferreira, Amancio Pereira, Adolpho Fraga, Carlos Xavier Paes Barreto, Aurino Quintaes, Augusto
Calmon, João Bastos Vieira, Azevedo Pimentel, Hermano Brunner, Affonso Cláudio, Affonso
Lyrio, Plínio Andrade, Abílio de Siqueira, J.J. Bernardes Sobrinho, Henrique de Novaes, Maria
Stella de Novaes, Abner Mourão, Escobar Filho, Aristóteles da Silva Santos, Alarico de Freitas,
Audifax Aguiar, Mirabeau Pimentel, Sezefredo Rezende, Antônio Tinoco, Aristóbulo Leão, Jair
Tovar, Climério Borges, Antônio Araújo Aguirre, Alvaro Moreira de Sousa (Saul de Navarro),
Fernando Rabello, Clóvis Nunes, Kosciuszko Leão, entre outros.
Em 1914, circulam Victoria Illustrada – com 22 páginas –, Carnavalescos?, O Operário, O
Abelhudo – substituído por O Berro –, A Crise, O Besouro – que substitui O Raio – (Capital); A
Integradora com tiragem de 10 mil exemplares – (São Pedro do Itabapoana); Rio Novense, O
Binóculo (Rio Novo); O Santa Thereza (Santa Teresa); O Átomo (Afonso Cláudio); e A Fita
(Conceição do Castelo).
Em 1915, publicam-se O Pimpão, A Mocidade, Os Bohemios, O Pierrot, Polyanthéa, A Sogra,
Pax, Pro Pátria, Última Dança, O Progresso, O Curioso, A Flor, O Sport, O Melpomene, O
Correio, Gymnasio Espírito-Santense (Capital); O Santa Izabel (Santa Isabel, Domingos Martins);
A Nota, O Espião (Cachoeiro); A Columna (Vila Velha); O Timbuhy (Timbuí, Fundão); Espírito
Santo (Muniz Freire); O Acciolense (Acioli).
Em 1916, circulam A Luz (São Pedro do Itabapoana); O Centro (Santa Leopoldina); O Echo
(Rio Novo); A Ordem, A Desordem
– para combater A Ordem –, Victoria Nua, O Myosotis, A
Pimenta, O Papagaio, A Penna, O Fallador, A Cuia, A Thesoura, A Mocidade (Vitória); O Lyrio
(São Pedro do Itabapoana), O Alpha (Cachoeiro), Atalaia (Alfredo Chaves) e O Interior (Vila do
Rio Pardo).
Além desses, publicaram-se também a Folha Official – órgão oficial do governo
revolucionário estabelecido em Colatina – e, na Capital, O Echo – diário vespertino do comércio,
lavoura, indústria, política, letras e artes. Era redigido por Thiers Vellozo, diretor e proprietário, e
João Milton Varejão. Tinha quatro páginas e o último número (443) saiu em 11 de fevereiro de
1918.
Em 1917, surgem Correio do Interior, Polyanthéa, Pica-páu, Beija- Flor (Santa Leopoldina);
O Campinho (Campinho – Domingos Martins); O Progresso (Itaguaçu); O Martello (Alegre). Em
São Miguel do Veado, município de Alegre, publicou-se, em 1º de abril, o Correio do Veado. Era
órgão do movimento separatista do distrito, de publicação semanal, com quatro páginas e tiragem
de 1,5 mil exemplares.
Na Capital, publicam-se Resenha Judiciária, Nova Senda, O Parafuso, A Nota, O Coió, O
Sport, O Folheto, O Colibri, Polyanthéa e a Revista do Instituto Histórico e Geographico do
Espírito Santo, com colaboração de Antonio Athayde, Araújo Aguirre, Carlos Xavier Paes Barreto,
Amâncio Pereira, Adolfo Fraga, Heráclito Amâncio Pereira, João Lordêllo dos Santos Souza,
Thiers Vellozo. A maior edição foi publicada no ano de 1926, com 203 páginas.
Em 1918, circulam O Atirador (Santa Leopoldina); O Carnaval, A Tarde, Polyanthéa
Carnavalesca do Pierrot Club, Polyanthéa, O Flirt, A Pellicula (Vitória); O Riso (Cachoeiro); e
Prelúdio (Vila do Itapemirim).
No mesmo ano, publica-se, na Capital, o Almanak do Estado do Espírito Santo, com 172
páginas sobre o Estado, numa tiragem de dois mil exemplares. Era dirigido por seu
fundador, Amâncio Pereira.
Teve colaboração de Antônio Athayde, Jair Tovar, Octávio Araújo, Jonas Montenegro, Aurino
Quintaes, Carlos Xavier Paes Barreto, Manuel Xavier, Aristides Freire, Mário Freire, Aristóteles
da Silva Santos, Francisco Rufino, Adolfo Fraga, João Lordêllo, Adolpho R. F. de Oliveira,
Kosciuszko Leão, Candido Costa, Edgard Daemon, Feu Rosa, Elpídio Pimentel, Elias Tomasi, entre
outros.
Em 1919, circulam Preito de Affeição, Riscando, O Obreiro, Santuário da Penha, Victoria
Commercial – com distribuição gratuita e 50 páginas –, O Succo – com segunda fase em Cachoeiro,
a partir de outubro de 1920 –, Educando – órgão do Colégio Americano –, Mocidade Baptista,
Almanak Histórico do Corpo Militar de Polícia do Estado do Espírito Santo – com 142 páginas –
(Vitória); e A Luneta (Alegre).
Em 1920, publicam-se
Boletim Official (Muniz Freire); O Alfinete, Foliões, A Trombeta (Santa
Leopoldina); O Município (Cachoeiro);
O Povo (Santa Teresa); Correio do Sul (São José do Calçado), A Marreta (Alegre); O Riso, A
Primavera – revista de páginas, impressa no Rio de Janeiro –, Diário da Tarde, Gazeta de
Victoria (Vitória). Também foi publicado O Commercio, primeiramente em Santa Leopoldina, para
em 21 de junho de 1925 passar a circular em Santa Teresa.
Em 1921, circulam O Almofadinha, A Senda, A Victoria – com tiragem de mil exemplares –, O
Rebenque, O Sabe-tudo, O Estado (Capital); Folha do Dia (Muniz Freire); A Dactylographia
(Cachoeiro);
O Echo (Alegre); e O Radium (Santa Leopoldina).
No ano seguinte, publicam-se O Itabapoana, O Vagalume (Ponte do Itabapoana); Correio do
Guandú (Afonso Cláudio); O Riso, Correio do Alegre (Alegre); A Notícia (Colatina); O Filhote
(Santa Teresa); A Voz do Timbuhy (Timbuí – Fundão); A Voz do Povo (João Neiva); O Itapemirim
(Cachoeiro); O Evangelizador – órgão da Igreja Batista de Vitória –, O Embrulho, O Renovador e
O Garoto (Vitória).
Em 1923, é a vez de O Espião, O Telephone (Colatina); Boletim Parochial (Afonso Cláudio);
Folha do Sul (São José do Calçado); O Norte (São Mateus); A Verdade – órgão espírita com
tiragem de mil exemplares –, O Sorriso, O Bicudo, O Democrata, O Penedo, Excelsior e
Vida Capichaba (Capital). Em Muqui, publicou-se A Primavera, revista literária de 30 páginas,
com tiragem de 2 mil exemplares. Veio a ser substituída em janeiro de 1924, por A Opinião.
Em Vitória, circulou a Revista Pedagógica, órgão do professorado espírito-santense, com 38
páginas, sendo substituída em 1925 pela Labor. Seu redator-chefe era Arnulpho Mattos e entre os
colaboradores estavam Maria Stella de Novaes, Suzette Cuindet, Aurino Quintaes, Placidino
Passos, Fernando R. de Oliveira, José Queiroz, José Nunes, Olga Coitinho, Elpidio Pimentel,
Thereza Calazans, Bráulio Franco, Florisbello Neves, Ernesto Nascimento, Elpídio C. de Oliveira,
Corina Salles e Jayme Abreu.
Em 1924, circulam
A Opinião, A Folia (Muqui); Correio do Alegre, O Anchieta (Alegre); O
Momento, A Setta, O Futurista, I Due Vessilli – periódico quinzenal dos interesses ítalo-brasileiros
– (Cachoeiro);
O Binóculo (Colatina); A Semana (João Neiva); O Centro (Itaguaçu);
Folha do Povo, Don Benedicto Alves de Souza – edição comemorativa ao regresso do referido
bispo –, A Luneta (Vitória); O Pharol (Vila Velha); Dou Xiquote (São Mateus); e O Truc (Afonso
Cláudio).
No ano seguinte, publicam-se O Propagandista – indicador comercial, industrial e
profissional, com tiragem de 3 mil exemplares de 100 a 130 páginas –, Progresso (Cachoeiro); Idéa
Nova (Mimoso); A Luz – órgão espírita de distribuição gratuita – (Afonso Cláudio);
Voz do Povo (Muniz Freire); O Gymnasio, O Binóculo (Alegre); O Almofadinha (Calçado); A
S Centelha (Colatina); A Gargalhada, O Santuário da Penha – órgão do centro espírito-santense de
propaganda católica –, Carnavanthéa, Credito Popular e A Garra (Vitória).
Para substituir a Revista Pedagógica, circula Labor, publicação mensal de 42 a 56 páginas.
Entre seus novos colaboradores estavam Benedicto Paulo Alves de Souza, Carlos Xavier Paes
Barretto, José Sette, Aristeu Aguiar, Hugo Vianna Marques, Thiers Vellozo, Manoel L. Pimenta,
Kosciuzsko Leão, Affonso Lyrio, Fernando Rabello, Ceciliano A. de Almeida, Jair Dessaune,
Heráclito Pereira, Aristóbulo Leão, Elias Tommasi e Orlando Sette.
Em 1926, último ano do inventário de Heráclito Amâncio Pereira, publicam-se O Labaro
(Santa Teresa); O Carnaval, O Matheense (São Mateus); A Platéa, O Estado (Cariacica); Jornal da
Serra (Serra); O Santa Cruz (Santa Cruz); A Alavanca (Alegre); A Pátria (Cachoeiro); A Ordem
(São José do Calçado); A Gaita (São Pedro do Itabapoana); Folha Official (Afonso Cláudio). Na
Capital, circulam A Marreta, Charitas, Correio do Povo, A Noite, O Espião – que publicou um
único número, sendo substituído por O Alarme –, Sirena, Jornal do Commercio e Homenagem a
Elpídio Boamorte.
A seguir, listaremos publicações cujas datas não puderam ser assinaladas pelo historiador.
Publicados na Capital:
Annaes da Assembléa Legislativa Provincial do Espírito Santo, O Guarda
Nacional, O Constitucional, O Debate e A Violeta. Na Vila do Itapemirim: O Martello, A Mariposa
e Argos. Em Cachoeiro: Lanceta e O Espoleta. Em São Jodo Calçado: Folha do Sul e O
Monóculo. Em Rio Pardo: O Rio Pardense. Em Alegre: O Espelho e Voz do Sul. Em Mimoso: O
Mimosense. Em Santa Teresa: Almanak de Santa Thereza. E em Iconha: Almanak.
A Gazeta:
uma longa história de tradição e transformações
Juliana Bourguignon, Letícia Rezende e Patrícia Arruda
De um acanhado jornal de anúncios imobiliários ao periódico mais antigo ainda em circulação
no Estado. Assim poderíamos definir a trajetória de A Gazeta, fundada em 19.
Cerca de 90 jornalistas trabalham na produção diária do jornal.
Feita para atender as classes mais abastadas (A, B e C), a publicação segue uma linha mais
conservadora. A Gazeta é voltada, sobretudo, para as editorias de Política e Economia, o que
lhe confere um caráter ainda mais sério e confirma a sua atuação junto ao seu público. “O leitor de
A Gazeta é um leitor de terno e gravata, que tem um emprego e que vai trabalhar só depois de ler o
jornal”, considera Clodomir Bertoldi, jornalista mais antigo em exercício em A Gazeta.
Seguindo esse raciocínio, a direção de A Gazeta optou, durante as várias mudanças
promovidas nos últimos tempos, pela manutenção do formato standard, composto por dois
cadernos principais, pelo Caderno Dois, pelo Classificados e por suplementos temáticos semanais:
Informática, Imóveis, Turismo, Veículos, dentre outros.
A forma de se escrever em A Gazeta também acompanha essa linha, com textos moldados, em
sua maioria, pela clássica narrativa jornalística do lide. A Gazeta distribui sua edição diária em todo
o Estado do Espírito Santo, em parte de Minas Gerais e da Bahia e nas cidades de São Paulo, Rio de
Janeiro e Brasília.
Primeiro veículo da maior rede de comunicação do Estado, o jornal A Gazeta pertence à
família Lindenberg desde o final da década de 40, quando foi adquirido pelo grupo político do
exgovernador e ex-senador capixaba Carlos Lindenberg. Ou seja, é fácil concluir que a política e a
economia sempre estiveram em destaque.
Mas, diferentemente de outras redes midiáticas do Estado, A Gazeta pertence a um grupo
exclusivamente de comunicação, como enfatiza seu diretor geral, Carlos Fernando Monteiro
Lindenberg Neto, o Café: “A Gazeta é um grupo só de comunicação.
Se um grupo político tem um jornal, se um grupo econômico tem um jornal, é natural que uma
notícia que não esteja dentro dos interesses desses grupos não tenha a cobertura com a
abordagem mais adequada jornalisticamente. Procuramos ser uma empresa sólida, sadia
financeiramente para fazermos um bom jornalismo, sem termos que estar vinculados a interesses
econômicos. Nosso negócio grande é este aqui. Então, temos que fazê-lo bem feito para não dar
errado”.
No entanto, nos últimos anos, após passar por inúmeras reformas gráficas e editoriais, A
Gazeta reduziu consideravelmente seu índice de vendagem, tendo uma tiragem média atual de 50
mil exemplares nos domingos e 25 mil em dias úteis.
Para o jornalista Álvaro José Silva, que trabalhou por quase 30 anos no jornal e foi desligado
durante o processo de mudança, isto é resultado de uma crise de identificação com o leitor:
A Gazeta precisa se reencontrar com o seu leitor. Perguntar ao leitor o que houve é o caminho mais
seguro e o único caminho que A Gazeta pode seguir hoje”.
O editor-executivo André Hees atribui essa queda a uma conjunto de fatores: disseminação do
uso da internet, da TV a cabo e do celular, e introdução de novos hábitos na classe média, com a
conseqüente perda de poder aquisitivo.
Este é um período de adaptação às reformulações pelas quais A Gazeta está passando e
também de apostas no que concerne à descoberta de um novo modo de se fazer jornal, visando a
ampliar seu público, principalmente entre os jovens. Registre-se que esse segmento é uma incógnita
para o setor impresso, tendo em vista que já nasceu num mundo dominado pelo audiovisual.
Nesse sentido, Hees faz uma análise de adequação do jornalismo impresso a esse momento
que atravessa a comunicação e sugere propostas para serem seguidas por A Gazeta: “O jornal
sempre terá o seu espaço. A tendência é ser cada vez mais atrativo, criativo. Tem que ter mais
capacidade de análise e interpretação, não basta dar a notícia, porque o fato em si está na internet.
O jornal tem que trazer isto e um pouco mais, apostar em conteúdo exclusivo, em reportagem,
reportagem investigativa, reportagem exclusiva, em análise, em matéria de comportamento, em
tendências, em tentar captar as tendências da sociedade. Tem que focar cada vez mais no amanhã e
não no ontem. Tem que dizer o que aconteceu e o que vai acontecer. É o que os jornais têm
tentado fazer. Os veículos impressos têm futuro e têm espaço. O que estamos vivendo é um
processo de adaptação à convivência com o novo veículo: a internet”.
Em nossa pesquisa, pudemos identificar várias fases pelas quais passou A Gazeta. O capítulo
seguirá essa divisão: “A Gazeta Política”, “A Gazeta Empresarial” e “A Gazeta Contemporânea”. É
esta a história que pretendemos traçar nas páginas que se seguem.
A Gazeta Política
As primeiras décadas do século passado representam um momento em que o Espírito Santo
estava atrasado economicamente em relação ao restante do País. Contudo, data dessa época o boom
da cafeicultura no Estado, o que lhe proporciona um lugar de destaque no cenário econômico
nacional. Esse é um momento de grande euforia. Vitória cresce e o Estado vive uma fase importante
da sua história.
O jornal A Gazeta surge nesse contexto, sendo fundado, em 11 de setembro de 19, pelo
empresário Ostílio Ximenes, dono da Imobiliária Cambury, e pelo advogado, professor, jornalista
e político Adolpho Luis Thiers Vellozo. O jornal foi criado porque Ximenez possuía um loteamento
em Camburi e desejava vendê- lo por meio de anúncios em jornal. O loteamento não foi vendido,
mas o jornal teve boa aceitação e continuou como uma opção de negócio.
Um episódio marcante dessa fase inicial deu-se durante a Revolução de 30, em 13 de
fevereiro, conhecido como “Dia do Empastelamento”. Na época, A Gazeta defendia a Aliança
Liberal contra o Governo e apoiava a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência do Brasil. Ao
longo da campanha, houve algumas manifestações bastante violentas, como o tiroteio no Colégio
do Carmo, Centro de Vitória. A manchete de A Gazeta sobre o fato fora a seguinte: “13 de fevereiro
de 1930. Data que se desenha em sangue na história do Espírito Santo, perpetuando a
pusilanimidade de um governo”. Revoltados, partidários situacionistas invadiram a sede do jornal e
impediram que a edição do dia seguinte continuasse a ser rodada. A Gazeta foi proibida de
circular, voltando apenas seis meses depois, ainda sob a direção da família Vellozo.
Com o fim da Segunda Guerra, A Gazeta foi vendida a Eleosip- po Rodrigues da Cunha,
fazendeiro de São Mateus. O novo proprietário tinha o propósito de utilizar o jornal para fazer
campanha política para o Brigadeiro Eduardo Gomes, integrante da União Democrática Nacional
(UDN) e candidato à Presidência da República, em 1946. No entanto, o Brigadeiro perdeu as
eleições para o Marechal Eurico Dutra. Desacreditado por não ter alcançado o seu objetivo,
Eleosippo Cunha decide se desfazer do negócio.
A professora Marta Zorzal e Silva (1995) registra, com a recuperação do histórico do jornal, o
desenrolar dessa decisão:
De sua fundação até maio de 1948, quando foi adquirido
pela família Lindenberg, o jornal funcionou tanto como órgão
oficial do Governo (período pósrevolução de 30 até 1942),
como empresa privada.
Com efeito, em 1942, o jornal retornou às
atividades privadas através de sua transformação em
Sociedade Anônima, pelos empresários Aurino Quintais e
Oscar Guimarães. Esses empresários nomearam para
dirigilo o professor Heitor Rossi Belache, que permaneceu na
função até junho de 45, quando faleceu, sendo, então,
substituído pelo Dr. Nilo Martins da Cunha.
Em setembro de 45, os Srs. Oswald Guimarães e Pedro
Sposito renunciaram a suas funções de diretores da Sociedade
Anônima. Com isso, o Cel.
Eleosippo Rodrigues da Cunha assumiu a presidência da
organização e a direção do jornal passou para as mãos do Dr.
Rosendo Serapião de Souza Filho. O jornal permaneceu com
o Dr. Rosendo até maio de 1948, quando foi adquirido pelo
grupo Lindenberg, que substituiu a direção pelo Dr. Olympio
José de Abreu. Posteriormente, em novembro de
1949, quando o jornal assumiu, definitivamente, a postura do
novo grupo que o adquiriu, sua direção seria entregue a José
de Mendonça.
O grupo ligado a Carlos Lindenberg – político de direita, proprietário de terras, criador de
gado e plantador de cacau – criou uma sociedade e pediu para uma terceira pessoa, Alfredo
Alcure, representante do Partido Social Democrata (PSD) e amigo de Eleosippo da Cunha (UDN),
comprar o jornal. Anos depois, A Gazeta foi transferida para a sociedade criada. Os membros
dessa sociedade, aos poucos, foram vendendo as suas partes, as quais foram sendo adquiridas por
Carlos Lindenberg, que, em 1948, já Governador, acabou sendo o maior acionista do jornal.
“O jornal defendeu as posições da União Democrática Nacional (UDN) e, a partir de 1948,
passou para um grupo que fazia parte do Partido Social Democrático (PSD). Então, de 1948
até 1963, ele deixa de ser oposição e passa a ser o porta-voz da situação, do PSD, que era o grupo
de Carlos Lindenberg,” explica a cientista política Marta Zorzal.
Segundo dados fornecidos pela Rede Gazeta, a empresa, nessa época, estava instalada na Rua
General Osório, nº 119, Centro de Vitória. Possuía duas máquinas linotipos e uma impressora
rotoplana Magnone. “No início, o jornal reproduzia muitas matérias do Rio de Janeiro. Tinha
colunas de críticas locais e uma parte de debate político de facções. O público leitor era bastante
restrito e mais urbano. Nesse momento, a população do Espírito Santo era predominantemente
rural, sendo que mais de 80% da população estava no campo. Vitória ainda era uma vila, com uma
população de aproximadamente sete mil habitantes”, lembra Zorzal.
A Gazeta o tinha grande impacto na sociedade. O índice de analfabetismo no Espírito Santo
era altíssimo. Desse modo, quem consumia o jornal eram pequenos grupos. Marta
Zorzal exemplifica esta informação com a campanha para eleição de governador do Estado, em
1947: “Quem estava no jogo da disputa era Atílio Vivacqua, que era uma liderança desde os anos
20 e 30.
Nesse momento, o jornal A Gazeta ainda pertencia à UDN e Vi- vacqua (representante desse
partido) vai apresentar todo seu discurso e propostas por meio do jornal. No outro lado da
disputa, estava Carlos Lindenberg (PSD). Lindenberg vai fazer uma série de discursos em comícios
pelo interior do Estado, prometendo acabar com todos os impostos. Seu discurso vai ter muito
mais penetração do que o discurso bastante articulado, bastante racionalizado, pela liberdade, pelos
valores democráticos, típicos do momento de abertura política, que o candidato Atílio
Vivacqua estava fazendo e que quase não vai obter votos, pois o nível de penetração do jornal
naquele momento era muito pequeno”.
Os anos de 1960 ainda eram marcados pela vida no campo em terras capixabas. O Estado vivia
uma queda da cafeicultura e entrava em um processo de profundo empobrecimento, porque quase
99% da sua receita era derivada desse setor. Esse quadro só mudaria na década de 70. O discurso de
que o Espírito Santo estava abandonado foi transmitido pelas páginas de A Gazeta.
Também nesse período, o Brasil voltava a um regime ditatorial.
A Gazeta Empresarial
Em 31 de março de 1964, foi dado o Golpe Militar no Brasil, marcando o que seria o início de
uma fase nebulosa para a imprensa brasileira. Coincidência ou não, logo após o golpe, em abril de
64, assumiu o posto de editor-chefe de A Gazeta o General Darcy Pacheco de Queiroz, irmão de
Maria Lindenberg, esposa de Carlos Lindenberg, e de Eugênio Queiroz, diretor comercial da
empresa. Entretanto, jornalistas da época afirmam que esta era apenas uma patente e que o editor
não exercia o militarismo dentro da redação.
Com a entrada do general, foram contratados alguns novos profissionais, com o objetivo de
ampliar o jornalismo de A Gazeta.
Entre eles estava Glecy Coutinho, a primeira mulher a ser contratada para trabalhar nas
redações capixabas. Até então, a presença feminina nas páginas dos jornais se restringia a
colaborações.
Glecy foi convidada para desenvolver um projeto voltado para as crianças. Foi então que
surgiu a idéia de se fazer “A Gazetinha”, um fascículo semanal que priorizava matérias
educacionais e culturais. Junto com Glecy, também entraram Chico Flores e José Antonio Nunes do
Couto, o Janc, convidado para fazer o “Jornal do Janc”, uma página sobre futebol.
Mas em tempos de ditadura, não se vivia só de censura e repressões.
Chico Flores foi protagonista de um episódio curioso desse período. O jornalista começou a
freqüentar alguns bailes “barra pesada” para a época, no Centro de Vitória, local da boemia e
também reduto de prostitutas que circulavam pela área portuária. Certo dia, sua esposa foi à entrada
da redação do jornal e fez uma confusão. Ela reclamava das noitadas de seu marido, dizendo que ele
não parava mais em casa. A jornalista Glecy Coutinho foi chamada para acalmá-la. Então, explicou-
lhe que não era para ela se preocupar, que Chico estava indo a esses lugares a pedido do general
Darcy, para produzir uma série de reportagens sobre a prostituição em Vitória. Assim, ele deveria
ir aonde era o foco da questão. Resultado: após esse dia, Chico foi obrigado a produzir a tal série de
reportagem, que foi publicada no primeiro caderno.
Mas, voltando à história institucional de A Gazeta, o jornal vinha de um histórico de
envolvimento político com os governos da situação. Seu proprietário, Carlos Lindenberg, era filiado
ao Partido Social Democrata (PSD) e já havia cumprido dois mandatos à frente do Governo do
Estado (1947-50 e 1959-62). Em 1965, contudo, foi declarado o Ato Institucional nº2, que
previa, dentre outros cerceamentos, a legalidade de apenas dois partidos políticos: a Aliança
Renovadora Nacional (Arena) e o Movimen- to Democrático Brasileiro (MDB). A Arena era o
partido do Governo e a ele se aliaram os partidos de direita (PSD, UDN); já o MDB era o único
partido consentido de oposição ao regime. Por conseguinte, Lindenberg aderiu ao grupo arenista e
deu continuidade à sua trajetória política situacionista.
Durante a ditadura militar, a imprensa nacional sofreu forte pressão e com A Gazeta não foi
diferente. A censura estava em toda parte e se expressava em três estágios diversos. A
primeira instância era proveniente dos órgãos de controle de imprensa do Governo, que emitiam
bilhetes comunicando quais eram os assuntos que não poderiam constar nos noticiários e
páginas dos jornais do dia seguinte. Para esses bilhetes, foi destinado, inclusive, um lugar de
destaque na redação, que ficava ainda no prédio A Gazeta, na Rua General Osório, Centro de
Vitória. Era um espaço em um mural de cortiça, decorado com uma tesoura aberta. Ali,
penduravam-se as ordens de censura e, às vezes, até matérias produzidas que não haviam
“passado”. É consenso entre jornalistas da época que muitos daqueles bilhetes serviram também
como propagadores de notícias que não saíam na mídia.
Era por ali que se ficava sabendo das atrocidades do regime e das movimentações populares
espalhadas pelo País. As informações, ainda que incompletas, eram levadas ao conhecimento de
movimentos sociais clandestinos.
A segunda instância de censura era a dos editores dos jornais, que, mais que censurar os textos
dos seus repórteres com o objetivo de oferecer apoio à ditadura, faziam-no por proteção pessoal.
Por fim, a terceira instância partia do próprio jornalista, que, sabendo de todas as supervisões a
que seria submetido, fazia uma autocensura e já preparava o texto sob medida para ser
aprovado pelas instâncias anteriores.
Mas, os jornalistas, em épocas de opressão, também usavam de mais criatividade em suas
publicações para driblar o Governo.
Desse modo, por meio de metáforas e de colocações sutis, esses profissionais encontravam
meios de enfrentar a censura. Quando era preciso eles se faziam de bobos. Certa vez, quando
foi assassinado o presidente chileno Salvador Allende, veio a ordem da censura federal para que não
se reportasse o ocorrido e para que só fossem feitas notícias elogiosas ao golpe militar daquele país.
Todas as atrocidades e massacres deveriam ficar de fora dos jornais. Os presos políticos foram
levados ao Estádio Nacional de Santiago, onde foram separados em celas, torturados e,
muitos deles, ali mesmo assassinados. Nessa mesma época, a seleção chilena precisava fazer um
jogo das eliminatórias para a Copa de 74 contra a seleção da União Soviética, naquele estádio.
Mas os soviéticos se recusaram a jogar, alegando que não jogavam em campos de concentração. No
dia seguinte à publicação dessa notícia, a chefia, preocupada com a repercussão que a
matéria poderia causar, chamou a atenção do editor de Esporte, Álvaro José Silva: “Álvaro, você
viu o que você publicou?”. “O que eu ia fazer? Dizer que o jogo vai acontecer?”, retrucou o editor.
“Mas não podia ter tirado o campo de concentração?”, reclamou a temerosa chefia. “Ih, passou
batido, nem vi!”, constatou o “desligado” editor.
Alguns jornalistas eram chamados a prestar esclarecimentos quanto ao teor do material
publicado e, às vezes, até ficavam dois ou três dias presos para serem intimidados, como foi o caso
do chargista Milson Henriques. Milson fazia diariamente a charge para A Gazeta e, quando estava
preso, era substituído pelo também chargista Janc. Desse modo, a população tomava
conhecimento da sua prisão, o que, para ele, era uma garantia de que não seria torturado. “Toda a
cidade sabia que eu estava preso. Eu não tinha medo de apanhar, por exemplo, porque eles não iam
me bater ou me matar, já que todo mundo sabia que estava preso.
Essa certeza me tirou muito do medo que eu poderia ter. E, na época, A Tribuna era um jornal
pequeno. Então era A Gazeta que mandava mesmo”, conta Milson Henriques. Os jornalistas,
de certa forma, tinham essa segurança de serem respaldados pelo respeitável nome A Gazeta, o
veículo para o qual trabalhavam.
No meio desse caminho, também havia os interesses da empresa.
A convicção política da diretoria de A Gazeta ia contra os ideais da grande maioria dos
jornalistas de sua redação, que era de esquerda. “As pessoas mais inteligentes eram de esquerda.
Então eles [os diretores] tinham que se render às pessoas inteligentes, e as pessoas inteligentes,
para sobreviver, tinham que se render a eles”, reflete Milson Henriques. Jornalistas e editores
se viam obrigados a seguir algumas determinações. Existia a linha editorial do jornal e o que a
empresa chamava de “recomendações editoriais”, as quais, por vezes, seriam um consenso entre
os editores e os seus repórteres – como a não-publicação de temas tabus para a época, como a
homossexualidade – e, por outras, seriam a transmissão de um posicionamento político da diretoria.
Mas os tempos de ditadura não foram de todo ruins para A Gazeta. Durante o período de
exceção, o jornal ganhou porte empresarial. Em 1969, ela saiu da sua sede, o acanhado
prediozinho de três andares na Rua General Osório, Centro de Vitória, para se instalar no Edifício A
Gazeta, de treze andares, um investimento imobiliário, localizado na mesma rua. Naquele
mesmo ano, foi instalado, já na nova sede, o sistema de impressão off-set e a rotativa Goss.
Também se passou a utilizar o fotolito e, nessa mesma época, foi introduzida a composição a frio.
Glecy Coutinho explica o processo de composição a chumbo, abandonado com a mudança: “A
barra de chumbo vai derretendo e cai nas canaletas. Quando ela ainda está mole vai-se
datilografando, é uma espécie de datilografia em cima do chumbo ainda quente e mole. Se faz uma
fatia, linha por linha, a linha vai passando e vai caindo, com a letra em cima. Depois que o texto
estava pronto, amarrava-se com um barbante todos os pedaços formando o tex- to. Colocava-se
numa mesa e tirava-se uma cópia. Botava-se no prelo e se passava tinta em cima, depois se botava o
papel e passava o rolo. O que estava escrito ali já saía pronto. Depois, passava-se o material para o
jornalista ler e corrigir. Tinha os revisores, além da redação, era muita gente que trabalhava por
turno, um lia a matéria, corrigia e depois lia de novo. Esse trabalho de revisão veio até a chegada
dos computadores. O que estivesse errado era marcado no texto, levado para a oficina e os
funcionários corrigiam as palavras erradas e acentos no chumbo”.
Por falar em mudanças, em 1983, A Gazeta trocou novamente de casa. Dessa vez, a empresa
saiu do Centro de Vitória e se instalou na atual e bem estruturada sede na Rua Chafic Murad, Ilha
de Monte Belo, montada para comportar todos os veículos da Rede Gazeta. A mudança física da
empresa foi acompanhada por nova modernização do parque gráfico, com a compra da rotativa
Harris/845, com capacidade de impressão de 60 mil exemplares por hora.
Mas, voltando aos anos setenta, em 1971, dando continuidade às renovações tecnológicas, com
a aposentadoria definitiva das máquinas de linotipo, chega às redações capixabas o primeiro telex,
que conectaria A Gazeta às principais agências de notícias nacionais e internacionais e seria um
recurso adicional a essas duas editorias, já que, além de notícias tornou-se possível receber fotos
através dos sistemas radiofoto e telefoto.
A primeira grande reformulação jornalística em A Gazeta ocorreu entre 1972 e 1975. Foi
executada pelo então editor-chefe, Marien Calixte, e por jornalistas que participaram de um
programa de estágio no Jornal do Brasil (Sérgio Egito, Amylton de Almeida, Erildo dos Anjos,
Élber Suzano, dentre outros). O JB foi a matriz do modelo gráfico e editorial aplicado em A
Gazeta, revolucionando sua forma de fazer jornal. Ao fim desse processo de inovações, A Gazeta
ganhou porte de um jornal moderno para a época.
As principais inovações gráficas e editoriais foram: adoção de um novo modelo de paginação e
de diagramação; renovação do logotipo A Gazeta, utilizando na marca letra característica de
imprensa; reposicionamento de seções; separação das matérias por editorias, que foram divididas
em dois cadernos – no primeiro, ficaram Opinião, Cidade, Polícia, Economia e Política; no
segundo, Agenda, Cultura e Esporte –; adoção de um editorial, charge e tirinhas; e criação de
colunas de opinião destinadas a articulistas.
Logo as editorias de Agenda e Cultura deram origem ao Caderno Dois, batizado assim pelo
seu então editor, Erildo dos Anjos.
Além dessas mudanças, que renovaram a cara do jornal, houve também inúmeras inovações
editoriais que merecem destaque por serem responsáveis pela profissionalização de A Gazeta.
Dentre elas, estão as criações da Secretaria de Texto – responsável por promover uma
uniformização das matérias e por aplicar a técnica de utilização do lide e da pirâmide invertida –; da
Secretaria de diagramação; e da Editoria de Pesquisa.
Paralelamente ao projeto de reformulação do jornal, veio o processo de profissionalização das
pessoas envolvidas na sua produção diária. Vale lembrar que a ditadura militar apertou o cerco a
profissionais sem registro ou formação acadêmica em Jornalismo. A discussão ganhou espaço nas
páginas de A Gazeta, especificamente na coluna de Hélio Dórea, que reivindicava a criação do
curso de Jornalismo na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Assim, segundo nos conta a
jornalista Glecy Coutinho, a pedido de Carlos Lindenberg Filho, o Cariê, e de João Santos,
proprietário de A Tribuna, em 1975, foi criado o curso de Comunicação Social da Ufes, para
atender às necessidades do mercado. Nessa época, ainda era comum que estudantes de Medicina
(Alípio César), Engenharia (José Carlos Correa) e Direito tivessem participação expressiva dentro
das redações, sobretudo os estudantes de Medicina.
No final da década de 70, o regime de exceção já demonstrava sinais de esgotamento,
catalisado pelo fim do “milagre econômico”.
A crise que atingiu o Brasil acabou por minar o pouco do prestígio que o Governo Militar
ainda poderia ter entre a população e fortaleceu os movimentos sociais de contestação.
Nesse contexto, a imprensa também contribuiu de modo significativo para inflamar o povo contra a
ditadura.
Em 1979, assumiu a Presidência do Brasil o General João Baptista Figueiredo, prometendo
redemocratizar o País. Nesse mesmo ano, foi assinada a Lei de Anistia (“ampla e irrestrita”), que
previa a suspensão das penalidades aos opositores do regime militar e colocava fim à censura de
imprensa. Mesmo assim, os jornalistas foram cautelosos em suas matérias, posto que ainda viviam
em um Estado ditatorial. A liberdade geral só veio mesmo em 1985, quando os militares saíram do
poder.
A Gazeta contemporânea
Nos últimos 20 anos, é possível observar diversas mudanças que marcaram a trajetória de A
Gazeta. Nesse período, o jornal enfrentou dificuldades, realizou novas experiências gráfico-
editoriais e modernizou seu parque industrial.
A partir de 1986, A Gazeta colocou em operação um avançado sistema de fotocomposição,
cuja recepção, codificação e processamento passaram a ser inteiramente computadorizados.
Em 1992, o periódico passou a contar com fotos coloridas diariamente, seguindo a tendência
do que vinha acontecendo com os demais jornais impressos do Brasil. Esta foi uma tentativa
de atingir os novos interesses dos leitores, visto que os últimos 20 anos foram marcados por
mudanças de hábitos da sociedade.
Muitas pessoas passaram a acompanhar as notícias pela televisão.
Dessa maneira, a sda que A Gazeta encontrou para sobreviver e superar a crise que se
instaurava foi acompanhar essas transformações e se tornar um veículo mais moderno, explicativo
e contextualizado. Nesse mesmo ano, foi contratada uma empresa de consultoria para cuidar da área
de planejamento estratégico do jornal. Este foi o ponto de partida para as transformações que
viriam posteriormente. Em 1994, A Gazeta inaugurou seu sistema de redação informatizada.
No entanto, mesmo com o progresso técnico e administrativo, o jornal, que outrora vendia
aproximadamente 100 mil exemplares aos domingos, estava perdendo cada vez mais leitores.
A Tribuna ultrapassa as vendagens de A Gazeta e, paralelamente, crescia o número de assinaturas
de jornais de fora do Estado, como Folha de São Paulo e Jornal do Brasil. Essa queda nas
vendas acentuou-se em 1995, com a morte do então diretor de redação, Paulo Torre, que dirigiu A
Gazeta no ápice das vendagens.
Em 1996, Vinícius Seixas, jornalista experiente da empresa capixaba, assumiu a chefia de
redação, e profissionais de outros Estados foram trazidos para atuar no jornalismo local. Sua
permanência no cargo foi curta. Ele viveu uma espécie de interinidade até a entrada de Ariovaldo
Bonnas, ainda no ano de 1996.
Bonnas veio de São Paulo para o Espírito Santo especialmente para dirigir a redação do jornal.
Em sua passagem por A Gazeta, o editor realizou algumas demissões e trouxe mais
profissionais de fora do Estado. Era um jornalista reconhecido por gostar de grandes reportagens e
grandes assuntos. Contudo, apesar das boas intenções com o jornalismo capixaba e de ter
conseguido alguns bons resultados no comando do jornal, ele não permaneceu por muito tempo.
Em 1998, Bonnas pediu demissão e Vinicius Seixas assumiu novamente como chefe interino
até a chegada do também paulista Roberto Muller, jornalista famoso por ter sido o responsável
pela reforma gráfica e editorial em A Gazeta Mercantil, considerada por muitos como um marco do
jornalismo moderno no Brasil.
Roberto Muller foi o responsável por uma segunda reforma gráfica no jornal, comandada pelo
cubano Mário García, considerado uma das maiores autoridades em design gráfico por já ter
realizado reformas em alguns grandes jornais do mundo. A Gazeta passou a dar prioridade a
matérias mais curtas e a assuntos locais. Além disso, tornou-se mais colorida e recebeu
maior número de fotografias e de recursos gráficos. Muller também “importou” os jornalistas
Marco Antônio Rodrigues e Cláudio Conceição, para ajudá-lo na gerência da redação.
Com a entrada de Muller, houve um enxugamento na redação.
Cerca de 30 profissionais foram demitidos. Essas demissões coincidiram com a época da crise
econômica no Brasil, ocasionada pelo fim da paridade dólar-real em 1999. Segundo o colunista de
A Gazeta Sérgio Egito, as demissões foram uma espécie de adaptação ao impacto do câmbio
flutuante, tendo em vista que 90% dos insumos de um jornal impresso (papel, tintas, peças
de máquinas, filmes, etc) são comprados em dólar. Mas, além do problema com os gastos
cotidianos, a Rede Gazeta sofreria o impacto de empréstimos feitos para a modernização do jornal.
Em 1997, começou a construção de um prédio em uma área com, aproximadamente, seis mil
metros quadrados, anexa ao edifício sede da Rede Gazeta. O novo parque gráfico, inaugurado em
1999, foi construído para abrigar a impressora Newsliner, uma das mais modernas do mercado, de
fabricação norte-americana.
Com capacidade de produção 3,5 vezes maior que a da antiga impressora, ela consegue
produzir até setenta mil exemplares por hora de cadernos de até 32 páginas, sendo 16 em várias
cores e as outras 16 em duas cores. Todos os ajustes da nova máquina são feitos através de
softwares específicos, o que reduz consideravelmente as perdas de produção.
Esta foi a terceira revolução na confecção das páginas do jornal e corresponde ao maior
investimento feito pela empresa desde a fundação do diário, em 19. A primeira foi na década de
50, com a troca dos tipos móveis pela composição feita a chumbo, na máquina linotipo. Depois veio
a fotocomposição, no final dos anos 60. Agora, o grande avanço concerne à introdução da
informatização em todas as áreas do processo de produção.
Todavia, as empresas que investiram em novos equipamentos no final da cada de 90 tiveram
prejuízo, em virtude do aumento expressivo do dólar. A partir de 1999, a moeda passou de R$ 1,20
para aproximadamente R$ 3,80. Os jornais que tinham comprado equipamentos em dólar viram sua
dívida triplicar repentinamente.
A Gazeta havia adquirido uma nova impressora no valor de US$ 9 milhões, sendo que, desse
montante, 7,2 milhões foram financiados. Esse financiamento foi pago em um valor três vezes
maior que a dívida inicial.
“Todas as empresas que investiram em novos equipamentos, tiveram prejuízo. Não há nenhum
jornal do Brasil que tenha lucrado no período de 2001 a 2003, devido ao aumento do preço do
dólar. Adquirimos uma nova impressora. Mesmo com a crise, que comprometeu a rentabilidade da
empresa, a parte repassada para o leitor foi muito pequena. Muitas empresas tiveram de se ajustar.
Assim como A Gazeta, a Folha de São Paulo e O Globo demitiram muita gente para superar a crise.
Alguns jornais foram vendidos, inclusive”, diz Carlos Lindenberg Neto, o Café, diretor geral da
Rede Gazeta.
Álvaro José Silva, jornalista demitido na época, após 27 anos na empresa, diz que as
demissões realizadas vieram em resposta às contestações dos jornalistas mais antigos em meio às
mudanças gráficas e editorais adotadas no jornal. “É dicil para um profissional de 20, 30 anos de
atividade ficar convivendo com coisas erradas sem poder reagir. O jornal perdeu força e conte- údo
também. Na redação, foram mais de 20 demissões. Até que um belo dia o próprio Roberto Muller
pediu demissão. Jornalistas que eu conheço em São Paulo me disseram que ele pediu as contas
porque não estava conseguindo fazer o jornal reagir e não queria associar sua imagem a um
fracasso. Eu acredito que aquela mudança foi o maior erro que o jornal cometeu”, diz.
Em meio às dificuldades que o setor impresso da Rede Gazeta enfrentava naquele momento, a
empresa investiu na criação de um novo jornal para atingir segmentos da sociedade que, até então,
não eram abrangidos pela empresa e se configuravam como o público preferencial da concorrente A
Tribuna. Assim, em 2000, foi lançado o Notícia Agora.
No início, as redações eram separadas fisicamente. Contudo, em 2001, foi preciso fazer uma
revisão logística nas redações de A Gazeta e do Notícia Agora, as quais, após alguns ajustes,
passaram a dividir o mesmo espaço. “A redação de A Gazeta teve um período de muita resistência a
mudanças. Já o jornal Notícia Agora entrou no mercado com menos compromisso com o passado.
A competição interna entre os dois jornais era muito grande. Hoje, eles convivem bem e
compartilham algumas editorias como as de Polícia e Brasil. O Notícia Agora trouxe boas lições
para A Gazeta, principalmente nas áreas de Serviços e Cidades”, diz Café. O passo a passo da
criação e a trajetória do Notícia Agora estão no capítulo cinco deste livro.
Uma trajetória de mudanças
As novas tecnologias propiciaram uma série de vantagens para o processo técnico de produção
dos jornais. Até 1988, existiam em A Gazeta apenas dois microcomputadores; atualmente, são cerca
de 800. A informatização do setor foi acompanhada pela criação de uma grande estrutura para dar
suporte a essa nova realidade da empresa.
Com os computadores, veio também a internet. No início, apesar de disponibilizar um grande
número de informações, auxiliando nas pesquisas dos jornalistas, ela não era uma fonte
muito confiável, diferentemente dos dias de hoje, em que é possível ter acesso a todos os jornais do
mundo com a mesma confiabilidade de um jornal impresso. A formação jornalística dos
universitários também mudou com a entrada das novas tecnologias. Se antes as redações serviam de
laboratório para os profissionais iniciantes, hoje, eles já saem da universidade dominando o
computador, a fotografia e outros instrumentos de trabalho. O repórter vai para a rua, faz a
entrevista, fotografa, faz tudo. Esta é uma nova tendência que já pode ser observada em alguns
jornais do mundo.
“A informatização só muda onde você contrata as pessoas. Antigamente, havia várias etapas
de pré-impressão. Quando entrei em A Gazeta, em 1988, havia sete etapas entre a redação e a
impressão;
hoje há apenas uma ”, diz Café.
Com a evolução dos meios audiovisuais, como o rádio, a televisão e a internet, o jornalismo
impresso está passando por mudanças significativas na maneira de levar a notícia para seu leitor.
Antigamente, essa diferença se dava pelo fato de o jornal ser mais completo do que os outros
veículos. Hoje, as novas tecnologias exigem uma nova maneira de se fazer um jornal impresso. As
notícias estão mais curtas e pró-ativas, ou seja, a notícia, na maioria das vezes, apresenta uma visão
projetada de futuro e não mais baseada no passado.
Atendendo às novas exigências, A Gazeta buscou novamente se adaptar, modificando, dessa
vez, não apenas sua apresentação gráfica.
No ano de 2004, houve a implantação de um novo projeto editorial e gráfico, com o objetivo
de ampliar a cobertura dos assuntos locais, avançando na análise e na interpretação dos fatos.
Novo modelo de A Gazeta
Foram oito meses de planejamento – desenvolvido pela consultoria espanhola Mediacción, da
Universidad de Navarra, que presta serviços para 38 jornais na Europa e na América Latina1 – até
que o novo modelo de A Gazeta no formato standard – o único do Espírito Santo – fosse lançado no
mercado, com mudanças gráficas e editoriais, em julho de 2004.
Com as modificações, o jornal está dividido por cadernos e a estrutura geral das páginas é
seguida de uma matéria principal, uma secundária e uma coluna de notas curtas ou uma coluna de
autor.
As notícias locais passaram a ser publicadas no início do primeiro caderno, incluindo o
noticiário de polícia e segurança pública. Notícias internacionais, nacionais, políticas, econômicas e
esportivas estão na segunda parte do primeiro caderno. As editorias não têm ordem nem número de
páginas fixos. A exceção é apenas para Esportes, que sempre fecha o caderno. O jornal passou a
privilegiar assuntos mais próximos do cotidiano do público.
Nessa reforma, foi criado o Guia de Serviços, no formato tablóide.
Publicado diariamente, o guia concentra informações sobre cursos e concursos e seções que
estavam espalhadas pelo jornal, como Linha Direta, Coluna da Fé, Tempo, Cruzadas e Quadrinhos.
Todas as editorias contribuem com pautas e repórteres para fechar esse caderno.
O Caderno Dois passou a contemplar mais informações sobre programações de arte e
espetáculos, cinema e televisão. Além disso, o periódico conta com suplementos semanais sobre
diversos temas, como informática, imóveis, turismo, lazer, veículos, moda, turismo e saúde. Possui,
ainda, o suplemento infantil “A Gazetinha”, um dos mais antigos do País, com mais de 40 anos.
Além dessas transformações, A Gazeta incorporou ao seu quadro de colunistas nomes
expressivos, como Arnaldo Jabor, Benjamin Steinbruch, Dráuzio Varella, Renato Machado,
Agamenon Mendes Pedreira, Tostão, Paulo Rabello de Castro, entre outros.
“O jornal tornou-se mais segmentado. A nova filosofia adotada pela empresa foi criada com a
finalidade de atender a essas transformações dos hábitos da sociedade. Hoje, a edição é
mais planejada e flexível em termos de paginação, o que oferece mais mobilidade na redação. Além
das reformas gráficas, houve também uma mudança conceitual. A Gazeta passou a ser um jornal de
serviços, sem perder seu público. A assinatura aumentou e está conseguindo bons resultados. As
pesquisas pós-lançamento revelaram que a taxa de aprovação das mudanças é de mais de 90%. Em
agosto de 2005, foi feito um planejamento do rumo da empresa para os próximos três anos”, revela
Café.
A Gazeta e a política de fim de século
Na virada do milênio, o Espírito Santo foi marcado por uma onda de denúncias de corrupção
nas estruturas do poder público. O jornal A Gazeta abriu espaço para reportagens (muitas delas
premiadas) que tiveram grande influência no quadro geral da política capixaba.
A administração do ex-Governador José Inácio Ferreira esteve envolvida em denúncias de
operações ilegais que incluíam desde desvio de verbas públicas para financiamento de sua
campanha política, passando por superfaturamento de obras, até cobrança de propinas e chantagens
para liberação de transações envolvendo o erário público.
O processo de apuração foi demorado. Da primeira suspeita de fraude à publicação da primeira
reportagem bombástica se pas- saram cerca de 40 dias de puro trabalho investigativo,
sustentado pela ação da Polícia e do Ministério Público.
Foram quase dois anos de cobertura, de 2001 ao final de 2002. Uma equipe de jornalistas,
chefiada pelo então editor de Política, Sérgio Egito, trabalhou no caso. Dentre esses jornalistas
estavam Andréia Lopes, André Hees, Lúcia Garcia, Eduardo Caliman, Gabriela Rölke, Radanezi
Amorim e Vilmara Fernandes.
O jornalista Eduardo Caliman, atual editor de Política, conta que A Gazeta recebeu de fontes
em off uma cópia de um extrato bancário que demonstrava o repasse de um empréstimo de R$
2 milhões feito no Banestes a duas empresas. Esse dinheiro chegou a José Inácio por meio dessas
empresas e foi usado para cobrir o rombo que ele tinha naquele banco referente a um
empréstimo feito durante sua campanha eleitoral.
Entretanto, mesmo com essa prova nas mãos, o jornal não publicou a matéria, porque não
havia a certeza quanto à questão de ter que se respeitar o sigilo bancário. Além disso, o
jornalista lembra que o fato de o então presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz,
estar alimentando a imprensa com informações era um fator de questionamento quanto à veracidade
do material reunido, já que ele era parte interessada no processo de afastamento do Governador e do
Vice-Governador, pois seria o próximo a assumir o Palácio Anchieta, seguindo a hierarquia dos
poderes. Assim, foi preciso fundamentar as matérias com o dobro de cuidado.
“Começar com as denúncias era difícil. A Folha de São Paulo deu uma notinha. Já era
público, nós aproveitamos e soltamos. O veículo do Estado tem que tomar mais cuidado, porque a
gente se importa muito mais com a vida daqui do que a Folha de São Paulo”, explicou Caliman.
Após as primeiras denúncias, o caso foi se desdobrando. Se- gundo Sérgio Egito, José Inácio
tomou medidas informais para abafar a divulgação de novas informações: “Proibiram os
secretários de dar entrevista para A Gazeta. Nós tivemos que nos virar com nossas fontes dentro do
Governo. Nós sempre precisamos ter uma fontezinha, os offs são necessários. E, no Governo,
também sempre tem uma disputa. Seja em qual governo for. Até que, no final, nós conseguimos que
algumas fontes em off fossem em on, como o procurador Geraldo Salles Pimentel”.
O jornalista André Hees também confirma essa situação: Um ou dois secretários me disseram
que não podiam dar entrevista por telefone, porque estava tudo grampeado: ‘O Governador
fica sabendo e depois cobra da gente’. Sofremos boicote de informação, eles passavam para a
concorrência porque era estratégia do Governo passar para eles e não para nós”. Os jornalistas
sofreram muita pressão política e alguns foram até processados, como a jornalista Andréia Lopes, já
absolvida.
Outro escândalo que marcou a época, segundo os jornalistas ouvidos, foi o desvio de verbas da
transação milionária de vendas de crédito de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços) da Samarco à Escelsa. A Samarco, por ser uma empresa exportadora, acumula créditos de
ICMS junto ao Governo.
Contudo, a dívida que se formava não tinha perspectivas de pagamento e esse dinheiro
acabava correndo o risco de virar “dinheiro fantasma”.
A Samarco, em negociação com a Escelsa, com autorização do Governo do Estado, vendeu
esses “títulos” para a empresa de energia por um valor bem mais baixo do que realmente
valiam, com a justificativa de receber ao menos parte do dinheiro.
Entretanto, como lembra Caliman, parte do dinheiro dessa negociação foi parar na conta do
ex-tesoureiro de campanha eleitoral de José Inácio, Bené, em uma espécie de caixa dois de
campanha (dinheiro não declarado à Justiça Eleitoral).
Um outro caso, folclórico até, envolveu um guru que veio a público cobrar por serviços que
teriam sido prestados a integrantes do Governo, e não pagos, na tentativa de se acabar com a
“urucubaca” que tomava conta da administração estadual. No ano de 2001, a jornalista Vilmara
Fernandes recebeu o Prêmio Aberje de Jornalismo pela reportagem “Guru cobra dívida”. “Fomos
questionados se não estaríamos exagerando, mas a gente fez simplesmente o trabalho que a gente
tinha que fazer”, disse Caliman.
A Gazeta teve fundamental importância na divulgação minuciosa dos fatos que envolviam a
crise do Governo José Inácio.
Contudo, Caliman se decepciona com a falta de reconhecimento da sociedade: “A editoria é
valorizada pelo histórico de denúncias de corrupção. Mas isso não é tão valorizado pela população
que não tem muita informação. Os leitores que acompanham sabem, mas a população de um modo
geral não entende o papel de A Gazeta nessa reconstrução ética do Estado. O Estado é outro.
O Gratz está preso, a gente fez várias denúncias contra o governo José Inácio. A Gazeta é co-
responsável pelas mudanças. Se não tivesse ninguém para dar porrada no governo José Inácio,
ele estaria aí reinando”.
A Gazeta de 1936
A Gazeta de 1945
A Gazeta de 1961
A Gazeta de 1970
A Gazeta de 1974
A Gazeta de 1984
A Gazeta de 1993
A Gazeta de 2001
A Gazeta de 2005
Referências bibliográficas
A Gazeta. Edição comemorativa de 75 anos do jornal. Vitória. 11 de setembro de 2003.
FERREIRA, Tânia Mara Corrêa. A Ruptura da Eletrônica no Fluxo de Produção do Jornal
Impresso – Relato baseado na experiência de renovação tecnológica do jornal A Gazeta.
Monografia apresentada ao Programa de Pós- Graduação – Especialização em Jornalismo –
Universidade Estácio de Sá/RJ. Orientador: Prof.: Potiguara M. da Silveira Jr. 1995.
MARTINUZZO, José Antonio (org.). Balzaquiano: Trinta anos do Curso de Comunicação Social
da Universidade Federal do Espírito Santo 1975-2005.
Vitória: DIOES, 2005.
ZORZAL E SILVA, Marta. Espírito Santo: Estado, interesses e poder. Vitória:
FCAA/SPDC, 1995.
Entrevistas
Marien Calixte – Jornalista aposentado, em 22 de setembro de 2005 às autoras do capítulo.
Clodomir Bertoldi – Jornalista/colunista de A Gazeta, em 23 de setembro de 2005 às autoras do
capítulo.
Carlos Lindenberg Neto (Café) – Diretor geral da Rede Gazeta, em 26 de setembro de 2005 às
autoras do capítulo.
Carlos Lindenberg Filho (Cariê) – Secretário executivo da Rede Gazeta, em 27 de setembro de 2005
às autoras do capítulo.
André Hees – Editor executivo de A Gazeta, em de setembro de 2005 às autoras do capítulo.
Glecy Coutinho – jornalista aposentada, em de setembro de 2005 às autoras do capítulo.
Milson Henriques – Chargista, em 29 de setembro de 2005 a Vitor Vogas, Ronald Alves e Kênia
Freitas.
Sérgio Egito – Jornalista/colunista de A Gazeta, em 04 de outubro de 2005 às autoras do capítulo.
Eduardo Caliman – Editor de Política de A Gazeta, em 04 de outubro de 2005 às autoras do
capítulo.
Álvaro José Silva – jornalista e ex-funcionário de A Gazeta, em 05 de outubro de 2005 às autoras
do capítulo.
Marta Zorzal – Cientista política e professora da Ufes, em 05 de outubro de 2005 às autoras do
capítulo.
A Tribuna:
memórias de um jornal sem registros
George Vianna, Gleyson Tete e Guido Nunes
22 de setembro de 1938. Reis Vidal, jornalista oriundo de São Paulo, funda o jornal A Tribuna
na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo. Funcionando inicialmente na Esplanada Capixaba,
hoje Avenida Jerônimo Monteiro, o impresso foi criado no período que antecedeu a Segunda
Guerra Mundial.
O jornalista aposentado Adam Emil Czartoryski relembra o contexto em que se passou o
surgimento, assim como os primeiros anos de funcionamento do jornal. “O Reis Vidal tinha
idéias fascistas e, no início da Guerra, defendia os alemães e, principalmente, os italianos. Havia
uma firma alemã muito poderosa – a ‘Arens & Langens’ – situada perto da praça Costa Pereira,
que importava e exportava produtos e agenciava navios. Havia suspeitas de que ela financiava o
Reis Vidal na feitura de A Tribuna. Nesse mesmo período, o jornal foi ‘empastelado’. Invadiram
e quebraram tudo. O jornal ficou fechado por um tempo”.
No início da década de 1950, após o fechamento, o jornal foi comprado por um grupo ligado
ao Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros. “Nessa época, chamei o Marien Calixte
e o Asdrúbal Soares, para formarmos uma redação, e concorríamos muito com A Gazeta. Esta foi
uma boa fase de A Tribuna, tentamos fazer uma edição diária do jornal só sobre o Espírito Santo,
pois, na época, as comunicações eram muito deficientes; jornais do Rio de Janeiro e São Paulo
chegavam aqui somente um ou dois dias depois. Não havia pauta naquela época, o jornalista saía
para a rua e se virava. Foi a partir de então que começamos a fazer pautas e pagar os repórteres”,
contou Adam Emil Czartoryski.
Ademar de Barros entrou numa fase de dificuldades financeiras, já que uma quantia
considerável de dinheiro havia sido roubada de seu cofre por militantes de esquerda. Ele também
estava enfraquecido politicamente por conta da ditadura que havia se instaurado no País em 1964.
Não vendo alternativas para sair da crise, resolveu passar adiante o jornal, saindo do cenário
jornalístico capixaba no ano de 1968 e deixando o veículo nas mãos de Djalma Juarez Magalhães.
Pouco tempo se passou para que A Tribuna fosse comprada pelo grupo João Santos, que já
tinha adquirido também a fábrica de cimento Nassau, antiga Barbará, da Prefeitura de Cachoeiro
de Itapemirim. “Nessa compra foi feito um acordo com o Governo do Estado, que determinava a
isenção de impostos durante 20 anos para a empresa. Porém, com a indicação de Cristiano
Dias Lopes Filho como governador biônico do Estado, esse privilégio estava com os dias contados.
Com o intuito de bater de frente com o Governo, João se preocupou com seu fortalecimento
político dentro do panorama estadual, comprando, assim, um veículo de comunicação”, disse Pedro
Maia, colunista de A Tribuna que vivenciou esse período. Anos mais tarde, essa idéia
mostrouse uma atitude acertada, diante dos fatos que se sucederam.
João Santos Filho possuía aspirações políticas, mas tinha também a idéia de fazer uma rede de
comunicação, e, agora que já possuía o jornal, visava a expandir seus investimentos. Em
decorrência desse ideal, surgiram, anos depois, a rádio e a TV Tribuna.
Funcionando, desde sua fundação, na Avenida Jerônimo Monteiro, A Tribuna passa a operar
em outro lugar a partir de 1971, transferindo sua sede para uma pequena rua no Centro de
Vitória, chamada Nélson Monteiro. Ali, permanece por pouco tempo.
Logo muda para seu espaço atual: rua Joaquim Plácido da Silva, 225, na Ilha de Santa Maria.
... e saiu pela culatra
No dia 25 de maio de 1981, entre 2h10 e 2h30 da madrugada, A Tribuna foi vítima de um
atentado. Ocorreram duas explosões e um conseqüente incêndio que destruiu completamente o
Departamento de Circulação e o Arquivo do jornal. O atentado – um tanto quanto nebuloso – até
hoje não teve explicações ou provas concretas, e as informações (desencontradas) que constam é
de que alguém passando pela rua teria jogado um coquetel Molotov por uma janela na sede da
empresa.
Segundo pessoas que lá trabalhavam na ocasião, a provável intenção era destruir o maquinário
do jornal, o que implicaria a suspensão das suas atividades. Entretanto, o alvo não foi atingido,
o que possibilitou que o jornal fosse impresso e vendido, mesmo com um pouco de atraso, na
manhã daquele lamentável dia.
O governador Eurico Rezende ordenou ao então secretário de Segurança Pública, José Parente
Frota, que desse prioridade à investigação do caso. Porém, o deputado federal Max Mauro, do
PMDB, preocupado com os caminhos que a mesma pudesse seguir, exigiu do Ministro da Justiça,
Abi Ackel, um delegado es- 106 Mesmo com o atentado, A Tribuna circulou no dia seguinte pecial
e um procurador para averiguarem o inquérito com a máxima isenção. Apesar de não encontrarem
nenhuma prova contra ninguém, as suspeitas recaíram sobre uma rede de prostituição que A
Tribuna investigava.
O diretor superintendente da Rede Tribuna de Comunicação naquele período, Edmar Eudóxio
Telesca, disse no dia do ataque: “Entendo que seja uma manifestação descabida de um grupo radical
desejoso de perturbar a vida nacional, já a braços com problemas sérios e que estão a exigir de
todos nós compreensão, trabalho e determinação”.
Uma outra versão, relatada pelo jornalista Marien Calixte – que trabalhou muitos anos em A
Tribuna –, chama atenção para o fato de que muitas pessoas que trabalhavam lá, na época,
tinham fortes ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), e esse atentado poderia ser uma
tentativa de intimidação por parte de indivíduos atrelados às forças direitistas.
Um dia depois daquele fatídico dia, Marien Calixte, que era editor-chefe, escreveu no jornal:
“Há muitos tipos de loucuras registradas ao longo da história da humanidade. O terrorismo é uma
dessas faces mais tragicamente criminosas que o mundo tem enfrentado. Loucura só não é bastante
para estabelecer um qualificativo a respeito da crueldade dos que, ocultos em sua paranóia e
esquizofrenia, satisfazem-se apenas destruindo. O que dizer mais além da estupefação que já nos
roubou estadistas, religiosos, intelectuais, artistas, militares e até chegou ao peito da figura até então
intocada de um Papa?”.
E, em fevereiro do ano seguinte, 1982, A Tribuna sofreria mais um duro golpe. Viria a falecer,
no Uruguai, em um terrível acidente de avião, um de seus principais articuladores: João Santos
Filho. O grupo que comandava o jornal chegou a cogitar a possibilidade de fechá-lo, mas,
posteriormente, houve um consenso entre os diretores de que ele deveria prosseguir as suas
atividades.
Se a situação é grave, a solução é greve... de fome!
Nos anos 80, as relações entre as empresas jornalísticas e os jornalistas ainda eram muito
insatisfatórias, porém havia uma preocupação em mudar esse quadro, pelo menos por parte
dos jornalistas, que lutavam por relações mais justas. Este era o período de reorganização dos
sindicatos e de intensa mobilização da sociedade civil, o que convergiria para o fim da ditadura.
Foi feito um acordo coletivo com A Tribuna que determinava a não-redução do quadro de
jornalistas – em torno de 70, no momento. Contudo, esse acordo foi desrespeitado e, no ano
de 1984, o jornal demitiu dois funcionários, criando um clima de insatisfação entre os demais
profissionais.
Com isso, a greve se tornou a melhor alternativa de manifestação e, ao mesmo tempo, de
marcar revolta e solidariedade. Eles exigiam que o jornal fosse fiel às decisões tomadas e
mantivesse o quadro de vagas como havia antes sido acordado. A empresa se mostrou totalmente
radical à mobilização e imediatamente fechou o jornal.
Então, dois dos grevistas (Francisco Flores e Romero Mendonça) optaram por não desistir tão
facilmente, e entraram em greve de fome. Ficaram por vários dias na porta da empresa, recebendo o
apoio de várias pessoas, inclusive políticos do cenário nacional. No sétimo dia, a saúde deles não
resistiu, e eles foram internados. A atitude dos grevistas não surtiu o efeito esperado, já que o jornal
não retomou suas atividades e ficou inativo por aproximadamente três anos.
“Fiz 12 dias de greve de fome, a única coisa que tomávamos era água de coco. Não me
arrependo de ter feito e hoje faria novamente pela categoria. A gente recebeu muito apoio durante a
greve, mas, infelizmente, o jornal não abriu”, afirmou Romero Mendonça.
Reuniões foram realizadas entre o então governador, Gérson Camata, e o superintendente do
Grupo João Santos, Sérgio Maçães, na tentativa de se buscar uma solução para o impasse. Mas
a diretoria se mostrava irredutível e cogitava, ainda, a possibilidade de vender o jornal, pois este,
segundo Maçães, estava registrando sucessivos prejuízos nos últimos meses.
Audálio Dantas, então presidente nacional da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), veio
ao Estado e, junto com Tinoco dos Anjos, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo
à época, reuniu-se com o Governador para discutir a situação.
Dantas ressaltou o prejuízo que o fechamento do jornal causaria aos espírito-santenses: “Além
da gravidade do desemprego, existe também o fato de que, com a extinção de mais um meio de
comunicação e informação, toda a comunidade capixaba seria prejudicada”.
Uma comissão de quatro deputados estaduais – Dilton Lyrio e Rose de Freitas, do PMDB, e
João Miguel Feu Rosa e Antônio Moreira, do PDS – foi a Recife tentar sensibilizar o Grupo
João Santos, mas retornaram sem grandes perspectivas de contornar o ocorrido.
A situação mereceu até mesmo um discurso no dia 29 de março de 1984, feito, no Congresso
Nacional, pelo então deputado federal Nélson Aguiar, que destacava o absurdo do fechamento do
jornal.
Confira um trecho da fala, a partir do informe do jornal Tribuna Livre (na edição de 6 de abril
de 1984, número 6, à página 8), que era publicado pela Cooperativa dos Jornalistas do
Espírito Santo: “No momento em que acintosa e arbitrariamente se fecha o jornal A Tribuna, de
Vitória, Espírito Santo, tradicional veículo da luta e da cultura do povo capixaba, desde 1938,
quando foi fundado, torna-se obrigatório que o Congresso Nacional levante sua voz em forma de
protesto, de repúdio e de clamor público 110 por todos os meios a seu dispor. Não apenas e
simplesmente contra o fechamento de um jornal ou a dispensa de um grupo de trabalhadores, mas, e
acima de tudo, em defesa do direito de divergir, de reivindicar, de se opor e protestar, direito este
que tem na liberdade de imprensa seu maior e principal sustentáculo [...] Concluo meu
pronunciamento apelando ao senhor João Santos a que reabra A Tribuna, não apenas como forma
de restituir o direito de 200 (duzentos) trabalhadores penalizados de forma o brutal, mas também
como forma de reparar a ofensa feita à sociedade capixaba e o golpe desferido contra a liberdade
de imprensa”.
A sociedade capixaba apoiou os grevistas de A Tribuna, assim como as centrais sindicais,
como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Conferência Nacional da Classe
Trabalhadora (Conclat), que realizaram manifestações. Empresários, a classe estudantil e sindicatos
de diversas categorias apoiaram o movimento.
Os artistas capixabas criaram uma comissão de eventos artísticos e culturais para fundo de
greve e doaram obras para uma exposição. Entre eles, estavam artistas como Kleber Galvêas, João
Vago, Luiz Maurício de Oliveira e Marlene Tejada.
Paralelamente a tudo isso, o Tribuna Livre relatava os desdobramentos diários da greve e
acusava a empresa proprietária de A Tribuna de muitos delitos, entre eles: sonegação fiscal,
mentir para autoridades e mostrar-se intransigente para com a situação dos trabalhadores.
“Durante a greve, vários políticos se solidarizaram com a situação dos grevistas, entre eles
Lula, que veio visitá-los. Com o tempo houve uma dispersão, e cada um procurou outros meios de
viver a vida”, disse Ruth Reis, professora de Comunicação Social da Ufes, que também trabalhava
no jornal.
“Tablóide: mais que um formato, uma emoção”
A Tribuna experimenta significativas mudanças em seu recomeço, no dia 2 de fevereiro de
1987, quando apareceu de volta no mercado com outro formato. O antigo standard
transformouse no moderno tablóide, que, no início, foi muito criticado por pessoas da imprensa,
mas, com o tempo, obteve a aprovação popular.
Outras modificações acompanharam essa nova forma de publicação, como a visão editorial
diferenciada, voltada para a prestação de serviços, e um reduzido quadro de apenas 40 jornalistas.
A linguagem se tornou mais simples, buscando se aproximar cada vez mais do público leitor e,
ainda, marcar diferença na vida da população. Essa recolocação no mercado fez o jornal
ganhar forças no embate mercadológico.
“Existe um livro, ‘O Papel do Jornal’, do Alberto Dines, da década de 70, que fala que o
jornalismo se tornaria importante no momento em que o cara, de manhã, ao comprar o pão e o
jornal, se tivesse dinheiro só para um, compraria o jornal. Ou seja, iria contribuir no dia-a-dia dele.
Esta foi a visão que A Tribuna tentou passar, desde a sua nova fase”, disse o atual editor de
Regional, Joel Soprani.
Em 1995, uma mudança no aspecto gráfico fez o jornal entrar numa nova fase, consolidando-
se e alavancando de vez seu crescimento.
Pela primeira vez em sua história, a publicão saía com páginas coloridas, num estilo
moderno e arrojado. O grande articulador desse projeto foi João Luiz Caser, que, ao lado do
grupo João Santos, tinha a idéia de se firmar no mercado do jornalismo.
O projeto foi especialmente encomendado à Universidade de Navarra, na Espanha, que já tinha
realizado esse tipo de trabalho para outros veículos.
Capa de A Tribuna de 1989 no formato tablóide
“A partir de 87, e principalmente de uma década para cá, começamos a mudar a realidade do
mercado. Antes, A Gazeta dominava a estrutura de mídia impressa no Estado, e A Tribuna foi mês a
mês, dia a dia, conseguindo mudar isso. Hoje, A Tribuna é absoluta em tiragem, vendagem etc...”,
afirmou Soprani.
A compra de uma moderna impressora, capaz de imprimir até 45 mil exemplares de até 48
páginas por hora, fez com que o jornal conseguisse maior número de tiragem, dando-lhe mais
competitividade no mercado. No ano seguinte, em 16 de setembro de 1996, A Tribuna vence mais
uma etapa e começa a circular também às segundas-feiras. Segundo Soprani, antes o jornal não
era publicado nesse dia pelo fato de ser inviável economicamente, mas a necessidade de mostrar aos
leitores e aos patrocinadores a capacidade de A Tribuna fez com que fosse tomada essa decisão.
Ainda como efeito da modernização, outros esforços foram concentrados em áreas vitais para
a solidificação de qualquer publicação.
O setor de circulação foi renovado e novas técnicas e sistemas de controles de distribuição
foram implantados. Houve, ainda, um empenho de todas as áreas para o cumprimento de prazos e
horários. A redação foi informatizada e novos servidores foram disponibilizados para garantir a
dinamização nas diversas seções, dando ao jornal mais velocidade e qualidade gráfica. Até hoje, a
impressão do jornal continua sendo destaque em âmbito estadual.
Conquistando mercados
Com médias de 47,95% em dias úteis e 79,34% aos domingos – de acordo com o Instituto
Verificador de Circulação (IVC) – o jornal alcançou, em 1997, no mapa nacional, a liderança no
índice de crescimento em percentual dentre os jornais do País.
A empresa se consolida, em 1999, como líder em circulação na Grande Vitória, em número de
vendas e em número de leitores, de segunda a sábado. E, no ano de 2000, complementa sua
virada, conquistando a liderança em todo o Estado.
Segundo números do IVC e do IBOPE, atualmente o jornal possui aproximadamente 394.233
leitores diários, com média de 69.125 exemplares vendidos aos domingos e 47.168 nos dias úteis.
Com esses números, A Tribuna ocupa a 17ª colocação entre os jornais mais vendidos do País. Esse
prestígio é resultado dos investimentos realizados nas diversas áreas – em especial, nas
de marketing e promoções.
Muitos vinculam o crescimento do jornal à promoção que sorteia um automóvel por mês, mas
parece evidente que as ações e inovações no âmbito da redação foram e continuam sendo
importantes para o posicionamento de A Tribuna.
Hoje, o jornal é composto por nove editorias (Cidades, Economia, Polícia, Política,
Internacional, Opinião, Regional, AT2 e Esportes), além de dez cadernos temáticos (Classifácil,
Informática, Sobre Rodas, AT2, AT2 Fim de Semana, Mulher, Minha Casa, Imóveis, TV Tudo e
Jornal da Família). Há a publicação de inúmeros colunistas locais e de renome nacional.
O jornal possui particularidades, como as seções “A Tribuna com você”, que ouve as
reivindicações de moradores de determinados bairros e depois procura as autoridades para tentar
atendêlas;
“Qual é a bronca?”, uma página em que o leitor pode reclamar de diversas questões, como de
uma empresa que lhe vendeu um produto com defeito e agora está demorando a conceder
os benefícios cabíveis; e a página de religião, que é totalmente ecumênica e congrega quaisquer
credos.
Eis que surge um novo rival
O surgimento do jornal Notícia Agora foi uma estratégia da Rede Gazeta para disputar com A
Tribuna o nicho de mercado das classes com menor poder de compra. O formato tablóide e a linha
editorial de cunho popular deixavam claro quem era o alvo direto. Sobre o surgimento do rival, o
editor de Regional de A Tribuna, Joel Soprani, afirma: “O Notícia Agora não fez com que o jornal
se preocupasse em mudar suas estratégias. Nosso concorrente direto sempre foi A Gazeta. Sempre
respeitamos a concorrência, mas nunca nos preocupamos com o Notícia Agora.
Tanto que o jornal só veio crescendo em vendas mês a mês”.
“Na verdade, o Notícia Agora conseguiu bater A Tribuna no início, chegando perto da marca
dos 45 mil exemplares vendidos em um dia, o que, sem dúvida, deixou-os preocupados.
Infelizmente, o projeto não teve continuidade e caiu de produção”, rebateu Lena Azevedo, jornalista
que saiu de A Tribuna para ser responsável pela estruturação do novo jornal da Rede Gazeta.
E agora, A Tribuna ?
Apesar de ter a liderança consolidada no Estado desde 2000, o objetivo de A Tribuna é
continuar crescendo. Existem planos de investimentos futuros, inclusive de montar um jornal no
Estado de Pernambuco, onde o grupo João Santos possui uma estrutura de rádio e televisão. Ainda
existe um antigo sonho de fazer o jornal totalmente colorido, da primeira à última página.
“Estamos no Espírito Santo inteiro e em cidades no sul da Bahia, leste de Minas Gerais e norte
do Rio de Janeiro. A perspectiva é de crescer, não só no Espírito Santo. Se tiver necessidade de ser
todo colorido, será. Ah, não tem, não será”, disse a diretora de Marketing, Nilda Miranda.
Casos famosos
Segundo Pedro Maia, no Espírito Santo, de 1969 para cá, os casos noticiados por A Tribuna
que tiveram maior repercussão foram o da menina Aracelli e o dos Esquadrões da Morte.
“Nosso Estado foi o primeiro a prender policiais que estavam matando pessoas e a condenar essas
pessoas a altas penas”, disse.
Em 18 de maio de 1973, foi assassinada, em Vitória, uma criança de oito anos: Aracelli
Cabrera Crespo. Ela foi drogada, estuprada e teve seu rosto desfigurado. Muitos jornalistas citam
esse caso como um dos mais importantes na história dos jornais do Estado.
Na tarde daquele dia, Aracelli não voltou da escola que freqüentava e seu corpo só foi
encontrado seis dias depois em um matagal, irreconhecível para o próprio pai. “Eu me lembro
até hoje do pai da Aracelli chegando desesperado aqui na redação”, disse o editor de Cidades,
Francisco Borges.
O envolvimento da mãe com o uso e tráfico de entorpecentes teria sido determinante para o
destino da menina, que estaria entregando drogas a pedido dela. Os clientes eram jovens de famílias
abastadas e o caso seguiu um rumo estarrecedor.
Os acusados ficaram impunes e alguns dos designados para desvendar o crime foram mortos
ou afastados de seus cargos.
“Houve uma espécie de comoção da opinião pública. Guilhotinavam os suspeitos, mesmo que
não houvesse nada comprovado contra eles, e os jornais ajudaram nisso”, afirmou Pedro Maia.
O caso do “Esquadrões da Morte”, que começou a ser investigado em 1991, envolvia a
Scuderie Le Cocq, uma organização legalmente constituída e profundamente envolvida nos
chamados assassinatos de “limpeza social” (cujo alvo foram adolescentes que viviam e trabalhavam
nas ruas de Vitória), extorsões e outras formas de corrupção.
A teia intrincada de policiais corruptos e assassinos tornou o sistema judiciário ineficaz para
combater seus crimes: quando investigadores de polícia, promotores e juízes que não faziam
parte da rede da Scuderie investigavam os crimes do grupo, eram induzidos a abandonar os casos
contra os membros da Scuderie através de suborno ou intimidação. Esse caso foi bastante
divulgado.
“Foi a partir dele que o povo capixaba começou a se interessar de fato pelas notícias dos
jornais”, afirmou Pedro Maia.
Histórias engraçadas
Iniciação sexual
“Houve um caso de uma reportagem sobre adolescentes que estavam se iniciando sexualmente
cada vez mais cedo e que, muitas vezes, dormiam em casa com o namorado. O repórter abordou no
shopping uma mãe com uma filha de 16 anos. ‘Se minha filha quiser não tem problema, ela tem
juízo’, disse a mãe. No outro dia, às sete da manhã, a mulher liga pedindo para desmentir a matéria.
Ela era do interior do Estado, a notícia repercutiu na cidade inteira, o marido queria bater nela,
xingando: ‘É para isso que você foi para Vitória, para o shopping?’. Ela se entusiasmou no dia”.
(Joel Soprani)
Traficante errado
“Fizeram uma foto de capa num morro em que um traficante chamado ‘Fininho’ estava
infernizando a vida de todo mundo.
Demos a foto de um velhinho em cima de uma laje (vizinha à do traficante) e a legenda tinha
uma ambigüidade. De manhã, o traficante falou que ia matar o velhinho por achar que ele
estava passando informações. No outro dia nós corrigimos”. (Joel Soprani)
Seita em Pedra Azul
“No dia em que iria sair a reformulação de A Gazeta, deveria ter uma matéria forte para combater.
Fui como repórter para Pedra Azul com a Celeste, a Luciana Lima e o Leonardo
Bicalho (fotógrafo). o tinha nada interessante, o cara desmentiu tudo sobre a seita. Aí, no
finalzinho do dia, achamos um agricultor que deu um depoimento confessando que espancava os
filhos, por orientação da seita. Depois de muito tempo após a matéria ter sido publicada,
descobrimos que o cara enterrava comida e gasolina, que era o fato mais importante”. (Lena
Azevedo)
Desfile
“Aconteceu um desfile de escola de samba em Vitória, e tinha uma ala só de jornalistas na
Imperatriz do Forte. Várias pessoas de A Tribuna foram desfilar, inclusive Luciana Lima. Ela
tinha que dar plantão no outro dia. Aí atrasou o desfile e ela teve que ir direto para o plantão. Pegou
emprestada uma minissaia com Franciane Barbosa e foi com purpurina no corpo. Chegou
na polícia, teve uma rebelião na casa de detenção”. (Lena Azevedo)
Capa de A Tribuna de 1939, sob o comando de Reis Vidal
Em 1941, suplemento cultural de A Tribuna com 16 páginas
A Tribuna de 1951, já integrante do grupo de Adhemar de Barros
A partir da década de 90, um novo padrão visual para o tablóide
Entrevistas
Adam Emil Czartoryski – Trabalhou como editor em A Tribuna e está aposentado, em 04/10/2005.
Antônio José Miguel Feu Rosa – Trabalhou como diretor em A Tribuna, é desembargador
aposentado, em 17/10/2005.
Francisco Borges – Revisor de A Tribuna, em 24/10/2005.
Joel Soprani – Editor de Regional de A Tribuna, em 27/09/2005.
Maria Elena Azevedo – Trabalhou como pauteira no jornal, atualmente trabalha na área de
assessoria política, em 04/10/2005.
Marien Calixte - Trabalhou como editor em A Tribuna, atualmente produz e apresenta um programa
na Rádio Universitária, em 29/09/2005.
Nilda Miranda - Marketing de A Tribuna, em /09/2005.
Pedro Maia – Colunista de A Tribuna, em 24/09/2005.
Romero Mendonça – Ex-fotógrafo do jornal, atualmente trabalha na Secretária de Comunicação do
Estado do Espírito Santo, em 21/10/2005.
Ruth Reis – Trabalhou como repórter em A Tribuna, é professora do Departamento de
Comunicação Social da Ufes, em 07/10/2005.
Notícia Agora:
jornal popular e novas estratégias
Fernanda Coutinho e Raquel Machado
O Jornal Notícia Agora foi criado, em 2000, pela Rede Gazeta de Comunicações, para alcançar
um público que se denomina como popular. O formato tablóide não era a única diferença em
relação a A Gazeta, o tradicional diário do grupo.
Também havia discrepância em relação à linguagem e recursos gráficos e editoriais. Até hoje
se discute se o Notícia Agora teria sido criado para concorrer com o popular A Tribuna.
Mas, antes de seguir com esta história, vamos a algumas considerações conceituais sobre
jornalismo popular e o formato tablóide, que tem, entre nós, a marca do sensacionalismo.
Segundo Barbosa (2004), o “popular” é uma mistura de dramas quotidianos, de estruturas
narrativas que apelam para o imaginário e para a identificação com uma realidade romanceada para
conseguir ser vivenciada. Para a autora, o “popular” é muitas vezes incompreensível e as
preferências, os entendimentos desse público são vistos de maneira pré-conceituosa como de valor
inferior.
Por ser um espaço estratégico de articulação de conflitos, as práticas culturais são carregadas
de carga política, considera Martín- Barbero, citado por Bernardes (2004, p. 08). “É na cultura que a
hegemonia aparece como processo feito de sentido, de apropriação de sentido pelo poder, de
sedução e de cumplicidade”, afirma o autor. Para Martín-Barbero, trata-se de “um
processo inerentemente político, mas também econômico, portanto.
E é nessa representatividade sociocultural, nessa capacidade de materializar o modo de viver e
pensar das classes subalternas que está a importância e o valor do popular”.
O jornalismo popular muitas vezes é associado ao sensacionalismo, praticado desde o
surgimento dos jornais europeus e americanos entre os séculos XVI e XVII, segundo Agrimani
(1995).
Também de acordo com esse autor, no século XIX, surgem os cannards, jornais populares
franceses; nos Estados Unidos, o New York World, de Joseph Pulitzer, descobriu o filão do
sensacionalismo e, posteriormente, sofreu forte concorrência do Morning Journal, de George
Hearst. Segundo Barbosa (2004), foi na década de 1920 que surgiram no Brasil jornais diários
dedicados a escândalos e tragédias, como Manhã e Crítica.
O jornal sensacionalista utiliza-se de uma linguagem coloquial exagerada (uso de gírias ou
palavrões), faz com que o leitor se envolva emocionalmente com os fatos. Há a exploração de
lendas do vulgar, crenças populares, pessoas e animais com deformidades, e seu maior enfoque é o
trinômio “sexo-escândalo-sangue”, ressalta Agrimani. Além, é claro, do uso de imagens de impacto.
Um ingrediente fundamental do sensacionalismo são os fait divers:
Não é preciso conhecer nada do mundo para consumir
um fait divers: ele não remete a nada além dele próprio;
evidentemente, seu conteúdo não é estranho ao mundo:
desastres, assassinatos, raptos, agressões, acidentes, roubos,
esquisitices, tudo que remete ao homem: à sua história, à sua
alienação, a seus fantasmas, aos seus sonhos, aos seus medos.
(Barthes, apud Barbosa, 2004, p. 06).
Um marco do jornalismo sensacionalista no Brasil foi o jornal Notícias Populares, criado em
1963 por Herbert Levy (presidente da UDN) e pelo jornalista romeno Jean Melle. É o que
afirma Agrimani, para quem o jornal foi autor da maior mentira da imprensa brasileira: o caso do
bebê diabo. Foram vinte e duas edições de pura invenção nas páginas do diário, que acabou
em 2001. “O Notícias Populares surgiu para neutralizar o Última Hora”, afirma Goldenstein,
citado por Agrimani.
Porém, é lógico afirmar que, se há jornais sensacionalistas, é porque há uma identificação do
leitor – mesmo que inconsciente – com os heróis das notícias, os “personagens” do crime e
da violência. Agrimani acredita que
tanto o leitor do jornal “sóbrio”, quanto aquele
que prefere o sensacionalismo, se interessa pelo crime, pelo
rapto, pelo acidente, pela catástrofe. O que vai fazer com que
o mercado se divida e haja um público exclusivo para o
veículo sensacionalista é a linguagem [...], além da
preferência por matérias originadas de fait divers, em
detrimento de temas político-econômico-internacionais que
servem como estímulo predominante ao jornal
informativo comum. (p. 54)
Segundo Pedroso, referenciado por Agrimani, o fazer jornalístico sensacionalista é uma
especificidade discursiva de jornal empresarial capitalista, que pertence ao segmento popular da
grande empresa industrial urbana, em busca de consolidação econômica no mercado jornalístico; é
o escamoteamento da questão popular, apesar do pretenso engajamento com o universo
social marginal; gramática discursiva fundamentada no desnivelamento socioeconômico e
sociocultural entre as classes hegemônicas e subalternas.
Nos últimos anos, alguns jornais populares têm optado pela prestação de serviços, maior
destaque para o esporte e para o entretenimento, em detrimento da velha fórmula “espreme que sai
sangue”, o que não impede que haja um destaque para as notícias policiais nessas publicações. A
linguagem coloquial continua sendo explorada – uma vez que promove aproximação com o público
que pretende conquistar (das classes C e D, preferencialmente).
Amaral (2004, p. 01) afirma que
Jornais como Agora São Paulo (SP), O Dia (RJ),
Extra (RJ), Lance! (RJ), Folha de Pernambuco (PE),
Amazônia Jornal (AM), Primeira Hora (PA), Notícia Agora
(ES), Expresso Popular (Santos, SP), Tribuna do
Paraná, Diário Popular (PR) e Diário Gaúcho (RS), são
voltados para um público de menor poder aquisitivo e
podem ser agrupados sob o rótulo de “segmento popular
da grande imprensa”.
Segundo o autor, esta é uma referência aos jornais editados por grandes empresas jornalísticas,
auto-intitulados populares, e não aos jornais sindicais, alternativos ou comunitários. Os jornais
populares da grande imprensa também são conhecidos como “popularescos”, uma sobreadjetivação
que, conforme Sodré e Paiva, em citação de Amaral, significa a espontaneidade popular
industrialmente transposta e manipulada por meios de comunicação, com vistas à captação e à
ampliação da audiência urbana.
Tablóide: um formato sensacional
A Rede Gazeta, que publica o jornal A Gazeta (em formato standard), de tradição no
Espírito Santo, direcionado ao leitor das classes A e B, optou, no ano 2000, pela criação do jornal
Notícia Agora, no formato tablóide, direcionado às classes C e D, primordialmente. Este é um
formato de jornal muito utilizado na Inglaterra por periódicos especializados em cobrir a vida
das celebridades e, principalmente, publicar escândalos sobre a Família Real (a exemplo do The
Sun e do Sunday Mirror). O formato compacto (menor que o standard) é de fácil manuseio.
Talvez o sensacionalismo inglês seja o responsável pela associação automática que se faz entre
o formato tablóide e o sensacionalismo, o que é um equívoco, pois não se trata de uma regra.
O exemplo brasileiro de jornal de tradição em formato tablóide é o jornal Zero Hora, de Porto
Alegre (RS), do grupo RBS, que edita o jornal popular Diário Gaúcho, lançado no ano 2000.
Tablóide: custo x benefício
Nos últimos anos, há uma tendência mundial de reformulação gráfica dos jornais e a opção
pelo formato tablóide é cada vez mais freqüente, mesmo entre os jornais mais tradicionais.
Segundo Singer (2005), o Independent foi o primeiro jornal britânico tradicional a optar pela
versão tablóide paralelamente à edição broadsheet (equivalente ao tamanho standard adotado
no Brasil). Posteriormente, o Times seguiu a mesma receita e, no ano passado, optou pela
publicação exclusivamente em formato tablóide.
No mesmo ano, 40 pessoas foram demitidas do jornal.
De acordo com Dines (2005), em artigo escrito em 1999, a ANJ (Associação Nacional dos
Jornais) enumera vantagens do tablóide para justificar a opção de mudança de alguns jornais
brasileiros, na época, para esse formato: a facilidade de manuseio, melhor visibilidade para as
informações, padronização dos anúncios, fortalecimento do veículo jornal através dessa
demonstração de unidade em torno da entidade empresarial.
Para o jornalista, a verdadeira razão da mudança que alguns jornais fizeram para o formato
tablóide é a economia: corte no custo do principal insumo – o papel. Dines registra:
Estes 2,54 centímetros a menos em cada folha impressa
podem representar uma poupança de cerca de 10% no peso de
cada edição. [...] Também não estão sendo anunciadas as
indispensáveis reformas gráficas para compatibilizar as novas
dimensões com uma nova concepção editorial. E, apesar da
febre das sondagens de opinião, nenhum jornal, muito
menos a ANJ, teve a humildade de ouvir o distinto público
e promover um debate através de suas páginas. Afinal, este
encolhimento é o primeiro passo para o jornal do futuro, bem
menor. A verdade é que estas novas medidas aproximam-se
do formato denominado “Berliner”, o semi-tablóide muito
usado na Europa (menor do que o Le Monde, próximo ao El
País) concebido para um projeto de jornalismo qualitativo e
interpretativo – destino final do veículo jornal.
Entre os anos de 2002-2004, o jornal Notícia Agora passou por uma grande crise que, no caso
da Rede Gazeta, ocorreu devido a um financiamento em dólar para a compra de equipamentos.
Essa crise gerou demissões, provocou a redução no número de páginas e no tamanho do jornal, que
surgira em formato tablóide.
A Notícia é agora!
Notícia Agora: nasce o jornal da nossa gente.
O COMPROMISSO COM O LEITOR ESTARÁ PRESENTE
TODOS OS DIAS
Nasce hoje um jornal que tem a cara de seu povo, em toda a
beleza e dignidade. Alegre, porque é este o estado da gente, e
popular, no sentido de custo.
O valor real do Notícia Agora não se mede: está no fato de
estar em dia com os fatos aqui e no mundo;
moderno em visual e conteúdo, e comprometido com o leitor.
Em cada página o jornal tenta ecoar a voz do cidadão comum,
que estuda, consome e produz.
Com essas palavras, no dia 3 de maio de 2000, chegou às bancas o primeiro exemplar do
Notícia Agora. Ele surge após um período em que A Tribuna passou por transformações que
elevaram esse jornal ao patamar de forte concorrente do antes líder isolado de vendas no Estado: A
Gazeta.
Segundo a elaboradora do projeto do Notícia Agora, Maria Elena Azevedo (Lena), A
Gazeta, que é um jornal direcionado aos públicos “A” e “B”, foi obrigada a ampliar o seu público
a um segmento mais popular, o que não surtiu efeitos positivos entre seus leitores.
O diretor geral do grupo, Carlos Fernando Lindenberg Neto, o Café, afirmou que a criação do
novo jornal não foi para competir com A Tribuna. Segundo ele, optou-se pelo Notícia Agora
para conquistar o público que nunca teve acesso a jornais (parte da classe “C” e a classe “D”) e que
teria melhorado o poder aquisi- tivo com o Plano Real.
Lena Azevedo destaca que se criou o Notícia Agora para conquistar o novo público que
surgira, mas principalmente para competir com A Tribuna. Esta também é a opinião da atual
editora executiva do jornal, Sandra Aguiar: “O jornal surgiu em um contexto interessante, a velha
briga entre A Gazeta e A Tribuna.
A Tribuna estava ganhando mercado em uma reviravolta espetacular e o jornal tinha um
pouco esse propósito de ganhar, de entrar nessa briga”.
A idéia de criação de um novo jornal ou “Projeto Caparaó”, como era conhecido, existia havia
algum tempo. No final de 1999, a Rede Gazeta contratou a jornalista Lena Azevedo (ex-chefe
de reportagem e pauteira de A Tribuna) para trabalhar como editora, mas não estava definido que
ela elaboraria o projeto.
No início, pensou-se na contratação do jornalista Luis Fernando (de O Dia), porém ele não
aceitou. A convite do então diretorexecutivo do jornal, Plínio Marchini, a jornalista aceitou o
desafio para elaborar o projeto.
Havia uma proposta elaborada por Roberto Muller, diretor de redação de A Gazeta, mas esta,
segundo Lena Azevedo, era totalmente inviável, pois teria apenas 10 jornalistas. Como havia
pessoas em A Gazeta que eram contrárias ao jornal popular, a aprovação do projeto, de acordo
com a ex-editora chefe do Notícia Agora, foi resultado da articulação de Plínio Marchini junto à
empresa.
O projeto gráfico inicial foi elaborado pelo designer gráfico cubano Mário Garcia. Porém,
segundo Lena Azevedo, quem fazia os ajustes necessários era Maria José Pereira, que teve
participação fundamental nesse processo.
Mãos à obra!
A redação foi composta com 45 jornalistas, entre recém-formados e profissionais
estrategicamente contratados de A Tribuna (Weber Caldas, Alba Lívia, Sandra Daniel, Sandra
Aguiar e Érica Lene, dentre outros). Para a montagem da redação, foi efetuado um levantamento e
cada editoria tinha que elaborar uma rede de contatos, visando principalmente à prestação de
serviços. Por exemplo, a editoria de Cidades precisava saber o contato das farmácias, prefeituras,
pontos de táxi etc. Também foi escrito o Manual Básico de Redação do Notícia Agora.
Um mês antes do lançamento do jornal, havia uma simulação diária de reportagens para o
treinamento dos profissionais.
Na semana que antecedeu o lançamento, o jornal passou a ser impresso para avaliar o
entrosamento da equipe. Foi criado um “0800”, para que o leitor pudesse opinar.
Alicerçado em uma grande campanha de marketing, o Notícia Agora vendeu cerca de 35 mil
exemplares em sua estréia, fato que se repetiu nos meses seguintes. Nem a Rede Gazeta esperava
tamanho sucesso, segundo Lena Azevedo. A jornalista afirma que, durante um mês, o jornal vendeu
mais que A Gazeta e A Tribuna nas bancas.
Uma peculiaridade é que não há assinaturas do Notícia Agora, ou seja, ele só é vendido nas
bancas. De acordo com Café, não é viável para a empresa oferecer assinatura, por causa do preço a
que o jornal é vendido. Uma opção seria entregá-lo junto com A Gazeta, mas nem sempre os
jornais ficam prontos ao mesmo tempo.
A escolha do formato tablóide está relacionada com o público alvo (parte da classe “C” e a
classe “D”). Segundo o diretor geral do grupo, Café, “a principal vantagem é que as pessoas que
andam de ônibus acham mais confortável ler um tablóide que um standard”.
A inspiração
O jornal Notícia Agora é resultado de muita pesquisa e foi inspirado em alguns jornais
populares brasileiros. A partir de experiências bem sucedidas no jornal O Dia, surgiu a idéia de
prestação de serviços, matérias mais curtas, destaque para a economia popular, com forte apelo
policial (mas sem muito sangue, destaca Lena). Do jornal Extra, o grande sucesso: as promoções e
o entretenimento.
“Como um dos objetivos era atingir as classes que nunca tiveram oportunidade de comprar
jornal, acrescentaram-se assuntos relacionados à programação televisiva, pois esse público assiste a
muita novela”, observa a jornalista. O entretenimento sempre esteve presente, como no caderno
“Mix Tudo”. Além disso, há destaque para o esporte.
Efeito Anabolizante
Quer uma boa notícia? Hoje vai ser sorteado, às 14 horas, o primeiro leitor que vai levar a TV
de 20 polegadas da promoção “Outubro Premiado”, do Notícia Agora. Quem sabe essa pessoa não
é você? E não faltam motivos para acreditar na sorte.
Além do sorteio de uma televisão por dia, continua a promoção “Chuva de Gols”, que dá um
Gol zero todo mês. (Notícia Agora, Vitória, ES, 04 out. de 2005. Cidade, p. 02)
Ter promoção ligada a produtos de comunicação é um fenômeno relativamente recente e
diretamente ligado à difusão de jornais populares. Em abril de 1998, o jornal Extra (Rio de Janeiro)
lançou a coleção de selos que presenteava o público com um conjunto de panelas. Avaliando o
sucesso de venda que essa e outras promoções propiciaram ao jornal carioca, o Notícia Agora
surgiu com essa proposta. “Se você vai ao supermercado, vê um detergente e, sem pagar nada, leva
a esponja, por que não comprar o detergente?”, comparou a atual editora executiva do jornal,
Sandra Aguiar.
Já no primeiro número do Notícia Agora, foi dada a largada para o grande sucesso do jornal e
das promoções junto ao público.
Além da promoção de panelas do “A hora é agora”, os leitores também concorriam a um carro
0km por mês, através do cupom “Notícia premiada”.
“Isto, no jargão da imprensa, é o que chamam de ‘anabolizante’.
É um instrumento de venda muito bom e tem um efeito grande sobre a circulação”, explicou
Cariê Lindenberg, diretor-geral da Rede Gazeta em 2000.
Essa maneira de “turbinar” o impresso não influenciou no conteúdo editorial do Notícia
Agora. Sandra Aguiar relatou que as promoções não são exclusivamente de jornais populares:
“A Época sorteia DVD e A Gazeta, bolsa de estudos”. Nesse caso, o sorteio funciona como uma
ferramenta auxiliar de venda, uma publicidade.
Ana Paula Costa, jornalista do Notícia Agora desde fevereiro de 2004, acredita que as
promoções até estimulam o repórter: “Se vai vender muito, queremos é fazer bem o nosso
trabalho”.
No biênio 2002-2004, o jornal passou por alguns ajustes (e desajustes) e várias premiações
foram banidas. O impresso, que chegou ao ápice de 45 mil exemplares diários, passou por uma fase
difícil, vendendo não mais que 5 mil jornais. Contudo, no segundo semestre de 2004, foi
implementada a promoção “Chuva de Gols”. A perpetuação de outros “anabolizantes” no jornal
é cada dia mais certa:
[...] Mas essa é apenas uma das promoções que serão realizadas no jornal. O analista de
desenvolvimento comercial do Notícia Agora, Edson Roncato, explicou que o leitor deve
acompanhar o jornal, pois outras surpresas virão em breve. (Notícia Agora, Vitória, ES, 04 out. de
2005. Cidade, p. 02)
Uma coluna “tudo de bom”
Romper com os moldes tradicionais do colunismo e tirar de cena a elite que sempre “aparece”
há 50 anos. Este era o objetivo da “Cena Cult”, coluna inicialmente escrita no Notícia Agora
pelo até então novato Marcelo Said.
Segundo o jornalista, que mora nos Estados Unidos e não escreve mais para a coluna, a idéia
era trazer gente da comunidade mais fora da badalação, fora do circuito Praia do Canto-Ilha
do Frade.
“O Marcelo começou a trabalhar a ‘Cena Cult’ com o mundo gay e com a cultura alternativa
que não tinha espaço. A coluna também inovou no palavreado, conseguiu mudar esse conceito de
colunismo no Estado”, relatou Lena Azevedo.
Qual era realmente a essência da “Cena Cult”? Por e-mail, Marcelo Said fez um relato pessoal
e paternal da verdadeira representação da coluna: “A grande diferença era que todos os
outros jornais estavam falando de eventos caretas, daqueles que só Deus agüenta... do Wall Street
whatever, a Swingers aquilo... please. Precisávamos de coisas novas no pedaço. Sobre a
linguagem jornalística, não tive para onde correr. Como tudo na coluna era fato, mas ainda sim
relato pessoal, decidi por uma escrita coloquial, como aquela fofoca ao pé do ouvido que a gente
adora ouvir, cheia de frases inexistentes, mas com muito sentido. Pois bem, meus leitores se
tornaram parte de um mundo que até então vivia escondido nos guetos capixabas sem chance de
serem ouvidos, mas adoravam fazer graça das muitas ‘flopadas’ da vida”.
Depois que Marcelo Said se desligou do jornal, a “Cena Cult” continuou existindo. Porém, sua
marca pessoal do escrever e transitar no meio não conseguiu ser substituída: “Acho que
quando optei por caminhar para frente e deixar meu bebê... que brejeiro...
para trás, ninguém realmente teve o perfil da coluna ‘Cena Cult’... Ela meio que tem que fazer
parte de quem a escreve, senão a graça perde sentido. A ‘Cena Cult’ sempre foi um retrato das
pessoas que realmente contribuíam de alguma maneira para a emancipação cultural da cidade, seja
ela gay, artística, literária, musical ou o escambal... contribuições culturais totais e intrínsecas ao
desenvolvimento cult da cidade. O resto era ‘bobage’.
Quem sabe quando eu estiver de volta as coisas não se reciclam?
Adoraria reviver a ‘Cena Cult’ um dia”.
Outras inovações
Na área do esporte, a equipe do Notícia Agora percebeu um diferencial que já fazia sucesso
em jornais populares de outros Estados: o futebol de várzea.
“Esta é a paixão que você não imagina, a pelada de periferia”, disse Lena Azevedo. A
jornalista afirma que muitas pessoas compravam o Notícia Agora para ver foto do time do bairro.
A fórmula deu tão certo que perdura até hoje na seção “Torcida Agora”.
Em termos de diagramação, o jornal inovou com a logomarca “flutuante”. Tratava-se de uma
tendência vinda de diários internacionais, nos quais, a cada dia, o nome do jornal localizava-se em
pontos diferentes da primeira página.
Do segundo para o terceiro ano, os responsáveis pelo Notícia Agora optaram por não usar
mais a logomarca flutuante, alegando que isso poderia prejudicar a visualização do jornal pelo
público.
Outro elemento inovador foi a contratação de jovens desenhistas de Carapina que faziam
quadrinhos. “Pagávamos um valor quase simbólico, mas era importante para eles. Era um
trabalho de muita qualidade. Pretendíamos conquistar o público jovem”, frisou Lena Azevedo.
A seção dos desenhistas deixou de existir, pois o público achava os desenhos muito
“sangrentos”.
A crise em pauta
Foi aquele boom inicial. O Notícia Agora vendia mais que picolé na praia em dia quente.
Seis meses após o lançamento, ele oferecia preço acessível (R$ 0,30), promoções interessantes e o
principal, conteúdo similar ao dos demais jornais do Estado.
O jornal tinha 48 páginas diárias e conquistou leitores dos outros jornais, além de formar um
público que antes não tinha acesso a jornal algum. O sucesso, no entanto, transformou-se em uma
crise interna cujo pico está entre os anos de 2002-2004.
“Tivemos uma baixa com uma crise em todo cenário jornalístico do Brasil”, destacou a editora
Sandra Aguiar. A Rede Gazeta, em específico, tinha comprado equipamentos financiados em dólar
e viu, de uma hora para outra, a dívida aumentar em três vezes.
“O Notícia Agora teve que aumentar de preço, diminuiu o número de páginas e perdeu parte
de sua equipe. Foi geral: a Abril demitiu mais de 40”, disse Sandra, sobre o processo de
enxugamento do jornal.
Lena Azevedo, ex-editora, desligou-se da Rede Gazeta no início da crise. “Eu fui o primeiro
corte”, brinca. Nas entrevistas, ela destacou que, desde a montagem, o Notícia Agora foi motivo de
guerra interna: “As próprias pessoas dentro de A Gazeta eram contra o jornal”. Ela saiu da equipe
por divergências com a diretoria de unidade de jornais: “Eduardo Valério quis descaracterizar o
jornal. Ele achava que ia diminuir gastos cortando páginas”.
Lena ainda afirma que Valério estava iniciando a demolição do Notícia Agora, e não era só
questão de economia.
Eduardo Valério desligou-se da Rede Gazeta em julho de 2005 e, atualmente, mora em
Curitiba. Ele respondeu, por e-mail, às colocações da jornalista: “É normal que em projetos novos
haja descrença principalmente pelo desconhecimento integral do propósito do novo jornal e até pela
não-participação da conceituação do produto”. Quanto aos cortes, Valério destaca que
as adequações foram necessárias e pertinentes à época.
A crise estava em pauta e o jornal entrou em decadência. Mais de 12 jornalistas da equipe de
45 foram demitidos, e as vendas diárias do impresso, quando muito, eram de 6 mil exemplares.
Além disso, o jornal custava R$ 0,80, sem oferecer nenhum “extra” para o leitor.
Uma das saídas encontradas para se reerguer o Notícia Agora estava nas velhas fórmulas, ou
melhor, nas promoções. Em 2004, houve o retorno do recorte-selos e do sorteio de Gols. A
própria redação também teve a iniciativa de criar cadernos suplementares para oferecer “algo além
ao leitor, como o Caderno Sua Chance e o Caderno de Torcida.
Enfatizando as notícias locais em detrimento das internacionais e focando a escrita em polícia
e em serviço, o Notícia Agora vem aumentando a sua venda e começando a equilibrar-se.
Segundo a pesquisa Ipsos Maplan 2005, que coletou dados entre janeiro e julho, o jornal
obteve um crescimento de 126,13% em sua circulação em relação ao mesmo período do ano
passado.
Ele ultrapassou 185 mil leitores semanais, dos quais se destaca o público jovem do Espírito
Santo, uma vez que 58% do público do jornal tem entre 10 e 29 anos.
O visual
“Ele tem uma cara diferente, uma diagramação diferente”. Foi com essas palavras que Cariê
Lindenberg resumiu o projeto de diagramação do Notícia Agora. Ele foi desenvolvido para uma
recepção rápida e fácil das matérias pelo público “popular”.
Atualmente, o que se encontra no jornal é uma capa com chamada principal em destaque e
mais três ou quatro “coadjuvantes”.
As cores existentes na logomarca do jornal (vermelho, amarelo, preto e branco) e outras mais
chamativas (verde e azul) são usadas como fundo das chamadas. Também na capa, há a presença de
duas fotos, sendo uma maior que a outra, e de anúncios publicitários das promoções do Notícia
Agora.
Na parte interna, geralmente, duas páginas de cada editoria são coloridas e o restante é em
preto e branco. Muito utilizado, o recurso fotográfico configura-se como uma comunicação
direta dentro de quase todas as matérias. Estas não costumam ter mais que meia página de texto.
“O Notícia Agora trata os fatos de maneira leve”, disse Sandra Aguiar. Esse “leve” está
inserido no formato tablóide do impresso, uma vez que ele é de manuseio mais fácil que os demais
do Estado e, ‘‘diagramalmente’’, consegue suprir as necessidades do seu principal público-alvo
(classes C e D).
Sem perder a linha
Dentro da sua proposta inicial, a linha editorial do Notícia Agora não fugia daquela mantida
pelos jornais populares até então existentes no Brasil: “Reforçamos muito em economia popular,
entretenimento, esporte e polícia, com um tratamento jornalístico”, disse a ex-editora Lena
Azevedo. Além disso, o jornal sempre ofereceu texto curto e linguagem “acessível” para o seu
leitor.
“Com pesquisas e participação do leitor, encontramos a linguagem do jornal. O leitor quer
serviços. O leitor não quer informações rápidas. O que ganho nessa matéria? É útil para quem?
Não é informação pela informação. O repórter busca o que interessa ao leitor e não a si”, resumiu a
atual editora Sandra Aguiar.
Entre as editorias diárias e semanais do Notícia Agora estão Cidade (pautas corriqueiras da
Grande Vitória), Vida Saudável (trata de saúde e religião), Canal do Leitor (local reservado para o
leitor reclamar e expor sua opinião), Polícia, Dinheiro (voltado para uma economia popular),
Concurso/Emprego Agora, Tudo Aqui (ou classificados) e Torcida.
“Assim como no Extra (RJ), o entretenimento e a novela eram muito presentes desde o
começo”, relatou Lena. Atualmente, o jornal conta com uma espécie de caderno cultural, o “Mix
Tudo”.
É nele que entram os jogos dos erros, horóscopos, fofocas, guias de novelas e a cobertura
sobre a vida dos artistas.
Aos domingos, a “Revista Mix” traz, além dos convencionais assuntos “novelísticos”, uma
série de matérias que englobam o mundo da moda, beleza, costura e dicas de psicologia e sexo.
Nesse contexto, o Notícia Agora configura-se como “cotidiano local”, em detrimento do
nacional e do internacional. E, dentro desse local, pode-se verificar uma tendência a se
priorizar, principalmente em chamadas da capa, matérias de polícia (como assassinatos e assaltos) e
de serviços (como vagas para trabalho e cursos profissionalizantes).
“As pessoas se interessam por isso”, disse a jornalista do Notícia Agora Ana Paula Costa. O
destaque para o esporte também é bem amplo. Costuma-se ressaltar as “peladas” locais, com
o futebol de várzea, além de jogos dos times cariocas.
Entre as áreas que o jornal Notícia Agora geralmente não ressalta estão “política” e
“internacional”. Fatos enquadrados nesse hall só são destacados quando mais bombásticos, como
denúncias de corrupção e ataques terroristas (por exemplo, ataque às torres gêmeas, em 11 de
setembro de 2001).
Polícia e preço: estratégias do Notícia Agora visíveis já na primeira edição
Planejamento: 45 jornalistas testaram a produção do jornal por um mês
Notícia Agora chegou a vender 35 mil exemplares na sua estréia
À esquerda e à direita: no começo, a logomarca do Notícia Agora...
...“flutuava” em formato de “U” na primeira página do jornal
Nem só de notícias: campanhas para enfrentar concorrentes
“Cena Cult”: universo GLS e cultura alternativa ganham espaço
Polícia e preço: à estratégia inicial somam-se, hoje, as promoções
Referências bibliográficas
AGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São
Paulo: Summus, 1995.
BARBOSA, Marialva. Jornalismo popular e o sensacionalismo. Rio Grande do Sul, 2004. In:
Verso e Reverso/Revista da comunicação, Ano XVIII, 2004/2, nº. 39. Disponível em:
<www.versoereverso.unisinos.
br/ index.php?e=3&s=9&a=31> Acesso em 10/10/2005.
BERNARDES, Cristiane Brum. A narratividade como categoria estratégica para a produção
de um jornal popular massivo. Rio Grande do Sul, 2004.
In: Verso e Reverso/Revista da comunicação, Ano XVIII, 2004/2, nº. 39. Disponível em:
<www.versoereverso.unisinos.br/index.
php?e=3&s=9&a=27> Acesso em: 14/10/2005 AMARAL, Márcia Franz. A fala popular e a
realização do jornalismo. Belo Horizonte, 2004, Trabalho apresentado ao Núcleo de Pesquisa
02 (jornalismo) do IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom.
Disponível em: <www.adtevento.com.br/intercom/resumos/R1744- 1.pdf> Acesso em: 16/10/2005.
Teletipo. Independent: o feitiço virou contra o feiticeiro. Monitor da Imprensa.
16/12/2003. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.
ig.com.br/artigos/mo1612200396.htm> Acesso em: 16/10/2005 SINGER, Beatriz. The Times
versão tablóide: o triste fim de uma instituição.
Monitor da Imprensa. 16/11/2004. Disponível em: <http://observatorio.
ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=303MON001> Acesso em: 16/10/2005 DINES, Alberto.
Quanto mais muda, mais fica a mesma coisa: jornais emagrecem rumo ao tablóide. A
imprensa em questão. 20/06/1999. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/iq200699.
htm> Acesso em: 16/10/2005 Notícia Agora. Vitória, ES, 03 de mai. 2000. Pra Começar, p.
02 Notícia Agora. Vitória, ES, 04 de out. 2005. Cidade, p. 02
Entrevistas
Sandra Aguiar – Editora executiva do jornal Notícia Agora, em 20/09/2005.
Carlos Fernando Lindenberg Neto – Diretor geral da Rede Gazeta, em 26/09/2005.
Maria Elena Azevedo – Jornalista e elaboradora do projeto do jornal Notícia Agora, em
27/09/2005 e 03/10/2005.
Carlos Fernando Lindenberg Filho, em 27/09/2005.
Ana Paula Costa – Jornalista, em 05/10/2005.
Eduardo Valério – Ex-diretor da unidade de jornais da Rede Gazeta, em 06/10/2005.
Marcelo Said – Jornalista, em 09/10/2005.
Uma paixão chamada
O Diário
Ronald Alves e Thiago Dal Col
No processo de formação do jornalismo impresso, muitos foram os jornais que nasceram, obtiveram
sucesso e morreram, sempre com o objetivo de cumprir a importante função social de informar. No Espírito
Santo, um jornal já falecido – exceto na memória daqueles que o fizeram – estabeleceu-se como o grande
laboratório de formação de jornalistas, num período em que não existiam as escolas de Jornalismo. Esse
jornal foi O Diário.
Este capítulo trata dos 25 anos de existência desse veículo, no período de 1955 a 1980. O Diário
nasceu numa época em que os jornais defendiam claramente uma posição política, pois eram instrumentos
escancaradamente utilizados para essa finalidade;
cresceu e morreu numa das fases mais obscuras da nossa história, a ditadura militar.
Hoje, 25 anos depois de seu fechamento, cabe apresentar uma versão de sua história. O capítulo foi
escrito a partir dos depoimentos presentes no livro O Diário da Rua Sete – 40 visões de uma paixão,
organizado pelo jornalista Antônio de Pádua Gurgel, e de conversas dos autores com os jornalistas de O
Diário Marien Calixte, Milson Henriques e Tinoco dos Anjos.
O jornal O Diário reflete um sentimento contraditório. Primeiro vem o “fascínio”, uma vez que ele
representou, dentro do jornalismo capixaba, todo ideal de liberdade e experimentação que almejam os
jornalistas. No final da década de 1960 e início de 1970, O Diário representava o jornal de vanguarda no
Estado.
Era formado por jovens jornalistas em início de carreira, “focas”
que, com muita garra e disposição, influenciados pelos acontecimentos culturais da época, traziam
esses sentimentos para o jornalismo que faziam. Vemos, por intermédio dos depoimentos apaixonados dos
profissionais, que a criatividade era uma atitude valorizada na redação. Ela levou o jornal a fazer grandes
inovações na imprensa do Espírito Santo.
O sentimento contraditório surge do fato de O Diário em alguns momentos estabelecer um jornalismo
puramente sensacionalista, exclusivamente para vender jornais. Nas suas principais manchetes, estampava a
violência, em letras garrafais, e priorizava o colunismo social.
Nas páginas que vão adiante, temos a pretensão de tentar relatar um pouco do que foi O Diário, na
magia dos depoimentos de quem trabalhou nesse veículo e o trata como uma paixão. Este relato constitui
uma maneira de o leitor entrar em contato com o modo como os jornalistas viam o jornal e como
dialogavam com o público, as histórias, lendas ou não, que ocorreram e marcaram a época, e tudo aquilo
que em parte faz com que O Diário mereça, por diversos motivos, ser lembrado nos livros que contam
a história do jornalismo capixaba.
O maior diário da Rua Sete
O sr. Carlos Lindenberg é diretamente responsável por
tudo quanto tem acontecido de violências policiais, durante o
seu Governo. Da sua inspiração política, dos exemplos de
perseguição que tem dado, da proteção que está dispensando
a esses belenguis policiais – de tudo isto é que nasce e se
revigora o clima de terror e de morte.
Este era o editorial publicado pelo jornal O Diário, em 12 de maio de 1960, assinado por
Plínio Marchini, o diretor de então, que escrevia textos apaixonados em defesa do político
Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho. Uma prática comum, pois os jornais da época eram
controlados por grupos políticos que os utilizavam como arma para combater os adversários.
Este é só um exemplo da instrumentalização explícita da imprensa em tempos idos. Mas a
história dO Diário começou a ser escrita sob o patrocínio de outros “coronéis” da política
capixaba e colecionou, ao longo de 25 anos, muitas curiosidades, orientações e “desorientações”
jornalísticas.
Após a compra dos equipamentos do jornal Folha do Povo, em 1955, O Diário iniciava a sua
circulação, dirigido por membros do Partido Social Democrático (PSD), que havia perdido as
eleições no ano anterior. Nesse ano, o governador era Francisco Lacerda de Aguiar e O Diário
atuava como um jornal de oposição. Nasceu “para manter acesa a chama do PSD”. Trazia em suas
seis páginas, quando começou a circular, assuntos de política, comércio, cultura, com destaque para
cinema e esporte, além de informação nacional de modo geral.
Nesse mesmo ano, por falta de verbas, o jornal foi comprado por Mário Tamborindegui, um
empresário carioca do setor de construção de estradas, que o fez para servir a Chiquinho. Segundo o
jornalista Marien Calixte, “entre 1955 e 1958, o jornal foi usado para torpedear Carlos Lindenberg,
Jones dos Santos Neves e todo mundo que não fosse Chiquinho. Era essencialmente sectário”.
Calixte recupera algumas manchetes, para lembrar o tom extremamente agressivo: “Políticos
querem lotear o ES”, “As oligarquias do PSD...”, “Oligarquia de Carlos Lindenberg...”, “Os
ricos querem dominar o pequeno Estado do ES...”.
No final da década de 50, O Diário passa para as mãos de Chiquinho, que, para não aparecer,
usa como “testa de ferro” seu filho Renato Aguiar e Setembrino Pelissari, um advogado da
ala jovem da União Democrática Nacional (UDN). Por essa época, Chiquinho nomeia Plínio
Marchini para diretor do jornal.
Apesar da ação ofensiva de O Diário, Carlos Lindenberg foi eleito governador em 1958. E
seria, assim, o principal alvo do jornalismo extremamente violento de O Diário, que o atacava com
duríssimas palavras.
Nas eleições para governador de 1962, Chiquinho era novamente candidato, tendo sua
candidatura articulada pelo PRP. A jornalista e pesquisadora Sandra Daniel afirma: “Com
Chiquinho novamente em campanha, O Diário se lançou na cobertura política.
Em julho desse ano, o jornal publicava diariamente o roteiro de viagens do candidato,
enquanto seus editoriais criticavam a ação do PSD”.
Para a política, o jornal cumpria uma importante função, mas não recebia nenhum tipo de
investimento. Segundo Calixte, “era tudo precário, comprado de segunda mão. Só havia dois
linotipos”.
Com a vitória de Chiquinho, os funcionários pensavam que o jornal fosse melhorar. Mas isso
não aconteceu. No entanto, o teor da notícias continuava agressivo contra os adversários políticos.
Em 1964, veio o golpe militar. No início, segundo Calixte, a orientação que chegou à redação
do jornal era que não se provocassem os militares, mas também não se atacasse o ex-
presidente João Goulart, que poderia voltar ao poder. Por isso, a partir de então, o jornal perdeu a
linha habitual e passou a se dedicar a assuntos de polícia.
Não seria uma boa fase nem para Chiquinho nem para O Diário.
O ano de 1965 foi tumultuado para o Espírito Santo. Sandra Daniel conta que “um dos
resultados da teia de intrigas construídas a partir de 1964 seria o afastamento de Francisco Lacerda
de Aguiar no ano seguinte, vitimado pelas acusações de corrupção”.
A jornalista afirma que “as denúncias foram lançadas por jornais cariocas em setembro, dando
conta de uma possível ligação do governador a casos de corrupção e a elementos subversivos”.
O Diário continuava sendo usado para contra-atacar os inimigos políticos. No entanto, não lhe
era dada a devida importância.
“Chiquinho não dava a mínima para o jornal, que era usado por Setembrino apenas como
instrumento para escrever contra Carlos Lindenberg e o PSD”, afirma Calixte.
Em abril de 1966, Chiquinho renunciou ao cargo de governador, mesmo sendo absolvido pela
Comissão Especial criada na Assembléia para investigá-lo. Com sua saída do Governo,
Christiano Dias Lopes é eleito governador do Espírito Santo pela Assembléia Legislativa. Os
representantes de Chiquinho vendem suas cotas. A partir daí, O Diário passaria a ser dirigido por
Edgard dos Anjos, em cujas mãos viveria seus momentos de glória, na década de 1970.
O Diário da Ditadura
Edgard dos Anjos assumiu o jornal e não existia uma direção específica. A idéia era fazer
daquele espaço um grande laboratório.
Para Calixte, “O Diário era tido como de esquerda, mas, na verdade, não tinha nada de
esquerda e nem de direita. Era um jornal sem ideologia definida”.
Nessa fase, as principais manchetes eram informações internacionais e assuntos de polícia,
além de temas mais suaves, como enquetes sobre comportamento. As notícias sobre a vida social da
cidade ganhavam destaque, em detrimento da discussão política.
“Havia muitas colunas e espaço para articulistas, críticos de arte e cronistas. Havia seções e
colunas dedicadas à ‘sociedade’ e à cultura”, detalha Sandra Daniel.
No último ano da década de 60, a linha política adotada anteriormente pelo jornal estava
praticamente abandonada. Prevalecia a editoria de Polícia. Tanto que aí se registou a maior
venda de exemplares do jornal na sua história, com a cobertura da ação do Esquadrão da Morte,
famoso grupo formado por policiais civis, no final dos anos 60, que decidiram agir como
justiceiros, caçando e eliminando os bandidos, sem levá-los à Justiça.
Marien Calixte relatou que O Diário se relacionou com o Esquadrão da Morte de uma maneira
“curiosa”. “Embora se falasse contra as chacinas, os delegados ligados ao Esquadrão viviam
na redação, costumavam beber cerveja com o pessoal e alguns deles até escreviam matérias, dando
a versão da Polícia”.
Segundo Calixte, esta era uma estratégia, pois, “mesmo falando contra o Esquadrão da Morte,
o jornal sempre tirava da reta a cara do pessoal que o integrava. Não havia uma posição radical do
jornal de denunciar o Esquadrão”.
Com a cobertura desses crimes, o jornal, que tinha uma tiragem diária de três mil exemplares,
passou a rodar de três a quatro vezes mais jornais por dia. Com isso, segundo Pedro Maia, o público
capixaba aprendeu a ler jornal e passou a procurá-lo na banca.
Esse fato está na lembrança de muitos jornalistas quetrabalhavam e fizeram seus registros
no livro organizado por Gurgel em 1998:
“O Esquadrão foi um escândalo e, por isso, um filé mignon
para a cobertura jornalística”. (Tonico dos Anjos)
“O jornal era combativo, publicava reportagens especiais e se
destacou na cobertura do Esquadrão da Morte. A linha
editorial era popular, mas tinha de tudo”. (João Luís Caser)
“O jornal teve seus grandes momentos. Nos tempos do
Esquadrão da Morte, vendia igual água. Era um jornal
simpático, todo mundo gostava”. (Oscar Rocha Junior –
Boquinha)
“Era noite e dois camburões da Polícia passaram com destino
à Barra do Jucu. Era o início da maior manchete policial da
história do jornalismo capixaba: o Esquadrão da Morte. A
notícia demorou 24 horas para explodir. Foi uma manchete
garrafal, com letras que eu nunca vira iguais: 11 Cadáveres”.
(Gérson Camata)
O período que se segue é marcado pela grande contradição que norteou os anos 70 na redação
de O Diário: o jornal passa por grandes dificuldades financeiras, mas funciona como a
grande escola de jornalismo do Espírito Santo.
Uma novidade que se apresentou foi a idéia de se fazer o jornal vespertino, que vigorou em
1971. Quem dirigia o jornal era Cláudio Bueno Rocha. A edição da tarde circulou por cerca de seis
meses. Ela tinha por finalidade matar todos os assuntos dos jornais concorrentes. “Então, no outro
dia, de manhã cedo, eles teriam que dar matérias que já tinham saído em O Diário. O jornal virou
vespertino exatamente com essa finalidade de antecipar a notícia”, registrou José Maria Batista.
Mas, segundo Pedro Maia, essa estratégia “não podia dar certo, porque as bancas de Vitória
naquela época fechavam às seis da tarde. Mesmo com aquela porrada de garoto vendendo jornal
na rua, a situação ficou insustentável”.
Ser um jornal vespertino foi somente uma das várias inovações feitas por O Diário no
jornalismo capixaba ao longo de sua existência.
O jornal da Rua Sete, como era conhecido, foi pioneiro no Estado em diversos aspectos. Para
Cacau Monjardim, falar de economia foi uma inovação, “porque naquela época ninguém falava em
economia. A coluna (Poltrona B) passou a ser leitura obrigatória dos empresários do Estado”.
Segundo Monjardim, o jornal foi pioneiro também na veiculação de cadernos especiais, lançando
dezenas deles a partir de 1957. O primeiro suplemento se chamava Jornal Social e era assinado por
Hélio Dórea e Elcio Álvares. Para Tinoco dos Anjos, “no Espírito Santo, as noções modernas de
jornalismo foram experimentadas primeiro em O Diário, onde pela primeira vez se desenvolveu a
concepção de segundo caderno”.
O Diário foi pioneiro dentro do Espírito Santo justamente por se propor a experimentar. Do
movimento cultural às inovações editoriais e gráficas, da luta contra a ditadura com um
enfrentamento alegre e independente ao lançamento de colunas e cadernos diversos, o jornal sempre
inovou e por isso sobrevivia, mesmo sem recursos financeiros. Era uma luta para deixar o jor- nal
mais atraente e competitivo. Na técnica, era um jornal de vanguarda, mas a tecnologia não ajudava.
Os jornalistas tinham de fazer verdadeiros milagres.
Houve um tempo em que os jornais eram formados basicamente por textos. O Diário foi o
primeiro a empregar fotógrafo, bem como a montar um departamento fotográfico próprio. Foi
também que se iniciou um grande sucesso: estampar na mesma edição fotos relativas ao fato
noticiado. Da mesma forma, inovou ao ser o primeiro jornal capixaba a instalar um sistema
de radiofoto, que depois passou a se chamar telefoto. É creditado também a O Diário o primeiro
telex que funcionou num jornal do Espírito Santo.
Segundo George Bonfin, lá aconteceu inovação também na comercialização, que deu bons
resultados. “O comum, até então, era o cliente fazer com o jornal um anúncio só, apenas
uma publicação. E eu criei na época o formato diferente, que comprometia o cliente com o jornal,
quer dizer, um contrato. E o cliente passava a anunciar três meses, seis meses”.
Tinoco dos Anjos relata que, por essas e outras, O Diário foi um jornal inovador. “Além dos
equipamentos, ele também inovou na linguagem, na diagramação e no conteúdo”.
O preço da liberdade
O sonho de todo jornalista de hoje é poder escrever o que pensa e o que sente sem se
preocupar com a pressão do mercado nem com a aceitação do texto pelo editor. No Espírito Santo,
um jornal permitiu essa experiência: no jornal O Diário havia liberdade de expressão nos termos
que o jornalismo hoje não conhece.
Liberdade de conteúdo e de forma. Era o período em que, na direção, estava Edgard dos Anjos
e também Cláudio Bueno Ro- cha. Sempre havia chance para quem não tinha experiência.
Em contrapartida, recursos financeiros nunca foram o grande forte do jornal, desde sua inauguração.
Sendo assim, existia liberdade, mas o salário do jornalista era coisa incerta. “NO Diário,
podiase escrever com liberdade e fazer o que se quisesse, mas no final do mês não aparecia
dinheiro”, revela Calixte.
Na verdade, nesse período, O Diário recebia muitos jovens dispostos a aprender a escrever, a
fazer jornalismo e que, de certa forma, não estavam muito preocupados com o retorno
financeiro que a atividade pudesse dar. Os depoimentos comprovam que nem sempre o salário era a
coisa mais importante para aqueles jovens jornalistas:
“Todo dia era diferente. A gente tinha um amor danado. Nem
importava se o salário estava atrasado ou se ganhávamos
pouco. Às vezes, a gente ia prá oficina de madrugada ver os
caras montando. Era como se o pessoal que trabalhava lá
fizesse parte da nossa família”. (Mariângela Pellarano)
“A coisa mais importante que O Diário promoveu na
imprensa capixaba foi a liberdade de criar, para se produzir.
Tanto que mesmo os jovens jornalistas podiam ter suas
colunas.” (Rubinho Gomes)
“Éramos todos muitos jovens, O Diário tinha descoberto uma
maneira barata de fazer jornal com estagiários. Embora isso
pareça uma coisa antipática, ao mesmo tempo tinha uma
faísca de renovação.”
(Rosental Calmon Alves)
“Efetivamente, a redação dO Diário oferecia possibilidades
de aprendizado. Estávamos motivados.
Foram contratados também profissionais maduros.
Com grande bagagem e experiência. Um detalhe:
era permitido errar.” (Antônio Rosetti)
“Pra mim, O Diário foi a maior escola de jornalismo que o
Espírito Santo já teve. Não tem Universidade, não tem o que
se compare. A gente aprendia com a dificuldade. [...]. Embora
houvesse dificuldades e a gente recebesse o salário em
parcelas semanais a título de vale, uma coisa era certa:
ninguém ficava duro no final de semana.” (Oscar Rocha Jr. –
Boquinha)
“Para quem tinha boa vontade e entusiasmo, O Diário
ensinava um pouco de tudo – diagramação, fotografia, revisão
– e foi lá que obtive essa ‘cultura geral’ de jornalismo, esse
treino exaustivo que me permite saber os segredos da
profissão.” (Paulo Torre)
Vinte e cinco anos depois de sua fundação, por dificuldades financeiras – eterna pedra no
sapato –, O Diário fecha. O fim não poderia ser menos tumultuado. Pertencia ao advogado
José Maria Ramos Gagno.
De acordo com o último proprietário, quando ele adquiriu o jornal, no ano de 1980, havia uma
dívida crônica com a Previdência Social e com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, com
inadimplências que ultrapassavam os dez anos. O jornal encerrou suas atividades sem o
conhecimento dos jornalistas, o que gerou revolta.
Gagno relata os últimos dias de O Diário: “No período em que dirigi o jornal, 64 famílias
viviam dele. Mas a situação estava insustentável.
Havia créditos, mas não se conseguia receber. Fechar o jornal com os funcionários dentro seria
impraticável. Então, eu fui lá e deixei terminar a edição de domingo no sábado de ma- drugada. No
domingo, eu lacrei o jornal e, na segunda, não deixei que ninguém trabalhasse mais”.
Estava encerrada, assim, a história de um veículo de comunicação sem igual na história do
jornalismo capixaba. Nas palavras de Sandra Daniel, “um jornalismo rico em colunismo e seções
de variedades, arauto da efervescência cultural que marcou época.
Nas palavras do fotógrafo Paulo Makoto, “os frutos da experiência, no entanto foram
proveitosos, pois outras empresas colheram os profissionais jovens, mas bastantes amadurecidos.
Histórias de O Diário
Quando compraram as máquinas e fundaram O Diário em 07 de Julho de 1955, os pessedistas
não tinham idéia do que estavam iniciando. A razão era defender os ideais do PSD e fazer
oposição ferrenha ao então governador Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho. Essa ação daria
início a uma das histórias mais ricas do jornalismo capixaba, talvez a maior delas por sua
singularidade.
Em meio a tanta perseguição ao governo de Chiquinho, foi criado o trocadilho “Odiário”, que
se remete a odiar. A ligação entre jornais e grupos políticos nessa época se mostrava
explícita, diferente do camuflado jornalismo contemporâneo. Quando abria o jornal, o leitor sabia a
quem este pertencia, pois era evidente se era do governo ou da oposição.
Os anúncios eram raros nos jornais. Dessa forma, salvo alguns casos, só entrava dinheiro
quando alguma personalidade queria atacar ou ser defendida. Mantinham aquele veículo como
arma para lutar nas eleições. Para os jornalistas, a atração era o salário pago pelos seus patrões. Mas
nem sempre. A vontade de escrever e ser jornalista em O Diário ultrapassava a fronteira entre
patrão e empregado. A prova é que, muitas vezes, os jornalistas permaneciam sem receber, quando
não recebiam menos do que era de direito. Estavam na redação pela vontade de mostrar suas
idéias impressas naquele papel, e O Diário apaixonava.
A diferença entre o maior diário da Rua Sete e os concorrentes estava em sua organização.
Enquanto nos outros as coisas funcionavam tranquilamente, em O Diário funcionavam na marra
e na raça, em um trabalho realizado por amigos dentro da redação.
Tudo era pensado e realizado pelos jornalistas e isso o diferenciava.
Pois aquela desorganização, para eles, era sinônimo de liberdade.
Este era o charme do jornal.
Como nem sempre havia profissionais à disposição do jornal, alguém tinha que fazê-lo ir para
as bancas no outro dia. Assim, formaram-se profissionais que sabiam de tudo dentro da empresa.
Muitas vezes, o repórter tinha que descer até a gráfica para trabalhar como linotipista, tituleiro,
emendador e tantas outras funções que não existem mais nas redações. O profissional
era praticamente forçado a passar por todas as áreas do jornal, tanto técnicas quanto de produção de
notícia. Difícil era achar alguém que ainda não tinha escrito uma coluna dos mais variados
assuntos, fotografado, editado e tudo o que mais fosse preciso fazer.
E tal fato não era visto como dificuldade, mas como uma oportunidade.
Dessa forma, O Diário se tornou uma escola de formação de profissionais do jornalismo, cuja
maioria, posteriormente, rendia-se aos melhores salários e à segurança dos empregos nos veículos
concorrentes.
Transformar O Diário em escola do jornalismo capixaba foi realização dos próprios
jornalistas. Apesar de, em um momento da década de 1970, publicar na primeira página o anúncio
“Você quer ser jornalista?”, para depois fazer uma seleção, O Diário sempre teve como
característica formar bons jornalistas. A dinâ- mica do jornal parecia ser a seguinte: quem quer ser
jornalista só precisa chegar até a redação e pegar a sua pauta. Segundo Pedro Maia, os pauteiros
mandavam os “focas” para o Departamento Médico Legal, para o morro (favela), sempre locais
ruins. Se eles gostassem iam continuando. Como a história mostrava, poderiam até virar diretores
ou o que quer que almejassem. A oportunidade sempre era dada.
A liberdade para errar era enorme, e não havia burocracia no jornal. Isto fascinava alguns e
assustava outros. Quando entrou na redação de O Diário, na segunda metade da década de
1960, Eloy Nogeira se assustou. “Aquilo não era jornal. Era a casa onde um doido chamado Otávio
Lisboa fazia, sem dinheiro, alguma coisa impressa e oferecia aos capixabas”. Essa liberdade para
se escrever o que quiser era tudo para os jornalistas.
Os jornalistas pareciam surgir ao acaso para O Diário. Não são poucos os casos de pessoas que
do nada se tornaram profissionais de imprensa. Um dos pré-requisitos básicos era conhecer alguém
do jornal. Paulo Maia diz que seu pai conhecia Rosendo Serapião, que dirigiu o jornal no final de
1956. Dessa forma, pediu ao amigo para ajudá-lo, pois seu irmão Pedro Maia não queria estudar.
Serapião sugeriu mandar o garoto com 16 anos para trabalhar como jornalista. Na verdade, ele
começou varrendo a redação, mas a oportunidade surgiu e ele se tornou jornalista. O mesmo
aconteceu a Paulo Maia, com 14 anos.
Na época em que colocavam anúncio no jornal chamando jovens para serem jornalistas, um
jovem entrou na redação para entregar um livro a um amigo. Rogério Medeiros, fotógrafo de
O Diário na década de 1960, diz que o pauteiro confundiu o rapaz com um candidato e lhe deu uma
pauta. Ele fez a matéria e se tornou jornalista. O nome desse jovem é José Casado, hoje na revista
Época. Erildo dos Anjos foi quem arranjou uma pauta pra ele, que fez a matéria e gostou do
negócio.
Quando Francisco Henrique Borges chegou à redação de O Diário, imaginou que seria
tranqüilo, pois já tinha escrito matérias para outros jornais. Enganou-se. Tão logo entrou,
jogaram uma máquina fotográfica em suas mãos e lhe deram uma pauta fotográfica. Mesmo sem
saber usá-la direito, foi para o campo.
Ele confirma a lenda de que voltou se gabando das boas fotos que tinha feito. Alguém
perguntou onde estavam e ele abriu a máquina e velou todo o filme. Tal fato fez com que Paulo
Torre o promovesse de foca para bagre. Desde então este é o seu apelido.
Os jornalistas sempre lembram de fatos que misturam o aprendizado com o humor. Era pura
diversão.
Existiam casos de pessoas que iam para O Diário sem saber escrever e aprendiam dentro da
própria redação. Antônio Alaerte foi um desses. Ele chegou a publicar textos nos quais escrevia
a palavra operário com “h”. Por isso que muitos zombavam, dizendo que “se a pessoa é analfabeta e
gosta de escrever, não tem problema; dá um pulo nO Diário que aprende”.
Admitindo o inadmissível, O Diário era usado como porta de entrada. Depois que o jornalista
aprendia nO Diário, os outros o compravam. O jornalista Hely Edson, que trabalhou como editor de
internacional em 1973, disse que Cláudio Bueno Rocha chegou a anunciar alguns jornalistas em um
Classificados, pois a situação financeira não estava boa. Na verdade, nunca esteve.
Outro exemplo de nenhum purismo nas regras foi contado por Oscar Rocha Jr., o “Boquinha”,
que não se poderia reportar a não ser da mesma forma como ele registrou:
“Havia um rapaz, o Didinho, halterofilista, fortão, dois metros
de altura. Eram revisores, ele e o Edvan, um rapaz magrinho.
Um lia a matéria original do repórter, corrigida a caneta; o
outro acompanhando a leitura na prova impressa. Quando
havia um erro, paravam a leitura para conferir. O aviso de
erro era uma batida na mesa.
Didinho não era muito bom de português, e tropeçou num
nome:
- Asdrúbal.
Edvan bateu na mesa:
- Asdrúbal.
Didinho insistiu:
- Asdrúbal.
Edvan corrigiu outra vez, já não muito certo se devia.
Didinho perdeu a paciência, deu uma porrada na mesa e
gritou:
- As-dru-bal!
E ficou por isso mesmo.”
Cada editoria só podia usar uma foto por semana, por economia de clichês. Os antigos clichês
eram usados centenas de vezes por ano. Utilizavam uma foto com um treinador antigo do Flamengo
e davam como legenda: “O Flamengo, que já teve o Fleitas Solich como técnico, ganhou de
tanto...”. Esse treinador já estava no Uruguai havia meses e ainda aparecia em O Diário.
Outra maneira de se conseguir uma imagem desejada era posicionar a câmara na frente da TV
na hora do Jornal Nacional e fazer a foto. Na manhã seguinte era capa de O Diário. Tudo era
válido quando o negócio era vender jornal e furar o concorrente.
Quando as manchetes de capa não apareciam, elas eram arranjadas.
Pegaram duas calotas de carro, colaram uma na outra e jogaram de cima do Penedo. Makoto
fotografou e deram como se um disco voador sobrevoasse Vitória. O Diário botou na capa com
manchete em letras garrafais, como era de costume. Os jornais locais, O Globo, JB e outros também
trabalharam o assunto.
Até a Aeronáutica investigou. Três dias depois, O Diário mostrou na primeira página o
lendário Américo Rosa com as calotas debaixo do braço.
Américo Rosa era um contínuo que trabalhava em O Diário.
Conhecido por toda cidade, ele vivia cantando pelas ruas a música de Afonso Abreu “Os
peixinhos do mar”. Ele dividia suas horas entre andar pelas ruas, pelo hospício Adauto Botelho
e pela redação de O Diário. Fazia o café para os jornalistas em seu fogareiro a querosene. Os
jornalistas dizem que o café era horrível, mas todos tomavam sem reclamar. Rosa parou de fazer
o café quando ateou fogo no jornal e destruiu a redação. A salvação é que Edgar dos Anjos tinha
feito o seguro do prédio poucos dias antes. Acredite se quiser: todos afirmam que o incêndio
em momento tão propício teria sido pura coincidência.
Tendo sempre em mente o lema de “ganhar pouco sim, mas se divertir”, os jornalistas sempre
criavam histórias. Paulo Bonates diz que, certa vez, armou para cima de Renato Cascata.
Percebendo que o amigo estava precisando de uma pauta, ligou para ele de outro telefone da
redação. Bonates se identificou como Kleber Andrade, presidente do time de futebol Rio Branco, e
disse que em uma semana se realizaria um torneio em Vitória com o Flamengo, o Santos de Pelé, o
Milan da Itália, a Desportiva e o Rio Branco. Todos riam na redação, inclusive Tinoco, editor
de Esportes, mas Renato não percebeu. No outro dia era matéria de capa com a seguinte manchete:
“TORNEIO MONSTRO”.
Kleber Andrade culpou o presidente da Desportiva, mas nada aconteceu. Esse fato seria
justificativa de demissão em qualquer outro jornal, mas tinha acontecido em O Diário.
O jornal era feito por uma família, em todos os sentidos. Sabendo de suas deficiências, eles as
compensavam com criativi- dade e diversão. Para defender o jornal, não foram poucas as vezes em
que empunharam armas. Paulo Maia contou que, certa vez, souberam que seriam “visitados” pelos
seguranças do então governador Carlos Lindenberg, pois ele não estaria satisfeito com as
esculhambações diárias que sofria do jornal. Quando os carros dos capangas do governador
chegaram, alguém que estava escondido gritou: “Não desce que morre”. Os carros desceram a
ladeira próxima a O Diário em alta velocidade. Até hoje, não se sabe quem gritou. O fato foi
comemorado como uma vitória em campo de batalha. Não deixou de ser.
O hábito de andar armado para se defender dos atentados era tão comum que são inúmeras as
histórias a esse respeito. Paulo Bonates conta que um delegado chamado Barreto, que
também trabalhava na redação de O Diário, levou uma bala de festim e deu um tiro dentro da
redação. Fernando Jakes Teubner, o Jakaré, caiu e gritou: “Tô ferido, tô ferido”. Estes e outros
casos de tiros acidentais são lembrados por quem participou de O Diário.
Outra área de bastante trabalho no jornal foi a de horóscopo.
Jornalistas como Carmélia Maria de Souza e outros escreviam para ela. Nada de esotérico, e
sim pura criatividade. Rogério Medeiros registrou que Edgard dos Anjos sempre exigia que o
único carro da redação fosse levar o jornal na sua casa todos os dias, até que se descobriu que era
para sua empregada, que lia apenas o horóscopo e seguia à risca suas instruções. Daí então os
jornalistas começaram a enviar mensagens diretas e nominais para a empregada. O “horóscopo”
mandava pedir aumento, falando que o patrão era desonesto com ela, para não obedecê-lo e
muito mais. Até que Edgard acabou com o horóscopo do jornal.
Beber e fumar não se restringia aos botecos como o Britz Bar.
Até mesmo dentro dos jornais o hábito era freqüente. Segundo Paulo Maia, para acompanhar
as biritas e o carteado, sempre caçavam um tira-gosto. O mais freqüente era carne de gato.
Os felinos eram atraídos com pequenos pedaços de carne e alguém os acertava com uma das peças
da gráfica, mais especificamente com o brete da impressora, um cano grosso de ferro. O
preparo ficava por conta de Dequinha, outra figura folclórica do jornal, que cozinhava e pendurava
a cabeça do bicho em um poste próximo à redação. Enquanto preparavam o jornal, serviam-se de
carne de gato. Certa vez, o governador Francisco Lacerda de Aguiar chegou justamente na hora que
o bichano era feito. Questionou o que seria e falou que se o pessoal de O Diário comia gato, ele
também comeria. Prepararam seu pratinho com pirão e ele se satisfez bebendo um vinho. Ao sair,
brincou: “Eles pensam que me enganam. Vê se isso é gato...”. Foi então que alguém lhe apontou a
cabeça do gato pendurada no poste.
O tira-gosto de gato não durou muito tempo em O Diário. Dequinha, por azar, matou a gata
angorá de uma vizinha do jornal.
Quando viu a cabeça do gato pendurada, a mulher desmaiou. A Polícia foi acionada e, desde
então, foi proibido comer gato no jornal.
Todas essas características se refletiam no produto final. Quando, em 1969, a ditadura militar
chegava a seu auge, por meio do AI 5, Antônio de Pádua Gurgel voltava a Vitória, cidade
provinciana, e verificava que, dentro desse contexto, existia esse jornal que fugia aos padrões do seu
tempo, estando na vanguarda do jornalismo capixaba.
Gurgel relata que observou uma manchete que lhe chamou a atenção: “EU NÃO
SEQUESTREI O EMBAIXADOR ALEMÃO, SÓ O AMERICANO”. Era uma manchete que
cobria quase metade da primeira página do jornal e lançava uma entrevista exclusiva com Franklin
Martins, até então na clandestinidade.
Essa matéria estimularia Gurgel a posteriormente organizar o livro “O Diário da Rua Sete –
40 versões de uma paixão”.
Britz Bar: uma extensão de O Diário
Depois de “tediosos” dias de trabalho, nada mais merecido do que um pouco de diversão. Os
jornalistas de todos os principais jornais de Vitória sempre se reuniam no Britz Bar. Era como uma
extensão das redações, principalmente a de O Diário, que ficava pertinho do bar. Dino Gracio disse
que o Britz “era o centro boêmio-pensante da cidade”. Tanto é verdade que Milson Henriques, em
O Diário, criou a tirinha Britiznics, segundo ele, “uma homenagem à patota de jornalistas,
intelectuais (falsos ou não), boêmios, artistas, esquerdistas e zoneiros em geral que freqüentavam o
saudoso Britz Bar”.
Muitos jornalistas, ao falarem de O Diário, lembram desse bar.
Rosental Calmon Alves disse que guardaria seu primeiro salário.
“Mas aí, passei no Britz e gastei”. Gerson Camata lembrou que “trabalhava o dia todo e pela
madrugada descia para o Britz”.
Aquele bar não era só para tomar cachaça e fumar, pois isto não deixava de ser feito dentro de
O Diário. Era nele que os jornalistas se encontravam com os amigos de outras redações e sabiam
o que seria publicado no outro dia, quem daria furo no concorrente.
Camata ainda recorda de Milson Henriques desenhando o Britznics dentro do Bar.
Na ditadura, os censores proibiam os jornais de veicularem certos assuntos, muitos deles
desconhecidos pelos próprios jornalistas.
Ao perceberem que poderiam informar de outra forma, criaram o jornal mural dentro do Britz,
em 1974, e lá publicavam de tudo. Hely Edson, que trabalhou como editor de Internacional de O
Diário, disse: “Era uma coisa muita divertida, porque o Paru, dono do Britz, fez uma redação pra
gente lá, botou máquina de escrever no Bar. A gente chegava lá, tomava todas, escrevia o que
queria e pregava no mural”. A Polícia descobriu, cercou o quarteirão e levou todo mundo para o
quartel de Vila Velha. A partir de então, o censor visitaria freqüentemente o Britz Bar.
O Britz ficava na Rua Gama Rosa, próximo à Igreja do Carmo e ao Colégio Nacional. Com a
mudança de eixo do Centro de Vitória para as periferias, por volta do início da década de 1980, o
bar não agüentou e fechou as suas portas. Ele abriu posteriormente na Praia do Canto, mas também
não foi para frente. Jairo Brito, ex-redator de Cultura do “maior jornal da Rua Sete”, diz que o Britz
“lembra aquelas ilhas da Polinésia, sempre com farto material à disposição de antropólogos em
busca de teses”.
Referências bibliográficas
GURGEL, Antônio de Pádua. O Diário da Rua Sete: 40 versões de uma paixão. Vitória: Contexto Jornalismo &
Assessoria Ltda, 1998.
Entrevistas
Antônio de Pádua Gurgel – Jornalista, em 22 set. 2005, aos autores.
Marien Calixte – Jornalista, em 29 set. 2005, a Thiago Dal Col.
Milson Henriques – Chargista, em 30 set. 2005, a Ronald Alves.
Tinoco dos Anjos – Jornalista, em 07 out. 2005, a Vitor Bourguignon.
Jornal da Cidade
Kênia Freitas
Ponto de partida
Uma pilha de jornais dobrados, amarrados e empacotados em uma estante escondida e
abarrotada da Biblioteca Pública Estadual.
Em 2005, estes são os exemplares do extinto Jornal da Cidade.
Estão ali guardadas, sem precisão cronológica, praticamente todas as edições de 1985 até
1992, ano de seu fechamento. São oito páginas impressas na linotipo com chumbo derretido
(agora artigo de museu ou de decoração, como na porta da Rede Gazeta), o que explica sua evidente
baixa qualidade visual.
É desafiador o exercício de imaginar que aquelas páginas agora mofadas já foram um jornal
vibrante. Na capa de algumas edições, está até estampado um orgulhoso: “segundo jornal mais lido
da Grande Vitória”. O jeito é seguir o conselho da bibliotecária e usar máscara e luva, para
descobrir um capítulo da história da imprensa capixaba que se esconde atrás de tanta sujeira.
O jornal chapa branca da ditadura
O Jornal da Cidade começou a circular em 1972; primeiro, como um semanário, mas logo
ganhando a periodicidade diária. Seus proprietários, Djalma Juarez Magalhães e sua esposa Maria
Nilce dos Santos Magalhães, compraram o que era então o Jornal O Debate.
Fundado por deputados do MDB, O Debate era dirigido por Carlito Von Schilgen. Sua
proposta era fazer oposição ao então governador biônico Christiano Dias Lopes. Não deu certo.
Foi entregue ao radialista Oswaldo Oleari e, duramente reprimido pela ditadura militar, o jornal
fechou, sendo comprado por Djalma e Maria Nilce, recém-saídos de A Tribuna. O Debate
estava falido, então nós o compramos, sem dinheiro, sem nada”, explica Djalma Magalhães.
A aquisição do Jornal da Cidade pelo casal aconteceu após um racha com o jornal A Tribuna,
depois que este foi comprado pelo industrial João Santos. “Antes, eu dirigia o jornal e Maria
Nilce era colunista social. Mas fomos demitidos por pressões políticas e de membros da alta
sociedade, inconformados com nosso posicionamento independente como jornalistas”, completa
Magalhães.
Diversos jornalistas passaram pelo jornal em suas duas décadas de existência: Xerxes Gusmão
Neto, Carmélia Maria de Souza, Rubinho Gomes, Amylton de Almeida, Zuleika Savignon,
César Viola, entre outros citados nostalgicamente pelo proprietário.
Fundado em pleno regime militar, o jornal seguiu uma linha editorial declaradamente
conservadora. “O jornal era muito direitista.
Até porque o Djalma era ligado aos militares. Foi como ele angariou alguns fundos para
começar o jornal”, diz Zuleika Savignon, que trabalhou na redação de 1985 até 1989. “Então, eu fui
chamada junto com o Graciano Dantas, para dar um toque mais democrático e leve ao jornal. Ele
mantinha o seu editorial assinado que era conservador e nós fazíamos uma outra linha”, lembra
Zuleika. Para Djalma, essa questão era simples: “O jornal não apoiava a oposição que se fazia na
época. Até porque, se apoiasse, não teria como sobreviver, como O Debate não sobreviveu”.
Estrutura e desestruturas
A redação funcionou em vários lugares. Quando o jornal fechou, em 1992, a sede era na César
Hilal, no Largo das Compras.
Muitos jornalistas tiveram passagem relâmpago por sua redação, até porque os salários eram
pagos semanalmente, desqualificando um vínculo empregatício. Segundo Zuleika Savignon,
eram poucos os jornalistas contratados. Dois na redação e mais alguém que cobria a Polícia. No
começo, Djalma Magalhães escrevia praticamente todo o jornal sozinho. O resto era de
colaboradores.
Maria Nilce escrevia sua coluna em seu escritório e mandava o motorista levar. “As pessoas
que trabalhavam lá não tinham certos direitos, como férias e décimo terceiro. Nós da redação
recebíamos tipo free lancer”, explica Zuleika Era notoriamente um jornal muito pobre tecnicamente
e sem recursos. A composição de texto era do tipo caixa, as fotos eram em clichê e o jornal só tinha
uma cor. “Ele era feio. O formato de diagramação era muito provinciano. Não tinha um layout
afinado com a época. Não era nem diagramado, ele era composto à mão”, recorda Álvaro Nazaré,
contratado para mudar, repensar sua composição.
Nessa época, Djalma Magalhães tinha adquirido uma linotipo, uma máquina obsoleta que
havia sido substituída pela fotocomposição. Mas, para o Jornal da Cidade, foi um avanço.
Maria Nilce tinha o desejo de fazer o jornal em off-set. Sendo a diretora financeira da
publicação, ela conversou com diversos jornalistas para tentar implementar a mudança. “Ou por
bem ou por mal ela botava o dinheiro lá dentro. Principalmente depois que o regime militar acabou,
porque o Djalma ficou sem as rendas que ele tinha”, explica Zuleika. Sendo o dínamo do jornal
em termos financeiros, Maria Nilce fazia cadernos especiais, lançava livros, para angariar fundos
para o jornal. Mas a mudança nunca aconteceu de fato.
Segundo Antônio Moreira, que começou a trabalhar no jornal em 1974, fazendo fotos para o
jornal e para Maria Nilce, o Jornal da Cidade não tinha estrutura. “Não havia sócios. Era um
jornal do Djalma e da Maria Nilce. Vivia de anúncios e assinaturas que a Maria Nilce arranjava, e
dos bons relacionamentos políticos do Djalma. Não entrava nenhum dinheiro além disso”,
afirma Moreira.Tinha só um carro para fazer tudo: entrega, cobranças, levar material, etc. Não
tinha um carro de reportagem, os jornalistas tinham que se virar. O jornal não tinha uma equipe na
rua, só fazia cobertura em ocasiões especiais. No conteúdo, era um jornal ou fofoqueiro ou de
fofoca política”, continua Moreira.
A falta de estrutura não parava por aí. Tânia Trento e Marilda Rocha, que trabalharam na
seção de Polícia do jornal, contam que só iam à redação para receber. Seus textos eram escritos
em uma salinha de imprensa na Polícia Civil e entregues diretamente na oficina em Santa Cecília,
onde o jornal era impresso, sem revisão no texto. “Não tinha estrutura nenhuma. Não tinha pauteiro.
Ninguém me ligava pedindo nada. O que eu escrevesse era o que saía. Era eu quem
determinava o que ia fazer”, comenta Tânia.
Essa seção ficava na última das oito páginas que possuía o periódico.
Às vezes, ocupava a página inteira, outras, a metade. “Se eu escrevesse duas páginas, davam
duas páginas. Mas eu não fazia isso, porque ganhava muito pouco. Parecia um estágio em
que ninguém tomava conta de você”, diverte-se Tânia. “Nosso salário era a terça parte do salário de
A Tribuna na época. E a gente ainda recebia por semana, ou seja, não tinha vínculos”,
completa Marilda Rocha.
Hilmar de Jesus foi repórter da seção de Polícia no início dos anos 70. “A rotina não era nada
saudável. Devido à dificuldade de repórteres, teve até um período em que fiz uma reportagem
de futebol. Havia dias em que, além de escrever a minha parte, tinha também de datilografar a
coluna de Maria Nilce na máquina Olivetti.
Lembro que até corrigia algumas palavras que ela escrevia errado”, recorda-se Hilmar.
O repórter foi o responsável por um furo memorável no caso Araceli que o jornal deu nos
concorrentes, ainda em seu início.
“Era março de 1972. Recordo-me que cheguei na Chefatura de Polícia por volta das 14 horas.
Como tinha apenas 17 anos de idade, os repórteres de A Gazeta e A Tribuna não me davam im-
portância. Foi quando a mãe de Araceli chegou desesperada para pedir ajuda à Polícia, porque a
filha de nove anos havia desaparecido.
Eu estava aguardando no corredor do segundo andar, onde funcionava o gabinete do chefe da
Polícia, e, percebendo o desespero da mãe, pedi que lhe dessem prioridade na atenção. Ao observar
a foto da menina desaparecida, pedi ao chefe da Polícia para publicá-la no Jornal da Cidade. Sete
dias depois, o corpo de Araceli foi encontrado nas matas do Hospital Infantil”, recorda Hilmar.
O jornal de Maria Nilce
Não é raro, ainda hoje, ouvir o Jornal da Cidade sendo chamado de “o jornal de Maria Nilce”.
Nada mais natural, já que era sua polêmica coluna social que movimentava e sustentava o
periódico, e foi o seu assassinato brusco que marcou definitivamente a história da publicação. Tanto
quanto sua coluna diária, Maria Nilce era contraditória e polêmica: admirada, detestada,
temida, invejada por muitos. “Todo mundo que comprava o Jornal da Cidade, a primeira coisa que
ia ler era a coluna dela. E ali acabava o jornal”, explica Tânia Trento.
Moradora de Fundão dos Índios, uma pequena cidade do interior do Espírito Santo, Maria
Nilce estava noiva quando começou a enviar cartas para o jornalista Djalma Magalhães, de A
Tribuna, em Vitória. Os dois acabaram se casando. Maria Nilce tinha 18 anos e ele, 31. Djalma a
levou para trabalhar no jornal. Ela atuou como colunista social até ser despedida. Djalma seguiu os
passos da mulher e saiu de A Tribuna.
“Enquanto Djalma escrevia para agradar aos militares, Maria Nilce escrevia para fazer a vida
dela”, afirma Zuleika. E, com um estilo cada vez mais agressivo, a coluna de Maria Nilce no novo
jornal logo a tornou conhecida. Ela era constantemente acusada de usar sua coluna para chantagear
os que se recusavam a publicar anúncios. Seus comentários maldosos e preconceituosos geravam
diversas rixas e desafetos, assim como suas reações exageradas nas relações pessoais. Devido a esse
comportamento, passou a ser vista com restrições pelos demais jornalistas e com ressentimento por
membros da sociedade capixaba.
“Era Maria Nilce. Na época, havia dois colunistas sociais: Heraldo Brasil e Maria Nilce.
Depois, ela foi tomando o público e ficou só Maria Nilce, o tempo todo. O jornal era a coluna
dela, fofoqueira o tempo todo”, conta Milson Henriques, que fez algumas crônicas como
colaborador para o jornal. Milson lembra também que ela mandava o jornal de graça para os
escritórios, onde os funcionários o disputavam para ler fofocas dos patrões.
Eram jocosamente mencionadas no “jornal de Maria Nilce”
as roupas de mulheres e os casos amorosos de integrantes da alta sociedade de Vitória. “A
sociedade capixaba era composta de ricos que vieram de baixo, muitos através de
enriquecimento ilícito. Então, eles não tinham o hábito de ser ricos. E, quando faziam festas ou
eventos sociais, cometiam muitos erros, e Maria Nilce criticava isso. Essas pessoas foram ficando
feridas e queriam acabar com o jornal para acabar com essas críticas. Além disso, havia esses
elementos do crime organizado que ela criticava”, afirma Djalma Magalhães.
Leitura obrigatória
Na época, existiam A Gazeta, A Tribuna, O Diário e o Jornal da Cidade. O jornal era lido por
toda a sociedade capixaba. Tinha uma grande repercussão por causa da imprevisível coluna
de Maria Nilce, que, aliás, tinha um público fiel. “Ela era da socie- dade, ia a todos os coquetéis e
escrevia umas notas picantes que a colocavam inclusive na berlinda de vez em quando”,
afirma Tânia. Vendido nas bancas, o jornal também estava disponível em vários locais, como a
Assembléia Legislativa, consultórios e outros pontos “importantes” da cidade. Os órgãos públicos e
o aeroporto também recebiam.
“O jornal era lido pelos inimigos dela – que liam para saber se ela havia falado mal deles – e
pelos assinantes, que tinham de fazer assinatura por livre e espontânea pressão. A venda era
muito pequena”, ironiza Zuleika. Ainda assim, sua tiragem era quase irrisória – até porque papel era
um luxo caro para um jornal de parcos recursos. “Uns diziam que as pessoas assinavam o jornal por
medo de a Maria Nilce atacar. Eu não sei. Porque ela tinha um bom relacionamento com todo
mundo. E ela corria atrás”, contesta Moreira. Segundo ele, o noticiário do jornal era a coluna de
Maria Nilce, com suas uma ou duasginas diárias. Fora isso, só algum editorial do Djalma e a
seção de Polícia. “Por causa da coluna, o jornal cresceu, mesmo ainda sendo pequeno, e chegou a
ser o segundo mais lido”, afirma Moreira.
A interrupção abrupta
Maria Nilce dos Santos Magalhães foi assassinada a tiros em 5 de julho de 1989, aos 48 anos,
diante da Academia Corpo e Movimento, na Rua Aleixo Neto, Praia do Canto, em Vitória, entre
6h45 e 7h. Ela chegou de carro em companhia de sua filha.
Quando saiu do veículo, um homem apontou uma arma para sua nuca. A arma não disparou.
Ela entrou em um ônibus na parada em frente à academia. O assassino a seguiu e disparou
quatro tiros, dentro do ônibus. Três atingiram Maria Nilce, que chegou morta ao Hospital das
Clínicas.
Várias hipóteses foram cogitadas como causa de sua morte.
Chegou-se a pensar, naquela época, que ela tinha sido assassinada como uma forma de
intimidar o governo Max Mauro, que começava a repreender o crime organizado no Estado. Outra
hipótese derrubada pelas investigações é que ela teria sido assassinada a mando de uma família
tradicional de Vitória, porque fazia chacota da esposa de um dos seus membros. Além das fofocas
que mexiam com a sensibilidade de inúmeras pessoas, houve ameaças da colunista de revelar os
nomes de policiais ligados aos crimes de mando e também ao tráfico de drogas.
Antes de sair do Jornal da Cidade, a jornalista Zuleika Savignon recomendou a Djalma
Magalhães que ele olhasse a coluna de Maria Nilce com mais cuidado. “Eu costumava mudar ou
tirar algumas ofensas que ela fazia. Mesmo sabendo que no outro dia ela iria brigar comigo, já que a
coluna era assinada por ela e ela se garantia. Mesmo assim eu tirava, porque ela expunha muito
a vida particular das pessoas. Eu achava terrível”, conta Zuleika.
As notas cortadas eram sempre repetidas nos dias seguintes pela colunista na tentativa de furar
o bloqueio. “Eu avisei a ele que Maria Nilce poderia morrer porque estava demais. E
aconteceu”, lembra Zuleika.
“De repente, no período em que eu era secretário de Segurança do governo Max Mauro, houve
o assassinato dela. Foi um crime de mando, com todas as características. O crime da Maria Nilce foi
um crime bárbaro e covarde”, conta o coronel Luiz Sérgio Aurich. Para o coronel, Maria Nilce foi
assassinada dentro de uma prepotência do crime no Espírito Santo, que a matou no meio da rua.
“Na época, nós fizemos um jogo de estratégia para colocar a Polícia Federal na apuração do crime,
já que a Polícia do Estado, naquela época, principalmente a Polícia Civil, tinha comprometimento
muito forte com pessoas que figuravam como suspeitos, autores intelectuais ou mandantes do
crime”, explica Aurich. O crime foi apurado pela Polícia Federal. O pro- motor Gilberto Fabiano
Toscano de Mattos elaborou um relatório com base no inquérito da Polícia Federal e disse que o
crime teve como mandante José Alayr Andreatta, que teria contratado seu amigo pessoal, Romualdo
Eustáquio da Luz Faria, conhecido como “Japonês”, para matar Maria Nilce. Eustáquio
chamou para a missão o pistoleiro José Sasso, que convocou o policial César Narcizo da Silva para
executar o crime. Segundo as apurações, foi o próprio Sasso quem disparou os tiros que
mataram Maria Nilce. A arma de César Narcizo, que era o encarregado de matá-la, não funcionou.
“O intermediário do crime era o Andreatta e os mandantes não foram indicados porque, apesar de
ter sido provado que o intermediário participou do pagamento da viagem dos criminosos, ele nunca
confessou a autoria e nunca indicou quem lhe teria pagado para isso. A tese que foi composta e que
justificava o assassinato é de que Maria Nilce teve informações privilegiadas sobre algumas
negociatas aqui do Estado.
E sinalizou que queria publicar no seu jornal”, completa Aurich.
Segundo o coronel, ela estava sendo ameaçada e ficou apavorada, intimidada e não conseguiu
denunciar.
O inquérito comprovou que seu assassinato foi realmente fruto do crime organizado no
Espírito Santo. “Na época, eles diziam que não havia crime organizado, que era invenção da gente.
Agora, ficou provado que nós falávamos a verdade. Existia não só no mundo empresarial, como na
Justiça, no Governo, nas duas Polícias”, afirma Djalma. “Não é fácil, até hoje, lutar contra o
crime organizado, contra o tráfico de drogas, contrabando, fraudes. É difícil porque quem luta não
tem dinheiro e eles têm até demais, para pagar não só quem faz os crimes, mas também para
encobrilos”, indigna-se.
“Era um Espírito Santo diferente do atual. Hoje, um crime como o dela teria outro tipo de
repercussão. Naquela época, na sociedade, não houve muita indignação. A sociedade não teve o
comprometimento emocional que deveria ter tido. Eu acho que, hoje, a sociedade se indignaria mais
com o assassinato dela”, pondera Aurich. Até porque os diversos desafetos de Maria
Nilce procuraram desqualificá-la. Dizia-se que ela traía o marido, que ela era desonesta, que ela
estava extorquindo os outros. “Era uma época terrível. Eram cometidos crimes absurdos. Não
tem só o de Maria Nilce, tem vários”, concorda Djalma.
Apesar de as provas no caso do assassinato de Maria Nilce serem materiais prenderam José
Sasso, localizaram a arma, recuperaram a toca ninja que ele usava com seus cabelos dentro, fizeram
perícia –, o caso nunca foi a julgamento. “Na época, envolveu-se o nome de um desembargador e
isso nunca mais foi à frente na Justiça. Virou crime insolúvel, mas, na verdade, ele foi solucionado.
Esse processo me parece que é um desses que estão aí nas prateleiras do Poder Judiciário. Em 2009,
ele vai para o espaço. Não é difícil ele estar parado por causa disso”, diz Aurich.
Após o crime, a família se desestruturou. Maria Nilce era uma mulher forte, de personalidade.
Seu marido era uma pessoa mais pacata. “A nossa luta era esta. Foi um erro pelo qual nós
pagamos, mas do qual eu não me arrependo. Ela foi assassinada por causa disso. Ninguém foi
punido pelo crime, porque houve um complô da sociedade, do Governo, da Polícia e da Justiça.
Agora a Scuderie Le Cocq foi fechada. Mas isso custou a vida dela, a minha ruína e a da
minha família. Porque até hoje eu estou pagando”, desabafa Djalma. Após o crime, ele
continuou recebendo ameaças e chegou a ser aconselhado por um membro da organização Scuderie
Detetive Le Cocq a sair da cidade, caso contrário também seria assassinado.
O inevitável fim
O Jornal da Cidade já havia sofrido represálias por suas publicações.
No dia 15 de outubro de 1975, a Polícia Civil apreendeu toda a edição do jornal, a pedido da
Polícia Federal, atendendo a determinação da chefia em Brasília. A solicitação foi feita
pelo governador Elcio Álvares, alegando que a edição do jornal continha “ataques à pessoa do
governador e à sua família”. Djalma contestou a informação, destacando que o jornal trazia um
editorial criticando apenas o jornalista Esdras Leonor, secretário-particular do governador. “O
Djalma sempre foi ligado ao Governo, aos militares. O único relacionamento que ele não teve bem
foi com o governo Élcio Álvares. Era uma briga de Maria Nilce.
Nessa época, o Governo do Estado não dava nenhum dinheiro em publicidade para o Jornal da
Cidade e coagia as empresas a também não darem”, relata Antônio Moreira.
Em 14 de setembro de 1983, uma bomba explodiu na redação.
Maria Nilce culpou Carlos Guilherme Lima, então presidente do Banco do Estado do Espírito
Santo (Banestes), pelo incidente. E ele a acusou de querer se beneficiar do seguro. Os dois se
desentenderam quando ele se negou a colocar publicidade ou fazer assinatura do periódico. Maria
Nilce, então, publicou uma nota no jornal dizendo que o balanço econômico do Banestes havia
sido adulterado para mostrar lucro fictício. Ele acionou o Ministério Público e a colunista foi
obrigada a se retratar.
“Quando Maria Nilce faleceu, tudo acabou de repente. O Djalma só com a política, só com a
parte dele, não segurava o jornal.
A família ficou desestruturada. E eles tiveram que parar com o jornal”, lembra Moreira. A
filha do casal, Milla, tentou escrever uma coluna no jornal, mas não prosseguiu na atividade. A
situação da família ficou insustentável economicamente. Sem anunciantes, com o medo instalado
entre a família e os empregados, o Jornal da Cidade deixou de funcionar. Muito abalado
psicologicamente, Djalma Magalhães passou um tempo fora do Estado, cuidando da saúde.
“Mataram Maria Nilce e fecharam o jornal, porque eu não suportei. Tentaram me matar duas vezes
depois que ela morreu. Não existe mais, acabou tudo. Ficou só a história do jornal”, diz.
Além da morte de Maria Nilce, outro fator foi determinante para a decadência do jornal: sua
defasagem tecnológica. O jornal nunca acompanhou os investimentos dos demais periódicos e sua
inferioridade de impressão se tornava cada vez mais gritante.
Era necessária uma substituição do parque gráfico, e não apenas de um equipamento. Era um
investimento muito alto. “A concorrência tinha avançado demais. O único jeito era se ele
encontrasse um grupo investidor muito poderoso. Aí, já era coisa de milhões de dólares”, afirma o
jornalista Álvaro Nazaré. Mas, com o fim de seu principal, quiçá único atrativo, a coluna de Maria
Nilce, esse tipo de investimento ficou fora de cogitação.
No entanto, antes de fechar definitivamente, o jornal ainda teve sua derradeira aventura: o
fotógrafo Antônio Moreira, ex-funcionário e amigo de Djalma Magalhães, tentou manter o Jornal
da Cidade funcionando. “Eu conversei com o Djalma e ele passou o jornal para mim. Era o Jornal
da Cidade Promoção Publicidade, que era a empresa da Maria Nilce. A Empresa Gráfica O Debate
era outra, devia aos funcionários, tinha até máquina na Justiça como garantia”, conta Moreira.
“Em meados de 1992, eu comecei a preparar o jornal, rodei algumas edições – mesmo sendo
empregado de outro jornal, eu estava de férias. Fazia o jornal semanal, e não mais diário”, lembra o
fotógrafo. Mas, quando o jornal começou a circular, Moreira passou a enfrentar problemas com a
Empresa Gráfica O Debate, responsável pela impressão. “O pessoal da oficina achou que eu ia
ganhar dinheiro com o jornal, que eu ia ficar rico. O Djalma e a Maria Nilce nunca foram ricos. A
Empresa Gráfica O Debate começou a pressionar, porque eles tinham questões
trabalhistas pendentes”, afirma Moreira. Foi feito um acordo, pelo qual a gráfica ficava com a
oficina e prestaria um serviço para o jornal, que pagaria por ele. Mas, pouco tempo depois o acerto
foi desfeito.
“Eles temiam que o jornal fosse feito em off-set. Para evitar mais problemas, eu fechei, desisti.
Nisso, todos ficaram sem receber, eu fiquei sem um meio de comunicação. Eu, Djalma e os
últimos funcionários do Jornal da Cidade ficamos a ver navios, sem nada”, lamenta Moreira.
Para Zuleika Savignon, o Jornal da Cidade teve uma passagem interessante, que marcou
época. “Eu acredito até que ele faça falta hoje. Ela faz falta”, afirma a jornalista. Talvez porque
seja um tipo de jornalismo que não sobreviveu a esta época. Os jornais impressos seguiram um
caminho oposto, consolidando-se como grandes empresas de comunicação ligadas a corporações de
mídia. O pequeno jornal impresso, quase um empreendimento familiar, não tem mais lugar na
sociedade contemporânea. Assim como o colunismo social perdeu bastante de sua influência dentro
da sociedade.
Analisando o jornalismo capixaba em seus 32 anos de carreira, Moreira percebe na diminuição
do número de jornais uma triste realidade. “Antes, existiam o Jornal da Cidade, O Diário, A
Tribuna e A Gazeta. Daquela época para cá, a população do Estado aumentou cerca de 60% e os
jornais diminuíram pela metade”, afirma o jornalista, que ainda está na ativa. “A leitura de jornal no
Estado é muito baixa. Pelo número de jornais e a população, não chega a 5% de leitura”, constata
Moreira, desapontado.
Ainda assim, muitos desafios continuam os mesmos e alguns conselhos parecem ser eternos:
“Se a imprensa não falar nada, se ela se omitir, se ficar encolhida com medo de morrer, ou de
envelhecer como eu envelheci, ninguém vai falar nada. E eu posso morrer amanhã em um asilo,
posso morrer do jeito que eu morrer, se me perguntarem se me arrependo de ter feito o que fiz, eu
não me arrependo. Não é possível você aceitar isso”, conclui Djalma Magalhães.
Maria Nilce: colunismo sem entrelinhas para falar de sociedade...
... cultura ...
... polícia e muito mais
Após o assassinato, novas ameaças de morte rondam o jornal
Referências bibliográficas
BILICH, Jeanne (repórter). Celebridade capixaba? Autêntica e Multitalentosa!
: entrevista. Século Diário, Vitória (ES) 06/07 março 2004.
Disponível em: <http:
//www.seculodiario.com.br/arquivo/2004/ marco/06_07/entrevista/entrevista/06_03_05.asp>. Acesso em:
25 set. 2005.
BITTENCOURT, Gabriel. Historiografia capixaba e imprensa no Espírito Santo. Vitória, Edit, 1998. 104p.
GLOCK,Glorinha. O caso de Maria Nilce dos Santos Magalhães. Impunidade, Brasil. Abril 2001. Disponível
em:<http://www.impunidad.
com/cases/marianilceP.html >. Acesso em: 25 set. 2005.
JORNAL DA TARDE. Vinte Prisões em dez dias. Denúncia do MDB 15 out. 1975. Disponível em: <
http://www.citadini.com.br/atuacao/ outros/jt751015.htm>. Acesso em: 25 set. 2005.
LIMA JÚNIOR, Carlos Benevides. Maria Nilce ou o tiro que calou Vitória.
In: Escritos de Vitória – Personalidades de Vitória – 15. Vitória (ES):
Prefeitura de Vitória, 1996.
OLEARI, Oswaldo. Capitão Romão x Capitão Maziero. In: Escritos de Vitória – Imprensa – 17. Vitória(ES):
Prefeitura de Vitória, 1996.
Entrevistas
Marilda Rocha – Repórter da sessão de polícia do Jornal da Cidade, entrevistada no dia 26 de
setembro.
Tânia Trento – repórter da sessão de polícia do Jornal da Cidade, entrevistada no dia 29 de
setembro.
Milson Henriques – Cronista colaborador do Jornal da Cidade, entrevistado no dia 29 de setembro.
Djalma Magalhães – Proprietário do Jornal da Cidade, entrevistado no dia 04 de outubro de 2005.
Luiz Sérgio Aurich – Secretário estadual de Segurança em 1989, entrevistado no dia 06 de outubro de
2005.
Zuleika Savignon – Jornalista do Jornal da Cidade, entrevistada no dia 03 de outubro de 2005.
Álvaro Nazaré – Diagramador do Jornal da Cidade, entrevistado no dia 05 de outubro de 2005.
Hilmar de Jesus – repórter da sessão de polícia do Jornal da Cidade, entrevistado no dia 13 de
outubro de 2005.
Antônio Moreira – Fotógrafo e último proprietário do Jornal da Cidade, entrevistado no dia 16 de
outubro de 2005.
Impressões do Interior:
de Mucurici a Presidente Kennedy
Ananda Bisi, Danilo Bicalho e Melina Mantovani
Buscar o jornalismo impresso no Interior do Estado. Eis uma tarefa que nos proporcionou
descobrir inúmeros jornais que não são facilmente encontrados nas bancas da Grande Vitória.
Cruzar fronteiras dentro do próprio Estado à procura de um jornalismo que não tem sua importância
reconhecida, mesmo que seja de imensurável valor cultural e histórico para o Espírito Santo. Este
foi o nosso principal objetivo: tornar conhecida a história daqueles que fazem jornalismo no Interior
capixaba e contribuem para nossa cultura.
Começamos a vasculhar jornais de diferentes regiões e é impressionante a quantidade de
periódicos distribuídos ou vendidos à população. Jornais alternativos, esporádicos, mensais,
quinzenais, semanais, bissemanais, diários e até bidiários. Encontramos gente disposta a dar a cara a
tapa por uma publicação. Gente disposta a pôr o pé na estrada em busca de público, de
reconhecimento. Cursar a faculdade de Jornalismo para exercer a profissão é quase uma raridade
por aquelas bandas. O que temos são pessoas que querem fazer um jornalismo social, quase
comunitário. Ao mesmo tempo, descobrimos pessoas que fazem do jornalismo um negócio,
um meio de sobrevivência. O mundo é notícia, porém o que acontece ali, nas portas das casas
daqueles que escrevem os jornais, é, geralmente, muito mais relevante para os leitores do Interior.
Identificamos, nesse tema, a necessidade de um aprofundamento da pesquisa. A comunicação
impressa do interior capixaba não possui uma referência bibliográfica à altura do assunto.
Com este trabalho, objetivamos fazer um levantamento dos principais periódicos interioranos,
como iniciativa para futuras pesquisas.
Como metodologia, segmentamos o Estado em três regiões:
Norte, Centro-serrana e Sul. As fontes foram diversas: amigos, moradores das regiões,
profissionais da área, sindicatos, estudantes de Jornalismo, professores e alguns dos veículos. Todos
foram de extrema importância para a realização deste capítulo, na medida em que, gentilmente, nos
cederam informações sobre os periódicos regionais e deram depoimentos sobre a arte de
fazer jornalismo fora da região da Grande Vitória.
Ao analisar o jornalismo do interior do Espírito Santo, percebemos que as regiões
compartilham questões comuns, como influência política, dificuldades financeiras e a falta de
jornalistas profissionais nas redações – temas que serão percebidos no decorrer do capítulo e
discutidos na sua parte final.
Norte: imprensa tardia, muitos jornais
Segundo Bittencourt (1998, p. 75), a imprensa no Norte do Estado surge tardiamente:
“Somente na República, fará a imprensa sua estréia no Espírito Santo. A iniciativa pioneira deve-se
a Fausto de Oliveira, proprietário da Tipografia Progresso e Indús- tria, que, em 15 de agosto de
1891, imprimiu, sob a denominação de O Norte do Espírito Santo, o primeiro hebdomadário a
circular em São Mateus”.
Posteriormente, ainda de acordo com Bittencourt, o então presidente do Estado, Barão de
Monjardim, de quem o redator-chefe do jornal, Graciano dos Santos Neves, era ferrenho
opositor, suspende a circulação de O Norte do Espírito Santo, que só volta a ser publicado em 1893.
Desde esse primeiro jornal, muitos foram os veículos impressos que surgiram naquela região.
Alguns circularam por mais tempo, outros, porém, tiveram vida curta. Atualmente, por meio
desta pesquisa e de listas cedidas pela Superintendência Estadual de Comunicação Social (Secom),
foram relacionados 61 jornais em atividade na região. Com alguns foi possível um maior
contato, entrevistas pessoalmente, troca de e-mails, telefonemas. Já com outros, apesar da
insistência em tentar uma aproximação, pouco conseguimos, de alguns somente o nome.
Dentre esse vasto número de jornais, um tem grande prestígio, sendo conhecido não só na
Região Norte, como também no restante do Estado – talvez pelo fato de ser diário, por não
se contentar em dar as notícias das cidades onde circula ou, quem sabe, por deixar os chamados
“grandes jornais” (A Gazeta e A Tribuna) “comendo poeira”, de acordo com seu diretor geral,
em entrevista aos autores. Trata-se do jornal Tribuna do Cricaré, que tem sede na cidade de São
Mateus.
Em 1969, na cidade de Governador Valadares (MG), Matosinhos Castro Pinto, ex-deputado
que havia pouco tempo tinha sido cassado pelo regime militar, inicia sua vida de jornalista
no periódico Gazeta de Valadares. Posteriormente, em 1976, Matosinhos inaugura seu próprio
jornal: Ponto de Vista, sediado na cidade mineira de Nanuque. É em uma redação onde predomina a
militância política que crescem os irmãos Antônio de Castro Pinto Neto e Márcio José de Castro
Pinto. Seja como atividade empresarial, seja como meio para difundir os ideais de quem
não concordava com a política vigente, o jornal foi a escola de jornalismo desses jovens, local onde
aprenderam na prática todas as etapas da produção de um jornal, desde os assuntos a
serem pautados ao fechamento da publicação e sua distribuição.
Não se contentando apenas com o jornal de Nanuque, a família expande sua atuação para o
jornal Diário do Rio Doce, este com sede em Governador Valadares, também Estado de Minas
Gerais.
Aos 24 anos, Antônio de Castro Pinto Neto, residindo na cidade de São Mateus, decide pôr em
prática os conhecimentos adquiridos na adolescência e cria o Tribuna do Cricaré, que começa a
circular no dia 12 de janeiro de 1984. O jornal já esclarece a sua preocupação em informar sobre
notícias locais ao ter o mesmo nome de um rio que passa pela cidade.
No início, o jornal tinha periodicidade quinzenal, circulando, com mil exemplares, nas mesmas
cidades em que é encontrado atualmente: São Mateus, Pedro Canário, Conceição da Barra,
Pinheiros, Jaguaré, Sooretama, Vila Valério, Nova Venécia, Montanha, Mucurici e Boa Esperança.
Funcionando em sede alugada, era impresso em Minas Gerais, na gráfica da família.
Com uma redação bastante enxuta, eram apenas os irmãos Castro e mais dois funcionários
que, contando com o apoio de eventuais colaboradores, executavam toda a produção, composta de
pautas locais, estaduais, nacionais e até internacionais.
Posteriormente, a publicação tornou-se semanal, depois bissemanal, tri-semanal, e, em 7 de
julho de 1998, passou a circular de terça-feira a sábado, sendo assim considerada um diário
pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio.
Durante toda essa mudança de periodicidade e aumento de tiragem (atualmente, 6,5 mil
exemplares diários), segundo seu diretor geral Márcio José de Castro Pinto, o Tribuna do Cricaré
nunca teve sua circulação interrompida.
Segundo os proprietários, desde sua origem, o jornal adota a linha editorial comunitário-
construtivista, sendo ela sua base de sustentação.
Talvez por causa dessa postura editorial, especula-se, o jornal tenha sido perseguido
politicamente, em 1992, por um grupo liderado por Amocim Leite, na época candidato a prefeito da
cidade de São Mateus, e seu ex-vice-prefeito, Walace Batista, já falecido.
Márcio José de Castro Pinto afirma que, naquele ano, houve um processo eleitoral muito
tumultuado em São Mateus. Inicialmente, o Tribunal Superior Eleitoral negou a Amocim Leite
o direito de candidatura, por ele, anteriormente, já ter sido cassado duas vezes por acusação de
corrupção, quando exercia o cargo de prefeito. Porém, quando restavam 30 dias para a
votação, Amocim conseguiu uma liminar que lhe garantiu a candidatura, disputou o pleito e venceu
as eleições. Teve início, então, uma batalha judicial. Ainda de acordo com Márcio, “nas cidades
do interior, as forças políticas normalmente controlam as forças militares e as utilizam a seu serviço
de forma muito mais descarada do que acontece nos grandes centros”.
Márcio conta como o jornal se envolveu nesse caso e, por meio de sua pessoa, foi ameaçado:
“Em 1992, o capitão da Polícia esteve na sede do jornal e pediu que eu saísse da cidade, porque
tinha um grupo político querendo colocar fogo na empresa. Eu reagi contra eles, os denunciei e, no
dia seguinte, estava lá, aguardando os bandidos, e eles não apareceram. Porque nós reagimos,
denunciamos a Justiça, denunciamos à Associação Brasileira de Jornais. Era uma coisa ilegal,
absurdamente ilegal, porque ninguém pode ameaçar a liberdade, o direito à liberdade de imprensa.
E ele achou que ia atemorizar a direção da empresa para poder fazer o capricho daquele grupo
político, mas eles não conseguiram isso. O próprio juiz, na época, interveio, chamou essas pessoas e
as enquadrou”.
Por estar com a saúde debilitada, Amocim Leite não teve condições de responder às acusações.
Em sua residência, disseram apenas que todas as informações que são divulgadas a seu
respeito estão no museu da cidade de São Mateus.
Mais recentemente, no ano de 2002, conforme afirma Márcio de Castro, um ex-prefeito da
cidade, que também foi denunciado por corrupção pelo jornal e estava envolvido nos recentes
escândalos divulgados no Espírito Santo, fez dois comícios na porta do jornal em um intervalo de
cinco dias. Os diretores do Tribuna do Cricaré só conseguiram a proteção da Polícia após acionar
o alto comando, já que, novamente, a força política estava controlando a militar. O diretor geral do
jornal preferiu não citar o nome do acusado por ser uma história muito recente e este ainda estar
respondendo processos judiciais.
Apesar das turbulências, o jornal cresceu, ampliou sua circulação e sua equipe, que atualmente
é composta por 67 funcionários, sendo três deles formados academicamente em Jornalismo.
Entretanto, o diretor geral, Márcio José de Castro Pinto, e o diretor de redação, Antônio de
Castro Pinto Neto, não têm graduação na área.
Utilizam, ainda, o serviço da Agência Estado para as notícias nacionais e internacionais, e,
eventualmente, são contratadas agências especiais. Já para a definição de pautas locais, Márcio
é enfático ao dizer que à população é dada muita liberdade tanto para sugerir pautas, como para
expressar sua opinião: “A Tribuna do Cricaré é o jornal que mais dá espaço ao leitor no Espírito
Santo:
uma página inteira todos os dias. Fazemos isso há 21 anos, tem uns que fazem recentemente. É
um jornalismo de via dupla. E isso faz a diferença. As pessoas são acostumadas a lerem o jornal.
Nós temos uma abertura muito grande com a comunidade, o que faz dela leitora e também
agente propulsora, porque ela é nossa fonte. O jornalismo é focado na comunidade, olho-no-olho,
esse contato com a comunidade te obriga a ser mais transparente”.
Já ao avaliar o jornalismo nacional e internacional, Márcio Pinto prevê uma maior
regionalização dos jornais: “Observamos que no mercado brasileiro, e mesmo no mercado
internacional, há muitos jornais se auto-avaliando, corrigindo alguns rumos e adotando uma postura
mais local, mais para aquilo que está em torno de sua base de circulação. Antigamente, para dizer
que era um grande jornal, as pessoas gostavam de ficar publicando o que estava acontecendo lá em
Israel, lá na Suécia, e esquecendo do rio em que bebem água, do local onde jogam o esgoto de
suas casas. A sociedade moderna, contemporânea, está exigindo dos próprios meios de
comunicação, de modo especial do jornal (impresso), que eles se voltem cada vez mais para sua
comunidade, que percebam os problemas de onde o leitor está inserido”.
Ao se fazer uma análise superficial do jornal, nota-se que predominam as matérias locais e a
utilização de imagens, em sua maioria fotos. Na capa, são utilizadas muitas cores fortes; a manchete
e a fotografia correspondem à mesma matéria, que, majoritariamente, são locais. Pouco maior que o
tradicional tamanho tablóide, o Tribuna do Cricaré possui 10 páginas, sendo uma para coluna
social fixa e uma para classificados – as demais não possuem editorias permanentes. O jornal não
apresenta ousadias de diagramação, mantendo, principalmente na capa, o mesmo formato.
Um outro jornal diário que circula na Região Norte do Espírito Santo é A Notícia, com sede na
cidade de Nova Venécia. Fundado em fevereiro de 1989, o periódico circulou pela primeira vez em
18 de março daquele ano, tendo como diretor José Renato Ferrari, que se mantêm no cargo. A
publicação tinha como objetivo colocar à apreciação dos venecianos e da população vizinha um
novo jornal.
No início, A Notícia circulava apenas aos sábados, com tiragem média de mil exemplares. A
partir de 2001, o jornal passou a ser publicado de terça-feira a sábado, sendo, portanto, considerado
diário.
Para que isso acontecesse, houve uma ligeira reformulação.
A primeira equipe do jornal era formada por quatro pessoas. Atualmente, esse número está em
12 funcionários, que trabalham para que o jornal circule, em maior quantidade, nas cidades de Nova
Venécia, Vila Pavão e Boa Esperança, e, em menor número, nas demais
localidades da região Norte. Há ainda assinaturas nos demais municípios do Espírito Santo e
também outros Estados brasileiros.
Sobrevivendo de assinaturas e publicidades, A Notícia traz anúncios de empresas privadas e
órgãos públicos, dentre eles o Governo do Estado, anunciante de muitos jornais interioranos.
As publicidades, aliás, ocupam grande parte do jornal, estando muito presentes inclusive na
sua primeira página.
Em entrevista por e-mail, José Renato Ferrari, diretor do jornal, afirma que: “Assim como
qualquer outra empresa, o jornal também já passou por situações difíceis, mas não o suficiente para
forçar sua paralisação. Às vezes, reduziu a circulação, mas paralisar de forma definitiva, não”.
O diretor lembra, ainda, que não é fácil disputar com A Tribuna e A Gazeta, mas que A Notícia
tem um grande reconhecimento:
A Notícia foi citada em diversas ocasiões quando da pesquisa Recall de Marcas, elaborada
pelo Instituto Futura em parceria com A Gazeta, liderando em nível de jornal de interior, na região.
Esse quesito – jornal –, infelizmente, não vem sendo incluído na pesquisa nos últimos anos,
mas, em 1999/2000, A Notícia apareceu com grande influência na região Norte, o que, para
nós, representa a maior conquista”.
No formato tablóide e com oito páginas, o jornal apresenta pouco texto e muita publicidade,
que chega a ocupar quase metade de todas as suas páginas. Algumas matérias são estaduais,
mas predominam notícias locais. Edições especiais, como no aniversário de Nova Venécia, são
publicadas eventualmente. O jornal A Notícia mantém ainda o site www.anoticianv.com.br, que é
de design e conteúdo muito simples.
Portanto, os jornais Tribuna do Cricaré e A Notícia são os únicos periódicos diários com sede
no Norte do Espírito Santo levantados nesta pesquisa. Há, ainda, publicações bissemanais, das quais
apuramos o jornal O Pioneiro e o Correio do Estado, ambos com sede em Linhares.
O Pioneiro, dentre os apurados, é o mais antigo da região, tendo como data da primeira edição
25 de dezembro de 1967. Na época, um de seus fundadores e atual proprietário e colunista social,
Deni Almeida da Conceição, era o correspondente do jornal O Diário (ver capítulo VI deste livro)
no Norte do Estado. As notícias que escrevia para o informativo da Capital tinham uma grande
repercussão na cidade de Linhares. A população do município, então, questionava-o por que não
fundava um jornal na cidade. Com isso, Almeida, juntamente com Alvacy Perin – ambos
trabalhavam na época com contabilidade –, resolveu fundar O Pioneiro.
Apesar de o nome do jornal sugerir que ele tenha sido o primeiro da cidade, Deni Almeida
esclarece, em entrevista aos autores, que antes dele houve outros, porém O Pioneiro é o único a se
manter em circulação, já que os primeiros resumiram-se a, no máximo, seis edições.
Com grande dificuldade, logo depois de fundado, O Pioneiro circulava quinzenalmente. Como
na época o método de impressão utilizado era a tipografia e as gráficas locais não tinham
tradição na confecção de periódicos, as matérias eram produzidas em Linhares e enviadas a
Cachoeiro de Itapemirim para impressão, o que retardava o processo e, conseqüentemente, a
circulação.
Com isso, surge a necessidade de o próprio jornal adquirir uma gráfica, o que é feito em menos
de um ano de existência do veículo, passo importantíssimo para sua continuação.
Imediatamente após a aquisição da gráfica, O Pioneiro torna-se semanal, tendo como redatores
os proprietários, repórteres e colaboradores.
Era uma equipe formada por muitos funcionários, já que só a gráfica empregava cerca de 10
pessoas na composição das letras para o processo tipográfico.
Cerca de três anos após sua fundação, o jornal passa a ser bissemanal, como prossegue até os
dias atuais, não tendo parado de circular nenhuma vez em seus 37 anos de publicação.
Sempre funcionando em sede própria, O Pioneiro continua tendo como cidade base de
circulação o município de Linhares, sendo encontrado também, em menor quantidade, em São
Mateus, Aracruz e Colatina.
Por buscar a isenção política, Deni Almeida afirma que o jornal nunca foi incomodado por
políticos: “A política nunca nos atrapalhou, porque nós nunca deixamos que ela penetrasse
na empresa. Nosso negócio é com o comércio, com a indústria, com o anunciante de um modo
geral. Isso não quer dizer que não tenhamos anúncios políticos. Nós vendemos um espaço e
eles compram, mas não temos compromisso político”.
Apesar de dar boas-vindas aos jornais recém-surgidos na cidade, o proprietário e diretor geral
do jornal reclama da concorrência por publicidade, dizendo que muitos anunciantes não sabem
diferenciar a publicidade veiculada em um jornal que está há 37 anos no mercado daquela veiculada
em um jornal que está há pouco tempo e tem uma tiragem bem menor que a de O Pioneiro,
atualmente fixada em 4 mil exemplares (3,5 mil a mais que na época de sua fundação). Afirma,
ainda, que, com certeza, há público para todos os jornais da cidade, inclusive para aqueles que estão
surgindo, desde que tenham como projeto formar e informar.
Em um grupo de 11 funcionários, o periódico não possui nenhum jornalista em sua equipe,
recebendo apenas o respaldo da filha do diretor, que agora se tornou ainda mais difícil, já que
esta mudou-se recentemente para o exterior.
De acordo com o diretor Deni Almeida, O Pioneiro se preocupa com o que acontece na cidade
de Linhares, é mais um veículo com a intenção de complementar a grande mídia, e não de substituí-
la. Para isso, afirma que o periódico é aberto à comunidade:
“Aceitamos muito os e-mails que os leitores nos enviam, de sugestão de pauta, acontecimentos
da comunidade. Temos uma coluna que é ‘O Pioneiro nos Bairros’, em que o presidente da
associação e a comunidade têm total liberdade. Todos os domingos é focalizado um bairro. Essa
coluna já tem mais de 10 anos. Nela, o presidente da associação é quem reclama, quem elogia, faz
suas reivindicações”.
Deni Almeida reclama, ainda, da falta de valor das autoridades para com o jornalismo local no
interior do Estado: “A função do jornalismo impresso no Interior do Espírito Santo é
muito importante, talvez mais importante do que a grande imprensa, porque o que acontece na
comunidade local só é visto nos jor- nais locais. Às vezes, as próprias autoridades não dão [para
o jornalismo local] o valor necessário. Acredito que, no futuro, os jornais locais terão ainda mais
importância que a grande imprensa, porque a tendência é que as pessoas queiram saber o que
está acontecendo em volta delas”.
Publicado às quintas-feiras e aos domingos, O Pioneiro circula com 12 páginas, em formato
tablóide, contendo apenas uma editoria fixa (Polícia) e diversas colunas: duas sociais, uma de
televisão, uma de política e uma com notas de assuntos variados, como economia e política.
Bem mais recente que O Pioneiro, o jornal Correio do Estado também é bissemanal e tem
sede em Linhares. Fundado em 25 de janeiro de 2005, por José Vicente Mendes e Carlos
Madureira, tem a intenção de suprir a necessidade que o Norte do Estado apresenta em relação a um
órgão de imprensa que atenda pelo menos 10 municípios, conforme declarou Mendes, em
entrevista por e-mail.
A periodicidade, nos dois primeiros meses de existência, era quinzenal, passando a semanal e,
depois de mais dois meses, a bissemanal, circulando às quartas-feiras e aos sábados (dia anterior ao
que circula seu concorrente direto, O Pioneiro).
Para circular nos municípios de Linhares, Colatina, São Mateus, Governador Lindenberg, Rio
Bananal e Sooretama, o Correio do Estado tem tiragem de 3 mil exemplares e seis funcionários,
dentre eles o jornalista João Vicente Mendes.
Sem sede própria, o jornal começou a circular gratuitamente, passando, posteriormente, a ser
vendido. Como grande parte dos jornais do Interior do Estado, enfrenta constantemente
dificuldades financeiras.
Contendo 12 páginas, quatro delas coloridas, o jornal apresenta editorias fixas, como Geral,
Cidade e Sociais, e algumas esporádicas, por exemplo Estado, Negócios e Polícia. Apresenta capa
muito colorida, muitas fotos e diagramação com poucos brancos.
Na região Norte, é possível encontrar também publicações semanais, dentre as quais, nesta
pesquisa, foram localizados Folha do Litoral, Folha do Norte, Folha do Estado, Nova Geração e O
Colatinista.
A Folha do Litoral é sediada em Aracruz, onde foi fundada por Danilo Salvadeo, no dia 18 de
abril de 1993. Circula às sextasfeiras, com 15 mil exemplares, nas cidades de Aracruz,
Linhares, Ibiraçu, João Neiva, Sooretama, Fundão e Vitória. O editor responsável pelo jornal,
Agnelo Netto, diferentemente de muitos dos jornais do Interior, tem registro de jornalista.
Após 34 anos sem circular, o jornal Folha do Norte, de Colatina, voltou às ruas em 1990. A
maior parte de sua tiragem de 3 mil exemplares é distribuída gratuitamente para os alunos do
Centro Universitário do Espírito Santo (Unesc), faculdade vinculada ao jornal. Apesar da ligação
com a instituição de ensino, Bento Tadeu Cuquetto, seu editor, garante que o jornal não atende
somente os cursos. É um jornal informativo, que busca a neutralidade e foge ao sensacionalismo.
Fundado em fevereiro de 1952, pelo então deputado Oswaldo Zanello, tinha, na época, uma
linha editorial muito forte, combatendo os “maus valores e o comunismo”, considerados por alguns
a grande preocupação daqueles tempos. Por motivo desconhecido, o jornal parou de circular no ano
de 1956, só retomando seu funcionamento em 1989. Atualmente, a Folha do Norte segue o formato
tablóide e contém 10 páginas.
No dia 26 de julho de 1986, na cidade de Nova Venécia, teve origem o jornal Folha do Estado,
cujo diretor é Idaulio Bonomo.
Em Colatina, no dia 05 de julho de 1975, Jair Rodrigues Oliveira fundou o jornal Nova
Geração, que circula principalmente nas cidades de Colatina, Baixo Guandu e São Roque do
Canaã. Seu proprietário, além do jornal, mantém na cidade uma rádio com o mesmo nome,
concentrando dois tipos de mídia.
Também com sede em Colatina, o jornal O Colatinista circula, além da cidade onde é sediado,
em Vitória, Santa Teresa, Pancas, São Domingos do Norte, São Roque do Canaã, Marilândia, São
Gabriel da Palha, Baixo Guandu, Itaguaçu e Itarana. Caracteriza- se por apresentar um jornalismo
opinativo e de forte apelo editorial. Enviamos um e-mail para sua redação e as respostas do diretor,
apesar de não se referirem às perguntas feitas, são elucidativas quanto à situação do jornalismo no
interior do Espírito Santo. O e-mail enviado foi:
Bom dia!
Sou aluna do 6 º período do curso de
Comunicação Social/Jornalismo da Ufes. Minha turma,
tendo como orientador o professor José Antônio Martinuzzo,
está escrevendo um livro sobre o jornalismo impresso
capixaba, visando a enriquecer o material bibliográfico que
trata do Jornalismo no Espírito Santo e, consequentemente, o
conhecimento dos profissionais que atuam nessa área.
Coube ao meu grupo o capítulo sobre Jornalismo Impresso no
Interior do ES.
Por isso, estamos fazendo um levantamento dos jornais do
interior do Estado.
Gostaria, então, de contar com a colaboração do
responsável por esse jornal. Para isso, faz-se necessário que
responda as seguintes questões:
- Há quanto tempo existe o jornal?
- Qual a periodicidade do jornal? Ela é regular ou varia?
- Qual a tiragem?
- Quantos funcionários possui?
- Há alguém formado academicamente em Jornalismo na
equipe?
- O jornal é vendido ou gratuito?
Aguardo ansiosa a resposta deste e-mail, confiante na
contribuição que podem dar a nosso livro.
Desde já agradeço a atenção dispensada.
A resposta, assinada pelo diretor do jornal, foi:
Minha filha, vou resumir para você:
O jornalismo no interior do Espírito Santo tem dois lados,
duas faces ou duas qualquer coisa que você queira conceituar.
Tem o jornalismo feito com independência, e que acaba
perseguido pelo poder público local e às vezes até regional,
pois se reveste de idealismo, já que não vendo, troco,
empresto minha opinião pelas verbas públicas, e tem o
jornalismo que senta no colo dos mesmos que perseguem os
idealistas.
Aqueles que emitem opinião independente, nunca entram no
bolo publicitário do poder público, que, aliás, sou contra até
que exista. Os impostos são para atender as necessidades
básicas da população, e não para pagar publicidade de
governos, geralmente incompetentes.
Que façam divulgação com seus recursos, ou de seus partidos.
Quando o governo é competente, não necessita
de publicidade.
Para justificar as verbas de publicidade, deveriam aprová-las,
mas destinando ao mandatário, 50% do valor, e à oposição, os
outros 50%, pois assim dispensariam a imprensa de denunciar
os mal feitos públicos, já que a oposição teria recursos para o
fim.
Você já viu governo dizer que errou numa obra, num serviço?
Eles só mostram o que acham que fizeram bem feito.
Você já viu governo mostrar o muro que caiu, duas semanas
após concluído?Só viu mostra-lo logo após sua conclusão,
não?
O dia que você entrar no mercado de trabalho, você vai
entender isso.
Hermeval Carlos Zanoni
Colatina – ES
Diversos outros periódicos foram descobertos. Porém, pouco ou nada se sabe a respeito deles.
Muitos têm periodicidade irregular, há os que estão circulando há pouco tempo e outros
de identidade desconhecida.
Região Serrana: preservação da cultura regional
Dificilmente os grandes jornais conseguem ir além dos estereótipos e registrar a dinâmica
social de cada região. Ao buscar abranger todo o Espírito Santo, por exemplo, torna-se inviável o
aprofundamento da cobertura dos fatos sociais de cada cidade.
Mais próximos da população de suas respectivas regiões, os jornais interioranos conseguem
aprofundar-se nas relações sociais, no cotidiano de seus leitores. Os recortes da realidade
feitos pelos jornais locais contam com uma maior riqueza de detalhes, apresentam um caráter
menos superficial, até mesmo pelo fato de tais veículos estarem inseridos de fato na realidade que
buscam retratar.
Fundado em agosto de 1991 pela jornalista Maria Auxiliadora Gonçalves (Lilia) e pelo
agrônomo José Onofre Pereira, o jornal Folha da Terra, de Venda Nova do Imigrante,
almeja justamente essa aproximação com a realidade do público local.
Lilia, diretora do jornal, define da seguinte forma o perfil de sua publicação: “Procuramos
focar em nossa identidade, na construção da cidadania local, preservando a identidade cultural
da região. Não é necessário que façamos uma cobertura estadual, isto já tem quem faça”.
O trecho do editorial da edição nº 536 retrata a preocupação do jornal com o fortalecimento da
identidade cultural da região:
Todas as pessoas se alimentam, se relacionam,
habitam...morrem. O que as torna diferentes são os ritos na
prática do que é comum entre os povos. Damos a isto o nome
de identidade cultural. Isto um povo não pode perder nunca.
No máximo pode adaptar- se às novas necessidades dos
tempos modernos.
A preservação da cultura e da história é um abraço entre os
semelhantes para se protegerem da insanidade do mundo.
Quem somos? Como não nos perdermos nos apelos
constantes na selvageria da lógica do lucro?
A constante mudança do mundo, agora sob o signo da
globalização, pede a regionalização. Senão, tudo fica igual. É
impossível remar contra a maré do que impõe o mercado
mundial. No contraponto, vem a valorização do diferente.
Precisamos é lutar pela harmonia das diferenças e dar um não
à hegemonia imposta pela indústria cultural.
A identificação do público com o jornal parece ser um dos grandes trunfos para o sucesso do
mesmo, que também circula em Afonso Cláudio, Brejetuba, Conceição do Castelo e Pedra Azul,
cidades vizinhas a Venda Nova do Imigrante.
Ao longo de seus 14 anos, o jornal deixou de ser mensal (em agosto de 1997), passou a
circular semanalmente e hoje já existe demanda para reduzir ainda mais o intervalo entre as edições.
Seu projeto gráfico sofreu algumas mudanças, mas manteve elementos que identificam o veículo. O
mesmo aconteceu com seu projeto editorial, que, aos poucos, foi se tornando mais abrangente,
tratando de temas cada vez mais diversificados, mantendo-se, entretanto, o caráter local
da abordagem.
Atualmente, a publicação circula com uma tiragem de mil exemplares, dos quais cerca de 500
são destinados a assinantes (alguns deles no exterior) e o restante às vendas avulsas em bancas
e algumas cortesias. Números expressivos para um veículo situado em uma cidade com cerca de 17
mil habitantes, principalmente ao considerar o número de leitores por exemplar. Segundo
Lilia, cerca de 70% dos leitores não compram ou assinam o jornal, que circula sempre às sextas-
feiras.
Assim como acontece nos grandes jornais, a receita proveniente da venda avulsa e das
assinaturas não é suficiente para garantir o funcionamento do jornal. A publicidade tornase, então, a
principal fonte de recursos, predominando, no caso da publicação vendanovense, os anúncios de
pequenas e médias empresas locais e de órgãos públicos da região. Em conseqüência de uma
adaptação de mercado, considerando os poucos anunciantes locais e a inexistência de uma cultura
de marketing e publicidade, o jornal sempre foi em preto e branco, exceto nas edições especiais da
Festa da Polenta, feiras e Festa de Emancipação de Venda Nova. O fato de não haver um grande
anunciante, como constata Lilia, dá ao jornal maior independência, pois a perda de um ou outro
anunciante não terá grande impacto para as finanças do veículo.
Uma das marcas da publicação é a edição especial que circula durante a Festa da Polenta,
tradicional evento de manifestação da cultura italiana. Segundo Lilia, o Folha da Terra é o pioneiro
em registros editoriais da festa. Durante essa semana, o jornal publica duas edições, a semanal e a
especial. A edição da última Festa da Polenta, que circulou no dia 12 de outubro de 2005, abordou o
tema “Álbum de família”, fazendo uma referência às parteiras (homenageadas nessa edição da
festa), sem as quais muitos daqueles álbuns estariam incompletos.
Também vale destacar a edição número 501, de 12 de fevereiro de 2005, que noticiou a morte
de Padre Cleto Caliman, descrito pelo jornal como “o homem mais reverenciado de Venda Nova”.
A edição conta a história de Padre Cleto e traduz o sentimento do povo vendanovense com a
sua morte. Confira parte do editorial:
A edição desta semana do Jornal Folha da Terra não estava
nos planos. Ao receber a notícia da morte de padre Cleto no
domingo, sabia que seria impossível deixar de circular com
reportagens especiais. Então nos desdobramos: parte da
equipe retornando das férias, feriados e outros senões.
Superamos todos.
Em nome do grande respeito, da grande amizade, de tudo que
significa este homem.
O jornal apresenta uma estrutura dificilmente encontrada no interior do Espírito Santo. Possui
sede própria, inaugurada em agosto de 2003, onde, além da redação e da administração do
jornal, funciona uma livraria, um café e em breve serão ministrados cursos para a comunidade.
A equipe é formada por oito pessoas, duas delas graduadas em Comunicação Social. Com
exceção da impressão, toda a linha de produção do jornal é feita por esses oito funcionários, desde
a apuração das matérias, até a diagramação e a distribuição. Além do jornal, a equipe mantém um
site de notícias, que disponibiliza o conteúdo no jornal impresso na internet.
Mas nem sempre foi assim. Há alguns anos, a publicação, a montagem do jornal e a revelação
das fotos eram feitas na capital, Vitória, a 103km de Venda Nova. A chegada das
tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs) à cidade possibilitou a digitalização da
produção do jornal, desde a diagramação até a fotografia, proporcionando maior dinamismo em tal
processo. Atualmente, o jornal também tem algumas de suas matérias veiculadas na internet através
do site www.
folhadaterra.com.br.
Fatos curiosos marcam alguns desses jornais do interior do Espírito Santo. Em Iúna, município
com cerca de 30 mil habitantes, aos pés da Serra do Caparaó, por exemplo, está sediado o jornal A
Notícia, veículo semanal que ficou famoso por ser o primeiro a noticiar o aparecimento do “chupa-
cabras”, espécie de monstro que bebia o sangue dos animais e que foi notícia nos grandes veículos
de comunicação do País.
Ainda em Iúna, há o jornal Comunicatto, fundado em 1º de janeiro de 1994, que circula
quinzenalmente nos municípios de Iúna, Irupi, Ibatiba, Ibitirama, Divino de São Lourenço, Dores
do Rio Preto, Muniz Freire, Alegre, Jerônimo Monteiro (ES) e Laginha (MG), com uma tiragem de
3000 exemplares.
O projeto editorial do jornal aponta para a proximidade com a realidade da população da
região em que o periódico circula.
Fatos de abrangência estadual ou nacional são publicados apenas quando têm alguma relação
com a área de alcance da publicação.
A preocupação do jornal Comunicatto em se manter próximo à realidade de seus leitores
pode ser percebida no direcionamento dado ao conteúdo publicado em suas editorias e cadernos que
circulam permanentemente. Editorias como Política e Economia, que, geralmente, concentram
temas de abrangência nacional ou estadual nos jornais de grande circulação, são abordadas de modo
a interagir com a realidade do leitor, conferindo ao jornal um perfil diferenciado, como afirma o
diretor do jornal, Erasmo Rocha Gonçalves, em entrevista concedida, via correio eletrônico, aos
autores: “Não podemos dizer que o Comunicatto faça competição com os grandes veículos da
Capital, já que os assuntos abordados não são convergentes, ou o são em algumas ocasiões. Quando
isto acontece, o nosso jornal procura detalhar um assunto mais generalizado pela grande imprensa,
no que diz respeito a assuntos que interessem à região, alcançando uma quantidade maior de leitores
do que os grandes veículos, dentro da região, porque um pequeno percentual lê A Gazeta ou A
Tribuna, enquanto muitas pessoas que não lêem esses jornais são leitores do Comunicatto”.
Pouco mais ao norte de Iúna, na cidade de Afonso Cláudio, está sediado o jornal O Resgate.
Fundada em maio de 1993, a publicação circula mensalmente nas cidades de Afonso Cláudio,
Brejetuba, Laranja da Terra, Venda Nova do Imigrante, Conceição do Castelo, Ibatiba, Pedra Azul,
Marechal Floriano e Cariacica.
Um pouco mais próximo à Capital, em Domingos Martins, encontra- se o jornal O Braço Sul.
Fundado em outubro de 1990, o jornal tem sede própria e circula mensalmente em
Domingos Martins, Marechal Floriano, Venda Nova do Imigrante, Vitória (através de mala direta) e
Vila Velha (através de mala direta), com uma tiragem de 5 mil exemplares.
A fonte de recursos do jornal é, exclusivamente, a venda de espaços para publicidade, uma vez
que ele é distribuído gratuitamente.
Segundo a diretora do jornal, Sandra Cola, o veículo é produzido pela empresa Pauta 6
Comunicação e todos os profissionais envolvidos em sua produção possuem curso superior
em Jornalismo. A linha editorial do jornal é voltada para questões pertinentes à realidade da região
em que circula. Por isso, não concorre com os veículos de abrangência estadual.
A força do jornalismo impresso no Sul capixaba
Começamos por Cachoeiro de Itapemirim, cidade com mais de 200 mil habitantes.
Potencialmente importante para o Estado, a “Princesinha do Sul”, palco de uma vasta história,
tornou-se uma cidade com grande expressão cultural, econômica e política no Espírito Santo. Por
isso, é mais que normal o grande número de veículos de comunicação que existem na localidade.
Historicamente, Cachoeiro contou com jornais importantes como O Clarim, O Arauto, A Época,
Sete Dias, O Momento, Folha da Cidade, A Vanguarda, Jornal Capixaba, entre outros, de acordo
com Ormando Moraes em A Imprensa de Ontem e de Hoje, Escritos de Vitória (p. 122).
Alguns desses jornais existem até hoje. Outros simplesmente desapareceram com o tempo.
Porém, há pessoas na região que ainda se preocupam em transmitir informações e expressar-se por
meio do jornalismo impresso. Como declarou Jules Renard, “Escrever é uma maneira de falar sem
ser interrompido”. E é essa filosofia que faz com que muitos persistam nessa profissão.
Como explicado na introdução deste capítulo, a intenção é contar a história de pessoas que
contribuem para a criação de uma identidade cultural na imprensa capixaba. E, nesse sentido, toda
informação é válida. Essa importância cultural, da qual uma minoria tem ciência, pode ser
entendida no trecho escrito por Ormando Moraes (1996, p.122) sobre a cidade de Cachoeiro
de Itapemirim, nos “tempos difíceis” do jornalismo impresso:
Em Cachoeiro, além de outros, havia naquela época o
Correio do Sul, fundado por Armando Braga e tendo Newton
Braga como seu redator-Chefe. O jornal era composto à mão
(catando milho, como se dizia), pelo saudoso tipógrafo Helio
Ramos, e impresso em primitiva impressora manual, que
exigia enorme esforço físico, mas, mesmo assim, saía
com regularidade, duas vezes por semana.
Todo esse processo, hoje, pode ser substituído por equipamentos tecnológicos de última
geração. Implícitas, porém, nessa “força física” do passado, estavam pessoas que faziam um
jornalismo corajoso, persistente, apaixonante. É fato que nem todos eram tão românticos quanto à
profissão, mas a herança que deixaram é fonte de inspiração para muitos. Quando não lembrados
pela destreza, são lembrados pelas dificuldades que, assim como naquela época existiam, hoje
afligem a maioria das pessoas que sustentam um periódico – principalmente, no interior do Estado.
O jornal Espírito Santo de Fato, de Cachoeiro de Itapemirim, já enfrentou muitas dificuldades
no início do seu processo de criação.
O jornal tem como editor e diretor Wagner dos Santos, que adquiriu experiência em uma outra
empresa, uma outra publicação de Cachoeiro. Saiu de lá decidido a lançar o próprio jornal, que
existe há três anos. E, como é algo muito comum para iniciantes no jornalismo impresso, as crises
financeiras foram um obstáculo.
As dificuldades enfrentadas foram muitas e Wagner, ao ser entrevistado pelos autores, explica
por quê: “A gente é muito vulnerável, porque a nossa base comercial é pequena. A única coisa que a
gente tem é o próprio jornal. Se a gente vender, tem, se não vender, é complicado. No começo, é
muito mais difícil, mas chega certo momento em que você vai criando credibilidade, você vai
conseguindo fechar alguns contratos”. Credibilidade, definitivamente, torna-se a palavra-chave
nessa profissão.
O jornal foi fundado no dia 14 de março de 2003 e, de lá para cá, a popularidade só tem
aumentado. Era gratuito e os próprios funcionários o distribuíam. Joana Campos, que trabalha
atualmente na área comercial do jornal, em entrevista aos autores, lembra seu início no Espírito
Santo de Fato: “No começo, a gente não tinha como pagar a mão-de-obra, aí a gente montava e
distribuía nas ruas, nós mesmos. Quando eu entrei no Fato, ele já tinha seis meses e lembro que a
gente saia na rua distribuindo aquele montão de jornal”.
Os próprios anunciantes e assinantes financiavam o Espírito Santo de Fato e o fazem até hoje.
Atualmente, o jornal possui 800 assinantes e, além disso, é distribuído em mala direta, chegando até
a capital, Vitória.
A sede ainda é alugada. Mas, mesmo sendo o ambiente de trabalho quase familiar, decorado
com móveis domésticos e com pessoas bem à vontade, é impossível esquecer que é
daqueles cômodos que surge a notícia a ser entregue para grande parte do Sul do Estado. Desde o
início, o jornal possuía uma tiragem de 3 mil exemplares. Hoje, porém, já pensam em aumentar esse
número para abranger mais cidades. O Espírito Santo de Fato atinge os municípios de Mimoso do
Sul, Presidente Kennedy, Itaoca, Vargem Alta, Marataízes, Itapemirim, Muqui e Cachoeiro de
Itapemirim.
O jornal é diário, circulando de terça-feira a domingo.
Outro jornal diário de Cachoeiro de Itapemirim, muito popular na região Sul, é a Folha do
Espírito Santo. Conhecida pelas polêmi- cas levantadas por suas matérias, a Folha surgiu a partir do
jornal Folha de Cachoeiro, com o objetivo de alcançar uma visão macrorregional e tirar o
“bairrismo” existente, até então, na linha editorial, podendo, assim, expandir-se para toda a região
Sul. Com o passar do tempo e reformulações na sua periodicidade, a Folha do Espírito Santo se
tornou um jornal diário.
No dia 1° de março de 2006, o jornal Folha do Espírito Santo completará um ano. Na época de
seu surgimento, os funcionários, remanescentes de um jornal semanário, praticamente não tinham
confiança de que poderiam manter um jornal diário. Em entrevista aos autores, o proprietário
Jackson Rangel explica o porquê: “Alegavam que faltaria notícia e que comercialmente não seria
viável”. Transformar a Folha em um jornal diário foi uma atitude pioneira. O tempo passou e as
pessoas se convenceram de que realmente era possível existir um periódico distribuído diariamente
na região.
Uma outra situação pioneira provocada pela Folha foi manter um jornal bi-diário durante dois
anos. Rangel explica como se deu o processo: “Nós possuíamos dois editores, fechávamos até as
13h um exemplar, com oito páginas, e um outro matutino, com vinte páginas. Então, o que ocorria:
Às 18h, os assinantes da Folha já estariam a par de tudo o que tivesse acontecido até as 13h. Então,
quando os outros jornais iam dar a notícia, mesmo sendo A Gazeta ou A Tribuna, a Folha já estava
circulando”. O Jornal foi bi-diário durante dois anos, e isto há quatro anos. Foi extinto porque, na
época, houve uma alta do dólar e, como todo o material do jornal era baseado na moeda americana,
ele teve de ser paralisado, pois se tornou inviável comercialmente e até estrategicamente, segundo
Jackson. O jornal era destinado aos assinantes, porém também era distribuído gratuitamente em
alguns pontos estratégicos da cidade.
Uma curiosidade quanto à tiragem do jornal: ela é sempre re- gulada de acordo com a
manchete principal, podendo chegar a 4 mil exemplares. Segundo Jackson Rangel e a maioria dos
donos de jornais impressos, o que mais vende são dois assuntos:
denúncia contra políticos e assuntos relativos à Polícia. “A Folha já denunciou
desembargador, juiz, políticos, empresários, bispo, padre, pastor, tudo que você possa imaginar”,
afirma Jackson Rangel, que segue a seguinte filosofia: “Eu perco um amigo, mas não perco a
notícia”.
Quando a Folha passou de jornal semanário para diário, possuía 10 funcionários. Hoje, são
cerca de 35. Já chegaram a possuir 50 pessoas trabalhando, mas, após um tempo, concluíram
que não eram necessárias tantas pessoas. O próprio Jackson complementa:
“Chegamos à conclusão de que a gente podia fazer um trabalho da mesma qualidade, nas
mesmas condições, com um quadro menor de funcionários”. O número de funcionários
que produzem o jornalismo impresso é muito reduzido no interior do Estado. Não somente pelo
tamanho dos municípios, o que, teoricamente, faria com que as notícias fossem facilmente
apuradas, mas principalmente pela situação econômica. Em alguns casos, no entanto, o bom estado
das máquinas e a quantidade das mesmas (quando existem), também diminuem o número
de trabalhadores, como em qualquer empresa.
O jornal Folha do ES foi bissemanário, semanário, depois se tornou diário, depois bidiário, e,
atualmente, é somente diário.
Passaram por lá muitos profissionais formados e não-formados na área de Comunicação e,
dessa maneira, foi ultrapassando o tempo. O jornal existe há 10 anos e é o único com sede e
maquinário próprio em Cachoeiro de Itapemirim. Circula em praticamente toda a Região Sul do
Estado, porém o foco maior ainda se encontra nas notícias de Cachoeiro.
Sobre a linha editorial, Jackson Rangel afirma: “A linha editorial da Folha do Espírito Santo é
praticamente investigativa. Na linha editorial, na parte opinativa, ela é parcial, ela é
investigativa, toma um posicionamento e por isso também inovou no aspecto de impactar as
pessoas. É um jornal considerado polêmico e por ser investigativo faz muitas denúncias. Ao mesmo
tempo em que é muito respeitado, também é muito visado no sentido de perseguição. Eu diria que a
Folha provoca amor e ódio nas pessoas, os dois sentimentos. O que eu ouço demasiadamente
e constantemente são ameaças particulares, de morte, por telefone, por recado. Mas, se quem deseja
fazer jornalismo não tiver certo destemor, não consegue fazer. Em Cachoeiro, as pessoas estavam
acostumadas a ter, antes da Folha, um jornalismo de registro, apenas de registro. O que seria o
jornalismo de registro?
É um jornalismo que não é questionador, não é investigativo.
Dessa maneira, as autoridades, no primeiro momento, rejeitaram o jornal, mas depois tiveram
que se acostumar com esse tipo de jornalismo que existe hoje”.
Mudando o foco para outra cidade, histórias interessantes fazem parte do surgimento do jornal
Notícias e Negócios, de Piúma.
A história do jornal se confunde com a história do capixaba João Carmo. João morou 13 anos
em São Paulo e lá fez o curso de Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo. Porém, segundo o próprio João, em entrevista dada por e-mail aos autores, ele foi
pressionado pela violência e pelo “terror” causado pela Aids, que o fez perder seu melhor amigo.
Dessa maneira, desencantado com a cidade, decidiu voltar para o Espírito Santo, sua casa.
Chegou a Piúma no dia 15 de junho de 1990. Conseguiu arrancar na Istoé, onde disse ter
trabalhado quando residia em São Paulo, um contrato de correspondente no Espírito Santo.
Fazia duas ou três matérias por mês. Isso proporcionou o tempo que lhe faltava para andar pelas
praias de moto, como lembra. “Foi um período muito bom”. Para se manter, sua casa em São
Paulo ficava alugada.
Tem início, então, a campanha para a eleição de governador, na qual Albuíno Azeredo era
candidato. João fez matérias para a Istoé (“Primeiro candidato a governador negro na história do
ES”), fotografou Albuíno nos morros, com galos de briga na mão, entrevistou mãe, fãs, etc. As
matérias saíram e Albuíno venceu. João explica como surgiu a idéia de se fazer um jornal. “Em
Piúma, quem facilitou as entrevistas para mim foi Valter Potratz, aliado de Albuíno. Com a vitória
do governador, Valter me pressionou:
‘Vamos abrir um jornal’”. Então, foi criado um conselho que reuniu as melhores cabeças
pensantes da cidade e assim o jornal começou a ser feito, em julho de 1991. Dirigiu o Notícias e
Negócios até fevereiro de 2005, período em que o jornal foi publicado ininterruptamente.
O jornal, então, começa a circular em Piúma, vila de pescadores com 18 mil habitantes, situada
no litoral Sul do Espírito Santo, que possui, como um dos atrativos, um mar de águas calmas.
João Carmo diz que foi tachado de doido e louco, inúmeras vezes, por manter um jornal numa
cidade com um número tão pequeno de habitantes: “Estou em Piúma por opção de vida”.
Situações um tanto “diferentes” já fizeram parte do jornal Notícias e Negócios. Na primeira
edição, para atrair os leitores, João conta que sortearam entre eles um bezerro, doado pelo
pecuarista Simão Bassul. O nome do bezerro era Revistinha”, que foi devidamente comido, em um
churrasco em família, pela ganhadora.
Por isso, João brinca ao caracterizar a história do N&N como sendo um tanto “antropofágica”.
Na segunda edição, em agosto de 1991, descobriram que não possuíam nenhuma manchete
para a capa. Bolaram, então, uma estória mirabolante, para prender os leitores. “Íamos contar
uma estória de uma visita de ETs à Ilha do Gambá, famosa em Piúma, por se tratar de uma espécie
de ‘motel’ para os garotos nativos. A estória incluía um diálogo louco entre o ET e um surfista
famoso, um adolescente chamado Alanzinho. Mas, no último momento, um crime bárbaro
aconteceu, a manchete de que tanto precisávamos surgiu e a estória da visita do ET foi esquecida”.
Hoje, o jornal circula nos municípios de Piúma, Anchieta, Iconha, Iriri, Alfredo Chaves, Rio
Novo do Sul, Itaipava e Itaoca.
Tem tiragem de 5 mil exemplares e circula mensalmente nessas cidades. A diretora atual do
jornal, Mônica Siqueira, em entrevista por e-mail, diz ser gratificante trabalhar no Interior: “É
um trabalho pesado, mas gratificante. O fato de a periodicidade ser mensal ajuda a apurar melhor as
notícias e dar continuidade a elas. Temos mais tempo. Temos tempo também de criar um
relacionamento com os ‘fornecedores’ de notícias, o que nos garante informações privilegiadas”.
Já em Muqui, município com quase 13 mil habitantes e que possui a maior concentração de
art-noveau do Estado, encontra-se um outro jornal popular. É nessa pacata cidade que se
encontra um personagem famoso: João Bicalho, redator-chefe do Jornal de Muqui e vice-presidente
da Associação dos Jornais do Interior do Espírito Santo (ADJORI).
O Jornal de Muqui foi fundado em 15 de março de 1967.
Segundo João Bicalho, em entrevista dada aos autores por telefone, a idéia partiu dele mesmo,
pois tinha vontade de trabalhar em um jornal. Dessa forma, Bicalho tomou frente da construção do
periódico. A produção das notícias, o ato de fotografar e a diagramação eram de sua
responsabilidade. Ou seja, Bicalho é uma espécie de “faz tudo” dentro do Jornal de Muqui. Porém,
nunca se queixou disso, afirmando que escreve o jornal para ele mesmo.
A entrega dos exemplares também fica por sua conta. Mensalmente, 3 mil exemplares são
distribuídos em todo o Sul do Estado e em outras regiões, como Vitória. Todos pelas mãos de João
Bicalho.
Os assinantes e o espaço dado à publicidade ajudam o jornal a se manter. O Jornal de Muqui é
muito respeitado na região e por isso, atualmente, já conta com cerca de 400 assinantes. Isto se deve
à preocupação do redator em abordar os problemas da região de forma a atingir todos os tipos de
público. João não é formado em Jornalismo, é uma pessoa simples que admira seus conterrâneos e
que gosta do que faz. Assim como na maior parte do Interior, o jornalismo funciona impulsionado
por pessoas que têm força de vontade, disposição e um forte sentimento pelo que escolheram fazer.
O jornalismo impresso também se encontra com bastante força na cidade de Alegre, situada na
região do Caparaó. Com uma população de mais de 32 mil habitantes, Alegre, também
conhecida como “Cidade Jardim”, possui diversos atrativos, como rios, cachoeiras, clima frio,
montanhas e é reconhecida nacionalmente pelo Festival de Música que acontece todo ano na região.
É nessa localidade que se encontram o jornal A Palavra e o jornal O Alegrense.
O Alegrense, jornal oficial da Prefeitura, tem o merecido espaço, devido à sua importância
histórica para o jornalismo. Mesmo atendendo a interesses políticos, o jornal também aborda
assuntos de cunho geral, destinados à população local. O fator principal seria o tempo de sua
existência. O Alegrense foi fundado por José Batista do Nascimento, no dia 1° de janeiro de 1911,
ou seja, está em vigor há 94 anos. No ano de 1912, aconteceu a incorporação de O Alegrense ao
patrimônio da Prefeitura.
Almyr Carvalho, que redigiu por quase três décadas o jornal, afirma, em entrevista dada por e-
mail aos autores, que, “embora com algum lapso na circulação, é um jornal importantíssimo”.
Primeiro, como ele mesmo salientou, é preciso ter uma noção histórica para que se
compreenda melhor a importância do jornal da Prefeitura de Alegre. Explica que, no início do
século passado, as comunicações entre as cidades e, principalmente, com a Capital, eram muito
precárias.
Então, as cidades do Interior como Alegre, Guaçuí, São José do Calçado e Colatina, criavam
seus jornais oficiais, que, além de divulgar decretos, leis, atas das câmaras, editais do juízo, faziam
cobertura de fatos importantes da cidade: sociais, administrativos etc.
Almyr confirma sua admiração pelo jornal O Alegrense: “Alegre, hoje estagnada, já foi nas
décadas de 10 e 20 do século passado o município mais próspero do Estado depois da Capital.
Tinha 48 mil habitantes, era o que tinha maior número de alunos matriculados, produzia e
comercializava de tudo, principalmente café, que era exportado por meio da Estrada de Ferro (quase
que o único meio de comunicação existente).
Por isso, além de necessário para divulgar atos oficiais, o jornal era uma prova de cultura, de
desenvolvimento. E, justamente pela sua história, nem que seja em museu, seu acervo deve ser
preservado, mesmo com ônus para a Prefeitura. Defendo, como nunca, o meu concorrente e
opositor. Concorrente em termos, já que ele nada cobra nem faz anúncios”.
O Alegrense era impresso em tipografia plana. Almyr dá mais detalhes: “Se não me engano a
data, em 1927 a Prefeitura de Alegre adquiriu, na Alemanha, uma impressora e uns tipos (aqueles
colocados letra a letra, conforme é visto nos filmes de faroeste), para imprimir o seu próprio jornal.
Também confeccionava talões, fichas, etc. A impressora e a tipografia, embora desativadas, ainda
existem. Atualmente, entretanto, o jornal O Alegrense é impresso em gráfica moderna (A
Gazeta), em cores e redigido por jornalistas de fora, profissionais”.
Porém, existem as críticas à linha editorial do jornal, por parte do ex-redator: “Em vez de
registrar fatos e ações oficiais, o prefeito se utiliza dele para fazer promoção pessoal e de seus
secretários, o que é proibido por lei a um jornal oficial, mantido por dinheiro do contribuinte.
Entretanto, sou um dos defensores da permanência de O Alegrense pelo que ele representa de valor
histórico e informativo da vida alegrense”.
Almyr Carvalho também deu início a outro jornal. A história do jornal A Palavra, também do
município de Alegre, inicia-se quando um advogado local, Alceu Silveira, convida Almyr para criar
um jornal independente, que participasse da vida da cidade e não descuidasse do panorama estadual
e federal: “Não havia como competir com televisões e jornais diários. Disse a Alceu que meu caso
era escrever. Não gostava nem tinha talento para administração. Ele, então, ficou com a
responsabilidade de arranjar anúncios e eu com a parte da redação e tudo o mais. Em pouco tempo,
contudo, Alceu ‘esfriou’ e eu tive que assumir tudo”.
O jornal foi fundado em 15 de agosto de 1997, funcionando ininterruptamente desde então.
Almyr diz que, desde a fundação até hoje, o jornal é composto por ele, pelo fotógrafo e pelos
colaboradores, que nada recebem por seus textos. Segundo Carvalho, são profissionais
realizados em outras atividades, mas de ótimo conteúdo intelectual. “Eles escrevem por idealismo e
para manter contato com seus conterrâneos.
Tudo de graça. Outro detalhe: ninguém tem curso de Jornalismo”. Porém, Almyr e Alvimar
(um dos colaboradores) têm registro como jornalistas no Ministério do Trabalho, com todos os
direitos inerentes aos diplomados.
Sobre os colaboradores, Almyr salienta o fato de serem muito profissionais: “Temos
colaboradores graciosos, a exemplo da economista Ângela Penalva, professora de pós-graduação da
UERJ, que, evidentemente, escreve sobre economia nacional e mundial;
Osmar Oliveira, advogado, ex-Superintendente da Portocel, que escreve também uma coluna
sobre política estadual; e Alvimar Rodrigues, que tem uma página sobre variedades,
denominada ‘Sopa de Letras’. Há, ainda, colaborações esporádicas de outras pessoas, poetas,
cronistas, de Vitória, Rio de Janeiro e Alegre. Até o imortal da Academia Brasileira de Letras,
Carlos Heitor Conny, no lançamento do jornal, fez uma crônica de saudação”.
Almyr explica como é fazer um jornalzinho de Interior: “A gente é tudo. A coisa funciona
assim: eu sou repórter, redator, diretor comercial (cuido dos anúncios). Tenho um rapaz que
fotografa para mim. Depois desse material digitado eu o remeto para o diagramador (muito bom) e
o acompanho no trabalho. Concluída essa fase, mando todo o material, em CD, pelo Correio, para a
gráfica, que fica em Petrópolis (RJ), por questão de preço e qualidade. Depois, no dia seguinte,
recebo os exemplares via ônibus. Este é o processo”.
O jornal nunca teve uma sede própria. Funciona na sala da resi dência de Almyr e não é
vendido em bancas, mas por assinatura.
Eis o sistema de financiamento do veículo: “Um comissionado procura as pessoas e faz as
assinaturas, anual ou semestral. Há, ainda, os anúncios comerciais, a publicação de editais, avisos
etc., que ajudam a cobrir os gastos. Ninguém banca. Nem autoridades blicas nem políticos.
Vendo, às vezes, espaço político. Temos apenas bons anunciantes, como a Aracruz e a Faculdade de
Filosofia de Alegre, que mantêm uma página em toda edição. Isto cobre as despesas de impressão,
frete e impostos, que são muitas, já que meu jornal, apesar da pobreza, é uma microempresa,
legalizada, podendo dar nota fiscal e tudo o mais. Inclusive fazer pesquisa”
O jornal é um mensário com uma tiragem de 2 mil exemplares.
Circula, basicamente, em Alegre, mas, também, em todos os municípios da periferia, assim
como em Vitória, Rio de Janeiro e Brasília. Nessas capitais, principalmente, junto a alegrenses
que moram fora ou em setores públicos: Assembléias Legislativas, Câmara Federal, Senado,
Prefeituras, Tribunal de Contas etc. A situação praticamente não mudou desde a sua fundação.
“Nosso plano era tirá-lo quinzenalmente e a cores, ter um escritório próprio. Mas, por falta de
recursos (já que não nos atrelamos a políticos), não pudemos fazê-lo”
Ao falar sobre elogios e críticas, Almyr Carvalho conta um episódio que traduz a questão da
relação com os poderes públicos:
“Embora as críticas sejam quase sempre justas, elas são, geralmente, mal aceitas pelos poderes
públicos. Todos gostam de elogio. Num governo anterior, por exemplo, o prefeito era casado com
minha sobrinha e meu afilhado de casamento. Ele entrou numa ‘mutreta’. Quis entrevistá-lo para
explicação. Ele se recusou a receber o jornal, dizendo que éramos seus inimigos.
Daí comecei a pegar pesado. Ele, então, ameaçou me agredir fisicamente e prometeu até me
matar se continuasse a criticá-lo.
Continuei e estou vivo. E consegui derrotá-lo na eleição seguinte.
Mais um corrupto que foi para o brejo”.
Todas essas histórias vieram de apenas alguns dos vários jornais impressos existentes no Sul
do Estado. Os relatos tiveram a finalidade de apontar características comuns em cada um
desses periódicos. Na maioria dos outros jornais, essas características são semelhantes. Lutas,
dificuldades, ameaças, alegrias, satisfações, decepções, resistência, persistência. Jornalistas,
formados ou não, com seus veículos, mesmo que não percebam, já fazem história.
Em síntese, podemos ter uma idéia de como algumas dessas pessoas pensam sua profissão por
meio das palavras de Almyr Carvalho: “O jornal, para mim, não é visto como uma empresa.
Embora tenha excelente qualidade, ele é um hobby, uma forma de participar da vida da minha
cidade e do meu Estado. Idealismo puro, algo muito comum na profissão quando nela ingressei”.
O jornalismo reinventado
Fazer jornalismo no Interior, em alguns casos, significa reinventar a profissão. A sensibilidade
do jornalista para compreender a cultura regional e sua dinâmica social e, assim, conquistar
a confiança dos leitores, torna-se fator fundamental para o desenvolvimento de um veículo de
comunicação local.
O menor grau de complexidade das relações sociais proporciona uma interação entre leitores e
autores dificilmente encontrada nos grandes jornais. Essa proximidade é um dos principais atrativos
para o público leitor, que se enxerga e se identifica nas páginas do jornal de sua cidade.
O estreitamento dessas relações, contudo, pode ser prejudicial à produção jornalística. É
comum encontrarmos veículos influenciados ou persuadidos pelos poderes locais, tanto
política quanto financeiramente. Todavia, há aqueles que resistem e colocam sua paixão pelo
jornalismo acima das ameaças e, apesar das dificuldades, buscam fazê-lo da forma mais ética
e transparente possível.
Não se submeter aos interesses de grupos com grande influência política e financeira pode
resultar em dificuldades orçamentárias.
A publicidade, principal fonte de recursos dos veículos de comunicação como um todo, nas
pequenas cidades do Interior capixaba é, em sua maioria, proveniente de anúncios de órgãos oficiais
(prefeituras, Governo do Estado etc.) ou de pequenas empresas. Mesmo nas cidades de porte médio,
como Cachoeiro de Itapemirim, São Mateus, Colatina e Linhares, os principais anunciantes
particulares são empresas locais. A escassez de fonte de financiamento pode tornar o veículo
dependente de seus anunciantes. Mesmo não sendo uma característica exclusiva dos jornais do
Interior, tal dependência, até mesmo pela proximidade com o público, torna-se mais incisiva nas
pequenas cidades.
O financiamento é, sem dúvida, um dos principais complicadores para esses jornais de
pequeno e médio porte. Muitos não conseguem manter uma periodicidade regular e outros tantos
não circulam por muito tempo. São poucos os casos em que os jornais obtêm sucesso enquanto
empresas, conseguindo, por meio de sua própria receita, investir em infra-estrutura, funcionários ou
equipamentos.
Outro complicador para a produção de jornais no interior do Espírito Santo é a ausência de
uma formação acadêmica que atenda às especificidades da práxis jornalística nessas regiões.
O curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Unilinhares,
situada em Linhares, por exemplo, tem ênfase em assessoria de imprensa e não apresenta um
currículo direcionado para as demandas dos jornais interioranos.
Os cursos de Comunicação Social / Jornalismo do Interior restringem- se às cidades de
Cachoeiro de Itapemirim e Linhares.
Recentemente implantados, esses cursos podem, potencialmente, colaborar para o
desenvolvimento do jornalismo regional, seja formando novos profissionais, seja capacitando
aqueles que já exercem a profissão, porém sem formação acadêmica. Dentre os estudantes de
Jornalismo das faculdades de Linhares e Cachoeiro de Itapemirim, há alguns estagiando nos
veículos locais.
Dentre os alunos de Jornalismo da Unilinhares, encontramse vários que já trabalham na área,
seja com radialismo, jornalismo televisivo ou impresso. Há, inclusive, proprietário de jornal
impresso fazendo o curso. Porém, a grande maioria dos estudantes ainda não exerce a profissão.
Quando questionados se pretendem trabalhar na imprensa local, as opiniões são divergentes: alguns
dizem não ter interesse em trabalhar no interior do Estado, por acreditarem que o jornalismo
nessas cidades é ruim, muito influenciado pelas forças políticas e econômicas e difícil de ser
mudado; já outros vêem a possibilidade de, após formados, trabalharem em veículos de maior porte
em grandes centros para, depois de adquirirem prática, voltarem para suas cidades e melhorarem a
qualidade do jornalismo lá produzido.
A freqüente ausência de jornalistas com registro profissional nas publicações regionais é um
tema polêmico e que divide opiniões. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), por exemplo,
defende a obrigatoriedade do registro profissional para que se exerça a profissão.
Algumas entidades que defendem a democratização da comunicação, como a Executiva
Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos), questionam tal obrigatoriedade sob
o argumento de ser este um fator cerceador do direito à produção de comunicação.
A existência de veículos regionais, além de contribuir para a diversificação do conteúdo,
também cumpre um importante papel para a preservação da cultura local diante do fenômeno
da globalização e do imperialismo cultural.
Erros ou circunstâncias?
Durante as pesquisas para a elaboração deste capítulo sobre os jornais do interior do Estado,
registraram-se algumas questões que não poderíamos deixar de relatar. Apeguemo-nos aos
formatos e conteúdos dos jornais, que apresentam, em alguns casos, certos “desvios”.
Iniciamos o trabalho com as nossas referências de jornalismo impresso feito na Grande Vitória
e ensinado na Universidade. A comparação é inevitável, mas, ao conhecermos as reais condições de
trabalho nos pequenos municípios capixabas, pudemos perceber a complexidade do assunto.
A precariedade pode nos fazer relevar o fato de os jornais apresentarem elementos que fogem
às normas e técnicas do jornalismo impresso tradicional. Num primeiro momento e visualmente,
essas discrepâncias podem incomodar, ainda mais para quem tem conhecimento da gramática
narrativa e estética do jornalismo impresso. Mas, no cotidiano das cidades onde circulam tais
publicações, essas diferenças não são contundentes o bastante para que se registrem estranhezas.
Apesar de um jornalismo mal-cuidado poder representar um certo descaso com a inteligência
alheia, a maior relevância é dada ao conteúdo.
No entanto, entra em cena uma outra questão: para aqueles proprietários que têm ciência da
falta de pessoal especializado (jornalistas formados academicamente) e de equipamentos e
elementos suficientes para a finalização do jornal, fica a questão do desrespeito com o leitor que dá
credibilidade a um veículo que não se preocupa em reparar erros primários, seja na construção da
notícia, seja na publicação de imagens e propagandas.
A seguir, reunimos impressões acerca do material analisado.
Não pretendemos fazer julgamentos, apenas evidenciar algumas marcas do jornalismo
praticado no Interior, para além do afinco, da persistência e da prestação de um serviço essencial à
cidadania:
1) Erros gramaticais foram encontrados em alguns jornais.
Mesmo não tendo como adivinhar as condições na quais se encontrava o autor, incomodamo-
nos com a publicação de textos sem revisão eficaz
2) Outro fato que chamou a atenção foi a utilização excessiva de cores diferentes nas capas dos
jornais. Visual e esteticamente, essa mistura de cores pode não ajudar no processo comunicativo.
O jornal Tribuna do Cricaré, por exemplo, utiliza na capa, em média, oito cores e suas
variações.
3) Alguns projetos gráficos são feitos de forma arcaica, não pelo estilo do jornal, mas,
claramente, pela falta de senso estético.
Outros utilizam linguagem ultrapassada.
4) O apoio a partidos políticos não é permitido pela ética jornalística.
No entanto, percebemos o excesso de matérias sobre alguns políticos capixabas. Os
proprietários dos jornais pesquisados não assumiram nenhum tipo de “apoio” por parte do
Governo, por exemplo, o que explicaria tamanha parcialidade nas manchetes de alguns deles. O
jornal Folha do Espírito Santo, de Cachoeiro de Itapemirim, afirma que toma posições, é
parcial, mas nega que tenha “apoio” de partidos políticos.
5) O sensacionalismo vende e todos sabem disso. Eis a questão: qual é o limite para que não se
fira a dignidade humana?
6) Outro tipo de jornal que vende muito é aquele recheado de colunas sociais. O colunismo é
recorrente nos periódicos de todo o País, é verdade, mas, convenhamos, jornal não é apenas coluna
social.
Jornais em circulação no Espírito Santo
Com base na pesquisa desenvolvida para a produção deste capítulo e por meio de listas
cedidas pela Superintendência Estadual de Comunicação Social, constatamos que, atualmente,
em todo o interior do Espírito Santo, de acordo com os municípios de origem, circulam os seguintes
jornais, no total de 87:
MUNICÍPIOS JORNAIS
Afonso Cláudio
O Resgate
Água Doce do Norte
Diário Popular
Alegre
Folha de Alegre
O Alegrense
A Palavra
Anchieta
Terceiro Milênio
Aracruz
Folha de Aracruz
Folha do Litoral
O Regional
Baixo Guandu
A Gazeta do Vale
Folha Guandense
O Regional
Barra de São Francisco
O Impacto
O Trovão
Boa Esperança
Alternativo
Folha do Campo
Gazeta do Norte
O Recado
Bom Jesus do Norte
Gazeta de Bom Jesus do Norte
Cachoeiro de Itapemirim
O Brado
O Diário
A Boca
Tribuna do Povo
Sete Dias
Espírito Santo de Fato
Folha do Espírito Santo
Castelo
Folha de Castelo
Colatina
A Folha dos Municípios
Canal Direto
Folha do Norte
Jornal da Indústria e Comércio
Nova Geração
O Imigrante
O Colatinista
Conceição da Barrra
Vale do Itaúnas
Domingos Martins
O Braço Sul
Ecoporanga
Folha de Ecoporanga
Guia do Norte
O Regional
Itaguaçu
Primeira Página
Iúna
A Notícia
Comunicatto
Linhares
Correio do Estado
El Shaddai
Folha de Linhares
Notícias do Norte
O Jornal
O Pioneiro
O Popular
Terra da Gente
Terral
Marataízes
Nova Fase
O Litoral
Montanha
Diário Popular
Gazeta Popular
Muqui
Jornal de Muqui
Nova Venécia
A Notícia
Folha do Estado
Norte Sul
O Cidadão
O Estadão
O Momento
Pedro Canário
Norte-Sul
Pinheiros
Correio Capixaba
Fala Povo
Norte Notícias O Guia
O Ponto
Projeção
Piúma
As Cabral Rezende
Hora Aghá
Notícias e Negócios
Nova Venécia
A Notícia
Folha do Estado
Norte Sul
O Cidadão
O Estadão
O Momento
Pedro Canário
Norte-Sul
Pinheiros
Correio Capixaba
Fala Povo
Norte Notícias O Guia
O Ponto
Projeção
As Cabral Rezende
Piúma
Hora Aghá
Notícias e Negócios
Santa Teresa
Santa Teresa
Tribuna do Canaã
São Gabriel da Palha
A Palha
O Expresso
São Gabriel
São José do Calçado
Cidade Aberta
São Mateus
A Imprensa
Jornal do Norte
O Classificadão
Tribuna do Cricaré
Venda Nova do Imigrante
Folha da Terra
Vila Pavão
A Voz do Norte
Expresso Norte
Tribuna do Pavão
Referências bibliográficas
BIGIO, Marilza. As cidades e suas gentes, Iúna, capital do café: uma história de lutas, sonhos e
conquistas. Revista Século. Disponível em:
<http://www.seculodiario.com.br/seculo/2001/seculo13/index4.
htm>. Acesso em 06 out. 2005.
BITTENCOURT, Gabriel. Historiografia capixaba & imprensa no Espírito Santo. Vitória:
Edit, 1998.
CIDADES e Microrregiões. Disponível em <www.citybrazil.com.br/ es> Acesso em set. e out.
2005.
ELE aprendeu a fazer... Fazendo! Disponível em <www.seculodiario.
com.br/arquivo/2004/agosto/14_15/entrevista/entrevista/14_08_ 01.asp> Acesso em set. 2005.
MORAES, Ormando. A Imprensa de Ontem e de Hoje. Escritos de Vitória.
Vitória: Edit 1996. p122.
Entrevistas
BICALHO, João. Jornal de Muqui. 2005. Entrevista concedida a Melina Viana Mantovani. 27 set.
2005.
CAMPOS, Joana. Jornal ES de Fato. 2005. Entrevista concedida a Melina Viana Mantovani, 01 out.
2005.
CARMO, João. Jornal Notícias e Negócios. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<melinamantovani hotmail.com> em 05 de out.2005.
CARVALHO, Almyr. Jornal A Palavra e O Alegrense. [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por <melinamantovani hotmail.com> em 08 de out. 2005.
COLA, Sandra Wernersbach. Jornal O Braço Sul. [mensagem pessoal]
Mensagem recebida por <danilopiassu yahoo.com.br> em 09 out.2005.
CONCEIÇÃO, Deni Almeida da. Jornal O Pioneiro. 2005. Entrevista concedida a Ananda
Barcelos Bisi, Linhares, 01 out. 2005.
CUQUETTO, Bento Tadeu. Jornal Folha do Norte. 2005. Entrevista concedida por telefone a
Ananda Barcelos Bisi, 06 out. 2005.
FERRARI, José Renato. A Notícia [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<anandabisi yahoo.com.br> em 04 out. 2005.
GONÇALVES, Erasmo Rocha. Comunicatto. [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por <danilopiassu yahoo.com.br> em 17 out.2005.
GONÇALVES, Maria Auxiliadora. Jornal Folha da Terra. 2005. Entrevista concedida a Danilo
Bicalho, Venda Nova do Imigrante, 07 out.2005.
MENDES, José Vicente. Resposta de questionário [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por <anandabisi yahoo.com.br> em 29 set.2005.
MENDES, José Vicente. Re: pesquisa [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<anandabisi yahoo.com.br> em 20 set. 2005.
MIGNONE, Maurício. Jornal O Mirante. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<melinamantovani hotmail.com> em 11 de set.
2005.
PINTO, Márcio de Castro. Jornal Tribuna do Cricaré. 2005. Entrevista concedida a Ananda
Barcelos Bisi e Melina Viana Mantovani, Vitória, 23 set. 2005.
RANGEL, Jackson. Jornal Folha do ES. 2005. Entrevista cedida à Melina Viana Mantovani, 01 out.
2005.
SANTOS, Wagner. Jornal Espírito Santo de Fato. 2005. Entrevista cedida à Melina Viana
Mantovani, 01 out. 2005.
SIQUEIRA, Mônica. Jornal Notícias e Negócios. [mensagem pessoal].
Mensagem recebida por <melinamantovani hotmail.com> em 13 de out. 2005.
ZANONI, Hermeval Carlos. Re: Livro [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<anandabisi yahoo.com.br> em 03 out. 2005.
Jornalismo Alternativo:
da década de 40 aos dias atuais
Carlos Calenti Trindade, Karina Moura,
Luciana Silvestre, Renata Murari e Vitor Bourguignon
Empastelou!
Do porquê deste capítulo
Já que este livro se propõe a contemplar a produção observada no Estado nas últimas décadas
dentro do campo do jornalismo impresso, destacando a importância dessa produção junto à
sociedade capixaba, compreendemos não haver nada mais justo e coerente que incluir como objeto
de nossa apuração, ao lado dos grandes veículos inclusos, aqueles que seguem justamente na mão
oposta à lógica em que se funda a grande imprensa (os mass media) e que, malgrado não alcancem
a mesma repercussão, não raro exercem uma influência ainda maior sobre o público restrito a que se
destinam. Referimo-nos, evidentemente, aos jornais alternativos, que, como todos nós
sabemos, gozam de ampla representatividade social face ao público inscrito em seu raio de
influência. E, entendendo ser este o principal critério para definição de nossa “pauta”, queremos
crer que não faz sentido descartarmos ou simplesmente ignorarmos essa modalidade de
comunicação em nosso trabalho de pesquisa, ainda que admitindo as dificuldades imanentes a esse
tema, quer pela escassez de material documentado, quer pela própria abrangência que lhe é própria.
Reconhecemos, igualmente, dada toda essa abrangência, que é impossível encampar em um
capítulo todas as informações que o assunto exigiria ou mereceria, no tempo exíguo de apuração
que nos compete. Este capítulo, é bem verdade, está condenado a ficar incompleto ou insuficiente, o
que, porém – ao menos assim pensamos –, não impede que apresente qualidade se,
conscientes dessas limitações, definirmos claramente nosso campo de apuração, e se, dentro daquilo
que nos propusemos a apurar, conseguirmos escapar à superficialidade.
Mais do que encerrar-se em si, este capítulo deve servir como incentivo, como ponto de
partida para uma investigação mais apurada sobre essa história que se nos foi apresentando
levemente ao longo do prazo que tivemos para desvendá-la – o qual, se é certo que foi curto, foi,
ainda assim, suficiente para inferirmos o quão rica ela pode se mostrar.
Método
Reunimos algumas das experiências que entendemos ser as mais importantes ou relevantes ao
longo da história da imprensa capixaba, dentro do campo do jornalismo alternativo. Para
isso, achamos por bem seguir uma linha cronológica, que, ainda que alguns entendam não ser a
mais apropriada (poderíamos, por exemplo, ter dividido o capítulo por modalidades dessa
imprensa alternativa), foi a que entendemos ser a mais adequada para uma exposição histórica, já
que, por muitas vezes, essas várias modalidades se confundem, inseridas que estão em uma
mesma conjuntura.
Concluímos que, mais interessante que esmiuçar as especificidades de cada publicação, seria
analisarmos sob o ponto de vista histórico o desenvolvimento da imprensa alternativa no
Estado, desde o seu tímido alvorecer junto com a imprensa capixaba, na primeira metade do século,
até os dias atuais, portanto contextualizando os vários momentos dessa “evolução” segundo a
perspectiva sócio-político-econômico-cultural que então vivia o País – e, particularmente, o Estado
–, discutindo como a conjuntura vivida pelo Espírito Santo em cada momento demarcado
repercutiu diretamente na produção alternativa de então.
Evidentemente, algumas publicações se impõem e não poderíamos deixar de analisá-las mais
detidamente. Assim, elegemos como carros-chefes alguns jornais que tiveram maior
expressividade em suas respectivas épocas, até mesmo com vistas a termos uma compreensão
global do que foi a imprensa alternativa em cada um desses períodos, partindo da análise específica
dessas publicações.
Teremos, assim, no período que antecede a ditadura militar, uma análise concentrada no jornal
Folha Capixaba, que pode ser compreendido como único veículo de relevância no cenário
alternativo capixaba durante o período mencionado. Em seguida, no primeiro ciclo da ditadura
militar (que aqui estamos tomando como as décadas de 60 e 70), vamos nos debruçar com
maior ênfase no jornal Posição, que, apesar de sua curta duração, foi extremamente representativo
para a luta social contra o regime, sendo, seguramente, o marco principal de resistência da
imprensa capixaba à repressão dos militares.
Na seqüência, naquilo que entendemos como o segundo ciclo da ditadura militar (de 78 até o
fim oficial da ditadura), a tarefa fica um pouco mais complexa, em função da notável explosão dos
chamados jornais alternativos entre os movimentos sociais (entenda-se populares, sindicais,
religiosos) que então se consolidavam, e que vai acompanhar todo o processo de reabertura política
do País. Aqui, optamos por dar um destaque um pouco maior ao boletim Ferramenta, produzido, à
época, pela Pastoral Operária de Vitória – ligada à Arquidiocese –, por entendermos que este reúne
e sintetiza todas as principais características que ora caracterizavam esse tipo de publicação.
Por fim, trazemos essa discussão para a contemporaneidade, em que vamos perceber, à
primeira vista, um certo arrefecimento dessa imprensa de caráter alternativo. Na ausência de um
grande expoente, um jornal que seja emblemático do período, pretendemos dedicar esse capítulo
exatamente a uma reflexão crítica acerca desse possível “refluxo” e, admitindo que ele tenha
acontecido, quais os fatores que o motivaram. Por fim, tencionamos avaliar a atual situação da
imprensa alternativa capixaba, diante da conformação midiática global que hoje se estende para o
Estado.
Afinal, nesses tempos de globalização (leia-se monopólio e massificação), há espaço para um
jornalismo genuinamente alternativo, que de fato justifique a expressão? Em caso afirmativo, onde
estão esses espaços? Atualmente, onde se insere o “alternativo”, onde podemos identificá-lo?
Mas vamos começar pelo começo. Você, leitor atento (que Machado nos dê licença), já deve
ter notado que estamos aqui a falar sobre o “alternativo”, a lhe fazer reiteradas alusões, como
se fosse algo consensual, sem termos mostrado uma preocupação em definirmo-lo mais
precisamente. Em verdade, longe de ser “ponto passivo”, a definição de “alternativo” suscita um
intenso debate conceitual, quer na academia, quer nas instâncias em que se dá sua produção.
De modo que, antes de nos aventurarmos a fazer qualquer aná- lise crítica ou exposição da
história de um jornal, cuidemos de dar sua definição – ou melhor, a definição que nós lhe
estamos conferindo, o recorte que fizemos sobre esse conceito fluido e subjetivo que é o de
“alternativo”.
O que é esse “jornalismo alternativo”? Que jornal pode se arrogar essa alcunha? Quais são as
características do “alternativo”?
O que define um jornal como “alternativo”? O que estamos a chamar de “alternativo”? E,
afinal, por que “alternativo”?
A quê?
Já nos diz o próprio vocábulo: “Alter”: “outro(a)”; “Nativo”: da terra – se quisermos, é claro,
ativar nossa imaginação. Alternativo, então, vem a ser uma segunda opção, uma possibilidade
outra de fazer, criar, pensar alguma coisa, que não aquela previamente existente. Alguns poderão
alegar que o conceito, em si, já sustenta uma depreciação, uma desqualificação, uma
minimização do objeto de estudo, uma vez que, para merecer essa definição, essa característica de
“alternativo”, tal objeto, a priori, é julgado e analisado sob o prisma do já-existente, isto é, do
hegemônico, tomado então como referência.
Seria, em tese, a título de ilustração, o mesmo que dizer que determinada tribo indígena segue
um modo e vida “alternativo”
– só porque este difere do modo europeu ocidental, amplamente aceito e conhecido.
Revelamo-nos, desde o início, predispostos a assumir um ponto de vista centrado no europeu (ou,
como queiram, eurocentrista). Todavia, a rigor, se invertemos o foco pelo qual analisamos a questão
e assumimos a óptica do índio, concluímos que a recíproca também é verdadeira. Isto é, o modo de
vida europeu é que passa a ser o alternativo.
Fazemos este preâmbulo para ajudar a esclarecer o porquê da nossa escolha. Ao falarmos de
uma “imprensa alternativa”, partimos do pressuposto de que há uma imprensa regular,
bem estabelecida, que aqui estamos tomando como base. É uma imprensa tradicionalmente
instituída na sociedade e que, ao longo da história, consolidou sua atuação, seu modelo de produção
e difusão de informações como o modelo convencional de se fazer jornalismo – portanto, um
modelo hegemônico.
Essa imprensa, hoje, atendendo à conformação midiática que se dá em âmbito global, está
concentrada na grande empresa e baliza a sua atividade pela lógica industrial da produção
massiva de notícias. É, portanto, uma imprensa inscrita no que pode ser entendido como
“comunicação de massa” e que, por seu longo alcance e repercussão social, pelo número expressivo
de leitores, pela sua proximidade (promiscuidade) às esferas de poder, pela sua influência direta na
configuração da sociedade que abrange e nas suas constantes re-configurações, tende a se instaurar
no imaginário popular como sendo “a” imprensa; é entendida, no senso comum, como o único
modo possível, a única “alternativa”. E é precisamente esse modelo que adotamos como um
pressuposto, para chegarmos à definição dessa tal “imprensa alternativa”.
Não quer dizer, de modo algum, que estamos aqui legitimando esse modelo, que estamos
tomando uma visão “globo-centrista”.
Muito pelo contrário, admitir sua hegemonia não equivale a coadunar com ela. Entendemos
que, longe de permitir a diversidade, democratizar a informação – como seus representantes tanto
gostam de afirmar –, uma tal conformação é extremamente negativa, na medida em que essa marcha
da concentração dos meios vem notavelmente redundar numa homogeneização do noticiário que
chega à população, logo seguindo na via inversa dessa diversidade tão charlatanescamente
propalada.
Ora, tomando-se alguns exemplares de exemplos dessa grande imprensa, jornais de grande
circulação que representam esse modelo, notamos que a ordem do dia entre eles é praticamente a
mesma. Seguem estes veículos basicamente os mesmos critérios para definição da pauta e as
mesmas estratégias de discurso para apresentar as notícias. Assim, priorizam na seleção dos
fatos aquilo que se mostra vendável (comercializável) e, ao apresentar essas notícias, lançam-lhes
contornos cada vez mais espetacularizados – processo cada vez mais difundido entre os
jornais impressos, visando a recuperar o espaço ocupado pelo telejornalismo.
Fundados que estão esses jornais em parâmetros estritamente comerciais, tratam a informação
como um produto mercadológico, julgando-a, assim, pelo seu valor de troca e não mais pelo
interesse social, princípio elementar do jornalismo desde a sua mais remota origem.
Com efeito, o caminhar do negócio midiático, em conformidade com o caminhar dos tempos,
conduziu-o para uma paulatina concentração dos meios – já anunciada, há muito, pelo
clássico “Cidadão Kane”. À medida que o mundo foi progressivamente se capitalizando,
convertendo-se ao capitalismo – e, por extensão, a seus (anti-)valores do consumo –, a comunicação
foi transmutando-se em segmento econômico, deixando para trás o romantismo de suas origens
panfletárias; a informação, por sua vez, produto dessa comunicação, foi adquirindo as feições
de mercadoria e, em compasso com os avanços das tecnologias que lhe dão suporte, foi-lhe sendo
atribuída importância econômica cada vez maior, a ponto de hoje ela ser compreendida como
a mola-mestra desse neo-capitalismo. Fala-se mesmo que adentramos um novo ciclo do
capitalismo, sucessor ao da energia, e que teria na informação o seu centro de irradiação.
Assim sendo, o que vislumbramos hoje é um jornalismo concentrado nos grandes
conglomerados, o domínio das corporações de mídia, de modo que os jornais, vinculados
organicamente a empresas dos mais diversos setores econômicos, constituem-se em nada mais que
seus autênticos porta-vozes, canal que essas empresas utilizam para reproduzirem seu discurso,
amparadas pela legitimidade de que o meio jornalístico desfruta no espaço social.
Podemos falar, portanto, que informação hoje em dia é poder: quem detiver o controle sobre
sua produção, terá, por extensão, o controle virtual da sociedade. Quem tiver o poder de
informar, terá, por extensão, poder político. A disputa de poder não se dá mais nos campos de
guerra, mas no espaço virtual. Para além de uma disputa bélica, há, antes, uma disputa ideológica,
que não se trava no plano militar, mas no plano midiático, no plano simbólico da informação.
E as empresas jornalísticas – e aqui particularmente suas ramificações no jornalismo impresso
–, largamente instrumentalizadas, apresentam-se como um recurso estratégico para a produção de
subjetividades, ação sobre o imaginário coletivo, persuasão e convencimento, dada, em que pese a
concorrência esmagadora exercida por mídias mais modernas, a penetração considerável que ainda
têm na sociedade. Há, então, a circulação de inúmeras versões, as quais, no entanto, dão conta de
uma só “verdade”
– retomando Foucault: “Verdades são discursos hegemônicos”.
Dito isto, não obstante as boas intenções de alguns jornalistas ou até mesmo de alguns
empresários, percebemos atualmente um jornalismo verticalizado, amplamente
descomprometido com as demandas e os anseios populares, cada vez mais distanciado das
comunidades às quais, ao menos em tese, se reporta.
Rigorosamente vão sendo abandonados – ou despriorizados – os princípios que devem
amparar qualquer atividade jornalística, ou que se pretenda como tal.
Nesse sentido, enfatizamos o seu papel de formação, que, antes mesmo que se acrescente o
prefixo, deve corresponder ao real sentido de “informar”. “Formação”, aqui, num sentido
muito amplo, não só de formar opinião, mas, primeiramente, de educar, socializar conhecimento,
divulgar idéias, estimular a criticidade, a consciência política e a participação nas esferas públicas,
quer no que tange aos espaços de representação formal do poder (macroesferas), quer no que tange
aos espaços locais de sociabilidade (micro-esferas).
Em suma, incentivar a participação política do indivíduo, para que ele desenvolva a
consciência de seu potencial como agente social e reflita sobre a sua condição no mundo que habita
(“mundo”, é claro, sempre relativizado), nos vários espaços de convivência que freqüenta, nos
vários grupos sociais de que é parte; reflita, enfim, sobre a sua forma de se relacionar com o mundo
e, sobretudo, com seus pares, com as pessoas que dividem esse mundo.
Com efeito, desde que o homem se entende como homem e busca situar-se neste mundo
(definir o seu lugar e o seu papel), a comunicação (vale lembrar: “tornar comum”) deve, em
essência, ter por finalidade a integração entre as pessoas. O jornalismo, então, como campo que, na
contemporaneidade, sintetiza essa comunicação, deve se propor a aproximar os indivíduos,
publicizar as questões coletivas, incentivar a interação e o diálogo. A informação deve atender a um
coletivo e deve ser usada tendo em vista o bem comum, e não sob essa perspectiva individualista da
autopromoção, do acúmulo, da competitividade, do aprimoramento pessoal, do “quanto mais sei,
mais posso”, tão próprio da era em que vivemos, dessa ética neoliberal que tanto ganha adesão entre
as pessoas.
E onde podemos resgatar esses princípios em desuso na imprensa senão no assim-chamado
“jornalismo alternativo”? Um jornalismo que, de fato, seja alternativo a esse modelo, nos
mais diversos aspectos da produção jornalística: definição da pauta; seleção, edição e tratamento da
notícia; estilos e estratégias de discurso; interlocução com os leitores; linha editorial;
propósitos com a publicação; o público a que se destina e a relação mantida com o mesmo; a
dinâmica de produção; a participação desse público naquilo que é veiculado; o perfil da equipe,
daqueles que produzem a informação; sua forma de se relacionar com o veículo; as formas de
financiá-lo e de geri-lo; a participação do público em sua gestão e planejamento.
Um jornalismo, enfim, que, ao menos em alguns desses aspectos, escape a essa conformação
tradicional da grande imprensa.
Alter-nativo: “o outro da terra”
Como se pode ver, o critério que empregamos para definir esse “alternativo” foi o mais amplo
e genérico, sob o risco (assumido)
de incorrermos em um reducionismo. Diante da dificuldade – ou mesmo da impossibilidade –
de delimitarmos esse campo, especificarmos o conceito, optamos por chamar “alternativo” a
tudo aquilo que não é A Gazeta, A Tribuna, etc, enfim, tudo aquilo que não segue uma linha
comercial de empresa midiática.
Isto inclui desde aquelas experiências que podem mais seguramente se caracterizar como
“imprensa alternativa”, isto é, os jornais de resistência e oposição política – no nosso caso com
destaque ao Posição –, até as experiências mais (aparentemente) despretensiosas, jornais de alcance
bem menor, com um público específico e de âmbito local. Aí incluímos os jornais de movimentos
sociais – particularmente aqueles da década de 80 –, jornais comunitários, jornais de bairros
(associação de moradores), eclesiais e sindicais, os quais, em que pese toda sua diversidade,
guardam claramente algumas marcas em comum, quais sejam: um conteúdo mais crítico e
politizado, uma linguagem acessível ao “povão” e, no mais das vezes, o fato de partirem de
iniciativas populares.
Entretanto, não poderíamos simplesmente ignorar a disparidade teórico-conceitual que recai
sobre o conceito. Visando justamente a incorporar essa discussão ao trabalho, contemplar as
opiniões distintas, é que pensamos este sub-capítulo. Num primeiro momento, pensávamos em
pesquisar autores ou correntes teóricas em Comunicação que, ao longo dos anos, desenvolveram
trabalhos de pesquisa e teorias importantes sobre o tema, a exemplo da escola Latino-Americana –
indicamos Peruzzo, Kaplún, Martín-Barbero Contudo, no decorrer do trabalho de campo, a
interatividade se impôs. Mais do que nos debruçarmos sobre livros já publicados, pensamentos já
encerrados e sistematizados, a própria discussão com os entrevistados de várias procedências foi
nos propiciando o contato com as várias concepções de jornalismo alternativo e nos levando a
construir a nossa própria idéia sobre o meio.
Falamos com alguns protagonistas dessa história no Estado e com alguns intelectuais de vários
campos do saber que, de alguma forma, dedicam-se ao estudo sobre o tema, tais como:
Professora Doutora Desirée Cipriano, atualmente no Departamento de Serviço Social da Ufes, ex-
professora de Comunicação Social na mesma universidade; Professor Paulo Soldatelli,
atualmente no Departamento de Comunicação Social da Faesa; Professora Doutora Marta Zorzal,
do departamento de Ciências Sociais da Ufes; Professora Doutora Beatriz Krohling, atualmente no
Departamento de Serviço Social da Univila (Vila Velha); João Morais, diretor regional do Partido
dos Trabalhadores no Espírito Santo; Tinoco dos Anjos, diretor-geral da TVE no Estado.
Pega dali, fuça de lá, cada um nos emprestava o seu retalho, que íamos tratando de amarrar
com nossa “linha alternativa”. Ao fim desse trabalho de costura, chegamos a algumas conclusões.
São elas:
1) Em meio a tantas divergências, há, destacadamente, um ponto consensual, livre de qualquer
contestação: o “jornal alternativo”
não pode possuir fins lucrativos. Ainda que seja vendido, os lucros eventualmente angariados
devem servir a causas outras que não empresariais.
2) No que diz respeito a estratégias de discurso, os jornais alternativos, quaisquer que sejam as
suas motivações, seguem diametralmente no sentido oposto à grande imprensa –
tradicional, conservadora e burocrática –, cujos expoentes contentam-se em refletir-se mutuamente,
atolados que estão em modelos de discurso pasteurizados que se (a)fundam em “técnicas
jornalísticas” frias, mecânicas e extremamente aborrecidas.
Assim, em lugar da impessoalidade, temos um discurso direto e familiar; em lugar da
objetividade factual, a análise e a reflexão aberta, a argumentação fraterna e dialógica; em lugar da
pretensa isenção (imensa pretensão!), o ponto de vista assumido e declarado; em lugar da
neutralidade, de uma suposta imparcialidade que, como sabe qualquer calouro de Comunicação
Social, nada mais é que um véu para mal dissimular intencionalidades inconfessas muito
particulares –, a fala explícita que todos sabem de onde parte, de alguém que todos sabem de onde
vem.
3) Podemos – e novamente admitindo uma visão eventualmente redutora – distinguir bem
claramente três modalidades principais de jornalismo alternativo, a saber:
a) Um jornalismo com claros contornos político-partidários.
Nas publicações que atendem a esse modelo, há um discurso politicamente engajado em
defesa dos interesses de um partido ou de uma corrente política – em alguns casos, mais de uma.
Aqui no Estado, um perfeito exemplo é o próprio Folha Capixaba, do período pré-ditadura.
também aqueles jornais reconhecidamente “de esquerda”, que sustentam um discurso libertário
em contraposição à repressão. São os chamados “jornais de resistência”, que emergem
particularmente em regimes de exceção e cassação de direitos civis. O principal exemplo dentro do
jornalismo capixaba é, certamente, o Posição. Embora, de modo geral, esses jornais se remetam às
massas, não há, aqui, propriamente, uma participação efetiva do povo na sua produção.
b) Um jornalismo produzido especificamente para atender a um segmento social, mas que não
conta, nas etapas de produção, planejamento e gestão, com o envolvimento direto de seus
representantes.
As publicações aqui inscritas levam até esse grupo social (comunidade, categoria, etc)
questões de seu estrito interesse – sejam elas mais pontuais (suas demandas e reivindicações), sejam
elas as “causas maiores”. São jornais politizados, que almejam conscientizar seu público e estimular
sua mobilização e participação mais cidadã.
Geralmente, partem de iniciativas pessoais de jornalistas ligados a esses grupos e engajados
em suas causas, ou são vinculados a entidades como ONGs, partidos, empresas ou instituições
religiosas.
Um bom exemplo no Estado é o jornal Ferramenta, ligado à Pastoral Operária, que também
detalharemos na seqüência.
c) Um jornalismo que se destina a um determinado grupo social e que, para além disso, é
produzido por esse mesmo grupo. Aqui, é certo, a participação da comunidade envolvida se dá em
níveis muito maiores. Alguns acreditam que esta é a única modalidade genuinamente alternativa de
se fazer jornalismo, já que todas as etapas de produção (redação, impressão, distribuição) da
publicação se encerram no interior desse grupo, que, em casos mais extremos, responde ainda pelo
planejamento de políticas financeiras e de propostas editoriais do informativo (sistema de auto-
gestão).
Em alguns casos, pode haver, num primeiro estágio, a presença de um ou mais jornalistas, que
vão estimular naquele grupo o interesse em criar a publicação, capacitando-o para usar os meios
e orientando-o em suas práticas. Com o passar do tempo, conforme o seu interesse, o grupo pode
manter a produção, mesmo após o afastamento dos “tutores”. Em verdade, esta é uma prática
que vem se disseminando no País, sob a tutela de Ongs ou por iniciativas pessoais. Em outras
situações, a publicação pode despontar de um interesse espontâneo do grupo social, a partir de uma
necessidade autêntica manifesta por seus representantes.
Da década de 40 ao início da Ditadura
Jornal Folha Capixaba
Folha Capixaba apareceu-nos como uma surpresa ao pesquisar sobre jornalismo impresso
alternativo no Espírito Santo. Primeiro, pelo período histórico em que o jornal existiu: de 1945 a
1964, entre o Estado Novo e a ditadura militar. Não havia muitas expectativas de que fôssemos
encontrar algum periódico que questionasse a ordem vigente nessa época. Segundo, pelas
próprias características da publicação: um jornal comunista e popular, diário, que permaneceu por
15 anos em circulação, concorrendo com os grandes jornais da época.
Resgatar a história desse impresso capixaba não foi fácil, devido aos poucos registros
históricos que se tem, tanto materiais quanto pessoais. Existem apenas dois rolos de
microfilmagem do jornal no Arquivo Público Estadual, que guarda exemplares dos anos de 45, 54,
55 e 56. Muitas edições, no entanto, estão visivelmente prejudicadas. Não encontramos registros do
jornal em papel, uma vez que todo acervo foi queimado ou apreendido quando ocorreu o golpe de
64.
Em âmbito pessoal, devido ao tempo, somente os senhores Antônio Granja e Clementino
Dalmácio, com 90 e 97 anos, respectivamente, são a memória viva dessa experiência de jornalismo.
As demais pessoas que escreveram no jornal, lembradas pelos entrevistados ou que têm seus
nomes nas edições encontradas, faleceram ou estão fora do Espírito Santo há muito tempo.
Apesar das dificuldades, consideramos que essa experiência de jornalismo no Estado merece
registro e valorização, uma vez que apresenta um recorte da história mais próxima da visão
popular e das forças de esquerda e oposição que existiram naquele momento histórico.
Do contexto ao texto e aos personagens em cena
Para compreender a atuação do jornal Folha Capixaba e sua relevância histórica, é
imprescindível situá-lo no contexto político por que passava o Brasil naquele período. E também ter
em vista, desde já, quem foram os principais articuladores e mantenedores do jornal.
A Folha Capixaba teve seu primeiro número lançado em 1º de maio de 1945. Seus diretores e
proprietários eram João Calazans e Érico Neves, os donos da tipografia onde era rodado o jornal.
A redação, administração, distribuição e assinaturas, entretanto, eram de responsabilidade
principalmente dos membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que entrou na legalidade
nesse mesmo ano, quando terminou a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas.
O ano de 1945, então, é um marco na reabertura democrática do País, que acabava de sair do
Estado Novo, um período de ditadura caracterizado pelo fechamento do Congresso Nacional,
imposição de uma Constituição de tendência fascista, censura aos meios de comunicação e
repressão à atividade política pelo governo de Getúlio Vargas – lembrando que o golpe do Estado
Novo, em 1937, ocorreu sob a justificativa de que os comunistas estariam preparando o Plano
Cohen para tomar o poder no Brasil.
Mas a reabertura em 1945 só foi possível devido à pressão internacional.
Nesse período, estava terminando a Segunda Guerra Mundial em favor dos Aliados e contra os
Estados nazi-fascistas a quem Vargas ideologicamente se alinhava. Isto fez com que
ocorressem mudanças institucionais no sistema político do Brasil, cul- minando no fim do Estado
Novo e na reintrodução das instituições liberais como partidos políticos e realização de eleições.
O PCB, então, bastante atacado durante a ditadura de Vargas, volta à legalidade em 1945 e
articula seus diretórios em vários locais do País, principalmente no Rio de Janeiro, Salvador,
Recife, Belo Horizonte e São Paulo. E articula também publicações em rios lugares,
principalmente jornais diários, como: Tribuna Popular, no Distrito Federal; Hoje, em São Paulo; O
Momento, na Bahia; Folha do Povo, em Pernambuco; O Democrata, no Ceará; A Tribuna Gaúcha,
no Rio Grande do Sul; O Estado, em Goiás; e Folha Capixaba, no Espírito Santo.
É importante destacar que a Folha Capixaba, assim como outros jornais do mesmo estilo que
existiram, emerge num momento de reabertura democrática no País, de inserção de novas forças
no contexto político; e terá também o papel de marcar a posição da esquerda, representada pelo
PCB na conjuntura política daquele momento.
Das cartinhas dos leitores ao embate político: Folha Capixaba em
tempos de Vitória antiga
Como escrito anteriormente, o jornal Folha Capixaba foi lançado em 1º de maio de 1945.
Desde seu primeiro exemplar,tinha características que o acompanhariam por todas as demais
edições, como a presença de artigos de membros do PCB, que configuraram a linha política do
jornal, denúncias de problemas locais e divulgação de eventos do Estado, com destaque à área de
esportes.
Na primeira edição do jornal, os principais assuntos abordados foram o Dia do Trabalhador,
com grandes questionamentos às leis trabalhistas; a memória de Domingos José Martins,
considerado herói capixaba em Pernambuco; e análise da situação nacional e internacional por Luiz
Carlos Prestes, grande dirigente do PCB.
Pelos temas abordados, pode-se perceber que o jornal pretendia fazer essa aproximação com a
classe operária e com o povo, além de divulgar as idéias de esquerda naquele momento. Na
primeira edição, Prestes faz uma saudação especial ao jornal:
Ao saudar, neste primeiro número da Folha Capixaba, o
povo do Espírito Santo, evoco a memória de Domingos José
Martins, herói e mártir de 1817, padrão e guia do Brasil
democrático e progressista a que havemos de chegar. Que
Folha Capixaba seja digna dessa tradição e saiba defender
com sinceridade e inteireza os superiores interesses do povo
espíritosantense e dos Estados vizinhos, é o que almeja - Luiz
Carlos Prestes- 26/04/1945.
O editorial da primeira edição enfatizava a postura que o jornal teria:
Presença.
Folha Capixaba é um jornal do povo. Batalhará
pelos anseios da população de todos os recantos do
nosso Estado, por menores que eles pareçam,
procurando sempre, com justiça e desassombro, a solução
de cada um deles.
Problemas populares que necessitam dos
nossos cuidados. Assim sendo, seguiremos sempre
ao encontro da coletividade espírito-santense, levando suas
reivindicações e sugerindo soluções práticas e imediatas. Não
temos quaisquer compromissos que nos impeçam de lutar
pelas conquistas populares, jornal do povo, nascido do povo,
para atender exclusivamente à vontade do povo, jamais
daremos lugar às paixões que nos afastem dessa linha
de conduta.
Assim mostramos a arma com que vamos enfrentar a
luta: - nem o elogio incondicional, nem o ataque sistemático,
pois ambos são incompatíveis com a verdadeira democracia.
Um regime como o que esperamos seja estabelecido no
Brasil, democrático e progressista, abrangendo elementos de
todas as camadas sociais, só poderá ser instituído à base de
campanhas populares, dentro da ordem e da liberdade.
Regime que não admite nenhum debate sem a participação do
povo. Dentro desse ponto de vista, nossas colunas estarão
sempre abertas, prontas para o levantamento das questões
mais urgentes da nacionalidade. Sem exclusivismos
regionalistas, seremos uma bandeira de defesa da terra e do
povo do Espírito Santo.
Segundo o senhor Clementino Dalmácio, que foi gerente do jornal e membro do “Partidão”, a
Folha Capixaba era um jornal da classe operária, do povo. “Eles participavam do jornal,
levavam reclamação. A Folha Capixaba tornou-se um jornal popular da classe operária. Não fomos
nós que impusemos o jornal, foram eles mesmos que foram trazendo as matérias para publicar”.
O jornal também costumava enfatizar isso nas suas páginas:
A Folha Capixaba lidera o movimento democrático em
prol da reconquista das liberdades perdidas em 37. É,
portanto, um órgão do povo. Sua grande tiragem, sua feição
gráfica e suas autorizadas fontes de informações, dizem
melhor da excelente acolhida que lhe dispensa o público
capixaba.
Esse jornal fazia, de fato, uma ponte com o povo, sobretudo com os operários. O senhor
Antônio Granja, colaborador do jornal, recorda que o periódico era lido aos operários que
trabalhavam no porto de Vitória, uma vez que muitos eram analfabetos.
“O Hermógenes Lima ia levar marmita no porto para o seu pai.
Tirava a comida da sua bolsa e também o jornal. E fazia a leitura das notícias em voz alta”.
Além disso, era freqüente o envio de cartas à redação do jornal, com sugestões de temas a
serem publicados. Pode-se perceber que havia notinhas com títulos que retratavam problemas
bem pontuais do cotidiano das pessoas, por exemplo: “Escolas para o povo”, “Manteiga acima da
tabela”, “Ônibus para Colatina”. O próprio jornal incentivava esse tipo de participação, como
pode ser comprovado na seguinte passagem:
Queixas e sugestões:
- Você tem alguma sugestão a fazer?
- O transporte que utiliza é deficiente?
- Seu telefone está constantemente defeituoso?
- Em seu bairro há falta de água?
- Sua rua é visitada pela limpeza pública?
- Há foco de mosquitos e moscas nos corredores de sua
residência?
- O local de seu trabalho é insalubre, mal ventilado?
Enfim, você tem alguma reclamação a fazer?
Escreva-nos. Nós seremos, com prazer, o veículo de suas
reclamações. Reclame. Mas sempre com razão.
Nas questões locais, o jornal atuava bastante como órgão de denúncia, retratando os problemas
sociais daquele período, como as dificuldades dos trabalhadores rurais, as obras de construção do
porto de Vitória, as deficiências de saneamento e infra-estrutura dos bairros. Além disso, divulgava
eventos da cidade, tanto culturais, como peças de teatro, quanto políticos, como reuniões de
sindicatos. É interessante ressaltar que havia duas colunas fixas no jornal: a “Folha Social”, uma
espécie de coluna social que continha nascimentos, aniversários, núpcias, saudações do
povo capixaba; e a “Folha nos Esportes” que tratava dos eventos esportivos do Estado.
Além de tratar recorrentemente de questões sociais dos bairros e das cidades do interior
também (principalmente Colatina, Cachoeiro e Guaçuí), o jornal trazia diariamente notícias
internacionais e acompanhava as discussões políticas nacionais, sempre se posicionando claramente
em tempos de eleição.
Desse modo, ao olhar as edições do jornal ao longo do ano de 1945, é possível acompanhar
todo movimento político que acontecia no Brasil e internacionalmente, apenas pelos temas
de primeira página. As matérias nacionais tratavam principalmente da reabertura democrática do
País e destacavam o desfecho da Segunda Guerra Mundial; a extinção do DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda do Estado Novo); críticas ao integralismo como movimento
antidemocrático; legalidade do PCB e sua expansão pelos Estados do Brasil e, posteriormente, sua
organização no Espírito Santo; organização dos movimentos populares, como na criação do
movimento unificador dos trabalhadores (MUT) no Estado. Além disso, o jornal abordou temas por
meio de propagandas mesmo, como na convocação da Assembléia Constituinte, no ano de 1945.
Diariamente, a Folha trazia novas informações sobre o tema, artigos em defesa da convocação
da Assembléia e propagandas políticas, que incentivavam os leitores a aderirem a esse movimento
em favor da convocação. Não se pode deixar de citar também que os candidatos apoiados
pelo jornal, na época de eleições, eram apresentados explicitamente nas suas páginas para
conhecimento do leitor.
Internacionalmente, o jornal abordava questões relacionadas à situação dos países alinhados ao
comunismo, como a União Soviética (havia várias referências a Stálin), China e Iugoslávia, com o
marechal Tito. Percebe-se essa preocupação internacionalista quanto às questões políticas, bastante
característica desse momento histórico de reconfiguração geopolítica pós-Segunda Guerra.
A distribuição do jornal também era feita de modo a atingir as classes populares. O senhor
Antônio Granja lembra que saía, juntamente com Hermógenes Lima, para distribuir o jornal de casa
em casa. “Íamos com 300 exemplares debaixo do braço ao morro dos Alagoanos. Batíamos de porta
em porta oferecendo o jornal”. Os exemplares também eram vendidos em bancas e por crianças na
rua, que gritavam: “Comprem o Folha Capixaba, o jornal do povo!”, já ansiando pela venda de um
exemplar para comprar um docinho, como recorda seu Clementino.
Entretanto, o jornal não se mantinha apenas das vendas. Havia muitos anúncios no jornal,
sobretudo de estabelecimentos comerciais populares como açougues, farmácias, sapatarias, fábrica
de móveis, laticínios e loja de materiais de construção. É interessante observar que o jornal chegou
a fazer uma campanha de arrecadação de fundos para sua subsistência, divulgando, por várias
edições, uma carta que apresentava suas necessidades e dificuldades para se manter, juntamente
com uma lista de nomes de colaboradores freqüentes. Segue a carta publicada nos exemplares:
Aos amigos da Folha Capixaba:
Folha Capixaba é um jornal do povo. Tem lutado para
manter sua posição firme, sua linha justa, esboçada na sua
edição inicial, no artigo “Presença”, onde estabelece a
fidelidade de seu programa.
Dissemos, então: - “Não temos quaisquer compromissos
que nos impeçam de lutar pelas conquistas populares. Jornal
do povo, jamais daremos lugar às paixões que nos afastam
dessa linha de conduta”. Efetivamente, assim tem acontecido
e nunca sairemos desse princípio, pois, desse
modo, esperamos corresponder à confiança do nosso grande
líder Luiz Carlos Prestes, na mensagem que nos enviou de
saudação ao povo capixaba [...].
Tribuna das aspirações populares, nossa posição de
independência política precisa ser conduzida ao lado da maior
independência econômica. Não temos outros recursos a não
ser o apoio do povo.
Não possuímos outra fonte de renda que não a
da contribuição espontânea do povo.
Um grupo de amigos da Folha
Capixaba, compreendendo a necessidade de ser mantido
esse jornal do povo, encabeça o movimento de
ajuda, angariando meios e recursos para que
possamos enfrentar os enormes gastos indispensáveis
ao prosseguimento de nossa obra.
Louvamos a idéia e a aceitamos, justamente
porque partiu da vontade popular, daqueles que, desde o
primeiro momento, nos encheram de orgulho e estímulo,
sentindo a necessidade da imprensa livre.
Assim, ficou constituída uma comissão de ajuda à Folha
Capixaba, composta dos srs: Jason Moreira de Barros,
Geraldo Sodré, Cap. Augusto Olivies, Moysés Calino,
Edward Santana e Major Otto Netto, todos devidamente
credenciados para esse fim.
Em nossa redação, encontra-se, desde já, uma lista para
aqueles que queiram aderir ao movimento.
O jornal na concorrência
O jornal Folha Capixaba era um dos jornais de destaque da época, concorrendo com A Gazeta
e com A Tribuna. Nessa época, a Folha se colocava como oposição política a A Tribuna, que
era considerada “integralista” e “reacionária”, como relatam Granja e Clementino. É interessante
registrar que a sede do jornal foi ameaçada diversas vezes pelos integralistas, embora não
tenha existido uma ação efetiva por parte deles.
A Gazeta, entretanto, não era considerado um jornal tão reacionário pela Folha Capixaba.
Muitos jornalistas de A Gazeta, inclusive, chegaram a trabalhar na Folha nesse período.
“Éramos oposição a A Tribuna, mas não a A Gazeta. A Gazeta era nossa aliada, mas não em
termos de matéria; tinha sua linha, que era do conservadorismo, como é até hoje. Participávamos da
Associação de Imprensa Capixaba junto com o pessoal de lá. Entretanto, tínhamos intrigas com o
pessoal de A Tribuna. Porque aí eram os dois opostos: comunismo e integralismo.
E nós sempre ganhamos”, lembra Antônio Granja ao comentar que, muitas vezes, a Folha
Capixaba chegou a ser lida mais que A Tribuna.
O mais interessante de se observar nisso é como um jornal marcadamente de esquerda,
produzido sem uma infra-estrutura suficiente, que contava com diversos colaboradores
para produção de textos, conseguia concorrer, em termos de leitura da população, com jornais
produzidos por empresas de comunicação.
Folha Capixaba e os governos locais
A relação de Folha com os governos locais, embora bastante crítica aos problemas sociais, era,
de certa forma, amistosa. O senhor Clementino afirma que procuravam não fazer um
embate político direto com o governador, na época Lindenberg.
Mas houve um fato marcante que fez com que a Folha Capixaba influenciasse muito na vida
política do Estado. Em 1960, houve uma eleição para governador, na qual disputaram Jones dos
Santos Neves e Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho. O candidato Chiquinho, um populista,
pediu ao PCB que o apoiasse por meio da Folha Capixaba. O jornal, então, lançou uma nota
pedindo ao eleitorado para votar em Francisco Lacerda de Aguiar. “O Chiquinho foi eleito. Poderia
ter 20 motivos para isso. Mas o que prevaleceu foi o apoio de Folha Capixaba”. Antônio Granja
ainda afirma que o apoio ocorreu porque era o melhor candidato no período.
“O Chiquinho era o melhor, era um popular, um populista. O Jones era da elite. O Jones
sempre foi muito reacionário”.
É importante relembrar que a Folha Capixaba deixava bem claro, estampado em suas páginas,
quais eram os candidatos que apoiava.
E por ter essa grande inserção nas camadas populares e no interior, era um jornal bastante
procurado para esse tipo de apoio político.
Uma escola de democracia
A Folha Capixaba teve seu fim decretado no golpe militar de 1964. Assim como toda
imprensa desse período, o jornal foi confiscado, o material foi queimado e seus responsáveis foram
presos temporariamente, como Clementino, que chegou a ser detido três vezes num mesmo dia por
participar da equipe do jornal.
Por toda sua trajetória, a Folha é considerada uma escola de democracia. “A Folha Capixaba
ensinou para essa gente aí que oposição não é um bicho papão; é uma parte da sociedade que não
concorda com o modelo vigente e busca uma outra saída.
E, nessa saída, educamos. A Folha Capixaba teve um papel muito importante na divulgação
do sistema da democracia no Estado”, destaca Antônio Granja.
Também é importante destacar que a Folha Capixaba promovia comícios e atividades, ou seja,
os debates na vida política ultrapassavam as páginas do jornal e concretizavam-se na prática,
no cotidiano, na praça pública.
Como diz Clementino, são “histórias de Vitória antiga”, mas que marcaram um período de
reabertura política do País. É interessante notar que o jornal refletiu a inserção da classe operária na
cena política do Brasil e do Espírito Santo, guiada pelo PCB, que teve fundamental importância na
difusão dos ideais de esquerda nesse período. A preocupação em divulgar a “voz do povo” nos
meios de comunicação começava a surgir em alternativas concretas, como foi a Folha Capixaba.
Clementino orgulha-se de dizer que “era um jornal nosso. Nós podíamos publicar o
que pensávamos, o que acontecia com o povo. Se o povo mandasse uma reclamação para A
Tribuna, não saía. Para A Gazeta, saía um pouco. E, na Folha, saía tudo que o povo pensava”.
Portanto, é preciso perceber a Folha Capixaba como uma expressão concreta da necessidade
de expressar idéias, posicionamentos políticos profundamente reprimidos durante muito tempo
no País. O jornal representa a reorganização explícita da esquerda em torno de questões políticas,
representada no PCB, o qual teve papel central em manter o jornal e pensá-lo como instrumento de
classe. Desse modo, é possível perceber como os meios de comunicação, sobretudo o jornal, dizem
muito de uma época. E Folha Capixaba diz muito sobre a visão popular e da esquerda do período
de 1945 a 1964.
A estréia do jornal capitaneado pelo Partido Comunista Brasileiro
O Folha Capixaba possuía coluna diária sobre o esporte no Estado
O debate sobre o comunismo internacional era pauta obrigatória
O Folha Capixaba tinha posição política expressa em seu conteúdo
A população era convidada a contribuir com o dia-a-dia do jornal
Expediente da Folha Capixaba
Apesar de se declarar não-partidário, a influência do PCB era clara
Período ditatorial
Posição
No dia 29 de outubro de 1976, com o lema “A imprensa independente é a única alternativa”, é
lançada, no Espírito Santo, a primeira edição do jornal Posição. Com a pretensão de ser um
jornal diferente dos tradicionais veículos de comunicação da época, a primeira edição traz as suas
justificativas sob um editorial intitulado “Um jornal do leitor”:
Afinal, POSIÇÃO saiu. E está em suas mãos. Será POSIÇÃO
um jornal diferente? Sim. Porque é um jornal de jornalistas. E
não de um industrial, de um empresário. E também porque
queremos que, deste jornal, o leitor faça o seu jornal.
Participando como quiser e puder. Escrevendo crônicas,
poesias ou reportagens, desenhando ilustrações, criticando o
nosso trabalho ou estimulando a nossa posição.
Desse diálogo entre leitor e jornalista nascera, com certeza,
uma notícia mais representativa das aspirações do leitor. Das
suas aspirações. E das de seus amigos. E de sua comunidade.
O jornal, portanto, será aberto: suas notícias serão
importantes porque serão as notícias do leitor. Este, no
momento, nos parece o método mais democrático de fazer
jornal.
Além de deixar clara a sua posição em relação à forma de se fazer jornal, destacando a
importância da participação do leitor, o Posição ressalta ainda os porquês de ser um jornal
independente, quinzenal e “atrasado”:
O nosso jornal é um jornal independente. O que é que isso
significa? Uma vez mais, isso vai depender de nós,
jornalistas, e de você, leitor. A idéia de fazer um jornal de
jornalistas parece inegavelmente boa. Boa porque, dessa
forma, a notícia divulgada não obedecerá a interesses
estranhos aos do jornalismo propriamente dito. Mas, em
compensação, sem uma estrutura empresarial sólida, nos será
muito mais difícil sustentar o jornal. Dependemos
essencialmente do leitor.
Um outro aspecto que deveria ser comentado na apresentação
é o do jornal ser quinzenal. Pode parecer banal, mas para nós
tem um significado maior, profundamente ligado a nossa
concepção de jornalismo. [...] Vivemos na época dos press-
releases, ou seja, boletins previamente preparados pelas
grandes empresas, pelas secretarias, pelas autarquias ou
pelas autoridades, com o objetivo de serem a notícia.
Vivemos também na época do off, ou seja, quando
a informação nos é comentada ou fornecida ao pé do ouvido
sob a condição de não ser citada a fonte.
Em ambos os casos, o grande inimigo do repórter é o tempo.
Trabalhando para um jornal diário, ele fica literalmente sem
tempo para apurar a autenticidade dos dados fornecidos pelo
release ou para verificar a honestidade da informação dada
em off. Nossa opção por um jornal quinzenal foi também
considerando que, dessa forma, o repórter terá mais tempo
para apurar a notícia. E sua notícia será seguramente
mais próxima da verdade. [...]
A gráfica que nos ofereceu o melhor preço para fazer o jornal
é distante, em outro Estado, e isso nos obrigará a terminar
cada edição com um adiantamento de uma semana. Assim, o
que o leitor está lendo agora já foi preparado, no mínimo, há
uma semana. Esse obstáculo, infelizmente, nos
parece insuperável, pelo menos por enquanto.
Contamos, pois, com a sua confiança e paciência.
Enfim, nos permitimos transcrever parte do editorial, uma vez que ele contém as principais
características que irão marcar a trajetória do jornal. O constante convite ao diálogo com o leitor, a
crítica à consagrada forma de se fazer jornalismo e ao poder político-econômico que dava o tom aos
veículos tradicionais são características que se destacam nos editoriais, nos textos, nas ilustrações,
nas entrevistas, nas reportagens. O Posição nasceu em 1976, ainda no regime militar. É importante
analisarmos o contexto sócio-político-econômico, não somente do Estado, mas também do País, a
fim de compreendermos melhor sua existência e seus objetivos.
Nacionalmente, vivíamos o declínio do “milagre econômico”, a forte repressão aos grupos de
oposição ao Governo, a censura aos meios de comunicação, a instituição do AI-5, um período de
perseguições políticas, prisões, torturas, “desaparecimentos”, exilados, tudo, proporcionado pela
ditadura militar que se instalou no Brasil com o golpe de 1964 – que a grande imprensa
chamou “Revolução de 64” e apoiou como sendo a melhor coisa do mundo, que tinha colocado fim
às greves... No Espírito Santo, a década de 70 apresenta uma conjuntura importante do ponto
de vista do desenvolvimento. Após anos de crise econômica com a erradicação dos cafezais, que
empobreceu muito o Estado, já que praticamente toda a sua receita vinha da cafeicultura, o
Espírito Santo entra num período de reestruturação da sua economia.
Surge a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), a fim de discutir alternativas para
o desenvolvimento, que, resgatando o discurso de Jones dos Santos Neves, do início dos anos 50,
começa a difundir a idéia de que o Estado precisava se industrializar para sobreviver, visto que “os
ramos dos cafezais já eram frágeis demais para sustentar o peso crescente da economia espírito-
santense”.
Durante toda a década de 60, será esta uma das grandes discussões e essa idéia da necessidade
de industrialização – divulgada e apoiada por A Gazeta – vai ser implementada justamente nos
anos 70, devido a dois fatores cruciais. De um lado, temos as políticas econômicas nacionais,
baseadas no PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que vão gerar um processo de
descentralização da industrialização no País, até então concentrada nos grandes centros urbanos
(Rio de Janeiro/São Paulo), sob a orientação da geopolítica do governo militar, no sentido de
expandir os pólos de crescimento. Por outro lado, temos a Vale do Rio Doce que, desde a sua
criação, vem investindo em infra-estrutura, criando, assim, toda uma logística de transportes que vai
gerar crescimento e atrair outros investimentos e empresas para o Estado.
É nesse contexto que o Governo Estadual começa a negociar os chamados “grandes projetos
que serão implementados durante a década de 70 e vão transformar a economia capixaba, que deixa
de ser primário-exportadora para ser urbano-industrializada.
Se por um lado, os grandes projetos trouxeram desenvolvimento industrial ao Estado, por
outro causaram a expulsão do homem do campo, a urbanização acelerada e desorganizada e
o aumento das desigualdades sociais e geográficas.
É nessa realidade que surgem os jornais alternativos, uma vez que a grande imprensa –
liderada por grupos políticos e econômicos –, quando não alinhada à ditadura, estava amordaçada
pela censura. A imprensa alternativa cresceu muito nesse período com a proposta de fazer o
jornalismo que a ditadura ou os grupos político- econômicos barravam, mas, também, de ser uma
experiência democrática de produção jornalística e enfrentamento ao governo militar vigente,
discutindo questões que não eram tratadas nos grandes veículos e retratando a época com outro(s)
olhar(es).
Como analisa Namy Chequer, jornalista e colaborador do jornal na época, hoje apresentador
do programa Ponto de Vista na Rádio Universitária da Ufes: “Lá pela metade da década [70],
surgiram os jornais alternativos nacionais, tipo Opinião, Movimento e outros.
Na esteira desse recurso é que Posição acontece. Era uma época de censura prévia na
imprensa. Época em que censores, geralmente policiais federais, freqüentavam as redações para
autorizar o que devia ser publicado”.
O Posição é resultado da censura e de uma demissão, como conta Robson Moreira, um dos
fundadores do jornal, atualmente diretor de programação da STV (Rede Sesc/Senac de Televisão):
“Quando eu e o Jô Amado estávamos em A Tribuna, fizemos uma matéria sobre um despejo num
lugar chamado Cantinho do Sossego, no município da Serra. O jornal bateu na banca e causou
escândalo.
O governador Elcio Álvares ligou para a direção e pediu a cabeça de todo mundo. Quando a
gente saiu de A Tribuna, o Jô estava bastante adiantado com a idéia do Posição. Já pensava em
sócios para ajudar, para conseguir algumas cotas em dinheiro. O jornal seria para imprensa
alternativa, difícil de ser feito, complicado na sua execução, um misto de curiosidade e vontade. Eu
e o Jô nos comprometemos a garantir que o jornal sairia toda quinzena e nos entregamos ao
Posição”. Fazer jornal impresso e ainda alternativo era muito trabalhoso, segundo Tânia Mara
Ferreira, colaboradora do jornal por mais de um ano, hoje professora do Departamento de
Comunicação Social da Ufes. “A diagramação era um processo bem artesanal e toda a equipe
ajudava até a fase final do jornal, levava para a gráfica, esperava imprimir para juntar as páginas e
dobrá- las, tudo para baratear o máximo. Todos faziam um pouco de tudo, diagramação, discussão
de pautas e serviços de boy, levando material aqui e ali”, recorda.
O financiamento do jornal era baseado na venda e nos anúncios.
Além das assinaturas, o jornal era vendido nas comunidades, por seus próprios colaboradores,
sendo que somente algumas bancas aceitavam vendê-lo. Robson Moreira conta: “Pegávamos o
jornal e saíamos de madrugada distribuindo, vendendo nos botecos.
Eu levava para a Universidade e Jô para os bairros. Com 2 mil exemplares, colocávamos 500
na banca e distribuíamos 1.500 nas comunidades, de mão em mão”. Já os anúncios eram, de acordo
com Tânia Mara, “basicamente, de profissionais liberais de esquerda e cobriam apenas o custo do
jornal, que era feito por jornalistas quase na sua totalidade voluntários, que tinham um outro
trabalho e eram, na verdade, colaboradores”. Como completa Namy Chequer, “profissionais liberais
(médicos, dentistas, advogados e comerciantes) ajudavam com dinheiro. Era gente comprometida
com a luta contra o regime militar. O jornal tinha espaço para publicidade, mas assentava sua
viabilidade financeira em cima das vendas avulsas”. O público do Posição era
composto, principalmente, por estudantes universitários e lideranças políticas e intelectuais. De
acordo com Namy Chequer, “o jornal era bem vendido. Quem comprava sabia que estava ajudando
a manter um órgão da imprensa alternativa. Os leitores eram pessoas que sabiam que não
encontrariam em A Gazeta e A Tribuna as informações que buscavam. Denúncias de corrupção, de
mordomias do poder, de negociatas com dinheiro público, tudo isso era impossível de se saber junto
aos jornais tradicionais. Informações sobre atividades sindicais, tais como fundação de
sindicatos ou movimentos grevistas, sofriam absoluto boicote na chamada grande imprensa
capixaba”.
Conforme afirma Robson Moreira, o jornal tinha uma tiragem pequena, com uma média de 3
mil exemplares por edição. “O jornal Posição era uma coisa muito pequenininha em relação
aos outros veículos estabelecidos. Não tínhamos nenhuma pretensão de tirar o leitor, nem de
concorrer também”. Sobre a produção, Namy destaca que o jornal foi duramente perseguido, por
isso não era qualquer gráfica que permitia sua impressão. Dificuldade que foi explicitada na
apresentação do jornal, logo no editorial da primeira edição. Conforme lembra Robson Moreira,
“era complicado, tínhamos de mandar para Belo Horizonte, onde o fotolito era feito, depois para a
gráfica de um conhecido nosso em Juiz de Fora, onde rodava e mandava para a rodoviária”.
De maio de 1976 até o final de 1979, período de duração do Posição, é possível perceber três
fases que caracterizam o percurso do jornal. Criado por jornalistas, a primeira é marcada pela
nãoligação a partidos ou organizações e por uma linha jornalística de produção, com a preocupação
de elaborar matérias, reportagens e entrevistas de natureza jornalísticas, embora se colocasse, não
somente nos editoriais, mas também em outras páginas, opiniões e posicionamentos políticos que
tiravam muito a pretensão de imparcialidade desse primeiro momento.
De acordo com Robson Moreira, a idéia era dizer, em função de uma determinada realidade –
início da abertura de uma ditadura muito cruel –, tudo aquilo que há muito não era dito.
Segundo Tinoco dos Anjos, jornalista, que embora não tenha trabalhado, era envolvido com o
jornal na época, “o Posição era um jornal de esquerda que denunciava, criticava e fazia
oposição àquela situação política do País. Batia nisso com força. Eu me lembro de uma matéria de
capa que me marcou muito, sobre o prefeito da Serra, José Maria Feu Rosa. O título da matéria
era assim: ‘Êta corruptozinho de merda’, referindo-se ao fato de ele ter sido apanhado numa
pequena transação desonesta mal feita.
Então, era um jornal que misturava humor com agressividade política, e era um espaço de
combate mesmo”.
A segunda fase, entre 1977 e 1978, é marcada pela inserção de outros profissionais, como
intelectuais e integrantes de movimentos sociais, de forma que, uma vez inseridos nos meios de
comunicação, pudessem se sentir como personagens dessa história. “Fizemos do movimento
popular na periferia a grande matéria-prima para o jornal.s não fazíamos para eles, mas, por
meio do jornal, falávamos dos problemas e que, se eles se organizassem, podiam conquistar a vida
que estavam necessitando.
E eles se animavam a conversar com o outro e daqui a pouco, tinha grandes famílias
envolvidas. Era uma situação de abandono, de miséria absoluta, de falta de saneamento básico, de
falta de comida”, descreve Robson Moreira.
Nesse período, surge uma das principais características que distingue o Posição dos demais
jornais daquela época: um conselho editorial. De acordo com Moreira, esse conselho era bastante
diversificado e qualquer um podia participar, desde que freqüentasse as reuniões. As pessoas que o
constituíam nem sempre eram jornalistas; havia também, e principalmente, pessoas da
comunidade, da Universidade, de movimentos, sindicatos, isto é, pessoas que tinham suas
respectivas militâncias, mas que, naquele momento, participavam das discussões e edições do
jornal. Há quem diga que, nesse período, o jornal passou a servir como instrumento dos diversos
movimentos de base e que, por isso, teria deixado de ser um jornal, idéia que vem de encontro ao
que pensa Robson Moreira: “O conselho não fez com que o jornal deixasse de ser jornal. Ao
contrário, caracterizou-o ainda mais, porque a idéia do conselho era normatizar e dar voz a
representantes da sociedade ou da comunidade. A sociedade não é feita somente de jornalistas, e as
pessoas se sentiam presentes nas edições, isso deu a essência do jornal”.
A terceira e última fase está situada no ano de 1979. Mais especificamente, a partir de maio,
quando o jornal passa por uma “mudança radical e profunda”, como é possível verificar no
editorial da edição de número 53 do dia 4 de maio de 1979:
A teorização – como alguns preferirão chamar toda a
argumentação acima – tem também uma justificativa:
acontece que nós, a equipe que faz Posição, resolvemos com
base numa análise detalhada, séria, conseqüente e profunda
da realidade e da conjuntura, assumirmos os riscos e
as conseqüências de uma mudança profunda e radical.
O radical muda, já dissemos, citando Paulo Freire, quando
constata um erro ou equívoco ou quando a conjuntura muda.
Nessas situações, sua análise, sua prática e sua postura
também mudam.
Nós, de Posição, com base no trabalho, nas posições, nas
posturas e nas práticas assumidas durante esses dois anos e
meses de uma existência sofrida e encarada sempre com luta,
destemor e descomprometimento, reivindicamos e
fazemos mesmo questão de assumirmos a qualificação (ou
o ‘rótulo’, o ‘estigma’, a ‘pecha’, ou até o xingamento como
muitos classificarão), de radicais – com todos os riscos e
conseqüências que disso possa advir.
A conjuntura mudou. Assim, não faz sentido continuarmos os
mesmos [...] A conjuntura política, social e econômica
mudou. O Brasil de hoje não é mais o Brasil de há dois anos.
O ‘milagre’ acabou. A crise do petróleo, a crise do
capitalismo internacional, a crise econômica interna do país,
aliados a ‘fissuras’ e ‘rachaduras’ internas do sistema,
somados às pressões populares, trabalham todos,
rapidamente, para quebrar e arrebentar com tudo isso.
Para quebrar e arrebentar com a ditadura.
Visto que esse último momento se concentra, basicamente, no ano de 1979 e que esse período
nos apresenta marcos históricos no que diz respeito ao regime militar vigente, consideramos
importante pontuar alguns desses acontecimentos que marcaram o contexto político nacional, a fim
de suscitar possíveis conclusões acerca do final do jornal. Ainda no final de 1978, o País vive a
revogação do AI-5, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo General Geisel. Era um indício de
que um processo de abertura política estava sendo encaminhado.
Este seria o primeiro fato, dos vários que iriam marcar o ano seguinte. Em maio de 79, nas
comemorações do Dia do Trabalho, é lançada a Carta de Princípios daquele que seria em pouco
tempo uma referência política para os trabalhadores: o PT (Partido dos Trabalhadores).
No mesmo mês, ocorre o 31º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), o primeiro
desde 1968, com a presença de 10 mil estudantes, espaço que decide pela realização da
primeira eleição direta da entidade, que aconteceu cinco meses depois, com a participação de mais
de 300 mil votantes. Em agosto e novembro do mesmo ano, duas importantes votações são
aprovadas no Congresso.
A primeira é a Lei da Anistia, que beneficia cerca de 4.500 presos políticos.
Embora a esquerda do MDB (Movimento Democrático Brasileiro)
tenha rejeitado o caráter recíproco e parcial da lei, o general João Baptista Figueiredo sanciona
a anistia limitada, mas, ainda assim, uma conquista. Parte dos presos políticos é libertada e os
exilados começam a retornar ao Brasil. A segunda é a Reforma Partidária, que decreta o fim da
Arena e do MDB e permite que novos partidos sejam criados.
Além das aprovações do Congresso, o final da década de 70 é marcado – talvez como
conseqüência – pelo fortalecimento de outras frentes de luta, como a rearticulação e o
surgimento de diversos movimentos que já eram menos reprimidos e que vão dar o tom à década
seguinte. Paralelamente a esse processo, percebiam-se os efeitos da diminuição da censura oficial
sobre os jornais tradicionais, o que implica o fim do espaço exclusivo da imprensa alternativa, que
atendia às demandas sociais, noticiando e discutindo o que os outros não noticiavam.
Conforme analisa Robson Moreira: “Quando já estava praticamente consolidado o processo de
abertura, a sensação que passamos a ter era de que a imprensa alternativa tinha perdido um pouco
do que a motivava. Várias pessoas que estavam voltadas para a imprensa alternativa começaram a
migrar para partidos políticos, a entender que tudo ia passar agora por uma fase de democracia,
pelo voto, pelo povo. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) começou a aparecer. O PC do B
(Partido Comunista do Brasil) começou já também a botar as garras de fora, e ficou uma militância
mais político-partidária do que militância por uma causa”.
As mudanças propostas no editorial, de fato, foram profundas e radicais. Além de passar a ser
um jornal semanal, o que quebrava uma das principais características do Posição (a crítica quanto à
limitação do tempo), o jornal passou a ter um viés mais partidário, com mudaas – talvez mínimas,
contudo perceptíveis e fundamentais – como a forma de dialogar com o leitor.
A linguagem deixa de ser simples, do povo para o povo, e passa a ser uma linguagem
partidária e para a massa. No início, o jornal dialogava com a comunidade, entrevistando pessoas
comuns, como trabalhadores de rua, pessoas que tinham perdido a terra para a plantação
desordenada de eucaliptos, enfim, cidadãos que contavam suas histórias de vida. A partir daí, o
jornal analisava e criticava o modelo de sociedade que vinha sendo desenvolvido, não só no Estado,
mas no Brasil.
Para Namy Chequer, “o jornal adotou um estilo irônico e mordaz, uma linha com mais humor
e uma dose, não exagerada, de sensacionalismo. Mais para chamar a atenção do leitor e atrair
vendas.
Era uma tentativa de escandalizar as coisas da política”. Nesse período, Luzimar Nogueira
Dias, jornalista e militante do PC do B, falecido num acidente de carro em 1986, assumiu a direção
do jornal, dando mais ênfase aos temas internacionais, às discussões sobre o comunismo pelo
mundo e às questões político-partidárias.
Durante toda a sua trajetória, o Posição abarcou pessoas de várias tendências políticas, todas
naturalmente de esquerda. Namy Chequer acredita que “o jornal ficou realmente inviável,
justamente, quando surgiram divergências políticas entre aqueles que defendiam a fundação de um
partido popular de esquerda (mais tarde veio a ser o PT) e os que queriam a manutenção do
PMDB como forma de melhor combater o regime militar que já dava sinais de decomposição”.
Entre 1976 e 1979, o jornal Posição publicou 65 edições. Edições que, além de serem
fundamentais para compreender a história capixaba, marcaram um posicionamento político
diferenciado frente ao regime militar instalado no País.
“O jornal que depende do leitor”: o Posição entra em cena em 1976
Em 1977, o Posição não conseguiu driblar a perseguição da ditadura
O Posição “expludia” as regras para falar nas entrelinhas
Conflitos e contradições na breve história do Posição
Posição: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”
A Igreja entra com tudo na peleja
Durante o regime militar, A Igreja esteve na vanguarda das mudanças no País e liderou a
frente da reabertura política, escudando os movimentos sociais, sindicatos e partidos que então se
organizavam. Após o Concílio Vaticano II, na década de 60, o ideário da recém-fundada Teologia
da Libertação, baseada na realidade dos povos do terceiro mundo, encontrou campo fértil para se
disseminar pelo Brasil. Segundo esse ideário, a Bíblia deve ser interpretada sob a realidade desses
povos – e não mais eurocentrista, como sempre havia sido. A Igreja deve olhar por seus fiéis sob
uma luz mais social (socialista?) e, na via inversa, a sociedade deve ser interpretada sob a luz do
Evangelho.
Encabeçados por D. Paulo Evaristo Arns, então arcebispo de São Paulo, um grande número de
clérigos e religiosos em geral adotou prontamente essas idéias no espaço social onde atuavam.
Desse modo, ao longo da ditadura, tivemos, no País, uma Igreja extremamente politizada,
efervescente, atuante nas causas sociais, comprometida com os movimentos que explodiam e,
por tudo isso, diretamente responsável pela rearticulação política da sociedade brasileira. Essa
história já é mais que conhecida.
Em verdade, o que muitos ignoram é que, mais do que ser simplesmente mais um palco de
aplicação dessas idéias, o Espírito Santo constituiu-se no portal principal para que as mesmas
pudessem penetrar no País. Quem explica é David Protti, professor de Comunicação Social da Ufes:
“Quando eu vim para o Espírito Santo, em 1983, encontrei uma Igreja muito mais politizada que
aquela de onde eu vinha [Ribeirão Preto, SP], o palco para a introdução do Concílio Vaticano II no
Brasil. O bispo daqui, D.
João Batista da Motta e Albuquerque, foi para o Concílio II e já quis implantar logo de cara as
novidades, as diretrizes do Concílio – ele e um outro bispo chamado D. Luiz Fernandes.
Então, Vitória foi um grande laboratório para o Brasil inteiro quanto à implantação de uma série de
ações propostas no Concílio Vaticano II, entre elas o conceito e a prática de Comunidades
Eclesiais de Base (ou CEBs)”.
E completa: “Esse movimento foi muito importante porque mudou a atuação dos padres, a
ideologia e a atividade da maioria deles, que passaram a morar junto com as populações pobres
e passaram a ter um papel muito mais engajado, de que a fé esligada à política também – e
política vai desde a rua, até o movimento comunitário e sindical. Então, nessa época, a Igreja
está muito efervescente e várias pessoas vêm para cá para trabalhar e conhecer essa experiência,
entre as quais Frei Beto e Leonardo Boff ”.
Além dos vários teólogos e militantes em geral, a “Cidade Presépio” (o apelido nunca foi tão
apropriado) passa também a atrair a migração de uma série de missionários europeus, vindos de
países como França e Holanda, que ficavam nas paróquias de Vitória e muito colaboraram para a
implantação dessas idéias progressistas.
Bom exemplo disso é a importância dos padres holandeses na proliferação de grupos de
jovens, como já atestado por Cláudio Vereza: “Os padres holandeses caracteristicamente são
avançados, são liberais, são mais modernos. Eram mais seculares, menos clericais. E uma das suas
atividades foi criar grupos de jovens nas comunidades que acompanhavam”.
Outro que participou das atividades da Igreja através de um grupo de jovens foi Paulo
Soldatelli, que atualmente leciona Comunicação Social na Faesa. No seu caso, com uma
peculiaridade:
até ingressar no grupo, Paulo não tinha absolutamente nenhuma formação católica – o que só
vem a reforçar esse poder de atração sobre os jovens que, então, competia à Igreja.
“A minha família não é católica. Eu entrei na Igreja já com 17 anos, num grupo de jovens,
meio como curioso. E, talvez por não ter uma formação católica tradicional, eu questionava
tudo que havia na Igreja. Quando entrei no grupo de jovens, eu não tinha nenhuma consciência
desse lado mais social. Só que o padre que atuava lá era uma pessoa bastante engajada
politicamente.
Na época, ele era organizador da Pastoral da Juventude e ia acontecer um encontro de jovens,
para discutir um documento da Igreja fazendo uma crítica política ao fechamento do Congresso.
E, como ele era também o padre do nosso grupo de jovens, resolveu fazer um treinamento com
a gente. Então a gente foi para lá para ajudar a discutir o documento”.
Daí em diante, Paulo já havia mordido a isca: “Depois disso, nosso grupo foi fazer um trabalho
em uma penitenciária, com a idéia de levar a Bíblia para os presos. Só que lá, a gente fez toda uma
reflexão sobre a condição de vida deles na prisão. Então, a gente começou a discutir que a estrutura
social era o problema predominante e começou um processo de tentar fazer um trabalho social. E
foi dessa reflexão que surgiu a minha consciência mais política”.
Além dos CEBs, a Igreja passa a se dividir em uma série de pastorais, cada qual arrebanhando
um determinado segmento social.
Tinha-se, então, as Pastorais do Operário, da Terra, do Idoso, do Menor, de tudo quanto se
imagine. Os vários grupos sociais encontravam ali amparo para se organizar, preocupação explícita
da Arquidiocese de Vitória. Ora, se falamos de articulação, estamos naturalmente falando da
comunicação como setor estratégico. E é tendo isso em mente que a Arquidiocese vai começar a
priorizar esse setor.
Àquela altura, internamente, já começavam a brotar aqui e ali algumas iniciativas nesse
sentido. A Arquidiocese, então, já possuía uma pequena gráfica (mimeógrafo, sempre ele), em
que, timidamente, começavam a ser impressas algumas publicações.
Estas, porém, num primeiro momento, tinham um cunho estritamente eclesial. Foi o caso do
Jornal Espírito Santo. Lançado por volta de 1970, por iniciativa do Monsenhor Rômulo – ex-
pároco de Campo Grande –, foi de fato pioneiro nessa linha. Dirigido estritamente aos fiéis,
limitava-se a veicular notícias pertinentes à Igreja.
Assim é que, na balada das transformações, D. João Batista da Motta e Albuquerque vai
montar, em meados dos anos 70, uma equipe para trabalhar especificamente com toda a
comunicação da Arquidiocese. Entre outras atribuições, cabia a essa equipe:
manter no ar a programação regular da Igreja (um programa de rádio e “A Santa Missa em seu
Lar”); produzir o Caminhada, boletim eclesial aplicado nas liturgias, distribuído, até hoje, por todas
as paróquias da Arquidiocese de Vitória; produzir os diversos boletins informativos de natureza
mais política, concebidos justamente para atender às pastorais e promover a já
mencionada articulação.
Como ressalta Cláudio Vereza: “Naquele período, foram publicados na Igreja a maioria dos
informativos e cartilhas temáticas em linguagem popular. Estes veículos não eram noticiosos.
Tinham um princípio muito mais ‘formativo’ do que propriamente ‘informativo’”.
Além disso, mais tarde ir-se-ia acrescentar a principal competência da equipe, isto é, promover
a capacitação de lideranças comunitárias para trabalharem a comunicação em seus
respectivos locus, com base em oficinas para uso dos meios disponíveis (a década de 80 não tinha
nem vídeo-cassete) e discussões temáticas e teóricas sobre as implicações dessa comunicação.
Daquela primeira equipe, ainda nos anos 70, fizeram parte, entre outros: Carlos Zanatta (hoje
em Brasília; então professor desbravador do curso de Comunicação da Ufes, coordenador da equipe
e da Pastoral Universitária); Marlene de Fátima (hoje, Secretária de Educação de Vitória);
Giovandro Marcus Ferreira (hoje, Doutor em Comunicação, na Bahia; à época, assim como Paulo,
estudante de Comunicação); Anselmo Venturin (hoje, dono da Gráfica “Bê-á-bá”); além do próprio
Paulo Soldatelli, que ingressou na equipe a convite do “Professor Zanatta”.
Seu ingresso, aliás, não podia ter sido mais ousado: a TV Vitória queria produzir um programa
religioso, com duração de uma hora, que teria entrevistas e “variedades cristãs”. “E eu fui,
sozinho, o responsável por esse programa, que durou uns três meses.
Hoje eu jamais teria coragem de assumir um programa como aquele. Que maluquice! Só
estudante de Comunicação aceita fazer uma coisa dessas”, recorda saudoso.
Paulo Soldatelli também nos conta sobre um outro veículo de comunicação, o Ferramenta:
“Como eu fiquei trabalhando no setor de comunicação, comecei a ajudar em várias pastorais, para
trabalhar com texto. Mais tarde, fui da equipe de Círculos Bíblicos e passei a fazer os boletins. Era
também da equipe que escrevia o boletim Caminhada, para usar em celebrações. E acabei
sendo convidado pelo Padre Gabriel, que era, na época, o assessor da Pastoral Operária, para ajudar
no boletim Ferramenta”.
A foice, o machado... e a caneta, por que não?
Esta é uma história que merece ser contada em separado. É sobre o boletim Ferramenta, da
Pastoral Operária (P.O.), que elegemos como marco do período. Como em tantos outros
exemplos, era feito pela Arquidiocese, com o propósito firme de servir à organização e mobilização
da P.O., certamente uma das mais emblemáticas. Para recontar essa história, recorremos a alguns
de seus personagens. Pudemos também contar com o grande apoio de Dona Eni Maria de Almeida,
que hoje coordena a Pastoral – ainda na ativa, embora com muito menor vulto. Foi ela quem nos
forneceu as informações mais detalhadas.
No Estado, a P.O. começa a germinar em 1974, como uma associação dos trabalhadores, mas
ainda não como pastoral. Em setembro de 74, houve um encontro no Rio de Janeiro, onde surgiu a
sugestão de se criar uma pastoral, a fim de organizar os trabalhadores. Porque, para usar as palavras
de Dona Eni: “Na época o sindicato era do patrão, né? Eles não atuavam ao lado dos trabalhadores,
eram os chamados ‘pelegos’ que diziam. Dentro dessas dificuldades que os trabalhadores estavam
encontrando...
E muita exploração nas fábricas (muita exploração mesmo), aí eles começaram, através da
Igreja. Então o arcebispo da época (Dom João Batista da Motta e Albuquerque) e o auxiliar
(Dom Luiz Fernandes Gonzaga) organizaram as primeiras reuniões da Pastoral Operária. E o bispo,
reunido em assembléia com os trabalhadores, colocou essa necessidade de criar uma pastoral
que desse apoio aos trabalhadores, pra que eles pudessem se organizar e se reunir para refletir à luz
da palavra de Deus os problemas e a exploração do trabalho (até pra fazer organização de greve por
causa da exploração)”.
E assim, em 1976, era inaugurada, no Estado, a primeira Pastoral Operária do Brasil. Do
surgimento para a mobilização; daí ao jornalismo foi um passo. Idealizado por Padre Gabriel,
nasce, então, o Ferramenta. O nome, aliás, não poderia ter sido mais acertado (certeiro e sugestivo):
por um lado, o jornal como uma autêntica ferramenta (de combate, de luta, de conserto, de
reparo social); por outro, como bem demonstra a ferramenta escolhida em seu logotipo, a união, a
ligação, a articulação entre as partes de um conjunto.
Padre Gabriel Felix Roger Maire (01-08-1936/23-12-1989) foi um daqueles missionários que
se transferiram para cá no embalo do Concílio II, com vistas a fortalecer as CEBs. Por muitos anos,
coordenou a P.O., tendo participação decisiva nas lutas dos trabalhadores capixabas. Em 1989,
acabou assassinado, quando apoiava, em Cariacica, um movimento de desabrigados, num crime até
hoje em aberto. Quem nos conta melhor a história é Dona Eni: “Foi por motivo político. A história
foi lá em Cariacica. Ele estava lutando por um local pra colocar um conjunto de famílias que não
tinham onde morar. E ele estava lutando pelo terreno lá. Mas os políticos de Cariacica, na época,
não queriam. Até que o povo ganhou o terreno, fizeram os barracos e ficaram. Mas a perseguição
continuou. Aí, um dia, ele foi fazer um casamento em Castelo Branco, aí na volta dele... O caso foi
investigado, mas acho que houve mesmo é compra de justiça”.
Paulo Soldatelli complementa: “Se alguém mandou matar, foi alguém muito importante que
até hoje a gente não sabe. Teve todo um processo de apuração, mas, infelizmente, por enquanto, a
versão oficial é de que foi um assalto”.
Outra peça-chave nessa fase inicial do Ferramenta foi Cláudio Vereza. Na época, já tendo
deixado O Encontro – jornal nascido espontaneamente no movimento popular do bairro Aribiri,
em Vila Velha –, Cláudio ganhava dois (!) salários mínimos para trabalhar no Centro de
Documentação das Igrejas de Vitória (Cedives), atrelado à Arquidiocese. Um dia, foi surpreendido
com a encomenda: a P.O., por meio de Padre Gabriel, queria que ele elaborasse um jornalzinho para
a classe operária, assim, assim e assado. Para Cláudio, a proposta era bem clara: “O Ferramenta,
seguindo a linha daqueles boletins – alimentar e fortalecer as CEBs e, por conseguinte, os
movimentos sociais – deveria estimular um movimento sindical combativo, encadear a formação de
lideranças para atuar na sociedade”.
Aceita a tarefa, Cláudio, em parceria com Tereza Cogo – hoje sua esposa –, “assinou” as
primeiras edições do informativo.
“Passado um ano, ele andou com as próprias pernas”. Esse “an- dar com as próprias pernas” a
que Cláudio se refere na verdade se deve ao trabalho da equipe de comunicação então
composta na Arquidiocese – ou o “Grupo dos Responsáveis”, como era chamada por Padre Gabriel.
Somando-se à equipe (mais ou menos seis membros a cada época), havia pessoas que eram
voluntárias ou não eram da Pastoral Operária.
O Ferramenta era um boletim pequeno, de oito páginas, cada qual trazendo um assunto. Sua
distribuição era feita entre os grupos da P.O.. Era bancado pelos trabalhadores, que compravam
o seu boletim (o capital...). Mas qual era, afinal, seu conteúdo? Fala aí, dona Eni: “Sobre o
trabalhador no seu campo de trabalho. As lutas. Eleições também, para que na época de eleições os
trabalhadores pudessem se organizar para votar certo, porque naquele tempo o voto era de cabresto.
Os colonos tinham que votar no candidato que o fazendeiro indicasse. E a P.O. trabalhou muito com
os trabalhadores pra acabar com isso. Libertar os trabalhadores rurais e mesmo os daqui, porque os
empresários também dominavam, né?”.
Concluímos, então, um propósito bem diverso daquele que vimos, por exemplo, no jornal
Caminhada, conforme enfatiza Paulo: “Era uma reflexão muito mais ligada à realidade, era
para estimular os grupos da Pastoral Operária a refletirem sobre a realidade, com pouca referência
religiosa. Lógico que tinha, volta e meia, uma fala bíblica, uma ou outra citação...”.
O Ferramenta atingia todas as dioceses do Estado (Vitória, Linhares, São Mateus, Colatina e
Cachoeiro). Tanto que, na época em que algumas pessoas foram mortas pela perseguição dos
fazendeiros em Pancas e Linhares, onde morreram vários trabalhadores, o jornal registrou tudinho.
O grande mérito do jornal, como porta-voz da Pastoral Operária, foi de ter sido, indiretamente,
um dos fatores que, em 1978, culminariam na greve da construção civil, primeira durante a ditadura
militar no Espírito Santo. É aí que alguns sindicatos começam a ser tomados pela oposição e é
fundada a CUT no Estado. No campo, ocorreu um processo semelhante, que tem como marco a
fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colatina.
Mas que ninguém pense que tudo foi só flores. “Teve uma época”, relembra Dona Eni, “em
que os sindicatos tentavam entrar nas fábricas pra distribuírem os boletins, mas não deixavam
eles entrarem. Era muito difícil... Muitas vezes, os trabalhadores tinham que distribuir escondido”.
Os (Ir)responsáveis
Como dissemos, havia também por parte da Arquidiocese, sob o comando de D. João Batista
da Motta e Albuquerque, a preocupação em capacitar as lideranças populares em
comunicação alternativa (nesse caso, comunitária). A Igreja, de certa forma, era um centro onde se
faziam treinamentos para o pessoal das Comunidades Eclesiais de Base e, junto com elas, os
movimentos sociais que existiam (praticamente todos vinculados à questão religiosa). Assim, vira e
mexe, havia os cursos nessa área, ministrados pela assessoria de comunicação. Entre os instrutores,
Anselmo Venturin: “Essas oficinas eram voltadas a agentes comunitários dos bairros. Tinha gente
também da Juventude Operária Católica (a JOC). E esse pessoal queria aprender a fazer
comunicação.
Então, por exemplo, num treinamento de fazer impressos, a gente reunia lideranças de vários
lugares e fazia algumas explanações teóricas de comunicação, oficinas de fotografia, o pessoal
ensaiava e por aí vai. Formavam-se pequenos grupos e cada um escolhia um tema ou região quando
ia experimentar fazer o jornalzinho. E, sob a nossa orientação, eles faziam desde a fotografia, até
escolher o tipo de letra, as frases de efeito, e íamos construindo juntos o produto final”.
Mas será que isso dava certo? Dali saíam muitos jornaizinhos locais? Venturin responde:
“Bem, aí o pessoal ia para as comunidades.
Às vezes implementavam, às vezes, não. Mas eram jornaizinhos, não era como a idéia que nós
fazemos hoje de jornal, algo que circula periodicamente. Era um material que vinha para atender a
uma necessidade de um momento específico da região, de uma luta, de uma comemoração. Uma ou
outra vez saíam dois, três exemplares. Mas eram tentativas de levar uma outra realidade que não
fosse da imprensa oficial – na época, restrita ao jornal A Gazeta”.
E Paulo Soldatelli arremata: “Tinha também um curso que a gente chamava de ‘Leitura Crítica
dos Meios de Comunicação’.
A gente fez um áudio-visual, com roteiro do Carlos Zanatta, que era ‘Quem não se comunica
se trumbica’. São dicas para as organizações populares tentarem usar os meios de comunicação
de uma forma interessante, inclusive os impressos. A gente incentivava manifestações, para chamar
a atenção da imprensa. Fazer a ‘Festa do Buraco’, esse tipo de coisa...”.
Em suma
Sobre a atuação da Igreja no período, Davi Protti – que, nos anos 80, também se juntaria ao
“Grupo dos Responsáveis” – resume:
“Embora, no fundo, os jornais tivessem esse cunho político, a própria Igreja era política, então
a gente não se esforçava muito para fazer a coisa. Só o fato de você divulgar as atividades da Igreja
já dava uma visão diferente”.
Aperta-se o primeiro parafuso: edição n° 1 do Ferramenta
... assim como as grandes causas políticas do País...
... e a conscientização do povo para o exercício da cidadania
A morte do padre Gabriel, devidamente registrada. Partia, então, o grande
idealizador do Ferramenta; seu exemplo, porém, ficou para todos os que lutam pela
emancipação do ser humano
As duas últimas décadas do século XX
Comunicação para olhos embotados de cimento e lágrima – um panorama
do jornalismo sindical no Espírito Santo
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão
pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por
me deixar existir, Deus lhe pague.
(Chico Buarque – Construção)
Este é um tema que muitas vezes passa despercebido tanto para nós, autores deste livro e
estudantes, cujos olhos embotados ora de apatia ora de impulsos revolucionários não enxergam a
real importância desse tipo de comunicação, como para a sociedade em geral, cuja visão de mundo
é passada em grande parte por olhos um tanto astigmáticos da chamada grande imprensa.
É complicado definir um marco histórico inicial para o jornalismo sindical no Brasil, mas não
é muito difícil estabelecer os momentos de maior relevância desse veículo que tem como um dos
principais objetivos dialogar com a classe trabalhadora.
Como bem sinaliza Vito Gianotti (1997) – a quem muitos profissionais na área gostam de
chamar o “papa da comunicação sindical” –, o objetivo desse tipo de comunicação não é algo
abstrato, mas palpável. Está intimamente ligado à ação. Um bom veículo de comunicação sindical é
aquele que consegue dialogar com os trabalhadores sobre sua condição de classe explorada.
A comunicação sindical, assim, tem vários papéis: esclarecer, formar e mobilizar forças em torno
não só de lutas gerais, mas de específicas também:
A comunicação sindical, quando bem feita, convence e leva à
ação. E esta ação não é simplesmente ir ou não ao cinema.
Comprar ou não um sapato novo. A ação proposta pela
comunicação sindical traz resultados que podem mudar a vida
de uma pessoa. Ou se ganha ou se perde. Se tal ação obteve
os resultados, estes estão ali, na frente, não na mão, no bolso,
no dia-adia.
No dia seguinte a uma luta vitoriosa, o resultado se faz sentir.
O salário aumentou. A carga horária diminuiu” (Santiago &
Gianotti, 1987, p. 42).
Mais do que abordar assuntos relacionados à categoria (chavão usado por 10 entre 10
sindicalistas), o jornalismo sindical tem (ou deveria ter) a missão, digamos, oftalmológica de dar
interpretações mais críticas de mundo aos “olhos embotados de cimento, lágrima e tráfego” (como
canta Chico Buarque) dos trabalhadores brasileiros.
Onde encaixar, então, o jornalismo sindical neste livro senão no espaço conquistado pelo filho
caçula e, a princípio, não planejado – porém muito querido quando concebido –, como este capítulo
dedicado à imprensa alternativa capixaba? Afinal, a imprensa sindical também é alternativa? A
seguir, uma pequena análise sobre a caminhada de um importante setor da sociedade, o
sindicalismo. As conclusões ficam por sua conta, leitor, porque s mesmos ainda não chegamos a
elas.
O boom do sindicalismo: do peleguismo às lideranças combativas
Em sintonia com o movimento nacional, as forças sindicais capixabas tomaram um novo rumo
a partir do final da década de 1970. A movimentação, inicialmente localizada no ABC
Paulista, difundiu seus efeitos para várias localidades do País, configurando um novo momento na
história sindical brasileira, conhecido como “novo sindicalismo”. Uma vez que o País ainda vivia
sob a égide do militarismo, as estruturas sindicais vigentes se contrapunham à política trabalhista do
governo autoritário. A intervenção estatal – sustentada pela Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) – nas relações de trabalho era presente no cotidiano dos trabalhadores, os quais
reivindicavam a negociação coletiva entre sindicatos e empregadores sem a intervenção do Estado;
o direito irrestrito à greve; liberdade e autonomia sindical; e a organização dos assalariados no local
de trabalho (Colbari, 2003).
No Espírito Santo, grupos da oposição sindical no campo e na cidade, juntamente com
trabalhadores assalariados (em especial, médicos, professores, bancários e jornalistas)
protagonizaram o movimento de renovação sindical no Estado. De acordo com o diretor da TV
Educativa do Espírito Santo, militante do PT, exsindicalista e aluno da primeira turma de
Comunicação Social da Ufes, Tinoco dos Anjos, “tivemos aqui um período muito quente no
sindicalismo, talvez o período em que o Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo teve mais
mobilização, mais embate aos patrões”. Tinoco teve a oportunidade de conviver diretamente com
isso na época em que foi presidente do sindicato. “Eu fui o segundo presidente do Sindicato dos
Jornalistas e virei sindicalista.
Comecei em 1982 e fiquei nessa vida de sindicalismo durante 12 anos. No nosso período no
sindicato, fizemos o jornal dos jornalistas, fazíamos os boletins. Os sindicatos sempre
criam instrumentos de comunicação e também fizemos os nossos. Era um dos instrumentos de luta
e aquele sonho de ter o próprio veículo”.
O grupo da construção civil (cuja formação data de 1974), estimulado pela Pastoral Operária e
pela Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase), protagonizou a
participação efetiva em campanha salarial, disputa de eleição sindical, assembléias com até 5 mil
trabalhadores, e deflagrou a primeira greve no Estado após o golpe militar. A paralisação de
nove dias, que não acontecia havia 35 anos, em setembro de 1979, é considerada um marco na
retomada do fôlego sindical capixaba (Colbari, 2003).
É interessante comentar que, nessa fase de transição entre o recomeço da mobilização
proletária até a tomada dos sindicatos pelas lideranças combativas, os grupos de oposição sindical
aos ditos “pelegos” tiveram uma ligação importante com a Pastoral Operária (inspirada pela
Teologia da Libertação) e com grupos de orientação marxista.
Entre as estratégias para mobilizar as categorias, os informativos impressos eram uma espécie
de arma tanto ideológica como comunicacional para munir os trabalhadores de inspiração e
força numa luta coletiva. Tanto que em 1980, durante o 1º Encontro Estadual de Oposições
Sindicais, mais de 3 mil exemplares do informativo Voz do Metalúrgico foram distribuídos nas
portas das fábricas.
No entanto, com a tensão política fumegante no início da década, muitos operários que
tentavam entrar nas indústrias para distribuir os boletins sofriam represálias por parte dos patrões.
Outras experiências na área da comunicação impressa tiveram um certo destaque durante essa
efervescência sindical no Estado, como é o caso do boletim do Movimento do Transporte Coletivo,
em 1979, de O Araçá (dos Ferroviários), em 1981, e do Informativo Metalúrgico (que depois virou
Boca de Forno), dos trabalhadores da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), que reforçaram
o movimento de oposição já em 1984 – além do Boletim Ferramenta.
Como esses informativos impressos eram manifestações relativamente isoladas, ou seja, não
tinham uma periodicidade muito concreta – uns ainda eram mensais, mas outros saíam por causa de
uma data específica ou quando o grupo tivesse verba –, não nos dedicamos a relatar as experiências
distintas de cada um deles.
Reconhecemos, entretanto, a importância de cada veículo como contribuição para a
comunicação alternativa na época, uma vez que o conteúdo propagado nesses informativos
dificilmente seria veiculado pela imprensa comercial do Espírito Santo.
Toda a movimentação no final da década de 1970 e início de 1980 resultou em alguns
Encontros de Classes Trabalhadoras (Enclats), que reuniam várias entidades e sindicalistas
dispostos a formar grupos de oposição para tomar os sindicatos das mãos dos pelegos, o que, ao
final, acabaria com a criação de uma central de trabalhadores. Mesmo nos grupos oposicionistas,
diferentes frentes político-ideológicas eram encontradas, mas, ainda assim, disputavam a liderança
sindical. O primeiro Enclat-ES (os encontros aconteciam em todo o País) foi em agosto de 1981, e,
na ocasião, foi criada uma comissão Pró-CUT/ES. O segundo Enclat foi em junho de 1982, com o
objetivo de preparar a fundação da Central Única dos Trabalhadores. Esta, por sua vez, foi fundada
em de agosto de 1983, resultante da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), em
São Bernardo do Campo (SP). No Espírito Santo, em maio de 1984, a Comissão Nacional da CUT
organizou o primeiro Ceclat (Congresso Estadual da Classe Trabalhadora no Espírito Santo).
Assim, estava sendo criada a CUT/ES, reunindo, a princípio, trabalhadores do campo, da
construção civil, ferroviários e comerciários. Estes últimos foram os primeiros a se filiar à Central,
cuja direção ficou a cargo do então presidente do Sindicomerciários da época, João Coser, hoje
prefeito de Vitória e militante do Partido dos Trabalhadores. A partir da criação da CUT, os rumos
do sindicalismo começaram a se “estabilizar”. As diretorias sindicais pelegas foram perdendo
espaço para a oposição. Os sindicatos, conseqüentemente, ficaram mais fortes e pretendiam deixar
o caráter corporativista e assistencialista para trás.
Toda essa contextualização histórica se faz necessária para entendermos o processo de criação
e sustentação da imprensa sindical capixaba. Como já foi citado, os jornais de sindicato
começaram a surgir no começo da década de 80, com edições esporádicas e sem um projeto
editorial (e principalmente gráfico)
distinto. Tudo acontecia “no susto”. As edições saíam por conta da movimentação em torno de
uma greve e por necessidades pontuais de determinada categoria. Pela quantidade de
sindicatos existentes hoje no Espírito Santo, fica difícil fazer um relato sobre todos aqueles que
produziram ou produzem algum tipo de jornal impresso. Vamos nos ater aqui, então, a análises
feitas em conjunto com quem trabalha diretamente no campo da comunicação sindical no Espírito
Santo.
O desenrolar da comunicação sindical capixaba
No Espírito Santo, de acordo com uma pesquisa do IBGE (2001), existem aproximadamente
196 sindicatos, dos quais mais de 60 são filiados à CUT. Dentre estes, os que possuem
uma publicação impressa mais regular são: Sindibancários, Sindprev/ ES, Ferroviários, Petroleiros,
Construção Civil, Professores da Rede Pública, Professores da Rede Privada, Professores da
Ufes, Sintufes, Sindialimentação, Sindipúblicos, Sindicato dos Trabalhadores de Empresas de
Limpeza Pública, Sinergia e Sindisaúde, além da própria CUT, que mantém uma espécie de jornal –
o qual, porém, não tem uma periodicidade certa.
O fato é que – e aqui temos como objeto de estudo a imprensa cutista – a maioria dos
sindicatos não tem uma publicação regular.
Seria apenas um empecilho financeiro? Na visão do jornalista da CUT/ES, Edílson Lenk, “o
problema é não enxergar a comunicação como estratégica. Quando se disputa uma eleição,
a secretaria de comunicação é uma parte a ser negociada. Ninguém fala ‘eu quero a comunicação’, a
pessoa aceita a comunicação”.
Assim, por mais que ele afirme que a Central tenha uma preocupação com a comunicação, o
investimento nesse setor é visto por algumas lideranças apenas como um custo a mais, e não
como uma mobilização trabalhadora em potencial. A seguir, um trecho da entrevista com Edílson
Lenk, em setembro de 2005:
Quando começou a produção de um jornal impresso da
CUT no Espírito Santo? Como foi esse processo?
Começou muito esporadicamente. Tivemos três jornalistas até
hoje: a Magda Carvalho, a Tânia Mariano e eu. Elas ficaram
pouco tempo e, nessa época, o jornal não tinha periodicidade.
Quando eu entrei, nós tínhamos um jornal semanal (eu
estou aqui há nove anos), que era distribuído por boy.
Eram distribuídos para as entidades, que distribuíam para a
base. Depois disso teve um tempo em que a CUT teve uma
crise financeira miserável (1998- 2000). Ela quase fechou as
portas. Foi após a crise que a comunicação da CUT mais
produziu, assim, sem um projeto gráfico, sem periodicidade,
mas foi quando mais produzimos. Então, hoje, editamos
um jornal diário on-line, que é mandado por e-mail. E temos
um jornal impresso. O nosso planejamento é para que ele seja
mensal, mas, devido ao acúmulo de trabalho na secretaria,
optamos por fazer jornais temáticos.
Na sua opinião, como jornalista que atua na área sindical
algum tempo, qual a importância do jornalismo
sindical? Ele é inserido, de alguma maneira, no
jornalismo alternativo?
Olha, apesar de ele ter uma cara bastante institucional, não deixa
de ser alternativo quando se contrapõe ao que a grande mídia
fala e quando se interessa por questões caseiras mesmo. E foi o
jornal sindical que ensinou a grande mídia a colocar
nos cadernos assuntos de interesse doméstico. Isto
foi desenvolvido a partir dos primeiros anos da CUT,
o interesse de desenvolver o jornal e mantê-lo dentro de casa,
com a família. Ele também é alternativo porque não é vendido e
porque é feito e assumido como um jornalismo parcial. Nós
estamos aqui para falar a nossa opinião, não tem espaço pra
ouvir o outro lado no jornal, levar para defesa de opinião
do meu adversário.
Na sua opinião, qual a importância da imprensa sindical?
Acho que a principal importância é que ela é um instrumento
mobilizador. Ela não existe só na época da negociação coletiva,
nem só para fazer uma campanha da categoria. Ela perdeu esse
caráter corporativista ao longo do tempo. Ao mesmo tempo em
que trata de questões da vida funcional daquela categoria que
representa, ela discute também concepção de mundo, de
governo. É formativa, tem um caráter educacional, ao mesmo
tempo em que tenta unir forças das categorias.
Enquanto alguns sindicatos mantêm, com muita dificuldade, um boletim impresso em folha
A4, fruto de um trabalho quase artesanal, outras entidades possuem uma verdadeira estrutura de
redação para a produção de seus veículos. O Sindicato dos Bancários do Espírito Santo (SEEB-ES),
por exemplo, tem uma equipe com dois jornalistas, um diagramador e um fotógrafo para produzir o
Correio Bancário (quinzenal, gratuito, tiragem de 8 mil exemplares) e o Mulher 24 Horas
(mensal, gratuito, 7 mil exemplares).
A primeira edição do Correio Bancário é de 1979, mas o jornal nem sempre foi mensal.
Como explica uma das jornalistas do SEEB-ES, Adriana Machado, “não havia a consciência quanto
à importância da regularidade, nem quanto à forma. Hoje, ele tem um padrão, teve todo um
investimento no projeto gráfico a partir da década de 90”. Ainda sobre a importância da
periodicidade:
A falta de regularidade é um dos aspectos do amadorismo da
nossa comunicação (...) O boletim que tem periodicidade,
seqüência de temas e propostas pode influenciar pensamentos
e determinar ações (...)
Como responder aos ataques diários que a burguesia faz aos
trabalhadores via Jornal Nacional, via Hora do Brasil, via
Edir Macedo, via todos os ministros e juízes dos supremos
tribunais, via os Sílvios Santos, os Gil Gomes, as Hebes e
Xuxas? Certamente, se um sindicato se limitar a publicar um
boletim de vez em quando, já entrará derrotado na batalha
pela conquista da cabeça, do coração e de todo o corpo do
trabalhador. (Santiago & Gianotti, 1987, p. 106).
Por esse caráter amador, muitas pessoas pensam que o jornalismo sindical e alternativo deva
ser rudimentar. Adriana Machado explica o contrário: “Foi tudo pensado mesmo. Pensando que
a imprensa alternativa não deva ser uma imprensa panfletária, uma imprensa feia. Ser alternativa,
mas com um padrão de qualidade sim, por que não?”.
Ao analisarmos o Correio Bancário, é possível verificarmos a mudança de conteúdo pela qual
passou o jornal. Na época de sua criação, o caráter assistencialista dividia um espaço grande com as
informações sobre a categoria e as matérias mais políticas.
Vale lembrar que, nessa época, o sindicato ainda estava nas mãos dos pelegos, mas que os
próprios pareciam manter uma postura de enfrentamento aos banqueiros dentro do jornal. “Acho
que mudou muito mais a linguagem do que as idéias propagadas.
Você vê que esse período de 1979 a 1985 ainda é um período de peleguismo, mas de uma
absorção de outra postura. Porque eles sabiam que se, não fizessem isso, iam acabar perdendo para
a oposição. Pelas manchetes, você não vê nada do retrato do peleguismo.
Esse peleguismo acontece mais na prática, como quando você propõe uma greve”, considera
Adriana Machado.
Na verdade, como o Correio estava nas mãos dos pelegos ainda no começo da década de 80,
após a eleição de 1982 para a diretoria do sindicato (na qual a chapa da situação saiu
vitoriosa), surgiu um veículo da oposição unificada dentro do SEEB, o Mobilização Bancária. Eis
o seu editorial de estréia:
Esse é o primeiro boletim de uma série que pretende ser
periódico. Ele pretende cobrir uma lacuna que sempre existiu
na categoria bancária, porque o boletim do sindicato – o
Correio Bancário – sempre foi muito irregular e não traz
notícias realmente quentes, de interesse da categoria, apesar
de ser graficamente bonito e evidentemente caro.” (Tosi et al.,
1994, p. 129)
Para a direção sindical da época, o Mobilização Bancária era um “informativo bastardo”. O
embate entre os dois veículos era intenso, mas a proposta de regularidade do Mobilização acabou
se esvaindo e o boletim deixou de existir.
Além do Correio, o SEEB-ES – a partir de 1994 – produz o Mulher 24 Horas, como reflexo
de um trabalho de organização das mulheres bancárias. De acordo com Adriana, “o Mulher 24
Horas tem um caráter diferente do Correio. Ele é crítico e questionador, mas tem o toque da
feminilidade. Tem uma linguagem mais do jornalismo comportamental, embora seja um veículo
bem crítico”.
Jornal do Sindicato dos Ferroviários ES/MG
Jornal da CUT/ES sobre os 22 anos de fundação da entidade
Primeira edição do Correio Bancário, abril/maio de 1979
Edição atual do Correio Bancário, que circula em cores
Número zero do Mulher Bancária, que hoje é o Mulher 24 Horas
Uma voz fragmentada: muito mais desafios que perspectivas
Uma das questões a serem pensadas sobre o jornalismo sindical como um todo é a
fragmentação dos veículos impressos. Segundo Vito Gianotti, se juntássemos todos os boletins e
jornais feitos pelos sindicatos, teríamos um verdadeiro jornal nacional, pois essas produções
somam, aproximadamente, sete milhões de exemplares semanais. Os jornais e informativos, porém,
encontram- se dispersos, esporádicos. É perfeitamente compreensível que cada movimento popular
e social e cada sindicato tenha suas próprias demandas a partir de um contexto regional, mas é
uma pena realmente que, de fato, essa imprensa esteja fragmentada e com a história não muito bem
preservada. Prova disso é a própria pesquisa que culminou na elaboração deste capítulo.
Seria praticamente impossível resgatar a memória de toda a imprensa sindical capixaba, uma vez
que muitas dessas reminiscências já estão esquecidas/perdidas.
Outra questão é a produção, de fato, de um veículo impresso desse porte. Por mais que a
comunicação sindical possa ser inserida num contexto alternativo, há algumas diferenças entre ela
e a comunicação popular, por exemplo. Aí está a grande dúvida: o alternativo só estaria impregnado
no perfil ideológico do projeto editorial? Alternativo não seria, também, se a base pudesse
produzir seu próprio meio de comunicação, ao invés de somente ter o produtor do jornal, no caso
um jornalista responsável, como seu interlocutor?
É fato que, independentemente de cada categoria ter suas próprias bandeiras de luta, verifica-
se um período de refluxo após a efervescência do sindicalismo na década de 80. E este
certo retrocesso, “muitos dizem por aí”, deve-se à perda de um referencial.
O que buscamos, como movimento social, para eclodir numa agitação em massa? O que falta
para nós, enquanto sociedade civil, aglutinarmos forças em uma luta uníssona?
O Alfabeto certo
Ao longo de nossa pesquisa nos acervos de Vitória, conseguimos coletar um considerável material
impresso. Reunimos uma amostra significativa do que foi a produção alternativa nos últimos, digamos,
30 anos. Folheando tais publicações, em especial aquelas dos idos de 70 para 80, características dos
movimentos populares então insurgentes, impressionam as várias estratégias de linguagem que elas
empregavam para fazer chegar a sua mensagem àquele público-alvo bem localizado a que se
direcionavam: em geral, pessoas que, na escala societária, ocupavam as camadas C, D e E; pessoas,
portanto, com um baixo grau de escolaridade.
Tais estratégias são em tudo discrepantes às técnicas de discurso aplicadas nos jornais de grande
circulação. Basta que se folheie brevemente alguns poucos exemplares de publicações dessa ordem para
se identificar alguns traços bem marcantes e que, basicamente, repetem-se em todas elas, quais sejam:
1) Um texto muito mais direto e objetivo, em todos os sentidos que esses adjetivos possam ter.
Quase via de regra, o enunciador se dirige diretamente ao leitor e o faz na linguagem mais
simples possível. Por “simples” entenda-se uma linguagem “enxuta”, popular, coloquial, muitas vezes
até vulgar, para assegurar que a comunicação se estabeleça. O vocabulário é o mais acessível – o que,
vale frisar, não quer dizer desrespeito ao Português –, reduzido às palavras que são de conhecimento
coletivo. O discurso, não raro, revela um tom didático, visando a transmitir mensagens evidentemente
educativas. Há, também, um flerte constante com o lúdico, que se expressa de maneiras variadas.
2) Salta aos olhos, sobretudo, o uso extremado de quadrinhos, charges e ilustrações em geral, ora
para adornar o texto, tornando- o mais agradável, ora para se somar ao texto, complementando a sua
mensagem, ora realmente em seu lugar, quando corresponde à própria mensagem. É notável a maneira
como se apelava reiteradamente a essas linguagens como estratégias de discurso, aproveitando-se todo
o ludismo que elas encerram.
Com efeito, a recorrência aos quadrinhos aponta como estratégia com o fim deliberado de atingir,
de maneira mais precisa e abrangente, um público sabidamente pouco afeito à leitura da palavra escrita.
Assim, freqüentemente, vemos o texto verbal dando lugar ao texto visual, às vezes mais direto e
infantil, às vezes um pouco mais elaborado em charges que contêm mensagens mais sutis nas
entrelinhas. Fica clara a intenção primordial de fazer entender a mensagem, garantir que ela seja
devidamente assimilada, em detrimento de qualquer preocupação estética e formal.
Vejamos o que os sujeitos dessa imprensa alternativa têm a dizer sobre essa questão:
Andressa Rebonato – assessora de Comunicação do PT-ES, produz boletins informativos
para vários movimentos sociais.
Jornal de massa X jornal alternativo
A primeira grande diferença é o texto. No jornal alternativo, o texto é mais curto, é mais
objetivo. E para cada área é um texto um pouquinho diferente, um jeito de falar diferente. Do
interior para a cidade, entre os próprios municípios. Cada município tem a sua especificidade,
cada setor tem sua particularidade.
Por exemplo, tem gente que me diz: ‘Andressa, o povo lá não quer ler nada’. Então, espera aí,
a gente usa uma ilustração para prender a atenção da pessoa, e depois complementa com um texto.
Na ilustração, você já diz metade do que quer dizer, quando não diz tudo.
Trabalhei por um tempo em A Tribuna e ainda uso muito do jornal para fazer esses jornais,
no que diz respeito ao estilo, porque A Tribuna é bastante popular. Mas, às vezes, eu peco no
sentido de deixar de dizer algo no jornal porque em A Tribuna eu não falava. E penso: ‘Pô, eu
podia ter falado isso...’. No jornal alternativo, você não só pode como deve assumir sua posição.
Não tem aquela coisa de pensar: ‘Ah, será que eu posso dizer isso?’.Não, você conversa com a
pessoa e pensa: ‘É isso que eu devo dizer’. Aí você vai passar, como acha que deve passar.
O jornal alternativo tem esse lado de você poder ir mais profundo, dizer o que está mesmo
acontecendo, dar uma informação, dar o seu ponto e depois fazer o cruzamento e dar uma
resposta. E isso você não pode fazer na mídia.Em A Tribuna, eu tive muitas matérias cortadas e
jogadas fora, porque eu não podia dizer alguma coisa. O que vale mesmo é o conselho editorial.
Milson Henriques – jornalista/chargista de intensa atuação durante os “anos de chumbo”.
O ciclo vicioso
Autores: Vocês da classe artística, jornalística e intelectual tinham essa preocupação de chegar
ao povo, sensibilizá-lo e chamar sua atenção para as causas?
Era um beco sem saída, porque a gente tinha que fazer com tanta sutileza que o intelectual
entendia, o estudante entendia, mas o povão não entendia.
Autores: Você faz alguma autocrítica quanto a isso? Não faltava talvez mais objetividade ou
uma estratégia de discurso mais acessível?
Não. Tinha que ser mais acessível, mas aí a censura proibia. Se a gente fizesse uma coisa
muito aberta, a censura entendia e não “passava”, então a gente procurava ser sutil. Mas aí não
adiantava, porque o povo não tinha cultura para entender a sutileza. Era muito difícil...
Paulo Soldatelli – professor de Comunicação; trabalhando pela Arquidiocese, produziu uma
série de jornaizinhos para movimentos populares, atuando, inclusive, como ilustrador.
O texto visual
O jornalista, em geral, talvez por trabalhar com texto escrito, não consegue trabalhar com a
imagem que está ligada ao texto. E eu, talvez por gostar tanto de quadrinhos e fazer quadrinhos
quando era pequeno, também desenvolvi bastante uma maneira de pensar visualmente. E a imagem
às vezes pode ser vista como um enfeite do texto, mas o mais importante é quando ela é um
complemento ou quando é a própria mensagem.
Então, em alguns momentos, a imagem era a mensagem, o texto só dava detalhes. No
Ferramenta, a maior parte dos conceitos era traduzida em imagem. Isto eu levei para o movimento
sindical. Como a gente trabalhava com pessoas que liam muito pouco, o texto tinha que ser muito
simples, muito direto, e a imagem é uma linguagem mais direta”.
Desirée Cipriano – professora de Comunicação, sempre pautou sua atuação dentro da
comunicação comunitária; em Minas Gerais (sua terra-natal), ajudou a escrever alguns jornais de
cunho popular, dentre eles o Pelejando (editado pelas coordenações estaduais da Pastoral da Terra,
Pastoral Operária e CEBs).
O Pelejando era um jornal feito para pessoas que não têm hábito de leitura. Então, ele tinha
um corpo maior, um entre-linhamento maior, muito branco, muito espaço, ilustrações... Uma coisa
era a própria falta de dinheiro para fotografia. Era muito complicado. Mas a outra é que a gente
descobriu que, às vezes, você fazia um artigo bonito, na linguagem adequada, preparado no
tamanho certo, mas as pessoas discutiam a partir da ilustração; não discutiam o artigo.
Às vezes, a ilustração até diz mais. E as pessoas podem participar mais.
Então, nós temos que caminhar para isso. Nós temos que fazer um jornal que as pessoas
possam ler e em que possam se reconhecer e se tornar parte de sua história. Não é um jornal como
a Folha de São Paulo, que as pessoas podem ler, mas quem? As pessoas da elite. Eu tenho que ser
alternativo em abrir essa mídia a outras pessoas também, para que elas possam ler também.
Então você é alternativo também trabalhando o formato.
Da década de 90 aos dias atuais
Sobre refluxos, crises e algumas perspectivas – o jornalismo alternativo na
contemporaneidade
Para uma análise minimamente satisfatória de qualquer aspecto da sociedade que se estude, é
primordial a compreensão do seu entorno, da conjuntura na qual esse objeto de análise se insere,
da qual sofre influência e que também influencia.
Assim, falar do jornalismo impresso alternativo capixaba a partir da década de 90 é,
essencialmente, falar do que aconteceu com os movimentos sociais de esquerda nesse mesmo
período. E falar desses movimentos sociais é necessariamente falar do que ocorreu e ocorre no País
e no mundo, das profundas mudanças políticas, econômicas e culturais que sucederam nessas
décadas.
Mas é preciso deixar clara uma coisa: esse período não é isolado historicamente, ele está
dentro de um processo. Portanto, a década de 90 não começa exatamente no dia 1º de janeiro
de 1991, mas ainda antes – as suas raízes estão em acontecimentos anteriores.
Nós, ao pretendermos abordar a crise do jornalismo alterna- tivo que se deu em tal década,
podemos sublinhar alguns fatos que, tendo acontecido nos anos 80, seriam decisivos para o
refluxo enfrentado pelos movimentos sociais e, conseqüentemente, pelos seus meios de
comunicação posteriormente. Entre eles, o processo de redemocratização do Estado brasileiro e o
colapso do regime socialista soviético, representado pela queda do Muro de Berlim. Estes são dois
marcos complementares, relacionados, que nos dão uma boa contextualização do período, tanto
nacional quanto internacionalmente.
O fim da ditadura militar
Dentro do País, muitos movimentos sociais de contestação se fortaleceram, ou mesmo
surgiram, no final dos anos 1970 e começo dos 1980. Grande parte com um inimigo em
comum bastante nítido: a ditadura militar. Lutar contra esse regime autoritário aglutinava pessoas
em torno de uma causa palpável, facilmente visível para qualquer um. Foi nessa época que
aconteceram, por exemplo, as famosas greves dos metalúrgicos do ABC (a primeira em 1978) e o
movimento “Diretas Já!” (1984).
Apesar de fracassada em seu objetivo imediato, que era a eleição direta no ano de 1985, a
pressão popular das “Diretas Já!” teve papel decisivo para o processo de democratização do
País, que só se conclui com a Constituição de 1988, promulgada pelo então presidente civil, mas
empossado através de uma eleição indireta, José Sarney.
Já com menos um elemento de envolvimento nos movimentos sociais, sem um inimigo tão
concreto como um governo ditatorial, é eleito, em 1989, como presidente da República, o
candidato Fernando Collor de Mello, com um projeto de governo marcadamente neoliberal. A partir
daí, o neoliberalismo se reforça no Brasil, desmantelando ainda mais os movimentos populares
e sindicais de oposição.
Com esse refluxo dos movimentos, é óbvio, há também uma diminuição severa dos meios de
comunicação alternativos produzidos pelos mesmos. E, além dos fatores já citados, ocorre também
a entrada dos partidos de esquerda na política institucionalizada, o que reforçará a crise desse tipo
de imprensa, como explica Hamilton de Souza:
Outro motivo é que as lutas políticas dos partidos de esquerda
que se formam ou que saem da clandestinidade, como o PCB,
o PC do B se concentram no jogo institucional via eleições
e parlamento. um abandono no trabalho
de conscientização e organização a partir da população nas
periferias, nos bairros, nos locais de trabalho, etc.
E, de certa maneira, a imprensa alternativa perde um pouco o
sentido. (In: Segundo, 2005)
Cai o Muro de Berlim – o colapso soviético e a globalização neoliberal
Paralelamente a esses acontecimentos internos, em 1989, denunciando um processo de
desgaste das estruturas do regime socialista soviético, o Muro de Berlim é derrubado pelo
governo da então Alemanha Oriental. Para a esquerda internacional, essa queda teve uma gama
enorme de significados. Com o muro cai também sobre a cabeça de milhares de intelectuais um
Estado socialista que não deu certo, uma esperança perdida.
Esse acontecimento é considerado o marco do fim da Guerra Fria, que se estendia desde a
conclusão da Segunda Guerra Mun- dial. Assim, aos poucos, a União Soviética também se
desintegra, chegando ao fim em 1991.
Com esse fim, o mundo, que antes vivia uma disputa entre duas formas distintas de
organização econômica e política, encontrase quase que inteiramente dominado por um único
modelo ideológico:
o capitalismo. E o capitalismo num estágio de avanço tecnológico intenso, que, através de
constantes inovações nos campos da comunicação, transporte e informática, inaugura um conceito
muito difundido a partir da década de 90: a globalização.
Uma globalização que obviamente serve aos interesses do atual modelo capitalista: o
neoliberalismo.
O neoliberalismo prega o Estado Mínimo, ou seja, governos nacionais que interfiram o
mínimo possível na economia de seus países. Com a circulação mundial de bens, capitais e
serviços, essa não-intervenção estatal foi muito propícia para que o capital internacional, advindo
dos países desenvolvidos, entrasse maciçamente no Terceiro Mundo, atrás de mão-de-obra mais
barata e leis fiscais mais favoráveis, transferindo, em muitos casos, ramos inteiros de produção para
essas localidades. Ou penetrando através de privatizações promovidas por governos locais de
orientação neoliberal, como o do ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Todo esse
processo ocasiona uma grande taxa de desemprego nos países subdesenvolvidos.
No Espírito Santo, isto também acontece, como nos mostra Colbari (2003): “A Escelsa, que
antes da privatização empregava 2.600 trabalhadores, reduziu esse contingente a 1.500. [...] A
CST empregava, em 1990, 6.209 pessoas e, em 1992, ano da privatização, demitiu 1.700
empregados. [...] A CVRD, no decorrer de quatro anos, reduziu de 23 mil para 15 mil o efetivo
pessoal.”
Tantos desempregados e trabalhadores transferidos para o terceiro setor da economia
enfraquecem altamente a atividade sindical, ao diminuir circunstancialmente a sua base. Além
disso, outros fatores advindos com as privatizações contribuem para a desarticulação do
sindicalismo, como novas formas de administração das indústrias, através de gestões participativas,
que atrelam os interesses do trabalhadores aos dos patrões.
Dessa forma, preocupadas com o desemprego, tendo que trabalhar cada vez mais para
garantirem seus cargos, influenciadas por uma cultura midiática que estimula a todo o momento o
consumismo e o individualismo, as pessoas acabam por priorizar o plano individual em detrimento
do coletivo, provocando, assim, uma séria desmobilização dos movimentos sociais.
E, como já dissemos, esse refluxo dos movimentos vai afetar em larga escala a produção de
jornais alternativos, que tiveram um boom nos anos 80. O pior é que essa crise vai acontecer
exatamente no momento em que mais se precisa de mídias com posicionamentos opostos aos das
megacorporações de comunicação, que mundializam formas de se comportar, se pensar e ver a
sociedade, agindo geralmente no sentido da ratificação do modelo capitalista.
São necessárias mídias que apresentem a diversidade cultural de nossas sociedades, que se
preocupem com a (in)formação de um receptor crítico, que apresentem novos jeitos de enxergar
o mundo e decidir o que é e o que não é notícia, o que merece e o que não merece atenção. Mídias
que, ao se pautarem, coloquem também em debate a democratização dos meios de comunicação e
seu papel primordial na construção de uma sociedade mais justa, onde todos tenham voz para dizer
o que pensam e quais são as suas necessidades.
Avante!
No Espírito Santo, o quadro é basicamente o mesmo do nacio- nal, inserido que está nessa
conjuntura. Da explosão de jornais populares e sindicais da década de 80, foram poucos os que
sobreviveram. E, mesmo estes, combalidos e fragmentados, tiveram sua influência e penetração
ainda mais minimizados.
A maior parte dos jornais do tipo que existem hoje estão conformados a um estilo mais
“jornalístico”, no que essa palavra tem de mais ligado à imprensa tradicional. Ou seja, utilizando-
se de estruturas como o lide e a pirâmide invertida, e se atendo a fatos mais pontuais, deixando para
trás, em boa parte deles, um conteúdo mais formativo.
Não há, atualmente, no âmbito regional, nenhum jornal alternativo que se destaque em
importância. E não falamos aqui de um jornal que compita com os grandes veículos empresariais
capixabas. Falamos que não há mesmo um jornal alternativo que tente compreender em suas pautas
as necessidades de voz da população local, ou, pelo menos, da esquerda intelectual, que, em tese,
deveria ser mais organizada.
Uma tentativa nesse sentido, no contexto nacional, é o semanário Brasil de Fato. O jornal foi
lançado em 2003, no Fórum Social Mundial, e, articulado por diversos movimentos sociais,
principalmente o MST, tem como projeto representar a esquerda brasileira, ou ao menos uma parte
dela. De certa forma, esse jornal se tornou referência no que se trata de um jornalismo
combativo brasileiro. Mas, mesmo tendo adquirido esse status, a sua penetração foi aquém do
esperado, como explica José Arbex:
Nós fizemos uma conta quando fomos lançar o Brasil de
Fato. Existem 9 mil paróquias no Brasil e a gente pensou
que, se 10% das paróquias assinarem um exemplar, são
novecentas assinaturas. Tinha 150 mil pessoas que
participaram da campanha contra a Alca, se 10% assinarem o
jornal, são 15 mil assinaturas. Só aí teríamos, em tese, 16 mil
assinaturas do jornal, o que já seria suficiente para implantá-
lo.
Até hoje (novembro de 2003), não tem nem 5 mil.
(In: Segundo, 2005)
A verdade é que é muito difícil enfrentar o poderio das grandes dias, empresariais e
essencialmente capitalistas. Porém, a luta se dá como em todo movimento contra-hegemônico: de
pouco em pouco, feito formiguinhas, tentando reconstruir toda uma sociedade.
Acreditamos que essa reconstrução passa necessariamente pelo campo comunicacional, dada a
sua enorme importância simbólica no pensamento do homem contemporâneo.
É claro que nós, humildes estudantes, não temos respostas sobre como enfrentar esse enorme
desafio à nossa frente. Mas nós sabemos que ele existe, que se irrompe sólido perante a
realização do nosso sonho de uma sociedade mais justa, e que nós temos que tentar enfrentá-lo. Na
verdade, é só o que podemos fazer: tentar.
Mas, para isso, precisamos entender também o que foi feito, o que acontece hoje, quais erros
não repetir, quais acertos levar em consideração. E, por isso, este capítulo é de extrema relevância.
Inclusive para que, daqui pra frente, nós possamos fazer parte desta história.
Referências bibliográficas
ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL. Folha Capixaba. Vitória/ES. 6, 20 e 22 maio; jul; 14 nov.
1945.
BUONICORE, Augusto. Comunistas, Cultura e Intelectuais entre os anos de 1940 e 1950.
Disponível na Internet. http://www.espacoacademico.
com.br/032/32cbuonicore.htm. 5 out. 2005 COLBARI, Antônia. Rumos do movimento sindical no
Espírito Santo. Vitória:
Flor & Cultura, 2003. 200 p.
DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular – movimentos sociais e participação política no
Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
353 p.
PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Comunicação nos Movimentos Populares – a participação na
construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998.
SANTIAGO, Cláudia; GIANOTTI, Vito. Comunicação sindical – falando para milhões.
Petrópolis: Vozes , 1997. 182 p.
SEGUNDO, Jacson Maria. Jornalismo alternativo na atualidade: o caso do Brasil de Fato. Vitória:
2005. 91 p. Monografia (Comunicação Social – Jornalismo) – Universidade Federal do Espírito
Santo, 2005.
SIQUEIRA, Sandra Maria Marinho. O papel dos movimentos sociais na construção de outra
sociabilidade. Disponível na Internet. http://www.educacaoonline.
pro.br/art_o_papel_dos_movimentos.asp. 1º set. 2005.
TOSI, Alberto et al. Bancários – sessenta anos de história. Vitória: Sindicato dos Bancários do ES,
1995. 192 p.
Vozes da democracia – história da comunicação na redemocratização do Brasil.
Disponível na Internet. http://www.intervozes.org.br/arquivos/livro_ miolo.pdf. 2 out. 2005
Entrevistas
Adriana Machado – Jornalista do SEEB-ES. Setembro de 2005.
Andressa Rebonato – Assessora de Comunicação do PT-ES.
Anselmo Venturin – Ex-assessor da Arquidiocese de Vitória. Outubro de 2005.
Antônio Granja e Clementino Dalmácio – Ex-colaboradores do jornal Folha Capixaba. Setembro
de 2005.
Cláudio Vereza – Deputado estadual PT-ES. Setembro de 2005.
David Protti – Professor do Deptº de Comunicação Social – Ufes.
Outubro de 2005.
Diretoria do Conselho Comunitário de Vila Velha. Setembro de 2005.
Edílson Lenk – Jornalista da CUT/ES e do Sindiupes. Setembro de 2005.
Eni Maria de Almeida – Pastoral Operária. Setembro de 2005.
Fabíola Melca da Silva Araujo – Coordenadora Geral da Casa da Mulher (Projeto “Olho da Rua”).
Setembro de 2005.
João Morais – Diretório do PT-ES.
Ligia Sarlo – Jornalista. Setembro de 2005.
Milson Henriques – Jornalista, cartunista, ator. Setembro de 2005.
Namy Chequer – Jornalista e radialista. Outubro de 2005 (por e-mail).
Paulo Soldatelli – Professor de Comunicação Social – Faesa. Outubro de 2005.
Doutora Beatriz Krohling – Professora do Deptº de Serviço Social – Univila. Setembro de 2005.
Doutora Desirée Cipriano – Professora do Deptº de Serviço social – Ufes. Setembro de 2005.
Doutora Marta Zorzal – Professora do Deptº de Ciências Sociais – Ufes. Outubro de 2005.
Tania Mara Ferreira – Professora do Deptº de Comunicação Social – Ufes. Setembro de 2005.
Tinoco dos Anjos – Diretor da TVE-ES. Outubro de 2005.
Warley Soares – Produtor do Jornal Vitória, da Arquidiocese de Vitória.
Setembro de 2005.
O Espírito Santo em revista
Ceciana França, Daniella Zanotti,
Fernanda Pontes e Patrícia Galleto
A imprensa é um ótimo reflexo do imaginário sociocultural dos grupos detentores dos
meios de comunicação. Estudar a evolução desses veículos significa, portanto, analisar
a versão dos fatos sob a ótica de uma pequena parcela da sociedade, predominantemente, a
elite. Tal fator se torna ainda mais evidente se observarmos as revistas aqui produzidas.
Durante todo o processo evolutivo dessas publicações no Estado, é possível perceber que,
em sua maioria, elas foram – e continuam sendo – concebidas pelas classes de maior poder
aquisitivo e a elas destinadas, contribuindo para a perpetuação de seu status.
Iniciamos nosso estudo a partir da análise de uma revista eclética, a Vida Capichaba,
que unia literatura e notícia. Desde então, o colunismo social se fazia presente nas edições,
focando a nata aristocrática da época. Essa especificidade temática ganhou força com os
anos, deflagrando um processo de fragmentação das publicações com esse formato, fator
marcante no mercado capixaba.
Se antes tínhamos uma revista multitemática, embora vi- sivelmente carregada de
peculiaridades de uma elite social e destinada, a princípio, a toda população da Capital,
atualmente temos publicações com temas específicos para públicos determinados.
Essa característica atual é muito mais perceptível e proposital do que em outros tempos.
É como se, majoritariamente, a classe alta escrevesse para si mesma sobre temas que
dizem respeito apenas ao seu subgrupo. Talvez esta seja uma exigência natural do mercado,
talvez seja mesmo fruto de uma mentalidade provinciana, presente até hoje nas revistas
capixabas. O fato é que ainda há grandes obstáculos nesse tipo de produção local e as que se
mantêm na ativa são, em sua maioria, dedicadas a empresas privadas, ao colunismo social e
ao consumo. É interessante ressaltar que, ao longo dos oitenta anos que este estudo alcança,
uma das dificuldades que prevalece continua sendo a mesma: a falta de aceitação de
publicações locais pelo público capixaba.
Dessa forma, no presente trabalho, buscamos resgatar um pouco da história dos
periódicos não-diários produzidos no Espírito Santo, bem como apresentar um breve
panorama desse mercado no início do século XXI.
A história Capichaba nas páginas da Vida
Quando analisamos determinado veículo de comunicação, é importante ter em mente toda a
significação ideológica e social que este carrega. Dessa forma, ao pesquisar uma revista como a
Vida Capichaba – que, no período entre 1923 e 1957, acompanhou pequenas e grandes mudanças
nos diversos âmbitos da sociedade local –, podemos observar seu evidente papel de destaque na
construção do imaginário social capixaba. Pode-se afirmar, ainda, que, de forma cíclica, esse
veículo muito influenciou, e até mesmo modelou, idéias e valores que construíram a vida da
sociedade que viveu no Espírito Santo durante o século XX. Antes dela, outras publicações
especializadas já haviam surgido no mercado capixaba. Um exemplo é a Gazeta
Literária, estabelecida em janeiro de 1899. Dirigida por Amâncio Pereira, ela era basicamente
literária e, editada em cores, foi considerada uma das mais bem produzidas publicações do gênero
até então.
Vale destacar também a Revista Ilustrada, de 1910, e a Vitória Ilustrada, de 1914.
Já nesse período, é possível perceber que as publicações eram construídas em torno de uma
temática principal – no caso, a literatura – e que contemplavam apenas o universo de pequena
parcela da sociedade. A restrição do acesso a obras literárias, bem como ao ensino superior, já
estava incrustado na cultura local, determinando também o público consumidor desse tipo de
periódico. Já que as famílias ricas representavam o principal grupo consumidor das
produções culturais, as revistas eram escritas sob a ótica elitista da época, carregando, desde seu
nascimento, o caráter de segmentação de público.
Influenciadas pelo modernismo e pela Semana de Arte Moderna de 1922, surgiram no Brasil
várias revistas de vanguarda, que circulavam numa época em que imprensa e literatura se
confundiam.
No entanto, nenhuma dessas publicações influenciou tanto a sociedade local quanto a Vida
Capichaba. Ela nasceu no Espírito Santo, em 1923, e é considerada a revista de maior
longevidade no Estado até hoje. Sua primeira edição foi lançada no mercado no mês de abril
daquele ano, com uma tiragem de mil exemplares, custando 500 réis e com a proposta de ser uma
revista quinzenal.
Seu primeiro editorial dizia:
A Vida Capichaba ahi está. Não é ainda a revista
que idealizamos. Do terceiro número em deante é que ella
vestirá a sua roupagem definitiva. Por emquanto, ainda
estamos na trabalhosa phase de organização.
Passada, porém, essa época de singulares tropeços, a Vida
Capichaba está em condições de realizar os seus grandes
ideaes, de vencer as terríveis hostilidades que se nos
prophetizam.
E os ideaes da Vida Capichaba são os formosos ideaes de
todos nós, os trabalhadores ingênuos e honesto pela grandeza
do Espírito Santo.
Não se justifica a falta de uma revista nesta Capital:
que já é uma linda e encantadora cidade de muitos milhares
de habitantes.
Toda a cidade linda tem uma revista linda, que conta a sua
história, que perpetua as suas emoções, que perfuma a sua
galanteria, que exalta a sua elegância e que guarda, como
num pequenino livro de horas, as ânsias subtis de sua vida
sentimental...
Embora pessoas experimentadas, embora velhos peregrinos
da chiméra, que ficaram pelo caminho, nos digam que a nossa
iniciativa, devido à famosa indifferença do publico espírito
santense pelas cousas de arte e literatura, terá ephemera
duração, aqui estamos para enfrentar o monstro... [...]”
Além de evidenciar as dificuldades encontradas e a vocação literária que seria seguida na
publicação, o primeiro editorial dedicou a revista à mulher espírito-santense por ser esta “a mais
ardente protetora da arte e a mais requintada amiga do sonho”. Tal fato talvez represente o
importante papel que o público feminino teria para a revista ao longo dos anos.
Capa da primeira edição de Vida Capichaba
A partir da quarta edição, em agosto de 1923, Manoel Lopes Pimenta, Elpídio Pimentel e
Aurindo Quintaes assumiram o papel de sócios fundadores e redatores. O editorial desse número
dizia:
É bem certo que lhe tomaram o leme outros timoneiros,
porque os dois brilhantes intellectuaes que, tão
auspiciosamente, a puseram em movimento, entenderam
sermos capazes de substitui-los nos postos de comando, de
que irrevogavelmente se apartaram. [...]”
Após sua fase inicial, Vida Capichaba tornou-se a mais expressiva publicação do Espírito
Santo. Ela circulava, quinzenalmente, na Capital e no interior, tendo representantes por todo o
Estado.
Entre contos, crônicas e poemas, coluna social e fotos da alta sociedade e de membros do
governo, seção de esportes, artigos avulsos produzidos por colaboradores, a Vida Capichaba
continha geralmente 36 páginas.
Outra característica era o cuidado estético da publicação: suas capas e seu design geral eram
nitidamente influenciados pelo estilo art-nouveau; além disso, ela era publicada em papel couchê
e sempre trazia belas fotografias. É interessante notar que muitas fotos de paisagens do interior
estampavam a revista. Isto pode ser explicado como uma tentativa de ultrapassar a ilha de
Vitória, integrando o Estado e tornando a revista mais atraente para quem vivia fora da Capital.
Produzida e direcionada para a elite, a revista refletia um caráter conservador e provinciano,
típico da sociedade capixaba da época, o que espelhava o modelo oligárquico-agrário-exportador.
Como instrumento determinante de tendências, além de representante oficial do cotidiano, a
Vida Capichaba perpetuou uma mentalidade elitista que foi aos poucos se tornando mais sutil.
Um exemplo disso é a forma como o negro e o operário eram tratados pelo veículo.
Inicialmente, seu cotidiano não era retratado e, caso fosse incluído na revista, isto acontecia de
forma pejorativa.
Na coluna “Do meu livro de notas”, assinada por Lucia, na terceira edição da revista, esse fato
é explícito:
[...] Era o povo da cidade, o povo brutal e grosseiro, que
celebrava a festa do trabalho. Não gosto nada do povo. O meu
espírito aristocrático repugna tudo que não tenha distincção.
[...] Toda vez que me lembro deste homem de má catadura
tenho medo de uma revolução...
Mais tarde, embora mantivesse sua ideologia elitista, a Vida Capichaba cederia espaço para o
proletariado no dia 1° de maio de 1930, na edição de número 225. Nessa data, foi publicado o
artigo “A Festa do Trabalho”, no qual os trabalhadores eram exaltados como elementos de
relevância para o desenvolvimento do Estado, ou seja, lembrados como classe pertencente à
sociedade.
Já no dia 15 de maio do mesmo ano, os negros tiveram um grande espaço na publicação de
número 227. Para comemorar a Abolição da Escravatura, a Vida Capichaba trazia na capa a frase:
“Meu Deus! Já não há mais escravos em minha terra!”. Além disso, um artigo com o título “13 de
Maio” estampava a foto da Princesa Isabel e de José do Patrocínio sendo exaltados como heróis do
movimento abolicionista.
A forma como a mulher era tratada pela publicação também merece destaque. Muitos
consideram a Vida Capichaba pioneira, pois, além de grande incentivadora do público feminino
como leitor, a revista inovou ao convidar jovens intelectuais capixabas para escrever em suas
páginas, tanto colunas especialmente para mulheres – como a “Feminea”, escrita por Ilza Dessaune
– como seções literárias. Maria Antonieta Tatagiba, Arlette Cyprestte, Guilly Furtado Bandeira,
Lydia Besouchet e Haidée Nicolussi são exemplos de escritoras capixabas que iniciaram sua
carreira na revista e que depois se tornaram reconhecidas nacionalmente.
Maria Eugenia Celso e Berta Lutz, duas líderes do movimento feminista nacional, também
escreveram para Vida Capichaba.
No entanto, uma análise mais profunda da revista mostra que a mulher era reverenciada em
suas páginas quase exclusivamente por sua beleza e fragilidade, bem como por seu importante
papel para a manutenção do status quo como mães e esposas “moralmente corretas”.
Anúncio de remédio para o público feminino com o slogan: “Quanto dura uma Lua de
Mel”. Ao lado, caricaturas de personagens femininos
Anúncio de remédio para as mulheres e artigo sobre o voto feminino
Tal fato pode ser observado inclusive nos anúncios: os principais remédios eram
especialmente destinados à mulher, pressupondo uma fragilidade extrema, enquanto os anúncios de
carros, por exemplo, eram dirigidos aos homens. É importante ressaltar que, nesse momento, já se
anunciava a segmentação das publicações por sexo. Futuramente, surgiriam as revistas femininas
e masculinas, declarando ou não tal proposta em seus editoriais.
Uma prova da evolução da liberdade feminina pode ser observada na forma como as autoras
assinavam seus artigos. Inicialmente, elas usavam pseudônimos, obviamente por medo do
preconceito recorrente no início do século XX. Já a partir da década Anúncio de remédio para as
mulheres e artigo sobre o voto feminino de trinta, algumas passaram a assinar seus textos e poemas.
Tal atitude difundiu-se a partir da crescente liberdade conquistada pela mulher. Vale observar que
tal liberdade ainda era ínfima, fato que, apesar do pioneirismo da Vida Capichaba, não deixou de
ser evidenciado nas páginas da revista.
Uma das maiores dificuldades encontradas pelos idealizadores dessa publicação, além do já
referido descrédito da sociedade frente ao empreendimento, foi a cobertura dos custos de produção.
Como publicar propagandas em revistas naquela época não era uma prática comum, poucos
eram os anunciantes que a Vida obteve. Devido a esse fator, tornou-se impossível para ela manter-
se totalmente independente, como almejavam seus realizadores. Além dos lucros com a vendagem,
a revista recebia uma ajuda do Governo do Estado. Explica-se, assim, o grande número de
reportagens sobre turismo e obras públicas. Pagas pelo Governo, tais reportagens geralmente
ocupavam as páginas centrais. Esse apoio fica evidente logo no primeiro número, com fotografias
de membros do Governo e frases de apoio ao então governador cel. Nestor Gomes. Tal postura
permaneceu ao longo dos anos e pode ser considerada um dos fatores que deram origem às
publicações específicas sobre as “maravilhas do Espírito Santo”, contemplando o mercado
emergente do turismo.
No período pré-Revolução de 30, o vínculo com o Estado resultou no afastamento do diretor
Manoel Lopes Pimenta. Por ser simpatizante do grupo de Getúlio Vargas (contrário ao
governador Aristeu de Aguiar), ele preferiu deixar a revista nas mãos de Elpídio Pimentel – também
um dos fundadores da Vida –, temendo prejudicar o veículo. Com o sucesso da Revolução, após
seis meses, Pimenta retornou como editor e único proprietário; a revista, por sua vez, passou a ser
editada em sua gráfica. Isto reduziu os custos da publicação e conseqüentemente a tornou mais
independente.
Quanto à temática, Vida Capichaba seguiu contemplando assun- tos diversos, enfocando
sempre a vida política e social do Estado de forma a manter a “ordem” e os costumes locais. Nesse
contexto, duas das colunas de maior sucesso e mais antigas eram a “Alfinetadas”
e a “Sociaes”. As duas seções nasceram com a revista e, desde então, comprometeram-se com
assuntos da elite. Já naquela época, “Sociaes” fazia uma espécie de colunismo social, enquanto a
“Alfinetadas” utilizava um ar satírico ao comentar sobre fatos e pessoas da alta sociedade. Ainda no
quadro das colunas mais famosas da revista, estava a “Miscelania”, que tratava de assuntos
variados, tais como os de interesse cultural e literário e os temas simples, pertencentes ao
imaginário popular. A literatura, o cinema e o esporte – prioritariamente futebol e remo – também
continuavam com lugar reservado nas páginas da Vida. Outro tema abordado com freqüência nos
anos 30 e 40 era o Carnaval, o que mostrava o apreço da sociedade da época pela folia.
Capa da edição número 112, de 19
Ao longo dos anos, a Vida Capichaba chegou a ser publicada semanalmente e passou a ser
vendida também fora do Estado, em municípios de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Em
dezembro de 1954, Manoel Lopes Pimenta vendeu seu patrimônio para Élcio Álvares, Alvino Gatti
e César Bastos, depois de 32 anos à frente da publicação. Na ocasião, Pimenta publicou um
texto emocionado de despedida chamado “Missão Cumprida”, no qual fica evidente toda a paixão
que depositou ao longo dos anos na Vida Capichaba. No artigo, ele conta sobre as dificuldades
para sustentar a revista – o que, inclusive, o havia forçado a torná-la mensal –, tais como a forte
concorrência das revistas do Rio e o desprezo do capixaba pelo que era produzido aqui.
A nova equipe diretora publicou em janeiro de 1955 o primeiro número da Nova Revista Vida
Capichaba, que teve como último diretor o jornalista Adam Emil Czartoryski. Eles desejavam
modernizar a revista, mas, com a saída de Alvino e Élcio, esse sonho se tornou cada vez mais
distante. Depois disso, César Bastos chegou a lançar o semanário Sete Dias e o jornal diário A
Palavra.
Nos editoriais da revista, do semanário e do jornal, ele não poupava críticas a todos os que
considerava inimigos de seu objetivo.
Esse tipo de atitude resultou em represálias. Nos anos 50, a capital do Estado já conhecia
vários casos de empastelamento de jornais e relatos de agressões a jornalistas. César, mesmo
depois de adquirir certo poder, acabou sendo agredido no Centro de Vitória, a mando de homens de
confiança do então governador “Chiquinho” Lacerda Aguiar. Após o episódio, ele se mudou para
Petrópolis, sua terra natal.
Assim, chegava ao fim a história da revista que ajudou a escrever uma parte significativa de
tantas vidas capixabas. Uma nova publicação de relevância para o Espírito Santo viria a surgir
apenas dez anos mais tarde.
De Capichaba para Capixaba
A suntuosa festa de lançamento do dia 3 de março de 1967, que reuniu políticos, empresários e
figuras da alta sociedade capixaba, foi apenas o prelúdio do que significaria a Revista Capixaba
para o Estado. Com direito a toda pompa, a comemoração de estréia foi notícia nos principais meios
de comunicação da época.
A tão aguardada revista não descansou por muito tempo nas bancas de jornal. Como fato
inédito na história do jornalismo capixaba, mil exemplares se esgotaram em duas horas -
demonstração inequívoca de que ela foi realmente ao encontro de uma velha aspiração do Espírito
Santo, talvez reflexo do saudosismo dos leitores da Vida Capichaba.
Na primeira edição, na seção Bilhete de Editor, Álvaro Pacheco, diretor e editor geral, saudava
os leitores exprimindo os objetivos e as intenções da mais nova revista do Estado:
Esta revista realiza uma aspiração dupla: nossa, dos que a
idealizamos e nos dispomos a mantê-la, e do Espírito Santo,
que necessitava de um veículo a traduzir as suas conquistas e
o seu progresso e a informar ao seu povo. Nosso objetivo
assim é ambicioso: trazer para o ES a informação do que
se passa e do que é a terra e a gente de além – diversa e
mostrar a essa terra e a essa gente o que é o ES, como vive,
trabalha e progride seu povo. Esforço cada vez maior em prol
da cultura capixaba.
O leitor que folheasse a publicação mensal passaria primeiro por uma capa bem ilustrada, com
imagens coloridas de pontos turísticos do Estado e, principalmente, com foto de algum
representante da elite capixaba, na maioria das vezes, belas e “bem criadas” jovens.
A Revista Capixaba herdou o caráter elitista das revistas anteriores, que dispensavam enorme
atenção para a coluna social.
A coluna “Informa”, de Hélio Dórea, já era o espaço preferido das socialites. A publicação era
claramente escrita para os que possuíam dinheiro e poder, cobrindo, com destaque, festas
de casamento, posse de políticos e eventos sociais dos afortunados cidadãos capixabas.
É impressionante a miscelânea de temas tratados na revista, mesmo porque a intenção era
atrair o maior público possível.
Não podiam faltar artigos políticos e matérias mais “sérias”, que, nesse momento, já haviam
tomado parte do lugar da excessiva literatura de outros tempos.
As matérias tinham o objetivo de atualizar os seus leitores com os fatos mais significativos
ocorridos no Estado, no Brasil e no mundo. Abordavam assuntos em debate na sociedade, como
o uso da pílula anticoncepcional, a evolução bioquímica moderna e o problema do uso dos tóxicos e
entorpecentes. Eram indispensáveis, entretanto, o humor e a linguagem leve. As crônicas,
por exemplo, tinham espaço garantido em todos os números. Não ficavam de fora também os
moldes de vestidos, as receitas de bolo e outros assuntos que se supunham femininos.
A revista buscava ser moderna e estar à frente de seu tempo, mas a mudança dos costumes não
acontecia de maneira tão rápida a ponto de impedir a censura. As novidades e os
questionamentos vindos de fora eram relidos de acordo com o contexto brasileiro, ainda bastante
tradicional e conservador. Por determinação da Polícia Federal, os censores apreenderam 206
exemplares da edição de nº41 da revista, em 1970, sob a alegação de que a reportagem “Oh!
Calcutta!” feria o decreto da censura, por conter ilustrações de “nu erótico”. A propósito do
assunto, e em defesa dos princípios e do bom nome da revista, o editor Álvaro Pacheco concedeu a
seguinte entrevista coletiva aos jornais de Vitória:
Ao publicar a reportagem sobre a peça Oh!Calcutta!
não tivemos a menor intenção de provocar escândalo ou de
apelar para o erotismo fácil. Cumprimos apenas o que nos
pareceu o dever de informar, objetivo básico de uma
publicação como a Revista Capixaba. Afinal de contas esta
peça representa um marco na historia de teatro e é assunto
jornalístico no mundo inteiro. Já foi vista em, Nova Iorque
por mais de 500 mil pessoas e esta sendo montada em Paris e
Londres, e fotos idênticas às publicados pela Revista
Capixaba já foram reproduzidas pelo Time, Paris Match, Life
e até por jornais diários como o New York Times. O nosso
cuidado na preparação da matéria foi o maior possível. Mas,
como poderíamos informar aos nossos leitores sem mostrar
um mínimo do que ocorre no palco?” (Revista Capixaba,
Bilhete de Editor. Edição nº 42)
Após quatro anos de sucesso e polêmica, a Revista Capixaba se despediu das bancas em
março de 1971.
Nos anos 70 e 80, Agora e Revista
Ainda na década de 70, surgiu a Espírito Santo Agora, dirigida por Erildo dos Anjos.
Muitas vezes, suas matérias eram polêmicas. Na edição de número 27, lançada em setembro de
1978, a Agora estampava na capa o título “Elegantes Ladrões!”, numa alusão ao grupo de jovens de
classe alta que estavam realizando roubos na Capital e até então não haviam tido seus nomes
publicados pela imprensa capixaba. Ela também trazia na capa um título irônico sobre a vinda do
então presidente Figueiredo ao Estado.
Na capa do número 27, modelo foi fotografado no papel de um ladrão flagrado
roubando automóvel em área nobre da cidade
A edição vendeu 11 mil exemplares, o que, segundo seu exdiretor, ainda é um recorde em
termos editoriais no Estado. Na Carta do Editor deste número, Erildo desabafou:
[...] Mas temos que admitir que é difícil fazer jornalismo onde
as pessoas não acreditam, não respeitam e não conhecem o
trabalho do repórter. As autoridades, principalmente. [...]
Mas, o fato é que continuaremos a luta. As razões de não
podermos divulgar todos os nomes dos ‘elegantes ladrões’,
que a polícia conhece – e o fato de estarmos furiosos com isso
– nos dão a sensação de que estamos fazendo jornalismo
sério, sem radicalismos, maduro, sem vícios provincianos.
A imprensa deste Estado precisa nivelar por cima.
Por baixo, já estamos cheios.
Segundo Erildo, “as publicações duravam mais ou menos uns quatro anos. Às vezes, saíam de
circulação por falta de dinheiro e depois voltavam a circular. Duravam, geralmente, o tempo de
o Governo Estadual mudar. Isto porque era difícil conseguir anúncios e, se o Governo não tivesse
uma boa relação com a revista, ela não vingava por muito tempo”. Isto não significava,
entretanto, que a revista temia criticar o Governo e as grandes empresas, considera Erildo.
Já em abril de 1984, o mesmo Erildo dos Anjos, ex-editor de Agora, lançou com Antonio
Cláudio de Oliveira a Revista do Espírito Santo. No primeiro editorial, com o título “Verdade e
Idealismo”, Erildo expôs a proposta da revista:
A pretensão explícita nesse editorial de ultrapassar as fronteiras do Estado não foi alcançada.
Segundo Erildo, já era bastante difícil divulgar a revista no próprio Espírito Santo, já que,
geralmente, os próprios jornalistas e editores viajavam para levar os exemplares para o interior.
“REVISTA do Espírito Santo chega hoje às bancas com a
mesma preocupação que tinha Shaw de transformar o
jornalismo numa permanente busca da verdade. E com a
mesma coragem do homem que, embora consciente de sua
fragilidade, consegue ser forte o suficiente para superar-se,
não só porque acredita numa idéia como também porque é o
único animal capaz de sacrificar-se por um ideal. Numa época
de crise como a atual, quando o poderoso grupo João Santos
fecha A Tribuna, um jornal de 46 anos, e A Gazeta, depois de
58 anos de atividades, faz sérias contenções de despesas,
é preciso ter coragem e acreditar para ser imprensa, com os
compromissos em relação a criar um órgão de lutas da
sociedade do seu tempo subjacentes a uma postura de respeito
à verdade. Revista nasceu porque um grupo de jornalistas
ainda acredita ser possível fazer jornalismo sério no Espírito
Santo, porque quer incrementar, ampliar e aprofundar
o debate sobre os problemas deste Estado, do Sul da Bahia,
do Norte fluminense e do Nordeste de Minas, enfim, porque
acredita que a população desta parte do país está, como a
maioria dos brasileiros, na busca de alternativas para os
impasses políticos e econômicos da sociedade.
A pretensão explícita nesse editorial de ultrapassar as fronteiras do Estado não foi alcançada.
Segundo Erildo, já era bastante difícil divulgar a revista no próprio Espírito Santo, já que,
geralmente, os próprios jornalistas e editores viajavam para levar os exemplares para o interior.
Capa da primeira edição da Revista do Espírito Santo, em abril de 1984
A Revista o tinha um público-alvo segmentado, sendo dirigida a toda a sociedade capixaba
e, assim como Agora, apostava em polêmicas, almejando sempre a qualidade da informação. Na
Revista número quatro, de julho de 84, a reportagem de capa tratava da poluição gerada pela CST,
costumeiro anunciante do veículo.
Sem medo dos anunciantes: polêmicas no conteúdo editorial
No editorial desse número, intitulado “Ameaça do Céu”, Erildo citou também a matéria que
tem como título “Ufes S.A.”:
Com a denúncia de que a Companhia Siderúrgica de Tubarão está lançando ao ar poluentes capazes de formar
uma nuvem ácida, [...], Revista pretende, tão somente, fazer um apelo e uma proposta de mobilização à comunidade
capixaba. Nossa matéria traz a esperança de que, com a redemocratização que o país atravessa, a comunidade
encontre forças para lutar pela implantação de equipamentos que, de acordo com o convênio assinado com a
Secretaria de Saúde, a CST não está obrigada a comprar. [...]
Rompemos o silêncio cúmplice da imprensa capixaba todos esses anos para advertir sobre esta ameaça, que é
real e que só será afastada com a total disposição de luta da comunidade. [...] Outra denúncia: a Ufes só quer saber de
faturar. Não reverte o lucro obtido com órgãos como a Fundação Ceciliano Abel de Almeida em favor do ensino nem
da pesquisa.
Com humor, Erildo responde à pergunta sobre como conseguia anúncios com empresas
criticadas nas páginas da Revista: “É claro que eles se recusavam a publicar por um tempo, mas
nós insistíamos tanto que eles acabavam voltando a anunciar, aí nós criticávamos de novo, e era
aquele problema!”.
Novamente o veículo teve que enfrentar dificuldades já conhecidas pela equipe: poucos
anúncios e a mudança de Governo.
Assim, sem saber que rumos a política cultural tomaria no Estado, e se seria possível continuar
pagando a publicação, a Revista do Espírito Santo chegou ao fim juntamente com o término
do Governo Camata.
A segmentação do mercado
As cinco faces da
Next Nouveau
A proposta das revistas contemporâneas é trazer toda informação que interesse a um tipo de
leitor específico. A segmentação mais evidente desse mercado começou a partir da década de 50
e hoje é característica predominante no setor de revistas. Em qualquer banca, o capixaba pode
encontrar publicações que tratam somente de negócios, outras com tema específico de religião
e, ainda, revistas de interesse dos jovens.
No circuito de publicações capixabas que segue essa linha, destaca- se a editora Next
Nouveau. A empresa, que atende há 10 anos o mercado espírito-santense, possui um papel
relevante no setor de comunicação do Estado. Voltada para o desenvolvimento e o gerenciamento
de produtos e projetos editoriais, ela atualmente possui cinco publicações circulando não só no
Espírito Santo, como também no sul da Bahia, no Rio de Janeiro e na região leste de Minas Gerais.
A editora produziu sua primeira revista em 1997, dois anos após sua fundação, e hoje é
responsável por prestar serviços e produzir publicações segmentadas que atendem nichos
diferenciados.
Segundo Cláudia Luzes, coordenadora de tráfego da Next Nouveau, a revista Comunhão é o
carro-chefe da empresa. Com tiragem de oito a nove mil exemplares por mês, essa revista atende o
público evangélico, tornando-se a mais expressiva publicação para esse segmento.
A cada edição, Comunhão traz um conteúdo voltado para o crescimento do número de
evangélicos, adotando como alvo prin- cipal as lideranças e formadores de opinião dentro das
igrejas.
Atualmente, a revista é referência editorial em cultura cristã, além de ter reconhecimento em
âmbito nacional em seu segmento.
Chamada inicialmente de Dominical, a revista tinha 32 páginas e era impressa em preto e
branco. Na 11º edição, a revista ganhou cores, e, três edições posteriores, o nome Dominical foi
trocado por Comunhão. Hoje, são mais de 100 páginas distribuídas em cada edição. Para isso, o
veículo conta com um grande número de anunciantes, que representam 45% do total da publicação.
A segunda revista lançada foi a Target, que já está há quatro anos no mercado. Os públicos-
alvos são estudantes de Comunicação Social e empresários que atuam nesse setor. Para atraí-
los, são produzidas matérias com redação mais leve e diagramação mais dinâmica.
A Next Nouveau produz, ainda, as revistas ES Brasil, destinada ao empresariado capixaba; a
Prodfor, com matérias que atendem as maiores empresas compradoras de produtos, bens e
serviços do Estado, participantes do Programa de Qualificação e Desenvolvimento de Fornecedores
(Prodfor); e a Super Ilha, recente revista da Associação Capixaba de Supermercadistas (ACAPS).
ESSA
– de terno e gravata
Acompanhando a tendência de segmentação do mercado de publicações, recentemente, em
maio de 2005, o Espírito Santo ganhou mais uma oportunidade de ficar por dentro das notícias do
setor empresarial do Estado. Trata-se da revista ESSA – Espírito Santo Sociedade Aberta. Segundo
Xerxes Gusmão Neto, diretor-editor, foi somente no final do ano passado que ele
conseguiu desenvolver esse projeto, uma idéia que estava guardada por 12 anos e que somente em
maio deste ano pôde ser concre- tizada.
Com tiragem mensal de 5 mil exemplares, a revista ESSA é voltada para um seleto grupo de
empresários, executivos, autoridades, profissionais liberais, formadores de opinião, professores e
estudantes universitários e intelectuais. Do total de exemplares, 4 mil são distribuídos entre esses
grupos e o restante é colocado à venda nas bancas.
Diferentemente de outras publicações, ESSA não possui um número muito grande de anúncios.
No entanto, os poucos anúncios que existem são feitos por grandes empresas que
atuam significativamente no Estado. Xerxes afirma que a revista não está dentro dos padrões
habituais, quando se trata da reserva de espaço para publicidade, pois ela tem um volume muito
grande de conteúdo.
Utilizando uma linguagem específica e composta por matérias sobre economia, negócios,
turismo, finanças, saúde, educação, ciência e tecnologia, política, cultura e desenvolvimento dos
municípios capixabas, a ESSA, apesar da concorrência, em pouco tempo conquistou seu espaço
entre os empresários capixabas.
Vale lembrar que esse público é um dos mais contemplados pelas revistas locais. Grande parte
das publicações atuais se destina ao mundo do business e funciona como uma espécie de vitrine
para os novos empreendimentos e empreendedores do Estado.
Nas Trilhas do Espírito Santo
Relaxar sob a Cascata da Hidromassagem em Conceição do Castelo, praticar vôo livre no Mirante
Alto Formoso, em Vargem Alta, explorar corredeiras e cachoeiras em Santa Leopoldina, e, além disso
tudo, ainda ter mapas, dicas de acomodação, locomoção e contatos disponíveis para chegar a esses
locais. Que tal aproveitar e conhecer a história, a cultura, as paisagens e ambientes naturais de regiões
praticamente inexploradas do seu Estado?
Quem oferece isso é a revista Trilhas, pioneira em retratar as numerosas potencialidades naturais
do Espírito Santo.
Em parceria com empresas, prefeituras – diversos prefeitos a utilizam como meio eficiente de
divulgar o potencial turístico de seus municípios – e outras instituições públicas, a revista
vem apresentando o Estado para o capixaba e para o resto do Brasil mais de uma década. Já são 12
anos de expedições, em que foram documentadas mais de 60 regiões capixabas.
Lançada em julho de 1994 pelo engenheiro agrônomo Fernando Bourguignon Pratti, a revista não
tem somente o intuito de mostrar as paisagens desconhecidas pelo turismo convencional, ou de atrair
turistas para essas regiões. Trilhas também alerta para a conservação da natureza, apontando
problemas relacionados ao uso indevido das áreas de preservação. A primeira capa de Trilhas, por
exemplo, trouxe a imagem do Pico Goiapaba-Açu, em Fundão, uma complexa geografia de montanhas
com rica biodiversidade. Atualmente, esse local está protegido pela APA Goiapaba-Açu (Área de
Proteção Ambiental) e está recebendo a infra-estrutura que a revista defendeu na época, para se
tornar um dos pontos de turismo ecológico do Estado.
De acordo com o fundador e diretor geral da Trilhas, Fernando Bourguignon Pratti, “o Espírito
Santo tem um potencial enorme para o ecoturismo, mas, infelizmente, ele não é explorado
como deveria”. A revista se encarrega de mostrar o que pode ser feito, divulga diversas localidades com
potencial ecológico e que podem apostar no turismo sustentável.
Apesar de atuar no mercado há tantos anos, Pratti afirma não ser fácil manter esse veículo.
Trilhas é produzida por três pessoas, incluindo o diretor, que geralmente recorre a free-lancers para
atender à demanda. No entanto, o custo disso é muito alto. Assim como o resto das publicações no
Estado, Trilhas sofre com a dependência dos anunciantes, que são os mantenedores da revista.
Pratti se recorda dos tempos difíceis que passou durante os três governos passados: “Já aconteceu
muito de prefeituras, empresas e pousadas anunciarem e não pagarem. Durante muito tempo, a revista
sofreu problemas financeiros. Já aconteceu, inclusive, de demorar seis meses para ser publicada.” Com
o objetivo inicial de ser bimestral, a revista hoje é lançada de três em três meses.
Outro desafio é aumentar a tiragem de revistas que vão para fora do Estado. De 10 mil
exemplares publicados, 500 são dis-
tribuídos entre Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. O grande empecilho
é o monopólio nacional de revistas. As grandes distribuidoras exigem exclusividade e o mercado
nacional torna-se um espaço difícil de conquistar.
Mudanças estão a caminho. O diretor almeja aumentar o número de páginas da Trilhas
atualmente, cerca de 48 – e, para isso, é preciso aumentar o número de anunciantes, o que
representa a maior dificuldade. Outro passo é investir em outro meio de comunicação, como a
internet, a fim de divulgar melhor o trabalho da revista.
A moda Hype
Ao entrar no universo Hype, muda-se o foco, mas não a marca fragmentada dessas
publicações. O carro-chefe da Hype, que atua há dois anos no mercado de revistas, é a moda.
Apesar de ser voltada para esse tema, os assuntos abordados variam entre estética, saúde, profissão
e entrevistas com pessoas de diferentes segmentos, sempre contemplando temas de interesse da
classe alta de Vitória.
A revista surgiu como um projeto de conclusão de curso que, através de um estudo de
mercado, verificou a necessidade de uma publicação que tratasse mais sobre moda e assuntos co-
relacionados.
Logo que nasceu, Hype era publicada mensalmente, mas, de acordo com Tiago Feliz Martins,
diretor comercial da publicação, o mercado do Espírito Santo não está preparado para um produto
desse porte com essa periodicidade. Por esse motivo, a revista passou a ser bimestral, após seu
primeiro aniversário.
Com cerca de 40% de anúncios em todo o exemplar, a Hype possui diversos tipos de
anunciantes, como instituições de ensino, concessionárias de veículos, lojas de moda, de
decoração e indústrias ligadas ao ramo da moda (tecidos, aviamentos, roupas).
Ainda na área comercial, Tiago afirma que a concorrência é muito forte, mas a revista, em seu
segmento, já possui um lugar de destaque.
Ao todo, chegam às mãos dos leitores 7 mil exemplares dessa publicação, contendo as notícias
mais importantes dos principais eventos de moda que acontecem dentro e fora da cidade, além
de apresentar algumas colunas fixas, como “Beleza”, “Cidadania” e “Divirta-se”.
A Hype é direcionada, primeiramente, para um público feminino com faixa etária entre 25 e 55
anos das classes A e B, que atue ou não em alguma das áreas envolvidas na linha editorial
da revista. Contudo, também atinge homens de 30 a 55 anos, como profissionais liberais ou
empresários dos ramos de moda, beleza, estética, decoração e cultura. Um exemplo disso são as
matérias sobre os últimos lançamentos de automóveis do mercado. A revista pretende transitar entre
o público de adultos e jovens, estes geralmente estudantes de moda, arquitetura, jornalismo,
publicidade, artes plásticas e marketing.
Personalidades em foco
Dedicar páginas e matérias de um veículo impresso à ostentação da alta sociedade é uma
prática muito antiga na história dos meios de comunicação. Nas publicações capixabas não seria
diferente – ao longo da evolução dos meios impressos no Espírito Santo, é possível perceber como
as colunas sociais adquiriram novas características e se remodelaram conforme as
transformações da sociedade. Se antes dedicavam-se páginas a mulheres da elite aristocrática
(cheias de anáguas, babados, chapéus) e a homens donos de terras, hoje, para ocupar tal espaço,
deve-se carregar algo mais além do sobrenome e da recheada conta bancária.
São mulheres com ar de independência, bem resolvidas, modernas, donas de si, e homens de
negócios, firmes e autoconfiantes.
Todos eles, entretanto, assim como há algumas décadas, representam, nas páginas das revistas
e jornais, a nata financeira da sociedade, sempre com muito luxo. A diferença consiste,
basicamente, nesses elementos adicionais que caracterizam a posição de status dos tempos
modernos, sempre evidente nas roupas e no comportamento dos alvos dos flashes.
No Espírito Santo, atualmente, duas das maiores publicações totalmente dedicadas ao
colunismo social capixaba são as revistas Portifolio e Class. Ambas exploram bastante sua parte
visual, carregando as páginas com fotos de aniversários, casamentos e encontros das
personalidades. A temática, freqüentemente, gira em torno de assuntos específicos das classes mais
privilegiadas, tais como alta costura, culinária sofisticada, festas badaladas, desfiles, casamentos
chiques, entre outros.
A revista Class, em especial, segundo a jornalista e editora, Terriely Leal, destina-se às classes
A e B (média-alta), de jovens a pessoas mais velhas do Espírito Santo. Há treze anos, o diretor da
revista, Jorginho Santos, como é conhecido, aposta em um formato de variedades que interessem a
esse público. As famosas Linhas Malditas, coluna presente nas publicações, representam bem seu
estilo de conceber a revista, com notícias rápidas sobre a vida pessoal das personalidades, no estilo
“fofoquinhas sociais”.
Embora tenha passado por diversas alterações quanto ao planejamento gráfico, a Class sempre
se manteve fiel à sua proposta editorial.
Segundo Terriely, a publicação quinzenal se apresenta em forma de revista por esta ser a
melhor opção diante da concepção do projeto. “O papel que é usado é melhor e,
conseqüentemente, a impressão também fica com maior qualidade, fazendo com que as fotografias
– muito usadas – realcem e tragam o glamour esperado para a publicação”, explica.
Revistas cujo carro-chefe são as colunas sociais, geralmente, reservam grande parte de suas
páginas à publicidade. Em sua maioria, são anúncios de produtos “tops de linha”, como
construtoras de alto padrão, lojas de roupa e acessórios de grife, casas de festa e prestadoras de
serviço no ramo. A Class, por exemplo, conta com parcerias que estão presentes desde seu primeiro
número, mas procura dedicar mais de 50% das edições ao conteúdo.
Quanto à concorrência, Terriely ressalta a dificuldade de ganhar espaço no mercado capixaba,
já que este ainda é reduzido para o consumo de revistas locais: “Considerando um tempo de crises
nos meio de comunicação e estando, especificamente, em um mercado muito difícil e pequeno, no
qual meios que não concorreriam acabam concorrendo, ocupamos uma boa fatia do mercado”.
Segundo a jornalista, a Class já conquistou um determinado público e, com um expediente de seis
profissionais fixos e tiragem de 8 mil exemplares a cada quinze dias, se mantém fiel a ele.
Ainda nesse mesmo segmento, mas com um caráter mais jovem, está a revista Welcome Card,
que circula desde junho de 2000.A publicação segue os padrões das revistas de coluna social
nos moldes da juventude.
Segundo o diretor comercial da Welcome Card, Leonardo Mansur, a revista passou por
algumas transformações, mas, embora tenha que concorrer com as publicações de colunismo social
de “gente grande”, não deixou de lado o público dos socialites mais novos.
Dessa maneira, aniversários em grande estilo, como festas de 15 anos e em boates, são
retratados nas páginas, através das coberturas feitas nos eventos. Apesar de ser uma revista, a
Welcome Card segue uma forte tendência atual: a febre dos sites de divulgação de festas. Em suas
páginas, sempre há um álbum de fotos de pessoas “comuns” que circulam nas mais badaladas festas
da cidade. Segundo Leonardo, a revista tem mesmo o objetivo de cobrir os eventos da sociedade.
A publicação possui muitos anúncios de diferentes setores, como colégios, lojas, churrascarias,
concessionárias de veículos e hotéis. Leonardo afirma que a revista é toda paga e que o número de
páginas varia conforme o número de anúncios de cada edição.
A cada 40 dias, chega até as mãos dos leitores 6 mil exemplares de uma revista com quase 100
páginas. Esse espaço conta com, no máximo, três entrevistas e quatro matérias, geralmente de
jovens empresários capixabas. O restante é dividido entre propagandas e cobertura de eventos,
trazendo fotos das “celebridades” locais. A forte relação com as assessorias de imprensa
permite que haja uma constante autopromoção dessas pessoas ao longo da revista, em especial dos
grupos empresariais.
Mulheres com belos corpos e homens bonitos, “sarados” e com belos sorrisos estampam as
páginas dessa revista, reafirmando ainda mais o compromisso permanente com a beleza
padronizada dos jovens. Assim como em outros periódicos do ramo, as colunas transmitem bem a
falsa idéia de que a vida é uma maravilha e que não existem problemas. Esta é uma das intenções
de publicações que retratam a vida de socialites, em qualquer lugar do mundo, independentemente
do olhar crítico sobre a linha editorial desse tipo de veículo.
Dessa forma, o atual colunismo social no Espírito Santo é pautado, basicamente, em eventos
protagonizados pela elite capixaba.
Muitas matérias são pagas e abordam aspectos unilateralmente, tornando clara a proposta de
reafirmar os grupos com maior poder aquisitivo em sua posição no topo da pirâmide social,
bem como de tratá-los fora do heterogêneo contexto socioeconômico do Estado. Dessa maneira,
atêm-se, na maioria das vezes, à superficialidade literalmente maquiada de uma ínfima parcela
da sociedade e optam pela sua promoção, no lugar do jornalismo crítico e de responsabilidade
social.
De jovem para jovem
Dropando as páginas
Diante da evidente escassez de publicações voltadas para o público jovem no Estado, algumas
revistas chegaram ao mercado da atualidade focando esse nicho. A primeira a propor algo novo para
esse público foi a Sport Session. Editada por Eugenio Nelson Perini, a publicação surgiu da idéia
de um ex-surfista profissional que sentia falta de uma revista sobre o esporte com foco no Estado. A
idéia se transformou em uma revista que tinha o surfe capixaba como mote principal. Tendo
adquirido vários formatos ao longo dos anos, mas sempre gratuita, a Sport Session era
distribuída em todo o Espírito Santo e enviada para alguns pontos do Rio de Janeiro, Pará, Paraná,
São Paulo, Santa Catarina, Alagoas, Rio Grande do Sul e Bahia.
Segundo Leandro Matias, um dos 13 membros da equipe e responsável pela parte comercial da
revista, o mercado recebeu bem a publicação nos primeiros anos: “A Sport Session se tornou
um trunfo para o esporte capixaba, já que nenhum outro veículo aqui abordava especificamente o
surfe. Além disso, pelo custo-benefício, era importante e viável para as empresas anunciantes”.
Ironicamente, o fato de ser específica demais acabou tornando difícil conseguir novos
anunciantes. Por esse motivo, a Sport Session deixou de ser publicada, após seis anos de
existência.
Em 2005, a temática “surfe” retorna ao público jovem capixaba com a revista Moment. Em
seu primeiro número, lançado em abril, o editorial mostra a proposta dos diretores Hugo Verçoza e
Priscila Contarini:
[...] No esporte, por exemplo, o interessante é o estilo de vida
que ele propõe. Uma vida saudável, mais em contato com a
natureza, o aprendizado da vitória, da derrota, lidar com as
emoções. O objetivo é unir esses assuntos e critérios de
estilos de vida: entrevistas diferenciadas, fotos inusitadas, um
jornalismo mais leve, valorizando o nosso Estado, sua cultura
e seus cidadãos. A Moment é uma revista de bolso para
te acompanhar em qualquer momento...
A revista já publicou três edições e a quarta está sendo produzida, sempre com visual arrojado
e um design esteticamente ligado ao estilo surfe. A cada dois meses, 5 mil exemplares da
Moment são distribuídos gratuitamente por toda a Grande Vitória e Vila Velha, em lugares
estratégicos.
Segundo Hugo Verçoza, diretor e editor da publicação, a idéia surgiu de uma vontade
individual de escrever e divulgar o surfe local. “Em segundo lugar, queríamos valorizar o Estado de
alguma forma”, disse.
Para a equipe, formada por cinco integrantes, o mercado capixaba peca pela falta de projetos
editoriais de boa qualidade e, por isso, a revista é bem recebida atualmente. Uma das
dificuldades apontadas por eles é a falta de experiência, mas, para Hugo, isso não impede o sonho
de, futuramente, expandir a Moment para o mercado nacional.
Em papel Couché
Falta de um jornalismo cultural de qualidade focado no jovem universitário - este foi o motivo
que levou dois estudantes universitários de Comunicação Social a lançarem a revista Couché
avec moi. Os idealizadores e editores da revista, Rafael Colnago e Julia- na Dadalto, pretendiam
fazer um jornalismo diferente e tornar a publicação uma opção no mercado editorial capixaba para
quem quisesse ler sobre a cultura que ultrapassa o âmbito de eventos – já muito explorado por aqui.
“Era um interesse antigo trabalhar com mídia impressa e, principalmente, cultural. Tentamos usar
a história criticamente, com opinião, para descobrir formas de fazer um jornalismo cultural, para
falar também de comportamento e de forma a interessar o púbico jovem. Julgamos que havia um
mercado possível e estamos tentando”, afirmam.
O primeiro número, lançado no dia 11 de março de 2005, evidencia essa proposta no editorial
assinado por Rafael:
Dizer que alguma coisa era importada, antes de se tornar uma
fala quase que sem sentido prático, já significou qualidade.
Mais recentemente, uma lógica igualmente limitada de ter que
gostar disso ou daquilo ‘porque é capixaba’ só serviu para
vender alguns CDs e refrigerantes, antes de se tornar motivo
de piada. Entre a cruz do congo e a espada da
Quase, procuramos uma linguagem para falar de
produção cultural, que seja simplesmente honesta, criativa
e interessante. Vamos ver no que vai dar!
Com dois números publicados e um terceiro a caminho, a Couché tem uma tiragem de 2 mil
exemplares em cada edição, distribuídos para 300 bancas da Grande Vitória. Segundo Rafael,
a primeira edição teve uma saída de 20% nas bancas: “Essa porcentagem é uma ótima faixa para
revistas nos primeiros cinco anos”.
As principais dificuldades, segundo os editores, são para firmar a marca Couché como revista
cultural no mercado e, claro, para conseguir investimentos. Devido a isso, a revista está
concorrendo na Lei Rubem Braga.
Com um mercado considerado fechado e sem tradição de revistas locais, o Espírito Santo
continua recebendo produções editoriais inventivas e direcionadas ao público jovem. Realizadas
por uma nova geração interessada em superar a mentalidade provinciana de que é impossível
produzir publicações de qualidade no Estado, resta saber se essas revistas confirmarão uma
tendência de sucesso ou ficarão na história do que poderia ter sido.
Quase revista
“O mercado editorial capixaba continua a mesma merda”. A afirmação partiu de Keka
Bragança, como é conhecido um dos editores da revista Quase, quando questionado sobre a atual
situação do mercado capixaba para revistas. Aliás, a frase espelha bem o estilo da Quase: uma
publicação em quadrinhos, de humor ácido e sem meias palavras. Humor este bastante polêmico e
considerado por alguns como “de gosto duvidoso”, especialmente por atacar tudo e todos, inclusive
minorias protegidas pelo código social do politicamente correto. Segundo o próprio Keka, “a
linha editorial básica é o humor em todas as suas manifestações, desde pastelão até o non-sense e
o escatológico. Nosso públicoalvo são jovens de todas as idades, credos, raças e sexos”.
Com um projeto editorial que inclui quadrinhos, textos, fotos, grafismos diversos, sempre com
humor, a revista Quase foi criada pelos estudantes de Comunicação e Artes da
Universidade Federal do Espírito Santo Gabriel Labanca, Fábio Turbay, Klaus Bragança (Keka),
Daniel Furlan e Juliano Enrico. Hoje, os cinco universitários são os editores e ainda contam com
diferentes colaboradores e um designer.
Segundo Keka, a idéia da Quase surgiu após uma Oficina de Animação, “já que todo mundo
gostava de quadrinhos e putaria”.
A idéia deu certo e o primeiro número (Quase n° 0) foi publicado em dezembro de 2002, em
Vitória. Além das ameaças, sicas e de processo judicial, os editores apontam como
maior dificuldade, mais uma vez, a questão financeira. Atualmente eles pagam a edição com
anúncios, vendagem, e com a ajuda da Lei Rubem Braga. E parece que encaram bem os problemas.
Afinal, além de ser vendida em bancas, livrarias e pontos-de-venda da Grande Vitória, a Quase fez
o que muitos consideram impossível para uma publicação local: agora também é vendida no Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Sem parar por aí, os criadores da revista foram
convidados a participar dos quadrinhos de humor “Aparece”, em Belo Horizonte, e do caderno
“Gonzo”, encartado no jornal Diário do Povo, do Paraná.
Quem espera o próximo mês para adquirir uma Quase, entretanto, pode se frustrar. Com oito
edições no currículo, os meninos publicam seu trabalho apenas quando conseguem o número de
anunciantes suficiente parao saírem no prejuízo.
O tempo para isso pode variar de um número para outro, o que confere uma periodicidade
irregular para a publicação. “Precisamos de muita grana se quisermos levar a revista
regularmente para as bancas”, ressalta Keka. Segundo Labanca, lucrar com esse trabalho ainda é
uma possibilidade distante, ainda que, atualmente, a equipe não tire dinheiro do próprio bolso para
fazer a Quase sair.
Entre polêmicas, uma ou outra ameaça de processo e muito humor, a Quase segue adiante,
apesar das dificuldades que, a propósito, escrevem a trajetória de qualquer publicação que surja sem
amparo financeiro. Dessa maneira, vai ganhando cada vez mais espaço entre o público jovem e já
está mesmo “quase” entrando para a história das revistas que mais venderam no Estado.
Fonte: Superintendência Estadual de Comunicação Social
(Secom), 2005
Revistas Endereço Periodicidade
OPINIÃO
Rede Opinião de
Comunicação Ltda
Rua Padre Guilherme Porten, 69 - Bairro de
Lourdes - CEP: 29072-460 Vitória/ES - Telefax:
3322-2200
Mensal
PEDRAS DO BRASIL
Rede Opinião de
Comunicação Ltda
Revista nova
Rua Padre Guilherme Porten, 69 - Bairro de
Lourdes - CEP: 29072-460 - Vitória/ES - Telefax:
3322-2200
RADIANTE
D&P Publicidade
e Promoções
Rua Vitorino Cardoso 105 Condom. Verdes Mares -
J. Camburi - Aptº 04 Bloco A - CEP: 29090-820 -
Vitória/ES - Fones: 3347-15 / 9949-8867
Bimestral
PORTFÓLIO
Comente Editora Ltda
Pça. San Marin 56 / 304 P. Canto CEP: 29055-170
Vitória/ES Fonefax: 3235-2433
Mensal
ORLA
Itamar Gurgel Editores e Ass.
Ltda
Av. N. Sª Penha 397 - Bali Apart Hotel - P Canto
CEP: 29055-131 - Vitória/ES 3325-2727
Bimestral
SÉCULO
Rua Taciano Abaurre, 25 - S/307 e 309 Enseada do
Suá CEP: 29050-470 - Vitória/ES
Mensal
LEIA TUDO
Rua Luis Sacramento, 31 - Bairro Recanto CEP:
29303-090
Semanal
VIDA BRASIL
Vida Vitória Ltda
Rua Jose de Carvalho 408 Ilha de Stª Maria - CEP:
29040-530 - Vitória/ES Fone: 3200-2244
Quinzenal
NOSSA
LC Maduro Editora Princesa
do Norte
Rua Benízio Corrêa Maduro, 111 - Colatina Velha -
CEP:29700-610 - Colatina/ES
Fones: 3711-0809 / 3722-4102
Mensal
STATUS
Rua: João Ferreira Soares,194 Belvedere Cep:
29469-000 - Bom Jesus do Norte/ES
Mensal
CONEXÃO ZOOM
Rua José Alves da Costa 56 S/403 Ravenna
Shopping - Centro Cep: 29190-000 - Aracruz/ES
MEDICINA.COM
SAÚDE
Rua Crlos Martins 570 Lj 01 Jardim Camburi -
Cep: 29090-060 - Vitória/ES - Pabx: 3237-1800 /
9949-0455
Bimestral
Diante do presente estudo, podemos fazer reflexões sobre a trajetória das revistas no Espírito
Santo, desde seu nascimento até a atualidade. Se colocarmos lado a lado alguns periódicos
literários do início do século XX – tais como a Revista Ilustrada, de 1910, e a Vitória Ilustrada,
de 1914, e as publicações que encontramos hoje nas bancas, perceberemos algumas diferenças e
semelhanças que valem ser consideradas. Apesar da óbvia disparidade temporal do contexto
histórico em que cada uma está inserida, observamos que elas, em sua maioria, foram produzidas
para as elites capixabas ao longo de todo o percurso que as distancia. Quando falamos em elite,
referimo-nos não apenas ao pequeno grupo de famílias detentoras de terras e fortuna ou, ainda, de
grandes negócios.
Ao falarmos das classes privilegiadas do início do século passado, tocamos,
conseqüentemente, nos grupos detentores da produção cultural. Nessa perspectiva, os periódicos
não-diários, mais especificamente, eram espaços propagadores dos interesses de seus “donos”, logo,
da cultura a que tinham acesso, como as obras literárias. Convenhamos que literatura nunca foi o
forte das massas em nosso País e não seria diferente em nosso Estado, onde a história o denuncia
como deslocado do eixo de produção cultural.
Muda a sociedade, mudam alguns interesses. Os anos não mudaram, entretanto, a estrutura do
mercado de revistas no Espírito Santo. Com poucas e perecíveis variações relevantes (vale lembrar
das publicações das décadas de 1970 e 1980), esses periódicos continuam predominantemente
voltados para as classes altas, contemplando apenas suas novas “necessidades”. Se antes tínhamos
literatura nas páginas das revistas, agora temos moda, produtos caros, empreendimentos e célebres
desconhecidos ao restante da sociedade. As que buscaram fugir dessa tendência infelizmente não
persistiram muito tempo, e as que se propõem a fazer um trabalho diferenciado encontram
dificuldades de sobreviver em um mercado dominantemente elitizado.
O aspecto segmentado dessas publicações também vale ser lembrado. As revistas capixabas
atendem públicos distintos, mas sempre os mesmos. Temos publicações destinadas a variados
nichos, os quais foram surgindo conforme as exigências do mercado, mas todas voltadas para o
mesmo segmento social – é importante lembrar que aqui falamos no que é predominante.
São revistas sobre coluna social, para faixas etárias diferentes, para determinado tipo de
profissional, sobre uma religião específica, para o público feminino, ou para quem pensa em viajar,
mas todas possuem um público-mor: a alta sociedade capixaba.
Dessa forma, temos, sim, uma segmentação temática (embora essas revistas acabem por
perpetuar o mesmo tipo de informação, ou seja, aquela que perpassa, superficialmente, apenas o
universo elitizado). Grande parte das publicações, entretanto, ainda é para os grupos de maior poder
aquisitivo, como nos velhos tempos “capichabas”.
Referências bibliográficas
BITTENCOURT, Gabriel. Historiografia capixaba & Imprensa no Espírito Santo. Vitória: Edit, 1998.
Revista Agora. Vitória. Setembro, 1978.
Revista do Espírito Santo. Ano I. Nº 4. Vitória. Julho, 1984.
Revista 80 Anos de Vida Capichaba – edição comemorativa. 2ª edição. Vitória. Abril, 2003.
Entrevistas
Cláudia Luzes – Coordenadora de tráfego da editora Next Nouveau
Erildo dos Anjos – Diretor de Revista do Espírito Santo e de Espírito Santo Agora
Fernando Bourguignon Pratti – Diretor geral de Trilhas Gabriel Labanca – Editor de Quase
Hugo Verçoza – Diretor e editor de Moment
Klaus Bragança (Keka) – Editor de Quase
Leandro Matias – Comercial de Sport Session
Leonardo Mansur – Diretor comercial de Welcome Card
Rafael Colnago – Editor de Couché avec moi
Terriely Leal – Jornalista e editora de Cadernos Especiais de Class
Tiago Feliz Martins – Diretor comercial de Hype
Xerxes Gusmão Neto – Diretor-editor de ESSA
Jornalismo: questões em aberto
Ruth Reis
Professora do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal do Espírito Santo. Doutora em
Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Confiada a um sistema de mediação institucionalizado e ritualizado que se convencionou
chamar de jornalismo, a tarefa de empreender a narrativa do presente ainda vem sendo desenvolvida
nas condições que se colocaram na modernidade, sustentadas por meio de um poderoso esquema
tecnológico e lógico que devagar começa a demonstrar sinais de cansaço. É no ciberespaço que se
tornam visíveis os primeiros acenos do que pode vir a ser, num futuro bastante próximo, o processo
de constituição destas narrativas. Na sociedade ruidosa da hiperinformação e da recusa ao silêncio,
o burburinho produzido pelas múltiplas mídias e enunciadores se torna ainda mais acentuado e
disperso.
A informação encontra-se disponível e acessível. Não parece ser mais necessário que se
constitua uma força especializada em arrancar as falas do silêncio e do segredo. Hoje as mais
diversas instituições da sociedade e os indivíduos isoladamente servem-se da divulgação de suas
informações como meio de existir socialmente.
Abrem clareiras no seu corpo existencial para favorecer a permeabilidade em relação ao meio
em que se encontram.
O discurso geral é o da transparência e da hiper-exposição. É certo que há o que se coloca fora
deste campo de visibilidade, um certo tipo de informação, cuja reclusão é pactuada cordialmente ou
protegida pela força (podem ser incluídos neste cenário certos saberes, como os segredos
industriais, protegidos por legislações adequadas à sua preservação como mercadoria de alto valor,
as táticas e estratégias de defesa do Estado e alguns domínios da esfera íntima). Exceto nos regimes
políticos ditatoriais, quando a reclusão da informação é deliberada, os cones de sombra e de
luz sobre o conjunto da produção simbólica obedecem aos paradigmas que dão origem à
legitimidade das grandes narrativas.
Neste ponto, a contemporaneidade é obscena e utiliza diversas formas de expressão e suportes
para colocar em cena o que lhe é de direito. O jornalismo, visto como uma destas expressões, modo
de narrar o presente, é um recurso dos mais significativos deste empenho. As formas da notícia e da
reportagem em suas textualidade específica, o suporte impresso ou eletrônico e seus recursos
visuais repetem no âmbito das instituições da sociedade (empresas, igrejas, organizações não
governamentais (ongs), sindicatos ou associações civis) aquilo que se dá no espaço global de
comunicação.
Nos últimos 30 anos, iniciativas destinadas a produzir um ambiente mais propício para a
informação foram tomadas por uma infinidade de segmentos e constituem hoje uma ampla rede
de micro-mídias. A competência de recortar e selecionar o que se julga por bem informar, segundo
critérios de discursividade instituído e reconhecido pelo jornalismo contemporâneo, deixou
de constituir privilégio dos grandes jornais e mídias. Produzir jor- nais e boletins diversos e
instrumentalizar-se para interagir com a chamada grande imprensa passou a ser investimento
obrigatório destas instituições. A conseqüência disto foi uma revoada dos profissionais de
jornalismo para junto dos produtores de informação - fontes, como são designados pelos jornalistas.
O advento da internet só fez acentuar tal tendência, com reflexos ainda mais contundentes para
o conjunto da produção da informação. No ambiente do ciberespaço, a fonte se habilitou a
transformar-se ela mesma em mídia, erguendo um sistema de mediação próprio, camaleonicamente
inspirado no modo enunciativo das mídias convencionais e firmemente ancorado no jornalismo.
A mídia tradicional como um todo alcançou a condição de perlocutora num ambiente em que a
autorização de fala foi se constituindo lastreada numa macronarrativa que se refere à verdade, à
defesa do interesse público e à defesa do direito de opinião e informação. O jornalismo, em
particular, cuidou de elaborar uma intrincada narrativa, recheada de argumentos sedutores que
lhe deram a prerrogativa de constituir-se em linguagem preferencial para arrolar temas de interesse
público.
Se no seu conjunto a mídia se apropria de tal autorização, no interior do seu campo de atuação
há uma acirrada disputa entre as organizações que se dedicam a explorar as qualidades e poderes do
jornalismo. A disputa pela legitimidade da enunciação que, na cultura ocidental, se inscreve num
pano de fundo estampado pelos paradigmas do liberalismo e da livre iniciativa, é travada
em campos de batalha diferentes - por liderança em audiência, em vendas, em faturamento - e com
armas diversas, que variam de acordo com a conjuntura.
Uma destas armas centrais, o produto em si - jornal, programa de tv ou de rádio - é lapidado
para obter o maior retorno. A ele se incorporam atrativos que vão desde as inovações
tecnológicas para a sua produção (jornais coloridos, mais fáceis de manusear, papel de melhor
qualidade, melhor qualidade nas transmissões de imagem e som) à incorporação de iscas que atraem
o consumidor (novas seções ao gosto do público, brindes, prêmios, concursos, etc). Sabe-se hoje,
além disso, que, ao produto, incrusta-se o que é cultivado lateralmente pelo produtor, como ser bom
com a natureza e com a sociedade, ser aberto, gentil, cortês, atender bem ao consumidor/cliente,
dispor de uma boa sede, uma tradição, uma proposta para o futuro.
Tática chave no negócio das mídias tradicionais (imprensa, rádio e tv) é criar as condições
para que o produto seja recebido de forma abrangente e eficaz, o que implica em dispor dos
meios para melhor circulação/veiculação do produto, tarefa que compreende a instituição de uma
malha física de distribuição e/ou de transmissão de dados, para as quais se requer vultosos
investimentos.
Estes elementos são índices qualitativos que concorrem para os julgamentos que o público faz
no momento da escolha por um jornal (enunciador) e não outro. A maioria destes
valores, entretanto, se dissolve ao tomar contato com o mundo da ciberinformação, onde os
produtos e condições de circulação são semelhantes para todos os participantes. O percurso para se
tornar um enunciador no mundo do ciberespaço é mais breve e muito menos oneroso, o que torna
cada indivíduo ou instituição um produtor/distribuidor de informação em potencial, capaz
de competir em igualdade de condições com as demais que já desfrutam da tradição e aceitação.
Esta configuração permite que o navegador/usuário da internet acesse a informação diretamente da
fonte ou, se preferir, a partir do seu mediador tradicional (jornal).
Não há diferenciais profundos em relação à qualidade da informação neste universo.
Da mesma forma que a mídia tradicional conseguiu granjear a autorização para atuar na
produção das narrativas contemporâneas, transformando-se em sistema perlocutor, o ciberespaço
é o herdeiro natural deste legado e desde já goza do privilégio de ser tomado como lugar de uma
universalidade generosa, onde tudo é doado de forma desinteressada e todos podem habitar
em igualdade de condições. Esta é a síntese que se pode extrair das análises dos entusiastas do
ciberespaço, que o éden da democracia informativa, onde tudo se harmoniza pela força
renovadora de uma ampla interação entre usuários, movidos pela gratuidade e pela pureza de uma
vontade de estar junto, a uma distância que é anulada pelo sistema maqnico da comunicação.
Tal crença subsiste mesmo quando se sabe que este paraíso tecnológico também é povoado por
falsas identidades e por ações que agridem a moral e a ética do sistema sócio-cultural que o abriga,
como o seu uso para as perversões sexuais, os ciber-roubos, ou ainda a pirataria de entes
cibernéticos que inviabilizam a própria existência do sistema, como os vírus.
Atentas para este novo ambiente/suporte de tráfego da informação, as mídias tradicionais, em
especial o jornalismo, não demoraram muito em transitar para ele com malas e bagagens.
Seus primeiros habitantes, contudo, eram os aventureiros da pósmodernidade tecnológica, que
acreditaram estar chegando a um universo paradisíaco, onde não haveria ricos e pobres, onde
as distâncias seriam vencidas pelo impulso dos bits em trânsito livre a gratuito pelo novo mundo e
as diferenças seriam obliteradas pela facilidade de lidar com o meio.
Nos primórdios do ciberespaço, quando as interfaces ainda não eram as mais amigáveis e o
mar era bravio, apenas os que dispunham de conhecimento especializado se aventuravam a
navegar através das telas de fósforo verde. Como Moisés, a tecnologia abriu uma enorme clareira
que permitiu a transposição daquele grande obstáculo que restringia o uso do novo ambiente.
A criação de uma linguagem fácil de ser assimilada e manuseada permitiu uma ampliação
considerável no acesso à internet.
As mídias tradicionais levaram consigo todo o arsenal de legitimação e autorização que
haviam amagariado no mundo da modernidade e fizeram da sua rede física de garimpagem da
informação um poderoso diferencial em relação aos demais habitantes.
O que num primeiro momento constituiu em sub-produto jornalístico que ampliaria o potencial
de lucratividade do produto já existente, hoje praticamente se transforma em produto principal, de
modo que os jornais impressos, os programas de tv e rádio é que passam para a condição de sub-
produtos para um determinado público, que consome com voracidade a informação em tempo real.
Este novo ambiente impõe também novas formas de busca da informação e de construção das
narrativas, ao mesmo tempo em que lança a mídia tradicional num universo de informação muito
mais amplo e diversificado, sujeita a novos modos de reconhecimento do seu poder.
Não são poucas as instituições jornalísticas que reagiram ao se virem privadas da primazia de
serem as primeiras a receber e selecionar as informações e as entregar ao público. Diante
da possibilidade que se abriu para um número enorme de instituições - que não têm a informação
como produto principal, como poder público, empresas privadas dos mais diversos
segmentos, sindicatos e organizações civis - de elas próprias criarem políticas de comunicação e
exporem seus resultados e opiniões ao consumo público, multiplicou-se a diversidade de produtores
de informações que, hoje, pilotam portais importantes, algumas em concorrência direta com a mídia
tradicional.
A nova técnica de produção e circulação da informação permitiu acesso fácil à informação.
Neste ambiente, embaralham-se os signos distintivos de qualidade e confiança, expressos através
do produto, da relação de permanência e regularidade enunciativa e das políticas institucionais
destinadas a cultivar a preferência do público, materializada de diversas formas - campanhas
publicitárias, sistemas de atendimento ao consumidor, relações diversas com a comunidade, entre
outras.
Para o consumidor da informação, neste ambiente não é fácil distinguir entre uma instituição A
ou B aquela que tem maior ou menor credibilidade, que tem maior ou menor poder de lidar com a
informação. Neste ambiente, em que CBS ou a CNN ocupam o mesmo espaço e apresentam as
mesmas características narrativas (visuais ou lingüísticas) da CUT, de uma ong, sindicato ou
página pessoal, perdem-se os links tradicionais que conduziam aos valores tenazmente perseguidos
pelas mídias tradicionais, como o compromisso com o interesse público e com a verdade. Em
seu lugar, outros precisam ser construídos e esta construção não se dá mais nas mesmas bases que
nortearam o estabelecimento de laços naquele primeiro momento da mídia.
As empresas de mídia que têm o jornalismo como produto e as demais, que o têm como
instrumento de estar em público, disputam, neste ambiente, a primazia de construir e colocar
em circulação a informação. Este cenário cria uma forma nova de lidar com a informação, que,
muitas vezes, prescinde a mediação convencional feita pela imprensa, permitindo ao usuário
garimpar, selecionar e, também, produzir e fazer circular a informação por meio de instrumentos de
seleção, captura e difusão que estão sempre à mão de forma cada vez menos complicada.
Este modo de estar no mundo e instituí-lo por meio da informação ainda pode ser associado à
poderosa narrativa da ilustração - a emancipação e a autodeterminação -, mas as formas de operá-lo
se processam num ambiente em que a máquina toma um lugar de maior prevalência e maior
abrangência e prescinde dos meios convencionais de selecionar e organizar a informação.
Este processo se dá por métodos mais fugazes e menos duradou- ros, que podem conduzir a
diferentes resultados e proporcionar surpresas a cada momento - os sites de busca são ferramentas
que substituem em muitos casos o papel que já foi de instituições montadas para orientar a obtenção
da informação. Uma palavra chave, ou um grupo de palavras produzem, a cada momento, uma
visita a um grande banco de dados que oferece inúmeras e diferentes possibilidades de respostas. A
mágica pode ser executada em uma fração de segundos e, na maioria dos casos, oferece resposta a
qualquer indagação. A velocidade é atrativo poderoso deste ambiente, cuja intensidade só cresce ao
longo da experiência do homem. A eficácia é outra qualidade que ganha destaque na
contemporaneidade.
Neste ambiente, marca-se uma nova temporalidade, que já foi registrada como suficiente pelo
giro do sol (natureza), pelo badalar do sino da igreja (cultura transcendente) e pelo giro
homogêneo do relógio (cultura imanente). O presente fixa-se na promessa de cada nova emissão no
mundo da informação, lugar onde o tempo caminha veloz e o novo (news) deixa de emparelhar-se
com o ritmo da natureza. As notícias que chegam no jornal matinal já são velhas perante a marcha
ininterrupta do tempo ciberespacial. O ritmo das contrações que marcam a repetição se perde numa
contração única e permanente na qual anuvia-se a nossa capacidade de perceber tal movimento
como repetição de contrações diferentes.
Se tic-tac metaforiza uma série temporal que dá ritmo mecânico, cadenciado e homogêneo ao
tempo da cultura ocidental, o tempo da informação do ciberespaço é apenas tic ou tac infinito.
Presente infinito, sem cadência e sem diferença.
Marca também uma nova forma de pensar a comunicação, seus processos e seus instrumentos.
Não mais podemos tomar a fórmula simplória da bola de bilhar, em que um emissor destinava
a informação para um receptor e este a recebia tal qual era emitida, desde que não encontrasse
entraves pelo caminho. Também não resistem muito os métodos que dividem o mundo em
poucos “emissores” e muitos “receptores”, de modo que estes são induzidos a uma homogeneidade
e uma massificação incomum. Da mesma forma, ficam comprometidas as soluções teóricas que
encontram nas mediações de uma cultura particular os balizamentos para a construção de um saber-
receber: receber e produzir informação deixam de ser especialidades distribuídas
socialmente, tornando possível prever se não uma indiferenciação cultural, pelo menos uma nova
formatação das particularidades, tornadas mais fluidas e precárias, mais flexíveis e com maior
capacidade de negociação, enlaçadas em valores menos duradouros e menos espacializados.
No lugar do indiferenciado, como reconhecer a verdade?
Como estabelecer laços de confiança? Como aferir a verdade da informação? As mídias, em
especial o jornalismo, construíram um regime de veridicção baseado numa equação que tinha
como fundamento a emancipação e a autodeterminação do homem, a liberdade de opinião e
informação, a segmentação de competências e o discurso científico da técnica. A verdade factual,
impossível de ser testada, é apenas atestada por um sistema que se reveste de fé pública, mediante
um jogo que mistura mercadoria, cidadania, informação, espetáculo. Num ambiente em que os
signos que sustentam esta relação de confiança se tornam nebulosos, como criar novos critérios de
confiabilidade?
Do que se trata quando está em cena a confiança e como se estabelecem as tramas que dão
suporte a este sentimento tão fundamental para a vida em comum? Confiar é um ato realizado
numa relação com outro. Pode ser entendido como uma doação ao outro de algo que está por vir,
algo que se mantêm em suspensão permanente sustentado por regras pactuadas mutuamente. O
jornalismo recebe a competência de narrar fatos segundo regras tais como a relevância, a adequação
com o real e a neutralidade. O jornalismo traduz estes princípios em regras de discursividade
próprias, que também recebem a concordância do outro. A confiança é fator fundamental para que
sistemas extremamente caóticos consigam construir um fio de equilíbrio e, desta forma, funcionar.
Como sistema que tem na configuração do caos muito dos seus paradigmas, o ciberespaço
credita à confiança muito do seu sucesso.
Uma das normas silenciosas que se aninha neste pacto de confiança recita que a verdade é uma
das regras para os que habitam este espaço de interação, comunicação e exibição. Tal requisito se
aplica a todos os integrantes do sistema, mas as formas de aferão da veridicção podem variar
dentro do sistema, de acordo com os laços que se estabelecem para cada uma das
narrativas adotadas e para diferentes estatutos do narrador.
É possível supor que o regime de verdade da ciberinformação se coloca de forma diferente do
que nas outras mídias. A crescente universalização do uso do ciberepaço pode ser tomada como um
indicador de sua confiabilidade, independente das particularidades de cada um dos seus
participantes (portais, sites, blogs, fotologs). Por conseqüência, pode-se concluir que informação
verdadeira é aquela que está lá exposta, pois assim se dá sem que se tenha exigido sua manifestação
(alethea?). É apenas exibida e isso é suficiente para sua confiabilidade. O valor de verdade passa,
então, a ser atribuído à gratuidade de sua exposição e à vontade do emissor em partilhar daquele
espaço de uso coletivo, gerador de vínculos sociais, diferentemente do que ocorre no jornalismo,
no qual verdade é aquela que é atestada por um terceiro (o narrador jornalístico) especialmente
designado para fazê-la emergir.
Entretanto, muito do que é descrito no jornalismo como verdade dos fatos decorre de uma
narrativa a respeito dos acontecimentos, baseada em outras falas e não exatamente na
observação direta e imediata dos fatos (não se trata apenas do que é depreciativamente chamado de
jornalismo declaratório, mas de uma contingência natural da produção jornalística). Dificilmente, o
jornalismo consegue, sem a mediação destas falas, dar a co- nhecer fatos considerados relevantes,
pois sua ação é produzida após os acontecimentos, embora se mostre como simultânea aos fatos,
criando assim a ilusão da observação direta e isenta. Ressalve- se, contudo, o esforço (tecnológico e
institucional) que hoje se faz para possibilitar a simultaneidade entre fato e observação.
No campo tecnológico, desenvolvem-se instrumentos que facilitam o trabalho de captura e
veiculação imediata da informação.
No campo institucional, criam-se mecanismos para manter a imprensa sempre próxima
acompanhando e divulgando os fatos em “tempo real”. Em muitos casos, eles são produzidos e
protagonizados segundo as normas da narrativa jornalística.
Levada ao ciberespaço, a característica do jornalismo de construir seu relato sobre outros
relatos, coloca em risco a verdade jornalística, seu principal trunfo e razão de sua supremacia,
uma vez que nele é possível encontrar, muitas vezes convivendo lado a lado, a narração feita pelas
instituições jornalísticas e outras produzidas pelos inúmeros atores envolvidos na produção da
informação.
É um cenário no qual o jornalismo tende a mudar seus métodos de atuação ou, talvez, deixar
de ser tão necessário, uma vez que a informação não mais se omite, mas se expõe na cena do nosso
cotidiano que se desenrola nas telas de cristal líquido.
Referências Bibliográficas
AMARAL, Marcio Tavares d’. O Homem sem Fundamentos, sobre linguagem, sujeito e
tempo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ-Tempo Brasileiro, 1995.
AUSTIN, John Lagshaw. Quando dizer é fazer. Palavras e Ação. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1990.
DEBRAY,Régis. Manifestos Midiológicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
LEVY, Pierre. O que é o virtual?. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias de Comunicação. Lisboa: Presença, 1990.
SFEZ, Lucien. A Crítica da Comunicação. São Paulo: Loyola, 1994.
VIRILO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo