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Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela verossimilhança,
que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à definição.
Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor.. Mas não adiantemos;
vamos à primeira parte, em que eu vim a saber que já cantava, porque a denúncia de
José Dias, meu caro leitor, foi dada principalmente a mim. A mim é que ele me
denunciou. (DC, cap.X, p. 819)
O motivo musical da ópera volta à cena numa nova sucessão de dois
capítulos dominados pela reforma dramática; capítulo LXXII - “Uma Reforma
Dramática” e capítulo LXIII - “O Contra-Regra”. Entra em cena o destino e a ação do
destino, e o leitor desejará saber quem define o desígnio, se Deus, se o diabo ou o
desentendimento entre ambos na realização da ópera.
Encontraremos motivos que, conduzem ao desconcerto e a uma concepção
visivelmente trágica do destino.
Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta história poderia
responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia
as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai,
apagam-se as luzes, e os espectadores vão dormir. Nesse gênero há porventura
alguma cousa que reformar, e eu proporia, como ensaio, que as peças começassem
pelo fim. Otelo mataria a si e a Desdêmona no primeiro ato, os três seguintes seriam
dados à ação lenta e decrescente do ciúme, e o último ficaria só com as cenas iniciais
da ameaça dos turcos, as explicações de Otelo e Desdêmona, e o bom conselho do
fino lago: "Mete dinheiro na bolsa."
Desta maneira, o espectador, por um lado, acharia no teatro a charada habitual que
os periódicos lhe dão, por que os últimos atos explicam o desfecho do primeiro,
espécie de: conceito, e, por outro lado, ia para a cama com uma boa impressão de
ternura e de amor:
Ela amou o que me afligira,
Eu amei a piedade dela. (DC, cap.LXXII, p.883)
O mais significativo, aí, é a “emenda” que o casmurro, autor da partitura, tal
qual Satanás, faz ao libreto original, de tal sorte a invertê-lo, controlando os lances
imprevisíveis do final, à semelhança de um dramaturgo que tem nas mãos o destino
de suas pesonagens. O exemplo da tragédia Otelo já prefigura a inversão que fará
ao final – no capítulo CXXXV - “Otelo” na associação: Capitu – Desdêmona
Bentinho – Otelo