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HUGO FIGUEIRA DE SOUZA CORRÊA
A
N
OVA
CEPAL
E O
MAL
-
ESTAR
SOCIAL NA
A
MÉRICA
L
ATINA
:
UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
?
Uberlândia
Abril/2007
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ii
HUGO FIGUEIRA DE SOUZA CORRÊA
A
N
OVA
CEPAL
E O
MAL
-
ESTAR
SOCIAL NA
A
MÉRICA
L
ATINA
:
UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
?
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do
Instituto de Economia da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Economia.
Orientador: Marcelo Dias Carcanholo.
Uberlândia
Abril/2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
C823n
Corrêa, Hugo Figueira de Souza, 1982-
A nova CEPAL e o “mal-estar” social na América Latina : uma alter-
nativa de desenvolvimento? / Hugo Figueira de Souza Corrêa. - 2007.
113 f. : il.
Orientador: Marcelo Dias Carcanholo.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia, Progra-
ma de Pós-Graduação em Economia.
Inclui bibliografia.
1. Nações Unidas. Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe - Teses. 2. América Latina - Condições econôm
iii
iv
A
GRADECIMENTOS
Agradeço a todos os professores, colegas e amigos, da universidade ou não, que entre
aulas, almoços e conversas fizeram parte da minha vida nesses últimos dois anos e
colaboraram, direta ou indiretamente, para a consecução deste trabalho.
Agradeço ao professor Marcelo Carcanholo que além de um grande professor foi um
orientador sempre solícito; ao professor Niemeyer Almeida Filho, pelas aulas e debates; à
Vaine, pela recepção e pela boa vontade; à Capes pelo apoio financeiro.
Agradeço a Alexander, André Muniz, Casen, César, Fabrício, Fernanda, Fernando,
Júnior, Marcelo, Marisa, Michelle, Karine, Priscila, Ricardo(s), Samantha, Vanessa e a todos
os demais colegas do mestrado. Particularmente, agradeço ao “companheiro” André Morato, e
sua companheira Sabrina, com quem tive o prazer de trabalhar e debater mais diretamente e
que tenho como um exemplo.
Especialmente, peço a benção a meus parentes da “diretoria”: Anderson (e família),
Dani, Natália, prof. Lima Jr., Henrique, Thiago e Tiago. (Como disse o poeta, “a bênção, que
eu tenho que partir”...)
Agradeço meu grande amigo Fabiano e sua família, que me recepcionaram e me
apresentaram Uberlândia: ser-lhes-ei eternamente grato.
Agradeço o apoio e o incentivo da minha família.
Bianca, muito obrigado por tudo.
v
R
ESUMO
O objetivo primário do presente trabalho é lançar um olhar crítico sobre a produção
científica da CEPAL nas décadas pós-1980, a Nova CEPAL. A hipótese do trabalho é que as
mudanças processadas no interior da instituição não permitem mais que se ponha a CEPAL
entre aqueles que procuram uma alternativa real à estratégia neoliberal de desenvolvimento,
ora hegemônica. Enfocando questões relativas à Economia do bem-estar e às políticas sociais
que daí derivariam, argumenta-se que houve uma aproximação entre os discursos neoliberal e
cepalino que passam a compartilhar uma visão de mundo comum, ainda que não idêntica.
Busca-se com este trabalho contribuir com o debate de quais são as alternativas hoje realmente
postas às nações latino-americanas.
P
ALAVRAS
-
CHAVE
CEPAL, Neoliberalismo, Desenvolvimento Econômico, Economia do Bem-Estar, Políticas
Sociais.
vi
A
BSTRACT
The main objective of this essay is to analyze critically the ECLAC’s scientific
production in the post-1980 decades, the so called New ECLAC. The hypothesis here
undertaken is: after the changes suffered by ECLAC, that institution can no longer be placed
side by side with the ones who seeks for real alternatives to the Neoliberalism – the hegemonic
development strategy of nowadays. Looking specifically to the welfare economics and social
policies issues, it is argued that Neoliberalism and the ECLAC became closer perspectives and
started to share the same world view. This dissertation seeks to clarify the debate over the real
development alternatives for Latin American economies.
K
EYWORDS
ECLAC, Neoliberalism, Economic Development, Welfare Economics, Social Policies.
S
UMÁRIO
I
NTRODUÇÃO GERAL
.............................................................................................................1
I - Panorama geral....................................................................................................................... 1
II – A CEPAL............................................................................................................................... 5
III – Considerações sobre o trabalho......................................................................................... 7
C
APÍTULO
1
A
ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO NEOLIBERAL E SUAS
CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS NA
A
MÉRICA
L
ATINA
................................................................10
1.1 A ideologia neoliberal na história: emergência e hegemonia........................................... 14
1.2 A concepção estratégica: teoria e práticas neoliberais..................................................... 27
1.3 Neoliberalismo e a Economia do bem-estar....................................................................... 37
C
APÍTULO
1
I
NTRODUÇÃO GERAL
I - Panorama geral
Desde o golpe militar que instaurou no Chile, em 1973, o primeiro governo a seguir
o neoliberalismo em todo o mundo, até os dias de hoje, a América Latina é laboratório de
políticas neoliberais. Nesse ínterim, a expansão neoliberal desenfreada logrou aqui, em solo
latino-americano, sua mais completa adesão ideológica. Entre o fim dos anos 1980 e o
início dos 1990, houve até mesmo um clima de euforia em vários países: após quase uma
década de negociações com credores e organismos internacionais, a região se rendia à
ideologia neoliberal, implementava com vigor crescente as reformas estruturais, assistia à
volta do fluxo internacional de capitais e apenas esperava para colher os “bons frutos”
dessa renovada estratégia de desenvolvimento. Dez anos depois, as promessas neoliberais
estavam longe de se cumprir e as esperanças disseminadas se esvaíam.
Alguns indicadores do desempenho latino-americano, bastante tradicionais, são
capazes de fornecer um panorama geral do que foi o mau desempenho econômico e social
da “era neoliberal”.
Em agudo contraste com o crescimento a que havia se acostumado a ver a América
Latina no período anterior e com o discurso disseminado pelos economistas de orientação
neoliberal, as taxas de crescimento econômico do período foram ínfimas. Como se pode
observar na tabela 1, a taxa média de crescimento no período 1990/2003 foi de 2,2%,
menor até que o baixo 3,4% das décadas anteriores, quando o neoliberalismo ainda
começava a ser implantado na região. De fato, na década de 1970, Chile, Argentina e
Uruguai, então os únicos países a iniciar a implantação de programas neoliberais, tiveram
desempenho melhor apenas que o da Venezuela. No Brasil, onde o neoliberalismo teve uma
adesão tardia, ou seja, apenas após os governos Collor/Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso, o desempenho do período entre 1990 e 2003 (1,5%) mostrou-se inferior até
mesmo àquele do período da crise da dívida (2,3%, entre 1981 e 1989).
2
Tabela 1 – América Latina: crescimento do PIB, 1971-2003
(taxa mic LlLicçrãroaLtua:a,a c97L-76m0467(9)-11.3583(7)-11.358381
3
Tabela 2 – América Latina: indicadores sociais, 1980-2004
PIB
per capita
Pobreza Salário real
médio
Taxa de
desemprego
População
(US$ de 1995) (milhões)
(% da
população)
a
(1995=100) (% da força de trabalho) (milhões)
1980
3.687
136
40,5
102,7
7,7
343
1990
3.345
200
48,3
96,2
7,3
423
2004
3.913
222
42,9
96,8
10,0
533
Fonte: PIB per capita, Pobreza e População baseados em cifras da CEPAL para 19 países
(a) Esta definição exclui população em lugares como prisões, hospitais e exército.
O índice de salários reais é uma média (ponderada pelo tamanho da força de trabalho em cada ano) dos
índices de salários reais calculados pela CEPAL para 12 países. A taxa de desemprego é calculada pela
CEPAL para 24 países.
Elaboração: Ffrench-Davis (2005, p.20).
Olhando mais detalhadamente para a trajetória do setor social na América Latina, no
gráfico 1, fica evidente a incapacidade das políticas efetivadas na última década em reduzir
significativamente o número de pobres e indigentes em relação à população total da região.
Essa cifra aparece estabilizada em torno de, respectivamente, 40% e 20% da população
enquanto o número de pobres e indigentes, em termos absolutos, seguiu crescendo, sendo
estimado para o ano de 2006 o nada pequeno número de 205 milhões.
Elaboração do gráfico: CEPAL (2006c, p. 08).
Gráfico 1 – América Latina: evolução da pobreza e da indigência, 1980-2006 a/
4
No “mundo do trabalho”, a taxa de desemprego média da América Latina alcançou
em 2004 10% da força de trabalho e o salário real médio registrou um decréscimo ao longo
do período: o nível salarial médio de 2004 era, segundo os dados da CEPAL, menor que o
de dez anos antes e ainda menor que o da década de 1980. Ainda assim, os indicadores de
desemprego e nível salarial são incapazes de evidenciar importantes fenômenos associados
à deterioração das condições de trabalho, puxadas especialmente pela tendência de
crescimento do setor informal da economia, onde as condições de trabalho são
especialmente precárias. De fato, como se pode ver no gráfico 2, considerando algumas das
principais economias latino-americanas, constata-se que o emprego informal apresentou ao
longo dos anos 1990 uma forte tendência ao crescimento.
Fonte: Os dados sobre o Chile, a Colômbia, a Venezuela e México utilizam a definição da Organização
Internacional do Trabalho (OIT, 2001). Com relação ao Peru, os dados são da Pesquisa Nacional de
Domicílios (MTPSINEI); à Argentina, de Gasparini, Machionni e Sosa-Escudero (2000); ao Brasil, de Ramos
(2002). AS taxas do setor informal sobre o Peru e a Argentina são baseadas em acordos com regulamentos e
correspondem à Lima metropolitana e à Grande Buenos Aires, respectivamente. A evolução nesses casos
coincide aproximadamente com os cálculos que utilizam a definição da Organização Mundial do Trabalho.
No Brasil, o setor informal compreende trabalhadores assalariados (sem carteira e trabalhadores autônomos).
Elaboração: Saavedra (2004, p. 194).
Gráfico 2
Setor de emprego informal na América Latina (países selecionados), 1990 e
2000 (porcentagem de empregos não agrícolas)
5
De fato, a OIT (2006, p. 14) atesta que, considerando os países com dados
disponíveis, a informalidade em 2005 respondia por algo enp564170 8.33333 0 0 cm B .15911(d)-0.956417(e)3.15789(n)on7(p)-0(564170p)-0(564170p)-0(5640.957028(n)-0.95702S(oz5640.957028(n)-0.9eo-314.28 -2 Td[(a)[(d64.15789(m)-3.493( )-90.62-0(28(o)-0.9570.33333842-0.9564(o)-0.911 8.417(.15911(d)-0.9 )-90.650n7(a)3.15911(d)-0. )-1003 )-90.650r)-7.15711-0.9564(o)-0.95646(d)-0.9564ão)-10.9756(n,)-0.478208( )-331.11(a) e aae di ad a aian, p564170 88(a)3.15789l0(564170 88(a)3.15789z.956491(d38 0 590.44)-0.956417(o)-0.9564(d)-0. )-1003 odn
6
sua criação, na formulação de teorias e políticas econômicas que levassem em conta as
especificidades da região e visassem o seu desenvolvimento. Portanto, a Comissão tinha
presente em sua origem a preocupação expressa com o desenvolvimento das nações
latino-americanas e, desde o seu nascedouro, exerceu uma inegável influência sobre os
rumos das economias latino-americanas.
No pós-guerra, a CEPAL ficou conhecida por fornecer suporte a tipos de política
que contradiziam aquelas preconizadas pela teoria econômica tradicional. De fato, a
despeito das limitações que se possa encontrar e das discordâncias que se possa ter com o
pensamento cepalino em seu período inicial, a CEPAL possuía, então, uma proposta
política diferente da que era alardeada desde os países centrais. Nesse sentido, a Comissão
elaborou uma teoria sobre comércio internacional que contradizia a ortodoxia ricardiana,
então vigente; denunciou a existência de ordem internacional hierarquizada desfavorável
aos países subdesenvolvidos; e ajudou a sedimentar a idéia de que era necessária na
periferia uma atuação ativa do Estado na economia – uma atuação que contrariasse os sinais
de mercado e também o discurso econômico ortodoxo, permitindo às economias periféricas
se desenvolverem. Tudo isso partindo de uma orientação metodológica de pesquisa
diferente daquela sugerida pelos economistas tradicionais, o que seria chamado
“estruturalismo” em virtude de seu método, o qual procurava induzir, a partir da realidade
latino-americana, os determinantes estruturais que explicassem seu subdesenvolvimento.
Quase 60 anos depois de sua fundação, não sombra de dúvidas que a CEPAL
mudou bastante. Em certa altura da década de 1960 e na cada de 1970 a agência foi alvo
de um sem-número de críticas que, por todo o continente, alardeavam inconsistências em
sua concepção de subdesenvolvimento e/ou a ineficácia de sua estratégia industrializante
para vencer essa condição. Dentre essas críticas, chamavam atenção algumas advindas do
interior da própria instituição, como aquela formulada por Fernando Henrique Cardoso e
certa vertente da teoria da dependência. Na cada de 1980, enquanto a região enfrentava
os problemas associados à crise da dívida externa, se nutria no interior da instituição outra
perspectiva, que, segundo seu próprio diagnóstico, pretendia enfrentar os problemas de
curto-prazo da região. Esta perspectiva, após dez anos de maturação, se tornaria dominante,
configurando a mudança mais significativa da história da CEPAL e gerando uma nova
estratégia de desenvolvimento, por eles chamada Transformação Produtiva com Eqüidade.
7
Segundo o diagnóstico que embasava a estratégia de transformação produtiva com
eqüidade, a busca pelo desenvolvimento dos decênios anteriores, a mesma que a própria
instituição ajudara a começar, havia deixado marcas negativas nas economias latino-
americanas. A idéia, então, era procurar uma nova agenda de políticas capaz de conformar
economias eficientes e menos desiguais. Naquele momento em que a América Latina
passava por um momento crítico de decisão de rumos, a CEPAL negou a estratégia
dominante neoliberal, mas não a rechaçou como de todo improcedente, procurando
construir uma via de desenvolvimento entre o neoliberalismo e as velhas idéias da
instituição.
Nada há de estranho no fato de a CEPAL ter, depois de tanto tempo, sofrido
mudanças. Mas há muitas formas de mudar e, de certa maneira, esse trabalho versa, em seu
objetivo mais estrito, sobre o caráter dessa mudança cepalina. Pelo exame da alternativa de
desenvolvimento proposta pela CEPAL nos anos 1990 espera-se contribuir para o debate
sobre o desenvolvimento latino-americano e para discernimento de quais são opções reais
que hoje se apresentam para os povos dessa região.
III – Considerações sobre o trabalho
O objetivo primário do presente trabalho é lançar um olhar crítico sobre a produção
científica da CEPAL nas décadas pós-1980, quando esta se constituiu no que se chamou
aqui de Nova CEPAL. A hipótese utilizada é que as mudanças processadas no interior da
instituição não permitem mais que se ponha a CEPAL entre aqueles que procuram uma
alternativa real à estratégia neoliberal de desenvolvimento, ora hegemônica. Nesse sentido,
argumenta-se que houve uma aproximação entre os discursos neoliberal e cepalino, que
passam a compartilhar uma visão de mundo comum, ainda que não idêntica.
Para atingir esse objetivo o trabalho dividiu-se em dois capítulos, além das Notas
Conclusivas e desta introdução. Ao longo desses dois capítulos buscou-se elucidar os
principais elementos teóricos das concepções estudadas e suas conseqüências práticas,
enquanto nas Notas procurou-se enfatizar as conseqüências do que foi até ali desenvolvido,
8
ao mesmo tempo em que se buscava avançar no terreno do debate sobre estratégias de
desenvolvimento.
Inicialmente, foi necessário que se qualificasse o uso que se deu ao tão controverso
conceito de “neoliberalismo”. Não por outro motivo, o primeiro capítulo do trabalho, A
estratégia de desenvolvimento neoliberal e suas conseqüências sociais na América Latina,
tem como tema elucidar o que se entende por “ideologia neoliberal” e mostrar qual é o
conteúdo programático, em termos de política econômica, dessa ideologia ou seja, qual é
a estratégia de desenvolvimento neoliberal.
É importante enfatizar que, apesar das desvantagens que existem em utilizar um
conceito possuidor de diferentes acepções, entende-se que foi importante sua manutenção.
Em sua melhor acepção, o termo neoliberalismo sintetiza a ideologia e o projeto político
socialmente hegemônicos. Em outras palavras, muitas das decisões políticas e econômicas
mundialmente relevantes são, hoje, tomadas com base no discurso propalado pela ótica
neoliberal – e é exatamente isso que torna tão premente sua crítica e não seu veto. Nos dias
atuais, alguma organização social aglutinada para combater essa ótica e é
extremamente importante que se aproveite essa organização existente sem que, entretanto,
se deixe de qualificar o uso do termo, tentando encaminhar o debate para a direção na qual
ele é realmente proveitoso – o que inclui criticar a noção neoliberal de que “não há
alternativas”.
3
Lembrar que há alternativas é algo sempre importante, mas exige igualmente
o esforço constante de examinar quais discursos se opõem à ordem neoliberal apenas no
plano do discurso e quais são capazes de sustentar práticas que subvertam tal ordem.
Desse modo, o objetivo do Capítulo 2, A Nova CEPAL: uma alternativa latino-
americana, é averiguar cuidadosamente nos escritos cepalinos em que medida se pode
considerar sua estratégia de “transformação produtiva com eqüidade” uma alternativa
viável para os países da região. Ademais, nesse capítulo procura-se avançar com relação a
um objetivo mais específico do trabalho, qual seja, determinar até onde se pode considerar
que a Nova CEPAL se manteve coerente com as idéias divulgadas pela agência em seu
período clássico, durante o pós-guerra.
3
Esse mote neoliberal foi perfeitamente sintetizado no slogan da então primeira-ministra britânica Margaret
Thatcher: TINA, There Is No Alternative.
9
Com a motivação de cumprir os fins propostos, optou-se por eleger um campo mais
específico dos discursos neoliberal e cepalino para um exame pouco mais minucioso.
Assim, colocou-se ênfase nas idéias relativas à
10
C
APÍTULO
1
A
ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO NEOLIBERAL E
SUAS CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS NA
A
MÉRICA
L
ATINA
O objetivo deste capítulo é discutir o projeto de desenvolvimento neoliberal,
olhando especialmente para um aspecto de seu discurso, qual seja, sua concepção de bem-
estar e as respectivas conseqüências em termos de política social. Dentro do quadro mais
amplo, a análise de tal ideologia visa estabelecer uma base de comparação entre a
perspectiva hoje dominante no debate econômico, o neoliberalismo, e a proposta de
alternativa elaborada pela CEPAL durante a década de 1990. Para obter os fins desejados, a
tarefa que se impõe aqui é fornecer uma descrição completa do discurso neoliberal e
mostrar as condições históricas e sociais que lhe sustentam.
O capítulo encontra-se estruturado da seguinte forma. Primeiramente, buscar-se-á
um resgate histórico das condições em que se deram a emergência e a difusão do
neoliberalismo ao redor do mundo. Na segunda seção do capítulo, tenta-se elucidar qual é o
conteúdo dessa ideologia e mostrar em que termos seu deu a adoção da estratégia
neoliberal, especialmente na América Latina. Na seqüência, a ênfase recai sobre o
tratamento dado no interior do pensamento neoliberal às questões relativas ao bem-estar
social, procurando ainda explicitar as bases teóricas que sustentam esse tratamento. Antes,
contudo, de prosseguir conforme o indicado, reserva-se um espaço nesta breve introdução
para esclarecimentos de ordem geral acerca do modo como é tratado aqui o conceito de
neoliberalismo.
Entende-se aqui o neoliberalismo como uma ideologia. Como posto por Eagleton
(1997, p. 18-20), uma das questões fundamentais para a definição do conceito de ideologia
é que este, mais que meramente uma filosofia com regras mais ou menos rígidas, faça
referência a questões de poder, ou seja, a questões políticas, e que seja sustentado por um
grupo socialmente relevante. De fato, entende-se que o neoliberalismo é uma ideologia
11
sustentada por uma classe social e dotada de um projeto político e de recomendações, que
podem ser mais ou menos gerais, acerca de como alcançá-lo.
4
Nesse sentido, não nada de surpreendente em que se faça referência no texto ao
projeto ou, considerando as práticas que permitiriam lograr tal projeto, à estratégia de
desenvolvimento neoliberal. Entretanto, existem mais objeções à utilização destes termos
para definir as propostas neoliberais do que se poderia pensar. A noção de que existe uma
12
Nesse sentido, uma primeira idéia a ser rejeitada diz respeito à afirmação de que o
neoliberalismo se resume à aplicação de políticas de curto-prazo. Essa afirmação tem como
pano de fundo outro tipo de política de desenvolvimento, efetivamente, outra estratégia de
desenvolvimento, que em geral toma o período desenvolvimentista por referência. Assim,
se, por exemplo, questiona-se o fato de, muitas vezes, não existir em governos neoliberais
uma política industrial ou de infra-estrutura, ficando o debate de política econômica restrito
à discussão sobre as taxas de juros ou de câmbio, isso não implica a inexistência de uma
preocupação com o longo-prazo; exatamente porque segundo os neoliberais a infra-
estrutura de longo-prazo não é algo a ser resolvido na instância governamental. Nesse
tocante, caberia ao Estado tão-somente garantir um “bom” ambiente macroeconômico e o
funcionamento de instituições que favoreçam o investimento privado.
5
Uma outra crítica que se procura negar sugere que não existe uma estratégia de
desenvolvimento neoliberal, porque as ações inspiradas nessa ideologia não podem
realmente conduzir ao desenvolvimento. Contra essa posição basta lembrar que o fato de a
estratégia de desenvolvimento neoliberal não ser realizável não lhe retira o caráter de ser
uma estratégia – assim como em uma guerra, tanto os generais vencedores quanto os
vencidos tomam decisões estratégicas. Em síntese, ser ou não uma estratégia de
desenvolvimento é algo que é definido não por seus resultados, mas pelo projeto que a
norteia. Defender que existe uma estratégia neoliberal de desenvolvimento não implica de
modo algum defender essa estratégia ou aqueles que a apóiam, mas apreender corretamente
o fenômeno para melhor criticá-lo.
A segunda questão pertinente a esta introdução diz respeito ao poderio angariado
pela ideologia neoliberal na atualidade. O neoliberalismo é hoje mais que uma ideologia
qualquer: é a ideologia socialmente hegemônica. O sentido em que se aplica o termo
“hegemonia” aqui remete diretamente ao legado teórico do marxista italiano Antonio
Gramsci. Em linhas gerais, isso significa que se considera que o neoliberalismo serve aos
5
Mesmo assim, o neoliberalismo e a teoria econômica tradicional que lhe serve de base também tratam a
questão da política industrial, ainda que o façam desde um ponto de vista mais horizontalista, isto é, o
desenvolvimento dos setores da economia estaria atrelado à dinâmica inovadora das firmas, mas esta seria
estimulada pela promoção da concorrência e da contestabilidade nos mercados. Em suma, para este tipo de
pensamento, quanto maior a preponderância dos mercados na sinalização dos preços relativos, maior a
tendência da economia para produzir avanços tecnológicos.
13
interesses de uma determinada classe social (a burguesia), mas se impõe às demais classes
não somente pelo recurso da força ou do constrangimento explícito. O conceito gramsciano
de hegemonia busca dar relevo justamente a um “domínio consentido”, ideológico, no qual
as classes subalternas assumem valores e interesses alheios, emanados desde cima.
6
Desde o ponto de vista aqui adotado, a referida hegemonia encontrada pelo ideário
neoliberal não pode ser encarada como uma contingência histórica ou o mero fruto de
esforços conspiratórios de uns poucos agentes sociais. Isso conduz exatamente à terceira e
última questão a ser tratada nesta introdução. Dizer que o neoliberalismo é uma ideologia
não equivale, de maneira alguma, a entender que esse é um fenômeno que se restrinja ao
“plano das idéias”.
Para não deixar qualquer dúvida sobre este ponto é importante, ainda que
brevemente, expurgar quaisquer resquícios que possa haver de uma leitura pouco feliz, mas
muito difundida, da conexão entre “idéia e “ação” na tradição marxista aquela
consagrada pela metáfora “base/superestrutura”. Contrariamente às leituras desse tipo,
sejam as mais radicais e mecanicistas, sejam aquelas mais rebuscadas teoricamente,
entende-se aqui que o dito “plano das idéiasnão é algo diverso e reflexo em relação às
relações materiais de produção, mas que é uma parte integrante fundamental dessas
mesmas relações.
7
Desse modo, ainda que se possa falar em uma relativa autonomia, no
modo de produção capitalista, entre as relações políticas e ideológicas e as relações de
produção, nunca se poderia imaginar que entre elas haja uma hierarquia de determinação
unilinear ou considerar que uma poderia se desenvolver à revelia do outra.
6
Anderson (2003, p. 89): “O conceito de Gramsci de hegemonia enfatizava o consentimento de que dependia
o conceito de hegemonia como força do convencimento ideológico”. É interessante observar que para o
sociólogo brasileiro Armando Boito Jr., a hegemonia neoliberal no Brasil não se aproxima verdadeiramente
de uma hegemonia no sentido de Gramsci. Para o autor, a discussão do caso brasileiro passaria por enxergar o
que ele chamou uma “hegemonia regressiva”. Para mais, ver Boito Jr. (2003).
7 Como pôs Wood (2003, p. 33): “Uma compreensão materialista do mundo é então uma compreensão da
atividade social e das relações sociais por meio das quais os seres humanos interagem com a natureza ao
produzir as condições de vida; e é uma compreensão histórica que reconhece que os produtos da atividade
social, as formas de interação social produzidas por seres humanos, tornam-se elas próprias forças materiais,
como o são as naturalmente dadas. Algumas instituições políticas e jurídicas existem independentemente das
relações de produção, ainda que ajudem a sustentá-las e reproduzi-las [...]Mas as relações de produção em si
tomam a forma de relações jurídicas e políticas particulares modos de dominação e coerção, formas de
propriedade e organização social que não são meros reflexos secundários, nem mesmo apoios secundários,
mas constituintes dessas relações de produção”.
14
No caso que mais diretamente interessa ao presente trabalho, tem-se que a ideologia
neoliberal não é, nem pode ser encarada como, algo separado das condições históricas que
possibilitaram sua difusão pelo mundo; do mesmo modo, a história do último quarto de
século não se explica sem uma referência apropriada à ideologia que o dominou, o
neoliberalismo. Portanto, acredita-se que o poderio angariado pela ideologia neoliberal
neste momento expressa, ao mesmo tempo em que reforça, certas relações sociais em seu
estágio atual, compreendendo inclusive a correlação de forças presente (entre classes e
frações de classe).
8
É precisamente por essa unidade dialética existente entre esses dois momentos
constitutivos do processo histórico, em que ambos se unem e se modificam, que o estudo
do neoliberalismo deve, necessariamente, começar pelas condições materiais que
propiciaram a escalada ideológica do neoliberalismo.
1.1 A ideologia neoliberal na história: emergência e hegemonia
Quando despontaram pela primeira vez as idéias neoliberais, antes mesmo da
metade do século passado, ninguém acreditaria seriamente que algum dia essa perspectiva
seria ungida ao status de verdade inconteste, tal qual se vê hoje. O capitalismo atravessava
então um período que mais tarde viria a ser conhecido como sua “Era de Ouro”, ao passo
que os debates de política econômica baseavam-se quase sempre em idéias de cunho
keynesiano, estruturalista ou, simplesmente, desenvolvimentista,
9
dentro dos quais o
8
Nesse sentido, o neoliberalismo seria a expressão de um quadro particularmente nefasto para a esquerda.
Especificamente a situação acompanhada por essa ideologia é de desarticulação da classe trabalhadora em
simultâneo a um continuado processo de concentração e centralização de capital (nos termos marxistas); ao
mesmo tempo, se na disputa intra-capitalista um predomínio da lógica do capital financeiro (ou como seria
mais correto desde uma perspectiva marxista, do capital fictício) frente, ao capital produtivo. Infelizmente,
não se pode desenvolver muito este ponto aqui. Recomenda-se sobre o assunto ver Chesnais (2001) e
Duménil e Lévy (2002).
9
Não se confunda o mencionado estruturalismo com aquele oriundo da lingüística e da antropologia, em voga
na Europa dos anos 1960. O referido estruturalismo resgata a concepção formulada pelos economistas latino-
americanos, em geral ligados à CEPAL. O estruturalismo da CEPAL será discutido com detalhes no capítulo
seguinte.
15
liberalismo por muitas vezes não parecia mais que um inimigo obsoleto, uma idéia de
pouca influência política pelo menos desde a Grande Depressão dos anos 1930.
A expressão “Era de Ouro” foi cunhada no intuito de designar o período
compreendido entre as décadas de 1950 e 70, cujas peculiaridades foram a generalização
pelo mundo capitalista de altas taxas de crescimento e da elevação dos padrões de vida,
inclusive das classes trabalhadoras.
10
De fato, com as políticas econômicas inspiradas nas
idéias keynesianas de sustentação da demanda agregada, o poder dos sindicatos em alta e
uma situação da geopolítica mundial muito particular, regida pela polarização da guerra
fria, montou-se neste período toda uma rede de instituições e relações nacionais e
internacionais que conferiram ao capitalismo uma face até então desconhecida.
11
O arranjo
que se consolidou ficou conhecido na literatura econômica pelo nome de Estado de Bem-
Estar Social (ou Welfare State).
Alguns dados retratam bem o que significou a Era de Ouro para o mundo capitalista.
De acordo com dados do Banco Mundial (ver abaixo tabelas 3 e 4), o PIB mundial cresceu
a uma média de 5,48%, entre os anos de 1960 e 1973 ao passo que o PIB per capita
cresceu 3,41%. No mesmo período, a expectativa de vida no mundo subiu quase 10 anos,
passando de 52 para 60 anos, e a taxa de mortalidade infantil (porcentagem de crianças que
morrem antes de atingir um ano de idade) caiu de 11,93 para 9,05%. O índice de
desemprego revela ainda uma das mais impressionantes e reverenciadas características
desse período: segundo dados citados por Hobsbawm (2004, p.262), 1,5% foi a taxa média
de desemprego na Europa dos anos 1960 – uma cifra completamente inusitada até então.
10
Hobsbawm (2004) considera que a Era de Ouro vigorou entre 1945 e 1973, aproximadamente.
11
16
Tabela 3 – Crescimento médio do PIB (regiões e países selecionados, %)
1961-1973 1974-1979 1980-1989 1990-2001
Mundo 5,48
3,24
3,02
2,51
Alemanha 4,51
2,39
1,97
1,74
França 5,41
2,83
2,38
1,93
Reino Unido 3,18
1,48
2,40
2,18
Estados Unidos 4,11
3,04
3,00
2,90
Países ricos da OCDE 5,42
2,90
2,92
2,32
Leste asiático e pacífico
1
5,31
6,48
7,39
7,39
América Latina e Caribe 5,79
5,05
1,91
2,77
Fonte: Banco Mundial (2003), World Development Indicators. Elaboração do autor.
Tabela 4 – Crescimento médio do PIB per capita (regiões e países selecionados, %)
1961-1973 1974-1979 1980-1989 1990-2001
Mundo 3,41
1,40
1,28
1,06
Alemanha 4,12
2,58
1,88
1,36
França 4,35
2,34
1,85
1,53
Reino Unido 2,62
1,47
2,20
1,97
Estados Unidos 2,84
2,01
2,05
1,66
Países ricos da OCDE 4,34
2,12
2,30
1,63
Leste asiático e pacífico
1
2,96
4,63
5,69
6,07
América Latina e Caribe 3,05
2,59
-0,11
1,10
Fonte: Banco Mundial (2003), World Development Indicators. Elaboração do autor.
Notas: 1) Inclui os seguintes países: Samoa Americana, Camboja, China, Fidji, Indonésia, Kiribati, Rep. Dem.
Coréia, Lao PDR, Malásia, Ilhas Marshall, Micronésia, Mongólia, Myanmar, Palau, Papua Nova Guiné,
Filipinas, Samoa, Ilhas Solomon, Tailândia, Timor-Leste, Tonga, Vanuatu, Vietnam.
Se, no entanto, a Era de Ouro foi um fenômeno que atingiu todo o mundo
capitalista, como não poderia deixar de ser, o atingiu de modo desigual. A generalização de
características da estrutura econômica, que encontra limitações mesmo quando se
trabalha somente no interior do bloco de países desenvolvidos, torna-se ainda mais
imprecisa quando se procura dar conta também de economias periféricas dependentes.
Nesse sentido, pode-se lembrar, por exemplo, que quando se menciona uma elevação nos
padrões de vida que atingem a sociedade como um todo, certamente tem-se em vista mais
17
os países centrais que os periféricos onde, a despeito de melhoras episódicas, as
condições da classe trabalhadoras mantiveram-se precárias.
12
Na maioria dos casos, contudo, as limitações que a periferia encontrou em
consolidar sua própria versão da Era de Ouro não representaram ali um entrave à
disseminação da ideologia peculiar ao período, o desenvolvimentismo. De fato, é possível
dizer que, bem mais do que características econômicas concretas, centro e periferia
capitalistas compartilhavam então uma mesma vislva0 Td[(p)e.15789( )-150.766(m)-3.493(e)u0.956417(n)-0.956417(c)-0.956417(o)-0.956417(,)-0.479431( )-80033.786m avmra mo, oeearaase6
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plvimentismarpo esosrpes ev ospvs
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18
em seu aspecto mais ideológico (aqui no sentido de instrumento de dominação de classe) de
defesa do capitalismo.
14
Como observou Hobsbawm:
Naturalmente a maior parte da humanidade continuava pobre, mas nos velhos
centros industrializados, que significado poderia ter o “De pé, ó vítimas da
fome!” da “Internationale” para trabalhadores que agora esperavam possuir seu
carro e passar férias anuais remuneradas nas praias da Espanha? [...] Que mais,
em termos materiais, podia a humanidade querer, a não ser estender os benefícios
desfrutados pelos povos favorecidos de alguns países aos infelizes habitantes
que não haviam entrado no “desenvolvimento” e na “modernização”?
(Hobsbawm, 2004, p. 262)
Outrossim, os próprios conceitos de “desenvolvimento”, “modernização” ou
“progresso”, tão peculiares a este período, carregam uma pesada carga ideológica. Essas
idéias de “desenvolvimento” e “modernização” eternizam a ordem social considerada
“moderna” e apagam características concretas dessa ordem, como os conflitos próprios a
ela (notadamente os conflitos de classe), que passariam a ser associados à falta de
“modernização”. Assim, “as definições de ‘modernidade’ exigidas”, põe Mészáros (2004,
p. 70, grifos do original), “são construídas de tal maneira que as especificidades
socioeconômicas são ofuscadas ou deixadas em segundo plano, para que a formação
histórica descrita como uma ‘sociedade modernanos vários discursos ideológicos sobre a
‘modernidade’ possa adquirir um caráter paradoxalmente atemporal em direção ao futuro,
por causa de contraposição, acriticamente exagerada, ao passado mais ou menos distante”.
15
Não obstante seu caráter classista, o ideal desenvolvimentista foi fundamental para a
existência da Era de Ouro do capitalismo, que, como mencionado, foi capaz de beneficiar
também trabalhadores. Nada de paradoxal nisso, considerando aquele período histórico,
14
Frisa-se uma vez mais: assumir que o desenvolvimentismo, assim como o neoliberalismo mais tarde, é uma
questão de classe não expressa um tipo de “teoria da conspiração” ou algo que o valha. Em uma sociedade
marcada pela existência de duas classes antagônicas o embate ideológico é algo que simplesmente existe,
percebam ou não aqueles que teorizam sobre essa sociedade. John Mynard Keynes, por exemplo, que talvez
seja o mais influente economista do período desenvolvimentista, não assumia a divisão da sociedade em
classes como um aspecto relevante de seu trabalho, ainda assim quando posto defronte a tal questão colocou:
“If I am going to pursue sectional interests at all, I shall pursue my own. When it comes to the class struggle
as such, my local and personal patriotisms, like those of every one else, except certain unpleasant zealous
ones, are attached to my own surroundings. I can be influenced by what seems to me to be justice and good
sense; but the class war will find me on the side of the educated bourgeoisie”. (Keynes, 1972, p. 297)
15
É importante ter presente que essa noção de modernização ou desenvolvimento não é em nada distinta
daquela ainda hoje empregada. Fala-se em desenvolvimento já tendo como pressuposto nunca questionado o
capitalismo. Se por um acaso existem nessa sociedade antagonismos de classe que impedem a consecução do
“desenvolvimento” como proposto em abstrato, então se deve analisar a questão a partir da ótica da ideologia.
A questão reaparece, ainda que só em esboço, nas ‘notas conclusivas’ do presente trabalho.
19
no qual a tensão social gerada na luta de classes era potencialmente mais explosiva que o
normal. Assim, durante o pós-guerra o desenvolvimentismo favoreceu a implementação de
determinadas políticas econômicas, que por sua vez pareciam ratificar aquela noção de
desenvolvimento.
Em suma, existiu durante o pós-guerra todo um arranjo social que possibilitou quase
trinta anos de acentuado alívio das principais contradições do modo de produção capitalista.
Uma época durante a qual poucos questionariam a capacidade do capitalismo de estender
suas benesses por toda e qualquer parte.
Por inusitado que possa parecer, foi no interior dessa atmosfera “gloriosa” do
capitalismo que apareceu e se nutriu a ideologia que, defendendo o exato oposto do que era
então tido como consenso no campo econômico, veio a suplantar o desenvolvimentismo,
no raiar dos anos 1970: o neoliberalismo. Marcado, inclusive em seu nome, pelo resgate
dos princípios liberais de um século antes, o neoliberalismo devia grande parte de sua nova
teorização ao grupo de intelectuais de direita formado no pós-guerra conhecido como
Sociedade de Mont Pèlerin, que contava com nomes como Lionel Robbins, Ludwig von
Misses, Karl Popper e Michael Polanyi, além de seus expoentes mais lembrados, Friedrich
von Hayek e Milton Friedman.
16
É objetivo da próxima seção discutir de modo mais detalhado as concepções e
propostas políticas neoliberais. Antes, porém, que se possa passar a esse exame, é preciso
dar relevo à forma como conseguiu o neoliberalismo se implantar e, a partir daí, ocupar
progressivamente espaços até se instalar na posição hegemônica em que hoje se encontra.
Por tentador que seja para alguns, considerar a vitória” neoliberal meramente um
fruto da capacidade de articulação e organização de seus ideólogos seria uma simplificação
do processo real. Não porque não houvesse, por parte desses, motivações políticas e
16
Diga-se de passagem, a Sociedade de Mont lerin continua a existir até os dias de hoje, e coleciona em
sua história oito membros laureados com o prêmio Nobel de economia, entre outros de seus ilustres
representantes políticos e acadêmicos. Segundo a auto-definição, presente em seu web site
(www.montpelerin.org), “The Mont Pelerin Society is composed of persons who continue to see the dangers
to civilized society outlined in the statement of aims. […] Though not necessarily sharing a common
interpretation, either of causes or consequences, they see danger in the expansion of government, not least in
state welfare, in the power of trade unions and business monopoly, and in the continuing threat and reality of
inflation”.
20
aspiração ao poder, mas sim porque essa aspiração somente poderia se concretizar diante de
condições materiais adequadas.
17
Assim, os movimentos de declínio do
desenvolvimentismo e ascensão ideológica neoliberal devem ser apreendidos tomando em
consideração fraturas existentes na sociedade que indicavam a impossibilidade de
manutenção daquele arranjo responsável por dar ao capitalismo seus anos de ouro.
Não é possível, dado o âmbito do presente trabalho, aprofundar quais foram as
causas que levaram ao fim a Era de Ouro. Ainda assim, algumas notas se fazem
importantes. Um grande número de autores enfatiza o papel do “choque exógeno de
oferta”, provocado pelo choque do petróleo, como o estopim da crise capitalista. Olhando o
período por outro ângulo, contudo, este parece ser um diagnóstico equivocado.
Primeiramente, é válido observar que já nos anos 1960 o “modelo de desenvolvimento” das
economias capitalistas apresentava sinais de esgotamento, apesar de a crise ter se
manifestado com maior força na década seguinte. Talvez o maior sinal da cada vez mais
evidente insustentabilidade daquele modelo seja dado pela taxa de lucro. O gráfico 3,
construído por Glyn et alli (1990), mostra claramente a queda que vinha acometendo esta
variável. Essa tendência negativa da taxa de lucro era influenciada pelos ganhos obtidos
pela classe trabalhadora (oriundos tanto de negociações salariais naquele período de grande
organização sindical, quanto do aumento dos direitos trabalhistas), sem embargo não se
considera que este fator pode ser considerado isoladamente para explicar tal movimento: ao
contrário da avaliação de alguns estudos econômicos, na qual os salários (e os impostos,
pressionados estes também pelas conquistas trabalhistas) aparecem como responsáveis
diretos pela instabilização do sistema através daquilo que os neo-ricardianos chamaram
17
Susan George (1999), por exemplo, em sua “curta história do neoliberalismo”, observa de modo a princípio
acertado que o projeto neoliberal foi conscientemente desenvolvido e divulgado por um grupo de influentes
intelectuais. A autora nota que apesar de se tratar de um grupo inicialmente restrito, ele foi capaz de articular
um poderoso aparato ideológico. Explicaria-se assim como pôde, em questão de anos, essa ideologia se
alastrar para além dos mais ambiciosos planos de seus idealizadores. Explicada dessa forma a ascensão
ideológica neoliberal parece desconexa de quaisquer outros fatores objetivos existentes na derrocada do
desenvolvimentismo. Falta à autora, em outras palavras, se perguntar como foi possível mobilizar todo seu
aparato ideológico, e se seria isso possível sem nenhuma mudança na configuração do poder. Concorda-se
aqui com Cise (2006, p. 150): “As teorias neoliberais, esta ‘novilíngua’ levada por uma centúria de
economistas como Hayek e Milton Friedman, não estão na origem da ofensiva que conhecemos há mais de 30
anos contra o valor da força de trabalho. Eles deram caução ideológica ao movimento. O ponto de partida
destas políticas deve-se procurar nas contradições mortais do sistema baseado na propriedade privada dos
meios de produção e de decomposição que causa à humanidade”.
21
de profit squeeze –, procura-se sublinhar uma outra visão, em que se considera a crise, no
modo de produção capitalista, um fenômeno mais complexo, fruto de suas próprias
contradições; concretamente, a redução da taxa de lucro poderia ser a manifestação da
crise, induzida ela mesma por razões variadas, como a elevação da composição orgânica do
capital, a redução da mais-valia (inclusive, talvez, por profit squeeze) etc.
Fonte: Glyn et alli (1990, p.52).
Como dito não é possível neste momento discutir em detalhes tal processo, mas é
fundamental perceber que havia um problema, do ponto de vista econômico, e que as
respostas a ele dadas deram início a mudanças econômicas e ideológicas muito
significativas desencadeando os processos de “reestruturação produtiva”, que dominará o
mundo do trabalho nas décadas posteriores, e da ampliação da esfera financeira da
economia, além da própria ascensão neoliberal.
Gráfico 3 – Taxa média de lucro nas economias capitalistas avançadas, 1955-1980. (%)
22
Alguns dados macroeconômicos ajudam a evidenciar o que foi a crise dos anos
1970. O crescimento médio do PIB e do PIB per capita em geral não passa a ser negativo,
mas se reduz a patamares bastante inferiores (tabelas 3 e 4 acima). Na Europa, as taxas de
desemprego um dos símbolos do período anterior elevam-se progressivamente e sua
média na década de 70 mais que dobra em relação à anterior, ficando em torno dos 4,5%.
(Hobsbawm, 2004, p. 396)
A combinação desses fatores, estagnação econômica e desemprego, com as
crescentes taxas de inflação configurou ainda um fenômeno que ficaria conhecido como
estagflação. Mesmo sem entrar no mérito de quais foram as causas e conseqüências
concretas de tal fenômeno, chama-se a atenção para o fato de que a estagflação foi um dos
pontos de apoio recorrentemente utilizado pelos críticos do keynesianismo. De fato, esse
fenômeno parece ser um elemento importante, embora não suficiente, para que se entenda
como os diferentes governos começam paulatinamente a abandonar as políticas econômicas
do pós-guerra. Assim, a crítica “científica” de economistas de toda natureza, embasada na
constatação de problemas como estagflação, aliada às mudanças estruturais do sistema
capitalista, que passava a demandar outro tipo de justificativa ideológica, marcaram o
declínio da ideologia desenvolvimentista.
Sumarizando a questão, tem-se que o padrão de desenvolvimento, consolidado no
pós-guerra, declarava na década de 1970 sua falência. Contrastando à Era de Ouro, Eric
Hobsbawm (2004, p. 394) batiza o período ali iniciado de “Décadas de Crise”. Hobsbawm
(op.cit., p. 396) nota que as Décadas de Crise não marcaram um colapso da economia
mundial, mas um período de instabilidade macroeconômica e recrudescimento dos
“problemas” sociais tanto no centro quanto na periferia. O fato é que o arranjo que
permitira “domar” o capitalismo durante quase 30 anos já não funcionava mais e “os
problemas que tinham dominado a crítica ao capitalismo antes da guerra, e que a Era de
Ouro em grande parte eliminara”, ao menos no centro capitalista, “durante uma geração
‘pobreza, desemprego em massa, miséria, instabilidade’ –, reapareceram depois de 1973”.
Se a crise dos 1970 trouxe de volta consigo “velhos problemas”, conhecidos do
capitalismo, a natureza da crítica por eles inspirada era diversa. Não que naquele momento
houvesse cessado de existir a crítica de esquerda, embalada ou não pelos partidos
23
comunistas em apoio ao “socialismo real”. No entanto, a esperança de que a decadência da
Era de Ouro desse lugar a um novo modo de produção não capitalista desfez-se sob a
“encantadora” retórica anti-estatizante e/ou sob as botas de generais, como ocorreu no
Chile. Com efeito, o caso chileno é particularmente importante um precursor em termos
econômicos do que estava por vir na América Latina e no mundo.
Em 1973 o cenário político chileno era marcado pela “via específica para o
socialismo” de Salvador Allende, um governo de coalizão de esquerda democraticamente
eleito. Esse governo foi deliberadamente interrompido pelo golpe militar ocorrido naquele
mesmo ano. Não há aqui a intenção de discutir com detalhes o que foi o programa socialista
no Chile ou em que circunstâncias ele conheceu seu fim. Interessa, contudo, chamar a
atenção para a face profundamente anti-democrática que o neoliberalismo mostrou em seu
primeiro momento e que mais tarde procuraria velar; porém, mais do que isso, interessa
mostrar sua associação com a perspectiva de classe e com os interesses imperialistas do
capital internacional.
18
Sustentado pela velha burguesia chilena, o governo militar foi o
primeiro a adotar um programa econômico neoliberal idealizado pelos chicagoboys”,
economistas treinados nos Estados Unidos, e implementado pela força, visando a
liberalização comercial, privatização das empresas públicas, estabilidade monetária,
retrocesso nas reformas de base levadas a cabo no período anterior (especificamente a
reforma agrária) etc.
19
Inaugurava-se antes do tempo uma modalidade política que poucos
anos mais tarde ganharia o mundo. O golpe militar de 1973 enfileirou o Chile entre as
ditaduras latino-americanas enquanto proporcionou-lhe o pioneirismo em termos de política
econômica.
20
18
Assim, embora haja, hoje, freqüentes tentativas de associar o capitalismo contemporâneo e seu modelo
econômico neoliberal à democracia veja-se, por exemplo, Fukuyama (1992) –, essa ligação é desmentida
pela história. Do mesmo modo, prefere-se não falar da intervenção norte-americana que favoreceu a
implantação de inúmeras ditaduras na América Latina, incluindo aquela do Chile. Com isso os Estados
Unidos ajudavam a ascensão de grupos políticos com eles alinhados não política mas também
economicamente. Uma boa resenha documentada da influência direta norte-americana no golpe militar e de
sua aliança com a burguesia chilena pode ser encontrada, por exemplo, em Dreifuss (1986, capítulo IX).
19
Um exemplo do que se entende por reversão das reformas de base: de acordo com os dados citados por
Cano (2000), 30% das terras redistribuídas na reforma agrária do período anterior foram restituídas a seus
donos após o golpe.
20
Exatamente por seu caráter profundamente novo, a implantação do neoliberalismo no Chile é
freqüentemente referida como um “experimento”. Aqueles que se interessam pela história econômica chilena
24
Apesar da precursora experiência chilena, data-se o início da “era neoliberal”, por
assim dizer, com a eleição dos governos de Margaret Thatcher, na Inglaterra em 1979, e
Ronald Reagan, nos Estados Unidos em 1980. De fato, as idéias neoliberais passaram os
anos 1970 se espalhando e se nutrindo nos países capitalistas desenvolvidos, até que
pudessem se tornar dominante nos anos 1980. Após as eleições de Thatcher e Reagan, por
toda a Europa Ocidental se espalharam, um país atrás do outro, governos de direita
abertamente comprometidos com políticas neoliberais como Khol, na Alemanha, e
Schluter, na Dinamarca – ou de esquerda, mas que uma vez eleitos se viram em meio a uma
reorientação rumo aos novos princípios neoliberais de “boa política econômica”
Miterrand, González, Soares, Craxi e Papandreou, respectivamente de França, Espanha,
Portugal, Itália e Grécia. De um modo ou de outro, Anderson (1995, p. 14) atesta que ao
fim da década apenas os governos de Suécia e Áustria resistiam à onda neoliberal em
território europeu, enquanto a expansão neoliberal continuava fora do continente com a
adesão de Austrália e Nova Zelândia.
Ao mesmo tempo em que se espraiava pelos países desenvolvidos, a expansão do
neoliberalismo seguia seu curso também pela periferia. A expansão ideológica utilizava-se
ali da influência exercida pelas agências multilaterais notadamente o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial e, mais tardiamente, a Organização Mundial do
Comércio (OMC) –, sobretudo durante o período da crise da dívida no caso da América
Latina, onde a renegociação das dívidas externas incluía cláusulas de compromisso com
políticas econômicas convencionais e ajustes estruturais pró-mercado. Contudo, por mais
importante que seja o papel exercido por essas instituições, é mister ter presente que, sem
menosprezar o poder dessas agências sobre os países em desenvolvimento”, ocorreu em
grande medida uma adesão voluntária da periferia aos preceitos da nova ordem, revelando
assim a força adquirida pela hegemonia neoliberal. Em outras palavras, não se pode atribuir
a virada neoliberal tão somente a uma imposição de fora para dentro; os governos da
periferia capitalista foram cooptados e assumiram para si o projeto propalado pela ótica
neoliberal.
do período em questão encontram resenhas em Foxley (1988) e Ffrench-Davis (2004). Outras análises críticas
dessa experiência são fornecidas por Carcanholo (2004b) e Caputo (2000).
25
No processo de adesão generalizada ao neoliberalismo, desempenha um papel
particularmente importante o fim da guerra fria, anunciado ainda nos anos 1980 e selado
em 1990 com a reunificação alemã e a dissolução da União Soviética. O impacto exercido
pelo fim do assim-chamado “socialismo realsobre as organizações políticas de esquerda
foi simplesmente estrondoso a despeito da postura crítica que muitas delas guardavam
com relação aos modelos político e econômico do socialismo soviético. Concretamente o
desmoronamento do “socialismo real” deixou ao léu antigos e novos militantes socialistas
que, mesmo quando céticos com relação ao socialismo soviético, tinham ali o exemplo de
que era possível revolucionar e subverter a ordem capitalista.
Do ponto de vista da expansão territorial, o desmantelamento do bloco comunista
significava para neoliberais “apenas” a anexação do Leste europeu onde, aliás, o
capitalismo neoliberal se instalou com velocidade e violência sem precedentes. Porém, no
plano ideológico as conseqüências foram ainda mais graves, no qual a ideologia neoliberal
passou a se colocar como a única alternativa possível, anunciando o “ponto final” da
história humana e a vitória inconteste do capitalismo.
21
O arrogante lema there is no
alternative”, de Margaret Thatcher, parecia mais do nunca uma verdade inevitável.
O discurso neoliberal, uma vez hegemônico, propagou-se por todas as esferas,
científicas ou não, do pensamento contemporâneo. Esse discurso introduz em cada uma
dessas esferas sua gica individualista e economicista, que eterniza o modo de produção
capitalista como forma natural e a-histórica de organização dos homens. Ao mesmo tempo,
no campo da Economia, o neoliberalismo eliminava “antigos” debates e estabelecia uma
nova clivagem entre as políticas econômicas: as boas e as ruins. No lugar das velhas
discussões econômicas, o neoliberalismo coloca um discurso pretensamente técnico (e
somente técnico), isento de “ideologia” e amparado pelo que de mais “novo” e
“sofisticado” dentro da ciência econômica. Talvez seja o melhor exemplo dessa situação a
criação do Consenso de Washington um conjunto de diretrizes para as “boas” políticas
21
A expressão “fim da história” remete ao economista norte-americano Francis Fukuyama, assessor de
Reagan durante os anos 1980. Fukuyama, que publicou ainda em 1989 um artigo homônimo, ficou marcado
como exemplo crasso do clima ideológico de comemorações pela vitória capitalista. Segundo o autor, o fim
dos discursos facista e comunista, principais rivais do capitalismo no século XX, anunciou a realização da
história humana e o triunfo da democracia burguesa e liberal. Ver Fukuyama (1992).
26
que deveriam ser implementadas na periferia capitalista, mais especificamente, na América
Latina.
22
Ao discurso pretensamente técnico da ciência econômica somaram-se, na retórica
neoliberal, as transformações no bloco capitalista que configuraram processo conhecido
como globalização”. De acordo com o discurso neoliberal, o fenômeno da globalização,
supostamente iniciado pelas mudanças tecnológicas, veio coroar-lhe como única
alternativa, o dito “pensamento único”: a “terceira revolução industrial” e o advento das
novas tecnologias de informação teriam fortalecido o capital, tornando qualquer tentativa
de intervenção estatal sobre o mercado, agora mais que nunca, imprudente, ou, para usar a
terminologia da moda, “populista”. A globalização, em suas dimensões comercial e
produtiva, revelava grupos empresariais gigantescos operando em escala global e com
incrível influência econômica; de outra parte, a dimensão financeira da globalização, tida
agora como elemento central da nova ordem econômica, conferia ao capital uma
mobilidade quase instantânea e colocava nas bolsas de valores dos grandes centros
internacionais os destinos de economias nacionais inteiras. Assim, a globalização
comemoravam os neoliberais exerceria, por uma via ou por outra, um efeito
“disciplinador” sobre os Estados.
A ideologia neoliberal foi capaz de alcançar os quatro cantos do globo e arrebatar
quase todas as esferas do pensamento contemporâneo. Em um mundo em que não se
apresentam as disputas ideológicas da guerra fria, o neoliberalismo aparece como a
expressão do triunfo capitalista, do triunfo da “sociedade de mercado”, e se espraia pelo
globo como a única alternativa. Por desanimador que seja, o quadro atual obriga a
concordar com o historiador inglês Perry Anderson (2003, p. 90), quando este afirma que o
neoliberalismo é a ideologia política mais bem sucedida da históriatanto em termos
extensivos (do alcance geográfico), quanto intensivos (por sua capacidade de colocar-se
como “pensamento único”).
22
O Consenso de Washington foi elaborado a partir de um encontro de economistas latino e norte-americanos
em Washington. O mote da reunião era formular políticas para a América Latina que contassem com o apoio
do departamento de Estado norte-americano. O assunto será tratado com mais detalhes na seção seguinte.
27
1.2 A concepção estratégica: teoria e práticas neoliberais
Como se tentou mostrar acima, o neoliberalismo surgiu como uma resposta do
capitalismo à crise da década de 1970. Sua postura diante de tal crise era culpar o as
conquistas trabalhistas e o keynesianismo, reinante na esfera econômica pelo menos desde
o fim da Segunda Guerra, pelos problemas enfrentados. Segundo o argumento utilizado,
sob a tutela keynesiana, o Estado sofreu uma hipertrofia e os resultados trazidos pelo
excesso de intervencionismo teriam sido o desincentivo à atividade produtiva e a aceleração
inflacionária. Por isso, deveriam ser buscadas novas políticas, norteadas pela formação de
uma sociedade em que o mercado funcionasse como instância única de distribuição dos
recursos e pela respectiva “readequação do Estado a essa sociedade. A pretensão
neoliberal, ontem como hoje, é a formação de uma sociedade de mercado” sua
perspectiva é de que a soma das ações auto-interessadas (egoístas) de cada agente
econômico faz emergir uma ordem social harmônica, e sua interação no mercado garante,
através do mecanismo de ajuste dos preços relativos, a máxima eficiência na alocação dos
recursos.
Em termos teóricos, o diagnóstico e as propostas neoliberais fundamentam-se em
uma combinação de elementos oriundos de basicamente duas concepções – a doutrina
política liberal e a teoria econômica neoclássica.
23
Note-se, porém: é correto que o
neoliberalismo incorpora noções familiares a essas visões de mundo, mas este não pode ser
reduzido a nenhuma das duas.
De um lado, o neoliberalismo compartilha com o liberalismo clássico e a Economia
neoclássica os mesmos pressupostos – o individualismo metodológico, a racionalidade
econômica dos agentes etc. A própria idéia central daquela ideologia é uma reedição da
noção liberal de “mercados auto-reguláveis”, com uma fundamentação econômica dada
pela teoria neoclássica. De outro, muito se pode aprender sobre a natureza do
23
Vale observar, mesmo dentro de concepções marcadas por uma divisão aguda entre as “esferas” política e
econômica, não se pode vendar os olhos à existência de uma imbricação entre essas. O próprio liberalismo
clássico serve de exemplo: aquela doutrina política tem em Adam Smith (o “pai da Economia”, como muitos
gostam de pôr) um de seus maiores expoentes.
28
neoliberalismo pela observação de suas diferenças com relação a seus antecedentes
teóricos.
Carcanholo (2004, p. 284-288) sintetiza em cinco pontos as divergências entre
neoliberalismo e liberalismo clássico. O primeiro tem natureza histórica: enquanto o
liberalismo clássico possuiu um caráter progressista, na medida em que se dirigia contra a
nobreza e o Estado estamental, pregando a igualdade (jurídica) entre indivíduos, o
neoliberalismo aparece como uma força conservadora, pois dirige seus esforços ao
desmonte do Estado de Bem-Estar. Em segundo, tem-se que o neoliberalismo,
diferentemente do liberalismo clássico, se esforça em mistificar seu caráter ideológico. Este
se apresentava como era, uma doutrina política, uma opção ideológica, aquele procura se
apresentar, não como uma ideologia, mas como a “única opção”. A terceira diferença é que,
enquanto o liberalismo clássico tinha seus fundamentos na filosofia e na política, o
neoliberalismo se fundamenta na teoria econômica e pretende subordinar as demais esferas
sociais aos critérios econômicos. O quarto ponto diz respeito ao modo como é encarado o
conceito de “igualdade”. Para o liberalismo clássico o conceito de “liberdade” se aproxima
ao de “igualdade”, ao menos em sentido jurídico, ao passo que no neoliberalismo, a
“igualdade” deixa de ser um valor enfatiza-se, ao contrário, o caráter desigual dos seres
humanos. Por fim, tem-se que a função ideal do Estado não é vista do mesmo modo:
enquanto o antigo liberalismo foi conhecido por suas proposições sobre o Estado mínimo,
os neoliberais reconhecem que deve haver um Estado forte o suficiente para garantir o
Estado mínimo.
Também não identidade completa entre neoliberalismo e a Economia
neoclássica. A teorização neoclássica é certamente aquela que, no ramo da economia,
melhor fornece amparo ao neoliberalismo assim como este é o modo mais coerente de
expressão política para as conclusões neoclássicas. Isso se torna especialmente importante,
dado o destacado lugar ocupado pela economia dentro de uma sociedade ditada pelos
preceitos neoliberais, em que a economia se torna uma instância privilegiada de decisões de
qualquer caráter que seja. No entanto, como ensina a experiência histórica, no processo de
implantação do neoliberalismo admitiu-se uma ampla gama de políticas econômicas muitas
29
das quais se encontravam amparadas por correntes de pensamento que o a neoclássica.
24
Isso é possível porque o neoliberalismo é um projeto político e lhe importam mais os fins
que os meios. Longe de se assemelhar a um receituário rígido de políticas, o neoliberalismo
se constitui em torno de princípios orientadores.
25
De fato, a conjugação entre rigidez de
princípios e plasticidade na aplicação de políticas constitui um traço de grande força da
ideologia neoliberal, pois lhe confere fácil adaptação a diferentes países e regiões do globo.
Mas quais seriam os princípios orientadores das políticas neoliberais? Segundo essa
ideologia, a “boa” política econômica deve, antes de tudo, garantir liberdade aos mercados
como modo mais eficiente de maximizar o bem-estar social e evitar desperdícios de
recursos (ineficiência econômica). Esse argumento poderia ser “cientificamente”
comprovado utilizando-se, por exemplo, uma análise neoclássica de equilíbrio parcial, ou
seja, uma análise de um mercado representativo que poderia ser entendida para qualquer
outro.
24
Um exemplo disso são os planos de estabilização monetária adotados em diversos países da América
Latina. Em vários desses planos, medidas heterodoxas, contrárias aos preceitos neoclássicos, foram
implementadas, sem que isso deformasse o caráter neoliberal da estratégia desses governos. No caso
brasileiro, o último plano de estabilização, o Real, apesar de conter medidas heterodoxas, tinha uma visão
basicamente ortodoxa do processo inflacionário, segundo a qual “a desordem financeira e administrativa do
Estado é a principal causa da inflação crônica que impede a sustentação do crescimento, perpetua as
desigualdades e mina a confiança nas instituições”, como explicou o então ministro da fazenda, Fernando
Henrique Cardoso (1994, p. 114). Do mesmo modo, o combate à inflação era ali parte de uma estratégia de
desenvolvimento neoliberal, que continuou a ser implementada com as ditas reformas estruturais.
25
Com efeito, a heterogeneidade das políticas econômicas utilizadas na implantação do neoliberalismo levou
diversos cientistas sociais, como o economista Paulo Nogueira Batista Jr. (1996), a questionar a validade
teórica do conceito “neoliberalismo”. Segundo esses autores, o conceito não possuiria grande poder
explicativo, já que, concretamente, as políticas econômicas variaram significativamente de um país a outro
variaram de caso a caso as políticas adotadas, a seqüência de implantação e o grau de aprofundamento. A
perspectiva aqui adotada defende que essa diversidade não depõe contra a validade do conceito, mas
evidencia que a perspectiva neoliberal deve ser apreendida por sua estratégia em um plano estrutural, e não
por suas políticas de curto-prazo.
30
Na figura 1a, p
*
é o preço de equilíbrio, vigente caso o mercado seja deixado em
liberdade. Em termos de bem-estar, tem-se nesse momento que o “excedente do produtor”,
que mede o benefício obtido por produtores no intercâmbio, é igual à área do triângulo b;
enquanto o excedente do consumidor é representado pela área a. Suponha-se que o governo
intervenha nesse mercado, por exemplo, estabelecendo uma política de controle de preços
que imponha um preço inferior àquele de equilíbrio como visto na figura 1b. O preço
efetivo torna-se agora p
max
, e o governo imagina que, com isso, melhorou a situação dos
consumidores. Contudo, o novo preço desincentiva a produção e a oferta é reduzida até o
ponto q’. O que se observa nesse novo ponto em que opera a economia, é que uma parte do
excedente do produtor, representada pela área b’, de fato é transferida para os
consumidores, mas outra parte do excedente do consumidor, e’, é perdida em virtude da
redução da produção. O novo excedente do produtor é bem menor (área c’) e o novo
excedente do consumidor tem um resultado ambíguo, representado pela área (a’+ b’).
Porém mais do que isso, o que a figura revela é que haveria uma perda para a sociedade
como um todo, a área (e’+f’). Essa área é chamada de “peso morto” e denota exatamente a
ineficiência econômica gerada pela intervenção estatal. Nesse caso, é cil perceber que
caso o governo não tivesse intercedido os resultados seriam mais satisfatórios.
26
26
Note-se, existem inúmeras formas por meio das quais o governo pode intervir na economia tais como,
quotas de produção, políticas de preço mínimo, impostos e tarifas etc. Não é o objetivo aqui mostrar o efeito
de cada uma delas na visão dessa teoria, mas deve-se dizer que, via de regra, todas elas teriam como efeito
S
Figura 1b
Po
lítica de
controle de preços
p
*
p
max
D
Q
P
q* q’
a’
b’
c’
e’
f’
S
Figura 1a
Equilíbrio de
mercado
p
*
D
Q
P
q*
a
b
31
É preciso observar, porém, que esta análise somente possuiria validade em uma
situação de “concorrência perfeita”, ou seja, na qual se supõe haver um grande número de
produtores autônomos, consumidores com perfeito conhecimento dos preços de mercado e
bens homogêneos (sem nenhum grau de diferenciação entre eles). É claro que os
economistas neoclássicos não esperam que esses pressupostos sejam encontrados
corriqueiramente. Boa parte de seu argumento é justamente que, uma vez que esse regime
concorrencial é capaz de assegurar o desempenho econômico ideal, qualquer intervenção na
economia somente se justifica caso busque aproximar a realidade a esse tipo de modelo.
27
Historicamente, a aplicação dessa perspectiva significou adotar políticas de redução
do Estado e desregulamentação de todo e qualquer mercado, isto é, políticas pró-mercado.
Foi com essa perspectiva que o neoliberalismo embasou seu diagnóstico dos problemas
econômicos e sociais e formulou sua estratégia de desenvolvimento.
Segundo o seu argumento, o excesso de intervenção do Estado gera crises, como
demonstrariam a crise dos 1970, para o capitalismo mundial, ou a crise da dívida, na
América Latina dos 1980. Seja com intervenção direta na esfera produtiva, seja com
tentativas de controlar a economia pela legislação, a intervenção estatal leva a economia a
operar em um ponto sub-ótimo e cria tendência inflacionária.
28
Portanto, a única forma de
lograr um desenvolvimento sustentado é deixar que este seja puxado pela iniciativa privada,
orientada pelas forças mercado.
colateral a geração de um “peso morto”, ou seja, de uma perda de eficiência, para a economia. Ademais, é
importante observar que embora essa análise tenha cunho marcadamente neoclássico, muitas outras escolas
aceitariam seus resultados. Esse raciocínio dificilmente ofenderia, por exemplo, a um Novo-Clássico ou a um
Novo Keynesiano. A principal contestação oriunda destes poderia vir da contestação aos pressupostos de
concorrência e informação perfeitas, ou de plena mobilidade de capitais talvez, mas não uma condenação
metodológica mais profunda de modo que se aceita que, caso os pressupostos sejam corroborados, os
resultados são válidos.
27
Esse tipo de posição por parte dos economistas neoclássicos gerou, e gera, inúmeras críticas dentro das
ciências econômicas. Um bom exemplo é oferecido pelo movimento Pós-Autista, para quem essa dissociação
neoclássica com relação à realidade é tal e qual uma patologia, o autismo. Maiores informações sobre o
movimento em <www.paecon.net>. Uma resenha crítica a esse respeito pode ser encontrada em Combat et
alli (2004).
28
Há, nesse sentido, uma retomada da velha “teoria quantitativa da moeda”, segundo a qual a inflação é
explicada primordialmente pelo aumento da quantidade de moeda em circulação, e esta seria por pressuposto
de controle exclusivo dos governos. Assim, se conclui que todo aumento generalizado de preços tem por
contraparte o excesso de gasto público.
32
Assim, para colocar um país na rota de desenvolvimento, o primeiro passo seria
estabilizar a economia, pois o aumento dos bons investimentos se em um ambiente
macroeconômico estável. Em segundo lugar, seria preciso desmontar os aparatos de
intervenção pública. Uma série de reformas seria necessária, das quais se destacam:
privatização das empresas públicas, “desonerando” o Estado e diminuindo sua intervenção
direta; flexibilização do mercado de trabalho, pois a tentativa do Estado e dos sindicatos de
impor regras neste mercado seria fonte de desestímulos à atividade produtiva, sendo mais
responsável por desemprego do que o contrário; liberalização comercial, ou seja, diminuir
ou acabar com subsídios e impostos à exportação/importação, para estimular o comércio
internacional e promover ganhos de eficiência via especialização produtiva; abertura e
desregulamentação financeira, pois o livre fluxo de capitais levaria ao equilíbrio naquele
mercado, estabelecendo uma taxa de juros correta capaz de financiar a iniciativa privada e
gerar lucros aos portadores de poupança ociosa. Assim, essas reformas, se inseridas em um
macro-ambiente favorável, estabeleceriam “bases sólidas” para a retomada do crescimento
econômico sustentado, capaz inclusive de trazer melhoras sociais.
29
Sistematizando o que foi dito, observa-se que a estratégia neoliberal consiste de três
momentos: i) estabilização macroeconômica, ou seja, controle da inflação e do gasto
público; ii) reformas estruturais onde se encaixa todo aquele rol de políticas defendidas e
aplicadas nas últimas décadas; iii) retomada do desenvolvimento econômico, com aumento
da taxa de investimento calcado no setor privado, promovendo o desenvolvimento
econômico. É importante enfatizar que esses são os três momentos lógicos, e não históricos,
da estratégia. Na prática, se poderia ver, como se viu de fato, uma justaposição no tempo de
medidas de estabilização e reformas estruturais.
30
No entanto, do ponto de vista lógico, a
29
A relação entre neoliberalismo e o “setor social” é desenvolvida na seção seguinte. Adianta-se, no entanto,
que essas melhoras sociais seriam função, principalmente: da eliminação dos efeitos perniciosos da inflação
sobre as camadas mais baixas da população; do estabelecimento da rota de trajetória de crescimento
equilibrado, dentro da qual as únicas formas de desemprego existente seriam o voluntário e friccional; além
do próprio efeito gerado pelo aumento da quantidade de bens, causada pela maior eficiência produtiva e pelo
favorecimento do comércio.
30
De fato, Baruco e Garlipp (2005, p.1760.) enfatizam que as reformas estruturais desempenharam um papel
significativo na estabilização monetária:
“[...] o processo de abertura comercial contribuiu junto ao controle
inflacionário, justamente porque provocou uma maior competição da produção doméstica do país que a
adotou com os produtos externos, contribuindo para que os preços domésticos não subissem para além dos
preços externos. A abertura financeira, através da entrada de capital externo, ao provocar a valorização da
33
estabilização monetária seria um pré-requisito para a que as reformas pudessem
efetivamente transformar as estruturas econômicas, e esses dois momentos, estabilização e
reformas, constituiriam o passo indispensável para o desenvolvimento.
Como se mencionou anteriormente, a forma como foi implementada concretamente
essa estratégia em cada lugar variou de acordo com as especificidades nacionais. Nos países
europeus, onde havia um Estado de Bem-Estar constituído, a flexibilização do mercado de
trabalho foi um tópico muito enfatizado e disso é a prova maior a pioneira Inglaterra,
onde sindicatos históricos foram completamente aniquilados em questão de poucos anos,
apesar da resistência que o tema encontrou em outros países.
31
na periferia, onde a
despeito das legislações trabalhistas subsistiam inúmeras formas de reduzir os “custos
salariais”, freqüentemente viu-se a ênfase recair em outras questões.
32
Uma experiência particularmente importante para o presente trabalho foi a
formalização dada aos princípios orientadores do neoliberalismo, na América Latina no fim
dos 1980. A agenda de reformas e políticas criada nessa ocasião foi chamada de Consenso
de Washington, sendo mais tarde reformulada e se tornando o pós-Consenso de
Washington. Ambas as versões seguiram, mais ou menos o mesmo formato, que incluía
seções de debate entre economistas latino-americanos sediadas pelo Institute for
International Economics em Washington, e a posterior publicação de suas conclusões.
33
taxa de câmbio, também auxiliou no controle dos preços. Além do mais, a valorização cambial faz com que os
insumos importados fiquem mais baratos, reduzindo com isso os custos da produção interna. [...] O processo
de privatização também cumpriria um importante papel junto ao esforço estabilizador, dado que os recursos
arrecadados pelo Estado seriam (supostamente) direcionados para o abatimento do estoque da dívida pública,
o que reduziria a necessidade intertemporal de emissão monetária, controlando assim a aceleração da inflação.
A flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho, ao reduzir os encargos trabalhistas, cumpriria o
papel de manter os preços controlados, ainda que ocorra pressão pela manutenção ou alta das taxas de lucro
internas”.
31
Uma análise detalhada do caso inglês pode ser vista em Antunes (2000, capítulo 5).
32
O caso brasileiro é bastante ilustrativo aqui. Como explica o economista José Marcio Camargo (1996, p.
18), apesar da “pesada” regulamentação, o mercado de trabalho não pode ser considerado rígido no Brasil por
uma série de motivos, entre eles: porque “embora essas restrições [ao mercado de trabalho] estejam previstas
em lei, e algumas até mesmo na Constituição, são passíveis de negociação nos tribunais do trabalho. Isso
torna o custo não-salarial da mão-de-obra flexível para a firma, mesmo no caso de o salário real ser rígido”; e
porque “há incentivos para que empregados e empregadores não cumpram a lei, não assinando contratos ou
não observando todas as limitações impostas pela legislação”.
33
Veja-se Williamson (1990) e Williamson e Kuczynsky (2004).
34
A expressão “Consenso de Washington” foi cunhada por John Williamson,
professor do Institute for International Economics. O período em questão era
profundamente conturbado, marcado pela crise da vida e pelas negociações entre os
governos latino-americanos e seus credores. Ainda assim, de acordo com Williamson
(1990, 2004c), haveria um consenso em torno de 10 medidas que deveriam ser adotadas
pelos governos latino-americanos com o pronto apoio de Washington:
1. déficits orçamentários... pequenos o bastante para serem financiados sem
recurso ao imposto inflacionário;
2. gastos públicos redirecionados de áreas politicamente sensíveis que
recebem mais recursos do que seu retorno econômico é capaz de
justificar... para campos negligenciados com altos retornos econômicos e
o potencial para melhorar a distribuição de renda, tais como educação
primária e saúde, e infra-estrutura;
3. reforma tributária... de forma que alargue a base tributária e reduza
alíquotas marginais;
4. liberalização financeira, envolvendo um objetivo final de taxas de juros
determinadas pelo mercado;
5. uma taxa de câmbio unificada a um nível suficientemente competitivo
para induzir um crescimento rápido nas exportações não tradicionais;
6. restrições comerciais quantitativas a serem rapidamente substituídas por
tarifas que seriam progressivamente reduzidas até que fosse alcançada
uma taxa baixa uniforme da ordem de 10% a 20%.
7. abolição de barreiras que impedem a entrada de investimento estrangeiro
direto;
8. privatização de empresas de propriedade do Estado;
9. abolição de regulamentações que impedem a entrada de novas empresas
ou restringem a competição;
10. a provisão de direitos garantidos de propriedade, especialmente para o
setor informal. (Williamson, 2004c, p. 284)
Vale dizer, embora o Consenso tenha sido elaborado em colaboração com
economistas latino-americanos visando os problemas dessa região, não tardou para que a
expressão fosse reconhecida como o mais célebre emblema da concepção neoliberal de
política não só na América Latina, mas ao redor de todo o mundo.
A despeito da retórica de direita, para quem nada há de comum entre o Consenso e o
neoliberalismo,
34
quando cuidadosamente analisadas, as medidas sugeridas pelo Consenso
34
O ex-presidente do Banco Central brasileiro, Armínio Fraga (2004, p. x), oferece um depoimento que
ilustra a referida posição: “É para mim curioso que, anos depois de sua criação por Williamson, o Consenso
de Washington seja visto como um manifesto neoliberal, até mesmo com um qde radicalismo de direita.
35
de Washington revelam-se em dia com os desejos mais ardorosos de qualquer liberal (ou
neoliberal): em todos os casos se trata de reduzir a participação do Estado na economia,
favorecer/liberalizar o fluxo internacional de capitais (comercial, produtivo e financeiro) e
proteger os direitos destes (garantindo os direitos de propriedade).
Em fins dos anos 1990, começou a se disseminar a idéia de que era necessário rever
as medidas propostas pelo Consenso de Washington. Naquilo que ficou conhecido como o
pós-Consenso de Washington, partia-se da constatação de que à “década perdida” de 1980
somava-se outra “mais que perdida” nos 1990, não obstante as reformas estruturais em
curso. O pós-Consenso, entretanto, procurava dissociar o mau desempenho das economias
latino-americanas e o caráter das políticas ali implantadas.
35
A avaliação do pós-Consenso,
começada no Banco Mundial (ver Bustelo, 2003) e apoiada pelo próprio Williamson
(2004a, 2004b), é que os resultados econômicos decepcionantes da América Latina pós-
reformas têm três grandes causas.
Primeiramente, Williamson sugere que esses resultados negativos foram em parte
causados pela seqüência de crises financeiras que teve lugar a partir de 1994. Segundo o
autor essas crises “às vezes exógenas, mas quase sempre devidas a escolhas políticas
míopes na região [latino-americana], desempenharam um papel esmagadoramente
importante na interrupção do progresso”. (Williamson, 2004c, p. 270) Essa visão defendia,
especialmente, que o modo como se deu a liberalização financeira na América Latina não
foi adequada, deixando os países ali localizados vulneráveis às crises financeiras.
John não é nada disso. No contexto histórico em que o Consenso foi proposto, tratava-se de uma resposta
correta a problemas concretos diagnosticados por Williamson com a sua habitual competência”.
35
Na mais completa inversão diz Fraga (2004, p. ix), no prefácio do livro em que Williamson e Kuczynsky
formalizam o pós-Consenso: “boa parte dos escritos sobre o tema tende a atribuir o relativo fracasso da
América Latina na década de 90 a uma suposta ênfase no Consenso de Washington, deixando de lado o fato
de que na maioria dos países o Consenso não foi aplicado, especialmente no que tange aos aspectos
macroeconômicos. Prova disso foram as inúmeras crises de natureza fiscal, cambial e financeira que
assolaram a região nas últimas duas décadas”. Assim, o Sr. Armínio Fraga consegue provar que a crise latino-
americana não é responsabilidade das políticas divulgadas pelo Consenso exatamente pela existência da crise.
Não satisfeito prossegue, “Uma conseqüência dessa interpretação é a persistência de uma eterna busca de
modelos alternativos na América Latina. Esses são, em geral, ao mesmo tempo menos rigorosos no campo
macro e mais criativos no estrutural. [...] Essas propostas freqüentemente são apresentadas como um
substituto menos custoso à boa política macroeconômica, o que não é o caso. Na verdade, o sucesso depende
em última instância da implantação consistente e paciente de boas políticas macro e microeconômicas”.
(Idem, ibidem. Grifos nossos.)
36
Exatamente por isso, sugerir-se-ia, em segundo lugar, que houve deficiências e/ou
insuficiências na aplicação das “reformas de primeira geração” (aquelas preconizadas pelo
Consenso no início dos 1990). Assim, o mau desempenho econômico poria em evidência a
necessidade de reorientar umas (como a desregulamentação financeira) e levar a cabo
outras das reformas iniciadas na região, mas ainda inconclusas como as privatizações,
desregulamentação e liberalização de alguns mercados, avançando, principalmente, na
flexibilização do mercado de trabalho. (Williamson, 2004a, p. 9) Por fim, a terceira causa
de problemas residiria em fatores que, por contingências históricas, não foram devidamente
tratados no Consenso, constituindo esses objetos da “segunda geração de reformas
estruturais. Essa nova agenda de reformas se organiza em torno de dois tópicos: reformas
institucionais, fundamentalmente para eliminar a corrupção e o populismo que ainda
rodeiam os governos latino-americanos; e uma “agenda social”, melhor tratada na seção
seguinte, de políticas voltadas à mitigação de pobreza, desigualdade etc., mas ainda
comprometidas com a eficiência econômica.
A reformulação ortodoxa do diagnóstico do Consenso de Washington no pós-
Consenso foi impulsionada pela própria incapacidade daquele em oferecer os resultados
prometidos. Sua nova formulação procurou em grande medida atribuir esses problemas a
uma ordem externa, responsabilizando às vezes crises exógenas, às vezes governos
corruptos e “míopes”, ou ainda a existência de “falhas de mercado”. Este último argumento
ganhou destaque pela voz do economista, laureado com o prêmio Nobel e ex-diretor do
Banco Mundial, Joseph Stiglitz. Partindo de uma perspectiva econômica Novo Keynesiana,
Stiglitz argumentou que as políticas defendidas no bojo do Consenso de Washington eram,
de fato, neoliberais e haviam contribuído para o desastre econômico da periferia capitalista.
Sua perspectiva não rechaçava as análises e reformas ortodoxas, mas defendia que o
desenvolvimento dependia de um novo aparato gerencial e outros marcos regulatórios. Essa
visão foi, ainda que não sem ressentimentos, prontamente incorporada à perspectiva do pós-
Consenso que alguns, inclusive, preferiram chamar Consenso de Washington com rosto
humano. (Bustelo, 2003, p. 9)
37
1.3 Neoliberalismo e a Economia do bem-estar
Como se procurou explicar na seção anterior, o péssimo desempenho do setor social
foi uma das molas propulsoras de reformulações na estratégia neoliberal como expressa
pelo Consenso de Washington. Contudo, não seria verídico afirmar que foi somente a partir
deste momento que o pensamento ortodoxo passou a se interessar por políticas sociais.
No bojo de transformações econômicas promovidas pelas reformas estruturais do
neoliberalismo, pode-se dizer que o “setor socialocupava lugar de destaque. No centro
capitalista, sobretudo na Europa, isso ocorria virtude do alto grau de compromisso estatal
com a promoção de serviços sociais. Ao mesmo tempo, na periferia a miséria visível a olho
nu em toda parte tornava sempre necessário um posicionamento a respeito do tipo de
política social capaz de elevar o bem-estar da população pobre senão por causas mais
nobres, no mínimo por um critério de manutenção da “coesão” social.
Obviamente, a primeira determinação fundamental para promover a elevação do
bem-estar, desde a ótica neoliberal, era o fortalecimento dos mecanismos de mercados.
Como se procurou destacar anteriormente, a intervenção estatal criaria ineficiências
reduzindo o bem-estar nacional agregado. Partindo do ponto de vista dos indivíduos, os
economistas neoclássicos procuravam mostrar os benefícios dessa posição através dos
chamados “teoremas do bem-estar”.
A Economia do bem-estar, ramo da ciência econômica que estuda os problemas
relativos à avaliação das diferentes sociedades, se fundamenta em dois teoremas. Em
termos sintéticos, o primeiro teorema do bem-estar garantiria que todo equilíbrio
38
todos. A noção de ótimo de Pareto pode ser entendida a partir da Caixa de Edgeworth
abaixo.
Figura 2 – Caixa de Edgeworth
A caixa mostra as curvas de utilidade de dois agentes econômicos representativos (a
e b), que, por hipótese, têm preferências bem comportadas (sendo Z<Z’<Z’’) e suas
dotações de dois produtos diferentes (X
e Y). Qualquer ponto na caixa indica uma certa
distribuição dos bens, e portanto um certo nível de utilidade para ambos os agentes. O que a
análise da caixa pretende mostrar é que em qualquer ponto fora da “curva de contrato”, que
é formada pela sucessão dos infinitos pontos de equilíbrio presentes na caixa, continua a
existir incentivos para troca. Observe-se o ponto I, escolhido arbitrariamente e localizado
sobre as curvas Za e Z’b. Nessa situação ainda existe incentivo para troca porque a pode
aumentar sua utilidade sem que b piore, de modo que as trocas continuam e os agentes se
movem sobre a curva de indiferença Z’ de b; ao longo do processo, b não tem seu grau de
utilidade alterado, enquanto a atinge curvas de indiferença cada vez mais altas até o ponto
em que as curvas Z’a e Z’b se tangenciam, no ponto de equilíbrio E’. Nesse ponto, qualquer
troca adicional levaria um dos dois agentes a um nível de utilidade inferior – indicando que
esse ponto é um ótimo de Pareto. As trocas efetuadas definem também os preços relativos
que passam a vigorar na sociedade, indicados pela inclinação da reta que tangencia as duas
Xa
Ya
Oa
Yb
Xb
Ob
E
E’
E’’
Za
Z’a
Z’’a
Zb
Z’b
Z’’b
I
R’=-px/py
39
curvas de utilidade no ponto de equilíbrio.
37
Nesse ponto o bem-estar social é
necessariamente máximo – do contrário ainda haveria incentivos a continuar trocando.
O segundo teorema do bem-estar define que todo equilíbrio Pareto-eficiente pode
ser encontrado por meio de um mercado competitivo. Isso significa que qualquer um dos
múltiplos pontos capazes de maximizar o bem-estar social pode ser atingido através dos
mecanismos de mercado – na figura 2, isso significaria transitar sobre a “curva de contrato”
até o ponto em que a distribuição é considerada justa. As implicações desse teorema em
termos de política são importantíssimas, pois segundo ele, caso não se considere justa uma
determinada distribuição de renda, não se deve suprimir ou contrariar o mercado, mas sim
incentivar a transição de um ponto de equilíbrio a outro.
É preciso observar, contudo, que a posição que a teoria neoclássica assume com
relação à distribuição e o bem-estar ou de renda, fazendo a transposição entre utilidade e
dinheiro em uma determinada sociedade não é necessariamente afeita a políticas
redistributivas. Em geral, a economia neoclássica argumenta que sua responsabilidade,
enquanto “ciência” termina no ponto em que entram os valores.
38
Não seria sua tarefa
escolher qual o ponto de equilíbrio no qual a economia deveria operar, mas tão somente
apontar os meios técnicos para que a produção se desse no ponto escolhido. Desse modo, a
Economia do bem-estar em seu argumento mais cru, de base utilitarista,
39
prefere se abster
de posições “normativascom relação à distribuição do bem-estar na sociedade em favor
37
Além de expressar os preços de equilíbrio, a reta representa a restrição orçamentária de cada agente.
Fazendo R = px X + py Y, chega-se a um valor que é a restrição e expressa, em termos monetários, as
utilidades de cada agente.
38
A busca de se livrar de qualquer tipo de valores, a chamada “metafísica”, é uma antiga questão
metodológica que assola várias teorias (filosóficas, sociológicas, econômicas etc.) nos mais diversos ramos
das ciências sociais. As desventuras da economia neoclássica em busca de um “discurso neutroe sua devida
crítica podem ser vistas, por exemplo, em Duayer, Medeiros e Paincera (2001).
39
O utilitarismo é uma filosofia moral originada no séc. XIX, segundo a qual o princípio que rege todas as
ações humanas é o hedonismo e, por isso, considera como ação boa/correta a busca do prazer (utilidade). De
acordo com os filósofos utilitaristas, o princípio deveria funcionar igualmente para a coletividade dos
indivíduos, de sorte que uma sociedade boa seria aquela em que o bem-estar fosse máximo, não importando
como se distribui o usufruto deste entre os membros da sociedade. (ver Bentham, 1979)
Os princípios utilitaristas foram incorporados à ciência econômica com o advento da revolução
marginalista ainda no século XIX. (ver Jevons, 1983) É importante observar que o princípio da utilidade
sofreu inúmeros “refinamentos” dentro da Economia, sendo, em certo momento, parcialmente substituído pela
noção microeconômica de “preferência”; ainda assim, contudo, é fácil constatar seu legado à teoria
neoclássica dentro da microeconomia ortodoxa e no pressuposto de “racionalidade econômica” básico a esta.
40
da eficiência econômica. Porém, e isso é fundamental para definição de uma estratégia de
“combate às mazelas sociais”, isso não significa que a economia neoclássica condene
necessariamente políticas redistributivas, significaria sim que não necessariamente
argumentos econômicos para fazê-lo.
Destarte, a posição política que assume a teoria neoclássica a partir daí não é
consensual. Esse conturbado debate ficou especialmente complexo a partir dos anos
1970, com o acirramento das contradições da economia capitalista e a crítica ao
utilitarismo. Das posições emergentes, pelo menos duas deveriam ser destacadas: uma
mais radical que se poderia chamar de “anti-igualitária”; e outra que se pode chamar de
“liberal-igualitária”, que busca justificativas econômicas e éticas para defender certo tipo de
eqüidade.
De acordo com a primeira perspectiva a desigualdade de rendimentos é, em geral,
expressão das desigualdades próprias a cada indivíduo, desigualdades congênitas ou
adquiridas como pôs Francisco Ferreira (2000, p. 135), “diferenças entre indivíduos no
que diz respeito às suas características natas, como raça, gênero, inteligência e/ou riqueza
inicial [sic]” ou “diferenças entre indivíduos no que diz respeito a características
individuais adquiridas, como nível educacional, experiência profissional etc.”.
40
Mas, ainda
que não o fosse, a desigualdade social desempenharia um papel importante, na medida em
que cria incentivos à “laboriosidade” e ao “engenho” dos indivíduos e, assim, gera um
significativo incremento agregado à produção. Ademais, seria preciso encarar o fato de que
algumas pessoas teriam maior aptidão para ocupar, na sociedade, postos de liderança (ou
simplesmente de maior relevo) e essas pessoas deveriam ser recompensadas de acordo com
seus postos. De um modo ou de outro, a manutenção de uma ordem social iníqua teria a
peculiar vantagem de estimular os indivíduos a buscar a ascensão social, resultando em
40
Ferreira, que foi um dos coordenadores do último Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial
sugestivamente intitulado Equity and developmet, não é um partidário dessa posição “anti-igualitária”. Em sua
sistematização das possíveis causas para existência de disparidades de renda, o economista considera que
existiriam ainda outras três fontes de desigualdades, estas mais ou menos externas aos indivíduos. Duas
associadas aos mercados de fatores de produção, uma é fruto das diferenças que naturalmente existem entre
empregos diferentes e outra associada a distúrbios ou imperfeições (falhas) naquele mercado. Por fim, uma
terceira fonte de desigualdade seria “demográfica” [sic], “incluindo decisões de formação de domicílio
(matching), de fertilidade [sic], de coabitação ou separação domiciliar”. (Ferreira, 2000, p. 136)
41
benefícios “para toda a sociedade”.
41
Dessa forma, a desigualdade não seria
intrinsecamente ruim (muito pelo contrário), mas se por um acaso os membros de uma
sociedade se vissem incomodados com o número de pobres existentes, haveria sempre a
possibilidade de redistribuir renda por meio da caridade privada ou blica (i.e., políticas
assistenciais).
42
Embora esse argumento tenha tido um período de maior aceitação, ele é
hoje o menos freqüentemente ouvido, provavelmente por seu baixo apelo político.
A segunda forma de encarar a questão encontra-se embasada na noção de igualdade
de oportunidades. O desenvolvimento mais acabado dessa vertente foi dado pelo ganhador
do prêmio Nobel de economia Amartya Sen e sua assim-chamada “abordagem das
capacidades”.
43
De acordo com Sen (2001), o ponto de partida da discussão sobre igualdade
é a definição “igualdade de quê”? Segundo o economista, quase todas as teorias de bem-
estar pressupõem algum tipo de igualação social, mesmo as utilitaristas. Sua proposta de
ética e justiça, é que se buscasse igualar as oportunidades individuais. Segundo essa
abordagem, o enfoque sobre as oportunidades é em grande medida superior à alternativa
mais comum na Economia do bem-estar, de enfocar os “resultados” em termos de
41
Ademais, Milton Friedman (1988, p. 148) propõe a título de demonstrar a incorreção do ideal igualitário o
seguinte exercício mental: “Suponhamos que existam quatro Robinson Crusoé abrigados em quatro ilhas
diferentes, próximas umas das outras. Um teve sorte de chegar a uma ilha grande e fértil, que lhe permite
viver bem com facilidade. Os outros chegam a ilhas pequenas e áridas, nas quais conseguem sobreviver
com dificuldade. Um dia, tomam conhecimento da existência um dos outros. Naturalmente, seria muita
generosidade da parte do Robinson da ilha grande convidar os outros a se mudarem para e compartilharem
de sua riqueza. Mas suponhamos que não o faça. Estariam os outros três justificados se se reunissem e o
obrigassem a compartilhar suas riquezas com eles?”. Friedman parece ignorar que o processo histórico de
concentração de renda e riqueza não se deu exatamente de forma tão cândida quanto o nado de Crusoé.
42
Friedman (1988, p.171) explica que a mitigação da pobreza é um caso no qual se poderia eventualmente
recorrer ao Estado por se tratar de um “bem público”: “Fico angustiado com o espetáculo da pobreza, e sou
beneficiado com o alívio de tal situação. Mas sou igualmente beneficiado, quer seja eu quer seja outra pessoa
que contribua para tal alívio. Portanto,os benefícios da caridade de outras pessoas estendem-se a mim.
42
utilidade/renda dos indivíduos. Sucintamente, essa superioridade decorreria, antes de tudo,
da existência de outras dimensões que interferem nas utilidades individuais, mas não
podem ser apreendidas pelo rendimento. O “desenvolvimento como liberdade”, como posto
no título do famoso livro de Sen (2000), pretende exatamente que se passe a considerar as
oportunidades, ou liberdades, ao invés dos resultados econômicos o parâmetro de justiça e
objetivo da igualdade social.
Nesse sentido, a pobreza é apreendida pelo enfoque das capacidades como um
cerceamento das liberdades fundamentais dos sujeitos. A solução estaria, portanto, na
ampliação das oportunidades, ou melhor, em sua própria linguagem, na ampliação dos
“conjuntos capacitários” do indivíduo pobre.
44
Em termos políticos, a implicação deste tipo
de abordagem é que se deixa de falar em redistribuição de renda ou riqueza para passar a se
discutir a “redistribuição” de ativos-chave:
The assets that poor people possess—or have access to—directly contribute to
their well-being and have a potent effect on their prospects for escaping poverty.
Human, physical, natural, financial, and social assets can enable poor people to
take advantage of opportunities for economic and social development (just as
their lack can prevent this). Expanding the assets of poor people can strengthen
their economic, political, and social position and their control over their lives.
Assets empower the poor. (Banco Mundial, 2001, p.96)
Sobretudo três ativos seriam tidos como fundamentais para ampliar as capacidades
dos pobres: terra,
45
crédito e, principalmente, educação cuja peculiar vantagem seria que,
uma vez adquirida, não se pode voltar a perdê-la.
44
A definição de Sen (2001, p. 234-235) para capacidade é que esta “não significa o mesmo que ‘capacidade
(ability) no sentido ordinário do termo, como quando se diz que ‘A pessoa P é capaz de nadar’, porque neste
sentido, ‘capacidade’ não implica ‘oportunidade’: P pode ser capaz de nadar mesmo sem ter a oportunidade
de nadar; ‘capacidade’ é um termo seniano que abrange ‘oportunidade’”. Nesse sentido, o “conjunto
capacitárioé “análogo, no espaço de capacidades, ao conjunto orçamentário (budget set) no espaço de
mercadorias: o conjunto dos pacotes alternativos de bens que alguém pode adquirir dada sua restrição
orçamentáriae é também análogo no discurso seniano à noção de “oportunidades reais” ou “liberdades
substantivas”.
45
É importante ressaltar que a “reforma agrária” nos moldes propostos em nada se assemelha àquela
defendida nas lutas por reformas de base na América Latina do meio do século passado. Isso fica mais que
evidente quando Williamson (2004a, p. 15), em tom conservador, pinta de rosa os gravíssimos conflitos da
questão fundiária no Brasil: Reforma agrária. o programa brasileiro de anos recentes para ajudar os
trabalhadores rurais a coma a ltearzdr pj ptiitás4. c
43
No debate de política social, entretanto, o que se observa em geral é um
posicionamento bem mais amplo e muito menos conciso. Efetivamente a ideologia
neoliberal adota uma posição pragmática com relação às questões éticas implicadas em
todo este debate: aceitam de bom grado argumentos tanto da posição dita “anti-igualitária”,
quanto daquela que se chamou de “liberal-igualitária”, e da posição pretensamente neutra
utilitarista.
46
Essas três formas de capturar o problema da desigualdade foram, em
momentos distintos, utilizadas pelos ideólogos do neoliberalismo – em cada caso para
justificar posições políticas diferentes.
Até aqui foi dito que o neoliberalismo embasa suas considerações sobre a Economia
do bem-estar na ótica econômica ortodoxa. Agora, para explicitar o que se poderia chamar
da “agenda social” de sua estratégia de desenvolvimento, ou seja, o modo como essa
concepção se traduz em políticas, utilizar-se-á como fonte principal os textos do Banco
Mundial, instituição que melhor personificou e difundiu essa estratégia de combate à
pobreza.
se identificou que o diagnóstico neoliberal sugere que a “luta contra a pobreza”
começa com a garantia de liberdade aos mercados. A produção eficiente resultante de
mercados liberalizados, tanto no front interno como comércio internacional, aumentaria o
bem-estar da sociedade como um todo. Particularmente, isso seria benéfico aos pobres, pois
as “reformas estruturais”, tão logo maturassem, seriam responsáveis pelo crescimento
gerando mais empregos e com melhores remunerações (em virtude da maior
produtividade)
47
além de eliminar os efeitos nefastos da inflação sobre os pobres, que têm
mais dificuldade de proteger-se desse fenômeno que os demais setores sociais. Portanto, o
neoliberalismo tinha um discurso de que geraria distribuição de renda.
46
Os diagnósticos produzidos no interior do pós-Consenso de Washington, por exemplo, se encontram
rigorosamente apoiados sobre o “enfoque das capacidades”; não obstante, Williamson (2004c, p. 282) se
mostra pouco convicto a respeito: “Os pobres precisam ser capacitados mediante o acesso aos ativos que lhes
permitirão ganhar uma vida decente em uma economia de mercado: educação, terra, crédito e
credenciamento. Talvez seja preciso dizer explicitamente que recomendamos esta agenda em função do que
presenciamos em 2002, mas que ela não é apresentado como verdade última”.
47
Vale lembrar, segundo a teoria neoclássica, em um mercado competitivo os salários são exatamente iguais à
produtividade marginal do trabalho – o que significa dizer que os trabalhadores recebem uma parcela da renda
igual àquela com que contribuíram para o produto.
44
A estratégia neoliberal para gerar essa redistribuição sofreu, contudo, alterações ao
longo do tempo. Enquanto no início da década essa estratégia centrava-se basicamente em
medidas econômicas, com a aproximação de seu fim e o rotundo fracasso social, os
neoliberais moveram-se gradativamente para uma perspectiva mais ampla e
“multidisciplinar”.
Segundo o Banco Mundial, ainda no início da década de 1990, o combate à pobreza
deveria se apoiar em dois pés:
The evidence in this Report suggests that rapid and politically sustainable
progress has been achieved by pursuing a strategy that has two equally important
elements. The first element is to promote the productive use of the poor’s most
abundant asset labor. It calls for policies that harness market incentives, social
and political institutions, infrastructure, and technology to that end. (Banco
Mundial, 1990, p. 03)
Com relação a esse primeiro elemento o Banco Mundial defendia, portanto, que o
Estado deveria cuidar para que os mercados alocassem corretamente os recursos, evitando
intervir desnecessariamente ali e corrigindo eventuais “falhas de mercado”. Ademais, seria
preciso dar atenção redobrada ao mercado de trabalho, que este seria o locus de onde
provêm os rendimentos da maioria da população pobre – advindos de seu “bem mais
abundante”, o trabalho.
48
(ver também Banco Mundial, 1995)
Para fazer o mercado de trabalho “funcionar em favor das pessoas pobres”, as
propostas neoliberais procuram invariavelmente, de um lado, incentivar as reformas para
desregulamentação do mercado de trabalho, que, em tese, criam incentivos à produção ao
aumento do emprego;
49
e, de outro lado, utilizar políticas de ampliação “estoque do capital
48
Birdsall e Székely (2004, p. 60) explicam com exatidão a perspectiva neoliberal do problema: “O principal
ativo das pessoas pobres é seu próprio trabalho. Uma diferença notável entre os lares pobres e os ricos na
América Latina é a menor participação dos pobres, com menor instrução, na força de trabalho (no setor
assalariado). Uma razão para este resultado é que os mecanismos tradicionais para proteger o trabalho na
América Latina foram projetados por homens e para homens. [...] as regras resultantes acabaram por
desencorajar a contratação de mulheres, por um lado, impondo custos maiores para elas ao empregador
(devido a licenças-maternidade e outros custos) e, por outro, restringindo seu emprego ao período integral e
limitando a flexibilidade de horário”.
49
A desregulamentação do mercado de trabalho, um dos pontos básicos da agenda neoliberal, foi exaltada
ainda mais no pós-Consenso de Washington. Nesse sentido, Jaime Saavedra (2004, p. 219) explica que, por
um lado, as reformas implementadas nesse setor ainda não tiveram tempo necessário para “maturar”,
enquanto, por outro lado, a demora com a flexibilização deste mercado mantém incentivos à informalidade::
“os trabalhadores podem preferir [sic] o emprego informal por causa de certas características desejáveis,
como a flexibilidade e independência de ser autônomo, ou a possibilidade de escapar ao pagamento de certos
custos trabalhistas indiretos que não são muito valorizados por assalariados de baixa produtividade”. Assim,
45
humano” através, principalmente, do investimento em educação e treinamento. As
políticas voltadas à acumulação de capital humano dos indivíduos pobres seriam
responsáveis por dar “empregabilidade” a estes e por elevar seus rendimentos. A
acumulação de capital humano seria necessária sobretudo nas nações periféricas, onde
grande parte do desemprego seria de causa tecnológica. Assim, este tipo de política foi um
dos eixos do discurso social dos neoliberais, sendo freqüentemente tratado o instrumento
que, isoladamente, tem maior poder para reduzir os problemas sociais. Não por acaso
Williamson (2004a, p. 15) sugeriu que, na América Latina, “Não nenhuma esperança a
menos que o pobre adquira mais capital humano do que teve no passado”.
O segundo elemento central no discurso do Banco Mundial (1990, p. 3) é a provisão
de serviços sociais básicos para os pobres. É claro que, dentro dos serviços sociais básicos
sugeridos pelo Banco, enfatizava-se a necessidade de prover serviços de saúde e educação –
componentes do estoque de capital humano dos pobres.
Essa perspectiva não foi abandonada, mas ao longo da década, cedeu lugar a outra,
caracterizada por tentar acrescentar outras dimensões ao problema. A nova perspectiva foi
sacramentada no Relatório de Desenvolvimento 2000/2001, com o mea culpa do Banco
pela imperfeição de sua estratégia anterior e a busca de uma abordagem do problema
centrada em: promover a igualdade de oportunidades, conforme elaborada pela abordagem
das capacidades, previamente desenvolvida; “empoderar” (empower) os pobres, o que
significaria aumentar a participação desses indivíduos no processo político, fazendo “as
instituições funcionarem para eles”; e aumentar a rede proteção social dos pobres,
diminuindo sua vulnerabilidade contra choques econômicos e naturais. Sobretudo o
primeiro fator, de capacitar os pobres, é considerado essencial, pois, como posto no
diagnóstico do pós-Consenso de Washington, “Sem ativos, os pobres não estão em posição
de explorar os benefícios potenciais dos mercados menos distorcidos” que emergiriam com
as reformas estruturais. (Birdsall e Székely, 2004, p. 54)
Exatamente como organizar, em termos de política, os três objetivos é algo que
pertenceria à realidade particular de cada país. O Banco acrescenta, contudo, que entre os
como a decisão de produzir seria tomada de modo racional, firmas e trabalhadores migrariam para
informalidade com benefícios mútuos.
46
três inúmeras complementaridades. Quando os pobres têm mais oportunidades
econômicas isso lhes geraria um “empoderamento” em potencial assim como reduziria seu
risco frente a choques externos, por exemplo. Do mesmo modo, um indivíduo em melhor
condições graças a uma rede de proteção social mais eficiente tem maiores chances de
aproveitar oportunidades, e assim por diante.
A essa concepção se adenda, recentemente, uma ênfase na necessidade de
solucionar os problemas decorrentes das “falhas de mercado”, em dia com a crítica de
Stiglitz à ortodoxia neoclássica do fim do século. Assim, em Banco Mundial (2005),
argumenta-se que essas falhas de mercado são responsáveis pela dificuldade sofrida na
década passada em atingir um maior grau de eqüidade de oportunidades. Especialmente as
imperfeições nos mercados de fatores de produção precisariam ser corrigidas, pois caso os
pobres não tivessem acesso a esses mercados, como em geral ocorre nos mercados de
crédito e terra, suas oportunidades seriam significativamente menores que as de seus
concidadãos.
Outrossim, deve-se lembrar que essa perspectiva delineada pelo Banco Mundial não
ficou restrita a esta instituição. Ela é precisamente a mesma expressa pela “agenda social”
do pós-Consenso de Washington, pelos economistas do BID, do PNUD e, mesmo do FMI,
que a partir do início do século passou a se interessar pelas políticas sociais de seus países
membros cooperando com o Banco Mundial na cobrança dos Poverty Reduction Strategy
Papers.
Simultaneamente, a operacionalização desses objetivos, em termos de política,
obedeceria, como notou Pochmann (2000, p. 62), três importantes orientações:
descentralização, privatização e focalização. Através da descentralização as comunidades
teriam maior acesso ao conhecimento sobre as políticas públicas, podendo fiscalizá-las e
melhor direcioná-las, reduzindo assim as falhas associadas à atuação do governo.
Igualmente a privatização de todos os serviços que podem ser providos pelo mercado
contribuiria para eficiência econômica. Por fim, e no mesmo sentido, a focalização das
políticas sociais, ou seja, o direcionamento dessas políticas somente às camadas mais
pobres da população contribuiria para o equilíbrio das contas públicas, sobretudo em
47
situações de insuficiência de recursos, ao mesmo tempo em que geraria menos distorções
nos mecanismos de incentivo do mercado, criando portanto menos distorções na economia.
É importante enfatizar, embora essas formas de política sejam as mais coerentes
com a estratégia neoliberal, não nesta ideologia um compromisso com elas. Por isso,
pode ser difícil imaginar neoliberais que entendam as políticas sociais universalizantes
como o modo adequado de resolver os problemas sociais, mas não é impossível encontrar
neoliberais que defendam pontualmente a universalização, por exemplo. O importante é
que essa política encontrar-se-ia inserida em uma concepção ampla para a qual a
organização social deveria ser dada via mercado. Nesse caso, um desvio específico em um
tipo de política não compromete a perspectiva mais geral.
Seguindo a noção familiar à estratégia ampla de desenvolvimento neoliberal, sua
“agenda social” estabelece mais princípios de atuação que receitas propriamente ditas. A
concepção mais restrita às questões econômicas do início dos 1990 pode ser encarada como
o quadro básico de atuação, que em momento nenhum se deixou de defender, ao passo que
os desenvolvimentos posteriores lhe refinariam o argumento, explicariam o mau
desempenho social da década de 1990 e configurariam um novo plano de ação que não
contradiz, mas reafirma e se junta às políticas sociais fracassadas ao longo da década.
De fato, os resultados sociais negativos obtidos na década de 1990, em especial na
América Latina onde “coincidentemente” as reformas neoliberais foram aplicadas com
vigor implacável –, serviram para atrair ao debate um grande número de cientistas sociais e
instituições internacionais, mas passaram longe de impulsionar uma resposta política a
altura da estratégia neoliberal. Nem mesmo se logrou responsabilizar as políticas
liberalizantes dessa estratégia pelos problemas que enfrentava a periferia capitalista, como
se pode apreender no discurso dos ex-economistas do BID Juan Londoño e Miguel Székely.
el análisis sugiere que la falta de progreso distributivo no puede ser atribuida a las
reformas estructurales. La dinámica distributiva de América Latina puede ser
razonablemente explicada en términos de la dotación de los recursos primarios así
como la dinámica de acumulación de capital físico y humano durante los últimos
26 años. (…) En la medida en que las reformas estructurales contribuyeron
positivamente a la recuperación del ingreso, la productividad y la inversión de
capital físico, evitaron un deterioro mayor de la desigualdad. Es decir, si
Latinoamérica no hubiera comenzado a poner en práctica las reformas
estructurales, hoy la desigualdad sería mayor. (Londoño e Székely, 1998, p. 196-
197, grifos nossos)
48
Assim, o mais longe que chegou a “comunidade internacional” em seus “esforços
contra a pobreza” foi deflagrar uma campanha baseada sobre os mesmos princípios que na
década de 1990 proporcionaram um verdadeiro estado de “mal-estar” social, os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (doravante ODM).
Os ODM se organizam em torno da proposta de atingir oito metas amplas até o anos
de 2015. O primeiro objetivo seria erradicar a fome a pobreza extrema. Os demais se
voltam à área da saúde (reduzir mortalidade infantil, melhorar a saúde materna e combater
doenças como a AIDS e a malária), da educação (universalizar o ensino primário),
promover a igualdade de gênero, o desenvolvimento ambientalmente sustentável e, por fim,
criar condições de cooperação entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Embora a
consecução desses objetivos incluam um grande número de políticas, de certo modo as
políticas voltadas à construção de infra-estrutura e acumulação de capital humano teriam
certo destaque, pois funcionariam em prol de quase todas as metas:
Quando apropriadamente providos de capital humano, infra-estrutura e direitos
humanos básicos numa economia baseada em mercado, mulheres e homens
podem conseguir emprego produtivo e decente através de iniciativa pessoal.
Quando a infra-estrutura, a saúde e a educação são disponibilizadas amplamente,
os países pobres podem integrar a divisão de trabalho global de maneira que
promovam o crescimento econômico, melhorem o padrão de vida e aumentem a
sofisticação tecnológica. (Projeto Milênio das Nações Unidas, 2005, p. 13, grifos
nossos)
Olhando atentamente, tirando pela menor preocupação com refinamentos teóricos,
essa perspectiva é exatamente aquela defendida mais tempo pelo Banco Mundial, pelo
BID, PNUD etc. Com efeito, essas frases poderiam perfeitamente ter sido extraídas, por
exemplo, da contribuição de Birdsall e Székely (2004) ao s-Consenso de Washington,
para quem implementar políticas sociais adequadas é o mesmo que capacitar os pobres a
vencer sua condição por seu “esforço próprio”.
De fato, se algo de mais proveitosamente importante nos ODM não é
propriamente a possibilidade de se lograr os objetivos enunciados, mas sua capacidade de
pôr em evidência exatamente seu contrário. Os ODM, pela própria forma como foram
construídos mostram que, de um lado, se baseiam em uma concepção que não procura ver a
menor relação entre os “problemas sociais” e as sociedades na qual estes estão inseridos
(separando, dessa forma, “causa” e “efeito” como coisas independentes); de outro lado, os
ODM ajudam a salientar o caráter meramente enunciatório da “luta contra pobreza” e de
49
seus demais fins: em sua última meta, que conclama as nações ricas e pobres à união, deixa
claro como nunca que os “problemas sociais” enfrentados não são de ordem técnica e sim
política. A referida união não ocorreu, nem ocorrerá nos termos que desejam os ODM,
porque é estranha à gica que governa o modo de produção no qual se insere. Estes pontos
voltam à pauta nas Notas Conclusivas do trabalho.
Pois bem, dado esse panorama do programa neoliberal, é possível, na próxima
seção, traçar como a CEPAL se comportou diante da ascensão neoliberal e de seu reflexo
latino-americano nas formas de Consenso e pós-Consenso de Washington. O que se
buscará mostrar é que, primeiro, houve uma mudança substancial na postura cepalina, e,
segundo, que o reposicionamento ideológico cepalino impede que hoje as propostas da
instituição ainda configurem uma alternativa ao neoliberalismo.
50
C
APÍTULO
2
A
N
OVA
CEPAL:
UMA ALTERNATIVA LATINO
-
AMERICANA
?
No capítulo passado tentou-se explicitar com que entendimento se usa no presente
trabalho o termo neoliberalismo. Particularmente se quis mostrar como a ideologia
neoliberal, por seus próprios diagnósticos, fomenta certo tipo de políticas sociais, avesso ao
tipo de política do pós-guerra, do dito Estado de Bem-Estar. O objetivo deste capítulo é
avaliar em que medida se pode considerar a proposta política da CEPAL nos anos 1990, da
Nova CEPAL, uma estratégia alternativa àquela já estudada.
Para a consecução do referido propósito, o capítulo estrutura-se da seguinte forma.
Primeiramente, é feita uma seção discutindo brevemente os principais elementos teóricos
do pensamento “clássico” da CEPAL, responsáveis por torná-la uma instituição de
referência na América Latina. Tem-se em mente com isso estabelecer as bases para a
avaliação da pergunta “houve ou não uma ruptura no pensamento cepalino”? Em seguida,
toma-se como objeto o núcleo da estratégia novo-cepalina. Uma vez entendidos os marcos
gerais dessa perspectiva em análise, procede-se um exame mais detalhado do discurso
novo-cepalino no que tange às políticas sociais.
2.1 Pós-guerra e o pensamento clássico da CEPAL
Durante os anos do pós-guerra a CEPAL ganhou renome por formular uma
concepção teórica que ia de encontro aos preceitos da ortodoxia econômica de então.
Profundamente marcada pelo ambiente ideológico desenvolvimentista, essa concepção
ficou conhecida como “sistema centro-periferia”, por enxergar a economia mundial como
um único e desigual sistema em que subsistiam países “centrais”, os primeiros a se
industrializar, e “periféricos”, marcados pelo atraso tecnológico e organizativo.
51
Com efeito, esse ambiente ideológico deve ser entendido com base nos contextos
econômico e político do pós-guerra, cujo impacto nas ciências foi a própria ênfase que
passam a ter conceitos como os de “modernidade” e “progresso”.
50
Esses conceitos em
grande medida passaram a nortear o debate acadêmico, criando efetivamente, em vários
ramos das ciências sociais, uma “teoria do desenvolvimento”. Sem embargo, embora esse
debate fosse presente em centros de todo mundo capitalista, ele ganhou contornos de
especial destaque nas regiões chamadas de “terceiro mundo”, “países subdesenvolvidos”
ou, como eram caracterizados no jargão cepalino, “periferia capitalista”.
51
A teoria do desenvolvimento ganharia pelas mãos do economista norte-americano
Walter Rostow sua expressão máxima. Em seu livro Etapas do crescimento econômico, de
1952, Rostow argumentava, em suma, que as diferenças entre as nações poderiam ser
enquadradas em uma “escala evolutiva” de desenvolvimento, cujo fim seria “a era do
consumo de massas”, ou seja, as economias subdesenvolvidas deveriam adotar uma série de
medidas para chegar ao mais alto estágio de desenvolvimento, que nada mais era do que
uma analogia à sociedade norte-americana da época.
52
Como observa Theotônio dos Santos
(2000, p. 17), “A questão do desenvolvimento passou a ser, assim, um modelo ideal de
ações econômicas, sociais e políticas interligadas que ocorreriam em determinados países,
50
De acordo com Santos (2000, p. 15), conformou-se uma nova realidade geopolítica no s-guerra e “Era
inevitável, portanto, que as ciências sociais passassem a refletir essa nova realidade Elas haviam se
constituído, desde o século XIX, em torno da explicação da Revolução Industrial e do surgimento da
civilização ocidental como um grande processo social criador da ‘modernidade’. Esse conceito compreendia a
noção de um novo estágio civilizatório, apresentado, por vezes como o mercado, o socialismo ou as
burguesias nacionais”.
51
Embora se possa fazer alguma diferenciação entre os conceitos de subdesenvolvimento/desenvolvimento e
periferia/centro, Rodríguez (1981, p. 42) observa que esses pares são menos divergentes do que muitas vezes
se argumenta: “Afirma-se, com freqüência, que os conceitos de centro e periferia diferem de outro par de
conceitos paralelos: desenvolvimento e subdesenvolvimento. Entende-se que os primeiros são alusivos à
estrutura do comércio mundial, [...] ao passo que os outros dois se referem às diferenças de estrutura
econômica entre países avançados e atrasados. Essa apreciação dos conceitos do centro e periferia é, sem
dúvida, unilateral, já que, como se pode ver, entre eles uma diferenciação de funções no contexto da
economia mundial, que se expressa primordialmente na característica de intercâmbio comercial à qual se
acaba de fazer referência. [...] Os conceitos de centro e periferia têm, portanto, um conteúdo estático muito
similar ao dos conceitos correntes de desenvolvimento e subdesenvolvimento, pois assinalam a desigualdade
das estruturas produtivas entre os países avançados e atrasados”.
52
Note-se que esse período histórico é marcado pelo embate entre projetos sociais distintos, pela Guerra Fria.
Não por um acaso, como bem se sabe, tal obra tem como subtítulo “um manifesto anticomunista” e, mais
tarde, seu autor foi consultor da CIA, dando suporte teórico a vários golpes de Estado que explodiram da
década de 1960 em diante em países subdesenvolvidos e que foram apoiados (inclusive militar e
financeiramente) pelos Estados Unidos.
52
sempre que se dessem as condições ideais à sua ‘decolagem’”. Esse contexto histórico é
certamente a referência necessária para se entender em toda sua extensão a importância que
teve para a América Latina, e para os demais dos países subdesenvolvidos, a CEPAL.
Por um lado, é verdade que a CEPAL não foi capaz de romper com a referida
concepção de desenvolvimento, que considerava o desenvolvimento ou o
subdesenvolvimento das nações como fenômenos do mesmo tipo, sendo este entendido
como a ausência daquele ou seja, mantinha-se a noção presente em Rostow de uma
“escala evolutiva” de desenvolvimento. Por outro lado, contudo, a CEPAL propunha uma
análise cujo método era diverso do usado pela ortodoxia econômica e, mais que isso, que
conduzia a conclusões diametralmente opostas às ortodoxas.
Em termos de método, a CEPAL renegava os modelos hipotético-dedutivos
neoclássicos para dar lugar a uma análise histórica e institucional, mais próxima do
indutivismo do que do dedutivismo, que ficou conhecida como método histórico-
estruturalista. Assim, a proposta cepalina era de centrar sua análise sobre a periferia nos
aspectos históricos, de formação daquelas economias, e nas instituições econômicas e
culturais que constituiriam as estruturas responsáveis por “ditar” a reprodução dessas
economias. Como resume Ricardo Bielschowsky, autor de uma das mais importantes
resenhas sobre a evolução do pensamento cepalino:
na análise econômica cepalina o estruturalismo é essencialmente um enfoque
orientado pela busca de relações diacrônicas, históricas e comparativas, que
presta-se mais ao método “indutivo” do que a uma “heurística positiva”. Daí
resultam fundamentos essenciais para a construção teórica da análise histórica
comparativa da CEPAL: as estruturas subdesenvolvidas da periferia latino-
americana condicionam mais que determinam comportamentos específicos,
de trajetórias a priori desconhecidas. Por essa razão, merecem e exigem estudos e
análises nos quais a teoria econômica com “selo” de universalidade pode ser
empregada com qualificações, de maneira a incorporar essas especificidades
históricas e regionais. (Bielschowsky, 2000, p. 21)
De fato, é por colocar a realidade latino-americana como ponto de partida de sua
análise que muitos autores consideram que a CEPAL foi a primeira corrente de pensamento
econômico estruturada da América Latina.
Antes de proceder uma breve exposição dos principais aspectos teóricos cepalinos
propriamente ditos convém fazer uma importante ressalva, pois, embora a CEPAL seja
responsável por importantes análises e formulações teóricas acerca da economia latino-
53
americana, a agência, como nota Bielschowsky (op. cit., p. 17), “nunca foi uma instituição
acadêmica, e que seu público-alvo são os policy-makers da América Latina”. Dessa forma,
a produção intelectual cepalina tinha por objetivo primário dar suporte a um determinado
tipo de condução de políticas que, segundo entendiam, poderia levar as economias latino-
americanas ao desenvolvimento.
53
Assim, não é exagero dizer que a perspectiva teórica
cepalina foi forjada efetivamente para dar respaldo às ações industrializantes que marcaram
a periferia no pós-guerra. Ao mesmo tempo, relendo de maneira crítica a história da
instituição, é possível perceber que essas formulações serviam à divulgação da teoria do
desenvolvimento e que carregavam o sentido de afirmar que era possível atingir o maior
desenvolvimento social nos marcos do capitalismo. Ademais, estava implícito no discurso
cepalino que para atingir tal fim seria necessária uma mudança na composição de poder da
periferia, fomentando, assim, a construção de um “pacto” favorável à burguesia industrial.
A despeito de a diferenciação entre centro e periferia na teorização cepalina ter uma
origem histórica, essa diferença não seria meramente estática, tendo um claro sentido
dinâmico, de reprodução ao longo do tempo, dado primordialmente pelo modo de geração e
difusão das inovações tecnológicas no sistema mundial. A partir da posição
relativamente atrasada de que parte a periferia, a forma como se difundem as inovações
tecnológicas, geradas no centro, engendraria estruturas econômicas especializadas e
heterogêneas.
54
Segundo essa perspectiva, ser especializada significa que a maior parte dos
recursos produtivos daquela economia acaba por se destinar a um setor, o setor
exportador de produtos primários. Em conseqüência disso, a diversificação da demanda
deveria ser atendida, via de regra, pelo recurso às importações. Simultaneamente, esse setor
exportador, por ser mais dinâmico, e umas poucas atividades que orbitam em torno dele
seriam os únicos a absorverem tecnologias novas, conduzindo as economias periféricas à
53
De fato, Raúl Prebisch, provavelmente o maior teórico da CEPAL, percebe com grande clareza, que antes
de ter inventado algo completamente novo, sem precedentes, o trabalho dessa instituição foi de apoiar certo
tipo de políticas: “En realidad, la política económica que yo proponía trataba de dar una justificación teórica
para la política de industrialización que ya se estaba siguiendo (sobre todo en los países grandes de la
América Latina), de alentar a los otros países a seguirla también, y de proporcionar a todos ellos una
estrategia ordenada para su ejecución.”. (Prebisch, 1983, p. 1079, grifos nossos)
54
Para um maior aprofundamento, ver Prebisch (2000) que, em seu famoso texto de 1949, formula as bases
dessa concepção. Uma exposição sintética dos argumentos cepalinos pode ser vista nas resenhas de Rodríguez
(1981) e Bielschowsky (2000, 2000b).
54
heterogeneidade. O conceito de heterogeneidade sintetiza a própria coexistência nessas
economias de técnicas mais produtivas, presente nos setores exportadores, e de técnicas
menos produtivas, nas demais atividades. Seriam precisamente essas duas características da
periferia capitalista as responsáveis por fenômenos que tiveram na teorização cepalina lugar
de destaque: a deterioração dos termos de troca, o desemprego e a inflação estruturais, a
tendência crônica ao desequilíbrio do balanço de pagamentos.
55
De acordo com o argumento cepalino, a deterioração dos termos de troca deriva-se
especialmente da heterogeneidade estrutural latino-americana. Essa heterogeneidade, em
associação ao modo como são incorporadas na periferia as inovações cnicas, geraria na
periferia um constante excedente de mão de obra: enquanto no centro as novas tecnologias
são implementadas com base nas disponibilidades de mão de obra e capital, levando a uma
recomposição setorial da mão de obra a cada vez em que novas tecnologias são assimiladas
ao processo produtivo; na periferia a assimilação de novas técnicas se daria de modo
inteiramente desconexo de suas condições de oferta de mão de obra e capital. A escolha de
técnicas mais ou menos produtivas por parte das empresas não toma em consideração quais
seriam melhores técnicas do “ponto de vista social”. Ao mesmo tempo, a introdução de
tecnologias poupadoras de mão de obra não geraria nenhuma pressão por recomposição
setorial, que a produção de bens industrializados se faz no centro e não na periferia.
Existiria, desse modo, uma tendência estrutural ao desemprego cuja principal conseqüência
seria, em virtude da pressão que este exerce sobre os salários, e, por via destes, também
sobre os preços, a deterioração dos termos de troca.
Nesse argumento, a tendência à deterioração exerce sua força através dos ciclos
econômicos. Durante as fases ascendentes do ciclo os preços dos bens primários subiam em
relação aos industriais, como de fato era de se esperar, porém com a reversão do ciclo essa
55
Nas palavras de Bielschowsky (2000b, p. 19), “Como resultado dos dois traços distintivos das estruturas
produtivas dessas economias, ou seja, especialização e heterogeneidade tecnológica, o processo em curso
estaria provocando quatro tendências, que desempenham um papel básico no contexto dinâmico, a saber, as
tendências ao desemprego, à deterioração nos termos de intercâmbio, ao desequilíbrio externo e à inflação”.
Não é possível no âmbito do presente trabalho explorar todos esses elementos que foram em algum momento
objeto da CEPAL. Para os presentes propósitos trataremos apenas daqueles elementos centrais ao
entendimento da dinâmica de reprodução do chamado sistema centro-periferia”. Indica-se, para aqueles que
procuram aprofundamento nesses temas, ver, entre outros, Prebisch (2000), Tavares (1973), além de
Rodríguez (1981, em especial a parte I), Bielschowsky (2000b, especialmente capítulo 2) e a bibliografia ali
citada.
55
relação se invertia com tal intensidade que a aguda queda dos preços de bens primários
superava os ganhos da fase anterior, configurando a deterioração nos termos de intercâmbio
da periferia.
56
Esse comportamento dos preços dos produtos periféricos teria por trás de si
dois fatores: em primeiro lugar, estaria o menor grau organização dos trabalhadores na
periferia, conseqüência, como se viu, da heterogeneidade estrutural que gera ali um relativo
56
periférica, configura-se uma situação em que, não não tendência à convergência entre
as rendas, como queria a teoria ricardiana do comércio internacional, mas em que parte dos
frutos do progresso técnico na periferia é apropriada no centro.
Por sua vez, o crescimento da renda real periférica relativamente menor que o
central encerraria o ciclo de reprodução do subdesenvolvimento. De acordo com o
argumento cepalino, esse crescimento débil torna inadequada a necessidade de
investimento, para gerar um crescimento que superasse a condição periférica, e sua
capacidade de poupança, perpetuando assim a especialização e heterogeneidade
características dessas economias.
57
Ora, se a divisão internacional do trabalho “impunha” à periferia a produção de bens
primários, com o apoio da teoria de cunho liberal da ortodoxia econômica, reproduzindo o
“atraso” dessas economias frente à “modernidade” do centro, para eliminar esse atraso seria
preciso alterar a posição da periferia na divisão internacional do trabalho. Nesse sentido, a
CEPAL argumentava que somente através da industrialização seria possível que a América
Latina vencesse a condição periférica. Na industrialização residiria a única forma
sustentável de elevar persistentemente a produtividade e a renda real nos países periféricos.
Mais do que isso, a partir de certo grau de desenvolvimento da economia mundial, a
industrialização seria, de fato, indispensável, pois, sendo o crescimento demográfico
elevado na periferia e a mobilidade internacional de mão de obra notadamente escassa, o
contínuo aumento do emprego e da produção de bens primários, cuja demanda é bastante
inelástica, conduziria ao rebaixamento dos preços desse setor.
De acordo com a formulação cepalina, a partir de certo ponto a industrialização se
de modo espontâneo, induzida primordialmente, não por um movimento de
57
Segundo a elaboração da CEPAL, essa capacidade de poupança seria ainda mais afetada pelo chamado
“efeito demonstração”, que consistiria na tendência da periferia, especialmente dos estratos sociais
privilegiados, de imitar o padrão de consumo das economias centrais. Isso limitaria ainda mais a formação de
poupança, ao mesmo tempo em que se geraria um problema em potencial para o balanço de pagamentos, já
que muitos dos bens de consumo teriam que ser importados. Mais uma vez aqui convém chamar a atenção
para um ponto de convergência entre a CEPAL e a teoria do desenvolvimento como expressa por Rostow.
Para Rostow, a “sociedade do consumo de massas”, onde se poderia usufruir livremente das benesses do
consumismo seria o último passo do desenvolvimento, não podendo ser adotado antes exatamente sob pena de
comprometer a formação de poupança das economias subdesenvolvidas obstando, assim, o crescimento das
mesmas.
57
convergência entre as economias, mas pelas crises do comércio internacional – o que
configuraria a transição de um modelo de desenvolvimento hacia fuera para um de
desenvolvimento hacia dentro. Contudo, esse seria um processo truncado por sua própria
natureza: as características estruturais da periferia, especialização e heterogeneidade
estrutural, e a inadequação das novas tecnologias a essas características ocasionariam
tendências ao desequilíbrio crônico do balanço de pagamentos, à manutenção da
deterioração nos termos de intercâmbio e do desemprego estrutural etc., inviabilizando o
processo de industrialização em seu nascedouro. Exatamente por isso seria mister que o
Estado agisse deliberadamente, por meio do planejamento econômico e da coordenação das
relações de trabalhadores e empresários (nacionais e estrangeiros), levando à frente um
projeto industrializante. Rodríguez resume o problema:
admite-se que o livre jogo das forças do mercado conduz à persistente
manifestação de problemas de balanço de pagamentos, de acumulação e
subutilização de capital e de força de trabalho, etc., uma vez que os mesmos são
inerentes ao processo espontâneo de industrialização [...].
Assim, segundo a concepção do sistema centro-periferia, para que com a
industrialização se consiga aumentar substancialmente os veis de produtividade
e otimizar a alocação dos recursos, é preciso orientá-la por meio de uma política
deliberada de desenvolvimento. (Rodríguez, op.cit., p. 48)
Enfatizando a idéia: o pensamento clássico da CEPAL entendia que a atuação
indiscriminada do mercado reproduzia o “atraso” na periferia. Mesmo quando eram
desencadeados na economia processos de industrialização espontânea, em geral por
motivos extra-econômicos, os mecanismos de mercado eram incapazes de conduzir à
superação do subdesenvolvimento. Em virtude disso, era necessária uma atuação estatal
planejada para reverter os sinais dados pelo mercado e induzir a industrialização,
permitindo o desenvolvimento.
Embora o exposto seja apenas um esboço das idéias desenvolvidas pela CEPAL, é
possível perceber que a instituição consolidou uma teoria que abrangia um grande número
de temas e que tinha seu eixo central voltado à defesa da industrialização. É interessante
observar, entretanto, que a despeito das condições notadamente precárias em que vivia a
maior parte da população latino-americana, somente em meados da década de 1960, quando
a Comissão passava por certo declínio de sua influência teórica, discussões ligadas à
pobreza e desigualdade de renda começassem figurar no repertório cepalino. Até então,
toda referência feita ao nível de bem-estar da população apenas assinalava que este seria
58
incrementado com a industrialização posto que assim se elevariam a participação da
periferia no produto gerado mundialmente e a produtividade do trabalho, que, de acordo
com a teoria convencional, determina a remuneração dos trabalhadores.
58
Contudo, no
princípio da década de 1960 estava claro que, mesmo com a adoção de planos
desenvolvimentistas por toda América Latina, a pobreza e a desigualdade haviam seguido
uma rota de crescimento, contrariando as expectativas iniciais da instituição.
A reação cepalina a essa constatação foi incorporar em sua concepção
recomendações de políticas explicitamente voltadas à melhoria dos “problemas sociais”,
enveredando pela linha de defesa das reformas de base. Sem dúvida alguma que, nesse
âmbito, a reforma agrária foi a que ganhou maior destaque.
59
A CEPAL havia, em
escritos precedentes a esse período, apontado para aspectos negativos da distribuição
fundiária latino-americana, mas só aí sua posição se tornou marcadamente a favor da
reforma agrária – ainda que não o fizesse nos termos dos militantes radicais, e sim apoiando
a reforma dentro das bases institucionais da ordem estabelecida. Ademais, torna-se objeto
da Comissão formular políticas sociais e trabalhistas. Essas formulações tinham como base
propor que fossem garantidos o suprimento das necessidades básicas e os direitos
fundamentais dos trabalhadores.
O período “áureo” da produção cepalina foi certamente aquele compreendido entre
as décadas de 1950 e 60. O trajeto descrito a partir daí pela instituição sofre certamente
influência de sua incapacidade em resolver os problemas periféricos detectados pior, em
um contexto que foi se tornando cada vez mais adverso, com o desaquecimento da
economia mundial e a eclosão de golpes militares por todo o continente, que certamente
inviabilizavam qualquer discussão séria sobre reformas de base.
58
De fato, como admitiria Prebisch (1983, p. 1085) muitos anos mais tarde: “Hasta esta etapa [anos 1960] no
había prestado atención suficiente al problema de las disparidades de ingreso, a excepción del obsoleto
sistema de tenencia de la tierra. Tampoco había considerado con detenimiento, en los primeros años de la
CEPAL, el hecho de que el crecimiento no había beneficiado a grandes masas de la población de ingresos
bajos, mientras que en el otro extremo de la estructura social florecían los ingresos elevados. Es posible que
esta actitud fuese un vestigio de mi anterior postura neoclásica, donde se suponía que el crecimiento
económico corregiría por solo las grandes disparidades del ingreso a través de la acción de las fuerzas del
mercado”.
59
Ver Prebisch (2000b).
59
Não cabe aqui entrar no mérito das novas teorias que, a partir desse período,
passaram a protagonizar os debates acadêmicos latino-americanos, sendo para os fins do
trabalho mais importante sublinhar que a CEPAL teve então suas idéias postas às críticas
que vinham das mais variadas vertentes teóricas.
60
Nesse ínterim, uma variada gama de
análises foi produzida, enquanto crescentemente se consolidava no ramo da economia uma
análise pretensamente única e ganhavam terreno questões de curto-prazo com tons de
urgência na América Latina – que culminaria logo no início dos 1980 com a crise da dívida.
Após um período de aproximadamente uma década, os anos 1970, começava a ficar
claro que havia um marcado processo de transformação no interior da CEPAL e que esse se
encontrava em estágio bastante adiantado. Uma hipótese, ainda sem verificação, sugere que
desempenharam um papel importante nesse processo as mudanças na formação do corpo
técnico da CEPAL, que passou a contar com muitos economistas formados em
universidades norte-americanas, ou em sua estrutura institucional. Embora esse possa
constituir um vasto campo de pesquisa, não corresponde ao objetivo do presente trabalho
averiguar isso. Para os fins aqui postos, mais interessante do que localizar precisamente as
causas institucionais dessa mudança é avaliar seu teor. É nesse sentido que se tenta avançar
em seguida.
2.2 A Nova CEPAL: a concepção neoestruralista e as reformas estruturais na América
Latina
As últimas décadas do século passado assistiram à inflexão ideológica que, aos
poucos, alçou o neoliberalismo ao status de ideologia mundialmente hegemônica. Essa
virada se manifestou no pensamento crítico latino-americano através de uma revisão dos
preceitos estruturalistas defendidos pela CEPAL anos antes. Quando foi cunhada a
expressão “neoestruturalismo” para designar essa concepção revisionista da teoria cepalina,
que ganharia rapidamente espaço no interior da própria CEPAL até tornar-se
60
Entro os inúmeros exemplos pode-se destacar Marini (2000), Theotônio (2000), Oliveira (2003), Prado Jr
(1966).
60
definitivamente a perspectiva oficial da instituição, foi ficando cada vez mais claro que
mudanças ocorriam. Mas qual a intensidade e, o que é mais importante, em que sentido iria
essa mudança? Os próprios cepalinos não ignoram que a mudança ocorreu, mas como
avaliaram esse processo?
O auto-diagnóstico cepalino é que não existe uma ruptura no pensamento da
instituição. Nem tampouco é sugerido que os marcos analíticos estruturalistas foram
abandonados por estarem errados. O que, em geral, é defendido pelos autores
neoestruturalistas é que o pensamento cepalino clássico teve sua importância e mesmo
que esteve certo –, mas isso em sua época. O questionamento não se dirigiria à capacidade
interpretativa desse pensamento em absoluto, mas à sua capacidade de explicar os dias
atuais. Nesse sentido, o neoestruturalismo é entendido como a “evolução” do pensamento
estruturalista.
61
Segundo os neoestruturalistas, sua corrente surgiu na virada dos 1970 para os 1980
como uma resposta à inabilidade do pensamento clássico da CEPAL em lidar com a nova
situação latino-americana. Isso ocorreria pois, ao mesmo tempo em que a proposta
industrializante da CEPAL teria conformado economias protecionistas, ineficientes,
inflacionárias e ainda periféricas (subdesenvolvidas), seu arcabouço analítico não permitia
dar o tratamento adequado a questões de curto-prazo. O neoestruturalismo, ao contrário, a
despeito de assumir uma herança estruturalista, nascia para dar respostas às questões
emergenciais, aos problemas de curto-prazo da América Latina – especialmente à inflação e
61
Ricardo Bielschowsky (2000, p.21), em uma exposição do método cepalino, faz questão de sublinhar a
adaptabilidade do estruturalismo-histórico: “o pensamento cepalino tem assim a capacidade de acomodar com
facilidade a evolução dos acontecimentos, através de contínuas revisões em suas interpretações, que não
significam perda de coerência político-ideológica ou de consistência analítica”. Nesse sentido, “os diferentes
planos e as diferentes teses”, produzidos pela CEPAL ao longo de sua história, inclusive no período em
questão, “estão perfeitamente ‘amarradas pelo método histórico-estruturalista e pelas idéias-força que
determinaram a produção das teses”. (Ibid, p. 18) Ainda sem questionar a exposição do método cepalino
realizada por Bielschowsky, procurar-se-á ao longo deste capítulo demonstrar que essa adaptabilidade não foi
suficiente para impedir uma marcada ruptura no pensamento da CEPAL. O autor pode ter razão ao afirmar
que revisões não significam necessariamente em perda de coerência. No entanto, para afirmar que assim
ocorreu com a CEPAL nos anos 1990 é preciso analisar concretamente essa mudança. O que é defendido aqui
é que a suposta “amarração” por método e temas não é suficiente para configurar uma coerência com o que
foi historicamente defendido pela instituição. Como observa Carcanholo (2006), “Ao contrário do que pensa
Bielschowsky, não é a permanência dos temas o que dá coesão teórica e metodológica a qualquer tipo de
pensamento, mas a forma como são abordados”.
61
à iminente crise de endividamento externo.
62
É nesse sentido que Ricardo Ffrench-Davis
(1988, p.38) afirma que: “el neoestructuralismo se alimenta de la tradición estructuralista,
pero va más allá, porque su desarrollo analítico está acentuadamente orientado al diseño y
ejecución de estrategias y políticas económicas”.
Ao longo dos anos 1980 os neoestruturalistas se engajariam em diversos debates até
estar consolidada sua estratégia de desenvolvimento de longo-prazo, que, não por acaso,
teria como marco a publicação do documento Transformação produtiva com equidade
(doravante TPE) pela CEPAL.
63
É importante ter presente que, embora textos de cunho
neoestruturalista elaborados por autores ligados a CEPAL circulassem pelo menos
uma década, o documento é o primeiro a reconhecê-la como a perspectiva da instituição,
mais que isso, como a estratégia defendida pela Comissão a partir de então.
A mudança da instituição sacramentada em TPE foi comemorada como uma nova
etapa do pensamento cepalino, em que retornava ao norte da Comissão uma estratégia de
desenvolvimento de longo-prazo, ausente desde os difíceis anos de crise da dívida.
Simultaneamente, a nova perspectiva neoestruturalista seria responsável por “atualizar” aos
novos tempos e aos novos “consensos” da teoria econômica a análise cepalina, ou, como
põe Bielschowsky:
O “neo-estruturalismo” cepalino recupera a agenda de análises e de políticas de
desenvolvimento, adaptando-a aos novos tempos de abertura e globalização. [...]
São tempos de “compromisso” entre a admissão da conveniência de que se
ampliem as funções do mercado e a defesa da prática de intervenção
governamental mais seletiva. (Bielschowsky, 2000, p. 63-64)
62
Vale notar que até meados dos 1980, autores como Nora Lustig (1988, p. 35-36), consideravam que a
atenção dispensada pelo neoestruturalismo ao curto-prazo era excessiva, chegando a constituir uma
deficiência sua: “Pero hay una diferencia central entre ambos estructuralismos; en el viejo estructuralismo se
ponía mucho énfasis en el largo plazo y poco en el corto plazo, mientras que en el neoestructuralismo sucede
justo lo contrario. [...] Tal vez la conclusión más importante de esta breve exploración sea que el pensamiento
estructuralista, lejos de ser obsoleto o anacrónico, se ha estado renovando y está adquiriendo formas que
auguran resultados interesantes y útiles, tanto en el ámbito de la teoría, como en el diseño e instrumentación
de la política económica”.
63
Um exemplo significativo da euforia provocada pela nova estratégia cepalina foi fornecido pela compilação
de Sunkel (1991), no início dos 1990. Como colocam, na citada publicação, Sunkel e Ramos (1991, p. 18):
“De esta manera hay un reconocimiento explícito [no neoestruturalismo] respecto a que no pueden sugerirse
recomendaciones con la mirada fija en el largo plazo, sin una clara estimación de las repercusiones posibles
de cualquier proceso de cambio estructural, y sin formas de enfrentar los problemas originados en la
transición. [tal qual fariam os estruturalistas] [...] Esta suerte de entronque del corto con el largo plazo ha
permitido configurar, como base directriz del proceso de recuperación y consolidación del desarrollo, la
reciente y renovada propuesta sobre ‘transformación productiva con equidad’ para la región”.
62
Note-se que a passagem supracitada evidencia alguma semelhança entre o
pensamento da Nova CEPAL, e o ideário neoliberal. Ainda que comporte diferentes
matizes, a rationale neoliberal sugere que não é possível, nos dias de hoje, ignorar o poder
de que dispõe o mercado para impor-se, conduzindo à necessária conformação de uma nova
forma de atuação estatal. Como se procurou evidenciar no primeiro capítulo, segundo a
ideologia neoliberal, não alternativas para o Estado além da adequação a um papel
subordinado, de apoio ao mercado.
Sem embargo, o neoestruturalismo em seu surgimento teve a pretensão de se
contrapor e defender políticas alternativas às neoliberais.
64
Em um primeiro momento, era
preciso contrapor-se à tentativa de impor às nações latino-americanas programas de ajuste
externo embasados pela tradição monetarista. Logo, porém, o âmbito do debate se tornaria
mais amplo, passando ao embate de estratégias de desenvolvimento supostamente
alternativas. Contudo, o fato mais importante a se observar nesse embate é que, para os
neoestruturalistas, o erro neoliberal seria mais de “ênfase” do que de “direção”.
65
De acordo com os neoestruturalistas, o neoliberalismo corresponde a um projeto no
qual o mercado é idealizado como a instância mais eficiente para a resolução de qualquer
problema econômico. Com efeito, esse julgamento não é de todo incorreto segundo os
economistas latino-americanos. Se, por exemplo, os neoliberais sugerem que a
responsabilidade pela crise das economias latino-americanas dos 1980 foi do excesso de
64
Como registra Almeida Filho (2003, p.105), entretanto, desde o princípio são notáveis as semelhanças de
conteúdo programático entre a Nova CEPAL e a agenda do Consenso de Washington, que, inclusive, foram a
público em um período próximo. De fato, a despeito de se pretender alternativo ao neoliberalismo, o
neoestruturalismo teve que fazer um enorme esforço para evidenciar suas divergências com o programa
neoliberal. Nesse ponto, não deixa de ser curioso que os novo-cepalinos atribuem aos temas adotados sua
coesão com estruturalismo, mas, ao mesmo tempo, defendem a CEPAL das acusações de adotar um programa
muito semelhante neoliberal afirmando que somente os temas são os mesmos. Veja-se, por exemplo, Ffrench-
Davis (1988) e Fajnzylber (1994).
65
Esse diagnóstico fica indubitavelmente explícito no tratamento que recebe a história chilena pelas mãos
neoestruturalistas. Segundo estes, a economia chilena ensinaria que o receituário neoliberal semearia “bons
frutos”, mas que, por sua radicalidade, geraria custos sociais de outro modo evitáveis. Como afirma Ramos
(1997, p. 18): “En efecto, los resultados chilenos son impresionantes si consideramos sólo el período en que
se cosecharon los frutos del modelo neoliberal y excluimos el período en que se pagaron los costos de
implantar el modelo (1973-1983)”. Note-se que o Chile é o exemplo mais notável de implantação do
neoliberalismo, por ter sido o primeiro país no mundo a cumprir as reformas neoliberais ainda na cada de
1970, sob a ditadura de Pinochet e a tutela de economistas monetaristas que ficaram conhecidos como
“chicagoboys”.
63
intervencionismo que engendrou inúmeras deficiências na região, os neoestruturalistas não
chegam a desmenti-lo, embora achem fórmulas diferenciadas para a eliminação de tais
deficiências. Como explica Ramos (1997, p. 16): “los principios que inspiran este viraje [no
pensamento económico] la economía de mercado, la propiedad privada, la prudencia
fiscal y el protagonismo del sector privado son patrimonio de las principales corrientes
del pensamiento económico actual: del neoliberalismo por un lado y del neoestructuralismo
por el otro”, de sorte que o erro neoliberal não viria daí, mas de sua “firme convicción de
que, con escasas excepciones, el conjunto de medidas señalado es condición necesaria y
también suficiente para el crecimiento y, en lo esencial, para la equidad”.
É importante enfatizar a idéia. De acordo com a concepção neoestruturalista, o
neoliberalismo se baseia em considerações verossímeis, mas peca por sua radicalidade, por
sua “fé excessiva” nas virtudes do mercado. De fato, o diagnóstico dos economistas latino-
americanos é que o velho estruturalismo da CEPAL incorria no mesmo mal, somente com o
“sinal invertido”: a falha do estruturalismo seria depositar no Estado sua , vedando os
olhos às falhas próprias desta instituição. Nessa perspectiva, compor uma estratégia
alternativa não passaria por negar frontalmente nem o neoliberalismo nem o estruturalismo,
mas sim por conciliá-los. Aliás, é precisamente isso que os neoestruturalistas acreditam ter
logrado após a publicação do documento TPE uma estratégia de longo-prazo que se situaria
entre a idolatria do mercado, típica dos neoliberais, e a idolatria do Estado, própria à antiga
CEPAL. Isso seria o que Sunkel e Ramos chamaram a “síntese neoestruturalista”:
Considera que ni el enfoque neoliberal que prevalece actualmente, ni una simple
reedición del estructuralismo de posguerra o de los ensayos neoestructuralistas
más recientes [anteriores ao planejamento neoestruturalista de longo-prazo]
constituyen base adecuada para enfrentar los severos problemas que aquejan
actualmente a la América Latina. Sin embargo destina todo su esfuerzo a
recuperar los aportes positivos y valiosos de estos enfoques para combinarlos en
una síntesis neoestructuralista renovada que busca responder a las características
y exigencias de la época actual, superando las negativas experiencias de las recién
pasadas décadas. (Sunkel e Ramos, 1991, p. 31)
Em suma, a estratégia que a CEPAL decidiu seguir a partir da década de 1990
procura, supostamente sem renegar suas raízes históricas, rever seus conceitos, se
desviando do caminho até então trilhado. Para os membros dessa instituição, essa
reorientação era necessária e não implicou em cisões com sua história. Apesar disso, desde
muito cedo, a Nova CEPAL foi alvo de críticas por suas semelhanças de programa com o
64
neoliberalismo. Para que se possa chegar a um veredicto sobre o caráter da mudança
cepalina, é necessário ter com clareza o que defendem concretamente suas novas propostas
de política. A próxima seção se ocupará disso.
66
2.2.1 A estratégia novo-cepalina no contexto de reformas estruturais
Os objetivos básicos da estratégia de desenvolvimento novo-cepalina podem ser
agrupados em três frentes interligadas. Primeiro, gerar um equilíbrio interno que permita às
economias latino-americanas crescer de modo sustentado. Em segundo, lograr uma nova
inserção para a América Latina na economia mundial. Por fim, distribuir de modo mais
eqüitativo os frutos do maior crescimento, que este por si se mostrou incapaz de
atenuar as gritantes disparidades de renda na região.
67
Os objetivos em si não o
exclusividade da Nova CEPAL e não permitem avaliar sua proposta, a questão é como se
pretende alcançar tais fins.
A variável-chave na qual se baseia a estratégia novo-cepalina é a produtividade. De
acordo com seu diagnóstico, seria urgente que a América Latina mudasse seu “estilo
concorrencial”, o comportamento das empresas dali ao competir. O padrão ora vigente na
região seria aquele descrito por Fernando Fajnzylber, mentor intelectual da estratégia novo-
cepalina, como “concorrência espúria”. Nesse padrão a competitividade das empresas se
basearia, acima de tudo, em seu poder de repressão dos custos salariais. Em outras palavras,
as empresas reagiriam à concorrência repassando aos empregados baixas nos preços. As
empresas seriam capazes de fazer isso em virtude da abundância de mão de obra e do
pequeno grau de abertura das economias na América Latina, que possibilitaria a
sobrevivência dessas empresas mesmo com níveis muito baixos de produtividade. As
66
Com o avançar da década de 1990, essa busca de uma estratégia alternativa ao neoliberalismo, mas que
mantinha semelhanças com o mesmo, ganhou sua expressão final na agenda plenamente endossada pela
CEPAL de “reformar as reformas” (reforming the reforms). O argumento dessa agenda era de que as reformas
neoliberais dos anos 1990 teriam logrado avanços, mas que aquela deficiência sua, de fé extrema no mercado,
tinha conduzido também a retrocessos (ou, ao menos, a obstar um progresso maior). Exatamente por isso seria
preciso implementar agora novas reformas para melhorar as primeiras. Voltar-se-á a abordar o tema em breve.
67
As políticas voltadas especificamente a este último fim são discutidas mais detidamente na seção seguinte.
65
conseqüências desse padrão de concorrência espúria seriam a manutenção de um sistema de
baixa produtividade e o agravamento da disparidade de renda nessas economias. Por isso,
segundo a proposta novo-cepalina é preciso que se cambie rumo a um 255m00.671(p)-.7465(p)-0.956417tns t2.95648t.958863(,)9.
66
O estilo da intervenção estatal deverá ser reformulado em relação às décadas
anteriores. [...] Convém agora deslocar [as] prioridades para o fortalecimento de
uma competitividade baseada na incorporação do progresso técnico e na evolução
para níveis razoáveis de equidade. Isso não significa, necessariamente, aumentar
nem diminuir o papel da ação pública, mas aumentar seu impacto positivo na
eficiência e na eficácia do conjunto do sistema econômico. (CEPAL, 2000, p.
898)
É verdade que a obtenção das citadas precondições não seria o suficiente para
garantir o sucesso da estratégia novo-cepalina.
70
Mas estas seriam imprescindíveis para seu
sucesso, e delimitariam o “terreno” dentro do qual a ação pública colaboraria com o
desenvolvimento (e, portanto, também a partir de quando essa ação se torna indesejada).
A idéia da estratégia de transformação produtiva é que o ambiente estável, a
integração das economias latino-americanas à econom
67
incluiriam a formação de toda uma rede de apoio institucional.
71
De acordo com Sunkel
(1991b, p. 64), uma vez que essa rede estivesse funcional, “se habrá conformado
íntegramente lo que se conoce como ‘núcleo endógeno de dinamización tecnológica’ y se
está ya en condiciones de generar sistemas articulados capaces de alcanzar niveles de
excelencia internacional en todos los eslabones que conforman la cadena de especialización
productiva”.
Nessa perspectiva, as empresas não devem ter seu foco na produção para exportação
ou para o mercado interno, mas sim produzir do modo mais eficiente possível e vender para
onde o mercado, via mecanismo de preços, apontar ser melhor. Sunkel (1991b) aponta que
isso daria o tom da diferença entre uma estratégia de desenvolvimento hacia dentro, como
a da velha CEPAL, e uma estratégia de desenvolvimento desde dentro, como proposta pelo
neoestruturalismo. Note-se que, para que essa estratégia se efetive, um grau não desprezível
de abertura comercial seria exigido. A “cadeia de especialização produtiva”, para atingir
uma produtividade em vel de excelência internacional, careceria de utilizar tecnologia de
ponta o que, ao menos de início, significa um necessário aumento das importações.
Simultaneamente, para favorecer as exportações, que detêm um importante papel
estratégico, é vantajoso que as economias sejam mais internacionalizadas.
Embora o mercado apareça nessa estratégia como o responsável por indicar a
alocação eficiente dos recursos, seu poder de ajuste também é questionado. Por isso,
caberia ao Estado promover políticas que fossem capazes de suprir falhas ou insuficiências
de mercado e acelerar o processo de ajuste, além do mencionado dever de garantir o
equilíbrio das contas públicas e, assim, a estabilidade econômica. A Nova CEPAL sugere
que, a despeito das vantagens existentes na organização da produção e da distribuição dos
recursos pelo mercado, quando esta é deixada exclusivamente ao mercado, os custos
gerados para a sociedade são muito altos, motivo pelo qual a ação pública deve interceder
para minorar os custos sociais da transformação produtiva.
71
Isso é, a formação do que é conhecido na literatura neo-schumpeteriana como Sistema Nacional de
Inovação (SNI). De fato, como observa Rodríguez et alli. (1995) não são poucas as semelhanças da teorização
neoestruturalista com a neo-schumpeteriana.
68
Nesse sentido, a proposta da CEPAL prevê ações públicas que podem ser
esquematicamente divididas em três grupos. Primeiramente, o que se pode definir como
uma “reforma do Estado”, para induzir uma nova interação entre os agentes público e
privados. A principal medida aí seria a privatização de empresas públicas. Em contrapartida
aumentaria o papel regulador do Estado, que deveria estabelecer do modo mais
“transparente” possível normas e fiscalizar seu cumprimento, especialmente no caso de
empresas que atuam em mercados oligopolizados (como naqueles anteriormente
considerados “monopólios naturais”). É considerado ainda que, em alguns casos, pode ser
melhor que o governo interfira na alocação de recursos incentivando ou desincentivando
alguma atividade, mas, preferencialmente, sem participar diretamente do processo. Ainda
assim, no caso das empresas que forem mantidas públicas o que se sugere é que essas
incentivem o desenvolvimento tecnológico e sejam gerenciadas do modo mais eficiente
possível, com “políticas coerentes de pessoal e salário” (como posto em CEPAL, 2000, p.
909).
Ademais, a nova interação entre Estado e sociedade deveria ser marcada por
políticas abertamente voltadas ao setor “social” que permitem o aumento do estoque de
capital humano, fundamental na realização da transformação produtiva. Nesse tocante, é de
se notar que, embora os novo-cepalinos fundamentem sua distinção com relação aos
neoliberais na defesa de um Estado mais ativo, ainda assim são defendidas formas “mistas”
de intervenção estatal mesmo para a provisão de serviços básicos, as chamadas parcerias
público-privadas.
72
Volta-se a esse ponto no item seguinte.
72
Em CEPAL (2000b), sugere-se que é desejável o aumento generalizado da participação privada na provisão
de serviços sicos, como forma de melhorá-los e racionalizar seus custos: sistema educacional “existem
outras experiências que modificam o financiamento da educação e os sistemas de destinação de recursos a ela,
ampliando o espaço das contribuições privadas” (Ibid, p. 931); sistema de saúde “a contribuição privada na
prestação de serviços de saúde pode aumentar a eficiência do setor, desde que a regulação melhore no que diz
respeito à transparência, ao acesso do subsistema a diversos subsídios, ao controle dos custos [...] ao
tratamento do grupo de doenças catastróficas e próprias da terceira idade, e, no que diz respeito aos seguros
de risco, que inclua algum mecanismo de solidariedade” (Ibid, p. 933); sistema habitacional “Para fazer
frente ao déficit habitacional, os países têm procurado, por um lado, incorporar recursos provenientes do setor
privado e, por outro, adaptar os programas, a fim de melhorar sua eficiência e concentrar melhor os recursos
disponíveis” (Ibid, p. 934); e sistema previdenciário “as reformas [previdenciárias] em curso voltam-se para
a administração eficiente do financiamento dos programas, sem prejudicar a estabilidade macroeconômica;
[...] e, por último, para uma ampliação da participação do setor privado na administração dos recursos e na
prestação dos serviços” (Ibid, p. 934).
69
Em segundo, haveria o grupo de políticas de apoio à inserção internacional. O
fundamental desse grupo é a gradual abertura comercial e financeira. Nesse sentido, deveria
haver uma tendência à queda do protecionismo, exceto para setores nascentes de alto
conteúdo tecnológico onde poderia existir proteção seletiva e temporária. Nesse contexto,
deve-se dar a devida atenção à política cambial. Inicialmente, é sugerido que o governo
deveria intervir no mercado de câmbio para garantir uma taxa real elevada e estável,
induzindo assim o aumento na competitividade interna e a eliminação das empresas
ineficientes, cuja produtividade é muito baixa. Entretanto, a política cambial deveria
também estar atenta às condições externas, pois, caso contrário, especialmente no caso de a
abertura ser rápida demais, seu efeito poderia ser contrário ao esperado: a destruição
massiva da capacidade de exportação e mesmo da capacidade produtiva como um todo,
além de problemas de balanço de pagamentos.
73
A abertura e a política cambial condicionariam o sucesso latino-americano em
melhorar sua posição internacional, na medida em que condicionariam a capacidade de
incorporação tecnológica dessas economias. Mas haveria ainda um grupo de políticas mais
diretamente voltadas a esse fim: incentivo govername-aom-50.5751m-50.5751m-50.5751m t.(v)-0.956417(o)-0.956417( )-60..5751m(a)3.16033(m)ãeteestes rue eí4.385 -20.
70
à articulação intersetorial, abertura externa gradual e apoio às exportações e às atividades
inovadoras. Ademais seria fundamental a geração de uma infra-estrutura adequada, que
deveria favorecer a utilização de mecanismos de mer
71
I
= investimento agregado
S
= poupança interna
D
= dívida externa
Y
= PIB
i
= taxa de juros
X
= exportações
M
= importações
N
= I – S
t
= tempo
Fonte: CEPAL (1994, p. 234)
Durante a primeira fase do ciclo as economias latino-americanas recorreriam ao
financiamento externo para gerar crescimento interno. A linha do hiato de poupança (N)
mantém um valor positivo no decorrer desse período, indicando justamente que o
investimento é maior que a poupança interna e, portanto, que parte dos investimentos é
financiada externamente. Como o efeito dos novos investimentos não é imediato e é preciso
Figura
3
: Ciclo do endividamento virtuoso
as fases do financiamento externo e o hiato de
poupança
72
refinanciar a dívida antiga, durante essa fase a dívida externa cresce mais rapidamente que
o produto interno (D/D>Y/Y). Além disso, como se pode apreender das identidades
macroeconômicas básicas,
74
o balanço comercial fica deficitário ao longo dessa fase.
O ciclo entra na fase II no momento em que o hiato de poupança se torna negativo,
indicando que na nova situação poupança interna é maior que o investimento agregado, e o
crescimento do produto supera o da dívida, permitindo assim o pagamento dos juros da
dívida externa, sem recurso a novas dívidas (D/D<i). Com a cobertura do hiato de
poupança também o balanço comercial se torna positivo, gerando entrada de divisas na
economia.
Finalmente, na fase III a economia demonstra a pujança conformada por seus
investimentos e pode, então, amortizar o estoque da dívida contraída. O ciclo virtuoso se
completaria, portanto, no momento em que a economia pudesse voltar a um grau de
endividamento semelhante ao inicial, tendo porém desencadeado no decorrer do processo o
desenvolvimento interno.
Embora a Nova CEPAL reconheça que este é um esquema bastante simplificado,
sugere que esse esquema é fundamentado e permite visualizar as precondições de um ciclo
virtuoso de endividamento. Seriam estas: i) os fluxos de capital precisam dirigir-se ao
investimento agregado, e não ao consumo; ii) é preciso haver um compromisso interno com
o esforço de ampliação da taxa de poupança, que deve situar-se muito acima de sua média
histórica; iii) o investimento deve ser eficiente; iv) o investimento deve ser direcionado a
bens transacionáveis, de exportação e substitutos de importação, a fim de gerar um saldo
comercial positivo e acumular divisas internacionais; e v) é preciso que os investimentos
externos sejam estáveis e contínuos, e, portanto, é preciso que os investidores
internacionais sejam pacientes, especialmente na fase I do ciclo.
Carcanholo (2006) chama a atenção, porém, para a existência de outros dois
pressupostos não evidenciados pela CEPAL. Assim, ter-se-ia que: vi) para que tenha
validade a dinâmica acima sugerida é fundamental que as taxas de juros que corrigem a
74
O balanço comercial seria necessariamente deficitário durante esse período, como se pode deduzir pela
identidade contábil seguinte: Y = C+I+(X-M) => Y-C = I+(X-M) => S-I = X-M.
73
dívida sejam estáveis. Uma elevação dessas taxas, determinadas em última instância
sempre internacionalmente, promoveria um aumento da dívida externa e, em uma situação
extrema, poderia ser responsável por até mesmo inviabilizar seu pagamento. E, vii) quando
os fluxos de capital entram na forma de investimento direto (o chamado IDE) seria preciso
haver algum tipo de controle sobre as remessas de lucros e dividendos ao exterior. Caso
isso não aconteça o ingresso positivo de recursos pode facilmente, a médio-prazo, tornar-se
74
públicas para eliminar/minimizar os efeitos negativos das reformas e potencializar os
ganhos dali advindos.
Como se procurou expor, o neoestruturalismo cepalino desde o seu advento
entendia que era diferente do neoliberalismo, não obstante sua posição “pró-mercado”,
porque dava à ação pública a função de gerenciar o mercado. Mas compartilhava com
aquele a crença no desenvolvimento “via mercado” e por isso tendia a apoiar as mesmas
reformas. Exatamente por isso, os novo-cepalinos tenderam a apoiar a “nova onda” de
reformas, além de sugerir a necessidade reformar as reformas já realizadas.
75
O diagnóstico novo-cepalino acerca da área financeira é ilustrativo da posição
assumida pela instituição. Como se mostrou acima, a abertura e desregulamentação
financeiras eram parte integrante da estratégia novo-cepalina, que pretendia com isso
aceder o fluxo voluntário de capitais externos, permitindo o financiamento da
transformação produtiva. A seqüência de crises financeiras nos ditos “países emergentes”,
que teve início no México ainda em meados dos 1990, provocou um intenso movimento de
crítica à forma demasiadamente rápida com que se teria implementado essas reformas, bem
como à atuação do Fundo Monetário Internacional nesses episódios. Mesmo após as crises,
a Nova CEPAL não retrocedeu em sua posição, continuou a defender a abertura financeira,
embora sugerisse que essa deveria ser feita gradualmente e adequadamente administrada,
dado que se reconheceriam as falhas a que estão sujeitos os mercados financeiros e a
volatilidade de capitais especulativos ali operantes.
76
Sem nenhum prejuízo a seu arcabouço analítico, ganhou contornos de destaque a
proposta de adoção de medidas tópicas e temporárias de regulação financeira e até de
controle de capitais. Sem nenhum prejuízo, pois na idéia geral de sua estratégia se encontra
assinalado que os fluxos de capital que importam são aqueles voltados ao investimento
75
Como põe Ocampo (1998) “it is argued here that after the advances made through the structural reforms in
the areas of macroeconomic stability, external openness and rationalization of the State, a second wave of
reforms is now called for. These reforms cannot be limited merely to greater liberalization of the markets,
however, but must pragmatically seek a mutual relationship between the State and the market which will
make it possible to develop such a broad agenda. In
75
produtivo com prazos mais longos. Assim, medidas que visassem incentivar a entrada de
investimentos com esse perfil, sem romper contratos estabelecidos ou afetar distorcer os
preços relativos da economia em questão, seriam bem-vindas – incluindo controles de
capital, desde que esses se aplicassem somente à entrada de capital (e não à saída) e que
fossem qualitativos ao invés de quantitativos. Essas medidas seriam apoiadas como uma
reorientação da reforma que promoveu a liberalização financeira, sem contudo questionar a
reforma em si, ou seja, desde que não tivesse por fim retroceder no grau de abertura
financeira.
Em suma, a posição da CEPAL no contexto da implementação das políticas
neoliberais na América Latina foi de contemporizar, defender as reformas, mas não o modo
como foram implementadas, concordar que o mercado deveria ser o responsável pela
alocação dos recursos e pela promoção do bem-estar, mas sugerir que esse deveria regulado
e guiado pela ação pública.
De fato, entender especificamente como mercado e Estado deveriam, dentro da
estratégia novo-cepalina, se comportar de modo a garantir a otimização do bem-estar social
é o objeto da próxima seção.
2.3 A estratégia da Nova CEPAL e a teoria do bem-estar social
Desde o início da história cepalina figura entre seus objetivos mitigar a pobreza e a
desigualdade social, bem como os demais fenômenos destes correlatos (fome, falta de
habitação e favelização, violência urbana, marginalidade etc.). Em certo sentido, é até
mesmo possível dizer que esse foi, durante o período clássico da instituição, um de seus
principais fins, já que toda essa gama de “problemas sociais” fazia parte da caracterização
do “subdesenvolvimento”. Contudo, a forma de tratamento dada ao tema não foi uniforme.
Como não poderia deixar ser, a mudança de fundo ocorrida dentro da CEPAL nas últimas
décadas se refletiu diretamente no tratamento dado a tais questões.
Em dia com sua avaliação acerca da mudança ocorrida na economia mundial, os
neoestruturalistas forjaram outro entendimento das origens dos problemas sociais e,
76
principalmente, outro entendimento acerca do caráter de qualquer intervenção orientada a
resolvê-los. Manteve-se das análises primeiras da instituição que a história latino-
americana, desde a colonização, explicava a conformação de economias marcadas pela
heterogeneidade estrutural com todas as suas conseqüências em termos de “atraso social”.
Acrescentou-se, porém, os novos elementos da Economia do bem-estar, conduzindo sua
análise em direção a um crescente individualismo e, em conseqüência, a um diagnóstico no
qual a ênfase migra para as oportunidades e para insuficiência de capital humano
individuais. Como posto por seu secretário executivo na apresentação de um recente
documento da CEPAL:
Desde comienzos de los años noventa, la CEPAL viene proponiendo un nuevo
marco paradigmático del desarrollo, adecuado a un mundo globalizado de
economías abiertas. Dicho marco, al tiempo que mantiene la vocación secular de
la institución, buscando generar sinergias positivas entre crecimiento económico
y equidad social en el contexto de la modernización productiva, destaca la
importancia de aumentar la competitividad, y velar por los equilibrios
macroeconómicos y por el fortalecimiento de la democracia política participativa
e inclusiva. La idea central es que el desarrollo de las economías latinoamericanas
y caribeñas requiere de una transformación de las estructuras productivas, que
vaya acompañada de un proceso intenso de formación de capital humano.
Desde la perspectiva social, se ha puesto especial énfasis en promover una mayor
igualdad de oportunidades por la vía de la educación y sus beneficios para las
familias pobres, en abordar y revertir las dinámicas excluyentes de mercados de
trabajo caracterizados por la heterogeneidad estructural, en la redistribución de
activos por la vía del gasto social y en la promoción del pleno ejercicio de la
ciudadanía, fortaleciendo así la democracia pero también sentando las bases
políticas para la consolidación de sociedades más incluyentes. (Machinea, 2006,
p.120)
Essa nova visão, desenvolvida pela Nova CEPAL, tem como característica um claro
sentido holístico no que tange à superação das “deficiências” econômicas e sociais latino-
americanas. Em termos de política pública, isso significa que cada uma das ações propostas
dá, além de sua contribuição direta em um fim específico, uma contribuição indireta para o
funcionamento do todo. Tudo ocorrendo de acordo com as expectativas cepalinas,
transformação produtiva e eqüidade correriam juntas: o crescimento econômico calcado na
transformação produtiva, o desenvolvimento desde dentro, como chamou Sunkel (1991),
traria por si só uma tendência à queda para pobreza e distribuição de renda.
77
77
Essa perspectiva é tratada com mais detalhes pouco à frente. Desde se explica, no entanto: a primeira
forma de aparição da preocupação social no pensamento novo-cepalino é dada, sem dúvida alguma, pelo puro
desenvolvimento gerado no contexto de transformação produtiva e não porque o crescimento econômico
77
A preocupação novo-cepalina com o avanço social não se restringe ao efeito
“automático” da transformação produtiva, contudo. A história da América Latina ensinou
aos neoestruturalistas que o crescimento econômico por si só não fornecia garantias de
alívio das “mazelas” sociais. Essa história mostrava, ao contrário, que a pobreza e a
desigualdade da região respondiam a vários fatores diferentes, nem sempre sensíveis ao
crescimento econômico e que, por isso, sua erradicação poderia levar um período de tempo
extenso.
Para responder a suas indagações sobre a natureza dos problemas sociais latino-
americanos, a Nova CEPAL recorreu a diversas fontes e definições. O argumento da
instituição era que a complexidade do fenômeno inviabilizava definições mais simplistas.
De acordo com essa visão, a pobreza deve ser apreendida como um fenômeno
multidimensional, cujas causas encontram-se arraigadas em diversos planos, e não apenas
no econômico, e cujas conseqüências vão igualmente além desse plano. De fato, mesmo a
definição mais usual nos estudos sobre o tema, pela qual se considera a “situação de
pobreza” a insuficiência de renda para adquirir os bens elementares, foi relegada nessa
perspectiva à condição de ser apenas um aspecto do fenômeno:
Vivir en la pobreza no consiste únicamente en no contar con los ingresos
necesarios para tener acceso al consumo de bienes y servicios imprescindibles
para cubrir las necesidades básicas; ser pobre es también padecer la exclusión
social, que impide una participación plena en la sociedad y merma la exigibilidad
de los derechos. Por lo tanto, la pobreza adquiere un carácter multidimensional en
términos de sus causas, consecuencias y manifestaciones”.
78
(CEPAL, 2006b, p.
150)
é, em si, um dos indicadores de bem-estar: por um lado, o simples abandono da concorrência “espúria”
contribuiria para o estancamento (ou ao menos para a diminuição) da tendência à queda dos salários na
América Latina; por outro lado, ao menos em tese, o novo padrão de concorrência “virtuosa” permitiria criar
uma inclinação redistributiva na economia, com a produtividade em ascensão e com o crescimento
econômico, daí resultante, se transformando em queda do desemprego.
78
78
Para o pensamento cepalino, o aspecto mais essencialmente novo dessa definição é
que se passa a entender o caráter dos problemas sociais de um modo menos estático. Mais
do que a insuficiência de renda dos indivíduos pobres, essa visão enfatiza sua incapacidade
de gerar renda. Esse problema poderia ser entendido como um problema de ausência ou
distribuição de capital, ou melhor, de capitais, pois, para incorporar a
“multidimensionalidade” do problema em seu arcabouço analítico, passam a ser
considerados vários tipos de capital: “físico”, monetário, humano, social e simbólico.
79
Os
três primeiros são mais conhecidos, designando, respectivamente, as máquinas e
equipamentos (usando um conceito estranho aos cepalinos, os meios de produção), o
dinheiro e a produtividade do trabalho de uma pessoa qualquer. Já os capitais social e
simbólico procuram capturar oportunidades geradas por aspectos que transcendam a
materialidade, como a capacidade dos indivíduos de se beneficiar de redes de contatos, para
adquirir informações relevantes, influência política etc., enfim qualquer “bem simbólico”
que permita ao indivíduo melhorar sua inserção social ou sua renda (monetária ou não).
Ora, perceba-se desde que essa perspectiva é rigorosamente igual àquela
defendida no âmbito da Economia ortodoxa e endossada pelo neoliberalismo. Nessa ótica,
como naquela, a pobreza é definida pela ausência de capacidades dos indivíduos e sua
solução é dada pelo aumento das oportunidades (e pela capacitação para que o indivíduo
possa desfrutar efetivamente essas oportunidades). Alterar a “distribuição de capital”, como
posto pela Nova CEPAL, em nada difere de “redistribuir ativos-chave”, como posto pelos
neoliberais. Não por um acaso, como se pode verificar em CEPAL (2006), Amartya Sen e
seu “enfoque das capacidades” é uma referência para os neoestruturalistas tanto quanto é
para o Banco Mundial, por exemplo.
Desse modo, por não possuir um estoque relevante de qualquer tipo de capital, o
indivíduo pobre nunca desfrutaria das mesmas oportunidades do indivíduo “não-pobre”.
Ainda mais grave, no entanto, seria que essa ausência de capital, relativa ou absoluta,
79
Portanto, sublinhe-se, capital é entendido como um bem qualquer capaz de conferir a seu portador um
fluxo de renda. Dentro da famosa controvérsia teórica que existiu na ciência econômica, a Nova CEPAL
posiciona-se ao lado da teoria convencional, para quem capital não é mais do que a recompensa pela
abstinência que dá a seu portador um direito sobre a produção futura.
79
tenderia se perpetuar de uma geração a outra, conformando sociedades cada vez mais
iníquas e “círculos viciosos de pobreza”.
80
Entendidos os problemas sociais dessa forma, a questão fundamental que se coloca
para a Nova CEPAL é como seria possível prover oportunidades para os pobres e desfazer
de modo permanente os “círculos viciosos de pobreza”. A resposta não poderia se limitar a
políticas de transferência de renda, que atacam a pobreza como uma situação estática e não
como um problema dinâmico. Em síntese:
Cuando la pobreza se analiza más como proceso que como situación, se hace
necesario que las políticas públicas aborden sus factores de reproducción o las
causas que la perpetúan de una generación a otra, como las oportunidades
educacionales y de capacitación, la localización geográfica, el acceso a la
propiedad y al capital social y simbólico; atiendan las consecuencias de la
pobreza, medidas como pérdida de oportunidades productivas, de bienestar
individual, de cohesión social, de ampliación de los mercados de consumo y
servicios, y por la perpetuación de la inequidad, y se orienten a modificar las
condiciones estructurales que determinan tanto la incidencia de la pobreza como
sus manifestaciones, entre otras la estabilidad macroeconómica, los flujos
financieros, la heterogeneidad productiva, la evolución del empleo y los
mecanismos distributivos. (CEPAL, 2006b, p. 153)
Em termos de política, para interromper a transferência intergeracional dos
problemas sociais seriam necessárias inúmeras transformações nas estruturas econômicas e
sociais latino-americanas. A mudança estrutural necessária para eliminar o atraso social,
que na “velha” CEPAL aparecia como resultado de um esforço industrializante, aparece
agora na Nova CEPAL como “transformação produtiva com eqüidade”.
Para organizar a elaboração de políticas nesse sentido, a Nova CEPAL procurou
desenvolver um enfoque integrado de políticas econômicas e sociais, segundo o qual a
formulação de ambas deveria respeitar uma base comum que aproveitasse a existência de
sinergias e impedisse que uma se tornasse obstáculo à outra.
81
A instituição percebeu que a
80
“Se configura, pues, un círculo vicioso de reproducción de la pobreza, ya que son los jóvenes nacidos en
hogares pobres quienes tienen menos acceso a mercados y a activos que les permitirían superar la pobreza”.
CEPAL (2006b, p. 23).
81
Como posto em CEPAL (1992): “Sin embargo, hay motivos para suponer que la política económica admite
amplias combinaciones, algunas de las cuales pueden tener efectos distributivos regresivos de gran magnitud
(por ejemplo, si generan alto desempleo o subempleo), que con frecuencia superan los efectos distributivos
progresivos de la política social. De ahí que no pueda generarse crecimiento con equidad sin que ambos
constituyan objetivos tanto de la política económica como de la política social. Es este enfoque integrado el
que se adopta en el presente documento. Implica, por una parte, preferir aquellas políticas económicas que
80
separação entre o objeto das políticas econômicas e o objeto das políticas sociais nunca
poderia ser completa, e que inevitavelmente a instauração de um tipo de política econômica
afetaria e condicionaria também o sucesso de políticas sociais (e vice-versa).
O elemento central desse enfoque seria a interação virtuosa que se entende existir
entre o estímulo à produção e ao aumento da produtividade das empresas, de um lado, e a
redução das mazelas sociais, de outro. Desse modo, por um lado, todo o receituário de
políticas e reformas econômicas teria um importante efeito social: o compromisso com a
garantia de um ambiente macroeconômico estável, favorável aos investimentos, serve
também como instrumento disciplinador do Estado, o que teria efeitos positivos na medida
em que a inflação é tida como um fenômeno concentrador de renda (dada a menor
capacidade dos pobres de se protegerem de seus efeitos nocivos); conduz à substituição do
padrão de concorrência espúria pelo padrão de concorrência virtuosa entre as empresas,
reduzindo a heterogeneidade estrutural e a tendência à queda dos salários; permite o
crescimento econômico e a subseqüente redução do desemprego, estimulando ainda que
esse se apoiado sobre atividades produtivas e de maior conteúdo tecnológico, levando
assim a remunerações mais elevadas do que as hoje existentes.
82
Por outro lado, em
conformidade com a idéia de integração de políticas, políticas sociais que se destinassem a
efetivamente alterar as estruturas de reprodução dos problemas sociais seriam vistas com
bons olhos, desde que não gerassem pressão em demasia sobre o gasto público.
Essas políticas sociais deveriam se orientar pela promoção da eqüidade em termos
de oportunidade. Como se procurou evidenciar anteriormente, a forma proposta para lograr
tal resultado é o estímulo à acumulação de capital em suas mais diversas formas, mas,
sobretudo, o estímulo à acumulação de capital humano, tido como ponto essencial não
das políticas sociais, mas de toda a estratégia novo-cepalina.
Com efeito, pode-se dizer que a Nova CEPAL aderiu ao amplo consenso que à
educação (formal ou não) um status diferenciado com relação aos demais serviços sociais e
favorecen no sólo el crecimiento, sino también la equidad, y, por otra, destacar en la política social el efecto
productivo y de eficiencia, y no sólo de equidad”.
82
De fato, por mais que se admita que o setor terciário informal é atualmente o responsável pela maior parte
dos empregos criados, a Nova CEPAL sugere que não seria possível apoiar políticas de emprego nesse setor,
em virtude de sua tendência natural à concorrência espúria.
81
a coloca como principal meio para a redução da iniqüidade. Do ponto de vista do indivíduo
pobre, o investimento em educação é tido como o meio mais eficiente de aumentar sua
“empregabilidade” (ou, mais genericamente, suas oportunidades de deixar a pobreza)
83
e,
ao mesmo tempo, sua remuneração, na medida em que eleva sua produtividade. Do ponto
de vista do desenvolvimento nacional, considera-se que esse investimento tem custos
sociais, uma vez que significa empenho de recursos e despesa para o Estado, mas que esses
são superados por seus benefícios: a mudança de padrão tecnológico, proposta pela
instituição, acarretaria a necessidade de novos tipos de empresa e de trabalhador – este mais
apto a um trabalho mais qualificado, aquela mais inclinada à venda de bens ou serviços
intensivos em conhecimento; fora a dimensão econômica, a educação seria tida como um
direito universal e um instrumento da cidadania. Em síntese, “A reforma do sistema de
produção e difusão do conhecimento”, que se pode gerar por meio do investimento em
educação nos países subdesenvolvidos, “é um instrumento crucial para enfrentar o desafio
tanto no plano interno, que é a cidadania, quanto no plano externo, que é a
competitividade”. (CEPAL/UNESCO, p. 914, 2000)
Também os demais tipos de capital mencionados desempenhariam seu papel. O
estímulo ao desenvolvimento do capital social, por exemplo, seria elemento extremamente
positivo para a formação das articulações produtivas desejadas pela CEPAL, ao mesmo
tempo em que poderia ser um instrumento de grande eficácia para o combate da pobreza
rural.
84
Políticas de concessão de crédito a preços subsidiados para população de baixa
renda, como forma de dar acesso ao capital e, assim, a oportunidades de investimento,
seriam outro exemplo de política com impactos econômicos e sociais positivos. Assim,
para cada insuficiência estrutural latino-americana se poderia pensar em pelo menos um
tipo de política de combate.
Para os fins do presente trabalho, mais importante do que a tentativa de uma
descrição precisa de todas as possibilidades de política são algumas observações de caráter
83
“Juntamente com baixos níveis de renda, as famílias pobres apresentam um nível insuficiente de capital
humano em matéria de nutrição, saúde e educação, entre outros aspectos, o que afeta as possibilidades futuras
dos mais jovens e atenta contra a igualdade de oportunidades”. (CEPAL, 2006, p. 44)
84
Para maiores detalhes sobre a elaboração de política com base no estímulo ao capital social ver Atria et alli
(2003).
82
mais geral.
85
Em primeiro, que se observar que o objetivo de se concentrar nos
mecanismos de transmissão intergeracional dos problemas sociais levou a instituição a
propor, ainda que nem sempre explicitamente, dar maior relevo àquelas políticas que se
voltassem às parcelas jovens da população.
86
Nesse sentido, explicam os cepalinos, “El
encadenamiento entre efectos de corto plazo en materia de incremento de los ingresos
familiares y efectos de largo plazo en materia de desarrollo del capital humano de niños y
jóvenes con mayores rezagos relativos constituye la clave para avanzar, desde las políticas
y los programas sociales, en la superación de la pobreza”. (CEPAL, 2006b, p. 149) Isto é,
uma vez que a falta de oportunidade dos jovens é o principal mecanismo de perpetuação da
pobreza, sua eliminação seria certamente uma prioridade. Em segundo, tem-se que uma
parte dessas políticas sociais têm um caráter marcadamente extra-econômico. Assim seria
com o caso de políticas a fim de resolver preconceitos de diversas naturezas (gênero,
raça/etnia, cultura etc.) que podem obstar a equalização de oportunidade mesmo em um
contexto de resto positivo.
Entretanto, não é possível ignorar os problemas contidos em delegar exclusivamente
às medidas estruturais o esforço de combate aos problemas sociais especialmente em
vista de problemas emergenciais como fome, indigência (pobreza extrema) etc. Além de
existir um necessário lapso de tempo entre a adoção das medidas estruturais e seus
resultados, a própria adoção de certas políticas e reformas econômicas poderia ter efeitos
perversos no curto-prazo. A admissão desse tipo de problema levou os novo-cepalinos a
constituir princípios para elaboração e avaliação de políticas sociais conjunturais ou
compensatórias.
87
Essas medidas teriam ainda por função contribuir para a legitimação das
85
Vale dizer, qualquer descrição mais precisa esbarraria ainda na limitação de que a própria CEPAL mantém
certo grau de generalidade na maioria de seus documentos. A motivação para isso são as diferenças que
precisam ser consideradas na formulação concreta de políticas para cada um dos países da região.
86
Um bom exemplo da ênfase encontra-se no Panorama Social da América Latina 2004, cuja agenda política
procura dar voz exatamente às políticas voltadas para a juventude. Ver CEPAL (2004).
87
Como se pretende mostra mais a frente, a preocupação com políticas conjunturaisganhou um tratamento
mais elaborado no fim dos anos 1990. Sem embargo, já nas formulações novo-cepalinas iniciais, encontrava-
se indicada essa proposta: “O imperativo da eqüidade exige que a transformação produtiva seja acompanhada
por medidas redistributivas. Por mais intenso que se revele o esforço de transformação, seguramente
transcorrerá um período prolongado antes que se possa superar a heterogeneidade estrutural através da
incorporação do conjunto dos setores marginalizados nas atividades de produtividade crescente. Por isso, será
necessário pensar em medidas redistributivas complementares [...]”. (CEPAL, 2000, p. 896)
83
políticas de longo-prazo, nem sempre populares, mas supostamente necessárias para
restabelecer o desenvolvimento.
88
Concretamente, pode-se, com base na sumarização de Ricardo Ffrench-Davis (2004,
p. 246-249), elencar três fatores determinantes para o combate de curto-prazo dos
problemas sociais na concepção neoestruturalista.
89
Seriam eles: o desemprego, tanto o
causado pelos ciclos econômicos e choques externos, quanto aquele que decorre de
problemas institucionais (de regulamentação, por exemplo); o ambiente macroeconômico,
por sua importância para manter a economia funcionando de modo estável no curto-prazo e
para que o Estado possa, assim, formular e implementar uma estratégia de prazo mais
longo; e o gasto social, por seu potencial em amenizar a pobreza e mesmo de desconcentrar
renda, se financiado de modo adequado.
Antes de tecer qualquer comentário aprofundado sobre a formulação dessas
políticas compensatórias é válido observar: considerar “desemprego” e gasto social”
variáveis de influência conjuntural desvela uma percepção segundo a qual no longo-prazo
os problemas sociais praticamente não se colocam ou ao menos, não como alvo da ação
pública. Isso evidencia uma semelhança entre essa perspectiva e a neoliberal, na medida em
que ambas crêem que os problemas sociais são, essencialmente, apenas deturpações do
modo de ser correto da economia. Assim, no longo-prazo (quando controle sobre todas
as variáveis econômicas) não razão para que subsistam tais problemas. Evidencia ainda
que, no caso dos países latino-americanos, pobreza e desigualdade são consideradas apenas
reflexos de seus problemas estruturais, problemas de sua inteira responsabilidade, portanto.
Voltando aos determinantes conjunturais da pobreza, pode-se dizer que o ambiente
macroeconômico seria, das três a variáveis mencionadas, aquela cuja influência é mais
88
Com relação à questão da legitimação, vale lembrar que a própria instituição considera que a “coesão
social” impõe os limites para qualquer tipo de política econômica e de desenvolvimento. Como posto em
CEPAL (1992): “así como la equidad no puede alcanzarse en ausencia de un crecimiento sólido y sostenido,
el crecimiento exige un grado razonable de estabilidad sociopolítica, y ésta implica, a su vez, cumplir con
ciertos requisitos mínimos de equidad”.
89
Para Ffrench-Davis (op. cit.) existem cinco determinantes dos problemas sociais, considerando
especificamente o caso chileno. Aos três mencionados, o autor acrescenta outros dois, cuja natureza seria
estrutural: o número de anos de escolaridade, mais ou menos uma proxy para o capital humano; e os
84
indireta. Seu efeito sobre os fenômenos estudados se daria primordialmente na medida em
que afetasse a taxa de emprego da economia, embora influísse indiretamente em toda a
estrutura econômica e, logo, também nos determinantes estruturais da iniqüidade.
90
O segundo fato, a redução do desemprego já é, em si, um dos canais de transmissão
que liga políticas econômicas e conseqüências sociais, como se viu. A avaliação
neoestruturalista é que o emprego, enquanto única fonte de renda da maioria da população,
seria uma das mais importantes armas de combate à desigualdade de oportunidades, na
medida em que se este se baseasse em um crescimento econômico sustentado. Este
incremento estrutural do emprego seria, destarte, função das políticas de incentivo à
produção, à produtividade (incorporação tecnológica), à capacitação da mão de obra, e de
reformas institucionais que lhe conferissem a adequação à forma de ser do “emprego
moderno” – fundamentalmente através da reforma do mercado de trabalho, com vistas a sua
flexibilização. Com relação a este, convém observar sua importância, sobretudo nos tempos
vividos de “globalização”:
A recente fase da globalização gerou também a demanda de sistemas trabalhistas
mais flexíveis, já que a reestruturação dos modos de organização do processo
produtivo impulsionou o surgimento de vínculos trabalhistas heterogêneos. Neste
85
preocupações inerentes à formulação de políticas desse tipo seriam: o respeito ao fato de
que essas devem ser temporárias, ou seja, dar aos beneficiados um tempo máximo para a
permanência no programa; e possibilitar aos beneficiados acesso à capacitação, para
aumentar sua chance de não voltar ao desemprego uma vez fora do programa.
Por fim, dentro do gasto social existem as já mencionadas políticas de cunho
estrutural e, outrossim, um sem-número de outras políticas compensatórias. De modo geral,
a primeira sugestão novo-cepalina era que esse gasto fosse crescentemente descentralizado,
de modo a permitir uma alocação e um controle mais efetivo da destinação dos recursos.
Concretamente, o ideal seria dar preferência às políticas mais capazes de articular
benefícios estruturais e conjunturais, ou seja, àquelas que favorecessem a criação de
oportunidades capazes de transcender o curto-prazo. Um modo de fazer isso seria através
de políticas que exigissem contrapartidas dos beneficiários, em termos de qualificação ou
alimentação, por exemplo. Ademais, a rubrica “gastos sociais” do Estado abrange a
prestação dos serviços sociais. Com relação a esses, a Nova CEPAL defende que haja uma
preocupação em fazê-los funcionar de maneira mais eficiente. Como explica o ex-secretário
executivo da instituição José Antonio Ocampo, para lograr essa eficiência seria mister
racionalizar a utilização dos recursos públicos e permitir a exploração privada do setor,
conformando ali algo entre o mercado e o Estado, os “quase-mercados”:
92
Los debates sobre los servt
86
Note-se que, como exposto na última seção, esta formulação segue exatamente o
projeto neoestruturalista de procurar se situar entre estruturalismo e neoliberalismo, entre a
defesa do Estado e a defesa do mercado. A formação de “quase-mercados” visaria aumentar
a qualidade dos serviços prestados, ao mesmo tempo em que diminui seus custos para a
sociedade (ineficiência) e para o Estado.
De fato, no arcabouço novo-cepalino a preocupação com gastos/financiamento do
Estado e com falhas próprias a atuação deste, as ditas “falhas de Estado”, seriam
preocupação sempre presente, motivo pelo qual seus princípios para orientação de políticas
sociais sugeriam a focalização destas nos indivíduos mais pobres.
93
A focalização unificaria
a melhor gestão dos escassos recursos públicos, em uma mão, e a menor geração de
“ineficiência”, em outra.
A despeito de sua proposta de focalização das políticas sociais, promulgada desde o
início dos anos 10.976(d)-0.10.4973(()25.64 Td.556 54-0.956417(s)-1.7465( -0.956417(s)-1.7465( )-30.53689(s30.5356(p))3.15789(i)i956417(u)-0.956417(t-0.9564177a)3.15789( )-30.5368(d)-0.9564177a)-0.956417(-)2.3678(30.5368(p-0.956417(s)-1.7465(t)-2.59564177ae)3.15789(s)-1.7465(m)3.15789( )-240.939(m)-3.493(e)-0.956417(s)-1.7465(t)-2.59564175s)-1.7465( -0.9564177(Ce)3.1579062.956417( )3.15789( )-P)-5.0708( .68 Tm[( )L)19.871( -0.9564177()-1.7465( )-30.5368(p)c)3.15911(a)3.15789(s)-1.7465(s)u-1.7465(t)-2.59564177a -0.9564177(3.15789( )-0.478208(d)-056417(b)-0.956417-10.4986(i)-2.53658(n)-0e.956417( )-120.778 -0.9564177(q)3.16033(s)u)3.16033(s)-1.7465(d)-0.9564177ade icv3.15789(i)-2.53597(n)76 Td[(p)0.956417(i)-2.53658(c)3.15789(a)3.15789(l)-2.53597(i)-2.53597(d)-0.956417(a)3.15789(d)-0.980.823-0.956417( )-30.5368(d)-0.956417(a)3980.823- pleifsca”st falno-0.958863(s)-1.780.824m do arpl120.709(c)]TJ268.593.956417(o)-0.980.824m sociais p pari -1.7465(p)s ic
87
[...] a seletividade e a focalização bem entendidas não contradizem o caráter
universal dos direitos sociais, mas todo o contrário: o um instrumento de
redistribuição que, levando em conta os recursos disponíveis para repartição,
apontam para a titularidade de um direito social por parte daqueles que se vêem
mais privados de seu exercício. Isso, entretanto, não pode justificar uma política
em virtude da qual o Estado somente proporcione serviços ou benefícios aos
pobres, dado que esse corolário contradiz abertamente o caráter universal dos
direitos sociais. (CEPAL, 2006, p. 14)
Mas se universalização supõe que os benefícios advindos de uma política qualquer
devam se estender a toda a sociedade, e a focalização, ao contrário, significa que as
políticas não devem afetar ninguém que não os mais necessitados, sob pena de criar
distorções na economia e desperdiçar recursos estatais, como conciliar as duas
perspectivas? O mais próximo que a Nova CEPAL chega de uma resposta a esta questão é
indicar que as políticas sociais deveriam ter uma “vocação universal”, ainda que
contingências do contexto de restrição fiscal não permitissem a essa vocação se expressar
plenamente, obrigando o Estado a adotar políticas focalizadas que priorizassem, assim, a
universalização dos direitos sociais:
a fin de expandir la titularidad efectiva de derechos a quienes menos pueden
ejercerla y ante una situación de recursos escasos, es una opción válida aplicar
criterios de selectividad que favorezcan a los grupos de menores recursos. En este
contexto, la focalización responde al doble propósito de elevar al máximo el
efecto de los recursos empleados y beneficiar a quienes se encuentran en
condiciones más precarias o vulnerables. Por lo tanto, no contradice el carácter
universal de los derechos sociales, ya que apunta a extender la titularidad de un
derecho a quienes más se ven privados de su ejercicio. (CEPAL, 2006b, p. 154-
155)
Em outras palavras, a focalização preservaria a noção de “universalização dos
direitos sociais” na medida em que garantisse o acesso aos serviços sociais somente aos
desassistidos, àqueles que de outro modo não poderiam pagar por eles. Na perspectiva
divulgada pela Nova CEPAL, seria possível com isso unir os princípios que se deveria ter
como norte na formulação de políticas sociais: universalidade, eficiência e solidariedade.
Enquanto a combinação de políticas universais e focalizadas garantiria os dois primeiros
elementos, o financiamento do gasto social, fundado numa aceitação da eqüidade como um
“bem” por parte da sociedade, garantiria o terceiro.
94
Nesse sentido, a “solidariedade” não
94
Guarda-se ao próximo capítulo a incursão crítica acerca da proposta cepalina. Chama-se a atenção desde já,
porém, ao conteúdo retórico dessa proposta. Se a “vocação universal” é de fato obstada somente pela ausência
de recursos no montante necessário, como manter o argumento segundo o qual a focalização seria responsável
pela garantia de eficiência? Necessariamente haveria que se admitir que a “contingência” da restrição fiscal é
uma situação permanente, ou escolher qual das duas, focalização ou universalização, seria a preferida, caso
88
seria tão somente um sinônimo para a caridade provida pela sociedade civil, mas sim um
“pacto social” no qual a população delegaria ao Estado o dever de (e os recursos para)
prover igualdade de oportunidades aos indivíduos.
Portanto, sistematizando o modo como a Nova CEPAL pretende implementar as
políticas sociais, tem-se que sua sugestão não difere daquela propalada desde a ótica
neoliberal: se volta à defesa da descentralização, privatização (camuflada pela formação de
parcerias, os quase-mercados) e focalização (ainda que idealmente se quisesse uma
“vocação universal”).
No entanto, a relativa mudança no discurso cepalino, em direção à retórica da
universalização, permite ainda discutir algo até aqui não dito. Embora a estratégia cepalina
de aumento do bem-estar tenha sido aqui exposta em seu todo, procurando evidenciar a
cada passo as conexões existentes entre elas, a maioria das idéias apresentada nesta seção
foi desenvolvida ao longo de vários anos, desde a publicação de TPE até o mais recente
documento institucional cepalino, preparado para o período de seções de 2006. (CEPAL,
2006b) Esse tipo de apresentação é possível porque existe ao longo de todo o período total
coerência entre as idéias defendidas. Não obstante, é possível identificar dois ciclos dentro
do pensamento novo-cepalino sobre bem-estar.
O primeiro ciclo, que durou mais ou menos até o fim da década de 1990, enfatizava
os efeitos indiretos da transformação produtiva no combate à pobreza, via aumento do
emprego, da produtividade etc., e procurava sublinhar, acima de tudo, o investimento em
capital humano. De fato, diversos autores consideram que pelo menos até o final da década
as temáticas relacionadas ao bem-estar continuavam em grande medida meramente
subordinadas à realização da transformação produtiva como põe Héctor Assael (1998):
“Además de lo ya señalado sobre la primacía de los aspectos económicos y productivos en
todo el libro, son más bien escasas las oportunidades en que la equidad y los desafíos
sociales son reconocidos y enfrentados de manera completa y preferente”. Não é por outro
motivo que para Bielschowsky (2000, p. 67) a intenção expressa pela agenda da TPE
ainda não se refletiu em avanços suficientes na reflexão cepalina sobre o tema da
vencidas as adversidades financeiras. Neste caso, o que seria preferível focalizar recursos e garantir eficiência
econômica ou a universalizar as políticas sociais e incorrer em sua “ineficiência”?
89
eqüidade”. Até mesmo a questão da pobreza foi algo que teve durante esse período pouca
atenção, pois seu tratamento era secundário em relação à eqüidade, um pouco em dia com a
perspectiva posta por Assael (op. cit.), segundo a qual se aceitava, ainda que tacitamente,
que “con el crecimiento sostenido del ingreso por persona de un país, necesariamente [sic]
se reducen progresivamente los niveles de pobreza”.
Foi no segundo ciclo do pensamento novo-cepalino das questões sociais que a
instituição foi capaz de conceber o conceito de pobreza de maneira mais detalhada, como
aqui posto. A pobreza, conceituada em torno das oportunidades dos indivíduos, se tornava
perfeitamente compatível com o conceito de eqüidade, definida esta mesma como
igualdade de oportunidades. Com efeito, o segundo ciclo ficou marcado pela maior atenção
dada aos problemas sociais, pela elaboração de princípios mais detalhados de políticas
sociais, inclusive das compensatórias, e pelo destaque que ganhou a dimensão dos direitos
sociais, entendidos como a garantia de uma “cidadania econômica”.
Nessa mudança desempenham papéis centrais ao menos dois processos que
correram em paralelo. O primeiro, como não poderia deixar de ser, foi o próprio
agravamento da situação social latino-americana, que se deu a despeito, ou em virtude, das
reformas estruturais, implementadas aqui com vigor até então desconhecido. O segundo foi
o avanço das “conferências de cúpula” mundiais, organizadas pelas Nações Unidas ao
longo de toda a década.
O primeiro processo serviu para demonstrar à instituição que na prática, ainda que
fosse assumida a estratégia neoestruturalista, ter-se-ia que conviver com os “problemas
sociais” por um período de tempo não desprezível. O agravamento desses problemas levou
a Nova CEPAL até mesmo a questionar algumas das “reformas estruturais”, nem tanto com
relação a sua necessidade, mas ao menos no que toca a forma como foram implementadas
ou seus efeitos de curto-e3,at9(a)3.15AsG(5(t)-2.53658(9(a)3.15)5789( )-417(r)2.3680.4973(C)-4.28189(n)-0.900.67(dgr)2.3680.4973(C)-4.2813(p)-0.r)2.3678(e)]TJz272533 0 0 865(t)-2.53597(i)-2.5359724497(u1954392.3677(e3,)-0.1(D9(a)3.1603)-1.7465(m)-3.493(a)3.15544( )-411.264(c)556(d)-0.958863(a)3.78(-)2.3617(e3,)-0.1.15789(s)-1.7465(t)-0.1.0.9(o)-0.956417(r)2.3678(e)3.15789((a)3.160-70.6134(t)-ó17(i)-2.53658(ç)3.15789(ã)32.53658(n)-0.95887(r)-7.65133(e)3.15789((t)-0.1.(d)-10.9756(e)3.15919(m)-3.493(o)-0.956417TJ282.299 0 Td[(s)-1.7465( )-240.939(q)-0.95641(t)-0.1.(d)-10.97556417( )-411.264(d)-0.956417(e)-6.l)-0.479431( )(o)-0.956417(r)2.36789(m)-3.493(e)-6.c)3.15789(i)-2.53658(t)-2.53658(a)3.15544(m6.c)3.152(o)-0.956417(s)-1.a(a)3.15544(m6.c)3.15p-0.956417856417(r)2.15789(s)-1.-1.7465(e)3.15789((r)2.36842((s)-1.7465a)3.15789(v)-0.95702842.19789(o)-0.957028( )-60.593(a)3.15788(e)3.15789(s)-1.7465(t)-2.53536(r)2.36903(u))-1.7465( )-220.8995789u)-556( )-10.4986(d)-0.94]TJ257.291 0 Td[(i)-2.mene dt
90
flexibilização do mercado de trabalho, e consolidar instituições para desenvolver e
coordenar as políticas sociais.
96
o segundo processo acentuou as preocupações com os problemas e culminou na
formalização dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM), cujo compromisso
mor seria justamente minorar radicalmente as mazelas sociais.
97
Após a assinatura do
documento, em 2000, no qual 189 países se comprometeram a cumprir metas de
desenvolvimento, a CEPAL incorporou a preocupação sistemática com o acompanhamento
da evolução das metas propostas. Mais significativo que isso, porém, é que esse processo
evidenciou semelhanças entre a interpretação cepalina acerca dos problemas sociais e a
interpretação de outros organismos multilaterais. Tendo sido a elaboração do conceito de
pobreza cepalino posterior aos ODM, fica clara a influência da visão ali expressa sobre a
instituição, embora não seja menos significativo que esta concepção tenha se acomodado
perfeitamente ao ideário da Comissão.
De fato, um olhar mais atento mostra que mesmo antes de ser formalizada da
maneira dominante, após os ODM, a concepção de bem-estar novo-cepalina apresentava
com esta uma base comum. Dito de outra forma, o que se pretende ressaltar é que, mesmo
antes de organizar uma agenda política comum com outros organismos internacionais, a
Nova CEPAL assumiu uma perspectiva sustentada teoricamente nos argumentos ortodoxos,
nos quais a pobreza e as demais “mazelas” são consideras deturpações no modo “correto”
de funcionamento da economia. De modo específico, esses “problemas” poderiam advir de
“falhas” ou “insuficiências” de mercado, desigualdade de oportunidades, do baixo nível de
capital humano etc., mas de toda forma se ignora a possibilidade desses “problemas”
estarem diretamente ligados à ordem social presente. Dessa maneira, a adesão cepalina aos
ODM tenha sido obrigação da instituição enquanto órgão ligado às Nações Unidas, tenha
sido voluntária e consciente não significou ruptura alguma com a postura que vinha
adotando a CEPAL.
96
Para Machinea e Cruces (2006), a América Latina logrou, na década de 1990, criar instituições
responsáveis pela política econômica sólidas, estáveis e transparentes, enfim instituições “críveis”. Entretanto,
defendem os autores, as instituições encarregadas das políticas sociais não tiveram a mesma sorte.
97
Ver CEPAL (2000b; 2005).
91
Sumariamente, procurou-se ao longo deste capítulo descrever a estratégia novo-
cepalina de desenvolvimento e sua estratégia de desenvolvimento. Procurou-se mostrar que
a postura da CEPAL pós-1980 foi, em uma mão, contrapor-se à ideologia neoliberal e, em
outra, não obstá-la. Efetivamente, o neoestruturalismo escolheu deliberadamente constituir
uma estratégia de desenvolvimento que sintetizasse estruturalismo e neoliberalismo. O
resultado, em termos concretos, foi uma estratégia cujo caráter alternativo é, para dizer o
mínimo duvidoso como, acredita-se, ficou claro na concepção de bem-estar novo-
cepalina.
A seguir, na parte final do presente trabalho, pretende-se sistematizar as conclusões
sobre a análise da atuação da Nova CEPAL nesses tempos de neoliberalismo. Em
simultâneo, procura-se indicar caminhos para repensar o desenvolvimento latino-
americano.
92
N
OTAS
C
ONCLUSIVAS
Nos capítulos anteriores procurou-se descrever cuidadosamente duas perspectivas
93
I - Da CEPAL à Nova CEPAL: continuidade ou ruptura?
Como se procurou expor no Capítulo 2 deste trabalho, a avaliação neoestruturalista
da história cepalina sugere uma perfeita coerência em sua trajetória intelectual. Como
expresso por Ricardo Bielschowsky (2000), o pensamento da CEPAL mostraria sua coesão
através do método histórico-estruturalista e do continuado estudo sobre os problemas
econômicos e sociais da região. Ao mesmo tempo, as inegáveis mudanças de perspectiva da
instituição seriam consideradas a atualização daquele pensamento, a expressão da nova
realidade social latino-americana. Depreende-se, assim, do discurso novo-cepalino que o
pensamento da Comissão se manteve coeso no que havia de “essencial”, alterando-se tão
somente o que era contingente, o que, por assim dizer, era “historicamente datado”.
Se esse fosse realmente o caso, é forçoso dizer (ainda que a contragosto), a
contribuição cepalina teria por muito tempo sido superestimada na América Latina.
Trabalhar com um método histórico-estruturalista foi sem dúvida alguma um traço
importantíssimo da análise cepalina, que lhe permitiu chegar às conclusões novas sobre a
realidade latino-americana. Contudo, sem nenhum demérito à CEPAL, deve-se dizer que o
princípio indutivo, sobre o qual se apóia esta metodologia, não foi propriamente a maior
contribuição da instituição à ciência econômica – mesmo porque, embora fosse negada pela
ortodoxia, a indução fora utilizada em análises econômicas pelo menos desde o século
XIX, com a escola histórica alemã. Porém, mais do que isso: quase todos os economistas,
incluindo os neoestruturalistas, concordariam que a importância da análise cepalina
clássica, desenvolvida a partir de seus primeiros anos, não esteve ta17(o)-0.956417(s)-1.717(o)-0.956417(s)-1.717(o)-0.956417(s)-1..956417(o)-0.956417( )-3817656( )-70.6134(o)-0.956417(s)-1.7465( )(s)-1.7465(e)3.15789ãcd208( )-381.2[5( )-381.205(n)-0.956417(s)-1.7465( )(s)-1.7465(e)3.17(o)-0l3414(a)3.10l3414(a)3.13ó6,0417(s)-1.76417( 9f-0.953971(o)-0.956419f4p)-0.956417(a)3.15789(l)-0.4782.956417(s)-1.7465( )-281.015(p)-0.953863(a)3.160-100.671(a)pim465( )-281.015(p)-0.956(e)3.15789(s)-1.62721(a)piasedonclusõeest
94
nem poderia ser, de identificar coerência ou o de um discurso, pois a coerência não é
dada pelos temas abordados, mas pelo caráter de seu conteúdo. Com efeito, como se pode
apreender no Capítulo 1, o interesse pelos problemas relativos ao desenvolvimento
econômico de um país ou região não é sequer capaz definir se uma determinada estratégia é
progressista ou conservadora ou se ela é heterodoxa ou ortodoxa.
Desse modo, a análise mais cuidadosa de ambos os elementos que supostamente
denunciariam a continuidade do pensamento da CEPAL apontam para a necessidade de
examinar o comportamento da instituição em sua história. Para determinar se houve ou não
ruptura convém olhar novamente para a história cepalina.
A CEPAL conheceu seus dias de maior de maior distinção no pós-guerra com as
análises de Raúl Prebisch e Celso Furtado, para ficar apenas com dois autores
inquestionáveis do pensamento cepalino. Durante aquele período, a agência escreveu seu
nome na história fomentando uma postura marcada por: i) contrapor-se à teoria econômica
ortodoxa e questionar a lei das vantagens comparativas; ii) propor uma abordagem que
olhava o mundo sob o prisma de uma América Latina subdesenvolvida e que assim
identificou ali relações hierárquicas e, por vezes, antagônicas, levando a instituição a
cunhar a concepção que chamou de “sistema centro-periferia”, expressão que mais tarde se
tornou praticamente sinônimo do pensamento cepalino; iii) estimular, tanto com sua
produção científica quanto com sua prática política, a industrialização latino-americana e a
atuação estatal que daria respaldo a essa industrialização. Este foi o cleo do pensamento
clássico da CEPAL.
Observe-se agora a produção do período recente da CEPAL. Argumentando sobre a
insuficiência do estruturalismo em trabalhar questões de curto-prazo, sobre sua defesa
“ingênua” do Estado e atalhando que são “tempos de novos compromissos”, a Nova
CEPAL sugeriu mudanças significativas de arcabouço. O neoestruturalismo defende a
proposta política de conciliar estruturalismo do período clássico da CEPAL com o
neoliberalismo ora imperante.
No que toca à relação entre o neoestruturalismo e a Economia neoclássica, é
preciso, antes de tudo, observar que o estruturalismo mesmo nunca negou em absoluto a
teoria ortodoxa. Embora defendessem um método diverso, os estruturalistas preferiam a
95
cautela nessa comparação, não raro se apropriavam de conclusões oriundas daquelas
análises e, por vezes, raciocinavam eles mesmo por hipótese e dedução. Mesmo quando
elaborou a tese da deterioração dos termos de troca, Prebisch quis enfatizar que não se
tratava de falsear o arcabouço desenvolvido por David Ricardo, mas de propor um método
mais adequado às condições econômicas da periferia. Sugeriu, concordando com Keynes,
que o arcabouço neoclássico tratava de um caso particular, não aplicável à realidade
econômica latino-americana.
98
Desse modo, quando os neoestruturalistas propuseram uma
análise de interface maior com a ortodoxia econômica, poder-se-ia afirmar que isso não fere
as determinações estruturalistas.
Entretanto, a principal oposição econômica marcada pela CEPAL clássica não se
deu no plano acadêmico, mas no político. Ainda que não pretendesse travar “batalha
metodológica” a Comissão optou sim por travar uma batalha política, dentro da qual se
atribuía à política econômica o papel de subverter as determinações do mercado e promover
a industrialização periférica (ponto (iii), acima).
Ora, essa posição é radicalmente distinta daquela assumida pelos neoestruturalistas,
para quem não apenas o método ortodoxo é correto/aceitável, mas também as políticas vão
em sentido correto. Metodologicamente a maior utilização de modelos de estilo semelhante
aos neoclássicos indica a redução da importância do estruturalismo-histórico para as
análises da instituição. Ao mesmo tempo, torna suas análises menos comprometidas com a
ótica emanada desde a periferia, ainda que igualmente preocupadas com os problemas
periféricos – ou melhor, os problemas dos “países em desenvolvimento”, pois em lugar dos
“antigos” binômios “centro/periferia”, países “desenvolvidos/subdesenvolvidos” etc., que
evidenciavam uma ordem global hierarquizada, a linguagem moderna sugere outros que
98
É preciso entender corretamente o que se quer defender aqui, e para isso é conveniente lembrar que o objeto
estudado, o pensamento da CEPAL, é resultado de inúmeras contribuições diferentes, dadas por economistas
de formação igualmente diversa. entre elas uma unidade, e juntas conformam coerentemente o
pensamento cepalino, contudo existem inúmeros pontos onde a confluência não é total. Sem negar a oposição
realizada pela CEPAL à economia ortodoxa ou sua influência keynesiana, observada por tantos economistas,
é notável que na maioria dos escritos dessa agência encare-se a relação poupança-investimento de modo
bastante ortodoxo no sentido econômico, por exemplo. De outra parte, ainda que o método cepalino seja o
estruturalismo-histórico, como se afirmou, não se procurou na instituição negar afirmações que baseassem no
método hipotético-dedutivo comum aos economistas clássicos e neoclássicos, mas condicionar sua
aplicabilidade à verificação de pressupostos.
96
não o fazem, “Norte/Sul” ou países “desenvolvidos/em desenvolvimento”.
99
É claro, a
mudança de vocabulário não seria grave caso não acompanhasse também a virtual renúncia
ao sistema centro-periferia, a requalificação de seus diagnósticos e a inversão de suas
recomendações.
100
Pode-se entender que os “novos tempos” obrigassem a CEPAL a atualizar-se teórica
e politicamente, mas se essa “atualização” a leva ao abandono do sistema centro-periferia,
que chegou a ser considerado sinônimo da teoria cepalina, deve-se concluir das duas uma:
ou a ordem internacional se transformou em tal magnitude que não existem as “velhas”
hierarquias e antagonismos globais; ou foi o pensamento cepalino que mudou radicalmente,
abandonando um de seus traços mais marcantes de outrora. A Nova CEPAL procura crer na
primeira opção.
Não deixa de ser curioso observar como distaram as sendas política e teórica da
CEPAL e de seu primeiro mestre Raúl Prebisch ao longo do século passado.
101
Afastaram-
se de tal forma que, durante a década de 1980, enquanto a CEPAL se modificava,
preparando a emergência do neoestruturalismo, Prebisch (1983, p. 1088) relia sua história
concluindo na necessidade de “transformar o sistema”: sugeria que o “antiguo concepto de
centro y periferia seguía siendo válido, pero debía enriquecerse mediante la introducción de
algunas consecuencias muy importantes de la hegemonía de los centros”; e acreditava que
“la clave para el entendimiento del hecho de que el sistema tienda a excluir socialmente a
99
Essa mudança de perspectiva que acompanhou essa mudança do estruturalismo para o neoestrturalismo
pode ser acompanhada em Ocampo (2001b). Ali o então secretário geral da instituição, a seu bel prazer,
“readequa” a teoria estruturalista explica, por exemplo, que as “assimetrias internacionais”, seu sinônimo
para hierarquia, teria entre suas razões de ser a vulnerabilidade aos choques externos, e esta vulnerabilidade
responderia basicamente às insuficiências “incompletude”) dos mercados financeiros latino-americanos
(ver seção 2); simultaneamente, o autor informa em uma nota de rodapé (Ibid, p.25, nota 7) que os
interessados em saber por que um dia Prebisch e a CEPAL defenderam graus de protecionismo econômico
devem fazê-lo por “interesse histórico”.
100
Como observou Osorio (2004, p. 162), o sistema mundial capitalista figura no neoestruturalismo como um
elemento secundário, que, no máximo, é tido como importante apenas no passado. Nesse sentido, “no hay
atención para mostrar sus efectos en términos de reproducir desarrollo y subdesarrollo. [...] La idea de una
totalidad mundial integrada y con legalidades que gestan desarrollo y subdesarrollo ha desaparecido [do
pensamento da CEPAL]”.
101
Essa diferença foi bem apreendida por Almeida Filho (2003, p. 118): “os desdobramentos (as trajetórias)
que emergem das produções intelectuais de Prebisch e Fajnzylber seguem direções distintas. Estamos
sugerindo, ainda, que a ‘trajetória’ de Prebisch é mais fiel às preocupações que deram origem à Escola
[cepalina] [...] Trata-se de incluir aspectos geopolíticos na análise do desenvolvimento. Fajnzylber, ao
contrário, procura enfatizar equívocos internos na condução das políticas econômicas locais”.
97
quienes se encuentran en su base” era perceber que este “se vuelve más y más conflictivo
en el curso de su evolución y [que] el funcionamiento del sistema tiende eventualmente
hacia una grave crisis”. A estratégia proposta por Prebisch sugeria uma transformação que
garantisse que as decisões individuais de produção e consumo se efetivassem normalmente
via mercado, mas que, de outra parte, o Estado assegurasse um “uso social” para o
excedente econômico.
Foge aos objetivos do presente trabalho examinar o caminho trilhado por Prebisch
nesses anos finais de sua carreira, convém ressaltar, porém, que sua trajetória evidencia que
a “evolução” do pensamento cepalino não conduziria “naturalmente” ao que é a Nova
CEPAL. Prebisch, na mesma época em que se formava o neoestruturalismo, via uma
acentuação dos antagonismos centro-periferia e não uma atenuação desses, capaz essa,
inclusive, de levar aqueles conceitos a deixarem de ser relevantes, podendo ser substituídos
pela inócua noção “Norte/Sul”.
É importante enfatizar que não se está defendendo aqui um retorno ao
estruturalismo ou à teoria do (sub)desenvolvimento em seus termos clássicos. Por ora,
pretende-se tão somente mostrar que a mudança de pensamento que se processou no
interior da CEPAL representou ruptura com seus velhos preceitos e não uma mera
atualização teórica. Não obstante essa mudança, seria possível que a estratégia novo-
cepalina apresentasse alternativas para a América Latina, mesmo que diferentes daquelas
que fomentadas por seu pensamento clássico. Contudo, para chegar a essa conclusão é
preciso examinar mais concretamente o discurso novo-cepalino.
II – Neoliberalismo, Nova CEPAL e o “mal-estar” latino-americano
O neoliberalismo se instalou na América Latina na década de 1970. Como se tentou
mostrar, com o fim da União Soviética e a adesão generalizada de governos, tanto de direita
como de esquerda, essa ideologia chegou aos 1990 com uma posição mundialmente
hegemônica. Seu poder atingiu tal ordem que mesmo os resultados pífios, em termos
econômicos e sociais, não foram capazes de gerar uma reação ideológica mais consistente.
98
Como se procurou caracterizar no início do presente trabalho, as taxas de
crescimento apresentaram seu pior desempenho em décadas. Com o crescimento do
produto mais baixo que o crescimento da população economicamente ativa, as taxas de
desemprego se elevaram e, em paralelo, os salários reais se reduziram. O resultado desses
processos foi um aumento da desigualdade social na região, acompanhado pelo aumento
absoluto do número de pobres. Toda esta situação dava tom de urgência à confecção de
projeto um alternativo ao neoliberalismo e, de fato, foi exatamente isso que anunciou que
faria a CEPAL.
Pelo menos desde o meio da década de 1980, exatamente quando o processo de
implantação do neoliberalismo na América Latina passava por um recrudescimento, a
CEPAL procura dialogar com este projeto. Enquanto inúmeros cientistas sociais, pró ou
contra as reformas neoliberais, assumiam freqüentemente uma postura de negar a existência
de um projeto neoliberal, preferindo um debate “no varejo”, por assim dizer, – como se não
houvesse uma gica mais geral por trás do conjunto de reformas que ali se estava
implantando os neoestruturalistas optaram por debater diretamente esse plano. Não
apoiaram o neoliberalismo, mas optaram também, no entanto, por não se opor a ele.
Procuraram, como se evidenciou no Capítulo 2, um meio termo, na maior parte do tempo
baseado em um zelo gerencial para a aplicação das políticas e reformas neoliberais.
É interessante notar mais uma vez a clareza com que isto foi feito pela Comissão,
que reiterou em diversos momentos seu plano de colocar-se entre o neoliberalismo e
estruturalismo cepalino. Em parte é possível que a CEPAL tenha chegado a esse ponto, em
grande medida, como decorrência direta de sua nova relação com a ortodoxia econômica
neoclássica.
102
Certamente a formação de seus membros componentes, que cada vez mais
tinha como referência “centros de excelência internacional”, especialmente norte-
americanos, pode ter contribuído para este desfecho. Mas o fato é que a Nova CEPAL
reconheceu que existia um projeto neoliberal em curso na América Latina, julgou-o
parcialmente correto e escolheu por tentar combiná-lo ao estruturalismo.
102
Rodriguez et alli (1995) defendem que a escola econômica de maior influência sobre o pensamento novo-
cepalino foi a neo-schumpeteriana. Sem embargo, quando se toma como referência a Economia do bem-estar
na década de 1990, por exemplo, fica clara a influência exercida pelos neoclássicos sobre a CEPAL.
99
Assim, a estratégia proposta pelos novo-cepalinos se baseava em implantar reformas
liberalizantes (comerciais, financeiras, do mercado de trabalho etc.) com gerência estatal,
que poderia lançar mão da política econômica para garantir os resultados das reformas e
evitar custos à sociedade; como conseqüência estimular-se-ia a produção, induzindo o
aumento do emprego e a eficiência econômica. Os benefícios econômicos gerados nesse
processo trariam ganhos também ao setor social, que ademais seriam alvo de políticas
específicas, possuidoras elas mesmas de sinergias positivas com a política econômica. Com
efeito, quando, ao fim dos anos 1990, começou a ficar clara a deterioração social em curso,
os neoestruturalistas se apressaram em atribuir à implantação neoliberal das reformas os
problemas. (ver Ffrench-Davis, 2005) Sua estratégia gerencial assumiu uma perspectiva de
Reformar as reformas, que pretendia com argumentos oriundos de uma base muito similar
à neoliberal reorientar as economias latino-americanas e superar o neoliberalismo.
A despeito da pretensão neoestruturalista de se pôr como uma alternativa latino-
americana à hegemonia neoliberal um rápido exame da evolução do próprio ideário
neoliberal para a América Latina, expresso pelo emblemático Consenso de Washington,
desenhou um trajeto bastante similar. Isto é facilmente apreensível se não se tem o
neoliberalismo como um receituário rígido e estático ao longo do tempo não por acaso
Williamson (2004c, p. 291) tece comentários louvando a iniciativa novo-cepalina: “Existe
muita coisa aqui comparável ao chamado de Ffrench-Davis quanto a ‘reformas as
reformas’”; do mesmo modo que Ocampo (2001) encampa a proposta do pós-Consenso,
desejando as mesmas políticas e utilizando, inclusive, os mesmo termos.
Sem dúvida, como se procurou evidenciar, as políticas sociais, ou de modo mais
amplo as concepções de bem-estar, defendidas por neoliberais e neoestruturalistas são um
grande exemplo da consonância entre esses discursos. De fato, aqueles que tinham dúvidas
sobre o caráter das políticas sociais defendidas pela Nova CEPAL nos anos 1990, ou os que
viram nessas uma alternativa para reverter o desempenho social ridículo logrado pelas
políticas neoliberais, esclareceram qualquer mal-entendido no fim da década quando a
instituição assumiu seu papel nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A agência
encontrou sem nenhum problema um lugar em sua estratégia para o plano ortodoxo de
redução da pobreza extrema e da fome no mundo, e o motivo foi simples: ambos
compartilham uma visão do “problema” rigorosamente igual. Entendem que as “mazelas
100
sociais” têm determinações variadas (incluindo causas não econômicas), que sua solução
passa por capacitar (ou dar oportunidades) aos pobres e tencionam fazê-lo de modo que não
crie distorções ou ineficiência econômica. Logo, perceba-se, mais significativo do que a
adesão novo-cepalina aos ODM que em si poderia ser encarada como inevitável, que a
CEPAL é um órgão das Nações Unidas é a visão de mundo comum que essa adesão
apenas desvelou.
De qualquer modo, há os que crêem que as modificações no ideário neoliberal
sugeridas pela Nova CEPAL são suficientes para colocar a América Latina novamente na
rota do desenvolvimento. Muitos desses gostam de citar o “sucesso” do Chile nos anos
1990 como exemplo da efetividade da estratégia neoestruturalista, tendo em vista que de
fato aquele foi o lugar em que essa estratégia esteve mais próxima de ser implementada.
Não se pretende aqui enveredar nessa controversa discussão acalentada pela disposição
neoliberal de atribuir às reformas econômicas da década 1970 os bons resultados colhidos
por aquele país. Cita-se somente que enquanto neoliberais e neoestruturalistas disputam a
responsabilidade pelo sucesso chileno, talvez fosse uma postura mais adequada estudar a
que sucesso se referem eles. Somente dois comentários: alguns analistas sugerem que, com
as reformas empreendidas por neoliberais e neoestruturalistas nos últimos trinta anos, o
Chile agravou seu quadro de vulnerabilidade externa, ampliou a desnacionalização de sua
economia e caminha de volta para um ciclo primário-exportador, baseado na exploração de
uma commodity internacional, o cobre curiosamente, apesar do orgulho novo-cepalino,
com isso o país seguiria o caminho exatamente inverso às aspirações dos antigos
cepalinos;
103
por outro lado, é amplamente aceito que a principal deficiência com a qual o
Chile tem que lidar após os anos 1990 são os “problemas sociais”, exatamente esses que,
como se viu, unem quase perfeitamente as perspectivas neoliberal e neoestruturalista e que
demonstraram do que são capazes durante a última década em que espalharam deterioração
social pelo continente.
Contudo, não é possível a partir da observação de um caso somente, especialmente
de um tão controverso quanto este, concluir sobre o caráter alternativo ou não da estratégia
103
Ver Carcanholo (2004b).
101
novo-cepalina para América Latina. Para isto é preciso investigar mais a fundo o caráter
dessa proposta vis-à-vis à estratégia hegemônica neoliberal.
Se for correto que, como põe Carvalho (2004, p. 137), “nas últimas cadas, [as
teses neoliberais] se caracterizam pelo esforço permanente de incorporar valores
‘universais’ de forma mistificadora” e com isso “apresentam-se como paladinos da
democracia, da distribuição de renda e da redução das desigualdades sociais, embora
promovam ativamente o contrário”, reforça-se a necessidade de falsear o discurso
ideológico propugnado pelo neoliberalismo. Suas propostas de política lógica e
“cientificamente” justificadas pela teoria econômica –, teriam por efeito produzir algo que
não pode ser depreendido de seu discurso. É claro que nesse caso volta à baila a questão da
ideologia. Mais uma vez é preciso ressaltar que o espaço e âmbito do trabalho não
permitem tratar com maiores detalhes tal questão, entretanto deixa-se indicado que essa tem
extremo relevo, ao mesmo tempo em que se afirma a necessidade de acompanhar por outra
ótica a estratégia neoliberal.
Destarte, o “problema” do desenvolvimento latino-americano talvez seja mais bem
posto deixando de lado por um minuto o discurso neoliberal, e procurando apreender seus
objetivos últimos pela análise da natureza de suas propostas. Nesse sentido, com base em
Carvalho (2004, p. 135-136), sugere-se que as propostas neoliberais estão organizadas em
cinco eixos.
Primeiro, a priorização absoluta dos direitos do capital frente aos direitos das
demais classes sociais e do restante da sociedade em geral. Assim, se explicaria a defesa de
medidas como as que visam a ampliação dos direitos dos credores e dos investidores em
títulos financeiros e a defesa da liberdade cambial e da livre movimentação de capitais, bem
como o ajuste fiscal do Estado e a estabilização monetária que deveria se dar a qualquer
custo, não importando as conseqüências do processo recessivo desencadeado sobre a
população.
Em segundo lugar, tem-se a ocultação das relações capital-trabalho e a
responsabilização do indivíduo diante do capital. Ou seja, na dissimulação dos
antagonismos de classe presentes na sociedade capitalista. A conseqüência disso é que as
relações capital-trabalho passam a ser tratadas no âmbito individual, como concernentes
102
somente ao indivíduo e a seu contratante.
104
Por isso, prevê-se a necessidade de
desmantelar os mecanismos de proteção social e os direitos trabalhistas adquiridos durante
o período do Estado de bem-estar, que passam a ser interpretados como “privilégios”.
Em terceiro, está a pretensão neoliberal de despolitização da política econômica,
que passa a ser encarada como uma decisão meramente técnica/científica de “otimização”.
A pretensão neoliberal seria com isso “blindar” a esfera de decisão de política econômica
contra o “populismo” de governos irresponsáveis, como posto na linguagem em voga. A
política econômica seria baseada no caminho único da “boa” política.
O quarto eixo é a abertura de novos espaços para a valorização do capital. Isso
seria dado fundamentalmente pela privatização generalizada do Estado e dos serviços
públicos. De fato, encarando a crise dos 1970, que impulsionou a ascensão neoliberal,
como expressão do crescimento da composição orgânica do capital e seu decorrente efeito
de fazer cair a taxa de lucro, tem-se idéia da importância dessas medidas. Essa noção
ubíqua no discurso neoliberal é propalada, sem papas nas línguas, como reflexo da
necessidade de aumentar a eficiência dos serviços.
Por fim, tem-se a responsabilização dos países dependentes pela desordem
financeira internacional. Desse modo, atribui-se a culpa das sucessivas crises financeiras
da década passada às nações dependentes, que por responsabilidade de governos corruptos
ou ineptos ou por suas “bases econômicas pouco sólidas” fragilizariam o sistema financeiro
internacional.
Encarando a coisa desta forma, deve-se concluir que os objetivos disseminados pelo
discurso neoliberal não estão no horizonte de conquista dessa estratégia a não ser em nível
da enunciação. Mais do que isso, porém, faz-se concluir também que a Nova CEPAL se
rendeu em grande medida à ideologia neoliberal, debate nos mesmo termos e, por isso,
chega a propostas que apontam para o mesmo sentido. A Nova CEPAL não pretende obstar
104
Um dos melhores exemplos daí oriundos é o tratamento que se passa a dar à previdência social. Esta deixa
de ser um direito social e passa a ser encarada como uma decisão individual a ser tomada de acordo com a
preferência do indivíduo por usufruir e arriscar-se (e talvez acabar sua velhice na miséria) ou ser
“parcimoniosoe pensar no futuro. De um modo ou de outro, o capital e o Estado nada teriam a ver com o
problema.
103
o processo posto em curso pelas políticas que se orientam nesses cinco eixos, e portanto
não pode fornecer uma alternativa a esta estratégia.
Em suma, a proposta da Nova CEPAL é uma “não-alternativa”, porque recusa-se a
romper verdadeiramente com os preceitos neoliberais.
III - Por alternativas reais para a América Latina
Defende-se aqui que, para pensar estratégias de desenvolvimento alternativas às
hoje postas, diferentes níveis de crítica podem ser considerados.
A “alternativa” novo-cepalina ao neoliberalismo estaria em um primeiro vel de
crítica, restrita a questões pontuais sem compromisso com o combate a uma lógica mais
geral. Como se tentou demonstrar, as visões neoliberal e cepalina pouco se distanciam. Um
bom exemplo dessa proximidade pode ser visto no esboço exposto acerca do entendimento
que ambas as visões têm sobre bem-estar e políticas sociais. Observa-se que as duas
perspectivas se baseiam rigorosamente nas mesmas referências teóricas o que explica em
parte porque extraem políticas exatamente do mesmo tipo. De fato, o centro da proposta da
Nova CEPAL é que as reformas neoliberais não são ruins em si: acarretam consigo
resultados positivos e negativos, do que concluem que a melhor atitude seria o
gerenciamento dos efeitos nocivos das reformas neoliberais.
Entende-se aqui que essa crítica restrita não é capaz de amparar uma alternativa real
para as economias latino-americanas. O neoliberalismo foi responsável por um
aprofundamento quase sem precedentes da condição de dependência da América Latina.
105
Nesse sentido, argumenta-se que para formular uma alternativa de desenvolvimento
coerente com os problemas da região se deve partir de uma ruptura radical com os preceitos
do neoliberalismo, e mais que isso deve estar disposta a reverter as reformas pró-capital
empreendidas sob a égide daquela ideologia.
105
Entende-se dependência aqui nos termos desenvolvidos por Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e os
demais teóricos da vertente marxista da Teoria da Dependência.
104
Portanto, é necessário dar um passo à frente na crítica e pensar em alternativas não-
neoliberais para América Latina. Por toda a região, inúmeros críticos m, de longa data,
procurando construir alternativas baseadas em um outro projeto social que não enxerga no
mercado a instância suprema de organização social e, em geral, prevê uma atuação estatal
diferenciada, que não tem ouvidos somente às demandas do capital, mas às demandas de
toda a sociedade. Não é ocioso ressaltar que uma estratégia desse tipo se implementaria
somente com outra atuação do Estado relegado à tarefa meramente administrativa como
sugere a Nova CEPAL –, mas com políticas econômicas e sociais radicalmente diversas das
neoliberais.
Da mesma forma, é possível implementar políticas sociais de combate à pobreza
que não sejam neoliberais políticas universalizantes, de garantia de direitos dos
trabalhadores, de redistribuição de renda, mas que afetem efetivamente a distribuição
funcional da renda, de redistribuição de riqueza. Aliás, isso é o que o termo “políticas
sociais” realmente significa.
Porém, defende-se ainda que é preciso ir ainda além da crítica ao neoliberalismo.
Em outras palavras, é preciso pensar em formas alternativas de organização social que
sejam não capitalistas, porque uma ruptura com o neoliberalismo que deixe intocados os
princípios do modo de produção capitalista mantém sempre no plano do inatingível as
possibilidades de se eliminar as “mazelas sociais” “mazelas” que não são, do ponto de
vista sistêmico, “males”; ao contrário, são parte constituinte do modo de produção
capitalista, perfeitamente necessárias para o bom funcionamento deste. O capitalismo tem
em sua própria lógica a característica de produzir concentração de renda, riqueza, pobreza,
miséria, desigualdades, etc. Nesse sentido, qualquer política social dentro do capitalismo
está fadada a ser, ad eternum, meramente compensatória, por mais necessária que ela se
apresente.
106
Como brevemente mencionado no capítulo 1, a noção de desenvolvimento
enunciada em abstrato encerra em si mesma um conteúdo ideológico, tende a obscurecer
antagonismos de classe basilares do modo de produção capitalista e prefere ignorar que
106
A funcionalidade das “mazelas sociais” dentro do modo de produção capitalista é detalhadamente discutida
em Duayer e Medeiros (2003) e Cammack (2002).
105
muitos dos “problemas” de uma sociedade capitalista não são efetivamente problemas.
Uma abordagem que caminha consistentemente nesse sentido pode ser encontrada na obra
de Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e dos teóricos da vertente marxista da teoria
da dependência desenvolvida ainda na década de 1970. Para esses autores o
subdesenvolvimento latino-americano não expressava nada além da forma sui generis de
ser do capitalismo aqui presente: a própria dinâmica de expansão global do capitalismo
teria gerado, em simultâneo, “desenvolvimento” e “subdesenvolvimento” e se a pobreza
tem uma face particularmente brutal na América Latina a razão não é outra senão sua
funcionalidade para o sistema como um todo, que gera, nos termos de Marini, a
necessidade de superexploração da força de trabalho nesta parte do planeta.
107
O debate sobre desenvolvimento como posto favorece sempre aos que lucram com a
ordem capitalista estabelecida. Como observou István Mészáros, os ideólogos do capital
consideram que não como mudar a ordem atual, o sistema do capital, seja com
mudanças estruturais ou apenas periféricas. Consideram, entretanto, que as únicas
mudanças admissíveis seriam aquelas em “certos efeitos negativos”, mas que seriam vistos
como não tendo nenhuma conexão com sua base causal. Mais uma vez, a referência óbvia é
às ditas “mazelas sociais”:
Contudo, se uma interpretação que realmente merece ser chamada de absurdo
total no reino da reforma social, esta não é a defesa de uma grande mudança
estrutural [como sugerem os ideólogos do neoliberalismo], mas precisamente
aquele tipo de exagerado otimismo cheio de explicações que separa os efeitos de
suas causas. É por isto que a “guerra à pobreza”, tantas vezes anunciada com zelo
reformista, especialmente no século XX, é sempre uma guerra perdida, dada a
estrutura causal do sistema do capital os imperativos estruturais de exploração
que produzem a pobreza.
A tentativa de separar os efeitos de suas causas anda de mãos dadas com a
igualmente falaciosa prática de atribuir o status de regra a uma exceção. É assim
que se pode fazer de conta que não têm a menor importância a miséria e o
subdesenvolvimento crônico que necessariamente surgem da dominação e da
exploração neocolonial da esmagadora maioria da humanidade por um punhado
de países capitalistas desenvolvidos. (Mészáros, 2002, p. 39)
107
Em termos extremamente sintéticos, Marini considera que a superexploração do trabalho nos países
dependentes reflete a necessidade do capital de transferir parte da mais-valia ali extraída para o centro do
sistema. Infelizmente não tempo para desenvolver de modo completo a profundidade desse argumento.
Recomenda-se aos que se interessarem pelo tema, além dos já citados originais Marini (2000) e Santos
(1970), algumas obras que procuram trabalhar com esta perspectiva na contemporaneidade, ver Osorio
(2004), Carcanholo (2004c) e Amaral (2005).
106
Seja no debate sobre bem-estar ou no debate sobre desenvolvimento, a pergunta
real, nunca feita por aqueles que optam por não questionar o capitalismo, não é
verdadeiramente “como se atingir o nível ótimo de bem-estar social?”, mas sim “quem
realmente ganha? a quem serve o desenvolvimento capitalista? A quem serve a
sociedade de classes? Especialmente em países dependentes, como os latino-americanos,
permanece impossível melhorar as condições de vida da maioria pobre da população
enquanto não for questionada a pretensão tecnicista da teoria econômica convencional e da
ideologia neoliberal.
107
R
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