morte do pai que era, até então, um homem admirável para o menino:
Ele era dois. Tinha o dom de mudar, de se levantar de seu fracasso,
entusiasmando a todos. O pai era um herói nestas artes de dar a volta por
cima, de esquecer as derrotas, de acreditar na sua capacidade de superar os
problemas. E era um homem alegre, que cultivava amigos, querido entre os
comerciantes da cidade, financiadores de sua vida improdutiva. Comprava
fiado em todos os lugares e, por mais que não pagasse, sempre tinha
crédito. Pequeno deus da sobrevivência, ele só se deixava derrubar sob os
efeitos da bebida, nos fins de noite, quando sua capacidade de acreditar
numa mudança era desmentida: não, naquele dia não conseguiria mais
ganhar nenhum tostão. Era o desempregado, o desiludido que voltava para
casa sem nada nos bolsos. Pela manhã, uma vez mais, ele exibiria sua
confiança, sairia limpo e barbeado, a cabeleira preta bem penteada (CMI,
p.11-12).
É a morte do pai, um ente tão importante, que fará com que o menino resolva mudar o
destino, especialmente, dos homens da sua família. A partir da morte do pai, Miguel abraça-se
a si mesmo, aos cadernos e aos livros. Dona Nelsa é a primeira que o estimula a seguir o
caminho traçado pelas letras. É a mãe que costura para as prostitutas, as quais vão à casa de
Miguel alegres e perfumadas. São elas que valorizam o trabalho da mãe do menino, que a
pagam bem pelo trabalho realizado, e que enchem a casa de perfume e de risadas. Com os
retalhos de tecidos das roupas delas, Dona Nelsa faz roupas para toda a família. Assim, é a
mãe que mantém o universo familiar em equilíbrio, e acima de tudo, é a ela que o ensina a
desenhar as primeiras letras e a escrever o seu nome:
A mãe é uma grande professora e está me ensinando a escrever. Sofro
bastante porque não consigo pegar direito no lápis e a mãe brinca que tenho
o mesmo jeito desengonçado do pai, que também não sabia segurar
corretamente o lápis. – Mas você não vai ser como ele, não. Tem que
aprender a manter o lápis deitado. Não sabia que era tão difícil, ele fica em
pé e a mãe diz que assim é pior e que eu nunca vou ter letra bonita. – Pra ter
letra redonda é preciso segurar levemente o lápis e deixar que ele fique
inclinado sobre a abertura dos dedos. Eu não aprendo a segurar o lápis, mas
vou aprendendo as letras. A mãe escreve no caderno e eu copio. A letra
dela é mais bonita, mas eu consigo, com minha letra feia, imitar as palavras
[...] Depois de virar a folha do caderno, ela repete meu nome e pede pra eu
fazer o mesmo várias vezes [...] Esta letra é a mãe, escreve redondo, com o
mesmo cuidado com que costura [...] Eu já escrevo tremido, com as letras
separadas, porque não consigo ficar muito tempo parado. Só que pra