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eram plenamente comparáveis a processos que se desenvolviam no espaço e no
tempo, como as ondas eletromagnéticas ou as ondas sonoras. Idéias obscuras, como
saltos quânticos e coisas parecidas, desapareceriam por completo. Eu não tinha
confiança numa teoria que contrariava inteiramente nossa concepção de
Copenhague, e fiquei perturbado ao ver que inúmeros físicos saudavam
precisamente essa parte da doutrina de Schrödinger, com um sentimento de
libertação. Ao longo dos anos, as conversas que eu tivera com Niels Bohr,
Wolfgang Pauli e outros tinham-me convencido de que era impossível construir um
modelo descritivo espaço-temporal dos processos atômicos – o elemento
descontínuo que (...) [era] um traço característico dos fenômenos atômicos não
permitia que se fizesse isso. Tratava-se, é claro, de uma característica negativa.
Ainda estávamos longe de uma completa interpretação física da mecânica quântica,
mas tínhamos certeza de que era preciso nos afastar da representação objetiva de
processos no tempo e no espaço
101
.
Embora seu tratamento às questões quânticas fosse, de acordo com
Jammer
102
, mais elegante e superior ao da mecânica matricial, a explicação física
de seu formalismo e, em particular, sua interpretação da função de onda não foram
tão bem sucedidos. A insuficiência de sua interpretação se explicitou quando, em
sua ida a Copenhague
103
, em setembro de 1926, Schrödinger teve que enfrentar
uma série de problemas
104
, dentre eles um concernente à dimensionalidade do
espaço de configuração de Ψ: não se tratava de processos ocorridos no espaço
tridimensional ordinário, mas de um espaço de configuração abstrato
105
. A
101
Heisenberg, Werner, A Parte e o Todo (1969), p.88-89.
102
Jammer, Max, The Conceptual Development of Quantum Mechanics, p. 281.
103
Schrödinger havia sido convidado por Sommerfeld para falar sobre sua mecânica ondulatória
em um seminário em Munique, no qual também estava presente Heisenberg. Sua interpretação
para o formalismo da mecânica ondulatória estava sendo favoravelmente aceita pela maior parte
dos participantes do seminário e as objeções feitas por Heisenberg foram vistas como pedantes.
Heisenberg escreveu, então, uma carta a Bohr, que decidiu convidar Schrödinger para os visitar em
Copenhague por uma ou duas semanas para discutir o assunto. (Jammer, Max, The Philosophy of
Quantum Mechanics, p. 56.) Cito Heisenberg, “Schrödinger pôde, nas longas discussões acerca
dos fundamentos da teoria quântica que duravam vários dias, apresentar uma convincente imagem
das novas e simples idéias de mecânica ondulatória, enquanto Bohr explicava a ele que nem
mesmo a lei de Planck poderia ser compreendida sem os saltos quânticos. “Se vamos ficar presos a
estes malditos saltos quânticos eu me arrependo de tudo que eu fiz que tenha a ver com a teoria
quântica,” Schrödinger finalmente exclamou em desespero, a que Bohr respondeu: “Mas o resto
de nós está muito agradecido por você ter feito isso porque você contribuiu em muito para a
clarificação da teoria quântica.” Heisenberg, Werner, “The Development of the Interpretation of
the Quantum Theory”, in Niels Bohr and the Development of Physics, p. 14.
104
Ver Jammer, Max, The Philosophy of Quantum Mechanics, p. 31-33, também Jammer, Max,
The Conceptual Development of Quantum Mechanics, p. 283.
105
Heisenberg, Werner, “The Development of the Interpretation of the Quantum Theory”, in Niels
Bohr and the Development of Physics, p. 13; Schrödinger estava ciente desta característica, ver
Jammer, Max, The Conceptual Development of Quantum Mechanics, p. 267: “Foi
repetidamente ressaltado o fato de que a função ψ por si mesma não pode e não deve ser
interpretada, de uma maneira geral, diretamente em termos de um espaço tridimensional – embora
o problema com apenas um elétron pareça sugerir tal interpretação – porque ela é, em geral uma
função num espaço de configuração e não em um espaço real.” (Schrödinger, Erwin,
“Quantisierung als Eigenwertproblem,” Annalen der Physik 79, 361-376 (4
th
communication;
1926), p. 135; Collected Papers on Wave Mechanics, Traduzido da Segunda edição alemã de
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