Vista, em apertada síntese, a aplicação da cláusula da boa-fé no Direito alemão e no
Direito português, passar-se-á, no próximo tópico, a uma análise da aplicação do princípio da
boa-fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro.
5.6 A prevalência da observação da boa-fé objetiva no ordenamento
jurídico pátrio
Conforme foi visto no tópico que tratou do conceito de boa-fé subjetiva, o Código Civil
brasileiro de 1916 não consignava uma regra genérica que se referisse expressamente à boa-fé
na formação ou execução dos contratos.
Entretanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias reconheciam que o princípio
da boa-fé, independentemente de sua positivação, poderia ser aplicado, pois seria um
consectário direto de necessidades éticas essenciais, sem as quais inexiste qualquer sistema
jurídico.
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diferentemente do Direito português, o Código Civil de 2002 adotou a teoria da onerosidade excessiva, na esteira
do que está previsto no Código Civil Italiano sobre a questão. É o que se depreende da leitura do art 478 do
citado diploma legal, a seguir transcrito: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de
uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para outra em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Parágrafo único:
os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação.” Não obstante, ensina
Ruy Rosado Aguiar Júnior (1991, p.52). que o Código Civil de 16, por não contemplar expressamente a regra a
ser aplicada em casos de modificação ou extinção dos contratos por força de circunstâncias supervenientes,
permitia “a aplicação da teoria da alteração da base objetiva do negócio, de maior flexibilidade”. Ainda sobre o
tema observa Otávio Luiz Rodrigues Júnior (2002, p.155) que houve a inserção de uma nova figura no campo
contratual que é a da resolução do contrato como um dos meios de preservar o equilíbrio contratual, em
contraposição à sistemática vigente antes da edição do novo Código Civil, segundo a qual praticamente só se
poderia rescindir um contrato em razão de atos ilícitos. E assim, fundamenta o autor o surgimento da nova figura
mencionada: “o direito de resolução obedece a uma nova concepção, porque o contrato desempenha uma função
social, tanto como a propriedade. Reconhece-se, assim, a possibilidade de se resolver um contrato em virtude do
advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham a alterar os dados do problema, tornando a
posição de um dos contratantes excessivamente onerosa”.
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O Superior Tribunal de Justiça registra alguns casos em que figurou como relator o então Ministro Ruy Rosado
Aguiar, como é o caso do RESP 32890/SP, DJ de 12/12/94, no qual se afasta a incidência de fraude à execução na
circunstância em que o credor, com o objetivo de resguardar seu crédito, deveria ter registrado a execução intentada
contra a construtora, que acabou vendendo dezenas de apartamentos a terceiros de boa-fé, que não tinham como
desconfiar da transação, até porque foi esta efetuada com a concorrência da CEF. Em tais circunstâncias entendeu o
relator que o credor tinha obrigação de adotar medidas oportunas para evitar a alienação dos imóveis aos
adquirentes de boa-fé, dever que era decorrente da boa-fé objetiva. Em outro excerto, também da lavra do Ministro
Ruy Rosado Aguiar Jr., publicado no DJ de 18/12/95, p. 44573, verificou-se que em razão de compromisso público
assumido pelo Ministro da Fazenda, por intermédio de “memorando de entendimento”, de que haveria a suspensão
de execução judicial de dívida bancária de devedor que se apresentasse para acerto de contas, gerou nos mutuários a
justa expectativa de que essa suspensão ocorreria uma vez preenchidos os requisitos. Assim, entendeu o Relator que
o direito à suspensão apresentava-se fundado no principio da boa-fé objetiva, que privilegia o respeito a lealdade. Já
no RESP 10721 l/SP DJ de 3/2/97, Relator Ministro Ruy Rosado Aguiar Júnior, restou assentado o dever de
proteção, advindo da boa-fé objetiva, a cliente de estabelecimento comercial que estaciona seu veículo em lugar
destinado pela empresa, como um serviço extra destinado a seus clientes e tem seu veiculo furtado. Entendeu,
ainda, que não houve um contrato de depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem dever de
proteção, como consectário do princípio da boa-fé objetiva. Outro acórdão que merece registro é o RESP
256274/SP, DJ de 18/12/00, 4ª. Turma, sendo Relator mais uma vez o pioneiro Ministro Ruy Rosado Aguiar Júnior,