Cruzeiro, cujos posicionamentos mostravam a arbitrariedade a que a alemã brasileira fora
submetida. Num dos textos, David Nasser descrevem Margarida como vítima do medo:
Margarida Hirschman está sendo julgada por ter traído sua Pátria. Ela defende-
se, alegando coação. “- Ameaçavam-me de morte”. Esta reportagem historia o
medo da brasileira que atuava ao microfone da rádio inimiga, na Itália. Mas isso
é natural. Todos os ratos na hora final abandonam o navio, procurando salvação
de qualquer maneira. Portanto julguemos Margarida Hirschman. Julguemos sem
falsos pressupostos. Julguêmo-la sem part-pris, condenêmo-la se ela é culpada
como parece, absolvamo-la no caso problemático de ela ser inocente. Mas não
nos esqueçamos de julgar também os outros traidores da Pátria que não sairam
de casa.
Margarida Hirschman é uma vítima do mêdo. “- Nasci em São Paulo e meu pai,
José, e minha mãe, Madalena, residiam em São Paulo, onde o velho possuia um
comércio qualquer. Em, 1939, março, decidimos a viagem para a Alemanha, pois
o chefe da pequena família necessitava tratamento médico severo. Embarcamos
em um navio no pôrto de Santos e estávamos em Minich quando a guerra
começou”. Margarida não está falando ao repórter, mas a seu advogado, Tenente
Bento Leite Albuquerque, do Exército, nomeado ex-ofício para defende-la).
- “A princípios, os alemães não me obrigaram a trabalhar. Eu, para manter-me,
servia na Casa de Arte, porém depois, com a marcha da guerra desfavorável,
todos os homens válidos foram sendo gradativamente substituídos e ordenaram-
me a entrar para o Serviço de Trabalho Obrigatório. Dali fui enviada, sob pena
de fuzilamento, para a cidade italiana de Fino Monaco, no largo de Como, e
ainda sob ameaça disseram-me que atuasse como locutora e datilógrafa no
programa Auri-Verde, feito para os brasileiros. Durante os meses que esteve
nessa emissora, faltou-me talvez, a coragem necessária para trocar o microfone
pelo pelotão de fuzilamento. Desejo saber quantas mulheres preferiam a morte.
Várias vêzes tive conflito com o pessoal alemão e de tudo isso tenho provas
documentadas. Agora, surge um soldado brasileiro, capturado pelos alemães, e
que trabalhou sob coação ao meu lado; êsse soldado faz parte da acusação.
Pergunto eu se ele, homem e soldado, não encontrou meios de resistir, que
poderia fazer eu, uma mulher sozinha: confesso que tive mêdo. Podem até me
acusar de covardia. Mas não de traição. Em todos os anos que permaneci na
Alemanha ou na Itália, não deixei de ser forçada a realizar tarefas que
sinceramente não desejava executar. Deixei a estação alemã, na Itália quando os
aliados venceram a guerra e fui para Milão, onde encontrei diversos brasileiros,
convivendo com eles. Residi a êsse tempo num edifício de apartamentos situado
no Largo do Rio de Janeiro n.2. [...]
O Sr. Nicolau Baldine, que está sendo julgado pelo mesmo tribunal, saiu
diretamente da prisão, escoltado pela tropa SS, até à estação de rádio. Falávamos,
por assim dizer, com a faca encostada no pescoço. Todos nós, entretanto,
procurávamos ser úteis aos aliados, menos êsse tal Felício Mastrangelo, italiano,
e que não poderá ser julgado no Brasil, porque não nasceu aqui”. (Mastrangelo
vive em liberdade na Itália e é feliz). Ele era o chefe e o mentor dos programas.
Nós obedeciamos, apenas, milhões de pessoas estão nas mesmas condições e
foram perdoadas, porque não estava em suas mãos reagir contra a violenta
perseguição dos nazistas”.
O Tenente Leite de Albuquerque, um dos mais competentes advogados que
acompanharam a Fôrça Expedicionária Brasileira, está desenvolvendo uma
argumentação serena, precisa e sobretudo fartamente documentada, em tôrno da
atuação de Margarida Hirschman na Itália. Antes de tudo, espiã não é um têrmo
próprio, pois ela estava em terra ocupada pelo inimigo e se espionagem fazia,
somente poderia ser um favor dos aliados. Hipótese digna de atenção.
Confundiram-na com aquela criatura que atuava no Rádio de Berlim, fazendo a
intragável e mal temperada Salada Mista. Passou, Margarida, que é bela e loura,