Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE PAULISTA
A Natureza (In) Comunicativa dos
Megaeventos Musicais Contemporâneos
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade Paulista para obtenção do
título de Mestre em Comunicação.
MARCELA MORO
São Paulo
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE PAULISTA
A Natureza (In) Comunicativa dos
Megaeventos Musicais Contemporâneos
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Comunicação da
Universidade Paulista para obtenção do
título de Mestre em Comunicação sob
orientação da Professora Doutora
Malena Segura Contrera.
MARCELA MORO
São Paulo
2007
2
ads:
O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver
outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu
de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a
pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos
que foram dados, para os repetir. E para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso
recomeçar a viagem. Sempre.
José Saramago
Viagem a Portugal
3
Dedico este trabalho a todos aqueles que, como eu, acreditam
em seus sonhos e acreditam que, de alguma forma, podemos
melhorar o mundo em que vivemos por meio da construção de
vínculos, de afeto e da semeadura incondicional do amor.
4
Agradeço, em primeiro lugar, a Profa. Dra. Malena Segura Contrera que, mais do
que uma orientadora, tornou-se uma amiga.
Agradeço aos membros da Banca, Prof. Dr. Norval Baitello Junior e Profa. Dra.
Carla Reis Longhi, não somente por sua participação na banca, mas
principalmente por seu apoio e pela aprendizagem que puderam me proporcionar.
Agradeço a amiga Beatriz Wild pelo apoio no desenvolvimento do Projeto de
Pesquisa desta dissertação e na construção deste sonho.
Agradeço também o apoio de Thaís Luciana Rezende. Descobrimos os
verdadeiros amigos nas horas mais difíceis! Obrigada!
Aos amigos fica aqui registrado meu agradecimento por entenderem que mesmo
afastados, os vínculos e o afeto permanecem sempre.
Agradeço a Rosiane Simone Moro, tia, amiga, companheira em todos os
momentos importantes.
Ao Leonardo Abdo, meu agradecimento pelo apoio, pelo carinho, pelo suporte e
pela compreensão em todas as horas.
Agradeço a meus Pais, Carlos e Vilma, pelo dom da vida e por terem construído a
base para que tudo isso fosse possível e a minha irmã Fernanda, simplesmente
por existir e me fazer mais feliz, vendo o mundo de outras perspectivas.
A Isabella, agradeço por ser a luz em minha vida e a razão de tudo.
5
R
R
e
e
s
s
u
u
m
m
o
o
O homem se reúne desde os primórdios de sua história. A partir de um processo de
organização social baseado na comunicação, os homens passaram a se encontrar em locais
específicos e selecionados, caracterizando assim a realização das primeiras reuniões, dos
primeiros rituais, dos primeiros eventos.
Ao lado da comunicação, os eventos refletem todas as transformações, mudanças e
alterações que o homem sofreu ao longo dos tempos; refletem, portanto, a complexidade da
contemporaneidade.
A espetacularização destas atividades, a transformação do participante em expectador, teoria
defendida, entre outros teóricos, por Edgar Morin e por Vilém Flusser, a absorção massiva de
suportes midiáticos em seu formato e a amplificação do número de participantes colocam-se
como características senão, a própria natureza destes produtos culturais, conjunto este de
fatores que contribuíram para que os eventos passassem a megaeventos.
Os megaeventos movimentam periodicamente milhares de pessoas que participam, estão
presentes e vivenciam e experiência do evento.
Analisar a complexidade comunicativa - ou incomunicativa - presente nestes espaços
constitui o objetivo principal desta dissertação, cuja estruturação baseou-se em compreender
a essência e as características destes eventos, as relações espaço-temporais concernentes
aos mesmos, a rememoração dos antigos rituais arcaicos que carregam em si, bem como o
processo que inseriu o ‘mega’ nestes produtos da cultura contemporânea.
Além disso, a estrutura desta dissertação envolveu ainda uma análise das formas de
sociabilidade e vinculação presentes nestes espaços, uma vez que estas refletem também os
tipos de vínculos que hoje caracterizam nossa sociedade.
Para tanto, a pesquisa teve como objeto os megaeventos musicais contemporâneos e, mais
especificamente, uma análise do Skol Beats 2006, megaevento de música eletrônica que está
em sua 6ª. edição.
A natureza destes megaeventos, seus excessos e seu formato privilegiam, parafraseando
Prof. Dr. Norval Baitello Junior, a irmã gêmea da comunicação, a incomunicação. Consolidam
vínculos vazios, comunidades líquidas e o afastamento do humano, por meio da
impossibilidade da construção de relações, o que caracteriza estes espaços e que os
colocam paradoxalmente à condição humana mais básica: gregária e comunicante.
Megaeventos tornaram-se espaços propícios para a dança livre da incomunicação, seus
vazios e suas pontes não construídas, o que caracteriza a natureza incomunicativa destes
produtos culturais na atualidade.
6
A
A
b
b
s
s
t
t
r
r
a
a
c
c
t
t
Men gather since the beginnings of their history. Through a process of social organization
based on communication, men started to meet at specific and selected locations,
characterizing, therefore, the first meetings, the first rituals, the first events.
Besides communication, events reflect all the transformations, changes and alterations men
have undergone throughout the centuries; they reflect, therefore, the complexity of
contemporary times.
The spectacularization of these activities, the transformation of the participant into a spectator,
a theory which was defended, among other theorists, by Edgar Morin and by Vilém Flusser,
the massive absorption of media supports in its format and the amplification of the number of
participants are placed as characteristics if not, the own nature of these cultural products; this
group of factors contributed to transform events into mega events.
Mega events periodically mobilize thousands of people who participate, are present and live
the experience of the event.
Analyzing the communicative complexity – or incommunicative – present in these spaces is
the main objective of this dissertation, whose structure was based on understanding the
essence and the characteristics of these events as cultural products, the space-temporal
relations concerning them, the remembrance of the ancient archaic rituals that they carry
within themselves, as well as the process which inserted the “mega” concept in these products
from the contemporary culture.
Moreover, the structure of this dissertation also involved an analysis of the ways of
socialization and bonding present in these spaces, since they also reflect the kinds of bonds
that currently characterize our society.
Accordingly, the object of this research was the contemporary musical mega events and, more
specifically, an analysis of Skol Beats 2006, an electronic music mega event which is currently
in its sixth edition.
The nature of these mega events, their excesses and format privilege, paraphrasing Prof. Dr.
Norval Baitello Junior, the twin sister of communication: the incommunication. They
consolidate empty bonds, liquid communities and the distance of the human element, through
the impossibility of establishment of relationships, which characterize these spaces and place
them paradoxically to the most basic human condition: gregarious and communicative.
Mega events have become proper spaces for the free development of incommunication, its
emptiness and its bridges are not build, which characterizes the incommunicative nature of
these cultural products nowadays.
7
S
S
u
u
m
m
á
á
r
r
i
i
o
o
Apresentação____________________________________________________ 10
Capítulo I - As Origens dos Megaeventos: Relações entre Espetáculo e Ritual_35
As Raízes e Importância do Ritual__________________________________ 37
Do Ritual Sagrado aos Megaeventos – Das práticas primitivas aos
megaespetáculos contemporâneos _________________________________ 40
Megaeventos e Modernidade______________________________________ 55
Do Hiperestímulo ao Blasé: A Anestesia como Defesa__________________ 59
Os “Super-híperestímulos”________________________________________ 61
Capítulo II – Comunidades Estéticas e Megaeventos_____________________ 65
Algumas reflexões sobre a Mídia___________________________________ 70
As Relações no Ambiente Comunicativo – Vínculos Reais e Vínculos Efêmeros
_____________________________________________________________ 76
Vínculos, Comunidades e Megaeventos _____________________________ 87
Capítulo III - A Natureza (In) Comunicativa dos Megaeventos: O Caso Skol Beats
_______________________________________________________________ 89
Elektronische Musik _____________________________________________ 91
‘Terreirão eletrônico’: Raves – Beats, Bits e Techno Music______________ 103
O Skol Beats 2006 _____________________________________________ 119
Convergências Tecnológicas_____________________________________ 131
8
Interatividade com o Nada _______________________________________ 135
Ravers e Outsiders – O Público do Skol Beats 2006___________________ 139
A Captura pelo Olhar ___________________________________________ 144
Corpos Estilhaçados: Reflexões sobre a Violência nos Megaeventos _____ 149
Considerações Finais ____________________________________________ 155
Referências Bibliográficas _________________________________________ 170
Sites Consultados _____________________________________________ 178
Apêndices _____________________________________________________ 179
Tipologia de Eventos ___________________________________________ 179
Imagens Skol Beats 2006 _________________________________________ 180
Anexo_________________________________________________________ 183
9
A
A
p
p
r
r
e
e
s
s
e
e
n
n
t
t
a
a
ç
ç
ã
ã
o
o
Festivais de rock, festivais de música eletrônica, Olimpíadas, Parada Gay,
Carnaval, Copa do Mundo, Salão do Automóvel, São Paulo Fashion Week. O que
têm em comum estes acontecimentos? O que têm em comum estes eventos?
Reúnem periodicamente milhares, senão milhões de pessoas, com interesses
comuns, com objetivos muito similares, mas que, acima de tudo, se interessam
em participar, - o que, de acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,
significa “tomar parte em”, em estar lá, em viver este efêmero momento do
evento.
Os meios de comunicação impressos e eletrônicos mobilizam-se antes, durante e
depois destes eventos. Mostram todos os detalhes, transmitem, retransmitem,
discutem, analisam. Super-espetacularizam o que já é espetáculo e assim,
mobilizam e envolvem outros milhões de pessoas, além daquelas que estiveram
presentes, criando os participantes virtuais, que tomam parte e são enredados
pelos acontecimentos por meio da mídia eletrônica, que amplia ainda mais as
dimensões do evento. Transforma em megaevento.
O homem se reúne desde os primórdios da humanidade. A partir de um processo
de organização social baseado na comunicação
1
, os homens passaram a se
encontrar em locais específicos e selecionados para tal, com objetivos delimitados
1
Norval Baitello Júnior, na obra O Animal que Parou os Relógios, discute a comunicação como
fator fundamental da organização social. Tomando como base estudos relativos à organização de
diversos seres vivos que, tal como o ser humano, constituem sociedades complexas e
sofisticadas, o autor pontua a comunicação como elemento “sine qua non” para a organização
social dos seres vivos. Somente por meio da comunicação os seres vivos mais frágeis conseguem
se organizar, desenvolvendo tarefas planejadas, capazes de se fortalecer e conseqüentemente, se
manter enquanto espécie.
10
– planejar a caça, a guerra, comemorar ou celebrar períodos (estações do ano)
ou acontecimentos (nascimentos, mortes etc.) –, caracterizando assim a
realização das primeiras reuniões, os primeiros rituais, que podemos considerar
como os primeiros eventos.
Muitas são as abordagens na intenção de conceituar eventos e megaeventos.
Diferentes óticas, por sua vez, constróem diferentes conceitos, diferentes
definições e, principalmente, diferentes visões para um mesmo fenômeno.
Turismo, relações públicas e tantas outras áreas do conhecimento esforçam-se
em estruturar seus referenciais teóricos. No entanto, pouco se vê em relação ao
caráter comunicativo dos eventos e praticamente não encontramos nenhuma
abordagem não meramente embasada no saber-fazer.
É indiscutível a importância dos eventos enquanto produtos culturais da
contemporaneidade e enquanto comunicação. Seja com os objetivos mais
diversos, seja como estratégia comercial, seja como estratégia promocional, seja
com foco beneficente, seja com objetivos institucionais, milhares de eventos
acontecem diariamente.
São considerados eventos a reunião especial planejada e organizada de uma ou
mais pessoas, em um mesmo espaço físico, com os mesmos objetivos.
2
De
acordo com Ilka Tenan, eventos definem-se como “acontecimento especial,
antecipadamente planejado e organizado, que reúne pessoas com interesses
comuns. Eventos têm nome, local determinado e espaço de tempo pré-definido”.
3
Tais definições, comumente utilizadas, ampliam de forma significativa o universo
dos eventos. Reuniões, congressos, encontros, shows, feiras, festas, exposições
2
Marcela MORO. Planejamento e Organização de Eventos, p.18.
3
Ilka Paulete Svissero TENAN, Eventos, p. 13.
11
e as mais diversas atividades que reúnem pessoas são consideradas eventos.
Existem, de acordo com a bibliografia especializada, mais de 50 tipologias de
eventos (Apêndice 1).
Além de diferentes tipologias, os eventos possuem também diferentes
classificações:
4
De acordo com os Objetivos: institucionais ou promocionais
De acordo com a Temática: folclóricos, cívicos, religiosos, políticos, sociais,
artísticos, culturais, musicais, desportivos, técnicos/científicos,
promocionais, turísticos;
De acordo com o Público: abertos ou fechados;
De acordo com o Porte: pequenos eventos - até 200 participantes; médios
eventos - de 200 a 1000 participantes; grandes eventos - mais de 1000
participantes; Megaeventos - eventos de enorme importância e impacto
além de repercussão na mídia nacional e internacional. Geralmente
ultrapassam um milhão de participantes. “O elemento mais importante para
que o evento possa ser chamado de “mega” é o recebimento de
publicidade em nível internacional ou mundial”.
5
Para Dione Pereira et alii “o evento é um processo tático de venda comercial ou
institucional e a comunicação é seu principal objetivo (grifo nosso).”
6
A visão
demonstrada nesta conceituação, apesar do apelo e direcionamento
sensivelmente ligado a lógica do mercado e a uma visão do evento enquanto
4
A classificação aqui apresentada reúne informações de inúmeras fontes consultadas, presentes
nas referências bibliográficas.
5
Christian NIELSEN, Turismo e Mídia, p.27.
6
Dione dos Santos PEREIRA et alii, Uso da Internet no Planejamento e Organização de Eventos
Científicos In: Eventos, p. 22.
12
estratégia comercial, carrega em si a importância da comunicação nestes
produtos da cultura contemporânea que, como dito, têm sido apropriados com os
mais diferentes objetivos, mas que, em comum, proporcionam a presença
corpórea, a reunião de pessoas, a participação física.
Eventos são utilizados como estratégias promocionais, eventos entretem, eventos
divertem, eventos divulgam, eventos transmitem mensagens, mas, acima de tudo,
eventos buscam criar vínculos e são criados a partir dos mais diferentes vínculos.
Seu sucesso, portanto, se baseia na participação do público, no ‘tomar parte em’
7
que vincula ou que responde aos vínculos previamente estruturados.
Norval Baitello Júnior define a comunicação como a “construção de vínculos”
8
e
afirma que “a ponta geradora de toda a comunicação se constitui de um corpo e a
ponta-alvo do mesmo processo igualmente existe em sua natureza primeira de
corpo”
9
. Se comunicação é constituição de vínculos e eventos, de acordo com
sua essência, teriam como objetivo primeiro criar vínculos em função da
participação, esse é um dos traços dos eventos que os caracterizam como uma
forma de comunicação.
A comunicação se caracteriza por um processo imerso na complexidade, e vai
muito além da lógica mecânica simples da ‘emissão – mensagem – recepção’,
lógica esta largamente adotada como modelo de comunicação por inúmeras
linhas de pesquisa, e que se estrutura de forma estritamente funcionalista, o que
7
Juan Bordenave considera que a origem da palavra participação esteja na palavra parte: “De
fato, a palavra participação vem da palavra parte. A prova de fogo da participação não é o quanto
se toma parte, mas como se toma parte”. Ainda segundo o autor, a participação constitui uma das
necessidades básicas dos seres humanos. A dimensão afetiva da participação é fundamental para
a auto-expressão dos seres humanos bem como para sua afirmação enquanto indivíduo. Juan
BORDENAVE, O que é Participação?, p. 22-34.
8
Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 8.
9
Idem, p. 7.
13
limita o conceito de comunicação a uma troca mecânica, que não integra a real
complexidade inerente aos processo comunicativos.
A comunicação é mais profunda, é sensorial, prevê um mergulho no processo,
prevê envolvimento, prevê participação. Vai muito além da transmissão mecânica
de informações promovida pelos meios de comunicação de massa.
É esta natureza da comunicação enquanto processo complexo que direciona a
estruturação desta pesquisa e que busca compreender também os eventos neste
universo da complexidade.
Parte desta complexidade pode ser antevista se buscamos a origem da palavra
evento, proveniente do latim eventu, ligada ao conceito de acontecimento.
Acontecer, por sua vez, vem do latim contigescere, ou seja, ser ou constituir fato
de importância na vida social ou em outros âmbitos.
"Evento é tomado do latim e traduz o grego 'tyche'. Evento é,
portanto, não
'quicquid évenit' (tudo aquilo que acontece), mas 'id
quod cuique évenit, ó ti gígnetai ekásto' (aquilo que acontece para
alguém), como escreve o poeta Filêmon glosando Aristóteles. Que
alguma coisa aconteça, não basta para produzir um evento; para
que haja um evento é necessário que esse acontecer eu o sinta
como um acontecer para mim. No entanto, se todo evento se abre
à consciência como acontecimento, nem todo acontecimento é
evento."
Carlo Diano – Filósofo Italiano
10
10
Carlo DIANO, Linee per una Fenomenologia dell'Arte, APUD: Alfredo BOSI, A Interpretação da
Obra Literária, Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 5 de março de 1988.
14
O evento, portanto, muito além da origem da palavra, prevê não somente um
acontecimento, mas sim, algo que acontece para alguém, ou como aponta o
autor, que este acontecer ‘eu o sinta como um acontecer para mim’, o que sub-
entende para que o sentido seja estabelecido em termos de percepção do evento
em si, a existência do vínculo que atribui o sentido. É o vínculo criado pelo
efêmero universo do evento que caracteriza estas atividades como tal, que faz
com que acontecimentos se diferenciem de eventos, em especial pelo universo
carregado de percepções geradas pelo fato do evento acontecer para alguém e
ser necessariamente importante, diferenciado.
Além disso, o ‘evento’ prevê não somente o acontecer ‘para alguém’, mas o
acontecimento especial, o que faz com que estes espaços sejam valorizados por
diferenciarem-se do comum, do dia-a-dia, do quotidiano.
Esta diferenciação do quotidiano, este caráter especial inerente aos eventos, este
desligamento com o dia-a-dia e com o trivial, por si só, promovem uma ligação
destes produtos culturais com uma indicutível dimensão desconexa da
banalidade, ou seja, uma dimensão mágica, de encanto, e, conseqüentemente,
uma ligação com o sagrado, tal como discutiremos no capítulo 1.
Somado a essa essencial característica do evento, este produtos culturais
possuem também um outro aspecto bastante relevante que se tratam das
relações espaço-temporais concernentes aos mesmos.
Lançamentos, encontros, reuniões, shows, jantares, desfiles, feiras, mostras, a
infinidade de tipos é imensa. Formatos diferenciados, apelos diferenciados,
objetivos diferenciados. Em comum, a presença córporea base para a
participação, a re-união de pessoas, a vivência de um mesmo espaço-tempo, a
15
vivência coletiva de um momento essencialmente caracterizado por sua própria
efemeridade.
O evento tem como marca o efêmero, já que está intimamente ligado a idéia de
uma forma de temporalidade fugidia e que se materializa somente no ‘hic et nunc’
de cada indivíduo, cuja vivência, no entanto, para constituir o evento, depende da
percepção e da experiência individual em meio a percepção e experiência
coletiva.
Assim, o evento, para existir como tal, prevê a vivência de um mesmo tempo-
espaço pelos participantes. Neste sentido, Alfredo Bosi comenta:
“O infinito suceder cósmico e histórico, que nos precede, nos
envolve e nos habita, sempre, e em toda a parte, do nascer ao
morrer, só se torna um evento para o sujeito quando este o situa no
seu aqui e o temporaliza no seu agora; enfim, quando o sujeito o
concebe sob um certo ponto de vista e o acolhe dentro de uma certa
tonalidade efetiva”
11
.
Este processo que, como percebido, depende essencialmente do indivíduo é o
que caracteriza o evento como tal, ou seja, para que o evento se constitua de
fato, a participação do indivíduo, sua temporalização aqui e agora bem como o
acolhimento necessário são elementos fundamentais.
Tempo e espaço vivenciados em sua plenitude, em um momento de efemeridade
e em um momento em que também o espaço adquire uma importância
11
Alfredo BOSI, A interpretação da obra literária, Folha de S.Paulo, 5 de março de 1988.
16
diferenciada, uma característica especial, constituem a complexidade dos
eventos.
O evento, portanto, carrega em si os conceitos de eventualidade, de tempo e
espaço especial para ser vivido pelo indivíduo em sua efemeridade vivência esta
marcada por sua importância enquanto tempo diferenciado do tempo profano,
tempo imerso na expectativa de que algo aconteça em um espaço, na mesma
medida, carregado de significados para aqueles que ali estão, o que demonstra o
grandioso sentido existente na palavra evento, sentido este que se amplia
consideravelmente quando o ‘mega’ se insere neste contexto.
Por outro lado, um dos fatores que legitima a participação e, consequentemente,
legitima a essência do evento em sua importância, está ligado a vivência coletiva.
Uma das características que constituem os eventos está na participação, na
vivência de duas ou mais pessoas, deste espaço-tempo diferenciado.
Vicente Romano, referindo-se as relações espaço-temporais pertinentes a mídia,
escreve:
“Lo que se ofrece al espectador es la ilusión en participar en esa
simultaneidad temporal, ilusión que también es necesaria, claro
está, para crear el sentimiento de estar presente y, a veces,
también de pertenencia”
12
.
Esta análise de Romano relativa a mídia muito se aplica aos eventos e
megaeventos, na medida em que o que se oferece ao participante do evento é
também a possibilidade de uma ilusão de participação e, consequentemente de
pertencência, que garante – ou deveria garantir - uma breve convivência, vivência
12
Vicente ROMANO, El Tiempo y El Espacio en la Comunicación, p. 120.
17
conjunta, que, por sua vez, representa uma das condições básicas do evento e na
mesma medida, do humano: seu gregarismo inato.
Segundo Hanah Arendt “a presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o
que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”
13
, ou seja,
somente por meio da vivência conjunta do evento, o mesmo se constitui como um
fenômeno real em todas as suas características de formação de vínculo, de
efemeridade, de tempo especial e de um espaço que também adquire valor
diferenciado
14
, como discutiremos posteriormente.
Malena Segura Contrera, na obra Os Meios da Incomunicação, diz que “toda
nossa vida está, expulsos do paraíso que fomos, pautada por essa tentativa
mágico-amorosa de re-unificação”
15
. Estamos, portanto, em uma busca
insessante pela construção de vínculos, pela presença do outro que, como pontua
Tzvetan Todorov
16
, promove a construção de um eu, em um ser humano que está
condenado a incompletude, em uma vida, ainda segundo o autor, em que não
existe ‘o eu sem o você’.
Esta incompletude, esta necessidade do outro, esta definição da condição
humana dependente da reunião com o outro, tem nos eventos e megaeventos
espaços que proporcionam – ou deveriam proporcionar - a re-unificação, a vida
em comum a que se refere Todorov, visto que, como dito, o homem “é
irremediavelmente incompleto e tem necessidade dos outros”
17
. Cyrulnik discute
esta questão como “o enfeitiçamento do mundo, a força oculta que nos governa e
13
Hanah ARENDT, A Condição Humana, p. 60.
14
Como aponta Bóris Cyrulnik em sua obra Os Alimentos do Afeto, “todo ser vivo utiliza o espaço
para torná-lo significativo, enviando-lhe sinais: o próprio espaço torna-se então um objeto
sensorial, estruturado como uma linguagem”. Bóris CYRULNIK, Os Alimentos do Afeto, p. 39.
15
Malena Segura CONTRERA, Os Meios da Incomunicação, p. 48.
16
Tzvetan TODOROV, A Vida em Comum, p. 10.
17
Tzvetan TODOROV, A Vida em Comum, p. 10.
18
nos força a estar com para ser
18
, processo este que, ainda segundo o autor,
constitui-se em função da porosidade do humano, sua abertura sensorial para o
mundo e para os outros. Somos sistemas abertos em constante interconexão e
troca com o meio ambiente, inclusive o cultural.
19
Se “estar com” é condição para “ser”, um dos elementos que devem ser
considerados na constituição de uma visão de eventos e megaeventos, sob a
ótica da comunicação, está nesta característica de permitir o “estar com”, permitir
e proporcionar a reunião, permitir o encontro, a participação coletiva,
respondendo, inclusive, a condição humana gregária, como anteriormente dito.
Não constitui objetivo desta dissertação, é interessante pontuar, construir uma
nova definição para eventos e megaeventos, mas faz-se de bastante valia situar-
nos em termos de referencial teórico e apresentar aqui uma abordagem que
apresente a natureza comunicativa dos megaeventos, uma vez que, como
previamente comentado, pouco se realizou a referida discussão.
Os eventos acompanharam a história do homem desde o princípio de sua
organização. Evoluíram a partir das mudanças sócio-culturais ocorridas através
dos tempos, com todas as transformações científicas e tecnológicas ocorridas, em
especial, nos últimos dois séculos, que mudaram os rumos da humanidade, em
função das profundas alterações espaço-temporais
20
desencadeadas pelo
18
Boris CYRULNIK, Do Sexto Sentido, p. 7.
19
De todos os organismos, o ser humano é, provavelmente, o mais dotado para a comunicação
porosa (física, sensorial e verbal), que estrutura o vazio entre dois parceiros e constitui a biologia
do ligante. Boris CYRULNIK, Do Sexto Sentido, p. 92.
20
Estas mudanças espaço-temporais têm sido profundamente discutidas por inúmeros
pensadores da cultura e da sociedade, como Edgar Morin, por exemplo. Estas alterações afetaram
profundamente a vida do homem em suas relações com o tempo e o espaço. Este homem
deslocou-se do campo para as cidades e passou a viver não mais em função do tempo cíclico,
tempo regido pela natureza, mas sim pelo tempo de trabalho, tempo da produção industrial. Além
destas alterações, inúmeras outras aconteceram em meio a este processo de profundas
mudanças. Novas tecnologias transformaram a forma do homem lidar com o mundo, seus valores,
19
processo de industrialização e surgimento da cultura de massas, cenário da
sociedade de consumo.
Na mesma medida que a comunicação, primeiramente de predominância inter-
pessoal, baseada nas mídias primária e secundária, de acordo com H. Pross
21
,
ou ainda inerente às relações internas das comunidades, como aponta Z.
Bauman
22
, tornou-se, com toda a evolução tecnológica dos últimos dois séculos,
comunicação mediada eletronicamente, terciária e globalizada, os eventos, os
rituais, também passaram a megaeventos, a eventos de massa, mobilizando,
envolvendo e encantando multidões que periodicamente têm se reunido para
vivenciar estas atividades.
Os megaeventos, em suas mais diversas formatações, constituem um dos
fenômenos da cultura de massas, da cultura eletrônica. Tal como tantos outros
produtos de consumo, retomando o significado da palavra participação
apresentado anteriormente, como o “tomar parte em”, os eventos refletem a
complexidade do homem contemporâneo e respondem claramente pelas
características desta nova sociedade, fruto da evolução tecnológica, de uma
cultura industrial, cultura de metrópoles e cultura transformada pela mídia.
Seja com objetivos de negócios, de lazer ou entretenimento, estes eventos têm
ocorrido de forma organizada, movimentando números bastante impressionantes
e se configurando como elementos característicos deste complexo sistema social
e cultural ao qual estamos submetidos.
seu modo de vida como um todo e, conseqüentemente, suas estruturas comunicativas, agora
diretamente afetadas pelo surgimento de um sem-número de novos veículos.
21
Os conceitos de mídia primária, secundária e terciária são encontrados no artigo Tempo Lento e
Espaço Nulo – Mídia Primária, Secundária e Terciária de Norval Baitello Júnior. Artigo disponível
no site do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia –
www.cisc.org.br.
22
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18.
20
Assim, os objetivos desta pesquisa baseiam-se em desvendar o que motiva um
número tão grande de pessoas a participar de eventos, a evolução destes
produtos da cultura de massas e o poder de mobilização que eles têm hoje.
Também será avaliado o encantamento gerado por estas atividades e sua
capacidade de reunir pessoas e promover um mergulho dos veículos de
informação nestes acontecimentos, veículos estes que se mobilizam, que cobrem,
apresentam, discutem, divulgam e envolvem mesmo aquele participante
audiovisual do evento que, por meio das mais diferentes mediações, acaba
informado – e muitas vezes enredado pelos acontecimentos. Outro fator é
entender quais são os processos comunicativos possíveis nestes espaços de
reunião de milhares de pessoas e definir a problemática da estruturação dos
megaeventos na contemporaneidade e sua evolução enquanto produto cultural
midiático e espetacular.
Desta forma, a proposta desta pesquisa está em compreender este fenômeno
contemporâneo em sua natureza comunicativa, tendo como premissa explicar as
origens do encantamento pelos eventos e a sedução da participação exercida
hoje por estas atividades. A complexidade comunicativa (ou incomunicativa)
destes espetáculos contemporâneos será, portanto, tema central desta
dissertação.
Independentemente de sua classificação, os eventos fazem parte da dinâmica
cotidiana dos indivíduos contemporâneos que estão, constantemente,
participando destas atividades, seja por motivos profissionais, sociais ou de
entretenimento, razão pela qual os eventos e megaeventos, em função de seu
poder de mobilização de números tão significativos de pessoas, têm se tornado
objetos de estudo de grande relevância.
21
Esta relevância também justifica-se pelo fato de que os eventos, em sua
complexidade, integram os ‘textos da cultura’, apresentados por Norval Baitello
Junior, em sua obra O Animal de Parou os Relógios:
“Deve-se entender por ‘textos da cultura’ não apenas aquelas
construções da linguagem verbal, mas também imagens, mitos,
rituais, jogos, gestos, cantos, ritmos, performances, danças etc.”
23
Estes elementos, apontados, de acordo com o autor, como textos da cultura,
estão condensados nos eventos. Imagens, rituais (ou sua rememoração, como
será discutido nos próximos capítulos), gestos, cantos, ritmos, performances,
danças, são elementos comuns aos mais diferentes eventos, materializados como
apresentações que integram a programação dos mesmos, senão como ação do
próprio participante.
Baitello Junior. afirma que o conjunto destes textos compõe a cultura, cujas
raízes, de acordo com Ivan Bystrina, citado na mesma obra
24
, são constituídos
pelos sonhos, pelo jogo e atividades lúdicas, pelos desvios psicopatológicos e
pelas situações de êxtase e euforia, sejam elas buscadas por meio de
substâncias, seja por meio de sons, seja por meio de movimentos
25
.
O autor discute ainda que o traço comum entre as raízes da cultura está na busca
pelo prazer, gozo e alegria, busca esta que se reflete claramente quando da
realização da maior parte das tipologias de eventos, em especial aquelas ligadas
23
Norval BAITELLO Junior, O Animal que Parou os Relógios, p. 30.
24
Idem, várias passagens.
25
Posteriormente, discutiremos a importância dada a busca pelo êxtase no contexto dos
megaeventos contemporâneos, busca esta que usa como estratagema exatamente o som, os
movimentos frenéticos dos indivíduos e das imagens e as substâncias alucinógenas.
22
ao entretenimento e ao lazer, como o caso dos grandes shows, comemorações,
das festas e dos festivais de música, ou ainda naquelas tipologias cujo prazer
está associado ao desenvolvimento pessoal e profissional, ao sucesso nos
negócios ou simplismente a auto-realização, como o caso das competições, dos
encontros religiosos, das feiras comerciais etc. A busca pelo prazer é uma
constante na realização e na participação em eventos das mais diferentes
naturezas e que se contróem com os mais diferentes objetivos.
Desta forma, como recorte para o desenvolvimento deste trabalho, uma tipologia
e uma classificação específica dos eventos foi selecionada. Trataremos dos
megaeventos musicais, abertos e promocionais, produtos culturais estes
caracterizados por sua presença na mídia em larga escala e pela participação de
grande número de pessoas, ou seja, pelo poder de mobilização em massa que
estes eventos, a cada dia, demonstram.
Os eventos musicais têm sido bastante representativos nos últimos tempos.
Realizados predominantemente com objetivos publicitários e promocionais, são
fenômenos sintomáticos da sociedade de consumo e de tantos outros elementos
da complexa cultura contemporânea.
Tendo como eixo a música, tribos inteiras das metrópoles deslocam-se para estes
“espaços de convívio” criados em meio às grandes cidades ou mesmo em
espaços alternativos como praias e fazendas. Trinta, quarenta, cinqüenta mil
pessoas – números que representam populações inteiras de pequenas cidades -
prestigiam eventos como Skol Beats, Coca-cola Vibe Zone, Tim Festival, Nokia
Trends, Motomix, que, em seus formatos, carregados pela convergência de
tecnologias, criam comunidades estéticas de vivências efêmeras, como aponta
23
Bauman
26
, consumidoras das imagens, do momento, construtoras e
mantenedoras de vínculos efêmeros.
Estes eventos, na atualidade, apesar da variedade de gêneros musicais que
muitas vezes apresentam,
27
têm se constituído como modelos de produtos a
serem consumidos em massa e pela massa, massa esta que está presente
fisicamente, ou somente acompanha por meio da mídia, compondo o que aqui,
como dito, chamaremos de ‘participantes virtuais’.
Os conceitos de tais eventos são muito parecidos, bem como o formato e a
tecnologia utilizada – telões, milhões de watts de potência de som, iluminação.
Isso sem falar dos meios de comunicação que multiplicam estas atividades, tais
como rádios, TVs, internet, por meio de sites, blogs, flogs, revistas, jornais e,
inclusive, celulares (mensagens “SMS”, tecnologia Bluetooth etc), divulgam,
cobrem, acompanham e fomentam a participação medidada nos megaeventos
atuais.
Somando-se tais características, percebe-se que estes megaeventos apresentam
importantes padrões de repetição em seus formatos, que se multiplicam por
inúmeros outros megaeventos, padrões estes que serão utilizados como base
para o desenvolvimento desta pesquisa.
Para fins de direcionamento no desenvolvimento desta dissertação, foi
selecionado um evento a ser analisado pontualmente, representativo destes
modelos de megaeventos musicais contemporâneos: o Skol Beats edição 2006,
megaevento realizado anualmente na cidade de São Paulo e que se encontra em
sua 6ª. edição, tendo reunido 59.500 participantes, ávidos pelas mais de 20 horas
26
Cf. Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 62.
27
Música eletrônica, rock, reggae, Música Popular Brasileira, entre outros genêros, são
apresentados em megaeventos musicais.
24
ininterruptas de música eletrônica, além de milhares de outros participantes que
acompanharam virtualmente o evento, por meio dos veículos de comunicação
eletrônicos que ofereceram cobertura ao vivo.
Assim, o Skol Beats pode ser considerado um megaevento levando-se em conta
o seu poder de mobilização, em termos de número de participantes, bem como a
repercussão do evento em nível nacional e internacional. O evento se tornou, a
partir de 2003, o maior festival de música eletrôncia da América Latina e já é
considerado um dos maiores do mundo. Sites de notícias, blogs e sites de
relacionamento de diversos países
28
têm trazido informações sobre o Skol Beats,
em especial em endereços ligados à música eletrônica, que se consolida como o
principal atrativo deste Festival. Assim, percebe-se, em especial em função do
enorme poder de mobilização deste evento, que o Skol Beats estrutura-se como
um interessante e complexo produto cultural da atualidade.
É interessante pontuar, nesta apresentação, que ao longo da pesquisa, o próprio
título da dissertação foi alterado. Inicalmente, tinha-se como uma das hipóteses
os megaeventos como grandes espaços de sociabilidade na contemporaneidade,
grandes espaços de formação das comunidades estéticas que, mesmo com suas
características líquidas, tal como será discutido de forma aprofundada
posteriormente (Capítulo II), constituíam-se como espaços de formação de
vínculos comunicativos.
28
Foram encontradas notícias e a programação do evento em sites da Austrália, Canadá,
Alemanha, Reino Unido, México, Argentina, França, Estados Unidos entre outros países. Pesquisa
realizada no site de busca Google em novembro de 2006. De acordo com este site de busca
existem aproximadamente 252.000 sites falando sobre o Skol Beats 2006. Quando ampliamos a
pesquisa para as demais edições do evento, pesquisando somente Skol Beats, este número de
amplia para 448.000 sites.
25
No entanto, no decorrer do desenvolvimento desta dissertação, em especial a
partir da pesquisa de campo, percebeu-se que, apesar destes espaços
rememorarem muito do formato dos rituais, das características de união e
participação presentes nos mesmos, os megaeventos da atualidade constituem-
se de grandes espaços de incomunicação. Essencialmente, por terem assimilado
de forma muito profunda a característica ‘mega’ em todos os aspectos de seu
formato
29
e por refletirem também algumas características comunicativas
contemporâneas, baseadas em vínculos efêmeros, mediados eletronicamente e
que, de fato, não favorecem o estabelecimento do que entendemos como
comunicação, ou seja, criação de vínculos profundos, enraizados e verdadeiros,
optou-se pela análise da natureza (in) comunicativa dos megaeventos
contemporâneos, que passou a constituir o título da dissertação.
Conforme divulgado pela IACVB (International Association of Convention &
Visitors Bureau
30
), o setor de eventos é responsável por transações anuais no
valor de US$ 27 bilhões, algo em torno de 11% do PIB mundial. Somente em
2002, de acordo com pesquisa realizada pelo SEBRAE (Serviço Brasileiro de
Apoio às Pequenas e Micro Empresas) em parceria com a FBCVB (Federação
Brasileira dos Convention & Visitors Bureau) foram realizados, no Brasil, 330 mil
eventos, ou seja, são mais de 900 eventos diários. Nestes 330 mil eventos,
29
Eventos, como dito, sempre aconteceram. Ao longo da história do homem, os eventos têm sido
importantes estratégias de encontro, de relacionamento e de comunicação. No entanto, nos
últimos anos, em especial após a década de 50, estes eventos cresceram substancialmente em
vários aspectos, e mais especificamente, com relação ao número de pessoas que tem mobilizado.
Os festivais de música, em especial a partir de 1969, com a realização de Woodstock nos Estados
Unidos, passaram a ser caracterizados pelo imenso número de pessoas que mobilizam e, para
tanto, pelas megaestruturas que disponibilizam aos participantes.
30
Associação Internacional dos Conventions & Visitors Bureau (CVB). CVB’s são escritórios que
tem como objetivo fomentar a realização de eventos em determinadas localidades.
26
participaram, durante o mesmo ano, 79,9 milhões de pessoas, o que representa
quase 50% da população do país.
31
Esta dissertação, desta forma, justifica-se pela necessidade de se compreender
qual a natureza comunicativa destes eventos, as motivações de um número tão
grande de pessoas a participarem de tais atividades, bem como por explicar a
evolução destes produtos da cultura de massas e o poder de mobilização que
eles têm hoje.
Os eventos e suas características inerentes, em função do processo comunicativo
que proporcionam, compõem, sem sombra de dúvidas, o “Espírito do Nosso
Tempo”, termo que visa representar a complexidade do momento atual.
Constituem-se de espetáculos, em que a presença coletiva e as sensações
geradas pela atividade em si propiciam ao indivíduo um total afastamento de sua
realidade, proporcionando uma aproximação significativa aos estados alterados
da consciência, da vertigem, tão comuns nos antigos rituais das sociedades
primitivas.
Roger Caillois, citado em Alberto Carlos Augusto Klein
32
, aponta uma estreita
aliança entre o simulacro e a vertigem, afirmando que a aliança entre ambos é tão
forte e tão irremediável que pertence naturalmente à esfera do sagrado e talvez
constitua um dos recursos principais da mescla de horror e de fascinação que
determina.
31
Vale ressaltar que os eventos pesquisados possuem características bastante específicas: são
eventos com mais de 100 participantes, realizados em espaços obrigatoriamente locados. Não
foram contabilizados eventos de menor porte ou eventos realizados em espaços públicos, o que
faz concluir que este número pode ser ainda maior. Fonte:
http://www.fbcvb.com.br .
32
Alberto Carlos Augusto KLEIN, Culto e Mídia, p. 84.
27
Sem sombra de dúvidas, os eventos da atualidade constituem-se de simulacros
33
em busca desta vertigem, de realidades além da realidade; são espetáculos,
dentro do conceito de Guy Debord em que “o fim não é nada, o desenrolar é tudo
(...) não se deseja chegar a nada que não seja ele mesmo”
34
, e, apesar disto, o
homem contemporâneo, ainda é remetido – ou tenta ser remetido -, nos eventos,
a uma esfera ‘sagrada’, cujas raízes podem estar ligadas às relações entre os
eventos contemporâneos e os antigos rituais, tal como discutido no capítulo I.
Provavelmente, pela rememoração da participação promovida pelos rituais
primevos, que coligavam, organizavam, uniam, formavam fortes vínculos no
grupo, que podem ser relativamente revividas nos eventos atuais – ou que pelo
menos trazem em si o resquício memorável destas vivências -, este homem
contemporâneo continua participando, comparecendo, continua presente nestes
espaços que evocam, de certa forma, estados alterados da consciência, a ligação
com o sagrado e com a (pseudo) transcendência.
Os meios de comunicação eletrônicos, nestes casos, acabam funcionando como
elementos alavancadores desta participação. De acordo com Harry Pross, em La
Violencia de Los Símbolos Sociales:
Gracias a la publicidad y a la información periódica de la prensa e
de la radio, el interés por el rito, no solo se mantiene, sino que
33
Para Jean Baudrillard, o simulacro constitui-se de todo o tipo de estereótipo ou modelo e
significa por si só, sem a necessidade de um referente físico factual, produzindo realidades
autônomas além da realidade experimentada de fato.
34
Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 17.
28
aumenta de año en año. Aumenta la coacción a participar y, con
ella, también el número de victimas de las vacaciones
35
.
Por mais espetacularizado que os eventos tenham se tornado, por mais distantes
dos rituais primevos de união e organização, que estejam hoje tais atividades,
resta ainda a saudade do ritual
36
, que pode constituir-se como um motivador da
busca pela transcendência, do contato com este sagrado perdido, de uma quebra
com o cotidiano e que faz com que tantas pessoas estejam lá, participem, entrem
em contato com o mundo espetacular dos eventos.
O grande interesse pelos eventos surge também como resultado da própria
cultura midiática: “Há uma plenitude, uma superabundância, uma exuberância
devastadora e proliferadora de vida nos jornais e nas telas, que compensa a
hipotensão, a regulação e a pobreza da vida real”
37
. Os eventos, superando a
vivência unilateral das mídias mais tradicionais, permitem ao participante a
vivência daquele momento, mesmo que tudo se paute pela estética do simulacro.
O participante sai da limitação da mídia impressa e eletrônica, que estimulam
predominantemente a visão e a audição, e permite-se uma vivência mais
completa – ainda polarizada pela visão e audição – mas que envolve seus outros
sentidos, bloqueados pelas mídias impressa e eletrônica - essencialmente
audiovisual, e exacerbados no mundo dos eventos, em que todos os sentidos
estão - ou deveriam - estar presentes.
35
É interessante notar que na contemporaneidade, os eventos passaram a constituir-se como
elementos – ou produtos - do período de tempo livre, o período denominado por Pross “de las
vacaciones”, período das férias, do lazer.
36
A idéia de saudade do ritual é amplamente discutida por Malena Segura Contrera na obra Mídia
e Pânico, além de outras obras da autora.
37
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p. 110.
29
“O tema da liberdade se apresenta através das janelas diariamente abertas na
tela, no vídeo, no jornal, como evasão onírica ou mítica fora do mundo civilizado,
fechado, burocratizado.“
38
Na mesma medida, a experiência, a vivência
proporcionada pela participação nos eventos também promove tal evasão,
fazendo o participante sair de sua realidade, de sua banalidade diária para a
experiência de um mundo novo, diferenciado, inesperado.
Como ignorar a complexidade de todos estes fatores presentes nos eventos?
Como ignorar a necessidade de evasão, a busca pelo sagrado e tantos outros
processos culturais envolvidos nestes acontecimentos? Como ignorar a
importância de megaeventos como a Olimpíada, a Copa do Mundo, a Parada Gay
e os mais diversos festivais de música, entre tantos outros que movimentam
milhões de pessoas e dominam a mídia antes, durante e depois de acontecerem?
Como ignorar atividades tão espetacularizadas, que, mesmo pautadas pela
estética do simulacro encantam, envolvem e prendem de forma tão significativa a
atenção de tantas pessoas, presentes no evento, ou mesmo, se não presentes,
antenadas a cada um dos momentos por meio dos veículos de comunicação de
massa?
Para que esta visão da natureza comunicativa dos megaeventos seja estruturada
e a fim de que se alcancem os objetivos propostos para esta pesquisa foi adotado
como recurso metodológico a realização de uma pesquisa exploratória em função
de propor uma ampliação do conhecimento relativo às relações da comunicação e
dos megaeventos.
38
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p. 113
30
Como métodos de coleta de dados foram adotados, em primeiro lugar, a Pesquisa
Bibliográfica, sendo consultados os principais autores que se inter-relacionam
com o problema de pesquisa, objetivando consolidar um estudo relativo à
natureza comunicativa dos megaeventos.
Esta primeira etapa da pesquisa pretendeu subsidiar informações para a
estruturação dos capítulos um e dois, que apresentam a discussão,
respectivamente, sobre as raízes dos megaeventos e sobre o vínculo e a
sociabilização derivadas destes eventos.
Uma primeira revisão bibliográfica, envolvendo, além dos principais autores
clássicos da comunicação e da Teoria da Mídia, a análise de bancos de teses dos
principais núcleos de pesquisa do País
39
, não identificou, até o presente
momento, teses ou dissertações que discutam as relações entre os megaeventos
e a comunicação, no enfoque aqui proposto. A pesquisa junto à bibliografia
especializada identificou somente menções aos eventos, às festas, mas sem
reflexão teórica significativa para compreender a importância destes fenômenos
comunicativos e midiáticos na cultura contemporânea.
É válido mencionar que, com relação a eventos e megaeventos, pouco se
contribuiu em termos científicos para a compreensão destes fenômenos,
conforme percebido durante as pesquisas. Os grandes autores deste segmento
baseiam suas obras essencialmente no processo saber-fazer. Inúmeros manuais,
guias e obras têm como objetivos principais apresentar modelos para realização
de eventos, objetivo este cumprido de forma muito satisfatória. No entanto,
percebeu-se que não existem obras que promovam um aprofundamento no
39
Pesquisas realizadas em: http://periodicos.capes.gov.br, www.usp.br/sibi, www.prossiga.br
(CNPQ),
www.scielo.br. Pesquisa realizada entre 10 e 15 de julho de 2005.
31
entendimento da complexidade destes fenômenos enquanto produtos culturais
contemporâneos, bem como das relações comunicativas existentes em tais
espaços.
Além da pesquisa bibliográfica, foi realizada também a análise de materiais
promocionais e registros de diversos eventos com as características previamente
definidas, buscando estabelecer a relação entre os mesmos, por meio de padrões
de repetição em termos de formato e estrutura, com o evento aqui pontuado, o
Skol Beats, utilizando-se como fontes, principalmente, materiais produzidos pela
mídia eletrônica. Tal pesquisa visou fornecer informações específicas para a
construção de um embasamento que apresente a natureza comunicativa destes
produtos culturais, em uma visão contemporânea de como estes fenômenos se
inter-relacionam. Esta pesquisa teve também por corpus a análise de documentos
relativos ao evento pontuado, em especial o exame de material publicitário das
edições anteriores, bem como o estudo da programação dos eventos, além de o
exame de arquivos dos principais veículos de comunicação
40
, enfocando
avaliação do número de participantes, estrutura e programação do evento.
Finalmente, a coleta de informações foi complementada pela observação direta
informal, por meio da participação no evento e estruturação de um protocolo de
observação, que identificou as características estruturais do mesmo, bem como
as estratégias utilizadas em sua divulgação pré, per e pós-evento.
Assim, serão situadas as produções acadêmicas pertinentes aos objetos de
estudo e aos temas deles derivados, adotando-se procedimentos básicos de
pesquisa e análise bibliográfica, promovendo o cruzamento dos objetivos
40
Este levantamento direcionou-se para arquivos eletrônicos.
32
apresentados, do referencial bibliográfico e da capacidade crítica e criativa
envolvida, resultando na formulação de alguns parâmetros teóricos que
fundamentam o conhecimento de um fenômeno naturalmente mediador da área
de comunicação, cujos padrões, como previamente mencionado, repetem-se em
inúmeros outros megaeventos contemporâneos.
Apresentamos, então, no primeiro capítulo, uma reflexão relativa a origem dos
megaeventos, traçando um paralelo entre os mesmos e os antigos rituais.
Discutimos ainda sua formatação na contemporaneidade, que inundou estes
acontecimentos pelo fenômeno ‘mega’.
O segundo capítulo, por sua vez, faz uma análise breve da evolução dos
processos comunicativos pautado na relação dos mesmos com as alterações das
comunidades que estas mudanças proporcionam, posicionando, desta forma, os
megaeventos como formas contemporâneas de vivências comunitárias, marcadas
pela efemeridade e pela volatilidade das relações.
A seguir, apresentamos o objeto de estudo, ou seja, o Skol Beats 2006,
representativo do fenômeno dos megaeventos, e para tanto discutimos sua
origem, características, a música eletrônica e os demais fenômenos
comunicativos que foram identificados durante o processo de pesquisa inerentes
à estes festivais musicais.
Finalmente, apresentamos as considerações finais do referido trabalho, que
trazem a análise relativa aos processos de incomunicação identificados nos
megaeventos musicais contemporâneos.
Obviamente, esta pesquisa não está terminada e constitui somente um primeiro
passo. As considerações aqui apresentadas como a importância destes
megaeventos enquanto um produto cultural contemporâneo, a incomunicação
33
como uma característica presente nestes espaços e tantas outras discussões aqui
pontuadas representam somente um primeiro olhar da comunicação sobre os
megaeventos contemporâneos.
Olhar um objeto de pesquisa em uma dissertação de mestrado é olhar o mundo
por uma fresta de uma porta entreaberta. Quais outras informações poderão
surgir de trás desta porta? Fica o desejo, então, de novas pesquisas, de novas
perspectivas deste mesmo objeto, para que a porta possa ser, de fato, aberta.
34
C
C
a
a
p
p
í
í
t
t
u
u
l
l
o
o
I
I
-
-
A
A
s
s
O
O
r
r
i
i
g
g
e
e
n
n
s
s
d
d
o
o
s
s
M
M
e
e
g
g
a
a
e
e
v
v
e
e
n
n
t
t
o
o
s
s
:
:
R
R
e
e
l
l
a
a
ç
ç
õ
õ
e
e
s
s
e
e
n
n
t
t
r
r
e
e
E
E
s
s
p
p
e
e
t
t
á
á
c
c
u
u
l
l
o
o
e
e
R
R
i
i
t
t
u
u
a
a
l
l
A compreensão da dinâmica contemporânea somente se realiza quando
buscamos as raízes dos processos e produtos culturais; somente quando nos
amparamos na arqueologia dos fenômenos somos capazes de entendê-los por
inteiro.
As novas cenas da história do mundo, que vão se constituindo diariamente, estão
sempre bebendo nos tempos idos. O hoje não existe sem o ontem e o amanhã
não existirá sem o hoje; a contemporaneidade está o tempo todo se alimentando
do passado e recriando processos para a sua concepção presente.
"Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como
querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas
pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como
um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem
empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que
jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise
revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio
os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os
gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena
35
da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem
emprestada”.
41
Karl Marx
Esta reflexão de Marx pontua com muita clareza as relações do homem
contemporâneo com seu passado. Apesar dos indiscutíveis e diários avanços
tecnológicos e de toda a evolução da ciência, o homem da contemporaneidade
mantém ainda estreita relação com os tempos idos, com hábitos, costumes e
crenças que permeavam o imaginário primitivo e que se mantém de forma muitas
vezes não explícita em sua mente, mais que persistem e têm sua irrupção em
diversos momentos, em função também da cultura conceber-se como um
processo notoriamente cumulativo.
Norval Baitello Junior, em sua obra O Animal que parou os Relógios aponta a
cultura como um “campo amplo que recebe as contribuições e descobertas de
cada indivíduo, de cada grupo social, de cada época, e as perpetua, transmitindo
as informações de geração a geração, de grupo para grupo, de época para
época”
42
, uma cultura que se acumula ao longo da história humana, que se
alimenta do passado para construir o presente – a complexa contemporaneidade.
E dessa cultura cumulativa resulta a síntese do homem contemporâneo, também
complexo por natureza, imerso no universo midiático, fruto e recursivamente
produtor da cultura de massas, da cultura midiática, cultura esta inundada de
produtos, meios, tecnologias e mensagens que permeiam, pautam e orientam a
vida deste homem da atualidade.
41
Karl MARX, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, in: Textos de Karl Marx e Friedrich Engels p.
203.
42
Norval BAITELLO Junior, O Animal que parou os Relógios, p.20.
36
Dentre estes produtos culturais, encontram-se os eventos e os megaeventos.
Compreender a origem destes fenômenos da cultura de massas e sua
transformação em espetáculo compõe a questão central deste capítulo, que utiliza
como metodologia a pesquisa exploratória e como método a pesquisa
bibliográfica, sendo consultados os principais autores que se inter-relacionam com
o problema de pesquisa, bem como breve pesquisa histórica objetivando-se
realizar um estudo evolutivo dos eventos até o formato de megaeventos,
buscando-se ainda identificar características específicas que os interliguem aos
processos rituais, aqui colocados como raiz dos espetáculos de massa da
atualidade.
As Raízes e Importância do Ritual
O ritual. Fenômeno cultural profundamente respeitado e estudado pela
antropologia, pela sociologia e pelas demais disciplinas que pretendem
compreender o homem. Presente em todas as culturas como elemento
organizador, apaziguador, vinculador, intrínseco aos grupos e utilizado com as
mais diversas finalidades. Intrínseco ao homem.
Quando analisada a evolução do homem, quando estudado o surgimento da
consciência, quando se pretende, por meio dos grandes teóricos que se
ocuparam de tal discussão, aproximar-se deste momento primeiro, da qual nossa
sociedade é resultado, logo se depara com o ritual como parte deste despertar da
consciência.
37
Edgar Morin, ao discutir o paradigma da natureza humana
43
aponta como o ponto
crucial para a irrupção da consciência do homem, o momento em que este
homem primitivo - de 40 mil anos - desenvolve processos ritualísticos com relação
à morte, não somente enterrando os corpos, para evitar a exposição e a
decomposição, mas preparando este corpo
44
, fatores estes que sugerem a
existência de uma cerimônia fúnebre - um ritual - e que pontuam o
desenvolvimento da capacidade simbólica neste homem primitivo.
Somente a partir do desenvolvimento da capacidade simbólica, o homem passa a
diferenciar-se enquanto “humano”, de acordo com Morin, e este fenômeno tem
como passo primeiro a realização de um ritual.
Este momento de irrupção da morte na vida do homem é fundamental dentro da
formação de sua consciência, e mesmo neste primeiro momento de criação de
sentido, ou da consciência da mortalidade humana, identificamos o ritual como
elemento fundamental para o entendimento deste processo social.
Da mesma forma, o ritual é identificado nas mais variadas situações, nos mais
diversos grupos, em todas as culturas e religiões.
Os diversos pensadores do ritual como Durkheim, Mauss e Weber, todos estes
citados em Victor Turner, em sua obra, “
O Processo Ritual”, uma das principais
referências sobre o tema, identificaram “a extrema importância das crenças e
práticas religiosas para a manutenção e a transformação radical das estruturas
43
Edgar MORIN, O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, p.93
44
Fósseis passam a ser encontrados em posições específicas (fetal) e muitas vezes deitados sob
um leito de flores, o que pode ser comprovado pela existência de pólen junto às ossadas. (Edgar
MORIN, O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, p.93)
38
humanas, tanto sociais como psíquicas”
45
, ou seja, identificaram o ritual como
elemento fundamental para a organização do homem.
De acordo com Morin, “não se poderia conceber uma antropologia fundamental
que não englobasse a festa, a dança, o riso, as convulsões, as lágrimas, o gozo,
a embriagues, o êxtase”
46
, ou seja, é impossível compreender-se de forma
completa o homem e suas origens, sem que sejam levados em consideração os
elementos presentes e que compõem o processo ritual.
O ritual aparece, como dito, nos mais diversos momentos da vida do homem e,
também, nas mais diversas culturas ao longo da história. Dos rituais ligados à
natureza, às práticas agrárias, e os ritos de passagem, as várias atividades do
homem primevo estiveram inundadas pela prática ritual. O ser humano, frágil por
natureza perante as adversidades de seu espaço de vivência, necessita
organizar-se para não perecer. O ritual é a forma simbólica de lidar com esta
fragilidade e, principalmente, por meio da rememoração dos mitos que os rituais
promovem, organizar o mundo deste homem primitivo.
Mônica Wilson (1954) citada em Turner afirma:
“Os rituais revelam os valores no seu nível mais profundo...os
homens expressam no ritual aquilo que os toca mais intensamente,
e, sendo a forma de expressão convencional e obrigatória, os
valores do grupo é que são revelados. Vejo no estudo dos ritos a
chave para compreender-se a constituição essencial das
sociedades humanas.”
47
45
Victor TURNER, O Processo Ritual, p. 16.
46
Edgar MORIN, O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, p.106
47
Victor TURNER, O Processo Ritual, p. 19.
39
Esta afirmação pontua de forma bastante explícita a importância do ritual. Como
processo convencional, ou seja, convencionado dentro do grupo e obrigatório, o
ritual carrega os valores deste grupo e, portanto, revela suas características, seus
hábitos, suas crenças. Os rituais, como afirma Turner, “têm sido considerados
decisivos indícios para a compreensão dos pensamentos das pessoas, suas
relações e sobre os ambientes naturais e sociais em que operam.”
48
Pross, em La Violencia de Los Símbolos Sociales, comenta a importância das
festas para os indivíduos, fazendo menção direta também à importância do ritual,
já que aponta as referências metafísicas envolvidas neste processo: “Las fiestas
sirven a la economia de las fuerzas del alma puesto que, en virtud de sus
referencias metafísicas, liberan del tormento de la lucha diaria, y, naturalmente,
sirven para la autopresentación de quines las organizan.”
49
Do Ritual Sagrado aos Megaeventos – Das práticas primitivas aos
megaespetáculos contemporâneos
O ritual, como dito, concebe-se como um processo extremamente importante para
as sociedades primitivas: é o elemento organizador, apaziguador, que permite um
certo controle daquilo que, para este homem, apresenta-se como desconhecido.
Por meio de seus diversos cerimoniais, o ritual sagrado elimina, senão diminui, as
48
Victor TURNER, O Processo Ritual, p. 19.
49
Harry PROSS, La Violencia de los Símbolos Sociales, p. 78. (As festas servem a economia das
forças da alma posto que, em virtude de suas referencias metafísicas, liberam do tormento da luta
diária, e, naturalmente, servem para a auto-apresentação daqueles que a organizam).
40
tensões geradas pela consciência do humano, do homem em si, ligando-o com o
sagrado, o transcendente, com a religiosidade.
Vilém Flusser descreve a religiosidade como “nossa capacidade para captar a
dimensão sacra do mundo”
50
, sendo que esta sacralidade, segundo o mesmo
autor, “revela o mundo e nossa vida dentro dele como realidade significativa”
51
. A
religiosidade, assim, torna-se o espaço de atribuição de sentido, espaço em que o
inexplicável ganha significado – é compreendido - e o ritual, por sua vez,
materializa esta dimensão sacra.
A evolução do homem, da cultura e, em especial, da ciência, no entanto, afastam,
paulatinamente, este homem do sagrado. O que antes era explicado via
religiosidade, passa a ser explicado pela ciência, pela racionalidade. As
sociedades evoluem, amplia-se a tecnologia e muitos valores simbólicos se
perdem. Novos significados racionais são dados aos processos e o sentido
sagrado se desvanece. O homem se afasta dos deuses, se dessacraliza e, com
este processo, perde a essência vívida dos antigos rituais, sagrados,
participativos, coletivos.
Em uma citação bastante objetiva de Guy Debord, autor de uma das maiores
reflexões relativas à espetacularização do mundo atual, A Sociedade do
Espetáculo, temos: “Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma
representação.”
52
A vivência do real, apontado por Mircea Eliade, em sua obra O
Sagrado e o Profano como a vivência do sagrado, passa a ser a vivência da
representação, esvaziada de sentido.
50
Vilém FLUSSER, Da Religiosidade, p. 16
51
Idem. p.17.
52
Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 13
41
A evolução da tecnologia e da ciência, em especial com o advento da Revolução
Industrial, modifica de forma muito significativa as relações espaço-temporais do
homem, que, de uma vivência baseada nos ritmos naturais e de profunda ligação
com o sagrado, que explica o desconhecido, vê-se mergulhado em um mundo
iluminado pela ciência – um mundo explicado e regido pelo homem – ou pela
máquina construída pelo homem. Este mundo “explicado” ou “explicável” é visto
por V. Flusser como um mundo de “coisas transparentes”, mundo este, também
segundo o autor, “raso e chato”, um mundo simplificado, ausente de sentido e de
profundidade.
53
Obviamente, as vivências diárias deste homem se alteram significativamente. O
mesmo distancia-se do campo, da natureza, da vida em comunidade e passa a
vivenciar uma nova lógica, a lógica da vida urbana, da nova sociedade industrial –
lógica da vida moderna. Tempo e espaço assumem novas dinâmicas; de uma
ordem natural do tempo e do espaço, como aponta Vicente Romano, passa-se a
“ordem cultural”
54
.
Tempo e espaço convertem-se em produtos, tais como aqueles que agora
inundam a vida do homem, frutos das indústrias e que, desta forma, devem ser
consumidos. Seu consumo se torna obrigatório, compulsivo, convulsivo, consumo
determinado pela linha de produção, pela criação de necessidades até então
inexistentes, pela vida agora racionalizada, industrializada, maquinificada.
As mudanças relativas a este novo contexto alteram de forma profunda, como dito
anteriormente, a vida e o dia-a-dia do homem, e alteram, além disso, sua forma
de relacionar-se com o mundo, de percebê-lo e de assimilá-lo; a cultura
53
Cf. Vilém Flusser, Da Religiosidade, várias passagens.
54
Vicente ROMANO, Ordem Cultural e Ordem Natural do Tempo, p. 4.
42
tradicional, ou cultura dos cultos, como denomina Morin, também sofre profundas
desfigurações. É a erupção da cultura de massas.
Novos valores estéticos se configuram a partir desta desfiguração do modo de
vida e do modo de percepção deste homem; os valores estéticos
55
, até então,
muito ligados ao sentido, ao sentir e à arte, se transformam na estética da cultura
de massas, baseada na estética do consumo. “É toda uma concepção de cultura,
arte, que é achincalhada pela intervenção das técnicas industriais, como pela
determinação mercantil e a orientação consumidora da cultura de massa”
56
,
debate Morin, que pontua este processo como a “industrialização do espírito”, em
que “opera-se o progresso ininterrupto da técnica, não mais unicamente voltado à
organização exterior, mas penetrando no domínio interior do homem e aí
derramando mercadorias culturais. (...) Cultura e vida privada entram no circuito
comercial e industrial.”
57
Os novos valores estéticos, da cultura de massa – do consumo – e da
tecnificação são propagados pela própria técnica, em especial, pela técnica dos
meios de comunicação de massa, que se desenvolvem enormemente em meio a
este contexto. O rádio multiplica-se e se populariza, jornais, revistas e tantas
outras mídias tomam o cenário urbano e se consolidam como referências
culturais, visto sua capacidade de propagar mensagens, modelos e estereótipos,
como descreve Morin:
55
De acordo com Malena Segura Contrera a origem etimológica da palavra estética está
relacionada a palavra aisthétikós,do grego, “suscetível de perceber-se pelos sentidos”, derivado de
aisthésis, “faculdade de percepção pelos sentidos”. Mídia e Pânico, p. 64
56
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p.18.
57
Idem. p.13.
43
“A cultura de massas é produzida segundo as normas maciças da
fabricação industrial; propagada pelas técnicas de difusão maciça,
destinado à uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco
de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas
da sociedade”.
58
Estes dois contextos, a dessacralização do homem paralela à irrupção da cultura
de massas, edificam a conjuntura da emersão da sociedade do espetáculo e da
sociedade midiática.
A imagem passa a dominar a vida do indivíduo e a mídia a pautá-lo. “É sem
dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a
representação à realidade, a aparência ao ser”.
59
Configura-se o espetáculo, que
“constitui o modelo atual da vida dominante da sociedade”
60
.
Guy Debord afirma:
“Nunca a tirania das imagens e a submissão alienante do império
da mídia foram tão fortes como agora. Nunca os profissionais do
espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e
conquistaram todos os domínios – da arte à economia, da vida
cotidiana à política -, passando a organizar de forma consciente e
sistemática o império da passividade moderna”
61
.
58
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p.14.
59
FEUERBACH citado em Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 13
60
Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 14.
61
Idem, prefácio.
44
E dentre os produtos culturais do espetáculo e da cultura de massa, emergem
também os megaeventos.
Como afirma Vargas, “todos os tipos de rituais míticos servem, uns mais e outros
menos, para uma certa conformação razoavelmente ordenada da sociedade. Os
espetáculos não fogem a esta regra. Ao contrário, fazem desse conceito a chave
fundamental para sua existência”.
62
O mundo imaginário não é mais apenas consumido sob forma de ritos, de cultos,
de mitos religiosos, de festas sagradas “nas quais os espíritos se encarnam, mas
também sob forma de espetáculo, das relações estéticas.”
63
O homem desliga-se
dos valores sagrados, para se orientar pelos valores estéticos – não a estética do
sentido, da aisthesis, originária da palavra, mas a estética do moderno, do
espetáculo contemporâneo, no qual os eventos se encaixam, confirmando a
afirmação de Debord: “O espetáculo contemporâneo é a reconstrução material da
ilusão religiosa”
64
, ou seja, a nova estética da cultura de massas busca reconstruir
a ilusão religiosa, o sentido, mas é vazia, é espetáculo. “Nem retirada solitária,
nem ritos cerimoniais opõem a cultura de massa à vida quotidiana. Ela é
consumida no decorrer das horas. Os valores artísticos não se diferenciam
qualitativamente no seio do consumo corrente”.
65
O megaevento compõe a nova estética proposta por Morin, em que o ritual passa
a espetáculo sendo que “a finalidade cultural ou ritual das obras do passado se
atrofiou ou desapareceu progressivamente para deixar emergir uma finalidade
62
Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço, p. 149.
63
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p. 79
64
Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 19
65
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose. p. 18
45
propriamente estética.”
66
O sentido se perde, o significado, a ritualização, para
surgir o produto, para consumo em massa, o espetáculo.
Walter Benjamin, em seu texto A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade
Técnica, elucida de forma bastante explícita as alterações vividas neste período
de explosão da cultura de massas: “Na época de Homero, a humanidade
oferecia-se em espetáculo aos deuses olímpicos; agora, ela se transforma em
espetáculo para si mesma”
67
. É a vivência da não-vivência, imagem pela imagem,
estética do consumo. Espetáculo. “A cultura de massa é, sem dúvida, a primeira
cultura da história mundial a ser plenamente estética. Isso significa que, apesar
de seus mitos e seus engodos religiosos, é uma cultura fundamentalmente
profana.”
68
Com estas transformações decorrentes da cultura de massas, quando o ritual
perde seu valor simbólico e ganha valor imagético – tornando-se espetáculo, e
que o homem se afasta cada vez mais do sagrado, nascem os megaeventos, sem
dúvida, recriações ou rememorações dos antigos rituais, mas que perderam
totalmente seu valor simbólico – de espaço de atribuição de sentido, tal como
apontou V. Flusser, de espaço de reorganização, tal como aponta V. Turner, mas
que, mesmo assim, constituem-se como importantes produtos culturais da
contemporaneidade atendendo a nova dinâmica moderna, da cultura de massas.
“Pelo movimento real e a presença viva, a cultura de massa
reencontra um caráter da cultura arcaica: a presença visível dos
seres e das coisas, a presença permanente do mundo invisível. Os
66
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose p. 79
67
Walter BENJAMIN, A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, p. 28.
68
Idem. p. 79
46
cantos, danças, jogos, ritmos do rádio, da televisão, do cinema,
ressuscitam o universo das festas, danças, jogos e ritmos.”
69
A participação coletiva é re-introduzida na cultura industrial, mas em um novo
formato, dentro de uma nova roupagem em que atores e espectadores estão
fisicamente separados, diferentemente da cultura arcaica em que num mesmo
lugar todos participavam ao mesmo tempo como atores e espectadores da festa.
O espectador somente participa fisicamente do espetáculo, presença esta
marcada pela ausência, como aponta Morin.
Deste modo, “a festa, da qual todos
participam, tende a desaparecer, em benefício do espetáculo”
70
.
Percebe-se, portanto, que, tal como em outros produtos culturais, os eventos
atuais estão permeados por uma série de traços que remetem à presença de
símbolos associados ao inconsciente coletivo
71
e que configuram a cultura da
atualidade, comprovando assim sua imensa ligação com os antigos rituais. Os
conteúdos arcaicos encontram-se em meio à civilização contemporânea; o
símbolo primitivo revive e dele se alimentam a mídia e os eventos. Ivan Bystrina,
em sua obra Semiotik Der Kultur, compartilha desta visão, afirmando que os
padrões arquetípicos da memória coletiva permeiam de forma bastante
significativa o universo cultural do indivíduo contemporâneo.
69
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose. p. 62
70
Idem. p. 62
71
De acordo com C. G. Jung, em sua obra “Fundamentos da Psicologia Analítica” (Vozes,1985)
alguns padrões presentes na psique humana não pertencem ao indivíduo, mas sim à humanidade,
são próprios do humano, de natureza coletiva. Estes padrões possuem como particularidade o
caráter mítico e se constituem como base da mente humana. Jung afirma que o homem, ao
nascer, não apresenta sua mente como uma folha em branco, mas traz consigo um depositário de
relíquias e memórias do passado que, associados a sua experiência individual irão formá-lo como
indivíduo.
47
“O processo de criar, transmitir e manter o passado no presente é
cultura – a capacidade que o semanticista norte-americano Alfred
Korzybsky denominou vinculadora do tempo. As plantas vinculam
substâncias químicas, os animais vinculam espaço, mas só o
homem é capaz de vincular o tempo”.
72
Norval Baitello Junior, em O Animal que parou os Relógios realiza uma
interessante análise concernente à relação tempo e cultura, comentando que
cada cultura constrói seu próprio padrão de tempo e, por meio deste padrão,
define a forma de utilização que fará dos textos culturais. Também foca que
algumas culturas encontram-se voltadas para tempos futuros, sendo
“messiânicas”, tendo todo o seu passado e presente redimensionados em função
da sociedade ideal que vai acontecer no futuro, enquanto outras culturas centram-
se no texto presente, sendo marcadas pelo descarte da informação histórica, em
que o novo já nasce predisposto à obsolescência. Outras culturas voltam-se para
o texto passado, sendo eminentemente heróico-míticas, fundadas em um tempo
memorável dos deuses e heróis.
Esta analogia relativa ao padrão de tempo apropriado por diferentes culturas é
interessante na medida que o autor finaliza a análise comentando sobre a cultura
contemporânea, da sociedade midiática “que reúne traços preponderantes de
culturas heróico-míticas e de culturas centradas no presente. Por um lado,
descarta a informação apenas passado o seu tempo imediato de veiculação,
instaurando uma memória do tipo ‘curtíssimo tempo’. Por outro lado, permite no
vácuo criado pela destruição do passado imediato, o ressurgimento dos
72
Ashley MONTAGU APUD Norval BAITELLO JUNIOR, O Animal que parou os Relógios, p. 98.
48
fantasmas de deuses e heróis, figuras que povoam as culturas centradas no
passado.”
73
Nossa cultura, desta forma, se configura também como a reaparição destes
elementos arquetípicos, ou como aponta o autor, heróico-míticos, do passado,
mas que povoam ainda o imaginário cultural atual, bem como os produtos da
cultura das mídias.
A presença destes padrões arquetípicos e, principalmente, de padrões herdados
dos antigos rituais, podem ser perfeitamente notados quando analisados os
megaeventos, e, em especial, o comportamento comunicativo dos participantes
nestes eventos, que têm suas estruturas comportamentais totalmente alteradas
em relação ao seu comportamento cotidiano.
Traços “não permitidos ou não aceitáveis” na comunidade atual, no dia-a-dia dos
indivíduos – na comunidade do homem a-religioso – são exacerbados no espaço
do evento, demonstrando, desta forma, a enorme ligação deste homem que
habita a contemporaneidade e que se integra em um processo cumulativo de
cultura, com o homem das comunidades primitivas: arquétipos encontrados nas
civilizações primitivas ainda permeiam a vida cotidiana do homem
contemporâneo, orientando os referidos comportamentos e sua forma de lidar
com o mundo.
“Os indivíduos mudam seus figurinos, modificam seus
comportamentos pela cadência rítmica, mobilizam músculos,
articulações e posições impossíveis na vida cotidiana, embriagam-
se para comungar com o êxtase, ultrapassam suas medidas e
73
Norval BAITELLO Junior, O Animal que parou os Relógios, p.104.
49
forçam seus próprios limites. O metabolismo dos corpos modifica-se
inevitavelmente, pois a fruição orgânica do evento supra os padrões
racionais de contemplação.”
74
As raízes arqueológicas dos megaeventos estão no ritual. Sua essência de
contato com o sagrado – algo diferente do que é comum e profano -, o sentido de
coletividade e participação, o ritmo, a repetição periódica, o espaço e o tempo
sacralizados, a música, as emoções ritualísticas, todos estes elementos
característicos do ritual sobrevivem e são rememorados de forma muito clara nas
mais diversas atividades desenvolvidas na contemporaneidade, sobrevivem em
especial nos eventos. Como aponta Eliade, “algumas imagens tradicionais, alguns
traços da conduta do homem arcaico persistem ainda num estado de
‘sobrevivências’, mesmo nas sociedades mais industrializadas.”
75
As religiões (no sentido do religare) primevas, assim, relacionam-se com os
megaeventos em sua origem ritualística, e também na sobrevivência, na
permanência de traços destas religiões nas mais variadas atividades e
comportamentos atuais.
Os diversos rituais, profundamente enraizados em cada uma das culturas que re-
atualiza seus conteúdos míticos, sobrevivem e são reconstruídos ao longo da
história; sua essência mítica, ritual e sagrada permanece, seu formato permanece
e, assim, concebem-se os megaeventos da contemporaneidade.
O processo de sacralização – muitas vezes inconsciente – pelo qual passam os
espaços de vivência, de comunhão e de trabalho contemporâneos, tratam-se de
74
Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço, p. 152
75
Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p.49
50
um exemplo bastante consistente neste sentido. Sem termos total consciência do
conteúdo mítico e ritual de nossas ações, re-atualizamos os comportamentos
primitivos da realização de sacralização dos espaços, como dito, de morada, de
trabalho, por meio, por exemplo, dos eventos de lançamento destes espaços. A
própria atenção especial direcionada a estes espaços demonstra os traços
ritualísticos primevos que sobrevivem em nosso cotidiano.
Neste processo, estamos diretamente reavivando os valores cosmogônicos, que
estabelecem a ordem cósmica, destacando um território do caos que o envolve e
tornando-o qualitativamente diferente de outros espaços, “fundando o mundo”
76
-
o nosso mundo. “Trata-se de assumir a criação do mundo que se escolheu
habitar. É preciso, pois, imitar a obra dos deuses, a cosmogonia.”
77
Os diversos
espaços de vivência do homem contemporâneo são sacralizados por meio destes
rituais.
“Em contextos culturais extremamente variados, reencontramos
sempre o mesmo esquema cosmológico e a mesma encenação
ritual: a instalação num território equivale a fundação de um
mundo.”
78
“Mesmo nas sociedades modernas, tão fortemente
dessacralizadas, as festas e os regozijos que acompanham a
instalação numa nova morada guardam ainda a reminiscência da
exuberância festiva que marcava, outrora, o
incipt vit nova
79
76
Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p.30
77
Idem.p. 49
78
Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p. 46
79
Idem. p. 54
51
Para além deste exemplo, é válido lembrar que os mais diversos eventos e festas,
até o final da Idade Média e início da Idade Moderna, estiveram fixados e
alicerçados por conteúdos e objetivos religiosos e sua estrutura sempre teve
como base o cerimonial dos rituais. As feiras comerciais somente se iniciavam
quando em comemoração a alguma data de valor religioso. Até mesmo as datas
consideradas profanas, desligadas no mundo sagrado da nova mentalidade cristã,
tiveram seus conteúdos adequados à religião, passando a integrar o sagrado, o
período das festas, o tempo sagrado. Na mesma medida em que a nova religião
absorveu os deuses greco-romanos, absorveu os diversos rituais e festas em
consagração aos mesmos, emoldurando-os com uma nova roupagem católico-
cristã.
Outros mitos ritualizados tiveram seus conteúdos sobrevivendo ao longo do
tempo e permeiam os eventos atuais. Os rituais de ano-novo, por exemplo, hoje
tão comemorados nos quatro cantos do globo, trazem em si o conteúdo
cosmogônico original, a passagem para um novo tempo, o início de um novo
ciclo, a criação de um novo mundo, purificado. De acordo com Eliade “para o
homem religioso das culturas arcaicas o mundo renova-se anualmente, isto é,
reencontra a cada novo ano a santidade original”
80
e, esta passagem sempre
esteve demarcada por uma série de rituais, sendo um divisor de águas que
promovia a separação do tempo passado e do novo tempo, do novo mundo.
Contemporaneamente, os rituais de passagem sobrevivem e, mais do que isso,
transformaram-se em megaeventos, grandes espetáculos, que não somente
demonstram a sobrevivência do formato ritualizado em si, como também da idéia
80
Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p.69.
52
mítica de um novo ciclo, de um novo mundo, construído em meio ao caos,
organizado e purificado. (Como exemplo, podemos citar as comemorações
mundiais na passagem de 1999 para o ano 2000)
Tal como os ritos de passagem, tantos outros formatos e simbolismos rituais têm
sido apropriados pela cultura de massas e convertidos em megaeventos, em
espetáculos. No entanto, sua essência mítica continua transparecendo, seu valor
ritual continua presente, e, em virtude disso, estes eventos têm movimentado
cada vez mais multidões, em busca do contato com o sagrado, - sagrado este
visto, de acordo com V. Flusser, como espaço de atribuição de sentidos, como
dito anteriormente, - promovido por estes megaeventos.
O princípio hologramático defendido por Morin, em “Introdução ao Pensamento
Complexo”, em que o todo está na parte e a parte, no todo, evidencia este
fenômeno de permanência: por mais pontual que seja a reminiscência do
processo ritual existente nos megaeventos, - e com certeza o é - os mesmos
ainda podem trazer em si a essência, a vivência transcendente dos antigos rituais,
relação esta que pode ser estabelecida pelo receptor.
81
O homem moderno, imageticamente dessacralizado, vive ainda em um mundo
marcado pelos conteúdos sagrados primitivos, vive em um mundo permeado pela
religião – ou seja, aquela que, como nos rituais primevos, liga, que une, que gera
participação. E os megaeventos, fenômenos comunicativos que refletem um
81
Morin pontua que existem três princípios que podem ajudar-nos a pensar a complexidade. “O
primeiro trata-se do princípio dialógico, em que a ordem e a desordem são complementares,
apóiam a organização da complexidade. O segundo princípio trata-se da recursão organizacional
em que cada elemento é produtor e produzido, é efeito e causa dentro de um processo. O terceiro
princípio trata-se do princípio hologramático. Num holograma físico, o menor ponto da imagem do
holograma contém a quase-totalidade da informação do objeto representado. Não apenas a parte
está no todo como o todo está na parte”. Se vivemos em uma cultura eminentemente cumulativa,
podemos dizer que as reminiscências dos antigos rituais permanecem e que, conseqüentemente,
nesta parte que permanece, o todo do ritual – do religare – pode ser encontrado. (Edgar MORIN,
Introdução ao Pensamento Complexo, p. 108)
53
pouco da complexidade do homem contemporâneo, possuem, na mesma medida,
estes conceitos em sua essência. Mantêm, em seu formato, em sua configuração,
as provas de que sua origem está atrelada aos antigos rituais, e que sua
permanência e, principalmente, seu sucesso, estão intrinsecamente ligados ao
fato de que o homem, por mais moderno que possa se apresentar, por mais a-
religioso e dessacralizado que transpareça ser, mantém estreita ligação com seu
estado primitivo, universal, com seu eu.
“Algo da concepção religiosa do mundo prolonga-se ainda no
comportamento do homem profano, embora ele nem sempre tenha
consciência dessa herança imemorial”.
82
Os megaeventos de hoje consolidam-se como a saudade dos antigos rituais,
saudade das experiências que estes eventos proporcionavam, saudade das
vivências coletivas promovidas pelos mesmos, saudades estas minimizadas pela
participação nos megaeventos contemporâneos, que, mesmo espetacularizados,
midiatizados, mantém, em sua essência, relação com os antigos rituais, fazendo
rememorar no participante contemporâneo as sensações e a participação
promovidas pelos rituais, vivências estas tão procuradas pelo homem da
contemporaneidade, que ao perder o contato com o sagrado, com o duplo, muitas
vezes se vê perdido em seu próprio mundo.
De acordo com Vargas, o espetáculo contemporâneo, o megaevento, proporciona
ao homem, em termos de experiência sensorial, uma fruição mais epidérmica e
82
Mircea ELIADE. O Sagrado e o Profano, p.48
54
catártica. Definitivamente, a visão e a audição não são mais os únicos sentidos
humanos potencializados nos espetáculos, nos megaeventos.
Pode estar aí uma das respostas para o encantamento gerado pelos
megaeventos. Pode estar aí uma das respostas para o grande questionamento:
por que tantas pessoas ainda desejam viver estes momentos, mesmo em uma
cultura permeada pela mídia, pelo audiovisual, o que faz com que as pessoas
ainda busquem esta vivência “real”, e não mediada eletronicamente, como tantos
outros produtos culturais da cultura de massas? O momento efêmero que o
megaevento proporciona é exatamente o momento de contato com este sagrado
perdido, em que o indivíduo pode transcender sua posição de homem profano e
estar em contato com a realidade, com o duplo, com o simbolismo, com os
deuses e consigo mesmo, humano, não essencialmente produtilizado.
Megaeventos e Modernidade
Os megaeventos têm suas raízes no ritual, tal como discutido anteriormente, mas
concebem-se, em seu formato mega, somente com o advento da modernidade.
Rituais e eventos sempre existiram; em diferentes culturas e em todos os cantos
do planeta concebem-se como elementos básicos para a organização social e
cultural de diferentes grupamentos humanos.
No entanto, estes somente têm sua estrutura e, principalmente, intensidade
modificada em meio à cultura de massas, em meio à modernidade e a estética
por esta imposta, característica do século XX, que altera não somente as relações
55
tempo-espaço, e as estruturas de vivência do homem, que migra do rural para o
urbano, mas, principalmente, sua percepção perante o mundo.
“A modernidade designa uma grande quantidade de mudanças
tecnológicas e sociais que tomaram forma nos últimos dois séculos
e alcançaram um volume crítico perto do fim do século XIX:
industrialização, urbanização e crescimento populacional rápidos;
proliferação de novas tecnologias e meios de transporte; saturação
do capitalismo avançado; explosão de uma cultura de consumo de
massa e assim por diante”
83
Instaura-se o pensamento moderno e com ele o choque da modernidade e o
aumento radical das estimulações nervosas em meio a suas urgências,
intensidades, sobrecarga sensorial, desorientação, fragmentação, mergulho nos
sinais e imagens; em resumo, em meio ao hiperestímulo da nova dinâmica da
vivência humana – urbana -, permeada pela velocidade, associada a multiplicação
desenfreada das mídias.
Ben Singer, cujo artigo Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo
Popular, encontra-se em O Cinema e a Invenção da Vida Moderna organizado por
Léo Charney e Vanessa R. Schwartz cita Georg Simmel, apropriando deste um
interessante trecho de seu ensaio de 1903, A Metrópole e a Vida Mental:
84
83
Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo
CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ. O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, p. 115.
84
Idem, p. 116.
56
“O rápido agrupamento de imagens em mudança, a
descontinuidade acentuada ao alcance de um simples olhar e a
imprevisibilidade de impressões impetuosas: essas são as
condições psicológicas criadas pela metrópole. A cada cruzar de
rua, com o ritmo e a multiplicidade da vida econômica, ocupacional
e social, a cidade cria um contraste profundo com a cidade
pequena e a vida rural.”
Todo este conjunto de mudanças, todo este hiperestímulo, como aponta Singer,
alteram, sem sombra de dúvidas, a experiência e a percepção da vida do homem,
da vida moderna.
“A cidade moderna parece ter transformado a experiência subjetiva
não apenas quanto ao seu impacto visual e auditivo, mas também
quanto às suas tensões viscerais e suas cargas de ansiedade. A
experiência moderna envolveu um acionamento constante dos
reflexos e impulsos nervosos que fluíam pelo corpo ‘como energia
de uma bateria’, tal como descreveu Benjamin”
85
É o hiperestímulo como a nova realidade do homem moderno.
O megaevento é produto da modernidade. É produto da cultura de massas e só
poderia se arquitetar como tal em meio a nova percepção e experiência do
moderno, que se concebe, em especial, no início do século XX.
85
Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo
CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ. O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, p. 127.
57
Enquanto os antigos rituais caracterizavam-se pela sua ocorrência em meio à
comunidade, em meio às aldeias, tribos ou diferentes grupamentos humanos que
se constituíam como base para a sociedade arcaica, o Megaevento, o espetáculo
de massa tem como cenário a cidade moderna – a metrópole e, posteriormente, a
megalópole. O megaevento vem compor o espetáculo urbano, ou ainda nasce em
função da dinâmica produzida pelas cidades.
A tecnologização da vida do homem, amparada, pautada e construída junto ao
desenvolvimento da mídia, mídia esta entendida enquanto novos suportes da
informação e também como reguladora da cultura de massas, que, de mediadora,
passa a invadir o espaço privado deste homem, constituem-se como elementos
fundamentais para o entendimento da modernidade – cenário do surgimento do
megaevento.
Na mesma medida em que estes fenômenos afastam o homem do sagrado,
forma-se uma nova maneira de percepção do mundo, percepção esta da
velocidade, da informação, da eletricidade, do contexto moderno e da formatação
da cultura de massas.
Para Benjamin:
“A metrópole e a esteira rolante sujeitaram os sentidos humanos a
um tipo complexo de treinamento. O organismo mudou de marcha
sincronizando-se ao mundo acelerado. Esse condicionamento
acabou por gerar uma necessidade nova e urgente de estímulos,
uma vez que somente passatempos estimulantes podiam
58
corresponder às energias nervosas de um aparelho sensório
calibrado para a vida moderna”
86
Tal como aponta Benjamin, traçando um paralelismo elucidativo entre a esteira
rolante e a vida moderna, esta nova vivência tecnologizada altera profundamente
a forma deste homem perceber o mundo e como um dos resultados deste novo
processo, aparece a necessidade de passatempos estimulantes, parafraseando
Benjamin, capazes de corresponder às energias nervosas deste indivíduo
moderno; a ampliação e a nova intensidade dos eventos concebem-se, também,
como resposta a este processo.
O megaevento, assim, responde à nova lógica da cultura moderna – da cultura de
massas do século XX – em que a percepção do homem encontra-se alterada em
função da própria dinâmica contemporânea, da vida urbana e da mídia,
concebendo-se, desta forma, em meio ao hiperestímulo e a intensidade,
necessárias para que este homem, anestesiado, reaja de alguma forma a
estimulação ao qual é submetido pela mídia e pela nova dinâmica moderna todos
os dias.
Do Hiperestímulo ao Blasé: A Anestesia como Defesa
A lógica da modernidade é a lógica da velocidade. Velocidade de acontecimentos,
de informação, de deslocamentos. É a lógica do estímulo sensorial ininterrupto,
veloz e excessivo.
86
Walter BENJAMIN, Some Motifs in Baudelaire, p. 175.
59
A mídia, por sua vez, ocupa papel fundamental neste contexto, visto que coloca-
se como elemento gerador desta hiperestimulação constante em meio ao
ambiente urbano contemporâneo.
Outdoors, backligths, placas, faixas, muros, toda e qualquer edificação que
contextualiza o ambiente urbano, convertem-se em suporte midiático, suporte de
informações e, principalmente, de publicidade. Meios de transporte e os próprios
veículos midiáticos característicos das grandes cidades terminam por constituir o
ambiente urbano moderno, ou o cenário moderno das grandes cidades,
complementado pelas novas mídias, em sua maior parte eletrônicas, que se
multiplicam pelas cidades.
É, pois, o cenário do hiperestímulo materializado. Para todos os lados, cores,
sons, imagens, fotografias, luzes, textos, frases, apelos, chamarizes, numa
ininterrupta disputa pela atenção do pobre indivíduo que por este ambiente
enlouquecido circula.
Georg Simmel, citado em Ben Singer
87
, afirma que o estímulo sensorial excessivo
como o associado às pressões da vida urbana tinha o efeito fundamental de
exaurir ou incapacitar os sentidos. “A idéia era que os nervos humanos eram
sujeitados ao desgaste físico. (...) Nervos superexcitados e esgotados criaram um
modo de percepção fatigada ou blasé que imaginava o mundo em um tom
uniformemente insípido e cinzento.”
88
G. Simmel e outros estudiosos da neurastenia da vida moderna, procuraram
comprovar que o hiperestímulo ao qual o indivíduo que circula nas cidades está
submetido é tão grande na contemporaneidade, que, como forma de defesa, o
87
Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo
CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ, O Cinema e a Invenção da Vida Moderna.
88
Idem, p. 140.
60
mesmo passa a um estado de baixa percepção destes estímulos, a uma visão
fatigada do mundo – a uma visão anestesiada deste dia-a-dia.
O homem contemporâneo encontra-se anestesiado. De acordo com Malena
Segura Contrera
89
, a origem etimológica de anestesia provém da palavra grega,
aisthétikos, “suscetível a percepção pelos sentidos”, tendo recebido o prefixo de
privação, ou seja, significando, a não percepção pelos sentidos.
A lógica da vida contemporânea, baseada nas grandes cidades, nas massas e na
convivência tão próxima homem-a-homem, além da sua total imersão nas mídias,
que tomam de forma tão intensa seu dia-a-dia, fez com que este homem, como
forma de se defender de uma dinâmica tão invasiva, tão permeada e baseada
pelo hiperestímulo, contínuo e ininterrupto, desenvolvesse, como defesa, ou fuga
deste processo, a anestesia perante a enorme quantidade de estímulos das mais
diferentes naturezas ao qual está diariamente exposto.
O homem moderno está anestesiado, está imunizado para conseguir viver dentro
da lógica da cultura de massas e da modernidade, ou não conseguiria sobreviver
a quantidade de estímulos ao qual está a todos os momentos sendo exposto.
Os “Super-híperestímulos”
Estamos imersos em hiperestímulos e, para sobreviver, nos anestesiamos. Nos
anestesiamos, pois mais fácil do que lidar com a economia do prazer–
desprazer
90
, em que o homem encontra-se em um estado de conforto absoluto,
89
Malena Segura CONTRERA. Mídia e Pânico, p. 64.
90
A teoria do prazer-desprazer é defendida por Konrad Lorenz, em sua obra Os Oito Pecados
Mortais da Civilização e pode ser definida como o conjunto das relações naturais existentes entre
61
de um lado, e de outro é hiper-estimulado o tempo todo pela mídia, é lidar com o
tédio mortal.
No entanto, a comunicação e, em especial os meios de comunicação de massa,
vêem, nesta defesa quase letárgica do homem, a necessidade da criação de
estratégias para que o vínculo comunicativo continue existindo. Aumenta-se,
gradativamente, o estímulo. Do hiperestímulo de Singer passamos ao super-
hiperestímulo promovido pela mídia e inserido no contexto das mais variadas
atividades e, dentre estas, dos megaeventos.
Concentrações cada vez maiores de sensações visuais e auditivas traduzem a
intensidade das novas atividades, que demonstram a tendência encontrada em
todos os meios de comunicação de massa, bem como nas mais diversas
atividades do homem, como esportes de aventura, entre outras, sintetizadas na
nova tendência para atrações curtas, velozes, fortes e saturadas de emoção.
Extravagância nas produções, motivos burlescos e apresentações ruidosas
adquirem maior proeminência nesta nova dinâmica que insere ainda a presença
massiva da tecnologia – da técnica – adorada como sinônimo de modernidade e
incorporada de forma visceral em tais atividades.
Somente o hiperestímulo midiático não é mais suficiente para gerar qualquer
sensação mai profunda e real no homem – para tirá-lo da anestesia. Super-
hiperestímulos são necessários para tentar qualquer reação menos letárgica
deste homem contemporâneo.
punição e recompensa, afirmando que de todo o esforço e sacrífico resulta o prazer posterior. No
entanto, sua discussão perpassa pelo fato de que o desenvolvimento tecnólogico tem trabalhado
no sentido de atender a aspiração humana de evitar o desprazer e que este fenômeno tem gerado
resultados bastante significativos em termos de comportamento para o homem, criando um
nivelamento entre o prazer-desprazer, o que tem como uma das primeiras conseqüências diretas
o embotamento do prazer e assim, o surgimento de uma morte lenta dos sentimentos,
denominada pelo autor de tédio mortal.
62
Para a medicina, um corpo anestesiado é aquele corpo privado total ou
parcialmente da sensibilidade. É o corpo sem sensações, cuja incitação depende
de elevados graus de estímulo para que se consiga algum resultado – alguma
sensibilização perante qualquer estimulação e que, em alguns casos, continua
ainda sem responder a tais estímulos.
“Sensações cada vez mais fortes são necessárias para penetrar os sentidos
atenuados, para formar uma impressão e redespertar uma percepção”
91
.
É com base nesta lógica que a mídia age. É com base nesta lógica que os
megaeventos adquirem seu formato, permeados pela mídia em sua divulgação e,
principalmente, em sua estrutura, invadida pelos diversos aparatos midiáticos e
publicitários, pelos telões, faixas, backlights, pelo laser, pela iluminação intensa, e
mais contemporâneamente também pela tecnologia da informação, seus SMS’s,
MMS’s, bluetooths, pela extravagância, uma quase insanidade materializada em
sua programação e sua estrutura, recriando ambiências muito próximas aos
estados alterados da consciência, aos estados de supervigília; participantes são
conduzidos a excitação criada por estes espaços, sendo levados, desta forma, a
um mergulho em tais super-hiperestímulos.
Os megaeventos, assim, são também produtos culturais que respondem a
dinâmica e a lógica do século XX. Carregam em si traços dos antigos rituais, mas
sua estrutura, por sua vez, responde recursivamente a lógica da cultura midiática,
de massas, da velocidade e dos hiperestímulos, maximizados ao estremo,
tornando-se super-hiperestímlos.
91
Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo
CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ, O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, p. 140.
63
O formato destes produtos, assim, retrata a complexidade da cultura em que
estão inseridos e, desta forma, comportam-se como produtos que precisam ser
analisados pois carregam em si uma fotografia da contemporaneidade.
64
C
C
a
a
p
p
í
í
t
t
u
u
l
l
o
o
I
I
I
I
C
C
o
o
m
m
u
u
n
n
i
i
d
d
a
a
d
d
e
e
s
s
E
E
s
s
t
t
é
é
t
t
i
i
c
c
a
a
s
s
e
e
M
M
e
e
g
g
a
a
e
e
v
v
e
e
n
n
t
t
o
o
s
s
Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo.
John Donne – Poeta Inglês
No primeiro capítulo desta dissertação discutimos as origens dos megaeventos,
contextualizando-os como resultado de um amplo processo que alterou de forma
profunda a vida de cada indivíduo. Alterações espaço-temporais, alterações nos
valores, crenças, alteração nos processos produtivos, alterações na ciência e no
conhecimento e um crescente desligamento do mundo do sagrado provocaram,
na mesma medida, alterações sensíveis no dia-a-dia do homem, resultando em
profundas, inevitáveis e irreversíveis mudanças na lógica da vida cotidiana, na
vida comum.
É impossível portanto, falarmos sobre tais alterações e, principalmente, seus
resultados – ou produtos culturais daí derivados -, sem entendermos de fato, a
essência de um “processo” já que estamos imersos em um constante processo.
Para David K. Berlo, em sua obra O Processo da Comunicação, “aceitando o
conceito de processo, veremos os acontecimentos e as relações como dinâmicos,
em evolução, sempre em mudança, contínuos. Quando chamamos algo de
processo, queremos dizer também que não tem um começo, um fim, uma
seqüência fixa de eventos”
92
. O conjunto de acontecimentos relatados e suas
consequências, em especial com relação aos produtos culturais resultantes,
constituem um processo.
92
David K. BERLO, Processo da Comunicação, p. 23.
65
Berlo discute a crise e a revolução da filosofia científica e sua importância por ter
inserido o conceito de relatividade, ao sugerir que qualquer objeto ou
acontecimento só podia ser analisado ou descrito à luz de outros acontecimentos
com ele relacionados, de outras operações compreendidas em sua observação.
Além disso, uma outra contribuição fundamental da crise da filosofia científica
trata-se do fato de que a disponibilidade de técnicas de observação mais
poderosas levou a demonstração de que qualquer coisa tão estática ou estável,
como uma mesa ou cadeira, pode ser encarada como um fenômeno em
constante mutação, atuando sobre e sendo atuado por todos os objetos do seu
ambiente.
93
Essas colocações, frutos, como dito, da crise e revolução da filosofia
científica, ainda de acordo com o autor, trazem uma nova forma de encarar o
mundo: a visão da realidade em processo.
Esta discussão inicial relativa a questões do conceito de processo – algo em
constante mudança -, da análise de um objeto à luz de outros acontecimentos a
ele relacionados, e o fato de que um mesmo objeto influencia e é influenciado por
todos os objetos de seu ambiente, são conceitos que orientaram a discussão
proposta nesta dissertação e estão sendo aqui pontuados uma vez que norteiam,
da mesma forma, a estruturação deste capítulo.
Estamos em constante processo, como dito anteriormente, em mudança, em meio
à dinâmica da contemporaneidade. Diferentes momentos e acontecimentos
históricos e sociais interferem de forma muito profunda no dia-a-dia, na vida
cotidiana do sujeito, interferências estas freqüentemente estruturais e que, muitas
vezes, não recebem a atenção devida. A própria dinâmica contemporânea, a
93
David K. BERLO, Processo da Comunicação, p. 24.
66
própria imersão no processo e as incalculáveis relações entre os mais díspares
acontecimentos impedem que se identifique a interferência de cada parte no todo,
de cada elemento dentro do processo, ou que se tenha total consciência destas
interferências.
As alterações nas formas de produção e consumo, bem como o surgimento dos
mais diversos produtos culturais – e dentre estes os megaeventos - pontuam
estas transformações e demonstram como elementos deste processo complexo
modificam o todo.
O período conhecido como modernidade é um excelente exemplo disso, visto que
trata-se de um período caracterizado pela ampliação significativa da
industrialização, processo econômico que, de fato, consolida e materializa uma
série de mudanças no modo de vida, nas relações espaço-tempo, nas formas de
trabalho, nas relações sociais e nas mais diversas formas de manifestação da
própria condição humana, como a forma gregária de viver e a necessidade de
comunicação, que aconteceram ao longo dos últimos séculos. Malena Segura
Contrera, em sua obra Mídia e Pânico, afirma que somos essencialmente
gregários e necessariamente comunicantes
94
. Constituem-se, sem dúvida, estas
as condições básicas do humano, condições estas que sofrem interferências
profundas dos processos sociais, históricos e culturais aos quais se está exposto
na contemporaneidade.
Obviamente, este capítulo não objetiva discutir a evolução da modernidade, nem,
muito menos, pontuar seu início. Pretende, com base em constatações das
alterações substanciais trazidas pela modernidade – identificando-a como um
94
Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 39.
67
processo e como um elemento que interfere e sofre interferência do ambiente,
muitos deles já discutidos no primeiro capítulo, - identificar como estes elementos
alteram as relações interpessoais, os vínculos, a sociabilidade e o senso de
comunidade na contemporaneidade e, em especial, como esses fenômenos se
desenrolam dentro dos megaeventos, objeto de estudo desta dissertação.
Considera-se pertinente a discussão relativa a este contexto, uma vez que estes
produtos culturais têm uma característica muito específica: os megaeventos
contemporâneos constituem-se de grandes espaços de convivência coletiva,
espaços, no entanto, de convivência compulsória, visto que esta convivência se
estrutura a partir de um objetivo comum, ou seja, estar presente nos
megaeventos, mas não necessariamente a partir do desejo de conviver com o
outro; entender, desta forma, a natureza comunicativa dos megaeventos perpassa
pela discussão dos mesmos como um espaço de sociabilidade.
Poderíamos pensar um megaevento realizado para um único participante, uma
vez que estes espaços são construídos, formatados, não para estimular a
convivência em grupo, mas sim com vários outros objetivos, como veremos mais
adiante, e entre eles está o “estar ali”.
O objetivo principal de cada participante está na condição de estar no evento e
não necessariamente, ou diretamente, no espaço de convivência coletiva
promovido por estes espaços em função da presença massiva de pessoas.
A noção de participação, aqui entendida, como dito, como o “tomar parte em” não
tem importância real para estes consumidores do evento que, em nenhum
momento manifestam interesse em viver estes momentos efêmeros dos
megaeventos em função da presença coletiva, dos vínculos ali criados.
68
Este capítulo pretende, desta forma, entender como funciona a dinâmica de
sociabilidade destes espaços de convivência, imersos no universo da
comunicação eletrificada, comunicação terciária, comunicação embasada nas
mídias e retroalimentada por elas, conforme discutido no primeiro capítulo,
analisando-os como possíveis espaços comunicativos (será?), espaços de uma
pseudo vivência comunitária, espaços em que prevalecem as noções
apresentadas por Edgar Morin na obra Cultura de Massas no Século XX, da
industrialização do espírito
95
, marcada pela individualização, racionalização,
padronização, homogeneização e pela explicação científica como máximas
características da contemporaneidade e, conseqüentemente dos produtos
culturais nela presentes.
Friedrich Nietzsche na obra Humano, Demasiado Humano afirma que “a história
ensina que a estirpe que num povo se conserva melhor, é aquela em que a
maioria dos homens tem um vivo senso de comunidade, em conseqüência da
identidade de seus princípios habituais e indiscutíveis”
96
, ou seja, as crenças se
mantêm somente em um grupo em que a idéia de comunidade esteja muito viva,
conseqüentemente, a comunidade também se mantém com base nestes
preceitos.
A vivência comunitária, é válido mencionar, não tem se estabelecido como uma
característica marcante da contemporaneidade
97
. A industrialização do espírito,
95
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX, p.14.
96
Friedrich NIETZSCHE, Humano, Demasiado Humano, p. 142.
97
Vale aqui ressaltar a diferença entre vivência comunitária e vivência coletiva. A vivência
comunitária, dentro do conceito aqui adotado para comunidade, permeia vínculos mais profundos
entre os participantes, permeia participação, no sentido de “tomar parte em”. Os megaeventos, por
suas inúmeras características intrínsecas, não são capazes de construir estas vivências.
Oferecem somente a oportunidade da vivência coletiva – a experimentação de um produto cultural
em grupo, característica que marca um tipo específico de comunidade contemporânea, de acordo
com Z. Bauman, que será discutido mais a frente.
69
como dito anteriormente, tem como característica, entre outras, o processo de
individualização e o processo de uma perda da unicidade, e este processo
espelha o fim das comunidades, em seu conceito mais filogenético, mais natural,
como denomina Zygmunt Bauman.
Se o grupo perde a unicidade e se individualiza, individualizam-se crenças,
valores, individualizam-se – ou extinguem-se – os rituais comunitários, e demais
manifestações que caracterizavam as comunidades, rituais estes não mais vividos
em conjunto, em comunidade; as marcas da vivência comunitária se dissolvem
em meio a dinâmica da modernidade.
Comprender esta dinâmica, permeia uma discussão inicial relativa à mídia, uma
vez que a mesma tem relação direta com os diferentes processos comunicativos
que derivam deste contexto.
Para auxiliar no processo de compreensão das alterações das relações humanas
que se refletem na vivência em comunidade, e, conseqüentemente, nas relações
e vínculos construídos no espaço efêmero dos megaeventos, é fundamental que
se entendam, também, as alterações que a própria mídia e os processos
comunicativos por ela mediados tem sofrido ao longo dos tempos.
Algumas reflexões sobre a Mídia
A revolução industrial e a evolução tecnológica características do final do século
XIX e início do século XX – e que se estendem até os dias atuais – promoveram
inúmeras mudanças na ordem social e cultural do homem, algumas delas
previamente discutidas.
70
Tempo e espaço, especialmente, como anteriormente mencionado, adquiriram
novas conotações, novas concepções e, por estas alterações, passaram a
permear diferentes experiências no indivíduo.
Vicente Romano inicia o prólogo de sua obra El Tiempo Y El Espacio En La
Comunicación comentando a estreita relação existente entre espaço, tempo e a
“inquietude humana”
98
, o que demonstra a íntima analogia entre o homem e as
questões espaço-temporais, e conseqüentemente, aponta para o fato de que
alterações espaço-temporais se refletem diretamente no modo de vida do
indivíduo.
Os avanços tecnológicos e científicos se refletem nas formas de produção,
alterando a configuração do trabalho do homem, desta forma, influenciando seu
modo de vida. Edgar Morin, em sua obra Cultura de Massas no Século XX –
Volume I – Necrose aponta as alterações decorrentes do poder industrial como
uma revolução na alma humana e “que se reflete nas imagens e nos sonhos dos
indivíduos”
99
.
Obviamente, os reflexos práticos da emergência da cultura de massas se
materializam no espaço e, conseqüentemente nas relações sociais.
De um modelo de vida baseado em grandes áreas de convivência, o espaço
tipicamente rural, das vilas, das comunidades religiosas, – espaços estes
marcados pela comunicação interpessoal, baseada na mídia primária
100
-, a
98
Vicente ROMANO, El Tiempo Y El Espacio En La Comunicación, p. 9
99
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX, p.13.
100
Harry Pross propõe uma classificação bastante interessante para os sistemas de mediação,
como afirma N. Baitello Junior no artigo Tempo Lento e Espaço Nulo. Pross pontua que a mídia
pode ser classificada como mídia primária, aquela ligada ao corpo, a presença física entre emissor
e receptor, mídia secundária, “aqueles meios de comunicação que transportam a mensagem ao
receptor, sem que este necessite de um aparato para captar seu significado” e mídia terciária
como “aqueles meios de comunicação que não podem funcionar sem aparelhos tanto do lado do
emissor quanto do lado do receptor” (Pross, 1971:128).
71
industrialização transfere o homem para as cidades, novo ambiente, imerso em
uma nova lógica, que altera profundamente seu comportamento, suas
experiências estéticas, suas relações e, por conseguinte, os processos
comunicativos nos quais está inserido este homem.
101
Norval Baitello Junior, em seu artigo O Tempo Lento e o Espaço Nulo. Mídia
Primária, Secundária e Terciária, disponível em www.cisc.org.br, afirma:
“a mídia primária é presencial, exige a presença de emissores e
receptores em um mesmo espaço físico e num mesmo tempo - é
portanto a mídia do tempo presente e suas tensões e surpresas, de
sua sensorialidade múltipla e de sua sensualidade potencial”
102
.
Esta afirmação fala muito das relações espaços-temporais deste homem que, até
então, tem sua estrutura comunicativa baseada na proximidade. Esta
proximidade, que caracteriza a mídia primária – proximidade da sensorialidade
101
As relações espaciais e de convivência são tão profundas, tão inquietantes que V. Romano em
sua obra El Tiempo Y El Espacio En La Comunicación dedica todo um capítulo a discutir as
relações espaciais e de relacionamento geradas pela vivência em diferentes espaços. Aponta que,
no caso da vida rural, a vida das aldeias e das vilas de produção agrícola, mesmo considerando
que se encontram em espaços físicos amplos – em que a distância física entre os indivíduos é
grande – a convivência é muito próxima, muito vivaz, é comunitária e, conseqüentemente, a
comunicação é de proximidade, é da mídia primária. No entanto, Romano diferencia de forma
bastante substancial a vida nas grandes metrópoles, nas grandes cidades. Afirma que “la
superficie habitable es muy pequeña, al considerar la vivienda como una mercancía más
destinada a proporcionar o mayor beneficio posible. No hay ningún factor que seleccione o
relacione a los inquilinos de un edificio, y mucho menos a los de una manzana, barrio o ciudad en
su conjunto. Los habitantes de cada vivienda hacen una vida totalmente independiente, hasta el
punto de no conocerse ni apenas encontrarse o saludarse en la escalera o en el ascensor”,
(1998:225) ou seja, os espaços de habitação se concebem como espaços funcionais e não
espaços de convivência; os vínculos que se estabelecem, desta forma, obedecem a
funcionalidade da vida urbana e o ambiente comunicativo, conseqüentemente, se estrutura com
base nas mídias de distancia, secundárias e terciárias.
102
Norval BAITELLO Junior, O Tempo Lento e o Espaço Nulo: Mídia Primária, Secundária e
Terciária, disponível em
www.cisc.org.br Consultado em 12 de dezembro de 2005, às 22h00.
72
múltipla e do tempo presente, como delineia Baitello Junior. - assinala ou mesmo
descreve as experiências espaço-temporais deste homem pré-industrial.
No entanto, como comentado anteriormente, a tecnologização da vida do homem
e a industrialização em um primeiro momento, de suas formas de produção e,
posteriormente, como aponta E. Morin, “de sua alma”
103
, alteram
consideravelmente suas relações com o espaço e com o tempo, com seus pares
e, logo, com seu meio-ambiente comunicacional. A comunicação ultrapassa o
modelo que Z. Bauman aponta como a comunicação das comunidades em que
“as mensagens orais são originárias do círculo de mobilidade humana ‘natural’”
104
e se transforma, em termos de novos aparatos, bem como de uma nova estética,
que objetiva atender as características e necessidades desta nova demanda.
De uma vida em que os espaços físicos são amplos e o tempo controlado pelos
ritmos da natureza, este homem passa a vida nas cidades, espaço este que
intensifica demasiadamente a proximidade entre os indivíduos, alterando suas
relações sociais, e que, além da proximidade espacial, também passa a ter a vida
regida pelo relógio, pelo tempo industrialmente controlado.
Paralelamente, o ambiente comunicacional sofre profundas alterações. A mídia
primária, da proximidade, das relações interpessoais e da sensorialidade não
mais atende às necessidades da lógica urbana. Novos artifícios midiáticos se
estruturam para um novo ambiente comunicacional e social.
Em um primeiro momento, passam-se a ser utilizados artifícios da chamada mídia
secundária
105
que passa a ser o principal veículo comunicativo, uma vez que, de
103
Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX, p.13.
104
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18.
105
De acordo com N. Baitello Junior, a mídia secundária é constituída, para Pross, por “aqueles
meios de comunicação que transportam a mensagem ao receptor, sem que este necessite de um
73
acordo com H. Pross, citado em N. Baitello Junior., a mídia secundária “prolonga
a mensagem, ou sua possibilidade de recepção”, atendendo, neste momento a
dinâmica dos pequenos centros urbanos, em especial com o uso dos folhetos e
jornais impressos. De uma comunicação eminentemente primária, natural e quase
orgânica, característica da mídia primária, novos aparatos são incluídos e, nesta
inclusão de mediadores da comunicação, alteram-se também as relações sociais
do grupo, o que também, como anteriormente apontado, é reflexo da dinâmica da
vida industrial e urbana.
No entanto, os centros urbanos inflam rapidamente e, na mesma velocidade, o
tempo lento da mídia secundária torna-se insuficiente para atender às novas
necessidades comunicativas desta dinâmica social, em especial pela
materialidade dos aparatos que, para constituírem o ambiente comunicacional,
precisam ser fisicamente transportados. Esta materialidade da mídia secundária
torna-se um limitador de seu próprio uso, em função da rápida ampliação dos
centros urbanos.
A mídia terciária – essencialmente eletrônica, com seu poder de ampliar a
recepção de forma considerável e de transportar a mensagem a distâncias até
então inimagináveis para as mídias primária e secundária -, multiplicando, como
dito, sua recepção, formata-se como o modelo ideal para esta nova dinâmica
espaço-temporal e social que se concebe a partir do advento da revolução
aparato para captar seu significado, portanto são considerados mídia secundária a imagem, a
escrita, o impresso, a gravura, a fotografia, também em seus desdobramentos enquanto carta,
panfleto, livro, revista, jornal” (Pross, 1971:128). Na mídia secundária apenas o emissor necessita
um aparato (ou suporte), ou seja, prolongamentos para aumentar ou seu tempo de emissão, ou
seu espaço de alcance, ou seu impacto sobre o receptor, valendo-se de aparatos, objetos ou
suportes materiais que transportam sua mensagem.
74
tecnológica e da revolução industrial, bem como para a lógica da vida nos centros
urbanos.
Obviamente, este processo, aqui colocado de forma linear tendo em vista uma
organização da análise realizada, aponta para a supremacia da mídia terciária em
virtude de seu poder de multiplicar as informações temporal e espacialmente, mas
que, por outro lado, como afirma N. Baitello Junior, não anula as formas
precursoras de mídia - primária e secundária, mas sim promove grande
complexificação nos processos comunicativos do ser humano.
A mídia terciária, eletrificada e tecnológica por natureza, se delineia como o novo
modelo comunicativo dos centros urbanos da era industrial e, por suas
peculiaridades de amplificar as mensagens e transportá-las a grandes distâncias
e a um número de receptores até então não imaginado, como também pelo fato
de exigir aparatos tanto do emissor quanto do receptor, provoca mudanças
irreversíveis e muito profundas na dinâmica humana, em suas relações espaço-
temporais, e em sua cultura, em sua alma, agora industrializada, como aponta E.
Morin, o que também se reflete na cidade que tem também sua alma
industrializada. Como consequência de toda esta dinâmica, James Hillman, em
sua obra Cidade e Alma, discute que a alma da cidade encontra-se em “colapso e
desordem funcional, (...) em uma crise que se estende a todos os componentes
da vida urbana, por que a vida urbana é agora uma vida construída (...). A alma
do mundo está enferma”.
106
Esta enfermidade ou crise constituída tanto na alma do homem, industrializada,
como no ambiente urbano, em colapso, colapso urbano, colapso ambiental,
106
James HILLMAN, Cidade e Alma, p. 12
75
colapso emocional, se reflete diretamente nas relações estruturadas neste novo
ambiente, das cidades e, conseqüentemente, são absorvidas pelas comunidades,
sendo refletidas nos mais diversos espaços comunicativos, bem como nos
produtos culturais que tomam as feições desta contemporaneidade eletreficada.
Se a cidade é o cenário do megaevento, como anteriormente comentado, este
concebe-se como um produto cultural também efermo, um produto cultural que
reflete a dinâmica urbana, a dinâmica dos meios de comunicação de massa e a
dinâmica da mídia, num processo de retro-alimentação constante, em que as
relações comunicativas espelham as mudanças acontecidas .
As Relações no Ambiente Comunicativo – Vínculos Reais e
Vínculos Efêmeros
Malena Segura Contrera, como anteriormente apresentado, em sua obra Mídia e
Pânico afirma: “Somos essencialmente gregários e necessariamente
comunicantes”.
107
Esta afirmação conforma-se como paradigmática na
estruturação desta dissertação
108
, visto que, como anteriormente mencionado,
reflete a complexidade das relações existentes entre vínculos e comunicação,
vínculos e o homem.
A vida em comum, a comunidade e a comunicação – palavras que, inclusive,
possuem a mesma raiz – estruturam-se como elementos de um mesmo sistema,
107
Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 39.
108
Motivo pela qual a referida citação é repetida nesta parte do texto, tendo sido utilizada
anteriormente.
76
ou, melhor dizendo, dos sistemas vivos, como têm comprovado inúmeros
etólogos, sendo, conseqüentemente, características do humano.
Norval Baitello Júnior, na obra O Animal que Parou os Relógios, discute a
comunicação como elemento “sine qua non” para a organização social dos seres
vivos. Somente por meio da comunicação, os seres vivos mais frágeis conseguem
se organizar, desenvolvendo tarefas planejadas, capazes de se fortalecer e
conseqüentemente, se manter enquanto espécie.
O ser humano, enquanto espécie frágil perante ambientes hostis, necessita, em
termos ontogênese
109
e filogênese
110
, da convivência em grupo e para que esta
convivência aconteça, a comunicação é elemento fundamental. Comunicação e
vínculos, como dito, são condições do humano e, praticamente, podem ser
consideradas como sinônimos uma da outra.
A vida em comunidade, desta forma, depende dos processos comunicativos aos
quais o grupo está imerso e os processos comunicativos, sua complexidade e,
especialmente, os vínculos que os constituem, dependem da vida em
comunidade, ou da forma como as relações se estabelecem. Relações
constituídas dentro dos antigos modelos de comunidade constituem-se com
determinadas características bastante diferenciadas dos “vínculos” construídos
em meio as relações contemporâneas, predominantemente mediadas.
Há uma relação de simbiose – comunicação e comunidade dependem uma da
outra para sobreviver - e de retroalimentação – as relações e os processos aos
quais uma está submetida se refletem diretamente na outra, ou seja, ambas estão
inseridas no conceito de complexidade.
109
Entendida aqui como a raiz do ser enquanto indivíduo.
110
Entendida aqui como a raiz do ser enquanto espécie – filo.
77
Vínculos são necessários na constituição da vida, da vida em comunidade e se
constróem em função desta. São a base da comunicação – primária, secundária
ou terciária – e consolidam-se, de fato, como seu principal objetivo; são, sem
dúvida, condições humanas.
No entanto, tal como se alteraram diversos elementos dentro do processo que
mencionamos anteriormente, estes vínculos, estes relacionamentos estruturados
a partir de, e para a comunicação também sofreram interferências, sofreram e
sofrem mudanças, como mencionado, irreversíveis.
Assim, de forma paralela as modificações das mídias, e, conseqüentemente das
relações comunicativas estabelecidas neste novo ambiente, que se desdobram na
recente história – mais precisamente dos últimos dois séculos -, de uma evolução
da mídia primária, enquanto modelo principal de comunicação, à mídia terciária,
alteram-se também as relações entre os indivíduos, como dito. Altera-se, assim,
sua sociabilidade, a forma de se relacionar com o outro, a essência dos vínculos.
Altera-se, assim, a vida em comunidade, fato este que, de acordo com Z.
Bauman, em sua obra Comunidade: A Busca por Segurança no Mundo Atual
acontece efetivamente em função das mudanças dos processos comunicativos,
comprovando-se aqui a proposta de uma retroalimentação e uma relação de
simbiose entre vida em comunidade e comunicação.
As comunidades, no contexto dos megaeventos, têm profunda importância, visto
que, em uma primeira análise, os participantes destas atividades poderiam formar
comunidades, em função, especialmente, da vivência coletiva dos acontecimentos
aos quais estão submetidos.
Assim, torna-se importante compreendermos o conceito de comunidade para,
desta forma, entender-se quais são as relações e vínculos que têm sido
78
construídos nestes espaços da comunicação e que tipo de comunidade é esta,
formada entre milhões de pessoas presentes no momento efêmero do evento.
Bauman aponta que a “comunidade real”, aquela não produzida artificialmente, é
fiel a sua natureza, a seu modelo ideal na medida em que ela é distinta de outros
agrupamentos humanos, sendo perfeitamente visível onde a comunidade começa
e onde ela termina; é pequena, a ponto de estar à vista de todos os seus
membros, e auto-suficiente, de modo que oferece todas as atividades e atende
todas as necessidades das pessoas que fazem parte dela. Essas características,
por sua vez, se unem na efetiva proteção dos modos habituais do grupo e são
mantidas essencialmente por meio do bloqueio dos canais de comunicação com o
resto do mundo.
De acordo com Bauman, “quando o equilíbrio entre a comunicação ‘de dentro’ e
‘de fora’, antes inclinado para o interior, começa a mudar, as condições para a
manutenção da comunidade desabam”
111
. A unidade da comunidade acontece
por meio da homogeneidade e “esta evapora quando a comunicação entre os de
dentro e o mundo exterior se intensifica e passa a ter mais peso que as trocas
mútuas internas”
112
.
É interessante que o autor pontua claramente como o fim da comunidade, o
efetivo aumento da comunicação deste grupo com o mundo externo, como dito
anteriormente. Este fenômeno, aponta Bauman, acontece com o advento dos
meios mecânicos de transporte que aumentam a velocidade da informação, que
111
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18.
112
Idem.
79
passa a viajar mais rápido. Perde-se a “distância, outrora a mais formidável das
defesas da comunidade.”
113
“A partir do momento em que a informação passa a viajar
independente de seus portadores, e numa velocidade muito além
dos meios mais avançados de transporte (como no tipo de
sociedade que habitamos hoje) a fronteira entre os ‘de dentro’ e os
‘de fora’ não pode mais ser estabelecida e, muito menos,
mantida.”
114
É o fim da comunidade natural.
A única forma de unidade passa, então, a se constituir do que pode ser pinçado
da massa confusa, por meio da seleção, separação e exclusão, de acordo com o
autor, - “é, portanto, a unidade artificialmente construída.”
115
São as comunidades
artificiais, que respondem a lógica da indústria cultural, da modernidade e do
consumo, além de responderem também as novas formas de comunicação
presentes nesta dinâmica.
Bauman pontua de forma muito clara e explícita que o fim da comunidade natural
está atrelado ao desenvolvimento da técnica e a todas as alterações na lógica
espaço-temporal que estas mudanças carregam em si. As massas são tiradas da
velha rotina (a rede de interações comunitária, governada pelo hábito) para serem
espremidas na nova e rígida rotina (o chão da fábrica), em que as velhas rotinas –
113
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18.
114
Idem.
115
Idem, p. 39.
80
os velhos hábitos e costumes, portanto, não servem mais para os objetivos
estabelecidos, neste caso, externamente, para o grupo.
“Fez-se, assim, necessário adaptar esta comunidade a nova relação espaço-
tempo, que a afasta significativamente do conceito de comunidade, tornando-os,
para tanto, aptos a trabalhar em um ambiente novo, pouco familiar e
repressivo”
116
, o ambiente urbano, o ambiente das cidades de alma enferma.
“Para que se adaptassem aos novos trajes, os futuros
trabalhadores tinham que ser transformados numa ‘massa’:
despidos da antiga roupagem dos hábitos comunitariamente
sustentados.”
117
A modernidade capitalista, baseada na técnica, na máquina e na velocidade,
passa, então, a moldar o novo estilo de vida e a realizar esforços para combater
toda e qualquer manifestação de espontaneidade e livre arbítrio que pudesse
remontar ao antigo modelo de vida.
Este novo modelo e as novas relações espaço temporais que o constituem não
permitem, em virtude da dinâmica que proporciona, a criação de familiaridade
com o espaço, e em especial, com as pessoas que circulam pelo cotidiano do
indivíduo, o que seria o desejo daqueles ávidos pela comunidade e pela sensação
de pertencência dela derivada.
116
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 30.
117
Idem.
81
O desaparecimento da comunidade natural é fruto deste processo, que não
permite que sejam “tecidas relações mais profundas, que sejam compartilhadas
biografias, ao longo de uma história duradoura e intensa.”
118
No entanto, apesar das forças ditadoras do novo meio de vida cercearem de
todas as formas possíveis os laços comunitários, primando sempre pela
artificialidade da rotina coercitivamente imposta em detrimento à natureza
comunitária, cujo ritmo era determinado pela natureza e pela convivência em
comunidade, este homem do admirável mundo novo da sociedade capitalista,
moderna e de consumo, mantém sua necessidade de segurança, sua
necessidade de comunidade.
Desaparecidos todos os elementos que apresentavam a este homem um certo
nível de familiaridade, surgem os ícones modernos, da mídia, da web, sem nome
e sem rosto, sem identificação, sem comunidade, mas que se prestam, então, a
criar uma idéia de participação e pertencência.
A necessidade, no entanto, de pertencência, derivada, essencialmente, de nossa
natureza gregária, acaba construindo uma nova lógica comunitária, cujas
características se baseiam no modelo moderno e tem como elemento de
estruturação o novo ambiente comunicativo proporcionado. Comunidades
artificiais, passageiras, efêmeras, não-sólidas, mas que conferem uma relativa
segurança, pelo simples fato de “sabermos que não estamos sós”
119
passam a
ser constituídas, determinadas não pela tradição e vivência comunitária, pelo
estado natural gregário do homem, pelas crenças, mas sim pelas escolhas feitas
por quem as compõem (geralmente escolhas associadas ao consumo),
118
Zygmunt BAUMAN, Comunidades,. p. 48.
119
Idem, p. 60.
82
determinando, desta forma, sua flexibilidade, sua facilidade de construção e
conseqüentemente, dissolução. São as comunidades líquidas, artificiais, são as
comunidades estéticas, como aponta Bauman. São comunidades transitórias,
“consumidas no círculo aconchegante da experiência.”
120
Tais comunidades somente vivem enquanto são experimentadas, enquanto são
consumidas, - são as comunidades características dos megaeventos – mas que,
mesmo assim, desempenham, na contemporaneidade, importante papel
vinculante – mesmo que efêmero -, visto atenderem a esta necessidade inerente
ao homem de viver em grupo, viver em comunidade. “Tratam se de comunidades
que não requerem uma longa história de lenta e cuidadosa construção, nem
precisam de laborioso esforço para assegurar seu futuro”.
121
Esta comunidade estética, por sua vez, alimenta a indústria do entretenimento. A
manipulação da necessidade de pertencência, muito bem apropriada por esta
indústria, “explica, em boa medida, o sucesso impressionante e contínuo de seus
produtos”.
122
Bauman descreve:
“Graças à imensa capacidade advinda da tecnologia eletrônica,
podem ser criados espetáculos que oferecem uma oportunidade de
participação e um foco compartilhado de atenção a uma multidão
indeterminada de espectadores fisicamente remotos. Devido a
massividade da audiência e à intensidade da atenção, o indivíduo
120
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 62
121
Idem, p. 66.
122
Idem. p. 63.
83
se acha plena e verdadeiramente ‘na presença de uma força que é
superior a ele e diante da qual ele se curva.”
123
A indústria do entretenimento, com base nesta experiência da vivência da
comunidade estética, atua, por sua vez, “por meio da sedução. Na há sanções
contra os que saem da linha e de recusam a prestar atenção – a não ser o horror
de perder uma experiência que outros – (tantos outros!) prezam e desfrutam.”
124
A vivência do efêmero embasa as relações ali construídas. Os vínculos são
frágeis. Não existe a participação – o tomar parte em – as comunidades
constituem-se somente como espaços de convivências compulsórias. O objetivo
não está no tomar parte em, simplesmente, esta comunidade aqui formada, uma
comunidade de ocasião, forma-se e dilui-se com a mesma volatilidade.
De acordo com Bauman, as comunidades estéticas podem se construir centradas
em ídolos, mas também por ameaças – reais ou imaginárias -, em torno de
inimigos públicos, e problemas recorrentes a um grupo específico.
E constroem-se também, “em torno de um evento festivo, como um festival pop,
uma partida de futebol ou uma exibição de moda, muito falada e que atrai
multidões”.
125
Os megaeventos, desta forma, constituem comunidades estéticas, que permitem
a pertencência, o vínculo tão procurado, mas que, no entanto, se concebem, de
fato, de vínculos efêmeros. A vivência do evento é efêmera.
123
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 63.
124
Idem. p. 63.
125
Idem. p. 67.
84
“Quaisquer que sejam os laços estabelecidos na explosiva e breve
vida da comunidade estética, eles não vinculam verdadeiramente:
eles são literalmente ‘vínculos sem conseqüências’. Tendem a
evaporar-se quando os laços humanos realmente importam”.
126
Bauman faz alusão a comunidade estética efetivamente como uma sociedade dos
eventos e suas características “líquidas”, usando sua própria expressão para as
atividades artificiais, que não se consolidam, aprofundam, enraízam ou, em
resumo, se solidificam:
“Como as atrações disponíveis nos parques temáticos, os laços das
comunidades estéticas devem ser ‘experimentados’ e,
experimentados no ato. (...) São, pode-se dizer, laços
carnavalescos e as comunidades que os emolduram são
comunidades carnavalescas.”
127
Esta dinâmica da comunidade estética, além de permear o universo dos
megaeventos e se conceberem, efetivamente, com as mesmas características
destes, também constituem, é interessante pontuar, a estética dos meios de
comunicação de massa em nossos dias, visto que a indústria cultural se alimenta
de tal dinâmica e é retroalimentada pela sua lógica.
Se amplificarmos a análise das comunidades, assim, para o processo
comunicativo – essencialmente embasado no vínculo, fica ainda mais claro o
efeito que este processo das comunidades estéticas têm sobre a comunicação
126
Zygmunt BAUMAN, Comunidades. p. 68.
127
Idem, p. 68
85
como um todo na contemporaneidade que torna-se, na mesma medida, um
produto da indústria cultural. Comunicação artificial, efêmera, líquida que se
baseia na mídia terciária, na mídia eletrônica, que, como aponta Contrera
“privilegia os sentidos da distância, ou seja, a visão e a audição”
128
, sentidos
estes também da separação e não da proximidade, como sentidos como o tato,
por exemplo.
As comunidades artificiais, ou estéticas, são a materialidade da comunicação de
distâncias, em que os vínculos são reduzidos a recepção em massa, “únicos
territórios partilhados em grande escala”
129
de acordo com Contrera.
Mais importante que a recepção em massa, no entanto, está a questão do
“participar’, do “partilhar”, já que partilhar algo subentende a vivência em
comunidade, a experiência conjunta, o que pressupõe a aproximação, a
sensorialidade, os sentidos de proximidade, que se perderam com a mídia
terciária, com a tecnologia e com as comunidades artificiais.
A mídia terciária, hoje a mais forte das mídias, altera profundamente as relações
sociais, já que, por suas características e pelo fato de constituir apenas as
comunidades estéticas, não promove esta “partilha” de forma real, não promove a
participação, o tomar parte em. O indivíduo, como afirma Contrera, “mantém-se
isolado frente ao televisor ou ao vídeo”
130
e sua sensação de participação limita-
se ao fato de consumir esta mídia que também como aponta Bauman, está sendo
consumida por outros milhões e cujo apelo está não no fato da convivência, ou da
vivência e experiência compartilhada, no sentido físico da proposta, mas sim em
uma vivência individual, feita na solidão de sua casa ou de seu próprio universo. É
128
Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 107
129
Idem, p. 49
130
Idem, p. 13
86
o espaço de integração não concreto o grande referencial da contemporaneidade.
Fechado. Isolado. Longe das vivências comunitárias, como as festas e os rituais
de outrora. Somente em contato com a própria mídia que se torna o meio de
compartilhar da modernidade, que pauta as comunidades efêmeras dos dias
atuais e se torna o suporte máximo dos vínculos da atualidade.
Vínculos, Comunidades e Megaeventos
O megaevento é o espaço da recepção em massa, recepção esta intermediada
pelos diversos suportes, tal como discutiremos no próximo capítulo, espaço este
em que os vínculos – efêmeros – se estabelecem a partir do simples fato de se
conviver em um mesmo espaço físico. Vínculo que, no entanto, não se aprofunda,
não divide, não partilha, não participa.
Os megaeventos constituem comunidades estéticas, líquidas. As relações ali
estabelecidas – quando estabelecidas – não se aprofundam, predominantemente.
E se, como discutido, comunicação e vínculo estão intrinsecamente interligados,
tais espaços, na mesma medida, não se constituem em espaços de comunicação.
Consolidam-se como espaços de consumo conjunto, unicamente. Não são
espaços estruturados para provocar a participação, a partilha anteriormente
mencionada. Sua estrutura, tal como discutiremos mais adiante, não permite, não
motiva e não objetiva que estes vínculos sejam estabelecidos.
Seu próprio formato, que, como anteriormente pontuado, rememora algumas
características do ritual, em função da dinâmica nas quais está imerso e das
87
características midiatizadas que adquiriram e que foram incorporadas em sua
estrutura e funções, limitam a comunicação em seu escopo.
Estes espaços, desta forma, perderam, como pode-se perceber, sua
característica mais essencial, e, certamente, a mais importante, a característica
do partilhar do viver – de fato – em grupo.
Produtos culturais que poderiam hoje se consolidar como grandes espaços de
convivência, de participação, da vivência comunitária, tal como as primeiras
hipóteses apresentadas na estruturação do projeto desta dissertação, somente
contróem vínculos vazios, vínculos de ocasião e vínculos vazios não comunicam,
não integram. Constituem, de fato, meios de incomunicação.
88
C
C
a
a
p
p
í
í
t
t
u
u
l
l
o
o
I
I
I
I
I
I
-
-
A
A
N
N
a
a
t
t
u
u
r
r
e
e
z
z
a
a
(
(
I
I
n
n
)
)
C
C
o
o
m
m
u
u
n
n
i
i
c
c
a
a
t
t
i
i
v
v
a
a
d
d
o
o
s
s
M
M
e
e
g
g
a
a
e
e
v
v
e
e
n
n
t
t
o
o
s
s
:
:
O
O
C
C
a
a
s
s
o
o
S
S
k
k
o
o
l
l
B
B
e
e
a
a
t
t
s
s
Este capítulo “A Natureza (In) Comunicativa dos Megaeventos – O Caso Skol
Beats”, tem como objetivo apresentar o evento estudado, trazendo informações
consideradas relevantes durante a pesquisa e que corroboram para a
identificação dos processos comunicativos existentes nos megaeventos musicais.
Para tanto, a técnica de pesquisa utilizada, além da pesquisa bibliográfica,
baseou-se no processo de observação direta intensiva assistemática e
participante.
Esta técnica foi entendida como a mais apropriada para o desenvolvimento da
dissertação uma vez que prevê a observação direta do objeto a ser estudado, no
caso o megaevento Skol Beats Edição 2006.
As informações foram registradas por meio fotográfico e a coleta de dados
envolveu, além da participação no evento em si, também pesquisa pré-evento,
per-evento e pós-evento relativa a informações veiculadas nos principais meios
de comunicação, dando-se especial atenção à mídia eletrônica, com enfoque
específico na Internet. Foram cadastradas informações colhidas nos principais
portais brasileiros
131
, Uol (co-patrocinador do evento edição 2006) –
www.uol.com.br, Terra – www.terra.com.br, e IG www.ig.com.br, além de sites de
alguns dos principais veículos de comunicação nacional como o portal do jornal
“O Estado de S. Paulo” – www.estadao.com.br e “Folha de S. Paulo” -
131
Levando-se em consideração o número de visitas-dia.
89
www.folhaonline.com.br, informações veiculadas no portal oficial do evento
www.skolbeats.com.br, como também o site da Ambev, proprietária da marca
Skol Beats, nos principais sites da cena
132
eletrônica nacional,
www.baladaplanet.com.br e www.raves.com.br, além do acompanhamento
realizado no maior site de relacionamentos da atualidade www.orkut.com,
enfocando-se a comunidade Skol Beats e as discussões e fóruns realizados na
mesma.
133
Todo este levantamento de informações, artigos, notas à imprensa e demais
materiais catalogados objetivou, principalmente, complementar as informações
levantadas durante a observação direta, trazendo outras óticas que puderam,
como dito, corroborar com a identificação dos tipos de vínculos comunicativos
existentes em um espaço como o estudado.
É válido mencionar, ainda, que existem inúmeros eventos que possuem formatos
muito semelhantes ao Skol Beats, tais como Nokia Trends, Tim Festival entre
outros, sendo que este evento foi selecionado como objeto de estudo, como dito
anteriormente, em função do número de participantes crescente que tem recebido
nos últimos anos, chegando, como descreveremos a frente, a quase 60 mil
132
O termo ‘Cena’ (scene, do Inglês), é bastante utilizado para descrever o universo da música
eletrônica, que inclui não somente a música em si, mas todo um caráter amplificado que vai muito
além da música, definindo, de fato, uma cultura eletrônica, que envolve os espaços freqüentados,
as vestimentas, adereços e acessórios utilizados por este grupo que ouve a música eletrônica e,
inclusive, seus princípios ligados ao Plur – Peace, Love, Unity and Respect – Paz, amor, união e
respeito, conceitos estes propagados dentro da ‘cena’ e absorvidos pelos participantes. A cena
eletrônica, desta forma, possui uma estética própria, e determina, com isso, a moda, o
comportamento, as relações interpessoais, as visões de mundo, ou seja, um estilo de vida
bastante específico.
133
De acordo com Cláudio Manoel Duarte de Souza em seu artigo A Cybermúsica, DJing, tribos e
cibercultura, publicado pela Faculdade de Comunicação da Universidade da Bahia, os eventos de
música eletrônica predominantemente usam suportes de comunicação independentes das mídias
comerciais como flyers, telefones móveis, sites, chats, listas de discussão na Internet, ou seja,
meios sempre ligados à alta tecnologia, conforme comentaremos a seguir. Esta tendência fez com
que as pesquisas também fossem orientadas para os veículos com ênfase a tais tendências,
dando-se prioridade à Internet.
90
participantes em 2006, o que o pontua como o maior evento de música eletrônica
da América Latina e um dos maiores do mundo.
Elektronische Musik
134
Impossível analisar um megaevento de música eletrônica como o Skol Beats sem
que se realize uma reflexão relativa à música eletrônica em si, suas
características intrínsecas e seu processo de desenvolvimento, que muito
contribuíram para a estruturação deste tipo de evento.
É válido reiterar que não constitui objetivo desta dissertação aprofundar tal
reflexão, mas considera-se de enorme valia que este tema seja apresentado e
discutido, em função de sua importância na configuração da tipologia de eventos
aqui estudada e pela própria estética da música eletrônica, que apresenta
características muito específicas.
O surgimento da música eletrônica é resultado de um processo bastante
complexo, baseado, principalmente, no desenvolvimento da tecnologia, tanto na
produção musical em si, com o surgimento de novos instrumentos musicais
eletroacústicos, o uso de novas fontes sonoras não convencionais e não mais
mecânicas, como os instrumentos tradicionais, e ainda pelo avanço tecnológico
trazido pelas duas grandes guerras, em especial para a comunicação radiofônica,
134
Música eletrônica, em alemão. A música eletrônica dentro do conceito popularizado pela mídia,
nasce na Alemanha, motivo pela qual a expressão foi apresentada aqui em alemão.
91
que já dispunha de estúdios
135
bem equipados, em função das próprias guerras e
que, com o clima de reconstrução econômica, recebeu muitos incentivos.
As primeiras experiências e estudos em relação à produção de sons
eletronicamente surgem de forma quase paralela na França e Alemanha ainda na
década de 40, mas somente na década de 50, na Alemanha, os compositores
envolvidos com as tecnologias disponíveis no estúdio eletrônico disseminaram o
termo música eletrônica (Elektronische Musik) para delimitar o seu território de
ação. A vertente alemã, surgida em Colônia, tem como paradigma a utilização
exclusiva de aparelhos eletrônicos na construção e sintetização de sons.
Posteriormente, as pesquisas em termos de tecnologia e produção musical
inseriram o computador no processamento dos sons, além de diversos outros
equipamentos, como sintetizadores inicialmente, e posteriormente samplers
136
e
MIDI
137
, ou seja, a tecnologia e a informatização inseridas no contexto da
produção musical demonstram que “o surgimento de novas tecnologias baseadas
na eletricidade, e o uso de sinais eletromagnéticos abriram a possibilidade de
geração de sons sem a utilização de instrumentos mecânicos”
138
.
Assim, entende-se como música eletrônica toda a música criada a partir do uso
de equipamentos e instrumentos eletrônicos tais como sintetizadores, gravadores
digitais, computadores ou softwares de composição. A forma de composição é
geralmente intuitiva, o que demonstra o interesse pelo “prazer da criação” dos
135
Os estúdios radiofônicos foram os berços da música eletrônica, uma vez que dispunham de
muitos equipamentos que puderam ser utilizados em sua criação, gravação e apresentação ao
público.
136
Tecnologia que permite que sejam selecionados trechos de determinadas produções musicais
que serão mixados a outros trechos e, de sua combinação, será criada uma nova música.
137
MIDI – Musical Instrument Digital interface - Protocolo de comunicação, introduzido em 1983,
destinado à comunicação, controle e sincronização de informações de áudio entre dispositivos
como teclados, sintetizadores e processadores de som. Permite a produção da música eletrônica
por uma única pessoa, conhecida como DJ.
138
Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 1.
92
DJ’s
139
, e o softwares são desenvolvidos de forma a facilitar a criação de
melodias e ritmos. Uma vez que trabalha quase exclusivamente com sons
sintetizados em laboratório, a maioria das composições é gravada e dispensa
intérprete, o que elimina a presença da performance musical do artista.
No início da década de 80, seguindo a tendência da música disco do final da
década de 70, a música eletrônica assume um formato mais dançante, sendo
desenvolvidas algumas ramificações, como o techno, surgido em Detroit em 1980,
house music em Chicago, e, posteriormente, o trance, acid house e o drum and
bass, já na década de 90, tornando-se, então, um estilo musical aceito pela
indústria da música, o que a introduziu no universo das casas noturnas. Paralelo a
isso, as tendências e, principalmente, a tecnologia da música eletrônica foram
absorvidas e apropriadas por outros estilos musicais, como o próprio rock
140
e
ainda pela própria mídia eletrônica, uma vez que esta tecnologia passou a ser
assimilada na produção musical do cinema
141
e, conseqüentemente, pelos
demais veículos de comunicação da mídia eletrônica
142
.
É interessante perceber que, imerso no processo de desenvolvimento da música
eletrônica, encontra-se também um processo bastante complexo em termos de
alterações da forma de percepção da própria produção musical. Novos “padrões
de escuta”, ou seja, de recepção da própria música evoluem paralelamente às
139
DJ – Disc-Jockey – músicos que utilizam instrumentos musicais eletrônicos e tecnologia para
executar suas composições. O sentido da palavra está no fato de que estes artistas da cena
eletrônica conduzem toda uma apresentação praticamente sozinhos em função dos instrumentos
e da tecnologia que dispõem.
140
The Beatles, Led Zeppelin e outras bandas de renome utilizaram algumas tecnologias da
música eletrônica em suas produções.
141
Um dos primeiros exemplos desta apropriação está na trilha sonora do filme Laranja Mecânica,
de Stanley Kubrick, basicamente desenvolvida com tecnologia da música eletrônica.
142
Atualmente, a absorção da música eletrônica pelos mais diferentes veículos de comunicação é
uma constante. Desde as peças publicitárias, a TV, o cinema, a Internet e, principalmente, os
celulares com seus tons polifônicos e em MP3 fazem com que a música eletrônica esteja inserida
no dia-a-dia do homem contemporâneo.
93
alterações que a mesma sofre ao longo do tempo. Fernando Iazetta, em seu
artigo A Música, o Corpo e as Máquinas
143
, comenta essa evolução, pontuando
que o corpo de adapta à experiência auditiva a qual está submetido. No final do
século XIX e início do século XX, ainda de acordo com o autor, com o surgimento
dos primeiros aparelhos fonográficos, o padrão de escuta que estes aparelhos
almejavam estava sempre baseado nas experiências auditivas das apresentações
ao vivo, que eram o padrão de escuta vigente na época. Atualmente, no entanto,
Iazetta afirma que o padrão de escuta se baseia em sistemas reprodutores, como
o rádio, os discos e as fitas magnéticas, e mais recentemente, os DVD’s. O
padrão, portanto, é sempre imposto pela própria tecnologia de gravação e
reprodução.
A discussão relativa ao padrão de recepção torna-se relevante na medida em que
considera a forma como a música eletrônica é ouvida atualmente, suas
características e como os eventos realizados com base neste estilo musical
apresentam características bastante diferenciadas de eventos de demais estilos.
“Até o advento dos sistemas de gravação deste século, o contato com a música
se dava exclusivamente através da performance”,
144
ou seja:
“O ouvinte participava da realização musical ao reconstruir
internamente, não apenas as seqüências de notas produzidas pelos
instrumentos, (...) mas todo o universo gestual que os acompanha,
pois a música
era (grifo nosso) fruto dos corpos que a produzem e
143
Disponível em: www.eca.usp.br/prof/iazzetta/papers/opus.pdfm, consultado em 17 de fevereiro
de 2007, às 2h35.
144
Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 2.
94
era impossível ao ouvinte ficar alheio à presença destes corpos”.
145
A percepção musical, o sentido a música, - o ouvir - desta forma, era construído
por meio da percepção de um conjunto de elementos constituídos não somente
pelas notas musicais emitidas em si, mas também pelos corpos que as
produziam, o que envolvia os instrumentos musicais mecânicos e toda a
gestualidade do artista que conduzia a performance musical. Mesmo por meio da
transmissão radiofônica, ou quaisquer outras transmissões em que o artista não
estivesse sendo de fato visualizado, a imagem deste artista poderia ser
mentalmente criada, uma vez que havia uma referência prévia concreta do
mesmo, bem como do tipo dos instrumentos, ou conjunto destes, utilizados na
composição musical.
“Durante milênios as pessoas aprenderam a ouvir os sons que
guardavam relações estreitas com os corpos que as produziam.
Subitamente, toda a experiência auditiva acumulada ao longo de
um longo processo de evolução da cultura musical é transformada
pelo surgimento dos sons eletrônicos. A audição destes sons não
revela as relações mecânicas, concretas e aparentes dos
instrumentos acústicos tradicionais, já que estes são gerados
através de processos elétricos invisíveis a nossa percepção.”
146
145
Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 2.
146
Idem.
95
Música, instrumentos e corpo encontravam-se presentes e integrados na
constituição da experiência musical, na recepção da música. No entanto, “com o
advento da eletricidade e da eletrônica, mais e mais passamos a ouvir e conviver
com sons provenientes de corpos invisíveis contidos nos circuitos sintetizadores,
samplers, gravadores magnéticos e computadores“
147
, ou seja, tal como em
outros processos comunicativos a que se está submetido hoje, tal como
aconteceu com a comunicação por meio da mídia eletrônica, há uma total
descorporificação também na música. O ouvinte, assim, precisa adaptar-se a esta
nova forma, que “cria uma situação anormal, quase fantástica, fazendo com que
se ouça o som sem que se veja o corpo que o produz, sendo, assim realçado o
caráter mágico da ligação entre aquilo que se ouve e aquilo que se vê”
148
.
A música eletrônica, por sua vez, apresenta um novo padrão de recepção, um
novo padrão de escuta, totalmente desvinculado da presença material das
performances, como também dos instrumentos, o que representa, além de, uma
nova estética musical e um novo padrão de comunicação com e por meio da
própria música.
Os sons produzidos, em função destes processos de descorporificação, são
destituídos de seu poder de identidade, já que os sons sintetizados destróem a
possibilidade do ouvinte de associá-lo a algum tipo de fonte, signo ou símbolo.
“São produzidos pelas tecnologias eletroacústicas e tornam-se, então, dúbios,
difusos, revelando-se com uma aparência que oscila entre a existência no mundo
real e a abstração de um mundo imaginário”
149
, desconexos e completamente
147
Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 2.
148
Idem.
149
Idem, p. 11.
96
diferenciados, assim, de eventos sonoros produzidos pelos instrumentos
mecânicos e também pelos sons de qualquer ambiente natural.
Este processo, associado ao estilo repetitivo e ao mesmo tempo fragmentado da
música eletrônica, faz com que a experiência sonora seja radicalmente alterada,
uma vez que a dramaticidade da presença das performances e dos instrumentos
desaparece.
Neste sentido, os próprios meios tecnológicos têm buscado recuperar esta
dramaticidade, por meio da inserção de imagens associadas a estas
apresentações musicais, visto que a presença corpórea dos DJ’s (Disk Jóqueis,
também conhecidos como "Dee Jays"), por si só, não consegue recuperar a
corporalidade, ou a materialidade esvaída da transformação da música tradicional
para a música eletrônica. Os movimentos, a gestualidade dos DJ’s em suas pick-
ups
150
, não conseguem recuperar essa corporeidade, uma vez que os
movimentos ligados aos botões, presentes nas apresentações “ao-vivo” deste tipo
de música não conseguem transferir ao ouvinte qualquer forma de significação.
Não é, como dito anteriormente, nosso objetivo analisar os inúmeros efeitos
provenientes destas complexas alterações na música, mas cabe aqui uma
observação e registro de como estas mudanças espelham outras alterações
comunicativas dentro do atual cenário sócio-cultural e do espetáculo
contemporâneo.
No caso, especificamente, da música eletrônica, é importante ainda ressaltar a
estética bastante particular deste estilo musical. Como dito anteriormente, a
música eletrônica caracteriza-se, essencialmente, pela apresentação de um
150
Toca-discos utilizado pelos DJ’s que conjuga, além das bandejas em si, o conjunto de
sintetizadores, gravadores, samplers e demais tecnologias utilizadas para a produção da música
eletrônica.
97
conjunto de sons eletronicamente criados. Estes sons caracterizam-se ainda pela
repetição programada e contínua marcada pelo ritmo mantido pelos BPM's
151
(Beats per Minute - Batidas por minuto)
152
.
Esta repetição, descrita por alguns autores como “repetição hipnótica”, rememora
práticas dos antigos rituais, os cantos presentes em tais cerimônias e ainda a
idéia dos mantras orientais e sua repetição como elementos em busca da
transcendência.
153
Além das características da repetição e do ritmo, mantido pelas batidas (Beats),
as apresentações de música eletrônica também são caracterizadas pelo volume
ensurdecedor, o que, de acordo com Tiago Coutinho, no artigo O Uso do Corpo
nos Festivais de Música Eletrônica
154
gera alguns efeitos sonoros bastante
específicos:
“Neste volume, o corpo humano não reconhece o som pela
audição, mas pelo tato. Este recurso faz com que o som não seja
mais ouvido, mas sim sentido. O alto volume provoca um
deslocamento de ar que em contato com o ar da caixa torácica do
participante, transmite a sensação de que o som grave está
preenchendo o seu corpo”
155
.
151
Os BPM’s são responsáveis pela manutenção do ritmo da música. Diferentes músicas possuem
BPM’s diferentes
152
O conceito de BPM’s Beats per Minute é bastante relevante para esta dissertação, uma vez
que tem relação direta com o nome do evento estudado.
152
É válido registrar que a idéia de repetição como uma rememoração dos rituais, a idéia de que
esta repetição leva a transcendência e ao êxtase são temas que se repetem na maior parte dos
textos que falam sobre a música eletrônica, tanto em nível acadêmico, (tal como os textos
utilizados nesta pesquisa), como também nas diferentes discussões do assunto realizada nos
blogs, flogs e grupos de discussão criados e mantidos pelos fãs da música eletrônica.
154
Disponível em www.neip.info – Texto apresentado na VI Jornada Interna dos Alunos de Pós-
graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004).
155
Tiago COUTINHO, O Uso do Corpo nos Festivais de Música Eletrônica, p. 5.
98
A definição de que o som é muito mais sentido do que, de fato, ouvido, é uma
realidade nestes espaços, em função do elevado volume das apresentações,
como comentado. Sem sombra de dúvidas, o impacto tátil das ondas sonoras é
extremamente representativo e percebido. O som, como dito, é sentido.
“Como se explica o fato de que quando alguém ouve
voluntariamente uma música com seus ouvidos e sua mente, ele
também se volta involuntariamente a essa música de modo que seu
corpo responde com movimentos de algum modo similares a
música ouvida?”
156
Outra característica bastante representativa relacionada à música eletrônica é o
fato de que ela não precisa necessariamente ser ouvida do começo ao fim. São
sensivelmente mais longas do que as músicas convencionais e pelo fato de não
apresentarem “letra” não possuem princípio, meio e fim, mas sim um continuum
de apresentação de trechos mixados e repetidos. A ausência da narratividade da
música popular torna a experiência difusa, por vezes, fragmentada, consolidando-
se como um reflexo da cultura jovem urbana contemporânea.
É interessante registrar que muitas vezes, aqueles que não estão acostumados
com este tipo de música, percebem-se, após um período de introdução da
música, em um estado de ansiedade para que a música, tal como outros modelos
musicais, de fato, se inicie. É perceptível que esta ansiedade, num segundo
momento, transforma-se em uma carência com relação à própria música que se
156
A.M.S BOETHIUS, Fundamentals of Music APUD Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as
Máquinas, p. 1.
99
está ouvindo, em um processo que não se completa. A inexistência de letra nas
músicas, e, conseqüentemente de uma”narrativa musical”, a ausência de
linearidade, antes comum às produções musicais, bem como a perda da idéia tão
orgânica de princípio, meio e fim, e, conseqüentemente, das performances
artísticas tradicionais resultam em um estilo musical sem ídolos; de fato, somente
os ouvintes realmente especialistas neste estilo musical são capazes de
reconhecer um DJ durante um show, a partir da análise somente da música que
está sendo apresentada.
É, como percebido, um estilo musical marcado por lacunas, pela eterna sensação
de um processo inacabado, vazios, ansiedades, pela incomunicação, tal como
discutiremos posteriormente.
O modelo da música eletrônica consolida-se como uma composição entre a
linearidade e a fragmentação. Uma linearidade exacerbada pela repetição
contínua, extensa em músicas que, como dito anteriormente, são
consideravelmente mais longas do que as músicas de outros estilos e marcada
pela fragmentação, criada pela própria produção deste estilo musical, embasada
no uso dos samplers, também anteriormente mencionados, cuja tecnologia extrai
e utiliza pequenas amostras de sons, que são “coladas” e reproduzidas
infinitamente.
Este processo de cópia e reprodução infinita deve ser pensado à luz das teorias
de Walter Benjamin, com relação à reprodutibilidade técnica
157
. Para Benjamin, a
reprodutibilidade baseava-se na reprodução de uma obra, com base, inicialmente,
157
Cf. Walter BENJAMIN, “La obra de arte en la epoca de su reproductibilidade tecnica”
Disponível em:
www.cisc.org.br/html/modules/mydownloads/viewcat.php?cid=13
100
em uma produção original. De acordo com Benjamin, a cópia, a reprodução, é
capaz de dissolver a ‘aura’ original e autêntica do objeto.
“À sua mais perfeita reprodução sempre falta alguma coisa: o hic et
nunc da obra de arte, a unicidade de sua presença no próprio local
onde ela se encontra. Não obstante, é a esta presença única e,
somente a ela, que se encontra ligada toda a sua história (...). O hic
at nunc do original constitui o que se chama autenticidade (...). O
que faz com que uma coisa seja autêntica é tudo que ela contém de
originalmente transmissível, desde sua duração material até seu
poder de testemunho histórico.”
158
O que dizer, então, da música eletrônica?
No caso da música eletrônica, a própria referência do original se perde, uma vez
que são utilizados somente fragmentos deste original na constituição de uma
nova obra. “Os samplers autorizam a cópia e põem um fim à obra intocável,
definitiva, única”.
159
Existe resiliência possível, de uma aura transferida de forma
tão incompleta?
De acordo com Cláudio Manoel Duarte de Souza, em seu artigo A Cybermúsica,
DJing, tribos e cibercultura,
160
“o produto – a música em si – é apenas um
elemento do banco de dados de sons disponível para nova manipulação, novo
recorte, nova colagem. Á música eletrônica é uma obra inacabada”.
158
Walter BENJAMIN, A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, p. 212.
159
Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em:
www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.
160
Idem.
101
Ainda de acordo com o autor “a música tecnológica não começa e não termina:
ela sugere continuidade, infinitude, hipersonoridade, mixagem e novas
colagens”
161
, além de caracterizar-se, como dito, pela repetição.
Com estas características, é facilmente constatado o esvaziamento presente
nestas produções musicais, marcado pela impossibilidade da construção
tradicional do sentido, uma vez desaparecida a narratividade da música
tradicional, o orgânico processo início-meio-fim e a repetição exacerbada de
recortes sonoros sem significado.
Impossível não traçarmos um paralelo com o modelo que encontramos hoje nos
meios de comunicação de massa. Inúmeros produtos veiculados, como por
exemplo, os telejornais, reproduzem claramente esta dinâmica, esta lógica. Uma
quantidade imensa de informações fragmentadas, lançadas de forma contínua e
ininterrupta sobre receptores passivos, que não têm tempo para construir sentido
para a narrativa a qual estão sendo submetidos, em um processo sem princípio
ou fim, marcado pela repetição, até a extenuação do fato, até que o pouco sentido
ainda presente, os vínculos líquidos que poderiam ser construídos, de fato,
desapareçam. Esta discussão é aprofundada na obra Jornalismo e Realidade, de
Malena Segura Contrera.
Por outro lado, esta repetição, característica estética da música eletrônica,
recupera um outro elemento que se constitui de relevância na compreensão da
essência de estilo musical, bem como das manifestações do mesmo, em especial,
nos megaeventos, objeto de estudo desta dissertação. A repetição, como dito
anteriormente, recupera o modelo dos rituais arcaicos, estabelecendo uma
161
Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em:
www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.
102
conexão bastante clara com os ritmos, mantras e cânticos das culturas primevas,
e mesmo de culturas como a indígena e algumas manifestações orientais, que,
por meio da repetição, muitas vezes associada ao uso de substâncias
alucinógenas, buscam os estados alterados de consciência. “A música é a chave
para despertar um novo estado psicológico único de transcendência coletiva”.
162
As manifestações coletivas da música eletrônica, realizadas, em especial, nas
Raves, a serem discutidas posteriormente, demonstram claramente a ligação
deste tipo de música com estas manifestações rituais e com a busca por estados
fora do comum em termos de consciência.
‘Terreirão eletrônico’: Raves – Beats, Bits e Techno Music
163
Discutir o fenômeno da música eletrônica leva naturalmente ao fenômeno
contemporâneo das raves. As raves constituem, na atualidade, os grandes
espaços de apresentação e fruição da música eletrônica, bem como dos diversos
produtos característicos da chamada cena eletrônica.
Existem algumas controvérsias com relação ao surgimento das raves,
especialmente em se tratando de seu local de origem e a data exata em que
estas festas passaram a acontecer. Pode-se identificar, de modo geral, que os
eventos conhecidos hoje como Raves tiveram início no final da década de 80,
quase paralelamente nos Estados Unidos e Inglaterra, ambos os movimentos
162
Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em:
www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.
163
Referência, aos Beats, das batidas características da música eletrônica e sua conjunção com
os bits, que tratam-se da unidade mínima de informação em um sistema digital e são aqui
mencionados em função da invasão destes espaços pela tecnologia digital e a Techno Music que
trata-se de um dos vários nomes que a música eletrônica recebe.
103
motivados pela música eletrônica que eclodia em um formato mais dançante e,
conseqüentemente, mais popularizado.
Atualmente, as raves definem-se como eventos sociais inseridos na lógica da
cultura jovem contemporânea, marcados fundamentalmente pela música
eletrônica.
De acordo com Mike J. Brown, no texto FAQ – Frequently Asked Questions About
Techno Music and Raves,
164
as Raves possuem alguns elementos que as
caracterizam (tradução nossa):
Um espaço que pode ser um armazém, campos abertos, clubes ou outros
locais diferenciados;
Sistema de som estéreo completo e com amplificadores bastante
poderosos;
DJ’s selecionados que proporcionem um mix contínuo de música
eletrônica;
Iluminação móvel e colorida, lasers e estrobos etc.
Muitas horas seguidas de evento;
Uso de drogas recreativas
165
por um percentual representativo de
participantes;
164
FAQ – Questões Freqüentes sobre Música Eletrônica e Raves. Disponível em
http://taz4.hyperreal.org/~mike/pub/altraveFAQ.html
165
Também chamadas de club drugs ou party drugs são usadas durante festas, conhecidas como
raves ou trances. A idéia de drogas “recreativas” pode advir do uso que estes substâncias
sintetizadas adquiriram, em especial, na Inglaterra em meados da década de 90. De acordo com
M. Collin o ecstasy e o LSD constituíam parte do ritual de lazer de final de semana dos jovens
ingleses que freqüentavam eventos de música eletrônica e, originalmente, não eram consideradas
drogas ilegais. (Cf.Matthew COLLINS, Altered State- The Story of Ecstasy Cultures and Acid
House). Impossível não construirmos um paralelo com o uso do álcool no Brasil em meio às
atividades de lazer e entretenimento, bem como nos eventos, uso este realizado com objetivos
”puramente recreativos”.
104
Venda de produtos de moda, camisetas, acessórios, CD’s entre outros
produtos;
Além das características mencionadas por Mike J. Brown, no texto FAQ –
Frequently Asked Questions About Techno Music and Raves, somamos a
inserção massiva de elementos da tecnologia digital; em geral diferentes
tecnologias são utilizadas para mediar o contato participante-evento, como
discutiremos posteriormente.
166
Estas características se reproduzem em praticamente 100% das raves e
contribuem para a formatação do ambiente de busca do êxtase criado nos
eventos deste tipo, cuja ocorrência vem aumentando de forma bastante
representativa nos últimos anos.
O verbo rave
167
, proveniente do inglês, que dá nome a estes eventos, também
muito tem a dizer sobre tais atividades. Rave significa delirar, ou ainda falar de
forma entusiasmada ou delirante, o que demonstra que o significado da palavra
tem muita relação com as estruturas destes eventos.
Cláudio Manoel Duarte Souza
168
discute que a nomenclatura rave surge por meio
da própria mídia que passa a associar estes eventos, anteriormente conhecidos
como acid house parties
169
a um estilo de festa grande, delirante e espetacular, ou
166
Vale registrar que estes meios de ‘comunicação’ inseridos no contexto das raves, quando
analisado o evento em si, não promovem o contato participante-participante, mas sim o contato
deste participante com o próprio evento. Geralmente, este contato participante–participante, ainda
que de forma bastante incipiente, é promovido pelos blogs, flogs e listas de discussão criados em
meio à cena eletrônica e utilizados predominantemente para a divulgação dos eventos a serem
realizados que raramente entram em circuito comercial de divulgação.
167
Rave: s. Delírio, acesso de cólera// v.delirar, enfurecer, ser louco por, querer a todo custo;
Pequeno Dicionário Michaelis Inglês - Português.
168
Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em:
www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.
169
Festas Acid House. Acid House trata-se de um estilo de música eletrônica popularizado no final
da década de 80 e derivado da house music, porém com características mais eletrônicas, que
incluem mais batidas e um tom mais “seco” na música.
105
seja, “rave!” Diversos veículos de comunicação já teriam se referido a outros
eventos com grande número de participantes como “rave” ou fizeram o uso, em
shows, do termo “all night rave”.
Thaís Cristine Chies, em seu artigo Novas formas de viver – Clubbers e
Ravers
170
, complementa a questão da nomenclatura que tais eventos receberam,
afirmando que o termo rave surge para reforçar a relação da música eletrônica
com o ecstasy e o ácido lisérgico (LSD), utilizados na busca por um estado
alterado de consciência.
A idéia do delírio, do entusiasmo, compõem a lógica destes tipos de eventos
desde o seu início, integrando, como percebido, seu conceito e constituição. Essa
idéia, desta forma, integra a estrutura destes eventos, seu formato e ambientação
e, na mesma medida, o objetivo principal dos participantes. Delírio, entusiasmo,
êxtase, portanto, compõe a essência das raves. Conseqüentemente, a busca por
estes estados constitui-se uma constante para os participantes, que, imersos em
um ambiente programado para tal, na mesma medida, buscam suas próprias
formas de alcançar estes estados de pseudo-transcendência.
Esta composição do evento, baseada na idéia de êxtase, materializa-se na
estrutura das raves, estrutura esta que recebe uma quantidade inumerável de
elementos considerados capazes de levar aos estados alterados de consciência.
O estímulo multisensorial é exacerbado por meio de diversos elementos que
constituem o megaevento.
Primeiramente, podemos considerar como elemento que compõe a lógica do
estímulo multisensorial, a sonorização, essencialmente marcada pelo excesso em
170
Thaís Cristine CHIES, Novas formas de viver – Clubbers e Ravers. Os Urbanitas – Revista
Digital de Antropologia Urbana. Disponível em
www.aguaforte.com/antropologia/clubbers1.html
consultado em 27/02/07.
106
termos de volume, bem como pelo uso da música eletrônica, que, por suas
batidas repetitivas é considerada responsável por causar um efeito hipnótico no
participante
171
.
“O corpo é tomado pelo andamento, pelo alto volume das músicas,
a sensibilidade epidérmica vem à tona, o suor aflora e a circulação
sanguínea intensifica seu fluxo. O corpo em dança não encontra
limites nem em si próprio e nem em seu entorno.”
172
Ao lado da sonorização, também a iluminação é estruturada de modo a compor a
ambientação destes eventos. Com centenas de watts de potência, combinação de
diferentes técnicas e utilização de cores, a iluminação, promove uma ambiência e
sensações diferenciadas dos estados naturais.
A luz, como afirma Cláudio Manoel Duarte de Souza
173
, também funciona como
fator de hipnose, em função, especialmente, da ambiência provocada pelas
combinações de cores e diferentes tipos de luzes em movimento, bem como por
sua intensidade. A função da luz, ainda de acordo com o autor é
tridimensionalizar o som. A iluminação deve acompanhar as batidas, reforçando
as paradas. Sua oscilação deve pontuar o ritmo da música.
A iluminação, desta forma, assume um formato bastante característico, em
especial a partir do uso de cores fluorescentes como lilás, azul, amarelo, rosa e
verde, efeitos estes mixados com diversos canhões, luz negra e lasers
171
Matthew Collin na obra Altered State – The Story of Ecstasy Culture and Acid House associa a
música eletrônica e o uso da tecnologia para acelerar a percepção e o prazer.
172
Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito, p. 152.
173
Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, Sobre a Cultura da Música Eletrônica e Cibercultura,
disponível em:
www.pragatecno.com.br/texto1.html consultado em 27/02/07.
107
associados a inúmeros recursos gráficos e de novíssima tecnologia. O conjunto
destes elementos compõe um ambiente que por si só perpassa a idéia de
transcendência dos limites comuns de percepção, algo fora do real e que,
principalmente, promove uma experiência multisensorial sobrecarregada.
Além disso, a composição do ambiente das raves ganhou a inserção dos telões
dos mais variados tamanhos e formatos. O estímulo visual provocado pela
reprodução ininterrupta de centenas de imagens que, na maior parte das vezes,
não possuem qualquer relação com o ambiente do evento, contribui com a
composição deste ambiente. Os VJs (VeeJays) ou Vídeo Jóqueis assumem a
função de criar apresentações por meio das imagens associadas aos sons. A
proposta é que a imagem faça a interpretação visual da música, ou, pelo menos,
da lógica deste estilo musical.
Desta forma, as imagens apresentadas possuem a mesma lógica da música
eletrônica. São imagens em grande velocidade, desconexas, fractais, com uma
estética bastante particular. Atualmente, existem grupos especializados de Vídeo
Jóqueis que atuam nas raves e festivais de música eletrônica. “Interessante
constatar que as imagens são igualmente mixadas, respeitando as batidas, as
bpm’s, o ritmo do som”
174
, provocando uma experiência sinestésica e sensorial.
“Em festas onde a música eletrônica está implicada, como as raves,
busca-se conexões com outras linguagens artísticas, notadamente
no campo da produção imagética. É o caso dos artistas que geram
174
Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em:
www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.
108
imagens fractais, clipes em 3D e animações em realidade
virtual”
175
.
A cena rave, a cultura das raves esteve sempre, é válido ressaltar, ligada à idéia
da tecnologia. Diferentes tecnologias foram apropriadas desde o início,
objetivando a divulgação destes eventos e sua popularização.
Contemporaneamente, esta tecnologia passou a compor a experiência das raves,
por meio do uso de diversos estratagemas que têm como proposta ‘conectar’ o
participante ao universo do evento, ou seja, conectá-lo a algo fora do comum,
efêmero, ligado ao prazer, ao espaço que o leva à busca da transcendência. A
experiência multimídia é absorvida objetivando estimular a experiência
multisensorial
176
.
Neste sentido, Malena Segura Contrera afirma:
“O público das raves e dos festivais eletrônicos tenta adentrar nos
domínios de Dionísio, o deus do êxtase, cultuando o deus da
técnica, Hefestos. Esse equívoco resulta numa tentativa
desesperada que só favorece a indústria da tecno-idolatria: o
público continua com um buraco no lugar da alma, buraco
175
Thaís Cristine CHIES, Novas formas de viver – Clubbers e Ravers. Os Urbanitas – Revista
Digital de Antropologia Urbana. Disponível em
www.aguaforte.com/antropologia/clubbers1.html
consultado em 27/02/07
176
Neste sentido é importante fazermos menção a como o universo da tecnologia da informação
consolida-se como o espaço de trocas entre o público freqüentador destes ambientes. A internet,
os sites de relacionamento e os blogs tem se constituído em (únicos) espaços de sociabilidade
dos membros da cena eletrônica. Por meio da internet, os mesmos têm criado a única forma de
‘comunicação’ que de ‘fato’ integra e cuja participação cria um certo tipo de vínculo, mesmo que
líquido, como comentado anteriormente. Estes vínculos, baseados na participação nestes espaços
virtuais, criam a sensação, nos participantes, da formação de um grupo, de uma comunidade.
Infelizmente, no entanto, uma comunidade cujas manifestações de vínculo e participação não são
transferidas para o real. Limitam-se ao espaço virtual.
109
devidamente preenchido por mais e mais produtos dessa indústria
da pseudo-transcendência.”
177
Todo este conjunto de elementos: som, iluminação, imagens, conjugadas a
decoração, especialmente pensada no sentido de ressaltar cada um dos fatores
mencionados, associados à presença massiva de pessoas dividindo o mesmo
espaço, em meio a fruição coletiva destes superestímulos promovem uma
vivência profundamente diferenciada da realidade, que pode ser capaz, pela
convergência dos estímulos, pela híper-superestimulação, de provocar o êxtase –
ou ao menos, um pseudo-êxtase, um tecno-êxtase, bem como os ‘estados
alterados de consciência’ buscados pelo grupo, materializando a transcendência
da consciência individual numa experiência coletiva.
Vargas afirma: “adentrar esse espaço (do evento) operativo significa muito mais
sair do espaço profano da vida, do caos, e comungar com o sagrado,
ultrapassando os limites do corpo, no cosmos organizado.”
178
S. Mizrach, citado em Souza
179
discute que uma rave ”supõe ser uma experiência
multimídia e multisensorial (...). Os ravers sentem que esta ‘sobrecarga sensorial’
serve como uma proposta para esmagar os sensos (comuns) e criar uma
experiência sinestésica, transcendental.”
As raves, desta forma, como afirma Souza, têm em sua concepção mais
essencial o “estado alterado” sempre presente, tanto no que diz respeito a sua
177
Malena Segura CONTRERA, entrevista realizada em fevereiro de 2007.
178
Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço. p. 153.
179
Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em:
www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.
110
estruturação, como anteriormente comentado, quanto nos objetivos dos
participantes.
“A rave often refers to a party, usually all night long, open to the
general public, where loud techno music is played and many people
partake of a number of different chemicals. (...) At a rave, the DJ is
a shaman, a priest, a chancellor of energy - they control the psychic
voyages of the dancers through his [sic] choice in hard-to-find music
and their skill in manipulating that music…A large part of the
concept of raves is built upon sensory overload-a barrage of audio
and very often visual stimuli (sic) are brought together to elevate
people into an altered state of physical or psychological
existence."
180
Esta busca pelos estados alterados de consciência tem ligação direta com o
paradigma de valores sob o qual estes eventos foram criados, paradigma este
ligado às comunidades underground, ou seja, fora dos circuitos comerciais e com
o objetivo, de fato, de se desligarem da realidade, como mais um movimento de
contracultura, completamente fora dos padrões tradicionais,
181
bem como com os
180
FAQ – Questões Freqüentes sobre Música Eletrônica e Raves. Disponível em
http://taz4.hyperreal.org/~mike/pub/altraveFAQ.html. Uma rave frequentemente se refere a uma
festa, que usualmente dura a noite toda, aberta ao público em geral, onde a música eletrônica é
apresentada em alto volume e muitas pessoas compartilham de um número de diferentes
substâncias químicas (…). Nas raves, o DJ é um xamã, um padre, um chanceler da energia – ele
controla as viagens psíquicas dos dançarinos por meio de sua escolha musical e sua manipulação
da música. Uma grande parte dos conceitos das raves são construídos com base na sobrecarga
sensorial – um represamento de estimulações auditivas e frequentemente visuais são
apresentadas juntas para elevar os participantes a um estado alterado de existência física e
psicológica. (Tradução nossa)
181
Essa idéia de contracultura rememora também os movimentos jovens que na década de 60
deram início aos primeiros festivais de música voltados a grande públicos, ou seja, os primeiros
megaeventos musicais, como o caso de Woodstock que, apesar de não ter sido planejado como
111
tipos de eventos que tentam recriar, eventos estes ligados às manifestações
ritualísticas que têm como base a música, a dança e o uso de alucinógenos como
formas de se alcançar à transcendência e, além disso, em função da própria
ideologia adotada pelos freqüentadores destes espaços, o PLUR – Peace, Love,
Unity and Respect
182
.
“Através de uma experiência multisensorial, funde-se o arcaico e o
desenvolvimento tecnológico, com a música computadorizada, o
som tribal (repetitivo), luzes psicodélicas, drogas e dança
primitiva”.
183
Estes eventos são marcados, desta forma, pela busca deste estado de êxtase, de
busca de transcendência, estado este que seria atingido pela fórmula: música +
ambientação + drogas, em especial drogas como ecstasy
184
e LSD
185
, utilizadas
predominantemente, além de outras mais comuns como a cocaína e a maconha.
tal (o evento foi planejado com fins puramente comerciais), tomou dimensões inesperadas em
função da adesão de grupos de jovens que representavam os movimentos de contracultura. As
raves contemporâneas re-editam estes conceitos, em suas primeiras edições, o que, como
comentaremos a seguir, não é mantido atualmente. (Cf. O Que é Contracultura. Carlos Alberto
Messeder PEREIRA).
182
Paz, amor, unidade e respeito. Este conceito foi apresentado aos freqüentadores das raves em
um evento realizado em Nova Iorque, em 1992, pelo DJ Frankie Bones e acabou sendo adotado
pelos participantes dos eventos deste tipo.
183
Thaís Cristine CHIES, Novas formas de viver – Clubbers e Ravers. Os Urbanitas – Revista
Digital de Antropologia Urbana. Disponível em
www.aguaforte.com/antropologia/clubbers1.html
consultado em 27/02/07
184
O MDMA (metilenedioxi-metamfetamina), mais conhecido por ecstasy, é uma droga moderna
sintetizada, neurotóxica, cujo efeito na fisiologia humana é o bloqueio da reabsorção da
serotonina, dopamina e noradrenalina no cérebro, causando euforia, sensação de bem-estar,
alterações da percepção sensorial e grande perda de líquidos. É produzido sob a forma de
comprimidos e ocasionalmente em cápsulas. Embora estudos mostrem que a neurotoxicidade do
ecstasy não cause danos permanentes em doses recreativas (recreativas?), ainda suspeita-se que
o consumo de ecstasy cause mais danos a cada dose, e perigo de desenvolvimento de doenças
psicóticas.
185
LSD é o acrônimo de Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido
lisérgico, que é uma das mais potentes substâncias alucinógenas conhecidas. Uma dose de
apenas cem microgramas causa um brutal aumento nos sentidos, afetando também os
112
As drogas, como percebido, em especial o ecstasy e o LSD, além de outras
drogas sintéticas, desenvolvidas mais recentemente como a Ketamina
186
também
conhecida como Special-K e a “cápsula do vento”
187
, compõem a cena rave e
caracterizam este tipo específico de evento. Em função da busca pelos estados
alterados de consciência pelo público freqüentador, o consumo de alucinógenos,
em especial, os sintéticos, como mencionado, é considerado característica
elementar das raves contemporâneas
188
.
Além destes elementos, a própria seleção do espaço, como dito, orienta a um
desligamento do “lugar comum”. As Raves frequentemente são realizadas em
locais afastados, praias, fazendas, galpões abandonados, ou seja, em espaços
que carregam em si a possibilidade de desligamento com o cotidiano e que, desta
forma, possibilitam o acesso ao êxtase, a transcendência, o desligamento com o
real, o que indica uma relação bastante próxima com o estado primitivo dos
rituais, realizados somente nos ‘espaços sagrados’, na mesma medida que esta
escolha do espaço está, também, claramente ligada a questão da quebra de
paradigmas, buscando espaços alternativos para a realização de tais eventos.
sentimentos e a memória por um período que pode variar de seis a quatorze horas. É
popularmente conhecido como ácido.
186
A ketamina é uma droga dissociativa, usada para fins de anestesia, sendo hipnótica com
características analgésicas, tendo sido desenvolvida para uso veterinário. É frequentemente
utilizada como anestésico para cavalos. Seus efeitos variam (em pequenas doses) de um suave
entorpecimento e vertigem até (em doses mais elevadas) dificuldade extrema de movimentos,
náuseas, dissociação completa, entrada em outras realidades, a clássica ‘experiência de quase
morte’ (NDEs, na sigla em inglês), visões compulsórias, black outs, etc.
187
Outra droga sintética tem sido utilizada nas raves nos últimos tempos. Derivada das
anfetaminas, possui enorme efeito alucinógeno que se estende por até 12 horas após o consumo.
Possui este nome em função do aspecto transparente das cápsulas, que contém uma substância
quase invisível. Possui efeitos colaterais muito mais graves e destrutivos que as demais
substâncias.
188
Interessante constatar que o próprio uso destes alucinógenos ganhou um vocabulário
específico. Os componentes da ‘cena eletrônica’ apelidaram as drogas que utilizam de ‘balas’,
forma pela qual, inclusive, procuram pelas mesmas durante estes eventos.
113
Percebe-se a necessidade da manutenção desta ‘aura’ sagrada no espaço
selecionado para estes eventos, ‘aura’ esta que, como dito, nasce de um
processo de pseudo-sacralização criado pelo próprio grupo, a partir de um espaço
diferenciado dos espaços cotidianos e que rememora, indubitavelmente, a idéia
dos espaços ritualizados das culturas primitivas, conforme largamente discutido
no capítulo I.
189
Hermano Viana, no artigo Tecnologia do Transe, publicado originalmente no
caderno Mais! da Folha de S. Paulo, no dia 06/04/97 afirma:
“Qualquer observador poderá sentir a energia ‘durkhemiana’ gerada
por tamanho esforço coletivo para se entrar em transe. Do
movimento robótico das luzes aos estimulantes consumidos pelos
dançarinos: tudo parece estar ali com a ‘função’ de facilitar a
produção de um estado que, não apenas como referência a uma
droga muito consumida nesses ambientes, poderia ser chamado de
extático. A combinação funciona: nas sociedades contemporâneas
as raves são os espaços menos esotéricos e mais internacionais
onde o êxtase é produzido em massa. Nosso brasileiro, mais ou
menos familiarizado com os rituais religiosos do candomblé ou da
umbanda, não resiste a fazer a comparação: ele está diante de um
terreirão eletrônico (grifo nosso). O paralelo não é de todo
absurdo.”
190
189
Cabe a discussão, no entanto, da medida em que estes espaços podem ser considerados
‘sagrados’, ou mesmo possuidores de uma ‘aura’ diferenciada, uma vez que a maciça quantidade
de raves que acontecem na atualidade possuem fins de promoção ligados diretamente à lógica
comercial e de promoção de produtos e serviços.
190
Hermano Viana, Tecnologia do Transe, Caderno Mais! Folha de S. Paulo, 06/04/97. Disponível
em:
www.overmundo.com.br/banco/tecnologia-do-transe consultado em 27/02/2007.
114
As raves carregam em si, como anteriormente discutido, traços bastante
característicos dos rituais, além da busca incessante da transcendência –
utilizando-se para tal de diversos estratagemas -, a busca do contato com o
sagrado, a busca pelo êxtase, ligado essencialmente ao desligamento com a
realidade.
É interessante também que seja registrado a questão da apresentação pessoal
dos participantes, suas vestimentas e acessórios, que complementam a proposta
de desligamento com o cotidiano. Dentro do vocabulário da cena eletrônica, a
preparação para um evento é conhecida como ‘montação’, palavra absorvida das
comunidades de travestis e ‘drag-queens’. Os freqüentadores destes eventos, que
de fato, participam da cultura eletrônica, conhecidos como ravers e clubbers,
utilizam roupas bastante coloridas, predominantemente de cores fluorescentes,
utilizam acessórios ousados e irreverentes, como as perucas, os boás, paetês e
plataformas, usam penteados e cortes de cabelo excêntricos e carregam consigo
objetos como brinquedos de pelúcia, objetos fluorescentes e circenses, como os
malabares. O uso de piercings, tatuagens, maquiagem bastante carregada e
óculos escuros é também absolutamente característico e estes elementos podem
ser adquiridos nos próprios eventos, já que é comum a presença de pontos de
comercialização.
“Junto com as raves parece que entram em cena valores como
tecnologia, globalização, internet e futurismo. Surge uma moda
colorida e divertida sem ser necessariamente extravagante. Mesmo
que o look utilizado seja intencional e elaborado, o efeito precisa
dar a impressão ao contrário, mostrando despojamento e conforto.
115
Planetas, naves, robôs e efeitos 3D passam a ser símbolos das
estamparias. O reflexivo e fluorescente passaram a ser usados em
todas as possibilidades”
191
.
Imagem: Participante praticando malabares Skol Beats 2006
Fonte: Marcela Moro
Percebe-se que esta forma de apresentação pessoal excêntrica é utilizada pelos
participantes – os ravers, para se identificar e para identificar aqueles que de fato
fazem parte da chamada cena eletrônica, diferenciando-se, desta forma, dos
demais participantes.
192
“A vida é composta mais e mais deses conteúdos e oferecimentos
que tendem a desalojar as genuínas colorações e as características
de incomparabilidade pessoais. Isso resulta em que o indivíduo
apele para o extremo no que se refere à exclusividade e
191
Disponível em: www.maxwell.lambda.ele.puc-
rio.br/cgibin/PGR_0599.exe/4747_7.pdf?NrOcoSis=11709&CdLinPrg=pt consultado em 27/02/07.
192
Esta discussão será retomada quando da análise do Skol Beats, relacionada à presença dos
membros da cena rave e sua relação com outros públicos.
116
particularização, para preservar sua essência mais pessoal. Ele tem
de exagerar esse elemento pessoal para permanecer perceptível
até para si próprio.”
193
Apesar das raves surgirem no final da década de 80, como constatado, as
mesmas se popularizaram no Brasil com quase dez anos de atraso em relação
aos outros países.
Obviamente, a dinâmica das raves foi rapidamente absorvida pela lógica do
mercado capitalista e a maior parte destes eventos é realizada não com base em
seus princípios originais (Plur), mas sim por promotores com objetivos bastante
específicos: as Raves também se tornaram um produto no mercado da cultura
jovem contemporânea. Seu poder de mobilização e sua produtilização podem ser
observados quando se percebe a quantidade de eventos que possuem raízes
ligadas às Raves e que são realizados com objetivos estritamente comerciais,
sendo, inclusive, patrocinados e promovidos por grandes marcas, como o caso do
próprio Skol Beats e demais eventos como Nokia Trends, Tim Festival e Coca-
cola Vibe Zone entre outros. É relevante constatar, no entanto, que este formato
de evento, promovido e patrocinado por grandes empresas, ou seja, este formato
cuja essência e objetivos são puramente comerciais não agrada a maioria dos
participantes e, principalmente, dos integrantes da cena eletrônica. Uma enquete
realizada pelo site www.baladaplanet.com.br perguntou aos internautas qual
opinião dos mesmos sob esta questão. Os resultados foram os seguintes
194
:
193
Georg SIMMEL, A Metrópole e a Vida Mental, p. 13. In: Otávio Guilherme VELHO, O
Fenômeno Urbano.
194
Disponível em: http://www.baladaplanet.com.br/enquetes.asp?enqueteid=24
117
O que você acha dessa tendência de grandes empresas fazerem seus próprios
eventos? (Nokia Trends, Tim Festival,
Skol Beats)?
40,1% Ótima. Pois possuem dinheiro para investir em boa infra-estrutura e bom line-up.
10,8% Muito boa. Pois esses eventos exploram novos filões da música eletrônica.
13,4% Médio. Apesar de serem festas boas, podem monopolizar as grandes festas no Brasil.
36% Ruim. Pois esses eventos querem apenas incutir suas marcas na cabeça das pessoas
Fonte: http://www.baladaplanet.com.br/enquetes.asp?enqueteid=24
Praticamente um terço dos entrevistados não considera interessante a entrada
das grandes empresas na promoção destes eventos, alegando que os mesmos
são utilizados, neste formato, com objetivos puramente ligados à promoção de
seus próprios produtos, perdendo, desta forma, a essência das raves.
De acordo com comentários dos blogs
195
da cena eletrônica, estes eventos não
podem ser considerados raves
196
. São conhecidos, neste meio por Festivais ou
Techno Parties, cuja principal diferença das raves, além da questão da promoção,
está ligada ao local de realização destes eventos, que se desloca dos ambientes
considerados alternativos (campo, praias, fazendas etc.) e é realizada nas
cidades.
197
Assim, pode-se considerar que o Skol Beats, em seu formato atual, trata-se de
um festival de música eletrônica, tipologia inclusive adotada pela promotora do
megaevento, que o divulga como “o maior festival de música eletrônica da
América Latina”
198
. Em termos técnicos, na área de eventos, um festival
195
Um weblog é um registro publicado na Internet relativo a algum assunto organizado
cronologicamente (como um histórico ou diário).
196
O texto FAQ – Frequently Asked Questions About Techno Music and Raves comenta esta
propensão do público ‘raver’ classificar alguns tipos de eventos como raves e outros não. Mike
Brown diagnostica, no texto, que esta postura está relacionada exclusivamente com critérios
pessoais de cada participante. É uma postura bastante subjetiva e individual.
197
Seria este um esforço focado em converter as raves em um espaço mais bucólico e mais
sagrado?
198
Cf. www.skolbeats.com.br
118
conceitua-se como um evento periódico, de cunho artístico e que possui objetivos
competitivos, comerciais, promocionais ou e divulgação. Caracteriza-se ainda
pela apresentação, simultânea ou não, de diversas atrações.
Por outro lado, apesar do evento tecnicamente conceituar-se como um Festival e
ser conhecido em meio à ‘cena eletrônica’ como tal, suas origens e modelo estão
diretamente ligados às raves, já que estes festivais eletrônicos acabam
apropriando-se de toda a estética destes eventos. As inúmeras características do
Skol Beats são as mesmas das principais raves do mundo.
É válido mencionar também uma estreita relação destes festivais com os
primeiros festivais de música para jovens, como o caso de Woodstock
199
, ocorrido
nos Estados Unidos em 1969. As ideologias de ambos os eventos são bastante
similares, motivo pelo qual é possível interligar a origem dos festivais de música
eletrônica da atualidade a estes eventos precursores dos movimentos jovens de
massa no mundo.
O Skol Beats 2006
Imagem: Logomarca do Evento
Fonte: www.skolbeats.com.br
199
Em comum, Skol Beats e Woodstock tem o fato de serem grandes festivais de música,
freqüentados por milhares de pessoas cujos princípios da participação estiveram orientados ao
desfrutar a música em um ambiente em que as ideologias são o respeito mútuo, a paz e o amor.
Também tem em comum estes eventos o fato dos participantes buscarem a estados alterados de
consciência e o desligamento com o real, conforme previamente discutido.
119
O Skol Beats trata-se do principal evento de música eletrônica do país e é
considerado o maior da América Latina. A primeira edição, com 20 mil
espectadores, aconteceu em 2000, em São Paulo, no Autódromo de Interlagos e
simultaneamente em Curitiba/PR, tendo sido, de acordo com pesquisa realizada
pelo jornal Folha de S. Paulo
200
, considerado o melhor evento do gênero deste
ano.
O objetivo do evento, além da promoção da marca Skol e Skol Beats, está na
apresentação de diferentes estilos de música eletrônica, e o evento, que vai para
a 7ª. edição em 2007, também tem como proposta apresentar nomes de
repercussão internacional e nacional em sua programação que, geralmente, se
estende por muitas horas consecutivas.
No ano de 2006, o evento, realizado nos dias 13 e 14 de maio, levou ao Anhembi,
em São Paulo, 59.500 pessoas, de acordo com a organização, número este
confirmado pela Polícia Militar, o que o marca, como dito, como o maior festival de
música eletrônica da América Latina.
Distribuído em uma área total de 207.000 m
2
, envolvendo além de todo o espaço
do Sambódromo de São Paulo, Arena Skol e também espaço do Campo de
Marte, e com 20 horas de música consecutivas, este evento caracteriza-se por
superlativos: 1 milhão e 200 mil watts de som, 90 atrações nacionais e
internacionais, 40 toneladas em equipamentos de som, 100 toneladas de
equipamentos de luz e os quase 60 mil participantes somam-se na caracterização
do mesmo como um megaevento.
200
Folha de S. Paulo, Conheça os Melhores da Noite Ilustrada 2000, 22/12/2000. p.E5.
120
É interessante pontuar que o evento tem servido de conteúdo para diversos
outros veículos de informação, o que aumenta ainda mais seu grau de influência
bem como o número de participantes – criando-se os participantes virtuais como
previamente discutido. Veículos como “O Estado de S. Paulo”, “Folha de S.
Paulo”, entre outros, tem dado cobertura ao evento, além de utilizarem também
seus canais on-line (sites) para propagar informações relativas ao Skol Beats. Os
portais de informação nacional mais populares como Terra, Uol, Ig, entre outros,
também dão cobertura total ao evento, inclusive com informações on-line ao vivo,
ou seja, com informações em tempo real sobre o evento. Os principais canais de
música eletrônica e de eventos deste estilo musical também acompanham e
divulgam informações em tempo real.
Os 207 mil m
2
foram divididos em tendas e palcos diferenciados, sendo que cada
um dos espaços oferecia serviços específicos, como bares, banheiros e praças de
alimentação, bem como apresentava atrações diferenciadas. Cada uma das áreas
principais foi destinada a um estilo de música eletrônica.
A seguir, mapa do evento contido no line-up distribuído aos participantes na
entrada do festival:
121
Imagem: Mapa Skol Beats 2006 - Line-up do evento
Fonte: Marcela Moro
O Palco Principal, Skol Live Stage, logo na entrada do evento, concentrou as
principais atrações, como o show da banda inglesa Prodigy
201
, além de inúmeras
outras bandas e DJ’s de renome.
Durante a apresentação da banda inglesa Prodigy, bem como em alguns outros
live-pas
202
, este foi o palco mais procurado pelos participantes, causando,
inclusive, sensível desconforto aos freqüentadores, em função da enorme
201
Banda inglesa que já foi classificada, no final da década de 90, como uma das maiores do
planeta, tendo alcançado, em 1997, o primeiro lugar nas paradas americanas. A banda se
caracteriza pela mistura da música eletrônica vigorosa, com rock’n’roll e elementos do rap. Sua
apresentação no Skol Beats 2006 foi considerada histórica, não somente pelo surpreendente
número de pessoas que acompanharam o evento, como também pela “histeria” provocada nos
participantes, conforme informado por alguns veículos de comunicação que cobriram o evento.
202
Live-pas: Live Power Amplification - Apresentações “ao-vivo”, em que a música é “produzida”
ao vivo. Neste caso, existe a performance do DJ, ligada ao uso dos equipamentos de produção da
música eletrônica.
122
aglomeração próxima ao palco. Algumas pessoas tiveram que ser atendidas pelos
serviços médicos, mas não foram registrados casos mais graves em função da
enorme quantidade de pessoas ali concentradas.
Imagem do projeto Palco Skol Beats Live Stage
Fonte: In Press Porter Novelli Assessoria de Comunicação
Palco Skol Beats Live Stage
Fonte: Marcela Moro
Além do Live Stage, mais três tendas, DJ Mag, The End e DJ Marky & Friends,
um palco, o Palco Tribe e um trio elétrico (Pepsi-X-Eletric) poderiam ser visitados
durante o evento. Outras atrações como o Audio Visual Stage, Beats Lab, BMC e
Mercado Mundo Mix também compuseram a programação do Skol Beats 2006.
123
A tenda DJ Mag
203
, primeira na área anexa ao Sambódromo, ou seja, no espaço
do Campo de Marte, com seus 1.800 m2, contou com um total de 11 DJ’s cujas
apresentações estenderam-se por 1 ou 2 horas cada. Tal como as demais tendas
e espaços do evento, a tenda DJ tinha uma programação específica de imagens,
apresentadas de forma aleatória em todos os telões presentes no espaço. Com
mais de vinte horas de festa, a área apresentou sets que passeiam pelo
progressive, trance e house.
Imagens: Tenda DJ Mag
Fonte: Marcela Moro
A tenda The End, marcada pelo estilo house
204
, em seus 1.800 m2 recebeu
alguns dos principais DJ’s deste estilo, oferecendo algumas produções que
resgatam a sonoridade do estilo do início dos anos 90.
A tenda com o maior número de participantes durante todo o evento, bem como
com maior espaço físico (2.400 m2) foi a tenda DJ Marky & Friends. Coordenada
203
Homônimo de uma revista britânica especializada em house, progressive e trance.
204
Estilo de música eletrônica surgido em Chicago, em meados da década de 80, nasce da fusão,
por parte do DJ Frankie Knucles, de elementos da soul music com a disco e batidas das baterias
eletrônicas. Este estilo gerou inúmeros subgêneros como o Deep-House, Jazzy-House e outros.
Este estilo é marcado por aproximadamente 110 a 128 bpm’s.
124
pelo DJ Marky, um dos mais famosos DJ’s do Brasil, a tenda foi marcada por seu
estilo característico o drum’n’bass.
205
Imagem: área externa Tenda DJ Marky
Fonte: Marcela Moro
Um outro espaço bastante freqüentado pelos participantes foi o Palco Tribe. Pela
primeira vez o evento Skol Beats incluiu em seu line-up um espaço exclusivo para
o psy-trance
206
, estilo que atualmente promove as maiores festas rave do Brasil.
Este palco, ponto mais distante do acesso ao evento, recebeu uma decoração
bastante especial baseada nos princípios e características do estilo musical, ou
seja, uma preparação colorida e que incluía, inclusive, elementos psicodélicos,
étnicos etc.
205
Estilo nascido nos guetos negros de Londres, associa os baixos do reggae com as batidas do
hip-hop e, às vezes, o funk com o jazz. Originalmente, o estilo era conhecido por jungle. As
batidas são marcadas por 160 bmp’s.
206
Frequentemente apresentado em grandes festivais ao ar livre, este estilo, derivado do trance
alemão é caracterizado por diferentes camadas sonoras e um ritmo mais acelerado que o trance.
Surgiu na região de Goa/Índia, onde foram realizadas as primeiras raves marcadas por este estilo
musical. Em função das diversas sonoridades, o uso de texturas diferenciadas e a inserção de
sons étnicos é o som mais associado à transcendência. É marcado pelo ritmo de 140 a 150 bpm’s.
125
Imagem: Fotos Palco Tribe - Decoração e Telões
Fonte: Marcela Moro
Outro espaço de atrações musicais que compôs o line-up do Skol Beats 2006 foi
o Pepsi-X-Eletric, um trio elétrico que trouxe uma programação bastante
diferenciada para os padrões de um festival como este.
Misturando estilos inesperados com música eletrônica, o trio elétrico apresentou
funk carioca com o DJ Malboro e Deize Tigrona, além de encontros musicais
como o do compositor Ed Motta com o DJ Camilo Rocha.
Vale ressaltar que muitos participantes do evento mostraram-se bastante
descontentes com a inserção destes estilos que não fazem parte da cena
eletrônica no evento. Este assunto foi um dos mais comentados nas listas de
discussão do Skol Beats no pós-evento.
126
Imagem: Pepsi-X-Eletric
Fonte: Marcela Moro
Um outro espaço que também estreou na versão 2006 do Skol Beats foi o Audio
Visual Stage, megatelão para projeção panorâmica, com 24 m de comprimento,
por 4,5m de altura, formando uma espécie de cinema ao ar livre. Este telão, que
ofereceu programação visual do anoitecer do dia 13 ao amanhecer do dia 14 teve
como objetivo apresentar performances audiovisuais baseadas em releituras de
obras do cinema e ainda apresentações em estilo livre, realizadas ao vivo por
importantes VJ’s da cena eletrônica.
Imagem: Audiovisual Stage (Detalhe para a repetição continua de imagens de rostos femininos)
Fonte: Marcela Moro
127
Todos os espaços, como percebido, estiveram inundados de projeções de
imagens, associadas ao som e a uma decoração bastante específica.
É importante ressaltar também a presença do Mercado Mundo Mix
207
no evento,
que trata-se de um espaço de moda e consumo dividido em estandes e com sua
própria programação musical, cenografia e projeções de imagens. No espaço,
estiveram expostas diversas grifes de street wear, envolvidas com a cena
eletrônica além de estandes variados com acessórios diversos característicos da
cena rave, maquiagem, brinquedos
208
, camisetas, CD’s etc. Aos interessados, era
possível se “montar” neste espaço. Alguns estandes ofereciam maquiagem,
serviços de cabeleireiros com aplicação de gel colorido e penteados psicodélicos;
piercings poderiam ser colocados na hora dentre outros adereços que podiam ser
adquiridos no próprio evento, como boás, pulseiras e colares coloridos e
iluminados, inúmeras peças fluorescentes etc. O consumo também integra a
fruição do espaço.
Paralelo às apresentações musicais, o Skol Beats 2006 também realizou o BMC
2006Brazil Music Conference, espaço altamente tecnologizado apresentado
como “evento direcionado à comunidade musical brasileira, composto por
palestras, debates e workshops, com o objetivo de aproximar as diversas
vertentes musicais e de fortalecer a indústria fonográfica, através da troca de
experiências e da antecipação de tendências da música como forma de
expressão, técnica e negócio”
209
. Este pequeno evento contou com o apoio de
diversas empresas, em especial as especializadas em sonorização de ambientes
207
Evento comercial nascido em São Paulo ainda na década de 90 que tem como objetivo reunir
nomes da moda, designers, estilistas, músico em um grande evento de vanguarda.
208
Em especial malabares e outros objetos circenses.
209
Informações contidas no Line-up do evento.
128
e tecnologias afins. Ofereceu, também, aos participantes a oportunidade de ter
acesso a terminais de produção musical, em que os interessados poderiam
vivenciar a experiência de criar seu próprio som eletrônico.
É interessante ressaltar que todas as áreas de circulação, palcos e tendas
possuíam inúmeros telões, sonorização específica, bem como iluminação
característica, demonstrando uma enorme preocupação por parte da organização
do evento com relação à ambientação dos espaços. Cores, luzes, decoração
contribuíam para a composição e para a ambientação de todo o evento,
promovendo no participante a sensação de estar envolvido, em função das
diversas estimulações sensoriais presentes, com o festival em si.
Imagem: Visão geral do evento/ imagem colhida da arquibancada do Sambódromo. Mesmo na área das
arquibancadas, consideradas área de descanso, uma iluminação que seguia o modelo do evento estava
presente.
Fonte: Marcela Moro
O evento foi aberto ao público ás 16h00 do dia 13 de maio e, já na abertura,
muitos aguardavam ansiosamente para ter acesso ao local. Impossível não
129
perceber o estado de euforia presente em todos aqueles que adentravam ao
espaço, aos gritos, muitos correndo, como se adentrando em um espaço mítico.
Após a realização de três revistas por seguranças e policiais militares, os
participantes tinham acesso às dependências do Skol Beats 2006, que já se
encontrava com os diversos espaços em funcionamento, mas cujas
programações somente se iniciaram às 17h00 e seguiram de forma ininterrupta
até as 10h00 do dia 14 de maio.
Skol Beats 2006 em Números
Área total do evento: 207.000 m2
Palco Skol Live Stage: palco com 20 m de boca x 15 m de profundidade
com 12 m de altura
Tenda Marky & Friends: 2400 m2
Tenda The End: 1800 m2
Tenda DJ Mag: 1800 m2
Palco Tribe: palco com 12 m de boca x 12 m de profundidade com 8 m de
altura
Praças de Alimentação: 3 praças (22 áreas) e 1 village (4 áreas) totalizando
22 áreas
Bares: 18
400 banheiros químicos
450 banheiros fixos
Número de watts de som: 1 milhão e 200 mil watts
130
Número de watts de luz: 1 milhão e 260 mil watts
Número de watts de energia: 11 milhões e 560 mil watts
Quantidade em toneladas de equipamentos de luz: 100 toneladas
Quantidade em toneladas de equipamentos de som: 40 toneladas
Convergências Tecnológicas
Tal como muitos outros megaeventos de música eletrônica, o Skol Beats 2006
trouxe, em seu formato, a inserção de diversas tecnologias, algumas de ponta,
promovendo nos participantes uma série de experiências diferenciadas em termos
de contato com o evento em si, característica esta que tem sido referencial na
maior parte dos eventos deste tipo. A tecnologia compõe o universo destes
festivais
210
e das raves em geral.
O Skol Beats 2006 trouxe em primeira mão para o país, graças ao projeto
desenvolvido pela agência Garage Interactive, uma tecnologia inédita de
interatividade com o público – pré, durante e pós-evento –, que permitiu com que
cada participante pudesse adaptar o evento às suas preferências pessoais e
vivenciá-lo antes mesmo dele acontecer.
As duas interfaces principais escolhidas foram o celular e a Internet, duas
ferramentas bastante presentes na cultura urbana e contemporânea e disponíveis
a um número cada vez maior de pessoas.
210
Um outro exemplo de Festival de música eletrônica que trabalha com base na tecnologia é o
Nokia Trends, festival patrocinado pela Nokia e que traz como atrações, além da música
eletrônica, mostras de arte-tecnologia, conforme a organização do evento denomina. A tecnologia
apresentada é direcionada para os celulares, um dos principais produtos da empresa no Brasil.
131
No portal Skol Beats (www.skolbeats.com.br), o usuário pôde montar seu line-
up
211
personalizado do evento e baixá-lo em formato de aplicativo, através de
download via computador ou celular através do portal WAP. Este aplicativo
permitiu também acessar o mapa do evento no aparelho e, por meio do chamado
“Código Redondo” que pode ser encontrado em alguns espaços do festival, os
celulares que possuíssem o programa do evento instalado e a tecnologia
Bluetooth
212
poderiam acessar links ocultos no portal, ou ainda informações
exclusivas. Os principais espaços do festival estiveram na área de alcance desta
comunicação para aqueles usuários que desejassem fazer parte desta rede virtual
de comunicação, habilitando esta função em seus celulares. Em todas as
entradas, placas orientavam o público para ativar a função Bluetooth dos seus
celulares, para que pudessem receber dicas e informações sobre as
apresentações.
Outra experiência inovadora foi o uso da tecnologia chamada de “Código
Redondo”, um símbolo gráfico que esteve exposto em alguns pontos do evento e
ao ser fotografado por um celular com câmera, levava a pessoa para um
conteúdo exclusivo do Portal Skol Beats. Para usar esta tecnologia também seria
necessário baixar um aplicativo no celular, disponível no portal do evento, da
mesma forma que o aplicativo anterior.
211
Line-up: (do inglês, alinhar-se) expressão adotada no meio eletrônico que designa a
programação de um evento. Ordem de apresentação dos DJ’s.
212
Bluetooth trata-se de uma tecnologia de baixo custo para a comunicação sem fio entre
dispositivos móveis.
132
Imagens de alguns celulares que baixaram o programa “Código Redondo”
Fonte: www.idgnow.com.br
O portal oficial do evento
213
, por sua vez, além de promover acesso às
informações mais atualizadas com relação ao festival, também oferecia aos
interessados a oportunidade de realizar inúmeros downloads de imagens, sons e
animações para seus celulares e computadores. Interessante constatar que,
como dito, as informações ficaram disponíveis nos períodos pré e pós-evento,
estimulando a participação dos interessados no portal Skol Beats.
214
Os diferentes meios de comunicação (reduzidos a meios de informação)
disponíveis foram bastante utilizados pelos participantes do evento, que, é
213
De acordo com a empresa Garage Interactive, responsável pelo portal do evento, entre os dias
07 e 13 de maio de 2006, ou seja, nos cinco dias antes do evento, o portal recebeu mais de um
milhão e setecentos mil acessos, somando quase 130 mil visitantes. Disponível em:
http://www.aba.com.br/premioabanet2006/inscricoes/imgcase/2006/545/resultados%20skol.pdf
214
Em anexo, (ANEXO 1) disponibilizamos um briefing do projeto promocional realizado pela
Garage Interactive Marketing e que, inclusive, foi premiado pela ABA – Associação Brasileira de
Anunciantes. Interessante notar como a questão da interatividade é repetida inúmeras vezes e,
inclusive, colocada como um dos principais objetivos da campanha. Disponível em:
http://www.aba.com.br/premioabanet2006/site/cases/skolbeats.htm
133
importante constatar, possuem um nível sociocultural elevado e interessante
poder de compra, conforme apontam as pesquisas realizadas pela organização.
Já no período pré-evento, os participantes foram estimulados a interagir com o
evento por meio do portal oficial www.skolbeats.com.br, bem como por
mensagens SMS
215
. Foram colocados em alguns locais estratégicos da cidade de
São Paulo, painéis interativos que incentivavam que os participantes votassem,
via SMS, para dizer onde estariam durante o evento, escolhendo, assim, entre os
palcos e tendas do Skol Beats 2006.
Durante o evento, o painel foi transferido para as proximidades do Palco Live
Stage.
Imagem: Painel Interativo Av. Brigadeiro Faria Lima em São Paulo
Fonte: Marcela Moro
215
Serviço de mensagens curtas ou Short message service (SMS) é um serviço disponível em
telefones celulares digitais que permite o envio de mensagens curtas entre estes equipamentos e
entre outros dispositivos de mão como palm e handheld, e até entre telefones fixos (linha-fixa).
134
Interatividade com o Nada
Relevante constatar-se o esforço realizado pela organização do evento para que,
por meio das diversas tecnologias disponibilizadas, os participantes pudessem
estar ‘on-line’ com o Festival, esforço este que claramente aponta para um
processo de auto-referência, que estimula um tipo de ‘comunicação’ que de fato
não comunica, visto ser impossível ‘comunicar-se’ somente com a tecnologia. H.
Pross afirma que a comunicação começa no corpo e termina no corpo. Impossível
que a comunicação, ou seja, a vinculação, aconteça sem que de fato existam dois
corpos para se comunicar.
A idéia de estar ‘on-line’, estar conectado ao evento, esteve associada pelos
organizadores à interatividade
216
. Esta ‘interatividade’, por sua vez, direciona a
uma outra discussão: que interatividade é esta que estes produtos da cultura
contemporânea se propõe a produzir por meio da tecnologia?
Para pensarmos esta questão da interação promovida pelos megaeventos de
música eletrônica, partiremos da essência das palavras interagir, interatividade e
interativo.
De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa
interagir significa ‘agir
reciprocamente’. A palavra
interatividade significa, por sua vez, ‘caráter ou
condição de interativo’, ou ‘capacidade (de um equipamento, sistema de
comunicação ou computação, etc.) de interagir ou permitir interação’. Já
216
De acordo com a Garage Interactive Marketing, responsável por algumas estratégias de
divulgação do evento e por toda a tecnologia inserida no mesmo, “para a comunicação atingir
cada um dos 60 mil espectadores, as estratégias usadas foram a
interatividade e o cross entre on-
line e off-line, com interfaces para o celular, Internet, painel interativo de rua e tecnologia em
anúncios de revistas e jornais”. Disponível em:
http://www.aba.com.br/premioabanet2006/site/cases/skolbeats.htm
135
interação, ainda de acordo com o Dicionário Aurélio, é ‘relativo à interação’; “diz-
se de recurso, meio ou processo de comunicação que permite ao receptor
interagir ativamente com o emissor".
Desta forma, percebe-se que a interação, a interatividade efetivamente permeiam,
acima de tudo, a interferência, a participação ativa.
Inúmeras tecnologias, como anteriormente comentado, bastante atuais, foram
utilizadas na composição do cenário deste megaevento com objetivo de promover
a ‘interatividade’, e têm sido absorvidas pelos diversos eventos com
características semelhantes.
É interessante, no entanto, perceber que o esforço para com a conexão, muitas
vezes, conecta o participante com o universo criado pelo megaevento, um espaço
virtual, de imagens, num processo de auto-referência, em que, de acordo com
Norval Baitello Junior:
“As imagens se bastam em si mesmas, não mais se oferecendo
como ‘janelas’ para o mundo, senão como janelas para si próprias.
(...) Tal fenômeno de auto-referência implica em uma supressão do
mundo em favor das representações bidimensionais em circuito
fechado, ou seja, as imagens se referem sempre apenas a
imagens”.
217
As imagens do evento, trazidas por meio da tecnologia aos participantes
procurando ‘conectá-los’ ao festival, na verdade, somente buscam a referência de
si mesmas, sem, de fato, conectá-los ou sem gerar qualquer tipo de comunicação.
217
Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 55.
136
Esta auto-referencialidade o afasta, a cada momento, a cada possibilidade de
acesso ao virtual, do contato com o outro. O excesso de possibilidades transpõe o
participante do real para o virtual, da presença corpórea para sua presença
eletrônica, da interação entre corpos para a interação entre máquinas e que não
prevê, de nenhuma forma, a interatividade de fato, ou seja, a interatividade da
interferência, da participação; a ‘interatividade’ proposta se baseia em uma via de
uma única mão. Uma única mão não constitui vínculo, não constitui interação e,
portanto, não constitui comunicação de fato, mas sim alimenta a carência,
alimenta a necessidade de troca, da resposta, da vinculação que não acontece.
Todo este processo, vale ressaltar, é devidamente estimulado desde o pré-
evento, por meio do próprio portal www.skolbeats.com.br, como também por meio
das várias tecnologias interativas inseridas como estímulos midiatizados aos
participantes e não participantes. Muito antes do evento em si, da vivência deste
efêmero momento, os possíveis participantes passaram por inúmeras
estimulações visuais e sonoras inserindo-os no contexto do evento.
Steven Johnson, em sua obra A Cultura da Interface, fala de uma cultura da
escrivaninha
218
, tal como o próprio autor denomina, do desktop
219
, uma cultura
criada pela tecnologia que interfere em nossa maneira de pensar e comunicar, e
que, acima de tudo, altera nossa forma de lidar com um mundo, o que é
transcendido para nossas formas de comunicação primária, inter-humana.
O que podemos perceber na concepção de um megaevento como o Skol Beats é
a transferência deste processo também para este espaço, antes, espaço dos
contatos, da comunhão, tal como os eventos em sua essência e origem, e agora
218
Steven JOHNSON, A Cultura da Interface, p. 160.
219
Desktop é a mesa, a escrivaninha, onde se apóiam os objetos de trabalho. Esta idéia é
metaforicamente usada no meio computacional para denominar a Área de Trabalho do usuário.
137
um espaço em que a comunicação possível e estimulada é a própria
comunicação por meio da mídia eletrônica, a comunicação dentro da cultura da
interface, orientada pela perspectiva do novo modelo criado e absorvido pela
cultura contemporânea, fragmentada e desconexa, solitária, realizada não mais
entre corpos, mas sim entre o corpo e as máquinas.
Na mesma medida que esta cultura performatizou a vida do indivíduo para
espaços solitários, os espaços de comunhão, como os espaços de eventos
passam a ser pensados também com este objetivo, e novas tecnologias são
inseridas neste contexto para que tais objetivos sejam alcançados, ou seja, de
espaços de fruição coletiva, de interação e integração, passam a espaços cuja
única fruição possível é a individual, é a vivência solitária, mesmo dentro do
espaço coletivo.
Constroem-se metáforas de espaços de convivência no espaço virtual e estas são
transferidas para o espaço real, constroem-se metáforas de contato e conexão
neste espaço quimérico. Johnson afirma que “as janelas virtuais moldam a mente
contemporânea”
220
e estes moldes já estão se refletindo em todos os espaços,
inclusive, nos espaços dos eventos e megaeventos.
O contexto dos eventos como Skol Beats representam, na atualidade um
paradoxo. Por definição, por essência, seriam representações de um movimento
anticonsumo, surgido como uma reação às tendências da música popular, da
cultura das casas noturnas e do rádio comercial. Seu objetivo primordial estava
ligado à interação, dentro do conceito PLUR (Peace, Love, Unity e Respect – paz,
220
Steven JOHNSON, A Cultura da Interface, p. 64.
138
amor, unidade e respeito), e retomando as origens dos festivais de música jovem,
um espaço de liberdade.
No entanto, como previamente comentado, estes espaços foram absorvidos pela
lógica do consumo e da cultura de massas, e neste sentido, sua essência
desapareceu, surgindo um espaço que margeia o real e o virtual, em que a
comunhão, a idéia de comunidade, está embasada no virtual. O que integra e
unifica estes grupos, o que cria vínculos, não é mais a convivência coletiva e as
trocas que ali podem ser proporcionadas pela presença dos corpos, mas sim a
interação proporcionada pela tecnologia, os ‘acessos’, o estar ‘on-line’, a
‘conexão’, conexão esta, no entanto, não proporcionada entre os membros destes
grupos uns com os outros, mas sim entre os participantes e as máquinas. A
cultura do desktop se materializa nos espaços de convivência quando os únicos
vínculos formados (e possíveis) se limitam a vínculos com as próprias tecnologias
presentes e o outro – os tantos outros – a seu lado, são ignorados. São somente
mais um elemento que compõe o espetáculo.
Ravers e Outsiders – O Público do Skol Beats 2006
De acordo com informações da organização do evento, o perfil do público do Skol
Beats 2006 é formado por jovens de 18 a 24 anos, das classes A, B e C+ e
pessoas com mais de 24 anos, com comportamento jovem e que gostem de
música eletrônica.
Desde sua primeira edição, o Skol Beats tem sido um festival de música
eletrônica. Inclusive, seu nome, faz menção a música eletrônica, utilizando a
139
palavra beats (batidas), diretamente relacionada ao estilo da música eletrônica
que utiliza os beats per minute (bpm’s), ou seja, batidas por minuto para marcar
seu ritmo. As batidas constituem-se uma das principais características da música
eletrônica.
No entanto, na medida em que o evento foi crescendo, - o ano de 2006 marcou a
7ª. edição deste festival, o mesmo foi também tornando-se mais comercial, mais
um produto da cultura jovem, extremamente comentado nos espaços jovens, no
meio eletrônico e pelos meios de comunicação de massa em geral.
Obviamente, todas as estratégias promocionais e de marketing utilizadas por
estes eventos têm mobilizado, ano a ano, um número maior de participantes.
Edição/Ano No. de Participantes
2000
221
20.000
2001
222
40.000
2002
223
40.000
2003 44.000
2004 50.000
2005 57.500
2006 59.500
Tabela: Número de participantes por ano
Fonte: Organização do Evento
221
A primeira edição do evento aconteceu simultaneamente em São Paulo e Curitiba.
222
A segunda edição aconteceu em São Paulo, Curitiba e também no Rio de Janeiro.
223
Em 2002, o evento passou a acontecer somente em São Paulo. Para tanto, aumentou seu
número de atrações e se consolidou, neste ano, como o maior festival de música eletrônica da
América Latina.
140
Em apenas sete edições, o Skol Beats triplicou o número de participantes e
firmou-se como o maior festival de música eletrônica da América Latina e um dos
maiores do mundo. Toda a divulgação gerada em torno do Festival tem feito que,
a cada ano, o número de participantes aumente e, importante constatar, um
número cada vez maior de participantes que nem sempre fazem parte da ‘cena
eletrônica’, ou mesmo se interessam por este estilo musical, como os ravers, os
freqüentadores assíduos de eventos de música eletrônica, estejam presentes no
Skol Beats.
Um dos exemplos de estratégia promocional de massa utilizada pelo evento com objetivo de promover o
Festival, aumentando assim o número de participantes.
Imagem: Painel Promocional – Marginal Pinheiros/SP
Fonte: Marcela Moro
141
Neste sentido, a organização do evento inseriu novas atrações, diversificando os
estilos musicais, com a inclusão, como anteriormente comentado, de atrações
além da música eletrônica, como o caso do Pepsi-X-Eletric que trouxe a
combinação da música eletrônica com outros ritmos, como o funk e a MPB.
É interessante pontuar que este objetivo de diversificar as atrações proposto pela
organização do evento talvez não tenha sido tão bem-vindo pelos participantes
habitués como esperado. Por um lado, a organização do evento preocupou-se,
como percebido, em diversificar as opções dentro do próprio festival,
notadamente marcado pela música eletrônica. Por outro, no entanto, essa
diversificação trouxe inserções que não se integram ao universo da cena
eletrônica.
Norbert Elias traz uma contribuição muito interessante com relação à participação
em sua obra Os Estabelecidos e os Outsiders, apontando que a forma de
apropriação de determinados espaços ou processos é diferenciada para cada um
dos tipos de público. Os “estabelecidos” constituem-se como o grupo que de fato
compartilha o mesmo espaço ritual, com formas, modos e ações características,
enquanto os outsiders se apropriam destes espaços consolidados, mas
apresentam diferentes tipos de fruição, ou seja, não compartilham dos códigos
dominantes destes espaços.
“O que particulariza os ‘outsiders’ é o modo como se apropriam e dão
sentido a festa e a cultura da música eletrônica em geral: estão mais
preocupados em ‘badalar’ do que com a experiência da música.”
224
224
Ivan Paolo de Paris FORTANARI, Música Eletrônica e Identidade Jovem: A Diversidade do
Local, p. 3.
142
Este fenômeno dos outsiders do evento foi bastante comentado nos sites de
relacionamento acompanhados durante a pesquisa. Os participantes habitués, ou,
nas palavras de Elias, os “estabelecidos” demonstraram-se significativamente
incomodados com a invasão progressiva do evento por um público que de fato
não compartilha de seus códigos e que, de acordo com as discussões presentes
no fórum
225
relativas a este assunto, contribuem significativamente para que o
evento perca suas características e o seu sentido.
Um outro momento em que a presença destes outsiders no evento ficou bastante
clara foi com a abertura do line-up do Trio Pepsi-X-Eletric, que trouxe, como
comentado anteriormente, uma combinação bastante difusa em sua
programação, que envolveu nomes da música eletrônica em combinações com
outros tipos de música, como o funk carioca e outros encontros musicais
envolvendo, inclusive, nomes da MPB como Ed Motta. Ao iniciar a programação
baseada no funk, o afluxo de pessoas para o espaço em que o trio elétrico estava
posicionado chegou quase a principiar certo tumulto. Nas primeiras batidas do
funk que se espalharam pelo espaço do evento, viram-se centenas de pessoas
aos gritos e em meio à correria, deslocarem-se para o espaço referido. Pode-se
perceber pela reação de muitos, que, por um lado, este público de reação
espontânea não estava em busca da música eletrônica, espalhada pelos demais
espaços do evento e, por outro, muitos daqueles que acompanharam tal reação
identificaram imediatamente que este público não era apreciador da música
eletrônica. Outsiders em busca de badalação, compelidos pelo poder de
225
Cf. www.orkut.com – comunidade: Skol Beats.
143
mobilização dos meios de comunicação de massa e do consumo a participarem
deste evento.
Sem sombra de dúvidas, existe uma consciência bastante desenvolvida entre o
grupo que se identifica por meios dos códigos da música eletrônica e das raves.
Existe sim, como pode ser verificado e tem sido observado por meio de
discussões entre os próprios participantes destes grupos
226
, um senso de
comunidade, de fazer parte da mesma comunidade, - líquida e efêmera, vale
ressaltar, relacionada somente ao fato de apreciarem o mesmo tipo de música, e
que somente se solidifica durante a participação nestes eventos.
No entanto, este vínculo comunicativo somente faz com os mesmos participem
dos mesmos eventos, como dito, estejam presentes; este processo promove a
identificação, criando esta sensação de grupo mencionada, mas não
necessariamente promove a vinculação um-a-um, as trocas individuais. Tudo se
limita, como percebido, às trocas superficiais em grupo. Não há troca com o outro.
A vivência continua sendo individual, e, assim, unilateral.
A Captura pelo Olhar
Norval Baitello Junior, na obra A Era da Iconofagia comenta sobre um mundo
desenvolvido pelo olhar e para se olhar, afirmando que olhar passa a significar
apropriar-se e deixar-se olhar siginifica deixar-se apropriar pelo outro. “Assim, ser
226
Discussões realizadas exclusivamente nos blogs e sites de relacionamento que compõem a
‘cena eletrônica’.
144
visto, aparentar, enfim, ser uma imagem, passam a ser o grande imperativo da
era da orientação em seu apogeu”
227
Dentro desta lógica, afirma o autor, “não importa ser, importa parecer”.
228
A estrutura do megaevento privilegia este fenômeno. Privilegia a aparência, tal
como descreve Herom Vargas no artigo Pop, Espetáculo e Mito: Questões de
Tempo e Espaço, os indivíduos mudam seus figurinos, modificam seus
comportamentos, mobilizam músculos, articulações e posições impossíveis na
vida cotidiana
229
, preparam-se, montam-se para aparecer ali, atendendo e
respondendo à própria estrutura de excessos destes espaços; tornam-se imagens
cuja única forma de apropriação possível e buscada – vale ressaltar – é a captura
pelo olhar, processo, no entanto, unilateral, sem retorno, sem formação de
vínculos, impossíveis de serem construídos em meio aos milhares de corpos-
imagem imersos na dinâmica dos excessos dos megaeventos.
Apesar da ilusão da proximidade corporal, apesar das milhares de almas – sem
ânima – apesar da multiplicidade de aparatos envolvidos e inseridos na
contextualização do megaevento, gera-se um cenário com características
bastante singulares em função dos frágeis vínculos criados ali, se puderem, tais
processos, serem chamados vínculos; são os vínculos sem consequências, tão
profundamente discutidos por Z. Bauman
230
. O objetivo está no parecer, no
aparentar, no mostrar e não necessariamente em se relacionar com o outro,
tantos outros, ali presentes.
227
Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 20
228
Idem, p. 21.
229
Herom VARGAS, . In: Revista
Comunicarte no. 25. Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação - PUC Campinas, 2002. V.
19.
Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço
230
Cf. Zigmunt BAUMAN, Comunidades.
145
Poderíamos indentificar um processo quase narcísico, porém, em que o objeto de
desejo está no outro, mas não em um outro qualquer, e sim em um outro que
reflete este primeiro, um outro que espelha, mas ao qual não se consegue ver em
função de própria ânsia de se mostrar – ao olhar para o outro, o que se vê é
somente a própria imagem projetada, refletida no outro.
O outro só é o espelho, somente representa o “estar com” de Cyrulnik, que
garante essa identidade ilusória do “ser” e também ali está com o mesmo objetivo:
mostrar-se, aparecer, aparentar, ser visto. Se o objetivo é aparecer, não é preciso
ver o outro e neste contexto, não há captura possível; não há captura, ou vínculo
possível uma vez que só amo e vejo no outro aquilo que reflete a imagem
“montada” por mim. Neste sentido, retomamos Hanah Arendt que afirma que
somente pela presença do outro “vendo o que vemos e ouvindo o que ouvimos”,
ou seja, compartilhando conosco, existe a garantia da realidade daquilo que se
está vivendo.
231
A captura do efêmero se assemelha metaforicamente a captura possível da
velocidade presente na dinâmica urbana. Esta captura acontece no mesmo nível
daquela vivida por um transeunte que circula pela cidade e coloca seus olhos
vagos em milhares de outros que passam rapidamente ao seu lado em direção a
qualquer lugar, sem captura possível, com a básica diferença que este que
trânsita não tem outro objetivo se não chegar a seu destino, enquanto o
participante de um evento essencialmente está ali, retomando o conceito de
participar, para “tomar parte em” e tomar parte prevê, necessariamente algum tipo
de captura.
231
Cf. Hanah ARENDT, A Condição Humana.
146
Os eventos, sob esta ótica, constituem produtos profundamente paradoxais.
Quais as capturas possíveis? Quais os vínculos possíveis nestes espaços?
Bauman, em sua obra Comunidade, como previamente discutido, faz uma grande
análise do contexto contemporâneo de comunidade e aponta os diversos
formatos que a velha e tradicional comunidade tomou ao longo do tempo,
discutindo as características que a mesma assumiu na contemporaneidade,
denominando, como dito anteriormente, as comunidades da atualidade de
“comunidades estéticas”, comunidades estas que se formam e dissolvem sem
qualquer aprofundamento das relações, sem qualquer estabelecimento de
vínculos mais estruturados; são comunidades que se formam pela força da
ocasião e que se diluem quando não são mais convenientes, sem que tenha
havido qualquer construção de um relacionamento mais duradouro ou qualquer
relação que faça com que esta comunidade permaneça
232
.
A dinâmica contemporânea da velocidade, da mídia, da eletricidade, do urbano,
do virtual proporcionam esta vivência sem vínculos e a transição rápida e indolor
entre várias comunidades, sem que conseqüências mais profundas sejam
geradas.
Estes são alguns dos tipos de vínculos possíveis na contemporaneidade. Estas
comunidades estéticas de vínculos de ocasião, como aponta Bauman, vínculos
estes marcados pela efemeridade tão grata à circulação das mercadorias
culturais, contribuem para a formação das comunidades estéticas e os
megaeventos, como dito anteriormente, materializam estes modelos de
comunidades, em meio a uma captura do efêmero, do eventual.
232
Cf. Zigmunt BAUMAN, Comunidades.
147
Por outro lado, apesar do esvaziamento que o ‘estar junto’ e a vivência conjunta
sofreram e sofrem na contemporaneidade, tais comunidades estéticas tem uma
contribuição relevante para a comunicação e para a comunidade contemporânea.
Em meio a uma cultura em que valores se alteraram, se perderam, em meio a
uma dinâmica em que ‘o ser’ não mais interessa como ser humano, mas sim
como produtor e consumidor, e destacam-se ‘o parecer’, ‘o aparecer’, ‘ou o ter’
como valores máximos, estes vínculos superficiais, na maioria das vezes,
constituem-se em um dos únicos vínculos possíveis.
Em meio a efemeridade da vivência do megaevento, em meio ao parecer como
maior valor em detrimento ao ser, em meio ao consumir se sobressaindo ao ‘estar
com’, alguns – poucos – podem ainda encontrar a resiliência, encontrar o sentido
que se perdeu.
Pelo princípio hologramático apresentado por Morin em sua obra Introdução ao
Pensamento Complexo
233
, em que o todo está na parte e a parte está no todo,
algum tipo de sentido, algum tipo de vínculo real possível talvez possa ainda ser
encontrado, já que, como anteriormente discutido, os megaeventos da
contemporaneidade carregam muitos traços que os remetem aos antigos rituais,
eventos estes cujo objetivo estava essencialmente nos vínculos, fossem eles no
sentido da participação coletiva, fossem no sentido de um vínculo com o sagrado,
com a transcendência.
Se esta resiliência irá existir, de fato, há uma dependência única e exclusiva do
próprio indivíduo, que pode encontrar nesta pequena parte que restou, o todo dos
vínculos de outrora. A estrutura do evento ou suas intenções, como percebido,
233
“Num holograma físico, o ponto mais pequeno da imagem do holograma contém a quase-
totalidade da informação do objecto representado. Não apenas a parte está no todo, mas o todo
está na parte”. Edgar MORIN, Introdução ao Pensamento Complexo, p. 108.
148
não propiciam estas oportunidades, mas a presença desta parte do holograma
pode propiciar. A resiliência, no entanto, continua sendo um processo solitário e
individual.
Corpos Estilhaçados: Reflexões sobre a Violência nos
Megaeventos
“Sua auto-alienação atingiu o ponto que lhe permite viver sua
própria auto-destruição como um prazer estético de primeira
ordem”.
234
Impossível finalizar – ao menos por hora – esta análise do megaevento Skol
Beats sem que sejam feitas considerações com relação à questão da violência.
Como anteriormente dito, o Skol Beats e demais eventos da ‘cena’ eletrônica
nacional movimentam milhares de pessoas. O Skol Beats 2006, com seus 59.500
participantes representa a população inteira de cidades como Vinhedo, no interior
do estado de São Paulo, e quase o dobro da população da capital do Tocantins –
Palmas, ou seja, representam montantes significativos de pessoas em um mesmo
espaço.
No entanto, ao contrário do que se pode imaginar, o número de atos de violência
é extremamente baixo se comparado a outros megaeventos como o carnaval e
grandes jogos de futebol. Konrad Lorenz discute a questão da agressividade em
234
Walter BENJAMIN, A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, p. 28.
149
situações de aglomeração em sua obra Os Oito Pecados Mortais da Civilização,
afirmando que:
“O amontoamento de muitos homens em pequenos espaços conduz
não só indiretamente, através da exaustão e enfraquecimento das
relações inter-humanas, às manifestações de desumanização, mas
desencadeia ainda imediatamente o comportamento agressivo.”
235
Ou seja, o comportamento agressivo seria quase uma resposta à dinâmica
superlotada do espaço. No entanto, não é o que se vê nestes megaeventos, pelo
menos não no sentido de uma agressividade voltada para o outro.
Por outro lado, a quantidade de atendimentos realizados nos postos de
emergência destes eventos em função do uso exagerado - e na maior parte das
vezes combinado - de álcool e drogas é impressionante. Fontes extra-oficiais
236
admitiram, inclusive, algumas mortes por overdose durante a realização de
eventos deste tipo. E além disso, outros excessos como o excesso de horas
consecutivas dançando sem cessar, o excesso de luz e de efeitos luminosos, o
excesso de som com seus milhares de watts de potência também agridem este
corpo exposto ao evento.
A violência contra o próprio corpo é exacerbada, e considerada contra o próprio
corpo uma vez que nasce do livre arbítrio deste participantes, que livremente
escolhem estar ali, escolhem expor-se a tudo isso.
235
Konrad LORENZ, Os Oito Pecados Mortais da Civilização, p. 21.
236
Informações obtidas extra-oficialmente com atendentes do corpo de bombeiros que
trabalharam durante o evento e que preferiram não ser identificados.
150
Questiona-se, desta forma, o que “regula” a violência contra o outro, sempre
minimizada ou quase inexistente, mas, ao mesmo tempo, permite e incita a
violência contra si mesmo em função dos excessos destes megaeventos?
Como anteriormente comentado, o sentido de comunidade é presente nestes
espaços, dentro do princípio do PLUR (Paz, amor, unidade e respeito), o que,
hipoteticamente, pode ser considerado uma primeira justificativa para este
comportamento coletivo bastante apaziguado ou ainda, anestesiado.
K. Lorenz traz uma contribuição neste sentido, uma vez que, também na obra Os
Oito Pecados Mortais da Civilização, discute que a primeira reação do ser
humano à superpopulação, o que se poderia aplicar também às massas, é a
imunização voluntária, a anestesia perante o outro. Não há violência porque há
anestesia e imunização dos contatos. Não há violência porque os excessos dos
megaeventos sequer permitem que se tenha uma consciência do outro, além de
si mesmo. Os excessos promovem o desaparecimento dos corpos, da dimensão
corpórea e real da presença do outro.
Por outro lado, como dito, é impossível que não seja detectada um tipo de
violência bastante específica, a violência contra o próprio corpo, levado à
extremos em termos de número de horas em que se permanece nestes eventos,
ou mesmo pela própria agressão promovida pelo ambiente, em função dos
milhões de watts de som e luz a que se está submetido, bem como pelo consumo
exacerbado de drogas e bebidas.
Obviamente, é necessário questionar também se existe, de fato, uma consciência
desta “auto-violência” ou se, simplesmente, essa agressão é uma consequência
da qual os participantes sequer se dão conta; as mortes por overdose são
acidentes derivados da busca pela diversão.
151
Corpos anestesiados, ou seja, desprovidos de sentido e sensações além de não
perceberem o outro, perdem também a propriocepção, o sentido de si mesmo e,
conseqüentemente, a percepção das agressões a que estão se expondo.
Em um meio em que todos se encontram imunizados, imunizados das relações,
imunizados da presença dos outros, não há violência possível para com o outro,
mas há a materialização da violência consigo próprio, possivelmente em resposta
a esta profunda carência que a ausência de vínculos humanos provoca, muito
devido a nossa necessidade biológica, de nossa condição humana de construir
vínculos para sobreviver.
Esta violência gerada pela busca de algo extraordinário – do contato com o
trascendente - vem como resposta para o vazio do mundo, o vazio das relações,
o vazio em todos os sentidos que invade o universo das relações, do trabalho e
também do lazer.
Norval Baitello Junior, em sua obra A Era da Iconofagia comenta sobre o “corpo-
bomba”, que, conforme afirma, trata-se de um dos modelos de corpo de nosso
tempo.
De acordo com o autor, o corpo-bomba tem como característica a necessidade de
superar sua condição material e visível, tornando-o inefável e invisível, imaterial
como os deuses, ou então, destruí-lo transformando-o em imagem em pró de
deuses da religião.
Contemporaneamente, estas manifestações também acontecem ligadas a outros
deuses tal como trabalho, moda, esporte etc.
237
237
Cf. Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 59-60.
152
Comenta ainda que a explosão do corpo-bomba objetiva se transformar em
acesso direto ao futuro em glória e luz, para dar passagem irrestrita e imediata a
uma condição imagética divina, sendo um corpo cuja aspiração principal está em
libertar-se de sua condição de animalidade, um corpo que nega sua corporeidade
e cuja dinâmica é a revelação.
Metaforicamente, o corpo-bomba muito se aproxima do corpo do participante do
evento em seu processo de autodestruição, neste processo em que o próprio
indivíduo se coloca, em que se procura romper todos os limites, em que se
cruzam as linhas do plausível, do aceitável, justificando-se, tais processos, pela
busca do contato com um espaço fora do comum – “sagrado” – por meio de uma
pseudo-transcendência que só pode se dar através do desligamento com a
corporeidade deste corpo.
A explosão, felizmente (ou não), na maior parte das vezes é metafórica, ligada
aos períodos de estados alterados por meio dos alucinógenos. Não se concretiza,
de fato, por não destruir completamente.
Por outro lado, comporta-se como uma explosão lenta, ou melhor, por uma
autodestruição lenta, pausada, realizada em pequenas doses, distribuídas em
cada evento.
É um processo tão destrutivo quanto o corpo-bomba, mas infinitamente mais
dolorido, pois cada estilhaço, cada parte rompida, desliga-se do corpo lentamente
e lentamente vai tomando o espaço, para também lentamente, causar mais
danos, biológicos e sociais.
Em uma explosão de corpo-bomba, como os diversos atentados que acontecem
freqüentemente, são os estilhaços que, na verdade, causam os danos mais
profundos.
153
São estes estilhaços, no caso dos megaeventos que, metaforicamente, se
espalham lentamente pela cultura, destruindo os contatos reais, fortalecendo as
ligações com o universo virtual, enfraquecendo mais e mais a comunicação e
fortalecendo, na mesma medida, a lógica do desktop, da solidão, da interação
com o nada, do isolamento, do parecer ao invés do ser, materializando a
incomunicação.
154
C
C
o
o
n
n
s
s
i
i
d
d
e
e
r
r
a
a
ç
ç
õ
õ
e
e
s
s
F
F
i
i
n
n
a
a
i
i
s
s
Eventos são comunicação. A comunicação constitui sua essência, seu objetivo e
seu fim. Comunicar uma mensagem, como os tantos encontros e palestras,
apresentar uma marca, como o caso dos lançamentos e dos eventos de marca,
demonstrar a força e a crença de um grupo, como as manifestações, as paradas,
e os encontros religiosos, comunicar à sociedade de forma solene e,
conseqüentemente legitimada, a união entre pessoas, um nascimento, uma morte
além dos mais diversos rituais sociais que permanecem vivos na sociedade
contemporânea, participar de um grande festival, são apenas algumas das formas
em que podemos vivenciar estes importantes produtos culturais, que vêm se
transformando, sendo alimentados e retroalimentando a sociedade na qual os
mesmos estão inseridos, refletindo as imagens da contemporaneidade.
Os eventos, como dito anteriormente, evoluíram ao lado da comunicação e, tal
como esta, mergulharam nas características da lógica da cultura do consumo e da
mídia. Em função disso, assumiram novas formatações e o ‘mega’ surge neste
contexto, respondendo também a demanda das próprias comunidades, cada vez
mais anestesiadas, necessitando de estímulos cada vez maiores para que
pudessem, ainda que de forma unilateral, buscar algum sentido no processo
como um todo.
De participantes, do ‘tomar parte em’, pessoas passaram a espectadores,
espectadores estes cuja presença coletiva nada mais significa, cuja presença do
outro não remete mais ao encontro, a convivência, ao vínculo.
155
“O que liga os espectadores é apenas uma ligação irreversível com
o próprio centro que os mantêm isolados. O espetáculo reúne o
separado, mas o reúne
como separado. (grifo do autor)”
238
Os megaeventos, manifestações espetaculares da contemporaneidade, produzem
a sensação de reunião, uma vez que propiciam a presença corpórea coletiva. No
entanto, sua estrutura não é pensada para promover o encontro, a reunião de
fato, o vínculo.
Se eventos são uma forma de comunicação e comunicação prevê vínculo,
eventos necessariamente devem prever a possibilidade da criação destes
vínculos. A qualidade do evento, seu resultado, dependerá da qualidade dos
vínculos ali criados, sejam eles de qualquer natureza: comerciais, sociais,
profissionais, de entretenimento etc. Assim, a comunicação dos eventos é muito
mais profunda do que somente a presença corpórea em um mesmo espaço.
Somente esta presença não garante a comunicação. A comunicação prevê
encontro e encontro prevê troca, prevê “captura”, em função da própria
porosidade do humano, conforme comentado anteriormente.
“ A sensorialidade do encontro é codificada com rigor. Não se trata
de uma massa informe em que os sentidos nos empurrariam uns
para os outros, como um impulso amorfo no qual o acaso instigador
petrificasse as relações. Pelo contrário, todos os sentidos têm um
sentido”
239
238
Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 23.
239
Boris CYRULNIK, Os Alimentos do Afeto, p. 43.
156
A presença da massa, da coletividade, não garante a vivência da captura
necessária à criação dos vínculos, não dá este sentido, não permite que isso, de
fato, aconteça, o que precisa, sem sombra de dúvidas, ser repensado e retomado.
“Nenhum homem é uma ilha”, disse John Donne. “Somos seres gregários e
comunicantes”, afirmou Malena Contrera”. A presença do outro, sendo o outro
aquele que me constrói como ser, o encontro. Todos estes elementos refletem a
condição humana mais essencial: precisamos nos comunicar para sobreviver. “O
encontro cria um campo sensorial que me descentra e me convida a existir, a sair
de dentro de mim para viver antes da morte.”
240
A comunicação, o encontro, os vínculos, tal como afirma Cyrulnik, são vida e esta
vida precisa ser repensada. É preciso que se repense como a comunicação tem
sido trabalhada nos mais diversos espaços em que ela acontece e, dentre estes,
nos megaeventos.
Os megaeventos musicais, conforme apresentado, refletem inúmeras
características da cultura contemporânea, e compõem, como comentado, as
raízes da cultura, raízes estas que ainda mantêm a memória dos antigos rituais.
Ao longo desta pesquisa, pode-se perceber que estes reflexos são, inclusive,
muito preocupantes, se persarmos nas relações entre os indivíduos e nas
próprias caraterísticas condicionantes do humano, essencialmente gregárias e
absolutamente dependentes dos vínculos comunicativos.
As características embasadas em excessos, a efemeridade dos eventos, o estado
líquido das relações e a impossibilidade da construção de vínculos aqui
detectadas como marcas destes produtos culturais precisam ser profundamente
240
Boris CYRULNIK, Os Alimentos do Afeto, p. 44.
157
analisadas e consideradas, já que, enquanto produto cultural contemporâneo, os
megaeventos constituem-se também reflexos da nossa sociedade.
Por outro lado, não podemos ignorar que este formato não tenha aspectos
positivos. Um deles, que deve ser considerado com relação à estrutura atual dos
megaeventos está ligado ao fato de que por mais efêmeras e líquidas que as
relações construídas nestes espaços possam parecer, são os vínculos ou
pseudo-vínculos possíveis para grande parte da pessoas que, na mesma medida
que os mais diversos produtos culturais, encontram-se imersos na lógica da
contemporaneidade, marcada pela incorporeidade, pelas comunicações
eletronicamente mediadas e pela cultura dos excessos.
“A incorporeidade potencializada da terceira revolução das forças
produtivas, a eletrônica, encontra claramente resposta numa
multiplicidade de formações simbólicas e sintomáticas do corpo”
241
.
A revolução eletrônica transforma a comunicação, transforma os
comportamentos, transforma e reflete-se nos corpos, transforma os eventos em
megaeventos.
De acordo com Norval Baitello Júnior, no artigo O Tempo Lento e o Espaço Nulo
– Mídia, Primária, Secundária e Terciária
242
, graças aos sistemas e redes
elétricos puderam ser desenvolvidos todos os grandes sistemas contemporâneos
de comunicação terciária. Estes sistemas se caracterizam pela relativização do
espaço (e até sua anulação), tornando irrelevante a dimensão do transporte físico
241
Dietmar KAMPER, Corpo, disponível em www.cisc.org.br , p. 5
242
Norval BAITELLO Júnior “Tempo Lento e Espaço Nulo – Mídia Primária, Secundária e
Terciária” Artigo disponível no site do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia –
www.cisc.org.br.
158
de suportes ou portadores de mensagens. A mídia eletrônica provocou uma
aceleração do tempo e das sincronizações sociais. Os ritmos, ditados pela espera
na mídia impressa, se aquecem na terciária, trazendo alterações
comportamentais importantes, mudanças que se refletem nos mais distintos
setores da vida do homem, bem como nos mais diversos produtos culturais.
Essa radical modificação, no contexto dos megaeventos, que acontece paralela
às mudanças na comunicação em si, estaria tornando estes espaços de vivência,
espaços de incomunicação?
Nosso objetivo limitou-se a entender os ambientes comunicativos surgidos nos
espaços dos eventos e megaeventos, produtos culturais recriados em meio a
dinâmica contemporânea, a partir das festas, dos encontros, dos rituais, das
cerimônias, dos grupamentos de pessoas relacionados à condição humana
naturalmente gregária, e que se estruturaram com o objetivo máximo de
comunicar, - e de comunicar as massas, ou em massas, retroalimentando a lógica
das massas, dos excessos, cheia de lacunas, vazios, de não-vínculos.
O megaevento comporta-se como o espaço dos excessos, característica, como
afirma o Prof. Dr. Norval Baitello Júnior, dos espaços habitados pela
incomunicação.
Primeiro excesso: o excesso de pessoas - o número de pessoas é imenso, são
milhares de seres humanos reunidos em um só espaço em meio à uma busca
abstrata, incorpórea, imersos em um universo de sons ensurdecedores. Segundo
excesso: o som – milhares de watts de potência, orgulham-se os organizadores.
Luzes descontroladas giram para todos os lados, mudando de tonalidade, de
velocidade, de intensidade, lasers, canhões, constituindo o terceiro excesso: o
excesso de luz, compostas ao lado das imagens, que demarcam o quarto
159
excesso: o excesso de imagens. Exibidas por meio de telões de todos os
tamanhos trazendo imagens desconexas, em intenso e vertiginoso movimento,
lançadas aos atentos olhares da multidão – muitas vezes enlouquecida -
resultando no quinto excesso: o comportamento – a exacerbação de
comportamentos.
“Muitos são os nomes da incomunicação e muitos são os espaços
em que está inteiramente a vontade. E é inútil pensar que ela age
somente na surdina, nos bastidores e em silêncio. Sobretudo nos
excessos é que ela se faz presente. No excesso de informação, no
excesso de tecnologia, no excesso de luz, no excesso de zelo, no
excesso de visibilidade, no excesso de ordem. Vivemos (e
morremos) nos excessos do tempo e no tempo dos excessos.”
243
Em meio a estes excessos, que caracterizam a incomunicação e que estão tão
presentes nos megaeventos, percebe-se que a comunicação torna-se impossível.
Como se comunicar em um espaço com tais características? Como manter a
comunicação em um espaço cuja estrutura está direcionada ao hiperestímulo, aos
tantos excessos?
A fala, a comunicação verbal, se torna impossível, visto o som ensurdecedor –
excesso de som.
A comunicação gestual, corporal, é massacrada pela falta de espaço físico, em
meio a corpos anestesiados pela ausência de espaço, corpos espremidos,
esmagados, aturdidos, impossibilitados de se movimentar livremente. Corpos
243
Norval BAITELLO Junior (org.), Os Meios da Incomunicação. p. 9.
160
sedados, com seus sentidos anulados – excesso de pessoas. De acordo com Z.
Bauman “a proximidade já não garante a intensidade da interação; e o que é mais
grave, não se pode confiar na duração de qualquer interação que surja da
proximidade”
244
, ou seja, a proximidade, ao contrário do que se poderia esperar,
não é capaz de gerar o vínculo comunicativo.
“O amontoamento de muitos homens em pequenos espaços
conduz não só indiretamente, através da exaustão e
enfraquecimento das relações inter-humanas, às manifestações de
desumanização. Na hipótese de se vir a acentuar mais esta
imunização voluntária contra os contatos humanos, acabará por
conduzir, em associação com os fenômenos de extenuação do
sentimento, às terríveis manifestações de apatia e a necessidade
de ‘not to get envolved’
245
. Devido às massas dos que estão perto,
demasiado perto de nós, torna-se tão rarefeito o nosso amor ao
próximo que deixa de evidenciar-se nos seus indícios.”
246
O amontoamento, como aponta Lorenz, é fator de imunização, e esta, por usa
vez, fator de desumanização. O processo extingue os contatos e impinge a
apatia, excluindo ou tornando inócuo qualquer vínculo, afeto ou manifestação de
amor em meio à dinâmica da proximidade exacerbada.
“A proximidade física e a estreiteza de espaço tornam a distância
mental mais visível. (...) Sob certas circustâncias a pessoa em
244
Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 79.
245
Tradução: não se envolver
246
Konrad LORENZ, Os Oito Pecados Mortais da Civilização, p. 21.
161
nenhum lugar de sente tão solitária e perdida quando na
multidão.”
247
A visão, por sua vez, se perde, atraída pelas imagens repetidas infinitamente em
enlouquecido movimento, pelas luzes – pelo excesso de luz e imagens.
“Extinguem-se a visão, o som, o sabor, o tato e o olfato, e junto com
eles vão-se também as sensibilidades estética e ética, os valores, a
qualidade, a alma, a consciência, o espírito. A experiência como tal
é expulsa do domínio do discurso científico (...) tivemos que destruir
o mundo em teoria antes que pudéssemos destruí-lo na prática”
248
Em meio a esta anestesia compulsiva - anestesia aqui entendida por sua raiz
etimológica ligada a palavra aisthétikos
249
, ou seja anestesia como ausência de
sentidos, movimentam-se corpos descontrolados, que, tal como as imagens
exibidas velozmente nos telões, convertem-se em imagem, também em frenético
movimento; a corporeidade dos sentidos se esvai, tomada pela ausência de
sentidos gerada pelos excessos do megaevento, marcado por um quase
comportamento zumbi – em massa – comportamentos excessivos
250
.
247
Georg SIMMEL, A Metrópole e a Vida Mental, p. 13. In: Otávio Guilherme VELHO, O
Fenômeno Urbano.
248
F. CAPRA citado em Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 64.
249
De acordo com Malena Segura Contrera a origem etimológica da anestesia é: do grego
aisthétikós, “suscetível de perceber-se pelos sentidos”, derivado de aisthésis, “faculdade de
percepção pelos sentidos” Anestesia, 1884, de aisthésis, com prefixo privativo. Mídia e Pânico, p.
64.
250
“Os indivíduos mudam seus figurinos, modificam seus comportamentos pela cadência rítmica,
mobilizam músculos, articulações e posições impossíveis na vida cotidiana, embriagam-se para
comungar com o êxtase, ultrapassam suas medidas e forçam seus próprios limites. O
metabolismo dos corpos modifica-se inevitavelmente, pois a fruição orgânica do evento supra os
padrões racionais de contemplação.” Herom VARGAS. Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões
de Tempo e Espaço, p. 152
.
162
São fantasmas movimentando-se compulsivamente. As pessoas não se
enxergam umas as outras, não se vêem, visto estarem presas a todo este
contexto. Os pequenos momentos de contato físico passam despercebidos.
Quando acontecem comportam-se com toda a volatilidade do próprio evento. São
efêmeros, vazios.
Os vínculos, vínculos de ocasião, “vínculos sem conseqüências”, como são
chamados por Z. Bauman, são também proporcionalmente vazios, esvaziados de
sentido, consolidados sobre o efêmero e perene momento do evento, sem
aprofundamento, sem enlaçamento, sem enredamento, sem troca. Se criam e
desaparecem na mesma lógica volátil do espaço-tempo do megaevento.
Os “vínculos”, (aqui entre aspas por serem, de fato, pseudo-vínculos), que
perduram são os da participação – espelhada nos produtos de consumo: “eu
estive lá!”, “participei!”, mas em uma participação tal qual descreve Edgar Morin:
“A cultura de massa quebra a unidade da cultura arcaica na qual
num mesmo lugar todos participavam ao mesmo tempo como
atores e espectadores. Ela separa fisicamente atores e
espectadores. O espectador somente participa fisicamente do
espetáculo – presença esta que é ausência: o elo imediato e
concreto se torna uma ‘teleparticipação’ mental.”
251
O megaevento concebe a participação que não é, de fato, participação. O
participante não é ator da ação. São espectadores, milhares deles, “presentes”,
251
Edgar MORIN. Cultura de Massa no Século XX – Volume I: Neurose, p. 62.
163
ou, ao menos, de corpo presente, neste espaço, compondo uma massa uniforme
sem consciência individual, mas também sem participação mental de fato.
Enquanto os rituais possuíam atores, que inferiam e interferiam nos
acontecimentos, os megaeventos consolidam-se como espaços para serem
assistidos, observados.
Os corpos presentes, que poderiam confirmar-se como manifestações da mídia
primária, definida, tal como aponta Norval Baitello Júnior, em sua obra A Era da
Iconofagia, como a mídia que nasce no corpo, por meio da intensa troca de
informação que acontece quando duas pessoas se encontram, consolidando-se
como a mídia mais rica e mais complexa, de sensorialidade múltipla e
sensualidade potencial
252
, perde seu sentido. A experiência do mega, a “mega-
presença” coletiva, anula esta tão rica mídia, já que a mesma trata-se de uma
mídia presencial, que, como afirma o autor, exige que se esteja no mesmo espaço
e no mesmo tempo que o interlocutor.
Os corpos, presentes no espaço do megaevento, estão em tempos e espaços
bem diferenciados, afastados, desconexos, vazios, isolados. Esta presença afasta
não só corpos – materialmente presentes – mas as almas, o ânima – aquilo que
anima, que dá vida – são fantasmas, presentes, mas ausentes – imagens sem
corpos e corpos sem imagens, incomunicando, já que esvaziados de sua
essência. “As imagens são monumentos da vida que se foi” afirma Dietmar
Kamper em seu artigo “Corpo
253
; o corpo, esvaziado de seu sentido primeiro, de
sua matéria, de sua condição humana de carregar em si o ânima, a alma, divaga
no vazio do megaevento, vazio este inundado de excessos.
252
Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 21-23.
10
Dietmar KAMPER, Corpo, disponível em www.cisc.org.br , p. 4
164
“Morremos no excesso” afirma Norval Baitello Júnior
254
. O espaço do
megaevento é o espaço do excesso. Se excesso é também sinônimo de
incomunicação, já que impossibilita o tempo lento, a percepção, a decifração, o
megaevento é, na mesma medida, incomunicação.
Não é o silêncio do discurso do indivíduo
255
como afirma Eduardo Peñuela
Canizal, e também não é o silêncio do espaço, marcado pelos sons
ensurdecedores, mas sim o silêncio entre os corpos, são as lacunas de sentido,
os vazios da impossibilidade, pontes que não são construídas sob o abismo dos
excessos.
Mas como pode estar vazio, em um espaço tão cheio? Os mega, os milhares, os
milhões de pessoas que não se olham, não se vêem, não interagem, compõem
este vazio definitivo. A falta de interação, por si só, é sinônimo de incomunicação.
É o espaço do estímulo exagerado, que anula. Anula, inclusive a possibilidade
comunicativa, objetivo do próprio espaço.
Luis Carlos Iasbeck em seu artigo A Incomunicação da Loucura
256
, comenta que
algumas loucuras levam o sujeito a eliminar simbolicamente o outro em favor da
exacerbação da auto-referencialidade. O espaço do megaevento elimina
completamente a visão de outro, a alteridade, mas por certo não concretiza uma
patologia, uma loucura. Consolida-se como a busca frustrada de um grande
estado alterado de consciência.
254
Norval BAITELLO Junior (org.), Os Meios da Incomunicação. p. 10.
255
De acordo com Eduardo Peñuela, o silêncio fornece mais informações do que o texto explícito.
Eduardo Peñuela CANIZAL, O Silêncio nos entremeios da Cultura e da Linguagem In: Norval
BAITELLO Junior (org.), Os Meios da Incomunicação, p. 15.
256
Luis Carlos IASBECK, A Incomunicação da Loucura In: Norval BAITELLO Junior (org.), Os
Meios da Incomunicação, p. 37.
165
O espaço do megaevento é assim o espaço das aparências, ou da visibilidade. A
auto-referencialidade tão primada pelos participantes se multiplica em seus trajes,
suas maquiagens, em todo o preparo que despendem para estar neste espaço.
Suas vestes – na maior parte das vezes tão diferentes das usadas no dia-a-dia
são pensadas para torná-los diferenciado e para fazê-los serem vistos. Ser visto,
no entanto, em um espaço cujas atenções pertencem a outras dimensões, a
outros tempos-espaços, como anteriormente comentado – não dá resultado. O
tentar ser visto em um espaço que não está preparado para permitir estas
relações da comunicação embasada na mídia primária consolida a dinâmica do
megaevento.
De acordo com Tzvetan Todorov, na obra A Vida em Comum: “desde que vivem
em sociedade os homens sentem a necessidade de atrair o olhar dos outros
sobre si. Os olhos são órgãos especificamente humanos: cada um começou a
olhar os outros, querendo também ser olhado”,
257
ser visto. Mas para que este
“ser visto” tenha sentido para estes participantes, permeia também o “ser
reconhecido” e este ser reconhecido, ainda de acordo com Todorov tem como
princípio “a relação”.
“Nenhum castigo físico mais diabólico poderia ser concebido, se
fosse fisicamente possível, do que ser largado na sociedade e
permanecer totalmente despercebido por todos os membros que a
compõe”.
258
257
Tzvetan TODOROV, A Vida em Comum, p. 25.
258
Idem, p. 71
166
Ser visto e ser reconhecido, a visibilidade, portanto, caracterizam também
condições humanas, como aponta Todorov, condições que criam relação,
compõem-se em uma relação, promovem o encontro, consolidam vínculos, mas
que não são situações presentes no universo dos megaeventos. O megaevento é
vivido individualmente, vivido por cada um, separadamente. Apesar da massa
presente, não permeia a vivência coletiva. Os excessos, a estrutura,
praticamente, como anteriormente comentado, incentivam a vivência individual, a
participação somente, uma busca sem aprofundamento, sem valência, de fato,
sem vínculo. No momento em que o indivíduo não consegue – ou está
impossibilitado – de ver o outro, de perceber o outro, não há vínculos possíveis.
Só o vazio é possível, as lacunas, só os espaços, só a dança livre da
incomunicação.
“É verdade que o amontoamento gregário de massas humanas (...)
tem grande parte da culpa se, na fantasmagoria das eternamente
fluidas, mutuamente asfixiantes e obscurecentes imagens do
homem, não mais conseguimos contemplar o rosto do próximo”
259
O megaevento, portanto, cujos objetivos focam-se em comunicar, em consolidar-
se como um ‘meio de comunicação’, capaz de transmitir mensagens, capaz de
unir, capaz de agregar, de reproduzir, tal como os antigos rituais e os primeiros
eventos, a lógica do gregarismo nato do humano, comportam-se, na verdade,
como um meio de isolamento, criando pseudo-vínculos, inócuos, vazios, sem
sentido, sem valor.
259
Konrad LORENZ, Os Oito Pecados Mortais da Civilização, p. 20.
167
Dos megaeventos de nosso tempo ficam – ou restam - as imagens - mais
imagens – sem sentido, registradas digitalmente e armazenadas no espaço virtual
– sites eliminam também a materialidade da própria imagem, da velha fotografia.
As imagens, agora completamente inseridas na nulodimensionalidade de Vílem
Flusser
260
, complementam a incomunicação do megaevento. Bóris Cyrulnik,
citado em Norval Baitello Junior., “escreve sobre a ‘captura sensorial visual’ que
hipnotiza e imobiliza, ao contrário da captura sensorial olfativa, tátil e gustativa”
261
.
Esta captura visual seria somente capaz de criar mais déficits, mais lacunas, mais
vazios. Vínculos somente seriam construídos se possível uma captura sensorial
profunda e mais completa.
“Os efeitos sobre a pluralidade da existência sensorial são com
certeza imprevisíveis, por que o processo atua sobre as bases da
propriocepção, gerando um corpo que apenas se vê quando é visto,
se observa quando é observado, jamais se sente por que não pode
ser sentido.”
262
O corpo presente no megaevento sem sentido, sem vínculo, sem propriocepção é
o corpo que perdeu sua capacidade de comunicar. É o corpo mergulhado na
incomunicação.
Em uma metáfora para o processo comunicativo, Malena Segura Contrera, afirma
que “os vínculos são a matéria-prima de toda a comunicação humana, as veias
260
O conceito de nulodimensionalidade encontra-se no texto: Vilém Flusser e a Terceira
Catástrofe do Homem ou as Dores do Espaço, a Fotografia e o Vento de Norval Baitello Junior.
Texto inédito.
261
Boris CYRULNIK APUD Norval BAITELLO JUNIOR, As núpcias entre o nada e a máquina, p. 5.
262
Norval BAITELLO Junior, O Olho do Furacão, disponível em www.cisc.org.br, p. 6-7.
168
por onde circulam as informações, e que garantem a sobrevivência do indivíduo e
do grupo”
263
. Contrera usa ainda a metáfora dos anjos – como mediadores,
embasada nas teorias do filósofo Michell Serres (1995), que discute a natureza
simbólica das mediações através da analogia ao mundo dos anjos e sua função
mediadora, questionando, com base na teoria de Serres “o que acontece quando
o anjo obscurece a mensagem que porta para evidenciar a si próprio? O que
ocorre quando o mensageiro adquire maior importância do que a mensagem
(função vinculadora) que ele aporta?”
264
As manifestações de incomunicação percebidas no universo dos megaeventos
são análogas a esta situação. Os anjos – os megaeventos – adquiriram
importância maior do que a mensagem que aportam e, consequentemente,
anularam seu poder comunicativo, sua função de comunicar e conseqüentemente
de vincular.
De acordo com Norval Baitello Junior, citado em Malena Segura Contrera,
“vincular significa ter ou criar um elo simbólico ou material, constituir um espaço
(ou um território) comum, base primeira para a comunicação”
265
.
Os megaeventos contemporâneos, por sua vez, apesar de colocarem os corpos
em um espaço comum não têm sido capazes de criar o elo simbólico necessário
para que o vínculo se estabeleça, para que o encontro aconteça, deixando, desta
forma, que a incomunicação reine livremente, envolva a todos e alastre seus
vazios, suas lacunas e suas pontes não construídas.
263
Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 41.
264
Idem. p. 67.
265
Idem. p. 39.
169
R
R
e
e
f
f
e
e
r
r
ê
ê
n
n
c
c
i
i
a
a
s
s
B
B
i
i
b
b
l
l
i
i
o
o
g
g
r
r
á
á
f
f
i
i
c
c
a
a
s
s
ALLEN, Johnny et alii. Organização e Gestão de Eventos. Rio de Janeiro:
Campus, 2003.
ARENDT, Hanah. A Condição Humana.Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2005.
BAITELLO Junior, Norval. O Animal que Parou os Relógios. São Paulo:
Annablume, 1999.
_____________________. Tempo Lento e Espaço Nulo – Mídia Primária,
Secundária e Terciária. São Paulo: Centro Interdisciplinar de Semiótica da
Cultura e da Mídia – www.cisc.org.br consulta em 06/03/2005, 01h02.
___________________. A Era da Iconofagia. São Paulo: Hacker Editores, 2005.
___________________. As Núpcias entre o Nada e a Máquina. Revista
Científica de Información y Comunicación. Sevilla: Universidade de Sevilla,
2005.
___________________. O Olho do Furacão. São Paulo: Centro Interdisciplinar
de Semiótica da Cultura e da Mídia – www.cisc.org.br consulta em 12/05/2005.
___________________. Vílem Flusser e a Terceira Catástrofe do Homem ou as
Dores do Espaço, a Fotografia e o Vento. Texto Inédito.
___________________; CONTRERA Malena Segura; MENEZES, José Eugênio
170
(org.). Os Meios da Incomunicação. São Paulo: Annablume, 2005.
BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Perspectiva, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
___________________. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica.
In: Os Pensadores: Textos Escolhidos. São Paulo: Abril, 1983.
BENJAMIN, Walter. On Some Motifs of Baudelaire. In: ARENDT, Hanah.
Illuminations: Essays and Reflections, New York: Schocken, 1968.
BERLO, David K. O Processo de Comunicação. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
BERMAN, Marshal. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar. São Paulo:
Companhia das Letras,1986.
BORDENAVE, Juan. O que é Participação. São Paulo: Brasiliense, s/d.
BOSI, Alfredo. A Interpretação da Obra Literária. Folha de S. Paulo, 05 de março
de 1988. Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/bosi5.htm consultado
em 02 de fevereiro de 2007.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 1986.
BRITO, Janaína; FONTES, Nena. Estratégias para Eventos. São Paulo: Aleph,
2002.
171
BROWN, Mike J. FAQ Frequently Asked questions About Techno Music and
Raves. Disponível em http://taz4.hyperreal.org/~mike/pub/altravefaq.html.
Consultado em 29/08/2006.
BYSTRINA, Ivan. Semiotik Der Kultur. Alemanha, s/d.
CANIZAL, Eduardo Peñuela. O Silêncio nos Entremeios da Cultura e da
Linguagem. In: BAITELLO Junior, Norval; CONTRERA Malena Segura;
MENEZES, José Eugênio (org.). Os Meios da Incomunicação. São Paulo:
Annablume, 2005.
CHIES, Thaís Cristine. Novas Formas de Viver – Clubbers e Ravers. Os
Urbanitas – Revista Digital de Antropologia Urbana. Disponível em
www.aguaforte.com/antropologia/clubbers1.html, consultado em 27/02/2007, às
15h25.
COLLIN, Mathew. Altered State: The Story of Ecstasy Culture and Acid House.
Inglaterra: Serpent Tail, 1997.
CONTRERA, Malena Segura. Mídia e Pânico. São Paulo: Annablume, 2002.
___________________. O Mito na Mídia. São Paulo: Anablume, 1996.
___________________. Ontem, hoje e amanhã: Sobre os rituais midiáticos.
Revista Famecos. No. 28. Porto Alegre, dezembro de 2005. p. 115 – 123.
___________________. Publicidade e Cia. São Paulo: Pioneira, 2003.
COUTINHO, Tiago. O Uso do Corpo nos Festivais de Música Eletrônica.
Disponível em www.neip.info. Anais da VI Jornada Interna de Alunos de Pós-
graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
172
2004.
CYRULNIK, Boris. Do Sexto Sentido. Portugal: Instituto Piaget, 1997.
___________________. Nutrir os Afectos. Portugal: Instituto Piaget, 1995.
___________________. Os Alimentos do Afeto. São Paulo: Ática, s/d.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DIANO, Carlo. Linee per una Fenomenologia dell’Arte Apud BOSI, Alfredo. A
Interpretação da Obra Literária. Folha de S. Paulo, 05 de março de 1988.
Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/bosi5.htm consultado em 02
de fevereiro de 2007.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ELIAS, Norbert. Outsiders e Estabelecidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
FLUSSER, Vilém. Da Diversão. São Paulo: Centro Interdisciplinar de Semiótica
da Cultura e da Mídia – www.cisc.org.br consulta em 02/02/2006.
_______________. Da Religiosidade: A Literatura e o Senso de Realidade. São
Paulo: Escrituras, 2002.
Folha de S. Paulo. Conheça os Melhores da Noite Ilustrada 2000, 22/12/2000, p.
E5.
FORTANARI, Ivan Paolo de Paris. Música Eletrônica e Identidade Jovem: A
Diversidade Local. Anais V Congresso Latinoamericano da Associação para o
Estudo da Música Popular. Disponível em: www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html,
consulta realizada em 12/12/2006 às 22h35.
173
GEBAUER, Günter e WULF, Christoph. Mimese na Cultura. São Paulo:
Annablume, 2004.
GIANCAGLIA, Maria Cecília. Organização de Eventos: Teoria e Prática. São
Paulo: Thomson Learning, 2004.
HILLMAN, James. Cidade e Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
IASBECK, Luiz Carlos. A Incomunicação da Loucura. In: BAITELLO Junior,
Norval; CONTRERA Malena Segura; MENEZES, José Eugênio (org.). Os Meios
da Incomunicação. São Paulo: Annablume, 2005.
IAZETTA, Fernando. A Música, o Corpo e as Máquinas. Disponível em
www.eca.usp.br/iazzeta/papers/opus.pdfm, consultado em 17 de fevereiro de
2007, às 2h35.
JOHNSON, Steven. A Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editores, 2001.
JUNG, Carl Gustav. Fundamentos da Psicologia Analítica. Petrópolis: Vozes,
1985.
KAMPER, Dietmar. Corpo. São Paulo: Centro Interdisciplinar de Semiótica da
Cultura e da Mídia. Disponível em www.cisc.org.br. Consulta realizada em
27/06/2006.
KLEIN, Alberto Carlos Augusto. Culto e Mídia. Dissertação de Mestrado a
apresentada ao Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo: 1999.
LORENZ, Konrad. Os Oito Pecados Mortais da Civilização. Lisboa: Litoral
174
Edições, 1992.
MAFFESOLI, Michel. No Fundo das Aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
MARTIN, Vanessa. Manual Prático de Eventos. São Paulo: Atlas, 2003.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos Meios às Mediações: Comunicação, Cultura e
Hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
MARX, Karl. "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", in: Textos de Karl Marx e
Friedrich Engels Vol. 3, ed. Editora Alfa-Omega. p. 203
MATIAS, Marlene. Organização de Eventos. São Paulo: Manole, 2001.
MCLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação. São Paulo: Cultrix, 2003.
MORAIS. Régis de. (org). As Razões do Mito. Campinas: Papirus, 1988.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1997.
___________________. Introdução ao Pensamento Complexo. 2a. edição.
Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
_______________________. O Paradigma Perdido: A Natureza Humana. Portugal:
Publicações Europa-América, 1973.
MORO, Marcela. Planejamento e Organização de Eventos. Apostila de Curso
Livre. Jundiaí: Senac, 2002.
NIELSEN, Christian. Turismo e Mídia. São Paulo: Contexto, 2002.
NIETZSCHE, FRIEDRICH. Humano, Demasiado Humano.São Paulo:
175
Companhia das Letras, 2005.
PADILHA, Márcia. A Cidade como Espetáculo. São Paulo: Annablume, 1997.
PEREIRA, Dione dos Santos et alii. Uso da Internet no Planejamento e
Organização de Eventos Científicos. In: BAHL, Miguel. Eventos: A importância
para o Turismo do Terceiro Milênio. São Paulo: Rocca, 2003.
PEREIRA, Laís Fontanelle. A Cena Clubber e Raver. Dissertação de Mestrado.
Departamento de Psicologia – PUC Rio de Janeiro. Disponível em
www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-
bin/PRG_0599.exe/4747_7.pdf?NrOcoSis+11709&CdLinPrg=pt, consultado em
27/02/2007.
PROSS, Harry. La Violencia de los Símbolos Sociales. Barcelona: Anthropos,
1989.
ROMANO, Vicente. El Tiempo Y El Espacio En La Comunicación. Espanha:
Argitaletxe Hiru, 1998.
___________________. Ordem Cultural e Ordem Natural do Tempo. São Paulo:
Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia. Disponível em
www.cisc.org.br. Consulta realizada em 25/06/2006.
SILVA, Josimey Costa da. Algumas Reflexões Metafóricas Sobre a Condição
Humana. In: GHREBH, edição 1, outubro de 2001.
http://revista.cisc.org.br/ghrebh1/index.php
SILVA, Juremir Machado da. Tecnologias do Imaginário. Porto Alegre: Sulina,
176
2003.
SIMMEL, Georg. A Metrópole e a Vida Mental. In: VELHO, Otávio Guilherme. O
Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
SINGER, Ben. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensaionalismo
Popular. In: CHARNEY, Léo; SCHWARTZ, Vanessa. (org.). O Cinema e a
Invenção da Vida Moderna. São Paulo: Cosac & Naif, 2002.
SOUZA, Cláudio Manoel Duarte. A Cybermúsica, Djing, Tribos e Cibercultura.
Disponível em www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. Consultado em
29/08/2006 às 12h08.
___________________________. Sobre a Cultura da Música Eletrônica.
Disponível em: www.pragnatecno.com.br/texto1.html, consultado em 27/02/2007
às 16h15.
TENAN, Ilka Paulete Svissero.Eventos. São Paulo: Aleph, 2002.
TODOROV, Tzvetan. A Vida em Comum. Campinas: Papirus, 1996.
TURNER, Victor, W. O Processo Ritual. Petrópolis, Vozes, 1974.
VARGAS, Herom. Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e
Espaço. In: Revista Comunicarte no. 25. Campinas, Centro de Linguagem e
Comunicação - PUC Campinas, 2002. V. 19.
VIANA, Hermano. Tecnologia do Transe. Folha de S. Paulo, Caderno Mais!,
06/04/97. Disponível em www.overmundo.com.br/banco/tecnologia-do-transe
consultado em 27/02/2007.
177
Sites Consultados
http://almanaque.folha.uol.com.br/bosi5.htm
http://revista.cisc.org.br/ghrebh1/index.php
www.aba.com.br/premioabanet2006/inscricoes/imagecase/2006/545/resultados%
20skol.pdf
www.ambev.com.br
www.baladaplanet.com.br
www.cisc.org.br
www.eca.usp.br/iazzeta/papers/opus.pdfm
www.estadao.com.br
www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm
www.famurs.com.br
www.fbcvb.com.br
www.folhaonline.com.br
www.google.com
www.iacvb.com
www.ig.com.br
www.neip.info
www.orkut.com.br
www.overmundo.com.br/banco/tecnologia-do-transe
www.periodicos.capes.gov.br
www.pragnatecno.com.br
www.prossiga.br
www.raves.com.br
www.scielo.br
www.skolbeats.com.br
www.terra.com.br
www.uol.com.br
www.usp.br/sibi
178
A
A
p
p
ê
ê
n
n
d
d
i
i
c
c
e
e
s
s
Tipologia de Eventos
Banquetes,
Almoços e Jantares
Conferência Festas Reunião
Assembléia Congressos Fórum Road-show
Brunch Convenção Happy Hour Roda de Negócios
Casamentos Coquetel Inauguração Salão
Batizados Debate Jornada Semana
Aniversários Desfile Lançamentos Seminário
Formaturas Dias Específicos Leilão Show
Campeonato Encontro Mesa Redonda Simpósio
Ciclo de Palestras Entrevista Coletiva Mostra
Teleconferência ou
Videoconferência
Concílio Excursão Oficina Torneio
Colóquio Exposições Olimpíada Vernissage
Conclave Feiras Painel Visitas (Open Day)
Concurso Festivais Palestras Workshop
179
I
I
m
m
a
a
g
g
e
e
n
n
s
s
S
S
k
k
o
o
l
l
B
B
e
e
a
a
t
t
s
s
2
2
0
0
0
0
6
6
Painel para fotos.
Fonte: Marcela Moro
Telões e Iluminação Palco Tribe
Fonte: Marcela Moro
180
Palco Live Stage – Prodigy
Fonte: Marcela Moro
Palco Live Stage – Participantes registrando imagens do evento
Fonte: Marcela Moro
181
Telões Palco Tribe – Imagens Desconexas
Fonte: Marcela Moro
Line-up do Evento
Fonte: Marcela Moro
182
A
A
n
n
e
e
x
x
o
o
Disponível em:
http://www.aba.com.br/premioabanet2006/site/cases/skolbeats.htm
5º. Prêmio ABANET - Associação Brasileira de Anunciantes
Case: Skol Beats
Categoria: Campanha de Comunicação On-line
Anunciante: Skol Beats
Desenvolvimento: Garage Interactive Marketing
Os objetivos da marca com o novo portal e com as interações eram:
• Aumentar e estender o DNA da marca Skol Beats além do evento, durante o ano todo.
• Criar diversos pontos de aproximação, uma forte interação com Mobile, bem como com
outros canais de comunicação com consumidores do Skol Beats que não foram explorados
em 2005.
Objetivo
• Reinventar a experiência da internet do Skol Beats tornando o site o ponto de
aproximação.
Estratégia
Para a comunicação atingir cada um dos 60 mil espectadores, as estratégias usadas foram
a interatividade e o cross entre on-line e off-line, com interfaces para o celular, internet,
painel interativo de rua e tecnologia em anúncios de revistas e jornais.
Performance
Duração: o novo portal foi para o ar um mês antes do evento (abril de 2006) e é atualizado
diariamente ao longo do ano com notícias, matérias, downloads e videocasts.
• Público primário: jovens de 18 a 24 anos, classe A, B e C+.
• Público secundário: pessoas acima de 24 anos, com comportamento jovem e que gostam
de música eletrônica.
• Foram investidos cerca de R$ 300.000,00 no portal Skol Beats.
Tecnologia
CÓDIGO REDONDO, um símbolo gráfico que foi exposto em alguns pontos do evento,
anúncios de revistas e jornais. Ao ser fotografado por um celular, direcionava os usuários
para o conteúdo exclusivo do portal Skol Beats - screensavers, ringtones, wallpapers - no
próprio celular, atualizado em tempo real. Para desfrutar desta inovação os usuários
deveriam baixar um aplicativo no site do Skol Beats (ou por WAP) e, durante o evento, via
bluetooth.
PAINEL INTERATIVO, um grande painel eletrônico, instalado numa das principais avenidas
de São Paulo, permitiu aos fãs do festival votarem durante 15 dias na sua tenda ou palco
preferido, pelo celular. No ato, o usuário era presenteado com um ringtone exclusivo do DJ
Marky. Os votos computados em tempo real eram apresentados num score em números
absolutos e representados graficamente no painel iluminado.
No dia do evento, o painel foi transferido para o Anhembi, onde a votação continuou e o
público também pôde conferir as tendas mais badaladas com milhares de votos. Quem
votou durante o evento concorreu ao sorteio de diversas camisetas exclusivas Skol Beats.
LINE-UP, por meio do portal Skol Beats (www.skolbeats.com.br), o usuário pôde montar um
line-up personalizado do evento – a partir da programação completa – e baixá-lo em formato
de aplicativo, por download via site ou celular, através do portal WAP.
Este aplicativo também dava acesso ao mapa do evento no aparelho. No dia do evento, o
usuário recebia mensagens de texto 15 minutos antes da apresentação das atrações
escolhidas, nome da atração e do local da performance.
183
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo